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Seja um Líder

A história amazônica que mudará sua


liderança profissional e pessoal
Romulo Gutierrez

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Romulo Gutierrez

Seja um Líder

A história amazônica que mudará sua


liderança profissional e pessoal

São Paulo - 2011

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Romulo Gutierrez

Copyright © Romulo Martins Gutierrez


Projeto gráfico:
Editora Ixtlan
Revisão:
Bruna Longobucco
Diagramação:
Márcia Todeschini
Capa:
Alexandre Boure
ISBN: 978-85-63869-17-3

______________________________________________________

Gutierrez, Romulo Martins


Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua
Liderança profissional e pessoal
ISBN: 978-85-63869-17-3

1.Administração. 1.Título 2. Literatura brasileira


CDD B869
______________________________________________________

Proibida a reprodução total ou parcial dos


textos para qualquer fim, sem autorização prévia e
por escrito do autor. Os infratores serão punidos na
forma da lei.

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AGRADECIMENTOS

É irrefutável que se registre um preito de especial


agradecimento aos meus amados pais, José Carlos Gutierrez e
Aparecida Gutierrez, por estarem presentes em cada trajetória da
minha vida, sempre me ensinando os caminhos certos, com muito
amor e dedicação.
Aos meus queridos irmãos, Carlo Gutierrez e Stéfano
Gutierrez, pela amizade e companheirismo.
Aos meus alunos e amigos que sempre me inspiraram ao longo
das pesquisas que deram origem a este livro.
E, principalmente, quero agradecer ao meu DEUS todo-
poderoso, sócio e participante ativo deste projeto, pois sem ele em
minha vida, nada seria possível.

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Romulo Gutierrez

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DEDICATÓRIA

A minha amada esposa Nadine Gutierrez, que acompanhou e


compartilhou toda trajetória para o desenvolvimento deste trabalho.

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Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................. 11

Capítulo 1 — Do sucesso à ruína: “a maldita liderança” ................ 13

Capítulo 2 — A viagem inesquecível: “Resgatado pelo líder” ....... 18

Capítulo 3 — O desespero: “Perdido com mistérios” ..................... 21

Capítulo 4 — Se quiser liderar aprenda o que é liderar................... 27

Capítulo 5 — Se quiser liderar, deixe de chefiar............................. 32

Capítulo 6 — Se quiser liderar, aprenda a motivar ......................... 40

Capítulo 7 — Se quiser liderar aprenda a escutar ........................... 52

Capítulo 8 — Se quiser liderar aprenda a transformar .................... 65

Capítulo 9 — Se quiser liderar aprenda a “assertar” ....................... 75

Capítulo 10 — Se quiser liderar aprenda a disciplinar .................... 89

Capítulo 11 — Se quiser liderar aprenda a empreender ................ 101

Capítulo 12 — O fim dos mistérios.............................................. 113

Capítulo 13 — A segunda viagem inesquecível: resgatado para a

vida ................................................................................................. 119

Capítulo 14 — Da ruína ao sucesso: “dando a volta por cima” .... 124

Referências Bibliográficas ........................................................... 128

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INTRODUÇÃO

O bom líder sempre consegue aperfeiçoar os resultados de


suas equipes.
Essa é uma ideia consagrada tanto no mundo empresarial como
em outros diversos contextos de nossas vidas. Mas, quais são as
características de um líder excelente?
Alguns dizem que o líder ideal já nasce pronto e, no transcorrer
da vida, melhora esse dom. Outros afirmam que a liderança é
aprendida dia a dia e está ligada aos relacionamentos que
desenvolvemos. Certo mesmo é que muitos lideram sem saber
liderar; e outros, até sabem liderar, mas ainda não assumiram
posições de liderança!
O mundo dos negócios tem se preocupado sobremaneira com a
formação de seus líderes. Anualmente, as empresas investem milhões
em programas de treinamentos, palestras motivacionais e outras
modalidades de cursos para desenvolver as capacidades de seus
líderes, pois sabem que são determinantes para as equipes doarem o
máximo de seu potencial. Entretanto, na maioria das vezes, as
organizações não observam que o paradigma da liderança passou por
uma mudança fundamental: “Hoje em dia não basta comprar os
braços dos trabalhadores. É necessário conquistar o coração.”
A verdade é que liderar é uma arte, um ofício que requer muita
transpiração, compreensão e amor. É provável que este livro desperte
em você os verdadeiros valores da liderança deste século XXI:
Comprometimento, respeito e resultados.
Com bases teórico-científicas consolidadas, sedimentadas
numa trama extremamente envolvente narrada por Silas Bittencourt,
você será levado aos confins da floresta amazônica, onde um
ermitão, chamado Hermes Oliveira, compartilhará todos os seus
conhecimentos sobre liderança, adquiridos em mais de 30 anos de
estudos e de sua prática no famoso exército da Legião Estrangeira.
Seja um Líder — A história amazônica que mudará sua
liderança profissional e pessoal é um livro para executivos,
estudantes, pais, mães e todos aqueles que acreditam que liderar é a

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capacidade de inspirar os outros, porém, sabem que esta é uma


missão muito árdua.
Se você acha que sua equipe pode melhorar sua performance,
ninguém mais pode fazer isso por você. Leia Seja um Líder — A
história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal
e se transforme para sempre.

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Capítulo 1 — Do sucesso à ruína:


“a maldita liderança”

Mal podia esperar para que aquele dia 12 de maio de 2007


terminasse. Aliás, posso ir até um pouco além! Eu realmente deveria
esquecer o ano de 2007, tantas as decepções e tristezas que vivi nas
mais diversas áreas da minha vida: familiar, sentimental e também
profissional.
Olhando para trás, não consigo acreditar que eu, um pai de
família responsável, um marido amado e fiel, além de ser um
executivo de grande sucesso, estava passando por tantas dificuldades,
me sentindo completamente sem rumo e sem direção.
Minha ex-esposa, Francine, sempre foi extremamente dedicada
a mim, ao nosso filho João Pedro e ao lar. Nosso casamento
realmente parecia ser sólido e feliz. Entretanto, no início do ano de
2007, comecei a notar que Francine sempre estava reclamando que
eu me dedicava demais ao trabalho e muito pouco à nossa família.
Todas as vezes que ela me dizia isto, tentava ser paciente com a
situação, entretanto, não era capaz de entender a solidão relatada por
Francine e o final desta história era sempre o mesmo: muitas brigas e
discussões. Infelizmente, no dia 05 de maio de 2007, ao chegar de
uma viagem de negócios aos Estados Unidos, notei que Francine não
estava mais em casa. Revirei e procurei suas coisas nos armários e
gavetas, a única coisa que encontrei foi uma carta manuscrita num
velho papel timbrado da Marques — empresa em que atuei até o dia
11 de maio de 2007, que dizia:
— “Silas, infelizmente, não consigo mais suportar nossa
relação desta maneira. Sua ausência para comigo e nosso filho me
entristecem e isto fez com que meu amor por você esfriasse pouco a
pouco, hoje conclui que já não te amo. Sendo assim, nosso
casamento está acabado. Minha advogada te procurará para
partilharmos nossos bens. Seja feliz, Francine.”
Quando isso aconteceu, João Pedro, nosso único filho já tinha
completado 17 anos. Talvez a atitude de Francine estivesse ligada ao
comportamento do nosso filho, nos últimos meses. João Pedro havia
se envolvido com amizades ruins no Colégio Práxis (um dos mais

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renomados colégios da Cidade de São Paulo, onde morávamos) e


passou a ser usuário de drogas. No mês de Janeiro de 2007, quando
nos deparamos com esta situação, ficamos realmente desesperados.
O filho a quem demos tanto carinho, amor, em que investimos
tanto, estava entregando a sua vida à maior maldição criada pelo
homem: as drogas. O que mais me chocou nesta história foi que,
realmente, não conseguimos notar tal situação a tempo de ajudar
João Pedro. Quando percebemos, nosso “filhinho” querido estava
completamente perdido no caminho das drogas e a única solução
encontrada foi procurar a clínica J.C. (a melhor clínica do Brasil na
recuperação de dependentes químicos) e interná-lo, na expectativa de
que os médicos e, principalmente DEUS, pudessem trazer nosso João
Pedro de volta.
Sobre minha carreira profissional, posso afirmar que sempre
foi marcada por grandes batalhas e muito sucesso. Comecei a
trabalhar na cafeteria São Marcos, no ano de 1987, quando tinha
apenas 14 anos de idade. Era uma empresa mediana que atuava em
alguns shoppings da cidade de São Paulo. No início, meu trabalho lá
se restringia a retirar bandejas das mesas, fazer a limpeza do
estabelecimento e, algumas vezes, era treinado a operar o caixa. Em
cinco anos de empresa, com muita dedicação e esforço, consegui
assumir a gerência da loja situada no bairro da Pompéia, obtendo,
assim, um pomposo salário de R$ 4.500,00. Talvez o valor realmente
não seja exorbitante, mas considerando que eu era um jovem de
apenas 19 anos de idade, que acabara de concluir o ensino médio, o
salário que consegui na Gerência da cafeteria era excelente. Foi
exatamente com este rendimento que consegui subsidiar meu curso
superior em Administração de Empresas, na Universidade
Paulistanos e formalizar meu casamento com Francine.
A minha desenvoltura gerencial na cafeteria São Marcos era
muito boa. Em apenas um ano de gerência na loja Pompéia, consegui
triplicar o faturamento anual, utilizando estratégias agressivas de
marketing, além da implementação de um eficaz planejamento
estratégico. Entretanto, havia um grande problema na minha gestão:
a liderança que exercia sobre meus subordinados não era eficiente.
As ordens que dava raramente eram executadas e, quando
executadas, estavam completamente desconexas do que eu realmente
havia proposto. Percebia que os funcionários sob minha direção, não
se doavam ao trabalho, fazendo apenas o necessário. Como estudante

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de Administração, sabia que fazer somente o previsto seria inócuo


para encantar nossos clientes, o que inviabilizaria a fidelização. A
melhor maneira que encontrei para acabar com esta dificuldade, foi
distribuir punições aos funcionários que não cumpriam as ordens que
dava. Notei que isto não aumentou substancialmente o
comprometimento com as tarefas, mas, ao menos, eles me obedeciam
e faziam o que eu mandava.
No ano de 2002, no ápice da minha carreira profissional,
quando era supervisor geral das 12 lojas que compunham a rede das
cafeterias São Marcos e com um salário mensal de R$ 20.000,00, fui
convidado por Adamastor Marques, um dos mais assíduos clientes da
cafeteria, para trabalhar em sua empresa. Tratava-se da Marques
Fast, a maior empresa do segmento fast-food nos shoppings de São
Paulo. Quando recebi o convite fiquei bastante receoso, entretanto,
um vantajoso salário de R$ 45.000,00, diversos benefícios, além de
atuar numa das mais reconhecidas e significativas empresas de fast-
food nacional me convenceram a trocar a cafeteria São Marcos pela
toda poderosa Marques Fast.
No início, ser o Gerente Executivo das 65 lojas Marques Fast,
distribuídas em todo território nacional, foi uma tarefa extremamente
capciosa. No entanto, com muita perspicácia, trabalho e talento, aos
poucos fui eliminando as dificuldades iniciais e, em menos de dois
anos sob minha supervisão, a Marques Fast tornou-se a primeira
empresa de fast-food brasileira a ingressar no competitivo mercado
norte-americano.
Com a abrupta e triunfante ascensão na carreira, adquiri quatro
imóveis na cidade de São Paulo, além de uma belíssima casa de praia
em Ilhabela, onde eu e Francine sempre passeávamos de lancha pela
baía de Castelhanos.
Embora obtivesse grande êxito em minhas atividades
profissionais, era notório para mim a grande dificuldade que tinha
em liderar meus subordinados. Não conseguia ser obedecido sem
utilizar-me do “poder” que meu cargo tinha e, constantemente, tinha
que discutir ou até mesmo demitir funcionários que se opusessem às
ações que planejava.
Foram exatamente estes problemas com diversos subordinados
na Marques Fast que motivaram a minha demissão em 10 de maio de
2007. Numa reunião geral, os supervisores setoriais explicitaram a
grande insatisfação que diversos funcionários das lojas Marques Fast

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tinham com o meu estilo de liderança. Adamastor Marques, já ciente


dos constantes conflitos que tinha com os demais funcionários, me
olhou fixamente durante toda reunião e, no final, disse:
— Silas Bittencourt! Já havia sinalizado para você rever seus
meios de liderar seus grupos de trabalho. Sei que é brilhante nas
estratégias de marketing e nos ajudou muito durante estes anos, mas,
infelizmente, seu índice de rejeição é muito grande por parte de
nossos funcionários. Sendo assim, você está demitido! Dirija-se à
gestão de recursos humanos para formalizar sua demissão.
Quando isto aconteceu, eu me senti realmente muito incapaz.
Meu filho internado numa clínica para dependentes químicos! Meu
casamento praticamente terminado! E agora despedido! Tudo isso
parecia um grande pesadelo que a qualquer momento fosse acabar,
mas, infelizmente, a realidade estava ali, bem na minha frente.
Somente as ligações dos meus pais me consolavam diante de tantas
perdas.
Eis que nesse melancólico 12 de maio de 2007, após muitas
horas sem dormir, ouço o toque da campainha. Pensei em não
atender, mas a insistência do “visitante inoportuno” era tanta que fui
verificar quem era. Quando olhei pelas câmeras do circuito interno
de segurança, lá estava meu melhor amigo, Fábio Eduardo.
Relutante e indisposto fui atendê-lo.
— Todo dia é um grande dia meu amigo! — afirmou o
Fabinho, com sua espontaneidade característica.
— Fábio, hoje realmente não estou para papo. Desculpe-me
amigo, mas tudo que quero agora é ficar só. — afirmei com uma voz
trêmula e um grande nó na garganta, quase entrando em prantos.
Fabinho, com um olhar penetrante e um tom de voz
consolador, perguntou:
— Você vai ficar assim até quando? Emprego, você conseguirá
melhor. Francine não é a última mulher deste mundo e João Pedro
tem andado muito bem na clínica; provavelmente estará recuperado
logo! Por que lamentar tanto, meu amigo? — Fabinho estava ciente
dos meus problemas, mas não da minha dor.
É claro que o Fabinho (assim que eu o tratava desde quando
iniciamos nossa amizade lá em 1987 na cafeteria São Marcos) queria
me animar. Mas tenho certeza de que ele não tinha noção da imensa
dor e incapacidade que estava sentindo diante do turbilhão de
problemas que vivia.

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Murmurando e extremamente contrariado, chamei-o para


entrar. Surpreendentemente, Fabinho negou meu convite, dizendo:
— Não entrarei. Hoje, nós iremos para uma aventura
inesquecível!
Com um tom de voz alto e uma flagrante indisposição para o
convite, disse: — analise minha situação e veja se estou com cara de
fazer aventuras inesquecíveis...
Fábio baixou a cabeça, respirou e disse calmamente: darei a
você 40 minutos para tomar um banho, se barbear e trazer sua
mochila de acampamento, meu amigo. Nosso voo para a Amazônia
sairá em menos de duas horas.
Quando Fabinho deixou a cafeteria São Marcos em 1990,
passou a se dedicar à atividade de Guia de Turismo. Sempre está
envolvido e querendo me envolver em passeios ecológicos. É bem
verdade que as poucas vezes em que consegui acompanhá-lo em seus
acampamentos, me diverti muito, mas ir para a floresta amazônica
numa hora tão imprópria era realmente pedir demais.
— Sinto muito. Sei que quer me ajudar, distrair minha mente
com outras coisas, mas desta vez, realmente não poderei acompanhá-
lo.
— Também sinto muito, Silas. Só saio daqui com você. Vamos
para um “mega-acapampamento” na maior floresta tropical do
mundo. — insistiu Fabinho, adotando uma postura enfática e
irredutível.
Sem grandes escolhas e com meu estado psicológico
extremamente abalado, resolvi acatar o convite do meu melhor
amigo. O que não podia prever é que aquele acampamento para
floresta amazônica iria mudar a minha vida para sempre.

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Capítulo 2 — A viagem
inesquecível: “Resgatado pelo líder”

No avião particular que fretamos rumo a Manaus, capital do


estado do Amazonas, Fabinho me deu maiores detalhes sobre aquela
tremenda loucura que estávamos fazendo. Tratava-se de um
acampamento de cinco dias, em que nós dois percorreríamos
aproximadamente 70 quilômetros, alimentando-nos da vegetação
nativa, dormindo em barracas e tendo contato com uma das maiores
biodiversidades existentes na terra. Eu sabia que a floresta
Amazônica era imensa, quase oito milhões de km2, e oferecia
grandes perigos a aventureiros desavisados; entretanto, confiava nos
mais de quinze anos de experiência que Fabinho tinha na condução
de acampamentos em diversos locais do Brasil. E, por fim, tinha me
convencido de que alguns dias distantes dos diversos problemas que
estava vivendo, seriam importantes para conseguir me reequilibrar e
voltar a viver novamente.
Quando descemos em Manaus, passamos a primeira noite no
Kimon Hotel, o mais simples da capital do estado do Amazonas, pois
Fabinho detestava coisas luxuosas.
Na manhã seguinte, exatamente às 05h20 da manhã, lá estava
Fabinho, com seu entusiasmo peculiar.
— Vamos, velho amigo! Esta é a hora de você mudar sua vida.
Fabinho não sabia, mas eu podia pressentir que, de fato, aquele
acampamento mudaria minha vida.
— Meu amigo, somente você para me convencer a viajar
quatro mil quilômetros para embarcar nas tuas loucuras. — falei com
uma voz sonolenta, em tom de conformismo.
Em poucos minutos, estávamos num ônibus, com grandes
mochilas de suprimentos rumo à entrada da trilha localizada na
cidade de Manacapuru.
Ao chegar na entrada da trilha, Fabinho repassou as principais
orientações e cuidados que devíamos tomar durante nosso
acampamento amazônico.
Foram praticamente dois dias de acampamento e me trouxeram
muita tranquilidade. Aventuras, escaladas em árvores e a observação

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da mais impressionante fauna do mundo: araras, tucanos, ararajubas,


cuatás, uacaris, micos-leões e até com onças nos deparamos nas
profundezas da maior floresta tropical do mundo.
Os problemas começaram a surgir no terceiro dia de
acampamento. O nevoeiro estava muito intenso; em alguns trechos
da floresta, a luz do sol não penetrava, propiciando um ambiente frio
e sombrio. Neste dia, comecei a desconfiar das competências e
habilidades de Fabinho como guia neste acampamento, pois, em
alguns momentos ele transparecia dúvidas e certo temor. No
anoitecer deste terceiro dia, notei que algo realmente estava saindo
do nosso controle, pois Fabinho estava inquieto e com uma feição
preocupada.
— Fábio, você está temendo alguma coisa? — perguntei num
tom preocupado.
— Está tudo bem, velho amigo. — uma resposta tradicional do
Fabinho, entretanto, muito inexpressiva.
— Fabinho, sua expressão facial diz que algo está errado!
E ao esperar uma resposta positiva, ele disse:
— Silas nosso GPS está com algum problema. Também não
estou conseguindo me situar utilizando a bússola. Nós estamos
perdidos.
— Perdidos! Como perdidos!? O que você está querendo dizer
com isso! Não estou para piadas, Fábio. — gritei, desesperadamente.
— Infelizmente, Silas, é verdade e não estou brincando. Peço
que você se acalme. Cacei este Javali para comermos. Após a
refeição, encontraremos alguma solução para este problema.

Não consegui acreditar na tranquilidade e serenidade do meu


amigo. Perdidos na maior floresta tropical do mundo, sem
comunicação com nada e ninguém e ainda precisávamos ficar
calmos!
Após devorarmos o Javali, Fabinho olhou fixamente para meus
olhos e disse com uma voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas:
— Perdoe-me por ter te colocado nessa enrascada. Só queria te
ajudar neste momento tão doloroso. Buscarei ajuda agora. Não saia
daqui em hipótese alguma. Esta fogueira servirá para espantar
animais selvagens e me guiará de volta.
— Fábio! Não pode me deixar sozinho aqui!

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Romulo Gutierrez

— Não existe outra forma Silas. Voltarei em poucas horas.


Somente peço que confie em mim.
Sem muitas alternativas, tive que acatar sua escolha. Foram
muitas horas de angústia, frio, medo e oração. Se bem que minha fé
em DEUS estava muito abalada, após tantos problemas e decepções.
As horas passavam e, inesperadamente, começou uma forte
chuva que, em poucos minutos, acabou com a fogueira. Após,
aproximadamente, 15 horas da saída de Fábio, tomei a atitude de sair
desesperadamente para também buscar ajuda, pois, parado na
floresta, iria virar refeição de uma onça faminta em poucas horas.
Ao invés de encontrar soluções, achei mais problemas. O
cansaço, a fraqueza e a fome começaram a me assolar. Não sabia
caçar e nem conhecia os vegetais próprios para me alimentar, pois
estes conhecimentos somente Fábio detinha. Após dois dias do
desencontro com meu guia e de muito andar, sem beber ou comer
nada, eu simplesmente caí de fraqueza. Sem forças para me levantar
ou falar, meu pensamento, infelizmente, só amaldiçoava a DEUS,
que havia me abandonado, já há algum tempo.
Não consigo precisar quantos dias fiquei praticamente
desmaiado no coração da selva amazônica esperando, passivamente,
a minha morte. Somente me lembro que me senti arrastado por
alguém. Ainda tentei reagir ou gritar, mas realmente não tinha forças
e nem DEUS em meu coração. Eu ainda não sabia, mas as minhas
intuições sobre aquele acampamento começavam a se concretizar e
minha vida se transformaria para sempre.

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Capítulo 3 — O desespero:
“Perdido com mistérios”

Lembro que acordei num lugar muito estranho. Uma casa


construída com troncos de árvores, um telhado alto todo revestido de
palha, velas por todos os lados iluminavam o recinto e davam um ar
espantoso ao local. O chão era pavimentado com uma espécie de
argila e as paredes tinham vários quadros com uma pintura muito
rudimentar. Olhando para cama onde estava, percebi que era baixa e
o estrado revestido de folhas de bananeira.
Naquele momento não consegui entender o que estava
acontecendo comigo, várias perguntas começaram a rondar meus
pensamentos. Já estou morto aguardando o julgamento de DEUS?
Fui capturado por índios canibais que me guardaram para a
sobremesa do jantar? Fabinho me encontrou e improvisou um lugar
até que nossa ajuda chegasse? Tudo isto foi um pesadelo e estou
acampando num Hotel Fazenda com meu filho e minha esposa?
Ao me levantar e recobrar a consciência, levei um grande
susto! Próximo à cama em que estava, tinha um homem alto, pele
branca, cabelos compridos e muito sujos, bigode longo e uma barba
enorme praticamente até o umbigo. Várias cicatrizes profundas
marcavam seu rosto sujo, encoberto por tantos pelos. Seus olhos
negros como jabuticabas, emanavam um olhar penetrante e
tenebroso. Em suas mãos havia uma espécie de cajado, com o qual
ele se apoiava para andar. Vagarosamente, o homem andou em
minha direção. Neste momento, pensei que aquele sujeito esquisito
fosse me agredir ou tentar me matar, mas, surpreendentemente, ele
disse: — Muito prazer, amigo. Sou Hermes Oliveira, seu anfitrião.
Sem entender o que estava de fato ocorrendo, perguntei: mas
onde estou? O que estou fazendo nesta casa? Onde está meu amigo
Fábio?
— Vamos responder uma questão por vez. — respondeu
aquele estranho homem com uma calma flagrante. Você está em
minha casa, localizada no coração da selva amazônica. Te encontrei
muito fraco, a aproximadamente 20 km daqui, quando estava

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Romulo Gutierrez

caçando uma anta para meu almoço. E sobre seu amigo Fábio, nada
sei. Aliás, nada sei sobre você!
Muito irritado e extremamente grosseiro, comecei a gritar com
aquele homem estranho, dizendo que queria encontrar o caminho de
volta para minha casa, pois estava perdido naquela maldita floresta.
Eu não conseguia conter meus pensamentos e nem minhas palavras,
sendo totalmente agressivo e arrogante com aquele que tinha
acabado de me livrar da morte.
O velho homem apenas ouvia pacificamente meu discurso
arrogante sem emitir uma única palavra. Quando terminei aquele
papel ridículo, ele disse: — Acalme-se, meu jovem. Se você está
neste desespero por estar aqui há alguns dias, imagine se eu fosse me
desesperar. — Falou o homem com um largo sorriso em sua face.
— Então me diga! Há quanto tempo você está aqui? —
Perguntei sentado na cama, colocando o dedo em riste na face do
sujeito.
Com um copo de madeira de virola, ele sorriu:
— Estou aqui há três anos, quatro meses, doze dias e esta
manhã.
Ao ouvi-lo dizer isto, comecei a chorar e esmurrar os troncos
de árvores que sustentavam a estranha casa de madeira. Tudo,
infelizmente, não era um pesadelo e sim uma realidade cruel e muito
dura para mim.
Dando-me seu ombro para chorar, Hermes falou: já passei por
isso também. Acalme-se que vai passar. Vou buscar Melissa para te
fazer um chá calmante.
— Não quero chá calmante! — gritei. — O que quero é voltar
para casa! Aliás, você sabe onde é a saída para deixarmos esta
floresta?
— Infelizmente não. — respondeu o velho homem de cabeça
baixa.
— Ok! Se você não sabe para onde fica a saída, creio que não
temos nada mais para conversar. — falei e imediatamente me
levantei daquela cama desconfortável rumo à porta da saída.
Hermes olhou fixamente em meus olhos e disse:
— Não sei onde está a saída, mas, com certeza, posso dizer
que já a procurei em muitos lugares e não a encontrei.
A forma persuasiva com que Hermes colocou estas palavras
me fez refletir e entender que aquele desespero e empáfia não me

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levariam a lugar algum. Ao invés de hostilizá-lo, precisava agradecê-


lo por ter salvado minha vida e estar me abrigando em sua casa.
Tudo que consegui neste momento foi ficar em silêncio. Após uns
dois minutos sem falarmos nada um com o outro, somente ouvindo
um galo da serra cantando, Hermes disse:
— Eu já me apresentei para você. Como disse, sou Hermes
Oliveira e estou aqui há três anos, quatro meses, doze dias e esta
manhã. E você, quem é?
— Sou Silas Bittencourt. Um homem arruinado
profissionalmente, com a família destruída e agora perdido na maior
floresta do mundo, com você.
— Não chore, Silas. Creia em DEUS que ele nos ajudará a sair
daqui. — Pedi tanto para ele me enviar uma companhia. DEUS
ouviu minhas preces enviando você!
Sem muita paciência para aquele discurso respondi:
— Se quisermos conviver bem até encontrarmos a saída desta
floresta, não falamos de DEUS aqui, certo!?
Hermes sentou-se numa velha cadeira de jequitibá e indagou:
— Você não acredita em DEUS?
— Óbvio que não.
— Não importa Silas. Ele acredita em você. — falou Hermes,
colocando um grande silêncio na minha boca e, principalmente, em
minha alma.
Com uma ânsia de quem há muito tempo não conversava com
nenhum ser humano, Hermes estava extremamente curioso para
conversar comigo. Fez-me diversas perguntas sobre os avanços
tecnológicos que a humanidade conseguiu, sobre guerras e
principalmente acerca da minha história e do meu desespero. Não
conseguia entender muito bem os motivos pelos quais Hermes queria
tanto saber a história de um homem derrotado como eu. Porém, abri
meu coração e contei detalhadamente tudo que estava acontecendo
comigo naquele fatídico ano de 2007. Falei aproximadamente três
horas, sem ser interrompido. Quando terminei, Hermes suspirou e
disse:
— Creio que podemos nos ajudar muito mais do que realmente
imaginamos Silas. E acrescentou: — Embora nossas histórias de vida
sejam muito diferentes, percebo que, de fato, DEUS tem um
propósito muito grande para estarmos juntos aqui neste momento.

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Romulo Gutierrez

Com um grande deboche em minha face perguntei: — E qual


seria este propósito?
— Você tem tempo para ouvir a minha história?
Até pensei em negar o convite daquele homem misterioso, mas
eu já não era o executivo mais “ocupado do mundo” que nunca tinha
tempo para nada. Sem muitas opções, disse:
—“Sou todo ouvidos”, Hermes.
— Antes de entrar nesta floresta vivi muitas coisas meu jovem.
Nasci no estado da Paraíba numa pequena cidade chamada Picuí.
Trabalhei muito tempo na lavoura de sol a sol para ajudar meus pais
a criar meus 14 irmãos. Quando completei dezoito anos fui atrás do
meu grande sonho, o de me tornar um militar do exército brasileiro.
Com uma carta de indicação de um tio-avô que foi Sargento do
exército, consegui ingressar na carreira militar. Permaneci nas
fileiras militares nacionais por seis anos, exatamente. Após esse
tempo, precisava de um novo desafio. — afirmou, com um olhar
muito saudoso. Então, continuou. — Foi aí que decidi ingressar na
Legião Estrangeira.
— Legião Estrangeira? — Perguntei sem ter a menor noção do
que se tratava, pois a única “Legião” que conhecia era a “Legião
Urbana”, banda comandada pelo célebre Renato Russo.
Pacientemente, Hermes prosseguiu. — A Legião Estrangeira é
um exército que tem sede na França, porém, abriga soldados de todo
o mundo com o objetivo de ser uma força de paz, agindo em regiões
de conflitos, principalmente, aqueles que não são divulgados na
televisão. — Sabe, meu jovem, — falou o velho homem novamente
se sentando na velha cadeira de jequitibá. — Em praticamente trinta
e cinco anos servindo as forças da Legião Estrangeira vi coisas tristes
e praticamente inimagináveis. Fome, miséria, guerras por diamantes
e outros minérios marcam o cotidiano de boa parte do território
africano. Crianças inocentes que morrem todos os dias sem ter água
para beber; em diversas partes do mundo, guerrilhas sem
fundamento. Em nosso Brasil, crianças empunham fuzis como se
fossem bandidos, são apenas crianças que aprenderam desde cedo
que para viver é preciso matar.
De cabeça baixa e com um olhar bastante triste, observou:
— Tantas desigualdades e contrassensos que vivi por vários
anos em muitos lugares do mundo, me levaram a uma única
conclusão.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Muito curioso para compreender o raciocínio de Hermes,


perguntei: — E qual foi a conclusão a que você chegou?
Hermes se levantou da cadeira e pegou seu velho cajado. —
Nossos líderes, meu jovem, não sabem liderar! Infelizmente, Silas,
estilos de liderança perniciosos e tendenciosos comprometem e
corrompem a vida em sociedade, levando-nos a este quadro de caos,
miséria e desigualdade social.
Com certa arrogância, questionei: e o que você entende sobre
liderança, Hermes?
— Você está certo em me questionar. Em mais de trinta anos
como combatente da Legião Estrangeira, comandei muitas legiões.
Cheguei ao posto de Oficial General, uma honra jamais conquistada
por um brasileiro. E no final de tudo isto, me convenci de que nada
sabia sobre liderar equipes. Foi aí que resolvi passar um tempo na
floresta amazônica, tentando compreender um pouco mais sobre esta
fascinante área de estudo que, infelizmente, tem suas premissas
pouco praticadas no mundo.
— Mas como entender conceitos e práticas de liderança numa
imensa floresta onde só existem animais, rios e árvores por todo
lado?! — Questionei, num tom desafiador.
— Abra aquele baú, meu jovem. — falou, apontando para um
enorme baú.
— Sem hesitar, abri o grande baú e deparei-me com muitos
livros, revistas, periódicos e artigos que tratavam sobre o tema
Liderança.
A princípio, fiquei totalmente confuso, pois era difícil
imaginar que um ermitão que estava perdido na imensidão
amazônica tinha uma grande biblioteca em sua casa. Fiquei muito
curioso e intrigado e disparei uma série de perguntas ao meu
anfitrião: — Como se perdeu aqui com estes livros? O que afinal
você faz nesta floresta? Você é um ermitão ou um pesquisador? Você
está realmente perdido ou escondido aqui?
— Acalme-se, meu jovem. Apenas peço que confie em mim.
Algumas de suas perguntas não posso lhe responder, pois são alguns
segredos que tenho comigo mesmo e que jamais foram revelados a
alguém. Gostaria apenas de lhe fazer um convite.
— Perdido na Amazônia e com poucas opções disse: e qual é
este convite?

25
Romulo Gutierrez

— Gostaria de compartilhar meus conhecimentos de liderança


com você. Na Legião Estrangeira aprendi o prático do que devemos e
o que não podemos fazer se quisermos liderar uma equipe. E nestes
mais de três anos de vida na floresta, estudando muito sobre o
assunto e observando o comportamento de diversas espécies
selvagens acredito que tenho algo a compartilhar com você.
Nos poucos segundos que antecederam minha resposta pensei
nas coincidências de tudo aquilo que estava vivendo. Num contexto
completamente inesperado e atípico, um homem estranho e
desconhecido me convidava para aprender os princípios e as práticas
para liderar equipes. Justamente conhecimentos sobre liderança, que
não tinha aplicado na minha vida profissional, no meu casamento e
na minha relação com meu filho, estavam sendo oferecidos como se
fosse água para uma terra seca e árida.
Sem esconder meu contentamento com o convite, perguntei:
— Quando teremos a primeira aula, Hermes?
— Amanhã, meu jovem. — respondeu. Primeiro vou buscar
algo para comermos pois você ainda está muito fraco.
Hermes saiu com seu cajado, um facão e uma armadilha para
pegar algum roedor para comermos. Em poucos minutos, adormeci
muito fraco e cansado. Mas, intrinsecamente, estava ansioso e
esperançoso pela nova vida que poderia começar.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 4 — Se quiser liderar


aprenda o que é liderar

Não eram nem cinco horas da manhã quando ouvi Hermes


mexendo em suas velhas panelas para preparar nosso café da manhã.
Embora com muita simplicidade e dentro das limitações impostas
por estarmos no meio da selva amazônica, meu anfitrião se
preocupava muito com meu conforto e bem-estar em seu humilde
casebre.
Depois de me levantar e tomar o delicioso café da manhã com
camu-camu, cupuaçu e açaís, Hermes sorriu e indagou: — Está
pronto para sua primeira aula, meu jovem?
Levantando-me da cadeira, respondi prontamente: — Sim
Hermes! Estou pronto para começarmos!
Hermes pegou uma velha tábua de Anani e alguns pedaços da
casca de castanhas e disse:
— Jovem, esta grande tábua de Anani será nosso quadro negro,
e estes pedaços de casca de castanha serão feitos de giz, pois é uma
madeira que tem um pigmento que se fixará em nosso quadro, sendo
facilmente removido com um pano umedecido na água, entendeu?
Respondi positivamente com um sinal de cabeça.
Após explicar as características dos recursos que seriam
utilizados, Hermes perguntou: — O que é ser um líder para você,
Silas?
Sem muita propriedade para responder e com uma voz bastante
engasgada, respondi: — Penso que o líder é aquele que comanda um
grupo de pessoas de acordo com os interesses de uma empresa ou do
próprio líder. As ordens são dadas pelo líder, os subordinados
cumprem tais determinações e, consequentemente, os planos
traçados pela empresa e/ou líder são concretizados.
Sem responder certo ou errado, Hermes observou:
— Sabe, meu jovem, diversos cientistas do comportamento
tentam estabelecer há muitos anos um conceito uniforme do que é
liderança. Há muitas publicações, discursos, palestras, aulas e outros
meios para definir este fenômeno, entretanto ainda não chegamos a

27
Romulo Gutierrez

um consenso. Porém, existem algumas premissas que norteiam as


definições dos cientistas comportamentais para o assunto liderança.
Levantando-se da cadeira, Hermes se dirigiu ao quadro e
escreveu:
1 — LIDERANÇA = FENÔMENO GRUPAL;
2 — LÍDER INFLUENCIA INTENCIONALMENTE UM
GRUPO DE PESSOAS;
3 — TODO PROCESSO DE LIDERANÇA ESTÁ LIGADO
AO CUMPRIMENTO DE OBJETIVOS.
Após escrever os três itens no quadro, Hermes me perguntou:
— De acordo com meu comentário, o que você pensa sobre o
seu conceito do que é ser líder, Silas?
— Penso que somente coloquei em outras palavras. Como eu
disse, é preciso um comandante (líder) para determinar o que será
feito. — respondi com firmeza.
— Sorrindo e esfregando as mãos, Hermes respondeu: resposta
errada, meu jovem. — e prosseguiu. — Acredito que não conhecer o
real conceito de liderança é um grande equívoco por parte de muitos
executivos e governantes em todo mundo.
— Então o que é ser um líder? — perguntei de maneira
desafiadora.
— Basicamente, o líder é aquele que influencia um grupo
intencionalmente, sempre auxiliando os liderados a atingirem os
objetivos do grupo, bem como dando condições para que os
objetivos individuais também sejam conquistados.
Bastante irritadiço, questionei: — Mas não foi isso que eu
disse, “professor”?
Sem responder, Hermes se dirigiu ao quadro e escreveu:
“COMANDAR”, “ORDENS”, “SUBORDINADOS”,
“DETERMINAÇÕES”.
Sentando-se em sua velha cadeira, continuou:
— Será que conseguimos realmente influenciar alguém por
meio de comandos? Ordens? Determinações? É claro que não, Silas!
Apropriando-me da ideia de Cecília Whitaker Bergamini em sua
célebre obra “Liderança — Administração dos Sentidos”, percebo
que quando as pessoas recebem ordens, comandos e determinações
para realizar suas tarefas, elas provavelmente não enxergam nenhum
sentido no que estão fazendo, ou seja, só estão fazendo para

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

manterem seu emprego, sua família, seu cargo ou qualquer outro


item que percebam como uma necessidade.
Sem responder nada e colocando-me na situação de aprendiz,
perguntei:
— Mas os líderes são mais importantes que os subordinados e
os objetivos, não são?
Novamente, com um sorriso no rosto, disse: resposta errada,
meu jovem. — e prosseguiu. — O líder é apenas um personagem do
fenômeno da liderança, Silas. Os liderados, que não devem ser vistos
ou tratados como subordinados, bem como a conquista dos objetivos,
são aspectos bastante importantes no contexto da liderança. É claro
que o líder, como um agente influenciador, tem um papel relevante,
porém, sem a formação de uma equipe integrada de liderados e
imbuída de objetivos pré-estabelecidos, perde suas funções e torna-se
impotente diante dos problemas.
Quando Hermes aclarou os verdadeiros prismas da liderança,
eu me senti responsável por muitos insucessos em minha vida.
Percebendo minha desilusão, ele afirmou:
— Não desista, meu jovem. Os primeiros estudos científicos
sobre liderança tinham suas bases sedimentadas na crença de que
existia de um estereótipo perfeito para liderar. Este modelo chamava-
se Teoria dos Traços e apregoava que o líder já nascia como tal,
sendo dotado de competências básicas para exercer liderança sobre
grupos. Observe que na Teoria dos Traços, o líder é
fundamentalmente o começo, o meio e o fim do processo de
liderança. Ao se observar os modelos mais contemporâneos de
liderança, conclui-se que a liderança está calcada na capacidade de o
líder influenciar seus liderados, buscando objetivos mútuos e
individuais de todos os participantes deste processo.
— Quer dizer que qualquer pessoa pode tornar-se um líder
eficiente? — Perguntei muito interessado nos conceitos ditos por
Hermes.
— Acredito que não, meu jovem. Se qualquer pessoa pudesse
facilmente, num passe de mágica, tornar-se um grande líder, talvez a
situação que o mundo vive hoje pudesse ser um pouco diferente.
Tenho certeza de que a liderança pode ser uma competência
desenvolvida ao longo da vida, entretanto, não é uma tarefa fácil.
— Se não nascemos com o dom de liderar, como desenvolver
esta competência ao longo da vida?

29
Romulo Gutierrez

— Um dos maiores ícones do esporte brasileiro, Ayrton Senna,


disse certa vez: “Se você quer ser bem-sucedido, precisa ter
dedicação total, buscar o seu último limite e dar o melhor de si
mesmo”. Acho que esta frase do maior piloto de fórmula 1 que o
mundo conheceu, responde sua indagação, meu jovem.
Quando Hermes trouxe as palavras de Ayrton Senna, consegui
compreender parcialmente o que meu “professor” estava querendo
dizer. Por outro lado, sempre fui dedicado, perseverante e busquei
ultrapassar meus limites para conquistar vitórias. E isso não fez de
mim um grande líder! Ao contrário, era um fracassado!
— “Nas derrotas é que realmente conhecemos os verdadeiros
campeões”. Conhece esta frase de Vinicius de Moraes, meu jovem?
Neguei com um sinal de cabeça e Hermes seguiu:
— Consigo ver nos seus olhos a sua desilusão por ter
fracassado como um líder de família e também no seu emprego. Mas
não desanime. Infelizmente, aprendemos que liderar é determinar,
comandar e ordenar um grupo de subordinados, o que é uma grande
mentira. Quando entrei na Legião Estrangeira tinha o mesmo
pensamento. Achava que eu estava acima dos meus “subordinados” e
dos nossos objetivos grupais. Tecnicamente, era o melhor militar!
Meu físico, minha mira para atirar, a voz para comandar as tropas e a
farda eram sempre impecáveis. Pensava que sendo tecnicamente o
melhor, além de exercer poder sobre meus “subordinados”,
conseguiria tornar-me um grande líder.
— E não foi isso que te condicionou a ser um grande líder na
Legião Estrangeira?
— Não, meu jovem. As habilidades técnicas são
imprescindíveis para liderar, mas acredito que não são mais
importantes do que nossas habilidades de relacionamento e respeito
para com nossos liderados e para com todas as pessoas. Trazendo a
frase de Ayrton Senna para o contexto da liderança, creio que
devemos, incessantemente, aprimorar não somente os conhecimentos
técnicos de nossas funções, mas ter a disciplina de, diariamente,
otimizar nossos relacionamentos com nossos liderados. Creio que
esta é a chave para se tornar um grande líder.
— Então, um líder que consegue triunfar diante das diversas
dificuldades impostas no cotidiano é o líder que zela pelos bons
relacionamentos?
Balançando a cabeça positivamente, Hermes respondeu:

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Isso mesmo, meu jovem. O segredo para liderança eficiente


são os bons relacionamentos. Nenhuma equipe atinge seus objetivos
quando os relacionamentos estão abalados. Cabe ao líder priorizar a
harmonia dos relacionamentos no grupo.
Quando me preparava para continuar os questionamentos e as
discussões sobre o tema, Hermes pegou seu velho cajado e disse:
— Acho que é hora de almoçar, Silas. — e soltou uma
estrondosa gargalhada.
— Sim. — respondi, imediatamente.
Quando Hermes apanhava seus instrumentos de caça,
perguntei:
— Vamos aproveitar o resto do dia para procurarmos a saída?
Com um olhar um pouco entristecido, Hermes questionou:
— Não está gostando das nossas aulas, meu jovem?
— Sim, estou. Mas não quero ficar na floresta o resto da minha
vida. Precisamos encontrar uma saída o mais depressa possível.
Com sua calma habitual, Hermes disse:
— Encontraremos, Silas, mas na hora certa.
Embora estivesse adorando conhecer as verdadeiras bases da
liderança, havia algo de muito estranho sobre meu anfitrião, Hermes
Oliveira. Algum mistério que ainda não tinha sido revelado e que me
intrigou o resto daquele dia.

31
Romulo Gutierrez

Capítulo 5 — Se quiser liderar,


deixe de chefiar

Na noite que antecedeu o nascer do novo dia tive muitos


pesadelos, o que me impediu de descansar como realmente gostaria.
Tenho dificuldades em relembrar as coisas que sonhei, mas
consigo nitidamente recordar que, no meu pesadelo, Hermes estava
com muita fumaça ao seu redor, com muitas lágrimas nos olhos,
portando uma grande chave de uma porta que não existia. Esta chave
era toda feita de madeira maciça e tinha três letras douradas “P.F.A.”
Com esta estranha chave nas mãos, Hermes subia num monte
muito alto e gritava:
— J’ai des clés de ça forêt! — após o grito, soltava uma
estrondosa gargalhada, o que me impressionava, lembrando um
assustador filme de terror.
Durante praticamente toda madrugada “assisti” Hermes
Oliveira subir naquele monte encoberto por uma vegetação rasteira,
segurar a “estranha chave P.F.A.” e gritar as mesmas palavras numa
língua ou dialeto que realmente não conhecia.
Por volta das 04h30 da manhã, ouvi Hermes se levantar da
cama. Antes mesmo de ele começar a preparar o café da manhã,
detalhei todo meu pesadelo, esperando que pudesse esclarecer as
estranhas visões que tive durante a madrugada. Embora sua atenção
estivesse totalmente voltada para minha história, ele não encontrou
nenhuma lógica para meu pesadelo. Apenas disse que quando se
perdeu na floresta, tinha muitas dificuldades para dormir, e que até
hoje sonha com o caminho de volta para casa, estrada que,
infelizmente, nunca encontrou.
Após o café da manhã, saímos em nossa primeira tentativa
juntos para encontrarmos uma saída no coração da floresta
amazônica. Hermes ressaltava a todo instante que devíamos marcar
nas árvores o caminho trilhado, pois, se não fizéssemos isso,
correríamos grande risco de também perder os rumos de volta ao
nosso humilde, porém útil casebre. Foram praticamente seis horas de
caminhada, que, infelizmente, nos levou a conclusão de que

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

estávamos andando em círculos. Sem sucesso em nossa empreitada,


retornamos para “nosso acampamento”.
Após almoçarmos o saboroso peixe amazônico “Acará”, estava
na hora de começarmos nosso segundo dia de aula. Apesar do
desconforto com tantos insetos, da incerteza quanto ao futuro e dos
mistérios que circundavam a figura do meu anfitrião, eu me sentia
motivado e feliz por ter a oportunidade de desenvolver as
competências de um verdadeiro líder. Logo no primeiro dia de
“curso”, Hermes demonstrou não somente um português refinado,
como também conhecimentos amplos sobre os preceitos da liderança
e do trabalho em equipe.
Levantando-se da sua cadeira e se dirigindo para o quadro
negro, Hermes indagou:
— O que achou da nossa aula de ontem?
— Achei excelente! Consegui aprender e entender muitos erros
que cometia nas gestões das minhas equipes e também com a minha
família. — respondi com uma humildade pouco peculiar a minha
personalidade.
— Fico muito feliz por isso, Silas. Mas como você definiria a
“liderança” que exerceu por todos estes anos, tanto na cafeteria São
Marcos como na Marques Fast?
Baixei a cabeça e, com um olhar bastante entristecido,
respondi:
— Simplesmente não era um bom líder. Não conseguia fazer
com que as pessoas se comprometessem nos seus objetivos ou
mesmo que mantivessem o foco nas metas da organização. Sempre
me apoiava no poder para impor minha autoridade e notei que meus
liderados não viam o menor sentido no próprio trabalho e também no
de equipe.
— Muito bom, meu jovem! — exclamou Hermes — Você
sabia que existe uma diferença brutal entre liderar e chefiar?
— Sinceramente, não. — respondi demonstrando muita
surpresa.
— Pois é. Como você já notou, seu estilo de liderança foi
pouco eficiente para sua carreira e para sua vida pessoal, mas posso
garantir que você era um excelente chefe.
— Excelente chefe? — indaguei, mais uma vez muito
surpreso.

33
Romulo Gutierrez

— Posso lhe provar por que você foi um exímio chefe? —


Questionou Hermes.
— Agora que ressaltou uma qualidade minha, é claro que
gostaria muito que você trabalhasse a aula de hoje em cima do
conceito de “chefiar”. — respondi bastante animado com esta nova
forma de liderar.
Rapidamente acabando com meu ânimo, Hermes falou:
infelizmente essa não é uma qualidade, tampouco um novo estilo de
liderança. Também já fui chefe de muitas equipes e vou te contar
uma história que trará as principais características de um chefe.
Demonstrando uma postura muito humilde, Hermes sentou-se
e começou a contar a seguinte história:
—“Há aproximadamente 17 anos, eu estava comandando uma
missão de paz na Libéria, especificamente, na cidade de Yekepa,
região ocidental do continente africano. Esta cidade era marcada pela
extração e tráfico ilegal de pedras preciosas, comandadas por um
grupo de guerrilheiros muito cruéis. Eles escravizavam homens no
trabalho, matavam as mulheres e faziam de seus filhos novos
soldados do crime. Era triste ver famílias destruídas pela escravidão,
fome, miséria e também pelo uso e tráfico de drogas. Nesta época, eu
era o capitão da missão de paz dos exércitos da Legião Estrangeira e
tinha como principal objetivo acabar com esta facção criminosa que
dominava a Libéria. Minha equipe de militares permaneceu neste
país por, aproximadamente, 3 anos. Éramos uma equipe com muitos
problemas de relacionamento e eu tinha um rótulo de excelente chefe
e péssimo líder. Não ouvia as opiniões dos soldados para novas
estratégias de combate, pois me achava superior a eles; apenas
determinava o posicionamento e os objetivos a serem atingidos,
nunca entrando nas frentes de combate. Para acabar com os conflitos
dentro da equipe, costumava punir os culpados e premiar os que
tinham colaborado em determinado momento; quando éramos
derrotados em alguma batalha sempre buscava os culpados para
repreendê-los, mas, quando conquistávamos vitórias, sempre trazia o
mérito para mim e não para o grupo. Para sintetizar, meu jovem,
minha postura propiciou uma das maiores derrotas dos exércitos da
Legião Estrangeira na história, pois compúnhamos um grupo de
15.000 militares para vencer um exército de 3.000 rebeldes. Essa
guerra se estendeu por praticamente 3 anos e a única coisa que
conseguimos foram 13.000 de nossos combatentes mortos ou

34
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

gravemente feridos, além da vexatória derrota que, infelizmente, deu


mais força para os criminosos daquele país”.
Com lágrimas escorrendo pelos olhos, Hermes perguntou:
— E quem foi o maior responsável por esta derrota, meu
jovem?
Sem dar tempo para minha resposta, continuou — É claro que
fui eu! Quando adotamos uma postura de chefiar equipes, existem
muitos conflitos, pois os seguidores não acreditam nas competências
de quem os deveria liderar. E o resultado dessa mistura de
desconfiança por parte dos seguidores e de autocracia por parte do
chefe é sempre o mesmo: a derrota da equipe!
A história que Hermes trouxe tocou no fundo no meu coração.
Analisei que, em toda minha carreira, sempre fui um excelente chefe
e um péssimo líder. Infelizmente, recordei também que até com
minha família era um grande chefe, pois dificilmente ouvia as
opiniões de Francine para educação de nosso filho, João Pedro. Neste
momento, senti muita culpa, pois é difícil não se responsabilizar após
tantos fracassos na vida. Percebendo que eu estava começando a
ficar deprimido, Hermes aconselhou:
— Fique tranquilo. Os erros que cometemos podem ser
reparados, pois Deus sempre provém uma segunda chance para
podermos acertar. Veja o meu exemplo! Errei nesta missão de paz na
Libéria, porém, após entender que os chefes quase sempre não
conseguem atingir seus objetivos, tive a chance de acertar e passei a
liderar e não mais chefiar meus seguidores. Tenho certeza, nas
próximas vezes você irá acertar.
— Não fale de Deus para mim Hermes, por favor. — pedi
cuidadosamente.
— Ok. Como já disse antes, você pode não acreditar Nele, mas
tenha sempre certeza de que Ele acredita muito em você, meu jovem.
— falou Hermes, olhando fundo nos meus olhos.
Para cessar a conversa sobre Deus, perguntei:
— E por que quase sempre as pessoas preferem chefiar a
liderar?
Hermes respirou fundo e disse:
— Acredito que nos primórdios da administração de pessoas,
faltava competências e estudos mais acurados sobre como motivar as
pessoas no trabalho. Desta maneira, as empresas “revestiam” os
chefes de poder para manipular e condicionar as pessoas no trabalho.

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Romulo Gutierrez

Observando o histórico das teorias Administrativas nos livros


“Introdução à teoria geral da administração”, de Idalberto
Chiavenato e “Administração de Recursos Humanos”, de George
Bohlander e Scott Snell observo que, nos primeiros modelos de
Administração, o chefe nunca estava disposto a ouvir seus
seguidores. Apenas passava as tarefas, premiava aqueles que
atingiam as metas esperadas e punia os “improdutivos”. O foco era
sempre criar novos métodos de produção em maior escala,
infelizmente, a motivação das equipes de trabalho nunca fazia parte
da pauta dos chefes. Entendo que essa postura tornou-se um grande
paradigma, que perdura até os dias atuais em muitas empresas.
— Talvez isso explique por que hoje temos mais chefes do que
líderes. — Questionei.
— Sim. Acredito que as próprias empresas ensinam àqueles
que deveriam liderar, que o modelo de chefia tem uma maior
eficiência, o que é uma grande mentira.
— Posso fazer uma síntese do que conversamos nas duas
primeiras aulas?
— É claro. Será um imenso prazer aprender com você também.
— falou Hermes, me passando um pedaço de casca de castanha para
que escrevesse no quadro.
Muito confiante, fui ao quadro negro e fiz a seguinte tabela:

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Características do Líder Características do Chefe

• Participa e contribui • Determina e supervisiona

• Distribui elogios e
critica construtivamente • Distribui castigos aos que
erraram e premia os que acertaram

• Respeita as diferenças • Não respeita as diferenças


entre os liderados, buscando comportamentos
transformando tais diferenças padronizados
em benefícios para equipe

• Resolve conflitos por • Resolve conflitos punindo


meio do diálogo seus subordinados

• Busca o melhor para • Visa apenas seus interesses


empresa, para si e para os e os da empresa
liderados

• Foca soluções para o • Foco em culpar


trabalho do grupo subordinados pelos fracassos

• Responsabiliza a si e • Sempre é responsável pelo


ao grupo pelas vitórias e pelos sucesso, mas culpa os subordinados
insucessos pelos insucessos

• Entende que a • Despreza a motivação da


motivação do grupo é equipe cobrando apenas resultados
essencial para atingir objetivos

37
Romulo Gutierrez

Após ver minha tabela no quadro, Hermes começou a bater


palmas incessantemente e gritar:
— Bravo! Bravo! Bravo!
— Por que tanta festa, meu amigo? — perguntei rindo daquela
atitude inesperada.
Hermes abriu um largo sorriso — Esta tabela que você fez
comparando o chefe e o líder é uma preciosidade. Observe que você
cita que o chefe tem suas atitudes e comportamentos ligados à força,
imposição e, principalmente, ações unilaterais. Você ressalta também
que o chefe tem muita habilidade para falar e pouca para ouvir,
demonstrando baixo comprometimento com o grupo de seguidores,
sempre preocupado com sua autopromoção diante das conquistas do
grupo. Já o líder, você descreve como alguém capaz de ouvir os
anseios e sugestões dos liderados, tendo uma participação
preponderante nas atividades do grupo, além de saber dividir o
mérito pelas vitórias, assumindo também a responsabilidade pelos
fracassos.
— Será que uma simples tabela é passível de tantos elogios
assim? — perguntei, demonstrando bastante modéstia.
— A resposta é simples, meu jovem. Você sintetizou nesta
tabela o que muitos políticos, chefes de estado, gerentes,
supervisores, acionistas e presidentes de empresas não conseguiram
entender em muitos anos de carreira.
Demonstrando grande humildade, afirmei:
— Apenas expressei os conceitos e práticas que você me
ensinou. Apesar de estarmos perdidos na imensidão desta floresta,
encontrei aqui algumas respostas para muitos problemas que estou
vivendo atualmente, Hermes. Muito obrigado, meu amigo.
— Não me agradeça, Silas. Agradeça ao nosso Deus por ter
propiciado este encontro.
Novamente, sem o mínimo desejo de conversar sobre Deus,
perguntei: será que um dia conseguirei deixar esta floresta para
praticar as coisas maravilhosas que estou aprendendo?
Sem dar resposta alguma, Hermes baixou a cabeça e disse:
acho que é hora de buscarmos água no rio, pois, à noite, é muito
perigoso circular pela floresta.
Sem entender o motivo pelo qual Hermes “desviava” do
assunto, apenas balancei a cabeça positivamente, apanhei o cantil e
fui rumo ao rio Juruá-Mirim para apanhar água com meu mestre.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Durante o caminho refleti muito sobre meus erros com minha esposa,
filho e seguidores das empresas em que atuei. Percebi que se tivesse
me atentado antes para as diferenças entre os verbos “chefiar” e
“liderar” minha vida poderia ter se configurado de uma outra
maneira. Uma vida mais feliz, justa e íntegra. No meu coração, ardia
um grande desejo de um dia poder reverter tantos erros e injustiças
que havia cometido.

39
Romulo Gutierrez

Capítulo 6 — Se quiser liderar,


aprenda a motivar

Choveu muito durante toda noite na floresta. Foi difícil


dormir com tanta chuva e estrondosas trovoadas. Felizmente, não
tive pesadelos, sonhei apenas coisas boas. Do pouco que consigo
recordar, lembro que Fabinho havia conseguido deixar a floresta e
que meu filho João Pedro já havia tido alta da clínica JC. A cada
noite dormida, percebia que meus sonhos ou pesadelos eram formas
que meu inconsciente encontrava para me manter ligado à minha
realidade que, definitivamente, não era perdido no meio da floresta
amazônica.
O único enigma que não consegui entender no sonho desta
noite, foi observar João Pedro com uma cobra enrolada no pescoço e
a sussurrar no meu ouvido as seguintes palavras:
— “ Cuidado com o traidor”.
Por volta das 05h10 da manhã, ouvi Hermes se levantando e
esquentando um caldeirão de água para tomar banho. Enquanto ele
se banhava, me levantei para apanhar algumas uvas que estavam em
cima de uma velha mesa de Acácia. Ainda sonolento e antes mesmo
de mastigar a primeira uva, me assustei quando percebi que Hermes
estava na saída do banheiro gritando:
— Nem mais um passo, Silas!
Quando fui voltar meu olhar em direção a ele, vi a
praticamente cinco centímetros do meu pé, uma grande cobra
surucucu, balançando seu pescoço e pronta para me atacar. Fiquei
muito assustado e não conseguia nem piscar o olho. Foi quando
numa velocidade incrível, Hermes, utilizando seu cajado, afastou a
víbora de perto do meu pé, expulsando o traiçoeiro animal da casa.
Gargalhando como uma criança Hermes disse:
— Na Amazônia não podemos tirar os olhos do chão, meu
jovem!
Sem achar graça do acontecido, agradeci ao velho homem por
mais uma vez ter salvo a minha vida e perguntei:
— Qual será o assunto de hoje no nosso curso de liderança?

40
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Fechando o punho direito e colocando-o contra o peito,


Hermes disse: hoje teremos uma aula muito importante. —
Conversaremos sobre motivação.
— Motivação! Ótimo, sempre quis aprender técnicas para
motivar minhas equipes de trabalho.
— Sim, este é realmente um assunto fascinante. — falou
Hermes, com muita firmeza em suas palavras.
Após um rápido café da manhã, nos dirigimos para nossa sala
de aula improvisada e, como costumeiramente acontecia, Hermes
começou a lançar suas questões sobre o tema:
— Como você avalia a motivação da sua última equipe de
trabalho, Silas?
— Entendo que eram pessoas muito desmotivadas. Sempre
reclamavam de seus trabalhos, nunca faziam nada além do que era
solicitado e os padrões de qualidade eram muito baixos. Aliás, o que
mais encontrei na minha vida profissional, foram pessoas
desmotivadas.
Prestando muita atenção em cada palavra, Hermes levantou
suas sobrancelhas, dirigiu-se ao quadro negro e escreveu:

MOTIVAÇÃO = SATISFAÇÃO; AUTOVALORIZAÇÃO;


UTILIDADE.

Novamente, sentando-se ao meu lado, falou:


— Antes de discutirmos as principais teorias de alguns
cientistas comportamentais que estudaram a motivação, quero deixar
claro que, geralmente, as pessoas se motivam no trabalho quando ele
é fonte de satisfação, autovalorização e, principalmente, quando a
pessoa se sente útil dentro de uma equipe, por mais simples e
operacional que seja seu trabalho. Este valioso conceito está no livro
“Motivação nas organizações” de Cecília Whitaker Bergamini.
Duvidando do conceito exposto por Hermes, questionei:
— Mas a motivação não está ligada a dinheiro ou premiações?
Sempre fui motivado por meus superiores e motivei meus seguidores
distribuindo premiações aos mais produtivos.
— É um grande erro. Quando sedimentamos o significado da
motivação no dinheiro ou premiações, estamos simplesmente
ignorando outras necessidades humanas. Ao aceitar que pessoas se
motivam em troca de prêmios, estamos aceitando também que estas

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Romulo Gutierrez

doarão a suas equipes apenas suas mãos, jamais suas mentes ou


corações.
Demonstrando uma atitude soberba, respondi: dessa vez você
está errado Hermes, pois ninguém trabalha de graça, o que motiva o
homem ao trabalho é indubitavelmente o dinheiro.
Com extrema paciência, Hermes disse:
— É claro que não trabalhamos de graça; o que estou dizendo
é que somente dinheiro ou prêmios não motivam as pessoas ao
trabalho. Para sua melhor compreensão, vou diferenciar a motivação
intrínseca da motivação extrínseca.
Novamente, dirigindo-se ao quadro, escreveu:

MOTIVAÇÃO EXTRÍNSECA = ESTÍMULOS EXTERNOS.

Olhando fixamente nos meus olhos, Hermes continuou seu


raciocínio:
— Posso definir que a motivação extrínseca está ligada a tudo
aquilo que é oferecido aos funcionários como estímulo para que
possam produzir em maior quantidade e melhor qualidade. Na falta
de estímulos externos, o trabalhador se sente desprestigiado e passa
facilmente de uma atitude “motivada” para uma postura
“desmotivada”. Posso te afirmar, com certeza, que somente
utilizando esses estímulos externos, os funcionários não dão o
melhor de si, sempre esperam por novos incentivos, o que gera um
grande ciclo vicioso.
— Como assim um ciclo vicioso?
— Vou te dar um exemplo claro, meu jovem. “No mês de
Março um vendedor de cervejas de uma grande cervejaria brasileira
deu o melhor de si no trabalho, superou suas metas e ganhou uma
belíssima viagem para conhecer o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro,
com sua esposa e duas filhas. Ele ficou extremamente feliz e nos
meses de abril e maio se empenhou muito mais para conseguir
novamente outros prêmios. Infelizmente, por alguns problemas
econômicos que o Brasil enfrentou nos últimos meses, o desempenho
do nosso vendedor não foi suficiente e as metas ficaram muito longe
de serem alcançadas.” Como você acha que esse vendedor se sentiu
ao término desses meses? Consegue entender o ciclo vicioso?
— Sim. O vendedor não estava motivado ao trabalho e sim
condicionado pela viagem que ganhou. — respondi.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Isso mesmo, meu jovem! — gritou Hermes. — Essa é à


base da teoria de Skinner que está descrita no livro Compreender o
Behaviorismo de William Baum, que apregoava, entre outros pontos,
o condicionamento operante dos seres humanos, exatamente como
você interpretou a história do vendedor de cervejas.
— Mas os estímulos externos não são importantes?
— São importantes, mas não garantem uma motivação
consistente como mencionei.
Ao compreender o real significado da motivação extrínseca,
notei que nunca fui um líder que colaborou para motivação de
minhas equipes. O máximo que havia conseguido fazer com minhas
equipes, foi criar, cotidianamente, o ciclo vicioso explicado por
Hermes.
Bastante interessado na nova visão que adquiria sobre
motivação de equipes, perguntei:
— Mas o que garante a motivação intrínseca?
Hermes suspirou e disse: a motivação intrínseca está muito
ligada àquilo que podemos apenas sentir, não conseguimos ver ou
tocar.
— Não ficou claro para mim! Como posso estar motivado com
coisas que não vejo ou não toco? Isto não é muito surreal para a
sociedade capitalista em que vivemos?
Com bastante serenidade, Hermes explicou:
— Mais uma vez vou citar uma frase do poeta Vinicius de
Moraes: “A vida só se dá pra quem se deu”. Consegue entender
agora, meu jovem?
Bastante relutante, porém sensibilizado, disse:
— Acho que agora estou começando a entender o verdadeiro
significado da motivação.
Sorrindo para mim, Hermes disse:
— A motivação intrínseca é aquela que vem do coração.
Interpretando a frase de Vinicius de Moraes, entendo que a
verdadeira motivação é aquela que se carrega dentro de si, estando
vinculada ao querer e não simplesmente ao fazer.
Balancei a cabeça positivamente: — Então, não somos
motivados por ninguém e sim nos auto-motivamos?
Com uma expressão feliz, Hermes respondeu:

43
Romulo Gutierrez

— Exatamente, meu jovem. Acredito que podemos receber


muito dinheiro, prêmios e benefícios, mas só estaremos motivados
quando de fato queremos fazer o nosso melhor.
— Afinal, o que desperta a motivação intrínseca nas pessoas?
Hermes bateu palmas e soltou uma gargalhada: — Excelente
pergunta! O despertar da motivação interna está diretamente
relacionado às necessidades não atendidas. Ou seja, sempre estamos
motivados quando percebemos que existem algumas necessidades a
serem atendidas e, quanto maiores forem nossas necessidades, maior
será nosso nível de motivação.
— Então, a motivação intrínseca está diretamente relacionada
às nossas necessidades?
— Exatamente, Silas. — respondeu, balançando a cabeça
positivamente. — Motivação interna é fruto das nossas necessidades.
Compreendendo o real significado da motivação intrínseca,
fiquei com muitas dúvidas sobre o papel do líder neste contexto.
Quando ia perguntar sobre as interfaces entre o líder e a motivação
intrínseca, o “velho sábio” interrompeu meus pensamentos:
— Consegue compreender agora o porquê de não conseguimos
motivar ninguém?
Sem hesitar, respondi:
— Pelo que compreendi, somos incapazes de motivar as
pessoas, pois é impossível “plantar” necessidades dentro delas. Desta
maneira, entendo que a motivação é um processo interno, nasce das
nossas necessidades mais íntimas e nos coloca em busca de
estratégias para dissipá-las.
— Adorei o termo que você utilizou: “...é impossível plantar
necessidades dentro das pessoas...” — observou Hermes.
Após ouvir seu elogio, levantei minha mão como se estivesse
realmente dentro de uma sala de aula e perguntei:
— Se na postura de líderes não podemos motivar os
seguidores, qual nosso papel frente à motivação das equipes?
Antes de responder minha indagação, Hermes disse:
— O meu “aluno” está cada vez mais crítico e sábio. Para
entender esta questão, meu jovem, precisamos compreender algumas
das principais teorias motivacionais estudadas por importantes
cientistas comportamentais. Posso desenhar uma tabela para melhor
compreendermos tais teorias?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Compenetrado na explicação, assenti e Hermes fez a seguinte


tabela no quadro:

Adaptado de Kanaane e Gutierrez, 2008

Após desenvolver a tabela, Hermes disse: — Vou comentar


um pouco sobre cada uma das teorias de motivação, se tiver dúvidas
me interrompa, por favor.
Novamente, fiz um sinal de positivo com a cabeça, para meu
“professor” prosseguir com a explicação.
Com a voz extremamente calma, Hermes continuou:
— Na primeira parte do quadro temos a teoria X e Y
desenvolvida por Douglas Macgregor. O estilo X de gerenciar
pessoas está relacionado a uma postura autocrática e unilateral, em
que o líder busca incessantemente fazer com que as pessoas
trabalhem dentro dos padrões planejados, sem questionar ou propor
ideias, e os liderados assumem uma posição de meros recursos
dentro dos processos de uma empresa. Observando este estilo de
gestão, acredito que o líder jamais conseguirá detectar quais são as
necessidades de cada membro do grupo; sendo assim, nunca será um
facilitador para que seus seguidores consigam enxergar e suprir suas
necessidades individuais.
Após a explicação, Hermes questionou:
— Dúvidas?
Neguei e ele prosseguiu:
— Já o estilo Y de gestão de pessoas, também pesquisado por
Douglas Macgregor, apregoa um estilo dinâmico, aberto,
45
Romulo Gutierrez

democrático, gerador de oportunidades para os membros da equipe e


que, principalmente, desenvolve as pessoas. Quando gerimos nossas
equipes de acordo com a teoria Y, estamos sempre mais abertos e
suscetíveis a compreender as necessidades de nossos seguidores,
tornando-nos assim “agentes facilitadores” no despertar da
motivação intrínseca dos membros do nosso grupo.
Após explicar detalhadamente a Teoria X e Y, Hermes
perguntou: — Qual a relação desta teoria com a motivação interna
dos nossos seguidores?
Prontamente respondi: — Se adotamos o estilo X de liderar
nossas equipes, jamais seremos capazes de entender e auxiliar nossos
seguidores a detectar suas necessidades, o que inviabilizará que tais
necessidades sejam dissipadas. Entretanto, ao adotarmos o
comportamento Y para liderar nossas equipes, seremos facilitadores
no diagnóstico e na suplência das necessidades dos liderados.
Com um olhar de grande satisfação, Hermes disse: — Perfeita
conclusão, Silas. Sumarizando a Teoria X e Y, reintero que o líder
deve estar próximo às necessidades de seus seguidores, pois, assim,
ele facilitará o processo de motivação interna dos membros de sua
equipe.
Após a compreensão da Teoria X e Y, observei que meu
comportamento como líder sempre esteve muito distante de despertar
a motivação interna nos membros da minha equipe. Quando meu
pensamento começava a retroagir aos erros do passado, Hermes
interrompeu:
— Podemos comentar a próxima teoria?
— Claro que sim. — respondi ansioso pela próxima
explicação.
Hermes sentou-se ao meu lado. — A teoria dos dois fatores
desenvolvida por Frederick Herzberg divide a motivação em dois
aspectos. O primeiro são os fatores higiênicos, que segundo o próprio
Herzberg, estão ligados a salário, sistema de comunicação existente,
estilo de liderança e ambiente físico. É importante dizer que esta
teoria crê que a motivação intrínseca somente será estimulada
quando os fatores higiênicos forem completamente supridos.
Interrompi o raciocínio de Hermes: — Então o estilo de
liderança é um fator higiênico e serve como base para o despertar da
motivação intrínseca?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Exatamente. Já o segundo fator (“Fatores Motivacionais”),


liga-se ao trabalho em si mesmo, ou seja, o nível de estruturação e
enriquecimento das atividades profissionais levando o indivíduo a
sentir-se motivado. Mas lembre-se que os Fatores Motivadores
somente serão descobertos pelas pessoas quando os Fatores
Higiênicos forem atendidos.
Ainda com algumas dúvidas sobre a Teoria dos Dois Fatores,
questionei:
— Posso tentar estabelecer a ligação entre esta teoria e o papel
do líder?
— Claro que sim.
Levantando-me da cadeira e gesticulando muito com as mãos,
expliquei: entendi que os fatores higiênicos podem ser considerados
o alicerce para evitar insatisfações no trabalho, e os fatores
motivadores são consequências deste alicerce.
— Excelente! Mas, e a relação do papel do líder com a
motivação dos seguidores, segundo a Teoria dos Dois Fatores?
Demonstrando bastante segurança, disse:
— É muito simples. O estilo de liderança é um fator higiênico,
ou seja, ele é base para que os membros da equipe consigam alcançar
o segundo fator que estimula a motivação interna. Sendo assim,
sublinho mais uma vez a necessidade de nos comportarmos como
verdadeiros líderes e não como chefes, o que auxiliará no processo
de auto-motivação de nossos seguidores.
Hermes arregalou os olhos e bateu palmas. — A cada dia que
passamos juntos, me orgulho mais de você, Silas. Excelente
explicação.
— Muito obrigado, Hermes. Também estou muito feliz por
estar aprendendo com você. Falei com uma modéstia que ainda não
havia descoberto em minha personalidade.
— Vamos finalizar a explicação do nosso quadro comentando
a Teoria da Expectativa de Victor Vroom. Nesta teoria, tem-se que a
motivação das pessoas está ligada à percepção, ou seja, a motivação
é aflorada quando a pessoa identifica no ambiente ao qual está
inserida, aspectos que facilitem o alcance de suas necessidades
individuais.
No momento em que Silas explicava a teoria da expectativa de
Victor Vroom, eu estava muito longe da floresta. Estava recordando
o sonho estranho que tive com João Pedro, naquela noite. Afinal,

47
Romulo Gutierrez

quem seria o traidor do qual ele falava? Havia alguma relação entre a
cobra que ele tinha enrolada no pescoço e aquela que estava pronta
para me atacar pela manhã?
Mais uma vez, interrompendo minha “viagem”, Hermes gritou:
— Hei! Onde você estava enquanto explicava a teoria da
expectativa de Victor Vroom?
— Desculpe. Estava pensando em algumas coincidências
muito estranhas, podemos prosseguir.
— Sim, podemos, mas depois conversaremos sobre essas
coincidências, ok? — Perguntou Hermes demonstrando muita
preocupação comigo.
— Conversaremos assim que terminarmos. — Prometi ao meu
amigo.
Após repetir o conceito da teoria da expectativa de Victor
Vroom, Hermes perguntou:
— Conseguiu compreender agora, meu jovem?
— Sim. Segundo Victor Vroom a motivação está relacionada
às percepções que as pessoas têm sobre o ambiente em que vivem.
Transferindo isso ao ambiente de trabalho, a motivação intrínseca
acontece quando os membros da equipe visualizam que o trabalho é
um atalho para que os objetivos pessoais e profissionais sejam
conquistados. Estou certo?
— Mais uma vez correto, meu jovem. E a função do líder neste
contexto?
Sem titubear, respondi: — O líder, mais uma vez, deve estar
próximo aos liderados, auxiliando-os na percepção de suas
necessidades, criando meios facilitadores para que tais necessidades
sejam dissipadas.
Hermes sorriu e assentiu: — Completando o seu raciocínio,
acredito que o líder exerce um papel fundamental para manter o local
de trabalho agradável e de cooperação. Afinal, como os membros da
equipe perceberão o trabalho se o ambiente for hostil e
desagregador?!
Segui seu raciocínio: — Acredito que eles terão percepções
distorcidas sobre o trabalho, o que dificultará o diagnóstico de suas
necessidades individuais, “sufocando” a verdadeira motivação.
— Excelente, Silas. — Falou Hermes, mais uma vez me
aplaudindo. — Se aglutinarmos todas as teorias sobre motivação que
discutimos, como podemos enquadrar o líder neste processo?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Demonstrando muita propriedade para discutir o tema,


observei:
— O líder é uma base sólida para despertar a motivação
intrínseca no grupo de liderados. Deve estar próximo às necessidades
dos membros da equipe, ajudando-os no alcance de suas metas
pessoais e profissionais, além de zelar por um ambiente percebido
por todos como agradável e facilitador.
Com suas grossas sobrancelhas, Hermes franziu a testa: —
Ainda não está muito claro para mim.
No intuito de dissipar sua dúvida, perguntei: — Posso esboçar
um ciclo que sintetize meu raciocínio?
— Claro que sim.
Dirigindo-me ao quadro, rascunhei o seguinte ciclo:

1- Membros da 2 - Líder próximo


aos membros da
equipe e suas equipe, auxiliando-
os no diagnóstico de
necessidades
suas necessidades

4 - Necessidades
são saciadas.
Reinício de um 3 - Equipe e líder
novo ciclo trabalham
motivacional mutuamente para
suprir tais
necessidades
individuais e grupais

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Romulo Gutierrez

Dirigindo meu olhar para Hermes, questionei: — O que você


entendeu sobre este ciclo?
Com uma expressão duvidosa, Hermes respondeu: — Gostaria
que você me explicasse seu raciocínio, para depois emitir minha
opinião. Pode ser?
Em tom de piada, brinquei:
— Claro que sim, aluno. No primeiro passo deste ciclo, quis
demonstrar que os membros das equipes sempre têm necessidades
grupais e individuais e, de certa forma, esperam que o trabalho os
auxilie a encontrar caminhos para suprir tais necessidades. Ou seja,
quase sempre, quem ingressa em uma empresa está motivado para o
novo trabalho, tendo em vista suas necessidades e expectativas. —
Por um momento, interrompi a explicação: — Entende este primeiro
passo, Hermes?
— Entendo. Pode seguir para o segundo.
— No segundo passo temos o líder sempre próximo da sua
equipe, buscando compreender as necessidades individuais e do
grupo. Quando o líder está perto dos desejos dos membros da equipe,
ele age como um facilitador no despertar da motivação intrínseca,
pois ajuda seus liderados a descobrir suas reais necessidades pessoais
e profissionais. A consequência disso é que as pessoas enxergam
sentido no trabalho, o que gera uma equipe motivada.
Antes de prosseguir com minha explicação, Hermes comentou:
— Isso está ficando muito interessante. Prossiga, meu jovem.
Ouvindo o pedido do velho sábio, segui: — No terceiro passo,
vemos a equipe (líder e liderados) trabalhando em conjunto,
motivados para alcançarem objetivos de grupo e individuais, já
detectados. É óbvio que, trabalhando em equipe, auto-motivados e
enxergando sentido no trabalho, os objetivos traçados quase sempre
são alcançados. — Quando me preparava para fechar a explicação do
ciclo, Hermes levantou a mão como se fosse realmente um aluno e
falou:
— Passo 1: os membros das equipes têm necessidades
pessoais e profissionais; passo 2: o líder ajuda-os a descobrir suas
necessidades pessoais e profissionais, o que os coloca em
“movimento” para saciar tais necessidades; passo 3: esse
“movimento” ou busca é a motivação intrínseca em si, trabalhando
em equipe, os objetivos tendenciosamente serão alcançados. Mas
como isso termina?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Com bastante calma, respondi: — Não termina. Novas


necessidades grupais e individuais surgem e o ciclo se reinicia.
Concluímos que o líder não motiva, mas seu relacionamento com a
equipe é determinante para que os liderados se auto-motivem, o que
propicia uma equipe integrada e, acima de tudo, motivada.
Levantando-se da cadeira, gargalhando, batendo palmas e me
reverenciando, Hermes disse:
— Muito bom! Muito bom!
Enquanto Hermes fazia um grande “show”, fiquei muito
decepcionado ao notar que aqueles aplausos e reverências eram
apenas pelas aprendizagens teóricas que tinha demonstrando. Sabia
que, na prática, nunca tinha sido um bom líder, o máximo que
consegui fazer com meus seguidores foi demonstrar arrogância e
frieza nas minhas ações. Jamais demonstrei preocupação com as
necessidades dos grupos que liderava, a começar pela minha família.
Notando que mais uma vez estava distante da “aula”, Hermes
perguntou:
— O que foi, meu jovem?
— Tudo isso que estou aprendendo não servirá para nada!
Estamos no meio da floresta, presos, sem rumo, certos de que nunca
mais voltaremos para casa!
Com uma certeza muito suspeita, Hermes afirmou: — Iremos
retornar.
Com certa desconfiança, perguntei: — Como você tem tanta
certeza?
Apegado às suas crenças, respondeu: — Deus diz isso no meu
coração.
Aborrecido e impaciente, dei as costas para Hermes. Quando
estava me dirigindo à cama para descansar, ele perguntou:
— Não vamos conversar sobre as estranhas coincidências?
Sem a menor vontade de dialogar naquele momento, falei: —
Hoje não, Hermes. — Após esta negativa, adormeci em poucos
minutos.

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Romulo Gutierrez

Capítulo 7 — Se quiser liderar


aprenda a escutar

Definitivamente, não me acostumava a dormir na floresta. O


desconforto do colchão de folhas de bananeira estava muito distante
da confortável cama King Size que tinha em minha casa. Outro fator
que me irritava profundamente durante meu sono, eram os insetos.
Aliás, nunca pensei que existissem tantos tipos, cores e zunidos de
insetos diferentes.
Com tantos problemas para dormir, o resultado não poderia ser
outro. Mais pesadelos e mistérios. Felizmente, nenhuma “história”
nova se desvelou. Entretanto, era, no mínimo, intrigante sonhar
novamente com João Pedro me avisando para ter cuidado com o
traidor. Afinal, quem era esse traidor? Seria esse sonho uma intuição
real ou mera fantasia do meu inconsciente?
Para completar a sequência de mistérios, tive novamente a
oportunidade de sonhar com Hermes, subindo no monte de vegetação
rasteira, segurando a curiosa chave de madeira P.F.A e gritar a noite
toda em meus ouvidos: “J’ai des clés de ça forêt".
Por volta das 3h30 da madrugada, não conseguia mais dormir.
Levantei e debrucei-me na janela do casebre. Ouvi tantos sons de
diferentes animais, que rapidamente entendi o motivo pelo qual o
Brasil tem a maior diversidade de espécies do mundo.
Sentando novamente na cama e refletindo sobre minha vida,
concluí que estava vivendo um momento muito diferente. Embora
estivesse sem a menor perspectiva de voltar para casa, rever as
pessoas que amava e reparar os erros que cometi no passado,
percebia que o período perdido na Floresta Amazônica era um tempo
de renascimento. Tinha a oportunidade de compreender não somente
as premissas da liderança de grupos, mas também de valorizar as
pessoas e, principalmente, viver intensamente os relacionamentos
que temos com elas. Será que um dia teria a oportunidade de
reconstruir minha vida?
Enquanto “viajava” nos meus pensamentos, ouvi uma voz
muito baixa dizendo:
— Você está bem, meu jovem?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Percebendo o tratamento “meu jovem”, logo notei que esta voz


era do meu anfitrião. Com a mesma sutileza da voz de Hermes,
respondi:
— Estou bem, meu amigo. Mas entendo que precisamos
conversar quando o dia amanhecer.
— Se quiser conversar agora, estou à disposição, falou
Hermes.
Levantando-se da cama e sentando-se ao meu lado, Hermes
indagou: — Afinal, o que está te afligindo?
Bem mais calmo do que no dia anterior, disse: — Antes de
relatar minhas aflições, gostaria de me desculpar por ter te tratado de
maneira ríspida, ontem, ao final de nossa aula.
— Eu te perdoo, meu jovem. — Hermes demonstrou muita
franqueza e sinceridade. — Mas me conte o que está te deixando tão
preocupado.
Percebendo a facilidade que Hermes tinha para ouvir os
problemas alheios, comecei: — Tenho duas aflições neste momento.
Ambas estão relacionadas com pesadelos que, literalmente, tiram o
meu sono durante a madrugada. O primeiro deles é um que já
comentei com você.
Interrompendo-me por um instante, Hermes falou: detalhe este
pesadelo.
— Vejo você subindo num monte com uma vegetação bem
rasteira. Sempre que sobe neste monte, você carrega uma grande
chave de madeira com as iniciais P.F.A. Ao chegar ao topo em meio
a gargalhadas você diz: “J’ai des clés de ça forêt". Este processo se
repete por várias vezes, mas não consigo entender qual é o
significado deste sonho.
Olhando-me fixamente, Hermes disse:
— Antes de dizer o que penso sobre seu sonho, posso te fazer
uma pergunta?
— É claro que sim.
— Você confia em mim? — perguntou com uma expressão
muito séria.
Com bastante sinceridade, respondi:
— Confio. Mas penso que existem muitos mistérios em
relação a você que, às vezes, abalam minha confiança.
— Quais mistérios?

53
Romulo Gutierrez

Com uma voz bastante acelerada, disse: — O baú de livros,


sua história de vida, sua vida na Amazônia e agora esse sonho que
me persegue todas as madrugadas. Você não acha que não tenho
motivos para duvidar de você?
Com um olhar entristecido, Hermes respondeu:
— Sim, você tem. Tenho um único pedido a te fazer.
Apenas olhando para Hermes, questionei qual seria esse
pedido.
Com algumas lágrimas escorrendo pela face, Hermes falou:
— Dê-me mais alguns dias e esclarecerei todos os mistérios.
Existem algumas coisas que ainda não posso te contar.
Sem muitas opções de escolha, disse: — Esperarei
ansiosamente que esclareça todos esses mistérios.
Levantando-se da cama e apanhando seu velho cajado, Hermes
questionou: — Qual é o outro sonho?
Isentando Hermes de qualquer responsabilidade sobre o
segundo sonho, falei:
— Fique tranquilo, meu amigo, pois o segundo sonho não está
relacionado a você.
Novamente, muito interessado no meu problema, Hermes
disse:
— Mas mesmo não se referindo a minha pessoa, gostaria
muito de ajudar.
Para não frustrar meu amigo, resolvi contar o segundo sonho.
— Para sintetizar, vejo meu filho João Pedro, com uma cobra
enrolada em seu pescoço, sussurrando no meu ouvido as seguintes
palavras: “Cuidado com o traidor”. Assim como no primeiro sonho
que relatei, João Pedro repete estas palavras diversas vezes em meu
ouvido.
Antes de emitir qualquer opinião sobre o assunto, Hermes me
questionou:
— Você não tem a menor suspeita de quem seja o traidor? Ou
acha que realmente tudo isso é coisa da sua cabeça?
— Infelizmente, minha intuição me indica que este não é um
simples sonho. Acredito que de fato fui traído.
— Mas quem faria isso com você? — perguntou Hermes, com
sua curiosidade peculiar.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Demonstrando certo desprezo pela questão, disse: — Se


soubesse quem é o traidor, não revelaria esse sonho para você,
Hermes.
Sem demonstrar a menor preocupação com minha arrogância,
observou:
— Não gosto de levantar falso testemunho, mesmo porque isso
é um grande pecado contra nosso Deus. Mas me deixa muito curioso
a forma como você se perdeu na floresta.
Levantando-me da cama e com um tom de voz bastante
alterado, exclamei: — Curioso! Você também não se perdeu nesta
maldita floresta?
Balançando a cabeça positivamente, Hermes falou:
— Perdi-me, jovem. Mas eu estava sozinho, diferentemente de
você.
Sorri ironicamente — Você está querendo dizer que o Fábio,
meu melhor amigo, me deixou aqui de propósito?
Bastante calmo, Hermes falou:
— Um guia de turismo, acostumado a acampamentos em
florestas, jamais deixaria sua companhia sozinha para procurar uma
saída. Ainda mais se tratando de um lugar tão inexplorado e difícil
como a Floresta Amazônica.
Duvidando da suposição de Hermes, falei: — Você deve estar
louco. Sua hipótese é praticamente impossível! Eu e Fábio somos
praticamente irmãos. Aborrece-me muito você pensar isso dele, pois,
infelizmente, meu melhor amigo não deve ter resistido aos perigos
desta floresta.
Com muita incisão, Hermes afirmou: — Como já contei, tenho
muita experiência em diversas operações de salvamento de vidas nos
mais variados terrenos. E continuo achando muito estranho um guia
deixar sua companhia para buscar alternativas de saída. Ele deveria
fazer isso na sua companhia, jamais sozinho.
Demonstrando bastante irritação com aquele diálogo
infortúnio, perguntei:
— E por quais razões meu melhor amigo me convidaria a
acampar, para, no final, me largar, apenas esperando minha morte?
— Sinto muito, meu jovem. Essa é uma pergunta que você
mesmo deve responder. Acho melhor focarmos em nossa aula de
hoje, antes que, de fato, você se aborreça comigo.

55
Romulo Gutierrez

— Não estou com clima para aula agora, Hermes. Prefiro


aproveitar o bom tempo e procurar a saída.
Com muita tranquilidade e não entrando no clima de discussão
que circundava minhas frases, Hermes disse: — Sim, meu jovem,
vamos procurar a saída.
Foram praticamente quatro horas de caminhada sem o menor
sucesso. Tudo que vimos foi uma imensidão de verde durante todo
percurso. Um lugar lindo, misterioso e algumas vezes sombrio.
Durante a caminhada praticamente não conversamos. Fiquei bastante
irritado com a hipótese que Hermes levantou de Fabinho ser o traidor
sobre o qual João Pedro me alertava nos sonhos. Embora estivesse
um pouco desapontado com Hermes e suas suposições, felizmente,
não fiquei magoado com meu amigo. Ao contrário, me espantou a
forma como ele se comportou diante da minha agressividade durante
toda nossa conversa. Mesmo sendo questionado, pressionado e
contrariado, mostrou-se paciente, conciso e, acima de tudo, aberto a
novos questionamentos. Projetando-me em seu lugar, concluí que em
situações bem mais tranquilas já teria “explodido”.
Após uma longa caminhada sem sucesso, chegamos ao casebre
com um tucunaré, algumas ervas para fazermos chá, além de alguns
cantis para bebermos água.
Depois de nossa refeição, consegui me acalmar e, mais uma
vez pedi desculpas ao meu amigo, pela forma como o tratei.
Novamente, a atitude de Hermes foi generosa com minhas
grosserias, perdoando-me com a pureza de uma criança.
Após o fim deste clima de animosidade, questionei:
— Como você consegue dialogar sobre assuntos conflitantes
sem ser agressivo?
Com um sorriso no rosto, Hermes falou: — Este é exatamente
o assunto de nossa aula de hoje.
— Agressividade?
Sorrindo e balançando a cabeça negativamente, explicou:
— Nosso assunto de hoje é o diálogo. Falaremos sobre as
habilidades que os líderes devem ter para dialogar com os membros
de sua equipe.
Antecipando-me às primeiras explicações de Hermes sobre o
assunto, sugeri:
— Penso que poderíamos abordar um outro assunto. Não que
dialogar não seja importante, mas já apreendi bastante sobre

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

comunicação no curso de Administração na Universidade


Paulistanos. Sem contar que já fiz alguns cursos na Marques Fast
sobre estratégias de comunicação.
Após ouvir atenciosamente minha solicitação, Hermes
questionou: — Refletindo sobre todos os cursos de estratégias de
diálogo e comunicação que fez, efetivamente, quanto você conseguiu
aplicar até os dias atuais?
Com um tremendo “nó na garganta” comecei a gaguejar,
esfregar as mãos e sem nenhuma firmeza e convicção respondi:
— Acho que uns 30%.
— É um bom número, meu jovem. Mas gostaria de convidá-lo
para discutirmos um pouco mais sobre as habilidades que os líderes
devem ter para dialogar bem com seus seguidores. Você aceita?
Demonstrando certa presunção em relação ao convite,
respondi:
— Aceito, mas acredito que devemos ser breves com este
assunto que nós dois já sabemos.
— Como você preferir. — falou Hermes, com sua paciência
habitual.
Embora tenha solicitado um tempo menor para discutir as
habilidades de dialogar, sabia que aqueles 30% que havia
mencionado era um número muito mentiroso. Na teoria conhecia
muito bem os conceitos sobre comunicação, diálogo, ruídos, etc.
Entretanto, sabia que na prática era péssimo no diálogo com as
pessoas.
Surpreendentemente, Hermes não abriu o baú de livros para o
início de nossa discussão, tampouco me questionou sobre o tema.
Apenas sentou-se no chão, fechou os olhos e ficou por uns dois
minutos com uma expressão muito concentrada.
Quando notei que o velho sábio parecia estar meditando, quis
saber: — O que está fazendo? Não vamos conversar sobre a
habilidade de dialogar dos líderes?
Hermes não emitiu uma única palavra. Continuou sentado,
olhos fechados e aparentemente meditando.
Pela segunda vez, tentei intervir na meditação do meu amigo:
— Você está passando bem?
Outra pergunta sem resposta. Hermes se manteve inerte ao
questionamento.
Impaciente com aquela situação aparentemente ridícula, falei:

57
Romulo Gutierrez

— Já que não vamos estudar hoje, prefiro sair e continuar


tentando encontrar a saída desta maldita floresta!
Abrindo bruscamente a porta e dando os primeiros passos para
fora do casebre, ouvi Hermes dizer:
— Este é o erro, meu jovem! Este é o maior erro do homem
quando procura dialogar.
Retornando para o casebre, questionei: — afinal, qual foi o
grande erro?
Com um sorriso no rosto, explicou:
— O erro que você cometeu é aquele que geralmente todos
cometem. Antes de inteirar-se sobre o assunto, as pessoas já emitem
seu parecer. Este é o grande problema nos diálogos entre as pessoas.
Quando Hermes me alertou para este problema, relembrei que
era um verdadeiro mestre em emitir opiniões sobre assuntos que
ainda não tinha ouvido falar, o que desencadeou muitos problemas
nas equipes que liderei na Marques Fast.
Ele se levantou e dirigiu-se ao quadro negro — Permita-me
contar uma história que vivi?
— É claro que sim.
Novamente, sentou-se, só que agora em sua cama. — “ Certa
vez estava numa missão de paz na Costa do Marfim, ocidente do
continente africano. Assim como relatei na história anterior, ocorrida
na Libéria, a Costa do Marfim era um país marcado por intensos e
sangrentos conflitos, principalmente por diversos problemas
políticos. Havia três grupos rivais que se digladiavam, com o
objetivo de derrubar o governo vigente. A função dos exércitos da
Legião Estrangeira era exatamente proteger o presidente e seu
governo.
Nesta época, eu não tinha um cargo importante dentro da
minha corporação, porém, era extremamente astuto e perspicaz para
definir estratégias de combate. Havia observado que grande parte dos
nossos combatentes estavam temerosos por uma batalha decisiva que
aconteceria no próximo amanhecer. Conversando com meus colegas
de tropa, notei que o temor estava relacionado à falta de suprimentos
básicos como comida e munições que começava a assolar os
exércitos da Legião Estrangeira”.
Fazendo uma pequena pausa, Hermes perguntou: — A história
está te desagradando, Silas?

58
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Bastante interessado nas histórias de vida do velho ancião,


disse:
— Estou gostando. Por favor, continue.
E Hermes seguiu com sua história:
—“ Ao observar a insegurança da tropa em relação à falta de
munições e comida, busquei algumas informações com um grande
amigo chamado Mustafá Hagid, na época, um dos oficiais mais
importantes daquela missão da Legião Estrangeira. Ao ser informado
sobre o problema, Hagid me disse que os suprimentos chegariam ao
amanhecer, mas que isso não poderia ser dito às nossas tropas. Até
tentei entender os motivos pelos quais a informação era sigilosa, mas
meu amigo também desconhecia a origem deste mistério tolo.
Apenas disse que eram ordens do nosso comandante, na época, o
britânico Gary Scholles.”
Interrompendo a história de Hermes, perguntei: — E você não
foi falar com o Comandante Scholles?
Balançando a cabeça positivamente, Hermes continuou. —
“Até tentei falar com Gary Scholles. Respeitando todos os protocolos
militares, adentrei aos seus aposentos para relatar os problemas que
averiguei. Logo que ele me viu, notei um extremo desinteresse em
me receber. Com muito cuidado ao colocar as palavras, o alertei
sobre a desmotivação e preocupação dos nossos combatentes, mas
ele adotou uma postura extremamente rude com minha
preocupação.”
— Que atitude rude ele demonstrou?
— “Ameaçou me punir caso eu continuasse a me intrometer
em decisões do alto-comando. Até tentei novamente demonstrar a
gravidade do problema, mas Scholles não se interessou pelo
conteúdo dos fatos, apenas disse que o comandante era ele,
colocando-se numa posição superior à minha preocupação e aos
interesses da equipe”.
Fazendo sua última pausa na história, Hermes perguntou: — E
sabe como tudo acabou?
Muito curioso, respondi: — Não! O que aconteceu?
Com um olhar cabisbaixo, Hermes concluiu a história:
“— Simplesmente a batalha não aconteceu. Todos os
combatentes se uniram e rejeitaram combater até que fosse
solucionada a questão dos alimentos e munições. O alto-comando até
tentou explicar que os suprimentos chegariam dentro de poucas horas

59
Romulo Gutierrez

e que a situação estava sob controle, mas os combatentes não


acreditaram. Por causa desta tolice, um dos grupos rebeldes chamado
Akales, conseguiu, naquele dia, o tão sonhado golpe que derrubou o
presidente Cyrille Sigba”.
Ao concluir seu relato, Hermes indagou num tom bastante
debochado:
— O que achou de mais uma história deste velho homem?
— Gostei muito, acredito que podemos discutir muitas coisas
sobre diálogo dentro dela.
Com um largo sorriso nos lábios, Hermes disse: — De fato,
meu jovem. Creio que esta história nos demonstra que para dialogar
é preciso ser humilde antes de tudo. Outro fator que a história nos
mostra é que sempre temos algo a aprender com o posicionamento de
outras pessoas, mesmo que hierarquicamente estejam em posições
inferiores.
Interrompi sua explanação: — Sempre cometi os mesmos erros
com minhas equipes. Nunca tinha paciência para ouvir meus
seguidores, sempre achei que todas as soluções estavam sob meu
poder, o que é, indubitavelmente, um erro.
Hermes acenou positivamente com a cabeça: — Com certeza.
Acredito também que os líderes devem estar preparados para ouvir
tanto os elogios quanto as críticas, o que não aconteceu com nosso
amigo Gary Scholles, que ficou muito irritado quando ouviu um dos
seus subordinados criticar uma de suas atitudes.
Fui ao encontro de seu raciocínio: — Notei também que
Scholles não se interessou nem um pouco pelos fatos que você
trouxe, adotando uma postura superior aos problemas e soluções que
precisavam ser implementadas. Na minha opinião, Gary Scholles
acreditou ser infalível e “dono da razão”, fatores preponderantes para
a catastrófica derrota.
Hermes demonstrou bastante satisfação com nosso diálogo. —
Mas o fator mais crítico de tudo isso você não sabe, Silas!
— Mais crítico que tudo que discutimos? Qual é o fator?
Ele aumentou seu tom de voz e demonstrou certa revolta —
Gary Schooles era um homem muito culto, mestre em Comunicação
Social pela Universidade de Londres, ou seja, na teoria, um mestre
na arte de dialogar, porém, na prática, era um tremendo fracasso.
Fiquei muito surpreso com a afirmação do meu amigo:

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Não acredito! Um homem que havia dedicado boa parte de


sua vida estudando as características e premissas da comunicação
não sabia dialogar?!
Levantando-se da cama, Hermes disse: — De fato, meu jovem.
Gary Schooles, infelizmente, tinha apenas conhecimentos teóricos
sobre comunicação. Percebo que esta não é somente uma
característica do saudoso Comandante Schooles. Noto que muitos de
nossos políticos, professores, jornalistas, escritores e outras pessoas
que deveriam exercer papéis de líderes importantes, apenas exercem
lideranças teóricas. Ou seja, criam e disseminam lindas teorias sobre
métodos eficientes de gerir com pessoas, comunicação interpessoal e
democracia nas relações humanas, mas na prática, agem de maneira
completamente diferente do que apregoam em seus discursos ou
livros.
Sorri sorrateiramente — É aquele famoso jargão popular: “faça
o que digo, mas não faça o que faço”.
Com uma expressão muito séria, Hermes concordou: —
Exatamente. Penso que esse dito popular sumariza bem o
comportamento de Schooles e de muitas outras pessoas que deveriam
assumir papéis importantes de liderança em todo o mundo.
Levantando-me e posicionando-me em frente ao quadro negro,
perguntei:
— Posso desenhar um quadro que sintetiza tudo que
conversamos sobre diálogo?
— Novamente será um prazer vê-lo resumir nossas discussões.
Prossiga, Silas!

61
Romulo Gutierrez

Com o consenso do ancião, desenhei o seguinte quadro:

O líder que não dialoga O líder que dialoga

Não termina de ouvir as pessoas, Aceita as individualidades dos


e já tem opiniões fechadas sobre liderados
o assunto

Não se interessa pelas aflições e Sabe ouvir sem respostas prontas e


sugestões dos seguidores fechadas

Facilmente se irrita quando o São calmos e equilibrados, mesmo


diálogo o desagrada que o diálogo não seja agradável

Tem excelente competência Sempre se interessa por aquilo que


teórica e pouca inteligência as pessoas têm a dizer
prática

Sempre esperam escutar Não teme a veracidade dos fatos,


opiniões de acordo com suas mesmo que o contradigam
ideias

Julga o interlocutor antes de Ouve com paciência, mesmo que o


compreender suas motivações assunto já seja conhecido

Ignora a verdade para não Reflete após os diálogos, estando


enfrentar as dificuldades suscetível à mudança de opinião e
planos

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Após a confecção do quadro, Hermes demonstrou-se muito


concentrado, analisando todos os itens descritos. Notando que o
velho sábio não emitia nenhuma opinião sobre a síntese de nossa
aula, ansiosamente questionei:
— Afinal, o que você pensa sobre o quadro que fiz?
Prontamente, Hermes respondeu:
— Mais uma vez excelente, meu jovem. Como síntese de
nossa aula de hoje está muito bom.
— Mas por que você não disse isso logo que terminei o
quadro?
Apanhando seu cajado e nossos apetrechos de caça, Hermes
disse:
— Só aplaudirei o quadro que você fez, quando praticar cada
qualidade que nele relacionou. Por hora, digo que achei este quadro
fantástico no plano conceitual, mas ainda precisa ser praticado a cada
dia, por todos nós.
O posicionamento de Hermes referente ao quadro que fiz era
muito claro. Não bastava o domínio teórico sobre as premissas do
diálogo. Eu precisava ter humildade e coerência para viver e praticar
o que havia escrito. Enquanto pensava sobre o assunto, ouvi um grito
que vinha de fora do casebre:
— Vamos pescar, jovem Silas! Estou com meu “estômago
roncando” e muita vontade de comer um peixe hoje!
Também bastante faminto, acompanhei Hermes em sua
pescaria.
Enquanto pescávamos, sentia em meu coração uma imensa
vontade de voltar para casa, mas também percebia que após conhecer
Hermes, eu me transformava em uma pessoa diferente. Notando que
aquele sentimento era realmente especial, resolvi abrir meu coração e
contar ao meu amigo:
— Sabe, Hermes, desde que nos conhecemos, sinto-me uma
pessoa melhor.
Embora estivesse bastante desejoso de expor a Hermes que ele
estava me ajudando muito, não tinha palavras para fazê-lo. Ele
interrompeu meu discurso.
— Posso te fazer um pedido, meu jovem?
— É claro que sim.
— Conversaremos sobre sua sensação amanhã. Nosso assunto
será Liderança Transformacional.

63
Romulo Gutierrez

Apenas sinalizando com a cabeça, concordei.


Enquanto Hermes se divertia com a pescaria num dos afluentes
do rio Amazonas, sentia em meu coração, uma imensa satisfação de
poder desenvolver tantas competências importantes para liderar
equipes.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 8 — Se quiser liderar


aprenda a transformar

Felizmente, consegui dormir muito bem naquela noite. Não


tive pesadelos, não ouvi o zunido dos mosquitos ou senti o
desconforto da cama. Para não dizer que tive uma noite perfeita de
sono, acordei por volta das 02h30 da manhã, ouvindo Hermes brincar
com Cassandra, sua onça de estimação. Antes de ver e ouvir essa
cena, jamais poderia imaginar que um homem pudesse ter tanta
proximidade com uma fera selvagem em seu habitat natural.
Quando me levantei da cama por volta das 10h30 da manhã,
notei que Hermes não estava. Surpreendentemente, já me sentia à
vontade dentro do casebre. Morar no coração da Floresta Amazônica
estava se tornando algo natural para mim.
Aproveitando a ausência do meu anfitrião, fiz algo que sempre
tive curiosidade de fazer, mas, até então, não havia tido
oportunidades: “Bisbilhotar o baú de Hermes”.
Ao levantar a pesada porta daquele grande baú, deparei-me
com tantos livros, revistas e artigos que, momentaneamente, tive a
sensação de estar na biblioteca da Faculdade Paulistanos. Mas,
infelizmente, não foram somente estes objetos que encontrei. Ao
revirar o fundo do baú, observei entre algumas fotos de Hermes, um
pesado e estranho objeto de madeira. Ao remover este objeto para
fora do baú fiquei perplexo. Lá estava “ela”: A Chave de Madeira
com as iniciais P.F.A.
Quando observei os detalhes desta chave, notei que era
idêntica a do sonho. Pesava aproximadamente 8 quilos e media uns
70 centímetros. Era envernizada, toda esculpida a mão e em seu
centro tinha as iniciais P.F.A.
Ao certificar-me que, desta vez não estava sonhando, tive
certeza de que Hermes realmente tinha mistérios que ainda não
haviam sido revelados. Por trás da personalidade de um homem
bondoso, paciente e sábio, existiam segredos muito estranhos, algo
que meu inconsciente já havia me avisado por meio dos sonhos.
Num primeiro momento fiquei com muita raiva, e a única
coisa que pensei foi pegar Hermes pelo pescoço e exigir explicações

65
Romulo Gutierrez

sobre aquela maldita chave. Ao raciocinar com calma, notei que não
tinha o direito de fazer isso com o homem que salvou minha vida e,
que estava, de fato, me transformando numa pessoa diferente.
Lembrei que o próprio Hermes havia dito em nossa última conversa,
que precisava de um pouco mais de tempo para revelar todos os
mistérios que circundavam sua trajetória de vida. Ou seja, ele não
estava mentindo, apenas omitindo alguns fatos que o incomodavam.
Após longa reflexão sobre o assunto, guardei todos os objetos
dentro do baú, recolocando a chave P.F.A. em seu lugar de origem.
Neste momento decidi que deveria aguardar o posicionamento do
velho sábio sobre os mistérios da sua vida, sem pressioná-lo ou
exigir explicações. Prometi a mim mesmo que não tocaria mais no
assunto até que Hermes tomasse a iniciativa.
Passadas algumas horas, chegou o velho sábio, bastante sujo e
portando em suas mãos um cesto cheio de frutos amazônicos.
Cupuaçu, acerola, açaí, e coco eram alguns dos frutos que iriam
garantir nossa alimentação no transcorrer daquele dia.
Após saborearmos o “banquete amazônico”, Hermes me
convidou para realizarmos nossa aula do lado de fora do casebre,
pois estava muito calor. Ao nos sentarmos debaixo de um jequitibá,
fiz uma pergunta que ficou em aberto no nosso último diálogo:
— O que é Liderança Transformacional?
Ele não respondeu, mas afirmou:
— Ontem, durante nossa pescaria, você mencionou que todas
as conversas que tivemos até o presente momento, o transformaram
em uma pessoa diferente. Gostaria que comentasse um pouco sua
sensação.
Atendendo sua solicitação, discursei:
— Com certeza. Sinto que esses dias na Floresta Amazônica,
estão me auxiliando a descobrir valores que desconhecia em minha
personalidade. Hoje sou capaz de compreender a importância de
saber ouvir as pessoas quando dialogo; também entendi que todos
temos necessidades e expectativas diferentes, fator que sempre deve
ser respeitado; aprendi que precisamos cultivar bons relacionamentos
em todas as áreas de nossas vidas. Enfim, no curto período em que
estou contigo, creio que aprendi muito mais sobre liderança do que
em todos cursos ou atividades profissionais que desenvolvi durante
toda minha vida.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Mantendo-se em absoluto silêncio por uns dois minutos,


Hermes olhou para os céus e estendeu suas mãos. Não entendendo a
postura do meu colega, perguntei:
— O que você está fazendo?
— Estou agradecendo a Deus por ter atendido minhas orações.
Jesus me capacitou a auxiliar na sua recuperação enquanto pessoa.
Obrigado, Meu Deus!
Completamente irônico e ainda sem nenhuma crença em Deus
disse:
— Acho melhor focarmos a Liderança Transformacional, pois
não acredito em Deus.
Respeitando minha posição, Hermes me olhou novamente e
afirmou:
— Fico muito feliz por ter podido auxiliá-lo na descoberta de
tantos valores da sua personalidade. Entendendo que seu breve relato
sintetiza muito bem a prática da LIDERANÇA que transforma.
Bastante interessado no assunto, pedi: — Por favor, comente
um pouco mais sobre o conceito.
Ele atendeu meu pedido. — A Liderança Transformacional foi
preconizada por James Macgregor Burns no seu livro Leadership.
Quando desenvolveu tal conceito, o autor demonstrou que a
Liderança de equipes está atrelada à Gestão dos Sentidos, ou seja,
que a liderança se inter-relaciona com a competência do líder em
auxiliar os seguidores a compreender o real sentido de suas
respectivas vidas, tanto no âmbito profissional como pessoal. Para
Burns, os líderes poderiam atuar na Gestão dos Sentidos de seus
seguidores, adotando posturas Transacionais ou
Transformacionais.
Muito confuso com sua explicação, pedi: — Por favor, amigo,
me explique novamente, pois estou bastante confuso.
Acenando positivamente com a cabeça, Hermes seguiu:
— Para sua melhor compreensão, vou explicar passo a passo,
ok?
— Combinado, estou pronto para ouvi-lo.
— Para James Burns, o líder deve atuar na Gestão dos
Sentidos de suas equipes, ou seja, o grande desafio do líder é fazer
com que o grupo de seguidores “enxergue sentido” em suas
atividades. Por exemplo, se atuo na equipe de limpeza de uma grande
indústria de alimentos, preciso enxergar que meu trabalho é

67
Romulo Gutierrez

extremamente importante para toda a cadeia produtiva desta


empresa, pois se não entender tal importância, provavelmente terei
uma postura descomprometida com minhas tarefas. E é exatamente o
líder da equipe de limpeza que deve auxiliar seus seguidores a
compreender o real significado e relevância dos seus trabalhos.
— Então, o líder deve auxiliar seus liderados a descobrirem e
valorizarem suas funções e trabalhos?
— Exatamente, meu jovem. Como citamos outrora, a
liderança eficiente e eficaz é aquela que consegue valorizar os
membros da equipe. Para que haja tal valorização, estes membros
precisam se autovalorizarem, além de entender a importância de sua
presença na equipe.
Começando a entender a explanação feita pelo “professor”,
falei: agora estou começando a entender. Pode passar para o próximo
passo!
— Então vamos em frente, meu jovem. Nesta teoria que enfoca
a liderança como Gestão dos Sentidos, tem-se que o líder detém duas
possibilidades para auxiliar seus liderados a encontrarem o real
sentido em suas funções. Um enfoque denominado Transacional e
um segundo chamado Transformacional.
Muito atento à explicação, pedi: — Comente o primeiro.
— O enfoque denominado Liderança Transacional apregoado
por Burns, demonstra que o líder pode optar por uma liderança
baseada em trocas, ou seja, líder e seguidores trocam favores,
influências e lealdade mutuamente; todos têm foco nos benefícios
próprios.
Completando o raciocínio do velho sábio, perguntei: — Seria
uma grande cadeia de relacionamentos, onde líder e seguidores
convivem embasados em transações?
— Exatamente. Na liderança transacional, o líder consegue a
“regência” do seu grupo, pois tem atrativos a serem oferecidos aos
seguidores que, por sua vez, aceitam tal liderança, pois estão
interessados nos atrativos que o líder tem a oferecer.
Para melhor compreensão do conceito, sugeri o seguinte
exemplo:
— Se lidero uma equipe de 20 garçons, posso pedir a eles que
se submetam à minha liderança, trabalhando com lealdade e afinco e,
em troca, prometo a manutenção dos seus empregos, chances de
promoção e melhores salários. Seria isso?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Mais uma vez você foi muito preciso. Seu exemplo elucida
muito bem o que é liderança transacional. Mas faço uma ressalva
sobre o estilo. Quando o líder não tiver mais atrativos a serem
trocados, provavelmente os seguidores não o verão mais como
“regente” do grupo.
Segui o raciocínio de Hermes — Ou seja, sob o enfoque
transacional os liderados não enxergaram efetivamente o sentido de
suas funções no trabalho ou na vida pessoal. Apenas concordaram
em participar de um processo de trocas. “Você garante meu emprego
ou promoção de cargo e eu me engajarei nos trabalhos da sua
equipe”.
Hermes ficou muito satisfeito com minha performance —
Excelente, Silas!
— Agora só falta você fechar o conceito, comentando a tão
aguardada Liderança Transformacional. — falei para Hermes em
tom de piada.
Ele gargalhou como uma criança — Então vamos lá! Para sua
melhor compreensão do que é Liderança Transformacional, vou citar
primeiro um exemplo bastante genérico, depois partimos para
concepções mais específicas, ok?
— Você é quem manda, mestre!
— Vamos nos atentar para o comportamento de grande parte
dos políticos brasileiros. Observo que em seus discursos de
campanhas ou programas de governo, sempre se voltam para
estratégias transacionais do tipo: “vote em mim ou no candidato que
apoio e em troca vocês terão descontos nas farmácias, auxílio na
renda mensal, decréscimo na passagem de ônibus, moradia gratuita
financiada pelo governo etc”. Veja, meu jovem, tudo que é
prometido tem caráter transacional, pois, para usufruir tais
benefícios, a pessoa precisa votar em um determinado candidato ou
em quem ele apoia. Você entende?
Com um sinal de cabeça, sinalizei positivamente e Hermes
prosseguiu com sua explicação:
— Verifico que essa postura gera sempre uma relação de
dependência perniciosa e nociva para nosso povo; sempre esperamos
que um governante faça alguma coisa para melhorar nossas
condições de vida.
Interrompendo sua explicação, perguntei: — E a Liderança
Transformacional neste exemplo?

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Romulo Gutierrez

— Se o modelo Transformacional fosse instituído neste


exemplo, a postura seria a seguinte: “vote em mim ou no candidato
que apoio, pois daremos condições às pessoas para buscarem melhor
colocação profissional e, com isso, conseguirão melhores condições
socioeconômicas, o que propiciará melhoria na saúde, na moradia e
no transporte”. Consegue compreender?
Bastante enfático, falei: — No primeiro momento, o povo
ganha os benefícios em troca do seu voto. No segundo exemplo, o
candidato promete dar condições para as pessoas “caminharem com
suas próprias pernas” e conseguirem melhores condições de vida
para si. Seria isso, mestre?
Hermes demonstrou alegria com minha explicação — Mais
uma vez você foi muito preciso. Podemos definir que a Liderança
Transformacional é aquela em que o líder propicia condições para o
grupo de liderados trabalhar em equipe, caracterizando assim uma
relação interdependente, na constante busca por objetivos pessoais e
profissionais.
— Mas você não disse anteriormente que líder e liderados
precisavam se organizar em equipes integradas para conseguir
objetivos individuais e pessoais? Isso não é uma dependência mútua?
Com uma expressão bastante compenetrada, Hermes
respondeu: — Exatamente, meu jovem. As equipes devem sim ser
integradas e se ajudar mutuamente, entretanto, não é aconselhável
existir relações de dependência excessiva entre seus membros. O que
a Liderança Transformacional nos ensina é que as equipes devem ser
interdependentes, ou seja, o sucesso do grupo e o alcance dos
objetivos está vinculado ao trabalho em conjunto e não simplesmente
às relações de dependência entre alguns membros do grupo, pois tais
relações implicam em imaturidade e incompetência.
Compreendendo sua explicação, com uma voz bastante
saudosa, indaguei:
— Posso citar um exemplo da minha vida pessoal?
— À vontade. — Hermes parecia bastante interessado no meu
exemplo.
— Eu e Francine sempre demos tudo para o nosso filho João
Pedro. Desde quando João era aluno da terceira série, instituímos que
boas notas seriam remuneradas com presentes ou passeios. O
resultado do trato era sempre o mesmo: “Todo final de ano vinha
João Pedro com seu boletim escolar, demonstrando sua aprovação e

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

exigindo seus presentes e passeios”. A tática sempre deu bons


resultados até João Pedro entrar na fase da adolescência. Quando ele
completou 15 anos, eu e Francine notamos que nosso filho era um
adolescente sem limites, imaturo e sempre dependente de nós para
tudo. Incapaz de decidir sozinho, errava na escolha das amizades, das
namoradas e dos rumos profissionais que precisava tomar.
Infelizmente, o resultado de tudo isso foram escolhas, atitudes e
companhias erradas, que levaram João Pedro para uma clínica de
recuperação para dependentes químicos.
Terminando minha história, perguntei ao velho sábio:
— Este exemplo é bastante cabível para diferenciar Liderança
Transacional e Liderança Transformacional, não é?
Com palavras muito otimistas, Hermes disse:
— Por hora, meu jovem, a história de João Pedro terminou na
clínica de recuperação de dependentes químicos. Porém, tenho
certeza de que você sairá desta floresta e transformará a vida do seu
filho.
Fiquei insatisfeito com sua resposta — A história que contei
não é um bom exemplo para diferenciar Liderança Transacional e
Transformacional?
Hermes foi sucinto, porém muito sincero em suas palavras —
Infelizmente, o exemplo é perfeito. Mas prefiro discutir outros
exemplos, meu jovem.
Após suas palavras, fiquei em absoluto silêncio. Naquele
momento senti uma saudade imensa do meu filho, uma vontade
incabível de querer abraçá-lo, beijá-lo e expressar o meu infinito
amor por ele. Mas, infelizmente, não podia fazer nada do que estava
pensando, pois estava perdido na Amazônia.
Hermes notou minha tristeza — Vamos falar um pouco sobre
as práticas da Liderança Transformacional no contexto corporativo?
Com algumas lágrimas escorregando em minha face, assenti
— Sim, vamos.
— Na gestão de equipes nas empresas, entendo que a
Liderança Transformacional sempre deve ser praticada pelos líderes.
Utilizando a expressão que você usou há alguns minutos, o líder deve
dar subsídios para seus seguidores “caminharem com suas próprias
pernas”. Em vez de promover trocas com nossas equipes, enquanto
líderes, precisamos dar caminhos, alternativas e incentivos para
nossos seguidores saberem decidir e escolher seus próprios rumos, o

71
Romulo Gutierrez

que, segundo Burns, é a essência da Liderança Moral, voltada para a


busca de necessidades, aspirações e valores dos seguidores.
Demonstrei certas restrições quanto à aplicabilidade da
Liderança Transformacional na gestão de equipes nas empresas —
Desculpe-me mestre, percebo que a maioria dos líderes nas empresas
não atua na postura transformacional. Não seria um belo conceito
teórico, mas inaplicável na prática organizacional?
Ele levantou suas sobrancelhas grossas e me olhou fixamente
— Para responder seu questionamento, permita-me citar uma frase
de Albert Einstein: “Insanidade é fazermos as mesmas coisas
esperando algo diferente”. Concordo com você quando diz que a
aplicabilidade da Liderança Transformacional ainda é muito
incipiente na gestão de equipes nas empresas. Entretanto, se
quisermos exercer uma liderança sólida, focada em objetivos e
valorizando a capacidade humana, é preciso uma completa revisão de
nossas práticas enquanto líderes.
— Sua resposta foi extremamente precisa. — Disse ao meu
“professor”, admirado com sua capacidade de persuadir.
Com bastante humildade em seu discurso, Hermes comentou:
— Obrigado pelo elogio, Silas, mas é fácil compreender a
importância da Liderança Transformacional quando entendemos
nosso próprio comportamento enquanto membros de uma equipe.
Não entendi sua afirmação — Como assim? Pode explicar
melhor?
— Observe. Quando trabalhamos em equipe, tudo que
queremos sentir é que nosso trabalho nos transforma, nos valoriza,
nos enobrece e, acima de tudo, tenha reflexo sobre os resultados de
toda equipe. É óbvio que os sentimentos estão vinculados ao sentido
que damos às nossas tarefas diárias. Sinteticamente, o que todos
querem é participar e se sentirem importantes. Alguém se sente
importante, transformado ou valorizado quando é enxergado como
uma “moeda de troca?”
— Com certeza, não. — respondi objetivamente.
— Pois, então! Isso justifica o pensamento acerca das
diferenças entre a Liderança Transacional e Transformacional. A
liderança embasada em trocas só dura enquanto o líder tiver
benefícios que atraiam os seguidores. Já a Liderança
Transformacional valoriza o ser humano, faz com que ele aprenda a

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

decidir e, consequentemente, se transforme em um indivíduo melhor,


todos os dias.
Balançando a cabeça positivamente, disse: — Agora consigo
entender o que é a Liderança Transformacional. Alias, também
entendo os motivos pelos quais hoje me sinto uma pessoa melhor.
Você é um líder transformador, não é?
Hermes sorriu e bateu palmas — Bravo! Bravo! Você mesmo
respondeu a questão que originou nossa discussão sobre Liderança
Transformacional.
Não resistindo àquele momento de comoção, o abracei com
toda força — Obrigado, meu amigo. Muito obrigado por tudo que
tem feito por mim. Você me fez descobrir sentimentos, emoções e
verdades que achei que nunca encontraria no meu coração.
Da mesma forma calorosa, Hermes me abraçou e, com
algumas lágrimas nos olhos, pediu: — Silas! Nunca deixe de confiar
em mim. Como conversamos anteriormente, sei que tenho alguns
mistérios a serem esclarecidos, mas acredite que jamais faria nada
para te prejudicar, pois tenho você como um filho.
Quando Hermes disse estas palavras, confesso que tive muita
vontade de indagá-lo sobre a chave de madeira que encontrei no baú,
porém, resolvi novamente lhe dar um voto de confiança, afinal, não
tinha nenhuma prova concreta contra ele.
Notando que eu fiquei em absoluto silêncio sobre seu pedido,
Hermes ficou um pouco desapontado — Vou sair para meditar. Sinto
que Deus precisa falar comigo.
— Ok, mestre. Enquanto você medita, vou aproveitar e dormir
um pouco. — respondi de maneira muito seca.
Hermes saiu, portando seus conhecidos apetrechos de caça.
Quando notei que o “mestre” já havia saído, não resisti. Corri
novamente em direção ao baú, abri aquela pesada porta e novamente
peguei a chave P.F.A.
Impressionava-me como aquele objeto que estava em minhas
mãos era idêntico ao que visualizava em meus sonhos. Como poderia
um sonho aparentemente tolo, “sem pé ou cabeça”, concretizar-se em
poucos dias? Qual era o significado daquela chave? Será que Hermes
era realmente uma pessoa transparente e verdadeira?
Tantos questionamentos tomavam conta dos meus
pensamentos que fiquei com dor de cabeça. O pior é que a
confirmação da real existência da chave P.F.A me remeteu a outros

73
Romulo Gutierrez

questionamentos acerca daquele outro sonho que me incomodava nas


últimas noites. Quem seria o traidor? Será que as suspeitas de
Hermes contra Fabinho tinham algum fundamento? Ou será que
Hermes estava querendo incriminar Fabinho somente para se livrar
de alguma culpa?
O turbilhão de perguntas me fez tomar uma atitude que
praticamente havia morrido em meu coração. Saí do casebre e olhei
para os céus — Oh, meu Deus! Onde esta você agora!? Clamo a ti
para que dê clareza sobre todas essas dúvidas e, acima de tudo,
imploro por uma nova chance! Quero sair desta floresta e viver uma
vida nova!
Após fazer meu clamor, entrei novamente e me deitei na cama.
Surpreendentemente, senti-me aliviado após a oração. Parecia que
Deus tinha me ouvido naquele momento. Senti meu coração
transbordar de esperança como há muito tempo não sentia.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 9 — Se quiser liderar


aprenda a “assertar”

Não eram nem 05h40 da manhã e eu já estava perambulando


dentro do casebre. Notei que Hermes não estava. Talvez tivesse um
encontro marcado com sua onça, Cassandra. Sem sono algum, comi
algumas acerolas e fiquei refletindo novamente sobre meus estranhos
pesadelos.
Infelizmente, naquela madrugada, eles se renovaram como se
fosse um filme de terror.
Nesta noite, Hermes não segurava mais a chave. Além de ter
alterado suas palavras naquele “conhecido” discurso, de “J’ai des
clés de ça forêt", passou a dizer: “vous savez déjà que j'ai des clés
de ça forêt”. Embora desconhecesse a língua ou dialeto utilizado,
estava claro para mim que o discurso só havia mudado em seu início.
Ou seja, mais um intrigante mistério sobre a pessoa mais misteriosa
que conheci em toda minha vida.
O sonho com João Pedro também tomou novas formas. Meu
filho continuava com aquela cobra horrível enrolada em seu pescoço,
dizendo: “Cuidado com o traidor”. O estranho é que agora ele dizia
isto de costas para minha mulher, Francine, como se estivesse
decepcionado ou zangado com ela.
Após descobrir que a chave P.F.A realmente existia, já estava
completamente convencido de que todos aqueles pesadelos estranhos
tinham total fundamento. Tinha certeza de que os sonhos que
constantemente me atormentavam na floresta, eram, na verdade, uma
forma que meu inconsciente ou mesmo Deus, utilizavam para se
comunicar comigo.
Enquanto imaginava possibilidades e hipóteses sobre tantos
mistérios, fui surpreendido por Hermes, com uma feição muito
assustada — Meu jovem, preciso que você me acompanhe agora. É
algo que você precisa saber.
Com uma alegria incontida, levantei da cama e gritei:
— Você encontrou a saída! Sabia que a oração que tinha feito
ontem havia realmente sido ouvida por Deus. Vamos logo deixar esta
floresta!

75
Romulo Gutierrez

Com palavras frias, porém penetrantes, Hermes disse: — Fico


muito feliz que tenha procurado a Deus, Silas, mas o que tenho para
te mostrar ainda não é a saída. Por favor, me acompanhe.
Sem a mesma alegria de outrora, apenas acompanhei Hermes
em mais uma “super aventura” no coração da Selva Amazônica.
Andamos praticamente uma hora e estava bastante frio. Hermes
manteve passos rápidos e não dizia uma única palavra. Após a longa
caminhada, o mestre disse:
— Pare! É bem aqui, meu jovem.
Olhando ao nosso redor, não percebi nada de anormal. Apenas
uma pequena área desmatada, com um raio de uns 10 metros. Sem
ter certeza de nada extraordinário, quis saber: — Desculpe-me
mestre, o que tem de errado aqui?
Aparentemente um pouco tenso, Hermes se agachou no chão e
disse:
— Observe que no solo temos marcas de pouso de um
helicóptero.
Agachando e olhando com cuidado, me certifiquei que de fato
algum helicóptero havia pousado ali há algum tempo. Duvidoso
sobre aquela situação, perguntei: — E o que há de errado, Hermes?
Podem ser exploradores ou agentes da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) que descobriram uma nova tribo.
Levantando suas sobrancelhas e com uma voz baixa, Hermes
negou — Tenho certeza de que não. Nesta mesma área onde o
helicóptero pousou, encontrei este aparelho GPS quebrado, além
desta carteira.
Com o raciocínio de um perito criminal, comentei: — Sem
problemas, mestre. Algum explorador ou agente da FUNAI desceu
nesta área, averiguou o que tinha que ser pesquisado e, ao subir no
helicóptero, se descuidou com o aparelho GPS que caiu e se
espatifou. Sua carteira, que estava no mesmo bolso, também acabou
tendo o mesmo destino.
Hermes me olhou fixamente — Seu raciocínio como perito foi
perfeito. Acredito que foi exatamente isso que aconteceu com o GPS
e com a carteira. Mas você quer saber o nome descrito no documento
do dono desta carteira, Silas?
Demonstrando certa displicência com aquele comportamento
investigativo, perguntei: — E qual é o nome do agente da FUNAI
que esteve aqui?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Bastante sério, Hermes respondeu:


— Não encontrei nenhum documento da FUNAI nesta carteira,
meu jovem. Apenas temos 5 reais, e uma identificação de guia de
turismo nacional no nome de Fábio Eduardo Gomes Silva.
— Fábio Eduardo Gomes Silva?! — gritei muito assustado.
Sentando-se no chão, Hermes me convidou a fazer o mesmo
— Este nome lhe é familiar, Silas?
— É o Fabinho! O amigo que me trouxe para floresta!
Sem ser agressivo, Hermes foi muito firme em suas palavras
— Vamos encarar os fatos, Silas. Fábio Eduardo te trouxe aqui para
fazer uma trilha na Floresta Amazônica, com o principal objetivo de
te ajudar a superar seus problemas familiares e profissionais, certo?
Já com algumas lágrimas nos olhos, ciente do que estava
realmente acontecendo, respondi: — Sim.
Hermes segurou minhas mãos — Não, meu jovem. Esse
sujeito te trouxe para a floresta e mentiu dizendo que estavam
perdidos. Ele o abandonou na certeza de sua morte e, simplesmente,
fugiu de helicóptero.
Em prantos, esmurrei o chão — Não! Não! Não! Fábio não
tinha motivos para fazer isso, Hermes.
Hermes me abraçou como se realmente fosse meu pai — Fique
calmo, Silas. Vamos encarar os acontecimentos. Está confirmado:
Fábio é o traidor sobre o qual João Pedro te avisa nos sonhos.
Abracei o mestre e chorei em seus ombros — Por que ele fez
isso, Hermes? Por que me trouxe aqui, mentiu que estávamos
perdidos e fugiu de helicóptero?! Será que ele queria me ver morto?
De maneira muito carinhosa, porém realista, Hermes disse:
— De que ele o queria morto, eu não tenho dúvidas. É
praticamente impossível alguém sobreviver nesta floresta sem
prévios treinamentos de sobrevivência e Fábio sabia muito bem
disso. Agora, os motivos que o levaram a tomar tal atitude, somente
você pode responder.
Ainda chorando e bastante abatido com a descoberta daquela
terrível traição, falei: — É melhor irmos embora, Hermes. Vamos
voltar para o casebre.
— Também acho melhor. O dia só esta começando e temos
muito que estudar.

77
Romulo Gutierrez

No caminho de volta o clima já estava mais quente. O sol,


mesmo escondido entre as nuvens, aparecia para dar vida à
Amazônia.
Aquela longa caminhada foi ainda mais cansativa com minha
auto-estima tão baixa. Tudo que pensava naquele momento era na
imensa vontade de esganar aquele sacana do Fábio. Como ele fez isso
comigo? O que eu fiz para ele querer me matar? Meus sonhos
realmente estavam se concretizando?
Quando chegamos próximo ao casebre, parei num dos
afluentes do rio Amazonas para me banhar. Sentia que não estava
lavando apenas meu corpo, mas também minha alma, tamanho era o
ódio que estava sentindo do Fábio.
Ao chegar ao casebre, não quis dialogar com Hermes. Apenas
deitei na cama e dormi. Após, aproximadamente, duas horas de um
sono muito intenso, acordei e vi Hermes sentado em sua cama lendo
a Bíblia.
Quando notou que eu já estava acordado, perguntou: — Está
melhor?
Com uma voz sonolenta, respondi: — Sim, estou melhor.
Muito embora com o coração aquebrantado pela decepção.
Com seu discurso peculiar, Hermes disse: — Não sinta raiva
ou ódio, Silas. Apenas tente entender os motivos que levaram Fábio
a fazer isso.
Levantei-me da cama e peguei uma caneca com água: — Não
consigo entender, Hermes. Eu... simplesmente não consigo.
Quando proferi essas palavras, Hermes se manteve em
silêncio, aparentemente analisando minha difícil situação. Após
alguns minutos, falou: — Tenha certeza de que sairá desta floresta e
desvendará o mistério.
Feliz com as palavras de Hermes, respondi: — Obrigado
mestre. Tem uma coisa nesse episódio que chamou muito minha
atenção.
— E o que é?
— Como você consegue tratar situações tão difíceis com tanta
naturalidade?
Com um olhar curioso, Hermes disse: — Desculpe-me, jovem,
mas não consegui entender.
Tentando me expressar de maneira mais clara, indaguei: —
Você encontrou uma prova cabal sobre a traição de Fábio, certo?

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Hermes assentiu — Certo.


— O que me deixa curioso é a forma como você trata as
situações difíceis. Você coloca o que pensa sem ofender. Expressa o
que sente, sem magoar, além de jamais mentir sobre os fatos. Como
você consegue agir assim, mestre?
Antes de responder minha pergunta, Hermes questionou:
— Este é um convite para começarmos nossos estudos hoje?
Ainda bastante abatido com as descobertas de horas atrás,
respondi: — Sim, mestre. Vamos começar nossa aula.
Hermes sorriu e esfregou as mãos como costumeiramente fazia
— Respondendo sua pergunta, o segredo se chama “assertividade”.
— Assertividade? O que é isso?
Com um semblante mais sério e levantando o dedo indicador
direito, Hermes respondeu:
— Considero a assertividade uma competência elementar para
todas as pessoas, principalmente para aquelas que têm a incumbência
de liderar equipes. Porém, noto que, infelizmente, pouquíssimos
sabem o conceito e a aplicação da assertividade nos relacionamentos
com as pessoas.
Já interessado pelo assunto, indaguei:
— Afinal, o que significa ser assertivo?
Antes de responder meu questionamento, Hermes se levantou
da cama, abriu seu velho baú e retirou um livro. Em seguida,
comentou:
— A assertividade é uma prática de vida postulada pela
Professora Vera Martins, em sua excelente obra SEJA Assertivo!
Após entregar-me o livro, Hermes sentou-se e iniciou sua
explanação: genericamente podemos dizer que a assertividade é uma
palavra derivada de asserção, que significa afirmar, confirmar,
expondo fatos, desejos e pensamentos com firmeza. Entretanto, é
impossível entender o comportamento assertivo, sem antes
compreendermos o comportamento agressivo e passivo.
Completamente compenetrado na aula, pedi:
— Então vamos lá, mestre. Ensine-me tudo que souber sobre o
assunto.
— Ok, meu jovem. Primeiro vamos começar a falar sobre o
comportamento agressivo, que é completamente antagônico ao
assertivo. Para você, o que significa ser agressivo?

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Romulo Gutierrez

Já com vasta experiência em ser agressivo com outras pessoas,


discursei:
— Em minha opinião, somos agressivos quando, ao nos
comunicarmos com o outro, não permitimos que nosso interlocutor
exponha sua opinião; quando alteramos nosso tom de voz para
demonstrar força e valentia diante de determinada situação; quando
gesticulamos mãos e braços na intenção de intimidar quem nos ouve;
quando olhamos no fundo dos olhos de alguém, demonstrando raiva
e rejeição a determinado comportamento. Enfim, Hermes, são tantos
“quandos” que acredito que, em quase toda minha vida, fui uma
pessoa e, principalmente, um líder agressivo.
Após ouvir minha resposta, Hermes ficou alguns segundos em
silêncio, aparentemente analisando o que ouviu. Em seguida,
afirmou:
— De fato, Silas, o comportamento agressivo tem todas estas
características que você mencionou. Acredito que podemos
corroborar todos os adjetivos ditos por você, afirmando que ser
agressivo é invadir o espaço alheio.
Com certa dúvida sobre a síntese que Hermes havia feito,
perguntei:
— Desculpe, mestre, mas não entendi o que você quis dizer.
Com sua paciência peculiar, Hermes respondeu:
— Quando digo invasão do espaço alheio não digo somente do
espaço físico em si. Refiro-me também às mágoas que deixamos nas
pessoas com palavras ríspidas e desmedidas; quando forçamos os
que convivem conosco a fazer coisas que não querem; quando não
medimos esforços e “atropelamos” os interesses de outros para
conseguir o que queremos. Enfim, Silas existem tantas formas de
invadir o espaço alheio que fica difícil citar todas as situações. O que
posso afirmar é que quando invadimos o espaço das outras pessoas,
elas se sentem magoadas, ofendidas e irritadas com nosso
comportamento, o que, provavelmente gera raiva e constantes
conflitos.
Entendi sua colocação — De fato, mestre, quando somos
agressivos com as pessoas, observo que elas ficam com ódio e
mágoa, o que ocasiona comportamentos agressivos por parte delas
também. E, como você citou, isso gera muitos conflitos nos
relacionamentos.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Hermes me aplaudiu — Excelente, Silas. Gostei muito da sua


colocação. Mas, como você entende a agressividade nas relações
líder-liderado?
— Acredito que a agressividade entre o líder e seus seguidores
gera um ambiente “pesado”, o que dificulta o alcance dos objetivos
traçados pela equipe. E como dissemos, o comportamento agressivo
gera mais agressividade; ou seja, se o líder adota uma postura
agressiva para com seus liderados, provavelmente, eles também
serão agressivos mutuamente, além de adotarem a mesma conduta
com o líder.
Hermes concordou com minha explanação — Concordo
plenamente com você. “Agressividade gera agressividade”.
Quando lideramos uma equipe, temos que respeitar os limites, os
desejos e as motivações de nossos seguidores. Tal conduta, como
mencionei, está inter-relacionada com o respeito ao espaço alheio. É
claro que jamais podemos nos esquecer de que os desejos individuais
não devem sobrepor os objetivos da equipe. Sinteticamente, o líder
deve respeitar o espaço de cada liderado, mas os liderados também
devem respeitar as necessidades e objetivos da equipe, o que,
indubitavelmente, gera um círculo virtuoso, em que “Respeito gera
respeito”.
Fui ao encontro do pensamento do mestre — É aquele velho
jargão popular: “preciso respeitar para ser respeitado”.
Hermes riu de felicidade — Exemplo perfeito, jovem. Muito
bom.
— Mas cadê a assertividade, Hermes?!
— Vamos passo a passo, Silas. Agora que compreendemos o
comportamento agressivo, é hora de falarmos sobre a passividade.
Como você entende o comportamento passivo?
— Acredito que somos passivos quando não expressamos
nossas opiniões, temendo possíveis retaliações ou problemas.
Hermes fez um sinal de positivo com seu polegar direito —
Isso mesmo, Silas. Todas as vezes que a pessoa não expressa sua
opinião, deixando de colocar em palavras aquilo que sente em seu
âmago, esta pessoa está adotando um comportamento passivo. Mas
por que você acha que muitas vezes assumimos essa postura?
Sem muita certeza, respondi: — Acredito que por vários
motivos, mestre. Por exemplo, muitas vezes, uma criança pode acatar
tudo que o pai diz sem questionar ou se opor, simplesmente porque

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Romulo Gutierrez

tem muito respeito e afetividade por ele. Outro exemplo: um


funcionário de uma fábrica acata e não questiona as ordens do seu
encarregado, pois tem medo de perder o emprego. Enfim, Hermes,
acredito que grande parte dos relacionamentos são caracterizados
pela passividade, onde o que impera é a demagogia e a falsidade.
O velho sábio balançou a cabeça negativamente — Discordo
de você quando diz que grande parte dos relacionamentos são
demagogos e falsos, mas respeito sua opinião. Entretanto, meu
jovem, posso afirmar que, em muitos casos, as pessoas adotam uma
conduta passiva diante das diversas situações cotidianas, pois, desde
crianças são condicionadas a optarem por este tipo de
comportamento.
Não compreendi o discurso de Hermes — Desculpe-me
mestre, mas não entendi.
Olhando-me fixamente, ele respondeu:
— A própria Vera Martins em seu livro Seja Assertivo, nos
demonstra que desde nossa infância, nossos pais nos ensinam que
respeitar o outro é não expressar nossa opinião, sacrificando nossa
própria identidade.
Com um tom desafiador, pedi: — Pode me dar um exemplo?
— Permita-me citar meu exemplo. Desde criança minha mãe
sempre me ensinou que devia respeitar os mais velhos. Quando
adolescente, observava, várias vezes, meu tio Jóbson maltratando sua
mulher e filhos, mas nunca podia questioná-lo sobre isso. Resultado:
passei a sentir um tremendo ódio do tio Jóbson, mas, na frente dele,
tinha que fingir que estava tudo bem e que ele era o tio mais legal do
mundo.
Interrompi sua história — E esses ensinamentos da sua mãe te
trouxeram problemas?
— Com, certeza Silas. Levei muito tempo para aprender a
questionar as pessoas com mais idade do que eu, o que me trouxe
muitas dificuldades na escola e também no trabalho.
— Agora entendo. Somos condicionados desde crianças a agir
com demagogia frente às situações. E tal condicionamento perdura
por muito tempo em nossas vidas. É isso, mestre?
— Exatamente. Como eu te disse, não creio que todos os
relacionamentos são falsos ou demagogos, mas acredito que, muitas
vezes, as pessoas são passivas, pois aprenderam a agir assim ainda na

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

infância. Tal passividade gera sentimentos ruins como raiva, ódio e


rancor, o que atrapalha substancialmente as relações interpessoais.
Acompanhei seu raciocínio — É como dizer não para você
mesmo. Não é isso?
Batendo palmas como de costume, Hermes disse: — Excelente
colocação, meu jovem. O comportamento passivo é exatamente a
negação de nossas vontades, motivações e expectativas. Quando
adotamos uma postura passiva nós mesmos estamos nos agredindo, o
que, indubitavelmente, gera uma sensação de incapacidade e
impotência diante das dificuldades do dia a dia.
Complementei a explicação de Hermes — Creio também que
quando somos passivos, temos dificuldades de nos aceitar, pois como
você disse, o passivo se agride constantemente.
— Sim. — falou, apertando meu ombro esquerdo. Mas como
você observa as relações entre o líder e o comportamento passivo?
Com um sorriso maroto em meus lábios, respondi: —
Desculpe-me, mestre, mas essa eu prefiro deixar com você. Gostaria
muito de ouvi-lo antes expressar minha opinião.
Ele acatou minha solicitação — Ok! Você venceu. Acredito
que podemos ver as relações entre liderança e a passividade sob duas
perspectivas diferentes.
— E quais são?
Saciando meu desejo de conhecimento, Hermes começou:
— Em primeiro lugar, penso que o líder jamais deve ser
passivo. O verdadeiro líder sempre deve expressar o que pensa. Sabe
dizer sim ou não, prezando os interesses da equipe e nunca
atendendo aos caprichos de um indivíduo, isoladamente. Creio que
essa postura é essencial para que o líder seja percebido como uma
pessoa segura, firme e comprometida com os objetivos do grupo.
Empolguei-me com nosso debate — De fato, Hermes. Tive um
líder na cafeteria São Marcos chamado Juvenal Queiroz. Era uma
pessoa muito amiga e bondosa, mas extremamente passiva diante das
situações. O resultado de sua passividade eram diversos conflitos, em
que, praticamente, todos os membros da equipe lutavam apenas pelos
objetivos individuais e nunca grupais.
— Bom exemplo, Silas. Acredito que a passividade de Juvenal
Queiroz abria a perspectiva para um ambiente agressivo entre seus
seguidores. Estou certo?

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Romulo Gutierrez

Concordei — Exatamente. A insegurança e a passividade de


Juvenal geravam um ambiente de agressividade entre os membros da
equipe e o resultado era uma baixíssima performance.
— Consegue compreender os motivos pelos quais os líderes
não podem ser passivos? — questionou o velho sábio.
— Sim, compreendi perfeitamente.
Certo de que eu havia entendido a primeira relação, Hermes
indagou:
— Podemos discutir agora a segunda relação entre liderança e
passividade?
— Vamos em frente!
— Então vamos. Creio que o líder não deve estimular uma
postura passiva em suas equipes. Na medida em que se torna
agressivo ou propicia pouco espaço para discussão de ideias, a
passividade se torna uma característica marcante nos seguidores. O
resultado é uma equipe com pouca pró-atividade e extrema
dificuldade para tomar decisões.
Após sua explicação, fiquei alguns segundos sem dizer nada,
apenas refletindo. Notando que eu estava com dúvida sobre a
explicação, Hermes perguntou:
— Você não entendeu?
Prontamente respondi — Sim, entendi.
Hermes não ficou satisfeito com minha resposta — E por que a
expressão de dúvida?
— Num primeiro momento, você disse que o líder não podia
invadir o espaço dos liderados, ou seja, que a liderança não deve ter
características agressivas, certo?
— Sim, meu jovem.
— Em seguida você comentou que o líder não podia ser
passivo diante das situações, pois essa postura gera muitos conflitos
entre os liderados, o que origina equipes desfocadas e com baixa
capacidade de alcançar seus objetivos, certo?
Sucinto, Hermes respondeu — Certo.
— E para finalizar, você disse que se o líder adotar um
comportamento que exija dos liderados uma conduta passiva, eles
terão dificuldade para tomar decisões, além de acumularem
sentimentos ruins como ódio, desprezo e raiva, certo?
Com um sorriso no rosto, Hermes disse — Perfeito.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Na intenção de dissipar minha dúvida, questionei: — Então,


qual é o comportamento adequado nas relações entre líder e
seguidores?
Com o mesmo sorriso nos lábios, Hermes explicou: — Chegou
a hora, meu jovem. O comportamento adequado é a assertividade.
Bastante exaltado, perguntei:
— É agora que adentraremos o foco principal de nossa aula de
hoje?
Já compenetrado para iniciar sua explicação, Hermes
respondeu: — Exatamente. Como mencionei, assertividade é uma
palavra que deriva de asserção, que significa consolidar e confirmar
determinada posição.
Interrompi sua explicação — Concatenando tudo que você já
disse, entendo que a assertividade é o comportamento honesto, direto
e respeitoso. Não é passivo, tampouco agressivo, mas expressa
claramente a opinião sobre os fatos, afirmando nosso “eu” sem
invadir o espaço alheio. É isso?
Hermes fez um sinal de positivo — Magnífico, Silas. Sua
colocação foi perfeita. Agora compreende que para entendermos as
aplicações da assertividade, antes, necessitamos aprender sobre
comportamentos agressivos e passivos?
Prontamente, respondi: — Entendo, Hermes. E acredito
também que pouquíssimas pessoas conseguem ser assertivas
atualmente.
— E por que você acha isso?
Respondendo a indagação do velho sábio afirmei:
— Penso que, no geral, as pessoas são agressivas ou passivas.
As que agridem reagem assim para mostrar que são fortes, que têm
autonomia e procuram garantir o respeito dos outros por meio da
força. Aquelas que agem passivamente, fazem isso, pois não
conseguem defender suas opiniões, têm medo e, acima de tudo,
confiam pouco em sua capacidade. Ser assertivo é um grande
desafio.
Novamente, com uma indagação, Hermes deu continuidade à
nossa discussão: — E por que ser assertivo é um grande desafio, meu
jovem?
— Conseguir o respeito dos outros, preservar nosso espaço,
além de respeitar as vontades e motivações do próximo é sempre um

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Romulo Gutierrez

grande desafio. E, como dissemos, estes são pressupostos essenciais


para o comportamento assertivo.
Quando Hermes estava pronto para prosseguir com a
discussão, questionei: — Posso contar uma história da minha vida
profissional que não demonstra o comportamento assertivo?
Agindo como se estivesse frente a uma tropa de soldados,
Hermes prestou continência — Autorizado, Silas Bittencourt.
Após algumas gargalhadas que compartilhamos juntos, relatei
a seguinte história:
— “Certa vez, houve um grande corte de funcionários numa
das filiais da cafeteria São Marcos. Meu auxiliar direto, Rodrigo
Martins, já havia elaborado uma lista com o nome dos funcionários
que seriam demitidos; entretanto, era minha responsabilidade avisar
todos os demissionários. Não tive nenhum problema de consciência
para realizar tal tarefa, até que chamei um funcionário chamado
Maurício Ramos, um dos mais antigos empregados do
estabelecimento”.
— E o que fez quando esteva frente a frente com Maurício
Ramos?
— “Simplesmente comecei a rodear, me desculpar, lamentar,
antes de informar a decisão da empresa. O pior é que para não me
sentir culpado, prometi a ele um novo emprego na cafeteria
concorrente”.
— E você cumpriu sua promessa?
— Infelizmente, não. Apenas prometi, pois estava me sentindo
muito mal por ter que demitir o funcionário mais antigo da Cafeteria
São Marcos.
Dando sentido ao meu relato, Hermes observou — Você foi
passivo diante da situação. Você deveria informá-lo de que ele já não
fazia mais parte dos planos da empresa, desejando-lhe sorte e
colocar-se à disposição para dar referências sobre sua conduta
profissional. Dessa maneira, você teria sido um líder assertivo, pois
defendeu os interesses da equipe, sem ter sido agressivo com o
saudoso Maurício Ramos.
Concordei — Exatamente. Tenho certeza de que fui um líder
passivo nessa situação. Creio também que os líderes devem sempre
adotar posturas assertivas, porém, é fundamental que eles ensinem
seus liderados a agir da mesma maneira. Penso que assim, o grupo se
tornará mais integrado, com relacionamentos francos, maduros e,

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

acima de tudo, pronto para superar as dificuldades e alcançar os


objetivos da equipe.
Levantando-se da cama, Hermes disse:
— Adorei sua colocação. Penso que o líder sempre deve optar
pela prática de comportamentos assertivos, a qual está embasada na
defesa dos interesses do líder e sua equipe. Assim, ele não é
agressivo com os outros, sabe emitir feedback positivo e negativo,
porém, sempre de maneira construtiva, além de conquistar o respeito
das pessoas pela admiração e não pelo temor.
Imitando o velho sábio, comecei a bater palmas e exclamar —
Bravo! Bravo!
Rindo e alisando sua extensa barba, Hermes se dirigiu ao
quadro negro e desenhou a seguinte tabela:

Liderança Agressiva Liderança Passiva Liderança Assertiva


Não respeita o espaço Permite que seu espaço Defende os interesses
alheio agredindo as ou de sua equipe seja da equipe sem agredir o
pessoas violado constantemente outro
O feedback agride e Não sabe emitir Promove o feedback
destrói relacionamentos feedback negativo, pois negativo ou positivo,
teme magoar as pessoas focando soluções e os
objetivos da equipe
Diz não sem permitir que Evita dizer não, pois Diz não bilateralmente,
o outro se posicione teme que isso abale sua permitindo que o outro
sobre o assunto aceitação por parte das também se posicione
pessoas
Encara os opositores de Evita a oposição de Encara as oposições de
suas ideias como ideias para não chatear suas ideias com
inimigos. as pessoas naturalidade
Não sabe se colocar no Pensa mais no outro do Coloca-se no lugar do
lugar do outro, que em si mesmo, se outro, porém, sem ser
cultivando auto-agredindo agressivo consigo
relacionamentos ruins constantemente mesmo
Resultado: Seguidores Resultado: Seguidores Resultado: Seguidores
temem o líder, mas não o não respeitam o líder e respeitam e admiram o
respeitam conflitam líder por sua postura
constantemente entre si justa, franca e
democrática

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Romulo Gutierrez

Após o desenvolvimento da tabela, Hermes observou — A


tabela aclara, sobremodo, os estilos agressivo, passivo e assertivo de
liderar. Sei que a liderança não é uma ciência exata, mas creio que o
que descrevi como resultado, ao término de cada coluna, elucida bem
o produto de cada um dos comportamentos.
Após permanecer em silêncio por alguns minutos, analisando a
tabela, disse: — Excelente, mestre. O quadro que você desenvolveu
nos ensina exatamente o que é assertividade e, acima de tudo, como
liderarmos assertivamente. Já não tenho mais dúvidas acerca da
importância do comportamento assertivo nas relações líder e
seguidores. Muito obrigado por mais essa aprendizagem, mestre.
Retribuindo meu agradecimento, Hermes apanhou seu cajado e
os apetrechos de caça — Fico muito feliz que tenha conseguido
aprender mais uma irrefutável competência dos grandes líderes,
Silas. Por hora, sairei para garantir nosso almoço. E nunca se esqueça
de que Jesus está com você.
Sem emitir uma única palavra, fiquei apenas sentado na cama,
vendo pela janela, Hermes sumindo na imensidão verde.
Pela segunda vez, após grande período, orei a Deus. Essa
minha atitude novamente me trouxe paz, esperança e a certeza de
que, brevemente, sairia daquela floresta para reconstruir minha vida,
além de entender os motivos que levaram Fábio Eduardo a fazer
tamanha crueldade comigo.
Embora fosse difícil acreditar, ficou claro para mim que Fábio
era o traidor e que, mais uma vez, um sonho aparentemente tolo,
tinha se consumado.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 10 — Se quiser liderar


aprenda a disciplinar

Amanheceu um lindo dia de sol. Aproveitando as condições


climáticas favoráveis, eu e Hermes andamos praticamente todo o dia
procurando alguma saída da floresta. Infelizmente, a busca foi mal
sucedida mais uma vez. Tudo que encontramos foi a mesma mata
fechada, inexplorada e que não dava nenhum vestígio de presença
humana no local.
A situação já estava se tornando insuportável para mim.
Apreciava muito a companhia de Hermes e, principalmente, seus
ensinamentos. No entanto, precisava retomar minha vida, me
propiciar uma nova chance.
A cada tentativa frustrada de encontrar a saída, me sentia
deprimido e minha esperança pouco a pouco ia desaparecendo.
Voltamos ao casebre por volta das 18 horas, quando o sol já
estava se pondo. Embora tivesse notado o bom humor de Hermes,
permaneci calado e muito fechado para o diálogo. Tentei dormir um
pouco, mas não consegui. Meus pensamentos estavam totalmente
voltados para minha vida em São Paulo. Tentava entender os
motivos que levaram o covarde do Fábio a me largar na Amazônia,
além de sentir uma saudade imensa da minha esposa Francine e do
meu filho João Pedro. Tinha certeza de que a cada dia perdido na
floresta, era um dia a menos que teria para reconstruir minha família.
Notando que eu estava bastante cabisbaixo, Hermes perguntou:
— Por que está triste, Silas? O fato de não termos encontrado a
saída o desapontou?
Controlei minha decepção — Um pouco...
Insistindo no assunto, Hermes afirmou:
— Não parece. Você está muito abatido, com um olhar triste e
completamente desesperançoso. Ânimo, Silas Bittencourt!
Na insistência do mestre em abordar o assunto, abri meu
coração — Desculpe-me, mas sinto que estou perdendo a esperança.
A cada dia que vivemos nesta floresta, vejo mais longe a
possibilidade de reconstruir minha vida. Peço a Deus para que

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Romulo Gutierrez

ilumine nossas buscas, mas acho que é de Sua vontade padecermos


na floresta o resto de nossas vidas.
Hermes censurou-me com veemência — O que há?! Deus
sempre provém o melhor para seus filhos! Ele é fiel, ao contrário de
nós humanos, que praticamos a fidelidade somente quando temos
interesses secundários.
Demonstrei alguma irritação — Não serei agressivo com você,
mestre, mas gostaria que entendesse minha frustração. Percebo que
nosso principal objetivo está cada vez mais distante, ou seja,
encontrar uma saída desta floresta é praticamente uma utopia.
Surpreendentemente, Hermes não respondeu. Levantou-se e
abriu seu velho baú. Apanhou um grande dicionário de capa marrom,
bastante empoeirado e começou a ler:
— “Disciplina! 1-Procedimento correto; 2-Obediência à
autoridade; 3-Observância estrita das regras e regulamentos de uma
organização civil ou estatal; 4-Ensino, instrução e educação...”
Ao terminar de ler os diversos significados da palavra
disciplina, Hermes questionou-me: — O que você abstrai do
significado da palavra disciplina?
Desanimado, respondi: — Desculpe-me. Hoje não estou com a
menor vontade de estudar. Fica para próxima.
Respeitando minha vontade, Hermes perguntou:
— Pelo menos posso dizer o que pensei quando relacionei seu
desânimo à palavra disciplina?
Atendi sua solicitação — Ok, eu te ouvirei.
Sentando-se em sua cama, Hermes falou:
— De todos os significados que mencionei sobre disciplina, o
que mais se identifica com nossa causa é o primeiro. Ou seja, o líder
que consegue atingir os objetivos em conjunto com sua equipe é
aquele que sempre adota os procedimentos corretos.
Envolvi-me na discussão proposta — Mas é óbvio que estamos
fazendo tudo certo!
Ele interrompeu meu raciocínio — Deixar o desânimo tomar
conta da equipe não é uma atitude correta. Entendo que as equipes de
alta-performance são altamente disciplinadas e esperançosas quanto
ao alcance dos seus objetivos.
— Hermes! Estou falando do meu desânimo e da minha
desilusão. Não estou colocando isso num contexto de equipe.
Contrariando meu pensamento, Hermes explicou:

90
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Mas eu estou, meu jovem. Neste momento eu e você somos


a equipe. Precisamos ser disciplinados o tempo inteiro para
conseguirmos atingir nossos objetivos. E, como sinalizei, a desilusão
e o desânimo são adjetivos nocivos para nossas conquistas. Sun Tzu
em seu livro A Arte da Guerra menciona a diferença entre o exército
que vence e o que perde. Você sabe a diferença?
Balancei a cabeça negando — Não sei.
Com um tom de voz baixo e penetrante, Hermes explicou:
— Os exércitos vitoriosos vencem antes de entrar no campo de
batalha e os exércitos derrotados procuram a vitória durante a
batalha. Magnífico pensamento de Sun Tzu, não acha?
Suas palavras, naquele momento, mexeram muito com meu
ego. Minha resposta foi óbvia — Concordo com Sun Tzu, mestre. A
vitória nasce em nosso coração e, na vontade de lutar, perseverar e
acreditar no impossível a cada dia.
Batendo em minhas costas, Hermes exclamou: — É isso, meu
jovem. Este é o Silas que quero ver!
Rindo da forma expansiva como me tratou naquele momento,
perguntei: — Na sua opinião, qual é o líder que retrata melhor a
relação entre liderança e disciplina?
Hermes levantou suas sobrancelhas e alisou sua imensa barba
— Oh! Muitos, meu jovem.
Desejoso de ouvir seu posicionamento sobre o assunto, insisti:
— Por favor, cite pelo menos um líder que consiga estabelecer essa
relação.
Antes de responder, ele novamente recorreu ao seu velho baú.
De lá retirou outro livro, Transformando Suor em Ouro, do técnico
da seleção brasileira de voleibol masculino, Bernardo Rezende.
Entregando o livro em minhas mãos, indagou:
— Já leu este livro?
— Ainda não. — respondi, folheando algumas páginas.
— Acredito que Bernardinho é o maior técnico de esportes
coletivos do mundo. Transformou uma seleção de jovens jogadores,
no maior time de voleibol de todos os tempos. Um time praticamente
imbatível, que ganha todas as competições que participa. Os
sucessivos êxitos rotulam sua equipe como o maior fenômeno
mundial em esportes coletivos.

91
Romulo Gutierrez

Ainda com certa dúvida sobre sua colocação, perguntei: — Na


sua opinião, Bernardinho é o líder que melhor expressa a relação
entre liderança e disciplina?
Prontamente, Hermes respondeu:
— Sem dúvidas. Acredito que outros líderes também
estabelecem tal relação com êxito, mas Bernardinho é um exemplo a
ser seguido. Neste livro, ele nos esclarece que a base de sua liderança
vitoriosa é a disciplina nos relacionamentos e no trabalho.
— Mas por que a disciplina é tão importante nas relações entre
líder e seguidores?
Com um sorriso sorrateiro, Hermes respondeu: — Creio que a
disciplina é fundamental para uma equipe de sucesso. Em minha
opinião, as equipes de alta performance não são necessariamente as
mais talentosas.
— Como assim? — indaguei, duvidando de sua opinião.
Com sua paciência habitual, Hermes explicou:
— O talento é um aspecto importante para as equipes
alcançarem seus objetivos, no entanto, a grande chave do sucesso
está no trabalho, na insistência, na obstinação e também na
capacidade de melhorar continuamente.
Demonstrei descrença no conceito exposto — Mas, mestre,
isso é chavão! Todas as equipes vencedoras gostam de discursos
humildes, afirmando que a chave do sucesso é o trabalho aliado à
disciplina, à união e ao companheirismo. Creio que o talento sempre
é preponderante.
Ele ajeitou sua grande cabeleira — Então vamos lá, Silas.
Vamos fazer um exercício de memorização. Pense por alguns
segundos no nome de cinco pessoas que trabalharam com você e que
tinham grande facilidade para aprender, talento criativo e habilidade
para resolução de problemas.
Atendendo ao seu pedido, concentrei-me e rapidamente me
lembrei de cinco membros de minha última equipe: — Ok, já tenho
os nomes em minha memória.
— Muito bem. Esforce um pouco mais a sua mente e relembre
as características comportamentais de cada um. Veja qual deles
conseguiria ser líder de uma equipe bem-sucedida, embasando-se em
tudo que aprendeu até aqui.
Quando Hermes fez esse pedido, tive facilidade em relembrar
as características comportamentais de cada um, mas não conseguia

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

associar o perfil de nenhum deles à figura de um possível líder. O


tempo passava, eu coçava minha cabeça e nenhum dos cinco nomes
me parecia suscetível ao líder ideal.
Hermes notou minha dificuldade — Conseguiu eleger o
“grande líder”?
— Analisando as características dos cinco seguidores que
escolhi, visualizo muito talento, mas sinceramente, nenhum se
enquadra no tipo de líder ideal.
Sorrindo, Hermes disse: — Agora, peço pela última vez um
esforço de sua memória. Dirija-se ao quadro negro e esqueça o
adjetivo talento. Apenas coloque o nome de um seguidor de suas
equipes que detenha as características de um grande líder. Como
parâmetro para sua escolha, relembre também tudo que discutimos e
aprendemos sobre a essência da liderança.
Levantei-me e, após grande esforço, lembrei o nome de
Cacilda Mendes, uma funcionária que atuava no departamento de
controladoria da Marques Fast. Para facilitar o entendimento de
Hermes, desenhei a seguinte tabela na lousa:

Cacilda Mendes
1. Determinada
2. Motivada
3. Competente
4. Assertiva
5. Superação diante das dificuldades
6. Humilde
7. Talentosa

Após a descrição da tabela na lousa, sentei-me novamente na


cama. Hermes permaneceu uns dois minutos em silêncio, apenas
analisando as características de Cacilda. Após terminar sua análise,
falou:
— Repare nas características que descreveu. Determinação,
auto-motivação, competência, assertividade, superação e humildade
não são predicados que se relacionam com o conceito de disciplina?

93
Romulo Gutierrez

— Sim, concordo com você.


— Observe que a última característica que você mencionou foi
o talento. Tudo o que escreveu anteriormente se relaciona com o
conceito de disciplina.
Interagi com seu pensamento — De fato, Hermes. As seis
primeiras características que escrevi se entrecruzam com o conceito
que mencionou no início do nosso bate-papo.
— Qual conceito?
— O conceito “da disciplina de fazer as coisas certas”.
Entendo que para sermos determinados, motivados, competentes,
assertivos, e humildes, precisamos a todo o momento superar nossos
limites, vaidades e dificuldades. Como você citou anteriormente, a
disciplina é um elemento chave das equipes vitoriosas.
Sorrindo, Hermes questionou-me: — Mas e os outros cinco
seguidores que lembrou? Não eram talentosos e criativos? Não
sabiam resolver problemas com facilidade?
Também sorrindo, respondi:
— Você está certo mais uma vez.
Levantando-se da cama e dirigindo-se ao quadro, Hermes
apontou para as características descritas sobre Cacilda Mendes —
Observando as qualidades que sinalizou sobre sua seguidora, concluo
que ela tinha atitudes e comportamentos muito mais voltados para o
“nós” do que para o “eu”. O que elucida que o líder deve ser um
facilitador e participante ativo das atividades do grupo, pois somente
assim os liderados se motivam rumo aos objetivos em comum da
equipe.
— Seria o conceito de Liderança Servidora preconizado por
James C. Hunter em seu livro O monge e o executivo? — questionei.
— Exatamente. Quando James C. Hunter nos ensina sobre a
liderança servidora, ele nos mostra que nossos seguidores sempre se
espelham em nossas atitudes e comportamentos para agirem, ou seja,
se sou um líder mentiroso, desconexo dos objetivos da equipe e que
participa pouco dos trabalhos, provavelmente este também será o
comportamento dos liderados. Em contrapartida, quando sou um
líder exigente, coerente, imbuído nos objetivos do grupo e que
participa ativamente das atividades da equipe, é praticamente certo
que os seguidores também ajam da mesma maneira.
— Agora compreendo por que disse que a liderança é também
um exercício de humildade.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Neste livro que te mostrei, o próprio Bernardinho diz que


sempre devemos liderar pelo exemplo.
Complementando seu discurso, disse:
— Enfim, o líder eficiente é aquele que tem a disciplina como
ação cotidiana e prática.
Hermes bateu palmas mais uma vez — Excelente, Silas.
Disciplina cotidiana, ou seja, devemos praticar todos os dias,
incessantemente. O verdadeiro líder não deve ser disciplinado
somente em seu discurso e sim demonstrar isso na prática, nas
atividades inerentes a sua equipe.
— Uau! Nosso papo de hoje realmente me animou, reascendeu
minha auto-motivação. — falei, referindo-me ao grande desânimo
que senti há alguns minutos.
Indo em direção ao velho baú e, após revirar muitos livros,
Hermes achou um velho papel todo amassado e amarelado pelo
tempo. Lendo aquele velho papel, disse:
— Rá! Sábia que ia te encontrar, seu danadinho!
Debochei de seu comportamento — Pirou de vez, Hermes?
Falando com papel?!
Rindo da minha piada, Hermes respondeu: — Falei dessa
maneira pois encontrei algo muito importante.
— E o que encontrou?
Colocando o papel já desamassado sobre meu colo, Hermes
disse:
— É a pirâmide da Hierarquia das Equipes Vitoriosas,
desenvolvida pelo coronel boliviano Hector Salcido, um dos maiores
líderes que tive enquanto combatente da legião estrangeira. Segundo
o próprio Hector Salcido, o líder que conseguia viver intensamente
os seis estágios desta pirâmide, fatalmente seria um líder de grande
sucesso.
Bastante interessado nos conceitos implícitos naquele desenho
estranho que tinha em minhas mãos, solicitei: — Mestre, por favor,
desenhe a pirâmide no quadro e explique-a passo a passo.
Atendendo prontamente a minha solicitação, Hermes desenhou
a seguinte pirâmide no quadro:

95
Romulo Gutierrez

Hierarquia das Equipes Vitoriosas

Após o término do desenho, Hermes começou:


— Num primeiro estágio da pirâmide, temos a disciplina. Este
conceito é alicerce para todas as atividades desenvolvidas pela
equipe. Segundo o precursor desta ideia, o saudoso e amigo Hector
Salcido, as equipes de sucesso e com desempenhos acima da média
eram disciplinadas, tanto nos trabalhos técnicos como também na
lealdade dos relacionamentos entre seus membros.
— Ok, mestre. Até aqui nenhuma novidade. Se o líder não
pratica a disciplina do “fazer correto”, jamais liderará pelo próprio
exemplo, mitigando completamente o desenvolvimento dos trabalhos
da equipe. Vamos para o próximo estágio.
Fazendo um sinal de positivo, Hermes seguiu:
— No segundo estágio temos o trabalho. Para líder e liderados
conseguirem realmente vencer atuando em equipe, não existe
fórmula mágica, a não ser muito trabalho. Quando Hector Salcido
explicava seu estilo de liderança vitorioso, ele simplesmente dizia
que a sorte acompanhava as equipes que mais trabalhavam. Este

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

nível que estamos comentando, desmitifica que somente o talento


basta para conquistar triunfos, pois o talento só se torna um
diferencial quando aliado a muita determinação e trabalho.
— Também sempre parti do princípio de que a sorte só estaria
ao meu lado, se trabalhasse duro e incessantemente. — Comentei
para concordar com a explicação do velho sábio.
Hermes deu continuidade à explicação — No terceiro nível,
temos o constante aperfeiçoamento. Salcido comentava que todo
líder deveria conduzir sua equipe a aprendizagens diárias,
estimulando o potencial criativo, além de buscar melhorias em todas
as atividades do grupo. Com essa concepção, Salcido ressaltava a
importância de líder e seguidores nunca estarem satisfeitos com os
êxitos alcançados, pois sempre seria possível melhorar. Observo que
esta visão de aperfeiçoamento contínuo está incutida nos princípios
da Administração Japonesa.
Utilizei-me de um jargão popular muito utilizado em São
Paulo — O terceiro nível desbanca completamente o dito popular de
time que está ganhando não se mexe. Não é isso?
— Exatamente, meu jovem. Em time que está ganhando se
mexe sim, pois as equipes rivais sempre estão buscando melhorias
em seus processos. Vamos para o quarto nível?
— Vamos em frente, mestre. Muito interessante o assunto.
Sinalizando com a cabeça, Hermes seguiu:
— O quarto nível se refere ao foco na excelência. Quando a
equipe é disciplinada, trabalha duro e se aperfeiçoa constantemente,
ela se torna excelente. Os trabalhos técnicos e os relacionamentos do
grupo são naturais e prazerosos, o que gera um clima de satisfação
geral entre todos. A atmosfera positiva faz com que as metas diárias
sejam alcançadas com naturalidade, fortalecendo e solidificando as
relações entre líder e liderados. O resultado de tudo isso é uma
proximidade cada vez maior com a perfeição.
— Magnífico, Hermes. Vamos para o quinto nível. Solicitei.
— O quinto nível tange ao alcance dos objetivos. Quando líder
e liderados conseguem atingir os quatro níveis anteriores, fatalmente
os objetivos individuais de cada membro da equipe, bem como os
objetivos grupais são alcançados. Todos sentem a satisfação do
“dever cumprido” e a alegria de fazer parte de uma equipe vitoriosa.

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Romulo Gutierrez

Complementei seu raciocínio — A conquista dos objetivos é


um pressuposto básico para o fenômeno da liderança. Não foi o que
comentamos no início de nossos estudos?
Hermes assentiu — Podemos comentar a última escala da
pirâmide da Hierarquia das Equipes Vitoriosas?
— Sim, mestre.
Fechando a explicação dos conceitos, Hermes comentou:
— O sexto nível, denominado “Manutenção do Sucesso”,
refere-se à continuidade, perpetuação e melhorias nos objetivos
conquistados. Salcido dizia que o líder tinha a obrigação de fazer
com que seus seguidores “sonhassem cada vez mais alto”, pois o
crescimento da equipe sempre está atrelado ao desenvolvimento e
implementação de novos projetos. Entendo que a preocupação de
Salcido quando desenvolveu esse nível era exatamente demonstrar
que os objetivos conquistados são importantes, mas não se
relacionam com o sucesso permanente da equipe. Ou seja, se o líder
permite que a equipe se acomode com as glórias passadas, ela tende
a sucumbir diante do seu próprio ego.
Ao término da explicação da pirâmide, não disse uma única
palavra. Apenas levantei-me e aplaudi em pé a extrema sabedoria de
Hermes Oliveira.
Com sua humildade característica, Hermes disse: — Por favor,
Silas, não faça isso. Primeiro porque a teoria não é minha e sim do
meu grande amigo Hector Salcido. E segundo porque a pirâmide da
Hierarquia das Equipes Vitoriosas nos traz conceitos simples e nada
revolucionários. Acredito que o grande segredo mais uma vez é
praticar com humildade cada conceito explícito.
— Discordo. Sua capacidade como líder é inquestionável.
Também acredito que o grande segredo da pirâmide não está em seus
pressupostos teóricos e sim na humildade em praticá-los.
Deitando em sua cama, Hermes disse:
— Acho que é hora de dormir, meu jovem. Estou muito
cansado e teremos um dia muito longo amanhã. Você ainda tem
alguma dúvida a sanar?
— Não, também estou cansado e precisando muito de “boas
horas de sono”.
Quando proferi a última palavra, notei que Hermes estava
literalmente “desmaiado”. De fato, ele deveria estar muito cansado.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Não passou muito tempo e também acabei adormecendo.


Antes mesmo de entrar num estágio profundo do meu sono, comecei
a ter os mesmos sonhos que me “perseguiam” desde minha chegada
à Amazônia. Novamente, Hermes repetia a frase do último sonho:
“Vous savez déjà que j'ai des clés de ça forêt” e, João Pedro, no
mesmo cenário, continuava com aquela cobra enrolada no pescoço
de costas para Francine. A novidade desta vez é que meu filho já não
me avisava mais sobre nenhum traidor.
Saltei da cama muito assustado e imediatamente chamei pelo
mestre:
— Hermes! Hermes! Acorde por favor!
Com uma voz muito sonolenta, Hermes respondeu:
— O que foi? Do que precisa?
— Levante-se agora, preciso muito falar com você. — pedi
num tom bastante acelerado.
Atendendo ao meu pedido e, aparentemente de mal humor,
Hermes levantou-se — Fale, Silas. Como posso te ajudar?
— Me ajudar em nada. Só preciso compartilhar contigo
algumas novidades. Já faz duas noites que você mudou seu discurso
nos meus sonhos. De “J’ai des clés de ça forêt", você agora fala:
“vous savez déjà que j'ai des clés de ça forêt”. Ah! Tem outra
coisa também. Agora João Pedro não me avisa mais sobre o traidor,
apenas aparece com aquela maldita cobra, dando as costas para
minha mulher, Francine.
Hermes não respondeu absolutamente nada. Apenas
questionou-me: — Silas, você mexeu no meu baú?
Comecei a gaguejar sem conseguir responder. Deitando-se
novamente na cama e cobrindo o rosto com seu velho cobertor de lã,
Hermes assegurou — Prometo que daqui a dois dias esclarecerei
todos os mistérios que ainda não revelei. Mas quero que saiba que
você precisará descobrir muitos outros mistérios de sua vida pessoal.
Durma com Jesus, meu filho.
— Hermes! Hermes! Do que esta falando?
Embora apelasse pela continuidade da nossa conversa, Hermes
novamente adormeceu.
Eram tantos mistérios que me deixavam atordoado. Primeiro,
descubro que a chave P.F.A. não era somente fruto dos meus sonhos,
e, em seguida, Hermes muda seu famoso discurso. Depois, descubro
a traição do safado do Fábio e João Pedro já não me avisa mais sobre

99
Romulo Gutierrez

o tal traidor. Pra finalizar, ao relatar as mudanças nos meus


enigmáticos sonhos, Hermes “saca” na hora que eu revirei seu baú.
O que será que esse sujeito esconde de mim? Que outros
mistérios eu teria a descobrir? Qual era o final do filme chamado “Os
sonhos de Silas Bittencourt e suas aventuras na floresta”?
Naquele momento, decidi aguardar e revigorei minhas
esperanças na promessa de Hermes em revelar todos os seus
segredos no prazo máximo de dois dias.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 11 — Se quiser liderar


aprenda a empreender

Não eram nem 07 da manhã e podia ouvir Hermes do lado


de fora do casebre divertindo-se com sua onça, Cassandra. Achava
sua atitude completamente desmedida e maluca, pois ficar frente a
frente com uma fera selvagem me parecia, no mínimo, um suicídio.
Enquanto o velho sábio “domesticava” Cassandra, permaneci
em minha cama, tentando compreender a real identidade de Hermes
Oliveira. Os sonhos que tive desde que me tornei um “hóspede” na
Amazônia, bem como as atitudes de Hermes, me convenciam de que
ele não era um ser humano normal.
Baseado nisso, comecei a me lembrar de algumas histórias que
mamãe me contava quando criança. Ela sempre falava que os anjos
se disfarçavam de pessoas para ajudar os necessitados e associei suas
histórias à figura de Hermes Oliveira. Será que o mestre era, na
verdade, um anjo de Deus? Outra hipótese que levantei neste dia, era
de que o mestre poderia ser um extraterrestre disfarçado em ser
humano. Quando jovem, assisti muitos filmes de ficção científica
que relatavam histórias do tipo. Enfim, eram tantas coisas que
passavam pela minha cabeça que fica difícil relatar tudo. Certo
mesmo, é que ao amanhecer do próximo dia, Hermes Oliveira
revelaria sua verdadeira identidade, colocando um ponto final em
tantos mistérios.
Embora as incertezas fossem predominantes em nossa relação,
sentia pelo mestre um carinho extremo, pois ele era o homem que
tinha salvado minha vida, além de resgatar em mim a vontade de
lutar pelos meus sonhos.
Retornando ao casebre, sem a companhia da “dócil”
Cassandra, Hermes comeu alguns guaranás e deitou-se em sua cama.
Ele me parecia um pouco chateado, permanecendo o tempo todo em
absoluto silêncio. Na tentativa de me aproximar, perguntei: Tudo
bem com você, Hermes? Por que está quieto?
— Estou bem, meu jovem. Apenas um pouco apreensivo.
— Apreensivo com o quê?
Suspirando e erguendo suas grossas sobrancelhas, respondeu:

101
Romulo Gutierrez

— Amanhã será um dia muito importante e tanto eu como


você teremos que estar preparados.
— Está dizendo isso porque irá revelar seus mistérios?
— Exatamente, Silas. Este é o grande motivo da minha
apreensão.
Na tentativa de tranquilizá-lo, disse:
— Seja o que for meu amigo, estarei ao seu lado, pois você é
uma pessoa que guardarei por toda minha vida, no fundo do meu
coração.
Apertando minha mão direita, Hermes respondeu:
— Obrigado por poder contar com você, Silas. Você também é
uma pessoa muito especial pra mim.
Observando que o mestre estava suscetível a abrir seu coração,
questionei: — Como você percebeu que eu havia revirado seu baú?
Hermes levantou-se da cama e sinalizou negativamente com a
cabeça — Desculpe-me, jovem, mas isso é assunto para amanhã.
Não vamos antecipar as coisas.
Insistindo, apelei:
— Por favor, Hermes. Só me responda isso. Como soube que
revirei seu baú?
Sem dar muitas explicações, o velho sábio disse: — Por causa
das alterações do meu discurso no seu sonho. O que digo no seu
sonho tem total relação com nossa realidade. É a única coisa que
posso dizer agora. Espero que respeite
— Mas que língua é aquela que fala no sonho? Afinal, o que
você fala? — Insisti no assunto.
— Trataremos disso amanhã. Por favor, não insista. — Pediu
Hermes, com muita firmeza.
Compreendendo sua decisão, falei:
— Ok. Então falaremos do assunto amanhã.
Hermes concordou — Melhor assim, meu jovem. Espero que
não se aborreça comigo.
— Não me aborrecerei, embora esteja muito ansioso para que
você finalmente revele seus mistérios.
Com a intenção de desviar do incômodo assunto e adentrar
nosso bate-papo sobre liderança, Hermes disse:
— Fique tranquilo que amanhã você saberá de tudo que precisa
saber. Mas garanto que nossa conversa de hoje será longa e muito
proveitosa para seu futuro.

102
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Está falando da nossa aula, mestre?


Hermes fez um sinal positivo com a mão direita — Sim.
Considero o assunto de hoje fundamental para o sucesso do trabalho
em equipe.
— E o que estudaremos hoje?
Saciando minha curiosidade, ele respondeu:
— Hoje aprenderemos sobre a liderança empreendedora. Já
conhece esse conceito?
Adotando uma postura humilde, respondi: — Sinceramente,
nunca ouvi falar. O máximo que apreendi foram alguns conceitos de
empreendedorismo, ainda quando era estudante de Administração.
Sorrindo, Hermes ressaltou: — Já é um bom começo, Silas.
Relate-me então o que é uma pessoa empreendedora.
— Acredito que um empreendedor é aquele que sempre busca
o novo, não teme as mudanças e consegue, acima de tudo,
transformar seus sonhos em realidades concretas. É isso, mestre?
— Muito bom! O grande guru da administração, em seu livro
O melhor de Peter Druker sobre a administração, realça que a
postura empreendedora está relacionada com a incessante busca pela
inovação, prática de novas ideias e adequação às constantes
mudanças neste mundo tão dinâmico e veloz.
— Oh! Então minha resposta está muito parecida com a do
mago Druker? — Questionei em tom de piada.
Hermes riu da brincadeira — Sim, meu jovem. Você e Peter
Druker partiram da mesma premissa. Você se considera um
empreendedor?
— Sinceramente, não sei dizer.
Ele tentou dar clareza ao meu raciocínio — Vou te dar um
exemplo de empreendedor nato. Alberto Santos Dumont, pai da
aviação mundial, foi um dos maiores empreendedores que o mundo
conheceu. Transformou um sonho aparentemente absurdo, numa das
maiores realidades que o homem já criou. No dia 23 de outubro de
1906, voou com o 14 Bis, contrariando assim o paradigma de que o
homem jamais poderia voar se não fosse com balões.
— Adorei o exemplo. Infelizmente, os norte-americanos
atribuem a criação do avião aos irmãos Wilbur e Orville Wright, não
é?
Gargalhando da minha pergunta, Hermes respondeu: creio que
eles também eram empreendedores, mas é óbvio que os americanos

103
Romulo Gutierrez

estão profundamente enganados em não atribuir a invenção do avião


a Santos Dumont. Vamos dar um desconto, já que os americanos não
sabem que somos o povo mais criativo do mundo.
Rindo de nossas brincadeiras, disse:
— Posso citar outro exemplo de empreendedor brasileiro?
— Claro que sim.
Com a assertiva do velho sábio, comentei:
— “Quando universitário de Administração, conheci a história
de um dos homens mais inteligentes e audaciosos do mundo.
Amador Aguiar, filho de lavrador, desde criança almejava uma vida
melhor para si e para sua família. Trabalhou desde os 13 anos de
idade em serviços extremamente operacionais, que inclusive lhe
custaram a perda do seu dedo indicador direito, numa máquina de
impressão. Sua história nos mostra que ele jamais desacreditou no
sonho de ter uma vida melhor. Após muito trabalho, em 1943,
Amador Aguiar comprou uma pequena e falida casa bancária,
chamada “Casa Bancária Almeida”, no interior de São Paulo. A
instituição ganhou de imediato um novo nome: “Banco Brasileiro de
Descontos”. O tempo passou e, hoje, o Banco Brasileiro de
Descontos, mais conhecido como Bradesco, tornou-se o maior banco
privado da América Latina. Amador Aguiar morreu em 1991, com
uma fortuna pessoal avaliada em R$ 860 milhões, tornando-se assim
uma lenda no empreendedorismo brasileiro”.
Hermes aplaudiu como de costume — Magnífica trajetória de
Amador Aguiar. Esta belíssima história é nova para mim. Mas agora
vamos voltar ao nosso foco. Você, afinal, se considera um
empreendedor?
Baixei a cabeça — Sinceramente, não. Diante das histórias que
comentamos, noto que, assim como a maioria das pessoas, eu não
gosto do novo. Mudar é sempre um desafio, pois tudo que já
conhecemos é mais confortável e nos traz menos surpresas e
incertezas. Por isso não me considero um empreendedor.
Concordando comigo, Hermes comentou:
— De fato, Silas. Observo que a maioria das pessoas teme as
novidades. Tudo que possa retirá-las da famosa “zona de conforto”
torna-se uma ameaça iminente. O que sublinha sua conclusão de que
poucas pessoas conseguem externar o seu espírito empreendedor.
Não compreendendo onde o mestre queria chegar, indaguei: —
Qual a relação do empreendedorismo com a liderança?

104
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Respondendo em voz alta, Hermes afirmou:


— Todo líder precisa ser um empreendedor, meu jovem!
— Por quê?
— Vamos retroceder nas bases conceituais da liderança. Se a
liderança está relacionada com a conquista de objetivos, bem como o
trabalho integrado entre líder e seguidores, temos que o líder é um
facilitador neste processo, certo?
— Sim, mestre. Segundo tudo o que conversamos, o líder é
aquele traça os objetivos e as estratégias da equipe, facilitando
conquistas grupais e pessoais.
Apreciando minha resposta, Hermes seguiu:
— Muito bom, meu jovem. E você se doaria por uma equipe à
deriva, sem direção, sem comando e com pouquíssimas perspectivas
de crescimento?
— Claro que não.
Agora entende o significado da Liderança Empreendedora?
James M. Kouzes e Barry Z. Posner no livro O novo desafio da
liderança, demonstram que um dos aspectos mais importantes na
relação líder-liderados é a credibilidade. Ou seja, se o grupo de
seguidores não confia no líder, jamais estará motivado para o
cumprimento de suas tarefas para com a equipe. E concluo que
dificilmente as equipes confiam em líderes acomodados e que não
almejam crescimentos audaciosos.
Interagindo com Hermes, questionei:
— O líder deve ser também um visionário? É isso, mestre?
— Perfeito, meu jovem. Neste mesmo livro, O novo desafio da
Liderança, Kouzes e Posner também realçam a necessidade do líder
inspirar uma visão compartilhada em seus seguidores. Tal visão é a
capacidade de enxergar além do horizonte, imaginando
oportunidades e crescimento para todos os membros da equipe.
— Então, basicamente, a Liderança Empreendedora é aquela
que busca constante crescimento para a equipe, traçando propósitos
comuns para seus membros, sempre norteada pela superação dos
limites.
— Sim. Num mundo de intensa competição, onde os avanços
tecnológicos acontecem muito rapidamente, uma regra básica para
sobrevivência é o dinamismo. Empresas e pessoas precisam
constantemente rever seus métodos de trabalho, buscar

105
Romulo Gutierrez

aperfeiçoamento contínuo e sempre traçar perspectivas de


crescimento. Compreende, Silas?
— Sim, mestre. — respondi atento à explicação.
Continuando em seu raciocínio, Hermes concluiu:
— Se, atualmente, o dinamismo é regra básica para a
sobrevivência, entendo que a postura empreendedora é fundamental.
Por isso o líder de equipes sempre deve ser um empreendedor, pois
acreditar no impossível e inspirar seus seguidores a seguir em
projetos ousados é a grande chave para o sucesso da liderança no
século XXI.
— Perfeito, Hermes. Voltando a falar sobre a história de vida
de Amador Aguiar, observo que de fato ele exercia uma liderança
extremamente empreendedora. Em toda sua carreira inspirou seus
liderados a acreditarem que objetivos que eram classificados como
impossíveis, poderiam ser alcançados se todos tivessem o mesmo
foco.
— Excelente, Silas. Podemos dizer então que a Liderança
Empreendedora é aquela que inspira os seguidores a tornarem
impossível em possível, abstrato em concreto e, principalmente, o
sonho em realidade.
— Muito bom! — aplaudi o velho sábio.
Levantando-se e dirigindo-se ao quadro-negro, Hermes disse:
— Quando soldado da Legião Estrangeira, conheci um dos
comandantes mais vitoriosos de toda história de nossa corporação.
Trata-se do russo Dmitry Kovalenko, ou simplesmente “Comandante
Phoenix (ou Fênix)”, que era seu apelido entre os legionários.
— Mas por que Comandante Phoenix?
Rindo e balançando os braços como se estivesse voando,
Hermes respondeu:
— A phoenix ou fênix é um pássaro imortal que, segundo a
mitologia grega, renasce das próprias cinzas. O Comandante
Kovalenko adquiriu esse apelido, exatamente pela liderança
empreendedora que exercia sobre suas tropas. Suas equipes sempre
conseguiam vitórias em batalhas que todos julgavam praticamente
perdidas, em decorrência de suas ações inovadoras, ousadia e
perspicácia. As equipes lideradas por Dmitry Kovalenko sempre
estavam um passo a frente das demais, pois conseguiam enxergar e
principalmente acreditar no que ninguém podia ver.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Interessante a trajetória do “Comandante Phoenix”. Conte-


me mais um pouco. — solicitei.
— Para ficar claro, vou escrever no quadro algumas das
principais características da liderança de Dmitry Kovalenko. Pode
ser?
— Estou pronto!
Atendendo minha solicitação, Hermes fez o seguinte quadro:

Dmitry Kovalenko —“Comandante Phoenix”


1. Quebrava paradigmas;
2. Transformava o impossível em realidade;
3. Inquietude constante;
4. Sabia delegar funções;
5. Sempre analisava o ambiente.

Ao concluir o quadro, Hermes disse: — Vamos agora


comentar um pouco sobre cada uma das características do
“Comandante Phoenix”. Em primeiro lugar, sua liderança era
caracterizada pela constante quebra de paradigmas.
Interrompendo sua explicação, quis saber: — Desculpe-me,
mestre. A palavra paradigma não faz parte do meu vocabulário, pode
me explicar melhor?
— É claro que sim. Paradigma vem do grego parádeigma, que
significa um modelo utilizado. Dmitry Kovalenko era um
especialista em contrariar tudo aquilo que todos achavam perfeito. O
“Comandante Phoenix” nunca adentrava a zona de conforto. Sempre
reinventava suas estratégias, seus métodos de trabalho e a forma de
gerir suas equipes. Enquanto os outros líderes-legionários queriam
encontrar o melhor método de trabalho, para depois ficarem
tranquilos, Kovalenko sempre achava que os modelos de trabalho
vigentes poderiam ser readequados constantemente.
— Então, quebrar paradigmas é reinventar os métodos vigentes
para desenvolver determinada atividade. Estou certo?
Sinalizando com a cabeça, Hermes comentou: — Perfeito, meu
jovem. Apropriando-me da sua conceituação sobre paradigma,

107
Romulo Gutierrez

entendo que a Liderança Empreendedora começa na constante busca


por desenvolver melhores métodos para fazer as diversas tarefas de
uma equipe. É claro que, para isso, é imprescindível que o líder
esteja pronto a ouvir as ideias de seus seguidores.
Apreciando o estilo de liderança do Comandante Phoenix,
comentei:
— De fato, Dmitry Kovalenko era um cara diferenciado.
Enquanto líder sempre fui contra a quebra de paradigmas, pois
achava que as ações que davam resultados não deveriam ser
alteradas. Admiro a coragem e a competência do seu amigo da
Legião Estrangeira.
Concordando com meu parecer, Hermes comentou:
— Para nos tornarmos líderes empreendedores precisamos ser
muito corajosos e seguros de nossas ações. E não tenho dúvidas de
que esse era um dos grandes diferenciais do “Comandante Phoenix”.
— E sobre a segunda característica da liderança
empreendedora de Dmitry Kovalenko? O que tem a me dizer?
— Kovalenko era um mestre em tornar o impossível em
realidade. Como mencionei, batalhas praticamente perdidas eram
vencidas por seus legionários. Em toda sua trajetória como
comandante, Dmitry Kovalenko perdeu apenas três batalhas, de mais
de 600 que participou. Com certeza, foi um dos maiores ícones da
Legião Estrangeira em seus mais de 170 anos de história.
— E a que você atribui tantos êxitos do Comandante Phoenix?
— perguntei ao velho sábio.
Com um sorriso expansivo, Hermes respondeu:
— Ele compartilhava a visão do sucesso. Conseguia persuadir
seus seguidores da importância de cada batalha, convencendo a todos
que os triunfos da equipe sempre trariam vantagens. Kovalenko
acreditava no impossível e fazia com que seus liderados também
acreditassem. Penso que essa visão compartilhada fazia toda
diferença para suas equipes.
— Realmente, a liderança do Comandante Phoenix era
extraordinária. Enquanto líderes devemos sempre acreditar nas forças
de nossas equipes. Acredito que o grande segredo é fazer com que
nosso grupo também acredite.
— Muito bom. — Hermes elogiou minha síntese sobre o
assunto. — Outra característica flagrante da Liderança
Empreendedora de Dmitry Kovalenko era sua inquietude. Como

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

citei, o Comandante Phoenix sempre estava buscando algo diferente,


imbuído em novos projetos e, principalmente, superando limites e
quebrando paradigmas. Creio que a inquietude positiva aliada à
persistência, sempre traz grandes frutos.
Para ilustrar seu comentário, citei:
— Thomaz Edison, criador da lâmpada elétrica, precisou de
milhares de tentativas até conseguir promover o magnífico invento
que alterou a vida humana. Quando questionado sobre seus milhões
de insucessos, respondia que apenas havia encontrado muitas
maneiras de não fazer a lâmpada.
Zombando do meu exemplo, Hermes disse:
— Pena não termos energia elétrica na Floresta Amazônica.
Tenho muita vontade comer uma pizza de micro-ondas.
Gargalhei da piada — Mas Thomaz Edson é um exemplo claro
de inquietude positiva e quebra de paradigmas, não é mestre?
— Sem dúvida, meu jovem. Como conversamos, o líder jamais
deve acomodar-se com o presente. Sua visão sempre deve estar
voltada a novas conquistas.
Antecipei-me à explicação de Hermes — Acho a quarta
característica que citou sobre a liderança do Comandante Phoenix,
um aspecto extremamente importante.
Olhando para o quadro, Hermes sorriu — Saber delegar. Que
tarefa difícil, Silas.
— Por que difícil, mestre?
Esfregando suas mãos e sentando-se ao meu lado, explicou: —
Quando falamos num líder empreendedor, automaticamente temos
que pensar nas pessoas que estarão ao seu lado, transformando suas
visões em realidade. Por isso, entendo que saber delegar é um
aspecto muito relevante.
— E qual técnica Dmitry Kovalenko utilizava para delegar?
— Nenhuma. — respondeu e concluiu — Ele somente
utilizava duas premissas básicas: 1ª) jamais delegava suas
responsabilidades; 2ª) observava as competências individuais dos
seus liderados antes de delegar uma tarefa.
Tentando me aprofundar no assunto, solicitei: — Explique
melhor as duas premissas utilizadas pelo Comandante Phoenix.
— Phoenix ou qualquer outra pessoa que lidera uma equipe,
jamais deve delegar sua responsabilidade. Aquilo que é tarefa do
líder, deve ser feita por ele. Por exemplo, a educação de um filho é

109
Romulo Gutierrez

responsabilidade dos pais. Quando se delega tal tarefa à outra pessoa,


geralmente isso traz diversos problemas à criança.
Concordei — De fato, mestre. Enquanto líder de equipes na
cafeteria São Marcos e na Marques Fast, detectei que quando
delegava minhas responsabilidades a outras pessoas, isso gerava um
grande mal-estar na equipe. Observava que muitos líderes da
Marques Fast delegavam suas funções para ter menos trabalho no seu
dia a dia.
Sublinhando meu comentário, Hermes disse: — Lembre-se
sempre da liderança pelo exemplo. Se os seguidores enxergam o
líder como um acomodado, que delega suas responsabilidades para
trabalhar menos, qual exemplo o líder transmite?
Balancei a cabeça positivamente — Certíssimo. E sobre o
segundo prisma utilizado por Dmitry Kovalenko para delegar?
— Kovalenko ou qualquer outro líder deve delegar funções de
acordo com as competências dos seus seguidores. Jamais posso
delegar tarefas a alguém que não tem competência suficiente para
desenvolvê-las. Quando o líder de uma equipe adota essa postura, ele
tem problemas relativamente graves.
— E quais são esses problemas?
Com um tom de voz acima da média, Hermes respondeu:
— As tarefas nunca são bem executadas, haja vista a pessoa
que recebeu tal responsabilidade não tem habilidades suficientes para
tal. Outro fator crítico é que o grupo de seguidores questiona a
capacidade de liderança daqueles que delegam sem antes avaliar as
competências de cada membro da equipe.
Refletindo sobre sua explicação, indaguei:
— Mas por que muitos líderes não observam algo tão simples
e acabam delegando funções a seguidores que não dominam as
competências necessárias para desenvolvê-las?
— É uma questão complexa, meu jovem. Observo que muitos
líderes de equipe acabam delegando funções de acordo com os laços
de amizade que têm com alguns de seus seguidores. Considero esta
uma das grandes armadilhas na relação líder-liderados.
Recordando das minhas falhas enquanto líder, comentei:
— O pior é que você tem toda razão. Por muitos anos, meu
“braço direito” na Marques Fast foi Hugo Barcellos. Tecnicamente
eu o considerava péssimo, principalmente em todas as funções
contábeis que a ele delegava. Entretanto, era alguém com quem eu

110
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

simpatizava muito, pois sempre estava ao meu lado e aplaudia tudo


que eu fazia.
Fechando nossa discussão, Hermes disse:
— Acho que seu exemplo acaba deixando muito claro as
armadilhas na delegação de tarefas. Além de Hugo Barcellos errar
constantemente nos trabalhos contábeis, era favorecido por quem o
liderava, o que acredito, gerava um grande mal-estar na equipe.
— De fato, Hermes. Hugo era meu “puxa-saco” e eu o
favorecia por isso. É claro que esse fator foi determinante para que
eu fosse demitido naquele maldito 10 de maio de 2007.
Hermes bateu levemente em minhas costas: — Vamos
esquecer o passado. Agora consegue compreender as premissas na
“arte de delegar tarefas”?
— Sim, entendo as bases da liderança vitoriosa do
“Comandante Phoenix”.
Chamando minha atenção, Hermes falou: — Ainda temos uma
característica determinante no sucesso da liderança de “Phoenix”.
Olhando para o quadro-negro, questionei: — Análise de
ambiente?
— Exatamente, Silas. Dmitry Kovalenko era um perito em
analisar o ambiente que envolvia suas equipes. Todas as suas
decisões importantes eram tomadas com base em dados concretos,
após criteriosa análise ambiental.
— Desculpe-me, Hermes, mas não entendi.
— Todo líder empreendedor analisa as diversas variáveis antes
de tomar decisões importantes. O momento de investir ou
economizar, atacar ou defender, agir ou esperar, conflitar ou
apaziguar. Tudo tem um momento específico. Acredito que essa
capacidade faz com que o líder empreendedor transforme
dificuldades em oportunidades e oportunidades passageiras em
permanentes.
Em acordo com Hermes, comentei:
— Você tem total razão. A simbiose entre ação e espera é
determinante para delinearmos as estratégias operacionais de nossas
equipes. Se o bom líder é aquele que consegue atingir os objetivos
individuais, grupais e organizacionais, a capacidade de fazer a leitura
do ambiente que envolve suas equipes, bem como seus objetivos,
torna-se um aspecto fundamental.

111
Romulo Gutierrez

Concluindo a liderança empreendedora preconizada por


Dmitry Kovalenko, Hermes citou:
— Você fechou muito bem o estilo de liderança praticado pelo
“Comandante Phoenix”. O foco estava na conquista dos objetivos, de
forma pragmática, sempre aproveitando as oportunidades oferecidas
pelo ambiente. Tenho muitas saudades destes velhos amigos, meu
jovem.
Observei seu semblante saudoso — Desde que nos
conhecemos, aprendi muito com seus velhos amigos da Legião
Estrangeira. Os ensinamentos que você transmite por meio das
experiências por eles vividas, me desperta um grande desejo de um
dia poder conhecê-los. Eles ainda estão vivos?
Hermes suspirou e disse:
— Antes de me perder na floresta, ainda tive contato com
Kovalenko, que residia em Moscou. Mas a grande maioria dos
amigos que tinha na Legião já morreram. Em combate ou em
decorrência da idade avançada. Tenho certeza de que hoje habitam
os céus, ao lado de nosso Deus todo-poderoso, pois convenci todos a
escreverem seus nomes no Livro da Vida.
— Livro da Vida? O que é isso?
Ajoelhando-se e levantando as mãos para o céu, Hermes
respondeu: É uma conversa para outro dia.
Naquele momento, preferi me retirar do casebre e respeitar o
momento de oração do meu amigo. Sentando-me do lado de fora, no
pequeno jardim cultivado por Hermes naquela imensidão verde,
ouvi:
— “Amanhã, meu jovem. Esteja preparado para todas as
revelações!”
Preferi não responder ou interpelar o mestre. Apenas entrei
novamente no casebre, abracei-o e disse:
— Conte comigo sempre. O que fez por mim, jamais
esquecerei.
Com algumas lágrimas escorrendo pelos olhos e sendo
amparadas pela imensa barba, Hermes deixou o casebre cantando
louvores a Deus. Simplesmente deitei e dormi, com o pressentimento
de que algo muito bom estava por acontecer.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 12 — O fim dos mistérios

Passei praticamente a noite toda rolando de um lado para o


outro, com muita ansiedade pelo amanhecer do próximo dia. Embora
Hermes Oliveira tivesse muitos mistérios a esclarecer, sabia que era
um homem de palavra e que no próximo dia, finalmente, ele
revelaria sua real identidade.
Minha inquietude e ansiedade foram tão flagrantes, que não
consegui fechar os olhos durante toda noite, apenas levantava
hipóteses e suspeitas. Lembro que quando adormeci, os raios solares
já começavam a penetrar a densa Floresta Amazônica.
Recordo que dormi até o final da manhã e meu sono intenso
foi interrompido por Hermes que revirava suas tralhas, espalhando-as
pelo chão do casebre.
Ao observar aquele movimento estranho, questionei com uma
voz bastante sonolenta: o que está fazendo, Hermes?
— Apenas organizando alguns pertences. Descanse para
conversarmos daqui a pouco.
Ainda preguiçoso, levantei-me, lavei meu rosto, mastiguei
alguns açaís e me sentei ao lado do mestre.
Após olhar fixamente em meus olhos por alguns segundos,
Hermes levantou-se, abriu seu baú, apanhou a chave P.F.A e disse:
— Chegou a hora, meu jovem!
— Sim, mestre. A hora é agora. Falei num tom firme, porém
compreensivo.
Ainda com a chave P.F.A nas mãos, ele sentou-se novamente
ao meu lado — Antes de falarmos sobre meus mistérios, Silas,
gostaria de dizer algumas coisas muito importantes.
Apenas com um sinal de cabeça, sinalizei positivamente para o
mestre, que prosseguiu:
— Meu jovem, gostaria que entendesse que você foi uma das
pessoas mais importantes da minha vida, pois juntos trocamos
conhecimentos, aprendizagens e experiências que guardarei pra
sempre no meu coração. Embora tenha te ensinado muito sobre as
competências e os reais significados da liderança, quero que saiba
que aprendi muito também, pois você é um homem extremamente
inteligente.
113
Romulo Gutierrez

— Ok, Hermes. Reconheço que neste tempo que estamos


perdidos na floresta, aprendemos muitas coisas juntos. E você
também é uma pessoa importante para mim e que, com certeza,
marcará minha vida para sempre.
Balançando a cabeça negativamente, Hermes perguntou:
— Você disse perdido?
— Sim mestre, perdidos há algum tempo e sem as menores
perspectivas de encontrarmos a saída.
Com algumas lágrimas nos olhos, Hermes afirmou: — Nós
não estamos perdidos, meu jovem.
— Não estamos perdidos? Hermes, por favor, não me venha
com piadas!
Entregando a chave em minhas mãos, o velho sábio afirmou:
— Não se trata de nenhuma piada, Silas. Esta chave tem um
significado figurado, é verdade, mas suas iniciais P.F.A, significam
Portal da Floresta Amazônica. Antes que você me questione,
esclareço que esculpi essa chave de madeira alguns anos atrás, para
nunca esquecer que sou conhecedor de todas as entradas, saídas,
plantas, rios e animais desta floresta.
Socando a mão contra a parede do casebre, gritei:
— É mentira! Se realmente soubesse a saída desta maldita
floresta, você já não estaria mais aqui há muito tempo. Não me iluda
com essa afirmação mentirosa!
Numa tentativa de me acalmar, Hermes tentou colocar a mão
sobre meu ombro, mas me levantei da cama, sai do casebre e gritei:
— Olha o que você está me dizendo, seu desgraçado mentiroso!
Você e eu sabemos que nunca encontraremos a saída desta floresta,
estamos condenados a padecer aqui juntos até o final de nossos dias!
Sentando-se na porta do casebre, Hermes ficou algum tempo
imóvel, apenas chorando e pedindo perdão. Ainda insensível com a
situação, continuei furioso, com uma vontade extrema de esmurrar
meu amigo.
Após alguns minutos ouvindo o mestre chorar
desesperadamente e me pedindo desculpas, perguntei:
— Por que chora e pede desculpas? Pare com essa cena
ridícula e vamos esquecer tudo isso. Se não está preparado para
revelar sua real identidade, até entendo. Mas não tolerarei mentiras
que me iludam, capazes de recuperar uma esperança completamente
esquecida.

114
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Enxugando as lágrimas dos olhos, Hermes questionou:


— Posso falar por alguns minutos, sem ser interrompido?
— Pode. E por favor, não quero que minta.
— Posso garantir que jamais menti para você. Entretanto,
omiti muitas coisas e agora precisamos encarar os fatos com frieza.
— E qual a diferença entre mentir e omitir, Hermes?
— Você não disse que me deixaria falar sem interrupções?
Baixando a cabeça, concordei com o mestre, que seguiu: — De
fato, não estamos perdidos. Conheço todas as entradas e saídas desta
floresta, seus riscos e perigos e as coisas maravilhosas que ela guarda
em seu interior. E te asseguro, que ainda hoje ao final da tarde, o
encaminharei de volta à civilização. Como havia dito, quando
cheguei à floresta Amazônica, esculpi esta chave de madeira para
lembrar que poderia voltar para minha vida o dia que quisesse.
Recordo-me que, quando esculpia a chave, cantarolava a seguinte
frase: “J’ai des clés de ça forêt”.
Eu o interrompi novamente — E qual o significado da frase?
— Ah sim. Passei alguns anos na França, país sede da Legião
Estrangeira, onde aprendi o idioma com facilidade. “J’ai des clés de
ça forêt” significa “Eu tenho as chaves desta floresta”. Como eu
disse, a chave foi uma forma subjetiva de caracterizar que de fato
detenho e domino todos os segredos da Amazônia.
— E como eu sonhava com a maldita chave todos os dias, sem
nem saber que ela existia?
Num tom esclarecedor, Hermes disse:
— Ah, meu jovem. Somos capazes de muitas coisas. Seu
sonho, com certeza foi um sinal emitido pelo seu inconsciente. Prova
disso é que quando você descobriu que a chave P.F.A realmente
existia, meu discurso mudou, certo?
— Sim. De “J’ai des clés de ça forêt" você passou a dizer
“Vous savez déjà que j'ai des clés de ça forêt”.
Continuando com suas explicações, Hermes seguiu:
— Exatamente, Silas. Após sua descoberta, passei a dizer:
“Vous savez déjà que j'ai des clés de ça forêt”, que significa “Você
já sabe que eu tenho as chaves desta floresta”. Consegue entender
como seus sonhos estavam ligados à nossa realidade?
Completamente surpreso com as revelações, disse:

115
Romulo Gutierrez

— Então foi por isso que ao relatar que seu discurso no sonho
havia se alterado, você percebeu rapidamente que eu tinha revirado
seu baú?
— Sim. Você sonhava tudo aquilo que estava acontecendo.
Entretanto, não podia revelar, pois você precisava permanecer na
Amazônia por mais algum tempo.
— E por que você me segurou aqui esse tempo todo?
— Porque precisávamos tratar da sua alma, da sua forma de
enxergar a vida e os relacionamentos e, principalmente do seu
coração. Perdoa-me se minha decisão te desapontou, mas não queria
que você saísse daqui e cometesse os mesmos erros que arruinaram
sua vida familiar e profissional. Entretanto, agora tenho certeza de
que você está pronto para reconstruir sua vida. E sempre agradeça a
Jesus por ter te proporcionado essa oportunidade ímpar.
— Mas e o baú? Afinal de contas, como foi que você veio
parar aqui nesta floresta?
— Ah, é claro, meu jovem. É óbvio que não me perdi aqui
sozinho, como havia dito. Na verdade, vim para Amazônia seguindo
um desejo próprio de me refugiar de um mundo cruel, onde nossos
líderes mundiais são os principais protagonistas e ocasionadores da
miséria e das desigualdades que temos nos quatro cantos deste
mundo. E o baú, trouxe com a ajuda de alguns amigos legionários.
Seria impossível carregar um baú tão pesado sozinho.
Completamente desnorteado com as revelações
surpreendentes, sentei-me no chão e comecei a chorar.
— Por que chora, meu jovem? — Indagou Hermes, sentando-
se ao meu lado.
— Perdoa-me mais uma vez, mestre, pela forma injusta como
o tratei. Você agiu pensando no melhor para mim. E, de fato, você
me recuperou para a vida, terei a chance de acertar em tudo que errei.
Vamos sair desta floresta agora e com o dinheiro da minha
indenização trabalhista, empreenderemos em nossa própria rede de
fast-food, aplicando todos os conceitos que partilhamos aqui na
floresta.
Interrompendo meu discurso visionário, Hermes questionou:
— Ao deixar a floresta, você ainda precisa desvendar outros
mistérios, Silas.
— Que mistérios?

116
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Por que Fábio Eduardo tentou liquidar com sua vida aqui na
Amazônia? O que o motivou a fazer isso? Por que Francine também
aparece nos seus sonhos, quando João Pedro te avisa sobre o traidor?
Raciocinando em cima das questões suscitadas pelo mestre,
afirmei:
— De fato, Hermes. Quando retornar a São Paulo, muitas
coisas ainda precisam ser esclarecidas. Aliás, ainda não entendi qual
o significado daquela cobra que fica enrolada no pescoço de João
Pedro. Será que tem alguma relação com aquela serpente que quase
me atacou dentro do casebre há alguns dias?
— Sinceramente, não sei, meu jovem. Vamos arrumar
suprimentos, pois sua viagem será longa até a saída da floresta.
— Você disse sua viagem mestre? Ou quis dizer nossa
viagem?
— Eu disse sua viagem. Ainda não me sinto preparado para
voltar para a cidade, por isso entendo que ainda preciso permanecer
aqui.
Levantei-me do chão e segurei seu braço direito — De maneira
alguma, “Senhor Hermes Oliveira”. Jamais aceitaria deixar a
Amazônia sem você. Até consigo entender que todo esse tempo que
passou aqui foi útil para que pudesse compreender a verdadeira
essência da liderança, mas já passou da hora de você voltar à
sociedade. Vamos juntos arrumar nossas coisas e nos reintegrar ao
mundo real. Assim como você se preocupa comigo, também me
preocupo com você. Se você foi a pessoa que me proporcionou a
vida novamente, preciso retribuir o que foi feito.
Num discurso rapidamente interrompido por mim, Hermes
disse:
— Meu jovem, talvez você não esteja entendendo.
— Sinto muito, mestre! Dessa vez você me atenderá. Só saio
se for com você.
Baixando a cabeça e com um semblante feliz, Hermes
finalizou nossa discussão:
— Está tudo certo, Silas Bittencourt. Vamos para São Paulo
fundar a maior e melhor rede de fast-food do mundo!
Abraçando Hermes com um grande carinho, disse: — É assim
que se fala!
Como nem tudo é perfeito, Hermes exclamou: — Existe um
“porém” nisso tudo, meu jovem!

117
Romulo Gutierrez

— Que “porém”, Hermes?


— Nosso último dia aqui na floresta será bastante árduo.
Precisamos conseguir muitos alimentos e outros suprimentos para
suportarmos com vida a saída da selva. Sairemos amanhã bem cedo e
deveremos chegar ao rio Negro na entrada da cidade de Manaus após
4 dias de viagem, portanto, esteja preparado.
— Sem problemas, Hermes. Vamos começar a trabalhar agora!
O velho sábio tinha total razão quanto à prudência nessa longa
e arriscada viagem. Enquanto subíamos nas árvores, arrumávamos
nossas bolsas, enchíamos nossos cantis de água, não enxergava mais
Hermes como uma figura misteriosa. O carinho e o amor que tinha
por aquele homem era de um filho que vê seu pai como um super-
herói. Além de Hermes salvar minha vida, me dava lições de vida
que jamais aprendi em qualquer banco universitário. Olhando para os
céus, ajoelhei-me e orei:
— Muito obrigado, Meu Deus. Obrigado pela segunda chance
que está me dando.
A oração não durou mais tempo do que estas simples frases,
pois a emoção foi mais forte e, em poucos segundos, estava chorando
nos ombros da pessoa mais fantástica que conheci em toda minha
vida.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Capítulo 13 — A segunda viagem


inesquecível: resgatado para a vida

Os primeiros raios de sol começavam a penetrar a densa


mata amazônica e, fora do casebre, estava Hermes despedindo-se de
sua amiga, Cassandra. Ao perceber que eu havia acordado, Hermes
disse:
— Meu jovem, sua mochila de campanha já esta pronta para
nossa longa viagem. Vamos logo para aproveitarmos o máximo à luz
do dia.
— Sinto muito, Hermes. Só saio daqui quando sua amiga
Cassandra também “bater em retirada”.
— Ah, é claro, Silas. Você tem medo. Mas não se preocupe,
encontraremos vários parentes de Cassandra ao longo da viagem. —
Falou Hermes, num tom de deboche.
Assim que ele dispensou a companhia da onça, pudemos partir.
Eram exatamente 06h35 da manhã quando iniciamos nossa grande e
última viagem no coração da selva amazônica A viagem foi marcada
pelo silêncio, pois Hermes, como um grande combatente legionário,
precisava captar os sons de pássaros, primatas e outros mamíferos
que nos ajudariam a sair da imensidão verde em que nos
encontrávamos. É claro que os perigos também eram constantes.
Serpentes venenosas, escorpiões, onças e até arraias de água doce
eram perigos iminentes que estavam em cada passo, cada quilômetro
e cada travessia nos rios. Mas, como disse, Hermes era um
especialista. Impressionava-me como o velho sábio conhecia a
floresta. Num dos poucos momentos em que conversamos ao longo
da viagem, afirmei:
— Agora entendo por que você tem a chave P.F.A — Portal da
Floresta Amazônica.
— Sim, meu jovem. Conheço muito desta floresta. Mas me
desculpe, pois por enquanto não posso falar. Só falarei no momento
em que avistar as margens do Rio Negro na entrada da cidade de
Manaus.
E o silêncio perdurou por praticamente 4 dias. Nem nos
momentos de descanso durante a noite, Hermes conversava. Nessas

119
Romulo Gutierrez

horas ele acendia várias tochas ao nosso entorno para nos proteger
dos perigos. Ele não dormia, ficava de sentinela durante horas e
quando o dia começava a amanhecer, me acordava e seguia com a
disposição e o vigor físico de um menino de 18 anos.
Quando estávamos próximos ao final da desgastante viagem,
Hermes sentou-se no chão, apontou para o horizonte e disse:
— Lá está, meu jovem! Lá esta a cidade de Manaus. Enfim,
estamos chegando.
— Não acredito! Não Acredito! Estamos a poucos passos da
liberdade, mestre! — gritei, beijando o rosto sujo e mal cuidado de
Hermes.
Andamos apenas mais 40 minutos e podíamos ver as Barcas
subindo e descendo o Rio Negro. Minha euforia era incontida, pois
gritava, vibrava, agradecia a Deus, jurava vingança contra Fábio
Eduardo, tudo numa mistura muito louca. No meio dessa euforia
toda, ouvi Hermes gritando:
— Ai! Minha perna! Minha perna!
Rapidamente me abaixei e olhei a perna esquerda de Hermes,
onde ele colocava a mão. Antes mesmo de perguntar qualquer coisa
ele disse:
— Desgraçada! Maldita surucucu!
Abraçando o mestre junto ao meu peito, pude ouvir a cobra se
rastejando de volta para seu ninho.
— Não tenho muito tempo. — Falou Hermes, com uma voz
baixa.
— Fique calmo, mestre. Daqui meia hora estaremos numa das
barcas e conseguiremos o soro para te curar. Até lá faço um
torniquete para você conseguir suportar a dor e os efeitos do veneno.
— Não haverá tempo. Para chegarmos até o hospital mais
próximo levaremos no mínimo mais duas horas, e um velho na
minha idade não suporta por muito tempo o veneno desta víbora na
corrente sanguínea. Quero apenas que ouça minhas últimas
instruções.
Já chorando muito e desesperado, gritei:
— Estas não são as últimas instruções, Hermes! Por favor!
— Meu jovem, não piore as coisas. Existe uma aula que ainda
não ministrei a você e, de todas as que tivemos juntos, é a mais
simples, porém a mais importante.

120
Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

— Do que está falando?! Você vai ficar bem e com certeza


sairemos dessa juntos. Vamos que eu te carrego!
— Silas, Silas meu filho. Não resistirei por muito tempo.
Apenas me ouça. — pediu com uma voz muito baixa e uma palidez
indescritível no rosto.
Em meio a muitas lágrimas e soluços, disse: — Tudo bem
mestre. Qual é a última lição?
— Por favor, pegue a pequena bíblia que carrego dentro da
minha mochila de campanha.
Rapidamente e sem hesitar peguei uma pequena bíblia com
capa azul e entreguei-a nas mãos do mestre que, ao abri-la, falou: —
Lembra o livro da vida sobre o qual eu falei alguns dias atrás?
— Sim, Hermes, lembro que mencionou que seus colegas
legionários já estavam com o nome neste livro, que é uma espécie de
passaporte para morar no céu, ao lado de Deus, não é isto?
Com um sinal positivo de cabeça, Hermes seguiu:
— E você está pronto para inserir o seu nome no livro da vida,
meu jovem?
Bastante reticente sobre questões religiosas, disse: — Mestre,
eu já tenho minha religião. Prometo que ao voltar me reencontrarei
com Deus e passarei a frequentar as missas de domingo.
Ele me interrompeu e apertou minha mão — Não estou falando
de religião. Não existe religião certa. O que existe é viver em
conformidade com a bíblia sagrada, baseada nos ensinamentos que
Deus nos deixou. Como conhecer a Deus se não se tem como prática
cotidiana a leitura bíblica, que é o que revela a personalidade do
único criador?
Já um pouco impaciente, questionei:
— Sim, mestre, eu compreendo mas, afinal, qual é a última
lição?
Abrindo a bíblia na carta do Apóstolo Paulo aos Romanos
capítulo 10, versículo de número 9, Hermes leu:
— “A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus,
e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos,
serás salvo”.
Sentindo a forte presença de Deus naquele momento, algo que
jamais havia sentido em toda minha vida, questionei:
— Essa é a última aula? É assim que coloco meu nome no
livro da vida?

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Romulo Gutierrez

Já bastante fraco, Hermes disse:


— Exatamente. Você precisa confessar com tua boca e em teu
coração o texto que li e, a partir de agora, viver uma vida de entrega
ao Senhor Deus todo-poderoso. A partir daí, seu nome estará no livro
da vida, o que será o seu ingresso no céu quando morrer.
Muito emocionado, disse:
— Jesus Cristo, te confesso como único senhor todo poderoso
da minha vida. Perdoa os meus pecados e as minhas falhas e escreve
meu nome no livro da vida. Prometo que a partir de agora só haverá
um Deus na minha vida, que é o Deus vivo que morreu na cruz e ao
terceiro dia ressuscitou para me dar a vida eterna.
Com algumas lágrimas nos olhos e um sorriso comovente,
Hermes falou — Está feito, meu jovem. Você completou nosso curso
de liderança. Sua última decisão foi a mais importante que tomou em
toda sua vida. Que Deus te abençoe! Um dia nos veremos nos céus,
pois estamos com nossos nomes no livro da vida.
Chorando e o abraçando junto ao meu peito, ainda consegui
ouvir suas últimas palavras:
— Eu te amo em Cristo Jesus.
Ver o mestre morto em meus braços foi a pior das sensações de
toda minha vida. Fiquei muito abalado, passei aquela noite inteira
chorando a morte de Hermes junto ao seu corpo.
Ao amanhecer tive que tomar uma atitude bastante dolorosa,
enterrar o corpo do meu melhor amigo. Com algumas ferramentas
disponíveis na mochila de Hermes, cavei uma cova e nela depositei o
corpo do homem que mudou a minha vida. Foi um momento triste,
doloroso, mas eu sabia que minha trajetória precisava continuar.
Com a morte de Hermes, mais um enigma dos meus sonhos
estava, infelizmente, sendo desvendado. A cobra que João Pedro
tinha no pescoço durante meus terríveis pesadelos, com certeza, era a
mesma cobra que havia picado Hermes. Agora só faltava descobrir o
motivo pelo qual João Pedro estava de costas para Francine durante
todos os meus sonhos.
Em questão de poucas horas entrei numa daquelas barcas
amazônicas, cheguei a Manaus e, com meus cartões de crédito
surpreendentemente em funcionamento, comprei roupas novas e uma
passagem de avião rumo a São Paulo. Em nenhum momento quis ir à
delegacia me identificar, pois sabia que eu mesmo precisava
descobrir os motivos que levaram Fabinho a tentar meu assassinato.

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

Quinze horas depois de sepultar Hermes de Oliveira, já estava


na sala de embarque do aeroporto internacional, Eduardo Gomes.
Minha ansiedade era incontida, pois o tão sonhado recomeço de uma
nova vida estava a cada minuto mais próximo.

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Romulo Gutierrez

Capítulo 14 — Da ruína ao
sucesso: “dando a volta por cima”

Já no avião, pedi à aeromoça folhas de papel e uma caneta.


Escrevi com detalhes todos os momentos, lições, dores e alegrias que
passei na floresta amazônica. Tudo que o mestre me ensinou para a
vida, bem como para a conduta de um líder, relatei naquelas folhas
de papel. Vinte e cinco dias foi o período exato que permaneci na
Amazônia ou na “escola da vida”. Ao terminar de fazer meu diário,
cochilei na confortável poltrona do avião, minha intuição se
confirmava quando sonhei apenas com João Pedro de costas para
Francine, já sem aquela assustadora cobra enrolada no seu pescoço.
Após o rápido cochilo, ouvi o comandante da aeronave
dizendo: — Atenção senhores passageiros, dentro de
aproximadamente uma hora estaremos aterrissando no aeroporto de
Congonhas/São Paulo.
Ao ouvir essas palavras, meu coração disparou num ritmo
frenético! A hora de refazer minha vida, desvendar os últimos
mistérios que a circundavam e matar a saudade de todas as pessoas
que eu amava e com quem precisava me retratar, estava a cada
segundo mais próxima.
Depois de momentos de muita ansiedade, estava com os pés
novamente na minha cidade natal. Parecia um sonho ou o término de
um grande pesadelo, afinal, no período em que estive aprisionado na
Amazônia, minha esperança já havia acabado, mas graças a Deus e
ao iluminado Hermes Oliveira, eu estava novamente em solo
paulistano.
Passei num caixa eletrônico, saquei uma quantia suficiente
para almoçar e ir ao salão de cabeleireiro e rapidamente peguei um
táxi rumo à minha verdadeira casa. O trânsito em São Paulo, como
sempre, estava caótico. Foram exatamente 2 horas para que
novamente eu chegasse ao meu lar no bairro do Brooklin. Não quis
entrar no primeiro momento, pedi ao taxista que ficasse parado a uns
30 metros de distância da casa, afinal, todo cuidado era pouco para
um homem que sofreu uma fria tentativa de assassinato. Nem cinco
minutos se passaram e o grande portão da casa se abriu e o que vi foi

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Seja um Líder - A história amazônica que mudará sua liderança profissional e pessoal

mais impressionante do que tudo o que havia acontecido até aquele


momento! Francine e Fabinho de mãos dadas, trocando beijos e
abraços calorosos com roupas de ginástica, indo fazer cooper. Foi
impossível não chorar! Mandei que o taxista os seguisse por alguns
metros e os dois canalhas pareciam um jovem casal nos primeiros
dias de namoro, completamente apaixonados. Nessa hora, gritei: —
Malditos mercenários!
Assustado, o taxista perguntou:
— Posso ajudá-lo, senhor?
— Por favor, me leve ao bairro da Vila Matilde.
Prontamente, o taxista acelerou o carro e seguiu direto para a
região leste de São Paulo. Durante o caminho não foi difícil concluir
os motivos que levaram Fábio Eduardo a tentar meu homicídio e
assim finalizar a série de enigmas que me seguiam desde o primeiro
dia na floresta amazônica.
O último dos segredos a ser desvendado era o mais simples de
todos: Francine e Fábio começaram a ter um caso antes mesmo de
ela pedir a separação. Quando os dois “pombinhos” resolveram
assumir aquele romance nojento, Francine lembrou que eu pagava
um seguro de vida tendo-a como beneficiária, no valor de R$ 40
milhões. Fábio Eduardo, um sujeito muito ganancioso, não hesitou
em armar minha morte, levando-me para a Amazônia e lá me
largando propositadamente. Uma morte “limpa”, sem sangue e
totalmente convincente para as autoridades.
Ao concluir meu raciocínio, olhei para o céu e disse: — Você
tinha razão, mestre!
— Falou comigo? — perguntou o taxista.
— Não, apenas pensei um pouco mais alto.
Ao recordar as palavras de Hermes quando descobrimos
aquelas marcas de helicóptero no solo amazônico junto com a
carteira de Fábio, concluí que o mestre já havia entendido que os
dois eram amantes; apenas não tinha certeza do fato, por isso não
afirmou.
Ao entrar na Rua Marcondes de Brito, no bairro da Vila
Matilde, lá estava mamãe sentada na porta de sua casa. Quando ela
me viu dentro do táxi, começou a chorar e gritar:
— Filho! Você está vivo! Não posso acreditar!
Paguei o taxista que me serviu durante a dolorosa trajetória,
abracei mamãe e começamos a chorar juntos, num momento muito

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Romulo Gutierrez

comovente. Após alguns segundos, o abraço se multiplicou com


papai e meu amado filho, João Pedro.
Embora o momento fosse de grande comoção, rapidamente
pedi a todos que fossemos para dentro da casa, para conversarmos
com maior privacidade.
Depois de muitas lágrimas, abraços e sorrisos, mamãe
preparou um delicioso café da tarde para juntos comemorarmos
minha volta. Ficamos sentados na sala até o início da madrugada,
onde relatei com detalhes tudo que tinha acontecido, desde minha
saída com Fábio Eduardo para o acampamento amazônico, até meu
retorno a São Paulo.
O comovente relato mexeu muito com a emoção de todos nós,
exceto João Pedro, que permaneceu em silêncio quase o tempo todo.
Ao notar que meu filho estava muito quieto, perguntei:
— Filho, por que está tão quieto?
— Apenas não me conformo com a safadeza da mamãe em se
juntar com aquele maldito para planejar sua morte. Se não fosse o tal
Hermes Oliveira, você estaria morto.
Preferi não responder ao comentário do meu filho, apenas o
abracei e disse:
— Agora está tudo bem, meu filho amado.
Após a longa conversa em família, fomos dormir. Os sonhos
enigmáticos que por muito tempo me acompanharam não voltaram
mais.
Nos dias subsequentes, apresentei-me à polícia em São Paulo,
além das autoridades na cidade de Manaus, pois Francine e Fábio
estavam fazendo de tudo para conseguir meu atestado de óbito,
afinal, era o documento necessário para colocarem as mãos nos
malditos R$ 40 milhões. Ao comprovar que eu estava vivo, os planos
do casal foram por água baixo. Meses depois entrei com pedido de
divórcio e tornei-me um homem solteiro. Naquele momento, já não
sentia mais tanta culpa pelo fim do meu casamento, pois, embora não
fosse o marido mais presente do mundo, jamais planejei o
assassinato de alguém. Sobre este assassinato, nunca consegui provas
suficientes para colocar os dois bandidos na cadeia, razão pela qual
eles vivem em liberdade como se nada tivessem feito.
Fiquei praticamente 10 meses sem me ocupar com nenhuma
atividade profissional. Nesse tempo, refiz meu relacionamento com
João Pedro, juntos passamos a congregar numa igreja evangélica,

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perto do apartamento que comprei no Bairro do Bom Retiro, em São


Paulo. De fato conheci Deus e percebi que Jesus é um Deus vivo que
cuida dos mínimos detalhes de nossas vidas. Joãozinho também
escreveu seu nome no livro da vida e junto fomos batizados pelo
pastor Célio Aguiar, um homem de Deus que se tornou um grande
amigo da família. Após a conversão de João Pedro, ele nunca mais
usou drogas, passando a ser um jovem dedicado aos estudos e à
família. Eu e meu filho jamais nos desapegamos de Jesus Cristo até
os dias de hoje.
Após mais alguns meses, eu e Joãozinho nos tornamos sócios
ao fundar a Adonai Hamburgers, uma empresa no segmento de fast-
food que, em apenas dois anos, já é um grande sucesso em dois
grandes shoppings na cidade de São Paulo. Mas o segredo deste
sucesso também está ligado às práticas de lideranças que Hermes me
ensinou. Hoje, sou um líder respeitado e admirado pelos meus
funcionários, o que faz toda diferença no sucesso de nossa empresa.
Embora minha vida estivesse sendo totalmente reconstruída,
ainda faltava algo muito importante:
— Homenagear o homem que mudou minha história. Várias
coisas passaram pela minha cabeça para formalizar essa homenagem,
mas nada se aproximava do destaque que o grande mestre merecia.
Foi aí que João Pedro fuçou nas minhas coisas e me entregou aquelas
folhas que escrevi no avião, que relatavam todos os meus dias na
floresta amazônica e disse:
— Papai, aproveite tudo o que aprendeu na Floresta
Amazônica e escreva um livro. Tenho certeza de que as práticas de
como liderar equipes ensinadas por Hermes Oliveira, aliadas à forma
como você reconstruiu sua vida, é uma lição para todas as pessoas.
Prontamente atendi ao pedido do meu filho, pois entendi que
era a melhor maneira de homenagear o legado deixado por Hermes
Oliveira.
Ver este livro publicado é muito mais que uma conquista
pessoal. Além de ser um grande curso para aprimorar nossos
relacionamentos com as pessoas, bem como a liderança de equipes, é
uma homenagem ao grande cidadão do mundo chamado Hermes
Oliveira. Alguém de caráter e bondade singulares que merece sempre
ser reconhecido como o maior líder que conheci em toda minha vida.

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Romulo Gutierrez

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Editado e impresso por:

www.editoraixtlan.com

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