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NORMAS ORIENTAÇÃO
Psicotrópicos durante a Pandemia COVID-19
RESUMO
Introdução: A pandemia de COVID-19 constitui uma ameaça particularmente relevante para os portadores de doença mental e um
novo desafio para os profissionais que os acompanham. Até à data, tanto quanto sabemos, não existe qualquer revisão abrangente
publicada relativamente à utilização de fármacos psicotrópicos durante a pandemia COVID-19.
Material e Métodos: Revisão não sistemática da literatura. A pesquisa na PubMed foi realizada com os termos ‘psychotropic drugs’,
‘COVID-19’, ‘psychiatry’ e ‘pandemic’. Foram incluídos os consensos e as normas publicadas pelas sociedades científicas, entidades
governamentais e agências regulamentares de medicamentos.
Resultados e Discussão: Apresentam-se recomendações relativamente à utilização de psicofármacos durante a pandemia
COVID-19, em contexto de ambulatório e de internamento. O tratamento da perturbação afetiva bipolar e da esquizofrenia tem ago-
ra dificuldades acrescidas. Alguns psicofármacos interferem com os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na infeção pelo novo
coronavírus e têm interações com os fármacos utilizados no tratamento da COVID-19. Em doentes com COVID-19 e com delirium,
a utilização de psicofármacos poderá ser necessária. A cessação tabágica altera os níveis séricos de alguns psicofármacos e pode
condicionar a sua utilização.
Conclusão: A pandemia de COVID-19 coloca novos desafios na prática clínica. Os doentes psiquiátricos constituem uma população
vulnerável, sendo frequentemente necessária uma avaliação clínica, laboratorial e eletrocardiográfica cuidadosa, naqueles com o
diagnóstico de COVID-19. Os doentes mentais com COVID-19 apresentam uma complexidade acrescida na gestão da sua terapêutica
habitual.
Palavras-chave: COVID-19; Fármacos Psicotrópicos; Pandemia; Psiquiatria
ABSTRACT
Introduction: The COVID-19 pandemic is a particularly relevant threat to mentally ill patients, and it constitutes a new challenge for
health care providers. To the best of our knowledge, there is not any embracing published review about the use of psychotropic drugs
during the COVID-19 pandemic.
Material and Methods: Non-systematic literature review. A search in the PubMed database was performed, with the terms ‘psycho-
tropic drugs’, ‘COVID-19’, ‘psychiatry’ and ‘pandemic’. Consensus and clinical guidelines about psychotropic drugs and COVID-19
approach, published by scientific societies, governmental entities and drug regulatory agencies were included.
Results and Discussion: We present the recommendations about the use of psychotropic drugs during the COVID-19 pandemic,
in the outpatient and inpatient settings. The treatment of affective bipolar disorder and schizophrenia have now added increased dif-
ficulties. Some psychotropic drugs interfere with the pathophysiology of the novel coronavirus infection and they could interact with
the drugs used in the treatment of COVID-19. Some patients will need pharmacological interventions due to the presence of delirium.
Smoking cessation changes the serum levels of some psychotropic drugs and may influence their use.
Conclusion: The COVID-19 pandemic has created new challenges in clinical practice. Psychiatric patients are a vulnerable popula-
tion and often a careful clinical, laboratorial and electrocardiographic evaluation may be needed, particularly in those diagnosed with
COVID-19. The regular treatment of mentally ill patients with COVID-19 presents increased complexity.
Keywords: COVID-19; Pandemics; Psychiatry; Psychotropic Drugs
INTRODUÇÃO
A pandemia de COVID-19 representa uma ameaça Aproximadamente 14% dos doentes com COVID-19
particularmente relevante para os doentes mentais e um desenvolvem doença grave com necessidade de hospita-
novo desafio para os profissionais que os acompanham. lização1 e 5% podem apresentar critérios de admissão em
É admissível que estes doentes tenham uma maior vulne- unidades de cuidados intensivos (UCI).1,2 É de antecipar
rabilidade para a infeção COVID-19, atendendo às carac- que possam vir a existir doentes mentais infetados que ne-
terísticas biológicas (elevado número de fumadores com cessitem quer de internamento em unidades de Medicina/
compromisso respiratório e ao risco de desenvolvimento de UCI, atendendo à gravidade da doença, quer de interna-
complicações associadas às síndromas metabólicas), às mento prioritariamente psiquiátrico em área dedicada ao
psicológicas (má adesão ao confinamento, incumprimento COVID-19 (ADC) hospitalar.
de regras) e sociais (compromisso social, pobreza, limita- Até à data não se encontrou nenhuma revisão abran-
ção do acesso precoce a cuidados de saúde). gente relativa à utilização de psicofármacos durante a
1. Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Lisboa. Portugal.
2. Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.
3. Instituto de Farmacologia e Neurociências. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.
Autor correspondente: Gabriela Andrade. gabriela.andrade@chln.min-saude.pt
Recebido: 23 de abril de 2020 - Aceite: 16 de junho de 2020 | Copyright © Ordem dos Médicos 2020
ções relativas à abordagem psicofarmacológica, durante 1. Abordagem dos portadores de doença mental com
a pandemia, dos doentes mentais, independentemente de COVID-19
estarem infetados ou não. A norma da DGS n.º 011/2020 introduziu o modelo de
intervenção em serviços de Psiquiatria e Saúde Mental,
MATERIAL E MÉTODOS nas várias vertentes assistenciais.3 A referida norma ad-
Foi efetuada uma revisão não sistemática da literatura voga que doentes mentais com COVID-19 deverão ser
com o objetivo de pesquisar artigos científicos sobre o uso transferidos para uma enfermaria COVID-19 (com apoio da
de fármacos psicotrópicos durante a pandemia COVID-19. Psiquiatria de Ligação), pelo risco potencial de contágio a
Os autores identificaram resumos e textos completos da outros doentes e a profissionais e risco de descompensa-
base de dados PubMed até 19 de abril de 2020. Os termos ção não psiquiátrica da doença.3 Contudo, a decisão sobre
MeSH usados na pesquisa foram: ‘psychotropic drugs’, o serviço ou unidade em que o doente deverá ser internado
‘COVID-19’, ‘psychiatry’ e ‘pandemic’. Adicionalmente, fo- e também o nível de cuidado compete ao responsável pela
ram revistas as referências dos estudos encontrados para ADC hospitalar.3
identificar eventuais publicações complementares. Nas situações em que o internamento de um doente
Foram, também, incluídos consensos e normas de mental com COVID-19 observado em ADC não seja pos-
orientação clínica sobre fármacos psicotrópicos e a abor- sível, poderá ser necessária a prestação de cuidados em
dagem da infeção COVID-19. Estes documentos foram enfermaria de Psiquiatria na ausência de critérios de gravi-
publicados por sociedades científicas (Royal College of dade associados à infeção (Fig.1).
Psychiatrists e American Psychiatric Association), enti- As orientações resultantes da nossa pesquisa desti-
dades governamentais [Direção-Geral da Saúde (DGS) nam-se ao tratamento psicofarmacológico de doentes in-
e National Health Service] e agências regulamentares de ternados e em ambulatório durante a pandemia COVID-19,
medicamentos de Portugal, do Reino Unido e dos Estados sendo que o tratamento da perturbação afetiva bipolar
Unidos da América. A extração de dados foi efetuada inde- (PAB) (Fig. 2) e da esquizofrenia (Fig. 3) poderá revelar
pendentemente por dois dos investigadores. dificuldades acrescidas.
Estratificação do risco
Espetro de
gravidade
clínica Assintomático Sem critérios de gravidade Com critérios de internamento* Com critérios de admissão em UCI*
Quadro de infeção respiratória • Alteração do estado de consciência; 1 critério major ou ≥ 3 critérios minor
(febre, tosse, odinofagia e fadiga) • Instabilidade hemodinâmica;
• Dispneia em repouso ou para Critérios major:
Sem pneumonia ou pequenos esforços; • Choque sético com necessidade de
pneumonia ligeira • Frequência respiratória ≥ 30 cpm; vasopressores;
• Saturação periférica de O2 ≤ 94% • Insuficiência respiratória com
(em ar ambiente), na ausência de necessidade de ventilação mecânica
outra causa; invasiva.
• Hemoptises;
• Vómitos persistentes ou diarreia Critérios minor:
grave; • Frequência respiratória = 30 cpm;
• Febre alta (T ≥ 38º) persistente com • PaO2/ Fi O2 = 250;
mais de 48-72 h ou reaparecimento; • Pneumonia com envolvimento
• Presença de comorbilidades (DPOC, multilobal;
asma, doença hepática crónica, • Alteração do estado de conciência;
Na presença de descompensação de doença psiquiátrica e doença renal crónica, neoplasia • Ureia = 42 mg/dL;
impossibilidade de internamento em ADC Hospitalar maligna ativa, imunossupressão); • Leucopénia (< 4000 mm3) na
• Ausência de condições de ausência de outra causa;
habitabilidade ou de exequibilidade • Hipotensão com necessidade de
do isolamento, no domicílio. fluídoterapia intensiva.
Figura 1 – Abordagem do doente COVID-19 com patologia psiquiátrica, de acordo com a gravidade clínica
*: adaptado de 2,3
ADC: áreas dedicadas COVID-19; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crónica; FiO2: fração inspirada de oxigénio; PaO2: pressão parcial de oxigénio no sangue arterial; UCI: unidade
de cuidados intensivos
NORMAS ORIENTAÇÃO
Sem COVID-19 Com COVID-19
COVID-19 sem
COVID-19 com critérios de gravidade
critérios de gravidade
COVID-19 sem
COVID-19 com critérios de gravidade
critérios de gravidade
Manter terapêutica
da esquizofrenia Lopinavir/ Cloroquina/ Insuficiência
ritonavir hidroxicloroquina respiratória, febre Ventilação
alta ou SCA
Se estiver medicado
com clozapina
A quetiapina e Prolongamento ↓ Limiar Diminuir até retirar Ponderar
clozapina estão do intervalo QT convulsivo fármacos com interrupção
contraindicadas propriedades de todos os
(antipsicóticos) (antipsicóticos)
Consultar Fig. 4 em doentes anticolinérgicas fármacos
medicados com e os com
ritonavir propriedades
Monitorização sedativas
ECG (benzodiazepinas
(haloperidol, e antipsicóticos)
ziprasidona) e mudar para
risperidona,
aripiprazol ou
paliperidona
QT normal QT prolongado
NORMAS ORIENTAÇÃO
neutropenia e de agranulocitose são de, respetivamente, consequente aspiração17 e através de mecanismos imuno-
0,8% e 3%.14 -mediados.17,20 Todavia, o risco de recaída da psicose é ele-
Pelo risco de exposição à COVID-19, a realiza- vado após redução ou suspensão da dose, particularmen-
ção do controlo hematológico regular pode implicar ris- te, se houver uma descontinuação súbita.17
cos acrescidos. Por outro lado, doentes em quarentena Em doentes febris, a redução da dose para metade
têm limitações na acessibilidade à realização de exa- está indicada na presença de manifestações de toxicidade
mes laboratoriais.16 A omissão transitória do controlo induzida pela clozapina (sedação excessiva, mioclonias e
analítico pode ser considerada uma estratégia razoá- convulsões) e esta dose deverá ser mantida até ao final do
vel12 em doentes medicados com clozapina há mais terceiro dia de apirexia.17
de um ano, sem alterações prévias no hemograma,17 As alterações na fórmula leucocitária dos doentes com
e que integrem o grupo de risco associado à doença COVID-19 são variáveis, sendo a linfopenia o achado mais
COVID-19. comum.21 A continuação do tratamento com clozapina é se-
A realização de uma avaliação médica urgente, incluin- gura em doentes que apresentem leucopenia associada a
do a realização de hemograma, está indicada nos doentes uma CAN normal ou ligeiramente reduzida,14 na ausência
que apresentem sintomas sugestivos de infeção respira- de contraindicações. A abordagem dos doentes com neu-
tória (tosse, febre, odinofagia ou outros sintomas do tipo tropenia está descrita na Fig. 4.
gripal).17–19 O nível sérico de clozapina pode estar aumentado devi-
Em caso de COVID-19, sugere-se uma avaliação clí- do a alterações do seu metabolismo e/ou à cessação tabá-
nica com pesquisa de sinais de toxicidade induzida pela gica,14,17,18 devendo-se ponderar um ajuste de dose nestes
clozapina, a realização do hemograma completo e a deter- doentes.
minação dos níveis séricos de clozapina.18 Em doentes com depressão do SNC, compromisso da
A redução da dose em doentes infetados sem critérios função renal ou cardíaca grave e/ou doença hepática,13 a
de gravidade, não fumadores, não tem evidência robusta. clozapina está contraindicada. Se tiver havido descontinua-
Alguns autores referem que a clozapina está associada a ção da clozapina durante um período superior a 48 horas, é
Síntomas sugestivos
Avaliação médica urgente, com hemograma e, se possível,
de infeção
determinação dos níveis séricos de clozapina
respiratória
Abordagem dos doentes medicados com clozapina
Toracalgia e Diagnóstico diferencial (induzida pela clozapina ou de outra etiologia), entre outras
dispneia
Abordagem terapêutica de acordo com a etiologia e a Suspender clozapina se: CAN < 2,0 x 109/L, miocardite induzida
gravidade do quadro pela clozapina ou na presença de outras contraindicações
Neutropénia em
Monitorização do hemograma duas vezes por semana até obter
doentes com CAN 1,5 ─ 2,0 x 109/L 2 resultados consecutivos de CAN > 2,0x109/L
COVID-19
Suspender a clozapina e monitorização do hemograma duas CAN > 1,5 x 109/L: reinstituir a clozapina,
CAN < 1,5 x 109/L
vezes por semana até obter CAN > 2,0x109/L na ausência de contraindicação
necessário fazer de novo a titulação deste fármaco.18 as benzodiazepinas devem ser utilizadas com precaução e
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Em doentes com toracalgia e dispneia, o diagnóstico está recomendada a prescrição de oxazepam, lorazepam
diferencial deve incluir, para além da suspeita de infeção ou temazepam. Estes fármacos são metabolizados apenas
COVID-19, infeções não-COVID12,14 associadas a neutro- por conjugação (reações de fase II), não sofrendo processo
penia e outras doenças inflamatórias não infeciosas, como de metabolismo hepático de fase I (oxidação, hidroxilação
a miocardite (em que a interrupção de clozapina está in- ou outras).25 Para doentes com depuração renal inferior a
dicada).13 Contudo, sabe-se que doentes com COVID-19 10 mL/min, sugere-se a redução da dose em 25% a 50%.25
podem apresentar cardiomiopatia.21 Doentes idosos, com doença neurológica ou perturbação
da personalidade têm risco acrescido de apresentarem rea-
Antipsicóticos injetáveis de libertação prolongada ções paradoxais.
(APILP) Na presença de repercussões sistémicas associadas a
A periodicidade de administração de APILP depende da COVID-19 em doentes sob terapêutica benzodiazepínica,
substância ativa. Nas situações em que não existe possi- podem colocar-se problemas relacionados com o surgi-
bilidade de administrar o APILP da forma e na frequência mento de um quadro de privação ou a existência de insu-
habituais, podem ser consideradas várias estratégias.18,22 ficiência respiratória, com eventual necessidade de admis-
Sempre que possível, sugere-se a escolha de um APILP são em UCI.
com um maior intervalo de administração. No contexto de UCI, a evidência atual recomenda a se-
Em doentes estáveis medicados quinzenalmente com dação com recurso a fármacos não benzodiazepínicos, em
solução injetável de risperidona de libertação prolongada, doentes com ventilação mecânica invasiva (grau de reco-
sugere-se a mudança para palmitato de paliperidona na mendação 2B).26 A utilização de benzodiazepinas em UCI
dose equivalente, atendendo à sua maior semi-vida.22 Nos está associada a piores outcomes,27 em termos de sedação
doentes medicados com injetável mensal de palmitato de excessiva, desenvolvimento de delirium, extubações mais
paliperidona, com estabilidade clínica há, pelo menos, seis tardias e permanência mais prolongada nestas unidades.28
meses, sugere-se a formulação de administração trimes-
tral, na dose equivalente.22 Opióides (buprenorfina e metadona)
Após alteração do esquema terapêutico, o doente deve- Os fármacos opióides são usados para terapia de subs-
rá ser reavaliado uma semana depois.22 tituição, em manutenção, dos doentes adultos com pertur-
Em doentes com suspeita ou diagnóstico de infeção por bação da dependência de opióides. A depressão respirató-
COVID-19, a administração deverá ser feita, preferencial- ria surge essencialmente por diminuição da sensibilidade
mente, no domicílio, pelo profissional de saúde, com equi- do centro respiratório ao CO2. Provavelmente os pacientes
pamento de proteção individual (EPI) adequado. que sofrem de dependência a opióides estão em risco au-
Em situações particulares, pode ser diferida a admi- mentado de ser infetados.29
nistração do APILP18 e optar-se pela formulação oral (por Não se encontraram referências específicas para os
exemplo, num doente com critérios de gravidade). riscos de insuficiência respiratória em doentes COVID-19
Os resumos das caraterísticas de cada um destes me- medicados com opióides. Assim, deverá prevalecer o sen-
dicamentos (RCM) contêm orientações relativas a situa- tido clínico individual. Os opióides devem ser usados com
ções em que existe a omissão da administração prevista precaução em doentes com reserva respiratória limitada
do APILP. (asma, doença pulmonar obstrutiva crónica ou outras). De-
vem-se evitar aumentos da dose e vigiar cuidadosamente
Benzodiazepinas a saturação de oxigénio e os sinais de dificuldade respira-
As benzodiazepinas estão aprovadas no tratamento tória. A dose deve ser reduzida, tanto quanto possível len-
sintomático da ansiedade e da insónia.23 Também podem tamente. Em emergência dever-se-ão usar os antagonistas
ser utilizadas no tratamento da abstinência alcoólica ou dos recetores dos opióides, particularmente, a naloxona.
como coadjuvantes no tratamento de outras perturbações É de realçar que a abstinência a opióides, isoladamen-
psiquiátricas, particularmente, em quadros de descompen- te, não conduz à morte, contrariamente à privação alcoóli-
sação que motivam internamento. Apresentam um elevado ca.6
índice terapêutico, sendo que doses terapêuticas podem
produzir sedação ligeira, geralmente, sem efeito depressor Outros fármacos
do centro respiratório e sem compromisso cardiovascular.24 Para além dos fármacos referidos, alguns antidepres-
As benzodazepinas diferem entre si pelas suas pro- sivos (antidepressivos tricíclicos, mirtazapina e trazodona)
priedades farmacocinéticas. Estão contraindicadas na e alguns antipsicóticos (clorpromazina, levomepromazina,
presença de insuficiência respiratória grave.23 Situações ciamemazina, clozapina, quetiapina e olanzapina) apre-
de depressão respiratória ocorrem quando se verifica a sentam propriedades sedativas6, pelo que a sua prescrição
combinação das benzodiazepinas com outras substâncias deverá ser criteriosa.
depressoras do SNC (nomeadamente, antidepressivos tri-
cíclicos, opióides ou álcool). 3. COVID-19 e manifestações neuropsiquiátricas
Em doentes com alterações hepáticas, genericamente, As manifestações psiquiátricas num doente com uma
determinada infeção viral podem decorrer do envolvimento A infeção, fármacos sedativos e/ou anticolinérgicos e
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primário do SNC, dos efeitos secundários produzidos pela exacerbação de doença crónica são alguns fatores que
resposta imunomediada ou, indiretamente, através de efei- podem estar presentes num doente com COVID-19 e que
tos sistémicos.30 Dados recentemente publicados sugerem são precipitantes da SCA.34 Este quadro pode ocorrer sob a
que o novo coronavírus tem propriedades neurotrópicas,31 forma hiperativa, hipoativa (mais comum e associada a pior
podendo conduzir ao aparecimento de sintomas neuropsi- prognóstico) ou mista.34
quiátricos. Nos doentes com SCA importa pesquisar a existência
de etiologias metabólicas, tóxicas e farmacológicas, entre
Síndrome confusional aguda outras.
A síndrome confusional aguda (SCA) é uma das cau- As intervenções de primeira linha são dirigidas à causa
sas mais frequentes de manifestações psicopatológicas da SCA34 e utilizam-se, preferencialmente, estratégias não
em doentes internados noutras especialidades, sendo mais farmacológicas na gestão das alterações do comportamen-
comum nas pessoas de idade mais avançada,32–34 nos qua- to.34 Contudo, a sua implementação na população de doen-
dros de maior gravidade e na presença de défices senso- tes COVID-19 é limitada. A utilização de EPI e o isolamento
riais e demência.33,34 A desorientação, flutuação do estado podem conduzir ao agravamento do quadro.33
de consciência e diminuição da atenção podem constituir No tratamento da SCA em doentes COVID-19 sugere-
a apresentação clínica da infeção COVID-19 em idosos, -se a utilização de haloperidol (0,5 – 2 mg; máximo: 3 –
dado que que a febre é menos comum nesta população e 5 mg/dia), risperidona (0,25 – 0,5 mg; máximo 3 mg/dia),
nem todos os doentes infetados apresentam tosse ou disp- quetiapina (12,5 – 50 mg; máximo: 50 – 100 mg/dia), olan-
neia. zapina (2,5 – 5 mg; máximo: 10 – 20 mg/dia) e lorazepam
Haloperidol Aumenta os níveis séricos do antipsicótico por Aumenta os níveis séricos ou o efeito do antipsicótico
inibição do CYP2D6 Risco moderado de prolongamento do intervalo QT
Risco de prolongamento do intervalo QT Diminuição do limiar convulsivo.
Clorpromazina Aumenta os níveis séricos do antipsicótico por inibição do CYP2D6
Risco de prolongamento do intervalo QT
Diminuição do limiar convulsivo.
Quetiapina Aumenta os níveis séricos do antipsicótico por Risco moderado de prolongamento do intervalo QT
inibição do CYP3A4. Diminuição do limiar convulsivo.
Risco de prolongamento do intervalo QT.
A utilização de quetiapina está contraindicada.
Risperidona Aumenta os níveis séricos do antipsicótico por Risco moderado de prolongamento do intervalo QT
inibição do CYP2D6 Diminuição do limiar convulsivo.
Risco de prolongamento do intervalo QT
Valproato de sódio Redução dos níveis séricos de valproato de Redução da eficácia do valproato de sódio em doentes
sódio. com epilepsia.
Lamotrigina Inibição da glucuronidação da lamotrigina. Utilizar Redução da eficácia da lamotrigina em doentes com
o regime de escalonamento e suspensão da epilepsia.
lamotrigina de acordo com o seu RCM.
(0,25 – 1 mg; máximo: 2 mg/dia).26,32–34 No entanto, nem alteração da dose.42,43 Recomenda-se, assim, vigilância e
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todos os doentes poderão responder a estas estratégias, prudência na associação, ponderando mudanças de dose
pelo que se torna necessária a articulação com a Psiquia- de acordo com o eventual surgimento de efeitos tóxicos.
tria de Ligação. Os eventos adversos psiquiátricos mais importantes
Está recomendada a utilização de um antipsicótico na associados à terapêutica da infeção COVID-19, pela sua
menor dose possível. O haloperidol é, geralmente, um dos frequência ou gravidade, são: os comportamentos suicidá-
fármacos de primeira linha, devendo ser utilizado com pre- rios (raros) e sintomas psicóticos com a hidroxicloroquina44;
caução pelo risco de desenvolvimento de sintomas extra- a ansiedade com o lopinavir/ ritonavir45 e as manifestações
piramidais (SEP) e pelo seu potencial arritmogénico. Em psicóticas ou maniformes com glucocorticóides.5
pacientes com doenças neurológicas com sintomas moto-
res, sugere-se a escolha da quetiapina, a qual apresenta 5. Outras considerações
um perfil de menor risco de desenvolvimento de SEP. Na Psicofármacos e termorregulação
doença de Corpos de Lewy pode haver um aumento da Durante um quadro infeccioso, pode ocorrer a perda
sensibilidade aos antipsicóticos, com consequente neces- de equilíbrio entre os mecanismos de termogénese e ter-
sidade de escolha adequada do antipsicótico e de ajuste da mólise (como a vasodilatação e a sudorese),46 o que pode
sua dose. associar-se à SCA.
A transmissão colinérgica a nível do hipotálamo e a
4. Psicofármacos e medicamentos usados no trata- transmissão dopaminérgica na área pré-ótica e no hipotála-
mento da COVID-19 mo anterior têm um papel no centro termorregulador.47,48
Atualmente, em Portugal, não existem fármacos com Alterações na transmissão colinérgica a nível central, mas
indicação regulamentar no tratamento da doença provo- também a nível dos recetores muscarínicos M2 das glân-
cada pelo novo coronavírus. Recentemente, o Infarmed dulas sudoríparas, interferem na termorregulação.48 Alguns
recomendou a suspensão da utilização de hidroxicloroqui- fármacos podem ainda causar febre através da estimula-
na,35 pelo risco de desenvolvimento de efeitos adversos ção da resposta imune ou por possuírem propriedades pi-
potencialmente graves. De qualquer forma, estão descritas rogénicas intrínsecas.47
interações entre algumas das potenciais intervenções me- As principais classes de psicofármacos com ações anti-
dicamentosas no tratamento da doença COVID-19 e vá- colinérgicas47,48 que poderão agravar estados febris são os
rios psicofármacos (Tabela 1),36-39 nomeadamente, no que antipsicóticos (particularmente as fenotiazinas alifáticas e
respeita ao prolongamento do intervalo QT e à redução do piperidínicas, a clozapina, e antipsicóticos de segunda ge-
limiar convulsivo. ração tais como a olanzapina e a quetiapina), alguns anti-
O risco de prolongamento do intervalo QT e de torsa- depressivos (nomeadamente os antidepressivos tricíclicos)
des de pointes está aumentado se duração do intervalo QT e os fármacos utilizados no tratamento de SEP (cloridrato
corrigido for superior a 450 ms nos homens e a 470 ms de biperideno e cloridrato de triexifenidilo). Sugere-se uma
nas mulheres.6 Nos doentes COVID-19 medicados com utilização criteriosa destes fármacos, particularmente nos
fármacos associados ao prolongamento do intervalo QT e doentes com critérios de gravidade.
com outros fatores de risco (doença cardíaca e distúrbios
hidroeletrolíticos), recomenda-se uma monitorização ele- Psicofármacos e cessação tabágica
trocardiográfica mais frequente. O consumo de tabaco está relacionado com a indução
A redução do limiar convulsivo está descrita quando há de enzimas hepáticas, particularmente do CYP1A2.12 Du-
coadministração de lopinavir/ ritonavir e valproato (por re- rante a pandemia, alguns doentes poderão reduzir ou ces-
dução dos seus níveis séricos)40 e nos doentes medicados sar os seus consumos, o que poderá levar ao aumento da
com cloroquina ou hidroxicloroquina.37 Os antipsicóticos concentração plasmática de alguns fármacos. Aconselha-
podem também diminuir o limiar convulsivo, pelo que a sua -se a avaliação clinico-laboratorial, podendo ser necessária
administração com fármacos com potencial de interação uma redução da dose de alguns psicofármacos (nomea-
deverá ser feita com precaução. damente clozapina, olanzapina e fluvoxamina). É pouco
A utilização de clozapina e quetiapina está contraindi- provável que a terapêutica de substituição da nicotina seja
cada em doentes medicados com ritonavir, devido ao au- uma alternativa terapêutica, uma vez que esta não parece
mento das suas concentrações plasmáticas e risco de toxi- induzir o metabolismo hepático.18
cidade associada.36 O lopinavir e ritonavir são indutores da
glucuronidação da lamotrigina, pelo que em doentes medi- CONCLUSÃO
cados com este psicofármaco dever-se-á ter em considera- A pandemia de COVID-19 coloca novos desafios na
ção os regimes de escalonamento ou suspensão propostos prática clínica. Os doentes psiquiátricos constituem uma
no RCM.41 população vulnerável, sendo frequentemente necessária
Apesar da administração lopinavir/ ritonavir estar asso- uma avaliação clínica, laboratorial e eletrocardiográfica
ciada a um aumento dos níveis séricos da buprenorfina, cuidadosa, particularmente naqueles com o diagnóstico
a relevância clínica deste aspeto tem sido questionada e de COVID-19. Os doentes mentais com COVID-19 apre-
vários autores referem não parecer haver necessidade de sentam uma complexidade acrescida na gestão da sua
NORMAS ORIENTAÇÃO
Estas recomendações pretendem ser úteis e têm como Os autores declaram não ter conflitos de interesses re-
objetivo apresentar o racional clínico subjacente às estra- lacionados com o presente trabalho.
tégias psicofarmacológicas, de forma a minimizar os riscos
associados. FONTES DE FINANCIAMENTO
Este trabalho não recebeu qualquer tipo de suporte fi-
nanceiro de nenhuma entidade no domínio público ou pri-
vado.
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