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PSICOLOGIA

GERAL II

autor
JOSÉ URBANO BROCHADO JÚNIOR

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares; karen
bortoloti; adriana aparecida ferreira marques

Autor do original  josé urbano brochado jr

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Coordenação de produção EaD  karen fernanda bortoloti

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  amanda carla duarte aguiar

Revisão de conteúdo  josé urbano brochado jr

Imagem de capa  andreykuzmin | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

U72p Urbano, José


Psicologia geral II / José Urbano.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
208 p. : il.

isbn: 978-85-5548-028-7

1. Psicologia. 2. Aprendizagem. 3. Desenvolvimento. 4. Sexualidade.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 150

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. A Psicologia e o Comportamento Humano 9


Objetivos 10
1.1  Conceitos básicos da psicologia 11
1.1.1  Definição e História da psicologia 11
1.2  Evolução da psicologia científica 16
1.2.1  As escolas de psicologia no século XIX 16
1.2.2  As teorias da psicologia no século XX 21
1.3  O objeto de estudo da psicologia 24
1.4  A psicologia da Educação 26
1.4.1  Origem e evolução da Psicologia da Educação 27
1.4.1.1  A Psicologia filosófica e a Teoria Educativa
(até 1890, aproximadamente) 28
1.4.1.2  A psicologia científica e as origens da
psicologia da educação (1890-1920, aproximadamente) 28
1.4.1.3  A psicologia da educação: disciplina nuclear da
teoria educativa (1920-1955, aproximadamente) 30
1.4.1.4  A Psicologia da educação e a aproximação multidiscipllnar
ao estudo dos fenômenos educativos
(a partir de 1955, aproximadamente) 31
1.5  As concepções atuais da Psicologia da Educação 32
1.6  O objeto de estudo da Psicologia da Educação 32
1.7  As contribuições da Psicologia da Educação 35
Atividades 36
Reflexão 36
Referências bibliográficas 37
2. Aprendizagem e Motivação 39

Objetivos 40
2.1  O que é aprendizagem? 41
2.1.1  A família, a escola e a aprendizagem 49
2.1.2  A Família 50
2.1.3  A escola 56
2.2 Motivação 61
2.2.1  Teorias de Conteúdo 64
2.2.1.1  Hierarquia das Necessidades de Maslow 65
2.2.1.2  Teoria EPG 68
2.2.1.3  Teoria de McClelland 69
2.2.1.4  Teoria X e Y 70
2.2.1.5  Teoria dos Dois Fatores 72
2.2.2  Teorias de Processo 74
2.2.2.1  Modelo do Comportamento 75
2.2.2.2  Teoria da Expectativa 75
2.2.2.3 Behaviorismo 76
2.2.3  Teoria da Equidade 77
2.2.4  Sistema Motivacional Estratégico 77
Atividades 79
Reflexão 80
Referências bibliográficas 82

3. Corpo e Afetos:
As Teorias do Desenvolvimento Humano 85

Objetivos 86
3.1  A vida de Jean Piaget 87
3.1.1  Teoria de Jean Piaget do desenvolvimento humano 89
3.1.2  Estágios do desenvolvimento 92
3.1.3  Período sensório-motor 94
3.1.4  Período pré-operatório 95
3.1.5  Período da operações concretas 97
3.1.6  Período das operações formais 98
3.1.7  Aplicação da teoria de Piaget 100
3.1.8  Criticas a teoria de Jean Piaget 102
3.2  A vida de Lev. S. Vygotsky 104
3.2.1  A teoria de Lev. S. Vyogtsky 108
3.2.2  O desenvolvimento humano para Vygotsky 114
3.2.3  Algumas Implicações da teoria do
desenvolvimento humano de Vygotsky 117
3.2.3.1  Valorização do papel da escola 118
3.2.3.2  O bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento 118
3.2.3.3  Papel do outro na construção do conhecimento 119
3.2.3.4  Papel da imitação no aprendizado 119
3.2.3.5  Papel mediador do professor na dinâmica
das interações interpessoais e na interação das
crianças com os objetos de conhecimentos 120
3.3  A vida e a obra de Henri Wallon 121
3.3.1  A Teoria do desenvolvimento humano de Henry Wallon 129
3.3.2  Os estágios do desenvolvimento humano
segundo Henri Wallon 132
Atividades 136
Reflexão 136
Referências bibliográficas 138

4. Comportamento em Grupo e Liderança 141

Objetivos 142
4.1 Grupos 143
4.2  Modelo de Desenvolvimento de Grupo 145
4.3  Estrutura de Grupo 147
4.4  Pensamento Grupal 148
4.4.1  Processos da influência do grupo 149
4.4.2 Papéis 150
4.4.3  Pressões à conformidade 150
4.4.4  Processos de comparação social 152
4.4.5  Polarização do grupo 152
4.5 Equipes 153
4.6  Equipes de Alta Performance 155
4.7  Evolução do Conceito de Liderança 157
4.7.1  Abordagem dos traços 159
4.8  Estilos de Liderança 160
4.8.1  Liderança Situacional 163
4.8.2  Modelo de Liderança de Fiedler 164
4.8.3  Modelo de Liderança da Teoria Caminho-objetivo 165
4.8.4  Recurso Cognitivo 166
4.8.5  Teoria da troca entre líder e liderado 167
Atividades 167
Reflexão 168
Referências bibliográficas 175

5. Sexualidade e Gênero 177

Objetivos 178
5.1  A Sexualidade 179
5.2  O Gênero 181
5.2.1  Os papéis de Gênero 185
5.2.2  Transgredindo as fronteiras 186
5.3  Por uma nova ordem 187
5.4  Orientação sexual 188
5.5  Outras possibilidades 190
5.6  A Teoria Queer 192
5.7  O corpo e o poder 194
Atividade 197
Reflexão 199
Referências bibliográficas 200

Gabarito 202
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Vamos pensar sobre o comportamento humano? A disciplina de Psicologia


Geral II oferece mais essa oportunidade de refletir sobre temas ligados ao ser
humano em diversos aspectos do seu comportamento, individual e em grupo.
Vamos resgatar um pouco da história e da construção das ciências psicológicas,
lembrando que temos diversas abordagens e frentes de estudos para dar conta
de toda a complexidade da espécie humana. Vamos focar em algumas das psi-
cologias, como a psicologia da educação e a psicologia da aprendizagem, que
tanto podem nos ajudar a compreender os processos de ensino e de aprendiza-
gem, uma vez que somos seres culturais que constroem sua subjetividade tam-
bém no encontro com o Outro. Mas para aprender algo é preciso “estar afim de”
e para isso vamos discutir as teorias e processos da motivação.
Sabemos que o ser humano está em constante processo de desenvolvimento
e por isso vamos estudar algumas das importantes teorias do desenvolvimento
humano e seus desdobramentos na vida social dos sujeitos.
Como já sabemos somos seres sociais, pois vimemos em grupo e precisa-
mos do Outro para nos fazermos humanos, no sentido contemporâneo da es-
pécie. O grupo assim influencia o comportamento individual. Vamos estudar a
dinâmica dos grupos e os atravessamentos entre individuo e coletivo. E ainda
pensar sobre a figura do líder dentro do grupo.
Para concluirmos nossa conversa pensaremos sobre questões ligadas a se-
xualidade e gênero. A conversa é séria e complexa, mas tenho certeza que são
assuntos fundamentais para sua boa formação. Vamos lá?

Segue a divisão dos capítulos para seu conhecimento


Capítulo 1 – A Psicologia e o comportamento humano
Capítulo 2 – A aprendizagem e a motivação
Capítulo 3 – Corpo e Afeto: as teorias do desenvolvimento humano
Capítulo 4 – Comportamento em Grupo e Liderança
Capítulo 5 – Sexualidade e Gênero

Bons estudos!

7
1
A Psicologia e o
Comportamento
Humano
Vamos pensar sobre o conceito e a aplicação das teorias da psicologia. Como
você já sabe, a psicologia tem uma história e vamos lembrar parte dessa his-
tória para que possamos continuar aprendendo e nos aprofundando nessa
área do conhecimento. Vamos lembrar do objeto de estudo da psicologia e
suas importantes abordagens. Vamos focar nesse capítulo em um importante
ramo das ciências psicológicas: a psicologia da educação. Para pensar sobre o
ser humano e sua atuação social é preciso pensar sobre os processos educati-
vos. O ser humano se constrói também pela ação educativa e assim a psicolo-
gia nos ajuda a pensar sobre essa situação e seus desdobramentos. O convite é
para que você, desde já, pense sobre a importância da Psicologia para sua boa
formação profissional. Você está pronto(a)? Então vamos lá!

OBJETIVOS
•  Entender o que é Psicologia e seus principais conceitos;
•  Identificar as principais escolas de Psicologia do século XIX
•  Identificar as principais escolas da Psicologia do século XX
•  Conhecer a relação entre Psicologia e Educação.

10 • capítulo 1
1.1  Conceitos básicos da psicologia
1.1.1  Definição e História da psicologia

Segundo Morris e Maisto (2004), a Psicologia é o estudo científico do compor-


tamento e dos processos mentais. Algumas pessoas poderiam pensar que os
psicólogos estão interessados apenas em comportamentos anormais. Na ver-
dade, eles estão interessados em todos os aspectos do pensamento e do com-
portamento humano.

CONEXÃO
Para ampliar ainda mais seus conhecimentos sobre o conceito de Psicologia, leia o artigo.
TODOROV, João Cláudio. A Psicologia como o estudo de interações. Psic.: Teor. e Pesq.,
Brasília, v. 23, n. spe, 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-37722007000500011&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 10 out. 2011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722007000500011. Com certeza você irá apreciar!

No final do século XX, a Psicologia cresceu surpreendentemente. Surgiram


novas tecnologias de pesquisa, novos campos de investigação e novas aborda-
gens para o estudo do comportamento e dos processos mentais. Esses avanços
levaram a uma maior especialização dentro da Psicologia, maior colaboração
com outras ciências – e ao equivalente acadêmico de uma crise de identida-
de (Evans, 1999). A Psicologia está constantemente redefinindo a si mesma.
Vamos conferir esta evolução?
Segundo Krstic (1964), o termo Psicologia aparece pela primeira vez como
título de uma obra publicada em 1590, escrito por Rudolf Goclenius (1547-
1628). Goclenius era professor da Universidade de Marburgo reconhecido por
suas contribuições à terminologia filosófica. O termo Psicologia referia-se ao
estudo da alma.

capítulo 1 • 11
A Psicologia tem uma história, como tudo na vida. Esta área do conhecimento tem
por volta de dois milênios. Esse tempo refere-se à Psicologia no Ocidente, que come-
ça entre os gregos, no período anterior à era crista. Podemos encontrar registros da
Psicologia também no Império Romano, na Idade Média, bem como no Renascimento.
Cada um desses momentos históricos foi muito importante para a consolidação e evo-
lução de uma Psicologia científica sólida. Para compreender a diversidade com que a
Psicologia se apresenta hoje, é indispensável recuperar sua história. A história de sua
construção está ligada, a cada momento histórico, às exigências de conhecimento da
humanidade, às demais áreas do conhecimento humano e aos novos desafios colo-
cados pela realidade econômica e social e pela insaciável necessidade do homem de
compreender a si mesmo. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

Sobre a história da Psicologia recorreremos às grandes contribuições de


Bock, Furtado e Teixeira (2002). Sobre este assunto, estes autores têm muito a
contribuir. Vamos conferir?
A história da Psicologia se confunde com a Filosofia até meados do século
XIX. Sócrates, Platão e Aristóteles iniciaram a instigante investigação da alma
humana. Os filósofos pré-socráticos se preocupavam em definir a relação do ho-
mem com o mundo através da percepção. Daí pode-se afirmar que a Psicologia
nasceu com a Filosofia, da discussão
©© REPRODUÇÃO

“se o mundo existe porque o homem


o vê ou se o homem vê um mundo que
já existe”. Existiam oposições entre os
idealistas (a ideia forma o mundo) e os
materialistas (a matéria que forma o
mundo já é dada para a percepção).
Contudo, é com Sócrates (469/-399
a.C.) que a Psicologia na Antiguidade
ganha coerência. Para ele, a principal
característica do ser humano era a
razão – aspecto que permitiria ao ho-
mem deixar de ser um animal irracio-
nal. Sócrates em sua principal preocu-
pação buscava o limite que separava o
homem dos animais.

12 • capítulo 1
Para ele, a principal característica humana era a razão. A razão permitia
ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade.
Ao definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência humana,
Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teo-
rias da consciência são, de certa forma, frutos dessa primeira sistematização
na Filosofia.
Platão (427/347 a C.), discípulo de
©© WIKIMEDIA

Sócrates, conclui que o lugar da razão


no corpo humano era a cabeça, repre-
sentando fisicamente a psique, e a me-
dula teria como função a ligação entre
mente e corpo. A medula seria, portan-
to, o elemento de ligação da alma com
o corpo. Este elemento de ligação era
necessário porque Platão concebia a
alma separada do corpo. Quando al-
guém morria, a matéria (o corpo) de-
saparecia, mas a alma ficava livre para
ocupar outro corpo.
Essas afirmativas, sem nenhum
amparo científico, podem ser conside-
radas hoje como avançadas para o que
se dispunha na época, como recurso
para investigação de um ser tão complexo quanto o ser humano.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão foi um dos mais importantes
pensadores da história da Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular
que alma e corpo não podem ser dissociados. Para Aristóteles, a psique seria
o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta,
possui a sua psique ou alma. Desta forma, os vegetais, os animais e o homem
teriam alma. Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela função de
alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que
tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis ante-
riores e a alma racional, que tem a função pensante.
Esse filósofo chegou a estudar as diferenças entre a razão, a percepção e as
sensações. Esse estudo está sistematizado no Da anima, que pode ser conside-
rado o primeiro tratado em Psicologia.

capítulo 1 • 13
©© WIKIMEDIA

Porém, 2.300 anos antes do sur-


gimento da Psicologia Científica,
os gregos já haviam elaborado duas
“teorias”: a platônica, que postulava
a imortalidade da alma e a entendia
separada do corpo, e a aristotélica,
que afirmava a imortalidade da alma
e a sua relação de ser parte do corpo.
Contudo, próximo a era cristã,
surge um novo império que ira do-
minar a Grécia, parte da Europa e o
Oriente Médio: o Império Romano.
Uma das principais características
desse período é o surgimento e de-
senvolvimento do cristianismo –
uma força religiosa que passa a força
política dominante. Mesmo com as invasões bárbaras, por volta de 400 d.C.,
que levam à desorganização econômica e à destruição dos territórios, o cris-
tianismo sobrevive e até se fortalece, tornando-se a religião principal da Idade
Média, momento histórico que então se inicia.
Na Idade Média, a Psicologia tem uma relação direta com a religião, já que,
ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica também monopolizava
o poder, o saber e, principalmente, o estudo do psiquismo. A crença na exis-
tência destas forças e o desejo de domesticá-las através de práticas religiosas
marcaram as primeiras noções da vida inteligente. Como se sabe, práticas reli-
giosas são crenças e cultos praticados por um grupo social, em que uma força
sobrenatural é objeto de devoção e temor.
Durante a “era cristã”, quando todo conhecimento era produzido e man-
tido a sete chaves pela Igreja, Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de
Aquino (1225-1274), partem dos posicionamentos de Platão e Aristóteles,
respectivamente.
Santo Agostinho, inspirado em Platão, também fazia uma cisão entre alma
e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era somente a sede da razão, mas a
prova de uma manifestação divina no homem. A alma era imortal por ser o ele-
mento que liga o homem a Deus. E, sendo a alma também a sede do pensamen-
to, a Igreja passa a se preocupar também com sua compreensão.

14 • capítulo 1
Já Santo Tomás de Aquino viveu num período que prenunciava a ruptura da
Igreja Católica, o aparecimento do protestantismo – uma época que preparava a
transição para o capitalismo, com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial
na Inglaterra. Essa crise econômica e social leva ao questionamento da Igreja e dos
conhecimentos produzidos por ela. Dessa forma, foi preciso encontrar novas justi-
ficativas para a relação entre Deus e o homem. São Tomás de Aquino foi buscar em
Aristóteles a distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considera
que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua existência. Porém,
introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de Aristóteles, afirma que so-
mente Deus seria capaz de reunir a essência e a existência, em termos de igualdade.
Portanto, a busca de perfeição pelo homem seria a busca de Deus.
São Tomás de Aquino encontra argumentos racionais para justificar os dogmas
da Igreja e continua garantindo para ela o monopólio do estudo do psiquismo.
No período do Renascimento, René Descartes (1596-1659) foi um dos filó-
sofos que mais contribuiu para o avanço da ciência, postula a separação entre
mente (alma, espírito) e corpo, afirmando que o homem possui uma substân-
cia material e uma substância pensante, e que o corpo, desprovido do espírito,
é apenas uma máquina. Esse dualismo mente-corpo torna possível o estudo do
corpo humano morto, o que era impossível nos séculos anteriores (o corpo era
considerado sagrado pela Igreja, por ser a sede da alma), e dessa forma possibi-
lita o avanço da Anatomia e da Fisiologia, que iriam contribuir em muito para o
progresso da própria Psicologia.
Em 1649, René Descartes publica As Paixões da Alma, reafirmando a sepa-
ração entre corpo e mente, pensamento que dominou o cenário científico até
o século XX. Quando Descartes apresenta As Paixões da Alma, ele indica o se-
guinte caminho de investigação: “que não existe melhor caminho para chegar
ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre a
alma e o corpo, a fim de saber a qual dos dois se deve atribuir cada uma das fun-
ções existentes em nós” (Descartes, 1979a, p.217). O amor, uma das paixões pri-
mitivas, ele o classifica como sendo uma das paixões que dependem do corpo.
A Psicologia da época acaba sendo distanciada da Filosofia, dando origem
ao que se chamou de Psicologia Moderna. Os comportamentos observáveis pas-
sam a fazer parte da investigação científica em laboratórios com o objetivo de
se controlar o comportamento humano. Nesse sentido, os teóricos objetivam
suas ações na tentativa de construir um corpo teórico consistente, buscando o
reconhecimento, enfim, da Psicologia como ciência.

capítulo 1 • 15
1.2  Evolução da psicologia científica
1.2.1  As escolas de psicologia no século XIX

Nesta parte, voltaremos a recorrer às ideias de Bock, Furtado e Teixeira (2002).


Sobre este assunto, eles também têm muito a esclarecer.
No século XIX, o capitalismo trouxe o processo de industrialização, no qual
a ciência deveria dar respostas e soluções práticas.
Hegel postula a importância da história para a compreensão do homem.
Darwin postula a teoria do evolucionismo. A noção de verdade passa a necessi-
tar do aval da ciência. Augusto Comte, positivista, postula maior rigor científico
na construção dos conhecimentos nas ciências humanas. Propunha o método
das ciências naturais, baseado na Física, para a construção do conhecimento.
Em meados do século XIX, a Psicologia que era estudada pelos filósofos, passa
a ser estudada pela Fisiologia e Neurofisiologia. Realizavam-se formulações sobre
o sistema nervoso central. O pensamento, percepções e sentimentos eram produ-
tos desse sistema. Para conhecer o psiquismo tinha que se conhecer o cérebro.
Em 1846, a Neurologia descobre que a doença mental é fruto da ação dire-
ta ou indireta de fatores sobre as células cerebrais. A Neuroanatomia descobre
que a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, por não estar
necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores. (ex.: quan-
do alguém queima o dedo em uma chama de uma vela quente, imediatamente
tira-a da chama para depois perceber o que aconteceu, isto se denomina refle-
xo, o estímulo chega à medula espinhal antes de chegar aos centros cerebrais
superiores).
Na Psicofísica eram estudados os fenômenos psicológicos. Em 1866,
Fechner e Weber estabelecem a relação entre estímulo e sensação. Wundt de-
senvolve o paralelismo psicofísico, no qual os fenômenos mentais correspon-
dem a fenômenos orgânicos.
Wundt, Fechner e Weber trabalharam juntos na Universidade de Leipzig, na
Alemanha. A Psicologia Científica nasceu, então, nas universidades alemãs no
século XIX e difundiu-se para todo o mundo desenvolvido. Este nascimento na
Alemanha não foi acidental, e sim resultado da fragmentação da nação alemã
em numerosos reinos, ducados, bispados e cidades autônomas, ocasionando
a falta de um governo central efetivo antes de 1870; contudo, havia muito mais
universidades na Alemanha do que em qualquer outro país europeu.

16 • capítulo 1
O excelente padrão de ensino e de pesquisa estabelecido na Universidade
de Berlin propagou-se rapidamente às outras universidades alemãs que eram
instituições mantidas pelo Estado e, deste modo, recebiam grandes quantida-
des de livros e de equipamentos. Laboratórios bem aparelhados foram estabe-
lecidos para pesquisa em física, química, fisiologia e outras disciplinas científi-
cas. Portanto, podemos dizer que não foi por acaso que a Psicologia Científica
teve origem na Alemanha.
Outra contribuição muito importante nesses primórdios da Psicologia
Científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt cria na Universidade de
Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para realizar experimentos na
área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua extensa produção teórica na área,
ele é considerado o pai da Psicologia Moderna ou Científica.
Wundt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico, segundo a qual
aos fenômenos mentais correspondem fenômenos orgânicos. Por exemplo,
uma estimulação física, como uma picada de agulha na pele de um indivíduo,
teria uma correspondência na mente deste indivíduo. Para explorar a mente ou
a consciência do indivíduo, Wundt cria um método que denomina introspec-
cionismo. Nesse método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente
treinado para a auto-observação, os caminhos percorridos no seu interior por
uma estimulação sensorial (a picada da agulha, por exemplo).
A Psicologia, então nesse momento, ganha status de ciência na medida em
que se liberta da filosofia. Define-se como objeto de estudo da Psicologia: o
comportamento, a vida psíquica e a consciência. Delimita-se o campo de es-
tudo, diferenciando-se assim da Filosofia. Formulam-se métodos de estudo e
teorias.
São estabelecidos critérios básicos da metodologia científica no estudo da
Psicologia que são: buscar a neutralidade do conhecimento científico; os da-
dos devem ser passíveis de comprovação; o conhecimento deve ser cumulativo
e servir de ponto de partida para outros conhecimentos.
Os pioneiros da Psicologia procuraram, dentro das possibilidades, atingir
tais critérios e formular teorias. Entretanto, os conhecimentos produzidos ini-
cialmente caracterizaram-se, muito mais, como postura metodológica que nor-
teava a pesquisa e a construção teórica.

capítulo 1 • 17
Embora a Psicologia Científica tenha nascido na Alemanha, é nos Estados
Unidos que ela encontra campo para um rápido crescimento, resultado do
grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos na vanguarda do
sistema capitalista. É ali que surgem as primeiras abordagens ou escolas em
Psicologia, as quais deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente.
Em um grande cenário investigativo, surgem três escolas de Psicologia com
suas correntes teóricas, que são: o Funcionalismo, de William James (1842-
1910), o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927) e o Associacionismo,
de Edward L. Thorndike (1874-1949).

CONEXÃO
Se você quer adquirir uma bibliografia mais avançada sobre a Psicologia, leia o livro de Antônio
Gomes Penna. Introdução à história da Psicologia contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar,
1980 e o livro de Fernand Lucien Mueller. História da Psicologia. São Paulo: Nacional, 1978.

O Funcionalismo foi elaborado por William James (1842/1910), que teve a


“consciência” como sua grande preocupação. Ele se preocupava com “o que fa-
zem os homens?” e “por que fazem?”. Postulava que o homem usa a consciência
para adaptar-se ao meio. James resgata o estudo da consciência na psicologia, cuja
construção entende ser um fenômeno dinâmico. Não é a estrutura que precisa ser
analisada, mas o processo do funcionamento, que ele entende relacionado com a
vida como um todo. Esta não é mais uma visão dual, corpo e mente são interdepen-
dentes e dessa interdependência nasce a consciência como um fenômeno pesso-
al, integral e contínuo. As regras de associação são, para James, um mero recorte
transversal de uma contínua corrente do pensamento que tinha que ser entendida.
Segundo Morris e Maisto (2004), William James representante do funcio-
nalismo, foi um dos primeiros acadêmicos a desafiar o estruturalismo. Foi um
norte-americano, filho do filósofo transcendentalista Henry James, pai, e irmão
do romancista Henry James. Quando jovem, James se graduou em Fisiologia e
estudou Filosofia por conta própria, sem ser capaz de decidir o que lhe interes-
sava mais. Na Psicologia, ele encontrou a relação entre as duas coisas. Em 1875,
James ministrou uma aula de Psicologia em Harvard. Mais tarde, ele comentou
que a primeira conferência que ouviu sobre o assunto foi a sua própria.

18 • capítulo 1
James afirmava que os “átomos da experiência” de Titchener – sensações
em seu estado puro, sem associações – simplesmente não existiam na vida
real. Nossa mente estaria constantemente fazendo associações, revendo expe-
riências, iniciando, interrompendo e movendo-se para a frente e para trás no
tempo. Percepções, emoções e imagens não podem ser separadas, argumentou
James; a consciência flui continuamente. Se não pudéssemos reconhecer uma
banana, teríamos de descobrir o que é uma banana sempre que víssemos uma.
As associações mentais permitem que nos beneficiemos de nossas experiên-
cias anteriores.
Quando nos levantamos pela manhã, vestimo-nos, abrimos a porta e cami-
nhamos pela rua, não precisamos pensar sobre o que estamos fazendo; agimos
guiados pelo hábito. James sugeriu que, quando repetimos uma ação, nosso
sistema nervoso é modificado de maneira que cada repetição se torna mais fá-
cil que a anterior.
James desenvolveu uma teoria funcionalista dos processos mentais e do
comportamento, que levantava questões ainda bastante atuais a respeito da
aprendizagem, da complexidade da vida mental, do impacto que as experiên-
cias têm sobre o cérebro e do lugar que a humanidade ocupa no mundo natu-
ral. Embora não tivesse muita paciência com experimentos, James, assim como
Wundt e Titchener, acreditava que o objetivo da Psicologia era analisar a expe-
riência. Wundt não se surpreendeu. Após ler o livro de James Os princípios da
psicologia (1890), ele comentou: “É literatura, é lindo, mas não é Psicologia”.
O Estruturalismo de Edward Titchner (1867-1927) preocupava-se em conhe-
cer a consciência, mas estudou os aspectos estruturais – estados elementares
da consciência como estruturas do sistema nervoso central. O conhecimento
era desenvolvido em laboratório.
Para Morris e Maisto (2004), Wilhelm Wundt e Edward Bradford Titchner
são os grandes representantes do estruturalismo. Há concordância geral de
que a psicologia nasceu em 1879, ano em que Wilhelm Wundt fundou o pri-
meiro laboratório de Psicologia na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Aos
olhos do público, um laboratório identificava um ramo de investigação como
“ciência” (Benjamin, 2000 apud Morris; Maisto, 2004). A princípio, Wundt não
atraiu muita atenção; apenas quatro alunos assistiram à sua primeira aula. Na
metade da década de 1890, contudo, as aulas ministradas por ele estavam sem-
pre lotadas.

capítulo 1 • 19
Wundt pôs-se a tentar explicar a experiência imediata e a desenvolver manei-
ras de estudá-la cientificamente, embora também acreditasse que alguns proces-
sos mentais não pudessem ser explicados por meio de experimentos científicos
(Blumenthtal, 1975 apud Morris; Maisto, 2004). Wundt deu importância central
à atenção seletiva – processo por meio do qual determinamos em que vamos
prestar atenção em um determinado momento. Para ele, a atenção é ativamente
controlada por intenções e motivações. Por outro lado, a atenção controla outros
processos psicológicos, como percepções, pensamentos e memórias. É impor-
tante observar que, ao estabelecer um laboratório e insistir na mensuração e na
experimentação, Wundt fez com que a psicologia passasse do domínio da filo-
sofia para o mundo da ciência (BENJAMIN, 2000 apud MORRIS; MAISTO, 2004).
Um dos importantes produtos do laboratório de Leipzig foram seus alunos,
que levaram a nova Psicologia Científica para universidades de outros países, in-
clusive os EUA. G. Stanley Hall, que estabeleceu o primeiro laboratório de psico-
logia norte-americano na Universidade Johns Hopkins, em 1883, estudou com
Wundt, assim como J. M. Cattell, o primeiro norte-americano a ser chamado de
“professor de Psicologia” (na Universidade da Pensilvânia, em 1888). Também
outro aluno, Edward Bradford Titchner, nascido na Grã-Bretanha, seguiu para
a Universidade Cornell. Em vários aspectos, as ideias de Titchner se diferencia-
vam muito das de seu mentor. Titchner estava impressionado com os recentes
avanços da química e da física, alcançados ao analisar os compostos complexos
(moléculas) quanto a seus elementos básicos (átomos). Da mesma forma, pen-
sou Titchner, os psicólogos deveriam analisar experiências complexas quanto a
seus componentes mais simples. Por exemplo: quando as pessoas olham para
uma banana, pensam imediatamente: “Aqui temos uma fruta, algo para comer”.
Mas se essa percepção se baseia em associações de experiências passadas, quais
são então os elementos mais fundamentais, os “átomos”, do pensamento?
Titchner dividiu a consciência em três elementos básicos: sensações físicas (o
que vemos), sentimentos (como gostar ou não de bananas) e imagens (lembran-
ças de outras bananas). Até mesmo os mais complexos pensamentos e sentimen-
tos, argumentou ele, podem ser reduzidos a esses elementos simples. Titchner
via o papel da Psicologia como sendo o de identificar esses elementos e mostrar o
modo como eles podem ser combinados e integrados – uma abordagem conheci-
da como estruturalismo. Embora a escola estruturalista da psicologia tenha tido
vida relativamente curta e poucos efeitos de longo prazo, o estudo da percepção e
da sensação continua a ser parte importante da psicologia contemporânea.

20 • capítulo 1
O Associacionismo de Edward L. Thorndike (1874-1949) formulou a pri-
meira teoria da aprendizagem na Psicologia. Preocupava-se com a utilidade,
mais do que com questões filosóficas. A aprendizagem se dá por associação de
ideias. Da mais simples para as mais complexas. Assim, para aprender um con-
teúdo complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender ideias mais simples às
mais complexas. Thorndike introduziu a Lei de Efeito, que seria de grande uti-
lidade para a Psicologia comportamentalista. Todo comportamento se repete
se for recompensado, e isto serve para o homem, rato ou pombo. E se extingue
se for castigado. Além disso, pela Lei do Efeito, o organismo irá associar essas
situações com outras semelhantes. Por exemplo, se, ao apertamos um dos bo-
tões do rádio, formos premiados com música, em outras oportunidades aper-
taremos o mesmo botão, bem como generalizaremos essa aprendizagem para
outros aparelhos, toca-discos, gravadores. A teoria do associacionismo procura
avançar na compreensão simplista dos behavioristas da época: as sensações
são elementos básicos que se associam formando estruturas mais complexas.
O homem era considerado, então, apenas um feixe de percepções.

1.2.2  As teorias da psicologia no século XX


©© REPRODUÇÃO

Ainda segundo Bock, Furtado


e Teixeira (2002), a Psicologia
Científica, que se constituiu de
três escolas (Associacionismo,
Estruturalismo e Funcionalis-
mo), foi substituída, no século
XX, por novas correntes teóri-
cas, correntes psicológicas, que
conhecemos hoje: Behavioris-
mo, Gestalt e a Psicanálise.
O Behaviorismo surgiu
nos EUA, com John B. Watson
(1878/1958), que inaugura a sua
teoria em 1913 com o seu artigo
“Psicologia vista por um Behaviorista”, que declarava a Psicologia como um ramo
puramente objetivo e experimental das ciências naturais, e que tinha como fina-
lidade prever e controlar o comportamento de todo e qualquer indivíduo.

capítulo 1 • 21
Definiu o fato psicológico de modo concreto a partir da noção de comporta-
mento. Dedicou-se ao estudo do comportamento na relação que este mantém
com o meio. Chegou-se aos conceitos de estímulo e resposta, formulando a
Teoria S-R. (teoria do estímulo reforçador e resposta), o qual Watson era um de-
fensor da importância do meio na construção e desenvolvimento do indivíduo.
Os seus estudos basearam-se no condicionamento clássico, conceito desenvolvi-
do pelo fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936), que ganhou o Prêmio Nobel de
Medicina pelo seu trabalho sobre a atividade digestiva dos cães.

Embora as ideias de Watson fossem de início consideradas radicais pelos psicólogos


mais importantes, sua abordagem e suas teorias foram gradualmente obtendo ampla
aceitação. É verdade que ninguém hoje se denomina mesmo como behaviorista wat-
soniano, mas o seu behaviorismo evoluiu para a Teoria do Comportamento atual que é
muito mais sofisticada, conduzida por alguns dos mais proeminentes psicólogos expe-
rimentais dos EUA. (HENNEMAN, 1978).

O Gestaltismo (Gestalt) surgiu na Europa, mais precisamente na Alemanha,


com Ernest Mach (1838-1916), Max Wertheimer (1880-1943) e Kurt Kofka
(1886-1941). Esta teoria nega a fragmentação das ações e processos humanos,
postulando a necessidade de se compreender o homem como uma totalidade,
resgatando as relações da Psicologia com a Filosofia. Eles iniciaram seus es-
tudos pela percepção e sensação do movimento. Os teóricos estavam preocu-
pados em compreender quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão
de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma
diferente da que ele tem na realidade.

A Gestalt é um movimento alemão de origem e profundamente filosófico por tradição,


da mesma forma que o behaviorismo americano começou como um protesto contra
as outras psicologias. As críticas dos gestaltistas foram dirigidas tanto aos estrutura-
listas como aos behavioristas. Os gestaltistas argumentavam que o estruturalismo e o
behaviorismo atribuíram ao ser humano um papel muito passivo, enfatizando demais a
importância da estimulação e subestimando o papel desempenhado pelo próprio indi-
víduo. O homem não é nem um percebedor passivo, registrando meramente o mundo
externo, nem um robô, que responde a todo estímulo do ambiente. Os gestaltistas, além

22 • capítulo 1
disso, objetavam ao que consideravam como análise descritiva artificial adotada pelas
escolas rivais. Os estruturalistas tentavam analisar percepções e ideias complexas e
significativas em seus elementos mais simples, tais como sensação e imagens. O beha-
viorista, de modo semelhante, procurava analisar os atos de comportamento diário em
unidades elementares de reflexo. Tal análise insistia os gestaltistas, é artificial e sem
sentido. “O todo é mais do que a soma de suas partes”, tornou-se o lema da Psicologia
da Gestalt (HENNEMAN, 1978).

A figura representa um exemplo


©© REPRODUÇÃO

de predisposição individual para


organizar uma dada experiência: o
que você vê duas faces, um cálice ou
ambos?
A Psicologia da Gestalt é uma das
tendências teóricas mais coerentes
e coesas da História da Psicologia.
Gestalt é um termo alemão de difícil
tradução; no português a que mais se aproxima seria “forma” ou “configuração”.
Afirma esta teoria que não se pode ter conhecimento do todo através das
partes, e sim das partes através do todo; que os conjuntos possuem leis próprias
e estas regem seus elementos (e não o contrário, como se pensava antes); e que
só através da percepção da totalidade é que o cérebro pode de fato perceber, de-
codificar e assimilar uma imagem ou um conceito. A Gestalt acabou ampliando
seu campo de aplicação e se tornou uma verdadeira corrente de pensamento
filosófico e psicológico.

CONEXÃO
Se você apaixonou-se pela Psicologia e tem interesse em aprofundar seus conhecimentos
nessa área, leia o livro de Fred S. Keller. A definição da Psicologia. São Paulo: Herder, 1972, e
o de Anatol Rosenfeld. O pensamento Psicológico. São Paulo: Perspectiva, 1984. O primeiro
trata da Psicologia a partir de sua fase científica, até o Behaviorismo e a Gestalt, excluindo a
Psicanálise. Já o segundo possui uma leitura mais tensa e percorre os caminhos da Psicologia
desde os filósofos pré-socráticos até a fase científica.

capítulo 1 • 23
Já a Psicanálise originou-se na Áustria, pelas ideias de Sigmund Freud
(1856-1939), fundador da teoria, ele recupera para a psicologia a importância
da afetividade e postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a
tradição da psicologia como ciência da consciência e da razão. Sigmund Freud,
um médico interessado em achar um tratamento efetivo para pacientes com
sintomas neuróticos ou histéricos. Conversando com os pacientes, ele acredi-
tava que seus problemas se originaram da não aceitação social e cultural, sen-
do assim reprimindo seus desejos inconscientes e suas fantasias de natureza
sexual.

A atitude em relação a Freud expressa pelos psicólogos atuais depende em gran-


de parte de seus interesses e atividades. Psicólogos cuja orientação é a do cientista
de laboratório tendem a ignorar ou criticar a abordagem psicanalítica. Por outro lado,
aqueles que estão preocupados com o comportamento da criança, o comportamen-
to social, o diagnóstico clínico, o tratamento de pacientes com desordens mentais ou
o aconselhamento de clientes com problemas de ajustamentos à vida diária de um
modo geral apóiam as ideias de Freud. Psicólogos clínicos e orientadores, em particu-
lar, fazem frequente uso dos conceitos e procedimentos psicanalíticos em sua prática
(HENNEMAN, 1978).

1.3  O objeto de estudo da psicologia


Você saberia me dizer qual é o objeto específico de estudo da Psicologia? Para
Bock, Furtado e Teixeira (2002), se for dada a palavra a um psicólogo compor-
tarnentalista, ele dirá: “o objeto de estudo da psicologia é o comportamento
humano”. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: “o estudo
da Psicologia é o inconsciente”. Outros dirão que é a consciência humana, e
outros, ainda, a personalidade.
A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato de este campo
do conhecimento ter-se constituído como área da concepção de conhecimento
científico só muito recentemente (final do século XIX), a despeito de existir há
muito tempo na Filosofia enquanto preocupação humana.

24 • capítulo 1
Esse fato é importante, já que a ciência se caracteriza pela exatidão de sua
construção teórica, e, quando uma ciência é muito nova, ela não teve tempo
ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar
com maior precisão seu objeto de estudo.
Outro motivo que contribui para dificultar uma clara definição de objeto da
Psicologia é o fato de o cientista – o pesquisador – confundir-se com o objeto a
ser pesquisado.
No sentido mais amplo, o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste
caso o pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a concep-
ção de homem que o pesquisador traz consigo “contamina” inevitavelmente
a sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque há diferentes concepções de
homem entre os cientistas (na medida em que estudos filosóficos e teológicos e
mesmo doutrinas políticas acabam definindo o homem a sua maneira, e o cien-
tista acaba necessariamente se vinculando a uma destas crenças). É o caso da
concepção de homem natural, formulada pelo filósofo francês Rousseau, que
imagina que o homem era puro e foi corrompido pela sociedade, e que cabe
então ao filósofo reencontrar essa pureza perdida. Outros veem o homem como
ser abstrato, com características definidas e que não mudam, a despeito das
condições sociais a que esteja submetido.

A Psicologia não é a única ciência que se preocupa em estudar o comportamento


humano. Outras ciências, como a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a Economia,
etc, procuram também conhecer e analisar o comportamento humano. Desta maneira,
a Psicologia se relaciona com estas ciências, pois seus objetos se encontram num
ponto em comum: o estudo, o entendimento e a análise do comportamento humano. A
Sociologia estuda o comportamento dos indivíduos em grupo; a Antropologia estuda
as raças e culturas primitivas; a Economia estuda o comportamento que leva à produ-
ção e consumo de bens e serviços. Há um relacionamento entre a Psicologia e estas
ciências, assim como com outras também, pois cada uma delas volta sua atenção para
determinado foco do comportamento humano. A Psicologia dá ênfase ao estudo do
indivíduo em si, porém, isto não quer dizer que os psicólogos não se preocupam em
estudar as pessoas em grupo. Para a Psicologia, o indivíduo é a unidade de estudo, não
importando que ele esteja só ou em grupo. (PARISI, 1981, p. 13-14)

capítulo 1 • 25
Na realidade, este é um “problema” enfrentado por todas as ciências huma-
nas, muito discutido pelos cientistas de cada área e até agora sem perspectiva
de solução. Conforme a definição de homem adotada, teremos uma concepção
de objeto que combine com ela.
Como, neste momento, há uma riqueza de valores sociais que permitem
várias concepções de homem, diríamos simplificadamente que, no caso da
Psicologia, esta ciência estuda os “diversos homens” concebidos pelo conjunto
social. Assim, a Psicologia hoje se caracteriza por uma diversidade de objetos
de estudo.
Por outro lado, essa diversidade de objetos justifica-se porque os fenôme-
nos psicológicos são tão diversos, que não podem ser acessíveis ao mesmo
nível de observação e, portanto, não podem ser sujeitos aos mesmos padrões
de descrição, medida, controle e interpretação. O objeto da Psicologia deveria
ser aquele que reunisse condições de unir uma ampla variedade de fenômenos
psicológicos. Ao estabelecer o padrão de descrição, medida, controle e inter-
pretação, o psicólogo está também estabelecendo um determinado critério de
seleção dos fenômenos psicológicos, e assim definindo um objeto.
Esta situação leva-nos a questionar a caracterização da Psicologia como ci-
ência e a postular que no momento não existe uma psicologia, mas Ciências
psicológicas embrionárias e em desenvolvimento.

1.4  A psicologia da Educação


Nesta sessão iremos nos deter as ideias de César Coll Salvador, Mariana Miras
Mestres, Javier Onrubia Goñi e Isabel Solé Gallart (1999), teóricos e pesquisado-
res conceituados no assunto. Preste muita atenção, pois este conteúdo é muito
importante para seu conhecimento.
De acordo com Salvador et. al. (1999), a finalidade principal da Psicologia da
educação é utilizar e aplicar os conhecimentos, os princípios e os métodos da
Psicologia para a análise e o estudo dos fenômenos educativos. Por esse motivo,
a sua origem e a sua evolução são inseparáveis tanto da origem e da evolução da
Psicologia científica quanto da evolução das práticas educativas, das funções
que lhes são atribuídas socialmente e da sua vinculação a outras áreas da ativi-
dade humana. A Psicologia da educação está situada em um espaço intermedi-
ário, por um lado, entre as exigências epistemológicas da Psicologia científica,

26 • capítulo 1
com as suas coordenadas teóricas, conceituais e metodológicas, e, por outro,
entre as exigências de uma ação prática, inserida em algumas coordenadas
sociais, políticas, econômicas e culturais que lhe dão sentido. Nesse espaço,
a Psicologia da educação está submetida a um estado de tensão permanente,
provocado pela necessidade de atender simultaneamente ambos os tipos de
exigências: respeitar os representantes da psicologia científica e oferecer co-
nhecimentos relevantes e diretamente aplicáveis à ação educativa.

CONEXÃO
Para auxiliar seus estudos, leia o livro de Claudia Davis, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira.
Psicologia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. A leitura é interessante, e é de fácil en-
tendimento. Aproveite!

O desenvolvimento histórico da Psicologia da educação manifesta uma ten-


dência clara ao distanciamento progressivo das proposições que querem consi-
derá-la um simples campo de aplicação da Psicologia, mesmo que não se possa
afirmar com isso que exista um consenso suficientemente amplo em relação
aos critérios que devem reger as relações entre o conhecimento psicológico e a
teoria e as práticas educativas; ou, dito de outra maneira, em relação ao lugar
que ocupa a psicologia da educação no conjunto de disciplinas psicológicas e
educativas.

1.4.1  Origem e evolução da Psicologia da Educação

Na visão ainda destes autores citados anteriormente, a Psicologia da educação


configurou-se, progressivamente, como resultado de um esforço ininterrupto
de aplicação e de utilização dos princípios, das explicações e dos métodos da
Psicologia científica nas renovadas tentativas de melhorar as práticas educa-
tivas em geral, concretamente a educação escolar, e também nas intenções
de elaborar explicações adequadas e úteis para o planejamento e o desenvol-
vimento dessas práticas. Ela tem a sua origem na crença racional e na argu-
mentação de que a educação e o ensino podem melhorar sensivelmente como
consequência da utilização correta dos conhecimentos psicológicos.

capítulo 1 • 27
A história da Psicologia da educação confunde-se, sobretudo nas suas origens,
com a história da psicologia científica e com a evolução do pensamento educati-
vo. Até o final do século XIX, aproximadamente, as relações entre psicologia e edu-
cação estiveram totalmente mediadas pela filosofia. Por um lado, a Psicologia é o
componente essencial das visões mais ou menos globais do mundo que a Filosofia
proporciona; por outro, as propostas educativas normalmente embasam o seu fun-
damento nos princípios básicos dos grandes sistemas filosóficos.
A seguir serão apresentadas as principais ideias sobre a história da
psicologia:

1.4.1.1  A Psicologia filosófica e a Teoria Educativa (até 1890, aproximadamente)

Não se pode falar de nenhuma maneira da psicologia da educação durante este pe-
ríodo, pode-se averiguar, porém, as influências que as explicações psicológicas de
natureza filosófica exerceram no pensamento educativo. Um bom exemplo de tal
afirmação é constituído pela teoria das faculdades mentais – a explicação psicológi-
ca que imperou até o final dos últimos anos do século XIX, cujos grandes pensadores
e representantes foram Platão, Aristóteles e Locke. As faculdades mentais, ao final
desta época, são entendidas a partir da inteligência, das emoções e da vontade.
Contudo, a influência da Psicologia filosófica constata-se, principalmen-
te, no pensamento de Herbart, sem dúvida o autor mais influente. Concebeu a
educação como uma aplicação prática da filosofia. A contribuição mais desta-
cada de Herbart consiste na formulação de uma teoria de aprendizagem, a qual
denomina teoria da apercepção. Para ele, a alma, a psique humana, mostra
uma tendência à autoconservação, de maneira que as sensações e as ideias for-
madas como um produto da experiência, de acordo com as leis da associação,
passam pela psique e influem na aprendizagem posterior.

1.4.1.2  A psicologia científica e as origens da psicologia da educação


(1890-1920, aproximadamente)

Durante o último quarto do século XIX, começa a manifestar-se na Psicologia


uma forte tendência a distanciar-se da Filosofia; essa tendência culminará com
o surgimento da Psicologia científica nos primeiros anos do novo século. A Psi-

28 • capítulo 1
cologia serviu de método experimental para as ciências físicas e naturais para
desligar-se da filosofia e transformar-se em uma disciplina científica autônoma.
Neste período, vários foram os precursores da Psicologia da educação: J. M.
Cattell, William James e Stanley Hall, cujos trabalhos exerceram uma influên-
cia determinante na origem e no desenvolvimento posterior da educação.
Assim, nessa Psicologia científica incipiente, configura-se, aos poucos, uma
área de interesse e de questionamento que recebe o nome de Psicologia da
educação. Essa disciplina assume trabalhos e pesquisas sobre aprendizagem,
testes mentais, medida do comportamento, Psicologia da criança e clínica in-
fantil, tudo referido direta ou indiretamente à problemática educativa e esco-
lar. Nesse período temos o aparecimento Escala métrica de Binet-Simon que
ocupou um espaço significativo. Surgem também várias tentativas de definir a
Psicologia da educação.
Deve-se a Thorndike (1874-1949), a primeira sistematização consistente
do estudo da aprendizagem. De todas as leis formuladas por Thorndike, a lei
do efeito foi a que teve maior repercussão no desenvolvimento posterior da
Psicologia da aprendizagem.
O suíço Édouard Claparède (1873-1940), teórico e incentivador entusiasta
da renovação pedagógica, desenvolveu trabalhos e pesquisas no laboratório de
psicologia experimental em Genebra e tenta, acima de tudo, entender os fenô-
menos psíquicos a partir do ponto de vista da sua função para a vida, do lugar
que ocupam no conjunto da conduta em um dado momento.
De qualquer forma, os ares renovadores não se limitam ao continente euro-
peu. Assiste-se também, nos Estados Unidos, uma importante mudança na ma-
neira de entender a educação escolar, ou seja, a psicologia da criança assume,
igualmente, lugar de destaque. A concepção funcional irrompe na psicologia e
na teoria educativa sob o impulso de William James e de G. Stanley Hall.
Tal concepção chega à sua expressão máxima com a obra de John Dewey
(1859-1952), situada entre a filosofia, a educação e a psicologia. A filosofia de
Dewey, uma variante do pragmatismo, origina, no campo psicológico, uma con-
cepção funcional de comportamento muito parecida à de Édouard Claparède,
que está apresentada em diversas publicações. Segundo o seu parecer, o valor
de uma teoria psicológica só pode ser julgada mediante as suas aplicações prá-
ticas; a adoção do pragmatismo conduz inevitavelmente a postulação da prima-
zia do método experimental na pesquisa psicológica.

capítulo 1 • 29
1.4.1.3  A psicologia da educação: disciplina nuclear da teoria educativa
(1920-1955, aproximadamente)

No âmbito educativo, as contribuições da psicologia interpretadas, principal-


mente, nos campos de estudo e de pesquisa comentados no período anterior
permitiram que a pedagogia obtivesse, definitivamente, um status científico.
Ao mesmo tempo, na Europa, a psicologia da educação, que seguia o traça-
do de Alfred Binet e Édouard Claparède, identificou-se com a Psicologia do de-
senvolvimento infantil e continuou direcionando os movimentos de renovação
pedagógica da Escola Nova ou Escola Ativa. Na França temos Henri Wallon, um
dos psicólogos do desenvolvimento mais importante de todos os tempos. Foi
autor de um plano de reforma do ensino na França, o qual considerava, entre
outras medidas, a criação de um serviço de psicologia escolar para as escolas.
Esse plano serviu posteriormente de modelo a muitos outros países.
Jean Piaget e seus principais colaboradores da escola de Genebra são res-
ponsáveis por um dos sistemas explicativos do desenvolvimento humano mais
potentes e compreensivos da história. Lev S. Vigotsky, que integra as explica-
ções do desenvolvimento humano, da educação e do ensino, oferecendo um
marco teórico único para a psicologia da educação, também merece referência
especial.
Na metade da década de 50, 30 anos ou mais depois da data que marcou o
seu nascimento, a Psicologia da educação se vê obrigada a ampliar considera-
velmente os seus conteúdos e o seu foco de atenção para muito mais além das
três áreas de trabalho e de pesquisa que deram forma tradicionalmente ao seu
núcleo essencial de atuação. Por outro lado, seus limites perfilam-se progres-
sivamente como uma consequência dessa ampliação dos conteúdos e das te-
máticas que estuda. Parece que não existe um tema, um problema relacionado
com a educação e o ensino que fique fora do alcance de estudo da Psicologia
da educação: os processos de aprendizagem individual e de grupo, o clima de
aula, a organização escolar, o currículo, a metodologia de ensino, os materiais
didáticos, a medida das referências individuais, o desenvolvimento infantil,
osinstrumentos de avaliação das aprendizagens, os objetivos e as finalidades
da educação, etc.
Nessa época, configura-se e expande-se uma série de escolas no campo da
Psicologia: Condutismo, Psicologia da Forma (Gestalt), Psicanálise.

30 • capítulo 1
1.4.1.4  A Psicologia da educação e a aproximação multidiscipllnar ao estudo dos
fenômenos educativos (a partir de 1955, aproximadamente)

No decorrer da década de 50, ocorreram uma série de fatos que modificaram de


maneira substancial o panorama descrito anteriormente. Esses fatos foram de-
terminantes no futuro das relações entre o conhecimento psicológico e a teoria
e a prática educativa; também o foram, logicamente, no futuro da Psicologia da
educação. Tais fatos podem ser sintetizados da seguinte maneira:
Primeiro, estabeleceu-se uma conscientização cada vez mais crítica das di-
ficuldades implicadas na integração dos resultados, nem sempre conscientes,
das pesquisas que nutrem a Psicologia da educação nos diferentes âmbitos da
Psicologia.
Em segundo lugar, no decorrer dos anos 50 e 60, começaram a nascer uma
série de disciplinas que também têm como finalidade estudar os fenômenos
educativos, assim como a Psicologia da educação.
Em terceiro lugar, uma série de acontecimentos políticos, econômicos e cul-
turais, ocorridos no final da década de 50, alteram radicalmente as coordena-
das da educação escolar nas sociedades desenvolvidas da Europa; também te-
rão repercussões claras no desenvolvimento futuro da Psicologia da educação.
Ocorreram grandes avanços na Psicologia da Aprendizagem: Teorias con-
dutistas; Teoria do Condicionamento Operante (Skinner); Representantes des-
ta época: Psicólogos Educativos Bruner, Ausubel. Já a Teoria Genética de Jean
Piaget e a Teoria Sociocultural de Vygotsky ressurgem com outra configuração.
A Psicologia da educação, graças à posição privilegiada que ocupa historica-
mente na ordem das disciplinas dedicadas ao estudo dos fenômenos educati-
vos, beneficiou-se da nova situação e da contribuição de recursos econômicos
e humanos. Cresceu notavelmente a participação dos psicólogos educacionais
em projetos de pesquisa educativa, nos processos de formação dos futuros pro-
fessores e nos seus serviços de psicologia escolar e de orientação escolar. Ao
mesmo tempo, criaram-se novas associações profissionais e centros de pesqui-
sa e departamentos de psicologia da educação em muitas universidades.

capítulo 1 • 31
1.5  As concepções atuais da Psicologia da
Educação

Para Salvador et. al. (1999) há um amplo espectro entre a psicologia e a educa-
ção. Pode-se falar em Disciplina Ponte. Nesse sentido, compartilha característi-
cas e conhecimentos de ambas, numa relação de interdependência e interação.
A Psicologia da educação ao ser considerada uma disciplina-ponte mantem
estreitas relações com o conjunto das áreas da pesquisa psicológica e com o
conjunto de disciplinas que se dedicam ao estudo dos fundamentos educati-
vos, porém sem chegar a identificar-se ou a confundir-se com um ou outro.
Tem objeto de estudo próprio e propósito de gerar conhecimentos novos.
Com isso, os fenômenos educativos deixam de ser um campo de aplicação do
conhecimento psicológico e passam a ser vistos como uma atividade humana
passível de ser estudada com o instrumental da Psicologia.
A educação é um fenômeno altamente complexo que exige uma aborda-
gem interdisciplinar e uso de vários instrumentos teóricos e metodológicos.
Juntamente com a didática, integra os “componentes específicos” da educação.
Há também os componentes básicos: Sociologia, Linguística, Filosofia, etc.
A Psicologia da Educação como disciplina pedagógica, mantém relações de
interdependência com as outras disciplinas psicológicas. Como disciplina edu-
cativa, contribui para uma melhor compreensão e planejamento dos processos
educativos. Como disciplina de natureza aplicada, inclui conhecimentos de ca-
ráter teórico, de planejamento e projeto de intervenção prática.

1.6  O objeto de estudo da Psicologia da


Educação

Na opinião de Coll, Marchesi e Palacios (2004), a finalidade da Psicologia da


educação é estudar os processos de mudança que se produzem nas pessoas
como consequência de sua participação em atividades educacionais.
Em primeiro lugar, a definição se ajusta às exigências formuladas por uma
concepção da Psicologia da educação como disciplina-ponte. Por um lado, seu
interesse está voltado ao estudo dos processos de mudança que ocorrem nas

32 • capítulo 1
pessoas, isto é, ao estudo de processos psicológicos. Não obstante, e diferente-
mente de outras áreas ou domínios da psicologia, interessa-se por um tipo muito
especial de mudanças: aquelas que têm sua origem, ou que possam relacionar-se
com a participação das pessoas em atividades ou situações educacionais. Assim,
a Psicologia da educação é, de pleno direito, uma disciplina psicológica, já que
seu foco é o estudo de processos psicológicos é também, e ao mesmo tempo, uma
disciplina educacional, pois os processos psicológicos aos quais volta sua aten-
ção são inseparáveis das situações educacionais que estão em sua origem, o que
significa que é imprescindível levar em conta as características destas últimas
para poder estudar cabalmente aqueles.
Em segundo lugar, a definição proposta não deixa margem para dúvidas so-
bre a necessidade de uma aproximação multidisciptinar do estudo dos fenôme-
nos educativos. A complexidade intrínseca desses fenômenos, a multiplicidade
de dimensões e aspectos presentes neles faz com que seu estudo exija o concurso
de diferentes perspectivas disciplinares. Não se trata, naturalmente, de decom-
por os fenômenos educacionais em suas partes constitutivas com a finalidade
de atribuir a análise de cada uma delas a uma disciplina distinta. Adotar uma
aproximação multidisciplinar do estudo dos fenômenos educacionais significa
abordá-los como um todo, sem que percam sua identidade como fenômenos
desse tipo, explorando-os sucessiva ou simultaneamente com a ajuda dos instru-
mentos metodológicos e conceituais que as diferentes disciplinas educacionais
proporcionam, procurando articular e integrar os resultados dessas indagações
em explicações de conjunto. No contexto dessa tarefa global, a Psicologia da edu-
cação tem como responsabilidade específica o estudo das mudanças – incluindo
os processos psicológicos subjacentes – que se produzem nas pessoas como con-
sequência de sua participação em atividades educacionais, de sua natureza e de
suas características, dos fatores que os facilitam, dificultam e das consequências
que têm para elas.
Em terceiro lugar, a Psicologia da educação está comprometida, junto com
outras disciplinas educacionais e em estreita coordenação com elas, na elabo-
ração de uma teoria educacional de base científica e na configuração de uma
prática de acordo com ela. Esse compromisso lhe confere o caráter de discipli-
na aplicada e a induz a abordar seu objeto de estudo com uma tripla finalidade,
ou uma tripla dimensão, como se assinalou no item anterior: uma dimensão
teórica ou explicativa, que persegue a elaboração de modelos interpretativos
dos processos de mudança estudados; uma dimensão tecnológica ou projetiva,

capítulo 1 • 33
cuja meta é contribuir para a descrição de situações e de atividades educacio-
nais capazes de induzir ou provocar determinados tipos de mudança nos que
participem delas e uma dimensão técnica ou prática, orientada à intervenção e
à resolução de problemas concretos surgidos na preparação ou no desenvolvi-
mento de atividades educacionais.
Em quarto e último lugar, essa caracterização do objeto de estudo per-
mite situar a Psicologia da educação escolar, também chamada às vezes de
Psicologia do ensino, no contexto mais amplo da Psicologia da educação. Visto
que esta última trata do estudo dos processos de mudanças que se produzem
nas pessoas como consequência de sua participação em diferentes tipos de si-
tuações ou atividades educacionais, seu campo de trabalho e de atuação é mais
vasto que o da Psicologia da educação escolar, que se centra nas mudanças re-
lacionadas com situações ou atividades escolares de ensino e aprendizagem.
A Psicologia da educação historicamente, orientou seus esforços sobretudo ao
estudo dos processos de mudança relacionados com os processos escolares de
ensino e aprendizagem e, consequentemente, a maioria de seus aportes situa-
se nesse campo. Essa tendência, porém, foi corrigida no transcurso das últimas
décadas, e a Psicologia da educação abriu-se progressivamente para o estudo
de outros tipos de práticas educacionais não escolares, como, por exemplo, as
que ocorrem em ambientes familiares, de trabalho, de lazer, ou ainda que utili-
zam os meios de comunicação de massas (rádio, televisão) ou as tecnologias da
informação e da comunicação como canal e como apoio.

Muitas vezes, professores e outros profissionais da educação tendem a considerar o


conhecimento da Psicologia da educação pouco realista e até mesmo irrelevante. No
entanto, a educação e o ensino podem melhorar sensivelmente como consequência
da utilização correta dos conhecimentos psicológicos. A Psicologia na educação tem
a intenção de inserir os conhecimentos da teoria e da pesquisa psicológica com o
objetivo de contribuir para a melhoria qualitativa do processo ensino e aprendizagem.
A Psicologia da Aprendizagem e a Psicologia do Desenvolvimento – podem auxiliar o
trabalho do professor (OLIVEIRA; DAVIS, 2000).]

Todos os momentos históricos da Psicologia da Educação foram influen-


ciados por diversos teóricos, de diferentes linhas de trabalho, com infinidades
de instrumentos – inseridos nos mais variados contextos históricos, políticos,
sociais e econômicos – com a intenção de melhorar a educação.

34 • capítulo 1
A Psicologia da educação pode ser caracterizada como uma disciplina que visa
contribuir, juntamente com outras disciplinas (Sociologia, Antropologia), para
uma melhor compreensão e explicação dos fenômenos educativos. Esta é o re-
sultado da preocupação em torno de questões relativas ao destinatário do ensino,
questões essas que exigem a caracterização de dois processos fundamentais, que
interagem na atividade escolar: a aprendizagem e o desenvolvimento humano.
A aprendizagem só encontra condições efetivas de realização, se levar em
conta as características do educando e suas condições de vida, na fase de desen-
volvimento em que se situa.

1.7  As contribuições da Psicologia da


Educação

Na opinião de Piletti (2008), as contribuições da Psicologia Educacional para a


formação docente abrangem três aspectos fundamentais.
1. Compreensão do papel do professor: envolve uma atitude aberta em rela-
ção aos alunos e a consciência de que desempenha várias funções em sua ativida-
de: a) instrutor e orientador; b) exemplo de comportamento; participante das ati-
vidades extraclasse e comunitária, com vistas à própria realização e á dos alunos.

Quanto mais informações os educadores tiverem sobre o processo de aprendizagem


dos conteúdos escolares, maiores serão as chances de melhoria das práticas pedagó-
gicas. Compreende-se, assim, a relevância teórica dos estudos psicológicos para a área
da educação e a necessidade de se efetivar maior intercâmbio entre a Psicologia e a
Pedagogia, à medida que aumentam os problemas que as escolas têm que enfrentar.
Todavia, mudanças nas práticas educacionais atuais requerem um conjunto de várias
medidas e envolvem um conjunto extenso de fatores, sendo que apenas parte deles
pode ser explicada pelas teorias psicológicas. (OLIVEIRA; DAVIS 2000).

2. Compreensão do aluno: Visa compreender suas necessidades, suas


características individuais e seu desenvolvimento, nos aspectos físico, emocio-
nal, intelectual e social. O aluno não é um ser ideal, abstrato. É uma pessoa
concreta, com preocupações e problemas, defeitos e qualidades. É um ser em

capítulo 1 • 35
formação, que precisa ser compreendido pelo professor e pelos demais profis-
sionais da escola, a fim de que tenha condições de desenvolver-se de forma har-
moniosa e equilibrada.
3. Compreensão do processo ensino-aprendizagem. Para o professor,
não é suficiente conhecer o aluno. É necessário que ele saiba como funciona
o processo de aprendizagem, quais os fatores que facilitam ou prejudicam a
aprendizagem, como o aluno pode aprender de maneira mais eficiente, além
de outros aspectos ligados à situação de aprendizagem, envolvendo o aluno, o
professor e a sala de aula. Nem sempre o que o professor ensina corresponda às
aspirações e necessidades dos alunos.
A partir das informações desta unidade, podemos constatar a importância e
o espaço que a psicologia da educação ocupa no processo de ensino e aprendi-
zagem e na relação professor-aluno.

ATIVIDADES
01. O que é Psicologia?

02. Quais as principais escolas da Psicologia nos séculos XIX e XX? Caracterize cada uma
delas.

03. O que é Psicologia da Educação?

04. Como a Psicologia pode colaborar para a melhoria da educação escolar brasileira?

05. Como a Psicologia da Educação pode colaborar na boa formação do assistente social?

06. Qual a relação entre Psicologia e justiça social?

REFLEXÃO
A Psicologia é uma ciência. Ela é conhecida como a ciência da alma, ou da psique, ou da
mente, ou do comportamento (todos esses podem ser considerados como objetos de estudo
da psicologia e em última análise falamos em subjetividade). Segundo Meynard (1958) a
psicologia refere-se a um conjunto de funções que se distinguem em três grandes vias: a

36 • capítulo 1
via ativa (movimentos, hábitos, vontades, liberdades, tendências e inconsciente); a via afetiva
(prazer, emoção e sentimento); e a via intelectiva sensação, percepção, imaginação, memória
e ideias. Estas três esferas articulam-se em sínteses mentais, como: atenção, linguagem
e pensamento, inteligência, julgamento, raciocínio e personalidade. Estas funções também
são conhecidas como cognitivas, afetivas e conativas. As cognições são as capacidades do
intelecto, as afeições são os sentimentos e emoções, e a conação refere-se as nossas ativi-
dades, que são as respostas expressivas ou comportamentais.
A Psicologia construiu-se até o momento como uma área de estudos extremamente rica,
vasta e complexa. Há as atividades já consideradas consagradas, e mais difundidas como
áreas de atuação das ciências psicológicas, como a psicologia clínica, que pode ser desen-
volvida a partir de diversas abordagens, como o Behaviorismo, a Gestalt ou a Psicanálise
(sabemos que muitas outras abordagens existem mas não é nosso objetivo agora listar todas
elas). A psicologia da Educação também desenvolveu-se como uma já difundida aplicação e
prática das teorias da psicologia e o contexto escolar utiliza de maneira ampla os conteúdos
e práticas das teorias da psicologia. Sabendo da importância da psicologia aplicada a área
da educação fica a seguinte questão: Será que estamos realmente sabendo utilizar, e apli-
car, tais conhecimentos para a boa formação humana? Caso sua resposta seja “não”, fica a
questão ainda: Por quê?

LEITURA
ALVES, Wanderson Ferreira. A formação de professores e as teorias do saber docente:
contextos, dúvidas e desafios. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 33, n. 2, ago. 2007. Disponível em <http://
www.scielo.br/>. Acesso em 03 out. 2011.
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Makron Books, 2005.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Os trabalhadores da educação e a construção política da profissão
docente no Brasil. Educ. rev., Curitiba, n. spe1, 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/>.
Acessos em 03 out. 2011.
PESSOTTI, Isaias. Dados para uma história da Psicologia no Brasil. Psicologia, 1, 1-14, 1975.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologia: uma
introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesus e colaboradores. Desenvolvimento Psicológico
e Educação – Psicologia da educação escolar. v. 2. Tradução Fátima Murad. 2 ed. Porto Alegre, 2004.

capítulo 1 • 37
DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. de M. R. de. Psicologia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Abril Cultural, 1979a.
EVANS, R.B. A Century of Psychology, APA Monitor, p.14-30, 1999.
HENNEMAN, Richard H. O que é psicologia. Tradução José Fernando Bitencourt Lomonaco. Rio de
Janeiro: Livraria José Olimpio Editora, 1978.
KRSTIC, K. Marko Marulic: the autor of the term Psychology Acta Instituti Psychologici. Universitatis
Zagrabiensis, 1964, n. 36, p. 7-13. In: Classics in the History of Psychology (an internet resource
developed by Christopher D. Green, York. University, Toronto, Ontario, Canada posted May, 2001.
Disponível em: <http:// psychclassics. yorku. ca/Kristic/ Marulic.htm. Acesso em 20 de março de
2003.
MEYNARD, L. (1958). Psychologie. Paris: Librairie Classique Eugène Belin.
MORRIS, Charles G. e MAISTO, Albert A. Introdução à Psicologia. Tradução Ludmilla Lima, Marina
Sobreira Duarte Baptista. 6. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.
PARISI, Mário. TDP: Trabalho dirigido de Psicologia. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1981.
PILETTI, N. Psicologia Educacional. 17 ed. São Paulo: Ática, 2003.
SALVADOR, C. C.; MESTRES, M. M.; GOÑI, J. O.; GALLART, I. S. Psicologia da Educação. Tradução
Cristina Maria de Oliveira. Porto Alegre: Artmed, 1999.

38 • capítulo 1
2
Aprendizagem e
Motivação
Vamos pensar sobre o conceito de Aprendizagem. Afinal, o que é aprendiza-
gem? Como aprendemos as coisas? Onde aprendemos? Será a família uma
aplicação das teorias da psicologia. Importante instituição para a realização
desse processo? E a escola? Terá a escola um papel diferente ou idêntico
ao da família nos processos de aprendizagem? As pessoas se desenvolvem
aprendendo coisas, informações, até mesmo nosso mundo afetivo e fruto da
aprendizagem. Assim aprendemos para tornarmo-nos humanos! Mas é preci-
so querer aprender. É preciso estar motivado, assim, vamos também discutir
nesse capítulo as principais teorias que explicam como ocorrem os processos
motivacionais. Você está pronto(a)? Então vamos lá!

OBJETIVOS
•  Entender o que é aprendizagem e seus principais conceitos;
•  Compreender o papel da escola no processo de aprendizagem
•  Compreender o papel da família no processo de aprendizagem
•  Conhecer o conceito de
•  Entender as teorias de conteúdo da motivação
•  Entender as teorias de processo da motivação

40 • capítulo 2
2.1  O que é aprendizagem?
Vários são os autores que discorrem sobre a aprendizagem. Então a partir de
agora você estudará as principais contribuições desses pesquisadores e estu-
diosos. Vamos conferir?
Coll, Palácios e Marchesi (1996) ressaltam que a aprendizagem é um pro-
cesso e, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando a pessoa,
em virtude de determinadas experiências, que incluem necessariamente inter
-relações com o contexto, produz respostas novas, modifica as existentes, ou
quando algumas atividades já existentes são emitidas em relação a aspectos
novos do contexto, ou seja, quando o indivíduo estabelece novas relações entre
sua atividade e o ambiente do qual faz parte. Em todos os casos, os processos
são graduais e, além disso, para que a pessoa vá construindo novos comporta-
mentos, novos tipos de respostas, é necessário partir de outros comportamen-
tos anteriores, já existentes no repertório desse indivíduo. A maioria das apren-
dizagens significativas é produzida em um contexto social, sendo necessária a
inter-relação entre dois ou mais sujeitos para que se concretizem.
As respostas novas surgem por evolução e reestruturação de outras ante-
riores. Como? Segundo a AEC (Análise Experimental do Comportamento),
mediante modificações gradativas das características das respostas iniciais,
de base, sob os efeitos combinados de processos de reforço, extinção e outros,
como a discriminação e a generalização, já analisados. Retomando, processos
gerados pela própria pessoa e por seu ambiente, em uma interação contínua,
em que ambos exercem um papel ativo. Supõe-se, deste modo, que a maior par-
te do comportamento dos seres humanos é aprendida. E não se restringe o con-
ceito de aprendizagem ao ensino intencional que se possa produzir nas aulas, e
sim ao que se estende a todos aqueles processos em que o comportamento do
indivíduo se vê submetido a algum tipo de alteração, devido a interações com
seu meio.
As mudanças assim produzidas podem ser efêmeras ou, pelo contrário, per-
duráveis, dependendo da qualidade e da intensidade da experiência, da histó-
ria prévia do sujeito e, portanto, de seu nível inicial de partida em cada momen-
to, das futuras interações com o ambiente relativamente a uma série de fatores
vinculados à própria teoria, e não externos a ela. Este enfoque apresenta, assim,
uma visão até certo ponto otimista do homem e de suas capacidades. Supõe-se,
como foi dito anteriormente, que o comportamento humano é, em sua maior

capítulo 2 • 41
parte, aprendido, e com isso se quer dizer que pode estar exposto, em qualquer
momento, a processos de transformação diversos e que, assim, poderá ser mo-
dificado na interação.
Logo, existe um conjunto de princípios que constitue a Análise Experimental
do Comportamento (AEC), cuja finalidade fica estabelecida na própria deno-
minação e que permite analisar o comportamento humano a partir de uma
perspectiva metodologicamente experimental, em condições de laboratório ou
rigorosamente controladas (Bayés, 1974 apud Coll; Palácios; Marchesi, 1996).
Mais adiante, a partir deste conjunto de princípios, será possível realizar uma
análise de conduta aplicada a situações cotidianas e em condições naturais.
É importante recordar esta distinção, para entender os diferentes níveis que
adotam. Em um terceiro momento, esta análise originará alguns conhecimen-
tos, que permitirão constituir uma tecnologia de intervenção, um conjunto de
técnicas e estratégias facilitadoras dos processos de micromudança, que ante-
riormente foram analisados. Com isso, chega-se ao final do processo de conhe-
cimento de uma realidade: aquele momento que permite não apenas estudar a
realidade, mas também transformá-la.

CONEXÃO
Para ampliar seus conhecimentos leia o artigo de LARA, Aline Frollini Lunardelli; TANAMA-
CHI, Elenita de Ricio; LOPES JUNIOR, Jair. Concepções de desenvolvimento e de aprendi-
zagem no trabalho do professor. Você poderá encontrá-lo acessando <http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722006000300003&lng=pt&nrm=iso>.

Já para Souza (1972), a aprendizagem é a modificação do comportamento


frente a uma situação, e implica em progresso e evolução. Para que a criança
possa enfrentar a aprendizagem formal é necessário que tenha atingido um ní-
vel de desenvolvimento adequado, pois aprender a ler e a escrever envolve um
complexo em que a idade cronológica por si só não constitui fator de sucesso.
Para este autor alguns conceitos, como desenvolvimento, crescimento e matu-
ração são importantes para a compreensão do que é aprendizagem.

42 • capítulo 2
©© NAGY-BAGOLY ILONA | DREAMSTIME.COM
Desenvolvimento: é um processo or-
denado e contínuo que envolve ritmos
diversos em todas as áreas do organis-
mo e da personalidade. Inclui em seu
processo o crescimento e a maturação.
Crescimento: é o desenvolvimento do
indivíduo nos aspectos físico, fisiológico
e anatômico. Compreende o aumento de
estatura, pêso, comprimento de ossos e al-
terações na estrutura do sistema nervoso.
Maturação: é um conjunto de modi-
ficações e alterações do organismo e da
personalidade ligadas à mielinização do
sistema nervoso. A maturação conduz
ao desdobramento do potencial do or-
ganismo. A definição de maturação põe
em relevo os processos orgânicos e mudanças estruturais que ocorrem no inte-
rior do corpo do indivíduo e são relativamente independentes das experiências
ou influências externas do meio.
Para que haja equilíbrio na personalidade do indivíduo, o desenvolvimento
deve ser global e harmonioso. Nem sempre, porém, isto acontece.
Se o crescimento e maturação não se desenvolvem paralelamente, origina-
se uma série de dificuldades que levam a criança a enfrentar os primeiros pro-
blemas de escolaridade.
A aprendizagem exige da criança uma intensa atividade que envolve toda
sua personalidade e exige, um certo nível de desenvolvimento.
Os fatores fundamentais no processo da aprendizagem são o emocional, o
intelectual, o psicomotor, o físico e o social. O emocional é o mais importante
de todos e dele depende todo processo educativo.
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), aprendizagem é um processo que
ocorre durante a vida, permitindo-nos adquirir algo novo em qualquer idade. Há
diversas possibilidades de aprendizagem, ou seja, há diversos fatores que nos le-
vam a apresentar um comportamento que anteriormente não apresentávamos
como o crescimento físico, descobertas, tentativas e erros, ensino, etc.

capítulo 2 • 43
Essas diferentes situações e processos não podem ser englobados num só
conceito, por isso, muitos teóricos se aproximaram desse assunto para tentar
entender: qual o limite da aprendizagem? Qual a participação do aprendiz no
processo? Qual a natureza da aprendizagem? Há ou não motivação subjacente
ao processo? As respostas a essas questões têm originado controvérsias entre
os estudiosos.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), qualquer um de nós é capaz de responder


sem pestanejar a pergunta do tipo: o que você aprendeu hoje? E também sabemos
justificar nossas habilidades, por exemplo, de escrever e ler, consertar alguma coisa
ou dançar, dizendo que aprendemos. Usamos o termo aprender sem dificuldades, pois
sabemos que, se somos capazes de fazer algo que antes não fazíamos, é porque apren-
demos.

Para José e Coelho (2008), a aprendizagem é o resultado da estimulação do


ambiente sobre o indivíduo já maduro, que se expressa, diante de uma situa-
ção-problema, sob a forma de uma mudança de comportamento em função da
experiência.
É comum as pessoas restringirem o conceito de aprendizagem somente aos
fenômenos que ocorrem na escola, como resultado do ensino. Entretanto, o
termo tem um sentido muito mais amplo: abrange os hábitos com os quais for-
mamos os aspectos de nossa vida afetiva e a assimilação de valores culturais.
Enfim, a aprendizagem se refere a aspectos funcionais e resulta de toda estimu-
lação ambiental recebida pelo indivíduo no decorrer da vida.
O processo de aprendizagem sofre interferência de vários fatores – intelec-
tual, psicomotor, físico, social – mas é do fator emocional que depende grande
parte da educação-infantil.
As autoras anteriormente citadas, ainda acrescentam a importância da
aprendizagem significativa.
Para que a aprendizagem provoque uma efetiva mudança de comportamen-
to e amplie cada vez mais o potencial do educando, é necessário que ele perceba
a relação entre o que está aprendendo e a sua vida. O aluno precisa ser capaz de
reconhecer as situações em que aplicará o novo conhecimento ou habilidade.
Tanto quanto possível, aquilo que é aprendido precisa ser significativo para ele.

44 • capítulo 2
Uma aprendizagem mecânica, que não vai além da simples retenção, não
tem significado para o aluno. Para ser significativa, é necessário que a aprendi-
zagem envolva raciocínio, análise, imaginação e o relacionamento entre ideias,
coisas e acontecimentos.
Para Piletti (2008), a aprendizagem é mudança de comportamento. Isto é:
quando repetimos comportamentos já realizados anteriormente, não estamos
aprendendo. Só há aprendizagem na medida em que houver uma mudança no
comportamento. A maior parte de nossos comportamentos é aprendida: andar,
falar, gritar, datilografar, pedalar, nadar, calcular, telefonar, sentar etc.
O autor citado anteriormente também considera que a aprendizagem é
mudança de comportamento resultante da experiência. Quase todos os nossos
comportamentos são aprendidos, mas não todos. Há comportamentos que re-
sultam da maturação ou do crescimento de nosso organismo e, portanto, não
constituem aprendizagem: respiração, digestão e salivação.
Estamos continuamente aprendendo novos comportamentos ou modifica-
ções de comportamentos. Aprendemos em toda parte, na escola e fora dela.
A realização do processo de aprendizagem depende de três elementos prin-
cipais. Veja a seguir.
Situação estimuladora: soma dos fatores que estimulam os órgãos dos sen-
tidos da pessoa que aprende. Se houver apenas um fator, este recebe o nome
de estímulo. Exemplos de estímulos: um nome falado em voz alta; uma ordem,
como “sente-se”; uma mudança ambiental, como falta de luz elétrica, etc.
Pessoa que aprende: indivíduo atingido pela situação estimuladora. Para a
aprendizagem, são importantes os órgãos dos sentidos, afetados pela situação
estimuladora; o sistema nervoso central, que interpreta a situação estimulado-
ra e ordena a ação; e os músculos, que executam a ação.
Resposta: ação que resulta da estimulação e da atividade nervosa. Ouvindo
seu nome, a pessoa responde: O que foi? Diante da ordem, a pessoa obedece e
senta-se. Na falta de luz, o indivíduo acende um fósforo. Nesses casos, temos
comportamentos aprendidos anteriormente. A aprendizagem ocorre quando
a pessoa começa a responder ao ouvir o som de seu nome, a sentar-se quando
recebe ordem nesse sentido e a acender um fósforo quando falta luz. Uma vez
aprendidos esses comportamentos, também chamados respostas, são repeti-
dos sempre que ocorre a situação estimuladora. A não ser que o indivíduo te-
nha aprendido a não responder quando certas pessoas o chamam pelo nome e
a não obedecer quando certas pessoas o mandam sentar.

capítulo 2 • 45
Para Mussen (1977), todas as características e capacidades que uma pessoa
adquire e todas as transformações no desenvolvimento resultam de dois pro-
cessos básicos, embora complexos: aprendizagem e maturação. Como os dois
processos quase sempre atuam reciprocamente, é difícil separar os respectivos
efeitos ou especificar a contribuição relativa de cada um para o desenvolvimen-
to da criança. É claro que o crescimento em altura não é aprendido, mas de-
pende da maturação, um processo biológico. Mas os progressos nas atividades
motoras, como andar, dependem da maturação e aprendizagem bem como da
interação de ambos os processos.
De que constam, pois, a maturação e a aprendizagem? Os psicólogos do de-
senvolvimento não estão inteiramente de acordo, embora exista um núcleo co-
mum de significado aceito. Assim, todas as definições de maturação acentuam
os processos orgânicos ou mudanças estruturais ocorrendo dentro do corpo de
um indivíduo, que são relativamente independentes das condições, experiên-
cias ou prática do meio externo.
A aprendizagem também foi definida de diversas maneiras, mas o termo
refere-se, geralmente, as mudanças no comportamento ou desempenho, em
resultado da experiência (Ernest R. Hilgard, apud Mussen, 1977). Ernest um
eminente teórico da aprendizagem, define-a como “o processo pelo qual uma
atividade é originada ou alterada através de procedimentos de treino (quer no
laboratório, quer no meio natural), em contraste com as alterações não atribu-
íveis ao treino”.
Têm sido propostas várias teorias importantes e estimulantes de aprendiza-
gem, cada uma com seu próprio quadro de princípios e hipóteses para explicar
o processo de aprender. A aprendizagem desempenha um papel crucial – na
verdade, talvez o mais importante de todos – em muitos dos aspectos do desen-
volvimento e transformação.
Especificamente, aceitamos o princípio de que uma criança aprenderá uma
reação, de um modo mais eficaz e completo, se for motivada – isto é, se tiver algu-
ma necessidade ou desejo – para aprendê-la. Além disso, ela aprenderá melhor
uma resposta se for reforçada, ou recompensada para aprendê-la, se a aprendiza-
gem levar à satisfação de algumas das suas necessidades. De acordo com esta opi-
nião, quanto mais uma resposta for recompensada, quanto mais forte se toma, é
maior a probabilidade de que se repita. Embora, na opinião do autor, a maioria
dos processos da aprendizagem envolva motivação e recompensa, foi demons-
trado que alguns processos de aprender ocorrem sem aquelas.

46 • capítulo 2
As ações recíprocas entre os processos de maturação e aprendizagem são
particularmente nítidas no desenvolvimento motor – especialmente as reações
de postura, locomoção e manipulação.
Segundo Kaplan e Sadock (1997), o aprendizado é definido como uma mu-
dança no comportamento da pessoa em determinada situação, causada por re-
petidas experiências naquela situação, desde que o comportamento não possa
ser explicado com base em tendências inatas de resposta, maturação ou esta-
dos temporários da pessoa.
Para avaliar o aprendizado, deve-se medir algum aspecto do desempenho,
tal como a precisão de uma habilidade motora ou capacidade para reconhecer
e repetir palavras. O aprendizado e o desempenho estão relacionados, mas os
dois conceitos não devem ser confundidos. O desempenho pode ser adversa-
mente afetado por insuficiente motivação ou ansiedade, de modo que o apren-
dizado pode ter ocorrido, mas não ser demonstrável. O aprendizado estado-de-
pendente é um outro caso no qual o desempenho pode estar prejudicado. Se o
comportamento é adquirido sob a influência de um agente farmacológico e os
testes de aprendizado são realizados na ausência da droga, pode haver pouca
ou nenhuma evidência de aquisição. Entretanto, se o teste de aprendizado é re-
alizado sob a influência da droga, o desempenho pode mudar, e o aprendizado
será, então, demonstrado.
Bronfenbrenner (1996, p. 23) define o desenvolvimento como um proces-
so através do qual a pessoa em desenvolvimento adquire uma concepção mais
ampliada, diferenciada e válida do meio ambiente ecológico, e se torna mais
motivada e mais capaz de se desenvolver em atividades que revelam suas pro-
priedades, sustentam ou reestruturam aquele ambiente em níveis de complexi-
dade semelhante ou maior de forma e conteúdo.
Ao pensarmos na ideia de ambiente ecológico, devemos visualizá-lo a partir
de uma série de estruturas encaixadas, uma dentro da outra, o nível interno é
visto como ambiente imediato, no qual está inserida a pessoa em desenvolvi-
mento. Relacionando-se ao tema em questão, o microssistema contemplaria a
relação que a criança estabelece no contexto familiar ou de sala de aula.

capítulo 2 • 47
Em outro nível, mais externo, o mesossistema inclui as inter-relações entre
dois ou mais ambientes nos quais a criança participa ativamente, como, por
exemplo, a interconexão entre a família e a escola, que pode ocorrer de várias
formas. A criança passa seu tempo tanto em casa quanto no âmbito escolar, sua
mãe participa de uma reunião escolar, uma amiga da classe passa a frequentar
sua residência, portanto, estabelecem-se novos vínculos, os quais modificam
as pessoas que estão em um processo contínuo de desenvolvimento e há inter-
conexão entre dois microssistemas.
O exossistema refere-se a ambientes nos quais a pessoa focalizada não é
participante ativa, mas sofre os efeitos de sua influência. Ao nos referirmos à
escola, podemos visualizar a política educacional enquanto fator influente no
ambiente de sala de aula, portanto, o desenvolvimento de crianças e professor
é afetado.
O nível externo, macrossistema, é entendido como um sistema de ideias, va-
lores, crenças e ideologias subjacentes à forma e ao conteúdo dos micro, meso
e exossistemas.
Ao pensarmos na interconexão entre os sistemas, temos o conceito de tran-
sição ecológica, que envolve mudanças de papéis vinculados às alterações de
ambientes que ocorrem ao longo da vida.
A opção pela perspectiva ecológica, portanto, fundamenta-se nos seguintes
fatores: a consideração da multiplicidade de influências que recaem sobre o
indivíduo; o sentido bidirecional dessas influências; a ênfase em realidades
não imediatamente presentes e o reconhecimento de alterações no contexto
histórico-social ao longo da trajetótia de vida como fatores determinantes do
processo de desenvolvimento humano.
Além disso, a compreensão da família e da escola como ambientes diferen-
ciados, mas complementares, é um aspecto relevante a ser considerado no pro-
cesso de escolarização da criança.
As informações apresentadas apontam que há variação sobre a aprendiza-
gem de um autor para outro. Constata-se que alguns acreditam na importância
do ambiente, outros destacam mais os fatores orgânicos, e outros ainda con-
sideram a relevância da parte emocional e intelectual. Contudo, detecta-se de
um modo geral, que os estudiosos nessa área concordam que a aprendendiza-
gem envolve necessariamente mudança de comportamento e que esta resulta
da experiência.

48 • capítulo 2
2.1.1  A família, a escola e a aprendizagem

Você com certeza sabe que a família e a escola têm funções muito importantes
na vida das pessoas. A família e a escola contribuem para o desenvolvimento e
para a aprendizagem do indivíduo em diversos aspectos, seja cognitivo, afeti-
vo, biológico e social. Contudo, atualmente, estas têm recebido muitas críticas,
por estarem deixando de cumprir seu papel. Mas, também não podemos negar,
é na família e na escola que o indivíduo aprende aspectos da socialização. Além
disso, estas favorecem as interações das crianças e dos jovens com o mundo,
através da relação afetiva e das atividades e das experiências que lhes oferecem.
Segundo José e Coelho (2008), a família é quem primeiro proporciona expe-
riências educacionais à criança, no sentido de orientá-la e dirigi-la. Tais expe-
riências resumem-se num treino que, algumas vezes, é realizado no nível cons-
ciente, mas que, na maior parte das vezes, acontece sem que os pais tenham
consciência de que estão tentando influir sobre o comportamento dos filhos.
Como afirma Lindgren (1977, apud José e Coelho, 2008, p. 86), este tipo de
aprendizagem e ensino em diferentes níveis de consciência dá-se durante todo
o tempo, dentro ou fora da escola. Os pais e os professores estão sempre en-
sinando simultaneamente em diferentes níveis de consciência, e as crianças
estão sempre aprendendo em diferentes níveis. As coisas ensinadas ou apren-
didas conscientemente podem ou não ser importantes e podem ou não fixar-se.
Ainda segundo esse autor, o que é ensinado e aprendido inconscientemente
tem mais probabilidade de permanecer. No exemplo citado por ele, um estudan-
te pode esquecer muitas das noções que aprendeu com alguns professores, mas
lembra o tipo de pessoas que eram e as atitudes que tinham em relação a ele.
Na família ocorre o mesmo. A criança retém definitivamente os sentimen-
tos que seus pais têm em relação a ela e à vida em geral. Esses sentimentos se-
rão a base para o conceito que ela formará de si própria (autoconceito) e do
mundo. Uma criança que é desprezada aprende a desprezar-se; uma criança
que é amada e aceita, tenderá a desenvolver atitudes positivas para a formação
do seu autoconceito.
Gagné (1975, apud José e Coelho, 2008, p.2), dizem que a experiência é o
maior dos mestres; isto significa que os acontecimentos vividos pelo indivíduo
em desenvolvimento – em sua casa, em seu meio geográfico, na escola e em
seus vários ambientes sociais – determinarão o que ele vai aprender e, também,
em grande parte, a espécie de pessoa que se tornará.

capítulo 2 • 49
Na escola, o professor deve estar sempre atento às etapas do desenvolvi-
mento do aluno, colocando-se na posição de facilitador da aprendizagem e cal-
cando seu trabalho no respeito mútuo, na confiança e no afeto. Como afirma
Rogers (1961, apud José e Coelho, 2008, p.53), “ele deverá estabelecer com seus
alunos uma relação de ajuda, atento para as atitudes de quem ajuda e para a
percepção de quem é ajudado”.
É de suma importância, portanto, que o professor conheça o processo da
aprendizagem e esteja interessado nas crianças como seres humanos em de-
senvolvimento. Ele precisa saber o que seus alunos são fora da escola e como
são suas famílias.
Quando um educador respeita a dignidade do aluno e trata-o com compre-
ensão e ajuda construtiva, ele desenvolve na criança a capacidade de procurar
dentro de si mesma as respostas para os seus problemas, tornando-a respon-
sável e, consequentemente, agente do seu próprio processo de aprendizagem.
Agora venha comigo e vamos conhecer um pouco mais sobre o papel da fa-
mília e da escola no processo da aprendizagem. Você vai gostar!

2.1.2  A Família

Piletti (2008), ao estudar o espaço que a família ocupa na vida de um indivíduo


faz diversos questionamentos: aluno vive numa família que tem pai, mãe e ir-
mãos? Vive só com a mãe e os irmãos? Vive só com os pais? Vive com irmãos,
sem pai nem mãe? Vive com um tio, uma tia, os avós? Quantos irmãos tem?
Como são seus pais? São autoritários? Mandões? Agressivos e violentos? Ou
dão total liberdade? São afetuosos com os filhos? Os pais trabalham? Estão de-
sempregados? Ganham o suficiente para sustentar a família? Passam por difi-
culdades? Os filhos se alimentam bem ou mal? Os pais valorizam a escola? Ou
preferem que o filho deixe de estudar para trabalhar?
Todas as questões acima mostram como pode variar a situação familiar do alu-
no, situação que sempre guarda alguma relação com a vida na escola.

50 • capítulo 2
©© RON CHAPPLE | DREAMSTIME.COM

O professor não pode esquecer que o aluno aprendeu muita coisa antes
de entrar para a escola e que continua aprendendo muita coisa fora da escola.
Portanto, o que o professor ensina não é a única influência que o aluno rece-
be nem a mais importante. Fora da escola ele aprende muita coisa importante
para seu próprio processo de aprendizagem que pode ser escolar, para a forma-
ção da sua personalidade e para toda a sua vida.
Fora da escola podemos encontrar três tipos de influências importantes
que atingem o aluno: a família, os amigos e a comunidade.
Para José e Coelho (2008), as primeiras experiências educacionais da crian-
ça geralmente são proporcionadas pela família. Depois de nascer, a criança
começa sofrer influências familiares que, aos poucos, vão modelando seu com-
portamento: a roupa que deve vestir, a alimentação em determinados horários,
as horas em que deve dormir. Mais tarde é o treino para que ande, para que fale,
para que não faça xixi na roupa, etc.
Provavelmente, a maior parte das influências que os pais exercem sobre os
filhos é inconsciente. Muitos pais não têm plena consciência de que seus com-
portamentos, sua maneira de ser e de falar sua maneira de andar e cumprimen-
tar as pessoas, sua maneira de olhar para os outros, e até mesmo sua maneira de
carregar o filho no colo têm enorme influência sobre o desenvolvimento do filho.

capítulo 2 • 51
CONEXÃO
Você se interessou pelo assunto família? Então para ampliar seus conhecimentos, acesse
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722003000300001&script=sci_arttext.
Neste, você entrará em contato com o conceito de família contemporânea.

É preciso considerar que o treino a que os pais submetem as crianças, de


maneira consciente e deliberada, nem sempre produz os resultados espera-
dos. Além disso, certos treinos produzem resultados com os quais os pais nem
sonham.
O que é ensinado inconscientemente, sem a intenção de ensinar, normal-
mente permanece por mais tempo. Embora você tenha esquecido muito das ma-
térias que aprendeu na escola, certamente se lembra de muita coisa a respeito de
seus professores, de como agiam, de sua maneira de tratar os alunos, etc.
Os sentimentos que os pais têm em relação à criança, durante os anos ante-
riores à escola, são de fundamental importância para o desenvolvimento pos-
terior da criança e para sua aprendizagem escolar. Esses sentimentos contri-
buem para que a criança desenvolva o conceito de si própria (o autoconceito), o
conceito do mundo e de seu lugar no mundo. O autoconceito é a base de toda a
aprendizagem: se a criança se julga capaz de aprender, aprenderá muito mais
do que a criança que acha que é incapaz.
Ainda, segundo os autores citados anteriormente, parte da influência dos
pais provém da maneira como eles encaram a aprendizagem escolar. No caso
da leitura, por exemplo, os pais podem estranhar o atraso do filho nessa ati-
vidade. Podem pensar consigo mesmos: “Mas como? Se sempre estimulamos
nosso filho para que lesse? Chegamos até a comprar livrinhos de histórias para
ele. Não é possível! Ele deve ter algum problema!”
Na verdade, o atraso do filho pode estar relacionado com a atitude dos pais
em relação à leitura. Não basta comprar livros e dizer ao filho que leia. A per-
gunta fundamental é a seguinte: Os pais leem? Se não leem, o filho não apren-
deu em casa uma atitude positiva em relação à leitura. Certos pais preferem ver
televisão, assistir algum filme, passear, etc., mas nunca pegam um livro para
ler. Com tais exemplos, o filho não terá muito interesse em leitura.

52 • capítulo 2
Poderíamos citar muitos outros exemplos. Mas, os exemplos mencionados
mostram claramente como os pais podem influenciar a aprendizagem que os
filhos vão ter na escola: através de atitudes e valores que passam aos filhos, sem
a intenção de ensinar.

Não podemos esquecer que a família é uma instituição social. Ela é muito importante
na vida do indivíduo. É um lugar reconhecido como de procriação, e é responsável pela
sobrevivência física e psíquica das crianças, constituindo-se no primeiro grupo de me-
diação do indivíduo com a sociedade. É na família que ocorrem os primeiros aprendiza-
dos dos hábitos e costumes da cultura e ferramenta imprescindível para que a criança
se aproprie do mundo a sua volta. É na família que se concretiza, em primeira instância,
o exercício de direitos da criança e do adolescente: o direito aos cuidados essenciais
para seu crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e social (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2002).

Segundo Sigolo e Lollato (2001), a socialização da criança é um aspecto a


ser considerado, um modelo não existe, mas há premissas que demonstram a
importância da família em nossas vidas.
A vida cotidiana das famílias envolve construções de concepções sobre a
própria realidade, portanto devemos pensar no indivíduo em relação ao grupo
social.
Berger e Luckmann (1985 apud Sigolo e Lollato, 2001) fazem uma análise da
construção social da realidade e enfatizam a predisposição do indivíduo para
a sociabilidade. Existe um processo de socialização, o qual se inicia com a in-
teriorização. Em primeiro lugar, há uma compreensão de nossos semelhantes
e, em continuidade, apreendemos o mundo como realidade social dotada de
sentido.
O indivíduo assume o mundo no qual os outros já vivem e, nesta forma
complexa de interiorização, não apenas compreende os processos subjetivos
momentâneos do outro, mas compreende o mundo em que vive e que se torna
seu próprio mundo. Torna-se, então, membro da sociedade na relação com o
outro, sendo o processo de socialização definido pelos autores como a ampla e
consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade
ou de um setor dela.

capítulo 2 • 53
Esse processo é subdividido em socialização primária e secundária. As pri-
meiras experiências da infância, a primeira socialização, possibilitam que o
indivíduo se torne membro da sociedade. Os processos subsequentes de intro-
dução do indivíduo, já socializado, em outros setores do mundo objetivo, con-
sistem na socialização secundária.
A identificação da criança com os outros significativos ocorre em circuns-
tâncias carregadas de alto grau de emoção, nas quais absorve papéis e atitudes.
No decorrer da vida, novas interiorizações, ou socializações secundárias, ocor-
rerão. No primeiro momento, não há consciência de um contexto institucional
e sim a interiorização do mundo imediato; em seguida, percebe-se a existência
de instituições.
Psicologicamente, o indivíduo vivencia, de maneira particular, o presente,
de acordo com sua história pessoal e familiar de socialização. Não se deve con-
ceber o passado como determinante único e exclusivo, mas é necessário con-
siderarmos que ele está “na origem das coisas e dos acontecimentos humanos
iluminando-os” (GOMES, 1994, apud SIGOLO; LOLLATO, 2001, p. 56).
A criança tem a família como mediadora entre ela e a sociedade, é o pri-
meiro espaço coletivo ao qual aprende a se referir. Padrões de comportamento,
hábitos, usos, valores, costumes, atitudes, linguagens são transmitidos no seio
familiar. Nesse grupo, as bases da subjetividade, da personalidade e da identi-
dade serão desenvolvidas através das interações. Desse modo constitui-se o in-
divíduo que será capaz de se expressar, de sentir, de agir e reagir de acordo com
suas experiências cotidianas. A família “constrói os alicerces do adulto futuro”.
Ao contextualizarmos o processo de socialização, verificamos que a criança
ocupa o centro da família e que, apesar das modificações sociais, a mulher-mãe
tem sido a responsável pela criação dos filhos. A conciliação de trabalhadora e
educadora certamente interfere sobre a tarefa socializadora, ainda mais se con-
siderarmos que ela absorve influências de “veículos privilegiados da circulação
de normas acerca dos cuidados maternos em voga” (Gomes, 1994, apud Sigolo;
Lollato, 2001, p.58). Portanto, a própria experiência de socialização na infância,
na família de origem e sua vivência posterior, direcionam a ação educadora.
O desenvolvimento da criança tem sido interpretado como intervindo nas
interações e relações familiares, criando não só uma dinâmica familiar espe-
cífica, como também desencadeando mudanças familiares que, por sua vez,
podem influenciar o próprio desenvolvimento da criança.

54 • capítulo 2
A criança é vista como um elemento influente no seu processo de socializa-
ção, “moldando com frequência o tipo de relacionamento que o ambiente vem
a desenvolver com ela, o que implica estabelecer o modelo de interação como
bidirecional” (SIGOLO, 1986, apud SIGOLO; LOLLATO, 2001, p. 2).
Ao focalizarmos a socialização primária e secundária, podemos conside-
rar que a família encarrega-se da primeira e a escola, da segunda. Vistas desta
forma, há que se levar em conta que, hoje, as instiruições de educação infan-
til, creches e escolinhas, têm exercido importante papel desde o início desse
processo, portanto, auxiliam e complementam o grupo familiar (GOMES, 1994
apud SIGOLO; LOLLATO, 2001).
Magna e Marturano (1998 apud Sigolo e Lollato, 2001) fazem um levanta-
mento bibliográfico de condições que podem interferir no desempenho esco-
lar de crianças. Explicam que pesquisas recentes na área evidenciam diversas
condições de desenvolvimento associadas às dificuldades de aprendizagem;
entre essas estão: as atitudes dos pais para controlar o comportamento dos fi-
lhos, o grau de comunicação na família e fatores psicossociais, tais como de-
pressão materna e eventos estressores. Devem ser consideradas as transições
que ocorrem durante a vida da criança como possíveis fatores estressantes,
como, por exemplo, a entrada na primeira fase do ensino fundamental, quan-
do ocorre maior exigência em relação às demandas acadêmicas e também na
relação com seus pares, além de iniciar a interação com crianças mais velhas.
Considerando os recursos oferecidos pelo ambiente familiar, vários fato-
res podem influir no desenvolvimento escolar da criança, entre eles o tipo de
estimulação oferecida no lar, o envolvimento dos pais com a escolarização da
criança, a organização do ambiente e as práticas educativas
Marturano et. al. (1998 apud Sigolo e Lollato, 2001) afirmam que o apoio
oferecido tanto pela família quanto pela escola pode modelar recursos que
influenciam o desenvolvimento cognitivo posterior. Estudos sugerem que o
contexto familiar em que as relações e interações promovem autoconfiança e
interesse ativo em aprender têm impacto positivo sobre o desempenho escolar.

capítulo 2 • 55
2.1.3  A escola

Para Lisboa e Koller (2004), o papel da escola no desenvolvimento social de


crianças e adolescentes tem sido muito polêmico. Embora os conhecimentos
sobre a noção (ou a concepção) do termo aprendizagem se ampliem, os aspec-
tos contextuais da escola têm sido amplamente questionados sob o ponto de
vista do risco e da proteção que representam para um desenvolvimento real-
mente adaptado. A escola não é considerada apenas um espaço para aprendiza-
gem formal do desenvolvimento da cognição, mas também uma oportunidade
fundamental para a socialização de jovens na cultura ocidental moderna.
Os professores já não possuem somente a função de ensinar conteúdos
acadêmicos, mas são importantes agentes de educação para a vida e exercício
da cidadania. Promover a socialização de crianças e adolescentes tem sido um
papel esperado e, até mesmo, exigido em alguns contextos escolares. Ser pro-
fessor é estar um período longo e significativo do dia com o jovem, convivendo
em um espaço institucional de aprendizagem, tanto de conteúdos pedagógi-
cos, formativos e educacionais, como de promoção de saúde e prevenção de
problemas psicossociais (Benitez; Almeida, 2001, apud Lisboa; Koller, 2004). A
função esperada para os professores consiste em oferecer às crianças oportuni-
dades de vínculos no cotidiano, estáveis e saudáveis, que possibilitem a comu-
nicação próxima, a troca de afeto, a reciprocidade e o equilíbrio de poder. Estes
requisitos se ampliam dá relação dos professores com os jovens para a relação
professores-jovens-grupos.

CONEXÃO
Sugestões de Filmes: “Adorável Professor”, “Escola da Vida” e “Escritores da Liberdade”, “Voz
do coração”, “Clube do imperador”. Vale a pena assistir. Você vai amar. Para obter maiores
informações acesse www.lendo.org/21-filmes-em-que-a-educacao-e-um-tema-criativo/

Ser jovem e aprender são dois predicados que estão sempre associados. Ser
criança e ser adolescente fazem parte de diferentes etapas do desenvolvimento
humano no ciclo vital. Desenvolvimento implica mudanças. Para mudar é pre-
ciso aprender. A escola é o cenário privilegiado que reúne jovens, desenvolvi-
mento humano e aprendizagem. Portanto, deve ser um lugar de oportunidade

56 • capítulo 2
social. O contexto escolar, que consiste em ambiente físico, ambiente social
(professores, colegas) e em aprendizagem (trocas, conteúdos, materiais, infor-
mações) deve estar preparado para transformar a criança em um membro in-
serido e produtivo da sociedade. Esse processo implica conquistar um sistema
pessoal de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores, necessidades e moti-
vações, entre outros tantos aspectos.
A escola deve reconhecer que sua função não é lidar apenas com a cognição,
mas com o afeto e com as mais variadas formas de expressão do jovem pela
ação. A criança e o adolescente buscam a adaptação e a realização no seu con-
texto físico e sociocultural, como um agente de cidadania, que revela e esclare-
ce para a criança seus direitos e seus deveres. Assim, o jovem poderá conquistar
autorrespeito e autoconfiança e aceitará os valores sociais da comunidade na
qual está inserida. Por outro lado, certamente, este é um contexto também de
crescimento pessoal e profissional para os professores.
A escola deve, portanto, promover mais do que aquisição de conhecimen-
tos, deve ser um contexto de educação.
Ao olhar para a relação do jovem com a escola esta deve incluir principal-
mente dois aspectos: a quantidade e a qualidade de relação. A quantidade diz
respeito ao número de séries ou anos, durante os quais o jovem se mantém na
escola, o número de conteúdos que domina (se passíveis de quantificação), de
professores que tem em sala de aula, de escolas nas quais estudou, de repetên-
cias, de evasões, de faltas, de avaliações obtidas e assim por diante. Estes aspec-
tos falam por si, identificando o quadro de sucesso ou de fracasso deste jovem
na escola ou desta escola com aquele jovem

A escola pode ser considerada, como uma das mais importantes instituições sociais por
fazer, assim como as outras, a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Ao transmitir
a cultura e, com ela, modelos sociais de comportamento e valores morais, a escola per-
mite que a criança “humanize-se”, cultive-se, socialize-se ou, numa palavra, eduque-se.
A criança, então, vai deixando de imitar os comportamentos adultos para, aos poucos,
apropriar-se dos modelos e valores transmitidos pela escola, aumentando, assim sua
autonomia e seu pertencimento ao grupo social. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

capítulo 2 • 57
É necessário, no entanto, também um olhar para a qualidade desta relação.
Como foi a relação da criança com a escola? O que aprendeu? Qual o seu ní-
vel de satisfação em aprender? Qual o nível de satisfação e realização pessoal
dos seus professores? Como foi o envolvimento da sua família com esta escola?
Refletindo sobre estas questões talvez seja possível ter uma certa avaliação da
qualidade desta relação. Os aspectos quantitativos e qualitativos permitem o
entendimento de vários aspectos da estrutura e da função da escola na vida do
jovem (LADD, et al, 2002 apud LISBOA; KOLLER, 2004).
Estes aspectos, apontados dizem respeito ao ideal, ao que deve ser, à luta
de muitos educadores para que a relação da escola com o jovem seja realmente
produtiva e profícua. Será que a escola enfrenta e lida com este desafio? A Teoria
dos Sistemas Ecológicos (Bronfen-Brenner 1979; 1996; 1989; Bronfenbrenner;
Morris, 1998 apud Lisboa; Koller, 2004) possibilita uma análise desta questão,
remetendo a influências multissistêmicas sobre as expectativas anteriormente
expressas. O desenvolvimento humano sofre influência desde aspectos pesso-
ais (temperamento, personalidade, nível de inteligência, de auto-eficácia etc.)
até aqueles não personificados (cultura, valores, ordem socioeconômica, reli-
gião, entre outros).
No Brasil, atualmente, são observados índices cada vez mais medíocres de
desempenho em aprendizagem e políticas públicas e econômicas que, ape-
sar dos resultados alarmantes, desvalorizam a educação. Esta desvalorização
reflete-se, fundamentalmente, na baixa remuneração e na falta de apoio para
aperfeiçoamento dos professores. Consequentemente, professores brasileiros
encontram-se cada vez mais desmotivados e despreparados para lidarem com
o cotidiano funcional, favorecendo, então, o risco e pouco investindo na pre-
venção de problemas na escola (DIAS et. al. 1999; GUZZO, 2001 apud LISBOA;
KOLLER, 2004).
As escolas são ambientes desafiadores para as crianças por sua estrutura e
natureza. Os desafios incluem: tarefas didáticas em grupo ou individuais, ati-
vidades de diferentes tipos monitoradas pelas professoras, sequências progra-
madas do currículo da escola, adequação a uma nova rotina e a complexidade
das relações interpessoais entre colegas e professores Compre-endendo esta
dinâmica sob a perspectiva ecológica de análise, o sucesso na escola pode ser
considerado como um anente desafio, influenciado por múltiplos fatores.

58 • capítulo 2
©© SAREF | DREAMSTIME.COM

Durante muitos anos, a psicologia educacional priorizou a explicação cau-


sal e unidirecional baseada somente em aspectos internos e individuais dos
alunos para explicar sucesso e fracasso escolar, como por exemplo idade men-
tal, nível de inteligência, maturidade emocional, prontidão, comportamentos
sociais e padrões familiares, entre outros aspectos. A maioria dos registros
teóricos sobre este processo de adaptação provém da investigação sobre o de-
senvolvimento cognitivo (SMITH; PELLEGRINI, 2000 apud LISBOA; KOLLER,
2004).
Certamente, tal ênfase gerou uma quantidade maior de pesquisas sobre as
habilidades cognitivas e linguísticas das crianças e adolescentes, assim como
sobre a influência de sua bagagem cultural e étnica na adaptação escolar e no
sucesso acadêmico. Entretanto, menor ênfase foi dada aos desafios interpes-
soais que ocorrem dentro do contexto escolar, envolvendo as interações com
professores e entre pares. Assim, a visão tradicional proporciona uma compre-
ensão incompleta e restrita desta realidade. Para ampliar a perspectiva e dar

capítulo 2 • 59
conta das limitações é necessário retomar a perspectiva ecológica de análise
(Bronfenbrenner, 1979; 1996; 1995 apud Lisboa; Koller, 2004). E, assim, consi-
derar a adaptação ou a socialização escolar como um processo de interação das
características individuais dos jovens (personalidade, comportamento, compe-
tência social, habilidades cognitivas), também com os aspectos do ambiente
interpessoal escolar (natureza das relações entre colegas e professores). A qua-
lidade das relações interpessoais das crianças na escola certamente influen-
cia os efeitos das características específicas e particulares das mesmas na sua
adaptação escolar e competência acadêmica, uma vez que a escola é, também,
um espaço de socialização.
A importância do estudo das interações sociais já havia sido salientada por
Sullivan (1953 apud Lisboa; Koller, 2004) que, pela primeira vez, examinou as
relações sociais sob a perspectiva desenvolvimental. De acordo com suas ideias,
as pessoas têm necessidades interpessoais que demandam tipos específicos de
relações. Habilidades sociais e competências interpessoais são desenvolvidas
no contexto das interações. Sullivan afirmou que a personalidade é influencia-
da, modificada e reforçada pelos relacionamentos que a pessoa em desenvol-
vimento mantém com outras pessoas – pais, professores, colegas, irmãos etc.;
(LISBOA; KOLLER, 2002 apud LISBOA; KOLLER, 2004).
Piaget e Vygotsky (1987 apud Lisboa e Koller, 2004) também afirmavam que
a interação da criança com o grupo de iguais poderia contribuir positiva ou ne-
gativamente para o desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo. Mais recente-
mente, a psicologia positiva enfatiza a autonomia, a competência e o senso de
pertencimento como fatores primordiais e preventivos para a saúde e desenvol-
vimento humano.
Quando as crianças entram na escola, se deparam com demandas especí-
ficas deste contexto, tais como relacionamento com seus colegas e formação
de vínculo com professores. Estes processos fazem com que sintam necessi-
dade de se autoavaliar, reconhecendo suas habilidades sociais específicas e se
comparando aos colegas de mesma idade (Laddet al., 2002 apud Lisboa; Koller,
2004). A transição ecológica passa a apresentar demandas permanentes e cada
vez mais complexas à medida que o jovem avança nas séries escolares e especia-
liza mais suas relações interpessoais neste contexto.

60 • capítulo 2
Jovens que experimentam relações positivas com colegas e professores ten-
dem a se sentir mais confortáveis na escola e, assim, podem lidar com maior
facilidade e aproveitar as oportunidades sociais e de aprendizagem que encon-
tram neste ambiente (Birch; Ladd, 1996 apud Lisboa; Koller, 2004). Por outro
lado, aqueles que vivenciam relações negativas neste contexto, como rejeição
e vitimização pelo grupo de pares, ou conflito com os professores, tendem a
desenvolver atitudes e expectativas negativas frente à escola, o que resulta em
desvalorização pessoal, relacional e na exploração das oportunidades de apren-
dizagem cognitivas, sociais e ou emocionais. Estas perspectivas sugerem que as
relações na sala de aula podem motivar crianças e adolescentes a explorarem
favoravelmente o ambiente escolar (farores de proteção), ou inibir esta busca
direcionando-os para situações de risco, dependendo da qualidade destas re-
lações (BIRCH; LADD, 1996; LADD; PRICE, 1987 apud LISBOA; KOLLER, 2004).
A partir dos estudos nesta unidade, contata-se que a aprendizagem pode ser
definida como o modo como os seres humanos adquirem novos conhecimen-
tos, desenvolvem competências mudando o seu comportamento. Além disso,
estudamos a importância e o papel que a família e a escola têm na vida do in-
divíduo, seja no seu desenvolvimento biológico, cognitivo, emocional, cultural
e social.

2.2  Motivação
Segundo Maximiano (2004, p. 267) “a palavra motivação deriva do latim moti-
vus, movere que significa mover”. A palavra indica o processo pelo qual o com-
portamento humano é incentivado, estimulado ou energizado por algum tipo
de motivo ou razão. (MAXIMIANO, 2006).

Partindo desta ideia, a motivação para o trabalho pode ser definida como “um estado
psicológico de disposição, interesse, ou vontade de perseguir ou realizar uma tarefa ou
meta” (MAXIMIANO, 2004, p.269). Ainda segundo o autor, a motivação para o trabalho
é resultante de uma interação entre os motivos internos das pessoas e os estímulos da
situação ou ambiente (MAXIMIANO, 2004).

capítulo 2 • 61
A figura abaixo ilustra tal observação:

Motivos Internos:
necessidade, aptidões,
valores e outros

Motivação

Motivos Externos:
estímulos ou incentivos do
ambiente

Figura 2.1 – Fatores influenciadores da motivação. Fonte: Maximiano (2004:269).

Já Robbins (2002, p. 152) define o conceito de motivação como “processo


responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pes-
soa em relação ao alcance de uma determinada meta”. A definição dos três
elementos da motivação (intensidade, direção e persistência) descritos por
Robbins (2002) está resumida no quadro a seguir:

DIREÇÃO: o objetivo do comportamento motivado

INTENSIDADE: força dos motivos

PERMANÊNCIA: o tempo durante o qual a motivação se manifesta

Tabela: 2.1 – Os elementos da motivação. Fonte: Adaptado de Maximiano (2002, p. 268).

As diferenças de comportamento entre os colaboradores podem ser expli-


cadas pelo conceito de motivação, que se constituí no principal determinante
do desempenho individual (GIL, 2001) e pode ser conceituada como a força que
movimenta as pessoas para os comportamentos de alto desempenho, indife-
rença ou improdutividade (MAXIMIANO, 2006).

62 • capítulo 2
©© COREPICS VOF | DREAMSTIME.COMV

Seguindo essa ideia, a motivação pode ser considerada um estado interior


que induz uma pessoa a assumir determinados tipos de comportamento a fim
de alcançar algum objetivo (SPECTOR, 2004). Assim, uma necessidade não sa-
tisfeita pode induzir a modificação do comportamento de um indivíduo, a fim
de que o mesmo satisfaça essa necessidade (MARRAS, 2000).

A figura a seguir sintetiza o processo de motivação:


Necessidade não satisfeita

Tensão

Vontade

Busca de comportamento

Necessidade satisfeita

Redução da tensão

Figura 2.2 – Processo de Motivação. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Spector
(2004).

capítulo 2 • 63
O estudo da motivação segue duas linhas: teorias de conteúdo e teorias de
processo (MAXIMIANO, 2006), sendo que a construção de um sistema de moti-
vação é abordada na sequência do capítulo.

2.2.1  Teorias de Conteúdo

As teorias de conteúdo procuram identificar os fatores que motivam as pesso-


as, estando baseadas em quatro hipóteses propostas pelos filósofos gregos so-
bre o conceito de felicidade (MAXIMIANO, 2006):

A motivação está baseada na perspecti-


HOMEM ECONÔMICO-RACIONAL: va do ganho, ou seja, na posse de bens
materiais;

A motivação está fundamentada no re-


HOMEM SOCIAL: conhecimento e aceitação do grupo em
relação ao indivíduo;

A motivação é sinônimo de realização


HOMEM AUTORREALIZADOR: interior; e

A motivação apresenta diversas causas


HOMEM COMPLEXO: em função da complexidade da natureza
humana.

As teorias do conteúdo auxiliam os gerentes a entenderem as necessidades


das pessoas nas organizações e como elas podem ser satisfeitas no local de tra-
balho (DAFT, 2005).
Elas abrangem os seguintes modelos motivacionais: Hierarquia de
Necessidades de Maslow, Modelo ERG, Teoria das Necessidades de McClelland,
Teoria X e Y e, finalmente, Teoria dos Dois Fatores (MAXIMIANO, 2006). Cada
um deles é descrito a seguir.

64 • capítulo 2
2.2.1.1  Hierarquia das Necessidades de Maslow

A mais conhecida das teorias de conteúdo é a Hierarquia das Necessidades.


Criada pelo psicólogo Abraham H. Maslow, essa teoria sistematizou as necessi-
dades humanas em uma hierarquia de cinco níveis (GIL, 2001):

Envolve as necessidades relacionadas à sobrevivência,


como por exemplo, fome, sede, abrigo, sexo e outras
NECESSIDADES necessidades corporais. No contexto organizacional,
FISIOLÓGICAS: essa necessidade pode estar relacionada a aspectos
como: salário, horário de trabalho flexível, intervalos de
descanso;

Diz respeito à necessidade de proteção contra danos


físicos, emocionais e outros perigos como, por exem-
plo, perda de emprego. No contexto organizacional
NECESSIDADES DE essa necessidade pode estar relacionada a aspectos
SEGURANÇA: como: estabilidade no emprego, benefícios como pla-
no de saúde, condições seguras de trabalho como, por
exemplo, uso de equipamentos de proteção contra aci-
dentes;

Refere-se as necessidades de afeição e amizade, po-


dendo citar, como exemplo, a vontade das pessoas de
se relacionarem com as outras, de participarem de um
NECESSIDADES grupo e de serem aceitas pelos seus membros. No
SOCIAIS: contexto organizacional essa necessidade pode estar
relacionada a aspectos como: trabalho em equipe, co-
operação, inclusão no trabalho;

capítulo 2 • 65
Inclui fatores internos de estima, como respeito próprio,
realização e autonomia, bem como fatores externos de
NECESSIDADES DE estima, como status, reconhecimento e atenção. No
ESTIMA: contexto organizacional essa necessidade pode estar
relacionada a aspectos como: reconhecimento pelo
trabalho realizado, pagamento de prêmios, promoção;

Que se referem à realização do máximo de potencial


individual. Neste nível, as pessoas desejam se tornar
aquilo que são capazes de ser. Inclui as necessidades
NECESSIDADES DE de crescimento e autodesenvolvimento. No contexto
AUTORREALIZAÇÃO: organizacional essa necessidade pode estar relacio-
nada a aspectos como: trabalho criativo e desafiante,
participação nas decisões, participação em projetos.

A figura a seguir sintetiza a Hierarquia de Necessidades de Maslow.

Necessidade
de Autorrealização
Necessidade de Estima
Necessidade Social
Necessidade de Segurança
Necessidade Fisiológicas

Figura 2.3 – Hierarquia de necessidades de Maslow. Fonte: Elaborado pelo autor com base
em Maximiano (2006).

As necessidades fisiológicas e de segurança são descritas como necessida-


des de nível baixo, pelo fato de serem satisfeitas por meio de estímulos externos
(ROBBINS, 2002). Elas são universais, variando de intensidade de uma pessoa
para outra, sendo condicionadas pelas práticas sociais (DAVIS; NEWSTROM,
1992).

66 • capítulo 2
Já as necessidades sociais, de estima e de autorrealização são chamadas de
necessidades de nível alto por serem satisfeitas de forma intrínseca (ROBBINS,
2002), sendo que a maior parte dessas necessidades se desenvolve à medida
que a pessoa amadurece (DAVIS; NEWSTROM, 1992).

CONEXÃO
Quer saber um pouco mais sobre a Hierarquia de necessidades de Maslow? Acesse o site
http://www.psicologado.com/site/escolas/humanismo/hierarquia-das-necessidades e leia
um pouco mais a respeito.

A organização das necessidades huma-


©© WESSAM ELDEEB | DREAMSTIME.COM

nas em uma hierarquia parte da premissa de


que as necessidades humanas apresentam
diversos níveis de força, sendo que a busca
pela satisfação de uma necessidade de nível
superior ocorre somente quando a necessi-
dade imediatamente inferior já estiver satis-
feita de modo pleno (MARRAS, 2000).
As necessidades fisiológicas e de seguran-
ça são as primeiras a serem satisfeitas, segui-
das pelas necessidades sociais, de estima e de
autorrealização (MARRAS, 2000). A apresentação de um comportamento ne-
gativo por parte dos colaboradores significa que, de forma geral, há falhas no
atendimento das necessidades por parte da empresa (MAXIMIANO, 2006).

A teoria de Maslow é particularmente importante no ambiente de trabalho porque mos-


tra que as pessoas não necessitam apenas de recompensas financeiras, mas também
de respeito e atenção (GIL, 2001)

capítulo 2 • 67
A Hierarquia das Necessidades possui muito pouco embasamento empíri-
co, mas tem grande aceitação popular (ROBBINS, 2002). Um dos motivos que
levam a essa situação é o fato de que essa teoria permitiu que se compreendesse
que no ambiente de trabalho as pessoas apresentam diferentes necessidades,
cada uma delas com peculiaridades e intensidades distintas, devendo a empre-
sa ampliar os estímulos para atendê-las (SPECTOR, 2004).

2.2.1.2  Teoria EPG

Buscando dar uma nova roupagem à Teoria de Maslow, Clayton Alderfer criou a
Teoria ERG (Existence Relatatedness Growth), propondo três grupos de neces-
sidades (DAVIS; NEWSTROM, 1992):

Fatores fisiológicos e de segurança. Exemplos:


NECESSIDADES DE salário, condições físicas do ambiente de trabalho,
EXISTÊNCIA: segurança no cargo e planos de benefícios;

Compreensão e aceitação por pessoas acima,


NECESSIDADES DE abaixo e colaterais ao empregado no trabalho e
RELACIONAMENTO: fora dele;

NECESSIDADES DE Desejo de autoestima e realização


CRESCIMENTO:

Essa teoria aprimora a ideia da Hierarquia das Necessidades ao considerar


que a satisfação das necessidades não é sequencial, mas simultânea, ou seja,
pode-se buscar a satisfação de mais de uma necessidade ao mesmo tempo
(MAXIMIANO, 2006). Essa teoria possui também uma dimensão de frustração
-regressão, ou seja, quando uma necessidade de nível alto é frustrada, cresce o
desejo de atender a uma necessidade de nível baixo (ROBBINS, 2002).

68 • capítulo 2
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2.2.1.3  Teoria de McClelland

Outra teoria que se baseia na ideia das necessidades é a de David McClelland da


Universidade de Harvard, que propõe três tipos de necessidades (MAXIMIANO,
2006):

Busca da excelência, de se realizar em relação a deter-


minados padrões, de lutar pelo sucesso. A motivação
para a realização é o impulso que as pessoas têm para
REALIZAÇÃO: superar os desafios e obstáculos na busca de objetivos.
Uma pessoa com esse tipo de impulso deseja avançar e
progredir independente de recompensas;

Necessidade de controlar ou influenciar o comportamen-


PODER: to das outras pessoas. As pessoas motivadas pelo poder
podem utilizá-lo tanto construtiva como destrutivamente;

capítulo 2 • 69
Desejo de relacionamentos interpessoais e amizade.
Pessoas orientadas para a afiliação trabalham melhor
quando recebem elogios pelo trabalho que vêm desem-
ASSOCIAÇÃO: penhando e tendem a escolher os amigos para estarem
a sua volta. Preferem situações de cooperação em vez
de competição e desejam relacionamentos que envolvam
um alto grau de compreensão mútua.

Neste contexto, McGregor propõe em sua teoria que “cada indivíduo por si mesmo é
capaz de comprometer-se com seu autodesenvolvimento no trabalho, sem que haja a
necessidade de coação externa e quando isto não ocorre, o problema certamente está
na própria organização e não no indivíduo” (BERGAMINI, 2006, p. 150).

2.2.1.4  Teoria X e Y

Douglas McGregor desenvolveu sua teoria motivacional a partir de uma postura


crítica à filosofia administrativa. McGregor considerava manipuladora e coerci-
tiva a postura das empresas para com seus empregados.
Mc Gregor propõe ainda duas visões distintas e contrárias do ser humano:
uma baseada no ponto de vista convencional da tarefa administrativa que de-
tém uma visão negativa da natureza humana denominada como Teoria X e, ou-
tra baseada em sua teoria motivacional que detém uma visão positiva da natu-
reza humana denominada como Teoria Y.
Robbins (2002, p. 153), no quadro abaixo, resume as premissas da Teoria X
e da Teoria Y de McGregor:

70 • capítulo 2
TEORIA X TEORIA Y

Os funcionários, por natureza não gos- Os funcionários podem achar o trabalho


tam de trabalhar e, sempre que possível, algo tão natural quanto descansar e se
tentarão evitar o trabalho. divertir.

Como eles não gostam de trabalhar, pre-


As pessoas demonstrarão auto-orienta-
cisam ser coagidos, controlados ou ame-
ção e autocontrole se estiverem compro-
açados com punições para que atinjam
metidas com os objetivos.
as metas.

Os funcionários evitam responsabilida- As pessoas, na média, podem aprender


des e buscam orientação sempre que a aceitar, ou até buscar, a responsabili-
possível. dade.

A capacidade de tomar decisões inova-


A maioria dos trabalhadores colocam
doras pode estar em qualquer pessoa,
a segurança acima de todos os fatores
não sendo um privilégio exclusivo da-
associados ao trabalho e mostra pouca
quelas em posições hierárquicas mais
ambição.
altas.

Tabela 2.2 – Teoria X versus Teoria Y de McGregor. Fonte: Adaptado de Robbins (2002:153).

Robbins (2002) descreve as implicações motivacionais da análise de


McGregor associando esta teoria à hierarquia das necessidades de Maslow. O
autor afirma que a Teoria X assume que as necessidades de nível baixo, tais
como as necessidades fisiológicas e de segurança dominam o indivíduo e, a
Teoria Y assume que são as necessidades de nível alto, tais como as necessida-
des sociais, de estima e autorrealização que dominam.

capítulo 2 • 71
2.2.1.5  Teoria dos Dois Fatores

A teoria dos dois fatores foi desenvolvida por Frederick Herzberg e nasceu do
seu interesse em pesquisar, diretamente no contexto de trabalho, quais os fa-
tores que se acham relacionados com a satisfação e aqueles que determinam a
insatisfação no ambiente de trabalho (BERGAMINI, 2006).
O pesquisador esperava que se um objetivo motivacional quando atingido
traz a satisfação, então a sua inexistência deveria trazer a insatisfação. E, da
mesma forma, se alguém se sente insatisfeito pela inexistência de algum fator
motivacional, o oferecimento do mesmo deveria trazer satisfação. No entan-
to, não foi o que Herzberg concluiu ao analisar os resultados de sua pesquisa
(BERGAMINI, 2006).
Ao analisar os dados de sua pesquisa, Herzberg percebeu que há fatores que,
quando estão presentes, proporcionam alto nível de satisfação, mas a insatis-
fação determinada por sua ausência não chega a ser significativamente propor-
cional. Diferentemente, há fatores que, quando estão ausentes, proporcionam
grande insatisfação, mas a sua presença não traz o mesmo nível percentual de
satisfação (BERGAMINI, 2006).
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72 • capítulo 2
Assim surgiu a teoria dos dois fatores, que explica como o ambiente de tra-
balho e o próprio trabalho podem interferir no nível motivação (MAXIMIANO,
2006). De acordo com essa teoria há, no campo individual motivacional, dois
tipos de fatores (GIL, 2001):
•  Fatores motivacionais ou intrínsecos: são aspectos relacionados ao pró-
prio trabalho, destacando-se as responsabilidades, o conteúdo do trabalho, o
sentido de realização, possibilidade de crescimento, reconhecimento pelo tra-
balho bem feito. Quando os fatores motivacionais estão presentes, eles elevam
a satisfação das pessoas no trabalho; e
•  Fatores higiênicos ou extrínsecos: são aspectos relacionados às condições
de trabalho como o estilo de supervisão do gerente, relações pessoais com os
colegas, salário, políticas de gestão de pessoas, condições físicas e segurança
no trabalho. Quando os fatores higiênicos estão ausentes, eles elevam a insatis-
fação das pessoas no trabalho.
Os fatores higiênicos criam o clima psicológico e material para que o indi-
víduo sinta-se satisfeito em relação ao ambiente de trabalho. A ausência desses
fatores causa insatisfação. A presença desses fatores causa satisfação, mas não
produz motivação (MARRAS, 2000).
A teoria dos dois fatores diferenciou o estado de satisfação e de motivação
para o trabalho, mostrando que a motivação vem do trabalho e não do ambien-
te. Isso talvez explique o fato de alguns profissionais darem mais importância
à atividade que realizam do que às possíveis vantagens materiais que a em-
presa oferece (MAXIMIANO, 2006). Nesse sentido, essa teoria contribuiu para
que as empresas investissem mais em técnicas de enriquecimento do trabalho
(SPECTOR, 2004).
O quadro a seguir exemplifica os fatores higiênicos e os fatores motivacionais:

FATORES MOTIVACIONAIS FATORES HIGIÊNICOS

Conteúdo do cargo (como a pessoa se Contexto do cargo (Como a pessoa se


sente em relação ao cargo) sente em relação à empresa)

capítulo 2 • 73
FATORES MOTIVACIONAIS FATORES HIGIÊNICOS

Condições físicas e psicológicas de tra-


O trabalho em si mesmo
balho

Realização pessoal Salários e prêmios de produção

Reconhecimento do trabalho Benefícios e serviços sociais

Progresso profissional Cultura organizacional

Responsabilidade Estilo de gestão do executivo

Autonomia e independência Polítias da empresa

Valorização do que faz Ambiente de trabalho

Tabela 2.3 – Fatores motivacionais e os fatores higiênicos. Fonte: Chiavenato (2005, p. 226).

Como crítica, destaca-se o fato de que as variáveis situacionais são descon-


sideradas. Isso implica que uma pessoa pode não gostar de alguns aspectos de
seu trabalho, mas continuar achando-o aceitável (ROBBINS, 2002).

2.2.2  Teorias de Processo

Após discutir sobre as teorias de conteúdo, é conveniente apresentar as teorias


de processo, a fim de completar o conhecimento sobre a motivação. As teorias
de processo explicam como funciona o mecanismo da motivação, abrangendo
os seguintes modelos: do Comportamento, Teoria da Expectativa, Behavioris-
mo e Teoria da Equidade. Cada um deles é apresentado a seguir.

74 • capítulo 2
2.2.2.1  Modelo do Comportamento

O modelo do comportamento baseia-se na idéia de que todo o comportamento


é motivado para a realização de algum objetivo. Quando o objetivo não é alcan-
çado, comportamentos de frustração, ansiedade e conflito podem ser gerados
(MAXIMIANO, 2006).
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2.2.2.2  Teoria da Expectativa

A Teoria da expectativa propõe que as pessoas esforçam-se para alcançar resul-


tados e recompensas, desde que estes sejam considerados importantes para
elas.

Assim, a motivação é função da expectativa de se alcançar a recompensa ou resultado,


multiplicada pelo valor que lhe é atribuído (MARRAS, 2000).

Essa teoria procura explicar a cadeia de causas e efeitos que liga o esforço
inicial ao resultado ou à recompensa final (MAXIMIANO, 2006) por meio de três
relações (ROBBINS, 2002):
•  Relação esforço-desempenho: percepção de que certa quantidade de es-
forço vai levar ao desempenho;

capítulo 2 • 75
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•  Relação desempenho-recompensa: crença


de que um determinado nível de desempenho vai
levar à obtenção de um resultado que se deseja. O
desempenho é um instrumental para a obtenção
dos resultados; e
•  Relação recompensa-metas pessoais: grau
em que as recompensas satisfazem as necessida-
des ou metas pessoais, e nível de atração que estas
recompensas potenciais exercem sobre cada indi-
víduo. O valor ou importância das recompensas é
relativo e depende de cada pessoa. Recompensas
muito desejadas têm a probabilidade de produzir
altos níveis de desempenho.
A figura a seguir ilustra a teoria da expectativa:

Redação 2 Objetivo final


• Esforço • Desempenho • Recompensas
individual individual organizacionais • Metas pessoais

Redação 1 Redação 3

Figura 2.4 – Teoria da Expectativa. Fonte: Robbins (2002, 167).

2.2.2.3  Behaviorismo

O Behaviorismo constituí-se em uma área de estudo do comportamento que


estuda o condicionamento e o reforço (MAXIMIANO, 2006).
O mecanismo de repetição é denominado condicionamento operante, po-
dendo ser positivo ou negativo. O reforço positivo é representado pelos estímu-
los e recompensas que produzem satisfação, enquanto que o reforço negativo é
fundamentado em punições, que inibem a repetição do comportamento.

76 • capítulo 2
Vale destacar também que enquanto a recompensa aumenta a probabilida-
de de repetição do comportamento, o aumento do castigo não diminui a proba-
bilidade do comportamento ser evitado (MAXIMIANO, 2006).

2.2.3  Teoria da Equidade

A Teoria da equidade destaca que as recompensas devem ser proporcionais ao


esforço, e iguais para todos aqueles que realizam o mesmo esforço.
Assim, os indivíduos tendem a comparar os
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inputs e contribuições relevantes no trabalho com


as recompensas que recebem, tomando como pa-
râmetro as outras pessoas (DAVIS; NEWSTROM,
1992).
A percepção da falta de equidade pode pro-
duzir uma combinação de seis tipos de compor-
tamentos: diminuição do esforço produzido por
acreditar que não produz a recompensa espera-
da, diminuição nos resultados produzidos em
termos de quantidade e qualidade, distorção da
autopercepção por acreditar que se está traba-
lhando mais do que deveria, distorção da percep-
ção de outros, escolha de outra referência para diminuir o sentimento de infe-
riorização e abandono do emprego (MAXIMIANO, 2006).
O entendimento da equidade deveria lembrar os gerentes que seus empre-
gados trabalham em meio a muitos sistemas sociais e que estão inclinados a
mudar a base de suas comparações para o padrão que seja mais favorável a eles
(DAVIS; NEWSTROM, 1992).

2.2.4  Sistema Motivacional Estratégico

O entendimento das teorias de motivação contribuiu para o desenvolvimento


de sistemas motivacionais eficazes, que otimizam a capacidade de liderança de
uma organização. Para ser eficaz, o sistema motivacional deve ser concebido
com foco estratégico, levando em conta a coerência entre pessoas, trabalho, in-
formação e tecnologia (GEPHART; VAN BUREN, 1996).

capítulo 2 • 77
De acordo com uma pesquisa realizada pela Revista Exame (2004), as em-
presas brasileiras eleitas como as melhores para se trabalhar atingiram uma
rentabilidade média de 17,2% sobre o patrimônio, enquanto que no mesmo
período analisado, a rentabilidade média das 500 maiores companhias do país
foi 12,4%. Essas pesquisas são um indicativo de que investir no desenvolvimen-
to de sistemas motivacionais efetivos pode ser uma prática gerencial adequada
para levar uma empresa ao alto desempenho organizacional (ATTADIA, 2007).
Um sistema motivacional efetivo prima pela flexibilidade e capacidade de
adaptação e utiliza o conceito de sinergia para desenvolver uma estratégia de
comunicação e envolvimento capaz de alcançar as metas organizacionais e
comprometer as pessoas. Nesse contexto, os gerentes tornam-se treinadores,
facilitadores, integradores e dividem responsabilidades e resultados com os
empregados (GEPHART; VAN BUREN, 1996).
Tomando como base as teorias de conteúdo e de processo são apresenta-
das, no quadro a seguir, algumas recomendações para o desenvolvimento de
um sistema motivacional estratégico.

SISTEMA DE MOTIVAÇÃO ESTRATÉGICO

Conteúdo da Motivação Processo da Motivação

• As metas devem ser desafiadoras,


mas realísticas, de forma que sejam
• Cada indivíduo apresenta diferentes ne-
possíveis de serem alcançadas.
cessidades e em níveis de intensidade dis-
• O sistema motivacional deve ser
tintos, sendo estas materializadas em metas
composto por recompensas atrati-
pessoais. A organização deve elaborar um
vas para os colaboradores.
sistema motivacional amplo que contemple o
• Para valorizar os comportamentos
atendimento das diversas necessidades dos
desejados pela empresa, deve-se
indivíduos e que permita a cada um alcançar
empregar reforços positivos variados
suas metas pessoais.
que incluem incentivos financeiros,
prêmios e rituais de reconhecimento.

78 • capítulo 2
SISTEMA DE MOTIVAÇÃO ESTRATÉGICO

• Para ser considerado justo por to-


dos na organização, o sistema mo-
• O sistema motivacional deve ser flexível, le-
tivacional deve apresentar critérios
vando em conta o perfil de cada colaborador.
claros e englobar os colaboradores
Para os colaboradores que apresentam vi-
de todos os níveis hierárquicos.
são positiva do trabalho, deve-se investir em
• Para respaldar o sistema motiva-
mecanismos motivacionais que atendam ne-
cional, a empresa deve apresentar
cessidades de nível alto, enquanto que para
um sistema de avaliação de desem-
os trabalhadores que possuem visão nega-
penho coerente com os aspectos
tiva do trabalho, deve-se priorizar o atendi-
técnicos e comportamentais que a
mento das necessidades de nível baixo.
empresa deseja estimular.
• Embora o ambiente de trabalho não pro-
• Os líderes devem ser um impor-
duza motivação, a empresa deve investir
tante canal de comunicação entre
na criação de um clima organizacional ade-
a empresa e os colaboradores, iden-
quado, evitando a insatisfação. Para isso, a
tificando suas necessidades, promo-
empresa pode investir na criação de uma
vendo melhorias nas condições de
política consistente de benefícios para os
trabalho, estabelecendo desafios e
empregados.
atuando como facilitadores do de-
senvolvimento profissional.

Tabela 2.4 – Requisitos para o desenvolvimento de um sistema de motivação eficaz. Fonte:


adaptado de Attadia (2007).

ATIVIDADES
01. O que é Aprendizagem?

02. Qual o papel da escola na aprendizagem?

03. Qual o papel da família na aprendizagem?

04. O que é Motivação?

capítulo 2 • 79
05. Explique as teorias de conteúdo da motivação.

06. Explique as teorias de processo da motivação.

07. Qual a relação entre aprendizagem e motivação?

REFLEXÃO
Conclusões da área sobre como o cérebro aprende trazem à tona questões tratadas por
grandes teóricos da Psicologia, como Piaget, Vygotsky, Wallon e Ausubel. Saiba como elas
podem enriquecer as discussões sobre o ensino.
Fernanda Salla

Motivação: Ela é necessária para aprender


"Da mesma forma que sem fome não apreendemos a comer e sem sede não aprende-
mos a beber água, sem motivação não conseguimos aprender", afirma Iván Izquierdo. Estu-
dos comprovam que no cérebro existe um sistema dedicado à motivação e à recompensa.
Quando o sujeito é afetado positivamente por algo, a região responsável pelos centros de
prazer produz uma substância chamada dopamina. A ativação desses centros gera bem-es-
tar, que mobiliza a atenção da pessoa e reforça o comportamento dela em relação ao objeto
que a afetou. A neurologista Suzana Herculano-Houzel, autora do livro Fique de Bem com
Seu Cérebro (208 págs., Ed. Sextante, tel. 21/2538-4100, 19,90 reais), explica que tarefas
muito difíceis desmotivam e deixam o cérebro frustrado, sem obter prazer do sistema de
recompensa. Por isso são abandonadas, o que também ocorre com as fáceis.
A motivação, para Piaget:
"É a procura por respostas quando a pessoa está diante de uma situação que ainda não
consegue resolver. A aprendizagem ocorre na relação entre o que ela sabe e o que o meio
físico e social oferece. Sem desafios, não há por que buscar soluções. Por outro lado, se a
questão for distante do que se sabe, não são possíveis novas sínteses."
Tania Beatriz Iwaszko Marques

80 • capítulo 2
A motivação, para Vygotsky
"A cognição tem origem na motivação. Mas ela não brota espontaneamente, como se
existissem algumas crianças com vontade - e naturalmente motivadas - e outras sem. Esse
impulso para agir em direção a algo é também culturalmente modulado. O sujeito aprende a
direcioná-lo para aquilo que quer, como estudar."
Claudia Lopes da Silva

A motivação, para Ausubel


Essa disposição está diretamente relacionada às emoções suscitadas pelo contexto.
Pela perspectiva de Ausubel, o prazer, mais do que estar na situação de ensino ou media-
ção, pode fazer parte do próprio ato de aprender. Trata-se da sensação boa que a pessoa
tem quando se percebe capaz de explicar certo fenômeno ou de vencer um desafio usando
apenas o que já sabe. Com isso, acaba motivada para continuar aprendendo sobre o tema."
Evelyse dos Santos Lemos

Implicações na Educação
A escola deve ser um espaço que motive e não somente que se ocupe em transmitir con-
teúdos. Para que isso ocorra, o professor precisa propor atividades que os alunos tenham
condições de realizar e que despertem a curiosidade deles e os faça avançar. É necessário
levá-los a enfrentar desafios, a fazer perguntas e procurar respostas.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/neurociencia-como-
ela-ajuda-entender-aprendizagem-691867.shtml?page=2
Acesso em 08/01/2015.

LEITURA
Há um livro muito bom para pensar sobre as questões de aprendizagem e também de moti-
vação, sem deixar de lado em momento alguns os aspectos sociais. É a obra de François Bé-
gaudeau denominada “Entre os muros da escola”. Foi inicialmente lançada como livro, escrita
pelo autor que relatou suas experiências como professor em uma escola pública na França.
Mais tarde o livro foi transformado em filme, onde o autor interpreta o papel de si mesmo.

capítulo 2 • 81
Uma bela leitura (nos dois formatos indicados) que pode provocar várias reflexões sobre
muitos temas ligados à construção da subjetividade humana, como identidade, sexualidade,
gênero, preconceitos e claro, aprendizagem e motivação. Vamos ler ou ver?

Ficha técnica do filme


Título Original: “Entre les Murs”
Título no Brasil: “Entre os Muros da Escola”
País de origem: França
Ano de lançamento: 2008
Duração: 128 minutos
Gênero: Drama
Diretor: Laurent Cantet

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATTADIA, L. C. L. Diagnóstico do nível de capacitação gerencial das micro e pequenas
empresas: um estudo multicasos no setor moveleiro de São José do Rio Preto. São Paulo, 2007,
277 p. Tese (Doutorado em Administração). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA). Universidade de São Paulo (USP)
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias – uma introdução ao estudo de
psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e
planejados. Porto Alegre. Artes Médicas, 1996.
COLL, C., PALACIOS, J; MARCHESI, A (Org). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia
da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
DAFT, R. Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
DAVIS, K; NEWSTROM, J. Comportamento Humano no Trabalho. São Paulo: Pioneira, 1992.
GEPHART, M.;VAN BUREN, M. Building Sinergy: the power of performance work systems. Training &
Development. v. 50, n. 10, p. 21-32, 1996.
GIL, A. Gestão de Pessoas: enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2001.
JOSÉ, E. da A.; COELHO, M. T. Problemas de aprendizagem. 12ª. ed. Editora Ática: São Paulo,
2008.
KAPLAN, H.; SADOCK, B. Compêndio de Psiquiatria: ciências comportamentais e psiquiatria clínica.
Trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

82 • capítulo 2
LISBOA, C.; KOLLER, S. H. Interações na escola e processos de aprendizagem: fatores de risco e
proteção. In: BORUCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (orgs.). Aprendizagem: processos psicológicos e
o contexto social na escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
MAXIMIANO, A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 6ª. ed. São
Paulo: Atlas, 2006.
MARRAS, J. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. São Paulo:
Futura, 2000
MUSSEN, P. H., CONGER, J. J., KAGAN, J. Desenvolvimento e Personalidade da Criança. 4ª. ed.
São Paulo: Editora Harbra, 1977.
PILETTI, N. Psicologia Educacional. 17 ed. São Paulo: Ática, 2008.
ROBBINS, S. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
SIGOLO, S.R.R.; LOLLATO, S.O. Aproximações entre escola e família: um desafio para educadores. In:
CHAKUR, C.R. de S.L. Problemas da educação sob o olhar da psicologia. Araraquara, UNESP,
2001, p. 37-65.
SOUZA, I. S. Psicologia: a aprendizagem e seus problemas. Rio de Janeiro: José Olympo, 1972.
SPECTOR, P. E. Psicologia nas organizações. São Paulo: Saraiva, 2004.

capítulo 2 • 83
84 • capítulo 2
3
Corpo e Afetos:
As Teorias do
Desenvolvimento
Humano
Vamos pensar sobre o processo de desenvolvimento humano. Existem diversas
teorias que nos ajudam a entender o caminho percorrido por cada ser huma-
no, e também por toda nossa evolução como espécie, até chegar a idade adulta.
Vamos pensar sobre desenvolvimento cognitivo, físico motor, afetivo e social.
Para tanto vamos discutir as teorias do desenvolvimento humano propostas
por Jean Piaget, Lev S. Vygotsky e Henry Wallon. Você está pronto(a)? Então va-
mos lá!

OBJETIVOS
•  Conhecer os principais aspectos da história de Jean Piaget
•  Compreender os principais conceitos da teoria de Jean Piaget
•  Conhecer os principais aspectos da história de Lev S. Vygotsky
•  Compreender os principais conceitos da teoria de Lev S. Vygotsky
•  Conhecer os principais aspectos da história de Henry Wallon
•  Compreender os principais conceitos da teoria de Henry Wallon

86 • capítulo 3
3.1  A vida de Jean Piaget
Segundo Barros (2008), Jean Piaget nasceu na Suíça, em 1896. Em sua infância
e sua adolescência, demonstrou uma rara precocidade intelectual. Graduou-se
em Ciências Naturais, pelas quais mostrava grande interesse desde pequenino,
mas lia também sobre outros assuntos: sociologia, religião e filosofia.
Durante suas leituras sobre filosofia, Piaget interessou-se pelo estudo de
como o conhecimento é obtido (epistemologia). Decidiu, então, entrar no mun-
do da Psicologia.

A teoria epistemológica (epistemo = conhecimento; e logia = estudo) de Jean Pia-


get é caracterizada como uma visão interacionista do desenvolvimento. Piaget busca
elucidar a inteligência do sujeito, como um processo de adaptação a situações novas,
relacionando a complexidade dessa interação do indivíduo com o meio. Assim, quanto
mais complexa for essa interação, mais “inteligente” será o indivíduo. Desse modo, os
conceitos giram em torno do objeto principal da educação, que são a inteligência e
seus processos de construção e aquisição, sendo fundamental a formação de todos os
profissionais envolvidos com a aprendizagem humana.

A partir de então, deixou a Suíça e procurou diversos laboratórios, clínicas


e universidades da Europa. Nessa época, trabalhou em Paris, no laboratório de
Binet, onde aplicava testes de inteligência em crianças das escolas públicas. Ele
sentia-se fascinado não com as respostas corretas que as crianças davam aos
testes propostos, mas com suas respostas incorretas. Estudou obstinadamen-
te as respostas incorretas, na esperança de aprender mais sobre a extensão e
a profundidade das ideias e dos processos mentais infantis. Seu objetivo era
compreender como crianças de várias idades obtêm o conhecimento do mun-
do a seu redor. Descobrir como elas passam a interessar-se pela aquisição de
conhecimento tornou-se, para Piaget, o trabalho de sua vida inteira.
Mais tarde, estudou e anotou minuciosamente o crescimento mental de
seus três filhos: Jacqueline, Laurent e Lucienne. Essas observações, cuidado-
samente interpretadas, constituem sua obra: O nascimento da inteligência na
criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

capítulo 3 • 87
Piaget publicou inúmeros livros e artigos sobre o desenvolvimento cogni-
tivo da criança. Esse trabalho foi muito in-
©© REPRODUÇÃO

fluenciado pela sua formação em Ciências


Naturais. Para Piaget, a habilidade de pen-
sar resulta de uma base fisiológica. A crian-
ça nasce biologicamente equipada para
realizar uma grande variedade de respostas
motoras, que constituem a armação para os
processos de pensamento seguintes.
Até a morte, em setembro de 1980,
Piaget manteve-se trabalhando ativamen-
te na busca de respostas a muitas questões
fundamentais da Psicologia. Jean Piaget é
considerado, na Psicologia, a primeira auto-
ridade em desenvolvimento cognitivo.
Para Barros (2008), Jean Piaget foi um
psicólogo cujos trabalhos são mundialmente conhecidos. Por mais de quaren-
ta anos, ele realizou pesquisas com crianças, visando não somente a conhecer
mais a infância para aperfeiçoar os métodos educacionais, mas também a com-
preender o homem.
Usando observação direta, sistemática e cuidadosa de crianças (incluindo
seus três filhos), Piaget chegou a uma teoria que revolucionou nossa compreen-
são do desenvolvimento intelectual. Essa teoria explica o desenvolvimento men-
tal do ser humano no campo do pensamento, da linguagem e da afetividade.
Piaget propôs, antes de mais nada, que o desenvolvimento cognitivo se rea-
liza em estágios. Isso significa que a natureza e a caracterização da inteligência
mudam significativamente com o passar do tempo.
Em linhas gerais, Piaget esquematizou o desenvolvimento intelectual nos
seguintes estágios: sensório-motor (de 0 a 2 anos); pré-operacional (de 2 a 6
anos); de operações concretas (de 7 a 11 anos); de operações formais (de 12
anos em diante). As idades atribuídas ao aparecimento dos estágios não são
rígidas, havendo grande variação individual.

88 • capítulo 3
3.1.1  Teoria de Jean Piaget do desenvolvimento humano

Para Cória-Sabini (2010), Jean Piaget assumiu uma posição interacionista a


respeito da inteligência. Para ele, o estudo da inteligência envolver uma aná-
lise de como o ser humano se torna progressivamente capaz de construir o
conhecimento.
Ele argumenta que não existem conhecimentos resultantes do mero regis-
tro de observações. Todo conhecimento pressupõe uma organização que só os
esquemas mentais do sujeito podem efetuar.
Também não existem, no homem, estruturas cognitivas inatas. Todo co-
nhecimento provém das ações. É a partir delas que a criança organiza seus pri-
meiros conceitos. Inicialmente, eles são práticos, constituindo-se em adapta-
ções sensório-motoras ao mundo que a cerca. Ao longo do processo evolutivo
e como consequência das assimilações e equilibrações progressivas, esses es-
quemas de ações transformam-se em operações mentais ou conceitos propria-
mente ditos.

Sintetizar a vida e a produção teórica de Jean Piaget não é uma tarefa simples, pois,
desde que se interessou por desvendar e revelar o desenvolvimento acerca da inteli-
gência humana, trabalhou compulsivamente em seus estudos, até 1980, aos oitenta e
quatro anos, às vésperas de sua morte, deixando uma produção de, aproximadamente,
setenta livros e mais de quatrocentos artigos.

O problema central dessa teoria está na universalidade e na elaboração das


estruturas e operações que caracterizam os diferentes momentos (estágios) do
desenvolvimento da inteligência. Essas operações são: noção de objeto, tempo,
espaço e causalidade, no período sensório-motor; egocentrismo, animismo e
artificialismo, no período pré-operatório; noção de número, classificação e se-
riação, no período operatório concreto; elaboração do raciocínio abstrato ou
formal, na adolescência. Segundo Piaget, essas noções aparecem de maneira
sequenciada em todos os indivíduos das diferentes culturas. Essa é a universa-
lidade dos estágios.

capítulo 3 • 89
Esse aspecto tem sido o mais questionado da teoria piagetiana e usado pe-
los seus opositores para colocar Piaget na posição de predeterminista, pois, ao
defender a elaboração universal das noções anteriormente citadas, ele afirma-
ria que elas já estão programadas na herança genética.
Para que possamos elaborar uma tese interacionista da formação da mente,
é necessário o estudo da:
4. contribuição do sujeito em suas adaptações ao meio ambiente;
5. função do meio na organização da razão e das condutas do sujeito.
De acordo com Cória-Sabini (2010), para Piaget, a inteligência é uma es-
trutura biológica e, como as demais, tem a função de adaptar o organismo às
exigências do meio. Essa adaptação faz-se por meio de dois processos comple-
mentares: assimilação e acomodação.

CONEXÃO
Acesse http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi=S0102-377220050003000
05& lng=pt&nrm=iso e leia o artigo intitulado Contribuições da pesquisa psicogenética para
a educação escolar, de autoria de Cilene Ribeiro de Sá Leite Chakur, publicado na revista
Psicologia: teoria e pesquisa, em 2005.

A assimilação é o processo de incorporação dos desafios e informações do


meio aos esquemas mentais existentes. A acomodação é o processo de criação
ou mudança de esquemas mentais em consequência da necessidade de assimi-
lar os desafios ou informações do meio.
Tomemos o reflexo de preensão para exemplificar esses dois processos.
Esse reflexo é inato e entra em funcionamento imediatamente após o nasci-
mento. Os dedos do recém-nascido fecham-se quando qualquer objeto toca a
palma de sua mão, a tal ponto que é possível levantá-lo agarrado aos dedos de
um adulto. Esse é um dos mecanismos biológicos à disposição do recém-nasci-
do para sua adaptação ao mundo.
O bebê exercita assiduamente seu esquema de preensão. Ao fazê-lo, tenta
assimilar todos os objetos que tocam sua mão ou que estão ao seu alcance.

90 • capítulo 3
No entanto, com o passar do tempo, o reflexo inicial de preensão modifica-
se graças a esse exercício. A partir de determinado momento, a criança percebe
que a forma primitiva de preensão é ineficaz quando se trata de objetos muito
pequenos. Nessas condições, ela deve realizar o “movimento de pinça”, ou seja,
apertar o objeto com o polegar e o dedo indicador. Essa posição, portanto, é
resultante da acomodação.
As modificações da preensão conduzidas pelas acomodações sucessivas fa-
zem com que a criança se adapte a novos desafios, tornando-se capaz de pegar
coisas de tamanhos diferentes, segurá-las com as duas mãos ou agarrar-se a
objetos. Cada mudança no reflexo de preensão leva, assim, à criação de novos
esquemas de assimilação, fazendo com que o comportamento se torne cada vez
mais especializado.
A interação entre assimilação e acomodação é comum ao longo da vida e
está presente em todos os níveis de funcionamento intelectual e comportamen-
tal. Por causa dessa constância, Piaget referiu-se a esses dois processos como
invariantes funcionais. As estruturas mentais formam-se e são modificadas no
decorrer da vida, mas os processos pelos quais essas mudanças ocorrem não
variam, ou seja, as adaptações cognitivas são sempre resultantes de acomoda-
ção e assimilação.
Outro aspecto relacionado à natureza biológica da inteligência é que ela tem
uma organização interna característica, como as demais estruturas biológicas.
Enunciada de maneira geral, a organização da inteligência parece abstrata
e obscura, mas a seguinte analogia poder tornar o conceito mais claro: todas as
pessoas têm um aparelho digestivo que está organizado de um modo especial,
para que assimilem e absorvam o alimento. Contudo, a natureza do alimento
afeta o corpo: alimentos gordurosos e frituras podem ser assimilados facilmen-
te pela pessoa que adquiriu o hábito de ingeri-los e fazer muito mal para quem
não aprendeu a comê-los. Os hábitos alimentares são bons exemplos na intera-
ção organismo-meio.
O processo de aceitação de alimentos é lento. De início, o estômago da criança
só aceita o leite materno ou similares. Depois, começa a digerir papinhas e, com
o passar do tempo, consegue finalmente ingerir todos os alimentos habituais de
sua família ou seu grupo social. No início, qualquer alimento mais forte provoca
diarreias ou indigestão, ou seja, o organismo não tem esquemas assimiladores
para ele. Depois, gradualmente, esses esquemas vão sendo criados por meio da
acomodação, até que o indivíduo consiga digerir mesmo uma feijoada.

capítulo 3 • 91
A inteligência é organizada, assim como o aparelho digestivo é. O meio am-
biente, análogo ao alimento ingerido, afeta o organismo e é afetado por ele. As
estruturas cognitivas existentes em determinado período da vida são, assim, o
resultado da interação entre o organismo (com seus invariantes funcionais) e o
ambiente (com seus desafios e informações).
Com isso, Piaget quis enfatizar que o desenvolvimento cognitivo não é ape-
nas o resultado de um processo de maturação, nem é unicamente um produ-
to das influências do meio. A palavra interação significa que o organismo tem
uma relação ativa com o meio. Biologicamente, a inteligência adapta-se ao
meio pela ação. No entanto, ela amplia as formas de agir mediante a construção
de novos esquemas mentais. Estes, por sua vez, permitem novas absorções de
informações e desafios, o que gera novos esquemas, e assim sucessivamente.
O terceiro fator que indica a natureza biológica da inteligência é a existência
de estágios em seu desenvolvimento.
Podemos dizer que o estudo do desenvolvimento percorreu um longo
caminho desde as primeiras especulações sobre as origens das diferenças
individuais.
A atual Psicologia do Desenvolvimento é um ramo em crescimento, que
conta com grande número de publicações destinadas exclusivamente à divul-
gação de pesquisas nessa área.

3.1.2  Estágios do desenvolvimento

Ainda segundo Cória-Sabini (2010), Piaget e seus colaboradores realizaram um


trabalho minucioso que permitiu evidenciar a existência de estágios de desen-
volvimento caracterizados pela presença de certas operações mentais.
A transição de um estágio para outro faz-se dentro de um processo de inte-
gração em que as estruturas precedentes tornam-se uma parte das estruturas
subsequentes. A ordem de sucessão dos estágios é constante, embora as idades
cronológicas que demarcam determinado estágio possam variar, respeitando
certos limites, de uma pessoa para outra ou de uma cultura para outra.
Para explicar os mecanismos que permitem a transição de um nível de con-
duta de um estágio para outro, Piaget criou o conceito de equilibração.
Segundo ele, dois fatores comumente apontados como determinantes da
inteligência – maturação e aprendizagem – não são suficientes para explicar a
sequenciação dos estágios sucessivos de desenvolvimento.

92 • capítulo 3
A maturação não é explicação suficiente porque os estágios podem ocor-
rer em faixas etárias diferentes em diferentes meios sociais. A aprendizagem
também não é explicação suficiente porque as acelerações resultantes da ação
social ou pedagógica não introduzem modificações na sequência dos estágios.
Além disso, o desenvolvimento biológico é autorregulador e a inteligência,
como estrutura biológica, também pressupõe processos autorreguladores. A
equilibração entendida como autorregulação possibilitaria a passagem de um
nível de conduta para outro que caracterizaria a qualidade do raciocínio nos
diferentes estágios. Assim como um bebê não consegue digerir uma feijoada,
um programa de ensino deve respeitar a qualidade do raciocínio da criança. De
nada adiantaria um professor ensinar-lhe raiz quadrada, pois, por melhor que
ele fosse, a criança seria incapaz de fazer a abstração exigida por esse conceito.
Isso ocorre porque seu pensamento está preso à sua realidade imediata.
Assim, a cognição vai se transformando em virtude de um contínuo pro-
cesso de experimentação dos conceitos elaborados pelo indivíduo, a partir da
ação. A aquisição do conhecimento, portanto, seria resultante do conflito con-
ceitual entre a realidade elaborada mentalmente pelo indivíduo e o fato con-
creto. Quando a criança tenta parar uma bola e não consegue, o que há é um
conflito conceitual entre a velocidade elaborada mentalmente por ela e a velo-
cidade real.
Toda vez que existe um conflito, a mente humana entra em desequilíbrio.
No entanto, como seu funcionamento ideal pressupõe uma organização de
conjunto, o indivíduo faz acomodações, modificando seus esquemas con-
ceituais para adaptar-se à realidade, ou seja, volta ao estado de equilíbrio.
Consequentemente, o conceito de equilíbrio está relacionado ao de organização.
A mente não é formada por capacidades independentes, mas constitui-se
em uma estrutura organizada em que cada parte depende do sistema geral.
Desse modo, desde que à criança sejam concedidas oportunidades progres-
sivas para agir sobre o mundo que a rodeia (quer físico, quer social), seu de-
senvolvimento cognitivo dever ocorrer como uma construção natural, ao se
reequilibrarem esquemas e estruturas, ao longo de contínuas assimilações e
consequentes acomodações.
Nessa teoria, as diferenças individuais decorrem do nível de desenvolvi-
mento alcançado por cada um.

capítulo 3 • 93
Muitas pesquisas revelam que o nível das operações formais, que é o pa-
tamar mais alto do desenvolvimento cognitivo, não é alcançado por todos os
adultos, mesmo nos países mais desenvolvidos.
Bock, Furtado e Teixeira (2002) apresentam os estágios de desenvolvimen-
to segundo Jean Piaget. De acordo com os autores, ele divide os períodos do
desenvolvimento humano conforme o aparecimento de novas qualidades do
pensamento, o que, por sua vez, interfere no desenvolvimento global.

PERÍODO IDADE APROXIMADA

1o período: sensório-motor De 0 a 2 anos

2o período: pré-operatório De 2 a 7 anos

3o período: operações concretas De 7 a 11 ou 12 anos

4o período: operações formais De 11 ou 12 anos em diante

Segundo Piaget, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o


indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os indivíduos passam por
todas essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de
cada uma delas dependem das características biológicas do indivíduo e de fa-
tores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é uma refe-
rência, e não uma norma rígida.

3.1.3  Período sensório-motor

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), nesse período, segundo Jean Piaget, a criança
conquista, por meio da percepção e dos movimentos, todo o universo que a cerca.
No recém-nascido, a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos refle-
xos, de fundo hereditário, como a sucção. Esses reflexos melhoram com o trei-
no. Por exemplo, o bebê mama melhor no décimo dia de vida que no segundo
dia. Por volta dos cinco meses, a criança consegue coordenar os movimentos

94 • capítulo 3
das mãos e dos olhos e pegar objetos, aumentando sua capacidade de adquirir
hábitos novos.
No final do período, a criança é capaz de usar um instrumento como meio
para atingir um objeto. Por exemplo, descobre que, se puxar a toalha, a lata de
bolacha ficará mais perto dela. Nesse caso, ela utiliza a inteligência prática ou
sensório-motora, que envolve as percepções e os movimentos.
Nesse período, fica evidente que o desenvolvimento físico acelerado é o su-
porte para o aparecimento de novas habilidades, isto é, o desenvolvimento ós-
seo, muscular e neurológico permite a emergência de novos comportamentos,
como sentar-se e andar, o que propicia um domínio maior do ambiente.
Ao longo desse período, ocorre na criança uma diferenciação progressiva
entre o seu eu e o mundo exterior. Se, no início, o mundo é uma continuação do
próprio corpo, os progressos da inteligência levam-na a situar-se como um ele-
mento entre outros no mundo. Isso permite que a criança, por volta de 1 ano,
admita que um objeto continue a existir mesmo quando ela não o percebe, isto
é, o objeto não está presente no seu campo visual, mas ela continua a procurar
ou a pedir o brinquedo que perdeu, porque sabe que ele continua a existir.
Essa diferenciação também ocorre no aspecto afetivo, pois o bebê passa das
emoções primárias (os primeiros medos, quando, por exemplo, enrijece-se ao
ouvir um barulho muito forte) para uma escolha afetiva de objetos (no final do
período), quando já manifesta preferências por brinquedos, objetos, pessoas etc.
No curto espaço de tempo desse período, por volta de 2 anos, a criança evo-
lui de uma atitude passiva em relação ao ambiente e às pessoas de seu mundo
para uma atitude ativa e participativa. Sua integração no ambiente dá-se, tam-
bém, pela imitação das regras. E, embora compreenda algumas palavras, mes-
mo no fim do período só é capaz de fala imitativa.

3.1.4  Período pré-operatório

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002), nesse período, segundo Jean
Piaget, o que de mais importante acontece é o aparecimento da linguagem, que
acarreta modificações nos aspectos intelectual, afetivo e social da criança.
A interação e a comunicação entre os indivíduos são, sem dúvida, as con-
sequências mais evidentes da linguagem. Com a palavra, há possibilidade de
exteriorização da vida interior e, portanto, de corrigir ações futuras. A criança
antecipa o que vai fazer.

capítulo 3 • 95
Como decorrência do aparecimento da linguagem, o desenvolvimento do
pensamento acelera-se. No início do período, ele exclui toda a objetividade, a
criança transforma o real em função dos seus desejos e fantasias (jogo simbó-
lico); posteriormente, utiliza-o como referencial para explicar o mundo real, a
própria atividade, seu eu e suas leis morais; no fim do período, passa a procurar
a razão causal e finalista de tudo (é a fase dos famosos “porquês”). É um pensa-
mento mais adaptado ao outro e ao real.
Como várias novas capacidades surgem, muitas vezes ocorre a superestima-
ção da capacidade da criança nesse período. É importante ter claro que grande
parte do seu repertório verbal é usada de forma imitativa, sem que ela domine
o significado das palavras; ela tem dificuldades de reconhecer a ordem em que
mais de dois ou três eventos ocorrem e não possui o conceito de número. Por
ainda estar centrada em si mesma, ocorre uma primazia do próprio ponto de
vista, o que torna impossível o trabalho em grupo. Essa dificuldade mantém-se
ao longo do período, na medida em que a criança não consegue colocar-se do
ponto de vista do outro.
No aspecto afetivo, surgem os sentimentos interindividuais, sendo que um
dos mais relevantes é o respeito que a criança nutre pelos indivíduos que jul-
ga superiores a ela. Por exemplo, em relação aos pais e aos professores. É um
misto de amor e temor. Seus sentimentos morais refletem essa relação com os
adultos significativos – a moral da obediência –, em que o critério de bem e
mal é a vontade dos adultos. Com relação às regras, mesmo nas brincadeiras,
concebe-as como imutáveis e determinadas externamente. Mais tarde, adquire
uma noção mais elaborada da regra, concebendo-a como necessária para orga-
nizar o brinquedo, porém não a discute.
Com o domínio ampliado do mundo, seu interesse pelas diferentes ativida-
des e objetos se multiplica, diferencia e regulariza, isto é, torna-se estável, sen-
do que, a partir desse interesse, surge uma escala de valores própria da criança.
E a criança passa a avaliar suas próprias ações a partir dessa escala.
É importante, ainda, considerar que, nesse período, a maturação neurofi-
siológica completa-se, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades,
como a coordenação motora fina – pegar pequenos objetos com a ponta dos
dedos, segurar o lápis corretamente e conseguir fazer os delicados movimentos
exigidos pela escrita.

96 • capítulo 3
3.1.5  Período da operações concretas

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002), nesse período, segundo Jean
Piaget, o desenvolvimento mental, caracterizado, no período anterior, pelo ego-
centrismo intelectual e social, é superado pelo início da construção lógica, isto
é, pela capacidade da criança de estabelecer relações que permitam a coorde-
nação de pontos de vista diferentes. Estes podem referir-se a pessoas diferentes
ou à própria criança, que “vê” um objeto ou uma situação com aspectos dife-
rentes e, mesmo, conflitantes. Ela consegue coordenar esses pontos de vista e
integrá-los de modo lógico e coerente. No plano afetivo, isso significa que ela é
capaz de cooperar com os outros, trabalhar em grupo e, ao mesmo tempo, ter
autonomia pessoal.
O que possibilitar isso, no plano intelectual, é o surgimento de uma nova
capacidade mental da criança: as operações, isto é, ela consegue realizar uma
ação física ou mental dirigida para um fim (objetivo) e revertê-la para o seu iní-
cio. Em um jogo de quebra-cabeça, próprio para a idade, ela consegue, na me-
tade do jogo, descobrir um erro, desmanchar uma parte e recomeçar de onde
corrigiu, terminando-o. As operações sempre se referem a objetos concretos
presentes ou já experienciados.
Outra característica desse período é que a criança consegue exercer suas ha-
bilidades e capacidades a partir de objetos reais, concretos. Portanto, mesmo
a capacidade de reflexão que se inicia, isto é, pensar antes de agir, considerar
os vários pontos de vista simultaneamente, recuperar o passado e antecipar o
futuro, exerce-se a partir de situações presentes ou passadas, vivenciadas pela
criança.
Em nível de pensamento, a criança consegue: estabelecer corretamente as
relações de causa e efeito e de meio e fim; sequenciar ideias ou eventos; traba-
lhar com ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente; formar o conceito
de número (no início do período, sua noção de número está vinculada a uma
correspondência com o objeto concreto).
A noção de conservação da substância do objeto (comprimento e quantida-
de) surge no início do período; por volta dos 9 anos, a noção de conservação de
peso; ao fim do período, a noção de conservação do volume.

capítulo 3 • 97
No aspecto afetivo, ocorre o aparecimento da vontade como qualidade su-
perior e que atua quando há conflitos de tendências ou intenções (entre o dever
e o prazer, por exemplo). A criança adquire uma autonomia crescente em re-
lação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. Os novos
sentimentos morais, característicos desse período, são: o respeito mútuo, a ho-
nestidade, o companheirismo e a justiça, que considera a intenção na ação. Por
exemplo, se a criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser punida
se isso ocorreu acidentalmente. O grupo de colegas satisfaz, progressivamente,
as necessidades de segurança e afeto.
Nesse sentido, o sentimento de pertencer ao grupo de colegas torna-se cada
vez mais forte. As crianças escolhem seus amigos, indistintamente, entre meni-
nos e meninas, sendo que, no fim do período, a grupalização com o sexo oposto
diminui.
Esse fortalecimento do grupo traz a seguinte implicação: a criança, que, no
início do período, considerava bastante as opiniões e ideias dos adultos, no fi-
nal passa a “enfrentá-los”.
A cooperação é uma capacidade que vai se desenvolvendo ao longo desse
período e um facilitador do trabalho em grupo, que se torna cada vez mais ab-
sorvente para a criança. Ela passa a elaborar formas próprias de organização
grupal, em que as regras e normas são concebidas como válidas e verdadeiras,
desde que todos as adotem e elas sejam a expressão de uma vontade de todos.
Portanto, novas regras podem surgir, a partir da necessidade e de um “contra-
to” entre as crianças.

3.1.6  Período das operações formais

Bock, Furtado e Teixeira (2002) ressaltam que, nesse período, segundo Jean Pia-
get, ocorre a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal,
abstrato, isto é, o adolescente realiza as operações no plano das ideias, sem ne-
cessitar de manipulação ou referências concretas como no período anterior. É
capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça etc. O adolescente domi-
na, progressivamente, a capacidade de abstrair e generalizar, cria teorias sobre
o mundo, principalmente quanto a aspectos que gostaria de reformular. Isso é
possível graças à capacidade de reflexão espontânea, que, cada vez mais desco-
lada do real, é capaz de tirar conclusões de puras hipóteses.

98 • capítulo 3
O livre exercício da reflexão permite ao adolescente, inicialmente, “subme-
ter” o mundo real aos sistemas e teorias que o seu pensamento é capaz de criar.
Isso vai se atenuando de forma crescente, por meio da reconciliação do pensa-
mento com a realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradi-
zer, mas adiantar-se e interpretar a experiência.
Do ponto de vista das relações sociais do adolescente, também ocorre o pro-
cesso de caracterizar-se, inicialmente, por uma fase de interiorização, em que,
aparentemente, é antissocial. Ele afasta-se da família, não aceita conselhos dos
adultos; mas, na realidade, o alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre anali-
sada como passível de ser reformada e transformada. Posteriormente, atinge o
equilíbrio entre pensamento e realidade, quando compreende a importância
da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. Por exemplo, no início do pe-
ríodo, o adolescente que tem dificuldades na disciplina de Matemática pode
propor sua retirada do currículo e, posteriormente, pode propor soluções mais
viáveis e adequadas, que considerem as exigências sociais.
No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos. Deseja libertar-se do adul-
to, mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. O
grupo de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando o
vocabulário, as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento. O ado-
lescente começa a estabelecer sua moral individual, que é referenciada à moral
do grupo.
Os interesses do adolescente são diversos e mutáveis, sendo que a estabili-
dade chega com a proximidade da idade adulta.
Conforme Piaget, a personalidade começa a formar-se no fim da infância,
entre 8 e 12 anos, com a organização autônoma das regras, dos valores, a afir-
mação da vontade. Esses aspectos subordinam-se a um sistema único e pessoal
e exteriorizam-se na construção de um projeto de vida. Esse projeto é que nor-
teia o indivíduo em sua adaptação ativa à realidade, que ocorre mediante de sua
inserção no mundo do trabalho ou na preparação para ele, quando acontece
um equilíbrio entre o real e os ideais do indivíduo, isto é, de revolucionário no
plano das ideias, ele torna-se transformador no plano da ação.
É importante lembrar que, na nossa cultura, em determinadas classes so-
ciais que “protegem” a infância e a juventude, a prorrogação do período da ado-
lescência é cada vez maior, caracterizando-se por uma dependência em relação
aos pais e uma postergação do período em que o indivíduo se torna socialmen-
te produtivo e entrará, portanto, na idade adulta.

capítulo 3 • 99
CONEXÃO
Para ampliar seus conhecimentos, leia o artigo: MONTOYA, Adrián Oscar Dongo. Pensamento
e linguagem: percurso piagetiano de investigação. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1,
abr. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722006000100014&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 28 out. 2011.

Na idade adulta, não surge nenhuma nova estrutura mental, e o indivíduo


caminha, então, para um aumento gradual do desenvolvimento cognitivo, em
profundidade, e uma maior compreensão dos problemas e das realidades sig-
nificativas que o atingem. Isso influencia os conteúdos afetivo-emocionais e
sua forma de estar no mundo.

3.1.7  Aplicação da teoria de Piaget

De acordo com Cória-Sabini (2010), os princípios básicos da teoria piagetiana


são o construtivismo e o conceito de estágio.
Segundo o construtivismo, todo e qualquer conhecimento é adquirido por
um processo de interações contínuas entre os esquemas mentais da pessoa que
conhece e as peculiaridades do evento ou do objeto a conhecer. O conceito de
estágio afirma que o pensamento da criança e o do adulto são qualitativamente
diferentes e o processo de desenvolvimento cognitivo é feito por etapas que são
caracterizadas por mudanças na forma de raciocínio.
Quando se parte desses dois pressupostos, o objetivo fundamental da edu-
cação passa a ser a formação de um indivíduo com valores próprios, tanto no
plano intelectual como no plano moral.

Nas últimas décadas, o ensino brasileiro foi submetido a várias tentativas de refor-
mulações conceituais e metodológicas? Se procurarmos a filosofia predominante em
nossas escolas e na formação pedagógica das últimas décadas, cairemos no cons-
trutivismo, que é a concepção atual de maior abrangência ou influência na sociedade
brasileira.

100 • capítulo 3
O ensino tradicional, ao contrário, fundamenta-se nos pressupostos de que
o indivíduo é passivo no processo de conhecimento e a criança é um adulto em
miniatura – um ser que pensa e raciocina como nós e cujo conhecimento e pro-
cessos de raciocínio são dados pelos adultos. A criança seria apenas um adulto
ignorante e a tarefa do educador seria equipar sua mente com as informações
necessárias ao seu aprimoramento.
Na prática pedagógica tradicional, a aprendizagem é um produto, ou seja, é
manifestada pela quantidade de informações que o aprendiz é capaz de reter.
Nessa condição, a única função da inteligência é arquivar os vários conjuntos
de informações apresentados pelos professores ou pelos livros.
Piaget questiona esse tipo de metodologia de ensino. Para ele, nessa situ-
ação, o aluno é submetido a uma verdadeira ginástica mental, que o obriga a
fazer grande quantidade de exercícios de fixação e memorizar conteúdos para
serem esquecidos logo em seguida.
Muitos professores e especialistas em educação defendem que a aula expo-
sitiva e os exercícios de fixação são fundamentais para que o aluno obtenha os
instrumentos necessários para a aprendizagem.
Piaget diz que esses processos não conduzem ao aprimoramento da mente,
portanto isso não é aprender. Aprender é conquistar, por si mesmo, o saber,
com a realização de pesquisas e a partir do esforço espontâneo.
A pesquisa e a reflexão possibilitam ao aluno a aquisição de um método de
estudo que lhe será útil por toda a vida. Quando a compreensão prevalece so-
bre a memorização, os conhecimentos não são impostos de fora e há remoção
das inibições causadas pelo sentimento de inferioridade que, com bastante
frequência, ocorre na situação em que o professor é o único detentor do sa-
ber. Quando o aluno compreende, em vez de memorizar, ele torna-se capaz de
raciocinar bem. Para Piaget, se o educando for solicitado a descobrir, em um
contexto de atividades autônomas, os princípios, noções, implicações e rela-
ções existentes nos diferentes conteúdos, ele colocará problemas, pesquisará
soluções e analisará dados, verificando, assim, quanto é gratificante aprender.
Alguns defensores do ensino tradicional argumentam que o aluno tem de
ser guiado, pois não sabe raciocinar, pesquisar, nem mesmo ler e interpretar
textos.

capítulo 3 • 101
Piaget afirma que esse é um dos erros cometidos quando se considera que
o princípio lógico subjacente a qualquer conceito pode ser ensinado utilizando
apenas demonstrações e exercícios. Em um problema de velocidade, por exem-
plo, o aluno deve raciocinar simultaneamente com os espaços percorridos e o
tempo empregado, efetuando um cálculo que opera com os valores que expri-
mem os dois fatores em jogo. Porém, enquanto não estiver assegurada a estru-
tura lógica do problema, as relações numéricas permanecerão destituídas de
significados e obscurecerão o sistema de relações em jogo. Como o problema
gira em torno desses valores, a criança tenta todo tipo de cálculo, aplicando as
diversas operações de que tem conhecimento, sem, contudo, entender o prin-
cípio lógico dessa relação.
Libertada, em um primeiro momento, da preocupação de calcular e sendo
chamada a descobrir, por meio de experimentação, todas as correspondências
lógicas em jogo, a criança demonstra ser capaz de encontrar as relações sub-
jacentes. Uma vez garantido esse entendimento, é possível introduzir dados
numéricos que passam a ter um significado inteiramente diverso daqueles de
saída que foram apresentados.

CONEXÃO
Vários são os conceitos para a compreensão da teoria de Jean Piaget. Se você tiver interes-
se em conhecê-los, leia acesse: http://penta.ufrgs.br/~luis/Piaget/Glossario/Indice.htm ou
ainda http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/per09a.htm.

Aparentemente, assim se perde mais tempo para desenvolver um conteúdo.


Contudo, na realidade, ganha-se muito, principalmente quando se consideram
o enriquecimento e o aprimoramento do raciocínio.

3.1.8  Criticas a teoria de Jean Piaget

Para Cória-Sabini (2010), nas discussões feitas por Piaget e seus colaboradores,
não fica claro por que crianças que têm as mesmas oportunidades físicas, mas
provêm de meios sociais e culturais distintos, podem apresentar desníveis em
seus desenvolvimentos.

102 • capítulo 3
Da mesma forma, estudos transculturais mostram que, embora os estágios
de desenvolvimento sejam os mesmos, há diferenças entre as faixas de idades
cronológicas em que ocorrem.
Essas e outras evidências têm provocado crescentes discussões a respeito
da universalidade dos estágios e das operações que os caracterizam.
Embora Piaget admitisse o papel da aprendizagem na construção das estru-
turas cognitivas, não se preocupou em analisar com detalhes qual a amplitude
de sua ação. Além disso, limitou os efeitos dela aos esquemas mentais que o
indivíduo possui.
As críticas a Piaget incidem, fundamentalmente, na importância que ele
dá à ação sensório-motora e à consequente manipulação do meio físico, como
ponto de partida do desenvolvimento cognitivo.
A subordinação das estruturas lógicas às ações sensório-motoras é mencio-
nada por Piaget em vários momentos de seus trabalhos. Afirma que a criança,
utilizando apenas a percepção e os movimentos como instrumentos, procura
compreender o mundo que a cerca. Embora não tenha conceitos propriamente
ditos, ela constrói as noções de objeto permanente, organiza o espaço e o tem-
po e adquire noção rudimentar de causalidade.
Por outro lado, ele enfatiza que a lógica não é pré-formada nem modela-
da pela aprendizagem ou pela transmissão social. Ela é produto de sucessivas
construções e o fator principal desse construtivismo é um equilíbrio por autor-
regulações. A equilibração permite ao indivíduo superar as incoerências mo-
mentâneas mediante a elaboração constante de novos esquemas.
Seus opositores argumentam que a organização mental do meio físico só
é possível por meio da linguagem ou de um sistema de conceitos. Ela permite
categorizar as informações; consequentemente, não é possível haver represen-
tação mental sem conceitos. É a partir do momento em que a realidade é subs-
tituída por signos e símbolos que ela pode ser objeto de reflexão, iniciando-se,
assim, a atividade mental.
Piaget, no entanto, argumenta que a linguagem não é o único fator respon-
sável pelo funcionamento da mente, uma vez que, no período sensório-motor,
o qual é anterior à aquisição da linguagem, a criança já demonstra possuir uma
atividade mental. Ela é capaz de prever eventos, manifestar expectativas, fazer
ligações de causa e efeito entre objetos e ações, alcançar objetos distantes e es-
condidos, reconhecer pessoas e lugares etc.

capítulo 3 • 103
Além disso, em qualquer etapa de desenvolvimento, a linguagem é compre-
endida no nível dos esquemas lógicos que o indivíduo possui.
Em todos os níveis do processo evolutivo, a linguagem adapta-se, semanti-
camente, às estruturas do sujeito. Evidentemente que ela contribui para am-
pliar os esquemas mentais, mas nem por isso está menos subordinada, pelo
menos inicialmente, às estruturas lógicas que o indivíduo apresenta.
Por isso Piaget argumenta que a atividade mental se inicia com o nascimen-
to e a inteligência tem um desenvolvimento espontâneo para o qual contri-
buem tanto fatores internos como externos.

3.2  A vida de Lev. S. Vygotsky


De acordo com Rego (2000), Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novem-
bro de 1896, em Orsha, uma pequena cidade provinciana, na Bielo-Rússia. Sua
família, de origem judaica, propiciava um ambiente bastante desafiador em
termos intelectuais e estável no que diz res-
©© REPRODUÇÃO

peito ao aspecto econômico. Seu pai, pes-


soa culta, trabalhava em um banco e uma
companhia de seguros. Sua mãe, apesar
de ter dedicado grande parte de sua vida à
criação dos filhos, era professora formada.
Vygotsky cresceu e viveu por um longo pe-
ríodo em Gomel, também na Bielo-Rússia,
na companhia de seus pais e sete irmãos.
Casou-se aos 28 anos, com Roza Smekho-
va, com quem teve duas filhas. Faleceu em
Moscou, em 11 de junho de 1934, vítima de
tuberculose, doença com que conviveu du-
rante 14 anos.
Sua educação, até os 15 anos, proces-
sou-se totalmente em casa, por tutores particulares. Desde cedo mostrou ser
um estudante dedicado e ávido por informações. Gostava de literatura e assun-
tos relacionados às artes em geral. Frequentava a biblioteca que tinha em sua
casa e a biblioteca pública. Estudava sozinho e com seus amigos.

104 • capítulo 3
É bem provável que sua precoce curiosidade por temas de diferentes cam-
pos do conhecimento tenha sido provocada, no início, pelo acesso que tinha,
no seu contexto familiar, a diversos tipos de informação. Outro traço marcante
na formação de Vygotsky, e que alimentou seu gosto pela leitura, foi o aprendi-
zado de diferentes línguas, o que permitiu que entrasse em contato com ma-
teriais de diversas procedências. Assim, mesmo tendo viajado apenas uma vez
para o exterior, tinha acesso a informações do restante do mundo, pois lia, des-
de muito cedo, mais que as traduções russas lhe permitiam.
Aos 17 anos, completou o curso secundário, em um colégio privado em
Gomel. Nessa ocasião, recebeu medalha de ouro pelo seu desempenho. De 1914
a 1917, estudou Direito e Literatura, na Universidade de Moscou, época em que
começou sua pesquisa literária mais sistemática. O trabalho que apresentou no
término desse curso foi um estudo de Hamlet, de Shakespeare: A Tragédia de
Hamlet, Príncipe da Dinamarca, o qual, mais tarde, em 1925, deu origem ao li-
vro Psychology of Art (Psicologia da Arte), que foi publicado na Rússia somente
em 1965. Já nesse trabalho e em outros ensaios literários posteriores, é possível
identificar sua grande competência para realizar análises psicológicas, fruto
das influências que recebeu dos estudiosos soviéticos interessados no efeito da
linguagem sobre os processos de pensamento (LURIA, 1988 apud REGO, 2000).
É curioso observar que, no mesmo período em que cursava a Universidade
de Moscou, também participava, na Universidade Popular de Shanyavskii, de
cursos de história e filosofia (não recebeu, no entanto, nenhum título acadê-
mico por essas atividades). Anos mais tarde, o crescente interesse em compre-
ender o desenvolvimento psicológico do ser humano e, particularmente, as
anormalidades físicas e mentais levou Vygotsky a fazer cursos na Faculdade de
Medicina, primeiro em Moscou e depois em Kharkov.
Assim, seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade, já
que transitou por diversos assuntos, desde artes, literatura, linguística, antro-
pologia, cultura, ciências sociais, psicologia e filosofia até, posteriormente,
medicina. O mesmo ocorreu com sua atuação profissional, que foi eclética e
intensa, estando sempre associada ao trabalho intelectual.
Vygotsky começou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de
1917. Em Gomel, no período de 1917 a 1923, além de escrever críticas literárias,
lecionou e proferiu palestras sobre temas ligados a literatura, ciência e psico-
logia em várias instituições. Já nessa época, preocupava-se também com ques-
tões ligadas à pedagogia. Em 1922, por exemplo, publicou um estudo sobre os

capítulo 3 • 105
métodos de ensino da literatura nas escolas secundárias. Nessa fase, dirigia a
seção de teatro do Departamento de Educação de Gomel. Na mesma cidade,
fundou, ainda, uma editora, uma revista literária e um laboratório de psicolo-
gia no Instituto de Treinamento de Professores, local onde ministrava cursos
de psicologia.
O interesse de Vygotsky pela psicologia acadêmica começou a delinear-se a
partir de seu contato, no trabalho de formação de professores, com os proble-
mas de crianças com defeitos congênitos, tais como: cegueira, retardo mental
severo, afasia etc. Essa experiência estimulou-o a encontrar alternativas que
pudessem ajudar o desenvolvimento de crianças com essas deficiências. Na
verdade, seu estudo sobre a deficiência (tema a que se dedicou durante vários
anos) não somente tinha o objetivo de contribuir na reabilitação das crianças,
mas também significava uma excelente oportunidade de compreensão dos
processos mentais humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de
pesquisa.
O ano de 1924 significou um grande marco na sua carreira intelectual e pro-
fissional. A partir dessa data, dedicou-se mais sistematicamente à psicologia.
No início desse ano, realizou uma palestra no II Congresso de Psicologia em
Leningrado, que, na época, era considerado um dos principais encontros dos
cientistas ligados à psicologia. Na sua exposição, o jovem de então 28 anos cau-
sou surpresa e admiração, devido à complexidade do tema que abordou, à qua-
lidade de sua exposição e à proposição de ideias revolucionárias sobre o estudo
do comportamento consciente humano. Graças a essa comunicação, Vygotsky
foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou.
Assim, no outono daquele ano, ele aceitou o desafio e mudou-se para Moscou,
onde, inicialmente, trabalhou no Instituto de Psicologia e, tempos depois, no
Instituto de Estudos das Deficiências, por ele fundado. Simultaneamente, em
razão de suas investigações sobre os deficientes físicos e mentais, chegou a diri-
gir um Departamento de Educação, em Narcompros, voltado para este público.
Naquele mesmo ano escreveu o trabalho Problemas da Educação de
Crianças Cegas, Surdo-Mudas e Retardadas, que apresentava algumas de suas
reflexões sobre o assunto. Ministrou, ainda, cursos de psicologia e pedagogia
em diversas instituições de Moscou, Leningrado e, anos depois, Ucrânia.
De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das frequentes hospi-
talizações, Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual excepcio-
nal. Ao longo desses anos, além de amadurecer seu programa de pesquisa,

106 • capítulo 3
continuou lecionando, lendo, escrevendo e desenvolvendo importantes inves-
tigações. Liderou também um grupo de jovens cientistas, pesquisadores da psi-
cologia e das anormalidades físicas e mentais.
Segundo Rego (2000), o projeto principal de seu trabalho consistia na ten-
tativa de estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano
nas suas dimensões filogenética, sociogenética e ontogenética. Deteve-se no
estudo dos mecanismos psicológicos mais sofisticados (as chamadas funções
psicológicas superiores), típicos da espécie humana: controle consciente do
comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensa-
mento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc.

A Filogênese diz respeito à história de uma espécie animal. Todas as espécies animais
têm uma história própria e essa história da espécie define limites e possibilidades de
funcionamento psicológico.” (DAVIS; OLIVEIRA, 2001)
A Ontogênese, o desenvolvimento do ser, de um indivíduo, de uma determinada espé-
cie. Em cada espécie, o ser, o membro individual daquela espécie, tem um caminho de
desenvolvimento. Nasce, se desenvolve, se reproduz, morre, num ritmo determinado
de desenvolvimento, com certa sequência etc. E este plano genético da ontogênese
está muito ligado à filogênese, porque os dois são de natureza muito biológica, dizem
respeito à pertinência do homem à espécie. (DAVIS; OLIVEIRA, 2001)
A Sociogênese, ou história cultural, é a história da cultura onde o sujeito está inserido,
mas não a história no sentido da História do Brasil, a História do Mundo Ocidental, mas
as formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico, que
definem de certa forma o funcionamento psicológico. (DAVIS; OLIVEIRA, 2001)
A Microgênese diz respeito ao fato de que cada fenômeno psicológico tem sua própria
história. Por isto é micro. No sentido, não necessariamente de pequeno, mas com foco
bem definido. (DAVIS; OLIVEIRA, 2001)

Seguindo as premissas do método dialético, Vygotsky procurou identificar


as mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao longo do desen-
volvimento humano e sua relação com o contexto social. Coerente com esse
propósito, fez, no fim da década de 1920 e no início dos anos 1930, relevan-
tes reflexões sobre a questão da educação e de seu papel no desenvolvimento
humano.

capítulo 3 • 107
Nessa fase, dedicou-se mais especialmente ao estudo da aprendizagem e do
desenvolvimento infantil, trabalhando em uma área que, segundo ele, era mais
abrangente que a psicologia: a “chamada ‘pedologia’ (ciência da criança, que
integra os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos). Ele considerava
essa disciplina como sendo a ciência básica do desenvolvimento humano, uma
síntese das diferentes disciplinas que estudam a criança” (OLIVEIRA, 1993, p.
20 apud REGO, 2000).
É importante ressaltar que a preocupação principal de Vygotsky não era a de
elaborar uma teoria do desenvolvimento infantil. Ele recorria à infância como
forma de poder explicar o comportamento humano no geral, justificando que
a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela estar no centro da pré
-história do desenvolvimento cultural, devido ao surgimento do uso de instru-
mentos e da fala humana.

Dialético: adj. Que diz respeito à dialética. Materialismo dialético, v. MARXISMO. S.m.
Aquele que cultiva a dialética. Aquele que argumenta com habilidade e método.” (Di-
cionário Online de Português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/dialetico/>)

Apesar de não ter alcançado plenamente suas complexas metas, a obra de


Vygotsky tem particular importância, na medida em que “ele foi o primeiro psi-
cólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte
da natureza de cada pessoa” (Cole; Scribner, 1984, p. 7 apud Rego, 2000). Um
dos pontos centrais de sua teoria é que as funções psicológicas superiores são
de origem sóciocultural e emergem de processos psicológicos elementares, de
origem biológica (estruturas orgânicas). Ou seja, segundo ele, a complexidade
da estrutura humana deriva do processo de desenvolvimento profundamente
enraizado nas relações entre as histórias individual e social.

3.2.1  A teoria de Lev. S. Vyogtsky

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002), a perspectiva teórica de Vygot-


sky nasceu na ex-União Soviética, embalada pela Revolução de 1917 e pela te-
oria marxista. No Ocidente, a teoria sócio-histórica ganharia importância nos
anos 1970, tornando-se referência para a psicologia do desenvolvimento, a psi-
cologia social e a educação.

108 • capítulo 3
Tendo como referência essa nova abordagem teórica formulada por
Vygotsky, buscava-se construir uma psicologia que superasse as tradições po-
sitivistas e estudasse o homem e seu mundo psíquico como uma construção
histórica e social da humanidade. Para Vygotsky, o mundo psíquico que temos
hoje não foi nem será sempre assim, pois sua caracterização está diretamente
ligada ao mundo material e às formas de vida que os homens vão construindo
no decorrer da história da humanidade.
Esse autor produziu toda a sua obra no início do século 20, pois morreu
cedo, deixando aos colegas de trabalho a tarefa de completar sua teoria. Hoje,
70 anos depois de sua morte, o autor volta à tona com o merecido reconheci-
mento pela sua contribuição à educação e à psicologia.
Na década de 1920 e início dos anos 1930, Vygotsky dedicou-se à construção da
crítica à noção de que se poderia construir conhecimento sobre as funções psicológi-
cas superiores humanas a partir de experiências com animais. Ele criticou também
as concepções que afirmavam serem as propriedades intelectuais dos homens resul-
tado da maturação do organismo, como se o desenvolvimento estivesse predetermi-
nado e o seu afloramento, vinculado apenas a uma questão de tempo. Vygotsky bus-
cou as origens sociais dessas capacidades humanas. Além disso, via o pensamento
marxista como uma fonte científica de grande valor para a solução dos paradoxos
científicos fundamentais que incomodavam a psicologia no início daquele século.
Ainda segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), serão sistematizados alguns
pontos da concepção de Vygotsky a seguir.
1. Os fenômenos devem ser estudados em movimento e compreendidos
como em permanente transformação. Na psicologia, isso significa estudar o fe-
nômeno psicológico em sua origem e no curso de seu desenvolvimento.
2. A história dos fenômenos é caracterizada por mudanças qualitativas
e quantitativas. Assim, o fenômeno psicológico transforma-se no decorrer da
história da humanidade, e processos elementares tornam-se complexos.
3. As mudanças na “natureza do homem” são produzidas por mudanças
na vida material e na sociedade.
4. O sistema de signos (a linguagem, a escrita, o sistema de números) é pen-
sado como um sistema de instrumentos, os quais foram criados pela sociedade,
ao longo de sua história. Esse sistema muda a forma social e o nível de desen-
volvimento cultural da humanidade. A internalização desses signos provoca mu-
danças no homem. Seguindo a tradição marxista, Vygotsky considera que as mu-
danças que ocorrem em cada um de nós têm sua raiz na sociedade e na cultura.

capítulo 3 • 109
O signo age como um instrumento da atividade psicológica, de maneira análoga ao pa-
pel de um instrumento de trabalho. A invenção e o uso de signos como meios auxiliares
para solucionar um dado problema psicológico são análogos à invenção e ao uso de
instrumentos, só que, agora, no campo psicológico.

Vygotsky tem parte de sua obra dedicada às questões escolares. É importan-


te estudar a sua teoria para que possamos olhar os chamados “problemas de
aprendizagem” sob uma nova perspectiva: a das relações sociais que caracteri-
zam o processo de ensino-aprendizagem.
Para Vygotsky, a aprendizagem sempre inclui relações entre as pessoas. A re-
lação do indivíduo com o mundo está sempre mediada pelo outro. Não há como
aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos oferece os
significados que permitem pensar o mundo à nossa volta. Veja bem, Vygotsky de-
fende a ideia de que não há um desenvolvimento pronto e previsto dentro de nós,
que vai se atualizando conforme o tempo passa ou recebemos influência externa. O
desenvolvimento não é pensado como algo natural nem mesmo como produto ex-
clusivo da maturação do organismo, mas como um processo em que estão presen-
tes a maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanida-
de e as relações sociais que permitem a aprendizagem. E aí aparece o “outro” como
alguém fundamental, pois nos orienta no processo de apropriação da cultura.
Para Vygotsky, o desenvolvimento é um processo que se dá de fora para den-
tro. É no processo de ensino-aprendizagem que ocorre a apropriação da cultura
e o consequente desenvolvimento do indivíduo.
A aprendizagem da criança inicia-se muito antes de sua entrada na escola.
Isso porque, desde o primeiro dia de vida, ela já está exposta aos elementos da
cultura e à presença do outro, que se torna o mediador entre ela e a cultura. A
criança vai aprendendo a falar e gesticular, nomear objetos, adquirir informa-
ções a respeito do mundo que a rodeia, manusear objetos da cultura; ela vai
se comportando de acordo com as necessidades e as possibilidades. Em todas
essas atividades, está o “outro”. Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o
nome das coisas, a forma certa de comportar-se; é ele que lhe explica o mundo,
que lhe responde aos “porquês”, enfim, é o seu grande intérprete do mundo.
São esses elementos apropriados do mundo exterior que possibilitam o desen-
volvimento do organismo e a aquisição das capacidades superiores, que carac-
terizam o psiquismo humano (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

110 • capítulo 3
CONEXÃO
Você sabia que signos são construções sociais, indivíduos de diferentes culturas, podem ter
signos diferentes entre si, ou ainda, determinados signos para uns, não os são para outros,
porque viveram em contextos diferentes ou porque não foram capazes de internalizá-los?
Saiba mais acessando o artigo do site sugerido: http://www.abpp.com.br/artigos/52.htm.

A escola surge, então, como lugar privilegiado para esse desenvolvimento,


pois é o espaço em que o contato com a cultura é feito de forma sistemática,
intencional e planejada. O desenvolvimento – que só ocorre quando situações
de aprendizagem o provocam – tem seu ritmo acelerado no ambiente escolar.
O professor e os colegas formam um conjunto de mediadores da cultura que
possibilita um grande avanço no desenvolvimento da criança.
A criança não possui instrumentos endógenos para o seu desenvolvimento. Os
mecanismos de desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem.
Estes, sim, são responsáveis pela emergência de características psicológicas tipica-
mente humanas, que transcendem à programação biológica da espécie. O contato e
o aprendizado da escrita e das operações matemáticas fornecem a base para o desen-
volvimento de processos internos altamente complexos no pensamento da criança.
O aprendizado, quando adequadamente organizado, resulta em desenvolvimen-
to mental, pondo em movimento processos que seriam impossíveis de acontecer.
Esses princípios diferenciam-se de visões do desenvolvimento como um processo
que antecede à aprendizagem ou um processo já completo, que a viabiliza.
A partir dessas concepções, Vygotsky construiu o conceito de zona de desen-
volvimento proximal, referindo-se às potencialidades da criança que podem ser
desenvolvidas a partir do ensino sistemático. A zona de desenvolvimento proxi-
mal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma ser deter-
minado mediante a solução independente de problemas pela criança, e o nível
de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros. Esse conceito
é importante porque nos possibilita delinear o futuro imediato da criança e seu
estado dinâmico de desenvolvimento. Além disso, permite ao professor olhar seu
educando de outra perspectiva, bem como o trabalho conjunto entre colegas.
Aliás, Vygotsky acreditava que a noção de zona de desenvolvimento proximal já
estava presente no bom-senso do professor, quando este planejava seu trabalho.

capítulo 3 • 111
Assim, Vygotsky insistia na importância de a educação pensar o desenvol-
vimento da criança de forma prospectiva, e não retrospectiva, como era feito.
Sua crítica foi contundente. Segundo ele, a escola pensa a criança e planeja o
ensino de forma retrospectiva por considerar, como condição para a aprendiza-
gem, o nível de desenvolvimento já conquistado pela criança. No seu entender,
a escola deveria inverter esse raciocínio e pensar o ensino das possibilidades
que o aprendizado já obtido traz. O bom ensino é aquele que se volta para as
funções psicológicas emergentes, potenciais, e pode ser facilmente estimulado
pelo contato com os colegas que já aprenderam determinado conteúdo.
A aprendizagem é, portanto, um processo essencialmente social, que ocor-
re na interação com os adultos e os colegas. O desenvolvimento é resultado
desse processo, e a escola, o lugar privilegiado para essa estimulação. A educa-
ção passa, então, a ser vista como processo social sistemático de construção da
humanidade.
Nesse sentido, Bock, Furtado e Teixeira (2002) ressaltam que, para Vygotsky,
as relações entre aprendizagem e desenvolvimento são indissociáveis. O indi-
víduo, imerso em um contexto cultural, tem seu desenvolvimento movido por
mecanismos de aprendizagem acionados externamente. A matéria-prima des-
se desenvolvimento encontra-se, fundamentalmente, no mundo externo, nos
instrumentos culturais construídos pela humanidade. Assim ao buscar respos-
tas para as necessidades de seu tempo histórico, o homem cria, junto com ou-
tros homens, instrumentos que consolidam o desenvolvimento psicológico e
fisiológico obtido até então. Os homens de outra geração, ao manusear esses
instrumentos, apropriam-se do desenvolvimento ali consolidado. Eles apren-
dem e desenvolvem-se ao mesmo tempo, adquirindo possibilidades de respon-
der a novas necessidades com a construção de novos instrumentos. E assim
caminha a humanidade.

As funções psicológicas elementares são de origem biológica, presente apenas em


animais e crianças pequenas. As funções psicológicas superiores são sociais e cultu-
ralmente construídas.

A partir dessas concepções de Vygotsky, a escola torna-se um novo lugar –


um espaço que precisa privilegiar o contato social entre seus membros e tor-
ná-los mediadores da cultura. Alunos e professores devem ser considerados

112 • capítulo 3
parceiros nessa tarefa social. O aluno jamais poder ser visto como alguém que
não aprende, possuidor de algo interno que lhe dificulta a aprendizagem. O
desafio está colocado. Todos são responsáveis no processo. Não há aprendi-
zagem que não gere desenvolvimento; não há desenvolvimento que prescinda
da aprendizagem. Aprender é estar com o outro, que é mediador da cultura.
Qualquer dificuldade nesse processo tem de ser analisada como uma respon-
sabilidade de todos os envolvidos. O professor torna-se figura fundamental; o
colega de classe, um parceiro importante; o planejamento das atividades, tare-
fa essencial; a escola, o lugar de construção humana.
Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), Vygotsky morreu muito cedo e não
pôde completar sua obra, mas deixou aos seus seguidores alguns princípios,
que apresentamos a seguir.
1. A compreensão das funções superiores do homem não pode ser alcan-
çada pela psicologia animal, pois os animais não têm vida social e cultural.
2. As funções superiores do homem não podem ser vistas apenas como
resultado da maturação de um organismo que já possui, em potencial, tais
capacidades.
3. A linguagem e o pensamento humano têm origem social. A cultura faz
parte do desenvolvimento humano e deve ser integrada ao estudo e à explicação
das funções superiores.
4. A consciência e o comportamento são aspectos integrados de uma uni-
dade, não podendo ser isolados pela psicologia.

Vygotsky desenvolveu também uma estrutura teórica marxista para a psico-


logia, conforme passamos a descrever.
a) Todos os fenômenos devem ser estudados como processos em perma-
nentes movimento e transformação.
b) O homem constitui-se e transforma-se ao atuar sobre a natureza com
sua atividade e seus instrumentos.
c) Não se pode construir qualquer conhecimento a partir do aparente,
pois não se captam as determinações que são constitutivas do objeto. Ao con-
trário, é preciso rastrear a evolução dos fenômenos, pois estão em sua gênese e
em seu movimento as explicações para sua aparência atual.
d) A mudança individual tem sua raiz nas condições sociais de vida. Assim,
não é a consciência do homem que determina as formas de vida, mas é a vida
que se tem que determina a consciência.

capítulo 3 • 113
O desafio de Vygotsky foi assumido por outros teóricos, entre eles Luria e
Leontiev, seus parceiros de trabalho. Sua obra ficou, por muitos anos, restri-
ta à ex-União Soviética. Hoje, na Europa, nos Estados Unidos e em países do
Terceiro Mundo, como o Brasil, Vygotsky vem sendo estudado e utilizado, prin-
cipalmente nas áreas de psicologia da educação e psicologia social. No Brasil,
essas áreas foram influenciadas pela obra de Vygotsky na década de 1980 – na
educação, por meio das teorias construtivistas da aprendizagem, especialmen-
te a partir da influência de Emília Ferreiro; na psicologia social, pela atuação da
professora Silvia Lane, que contribuiu significativamente para a construção de
uma psicologia social crítica, permitindo que, ao pensar o psiquismo humano,
falasse-se das condições sociais que são constitutivas desse mundo psicológico.

3.2.2  O desenvolvimento humano para Vygotsky

Bock, Furtado e Teixeira (2002) relatam que o desenvolvimento infantil é visto a


partir de três aspectos: instrumental, cultural e histórico. E é Luria que nos aju-
da a compreendê-los. Um dos instrumentos básicos criados pela humanidade
é a linguagem. Por isso, Vygotsky deu ênfase, em toda a sua obra, à linguagem e
à sua relação com o pensamento.
O aspecto instrumental refere-se à natureza basicamente mediadora das
funções psicológicas complexas. Não apenas respondemos aos estímulos apre-
sentados no ambiente, mas alteramo-los e usamos suas modificações como
um instrumento de nosso comportamento. Exemplo disso é o costume popu-
lar de amarrar um barbante no dedo para lembrar algo. O estímulo – o laço no
dedo – objetivamente significa apenas que o dedo está amarrado. Ele adquire
sentido, por sua função mediadora, fazendo-nos lembrar algo importante.
O aspecto cultural da teoria envolve os meios socialmente estruturados pe-
los quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento
enfrenta e os tipos de instrumento, tanto mentais como físicos, de que a crian-
ça pequena dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos
criados pela humanidade é a linguagem. Por isso, Vygotsky deu ênfase, em toda
a sua obra, à linguagem e à sua relação com o pensamento.
O aspecto histórico, como afirma Luria, funde-se com o cultural, pois os ins-
trumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio compor-
tamento foram criados e modificados ao longo da história social da civilização.
Os instrumentos culturais expandiram os poderes do homem e estruturariam

114 • capítulo 3
seu pensamento, de maneira que, se não tivéssemos desenvolvido a linguagem
escrita e a aritmética, por exemplo, não possuiríamos, hoje, a organização dos
processos superiores que possuímos.
Assim, para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do ho-
mem caminham juntos e, mais que isso, estão de tal forma intrincados que um
não seria o que é sem o outro. Com essa perspectiva é que Vygotsky estudou o
desenvolvimento infantil.
As crianças, desde o nascimento, estão em constante interação com os adul-
tos, que, ativamente, procuram incorporá-las a suas relações e a sua cultura.
No início, as respostas das crianças são dominadas por processos naturais,
especialmente aqueles proporcionados pela herança biológica. É pela media-
ção dos adultos que os processos psicológicos mais complexos tomam forma.
Inicialmente, esses processos são interpsíquicos (partilhados entre pessoas),
isto é, só podem funcionar durante a interação das crianças com os adultos. À
medida que elas crescem, esses processos acabam por ser executados dentro
delas próprias – intrapsíquicos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).
Mediante essa interiorização dos meios de operação das informações,
meios estes historicamente determinados e culturalmente organizados, a na-
tureza social das pessoas tornou-se sua natureza psicológica.

Mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação:


esta deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. Representa uma
nova visão da relação estímulo-resposta.

No estudo feito por Vygotsky, sobre o desenvolvimento da fala, sua visão fica
bastante clara: inicialmente, os aspectos motores e verbais do comportamen-
to estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a conversação
orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social.
Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a adquirir
traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de que está
precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os outros
com o auxílio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala vai dei-
xando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai adquirin-
do a função de autodireção.

capítulo 3 • 115
Fala e ação, que se desenvolvem independentemente uma da outra, conver-
gem em determinado momento do desenvolvimento, e esse é o momento de
maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às
formas puramente humanas de inteligência. Forma-se, então, um amálgama
entre fala e ação; inicialmente, a fala acompanha a ação e, posteriormente, diri-
ge, determina e domina o curso da ação, com sua função planejadora.
O desenvolvimento está, pois, alicerçado sobre o plano das interações. O su-
jeito faz uma ação que tem, inicialmente, um significado partilhado. Assim, a
criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo,
e estes são interpretados como “desejo de obtê-lo” pelo adulto, então, dá o obje-
to a ela. Os movimentos da criança afetam o adulto, e não o objeto diretamente;
a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança transforme o
movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na interação, e a
criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir das relações sociais
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).
Todos os movimentos e expressões verbais da criança no início de sua vida
são importantes, pois afetam o adulto, que os interpreta e devolve-os à criança
com ação e/ou fala. A fala egocêntrica, por exemplo, foi vista por Vygotsky como
uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. A fala inicial da crian-
ça tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de suas funções
psicológicas.
Para Vygotsky, as funções psicológicas emergem e consolidam-se no plano
da ação entre pessoas e tornam-se internalizadas, emergem e se, isto é, trans-
formam-se para constituir o funcionamento interno. O plano da ação plano
interno não é a reprodução do plano externo, pois ocorre entre pessoas e trans-
formações ao longo do processo de internalização. Do plano interpsíquico, as
ações passam para o plano intrapsíquico. Vygotsky considera, portanto, as rela-
ções sociais como constitutivas das funções psicológicas do homem. Essa visão
deu o caráter interacionista à sua teoria.
Vygotsky deu ênfase ao processo de internalização como mecanismo que
intervém no desenvolvimento das funções psicológicas complexas. Esta é re-
construção interna de uma operação externa e tem como base a linguagem. O
plano interno, para Vygotsky, não preexiste, mas é constituído pelo processo de
internalização, fundado nas ações, nas interações sociais e na linguagem.

116 • capítulo 3
Assista ao documentário, na íntegra, Lev Vygotsky, da Coleção Grandes Educadores.
Sinopse: Lev Vygotsky se preocupa em entender o funcionamento psicológico do ser
humano, integrando aspectos biológicos e culturais. Com relação à educação, a teoria
de Vygotsky enfatiza o papel da aprendizagem no desenvolvimento humano, valori-
zando a escola, o professor e a intervenção pedagógica. Talvez por isso, suas ideias
têm tido tanta repercussão entre os educadores do Ocidente, apesar de sua distância
no tempo e espaço (viveu na antiga União Soviética e morreu há mais de 60 anos). A
produção de Vygotsky foi vasta: escreveu cerca de 200 trabalhos científicos, que foram
pontos de partida para inúmeros projetos de pesquisa posteriores, desenvolvidos por
seus colaboradores e seguidores, e ainda centrais na agenda de psicologia da educa-
ção contemporânea.
Disponível em: <http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?pro-
duto=14990>

3.2.3  Algumas Implicações da teoria do desenvolvimento humano


de Vygotsky

De acordo com Rego (2000), a obra de Vygotsky pode significar uma grande con-
tribuição para a área da educação, na medida em que traz importantes refle-
xões sobre o processo de formação das características psicológicas tipicamente
humanas e, como consequência, suscita questionamentos, aponta diretrizes e
instiga a formulação de alternativas no plano pedagógico. No entanto, vale res-
saltar que não é possível encontrar, nas suas teses (como em outras propostas
teóricas), soluções práticas ou instrumentos metodológicos de imediata aplica-
ção na prática educativa cotidiana.
Ao desenvolver o conceito de zona de desenvolvimento proximal e outras
teses, Vygotsky oferece elementos relevantes para a compreensão de como se
dá a integração entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. A seguir, serão
apresentadas reflexões sobre algumas implicações das ideias de Vygotsky para
a educação.

capítulo 3 • 117
3.2.3.1  Valorização do papel da escola

Vygotsky chama a atenção para o fato de que a escola, por oferecer conteúdos
e desenvolver modalidades de pensamento bastante específicas, tem um papel
diferente e insubstituível na apropriação, pelo sujeito, da experiência cultural-
mente acumulada. Justamente por isso, ela representa o elemento imprescin-
dível para a realização plena do desenvolvimento dos indivíduos (que vivem em
sociedades escolarizadas), já que promove um modo mais sofisticado de anali-
sar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.
Na escola, as atividades educativas, diferente daquelas que ocorrem no co-
tidiano extraescolar, são sistematizadas, têm uma intencionalidade delibera-
da e o compromisso explícito (legitimado historicamente) de tornar acessível
o conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto, as crianças são de-
safiadas a entender as bases dos sistemas de concepções científicas e tomar
consciência de seus próprios processos mentais.
O pensamento de Vygotsky faz-nos refletir sobre os aspectos socio-políticos
envolvidos na questão do saber e contribui para suscitar a necessidade de uma
avaliação mais criteriosa de como essa agência educativa vem desempenhando
sua tão relevante função.
O ensino verbalista, baseado na transmissão oral de conhecimentos por
parte do professor, assim como as práticas espontaneístas, que abdicam de seu
papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de conhecimentos por
parte das crianças e dos adolescentes, é, na perspectiva vygotskyana, além de
infrutífero, extremamente inadequado. Seus postulados apontam para a neces-
sidade de criação de melhores condições na escola, para que todos os alunos
tenham acesso às informações e experiências e possam efetivamente aprender.

3.2.3.2  O bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento

Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento,


ou seja, que se dirige às funções psicológicas as quais estão em vias de se comple-
tarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande
importância para a educação, pois permite a compreensão de processos de desen-
volvimento que, embora presentes no indivíduo, necessitam da intervenção, da co-
laboração de parceiros mais experientes da cultura para consolidarem-se e, como
consequência, ajuda a definir o campo e as possibilidades da atuação pedagógica.

118 • capítulo 3
A escola desempenhará bem seu papel na medida em que, partindo daqui-
lo que a criança já sabe (o conhecimento que ela traz de seu cotidiano, suas
ideias a respeito de objetos, fatos e fenômenos, suas “teorias” acerca do que
observa no mundo), for capaz de ampliar e desafiar a construção de novos co-
nhecimentos – na linguagem vygotskyana, incidir na zona de desenvolvimento
potencial do educando. Dessa forma, poderá estimular processos internos que
acabarão por efetivar-se, passando a constituir a base que possibilitará novas
aprendizagens.

3.2.3.3  Papel do outro na construção do conhecimento

Na perspectiva de Vygotsky, construir conhecimentos implica uma ação par-


tilhada, já que é por meio dos outros que as relações entre sujeito e objeto de
conhecimentos são estabelecidas. Sugere-se, assim, um redimensionamento
do valor das interações sociais (entre alunos e professor e entre as crianças)
no contexto escolar. Estas passam a ser entendidas como condição necessá-
ria para a produção de conhecimentos por parte dos alunos, particularmen-
te aquelas que permitem o diálogo, a cooperação e a troca de informações, o
confronto de pontos de vista divergentes e a divisão de tarefas, segundo a qual
cada um tem uma responsabilidade, que, somadas, resultam no alcance de um
objeto comum. Cabe, portanto, ao professor não somente permitir que essas
interações ocorram, como também as promover no cotidiano das salas de aula.

3.2.3.4  Papel da imitação no aprendizado

Vygotsky dá uma nova dimensão também ao papel da imitação no aprendizado.


Mediante a da imitação (instrumento de reconstrução no sentido vygotskyano),
o indivíduo aprende. O fornecimento de sugestões, exemplos e demonstrações
no contexto escolar adquire um papel de extrema importância. É interessante,
pois, que se promovam situações que permitam a imitação, a observação e a
reprodução de modelos.
Quando Vygotsky fala em imitação não se referindo, obviamente, aos “ritu-
ais de cópia” ou propostas de imitações mecânicas e literais de modelos forne-
cidos pelo adulto.

capítulo 3 • 119
A discussão de Vygotsky sobre o papel da imitação remete-nos à questão da
brincadeira e de sua importância no contexto escolar, principalmente no perí-
odo pré-escolar. A brincadeira não deveria ser entendida como uma atividade
secundária ou como um “mero passatempo” das crianças. Ao contrário, deve-
ria ser valorizada e estimulada, já que tem uma importante função pedagógica.
Nesse aspecto, é fundamental a atuação do educador, que pode, assim, auxiliar
não somente na organização do espaço e do tempo para as brincadeiras, como
também na escolha de utensílios para o incremento do jogo.

3.2.3.5  Papel mediador do professor na dinâmica das interações interpessoais e


na interação das crianças com os objetos de conhecimentos

A partir das ideias de Vygotsky, sugere-se a necessidade de redefinição da função


do professor. Podemos dizer que, nessa abordagem, ele deixa de ser visto como
agente exclusivo de informação e formação dos alunos. A função que desempe-
nha no contexto escolar é de extrema relevância, já que é o elemento mediador
das interações entre os alunos e das crianças como objetos de conhecimento.
No cotidiano escolar, a intervenção “nas zonas de desenvolvimento proxi-
mal” dos alunos é de responsabilidade (ainda que não exclusiva) do professor,
visto como parceiro privilegiado, justamente porque tem maior experiência,
informações e a incumbência, entre outras funções, de tornar acessível a eles o
patrimônio cultural já formulado pelos homens e, portanto, desafiar, mediante
o ensino, os processos de aprendizagem e desenvolvimento infantil.
Nessa perspectiva, as demonstrações, as explicações, as justificativas, as
abstrações e os questionamentos do professor são fundamentais no processo
educativo. Isso não quer dizer que ele deve “dar sempre a resposta pronta”. Tão
importante quanto seu fornecimento de informações e pistas é a promoção de
situações que incentivam a curiosidade das crianças, possibilitam a troca de
informações entre os alunos e permitem o aprendizado das fontes de acesso ao
conhecimento.
É necessário também que o professor conheça o nível efetivo das crianças,
ou melhor, as suas descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões, en-
fim, suas “teorias” acerca do mundo circundante. Esse deve ser considerado o
“ponto de partida”. Para tanto, é preciso que, no cotidiano, o professor estabe-
leça uma relação de diálogo com crianças e crie situações em que elas possam
expressar aquilo que já sabem.

120 • capítulo 3
É importante colocar que talvez a maior contribuição de seu pensamento
esteja no fato de suscitar questionamentos em torno de temas complicados e
ainda mal resolvidos no sistema educacional vigente em nossa sociedade.
Os postulados de Vygotsky apontam para a necessidade de criação de uma
escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as pessoas pos-
sam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Onde há
espaço para as transformações, as diferenças, o erro, as contradições, a colabo-
ração mútua e a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham
autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção
de conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma escola em que o co-
nhecimento já sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de
significado.
A partir dos estudos nesta unidade, podemos perceber a importância dessa
teoria no contexto escolar.

3.3  A vida e a obra de Henri Wallon


Segundo Silva (2007), Wallon nasceu em 15 de junho de 1879 em Paris onde
viveu toda sua vida. Terceiro filho de
uma família aristocrática, seu avô,
©© REPRODUÇÃO

de quem herdou o nome, fora histo-


riador e político importante para a
história da França.
Uma família na qual se respirava
a política, a justiça e a democracia.
Um dos eventos mais marcantes
da infância de Wallon, segundo ele
próprio, foi a morte do escritor e
poeta Victor Hugo. O pai de Wallon,
o arquiteto Paul Alexandre Joseph
Wallon, durante o jantar, leu trechos
do poeta para os filhos e, em segui-
da, dirigiu-se com estes para visitar
a casa do escritor, onde ocorria o
velório.

capítulo 3 • 121
Não se conhece muito mais sobre a infância e a adolescência de Wallon ou
sobre sua vida familiar (a família Wallon era composta de 7 irmãos).
Quanto a seus estudos superiores, decide, primeiramente, fazer a Escola
Normal Superior e tentar a carreira de professor de Filosofia (Agregation). Ali
recebe uma educação filosófica sólida, nos parâmetros da filosofia “de Kant a
Hegel”. Enquanto estudante do Normal Superior foi influenciado pelo profes-
sor Frédéric Rauh, filósofo que escrevera livros sobre a psicologia e sobre a in-
vestigação das experiências morais. Ao receber sua agregation em 1902, Wallon
leciona, por um ano, no Liceu Bar-le-Duc, na periferia de Paris.
Ele se mostra descontente com a atividade repetitiva de professor no secun-
dário e procura, então, a carreira de medicina, na época o caminho indicado
por Théodule Ribot (1839-1916), o pai da psicologia francesa, para que se pu-
desse ingressar firmemente em uma psicologia científica. Formado em 1908,
ele imediatamente torna-se assistente do professor Nageotte (1866-1948), emi-
nente histopatologista, e com ele inicia suas atividades no Hospital de Bicêtre
e, algum tempo depois, Salpêtrière, onde irá coletar os dados para a confecção
de sua tese de doutorado – e também seu primeiro livro – defendida apenas em
1925, sob o título de L’enfant turbulent (A criança agitada).
O motivo do atraso para a defesa se deve à colaboração de Wallon na Primeira
Grande Guerra (1914-1918) e ao seu engajamento como mestre de conferências
de psicologia infantil na Sorbonne, entre 1920 a 1937. O episódio da guerra, em
especial, irá causar um grande impacto nas ideias que Wallon alimentava sobre
o desenvolvimento infantil e sobre as relações entre a emoção e a razão. Como
médico do exército francês, teve a oportunidade de cuidar de inúmeros feridos
neurológicos, e especialmente dos soldados afetados por traumas de guerra.
Wallon observou a curiosa relação que havia entre um maior número e maior
intensidade dos traumas de guerra nos soldados do que em seus superiores.
Haveria alguma relação entre a sua saúde mental futura racionalização e con-
trole emocional que os responsáveis pelas tropas tinham de utilizar-se?
A resposta a essa pergunta irá determinar grande parte da produção de
Wallon, que procurará mostrar a função da emoção na psicologia humana: ela é
composta de reações orgânicas, controladas por centros cerebrais específicos, e
caracterizada por transformações corporais visíveis. Tais transformações são os
resultados da interação entre as funções tônica e clônica. Sua principal função é
mobilizar o meio social. Possibilita o nascimento da consciência e, uma vez que
esta nasce, opõe-se a ela. Eis o início da psicologia dialética de Wallon.

122 • capítulo 3
Uma das originalidades da teoria de Wallon é a sua tentativa de ver a criança de um
modo mais integral. Com foco na criança, Wallon busca compreender o desenvolvimen-
to de forma integrada, levando em conta os domínios cognitivo, afetivo e motor. Ele
considera que a escola é um lugar onde se educa, mas, principalmente, onde se deve
estudar a personalidade da criança. A perspectiva teórica de Wallon traz ainda uma pre-
ocupação bastante atual: como construir uma educação para todos, independente de
sua condição social, origem, raça e, ao mesmo tempo, uma educação para cada um, que
contemple a complexidade do indivíduo em todas as suas dimensões. (GALVÃO, 1995)

Ainda segundo Silva (2007), voltando à década de 1920, veremos Wallon


continuando seu trabalho de atendimento médico psiquiátrico, agora não
mais nos hospitais psiquiátricos, mas, exclusivamente, no Laboratório de
Psicobiologia em anexo a uma escola na periferia de Paris.
Na mesma década, irá engajar-se como presidente da Sociedade Francesa
de Psicologia (1927) e como diretor de estudos na École pratique de hautes étu-
des, cargo que lhe permitia prosseguir com as pesquisas no laboratório por ele
fundado. Em 1929, juntamente com o amigo Henri Pieron – que mais tarde se
tornará a grande referência da psicologia experimental na França – irá fundar o
“Instituto nacional do estudo do trabalho e de orientação profissional”. É dessa
incursão na área da psicologia do trabalho e da orientação profissional que sur-
girá seu terceiro livro, “Princípios de psicologia aplicada”, publicado em 1930.
Mas, se até então Wallon se configurava como um dos importantes nomes
da psicologia infantil na França, contribuindo com teses originais sobre os
elementos presentes no desenvolvimento infantil – o papel importante dado à
emoção, à descrição de algumas síndromes psicomotoras apresentadas em seu
primeiro livro, o esforço em efetuar uma psicologia científica, sem recursos à
metafísica ou ao espiritualismo –, a teoria walloniana encontrava-se, ainda, em
seus primórdios e não era difícil classificá-la, à época, como uma abordagem
que reduz todas as manifestações psicológicas ao seu componente orgânico,
uma teoria organicista.
De acordo com Silva (2007), Wallon, desde seus primeiros textos, busca pro-
duzir uma nova psicologia, uma solução para os reducionismos tanto do mate-
rialismo mecanicista-organicista quanto do espiritualismo. Por esse motivo, o
que é, e como se constitui a consciência torna-se o tema central de suas primei-
ras investigações, ainda na segunda década do século XX.

capítulo 3 • 123
No entanto, a explicitação teórica de uma concepção que ultrapassasse a
dicotomia orgânico-social muito mais conforme ao materialismo dialético
(Marx e Engels) irá ocorrer somente na década de 1930. A partir de uma via-
gem à Rússia, para um congresso de Psicologia Clínica (1931), Wallon é con-
vidado a participar do “Círculo da Nova Rússia”, um grupo de intelectuais que
queria aproximar-se das teses marxistas em seus respectivos campos de inte-
resse. É a partir desse envolvimento com o “Círculo da Nova Rússia” que vere-
mos Wallon definindo sua psicologia como propriamente dialética. Em 1934,
Wallon irá publicar aquele que é considerado seu primeiro grande livro, “As
origens do caráter”, no qual já se encontram desenvolvidas as suas principais
teses sobre o desenvolvimento do eu e o papel da emoção e do movimento nes-
se desenvolvimento.
É ali, igualmente, que Wallon irá descrever o que vem a ser o estágio do es-
pelho, momento do desenvolvimento infantil, por volta dos três anos, em que
a criança constrói uma imagem externa, um esquema corporal de si. O “eu”
não é um dado original ou inicial na psicologia humana, senão o fruto de uma
longa trajetória, repleta de momentos críticos ou crises. Mas, para Wallon, tais
crises não são vistas como necessariamente negativas, ao contrário, são mo-
mentos indispensáveis para a constituição da personalidade. A crise da adoles-
cência, por exemplo, pode ser um importante momento em que o jovem toma
para si modelos por ele mesmo escolhidos e busca livrar-se daqueles impostos
até então. Certamente, como decorrência desse momento crítico podem surgir
conflitos explícitos, mas Wallon alerta para o fato de que as crises no desenvol-
vimento não são sinônimos de conflito.
Outra importante definição que se dá nesse momento é a do conceito de
caráter. Para Wallon, o caráter é o componente mais original de cada ser hu-
mano, “esta espécie de índice individual” (Wallon, 1934/1986, p. 26). Trata-se
do conjunto de respostas orgânicas e psicológicas mais ou menos estáveis que
o sujeito empreende diante das solicitações do meio externo. Ele tem uma ori-
gem orgânica, mas, não se resume a ela, já que na concepção dialética wallo-
niana filiação não significa causalidade. No entanto, é a partir do caráter, este
núcleo duro, que se acrescentarão as influências sociais, culturais e históricas
que irão culminar na personalidade, que, por esse motivo, sofre variações e tem
um desenvolvimento próprio ao longo da ontogenia.

124 • capítulo 3
No ano seguinte à publicação de “As origens do caráter”, Wallon será eleito,
finalmente, para o quadro de professores do Collège de France. A tradicional
casa universitária da França demorará ainda dois anos para admiti-lo concre-
tamente. As dificuldades para a aceitação de Wallon no quadro universitário
francês decorrem da política interna da instituição e, segundo muitos autores
(Jalley, 2006; Nicolas, 2003; Zazzo, 1978), pelo cada vez mais explícito engaja-
mento político de Wallon às teses marxistas. Embora ele tenha se filiado ao
partido socialista em 1931 e dele se retirado por não concordar com as suas
opções eleitoreiras, por ocasião da invasão alemã à França, e como resposta à
morte de dois jovens intelectuais próximos a Wallon, irá se filiar (1942) agora ao
partido comunista, permanecendo neste até o final de sua vida. O engajamento
político de Wallon, no entanto, não é, em última instância, partidário. No final
da década de 1930, irá viajar até a capital espanhola para, juntamente com estu-
dantes e intelectuais, protestar contra a nascente ditadura franquista. Durante
a ocupação alemã, permanecerá em Paris com suas consultações pediátricas,
mesmo correndo o risco de ser preso pelos agentes da Gestapo (SILVA, 2007).
Em 1944, nos últimos momentos antes do término da guerra, é indicado
como ministro da educação do governo da resistência, cargo que ocupa por
apenas um mês. Entretanto, sua ligação com a educação é profunda, e não ape-
nas teórica. Já na sua aula inaugural no Collège de France (1937), ele deixa claro
que o vínculo ideal entre psicologia e pedagogia não é de submissão entre es-
sas duas disciplinas, mas de integração e fortalecimento mútuo. A psicologia
pode oferecer muito à pedagogia, seja propondo teorias mais condizentes com
a tarefa de educar, seja esclarecendo os vários estágios e períodos do desenvol-
vimento pelos quais passa o aluno. Mas a pedagogia, igualmente, pode comple-
mentar o olhar psicológico, fornecendo-lhe não só o material para seu traba-
lho, mas indicando e problematizando situações não perceptíveis ao psicólogo.
O engajamento político e prático de Wallon com a educação pode ser visto
ainda por seu projeto, em co-autoria com o físico Paul Langevin (1872-1946), de
uma reforma educacional, publicado em 1947, mas que jamais será totalmente
aplicado no sistema de ensino francês. Ali, dentre tantas modificações sugeri-
das pelos autores do projeto, vemos a compreensão do aprendizado como um
trabalho a ser realizado pelo estudante. Daí, então, a necessidade do pagamen-
to de bolsas que pudessem auxiliar e reforçar o trabalho do aluno.

capítulo 3 • 125
Em 1938, aceitando o convite de seu amigo, o historiador Lucien Febvre,
Wallon coordena e redige os trabalhos para a publicação do 8° Tomo da
Enciclopédia Francesa. O título que ele preferirá adotar para esse volume é, por
si só, elucidativo: a vida mental. Tratava-se, pois, da busca por um texto que
resumisse os principais achados da ciência psicológica até então sem, no en-
tanto, cair no tradicional modelo dos manuais psicológicos. Era preciso, dizia
Wallon, aproximar o saber psicológico da vida real, concreta, cotidiana do ho-
mem contemporâneo. É por esse motivo que os vários capítulos daquela enci-
clopédia, muitos deles redigidos pelo próprio Wallon, irão versar sobre temas
como a pessoa no trabalho, na escola, na família, etc.
De acordo com Silva (2007), a década de 1940, apesar da grande conturba-
ção provocada pela Segunda Grande Guerra (1939-1945), será aquela em que
Wallon publicará seus mais importantes livros: A evolução psicológica da crian-
ça (1941); Do ato ao pensamento (1942) e As origens do pensamento na criança
(1945). No primeiro desses livros, teremos a explicitação das fases do desen-
volvimento propostas por Wallon, agora de uma forma mais acabada. São elas:

•  estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano);


•  estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos);
•  estágio do personalismo (3 a 6/7 anos);
•  estágio categorial (7 a 11 anos);
•  estágio da adolescência (12 a 18 anos).

É igualmente neste livro que Wallon indicará que a transição entre esses
diferentes estágios se dá por mecanismos de alternância e preponderância
funcional, entre fases com ênfase nos aspectos emocionais e outras com ênfa-
se cognitiva. Ou seja, inicialmente, no decorrer do desenvolvimento, a criança
irá dispor apenas dos seus movimentos e de seu comportamento emocional
para interagir com seu meio. À medida que ela constrói um repertório mais ou
menos estável de reações motoras e emocionais, entendidas por Wallon (1934,
1941) como já um prenúncio de comunicação e de consciência, ela passa a vol-
tar-se, no estágio sensório-motor e projetivo, com mais ênfase para o mundo
externo. É a fase da inteligência das situações, ativada para responder a uma
situação e não a um objeto isolado no real. É ainda uma inteligência sincréti-
ca que se caracteriza pelo responder às exigências do real não mais por meio
de gestos sem sentido ou impulsivos, mas por uma coordenação cada vez mais

126 • capítulo 3
apurada e coordenada entre meios e fins. A criança de um ano de idade que
puxa um objeto para alcançar um outro, ou que decide modificar o gesto ou a
própria posição do corpo para alcançar e pegar algo de seu interesse, até então
inalcançável, faz uso da inteligência das situações. Ao final dessa fase da inte-
ligência sensório-motora, graças ao amadurecimento dos centros nervosos e
ao nascimento da função simbólica, passa a se projetar, ou seja, a planificar e a
representar suas ações num novo plano, não mais concreto, mas virtual.
Alcançada essa etapa, que exige superar a oposição entre o mundo real
concreto e o mundo igualmente real, mas virtualizado, desdobramento do pri-
meiro, a criança volta-se para a tarefa de construir-se a si. É então que surge a
crise do personalismo, momento no qual, com seu eu ainda instável e sincre-
ticamente amalgamado ao outro, passa a efetuar o trabalho de diferenciação
entre este eu nascente e o outro. É preciso se opor ao outro para afirmar-se a
si. Na psicanálise tem-se o momento do complexo de Édipo como equivalente
mais próximo dessa fase. Vencida parcialmente essa diferenciação, estabiliza-
das as zonas psicológicas denominadas eu e outro, na etapa seguinte a criança
volta-se, uma vez mais, para seu ambiente externo. É o período categorial, no
qual, com o auxílio da linguagem, a criança irá categorizar e classificar todos os
eventos e situações que lhe apareçam. Não se trata, porém, de uma fase racio-
nalista, uma vez que o sincretismo marcado pela confusão entre o eu e o outro,
pela diferenciação entre o interno (meu) e o externo, é lenta e só culminará em
sua plenitude após a crise da adolescência. Assim, de início a criança classifica
e organiza seu mundo com base naquilo que este mundo significa e como a
afeta (SILVA, 2007).
Em “As origens do pensamento na criança” (1945) Wallon descreve em por-
menores esse longo processo que culmina no pensamento do adulto.
A fase da adolescência, como já afirmado, constitui-se num retorno ao tra-
balho iniciado no estágio do personalismo. Agora, a criança terá à sua dispo-
sição inúmeros instrumentos – modos de pensar, linguagem, instrumentos
culturais, ritos, etc. – para lidar com as novas transformações orgânicas e so-
ciais que a vida lhe proporciona e para a definição, já dentro de patamares mais
conscientes e voluntários, sobre o problema da identidade. A superação da cri-
se da adolescência será tão melhor, e mais adequadamente resolvida, quanto
melhores as condições orgânicas, pessoais, familiares, sociais, culturais e his-
tóricas para essa resolução.

capítulo 3 • 127
É no segundo livro desse período, “Do ato ao pensamento” (1942), que
Wallon apresenta suas teses sobre a passagem entre a inteligência das situa-
ções, própria do bebê de 0 a 3 anos, e aquela que se caracteriza pelo uso dos
símbolos e signos, que surge na criança a partir do segundo ano de vida. É a
explicação da representação.
Para Silva (2007), não obstante sua intensa produção teórica, de continuar
à frente do Laboratório de Psicobiologia da criança e suas inúmeras pesqui-
sas, Wallon ainda militou em outras frentes. Foi o responsável pela emenda
que introduziu o serviço de psicologia escolar nas escolas públicas francesas
(1944); atuou como deputado na Assembleia Constituinte que se configurou
logo após a Segunda Grande Guerra (1946); editou a revista Enfance (1948);
presidiu a Sociedade Médico-Psicológica (1951). Em 1954, torna-se presidente
da Sociedade Francesa de Educação Nova e está a frente, no mesmo ano, das
Jornadas Internacionais de Psicologia da Criança.

Em sua teoria Wallon criou também os Campos Funcionais: estes seriam as etapas per-
corridas pela criança: afetividade, ato motor, conhecimento (ou cognição) e da pessoa.
O conjunto afetivo são funções responsáveis pelas emoções, sentimentos e paixão.
O conjunto ato motor refere-se à possibilidade de deslocamento do corpo no tempo
e no espaço, as reações posturais e equilíbrio corporal. O conjunto cognitivo são fun-
ções voltadas para a conquista e manutenção do conhecimento, por meio de imagens,
noções, ideias e representações. É o que permite registrar e rever o passado, avaliar
e situar o presente e projetar o futuro. O conjunto pessoa representa a integração de
todas as funções e possibilidades.

Embora, provavelmente como decorrência de seu engajamento político e de


suas escolhas ideológicas, Wallon tenha tido dificuldades em criticar o regime
stalinista da então União Soviética, em sua defesa podemos constatar que, por
ocasião da Revolta de Budapeste (1956), que culminou no massacre, por parte
das tropas soviéticas, de quase 25.000 jovens húngaros, assinou um manifesto
junto a 9 outros grandes intelectuais ou personagens públicos contra a inter-
venção militar e o apoio do partido comunista ao exército soviético.

128 • capítulo 3
Sem filhos, pouco se sabe sobre seu relacionamento com Germaine Anne
Roussey Wallon, apenas que poucos meses após a morte de sua esposa (1953),
Wallon sofre um acidente de carro (é atropelado) e acaba sendo obrigado a ficar
os anos finais de sua vida de cama. Não obstante, desde então contar-se-ão cer-
ca de 80 novas publicações até a data de sua morte, em 1º de dezembro de 1962.

3.3.1  A Teoria do desenvolvimento humano de Henry Wallon

A teoria de Wallon é identificada como “Psicologia da pessoa completa”, pois


visa justamente à produção de um saber psicológico que leve em conta a totali-
dade da pessoa (consciência, eu, emoções, representações, etc.), em suas con-
dições concretas de existência.

A psicologia genética estuda os processos psíquicos em sua origem. Wallon propõe


a psicogênese da pessoa completa, ou seja, o estudo integrado do desenvolvimen-
to. Considera que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e vê
o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui as atividades
infantis, sendo estes afetivos, motor e cognitivo. Para ele o estudo do desenvolvimento
humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança
contextualizada, nas relações com o meio. Wallon recorreu a outros campos de conhe-
cimento para aprofundar a explicação dos fatores que contribuem no desenvolvimento
(neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal). Para ele a atividade do
homem é inconcebível sem o meio social; porém as sociedades não poderiam exis-
tir sem indivíduos que possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma
conformação determinada do cérebro, haja vista que certas perturbações de sua in-
tegridade, privam o indivíduo da palavra. Uma das características básicas da Teoria do
Desenvolvimento de Wallon é que ele considera que não é possível dissociar o biológi-
co do social no homem.

De acordo com Silva (2007), seu método de investigação, denominado méto-


do concreto-multidimensional (Tran-Thong, 1987 apud Silva, 2007), fortemen-
te baseado no materialismo dialético (Marx e Engels apud Silva, 2007), caracte-
riza-se pela comparação de diferentes planos de atividade (comparar o homem
contemporâneo com o homem dito “primitivo”, comparar o animal com o ho-
mem, comparar a criança com o animal e com o homem primitivo, o doente

capítulo 3 • 129
com o saudável, etc.), bem como a busca pelas diferenças, mais do que as seme-
lhanças, pois as primeiras fazem tão parte do real quanto as segundas. Segundo
Wallon, o investigador deveria buscar superar o limite da racionalidade linear
e redutora, que tudo condiciona a um plano causal único. Não é coincidência,
deste modo, que alguns dos títulos de suas investigações versarão sobre “As”
origens, e não “A” origem, de um determinado fenômeno ou comportamento
psicológico.
Sua visão dialética dos fenômenos psicológicos e sua escrita, que reflete em
grande parte esse seu raciocínio, são algumas das dificuldades que o leitor ini-
ciante tem de suplantar para compreender as ideias wallonianas.
A emoção é a resposta orgânica, sustentada por centros nervosos específi-
cos, de que o bebê dispõe para lidar com seu meio. Mas ela não é apenas ins-
trumental, é igualmente expressiva ou comunicativa. Sua principal função na
espécie humana é a ativação do outro. Por se manifestar por meio de movimen-
tos e de conformações físicas expressivas que, por assim dizer, moldam o cor-
po (função proprioplástica), a emoção traz, em si, a possibilidade de ser inter-
pretada e de provocar no outro respostas correspondentes e complementares.
Trata-se de uma protolinguagem, ou linguagem anterior à linguagem, esta úl-
tima entendida como comunicação por material simbólico, signos e símbolos.

CONEXÃO
Para ampliar seus conhecimentos sobre esse assunto assista: Henri Wallon (DVD): Apre-
sentação Izabel Galvão – Produção: ATTA mídia e educação – Coleção Grandes Educadores.
Produzido e distribuído pela CEDIC – Centro Difusor de Cultura Ltda. Sinopse: Uma das
originalidades da teoria de Henri Wallon é sua tentativa de ver a criança de um modo mais
integral. Com foco na criança, Wallon busca compreender o desenvolvimento de forma in-
tegrada, levando em conta os domínios cognitivo, afetivo e motor. Wallon considera que a
escola é um lugar onde se educa, mas, principalmente, onde se deve estudar a personalidade
da criança. A perspectiva teórica de Wallon traz ainda uma preocupação bastante atual: como
construir uma educação para todos, independente de sua condição social, origem ou raça, e,
ao mesmo tempo, uma educação para cada um, que contemple a complexidade do indivíduo
em todas as suas dimensões.

130 • capítulo 3
A emoção, tornada consciente, atravessada pelo conteúdo e pelas significa-
ções dadas pela cultura, torna-se afetividade. A afetividade perdeu, por sua vez,
a evidência das alterações orgânicas (proprioceptivas ou introceptivas), mas in-
tegrou-se ao desenvolvimento e construção do eu e do mundo externo, dando
um “colorido” a essas manifestações.
Silva (2007) ressalta que a consciência de si surge, inicialmente, por meio da
emoção. Ao final do primeiro ano de vida, ao se estabilizarem as respostas emo-
cionais e se estabelecer um quadro mais ou menos fixo de reações emotivas,
com o auxílio da maturação fisiológica e da interpretação desses sinais por par-
te do ambiente humano, a criança passa a tomar consciência de si como sujeito
das reações. É ainda uma consciência muito primária e sincrética, ou seja, in-
diferenciada de forma precisa dos elementos e objetos que ela mesma carrega.
Pelo desenvolvimento da simpatia, Wallon vai mostrando que, em seus primór-
dios, a criança confunde-se com a situação na qual está agindo. É a criança que
chora, pois acabam de arrancar um dos braços de uma boneca representada
em um desenho. Ou a outra que olha assustada para as próprias mãos, que mi-
nutos antes seguravam um copo, ao escutar o barulho de um copo quebrar-se
na sala contígua a sua. O erro de grande parte da psicologia, diz Wallon, é supor
que a individualidade é um dado primário ou original, quando até mesmo a
própria imagem corporal deve ser construída em um longo processo.
Provocar no meio social uma resposta em direção a si, confundir-se cogniti-
vamente com esse meio, eis a tarefa primeira da emoção. É por meio da função
postural ou tônica que ela ganha vida. A função postural é a responsável pela
manutenção de um estado motor, pela garantia de uma tensão física mínima
que possibilite a expressão corporal. Ela trabalha em conjunto com a função
cinética ou clônica, responsável pela efetivação e regulação dos movimentos.
No início do desenvolvimento, as configurações posturais, garantidas pela
dialética entre as funções tônica e cinética, passam a prenunciar, pela interven-
ção do entorno social que dá significado a essas configurações posturais, a fun-
ção simbólica ou representativa, que só ocorrerá, de fato, mais tarde (a partir de
2-3 anos até a adolescência). É o nascimento do gesto. Anteriormente, tratava-
se apenas de ações desconexas e sem sentido para o próprio sujeito e agora, à
medida que começam a se destacar intenções mais ou menos conscientes, é o
gesto expressivo que predomina.

capítulo 3 • 131
É preciso que haja a maturação dos centros nervosos correspondentes (mie-
linização das áreas frontais, occipitais, que se estenderá, igualmente, até a ado-
lescência) para que surja, de fato, a função simbólica, quando, então, a criança
saberá distinguir entre os objetos representados e seus respectivos modelos no
espaço real – a consciência de que o objeto representado não é o objeto físico,
mas apenas sua representação.
Mas ao mesmo tempo, no seu ápice, a emoção absorve toda a energia psí-
quica e impede a representação porque impede o desdobramento do sujeito
com o objeto/real. Será preciso, portanto, uma função inibidora, que só advém
com a maturação de outros centros nervosos que passam a controlar o movi-
mento, para manter a emoção em um patamar estável e poder dar continuida-
de e desenvolvimento da representação – desde o gesto concreto carregado de
significado até o pensamento mais abstrato.
Entre a ação e a espécie de consciência aí vinculada não há necessidade de
um terceiro princípio. A consciência em seu início se confunde com a ação,
como seu efeito e como seu estimulante ao mesmo tempo, e é deste modo
que ela é igualmente seu objeto ou a sua meta mais próxima. Especificamente
vinculada à função postural, a consciência segue-lhe todas as variações, mas,
inversamente, torna-se seu motivo e pode suscitá-las ou orientá-las. Toda e
qualquer diferenciação de uma acarreta uma diferenciação da outra (WALLON,
1986, apud SILVA, 2007, p. 146).
O parágrafo apresentado expressa bem a compreensão dialética que advoga
Wallon. A emoção, por meio da função postural que carrega e impele ao gesto,
prepara e possibilita a razão, e esta última, à medida que se estabelece, coloca
a emoção em suspenso. Por essa razão, a psicóloga brasileira Heloísa Dantas
(1990 apud Silva, 2007) assim se expressou sobre a dialética entre razão e emo-
ção: “A emoção nasce da razão e vive de sua morte”.

3.3.2  Os estágios do desenvolvimento humano segundo Henri


Wallon

Nesta parte conheceremos mais detalhadamente os estágios de desenvolvi-


mento segundo Henri Wallon. Sobre esse assunto Galvão (1995) tem muito a
contribuir.
Assim como na teoria piagetiana, a teoria de Wallon também propõe uma
série de estágios do desenvolvimento cognitivo.

132 • capítulo 3
Wallon não acredita que os estágios de desenvolvimento formem uma sequ-
ência linear e fixa, ou que um estágio suprima o outro. Para Wallon, o estágio
posterior amplia e reforma os anteriores.
O desenvolvimento não seria, na obra walloniana, um fenômeno suave e
contínuo; pelo contrário, o desenvolvimento seria permeado de conflitos inter-
nos e externos.
Wallon deixa claro que é natural que, no desenvolvimento, ocorram ruptu-
ras, retrocessos e reviravoltas.
Impulsivo-emocional: do nascimento até aproximadamente o primeiro ano
de vida, a criança passa por uma fase denominada estágio impulsivo-emocional.
É um estágio predominantemente afetivo, onde as emoções são o principal
instrumento de interação com o meio. A relação com o ambiente desenvolve,
na criança, sentimentos intraceptivos e fatores afetivos.
O movimento, como campo funcional, ainda não está desenvolvido, a crian-
ça não possui habilidade motora. Os movimentos infantis são um tanto quanto
desorientados, mas a contínua resposta do ambiente ao movimento infantil
permite que a criança passe da desordem gestual às emoções diferenciadas.
Sensório-motor e projetivo: até os três anos. A aquisição da marcha e da pre-
ensão dão à criança maior autonomia na manipulação de objetos e na explo-
ração dos espaços. A expressão gestual e oral é caracterizada pelo pensamento
ideomotriz (representação das imagens mentais por meio de ações), cedendo
lugar à representação, que independe do movimento. Também, nesse estágio,
ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo proje-
tivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exterio-
rizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores.
Personalismo: ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolve-se a
construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o
interesse das crianças pelas pessoas. É marcado por oposições, inibições, au-
tonomia, sedução e imitação, que irão contribuir para a formação e enriqueci-
mento do eu, a edificação interior. Divide-se em três períodos. Primeiramente,
ao buscar afirmar-se como indivíduo autônomo, a criança toma consciência
de si própria, o que é constatado pelo emprego dos pronomes “eu” e “meu”
e demonstração de atitudes de recusa (uso do não). Seu ponto de vista diante
do mundo se torna único e exclusivo, e suas crises de oposição confrontam-
se com as pessoas do meio próximo a fim de imperar sua vontade. Ao conse-
guir tal objetivo, sente-se exaltada. Nem sempre é vencedora, e isso lhe causa

capítulo 3 • 133
ressentimentos e diminuição da autoestima. Ambos os momentos represen-
tam uma crise necessária para a construção do eu, que, dependendo da forma
vivenciada, pode determinar prejuízos em seu desenvolvimento. Os sentimen-
tos de ciúme, a posse extensiva aos objetos e as cenas para chamar a atenção
dos que estão ao seu redor são características essenciais para se distinguir dos
outros. Em um segundo momento, predomina o período de graça, no qual é
marcante o narcisismo da criança que busca admiração e satisfação pessoal,
expressando-se de forma sedutora, elegante e suave, a fim de ser aceita pelo
outro.
E, finalmente, o último período, que representa o esforço por substituir o
outro por meio da imitação, o período da representação. É a representação que
garante ao pensamento a função de antecipação e a possibilidade de pensar na
relação entre um significante e um significado, além de expressar simbolica-
mente os objetos interiorizados.
Categorial: os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as
coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior. Esse estágio se di-
vide em dois períodos: o do pensamento sincrético ou pré-categorial (confuso,
geral, sem distinções) e o categorial.
O pensamento sincrético se caracteriza pela incapacidade da criança ana-
lisar as qualidades, propriedades, circunstâncias e conjunturas das imagens
ou situações. Encontra-se dominado pelo concreto, revelando a sua desconti-
nuidade e fragmentação. Há utilização de pares, que se constituem em um ele-
mento identificável e um outro que o complemente. O par é anterior ao elemen-
to isolado, implicando em pluralidade a fim de manter certa coerência em seu
discurso, mesmo que tempo, lugar, causa e efeito sejam confundidos.
A estrutura de pares é etapa necessária ao desenvolvimento do pensamento
categorial, permitindo à criança afirmar as qualidades e as relações existentes,
a partir dos conflitos e contradições entre a estrutura elementar do par e as in-
terações entre os pares.
No segundo período, o pensamento torna-se categorial, passando a haver a
representação das coisas e a explicação do real, iniciada com a integração das
diferenciações produzidas durante o período pré-categorial. A criança já con-
segue representar de forma estável e apropriada, identificando e definindo os
objetos. A classificação já é lógica, discernindo e organizando as semelhanças e
diferenças dos objetos e ações, o que conduz a representações fixas e constan-
tes. Para tanto, a atividade de comparação dos objetos entre si é fundamental

134 • capítulo 3
para a análise e classificação dos mesmos. É com o desenvolvimento da fun-
ção categorial que a apropriação da causalidade se faz presente, possibilitando
que a criança ligue o efeito à causa que o produziu. A noção de espaço e tempo
passam a integrar-se a um sistema permitindo que a criança relacione as suas
implicações com o movimento.
Wallon (1981 apud Galvão, 1995) estabelece este momento como o determi-
nante da personalidade polivalente, por dar início à participação em diferentes
grupos não institucionais, desenvolvendo, em cada um deles, um papel deter-
minado, que enriquece sua identidade.
Começa a se delinear o estágio da puberdade e da adolescência, no qual as
exigências para a construção da identidade adulta se impõem. A crise adoles-
cente é marcada por ruptura, inquietude, ambivalência de atitudes e sentimen-
tos, oposição aos hábitos de vida e costumes.
Predominância funcional: ocorre nova definição dos contornos da persona-
lidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação
hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona.
A sucessão dos estágios se dá pela substituição de uma função por outra, ex-
tinguindo algumas e conduzindo/orientando outras a novas formas de relação.
A mudança de cada estágio representa uma evolução mental qualitativa por
caracterizar um tipo diferenciado de comportamento, uma atividade predomi-
nante que será substituída no estágio seguinte, além de conferir ao ser humano
novas formas de pensamento, de interação social e de emoções que irão dire-
cionar-se, ora para a construção do próprio sujeito, ora para a construção da
realidade exterior.
Wallon deixou-nos uma nova concepção da motricidade (movimentar-se),
da emotividade, da inteligência humana e, sobretudo, uma maneira original de
pensar a psicologia infantil e reformular os seus problemas.
Wallon admite o organismo como condição primeira do pensamento, pois
toda a função psíquica supõe um componente orgânico. Porém, considera que
não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem de fora, melhor
dizendo vem do ambiente no qual o sujeito está inserido. O homem é determi-
nado tanto fisiologicamente como socialmente, sujeito às disposições internas
e às situações exteriores.

capítulo 3 • 135
ATIVIDADES
01. Explique o desenvolvimento humano segundo a perspectiva de Jean Piaget.

02. Explique o desenvolvimento humano segundo a perspectiva de Lev S. Vygotsky.

03. Explique o desenvolvimento humano segundo a perspectiva de Henri Wallon.

04. Quais as contribuições de tais teorias do desenvolvimento humano para a atuação na


área do serviço social?

REFLEXÃO
Para Cória-Sabini (2010), a escola tradicional ensina os diferentes conteúdos como se as
noções envolvidas só fossem verdadeiras se expressas em uma linguagem especial que
contém alto nível de abstração e generalização.
Os conceitos científicos são uma forma de sistematizar os conhecimentos acumulados
ao longo dos anos e facilitar a comunicação e a troca entre indivíduos. No entanto, para que
essa interação ocorra, é preciso que haja assimilação por parte do aprendiz.
O uso da linguagem técnica e da abstração é, sem dúvida, necessário. Porém, ele será
reduzido a uma espécie de ardil para a compreensão se não constituir o fecho de uma série
ininterrupta de ações concretas, de colocação e teste de hipóteses.
A verdadeira causa dos fracassos da educação formal, para Piaget, decorre do fato de
ela apoiar-se na aula expositiva (acompanhada de demonstrações ou ações fictícias narra-
das), em vez de fundamentar-se na ação real e concreta. Assim, ensina-se a gramática pela
gramática, no lugar de priorizar a produção de textos; ensinam-se regras de cálculos, em
detrimento da compreensão das operações envolvidas; exige-se a memorização de datas e
fatos históricos, sem a devida compreensão da dinâmica das relações entre capital e trabalho
e das ideologias em jogo.
O verdadeiro objetivo da educação não é saber repetir e conservar verdades acabadas.
Um conhecimento reproduzido não leva a nada. O verdadeiro conhecimento é aquele que se
conquista, mesmo com risco de despender muito tempo nisso e passar por todos os cami-
nhos e desvios que uma atividade intelectual real pressupõe.

136 • capítulo 3
Cória-Sabini (2010) alerta-nos que é preciso chamar a atenção para alguns erros que
são comumente cometidos quando se tenta aplicar a teoria piagetiana ao ensino fundamen-
tal ou médio. O primeiro refere-se ao método ativo. Para Piaget, ativo significa que o aluno
deve ser chamado a elaborar, organizar e estruturar os conhecimentos. Ativo não é o mero
uso de materiais concretos ou de uma infinidade de recursos audiovisuais. Isso seria, sim-
plesmente, substituir o verbalismo da aula expositiva pelo das imagens.
O erro desses casos é acreditar que o conhecimento se reduz a um processo de cópia
fiel das percepções ou imagens apresentadas. Ignora-se, assim, que o conhecimento é abs-
traído das ações concretas e consiste em dissociar, variar e transformar os fatores envolvidos
para chegar às relações, implicações e operações subjacentes.
Outro erro é acreditar que o aprendiz só é ativo quando executa ações concretas. Em-
bora isso seja verdadeiro para crianças, adolescentes e adultos podem ser ativos com leitura
e reflexão de textos, desde que sejam chamados a descobrir e conquistar o conhecimento
em questão.
Existem várias propostas pedagógicas que colocam como pré-requisitos para a alfabeti-
zação ou o ensino da Matemática a aquisição das noções de conservação de massa, peso e
volume, o domínio dos conceitos numéricos, a classificação e a seriação etc.
Quando Piaget arrola o domínio de várias noções e operações para caracterizar os di-
ferentes estágios, pensa na cognição humana em geral. Ele não cita conteúdos específicos
que devem estar relacionados a essas noções, muito menos aqueles que comumente a es-
cola se preocupa em ensinar.
Por outro lado, o domínio de uma operação qualquer ocorre ao longo de um processo
de assimilações e acomodações. Somente quando esse domínio está consolidado é que se
transforma em um instrumento da cognição que pode ser usado em diferentes conteúdos.
Transformar essas noções espontâneas em pré-requisitos seria entender a aprendiza-
gem como produto, e não como processo, o que é radicalmente contra as ideias de Piaget.
Além disso, seria acreditar que o treinamento pode, por si só, ser responsável pelo apareci-
mento dessas estruturas. Em todos os seus textos Piaget condiciona os efeitos da aprendi-
zagem aos esquemas do aprendiz.

capítulo 3 • 137
LEITURA
Ler é sempre necessário. Para compreender melhor as teorias trabalhadas nesse capítulo,
indicamos uma série de livros – dois para cada uma das teorias citadas – sobre os temas,
de forma a aprofundar seus conhecimentos e provocar novas inquietações sobre o tão com-
plexo assunto do desenvolvimento humano. Você perceberá que boa parte das obras trata
do desenvolvimento infantil e também de questões ligadas a educação. Acontece, que como
você já sabe, durante toda nossa vida estamos em processo de desenvolvimento, mas é na
infância que boa parte da nossa personalidade é formada, assim pensar sobre a infância e
os processos educativos – e neles envolvemos escola e família entre outras instituições – é
pensar sobre o ser humano como um todo.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Tradução Maria A. M. D’Amorim e Paulo S. L. Silva. Rio de
Janeiro: Forense, 1967.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Tradução Ivete Braga. Rio de Janeiro: José Olympio,
1973.
DUARTE, Newton. Vigotski e o aprender a apredner: críticas às apropriações neoliberais e pós-
modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2000.
DUARTE, Newton; ACRE, A. (Org.) Brincadeiras de papeis sociais na educação infantil: as
contribuições de Vigotski, Leontiev e Elkonin. São Paulo: Xamã, 2006.
WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da infância. Lisboa, Portugal: Editora Estampa, 1975.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1995.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos de psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática,
2008.
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma
introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
CARVALHO, Diana Carvalho de. A psicologia frente a educação e o trabalho docente. Psicol.
estud., Maringá, v. 7, n. 1, jun. 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-73722002000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 nov. 2011.
CÓRIA-SABINI, Maria Aparecida. Psicologia do desenvolvimento. 2. ed. São Paulo: Ática, 2010
DAVIS, Claudia; OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Psicologia da educação. São Paulo: Cortez,
1994.

138 • capítulo 3
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes,
1995.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 10. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1995.
SILVA, Dener Luiz da. Do gesto ao símbolo: a teoria de Henri Wallon sobre a formação simbólica.
Educ. rev., Curitiba, n. 30, 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0104-40602007000200010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 nov. 2011.

capítulo 3 • 139
140 • capítulo 3
4
Comportamento em
Grupo e Liderança
O ser humano é um animal social. Essa afirmação nos convida a pensar so-
bre as relações humanas estabelecidas no âmbito coletivo. Precisamos uns
dos outros para existirmos! Nesse capítulo vamos pensar sobre a formação de
grupos. O que nos leva a essa necessidade de participarmos de um grupo? As
crianças querem brincar com outras crianças. Os adolescentes querem mui-
to serem aceitos por um grupo (com outros adolescentes) e mais que aceitos
querem ser reconhecidos como parte do grupo. E quando adultos, continua-
mos com tal necessidade, fazer parte de grupos! Na família, no trabalho, no
lazer, buscamos pertencer a um grupo. Mas o grupo influencia o comporta-
mento individual. Já pensou nisso? Quantas vezes você assume um papel para
adaptar-se às exigências de um grupo? Será que tem sempre que ser assim?
Vamos pensar sobre essas e muitas outras questões ligadas ao comportamen-
to em grupo.

OBJETIVOS
•  Pensar sobre o comportamento em grupo
•  Pensar sobre os principais aspectos que compõem o gerenciamento do comportamento
em grupo
•  Discutir as diferenças entre grupos e equipes
•  Refletir sobre as influências do grupo no comportamento individual

142 • capítulo 4
4.1  Grupos
As pessoas se reúnem em grupos por diversos motivos (ROBBINS, 2002):

reduzir a insegurança de “se sentir só”, criando forças


SEGURANÇA: para enfrentar as ameaças.

ser incluído em um grupo pode ser visto como algo


STATUS: importante para o indivíduo, na medida em que o grupo
proporciona reconhecimento para seus membros.

os grupos podem dar a seus membros uma sensação


AUTO-ESTIMA: de valor próprio na medida em que a filiação faz com
que seus membros se valorizem entre si.

ASSOCIAÇÃO: os grupos podem satisfazer necessidades sociais;

muitos objetivos só são possíveis de serem alcançados


PODER: através da ação grupal.

há ocasiões em que é preciso mais de uma pessoas


para realizar uma determinada tarefa, em função da
ALCANCE DE METAS: necessidade de diferentes talentos, conhecimentos ou
poderes para que uma meã seja atingida.

Mas como podemos definir um grupo?


De acordo com Maximiano (2006), os grupos podem se formar de maneira
espontânea (grupos informais) ou por decisão da organização (grupos formais).

Grupo pode ser definido como a reunião de dois ou mais indivíduos, interdependentes e
interativos, que se juntam, visando à obtenção de um determinado objetivo (ROBBINS,
2002).

capítulo 4 • 143
Nos grupos formais o comportamento das pessoas é estabelecido em fun-
ção das metas e objetivos organizacionais, podendo ser organizados em duas
formas distintas (ROBBINS, 2002):

•  Grupos de comando: composto por pessoas que se reportam diretamente


a um executivo.
•  Grupos de tarefa: formados por pessoas que se juntam para executar de-
terminada tarefa.

Os grupos formais são definidos pela estrutura da organização, com atribuições de


trabalho que estabelecem tarefas. Os grupos informais são alianças informais que são
formadas pela afinidade entre as pessoas (ROBBINS, 2002).

Geralmente os grupos informais nascem dentro dos grupos formais, devido


à proximidade física, à semelhança social, à identidade de interesses e aos pro-
blemas similares que todos enfrentam. (MAXIMIANO, 2006).
©© YURI ARCURS | DREAMSTIME.COM

144 • capítulo 4
Já os grupos informais podem ser classificados em duas categorias
(ROBBINS, 2005):

•  Grupos de interesse: reúne pessoas em torno de um objetivo comum não


relacionado à organização, como por exemplo gostar do mesmo esporte ou de
um mesmo conjunto musical.
•  Grupos de amizade: formado em função das características comuns entre
seus membros e da afinidade existente entre eles.
©© CRYSTAL CRAIG | DREAMSTIME.COM

Em uma organização há grupos formais e informais (MAXIMIANO, 2006).


Normalmente, os grupos informais nascem dentro dos grupos formais, devido
à proximidade física, à semelhança social, à identidade de interesses e aos pro-
blemas similares que todos enfrentam (RIBEIRO, 2006).

4.2  Modelo de Desenvolvimento de Grupo


Além de conhecer os motivos que levam à formação dos grupos, é interessante
também entender o processo de desenvolvimento dos mesmos, a fim de que
a empresa possa implantar ações gerenciais que auxiliem na otimização dos
mesmos.

capítulo 4 • 145
Os grupos geralmente passam por uma sequência padronizada em sua evo-
lução, que é denominada de Modelo de Cinco Estágios de Desenvolvimento do
Grupo (ROBBINS, 2002):

é caracterizado por uma grande dose de incerteza so-


bre os propósitos do grupo, sua estrutura e sua lide-
rança. Os membros estão testando o terreno para des-
FORMAÇÃO: cobrir quais os comportamentos aceitáveis no grupo.
Este estágio termina quando os membros começam a
pensar em si mesmos como parte do grupo.

fase em que ocorrem conflitos dentro do grupo. Os mem-


bros aceitam a existência do grupo, mas mostram resistên-
TORMENTA: cia aos limites impostos à individualidade. Há também con-
flito sobre quem controlará o grupo. Ao final deste estágio,
haverá uma hierarquia de liderança relativamente clara.

são desenvolvidos relacionamentos mais próximos en-


tre os membros e o grupo passa a demonstrar coesão.
Existe agora um forte sentido de identidade grupal e de
RELACIONAMENTO: camaradagem. Este estágio de normalização se com-
pleta quando a estrutura do grupo se solidifica e ele
assimila um conjunto de valores que definem qual deve
ser o comportamento correto de seus membros.

a estrutura do grupo é totalmente funcional e aceita. A


energia do grupo transferiu-se do esforço de conhecer
DESEMPENHO: e compreender uns aos outros para o desempenho da
tarefa que deve ser realizada.

a tarefa foi cumprida e o grupo se decompõe. Esta fase


não serve para os grupos permanentes de trabalho, so-
INTERRUPÇÃO: mente para os grupos temporários, como comissões,
equipes, forças-tarefa e similares.

146 • capítulo 4
Para cada uma das fases de desenvolvimento a empresa pode implantar
ações gerenciais que auxiliem no fortalecimento dos grupos e na otimização do
trabalho executado por seus membros.
Mas como o gestor pode formar um grupo que seja coeso e cujo trabalho
agregue valor à organização?
Uma técnica bastante utilizada para auxiliar os gestores nesse sentido é a
sociometria, que busca, através da aplicação de questionários e realização de
entrevistas descobrir de quem as pessoas gostam ou não, e com quem elas gos-
tariam ou não de trabalhar. Os dados levantados são sintetizados em um mapa
– o sociograma – que mostra graficamente as interações preferidas. Com base
nessas informações o gestor pode formar grupos com maior probabilidade de
seus membros trabalharem de forma mais coesa (DESSLER, 2003).
E qual a vantagem de uma organização possuir grupos coesos?
Quando as relações interpessoais entre os membros de um grupo é forte a
comunicação se torna mais eficiente, reduzindo o nível de falhas e conflitos.
(RIBEIRO, 2003).
Os conflitos e lutas pelo poder tornam a participação em um grupo menos
atraente, e os empregados têm maior probabilidade de sair. Assim, pode-se di-
zer que a composição do grupo pode ser um importante previsor da rotatividade!
Além disso, quando as relações interpessoais são fortes, cria-se um senso
de identidade entre os membros do grupo, já que eles compartilham de valores
e ideias comuns, tornando a convivência muito mais fácil e comprometimento
para alcançar metas comuns (DESSLER, 2003).

4.3  Estrutura de Grupo


Todos os grupos possuem normas - padrões aceitáveis de comportamento que
são compartilhados pelos seus membros. As normas sinalizam aos membros
do grupo o que deve ou não ser feito em determinadas circunstâncias. As nor-
mas são importantes porque (ROBBINS, 2005):

•  Facilitam a sobrevivência do grupo.


•  Aumentam a previsibilidade do comportamento de seus membros.
•  Reduzem problemas interpessoais embaraçosos.
•  Permitem que os membros expressem os valores centrais do grupo e es-
clareçam o que é diferenciado sobre a identidade dele

capítulo 4 • 147
Dentro deste contexto, vale também lembrar que existem evidências consi-
deráveis de que os grupos exercem forte pressão sobre os indivíduos para mu-
dar suas atitudes e comportamento para conformarem-se aos padrões e nor-
mas estabelecidas (MAXIMIANO, 2006).
Outro ponto a destacar quando falamos em grupo é o status, que pode ser
definido como a posição social atribuída a um grupo ou membros de um gru-
po por outras pessoas. Quanto maior o status de um grupo, maior é o prestí-
gio desfrutado pelos seus membros e maior a liberdade para os membros se
desviarem das normas estabelecidas (ROBBINS, 2005). Esta descoberta explica
porque muitos atletas famosos, estrelas de cinema, vendedores extraordiná-
rios ou acadêmicos respeitados parecem livres das exigências de aparência e
normas sociais.
Finalizando esse item, todo grupo possuí um líder, que influencia forte-
mente o pensamento e as atitudes dos membros do grupo. Por outro lado, cada
elemento do grupo possui um papel a ser desempenhado (MAXIMIANO, 2006).

4.4  Pensamento Grupal


O pensamento grupal descreve as situações em que pressões para a conformi-
dade impedem que o grupo avalie criticamente propostas incomuns, minori-
tárias ou impopulares. Esse fenômeno ocorre quando os membros do grupo
estão tão preocupados em conseguir a unanimidade que as normas em relação
ao consenso passam por cima da avaliação realista das alternativas de ação e
da possibilidade de expressão dos pontos de vista desviantes, minoritários ou
impopulares (DESSLER, 2003).
Isto descreve uma deterioração da eficiência mental do indivíduo, seu senso
de realidade e de julgamento moral como resultado da pressão do grupo. Os
membros do grupo racionalizam quaisquer resistências às suas premissas. Os
membros exercem pressões diretas sobre aqueles que expressem dúvidas mo-
mentâneas. Aqueles membros que têm pontos de vista diferentes tentam evitar
desviar-se do que parece ser o consenso do grupo, ficando calados. Parece ha-
ver uma ilusão de unanimidade (ROBBINS, 2002).

148 • capítulo 4
©© SAVOL67 | DREAMSTIME.COM

Os grupos afetam os indivíduos de cinco maneiras básicas: (1) processos de


influência de grupo, (2) a criação de papéis dentro do grupo, (3) o desenvolvi-
mento de pressões à conformidade, (4) processos de comparação social e (5)
o desenvolvimento da polarização de grupo (MOWEN; MINOR, 2003). Essas
situações serão discutidas nas seções a seguir.

4.4.1  Processos da influência do grupo

O tipo de grupo que tem o maior impacto sobre os indivíduos é o grupo de re-
ferência. Os grupos de referência afetam as pessoas por meio de normas, infor-
mações e das necessidades de expressão de valor.
A influência normativa ocorre quando as normas agem para influenciar o
comportamento. Por exemplo, os efeitos dos códigos não escritos de vestimen-
ta nas empresas ilustram o impacto da influência normativa sobre as roupas
compradas pelos funcionários (MOWEN; MINOR, 2003).
Os grupos também podem influenciar os individuos fornecendo-lhes infor-
mações e encorajando a expressão de certos tipos de valores. A influência infor-
macional afeta os indivíduos porque o grupo fornece informações altamente
confiáveis que atuam sobre as decisões do individuo (MOWEN; MINOR, 2003).

capítulo 4 • 149
Uma norma é uma regra de conduta com a qual a maioria do grupo concorda a fim de
estabelecer a coerência comportamental dentro do mesmo. As normas raramente são
expressas por escrito, porém são reconhecidas pelos membros do grupo como padrão
de comportamento. Elas representam juízos de valor sobre como as coisas deveriam
ser feitas pelos membros do grupo e a respeito dos quais os membros do grupo con-
cordam (MOWEN; MINOR, 2003).

Os valores e as atitudes que o grupo de referência possui em relação ao tra-


balho exercem influência de expressão de valor sobre os indivíduos. Devido ao
fato de a pessoa querer ser parte do grupo e ser admirada pelos outros mem-
bros, ela poderá agir de maneira a expressar esses valores e essas atitudes
(MOWEN; MINOR, 2003).

4.4.2  Papéis

Quando uma pessoa assume um papel, as pressões normativas exercem influ-


ência para que atue de uma maneira específica.

Um papel consiste nos comportamentos específicos de uma pessoa em uma dada


situação (MOWEN; MINOR, 2003).

4.4.3  Pressões à conformidade

A conformidade pode ser definida como uma “mudança no comportamento


ou crença quando se faz parte de um grupo, como resultado da pressão real ou
imaginária que esse grupo exerce” (MOWEN; MINOR, 2003).
É possível identificar dois tipos de conformidade. O primeiro é a simples
submissão, uma situação na qual a pessoa simplesmente se conforma com os
desejos do grupo sem realmente aceitar os preceitos do mesmo. O segundo é a
aceitação íntima, uma situação em que a pessoa realmente muda suas crenças
de acordo com as crenças do grupo (MOWEN; MINOR, 2003).
Uma série de fatores pode aumentar as pressões à conformidade dentro de
um grupo.

150 • capítulo 4
Um desses aspectos é a coesão, que se refere a quão intimamente associa-
dos estão os membros do grupo. Um grupo cujos membros têm um alto grau
de fidelidade e identificação pode exercer maior influência sobre os mesmos
(MOWEN; MINOR, 2003).
Os conhecimentos que um grupo possui também afetam as pressões à con-
formidade. Devido ao fato das pessoas serem membros de vários grupos dife-
rentes, estes podem exercer influências específicas (MOWEN; MINOR, 2003).
O terceiro aspecto é o tamanho do grupo, especialmente quando o grupo é
de natureza transitória (MOWEN; MINOR, 2003).
Há também fatores intrínsecos à pessoa que levam à conformidade. A ca-
pacidade de um grupo em fazer com que uma pessoa se conforme depende da
natureza e das necessidades da pessoa, bem como das características do grupo.
Um desses fatores pessoais é a quantidade de informações de que a pessoa dis-
põe para tomar uma decisão. Quando existe pouca informação disponível ou
quando essa informação é ambígua, o grupo tem maior impacto sobre a deci-
são da pessoa (MOWEN; MINOR, 2003).

CONEXÃO
Em uma série de experimentos, o psicólogo Solomon Asch pediu aos participantes que julgassem
qual das várias linhas mostradas em um cartão tinha o mesmo comprimento de uma linha mostra-
da em outro cartão. A tarefa era muito simples: quando a realizavam sozinhos, as pessoas quase
não erravam. Contudo, no experimento, Asch utilizou pessoas que, ao realizar a tarefa em conjunto,
sistematicamente faziam estimativas incorretas, obtendo sucesso na indução a respostas erradas.
Descobriu-se que a influência do grupo variava conforme o número de pessoas que realizavam a
tarefa em conjunto. A probabilidade de os indivíduos concordarem com o grupo aumentou até o
tamanho de o grupo alcançar cerca de quatro pessoas. Quando o número de pessoas era superior
a quatro, o impacto do acréscimo de mais indivíduos tornou-se mínimo (MOWEN; MINOR, 2003).

A atratividade do grupo e a necessidade que a pessoa tem de ser admirada


pelo grupo geralmente trabalham juntas para gerar pressões à conformidade.
Na maioria dos casos, quanto mais a pessoa quer fazer parte do grupo, mais
ela deseja ser admirada por seus membros. Nessas circunstâncias, o indivíduo
tenta se conformar com as normas e pressões do grupo a fim de se encaixar nele
da melhor maneira possível (MOWEN; MINOR, 2003).

capítulo 4 • 151
O tipo de decisão é outro fator que pode influenciar a pressão à conformida-
de sentida pela pessoa (MOWEN; MINOR, 2003).

4.4.4  Processos de comparação social

Outra maneira de os grupos influenciarem os indivíduos envolve a necessidade


que as pessoas têm de avaliar suas crenças e capacidades por meio da compara-
ção com outras pessoas (MOWEN; MINOR, 2003).
Além de se orientarem por grupos para obter informação factual, os indiví-
duos fazem isso para classificar a si mesmos quanto às suas crenças, capacida-
des e posses (MOWEN; MINOR, 2003).

O processo que as pessoas utilizam para avaliar a ‘retidão’ de suas crenças, a amplitude
de suas capacidades e a adequação daquilo que possuem foi batizado de comparação
social (MOWEN; MINOR, 2003)

É importante observar que as pessoas normalmente se comparam com ou-


tras que estão mais ou menos no mesmo nível que elas em determinados atri-
butos, em vez de se compararem com alguém que apresenta maiores diferen-
ças. A comparação social, porém, não se limita à comparação entre uma pessoa
e seus pares. As imagens idealizadas, que indicam como deveria ser a aparên-
cia de uma pessoa também podem influenciar a auto-imagem de uma pessoa
(MOWEN; MINOR, 2003).

4.4.5  Polarização do grupo

Por várias décadas os psicólogos estudaram um fenômeno que causa perplexi-


dade – a polarização de grupo. Os pesquisadores forneceram aos grupos e indi-
víduos alguns dilemas sobre os quais teriam de tomar uma decisão e compara-
ram as escolhas feitas. Embora os pesquisadores descobrissem inicialmente
que os grupos tendiam a selecionar a alternativa mais arriscada, uma pesquisa
posterior descobriu que poderia ocorrer tanto escolhas conservadoras quanto
arriscadas (MOWEN; MINOR, 2003).

152 • capítulo 4
CONEXÃO
Acesse o site e descubra se você consegue trabalhar em grupo: http://www.mundovestibu-
lar.com.br/simulado/testes/teste_vocacional/teste_vocacional.html

4.5  Equipes
Em relação ao comportamento coletivo, o grande desafio de uma organização é
transformar os grupos em equipes.
Mas qual a diferença entre grupo e equipe?

A equipe pode ser conceituada como um grupo em que os esforços individuais resul-
tam em um nível de desempenho maior do que a soma das entradas individuais. Or-
ganizadas apenas em grupos os esforços não são coordenados entre si, não havendo
sinergia entre as pessoas para o alcance das metas e objetivos (ROBBINS, 2002)
©© IQONCEPT | DREAMSTIME.COM

capítulo 4 • 153
Há diversos tipos de equipes encontradas na literatura (DAVIS; NEWSTRON,
1992).

grupos do mesmo departamento que se reúnem para


SOLUÇÃO DE discutir como melhorar a qualidade, a eficiência e as
PROBLEMAS: condições do ambiente de trabalho.

AUTO- grupos que realizam atividades interdependentes e as-


GERENCIADAS: sumem as responsabilidades de seus antigos superiores.

funcionários do mesmo nível hierárquico, mas de dife-


MULTIFUNCIONAIS: rentes setores, que se juntam para cumprir uma tarefa.

grupos que usam a tecnologia de informação para reu-


VIRTUAIS: nir seus membros de forma que possam alcançar um
objetivo em comum.
©© YEMEKY | DREAMSTIME.COM

154 • capítulo 4
Muitas organizações acreditam que a formação de uma equipe é uma re-
solução milagrosa para qualquer tipo de dificuldade empresarial, ficando sua
utilização banalizada e deturpada (ARAÚJO, 2001).
A razão para o fracasso do trabalho em equipe em muitas empresas é o com-
portamento apresentado pelos seus membros. Muitas vezes não há cooperação
entre os membros na realização das atividades para o cumprimento das metas.
Há casos em que falta um gerenciamento eficaz do trabalho realizado pelos
membros (ATTADIA, 2007).
No verdadeiro trabalho em equipe, embora os membros possam trabalhar
em posições fixas, deve haver um esforço para cobrir os companheiros, ajustan-
do-se as forças e fraquezas da equipe ao contexto da organização. Os membros
têm que ser treinados juntos para ajustarem-se mutuamente. Há também ne-
cessidade de flexibilidade com respeito ao trabalho e desempenho individual
(DRUCKER, 1995).

4.6  Equipes de Alta Performance


Vale destacar que as empre-
©© ANDRES RODRIGUEZ | DREAMSTIME.COM

sas contemporâneas pre-


cisam de equipes capazes
de atuar em ambientes tur-
bulentos e de produzir re-
sultados que gerem vanta-
gens competitivas efetivas
(MORGAN, 2000).
Um dos caminhos para
atender a essa demanda é a
formação de equipes auto-
geridas, também conheci-
das por equipes de alta per-
formance (ARAÚJO, 2001).
A autogestão consiste na
autonomia completa de uma equipe para executar um projeto ou para admi-
nistrar um empreendimento (CURY, 2000).

capítulo 4 • 155
Para isso um dos elementos fundamentais é a descentralização de autorida-
de (MAXIMIANO, 2006). O processo de descentralização pode ser conceituado
como a delegação de poder e autoridade, tendo como contrapartida o respecti-
vo aumento do nível de responsabilidade (DAFT, 2005).
No contexto das equipes autogeridas, a descentralização consiste em uma
filosofia gerencial que visa libertar os seus membros do estreito controle e de-
pendência dos altos centros de decisão, gerando como resultado uma força de
trabalho diferenciada em termos de competências, altamente motivada para
produzir resultados, com liberdade para programar e dirigir suas próprias ativi-
dades, e preparada para assumir responsabilidade e riscos (CURY, 2000).
Atualmente as empresas têm utilizado o empowerment como método de
descentralização de poder e autoridade para equipes auto-geridas. O método
parte do princípio de que os colaboradores são verdadeiros elementos gerado-
res da competitividade empresarial, incentivando o comprometimento entre
os membros, por meio de um processo de criação de vínculos profundos en-
tre os objetivos empresariais e os objetivos dos membros da equipe (ARAÚJO,
2001).
No entanto, é importante ressaltar que para beneficiar-se da ferramenta, a
empresa precisa estar preparada culturalmente para aplicá-la adequadamente
(ROBBINS, 2003). No caso das equipes autogeridas são requisitos fundamen-
tais para o sucesso do empowerment (MAXIMIANO, 2006):

•  o aprimoramento da comunicação dentro da equipe é fundamental para


o bom andamento dos trabalhos;
•  interação entre os membros da equipe, bem como com outras equipes, é
fundamental para a troca de experiências e resolução otimizada de problemas.
•  necessidade de clareza e conhecimento por parte de todos os integrantes
da equipe das tarefas necessárias para realizar os objetivos.
•  intercâmbio de papéis entre os integrantes na realização das tarefas, dei-
xando-os multifuncionais e polivalentes.
•  os papéis de liderança podem ser desempenhados por diferentes pessoas
e também são intercambiáveis. Quem é líder num momento pode ser liderado
em outro, dependendo da situação.
•  as funções de apoio à operação ou objetivo principal estão embutidas
na própria equipe: controle de qualidade, manutenção, suprimentos, apoio
administrativo.

156 • capítulo 4
•  a equipe deve dispor de todas as informações necessárias para lastrear o
processo decisório.
•  a equipe tem autonomia para tomar as decisões que afetam a organização
e realização das tarefas: distribuição e intercâmbio de tarefas, compensação de
faltas, planejamento de férias, requisição de materiais e serviços, seleção, trei-
namento e transferências de pessoal.

4.7  Evolução do Conceito de Liderança


Ao longo do tempo, o conceito de liderança sofreu uma série de alterações à
medida que o próprio conceito de gestão de pessoas evoluiu. Esse fato pode
ser ilustrado tomando como base as escolas da administração, que marcam as
mudanças de paradigma dentro desta área de conhecimento.
©© BORIS ZATSERKOVNYY | DREAMSTIME.COM

Na escola clássica, a organização era vista como um sistema técnico e o pa-


pel do gerente era dirigir o trabalho dos subordinados (MAXIMIANO, 2006).
Dentro desse contexto, a liderança estava relacionada à autoridade formal e
baseada, muitas vezes, no uso do poder coercitivo para alcançar os resultados
desejados (DAFT, 2005).
No entanto, o trabalho pioneiro de autores como Mary Parker Follet, Chester
Barnard e Kurt Lewin começou a apontar que o conceito de liderança era mais
amplo do que o vigente na escola clássica. Mary Parker Follet, ao desenvolver
um estudo sobre as necessidades do indivíduo no trabalho, concluiu que a co-
ordenação ao invés da coerção seria mais adequada à gestão das organizações.

capítulo 4 • 157
Chester Barnard, ao destacar a natureza cooperativa das organizações, ressal-
tou a importância do papel do executivo como elo entre os propósitos da orga-
nização e o esforço dos indivíduos no trabalho (MAXIMIANO, 2006).
Os resultados do trabalho desses autores foram fundamentais para a con-
solidação da chamada escola comportamental da administração, onde a or-
ganização passa a ser vista como um sistema social, e a relação amigável dos
colaboradores com os respectivos gerentes torna-se um dos aspectos funda-
mentais para o desempenho adequado no trabalho e, consequentemente para
a produtividade das organizações (MAXIMIANO, 2006). É no berço desta escola
que temas como liderança e motivação são definitivamente incorporados ao
escopo papel do gerente (GIL, 2001).
©© DMITRIY SHIRONOSOV | DREAMSTIME.COM

Outro aspecto importante na discussão do conceito de liderança é o fato de


esta capacidade estar, necessariamente, vinculada à aceitação espontânea do
líder pelo grupo. Sem liderados não há liderança efetiva (ROBBINS, 2002).

O líder é um instrumento do grupo, por isso, quem quiser candidatar-se a posições de


liderança deve aprender a sintonizar-se com os problemas e interesses e motivações
dos colaboradores (DAVIS; NEWSTROM, 1992).

158 • capítulo 4
4.7.1  Abordagem dos traços

Durante muito tempo, a liderança foi considerada uma característica pessoal


inata e o líder considerado uma pessoa “diferenciada” das outras por meio de
seus traços de personalidade (CERTO, 2003). Assim, uma das primeiras teorias
sobre liderança consistia em estudar a personalidade da figura do líder, tentan-
do entender quais comportamentos, traços e atitudes eram determinantes na
eficácia de seu desempenho (GIL, 2001).
Essa teoria, denominada abordagem dos traços,
©© R. GINO SANTA MARIA | DREAMSTIME.COM

deu origem a uma série de pesquisas, baseadas em


biografias e em incidentes críticos, que tentavam
identificar os traços de personalidade comuns aos
“grandes líderes” (MAXIMIANO, 2006).
Nesse sentido, Gil (2001) destaca seis caracterís-
ticas básicas: visão orientadora, paixão, integridade,
confiança, curiosidade e ousadia. Robbins (2002) res-
salta a ambição e energia, o desejo de liderar, a hones-
tidade e integridade, a autoconfiança, a inteligência,
a flexibilidade e os conhecimentos relevantes para o
trabalho. Já Maximiano (2006) ressalta a iniciativa, a facilidade de relaciona-
mento pessoal e o senso de identidade pessoal.
Infelizmente, as pesquisas fundamentadas na teoria dos traços não foram
conclusivas, ou seja, a presença de qualquer das características de liderança
identificadas em uma pessoa não é garantia para tornar-se um líder (LACOMBE;
HEILBORN, 2003). Além disso, a abordagem dos traços apresenta pelo menos
quatro limitações (ROBBINS, 2002):

•  não existe nenhum traço universal que possa prever a liderança em qual-
quer situação;
•  os traços tornam-se mais aparentes em situações “fracas” do que em si-
tuações “fortes”, ou seja, em contextos onde não há normas comportamentais
rígidas e ausência de incentivos a determinados tipos de comportamento, po-
dem os líderes expressar suas tendências inatas. Assim, a capacidade de prever
a liderança por meio da teoria dos traços torna-se limitada;
•  as evidências são pouco claras quanto à separação de causa e efeito; e
•  os traços funcionam melhor para prever o surgimento da liderança do
que para distinguir entre líderes eficazes e ineficazes.

capítulo 4 • 159
Se a teoria dos traços tivesse sido comprovada, teria proporcionado uma
base científica para a seleção das pessoas “certas” para assumir determinadas
posições formais de liderança (DAFT, 2005). Mesmo não tendo nenhum valor
efetivamente científico, essa teoria ainda é bastante explorada por algumas em-
presas para vender livros e treinamentos, e também por certos “candidatos a
líder” que desejam ver sua imagem projetada na mídia (MOTTA, 2004).
Embora a teoria dos traços não seja capaz de identificar um líder, ela contri-
bui para a discussão da influência do perfil do líder no desempenho da empre-
sa. (ROBBINS, 2002).

4.8  Estilos de Liderança


Quando ficou claro que a eficácia dos líderes não estava ligada aos traços, a li-
derança passou a ser vista como um papel interpessoal que qualquer pessoa
pode desempenhar (MAXIMIANO, 2006) e como uma habilidade a ser aprendi-
da pela experiência ou por meio da educação e do treinamento (CERTO, 2003).
A teoria que dá sustentação a essa visão de liderança é denominada aborda-
gem do comportamento (GIL, 2001). Em essência, essa teoria procurou identi-
ficar os determinantes críticos do comportamento dos líderes, a fim de não só
possibilitar à organização treinar as pessoas para a liderança, como também,
permitir a elaboração de programas para implantar padrões comportamentais
nos indivíduos que desejassem se tornar líderes eficazes (ROBBINS, 2002).
Como resultado das pesquisas realizadas sob esta abordagem, tem-se o es-
tabelecimento de uma série de classificações acerca dos estilos de liderança.
Há dois estilos básicos de liderança identificados desde a Antiguidade: au-
tocracia e democracia. Na autocracia, o líder concentra o poder de decisão em
suas mãos. A utilização desse estilo de forma patológica leva à tirania, ou seja,
ao abuso do poder. Na democracia, o líder permite a participação dos liderados
na tomada de decisão (MAXIMIANO, 2006).
Essa forma de classificação do estilo de liderança foi bastante utilizada du-
rante longo tempo pelas organizações, pois se encaixava com a visão da escola
clássica e da escola das relações humanas, respectivamente (GIL, 2001).

160 • capítulo 4
Seguindo esta ideia, Kurt Lewin identificou três tipos de liderança distintos
nas organizações em relação ao uso do poder e da autoridade (MAXIMIANO,
2006):

o líder fixa as diretrizes, toma as decisões, sem qualquer


ESTILO participação do grupo. Cabe aos funcionários operacionali-
AUTOCRÁTICO: zar as tarefas. O líder é dominador;

o líder estimula e orienta o debate sobre os objetivos e de-


cisões a serem tomadas. Quem decide é o grupo. O grupo
ESTILO debate as tarefas e o líder aconselha e dá orientação para
DEMOCRÁTICO: que o grupo decida. O líder procura ser um orientador da
equipe, baseando as críticas e elogios em fatos; e

o grupo tem total liberdade para definir objetivos, tomar de-


ESTILO LIBERAL: cisões e dividir tarefas. O líder assume o papel de membro
do grupo e atua somente quando é solicitado.

Partindo desses estilos básicos, os estudiosos Tannenbaum e Schmidt


complementaram essa teoria, destacando a existência de um continum de
comportamentos entre os estilos autocrático, democrático e liberal (DAFT,
2005). Isso significa que, na prática, as pessoas acabam exercendo mais de um
estilo, em diferentes graus de intensidade.
As pesquisas científicas sobre o assunto avançaram, no final dos anos 40,
procurando identificar os padrões de liderança que resultassem em desempe-
nho eficaz (GIL, 2001). Na Universidade Estadual de Ohio, os pesquisadores
identificaram duas dimensões do comportamento do líder, sendo elas: estru-
tura de iniciação e consideração. A primeira diz respeito à capacidade do líder
de definir e estruturar o seu próprio papel e o dos seus subordinados na busca
dos objetivos. A segunda refere-se à capacidade do líder de manter relaciona-
mentos de trabalho caracterizados por confiança mútua (ROBBINS, 2002).

capítulo 4 • 161
©© JOHN KOUNADEAS | DREAMSTIME.COM

Similarmente, o grupo de pesquisadores do Survey Research Center da


Universidade de Michigan, identificou as características comportamentais dos
líderes que pudessem estar relacionadas com o desempenho eficaz, sendo elas:
orientação para a produção/tarefas e orientação para o pessoas. A primeira ca-
racterística refere-se a líderes que tendem a enfatizar os aspectos técnicos e
práticos do trabalho. A segunda característica compreende líderes que enfati-
zam as relações interpessoais (MAXIMIANO, 2006).
Dentro deste contexto, foram identificados dois comportamentos de lide-
rança distintos (ROBBINS, 2002):

os líderes com este comportamento tendem a enfatizar os aspec-


ORIENTADO tos técnicos e práticos do trabalho, enfatizam a preocupação com
PARA a realização das tarefas e o alcance das metas, bem como, o cum-
TAREFAS: primento de prazos, do orçamento e dos padrões de qualidade; e

enfatizam as relações interpessoais; demonstrando interesse pes-


ORIENTADO soal nas necessidades de seus funcionários e aceitando as dife-
PARA renças entre os membros do grupo. Caracteriza, também, o estilo
PESSOAS: do líder que busca valorizar o desenvolvimento de sua equipe.

O primeiro comportamento refere-se a líderes que tendem a enfatizar os


aspectos técnicos e práticos do trabalho. O segundo compreende líderes que
enfatizam as relações interpessoais (MAXIMIANO, 2006).

162 • capítulo 4
Acreditando que os estilos de liderança já definidos não representavam a rea-
lidade dos dias atuais, pesquisadores na Finlândia e na Suécia identificaram um
novo estilo, orientado para o desenvolvimento, cuja principal característica é a
capacidade de adaptar-se rapidamente às mudanças do ambiente (DAFT, 2005).

As pesquisas acerca desse estilo confirmam sua existência como uma


©© JOHN KOUNADEAS | DREAMSTIME.COM

dimensão separada e independente das demais, e apontam que os líderes que


exibem esse tipo de comportamento contribuem para a maior satisfação dos
funcionários e são vistos como mais competentes (ROBBINS, 2002).
Como crítica, vale ressaltar que os modelos elaborados dentro do paradig-
ma da abordagem comportamental de liderança tendem a valorizar um estilo
de liderança em detrimento de outro (GIL, 2001).

4.8.1  Liderança Situacional

Embora a teoria dos traços e a abordagem do comportamento tenham sua re-


levância para a ampliação dos conhecimentos sobre a capacidade de lideran-
ça, observa-se que nenhuma delas foi capaz de prever o sucesso da liderança
(DAFT, 2005).

capítulo 4 • 163
Assim, os pesquisadores sobre o assunto passaram a levar em conta a
influência do ambiente no sucesso da liderança (ROBBINS, 2002), passando a
uma visão muito mais complexa do tema (GIL, 2001). A essa nova abordagem
deu-se o nome de liderança situacional (MAXIMIANO, 2006).
Este conceito destaca que o estilo do líder deve ajustar-se à situação
(LACOMBE, 2010).
Vários autores tentaram elucidar esta questão identificando os fatores situ-
acionais que influenciavam a capacidade de liderança, criando diversos mode-
los para lidar com essas variáveis situacionais.
As premissas básicas dessa abordagem indicam o caráter contingencial da
liderança, onde não apenas o líder, mas os liderados e a situação são variáveis
que determinam o processo da liderança (SANT’ANNA et al., 2009).

4.8.2  Modelo de Liderança de Fiedler

Um dos modelos mais conhecidos é o de Fiedler que identifica três fatores si-
tuacionais básicos que determinam a eficácia da liderança (ROBBINS, 2002):

RELAÇÃO o grau de confiança, credibilidade e respeito que os membros


ENTRE LÍDER do grupo têm em seu líder. A medida utilizada para esta dimen-
E LIDERADOS: são é se a relação entre líder e liderado é boa ou ruim;

o grau de procedimentos estabelecidos no trabalho, ou seja, se


ESTRUTURA as tarefas são estruturadas ou não estruturadas. A medida utili-
DA TAREFA: zada para este aspecto é se a estrutura da tarefa é alta ou baixa;

está relacionada com o nível de autoridade do cargo ocupado


pelo líder na organização e o grau de influência que ele líder
PODER DA tem sobre as variáveis de poder (legítimo, recompensa, puni-
POSIÇÃO: ção). A medida utilizada para esta variável é se o poder da po-
sição é forte ou fraco.

164 • capítulo 4
4.8.3  Modelo de Liderança da Teoria Caminho-objetivo

Criada por House, em 1971, a teoria caminho-objetivo defende que a motivação


dos indivíduos relaciona-se com dois aspectos centrais: suas expectativas sobre os
ganhos decorrentes de um dado caminho (comportamento) e sua confiança de que
esse caminho apresenta as maiores chances de sucesso (SANT’ANNA et al., 2009).
Assim, o líder deve estimular expectativas positivas em seus subordinados tan-
to em relação aos objetivos almejados, quanto aos caminhos para sua obtenção
(SANT’ANNA et al., 2009). Uma das funções de um líder eficaz é ajudar os subordi-
nados no alcance de suas metas, fornecendo a orientação e o apoio necessário para
isso (ROBBINS, 2002). De acordo com essa teoria, o líder pode assumir quatro tipos
de comportamento em função das motivações dos liderados: líder diretivo, apoia-
dor, líder participativo e orientado para a conquista (LACOMBE, 2010).

CONEXÃO
O tema “estilos de liderança” é um assunto muito popular – com isso, muitos estudos sobre o
tema são desenvolvidos. Para saber mais sobre o assunto, leia o artigo “Cultura organizacio-
nal, Estilos de Liderança e a Comunicação interpessoal nas organizações” disponível no site
http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/art_cie/art_12.pdf

De acordo com essa teoria, o comportamento do líder será eficaz quando o


líder oferecer qualquer coisa que falte ao liderado ou ao ambiente de trabalho,
podendo assumir quatro tipos de comportamentos, dependendo da situação
(ROBBINS, 2002):

faz com que os liderados saibam o que se espera deles, orga-


LÍDER niza o trabalho a ser feito e fornece instruções precisas sobre
DIRETIVO: como as tarefas devem ser realizadas;

LÍDER é amigável e demonstra sensibilidade pelas necessidades de


APOIADOR: seus subordinados;

capítulo 4 • 165
LÍDER consulta os liderados e utiliza suas ideias antes de tomar de-
PARTICIPATIVO: cisões; e

LÍDER
ORIENTADO estabelece metas desafiadoras e espera que os liderados
PARA A ofereçam o melhor desempenho possível.
CONQUISTA:

4.8.4  Recurso Cognitivo

Outra teoria a ser destacada é a do recurso cognitivo, que ressalta a influência


do estresse no papel de liderança e discute como a inteligência e a experiência
de um líder afetam sua reação ao estresse (MAXIMIANO, 2006).
A essência dessa teoria destaca que o estresse é inimigo da racionalidade,
sendo difícil para o líder pensar lógica e analiticamente quando está sob forte
tensão (ROBBINS, 2002).
Em um mundo em constante transformação, a palavra estresse está sendo
pronunciada cada vez mais por pessoas de diferentes profissões e classes so-
ciais. O senso comum nos traz um conceito de algo negativo e nocivo à qualida-
de de vida do indivíduo. Mas afinal, qual é o conceito de estresse?
Wagner III e Hollenbeck (2006:121) definem estresse com “um estado emo-
cional desagradável que ocorre quando as pessoas estão inseguras de sua capa-
cidade de enfrentar um desafio percebido em relação a um valor importante”.
Em relação ao estresse, Limongi (apud WAGNER III e HOLLENBECK,
2006:122) afirma: “o estresse é vivido no trabalho pela capacidade de adaptação,
na qual sempre está envolvido o equilíbrio obtido entre a exigência e capacidade”.
Se o equilíbrio for atingido, obter-se-á o bem-estar, se for negativo, gerará
diferentes graus de incerteza, conflitos e sensação de desamparo.
Completando essa visão, Robbins (2002:548) define o estresse de forma
mais complexa, segundo o autor: “estresse é uma condição dinâmica na qual
um indivíduo é confrontado com uma oportunidade, limitação ou demanda
em relação a alguma coisa que ele deseja e cujo resultado é percebido, simulta-
neamente, como importante e incerto”.

166 • capítulo 4
O estresse nem sempre tem um impacto negativo no desempenho das pessoas.
Robbins (2002:558) ressalta que, “para muitas pessoas, um nível baixo ou mode-
rado de estresse pode capacitá-las a realizar melhor seu trabalho, aumentando a
intensidade de sua dedicação, sua agilidade mental e sua capacidade de reagir”.
No entanto, um alto nível de estresse ou, até mesmo um nível moderado de es-
tresse, mas constante por muito tempo, em geral ocasiona uma queda da produ-
tividade e também da satisfação do funcionário com o trabalho (ROBBINS, 2002).

4.8.5  Teoria da troca entre líder e liderado

Outra pesquisa de natureza situacional é a teoria da troca entre líder e liderado


(Teoria LMX), de Dansereau, Graen e Haga (1975), que visa explicar como a na-
tureza do relacionamento entre os líderes e subordinados influencia o proces-
so da liderança (SANT’ANNA et al., 2009).
Essa teoria se diferencia das demais por argumentar que todo líder age de
maneira não homogênea em relação aos membros de sua equipe, tratando me-
lhor o grupo mais próximo a ele, surgindo assim dois grupos dentro da organi-
zação (ROBBINS, 2002):

favoritos do líder que têm toda a confiança, recebem uma par-


GRUPO DE cela desproporcional de atenção do líder e costumam ser alvo
DENTRO: de privilégios especiais; e

que recebem menos tempo do líder, menos recompensas


GRUPO controladas por ele e seu relacionamento se baseia nas inte-
EXTERNO: rações formais de autoridade.

ATIVIDADES
01. Quais as diferenças entre Comportamento Individual e Comportamento em Grupo? Qual
influencia e qual é influenciada? Explique.

02. Quais os principais motivos que levam as pessoas a viverem em grupo? E no seu caso?

capítulo 4 • 167
03. Explique o modelo de desenvolvimento de grupos. Isso ocorre em todos os grupos? Por
que?

04. O que é pensamento Grupal? Como um grupo influencia o pensamento individual?

05. O que são papéis sociais? Qual a relação dos papéis sociais com as pressões a confor-
midade do grupo?

06. Explique: Processos de comparação social e polarização de grupo.

07. O que são equipes de alta performance? Como essas podem ser criadas e desenvolvi-
das na atuação do assistente social?

08. Qualquer pessoa pode ser um líder? Explique.

09. O que é Liderança Situacional?

10. Por que podemos afirma que “todo grupo tem um líder”?

REFLEXÃO
O comportamento coletivo corresponde ao comportamento dos grupos e das equipes. Além
de conhecer os motivos que levam à formação dos grupos, é interessante também enten-
der o processo de formação dos mesmos, a fim de que a empresa possa implantar ações
gerenciais que auxiliem na otimização do processo, minimizando os pontos de gargalo e na
obtenção de melhores resultados.
Um grupo é um conjunto de indivíduos que interagem entre si durante algum período
de tempo e que compartilham uma necessidade ou um objetivo comum. De modo geral, o
próprio grupo serve como um meio para alcançar um objetivo.
Uma das razões que justificam o estudo dos grupos é a de que quando as pessoas
entram em um grupo, normalmente agem de modo diferente de quando estão sozinhas.
Consequentemente, os grupos são mais do que a soma de suas partes

168 • capítulo 4
As equipes são grupos que trabalham de forma sinérgica e, quando autogeridas, cons-
tituem-se em uma força de trabalho diferenciada em termos de competências, altamente
motivada para produzir resultados, com liberdade para programar e dirigir suas próprias ativi-
dades e preparada para assumir responsabilidade e riscos.
Segundo Drucker (2001), existem três tipos de equipes, e estas diferem em suas res-
ponsabilidades, estrutura e uso:
– A equipe de beisebol, ou uma equipe cirúrgica, ou uma linha de montagem – as pesso-
as realizam trabalho independente e em série, cada qual em sua posição.
– A equipe de futebol, ou equipes de projetos, realizam trabalho em paralelo, ou seja, as
pessoas trabalham juntas, mas não são interdependentes.
– A equipe de duplas de tênis, ou um conjunto de jazz – existe trabalho interdependente.
Para Drucker (2001) a expressão “formação de equipes” tornou-se um clichê comum nas
empresas, o que não quer dizer que se tenha uma clara visão do que seja ou de como formar uma
equipe. Na verdade, de acordo com o autor a formação de equipes de alta performance é rara.
Reforçando esta ideia Katzenbach e Smith (2001) estudaram centenas de equipes de
trabalho e concluíram que a maioria não tinha uma clara visão dos seus objetivos e que fun-
cionavam como “grupos de trabalho”, ou seja, como grupos onde os membros primariamente
dividem informação e melhores práticas ou perspectivas e tomam decisões para ajudar cada
indivíduo a melhor desenvolver suas tarefas na área de sua responsabilidade.
Para Katzenbach e Smith (2001) destacam ainda que o termo equipe vem perdendo seu
real significado e chamam a atenção para o conceito verdadeiro de equipe: um grupo de pes-
soas com aptidões complementares, comprometidas com um objetivo comum, que realizam
trabalho interdependente e são coletivamente responsáveis pelos resultados.
Assim, antes de um grupo de pessoas tornar-se uma equipe de alta performance, é ne-
cessário que este grupo torne-se uma equipe (BEJARANO ET AL, 2010)
Equipes de alta performance são sempre motivadas por um sentimento de poder agir e to-
mar decisões, reconhecendo problemas e desenvolvendo soluções (BEJARANO ET AL, 2010)
São características das equipes de alta performance (BEJARANO ET AL, 2010):

•  Os líderes acreditam que as pessoas são a chave do sucesso da empresa.


•  O pessoal sênior atingiu um nível de conforto com divisão de poder e informação – o que
não quer dizer que a hierarquia tenha desaparecido por completo, mas a organização está
bem mais paralela que hierárquica.
•  O status dentro das equipes é baseado em conhecimento e competência, não em hierarquia.
•  As equipes envolvem membros de diversas áreas e níveis organizacionais – todos traba-
lhando juntos para alcançar um objetivo comum: melhorar a cidade com uma organização

capítulo 4 • 169
mais eficiente com oportunidades de crescimento e aprendizado para todos os funcionários.
•  A cultura organizacional é conducente a um ambiente de criação de equipes e os emprega-
dos são incentivados a buscar e desenvolver soluções criativas para os problemas.
•  Os líderes das equipes entendem a diferença entre uma organização paralela e uma hierár-
quica – foram re-educados através da “democratização” da estrutura organizacional.
•  Todas as atividades desenvolvidas pelas equipes têm uma missão pré-definida, discutida e
analisada por todos os membros.
•  Os líderes das equipes entendem que inovação e sucesso envolvem riscos, e são abertos
às ideias e iniciativas dos membros das equipes. Erros e acertos são compartilhados – a
liderança é flexível.
•  A competência técnica é reconhecida como importante, mas é ainda mais importante ter
membros que estejam comprometidos com o objetivo da equipe: competências técnicas po-
dem ser desenvolvidas, ensinadas – a atitude perante um objetivo comum, não.

Equipes de alta performance levam as organizações a um nível de desempenho máxi-


mo, desde que as condições favoráveis ao desenvolvimento das equipes estejam presentes.
Entretanto, é necessário reconhecer e empenhar esforços para compensar as dificuldades
na formação de equipes (inclinação individualista, cultura de gerenciamento de equipes ba-
seada em modelos hierárquicos e autoritários, falta de esforço na construção das equipes e
falta de objetivos definidos), partindo do princípio de que o trabalho em equipe não é “natural”
para a maior parte das pessoas.
Equipes de alta performance podem levar vários anos para se desenvolver e exigem da
organização que planeja implementá-los um comprometimento muito maior que o simples
desejo de ter equipes como parte da sua estrutura: esta pesquisa aponta para a necessidade
de uma cultura e ambiente organizacional que sejam conducentes a um espírito honesto de
colaboração, aonde formalidades e superficialidades possam dar lugar à comunicação aberta
e à confiança necessária ao estabelecimento de equipes (BEJARANO ET AL, 2010).
Como o desempenho da equipe depende, forçosamente, do desempenho individual daqueles
que o compõe, um time de indivíduos medíocres não poderá se desenvolver como um time de alta
performance – seus membros devem ter ou desenvolver, no mínimo, as habilidades profissionais
e técnicas necessárias à execução de suas funções. Igualmente importante é a capacidade para
o comprometimento em atingir os objetivos do time e desenvolver relações interpessoais efetivas,
através do diálogo e da administração de conflitos (BEJARANO ET AL, 2010).
Somente através do exercício das premissas e da correção das falhas expostas acima
se pode atingir a alta performance das equipes e das empresas (BEJARANO ET AL, 2010).

170 • capítulo 4
LEITURA
Uma das maiores utopias empresariais consiste no ideal da empresa que se desempenha
como uma grande equipe: uma única equipe de sucesso, ou de alta performance.
Equipes têm o potencial de aumentar a produtividade e ajudar na redução de custos
através da reunião de talentos, promoção de criatividade, e criação de uma atmosfera de
solução de problemas. Baseadas nas potencialidades das equipes, as últimas duas décadas
têm presenciado mudanças no modelo organizacional das empresas: ao invés de organizar o
trabalho com base simplesmente em funções e departamentos as empresas estão adotando
estruturas baseadas em equipes (MCDERMOTT, 1999). Numa equipe formada para o de-
senvolvimento de um novo produto, por exemplo, podem estar contribuindo especialistas de
vendas, marketing, engenharia e manufatura.
Seguindo esta tendência, existe uma abundância na literatura da área sobre como formar
e gerenciar equipes – como aumentar a motivação, criar empatia e coesão entre os membros
do time, melhorar a comunicação, e principalmente, formar “líderes” capazes de estimular a
participação e obter uma equipe aonde exista sinergia.
Entretanto, e apesar das muitas potencialidades que as equipes oferecem, a análise da
literatura disponível sobre o tópico sugere que muitos obstáculos devem ser superados antes
que um grupo de pessoas se torne, efetivamente, uma equipe de alta performance. Também
na prática observa-se que, muitas vezes, o desenvolvimento de uma verdadeira filosofia de
trabalho em equipe é um processo difícil de ser administrado e nem sempre bem sucedido.
Quais são, então, as forças que levam uma equipe à realização da capacidade máxima
dos indivíduos que a compõe e, por conseguinte, ao máximo desempenho possível do grupo?
Como equipes de alta performance são criadas e desenvolvidas? Que características indi-
viduais o responsável por formar uma equipe deve buscar nos candidatos? Como estimular
os indivíduos que compõem uma equipe a subordinar metas individuais às metas da equipe?
Apesar da ênfase que o atual mercado de trabalho coloca no trabalho em equipe – uma
tendência que vem perdurando desde a década de 70, quando se começou a correlacionar a
cultura de coletivismo japonesa com a fase super-produtiva pela qual aquele país passou – o
mundo globalizado envia mensagens ambíguas. A implementação do MBO (Management by
Objectives), amplamente utilizado pelas empresas, tem ênfase absolutamente individual e
a impressão que se tem é a de que metas e objetivos individuais devem predominar – uma
atitude que leva mais à competitividade que a colaboração necessária para o trabalho orga-
nizado em equipes.
Além disso, a tradição Taylorista-Fordista de produção que vigorou no século passado
deixou marcas de um modelo administrativo que ainda é preponderante no mercado de tra-

capítulo 4 • 171
balho, na figura do “chefe” que toma decisões individualmente, dando aos seus funcionários
pouca ou nenhuma chance de questionar ou discutir processos – elementos essenciais na
formação e operação de equipes.
Katzenbach e Smith (2001) reconhecem a relutância das pessoas em fazer parte de
equipes, atribuindo-a a quatro razões fundamentais:

algumas pessoas simplesmente não acreditam que o de-


sempenho de equipes realmente seja melhor que o de in-
FALTA DE divíduos, e crêem que equipes causam mais problemas do
CONVICÇÃO: que produzem soluções, especialmente pela quantidade de
tempo perdido na organização e implementação das equi-
pes (ex: reuniões improdutivas).

RISCO E muitos sentem medo, ou simplesmente não gostam de tra-


DESCONFORTO balhar em equipe.
PESSOAL:

a maior parte das pessoas tem valores que favorecem o de-


VALORES sempenho e a responsabilidade individual – desempenho
INDIVIDUAIS: acadêmico, profissional, e quase todos os outros aspectos
da vida são medidos individualmente.

algumas empresas não têm propósitos específicos para


suas equipes, ou não tem mesmo um entendimento de
porque equipes são importantes para a saúde e bem estar
da organização. Quando líderes demonstram uma preocu-
ÉTICA DE pação maior com a política interna da empresa ou com as
TRABALHO relações públicas externas do que um comprometimento
ENFRAQUECIDA: com as metas da empresa e seus funcionários, a confiança
mútua e a comunicação são minadas, aumentando a inse-
gurança, o que causa uma erosão no nível de aceitação do
trabalho em equipes entre os funcionários.

172 • capítulo 4
Deste modo, a análise da literatura disponível sobre equipes parece indicar que o conflito
entre os interesses individuais e os interesses coletivos é o maior empecilho para a forma-
ção de equipes. A falta de dedicação e unidade e o conflito entre os objetivos individuais e
os objetivos da equipe são citados por Larson e LaFasto (1989), Moscovici (1998) e Kat-
zenbach e Smith (2001) como o maior empecilho para o sucesso de uma equipe: espera-se
que pessoas educadas nos princípios individualistas – desde o desempenho escolar até os
princípios de remuneração no trabalho (mesmo no trabalho em equipes) são normalmente
individuais – renunciem temporariamente a esses princípios para vislumbrar e trabalhar pelo
objetivo coletivo, ou da equipe.
Por outro lado, o conceito de equipes permanece forte por vários motivos. O principal
deles, segundo os próprios Katzenbach e Smith (2001), é que boas equipes e excelente
desempenho são inseparáveis. Ou seja: não se pode ter excelente desempenho sem ter
boas equipes.
O que se busca quando se pensa em formar uma equipe é atingir sinergia, ou seja, o
que um formador de equipes espera é que talentos individuais se somem de tal forma que o
resultado seja superior à simples soma aritmética de suas partes ou indivíduos. Mas quem já
trabalhou com equipes (e as de futebol são um exemplo simples e clássico) sabe que formar
uma boa equipe não é tão simples quanto agregar os melhores talentos individuais – de fato,
não raro o desempenho de equipes de “super-estrelas” é muito aquém do desejado.
Belbin (1993) reportou alguns resultados muito inferiores com equipes inteiramente for-
madas por pessoas de alta capacidade analítica e mental. Essas equipes tiveram certos vícios
de operação em comum:

•  Tiveram dificuldades em tomar decisões e pouca coerência nas decisões tomadas.


•  Gastaram tempo excessivo em debate destrutivo, tratando de persuadir outros membros a
adotarem seus pontos de vista e demonstrando prazer em apontar fraquezas nos argumen-
tos alheios.
•  Muitas tarefas importantes e necessárias foram omitidas ou negligenciadas.
•  Os membros se mantiveram fiéis as suas linhas de atuação, sem tomar em conta o que
outros membros do time faziam, tornando-se difíceis de gerenciar.

Em alguns casos, essas equipes reconheceram suas falhas, mas usaram de compensa-
ção – passando a evitar o diálogo e o confronto, o que acabou levando a mais problemas nos
processos decisivos.

capítulo 4 • 173
Outra das possíveis razões pelas quais as equipes falham, é que as empresas podem
estar empregando equipes pelas razões equivocadas: segundo Keen (2003), equipes não
são a solução para perda de funcionários depois de um downsizing e, além disso, alguns exe-
cutivos apenas pregam teorias sobre equipes, mas na prática ainda favorecem a hierarquia
clássica e o poder autoritário dos chefes. Dyer (1995) enfatiza que muitas empresas adotam
as teorias de trabalho em equipe apenas para predispor maior cooperação entre funcioná-
rios, mas na prática, nenhum esforço para a construção de equipes é feito – é assumido que
se pessoas forem colocadas juntas para trabalhar como uma equipe, elas saberão como
interagir. O autor defende que nada está mais longe da realidade.
Larson e LaFasto (1989) acreditam que as falhas acontecem antes mesmo da formação
da equipe. Muitas vezes, membros são escolhidos por razões equivocadas (ex: escolher por
razões emocionais, por afinidades pessoais ou por manter políticas). Ao invés disso, os au-
tores sugerem que a escolha deve se basear tão somente na capacidade de cada indivíduo
de contribuir para as metas e objetivos do time. Sem nenhuma prévia atenção ao processo
seletivo, o grupo dificilmente poderá se integrar e formar uma equipe.
Pamela King (2002) relata a experiência da General Foods, uma gigante do setor ali-
mentício nos EUA, que encontrou em equipes de alta performance a resposta para seu pro-
blema de produção, que era reduzir o tempo de introdução e a variedade de novos produtos
no mercado. O time de nove pessoas, formado em 1987, tinha a seguinte tarefa: com um
orçamento a parte, desenvolver novos produtos e lança-los no mercado, operando como se
fossem um negócio independente – seu próprio negócio. Normalmente, a General Foods
levava de 5 a 7 anos desde o início do desenvolvimento do produto até a primeira entrega.
O time de alta performance supervisou a construção de uma nova fábrica e desenvolveu
sobremesas que foram colocadas no mercado em 3 anos, as “Jell-O Pudding Snacks”que
venderam em 1993 mais de US$ 100 milhões.
Depois deste sucesso, a General Foods expandiu o conceito de equipes de alta perfor-
mance para a empresa inteira, incluindo suas fábricas. O resultado tem sido redução de cus-
tos e melhora nas condições de trabalho. O ex-Diretor de Desenvolvimento Organizacional
da empresa, Marc Bassin, resume suas observações sobre equipes de alta performance e
como estes podem ser desenvolvidas (KING, 2002):

•  Equipes de alta performance aumentam a motivação e o compromisso, e criam ambiente


para inovação e melhor desempenho. Indivíduos lidam melhor com o stress porque essas
equipes produzem uma estrutura similar a familiar: responsabilidades e benefícios são divi-
didos.
•  É necessário reconhecer desde o princípio que o trabalho em equipe não é “natural” para

174 • capítulo 4
a maior parte das pessoas, e equipes de alta performance podem levar de 3 a 5 anos para
se desenvolver.
•  É necessário eliminar formalidades, superficialidades, e aquele espírito “colegial” de falsa
camaradagem que é confundido com colaboração honesta.
•  É necessário discutir, criticar, questionar – a harmonia a qualquer custo é um dos grandes
inimigos das equipes.
•  É necessário estabelecer comunicação franca e honesta em reuniões e discussões infor-
mais – os membros precisam discutir e discordar num espírito de buscar atingir o objetivo da
equipe, mantendo a seriedade no trabalho e o compromisso com o time.

A cultura organizacional precisa estar consolidada com base na confiança mútua – aon-
de existe confiança dos funcionários existe o clima organizacional para a implementação de
equipes de alta performance.
Tolerância a erros – o medo de errar impede o espírito inovador, a criatividade, e até
mesmo a honestidade.
Estes relatos apontam para a necessidade de se criar uma cultura organizacional favorá-
vel, baseada em estruturas que operem de modo menos hierárquico, treinar líderes flexíveis
que acreditem nas pessoas como chave do sucesso da empresa e reconhecer e empenhar
esforços para compensar as dificuldades na formação de equipes
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176 • capítulo 4
5
Sexualidade e
Gênero
O que é sexo? O que é sexualidade? O que é Gênero? Sexo, sexualidade e Gê-
nero são coisas diferentes, ligadas, mas diferentes. A maneira como vivemos
o corpo no mundo social está cercada de símbolos, códigos e significados.
Além do corpo biológico existe a construções de um corpo social, moldado
e controlado pelas normas. Aliás a normatização do corpo, do desejo e dos
prazer é algo que vem sendo estudado nos últimos tempos e apontado para
a buscado do controle da sexualidade como forma de poder. Nesse capítulo
vamos pensar sobre as questões de gênero e seus possíveis desdobramentos
na vida privada e pública de cada um e de todos concomitantemente.

OBJETIVOS
•  Entender o que é Sexualidade;
•  Identificar os conceitos e teorias de gênero;
•  Conhecer a importância dos papéis de gênero e sua construção (e possibilidade de des-
construção);
•  Identificar o significado de orientação sexual;
•  Conhecer a teoria queer;
•  Refletir sobre as relações de poder e dominação dos corpo

178 • capítulo 5
5.1  A Sexualidade
Pensar sobre sexualidade é pensar sobre a espécie humana. A sexualidade é
algo que está presente em todos os seres humanos. Afinal Freud (1974) afirma
que somos seres sexuados e qualquer que seja a questão a ser pensada, a inter-
face com a sexualidade sempre existirá. Mas é importante lembrar que estamos
falando de sexualidade na concepção freudiana – isso é algo que você já deve
conhecer. Perceber a sexualidade presente em todas as questões humanas é
apenas uma questão de direcionar o olhar pois aqui pensamos a sexualidade
como um modo de nos relacionarmos com o mundo e com o Outro na busca
pelo prazer.

Um giro pelos canais de televisão nacional, um breve levantamento na internet, uma


observação atenta no ônibus, ruas e lugares das cidades ou uma escuta interessada
das conversas dentro das escolas e dos debates universitários, qualquer um destes já
bastaria para constatarmos o local de destaque da sexualidade em nossa sociedade.
Está nas bancas de revistas, nos comerciais de TV, nos neons coloridos e cintilantes
de guetos suburbanos, empilhada em montes nas livrarias, transbordando dos artigos,
papers e congressos. É disciplina dentro das escolas, tema axial dentro de consultórios,
escândalo e tentação dentro dos templos. É política, é lazer, é saúde (MOSCHETA,
2004, p.16).

A sexualidade não é apenas uma questão pessoal, segundo Louro (2000), a


sexualidade é a vivência de um processo de construção social e político. É algo
construído por cada um ao logo da vida de modo diferente e único, mas atrela-
do e submetido ao contexto social.

Uma invenção social que se constitui através de múltiplos discursos sobre o sexo, dis-
cursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem verdades
(LOURO, 2001 p. 12).

capítulo 5 • 179
A sexualidade, conforme Foucault (1993), é uma criação social, fruto de uma
construção histórica relacionada aos discursos de cada época. São discursos
que normatizam os pensamentos e, consequentemente, a forma de viver a pró-
pria sexualidade. Para ele, a sexualidade:

É uma invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos
discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram sabe-
res, que produzem "verdades". Sua definição de dispositivo sugere a direção e a abran-
gência de nosso olhar: um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discur-
sos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...)
o dito e o não-dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre esses elementos (FOUCAULT, 1993, p.244).

A partir dessa rede, tem-se a identidade e nela está a sexualidade também


como parte que a constitui; é resultado da assimilação da cultura, do local e do
tempo em que o sujeito está inserido.

A ciência constitui uma forma particular de interpretar o mundo em cada época his-
tórica e não está em absoluto isenta de preconceitos ideológicos; indo mais além, a
ciência, junto com a ideologia, determina a forma e a cor do cristal com que cada época
histórica contempla o universo que o envolve. Esta forma de ver as coisas transmiti-
das aos jovens por meio do que chamamos educação, em cada momento histórico,
determina os modelos de pensamento e os padrões de conduta dos novos indivíduos,
ensina-lhes o que cada um deles é e indica-lhes também em que consiste a “realidade”
e a forma adequada de aproximar-se dela, de julgá-la, de analisá-la, e de acreditar nela
(Moreno, 1999, p. 22).

Segundo Woodward (2000), há uma sobreposição entre identidade e subje-


tividade. Subjetividade é a compreensão que temos sobre nosso eu. É a nossa
percepção sobre ‘quem somos nós’ envolvendo pensamentos, desejos e afetos
conscientes e inconscientes. Todavia, vivemos nossa subjetividade em um con-
texto social utilizando-se da linguagem e da cultura para atribuirmos significa-
dos à experiência que temos de nós mesmos. Assim, adotamos uma identidade.

180 • capítulo 5
O corpo não é apenas um texto da cultura. É também, como sustentam o antropólogo
Pierre Bourdieu e o filósofo Michel Foucault, entre outros, um lugar prático direto de
controle social. De forma banal, através das maneiras à mesa e dos hábitos de higiene,
de rotinas, normas e práticas aparentemente triviais, convertidas em atividades auto-
máticas e habituais, a cultura "se faz corpo", como coloca Bourdieu (JAGGAR; BORDO,
1997 p. 18).

Vale lembrar que a sexualidade já foi assunto proibido e mesmo velado, mas
também em outro momentos já foi assunto aberto e discutido. Conforme Louro
(2000), a regulação da sexualidade já passou pelas esferas públicas e privadas.

Na prática, a regulação da sexualidade na geração passada foi dominada por várias


formas de tradição liberal. O dever da lei era regular a esfera pública e, em particular,
manter a decência pública. Havia limites, entretanto, à obrigação da lei de controlar
a esfera privada, a arena tradicional da moralidade pessoal. As igrejas poderiam se
esforçar para dizer às pessoas o que fazer no privado; não era tarefa do estado tentar
fazer o mesmo. O estado, no entanto, tinha pouco espaço para fazer cumprir os padrões
privados, exceto (uma exceção de grande importância) quando houvesse uma ameaça
de dano às outras pessoas. Nessa abordagem, havia a suposição implícita de que a
sociedade não era mais governada – se é que alguma vez o fora – por um consenso
moral. A lei deveria, então, limitar-se a manter os padrões comuns de decência pública
(LOURO, 2000, p. 55).

5.2  O Gênero
O mundo está em processo constante de transformação. A ciência nunca para,
e, na busca pela reflexão e pelo entendimento das relações humanas, as ciên-
cias sociais, humanas e biológicas, trouxeram o sexo e a sexualidade – não por
escolha, mas sim por exigência e necessidade social – para o topo das discus-
sões científicas. Vamos puxar um fio dentro desse emaranhado de assuntos e
pensar nas construções de gêneros.
Mas afinal, o que é Gênero?

capítulo 5 • 181
Já há algum tempo de minha trajetória acadêmica venho me digladiando com aquilo
que algumas autoras designam como “temática” de gênero e feminista. Tenho sido
solicitada a definir, apresentar, resumir ou mesmo explicar o “conceito” gênero para alu-
nas/os, colegas, representantes de movimentos sociais, amigas/os, pessoal da mídia
e para o público em geral. E reconheço que não tem sido assim tão simples a emprei-
tada. Como se articulam os estudos de gênero, o feminismo e as ciências? Todas as
pesquisas e reflexões teóricas que têm gênero no seu escopo são necessariamente
feministas? (MATOS, 2008, p. 01).

Para Matos (2008), muitos autores tratam das questões de gênero, muitas
vezes, de formas distintas e até incompatíveis. Para a autora, o conceito passa
por um processo de difusão, todavia deve-se atentar ao caráter emancipatório
propiciando a possibilidade de libertação dos sujeitos e criando leituras que
possibilitem uma percepção crítico-reflexiva das discussões nesse campo. Para
Matos (2008), muitos autores tratam das questões de gênero, muitas vezes, de
formas distintas e até incompatíveis. Para a autora, o conceito passa por um
processo de difusão, todavia deve-se atentar ao caráter emancipatório propi-
ciando a possibilidade de libertação dos sujeitos e criando leituras que possibi-
litem uma percepção crítico-reflexiva das discussões nesse campo.

É certo e já estabelecido que gênero, como um conceito, surgiu em meados dos anos
70 e disseminou-se instantaneamente nas ciências a partir dos anos 80. Tal reformu-
lação surgiu com o intuito de distinguir e separar o sexo – categoria analítica marcada
pela biologia e por uma abordagem essencializante da natureza ancorada no biológico
– do gênero, dimensão esta que enfatiza traços de construção histórica, social e, sobre-
tudo, política que implicaria análise relacional (MATOS, 2008 p. 336).

Vamos recorrer ao mais acessível recurso de definição de conceitos e pala-


vras: o dicionário comum. Veremos como são apresentadas as palavras Gênero,
Masculino e Feminino.

182 • capítulo 5
Segundo Ferreira (2010) no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,

Gênero: s.m. Grupo da classificação dos seres vivos que reúne espécies vizinhas, apa-
rentadas, afins, por apresentarem entre si semelhanças constantes: o lobo é uma espé-
cie do gênero "canis"; todas as espécies de roseiras são agrupadas no gênero "rosa". /
Maneira de ser ou de fazer: é esse o seu gênero de vestir-se. / Gênero literário, varieda-
de da obra literária, segundo o assunto e a maneira de tratá-lo, o estilo, a estrutura e as
características formais da composição: gênero lírico, gênero épico, gênero dramático.
/ Gênero humano, a espécie humana. / Gênero de vida, modo de viver, de proceder
(FERREIRA, 2010, p 975).

Talvez o final da definição apresentada pelo dicionário possa nos interessar


mais, pois associa Gênero a modo de viver, de proceder na sociedade. O gênero
talvez seja isso: o modo de viver a vida, de apresentar-se diante dos outros.
Com relação à definição de masculino, o mesmo dicionário traz:

Masculino adj. Relativo aos machos: sexo masculino. / Fig. Varonil; enérgico. / Gramáti-
ca Diz-se dos substantivos que têm seu gênero gramatical marcado pela possibilidade
de serem precedidos pelo artigo o. / V. RIMA. / &151; S.m. Gênero gramatical dos
nomes (FERREIRA, 2010, p 1288).

Enérgico – atribui-se um significado agressivo ao masculino. Ser masculino


é ser ativo, forte, potente. E, então, o feminino apresenta-se como o contrário.
Se o masculino é forte, o feminino deve ser frágil, dócil, gracioso:

Feminino adj. Que pertence ou é relativo às mulheres: graça feminina. / Gracioso, terno,
dócil: ela é bem feminina. / Que se refere ao sexo caracterizado pelo ovário (nos ani-
mais e nas plantas). / &151; S.m. Gramática Gênero gramatical dos substantivos, iden-
tificável pela possibilidade de juntar-se a eles o artigo "a" (FERREIRA, 2010, p. 886).

De acordo com Ferreira (2010), o significado dos gêneros masculino e femi-


nino é marcado pela contrariedade. O masculino é o forte e o feminino o frágil.

capítulo 5 • 183
A construção social ganha na definição das palavras seu sentido social.

A distinção entre sexo e gênero é atribuída à antropóloga Margaret Mead (Sex and
Temperament in Three Primitive Societies, 1935). O sexo é a categoria biológica, en-
quanto que o gênero é a expressão culturalmente determinada da diferença sexual: é
o modo masculino como os homens devem se comportar e modo feminino como as
mulheres devem se comportar (BLACKBUM, 1997, p. 167).

Pensaremos em Gênero não como uma diferença de homens e mulheres,


classificando-os como masculino e feminino, assim como a palavra Gênero é
abordada nas questões ligadas à gramática da língua portuguesa. Gênero não
é apenas o sinônimo de sexo, não está restringido às questões de diferenças
biológicas, considera, também, questões de diferenças sociais, de papéis cons-
truídos e assumidos socialmente. Gênero é a maneira de ser ou de fazer-se no
mundo.

Quem confia nos dicionários (e desconfia do que ali não está) talvez tenha resistências
em iniciar este diálogo. No sentido muito específico e particular que nos interessa aqui,
gênero não aparece no Aurélio. Mas as palavras podem significar muitas coisas. Na
verdade, elas são fugidias, instáveis, têm múltiplos apelos... Admitindo que as palavras
têm história, ou melhor, que elas fazem história, o conceito de gênero que pretendo
enfatizar está ligado diretamente à história do movimento feminista contemporâneo
(LOURO, 1997, p. 14).

Os papéis socialmente construídos como gênero incluem o modo do sujeito


se comportar nas relações consigo e com o mundo, o jeito de andar, falar, vestir,
as atividades desenvolvidas, a escolha da profissão, os gostos e desejos.

[...] nascemos com uma genitália masculina ou feminina, mas “não sabemos SER ho-
mem ou mulher”. Isso precisa ser aprendido a partir de nós mesmos, com nossos pais,
com a família e com a sociedade. Trata-se de um processo longo e da identidade de
gênero masculina ou feminina [...] (COSTA, 1994 p. 17).

184 • capítulo 5
Gênero como construção de papel social envolve a maneira do sujeito se re-
lacionar com o mundo – interno e o externo. E esse encontro com o mundo atra-
vessa e constitui também a construção da identidade. Passamos a nos inventar
no encontro com o Outro social.

5.2.1  Os papéis de Gênero

É importante considerar, também, possíveis distinções entre gênero e pa-


péis de gênero.

Gênero classifica os organismos de acordo com suas características definidas pelos


três níveis de seleção em masculino e feminino. A identidade de gênero é a convicção
íntima de uma pessoa de ser do gênero masculino (homem) ou do gênero feminino
(mulher), diferentemente do papel de gênero, representado pelos padrões de compor-
tamento definidos pela prática cultural em que as pessoas vivem papéis estereotipada-
mente masculinos e femininos. O ambiente familiar e as práticas culturais irão modelar
o papel de gênero por meio do reforço social (PEDROSA, 2009, p. 58).

Assim, na visão de Pedrosa (2009), o ser humano nasce com um gênero, po-
rém, o mesmo vai assumir sua representação ao longo da construção da iden-
tidade. Essa construção possibilita novos papéis na vivência do masculino e do
feminino.
O movimento feminista colocou os papéis de gênero como uma construção
social, que não está diretamente ligada ao corpo físico biológico, considerando
que o corpo físico pode ser trabalhado de acordo com a variação e o processo
de construção da identidade de gênero. As pessoas não nascem homens ou mu-
lheres, mas podem tornar-se “homens ou mulheres” a partir da construção da
identidade do masculino e do feminino.

As pessoas podem ir e vir, independente do seu sexo biológico e de sua identidade de


gênero. Os papéis de gênero podem ser treinados e desenvolvidos. Os atores profissio-
nais mostram, através de sua arte, esta possibilidade (COSTA, 1994, p. 32).

capítulo 5 • 185
5.2.2  Transgredindo as fronteiras

Segundo Louro (2000), os sujeitos que assumem o protagonismo na constru-


ção de gênero, independente do corpo físico biológico determinado pelo nasci-
mento, ou até mesmo rompendo com este, recebem a designação de transexu-
ais ou transgêneros.
O sujeito transgênero possui características biológicas conhecidas como do
sexo masculino ou feminino, entretanto, sente-se como um membro do sexo
oposto, pois tem o direcionamento do seu comportamento de gênero para ou-
tro sentido.
O gênero não nasce com o corpo. Ele é construído em cada encontro com
o mundo. Talvez sejamos todos transgêneros se considerarmos um gênero em
trânsito, em construção permanente.

Enquanto proposta de um sistema de classificação, a “categoria” gênero, em sua forma


mais difusa e difundida, tem sido acionada quase sempre de forma binária (raramente
em formato também tripartite) para se referir à lógica das diferenças entre: feminino e
masculino, homens e mulheres e, também, entre a homo e a heterossexualidade, pe-
netrando já aí neste segundo eixo fundamental deste novo campo que é a fronteira da
sexualidade (MATOS, 2008, p. 334).
O desafio é maior do que apenas assumir que as posições de gênero se multiplicaram e
escaparam dos esquemas binários, mas admitir que as fronteiras vêm sendo constante-
mente atravessadas e que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a
fronteira. Uma nova dinâmica dos movimentos (e das teorias) sexuais e de gênero está
em ação (LOURO, 2001, p. 541).

Pensar sobre Gênero é pensar sobre os estudos feministas que colocaram


as questões de gênero expostas para serem pensadas pela sociedade. É pensar
sobre os lugares sociais destinados ao masculino e ao feminino e seus desdo-
bramentos na vida das pessoas. É pensar sobre as relações de poder que se ins-
tauram na dinâmica social. É pensar sobre a violência de gênero, sobre o poder
do masculino sobre o feminino. É discutir o naturalismo e as invenções sociais
com peso de verdades. É pensar sobre o poder da linguagem que traduz a cultu-
ra dominante. É pensar sobre todas as formas de dominação, de cor, de credo,

186 • capítulo 5
de etnia, de idade, de sexo, de gênero, de orientação e todas as outras formas
que ainda são manifestações tão sutis – ou tão descaradas – que não consegui-
mos ainda perceber. É pensar sobre uma escola e uma família que reproduzem
construções sociais de forma ritualizadas.

5.3  Por uma nova ordem


Segundo Matos (2008), desde o ano de 1970, o movimento feminista luta para a
construção e veiculação do conceito de gênero exclusivamente ligado às ques-
tões sociais, às situações de adaptação do mundo interno ao mundo externo.
Com isso, atualmente, consideramos gênero como esse processo de constru-
ção de existência social, fruto da orientação cultural (da legitimidade ou do
rompimento com a ideologia cultural dominante).
Na visão de Louro (2002), há tempos buscamos explicar o conceito de
Gênero a partir da exclusiva classificação de masculino e feminino, tentando
encaixotar todos dentro desses padrões. Estabeleceu-se o que seriam coisas
masculinas e coisas femininas, primeiramente partindo do sexo biológico dos
sujeitos; eles deveriam encaixar-se nessas categorias: menino ao gênero social
masculino e menina ao gênero social feminino.

As formas antigas e modernas de dualismos e binarismos serviram bem ao propósito


de justificar, e até de reproduzir, relações de dominação, opressão e exploração (de
gênero e muitas outras): marcas sensíveis e facilmente identificáveis no sentido da
subordinação das mulheres, mas não apenas delas (MATOS, 2008, p.344).

A simplificação do gênero ao Masculino ou Feminino, ou, no máximo, con-


siderando a existência da intersexualidade, o hermafroditismo, no qual o mas-
culino e o feminino coexistem num mesmo corpo biológico mentem o binaris-
mo como única forma de existência. Segundo Costa (1994), entre o ser macho
ou fêmea socialmente existe uma imensa variação e nuances que contribuem
para o processo de construção da identidade e da subjetividade.

capítulo 5 • 187
5.4  Orientação sexual
Desde o nascimento (ou muito antes deste), tal processo de encaixotamento
(que consideramos, aqui, a tentativa de encaixar o sujeito no binarismo de gê-
nero que serve às relações de dominação) tem início. O menino deverá ter suas
roupinhas da cor azul, gostar de futebol, ser ativo e agressivo. A menina terá
suas coisas da cor rosa, brincará com bonecas, será doce e obediente. Isso só
para exemplificar uma pequena parte do processo de construção de gênero im-
posto e esperado como normal. Caso o sujeito não se encaixe nessa identifica-
ção imposta como automática do sexo biológico com o gênero social construí-
do, o mesmo será, então, reclassificado como desviante e sua única alternativa
aparente, até então, era o gênero oposto – Masculino ou Feminino – e seria clas-
sificado como Homossexual.
Vale lembrar que estamos falando de gênero e a orientação do desejo sexual
nada tem a ver com essa questão. De acordo com Costa (1994), o termo orienta-
ção sexual é utilizado para designar o tipo de relacionamento que se estabelece
com alguém do sexo oposto, do mesmo sexo ou com pessoas de ambos os se-
xos. Dessa forma, orientação sexual tem a ver com heterossexualidade, homos-
sexualidade (ou homoafetividade como preferem alguns por se tratar de ques-
tões de ordem afetiva e não somente sexual), bissexualidade e todas as outras
possíveis classificações de direcionamento do desejo.
Louro (1997) salienta que existe muita confusão a respeito das relações en-
tre orientação sexual e identidade de gênero, mas parece que não existe relação
– são coisas independentes.
Para Silva e Vieira (2009), a relação entre gênero e orientação sexual não
deve ser encarada como normal. Gênero não é sinônimo de orientação sexual e
essa legitimação do binômio masculino e feminino não corresponde às novas
posições de gênero. Sobre isso, Louro (2001) afirma que as posições de gênero
têm se multiplicado e o binarismo está sendo rompido pelas situações de gê-
neros em trânsito, nas quais os sujeitos não cabem apenas no masculino ou
no feminino, todavia, se constituem e se movimentam além das convenções
sociais de gênero. E, ainda para a autora, muitos sujeitos vivem ou ultrapassam
as pseudo fronteiras de gênero.

188 • capítulo 5
Num mundo de fluxo aparentemente constante, onde os pontos fixos estão se moven-
do ou se dissolvendo, seguramos o que nos parece mais tangível, a verdade de nossas
necessidades e desejos corporais. [...] O corpo é visto como a corte de julgamento
final sobre o que somos ou o que podemos nos tornar. Por que outra razão estamos
tão preocupados em saber se os desejos sexuais, sejam hétero ou homossexuais, são
inatos ou adquiridos? Por que outra razão estamos tão preocupados em saber se o
comportamento generificado corresponde aos atributos físicos? Apenas porque tudo o
mais é tão incerto que precisamos do julgamento que, aparentemente, nossos corpos
pronunciam (WEEKS, 1995, p. 90-91).

Conforme Louro (2001), talvez possamos falar em Masculinidades e


Feminilidades, assim, no plural, oferecendo mais que apenas uma possibilidade
de transição de gênero de um extremo ao outro, como também toda uma gradu-
ação infinita de nuances, podendo ser mais um elemento que torna cada sujeito
uma construção sócio-histórica, que interpreta o mundo e dá sentido ao corpo físi-
co e biológico de maneira exclusiva, comportando-se e existindo de maneira ímpar.
Silva e Vieira (2009) dizem que os gêneros ainda estão servindo à heteronor-
matividade e a diferença pode representar uma ameaça à heteronormativida-
de. Dessa maneira, o sujeito que aparentemente apresente um comportamento
taxado de homossexualidade é, segundo Foucault (1999), apontado como anor-
mal e está sujeito às intervenções do poder, devendo ser tratado para adequar-
se à heteronormatividade. De acordo com esses autores, a homossexualidade
pode ser percebida como uma ameaça aos dispositivos de poder sobre a sexua-
lidade. Louro (1999) assinala o medo da alteração do status quo social.

O que efetivamente incomoda é a manifestação aberta e pública de sujeitos e práticas


não-heterossexuais. Revistas, moda, bares, filmes, música, literatura, enfim, todas as for-
mas de expressão social que tornam visíveis as sexualidades não-legitimadas são alvo de
críticas, mais ou menos intensas, ou são motivo de escândalo. Na política de identidade
que atualmente vivemos serão, pois, precisamente essas formas e espaços de expressão
que passarão a ser utilizados como sinalizadores evidentes e públicos dos grupos sexuais
subordinados. Aí se trava uma luta para expressar uma estética, uma ética, um modo de
vida que não se quer "alternativo" (no sentido de ser "o outro"), mas que pretende, sim-
plesmente, existir pública e abertamente, como os demais (LOURO, 2000, p.20).

capítulo 5 • 189
5.5  Outras possibilidades
Vamos a mais um questionamento sobre as relações de gênero: casamento,
aposentadoria, direitos e deveres, as questões legais estão vinculadas ao gênero
ou ao sexo? Talvez não seja tão fácil responder a essa questão por ainda existir
socialmente muita confusão entre os termos.
Há alguns países, como a Austrália, por exemplo, onde há inclusão de um
terceiro gênero – X – nos passaportes, para contemplar pessoas que não se
identificam com as opções geralmente disponíveis de masculino ou feminino.

O grande desafio não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multi-
plicaram e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários; mas
também admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é
ainda mais complicado – que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente
a fronteira (LOURO, 2001 p.2).

Segundo Blackbum (1997), o gênero é a expressão da diferença do corpo. O


Gênero é o modo como homens e mulheres vivem sua masculinidade e femini-
lidade no mundo.
Cada grupo social estabelece sua cultura de gênero, o que caracteriza o fe-
minino e o masculino. Quando falamos em igualdade de gênero talvez esteja-
mos apenas nos referindo às questões de igualdade de direitos civis a todos os
seres humanos, independente de sexo, orientação sexual ou comportamentos
tidos como masculinos ou femininos, pois sendo o gênero uma construção so-
cial e elemento constituinte da questão identitária, o mesmo nunca poderá ser
igual, ou, então, aceitamos a lei do “encaxotamento” novamente.

Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que nos


parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos
falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores
culturais (PEREIRA, 2009, p.20).

190 • capítulo 5
Um primeiro passo para a aceitação e respeito pela construção de gênero de
forma ativa e pelos sujeitos sociais seria o empoderamento e a legitimidade de
todos os gêneros masculinos, femininos e possíveis para o Humano.

Se as transformações sociais que construíam novas formas de relacionamento e estilos


de vida já se mostravam, nos anos 60, profundas e perturbadoras, elas se acelerariam
ainda mais, nas décadas seguintes, passando a intervir em setores que haviam sido,
por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais. As novas tec-
nologias reprodutivas, as possibilidades de transgredir categorias e fronteiras sexuais,
as articulações corpo-máquina a cada dia desestabilizam antigas certezas; implodem
noções tradicionais de tempo, de espaço, de "realidade"; subvertem as formas de gerar,
de nascer, de crescer, de amar ou de morrer (LOURO, 2000, p. 3).

Neste início de novo milênio, temos, agora, legitimada pelo olhar das ciên-
cias humanas, a possibilidade de subverter a ordem imposta durante séculos
de classificação em masculino ou feminino. Subvertendo as formas de gerar,
de nascer, de crescer, de amar ou de morrer, torna, acima de tudo, possível criar
novas formas de viver e de existir.

Afirma-se ou rejeita-se uma sequência de muitos modos já consagrada, a sequência


sexo-gênero-sexualidade. O ato de nomear o corpo acontece no interior da lógica que
supõe o sexo como “dado” anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histó-
rico e binário. Tal lógica implica que esse “dado” sexo vai determinar o gênero e induzir
a uma única forma de desejo. Supostamente não há outra possibilidade senão seguir a
ordem prevista. A Afirmação “é um menino” ou “é uma menina” inaugura um processo
de masculinização ou de feminilização com o qual o sujeito se compromete (LOURO,
2004, p. 17).

De acordo com Butler (1990), o sujeito ao nascer, já carrega em si o significa-


do social de gênero atribuído “naturalmente” ao seu sexo. Homem-Masculino,
Mulher-Feminina. E assim será praticamente obrigado a obedecer e se compor-
tar segundo as normas que regulam esse papel social. Esse seria o processo que
desencadeia todo um “fazer” desse corpo masculino ou feminino.

capítulo 5 • 191
5.6  A Teoria Queer
Novos olhares se configuram e tornam possíveis rever, construir, reconstruir e
desconstruir os conceitos do masculino e do feminino.
Louro (2001, b) diz que a Teoria Queer apresenta-se como uma visão de que
as questões de gênero são uma construção social e que não existem essencial-
mente papéis ligados ao corpo biológico naturalmente determinados e, sim,
uma infinita rede de possibilidades de construção permanente de gênero pelo
sujeito ativo e vivo na pós-modernidade.

Sob a ótica social, existe somente aquilo que tem um nome ou aquilo de que é possível
falar, ou seja, aquilo de que já se falou alguma vez; o resto das coisas – o inefável – per-
tence ao mundo obscuro e confuso do individual, do incomunicável, do que não pode
ser dito e, portanto, não tem existência social. A linguagem reflete, assim, o sistema de
pensamento coletivo, e com ele se transmite uma grande parte do modo de pensar,
sentir e atuar de cada sociedade (MORENO, 1999, p.15).

Miskolci (2009) explica que a expressão Queer (do inglês – estranho) ante-
riormente tinha caráter pejorativo, mas foi se transformando e, hoje, é utilizada
em diversos países com uma conotação que remete ao respeito à diversidade
sexual e à luta contra o preconceito e por direitos iguais entre todos os gêneros
possíveis do Humano.
Conforme Louro (2001, b), no início dos anos 80, com o movimento feminis-
ta, começa a nascer nos Estados Unidos uma reflexão sobre as questões de gê-
nero questionando a atribuição vista como, até então, natural sobre os papéis
sexuais de masculinidade e feminilidade e a opressão vivida pelas mulheres.
A norma começa a ser questionada e é o momento embrionário da chamada
Teoria Queer, que analisa os comportamentos de sujeitos tidos como fora da
regra, pessoas cujo gênero não se encaixa nos moldes da normalidade e aposta
nesses comportamentos desviantes para desconstruir (a ideia de desconstru-
ção passa, aqui, pela construção da história das relações de poder e dominação
dos gêneros; é entender para poder pensar de outra maneira) os conceitos de
gênero e demonstrar que a regra criada não dá conta das expressões possíveis
da sexualidade humana.

192 • capítulo 5
A História da Sexualidade de Foucault (1993, 1999, 1985) foi uma importan-
te propulsora das ideias da Teoria Queer, colocando as questões de gênero e as
sexualidades disparatadas como parte da construção da identidade do sujeito
e, portanto, algo individualizado e, ao mesmo tempo, atrelado ao contexto so-
cial em que se está inserido.
Para os teóricos queer, as polaridades entre o masculino e o feminino e o
binarismo estabelecido não são reais.

As muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de viver pra-


zeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente
(e hoje possivelmente de formas mais explícitas do que antes) [...] Para os teóricos
queer, estas polaridades não são reais, são antes de tudo artifícios criados para orga-
nizar o conhecimento, categorias que determinam corpos, desejos e atos, e produzem
a ilusão de um sujeito coerente e estável, passível de definições através de rótulos de
identidade na medida em que é posicionado em um outro lado binômio (MOSQUETA,
2004, p. 43).

Foucault (1988) trata de temas como os impulsos sexuais, o trânsito entre a


opressão e a liberdade sexual e a relação destes com o desejo herdado e cons-
truído pelo corpo do sujeito.
Segundo Louro (2001), a Teoria Queer desconstrói as tradicionais classi-
ficações em categorias tidas como naturais ou universais de Macho, Fêmea,
Masculino, Feminino, Heterossexual, Homossexual, Bissexual, etc. Ao des-
construir tais tentativas de classificação, a Teoria Queer passa a pensar a sexua-
lidade e as manifestações de gênero como algo socialmente construído, mas de
forma individual e que não admite reducionismo em classes preestabelecidas.
Ainda segundo Louro (2001) todos são únicos em sua identidade de gênero,
todos são “estranhos” e o bizarro talvez seja o comum. A Teoria Queer, além de
pensar sobre sexualidade, sexo e gênero, recusa, ainda, outras formas de clas-
sificações, como raça (algo inclusive já questionado pelo Projeto Genoma – do
mapeamento do código genético humano (TEIXEIRA, 2000)) e classes sociais,
partindo do pressuposto da complexidade social em qualquer forma de inter-
face na construção de aspectos da identidade de cada sujeito. A Teoria Queer
contrapõe-se a uma forma determinada como "normal" da construção da sexu-
alidade em toda a sua amplitude.

capítulo 5 • 193
É, então, no âmbito da cultura e da história que se definem as identidades sociais (todas
elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também as identidades de
raça, de nacionalidade, de classe etc.). Essas múltiplas e distintas identidades cons-
tituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes
situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa identidade su-
põe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de
pertencimento a um grupo social de referência (LOURO, 2000, p. 9).

5.7  O corpo e o poder


De acordo com Mead (1979), os estudos sobre Homens e Mulheres e o exercício
da masculinidade e da feminilidade abrem um caminho para a desconstrução
dos papéis de gênero, até então vistos, como “naturais” e não construídos so-
cialmente ou como múltiplas maneiras de viver o próprio corpo.
Nye (1995) direciona para a relação de dominação que os corpos estão sub-
metidos e assinala uma política sexual que questione os dispositivos de poder e
controle. É a dominação do homem e a subordinação da mulher que sustentam
o patriarcado.

O argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que a relação


entre ambos decorre dessa distinção, que é complementar e na qual cada um deve de-
sempenhar um papel determinado secularmente, acaba por ter o caráter de argumento
final, irrecorrível. Seja no âmbito do senso comum, seja revestida por uma linguagem
"científica", a distinção biológica, ou melhor, a distinção sexual, serve para compreender
– e justificar – a desigualdade social (LOURO, 1997 p. 20).

Para Woodward (2000), a identidade é relacional, depende de algo fora dela


para existir, de Outra identidade, de uma identidade que ela não é, mas que
fornece as condições para que ela possa existir. A identidade é assim, marcada
pela diferença.

194 • capítulo 5
Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de
poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supli-
ciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este inves-
timento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua
utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é in-
vestido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua constituição
como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a
necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado
e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo
submisso (FOUCAULT, 1987, p. 28).

Foucault (1988) considera estas relações de poder controladas por dispositi-


vos históricos. Para o autor, o dispositivo incide em uma rede constituída entre
diversos elementos sociais, como o discurso e a prática ou as atitudes e compor-
tamentos. O dispositivo é um mecanismo de poder com múltiplas dimensões.
Para o autor tudo é composto por relacionamentos de força. E os dispositivos
sociais mantêm a ordem constituída socialmente. Os dispositivos embaralham
as palavras e as ações. Os dispositivos sociais ligados ao controle da sexuali-
dade presentes na sociedade produzem procedimentos de controle e exclusão.
Para pensarmos sobre a invenção do Masculino e do Feminino e a descons-
trução dos conceitos de gênero, precisamos lembrar que essa invenção foi mais
uma construção humana; considerar que existam coisas de homens e coisas de
mulher é tornar legítima uma invenção da cultura.

Trata-se, portanto, de um regime de verdade que prima pelo que já se conhece, pelo
caminho previsto e planejado a partir da correspondência arbitrária sexo-gênero-iden-
tidade inscrita nos sujeitos, produzindo uma racionalidade do previsível. Não sabemos
como reagir ao inesperado, a impossibilidade de seguir o planejado paralisa, tenta-
mos fugir do imprevisível, evitá-lo. Limitamos possibilidades e, em nome da verdade
transcendente, não arriscamos. A hetero-racionalidade procura interditar erros, desca-
minhos, proliferações. Sobra muito pouco espaço para pensar outras formas de identi-
dade, de relações sociais e de prazer (SILVA e VIEIRA, 2009 p.196).

capítulo 5 • 195
As questões de gênero são percepções sociais construídas e que, atualmen-
te, vêm sendo desconstruídas. Novas possibilidades são legitimadas e tornam-
se mais visíveis a cada estudo, olhar, pensar ou sentir sobre os conceitos de gê-
nero e sexualidade humana. Abarcar todas as classificações possíveis parece
não ser mais o caminho escolhido pela cultura na pós-modernidade, mas sim
reconhecer que somos todos diferentes.

O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da socie-


dade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder
que se chama “disciplina”. Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder
em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”,
“esconde”. Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos
e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam
nessa produção (FOUCAULT, 1987 p. 218).

A escola e a família até exercem seu poder, usam e abusam de suas estratégias de
dominação e domesticação do corpo, mas o sujeito insiste em ser. Insiste em existir e
quebrar padrões. O desejo é sempre mais forte. A situação também nos permite pensar
a respeito do que é feito para "garantir" que as crianças obtenham o gênero “correto”
(LOURO, 1997, p. 82).

Relações de poder. Tudo é poder. O poder da visão binária de certo e errado, pú-
blico e privado, razão e emoção, branco e preto, homem e mulher, macho e fêmea,
masculino e feminino. Essa visão cartesiana não pode mais ser assumida como
única forma de pensar as características humanas de acordo com Silva (2009). Deve
ocorrer o rompimento da visão dicotômica. Será que entre o masculino e o femini-
no não há nada? Não há lugar para o diferente? Louro (1997) busca uma discussão
mais ampla, por meio da qual as relações de poder sejam pensadas e problemati-
zadas de outras formas. Não mais o “isso é natural” (a naturalização de variáveis
sociais formando o conceito de gênero) serve como resposta! Vale considerarmos,
conforme Silva (2009), a proposta de um pensamento plural que pense nas repre-
sentações sociais não apenas como fundamentadas nas armadilhas biológicas que
sobrepõem o masculino ao feminino de modo reduzido e simplista.

196 • capítulo 5
Foucault (1993) aponta que as relações de poder e as questões de gênero
se dão também no âmbito da disputa por poder. Talvez, até mais que isso, a
construção de gênero se dá justamente para a construção do poder do Outro.
Mas Foucault (1986) ressalta que "Não há poder sem liberdade e sem potencial
de revolta".

ATIVIDADE
01. O que é sexualidade?

02. O que é Gênero?

03. Qual a relação entre sexualidade e gênero?

04. Explique a famosa frase de Simone de Beauvoir (1949): “Não se nasce mulher: torna-se.”

05. Ainda segundo Simone de Beauvoir (1943) “Não há uma pegada do meu caminho que
não passe pelo caminho do outro.” Explique essa afirmação utilizando os argumentos de
Foucault apresentados no capítulo.

06. Depois da leitura desse capítulo, como você interpreta o poema de Fernando Pessoa,
Eros e Psique?

Eros e Psique
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem

capítulo 5 • 197
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

07. Será as questões de gênero um problema a ser pensado na área da educação escolar?
Explique.

08. As questões de sexualidade e gênero atravessam a atuação profissional do assistente


social? Explique.

198 • capítulo 5
REFLEXÃO
Segundo a Constituição Federal (1988), somos todos iguais perante a lei. Entretanto, somos
todos diferentes, pois a diversidade é uma das características da espécie humana. Aprender
a respeitar a pluralidade humana em todos os seus aspectos é, hoje, um grande desafio que
se coloca, e todas as instituições que atuam na formação humana devem se comprometer
com tal questão trabalhando noções de ética, de moral e de valores que respeitem a diver-
sidade humana.
É importante ressaltar que o sujeito precisa do Outro para tornar-se Humano e entende-
se por Outro todo aquele que está fora do EU, mas que de alguma forma atravessa a identi-
dade social. O convívio com grupos sociais, a internalização de regras, a criação de modelos
de comportamento tudo isso acontece nas mais diversas esferas da sociedade.
O que pensar dos espaços oficialmente destinados a educação dos sujeitos? Será que
são desenvolvidas atividades realmente capazes de contribuir para o respeito à diversidade,
ou estamos simplesmente ignorando as diferenças de gênero, contribuindo, assim, para soli-
dificar comportamentos de não aceitação e discriminação de modelos diferentes do padrão
imposto socialmente de masculino e feminino?
Segundo Costa (1994), além do sexo biológico, que pode ser masculino, feminino e
hermafrodita, há uma variação de gênero que também faz parte da identidade do sujeito.
A negação da diferença pode reforçar a intolerância. Portanto, compreender diferentes
nuances na identidade humana pode ser o início da formação de uma sociedade mais justa,
ética e solidária, capaz de conviver com as diferenças e respeitá-las.
Precisamos estar preparados para receber toda a pluralidade humana. As questões de
gênero são, ainda, um desafio para o trabalho de muitos profissionais de diversas áreas por
desconhecimento do assunto ou moralismos.
Para compreender a formação da sexualidade é preciso pensar sobre identidade e gê-
nero, criando espaços e situações para legitimar a subjetividade do Outro, que, muitas vezes,
pode ser diferente do padrão estabelecido socialmente. É necessário conhecer para poder
respeitar.
Na busca da investigação da constituição da identidade sexual e de gênero do sujeito
imerso nas práticas sociais, professionais e sujeitos atravessam-se na construção da subje-
tividade.
Pensar sobre isso se faz mais do que uma questão importante: é algo fundamental para
a construção de uma sociedade justa para todos!

capítulo 5 • 199
LEITURA
Leia o artigo:
LOURO, G. L. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) -
maio/ago. 2008.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf

A autora Guacira Lopes Louro (Professora Titular aposentada da Universidade Federal


do Rio Grande do Sul – UFRGS – e Fundadora do GEERGE - Grupo de Estudos de Educa-
ção e Relações de Gênero) propõe uma reflexão sobre os conceitos de gênero, sexualidade,
diferença e educação. Segundo a autora “gênero e sexualidade são construídos através de
inúmeras aprendizagens e práticas, empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias
sociais e culturais, de modo explícito ou dissimulado, num processo sempre inacabado. Na
contemporaneidade, essas instâncias multiplicaram-se e seus ditames são, muitas vezes,
distintos. Nesse embate cultural, torna-se necessário observar os modos como se constrói e
se reconstrói a posição da normalidade e a posição da diferença, e os significados que lhes
são atribuídos.” (LOURO, 2008, p.1)
Leia também:
BEAUVOIR, S. de. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
Trata-se de uma obra fundamental para pensar e discutir os assuntos de gênero, foi esse
livro que muito colaborou com o movimento feminista lançando novos olhares sobre a ques-
tão de ser mulher, afinal segundo a autora “não se nasce mulher, torna-se mulher.” Leitura
obrigatória para quem deseja compreender criticamente questões de gênero e sexualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Marcondes; [tradução, Desidério Murcho et al.]. Rio de Janeiro: jorge Zahar Ed., 1997.
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200 • capítulo 5
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______. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de janeiro: Graal, 1999
______. Microfísica do poder. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
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______. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
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GABARITO
Capítulo 1

01. A psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano, podemos falar também
sobre a ciência que estuda a mente humana. Como muitas ciências estudam o ser humano
em diversos aspectos (pois são diversas as ciências humanas) o objeto de estudo da psico-
logia é a subjetividade humana.
02. Século XIX temos: O Funcionalismo que elege a “consciência” como seu objeto de estu-
dos; O Estruturalismo, que também estuda a “consciência” mas preocupado com os aspectos
estruturais da mesma; e o Associacionismo que caracteriza-se pelo estudo de questões de
ordem da aprendizagem partido da premissa da associação de ideias.
No Século XX temos entre outras: O Behaviorismo com a teoria S-R; O Gestaltismo que
nega a fragmentação e busca compreender o ser humano em sua totalidade; e a Psicanálise
que postula o inconsciente como objeto de estudo.
03. Trata-se da área da psicologia que estuda os processos educativos, aplicando e utilizan-
do os conhecimentos produzidos pelas psicologias para a análise, estudo e transformação
dos fenômenos educativos. A psicologia da educação está inserida entre as teorias psicoló-
gicas e as práticas de educação dos sujeitos.

202 • capítulo 5
04. As teorias da psicologia podem contribuir para a melhoria da educação escolar ofe-
recendo suporte para a compreensão dos fenômenos educativos. Compreendendo melhor
o que ocorre no contexto escolar, nas práticas educativas e nos processos de ensino e de
aprendizagem é possível melhores formas de intervenção.
05. O assistente social atua diretamente com a questão social, e esta acontece em diver-
sas esferas da sociedade e da coisa pública. A escola, e todas as suas problemáticas, está
inseridas entre as questões sociais urgentes na atualidade. Compreendendo melhor os fe-
nômenos educativos, é possível para o assistente social construir olhares interdisciplinares
para sua atuação.
06. A psicologia, assim como outras ciências e áreas do conhecimento, tem um compromis-
so com a justiça social, no código de ética do psicólogo é previsto a atuação ética na cons-
trução de uma sociedade mais justa e solidária. Assim, não só o psicólogo, mas os saberes
produzidos pela psicologia buscam colaborar socialmente nessa direção.

Capítulo 2

01. Podemos responder a essa questão de diversas formas, pois muitos são os autores que
definem a aprendizagem. Vamos ficar aqui com a concepção de Coll, Palácios e Marchesi
(19996) que consideram a aprendizagem um processo que ocorre quando o sujeito, devido
às experiências vividas nas relações com o contexto, produz novas respostas e modifica
comportamentos (que podem ser não observáveis) anteriores.
02. O papel da escola na aprendizagem de crianças e adolescentes tem sido muito polê-
mico. A escola não é considera apenas um espaço para a aprendizagem formal do desen-
volvimento da cognição, mas também uma oportunidade fundamental para a socialização de
jovens na cultura ocidental moderna.
03. A vida em família sempre guarda relações com a vida escolar do sujeito. O professor não
pode esquecer que o aluno aprendeu muitas coisas na família antes de entrar na escola. É na
família que muitas coisas são aprendidas, coisas que contribuirão diretamente inclusive para
a formação da sua personalidade.
04. Segundo Maximiano (2004) a palavra motivação deriva do latim motivos, movere que
significa mover. Motivação é o processo pelo qual o comportamento humano é incentiva-
do, estimulado por algum tipo de motivo ou razão. Segundo Robbins (2002) motivação é o
processo responsável pela intensidade, direção e ainda a persistência dos esforços de uma
determinada pessoa em relação ao alcance de suas metas.
05. As teorias de conteúdo procuram identificar os fatores que motivam as pessoas, estando
baseadas em quatro hipóteses propostas pelos filósofos gregos sobre o conceito de felici-

capítulo 5 • 203
dade: O Homem econômico-racional: a motivação está baseada na perspectiva do ganho,
na posso; o Homem Social: a motivação está fundamentada no reconhecimento do grupo; o
Homem autorealizador: a motivação é sinônimo de realização interior e o Homem complexo:
a motivação apresenta diversas causas em função da complexidade humana. As teorias de
conteúdo da motivação abrangem diversos modelos motivacionais, entre eles a teoria da
hierarquia das necessidades de Maslow, a teoria X e Y, a teoria dos dois fatores, entre outras.
06. As teorias de processo da motivação explicam como funciona o mecanismo da motiva-
ção, abrangendo os seguintes modelos: do comportamento, a teoria da expectativa, a teoria
da equidade, entre outras.
07. Aprendizagem envolve mudança de comportamento (que pode ser no agir, no pensar,
no sentir) quando desejamos aprender nos movemos na direção do objeto desejado e isso
vai facilitar muito o processo de aprendizagem. Quem trabalha com processos educativos
sabe que quando o sujeito deseja aprender, uma parte importante do processo foi alcança-
da. Estar motivado a aprender é um importante passo na aquisição e construção de novos
conhecimentos.

Capítulo 3

01. A teoria de Jean Piaget sobre o desenvolvimento humano é caracterizada por uma vi-
são interacionista. Piaget busca pensar esse processo partido da premissa da adaptação a
situações novas relacionando a interação do sujeito com o meio. A teoria epistemológica é
considerada uma das mais importantes teorias para pensar o desenvolvimento cognitivo.
02. Vygotsky discuti questões como o desenvolvimento da linguagem, a aprendizagem, a
formação de conceitos e outras questões de ordem intelectual. Para o autor há um papel
preponderante das relações sociais no desenvolvimento humano. Sua teoria é classificada
como sociointeracionista.
03. Wallon inicia suas pesquisas na área do desenvolvimento humano buscando explicar
o que é e como se forma a consciência. Sua teoria é conhecida como psicologia da pes-
soa completa pois leva em consideração nos processos de desenvolvimento a totalidade do
sujeito (consciência, eu, emoções, representações). Wallon ficou bastante conhecido pela
proposta de um estudo integrado do desenvolvimento humano (afetivo, motor e cognitivo). A
criança deve ser estuda de forma contextualizada nas relações do meio.
04. É fundamental para o assistente social conhecer as teorias do desenvolvimento huma-
no, uma vez que a questão social se dá na ordem do trabalho com pessoas. Compreender
a importância da interação do sujeito com o meio, a importância do outro no processo de
construção da identidade e da personalidade possibilita perceber a força e potência do

204 • capítulo 5
contexto social no desenvolvimento físico, motor, cognitivo, social, e afetivo da criança e pode
fazer com que o profissional do serviço social pense as relações humanos, nas mais diversas
situações com novos, e mais fundamentados, olhares.

Capítulo 4

01. Quando pensamos em comportamento individual estamos pensando em questões como


personalidade, inteligência, percepção, e ainda que tenhamos formas amplas de classifica-
ção e entendimento de tais comportamentos, a premissa essencial é a questão da indivi-
dualidade, somos todos diferentes e nos construímos de forma única nossa subjetividade
no mundo. Mas o ser humano é um animal social, precisamos do Outro, e assim vivemos e
participamos de Grupos. Ao pensarmos sobre comportamento em grupo temos que conside-
rar a influência do grupo no processo de conformidade do sujeito, todos os grupos tem um
líder, tem regras de comportamento e o individuo precisa se adequar a essas regras. Assim
podemos considerar que a influencia entre o comportamento individual e o comportamento
em grupo é dupla, um influencia o outro diretamente. Continuo sendo eu e influenciando o
grupo e ao mesmo tempo me adapto às necessidades e influencias do Outros.
02. As pessoas se reúnem em grupo por diversos motivos, entre eles podemos citas: segurança,
status, autoestima, associação e alcance de metas. Agora pensar no seu caso, isso é só com você!
Assim permanece a pergunta: quais os motivos que te levam a participar dos grupos que escolheu?
03. Esse modelo de formação e desenvolvimento dos grupos é aplicado a organizações
que querem implantar ações gerencias que auxiliem na otimização do trabalho em grupo, de
forma geral a maioria dos grupos de trabalho temporários vai passar por esses cinco estágios
de desenvolvimento do grupo apontados por Robbins (2002): Formação, tormenta, relacio-
namento, desempenho e interrupção. Isso ocorre devido a influencias do comportamento
individual e do comportamento em grupo.
04. O pensamento grupal descreve as situações em que pressões para a conformidade
impedem que o grupo avalie criticamente propostas incomuns ou minoritárias ao grupo. Esse
fenômeno ocorre quando os membros do grupo estão tão preocupados em conseguir a
unanimidade que as normas em relação ao consenso passam por cima da avaliação realista
das alternativas de ação e da possibilidade de expressão dos pontos de vista desviantes. Isso
indica a deterioração da eficiência mental e moral do individuo devido a pressão do grupo.
05. Quando uma pessoa assume um papel, as pressões normativas exercem influência para
que atue de uma maneira específica. A conformidade representa essa mudança de compor-
tamento quando se faz parte de um grupo, como da pressão exercida por esse grupo (essa
pressão pode ser real ou imaginária). Essa conformidade pode se dar por simples submissão
ou por aceita intima dos preceitos do grupo.

capítulo 5 • 205
06. Comparação social é o meio (e a necessidade) que os indivíduos e os grupos têm de
comparar, classificar e legitimar suas crenças e comportamento a partir da comparação com
outras pessoas ou outros grupos. Já a polarização de grupo é um fenômeno que aponta
que os grupos tendem a escolher alternativas arriscadas, quanto expostos a dilemas, mas
algumas novas pesquisas apontam que escolhas conservadoras também podem estar pre-
sentes nos grupos, assim o fenômeno da polarização de grupos ainda causa perplexidade
nos pesquisadores.
07. Equipes de alta performance são equipes capazes de atuar em ambientes considerados
turbulentos e de produzir resultados que gerem vantagens competitivas efetivas. O assisten-
te social, assim como outros profissionais que se dispuserem a transforma grupos em equi-
pes e estas em equipes de alta performance precisam investir na construção de uma equipe
que seja capaz de se autogerir, possuindo autonomia completa para executar ou administrar
um projeto. Um elemento fundamental é a descentralização de autoridade realizando um
processo de empoderamento (empowerment) dos elementos da equipe.
08. Há muitas teorias sobre a liderança. Um delas é a teoria dos traços que compreendia
que as pessoas possuem traços de personalidade que as colocariam na posição de lideran-
ça, porém com o tempo as pesquisas indicaram que nem todas as pessoas que possuíam o
traços necessários para a liderança realmente se transformavam em lideres nos grupos que
atuavam. Hoje, abordagens como a do comportamento apontam que a liderança é um papel
interpessoal que qualquer pessoa pode desempenhar, sendo percebida como uma habilida-
de a ser aprendida pela experiência ou por meio da educação e do treinamento (porém sem
conseguir realmente prever o sucesso dessa liderança).
09. A liderança situacional leva em consideração a influência do ambiente no sucesso da lide-
rança passando para a uma visão muito mais complexa do tema, considerando que o estilo do
líder deve ajustar-se á situação, ao caráter contingencial da liderança e também aos liderados.
10. Quando estudamos o comportamento em grupo percebemos que quando as pessoas
se juntam em busca de um objetivo em comum há uma necessidade de organização coletiva,
e uma tendência a eleger pessoas que representem os anseios e necessidades do grupo.
O líder verdadeiro é reconhecido pelo grupo como seu representante. Podemos considerar
que essa liderança pode ser compartilhada por mais de uma pessoa e ainda de acordo com
cada situação.

Capítulo 5

01. A sexualidade é algo que está presente em todos os seres humanos. Faz parte da natu-
reza humana. Somos seres sexuados. Mas na concepção freudiana estamos falando sobre

206 • capítulo 5
algo que não se limita ao sexo ou ao ato sexual. Sexualidade é a busca pelo prazer e pode-
mos pensar segundo Freud em um processo de desenvolvimento psicossexual que vai desde
a infância até a idade adulta. A sexualidade não é apenas uma questão pessoal, segundo
Louro (2000), a sexualidade é a vivência de um processo de construção social e político.
É algo construído por cada um ao logo da vida de modo diferente e único, mas atrelado e
submetido ao contexto social.
02. É certo e já estabelecido que gênero, como um conceito, surgiu em meados dos anos 70
e disseminou-se instantaneamente nas ciências a partir dos anos 80. Tal reformulação surgiu
com o intuito de distinguir e separar o sexo – categoria analítica marcada pela biologia e por
uma abordagem essencializante da natureza ancorada no biológico – do gênero, dimensão
esta que enfatiza traços de construção histórica, social e, sobretudo, política que implicaria
análise relacional (MATOS, 2008 p. 336).
03. As questões de gênero fazem para da sexualidade humana. A sexualidade envolve mi-
nha construção subjetiva na busca pelo prazer e pela identidade. O gênero representa como
vivo socialmente minha sexualidade.
Gênero classifica os organismos de acordo com suas características definidas pelos três níveis
de seleção em masculino e feminino. A identidade de gênero é a convicção íntima de uma pessoa
de ser do gênero masculino (homem) ou do gênero feminino (mulher), diferentemente do papel de
gênero, representado pelos padrões de comportamento definidos pela prática cultural em que as
pessoas vivem papéis estereotipadamente masculinos e femininos. O ambiente familiar e as práti-
cas culturais irão modelar o papel de gênero por meio do reforço social (PEDROSA, 2009, p. 58).
04. Não há nada que seja realmente natural quando falamos de gênero. A mulher , assim
como o homem, nasce com o um corpo biológico, e é socialmente que esse corpo ganha re-
presentação. Tudo o que representa ser mulher na sociedade foi colocado como norma pelo
modelo opressor, nesse caso o homem.
05. Vivemos socialmente. Precisamos do Outro para construir nossa própria identidade. Re-
lações humana são relações de poder e de opressão. A história de todos está marcada pelas
normas socialmente impostar. Normas ensinadas desde antes do nascimento, que são inter-
nalizadas e reproduzidas como se fossem naturais.
Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de
poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, su-
jeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político
do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica;
é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de
poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só
é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um

capítulo 5 • 207
instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o corpo só se torna
força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso (FOUCAULT, 1987, p. 28).
06. A identidade não precisa necessariamente estar preza a padrões de gênero. O masculino
e o feminino podem ser reconstruídos em cada corpo, e na maneira de vivenciar esse corpo
interna e externamente no mundo. Talvez cada ser humano seja a princesa que adormece e
também o infante salvador. E vale lembrar que gênero nada tem a ver com orientação sexual.
07. As questões de gênero são um problema a se pensado, discutido e trabalho em todos
os espaços sociais. A escola como importante instituição que participa da formação da iden-
tidade e do processo de socialização do sujeito deve trabalhar essa questão de forma clara,
objetiva e científica, buscando o bem estar, o respeito e o direto a cidadania de todos os
seres humanos.
08. As questões de sexualidade e gênero se fazem presente diretamente na atuação profis-
sional do assistente social. Nas escolas, nos hospitais, nas ruas, nas empresas, em todos os
espaços humanos as questões de gênero e sexualidade estarão atravessando as relações
humanas e sociais. Pensar sobre essas questões é pensar sobre a natureza humana e as
mazelas sociais.

208 • capítulo 5

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