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Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela.

Não
vinha em traje de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que lhe deixava
ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de
diversas cores. No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca,
havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um
gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos
e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano,
respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes
claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.
Acudiu quase todo o cortiço para recebê-la. Choveram abraços e as chufas do
bom acolhimento. (p.38-39)

TRECHO DA OBRA O CORTIÇO.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa
da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce
como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito
perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão
e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara.
O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra
com as primeiras águas. –

TRECHO DA OBRA IRACEMA


Como eu quisesse falar também para disfarçar o meu estado, chamei algumas
palavras cá dentro, e elas acudiram de pronto, mas de atropelo, e encheram-me
a boca sem poder sair nenhuma. O beijo de Capitu fechava-me os lábios. Uma
exclamação, um simples artigo, por mais que investissem com força, não
logravam romper de dentro. E todas as palavras recolheram-se ao coração,
murmurando: “Eis aqui um que não fará grande carreira no mundo, por menos
que as emoções o dominem...” Assim apanhados pela mãe, éramos dois e
contrários, ela encobrindo com a palavra o que eu publicava pelo silêncio.
(Machado de Assis, Dom Casmurro.)

A baronesa era uma das pessoas que mais desconfiavam de nós. Cinquenta e
cinco anos, que pareciam quarenta, macia, risonha, vestígios de beleza, porte
elegante e maneiras finas. Não falava muito nem sempre; possuía a grande arte
de escutar os outros, espiando-os; reclinava-se então na cadeira,
desembainhava um olhar afiado e comprido, e deixava-se estar. Os outros, não
sabendo o que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo que ela olhava só,
ora fixa, ora móbil, levando a astúcia ao ponto de olhar às vezes para dentro de
si, porque deixava cair as pálpebras; mas como as pestanas eram rótulas*, o
olhar continuava o seu ofício, remexendo a alma e a vida dos outros.(Machado
de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.)*Rótula: persiana, gelosia.

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