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PROCESSO DE TRABALHO

EM SERVIÇO SOCIAL I

autores
MARCELO DE ALMEIDA
VIVIANE VAZ

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  sergio augusto cabral, roberto paes e paola gil de almeida

Autores do original  marcelo de almeida e viviane vaz

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  andreia martins da costa

Imagem de capa  andrew scherbackov | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

A447p Almeida, Marcelo de


Processo de trabalho em serviço social I / Marcelo de Almeida; Viviane Vaz.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
112 p: il.

isbn: 978-85-5548-387-5

1. Serviço social. I. Vaz, Viviane. II. SESES. III. Estácio.

cdd 361.3

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. A centralidade do trabalho 7
1.1  Proposta teórico metodológica de Marx sobre trabalho 8
1.2  Tradição Marxista: as interpretações sobre trabalho no século XX 16
1.2.1  A Globalização e seus impactos na sociedade contemporânea:
fim das desigualdades sociais? 21

2. Transformações do trabalho no século XX:


Implicações no Serviço Social 31

2.1  Transformações operadas no universo do trabalho nos marcos da


reestruturação produtiva. 32
2.1.1 Padrão Fordysta/Taylorista 33
2.1.2  Padrão Toyotista 36
2.2  O debate no Serviço Social frente às transformações ocorridas. 41
2.2.1  O espaço da ação cotidiana 42
2.2.2  A prática social (práxis) 43
2.2.3  O Projeto ético-político do Serviço Social 45
2.2.4  A dimensão técnico-operativa do aprendizado profissional. 47

3. Serviço Social e Representação Social: Elementos


para reflexão da identidade profissional 55

3.1 Introdução 56
3.2  Reflexões sobre o processo de institucionalização da profissão e
a identidade profissional 57
3.2.1  Análise do processo de ruptura com o conservadorismo na
profissão 60
3.3  Identidade Profissional 63
4. A mediação como categoria fundamental no
processo de trabalho do assistente social 71

4.1 Introdução 72
4.2  Reflexões sobre o processo de trabalho do assistente social 73
4.3  Mediação e o Serviço Social 76
4.4  Análise de conjuntura 79
4.4.1  Breves reflexões sobre a ideologia 82

5. O assistente social como trabalhador assalariado:


Perspectivas e possibilidades 89

5.1 Introdução 90
5.2  Transformações no mundo do trabalho: o assistente social como
trabalhador assalariado 91
5.3  Espaços ocupacionais e Serviço Social 93
5.4  Conquistas do movimento da categoria profissional 98
5.5  Formulação de projeto de trabalho profissional 100
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

A disciplina Processo de Trabalho em Serviço Social visa oferecer ao estu-


dante uma aproximação e reflexão à luz da teoria crítica sobre a categoria traba-
lho, suas transformações e as implicações para o Serviço Social. Faremos uma
análise da inserção do assistente social nos processos de trabalhos e das parti-
cularidades dos espaços ocupacionais. O material contempla cinco capítulos
que abordam, inicialmente, a questão da centralidade da categoria trabalho, as
particularidades do mundo do trabalho e das transformações ocorridas com as
alterações da reestruturação produtiva.
Iremos refletir sobre as questões que envolvem a construção da identidade
profissional no contexto histórico brasileiro, retomaremos a trajetória da pro-
fissão e a estreita vinculação com os interesses do Estado e da Igreja Católica.
Essa reflexão é necessária para que possamos ter clareza do avanço da profis-
são, enquanto classe que incorporou as demandas das classes trabalhadoras
e do movimento de ruptura com uma prática conservadora. Faremos um apro-
fundamento da discussão sobre o processo de trabalho e as categorias: media-
ção, análise de conjuntura como elementos fundamentais na construção de
uma prática fundamentada na análise da totalidade concreta.
Nossa reflexão no último capítulo irá problematizar as transformações no
mundo do trabalho, contrapondo com os rebatimentos na profissão, conside-
rando que o assistente social é um trabalhador assalariado. Trataremos, neste
tópico, não apenas da natureza dos espaços ocupacionais como também do
processo de inserção dos profissionais nesses espaços.
Para finalizar, apresentaremos uma breve contribuição para a elaboração
de projetos de trabalho como elemento estratégico de materialização do proje-
to ético-político.
Leiam as referências indicadas nos capítulos, consultem os sites sugeridos
e aproveitem ao máximo do processo de formação profissional, afinal a busca
pelo conhecimento deve ser contínua.

Bons estudos!

5
1
A centralidade do
trabalho
1.  A centralidade do trabalho
Este capítulo busca refletir que as origens das desigualdades são essenciais
para compreendermos a questão social, isto é, entender o processo pelo qual
as diferenças sociais são transformadas em desigualdades sociais. Para Pedro
Demo (1985), “a desigualdade social é componente estrutural da sociedade.
Não é defeito, nem sina, mas simplesmente um traço fundamental, como, por
exemplo, a língua”.
Diante disso, o pensamento marxista possui bastante relevância e significado
quando procuramos discutir como a sociedade está organizada na contempora-
neidade, seu funcionamento e como nela se expressa a exploração do trabalho.

OBJETIVOS
•  Compreender a relação da questão social com o sistema capitalista;
•  Entender a origem da desigualdade social tendo em vista o processo de complexificação
da divisão social do trabalho;
•  Relacionar os efeitos da globalização às expressões da questão social;
•  Reconhecer as diferentes formas de relação de trabalho como fonte de exploração e acu-
mulação de riqueza.

1.1  Proposta teórico metodológica de Marx sobre trabalho

Para compreender o funcionamento do sistema capitalista e a exploração do


trabalho nele presente, vamos recorrer a um dos principais teóricos da mo-
dernidade: Karl Marx. Seu pensamento está engajado às questões sociais, vol-
tado para o apontamento dos conflitos e desigualdades inerentes ao sistema
capitalista.
Conhecer o pensamento de Marx será fundamental principalmente porque
ele despertará o questionamento acerca da lógica do sistema capitalista, além
do que ele fornecerá subsídios teóricos e analíticos capazes de possibilitar a
articulação entre o papel das instituições com a superestrutura social, impor-
tante conceito de sua teoria acerca da formação social capitalista.

8• capítulo 1
Karl Marx, pensador alemão, não foi um sociólogo, pois seus trabalhos
antecederam a institucionalização da disciplina como ciência e os trabalhos
de Durkheim, porém, sua contribuição para os estudos sobre a sociedade é
inegável.
De forma oposta à teoria de Durkheim, o pensamento de Marx procura rea-
lizar uma crítica radical ao capitalismo, evidenciando seus conflitos e contradi-
ções. Enquanto a preocupação principal do positivismo foi com a manutenção
e a preservação da nova sociedade capitalista, os estudos de Marx procuraram
fazer uma crítica a este tipo de ordem social, evidenciando seus antagonis-
mos e contradições inerentes, daí ser conhecido também como o sociólogo
do conflito.
A intervenção teórica de Marx teve como consequência produzir o conheci-
mento científico sobre a História, rompendo com as representações ideológi-
cas de natureza moral, religiosa ou jurídica que sombreavam a compreensão
do processo histórico, pois soube identificar na luta de classes o princípio nor-
teador das relações sociais de exploração e dominação. Sua teoria foi objeto de
combate e crítica das classes dominantes, rompendo com as concepções ideo-
lógicas e filosofias da história que até então ocupavam o lugar de ciência da
História.
Segundo Marx, a sociedade capitalista aparece como um grande “deposi-
tário” de mercadorias. Tudo se baseia na troca (compra e venda) de mercado-
rias. Sua preocupação está em desvendar o que está por trás desta troca. Desse
modo, sua teoria é dedicada a compreender o processo de acumulação de capi-
tal, desenvolvendo uma proposta política que defende a superação do sistema
capitalista de exploração. Para Marx, a acumulação do capital se dá pela explo-
ração do trabalho, gerando, assim, os conflitos sociais latentes entre a classe
dominante e a classe dominada.
Como ocorre o processo de acumulação de Capital?
•  O empresário só pode aumentar o valor de uma mercadoria acrescentan-
do a essa mercadoria maior quantidade de trabalho.
•  O empresário, ao pagar o salário dos trabalhadores, nunca paga o que es-
tes realmente produziram.
•  O excedente de valor produzido não é devolvido ao trabalhador, e sim,
apropriado pelo capitalista. Isto é o que Marx denomina de sobre-lucro (mais-
valia), o excedente que não retornará ao trabalhador.

capítulo 1 •9
Como este processo não é transparente, o trabalho dedicado à produção da
mercadoria fica encoberto, atribuindo à mercadoria um poder próprio, tornan-
do-se um fetiche (fetichização). Em outros termos, vemos a mercadoria tornar-
se aparentemente um ser vivo animado, enquanto o homem torna-se coisa, ob-
jeto do capitalismo (coisificação).

A mercadoria apresenta um duplo aspecto [isto é, uma ambivalência]: como valor de


uso, não há nada de misterioso nela, quer eu a observe sob o aspecto de que satisfaz
necessidades humanas pelas suas propriedades, ou que ela somente recebe essas
propriedades como produto do trabalho humano. É evidente que o homem por meio
de sua atividade modifica as formas das matérias naturais de um modo que lhe é útil
[...] Mas logo que ela aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa fisica-
mente metafísica (Marx, 1985: 70).

Ao mesmo tempo, com a divisão do trabalho, ocorre no processo de produ-


ção de mercadorias uma acentuada separação entre aquele que planeja (pensa)
o trabalho e aquele que o executa, impedindo o trabalhador de conhecer todo
o processo de produção. Como consequência, o trabalhador vê-se distanciado
do produto de seu trabalho, acabando por estranhá-lo (não se reconhece nele),
não conseguindo perceber o seu trabalho naquele processo. A isto Marx deno-
minou de alienação.

CONCEITO
O conceito de alienação tem raízes no pensamento de Hegel e Karl Marx, mas cabe des-
tacar uma importante observação complementar, a de Ludwig Feuerbach, mestre de Marx,
para quem as formas paroxísticas da alienação humana seriam o êxtase e o arrebatamen-
to religiosos.
Para Hegel, a alienação é um processo essencial pelo qual a consciência ainda ingênua,
convencida de que a realidade do mundo é independente dela mesma, chega a tornar-se
consciência de si. Essa transformação da consciência em consciência de si é descrita na
Phänomenologie des Geistes (1807; Fenomenologia do espírito). Para Hegel, o concreto
reside na unidade dos termos contraditórios que entram em confronto. Cada termo é a ne-
gação de seu próprio oposto, sendo o movimento interno do sujeito a "negação da negação".
A luta desses opostos é mortal, pois o ser de cada um deles está no outro, que o desafia

10 • capítulo 1
e nega. A posse de si mesmo fica assim condicionada à destruição do outro, que detém a
verdade e o absoluto. Concebida nesses termos, a alienação é, portanto, além de profunda,
necessariamente intrínseca e primordial: o ser de cada indivíduo não reside em si próprio e
sim em seu oposto, no qual corre o risco de se diluir.
Para Marx, a alienação refere-se a uma situação resultante dos fatores materiais do-
minantes da sociedade, caracterizada por ele sobretudo no sistema capitalista, em que o
trabalho humano se processa de modo a produzir coisas que imediatamente são separadas
dos interesses e do alcance de quem a produziu, para se transformarem, indistintamente,
em mercadorias.
Marx, situando o homem na raiz da história (o homem concreto, que define com o traba-
lho sua relação com seus semelhantes e com a natureza), inverte a dialética hegeliana. De
acordo com a dialética de Marx, o processo de alienação leva o ser genérico do homem --
expresso pelo trabalho -- a converter-se em instrumento de sua sobrevivência, o que ocorre,
primeiro, na relação do produtor com o produto e, em seguida, na relação do produtor com os
consumidores do produto. A alienação transforma o operário em escravo de seu objeto, mas
o processo não se detém aí, já que o trabalho é mercadoria que produz bens de consumo
para outrem. Na verdade, ocorre a alienação do homem perante o próprio homem: ao produ-
zir um bem que não lhe pertence, o homem propicia o jugo daquele que não produz sobre a
produção e o produto, deixando assim que o outro, alheio à produção, se aproprie dela.
Dá-se assim a "reificação" ou coisificação social, ou seja, a conversão de todas as re-
lações sociais em formas de mercadorias, que abrangeriam o próprio homem, desse modo
já submerso na fantasmagoria das relações entre as coisas. Sintetizando-se o problema, a
alienação seria ocasionada pela divisão de trabalho e, de outro lado, pela separação entre
o trabalho e o produto dele resultante. Os reflexos alienatórios seriam inevitáveis tanto na
filosofia como nas instituições políticas e sociais, na religião, na literatura e nas artes.
Disponível em: <http://www.estudantedefilosofia.com.br/conceitos/alienacao.php>

Assim, o estudo da sociedade deveria partir da sua base material, ou seja,


a vida é material e as diferentes formas, ao longo da história de sua existência,
com as quais os homens solucionaram o problema da sobrevivência material
foi determinante para a instituição de todas as demais esferas da vida social,
(política, cultura, arte e religião).
As principais questões da sociedade contemporânea são originárias do
tipo de exploração econômica gerado pelo modo de produção capitalista.
Daí a importância dos conceitos de Modo de Produção e posteriormente do

capítulo 1 • 11
Materialismo Histórico para desenvolver a teoria de que o conhecimento da
realidade social deve se converter em instrumento político, capaz de orientar as
classes sociais para a transformação da realidade. Isto porque o conhecimen-
to científico da classe burguesa aparece como exigência absoluta para que a
classe operária possa fundar uma estratégia, tomar o poder político e iniciar
o processo de superação do capitalismo. Ou seja, a compreensão científica do
capitalismo proposta por Marx inclui também a compreensão dos meios de sua
destruição como modo de produção.
O pensamento crítico marxista definiu como a base da Sociedade Capitalista
a instauração da propriedade privada e a consequente luta de classes como
“motor da história”, enquanto os positivistas preocupavam-se em justificar as
novas bases capitalistas de organização social, Marx e Engels evidenciavam a
injustiça presente desde a origem do sistema, criticando a tentativa burguesa
de torná-lo natural e eterno.
O Capital deve ser considerado como uma relação social que só existe a par-
tir da articulação entre as Forças Produtivas e as Relações de Produção. O capi-
talismo está organizado em duas classes essenciais: burguesia e proletariado.
Esta divisão de classes permite ao capitalismo a característica de transi-
toriedade, uma vez que existe entre estas um profundo antagonismo de in-
teresses. E é justamente isto que pode levar à transformação histórica pela
via revolucionária.
A principal contribuição de Marx foi questionar a “luta dos contrários” a
partir do método dialético: “A dialética considera as coisas e os conceitos no
seu encadeamento, suas relações mútuas, seu nascimento, seu desenvolvimen-
to, sua decadência” (ENGELS, 1970). A dialética em Marx é o estudo das contra-
dições da sociedade burguesa. Seu método dialético era composto por quatro
características fundamentais:
1. Tudo está relacionado;
2. Tudo se transforma;
3. Mudança qualitativa;
4. Luta dos contrários.

O método dialético marxista é uma dialética da destruição: negação da


negação, (ao invés de Afirmação, negação, negação da negação do método
Hegeliano). Isto implica na extinção do que é negado e a sua substituição por

12 • capítulo 1
algo novo, que não existe no elemento negado e que, portanto, não pode ser
conservado ou recuperado (NAVES, 2000).
Ao mesmo tempo em que tudo muda e nada escapa ao movimento das
transformações sociais, os detentores do poder agem sempre no sentido de
preservar o sistema vigente (status quo), conduzem mudanças apenas adaptati-
vas, evitando mudanças estruturais.
Para Marx, era o mundo real das relações econômicas que determinava o
que pensavam os homens, porém este determinismo econômico (infraestru-
tura X superestrutura) foi muito criticado por outros autores. A análise socio-
lógica deve, portanto, concentrar-se nas estruturas da desigualdade e nas com-
binações entre os detentores de poder, privilégio e bem-estar material, por um
lado, e os menos poderosos e favorecidos de outro, propondo a superação do
modo capitalista de produção e a promoção de uma nova forma de produção
com base no coletivismo, (COMUNISMO) tendo como fase de transição/inter-
mediária o Socialismo.
Essas propostas ainda permanecem como fonte de inspiração para muitos
e sua vasta obra continua viva nas discussões sobre as mais diferentes áreas.
“Marx não foi um profeta que anunciou um novo mundo, mas apenas demons-
trou que o Capitalismo não é eterno. É essa demonstração dialética que man-
tém aberta a possibilidade do comunismo” (NAVES, 2000, p.102).

Ao contrário do positivismo, que procurou elaborar uma ciência social supostamente


‘neutra’ e ‘imparcial’, Marx e seus vários seguidores deixaram claro a íntima relação
entre o conhecimento por eles produzido e os interesses da classe revolucionária
existente na sociedade capitalista – o proletariado (MARTINS, 1994).

Um exemplo disso é a política de bem-estar social, surgida na Europa como


tentativa de minimizar os efeitos nocivos do sistema capitalista. A lógica indivi-
dualista atribui os problemas sociais à incapacidade individual de “vencer” os
obstáculos sociais, a luta de classes fica reduzida à luta entre indivíduos. Sob
a perspectiva do Bem-Estar Social, a questão social não é um problema indi-
vidual, ela passa pela organização da estrutura social (ordem social) que, no
caso do sistema capitalista, está pautada na exploração do trabalho geradora
de desigualdades sociais, neste sentido, o enfrentamento da questão social está
diretamente ligado às Políticas Sociais, daí a intervenção direta do Estado para
garantir a redistribuição de renda e estender os benefícios sociais a todos.

capítulo 1 • 13
CONCEITO
Quando o Estado assume, como o fez ao longo do século XIX e XX, um perfil que deixa ao
mercado a responsabilidade maior pela organização da economia, trata-se de um modelo
liberal de Estado. O liberalismo é um tipo de conduta ideológica que dá liberdade para o mer-
cado e prevê um Estado mínimo, que não participa efetivamente da regulamentação econô-
mica. O amplo incentivo à competição entre grupos empresariais seria o motor da economia.
Liberalismo e Primeira Guerra Mundial
No início do século XX, esta competição atingiu um nível internacional, ou seja, ela pas-
sou a ocorrer entre países, e é considerada um dos muitos fatores que levaram à Primeira
Guerra Mundial – uma disputa ferrenha de países europeus por mercado. Pode-se dizer
que ali foi realmente o fim do século XIX – o século das grandes transformações, dos gran-
des desenvolvimentos.
A economia passava por momentos difíceis quando houve a crise de 1929. Que atitudes
deveriam ser tomadas pelo Estado? Maior intervenção na economia? Maior espaço ao livre
mercado? Teses liberais propunham que o Estado mais uma vez interviesse menos na esfera
econômica, mas o caminho da solução da crise não foi esse.
O Estado do Bem-Estar Social como solução para crise
Na década que se seguiu à crise de 1929, o modelo que passou a ser adotado foi o
do Estado de Bem-Estar Social. Nele, o Estado é quem se responsabiliza pela política
econômica, cabendo a ele as funções de proteção social dos indivíduos – educação, saúde,
seguridade social. Além dos Estados Unidos, que pensavam em saídas para a Grande De-
pressão, países europeus como Noruega, Suécia e Suíça – até hoje conhecidos pelo alto
nível de excelência em quesitos socioculturais e que se encontram nos lugares mais altos no
ranking mundial de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – foram os primeiros a adotar
o modelo do Estado Social.
Contexto Pós-segunda Guerra Mundial
Se, na década de 1930, o Estado do Bem-Estar Social começou a ser implementado, foi
após a Segunda Guerra Mundial que ele se fez mais presente, quando países do eixo capita-
lista se organizaram pela reestruturação da economia ocidental, devastada pelos horrores da
guerra. A partir de então, o contexto era outro. Impulsionado pela ideia de cidadania e pelas
pressões dos sindicatos trabalhistas por melhores condições, o Estado de Bem-Estar So-
cial, também conhecido como Estado Providência, passou a defender o desenvolvimento
econômico e social através do mercado, mas também, e sobretudo, rompendo com a lógica
liberal, passou a tomar para si a responsabilidade pela proteção social dos cidadãos e por

14 • capítulo 1
grandes investimentos e obras, comprometendo-se a garantir educação pública, assistência
à saúde, transporte, seguro-desemprego etc. – o bem-estar econômico e social da população.
O propósito histórico do Estado do Bem-Estar Social foi, portanto, ressuscitar a eco-
nomia ocidental através de grandes investimentos na cidadania, o que veio a fortalecer um
público consumidor para o mercado de massa, em plena ascensão na década de 1950.
(Deve-se notar que o Estado do Bem-Estar Social foi um modelo adotado pelos países ca-
pitalistas considerados, à época, como 1º mundo – deste modo, não estão incluídos os paí-
ses periféricos (chamados de 3º mundo), como, por exemplo, as nações latino-americanas.
Muitos destes países viveram ditaduras militares naquela época, afastando-se do modelo de
bem-estar social, e assumindo posturas mais autoritárias.
Crise do Estado do Bem-Estar Social
Vigorante por muitas décadas, esse modelo de Estado entrou em crise já nos anos 1970,
quando ficou economicamente sobrecarregado. A Inglaterra (e depois outros países), no
início dos anos 1980, entrou num processo de substituição deste modelo, justificando que o
aparelho estatal não tinha mais condições econômicas de sustentá-lo. Com isso, os direitos
de cidadania passaram a ser revistos. Nascia, então, o Estado Neoliberal.
Disponível em: <http://educacao.globo.com/sociologia/assunto/organizacao-social/
estado-do-bem-estar-social.html>

O Estado do Bem-Estar Social foi uma política macroeconômica de redistri-


buição de renda, os Estados europeus, assolados por duas guerras mundiais,
uma grande crise econômica internacional e pela insurgente Guerra Fria, lan-
çaram mão de medidas que tornasse possível sustentar o sistema capitalista
sem aumentar a miséria em seus territórios. Os subsídios sociais formaram
uma política social de extrema importância para o desenvolvimento do próprio
sistema capitalista na Europa, seu viés “socialista” (principalmente pela inter-
venção do Estado) representou a salvação de uma estrutura ameaçada. Neste
exemplo histórico, o Estado tomou para si a questão social, assumindo a res-
ponsabilidade pelos efeitos do modo de produção capitalista.
No entanto, a perspectiva Neoliberal (ou liberal) não pretende dividir os
bônus das conquistas econômicas, ao contrário, visa a “socializar” o ônus e acu-
mular os lucros nas mãos de uma pequena parcela de proprietários do capital.

capítulo 1 • 15
1.2  Tradição Marxista: as interpretações sobre trabalho no
século XX

Desde as primeiras civilizações humanas, o corpo humano, diferente dos ani-


mais, foi capaz de transformar a natureza e enfrentar as dificuldades por ela
apresentada. No decorrer do tempo, desenvolvemos a capacidade de agir e pen-
sar (práxis), e com isso foram criadas técnicas e instrumentos que tornaram
nosso trabalho mais eficiente. Por conta de seu cérebro reflexivo, o homem
criou e descobriu mecanismos para reverter a natureza a seu favor. Seu trabalho
criativo possibilitou a produção de bens materiais, tais como roupas, moradias,
instrumentos de trabalho, meios de transporte etc.; e não-materiais, tais como
a religião, os dogmas, os costumes, as ciências, etc.

A capacidade de produzir coisas pelo trabalho nas diferentes sociedades sempre


esteve subordinada às relações sociais construídas pelos seres sociais, ainda que
as justificativas para a permanência dos diferentes arranjos societários muitas vezes
tenha invocado relações baseadas no sangue e na hereditariedade ou em divindades
para explicar o poder e a realização da vontade das classes dominantes, em nome de
relações que somente na aparência mistificadora por elas assumidas legitimavam a
ordem social como natural e, portanto, não passíveis de transformações e de questio-
namentos.(GRANEMANN, 2009, p. 6)

Nesse processo de projetar e agir, a humanidade realiza o trabalho, que


tor-na-se elemento fundamental de nossa sociabilidade. Assim os homens se
aproximam em suas relações de trabalho na produção e reprodução da vida
em sociedade.
Karl Marx nos indica que a possibilidade do homem de desfrutar da apli-
cação de suas forças físicas e espirituais está atrelada à vontade e atenção na
realização da tarefa. Não há dúvida de que pelo trabalho o homem se comunica
com a sociedade na qual está inserido e com o seu tempo. Ele ocupa papel es-
sencial na vida das pessoas, por criar condições de existência, pela dedicação
de horas do dia e por ser fator de realização pessoal e profissional. Pela força
da dialética marxista, o trabalho cria o homem e ao mesmo tempo, o homem
cria-se a si mesmo.

16 • capítulo 1
COMENTÁRIO
A dialética marxista - Hegel foi o primeiro a contrapor a lógica dialética à lógica tradicional.
Para ele, compreender a natureza é representá-la como processo. Mas, sendo idealista, expli-
ca a realidade como constituída pela racha do pensamento. O Ser é a Ideia que se exterioriza,
manifestando-se nas obras que produz, e que se interioriza, voltando para si e reconhecendo
sua produção. O movimento de exteriorização e interiorização da ideia se faz por contradi-
ções sempre superadas nas sínteses que, por sua vez, se desdobram em contradições (novas
teses e antíteses). A dialética encaminha Hegel para uma nova concepção de história.
Karl Marx e Friedrich Engels partem do significado da dialética hegeliana, mas promovem
uma inversão, pois são materialistas, ao contrário de Hegel, que é idealista.
Segundo Marx, no caso de Hegel, "a dialética apóia-se sobre a cabeça; basta repô-la
sobre os seus pés para lhe dar uma fisionomia racional".
Isso significa que, para Hegel, é o pensamento que cria a realidade, sendo esta a mani-
festação exterior da Ideia. Para Marx, o dado primeiro é o mundo material, e a contradição
surge entre homens reais, em condições históricas e sociais reais.
Assim, o mundo material é dialético, isto é, está em constante movimento, e historica-
mente as mudanças ocorrem em função das contradições surgidas a partir dos antagonis-
mos das classes no processo da produção social.
Exemplo de contradições com os termos relações de produção e forças produtivas:
As relações fundamentais de toda sociedade humana são as relações de produção, que
revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, usam as técnicas e
se organizam por meio da divisão do trabalho social. As relações de produção correspondem
a um certo estádio das forças produtivas, que consistem no conjunto formado pelo clima,
água, solo, matérias-primas, máquinas, mão de obra e instrumentos de trabalho.
Por exemplo, quando os instrumentos de pedra são substituídos pelos de metal, ou quan-
do o desenvolvimento da agricultura se torna possível pela descoberta de técnicas de irriga-
ção, de adubagem do solo ou pelo uso do arado e de veículos de roda, estamos diante de
alterações das forças produtivas que por sua vez provocarão mudanças nas formas pelas
quais os homens se relacionam.
Chamamos modo de produção a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em de-
terminadas relações de produção num dado momento histórico. Por exemplo, no modo de produção
capitalista, as forças produtivas, representadas sobretudo pelas máquinas do sistema fabril, deter-
minam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo operário assalariado.
Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/dialeticamarxistaarruda.html>

capítulo 1 • 17
O trabalho ocupa lugar central na vida da humanidade, pois nos distingui-
mos dos animais e das coisas através dele. Ao retomarmos nossa discussão ini-
cial, sobre o significado de trabalho em Roma e a relação trabalho e identidade,
podemos atribuir dois sentidos ao termo: um negativo – dor, sofrimento, puni-
ção; e um positivo – pensar, criar, agir, cultivar.
Sobre o aspecto negativo encontramos a insatisfação, o não reconhecimen-
to da identidade na realização da tarefa, o desemprego, a exclusão e a desigual-
dade social. Sobre o aspecto positivo, o trabalhador se reconhece na realização
do trabalho, emprega suas forças sobre outra coisa (objeto) e ao fazê-lo influên-
cia a construção de sua identidade.
Dessa maneira, segundo a filosofia marxista, as condições materiais de
existência são determinantes na formação da identidade do ser. O homem do
campo terá uma experiência laboral e se relacionará socialmente de forma dife
-rente do homem urbano, por exemplo. A existência da sociedade está baseada
na produção dos meios materiais. A partir da produção, o homem interfere na
natureza, satisfaz suas necessidades e mantém o desenvolvimento social, é na
produção e reprodução que a humanidade cria suas relações sociais, fortalece
costumes, inventa legislações, faz política, gera modelo econômicos etc.
A compreensão de trabalho como criador da sociabilidade humana permite
o reconhecimento de que as relações sociais edificadas pelo homem, desde os
seus primórdios, sempre tiveram o trabalho como base da própria reprodução
da vida. Por meio dele, produziram os bens socialmente necessários a cada pe-
ríodo da história humana.

A constituição do seres sociais tem no trabalho como ação orientada para um determi-
nado fim o fundamento da natureza humana porque pela atividade laborativa os homens
puderam diferenciar-se do mundo orgânico e, inclusive, passaram a submetê-la, a
manipulá-la e a dela se distanciar com uma relativa autonomia; autonomia relativa posto
que o ser social por mais avanços e conquistas que acumule no domínio e no controle
da natureza não pode prescindir da base natural, genética que, por ineliminável, é a vida
biológica. Sem a vida natural, sem a permanência desta dimensão, cancela-se o ser
social e a existência mesma da sociabilidade. (GRANEMANN, 2009, p. 4)

Podemos compreender que o trabalho humano é uma ação sobre a natureza


e, que ao transformá-la criam-se as condições necessárias a vida. O trabalho é

18 • capítulo 1
fundamental para a reprodução da vida social. Diferente dos outros seres vivos,
o homem é o ser que conseguiu colocar as forças da natureza a seu favor. Em
geral, a natureza condiciona o comportamento dos animais, porém, a humani-
dade utiliza sua energia e imaginação para transformar a natureza a seu favor.
O trabalho, portanto, é uma condição para a existência humana, independente-
mente da organização social. Ele coloca-se como eternamente necessário, uma
vez que media a relação homem versus natureza.
Diante disso, também afirma (GRANEMANN, 2009) que os processos de ma-
nipulação da natureza, principalmente no modo de produção capitalista, não
trazem consigo a preocupação de preservaçãoda vida, uma vez que o impulso
pelo consumismo tem comprometido o desenvolvimento sustentável.

Parâmetros tais convertem a ação laborativa em atividade que produz uma sociabilidade
alienada porque exercida com o fito da mercantilização, exclusivamente com o objetivo de
auferir lucros para o capitalista e, por essa razão, no modo capitalista de produção impôs-
se aos homens forma particular de efetivação do trabalho. (GRANEMANN, 2009, p. 4)

O trabalho humano não é simplesmente um gasto de energia. A atividade


laboral está para além do verbo sobreviver. Como manifestação, apresenta-
se como arte, é o poder humano de transformar e ser transformado, pois nos
expressamos ao realizá-lo. Ainda quando jovens, ao realizarmos atividades
nas quais utilizamos nossas habilidades e competências para produzir algo,
ficamos satisfeitos, realizados e nos reconhecemos na realização da tarefa.
Quando nos vemos nessa situação, descobrimos razões de como estar e ser no
mundo. O trabalho reflete nossa autoimagem e nele podemos efetivar realiza-
ções subjetivas.
No sistema capitalista, os meios de produção são retirados dos trabalhado-
res e passam a pertencer aos donos das fábricas. O operário passa a depender
apenas de sua força de trabalho que é trocada por um salário. Esse sistema re-
sulta num trabalhador mutilado, que não conhece todo o processo de produ-
ção e não se identifica com o que produz. Dessa maneira, o assistente social
também se insere nesse contexto de alienação e, portanto, é fundamental que
os profissionais da área estabeleçam críticos projetos de intervenção capazes
de olhar para a realidade de maneira mais sistêmica e menos submissa a lógica
do capital.

capítulo 1 • 19
Com o desenvolvimento do modo capitalista de produzir os bens necessários à vida
humana, as relações sociais tiveram, contraditoriamente, de assumir seu caráter social
e o trabalho passou a ser obra de contrato livremente acordado entre os homens sem
outras mediações, como a herança genética, as divindades e os heroísmos outorgantes
de lugares privilegiados nas diferentes estruturas sociais. (GRANEMANN, 2009, p. 6)

No processo de trabalho capitalista, o trabalhador, por não possuir os meios


de produção, vende ao industrial sua força de trabalho em troca de um salário.
A princípio, a venda da força de trabalho não altera o modo de produzir as mer-
cadorias, no entanto, existe no processo de produção capitalista larga diferença
entre o valor pago ao trabalhador pela força despendida na produção e o valor
da venda da mercadoria a terceiros. O objetivo do capitalista é produzir valo-
res de uso que tenham forte valor de troca, ou seja, uma mercadoria destinada
a venda, e que possui para além do valor de troca um valor excedente, o qual
é denominado por Marx maisvalia. Esse conceito refere-se à diferença entre o
valor pago ao operário pelo seu trabalho e o valor do trabalho produzido, do
que resulta o lucro do capitalista. Segundo Marx, “A produção capitalista não é
apenas produção de mercadorias, ela é essencialmente produção de mais valia.
O operário não produz para si, mas para o capital. De modo que já não basta
que ele, pura e simplesmente, produza. Ele tem de produzir mais valia. Só é
produtivo o operário que produz mais valia para o capitalista ou que serve para
a autovalorização do capital” (MARX, 2006, p, 575).

Porém, é este trabalho alienado, é a força de trabalho em ação, cotidiana e continua-


mente desumanizada, expurgada do conteúdo de sua segunda natureza que, no modo
capitalista de produção, é a base do desenvolvimento do capital. Este não existe se-
não no processo de produção do trabalho excedente12, porque o processo imediato
de produção do capital é, como indicou Marx, o processo de trabalho e de valorização
que tem por resultado o produto-mercadoria e, por motivo determinante, a produção
de mais valia. (GRANEMANN, 2009, p. 14)

Um outro conceito fundamental para compreendermos os impactos da


exploração capitalista é o de alienação. A teoria de Marx busca esclarecer a
opressão e exploração dos trabalhadores. Posto que alienação é um conceito

20 • capítulo 1
histórico, os trabalhadores são alienados em relação as estruturas sociais nas
quais estão inseridos. Em seus estudos sobre a alienação nos escritos de Karl
Marx, o filósofo húngaro István Mészáros nos indica que a alienação:

Se caracteriza, portanto, pela extensão universal da "vendabilidade" (isto é, a transfor-


mação de tudo em mercadoria); pela conversão dos seres humanos em "coisas", de
modo que possam aparecer como mercadorias no mercado (em outras palavras, a rei-
ficação das relações humanas); e pela fragmentação do corpo social em "indivíduos
isolados" (vereinzelte Einzelnen), que visam aos seus objetivos limitados, particularis-
tas, "em servidão à necessidade egoísta", fazendo de seu egoísmo uma virtude em
seu culto da privacidade. (MÉSZÁROS, 1981, p.8)

No percurso histórico da humanidade, encontramos diversos sentidos para


a palavra trabalho, e dessa forma, reconhecemos sua multiplicidade. Inserido
nessa multiplicidade está o trabalho do Assistente Social. No cotidiano, perce-
bemos a reprodução da vida social. São diversos os desafios da rotina, o profis-
sional não pode perder-se nesse oceano de afazeres, ao ponto de não refletir
sobre sua prática.

CONEXÃO
O artigo a seguir traz conceitos básicos acerca do trabalho e a centralidade do mesmo no
processo de sociabilidade.
Disponível em: <http://docplayer.com.br/12531743-O-processo-de-producao-e-reprodu-
cao-social-trabalho-e-sociabilidade.html>

1.2.1  A Globalização e seus impactos na sociedade contemporânea: fim das


desigualdades sociais?

Por que falar em globalização? Porque os horizontes que se descortinam a par-


tir dela, em termos de fragmentação e integração, podem oferecer novas pers-
pectivas para a compreensão da sociedade atual. A fragmentação étnica e cul-
tural, bem como a homogeneização são duas tendências intrínsecas ao mundo

capítulo 1 • 21
globalizado. A ideia de um mudo polarizado, oriunda da Guerra Fria e da cons-
trução do muro de Berlim (com todas as suas implicações simbólicas), não faz
mais sentido, em termos políticos e culturais. Por outro lado, a hegemonia de
uma determinada formação social, a saber, a capitalista, continua intacta e
coesa. Mas antes de pensar especificamente sobre o que é globalização, é im-
portante questionar a atualidade desse conceito. De qual globalização se está
falando?
Segundo Norbert Elias (1994), a vida em grupo é uma prerrogativa da exis-
tência humana. As pessoas sempre viveram em grupos, que Elias denominou
de “unidades de sobrevivência”. Algumas das funções desempenhadas pelos
grupos estavam voltadas exclusivamente para a manutenção de sua integridade
como, por exemplo:
•  A necessidade de providenciar alimentos e outros meios de subsistência.
•  O controle da violência (interno e externo). E o que a antiga existên-
cia desses grupos, denominados “unidades de sobrevivência”, tem a ver com
a globalização?

Durante o processo de desenvolvimento humano, as unidades de sobrevi-


vência foram se tornando cada vez maiores, tanto em termos populacionais
quanto geográficos. Veja alguns exemplos:
•  Após o colapso de cada um dos grandes impérios do Mundo Antigo, aque-
le que os sucedia conseguia integrar uma área geográfica maior do que a de seu
precedente. Trata-se de um movimento expansivo.
•  O processo de formação dos Estado Nação caracteriza-se pela tendência
generalizante, na história mundial, para o surgimento de unidades de sobrevi-
vência maiores, que incorporam um maior número de pessoas e um território
mais amplo. Com o passar do tempo, essas sociedades começaram a mobilizar
recursos militares e econômicos necessários para derrotar as invasões periódi-
cas por parte de populações migrantes. Consoante à tendência para a formação
de unidades de sobrevivência maiores, nota-se o uso persistente da violência no
interior e entre as unidades de sobrevivência.

Há duas formas distintas quanto à utilização da violência:


•  Dentro das unidades de sobrevivência: há um controle dos impulsos vio-
lentos, oriundo do fato de as pessoas serem forçadas a viver em paz umas com
as outras.

22 • capítulo 1
•  Entre as unidades de sobrevivência: há a persistência de uma violência
relativamente descontrolada.

Norbert Elias (1994) analisa inúmeros exemplos de lutas hegemônicas en-


tre as sociedades desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais. O equilíbrio
de poder entre os Estados é tal e cada um deles é tão dependente dos outros que
cada Estado enxerga em seu oponente uma ameaça à sua distribuição interna
de poder, de independência e até a possibilidade de extinção física. Tal como
mostrado até aqui, conclui-se que a globalização parece novidade, mas não é.
Até mesmo Marx fazia referência às formas de expansão do capitalismo, ao
mercado mundial e às transformações da grande indústria e dos monopólios,
sublinhando o papel da burguesia no sentido de promover a internacionaliza-
ção da produção e do consumo. O modo de produção capitalista requer dimen-
sões mundiais para viabilizar sua produção e reprodução material e intelectual
(SANTOS, 2001).
No mundo atual, as fronteiras entre os grupos opostos de poder não são
mais simplesmente geográficas. Após os anos de 1980, surge um novo emprego
para a palavra globalização. Não é mais possível pensar no globo terrestre como
um aglomerado de Estado Nação em suas relações de interdependência. Veja
agora as características da globalização na sociedade contemporânea. A ideia
que vem com a globalização recente é a do surgimento de uma “aldeia global”,
que sugere a formação de uma comunidade mundial interligada graças às reali-
zações e possibilidades de comunicação encetadas pelos avanços tecnológicos.
Em um curto período de tempo, as províncias, nações, regiões e culturas
passam a ser atravessadas e articuladas pelo sistema de informação e comu-
nicação, agilizado pelas descobertas de um mundo eletrônico. Na aldeia glo-
bal, além de mercadorias convencionais, “empacotam-se” e vendem-se infor-
mações. Estas são fabricadas como mercadorias e comercializadas em escala
mundial. As informações, os entretenimentos e as ideias são produzidos, co-
mercializados e consumidos como mercadorias. Trata-se da fabricação de
imagens, do mundo enquanto um caleidoscópio de imagens, da dissolução de
fronteiras, da agilização dos mercados e do consumismo. É o redimensiona-
mento de tempos e espaços. Criou-se um ambiente intelectual propício para
conferir ares de novidade a acontecimentos e tendências que constituem a re-
petição, sob nova roupagem, de fenômenos às vezes bastante antigos.

capítulo 1 • 23
De um ponto de vista histórico “globalização” é a palavra da moda para um
processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização europeia a
partir do final do século XV (BATISTA JÚ NIOR, 1997, p. 6).
A globalização é o momento que assiste à tecnificação das relações sociais,
em todos os níveis. A globalização é marcada pela racionalidade funcional, a
serviço do processo de valorização do dinheiro. Características da globalização:
•  O inglês se edifica como língua universal, ele é o jargão da globalização.
•  Produtividade, lucratividade e consumismo.
•  Desenvolvimento de técnicas de produção de realidades virtuais, teleco-
municações. O inglês começou a mundializar-se como idioma do imperialismo
britânico (séculos XIX e XX).

Em seguida, com o fim das duas Guerras Mundiais, o inglês difundiu-se


como idioma oficial do imperialismo norte-americano. Eis o contexto em que
as pessoas, as ideias e os produtos passam a se inscrever em uma dinâmica
caracterizada pela desterritorialização. No mesmo curso da modernização do
mundo, simultaneamente à globalização do capitalismo, intensifica-se a gene-
ralização do pensamento pragmático e tecnocrático.
A globalização está relacionada à ideia de modernização e ocidentalização
do mundo, que passou a ser o emblema do desenvolvimento, do crescimento,
do progresso. Se, por um lado, a globalização gera um processo de homoge-
neização, padronizando elementos produtivos e culturais, por outro, emerge
um universo de diferenciações, tensões e conflitos sociais. As mesmas forças
que produzem a globalização, propiciando novas articulações e associações em
nível internacional, provocam formas opostas e fragmentadas. Globalização e
regionalização, fragmentação e unidade, inclusão e exclusão são polos antagô-
nicos inter-relacionados de forma dialética, ou seja, são forças opostas que es-
tão em constante interação (SANTOS, 2001).
O capitalismo é um sistema polarizador, pois, contraditoriamente, o au-
mento constante de riquezas tem sido concentrado num número cada vez
menor de “pessoas”. Imensas riquezas são geradas, consoante à expansão da
pobreza da maior parte da população mundial. Ulrich Beck (1998) analisa os
conceitos de globalização e de localismo, considerando-os duas faces da mes-
ma moeda. Os dois conceitos expressam uma nova polarização e estratificação
social em nível internacional: ricos globalizados e pobres localizados.

24 • capítulo 1
A desigualdade social e a existência de enormes contingentes populacio-
nais que estão à margem do processo de desenvolvimento multiplicam e apro-
fundam os conflitos sociais e a deterioração da qualidade de vida na maioria
das regiões do planeta. Por conseguinte, o problema da exclusão social torna-
se hoje uma questão fundamental, que requer muito mais soluções estruturais
do que reformas paliativas (SANTOS, 2001). Noções como metrópole e colônia,
império e imperialismo, interdependência e dependência, central e periférico,
urbano e agrário, moderno e arcaico, primeiro e terceiro mundo expressam o
vai e vem do processo histórico-social de ocidentalização e modernização do
mundo.
A modernização do mundo implica a difusão e sedimentação dos padrões
e valores socioculturais predominantes na Europa e nos Estados Unidos. Ela
traz a ideia de que o capitalismo é um processo civilizatório não só superior,
mas inexorável. O capitalismo desenvolve-se pelos quatro cantos do mundo,
generalizando padrões, valores e instituições ocidentais. Essa modernização
traz implícito o ideário democrático da procedência da liberdade econômica
em face da política.
Na economia, consolida-se o neoliberalismo, fazendo com que as forças de
mercado capitalista se espraiem globalmente. Enquanto o liberalismo funda-
mentava-se no princípio da soberania nacional, ou ao menos tomava-o como
parâmetro, o neoliberalismo passa por cima de tal princípio, deslocando as
possibilidades de soberania para as organizações, corporações e outras entida-
des de âmbito global.
O regime atual de acumulação capitalista global impõe um novo tipo de im-
perialismo, o qual se alimenta dos fluxos de rendas financeiras internacionais.
É no estágio monopolista do capitalismo, dadas as características que lhe são
peculiares, que a questão social vai-se tornando objeto de intervenção sistemá-
tica e contínua do Estado.
A estruturação da economia capitalista mundial, após a Guerra Fria e no al-
vorecer do século XXI, sob a hegemonia do império norte-americano, passa por
marcantes mudanças na sua conformação (IAMAMOTO, 2007, p.106).
Verificamos um planeta globalizado, acionado por grandes grupos indus-
triais transnacionais, articulados ao mundo das finanças, que conta com su-
porte das instituições financeiras que operam com capital que rende juros.
Estas estão apoiadas na dívida pública e no mercado acionário das empresas.

capítulo 1 • 25
Para Iamamoto (2007), o capital financeiro comanda o processo de acumu-
lação e, através de inéditos processos sociais, envolve a economia e a sociedade,
a política e a cultura, vincando profundamente as formas de sociabilidade e o
jogo das forças sociais. Todavia, ocultado nessa nova dinâmica do capital, está
o seu avesso, caracterizado pelo universo do trabalho. As classes trabalhadoras
e suas lutas são responsáveis pela criação de riquezas para os outros, vivencian-
do a radicalização dos processos de exploração e expropriação.

MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo: O mundo global visto do lado de cá, documentário do cineasta brasi-
leiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias.
O filme é conduzido por uma entrevista com o geógrafo e intelectual baiano Milton San-
tos, gravada quatro meses antes de sua morte. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=UJd5YKhR9gE>

Os princípios envolvidos no mercado generalizam-se, tornando-se padrão


para os mais diversos grupos, as mais diversas formas de organização da vida e
do trabalho, independen¬temente das culturas.
Ainda que os processos de globalização desenvolvam-se simultaneamente e
reciprocamente pelo mundo afora, também produzem desenvolvimentos desi-
guais, desencontros. No mesmo curso de integração e homogeneização, desen-
volve-se a fragmentação e a contradição.
O mesmo processo de globalização do mundo é um vasto processo de plu-
ralização dos mundos. O que cria a ilusão de homogeneização e integração é o
fato indiscutível da ocidentalização e do capitalismo.
O signo, por excelência, da modernização é a comunicação, a proliferação
e a generalização dos meios impressos e eletrônicos de comunicação, articula-
dos em teias multimídia e alcançando todo o mundo.
Os meios de comunicação de massa, graças à tecnologia, rompem ou ultra-
passam fronteiras culturais, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidades
e desigualdades socioculturais.
O satélite passa a ser usado como o mais importante instrumento mundial de
propaganda na disputa pelos corações e mentes. No âmbito da aldeia global, pre-
valece a mídia eletrônica, poderoso instrumento de comunicação, informação,

26 • capítulo 1
compreensão, explicação e imaginação sobre o mundo. O computador consoli-
da-se como aliado e algoz na prática do ensino — ao mesmo tempo em que ele
que se torna um eficaz recurso pedagógico, a inesgotabilidade de informações e
sua heterogeneidade concorrem para a difusão de dados inconsistentes.
McLuhan (1974) viu a tecnologia como uma extensão do homem. Para o au-
tor, da mesma forma que a roda é a extensão do pé, o telescópio uma extensão
do olho, a rede de comunicações é uma extensão do sistema nervoso. A televi-
são tornou-se os olhos e o telefone, a boca e ouvidos.
A intensificação do ritmo da produção de mercadorias e o volume de infor-
mações produzidas fazem com que haja uma modificação na percepção que o
homem tem acerca da passagem do tempo. Há a sensação de uma aceleração
do ritmo da vida e a conversão dos cidadãos em meros consumidores (todos se
igualam através da possibilidade de aquisição de mercadorias).
O poder dos meios de comunicação fica evidente na seguinte frase, dita
pelo poeta francês Charles Baudelaire (apud. HARVEY, 1992): “Qualquer pes-
soa pode governar uma grande nação assim que obtém o controle do telégrafo
e da imprensa nacional”.
A globalização cria a ilusão da universalização das condições e possibilida-
des do mercado e da democracia, do capital, da cidadania. Os direitos são, na
prática, privilégios.
Há sempre alguma manipulação, mais ou menos decisiva, no modo pelo
qual a mídia registra, seleciona, interpreta e difunde o que será divulgado, dei-
xando evidente que os censores da atualidade são os redatores.

ATIVIDADES
01. O capitalismo do século XIX tropeçou de desastre em desastre nas bolsas de valores e
nos investimentos empresariais irracionais. Após a Segunda Guerra Mundial, essa desordem
foi de algum modo posta sob controle na maioria das economias avançadas: sindicatos for-
tes, garantias trabalhistas e empresas de grande escala combinaram-se e produziram uma
era, de mais ou menos trinta anos, de relativa estabilidade.
Adaptado de SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.

A estabilidade mencionada no texto foi proporcionada pela condição socioeconômica e pelo


modelo de organização do Estado identificados em:

capítulo 1 • 27
a) implantação dos sistemas de crédito – moderno
b) estruturação dos impérios coloniais – corporativista
c) organização das redes produtivas globais – autocrático
d) formação das sociedades de consumo de massa de bem-estar social

02. Para Marx, a riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em
‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, iso-ladamente considerada, é a forma
elementar dessa riqueza (MARX, 2006, p.57).
Analise as proposições a seguir e assinale a que não enquadra na citação feita por Marx.
a) A acumulação de mercadorias surge da exploração de uma classe social sobre a outra,
num processo de separação dos meios de produção daquele que produz a mercadoria.
b) No sistema capitalista, os meios de produção são retirados dos trabalhadores e passam
a pertencer aos donos das fábricas.
c) O operário passa a depender apenas de sua força de trabalho que é trocada por
um salário.
d) O sistema capitalista permite o surgimento de um trabalhador que conhece todo o pro-
cesso de produção e se identifica com o que produz.
e) Nomodo de produção capitalista a circulação de mercadorias é fundamental.

03. Conceitualmente, a expressão questão social, foi utilizada para designar o processo de
politização da desigualdade socialinerente à constituição da sociedade burguesa. Sua emer-
gência vincula-se ao surgimento do capitalismo e à pauperização dos trabalhadores. Esta
concepção foi considerada como elemento que dá sustentação a profissão do assistente
social, e é sua base histórico-social. Além disso, pode ser considerada:
a) A percepção que o assistente social não faz parte deste processo.
b) A natureza contraditória da profissão, que sempre coadunou com a classe trabalhadora.
c) A proposta básica para o projeto de formação profissional.
d) A orientação pluralista e simplista da formação profissional.
e) O processo de conceituação funcionalista da profissão.

04. [...] o Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização
do trabalho. Questão social aprendida como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva,
o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 2008, p.27)

28 • capítulo 1
Com base no conceito acima mencionado, elabore um texto reflexivo articulando a sua res-
posta (a sua argumentação) e contemplando estes três pontos:
a) Quais as expressões (os reflexos) da questão social no Brasil?
b) Quais são as demandas profissionais que surgem no seu cotidiano profissional?
c) Qual o referencial teórico-prático que direciona a sua prática?

REFLEXÃO
Sugerimos o vídeo a seguir, a fim de aprofundar a reflexão acerca do conceito marxis-
ta alienação:
<https://www.youtube.com/watch?v=3zf0N2W7V_I>

LEITURA
Sugerimos a leitura da obra de Milton Santos, que coloca em debate as expressões da ques-
tão social na contemporaneidade, tendo como fundamento os desdobramentos causados
pela globalização.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência univer-
sal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BATISTA JÚNIOR, Paulo N. Mitos da globalização. São Paulo: Série Assuntos Internacionais/IEA da
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ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
GRANEMANN, Sara O processo de produção e reprodução social: trabalho e sociabilidade.
In: Serviço Social. Direitos Sociais e Competências Profissionais. 1ª ed. Brasília/DF: CFESS/ABEPSS,
2009.

capítulo 1 • 29
IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
______. Globalização e transculturação. Campinas: UNICAMP, 1997.
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FEATHERSTONE, Mike. Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes,
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GIDDENS, Anthony. Sociologia. Lisboa: F. C. Gulbenkian, 2007.
HARVEY, David. (1992). A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola
MARX, K. O capital: crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, (Coleção Os
Economistas), 1985a, V. 1, Tomo 1 e 2. Tradução de: Jacob Gorender.
_____________. O Capital: crítica da economia política: livro I, II, II – 24. Ed. – Rio de Janeiro:
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________; ENGELS, F. Col. Grandes Cientistas Sociais. SP: Ática, 1994.
MATTELART, Armand. A mundialização da comunicação. Lisboa: Instituto Piaget, c1996.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix,
1974.
MONTERO, Paula. O problema das diferenças em um mundo global. Petrópolis: Vozes, 1998.
NAVES, M. B. Marx: Ciência e Revolução. Campinas/SP: Ed. da Unicamp, 2000.
SANTOS, Tania Steren dos. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital.
Sociologias, n. 6. Porto Alegre, jul./dez. 2001.
NETTO, José Paulo. BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo, Cortez:
2007.

30 • capítulo 1
2
Transformações do
trabalho no
século XX:
Implicações no
Serviço Social
2.  Transformações do trabalho no século XX:
Implicações no Serviço Social

O presente capítulo coloca em debate o mundo do trabalho, tendo em vista as


transformações ocorridas em seu bojo, bem como os impactos causados na
classe que vive do trabalho. As novas possibilidades de atuação do assistente
social diante desse cenário mencionado também serão aqui analisadas.

OBJETIVOS
•  Compreender as transformações no mundo do trabalho ocorridas na contemporaneidade;
•  Refletir a respeito das novas formas de atuação do assistente social diante da reestrutu-
ração produtiva.

2.1  Transformações operadas no universo do trabalho nos marcos


da reestruturação produtiva.

Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?
A autossuficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros
de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem
quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de
encontro com eles.
Pedagogia do Oprimido – Paulo Freire (1987).

Paulo Freire (1987) em seu ensino sobre a pedagogia do oprimido nos per-
mite pensar que “se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem
quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lu-
gar de encontro deles”. É no cotidiano que vamos compreender a produção e
reprodução das relações e, consequentemente, “ir ao encontro do outro”, visto
que o assistente social não vai atuar sobre a realidade, mas na realidade.

32 • capítulo 2
Em sua compreensão, Paulo Freire – que aqui também vai embasar a gestão
do trabalho do assistente social, discorrendo sobre a relação dialógica com o
outro e lembrando o conceito de violência simbólica de Pierre Bourdieu – vai
nos “alimentar”, “dar luz”, apresentando questões a serem refletidas, interiori-
zadas e praticadas.

CONCEITO
Violência simbólica é um conceito elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Forma de
coação que se apoia no reconhecimento de uma imposição determinada, seja esta econômi-
ca, social ou simbólica. A violência simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no
processo de socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo
critérios e padrões do discurso dominante. Devido a esse conhecimento do discurso domi-
nante, a violência simbólica é manifestação desse conhecimento através do reconhecimento
da legitimidade desse discurso dominante. Para Bourdieu, a violência simbólica é o meio de
exercício do poder simbólico.
Uma crítica a esse conceito parte do pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas
e diz respeito à violência equivaler sempre a agressão física, portanto exterior ao simbólico.
Contudo, essa crítica, além de restringir a violência apenas à dimensão física, ignora a possi-
bilidade de as crenças dominantes imporem valores, hábitos e comportamentos sem recorrer
necessariamente à agressão física, criando situações onde o indivíduo que sofre a violência
simbólica sinta-se inferiorizado como acontece, por exemplo, nas questões de bullying(hu-
milhação constante), raça, gênero, sexualidade, filosofia etc. A violência simbólica está muito
presente na educação, a partir do momento em que professores e gestores sub-escolares
tentam impor suas convicções e/ou crenças particulares.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_simb%C3%B3lica>

2.1.1  Padrão Fordysta/Taylorista

Na segunda metade do século XIX, houve uma clara expansão do modelo da


maquinofatura nos países europeus, além de transcender o continente e che-
gar no Japão e nos Estados Unidos. Essa outra fase revolucionária possibilitou o
crescimento da produção industrial, além da diversificação nos produtos fabri-
cados. Após o século XIX, outro padrão de consumo começa a ser introduzido

capítulo 2 • 33
nas cidades e a indústria ganha espaço nos setores de transporte, alimentação
e no setor farmacêutico.
Nesse sentido, a segunda revolução industrial ampliou as mudanças na
organização da produção. A energia originada pelo carvão, típica da primeira
revolução industrial, foi processualmente sendo substituída pela eletricidade.
Além disso, as indústrias petroquímicas ganharam cada vez mais espaço no ce-
nário mundial.
Com a expansão do sistema industrial, pudemos observar um aprimora-
mento na produção de excedente concomitante a um refinamento das técni-
cas de exploração do trabalho. No início do século XX, diversos investimentos
foram implementados como forma de aumentar ainda mais a produção fabril.
Frederick Taylor, engenheiro mecânico norte-americano, preocupou-se em uti-
lizar seus conhecimentos científicos a fim de tornar a administração industrial
uma máquina mais eficiente.
Taylor utilizou distintas estratégias para racionalizar a utilização do tempo
de trabalho e, dessa maneira, favorecer os capitalistas na medida em que pos-
sibilitava um controle cada vez maior do ritmo de trabalho. Entre essas estraté-
gias podemos destacar: o treinamento dos trabalhadores de maneira que a ins-
trução do gerente poderia resultar em aumento de produtividade. Além disso,
para Taylor era fundamental o planejamento de toda a cadeia produtiva a partir
de uma metodologia que favorecesse o melhor desenvolvimento da produção.
Uma das mais influentes propostas de Taylor foi pensar o controle de acordo
com sequências de atividades e tempo programado para evitar desperdício.
Para tanto, era primordial a figura de uma supervisão funcional com a inten-
ção de gerenciar a produtividade de todo o quadro de empregados. Ao mesmo
tempo, propunha uma lógica de pagamento pautada na quantidade produzida.
Ou seja, Taylor introduz uma sistematização do trabalho capaz de organizar e
maximizar o lucro da burguesia industrial.A partir dessas exigências feitas aos
trabalhadores no início do século XX, Gramsci elabora uma crítica a essa nova
ética (taylorista e fordista) capaz de imprimir na mentalidade do mundo do tra-
balho um “espírito” americano. Esse discurso intencionava construir um novo
tipo de Estado, o Estado liberal, com menor interferência dos governos na eco-
nomia. Além, de um novo padrão de homem tanto no contexto da classe domi-
nante como dos trabalhadores.

34 • capítulo 2
Taylor exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade americana: desenvolver
ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo
psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participa-
ção ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as opera-
ções produtivas apenas ao aspecto físico maquinal. Mas, na realidade, não se trata de
novidades originais, trata-se somente da fase mais recente de um longo processo que
começou com o próprio nascimento do industrialismo, fase que é apenas mais intensa
do que as precedentes e manifesta-se sob formas mais brutais, mas que também
será superada com a criação de um novo nexo psicofísico de um tipo diferente dos
precedentes e, indubitavelmente, superior (GRAMSCI, 2001, p. 397).

Na mesma perspectiva, Henry Ford estruturou novas estratégias na organi-


zação da produção capaz de controlar, explorar e organizar a mão de obra nas
fábricas. Ford introduz as linhas de montagem de maneira que o trabalho ope-
rário esteja subordinado ao ritmo da fábrica. Assim, o trabalhador fica parado
e são as peças que se movimentam. O operário desenvolve apenas uma função.
Notadamente, há um crescimento na produtividade das indústrias as custas da
acentuada manifestação de mais valia.Segundo Marx:

A produção da mais-valia absoluta gira apenas em torno da duração da jornada de


trabalho; a produção da mais-valia relativa revoluciona de alto a baixo os processos
técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais. Ela supõe, portanto, um modo de
produção especificamente capitalista, que com seus métodos, meios e condi-ções
nasce e é formado naturalmente apenas sobre a base da subordinação formal do tra-
balho ao capital. No lugar da formal surge a subordinação real do trabalho ao capital.
(MARX,1984, p. 106)

Nesse sentindo, podemos observar que o sistema fordista, criado pelo em


-presário, busca alcançar a produção em massa. Pautado nos princípios de pa-
dronização e simplificação, também defendidos por Taylor, ele busca reduzir
ao máximo os custos da produção de maneira que possa atingir o maior núme-
ro possível de consumidores. Fixos em seus lugares na linha de montagem, os

capítulo 2 • 35
trabalhadores não precisavam desenvolver uma atividade com alto grau de ca-
pacitação. Portanto, a obediência e velocidade eram critérios mais valorizados
no cenário industrial do século XX.
Notadamente, observa-se o discurso fordista centrado na produção em
massa e paralelamente a um incentivo do consumo em massa. O sucesso da
acumulação entre os capitalistas não possibilitou uma satisfação por parte da
classe trabalhadora. As funções repetitivas tornavam-se desgastantes e o operá-
-rio cada vez mais não se identificava com seu objeto de produção. Além disso, a
lógica fordista estimulava a competição entre os funcionários o que dificultava
a articulação dos trabalhadores. Segundo Ford: “O espírito de competição leva
para a frente o homem dotado de qualidades [...] os homens de valor criam por
si mesmos as suas posições [...] A pessoa em questão vê-se de repente num tra
-balho diverso com a particularidade de um aumento de salário”(FORD, 1967,
p. 74).

2.1.2  Padrão Toyotista

Ao problematizar a formação do profissional na contemporaneidade, Iamamo-


to (2008, p.169) reflete que “para se gestar um projeto de formação profissional,
há que estar atento aos ‘silêncios’, aos ‘vazios’ do debate contemporâneo”.
As suas reflexões vêm trazer à tona a necessidade da busca do significado
desses “silêncios” e “vazios”. E a problemática que se coloca em tela trata da
questão de responder a um desses “vazios”, já que hoje podemos afirmar e rea-
firmar um conjunto de metodologias, de embasamentos teóricos e práticos, de
reconhecimento legal (código de ética, regulamentação profissional, diretrizes
curriculares da formação profissional).
Com essa compreensão do arcabouço teórico-prático, ético-político, teóri-
co-metodológico construído, pensar o assistente social e a gestão do seu traba-
lho é entender e ter clareza da direção a ser seguida.
Todavia, paralelamente aos desafios postos ao exercício da prática profis-
sional, os agravos da reestruturação produtiva que se inicia no Brasil, por vol-
ta de 2006, vão desencadear a precarização também do trabalho do assistente
social.

36 • capítulo 2
CONCEITO
A Reestruturação Produtiva – também chamada de capitalismo flexível – é um processo
que se iniciou na segunda metade do século XX e que correspondeu ao processo de flexibi-
lização do trabalho na cadeia produtiva. Sua inserção no mundo capitalista está diretamente
associada à Terceira Revolução Industrial – também chamada de Revolução Técnico-Cien-
tífica Informacional – e ao processo de implementação do Neoliberalismo enquanto siste-
ma econômico.
Quando se fala em flexibilização do trabalho, fala-se na crise do sistema fordista/taylo-
rista de produção. Assim, onde antes predominava o modo de produção caracterizado pelo
trabalho repetitivo executado pelo trabalhador e o processo de produção em massa de mer-
cadorias, agora se pratica a flexibilidade do trabalho, em que o mesmo empregado executa
variadas funções no ambiente da empresa. Além disso, o ritmo de produção obedece à de-
manda do mercado, evitando, assim, a estocagem de mercadorias.
É importante ressaltar que a Reestruturação Produtiva apenas se efetivou em virtude dos
avanços proporcionados pelas inovações tecnológicas, que permitiram uma maior eficiência
no processo produtivo, minimizando erros e acelerando a produção. Graças à robótica, à
nanotecnologia e a várias outras técnicas, o processo produtivo tornou-se mais dinâmico,
de modo que uma mesma pessoa agora é capaz de realizar a mesma função de dezenas
de trabalhadores.
A consequência foi a elevação do chamado emprego temporário, quando as indústrias
contratam funcionários apenas em épocas de grande demanda na produção, demitindo-os
quando não houver mais necessidade de se produzir mercadorias em grandes quantidades.
Além disso, anota-se o processo de desregulamentação do trabalho, instrumentaliza-
do pela total desarticulação do sistema produtivo, acarretando a multiplicação de contratos
precários de trabalho e a diminuição média dos salários, gerada pela elevação dos índices
de desemprego.
Contribuiu também para a redução média dos ganhos financeiros dos trabalhadores o
processo de terceirização da economia. Esse processo ocorreu em razão dos baixos índi-
ces de geração de empregos no campo (setor primário) e nas indústrias (setor secundário),
resultando no direcionamento da maior parte de trabalhadores para a área comercial e de
serviços (setor terciário).
O primeiro país a conseguir, já na década de 1970, incorporar com sucesso a reestrutu-
ração produtiva foi o Japão, país onde o modelo ficou conhecido como toyotismo. No Brasil,
e na maioria dos demais países, esse sistema consolidou-se na década de 1980. O mundo

capítulo 2 • 37
subdesenvolvido conheceu esse processo com a instalação das multinacionais em seus ter-
ritórios, que já adotavam a reestruturação produtiva como filosofia de negócios.
Atualmente, esse modelo ainda se encontra predominante no setor industrial em todo mun-
do. Sua consolidação foi o principal motor para a hegemonia do Neoliberalismo no mundo atual.
Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/reestruturacao-
produtiva.htm>

Os frequentes investimentos nas tecnologias de comunicação e transporte


potencializaram as transformações na sociedade e na organização da produ-
ção. “As mudanças mais significativas ocorreram na organização da produção
e em sua relação com o conhecimento e a informação.” (TORRES, MORROW,
2004, p.55).
Esse movimento característico do final do século XX traz a flexibilização
como carro-chefe da organização da produção. Nessa fase do capitalismo, as
indústrias abandonam o padrão fordista-taylorista de produção e se apoiam,
com cada vez mais ênfase, ao modelo toyotista.
A primeira mudança que podemos destacar é na transformação do princí-
pio de produção do máximo no menor tempo possível. No modelo toyotista, é
possível pensar na produção conforme a demanda do mercado. Just in time,
como ficou conhecido, é o recurso que as indústrias contemporâneas passam a
utilizar justamente como estratégia de não formar grandes estoques e aguardar
a produção conforme a procura do mercado.
Sem dúvida, essa mudança só foi possível pois houve um expressivo aumen-
to de tecnologia nos ambientes de fábrica. O avanço da nanotecnologia, da ro-
bótica, os microchips impulsionaram uma produção cada vez mais eficiente e
mecanizada. Entretanto, gerou um problema cada vez mais frequente em paí-
ses desenvolvidos e em desenvolvimento: o desemprego estrutural.
Ricardo Antunes, em seu livro Adeus ao trabalho?, problematiza as mu-
dan-ças ocorridas no mundo do trabalho na atualidade. O autor disserta que
cada vez mais vivenciamos um aumento da taxa de desemprego proporcional
a um expressivo crescimento do emprego informal. Isso nos mostra como o
aumento da tecnologia não prioriza a melhora na qualidade de vida do traba-
lhador. Ao contrário, observamos uma notável angústia da classe trabalhadora

38 • capítulo 2
concomitante a uma desarticulação dos sindicatos. Com o aumento do exce-
dente de mão de obra, os trabalhadores precisam se submeter às péssimas con-
dições de trabalho, ao aumento da jornada ou a prestar serviços sem registro
em carteira. Ou seja, o cenário é preocupante, pois cada vez mais doenças como
depressão e stress afetam a vida do trabalhador.
Podemos notar que o modelo toyotista aponta novas exigências aos traba-
lhadores. As linhas de montagem foram substituídas por ilhas de produção.
Dessa maneira, não serve mais às indústrias um trabalhador pouco qualificado
e pouco propositivo. As empresas passam a exigir autonomia e criatividade aos
operários. Todavia, essa flexibilização não resulta em melhores condições de
trabalho tampouco uma redução da jornada de trabalho as mudanças na orga-
nização da produção na fábrica afetam diretamente a estruturação do trabalho
em toda a sociedade. Assim, observamos novas exigências atribuídas à classe
trabalhadora de maneira bastante genérica, inclusive ao grupo dos assisten-
tes sociais.

CONEXÃO
Assista ao filme: Segunda feira ao Sol.
O desenvolvimento da mundialização do capital e do capitalismo global, a partir da dé-
cada de 1980, implicou numa nova divisão internacional do trabalho, com impactos signifi-
cativos em alguns setores industriais nos países capitalistas do Primeiro Mundo, como, por
exemplo, Espanha e Reino Unido. Ocorreu um agudo processo de desindustrialização e de
reconversão produtiva que atingiu o mundo do trabalho, contribuindo para o aumento sig-
nificativo do desemprego em massa e do desemprego de longa duração e da precarização
do trabalho. Surgiram formas agudas de estranhamento da força de trabalho em virtude da
sua desvalorização como mercadoria. Um grande contingente de ex-operários foi obrigado a
buscar inserções precárias no mercado de trabalho no setor de serviços em expansão. Enfim,
eles foram vítimas da globalização do capital e das mutações do capitalismo global, marcado
pela financeirização exarcebada e pela constituição da sociedade em rede. Nessa nova etapa
de desenvolvimento do sistema mundial do capital se engendra uma nova dinâmica social ca-
racterizada pelo sócio-metabolismo da barbárie, isto é, pela aguda dessocialização de amplos
contingentes da sociedade do trabalho estranhado.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/segundaaosol.htm>

capítulo 2 • 39
Raichelis (2010, p.763) traz uma contribuição ímpar ao problematizar a si-
tuação dos trabalhadores e a precarização desta, inclusive destacando-a por
não se tratar somente de uma questão associada à gestão do trabalho.

Portanto, uma questão relevante a ser destacada quando se problematiza a situação


do trabalho e dos trabalhadores na assistência social é que não se trata apenas de
questões relacionadas à gestão do trabalho, mas fundamentalmente dos modos de
organização do trabalho na sociedade capitalista contemporânea, e das condições
concretas em que se realiza, particularmente nas políticas sociais, que, como a assis-
tência social, tiveram um grande crescimento nesses últimos anos.

Ao ponderar sobre “o caminho” que o profissional deve seguir, explicita-se


que este precisa ter clareza da direção social e do sentido ético-político no tra-
balho exercido. Clareza esta que vai ultrapassar a dimensão do tecnicismo, do
exercer a prática cotidiana sem refletir a sua finalidade: “é preciso, pois, fazer
a crítica e resistir ao mero produtivismo quantitativo”. (RAICHELES, 2010, p.
765, grifos da autora).
Raichelis (2002, p.765) propõe – e aqui reforça-se a importância do intelec-
tual orgânico – que devemos ficar atentos, no processo de organização cotidia-
na, para:

“[...] superar a cultura histórica do pragmatismo e das ações improvisadas, exercitando


a capacidade de leitura crítica da realidade, sem reforçar naturalizações e criminali-
zações da pobreza e das variadas formas de violência doméstica e urbana, violação
de direitos de crianças, adolescentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência,
pessoas em situação de rua etc., mas procurando compreender criticamente os pro-
cessos sociais de sua produção e reprodução na sociedade brasileira.

E é neste processo, de compreender a dimensão organizacional na perspec-


tiva dos desafios entre os interesses das instituições, tendo a leitura macro do
fenômeno de reprodução das desigualdades sociais, que o profissional vai exer-
cer e organizar o seu trabalho profissional.

40 • capítulo 2
2.2  O debate no Serviço Social frente às transformações ocorridas.

A afirmação de um novo perfil profissional propositivo requer um profissional de novo


tipo, comprometido com sua atualização permanente, capaz de sintonizar-se com o
ritmo das mudanças que presidem o cenário social contemporâneo em que “tudo que
é sólido, desmancha do ar”.
Marilda V. Iamamoto apud MARX

Ao resgatar Marx em seu livro O Serviço Social na Contemporaneidade: tra-


balho e formação profissional, Iamamoto (2008, p.145), não poderia ter sido
mais precisa. Vivemos em tempos onde as premissas neoliberais fortalecem
cada vez mais o individualismo, o acúmulo e o consumo. Revela, assim, o risco
da superficialidade nas relações humanas e mais, especificamente no Serviço
Social, o desafio de envidar esforços para a garantia da universalidade e/ou o
acesso a direitos e/ou a ampliação desses direitos.
É fundamental compreender que é neste espaço, de contradições vivencia-
das no cotidiano de ação profissional, que os assistentes sociais vão objetivar
e operacionalizar as suas ações. Portanto, a ação cotidiana deve ser entendida
como sendo parte orgânica da construção do trabalho.
Lefebrve (1968 apud NETTO, 1991) vai sinalizar a apreensão da vida cotidia-
na com base em três perspectivas convergentes, que aqui serão fundamentais
para pensar a organização do trabalho do assistente social, sendo “a busca do
real e da realidade, ou seja, o vivido e a utilização da perspectiva da totalidade,
unindo sempre fatos distintos”.
Nesta perspectiva do cotidiano e suas contradições, destacaremos a neces-
sidade da compreensão da práxis social, aqui entendida como uma categoria
teórica que possibilita o conhecimento e a explicitação do processo pelo qual
se constitui e se expressa o ser social e da dinâmica da construção histórica do
mundo humano-social.
Neste conjunto de contradições, o profissional deverá ter como base – e será
necessário retomar esta discussão posteriormente – rever o projeto ético polí-
tico do assistencial social, Código de Ética, identificando as atribuições priva-
tivas específicas.

capítulo 2 • 41
Segundo Iamamoto (2008, p.77):

O Código de Ética nos indica um rumo ético político, um horizonte para o exercício
profissional. O Desafio é materialização dos princípios éticos na cotidianidade do
trabalho, evitando que se tornem indicativos abstratos, deslocados do processo social.

Assim, para a organização do trabalho do assistente social, é fundamental


abranger e apreender:
•  O espaço da ação cotidiana.
•  Aprática social (práxis).
•  O projeto ético-político do Serviço Social.
•  A dimensão técnico-operativa do aprendizado profissional.

2.2.1  O espaço da ação cotidiana

O cotidiano possui cores em suas várias tonalidades, possui cheiros, sabores,


possui sentimentos como a angústia e o prazer, possui dinâmicas naturaliza-
das, dinâmicas em construção e dinâmicas questionáveis. O cotidiano possui
música, semânticas, comportamentos, fé, crenças e tradições, transcendências
e um arcabouço de possibilidades lidas, escritas, vividas.
O cotidiano “é uma nuvem” de “algodão” a se desfazer e refazer dentro [...] do pro-
cesso da reprodução social, por meio da reprodução dos indivíduos. (NETTO, 1987).
Por essa razão o cotidiano possui um espaço ineliminávele insuprimível, no
qual vão se configurar três características (GUERRA, 2007, p. 13):

1. Diferencialidade: o sujeito dirige totalmente sua atenção para as demandas muito


diferentes entre si, no intuito de responder a elas. Por ser de naturezas diversas, ocu-
pam integralmente a atenção dos sujeitos.
2. Imediaticidade: as ações desencadeadas na vida cotidiana tendem a responder,
fundamentalmente, às demandas imediatas da reprodução social dos sujeitos.
3. Superficialidade extensiva: considerando que as demandas do cotidiano são
extensivas, amplas, difusas, diferenciadas e imediatas, os sujeitos acabam por en-
caminhá-las de maneira superficial, dado que a prioridade da vida cotidiana está em
responder aos fenômenos na sua extensividade, e não na sua intensividade.

42 • capítulo 2
Assim, o cotidiano pode ser compreendido como o território da esponta-
neidade, das motivações efêmeras e particulares, da fixação repetitiva do ritmo
e da rigidez do modo de vida. Consequentemente, o pensamento cotidiano é
um pensamento fixado tão somente na dimensão empírica da realidade e dos
acontecimentos da vida; logo, pragmático e ultrageneralizador, determinado
na unidade imediata entre pensamento e ação. Heller (1989, p.17) complemen-
ta essa compreensão expondo que “a vida cotidiana é a vida do homem inteiro”.
É preciso estar atento à dimensão espaço-temporal no cotidiano e à sua
compreensão, pois é nela que o profissional vai agir através da mediação (aqui
compreendida na perspectiva dialética) para o enfrentamento dos conteúdos
alienantes, sendo o preconceito, o conformismo, o pragmatismo, a exploração
do trabalho, a perda da dimensão da totalidade, entre outros.
Portanto, é fundamental estar alerta, para que a prática profissional não
seja vaga, sem eco, sem direção e sentido, assim o fazer cotidiano do profis-
sional deve garantir a direção social das réplicas profissionais, com a clareza
do projeto ético-político da categoria e utilizando a mediação a própria relação
dialética entre o conhecimento e a ação no âmbito desse fazer.

2.2.2  A prática social (práxis)

A prática social é uma categoria teórica que possibilita o conhecimento e a expli-


cação do processo pelo qual se constitui e se expressa o ser social e dá dinâmica
à construção histórica do mundo humano-social. Para Kosik (1976, p.197-207) a
prática social é “a esfera do agir humano, do modo de ser do homem, como ser
que (re)cria a realidade humano-social que existe independente dele próprio”.
O debate sobre a relação entre teoria e prática no Serviço Social se vincula
a concepções e auto-representações sobre a profissão. Convido você a pensar
quantas vezes já ouviu ou disse o aforismo: “na prática a teoria é outra”.
Ao pensar nesse aforismo, tem-se como primeira concepção que ao desta-
car o caráter prático-interventivo como sendo prioritário e absoluto, os aspec-
tos teóricos serão desconsiderados. Trata-se de uma concepção pragmática da
prática que vai atribuir à teoria o puro papel abstrato.
Por outro lado, pela segunda concepção, tem-se a orientação e concepção
em que glorifica a teoria em relação à prática. Trata-se de atribuir aos defenso-
res do saber o poder ilusionista de resolver através de receitas pré-formuladas
os desafios postos à profissão.

capítulo 2 • 43
Ambas as concepções estão unidas pela incapacidade de não realizarem a
práxis social. E não é dessa fonteque devemos beber, pois as contribuições das
duas perspectivas têm ocorrido – cada vez mais – de forma a iluminar a realida-
de. Iamamoto (2008, p.63) sinaliza que:

[...] o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe superficialmente à prática


profissional, podendo ser dispensado; mas é um meio pelo qual é possível decifrar a
realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado. Nessa perspectiva, o con-
junto de conhecimentos e habilidades adquiridos pelo Assistente Social ao longo dos
anos do seu processo formativo são parte do acervo de seus meios de trabalho.

A práxis social pode se realizar em três níveis: repetitiva, mimética e


inventiva.

A práxis repetitiva recomeça os mesmos gestos, os mesmos atos em ciclos deter-


minados. A práxis mimética segue modelos; pode suceder que, imitando, ela chegue
a criar, mas sem saber como nem por que; mais frequentemente ela imita sem criar.
Quanto à práxis inventiva e criadora, ela atinge seu nível mais elevado na atividade
revolucionária. (LEFEBVRE, 1968, p.37).

Desse modo, compreender o que é a práxis é, antes de tudo, entender sua


relação dialética entre a natureza e o homem, as coisas e a consciência. Essa
relação tanto pode ser no sentido de manter a ordem (repetitiva ou mimética)
ou uma tentativa de ruptura (mimética sem consciência e inovadora), o que es-
tará como pano de fundo será a visão social de homem e de mundo com suas
determinações no mundo do trabalho.
Uma práxis profissional pode flutuar entre os três níveis considerados por
Lefebrve, pois não são estanques na realidade objetiva. O seu desenvolvimen-
to é realimentado constantemente no processo de trabalho profissional. São
fatos, acontecimentos, informações, interesses, pensamentos, representações,
conflitos e saberes que se misturam e se fundem em uma relação dialética, ou
seja, em constante movimento contraditório.

44 • capítulo 2
O trabalho profissional tem de ir além da repetição e mimetismo que con-
figuram a vida cotidiana, colocando-nos como desafio criar e inventar, ou seja,
girar a roda da história, conforme o expor de Iamamoto (2008, p.21):

[...] ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para
detectar tendências e possibilidades nela presentes passiveis de serem impulsionadas
pelo profissional. [...] as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automati-
camente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropria-
rem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las, transformando-as em
projetos e frentes de trabalho.

O primeiro momento desse processo trata-se, sobretudo, de conhecer, des-


velar e desmistificar as mediações e contradições existentes na realidade vi-
venciada nos atendimentos, que vai revelar a realidade particular dos usuários
do respectivo serviço, programa ou projeto que será determinada por aspectos
gerais da sociedade. Assim, a sua atuação deve considerar tais aspectos e se de-
senvolver de forma consciente, crítica e criativa, realimentando o próprio ciclo
da formação da particularidade de cada sujeito e/ou protagonista e/ou usuário.

2.2.3  O Projeto ético-político do Serviço Social

O caminho da construção do atual projeto ético-político do Serviço Social não é


curto e sua direção responde as necessidades espaço-temporal dentro da histó-
ria pensada e vivida. Como citei em momentos anteriores, a função orgânica do
Serviço Social vai direcionar a sua dimensão no projeto ético-político. Lembre-
se: “é caminhando que faz o caminho”.
Mas, afinal, o que é um projeto? Um projeto tem teleologia, indica a direção,
a finalidade que uma sociedade ou uma categoria constrói para concretizar o
que idealizou.
Por essa compreensão teleológica, é fundamental que você saiba as diferen-
ças entre os projetos societários e os projetos profissionais.
Segundo Netto (1999, p.93-94), “os projetos societários apresentam uma
imagem de sociedade a ser construída”, que reclamam determinados valores

capítulo 2 • 45
para justificá-la e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para con-
cretizá-las. Constituem-se, assim, projetos macroscópicos para o conjunto da
sociedade. São, portanto, projetos de classe.
Já os projetos profissionais são:
•  Coletivos.
•  Apresentam a autoimagem de uma profissão.
•  Elegem os valores que a legitimam.
•  Delimitam e priorizam seus objetivos e funções.
•  Formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu
exercício.
•  Prescrevem normas para o comportamento dos profissionais.

Estabelecem as balizas da sua relação com os usuários dos serviços, com


as outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e
públicas.
São construídos por um sujeito coletivo – a categoria profissional; e através
da sua organização (que envolve os profissionais em atividades, as instituições
formadoras, os pesquisadores, os docentes e estudantes da área, seus organis-
mos corporativo e sindicais) que a categoria elabora o seu projeto profissional
(NETTO, 1999).
O Projeto Ético-Político do Serviço Social foi construído no contexto histó-
rico de transição dos anos de 1970 aos anos 1980, ganhando mais corpo pre-
cisamente na década de 1990 com a aprovação do Código de Ética da Lei de
Regulamentação da profissão e com a aprovação das diretrizes curriculares. É
fundamentado na matriz sócio-histórica cujo ponto de partida é a teoria social
crítica.
Uma de suas características é sua crucial relação com o projeto societário e
com o projeto profissional. O projeto é composto por todo o contexto histórico,
balizado no processo de redemocratização da sociedade brasileira e recusando
o conservadorismo profissional, tendo seu amadurecimento (reforço aqui no-
vamente) na década de 1990, período de profundas transformações societárias
que vão afetar a produção, a economia, a política, o Estado, a cultura e o traba-
lho, marcados pelo neoliberalismo.
Algumas condições foram necessárias para desenvolver e aprofundar o pro-
jeto ético-político, sendo:

46 • capítulo 2
•  Condição política, que teve na luta pela democracia seu principal rebati-
mento, onde os anseios democráticos e populares foram incorporados e inten-
sificados pelas vanguardas do Serviço Social.
•  Espaço legitimado na academia, que permitiu à profissão estabelecer
fecunda interlocução com as Ciências Sociais e criar e revelar quadros intelec-
tuais respeitados no conjunto da categoria.
•  Debate sobre a formação profissional, cujo empenho foi dirigido no
sentido de adequá-la às novas condições postas, em um marco democrático
da questão social e suas expressões. Em suma, a construção de um novo perfil
profissional.

2.2.4  A dimensão técnico-operativa do aprendizado profissional.

No interior da categoria profissional, modalidades prático-interventivas (me-


todologias) tradicionais foram ressignificadas e novas áreas e campos de inter-
venção foram emergindo devido, sobretudo, às conquistas dos direitos cívicos
e sociais que acompanharam a restauração democrática na sociedade brasilei-
ra, como práticas interventivas junto a segmentos sociais como crianças, ado-
lescentes, mulheres, idosos, deficientes e outros.
A estrutura básica do projeto ético-político tem como características:
Núcleo central: o reconhecimento da liberdade como valor essencial:
•  Compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos sociais.
•  Vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova
ordem social.
Dimensão política: é claro o posicionamento a favor da:
•  Equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização.
•  A ampliação e consolidação da cidadania (direitos).
•  Democracia – socialização da participação política e socialização da ri-
queza socialmente produzida.
Dimensão profissional: o projeto implica o compromisso:
•  Com a competência, cuja base é o aprimoramento profissional.
•  Preocupação com a (auto)formação permanente e uma constante postura
investigativa.
•  Com os usuários dos serviços, programas e projetos determinando uma
nova relação sistemática – fortalecendo o compromisso com a qualidade dos

capítulo 2 • 47
serviços prestados à população, a publicização dos recursos institucionais e,
sobretudo, o desafio de manejar, mediar: abrir as decisões institucionais à par-
ticipação dos usuários.

Os componentes que materializaram o projeto ético-político foram:


•  Dimensão da produção de conhecimento no interior do Serviço Social: a
esfera da sistematização das modalidades práticas da profissão, onde se apre-
sentam os processos reflexivos do fazer profissional.
•  Dimensão político-organizativo da profissão: fóruns de deliberação e as
entidades representativas (conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e as demais asso-
ciações político-profissionais, movimento estudantil representado pelo con-
junto dos CAs e DAs e pela ENESSO). É aqui que são tecidos os traços gerais
do projeto, quando são reafirmados (ou não) determinados compromissos e
princípios.
•  Dimensão jurídico-política da profissão: aparato político-jurídico estri-
tamente profissional (Código de Ética Profissional e a Lei de Regulamentação
da Profissão – Lei nº 8.662/93 e as novas Diretrizes Curriculares do MEC; apara-
to jurídico-político de caráter mais abrangente (conjunto das leis advindas do
capítulo da Ordem Social da Constituição Federal de 1988).

O projeto ético-político descreve o serviço social como “uma profissão ne-


cessariamente articulada a um projeto de sociedade, além de expressar uma
direção ao exercício profissional que ser quer visível na profissão” (TORRES,
2006, p.55).
Para entendermos essa direção, é essencial nos apropriarmos dos prin-
cípios presentes no Código de Ética. Esses princípios trazem um desafio aos
assistentes sociais, de apropriação, interiorização como uma prerrogativado
exercício profissional.
Com essa direção exposta, faz-se necessário elencar ainda as atribuições es-
pecíficas do assistente social para que possamos dar embasamento, significa-
do e sentido aos instrumentais técnicos operativos.
O conhecimento da realidade, em qualquer nível da atuação profissio-
nal, consubstancia-se como o momento desencadeante do fazer do assisten-
te social, orientado por saberes teórico-metodológicos e técnico-operativos e
por princípios ético-políticos. Nesse processo, ocorre um atento processo de

48 • capítulo 2
levantamento de dados pessoais, familiares, situacionais, institucionais, con-
textuais que permitam subsidiar o plano de ação profissional.
Adotando como referência a Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993, que dis-
põe sobre a profissão de assistente social e constitui sua regulamentação, são
definidas, no artigo 4º, as competências do assistente social e, no artigo 5º, as
atribuições privativas.
Assim, a dimensão técnica operativado assistente social, bem como a uti-
lização de qualquer instrumental operativo, seja a avaliação socioeconômica,
a visita domiciliar, o atendimento individual ou em grupo, precisam ser claras
para dar visibilidade ao exercício profissional e aos compromissos assumidos
no Código de Ética e na Lei da Regulamentação.
Diante do que apresentamos nesse capítulo, torna-se fundamental com-
preender que é neste espaço, de contradições vivenciadas no cotidiano de ação
profissional, que os assistentes sociais vão objetivar e operacionalizar as suas
ações. Portanto, a ação cotidiana deve ser entendida como sendo parte orgâ-
nica da construção do trabalho, sendo preciso também estar alerta para que a
prática profissional não seja vaga, sem eco, sem direção e sentido, assim o fazer
cotidiano do profissional deve garantir a direção social das réplicas profissio-
nais, sendo a mediação a própria relação dialética entre o conhecimento e a
ação no âmbito deste fazer.

ATIVIDADES
01. Diante da compreensão da práxis social e do cotidiano profissional e suas especificida-
des, avalie dois princípios do Código de Ética do assistente social, de forma a refletir como
são garantidos em suas ações.

02. Tendo em vista o conteúdo apresentado, Lefebrve (apud NETTO, 1991) vai sinalizar a
apreensão da vida cotidiana com base em três perspectivas convergentes, sendo:
a) A busca da totalidade, da imediaticidade e fragmentação.
b) A busca da imediaticidade, do real e da realidade.
c) A busca da fragmentação, da vida, da imediaticidade.
d) A busca do real, da sociabilidade e da fragmentação.
e) A busca do real, da realidade e da totalidade.

capítulo 2 • 49
03. O conhecimento da realidade, em qualquer nível da atuação profissional, consubstancia-
se como o momento desencadeante do fazer do assistente social, orientado por saberes
teórico-metodológicos e técnico-operativos e por princípios ético-políticos. Nesse processo,
ocorre:
a) Um minucioso processo de socialização de informações.
b) Um rápido contato com os dados da realidade imediata.
c) Um atento processo de levantamento de dados pessoais, familiares, situacionais, institu-
cionais, contextuais que permitam subsidiar o plano de ação profissional.
d) Um exaustivo movimento de investigação científica.
e) Um breve levantamento que permita planejar a ação profissional.

REFLEXÃO
Sugerimos a leitura do poema a seguir, de Vinicius de Moraes, e, em seguida, reflita sobre as
condições de trabalho nele apresentadas:

O operário em construção

Era ele que erguia casas


Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia


Um operário em construção

50 • capítulo 2
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia


Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia

capítulo 2 • 51
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

[...]

E foi assim que o operário


Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita


Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

[...]

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos

52 • capítulo 2
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

LEITURA
Para a melhor compreensão deste capítulo, sugerimos a leitura do livro do sociólogo Ricardo
Antunes, em que o autor se insere no debate mundial acerca da globalidade desigualmente
articulada, que põe em questão a centralidade do mundo do trabalho. Busca apreender não
só as transformações que vêm ocorrendo na sociedade do trabalho neste início do século,
mas, sobretudo, explicitar as diferentes tendências e teses, presentes em diferentes autores
pesquisadores sobre a temática mundo do trabalho.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho de Ricardo Antunes, 2ª ed., São Paulo; Campinas, Cortez e Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1995
<https://drive.google.com/file/d/0B8HiUnvOK845eEpWT0xVT2FWUEk/view>

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo
do trabalho de Ricardo Antunes, 2ª ed., São Paulo; Campinas, Cortez e Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1995.
GUERRA, Yolanda. O Projeto Profissional Crítico: estratégia de enfrentamento das condições
contemporâneas da prática profissional. In: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo: n.91,
Cortez, 2007.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

capítulo 2 • 53
HELOANI, Roberto. Organização do Trabalho e Administração – Uma visão multidiscipli¬nar. 2.ed.
Cortez, 1996.
IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional.
15. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968.
FORD, H. Os princípios da prosperidade. Trad. Monteiro Lobato. São Paulo: Livraria Freitas Bastos,
1967.
GRAMSCI, A. “Americanismo e Fordismo” In: _____. Cadernos do Cárcere. Vol. 4. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
MARX, K. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984. v.1.
NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político profissional frente à crise
Contemporânea. Capacitação em Serviço Social e Políticas Sociais: crise contemporânea, questão
social e serviço social. Brasília: Cead, p. 93-110, 1999. Módulo I.
______. O Serviço Social e a tradição marxista. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo:
Cortez, v.10, n. 30, p. 89-102, 1989.
______. Para a crítica da vida cotidiana. In: NETTO, FALCÃO. Cotidiano: conhecimento e crítica. São
Paulo: Cortez, 1987.
TORRES, C; MORROW, A. R. Estado, globalização e políticas educacionais. In: PALMA FILHO, J. C.;
TOSI, P. G. (Org.). Política e economia da educação. São Paulo: UNESP, Pró-Reitoria de Graduação,
2004. (Pedagogia cidadã. Cadernos de formação).
TORRES, Mabel Mascarenhas. A Coruja e o Camelo: a interlocução construída pelos assistentes
sociais com as tendências teórico-metodológicas do Serviço Social. Tese de Doutorado – PUC SP.
2006. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3123>.
Acesso em: 26 mar, 2016.

54 • capítulo 2
3
Serviço Social e
Representação
Social: Elementos
para reflexão
da identidade
profissional
3.  Serviço Social e Representação Social:
Elementos para reflexão da identidade
profissional
Nesse capítulo, iremos refletir sobre as questões que envolvem a construção da
identidade profissional no contexto histórico brasileiro, retomaremos a traje-
tória da profissão e a estreita vinculação com os interesses do Estado e da Igreja
Católica. Essa reflexão é necessária para que possamos ter clareza do avanço da
profissão, enquanto classe que incorporou as demandas das classes trabalha-
doras e do movimento de ruptura com uma prática conservadora.

OBJETIVOS
•  Refletir sobre o processo de institucionalização da profissão no Brasil;
•  Compreender o significado social da profissão na contemporaneidade;
•  Refletir sobre a identidade profissional;
•  Analisar a relação formação profissional e conservadorismo;
•  Analisar o compromisso com a ética profissional como elemento fundante da identida-
de profissional.

3.1  Introdução

Para iniciar a discussão sobre a profissão, é importante retomar brevemente a


particularidade histórica do processo de institucionalização do Serviço Social
no Brasil, bem como analisar o significado social da profissão no processo de
produção e reprodução das relações sociais.
É necessário compreender que a prática do Serviço Social é necessariamen-
te polarizada pelos interesses das classes sociais, não podendo ser pensada
fora dessas tramas sociais.
A profissão também deve ser pensada no processo de reprodução das rela-
ções sociais, buscando a compreensão do significado social da mesma nesse
processo. A reprodução social compreendida sob a análise da teoria social crí-
tica, a qual se refere à maneira como são produzidas e reproduzidas as relações
sociais na sociedade capitalista. A reprodução das relações sociais é entendi-
da como a reprodução da totalidade da vida social, não englobando apenas a
reprodução da vida material e do modo de produção, mas todo o conjunto de
56 • capítulo 3
atividades pertencente à vida humana, como a reprodução espiritual, cons-
ciência social, do cotidiano, dos valores, das práticas culturais e políticas, da
maneira como são produzidas as ideias e padrões da sociedade, que permeiam
as relações da sociedade. A esse conjunto de tramas estabelecidos socialmente
nós chamamos de totalidade, categoria também pertencente à teoria crítica.
O profissional de Serviço Social como trabalhador pode estar inserido na
divisão técnica do trabalho em espaços ocupacionais de natureza pública ou
privada, ainda pode como profissional autônomo prestar serviços de acordo
com as competências atribuídas à profissão. O compromisso profissional rea-
firmado no Código de Ética profissional de 1993 é o maior instrumento que o
profissional dispõe, para que independente do espaço de atuação possa defen-
der de maneira intransigente os direitos humanos e sociais de homens, mulhe-
res, crianças, jovens e idosos principalmente das classes subalternas, os quais
diariamente lutam pelo acesso aos direitos básicos.
A direção hegemônica da categoria prima pelo compromisso profissional
com os direitos e interesses dos usuários, pela defesa da qualidade dos serviços
prestados, pelo compromisso profissional com a constante capacitação técnica
na perspectiva da teoria social crítica.
Conhecer e reconhecer o processo de implantação e institucionalização da
profissão se faz necessário, para que a ilusão do cotidiano e o discurso de que
“somos profissionais da prática” não nos torne um profissional habilitado ao
fazer, ao agir, levando ao praticismo alienante. A profissão requer trato teórico-
metodológico, requer um profissional habilitado a fazer a leitura da totalidade,
seus movimentos e contradições.

3.2  Reflexões sobre o processo de institucionalização da profissão


e a identidade profissional

Sabemos que a institucionalização do Serviço Social no Brasil se deu através


do Estado, do empresariado com apoio da Igreja Católica com o propósito de
regular as tensões sociais da pungente questão social nos idos de 1930. A Igre-
ja católica fazia a leitura dos conflitos de classe pelo prisma da moralidade, a
questão social era compreendida como questão moral, como problema de or-
dem individual. Buscava-se através do movimento interno da Igreja restabele-
cer suas relações com o Estado, na busca de influências e privilégios que foram
perdidos com o estabelecimento do laicismo estatal.

capítulo 3 • 57
O movimento da Ação Católica investe em formação dos seus intelectuais,
com o objetivo da difusão mundial dos seus dogmas, deixando a missão con-
templativa para uma missão evangelizadora de base e efetiva na sociedade.
Impõe uma ação doutrinária com vistas a blindar os operários das influên-
cias comunistas difundida no movimento operário e busca a harmonia entre
as classes.
Com a proposta de participar ativamente das discussões acerca da ques-
tão social utiliza duas importantes encíclicas que tratam sobre o tema: Rerum
Novarum e Quadragésimo Anno, colocando a questão social como questão mo-
ral e religiosa.
A implantação das políticas públicas nesse período foram estruturadas
como medidas para controlar e desmobilizar a organização políticas dos traba-
lhadores urbanos.
Podemos afirmar que, nesse processo, a profissão se configurou como ins-
trumento de controle social do Estado. O Serviço Social é configurado como
uma profissão legitimada para atuar com as classes operárias, gestada den-
tro dos princípios católicos. Não apenas como uma forma de exercer a cari-
dade, mas como forma de intervenção ideológica nos modos de vida da clas-
se trabalhadora.
O Serviço Social vai sendo absorvido pelas políticas sociais pulverizadas do
Estado, desenvolvendo atividade que lhes são repassadas, atribuídas social-
mente, as quais não detêm uma intencionalidade profissional própria.
A profissão foi reconhecida como profissão liberal através de Portaria do
Ministério do Trabalho em 19/04/1949, porém contraditoriamente não possuía
autonomia no exercício das suas atividades, uma vez que ou estava vinculado
ao Estado, a empresas ou a organizações não governamentais, dependendo do
órgão empregador dispor das condições materiais para o exercício do trabalho.
A mobilização política das camadas mais empobrecida, e o enfrentamento
das precárias condições de vida e do trabalho, impulsionaram o Estado a criar
as bases de implantação da profissão como forma de atenuar o crescimento e a
organização da classe trabalhadora.
Compreender o processo de construção da identidade profissional para
além da arraigada concepção humanista cristã se faz necessário, pois ainda na
contemporaneidade nos deparamos com o pensamento conservador no fazer
profissional.

58 • capítulo 3
A fonte de inspiração do pensamento conservador provém de um modo de vida do
passado, que é resgatado e proposto como uma maneira de interpretar o presente e
côo conteúdo de um programa viável para a sociedade. (IAMAMOTO, 2007, p.22).

Conservadorismo, diga-se de passagem, entendido não como a continuida-


de e persistência no tempo de um conjunto de ideias da herança intelectual eu-
ropeia do século XIX, mas de ideias de ação favoráveis a manutenção da ordem
capitalista, considerando apenas um único projeto de classe como válido para
a sociedade.
O conservadorismo destaca-se pelo apego ao passado e utilização dos fatos
para interpretação do presente, segundo Iamamoto (2007), os conservadores
são profetas do passado. A sociedade é apreendida como constitutiva de enti-
dades orgânicas, funcionalmente articuladas, onde os grupos: família e corpo-
rações são tidos como fonte das relações interpessoais, da sociabilidade e da
moralidade, tradição e costume são os elementos que dão a tônica e legitimam
a autoridade.
O Serviço Social surge através do pensamento franco-belga conservador e se
desenvolve na lógica da sociologia conservadora norte-americana, delineando
sua prática na preservação da ideologia capitalista.
A profissão recebeu por meio do avanço das descobertas cientificas, no seu
início fortes influências da biologização do social, e da corrente teórica deno-
minada de funcionalismo. Os profissionais formados nesse início da profissão
tinham como atribuição atuar na mudança de comportamento das famílias
e pessoas, para que adequassem seu comportamento e suas condições, prin-
cipalmente quanto à higiene e à moral, requisitos básicos para sua inserção
na ordem social estabelecida pela lógica da burguesia, ou seja, a atuação seria
para edificar a “boa família”, o “bom operário” o “homem e mulher de bem”.
Basicamente, o tripé que articula e estabelece a profissão nesse início é: a mo-
ral, a higiene e a ordem.
Dentro desse contexto histórico, o profissional de Serviço Social é reconhe-
cido pela população como o agente responsável pelo auxílio, pela ajuda, como
profissional que presta assistência, aquele que distribui recursos materiais,
que atesta carências, que, através da triagem, define o mérito ou não do atendi-
mento, que administra os recursos institucionais e as relações institucionais.

capítulo 3 • 59
A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas
como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na
atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento
dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração
entre capital e trabalho. (IAMAMOTO, 2007, pg, 20).

Não podemos atribuir essa concepção como uma construção social única
e exclusivamente descolada do processo histórico brasileiro, tampouco isen-
tar a categoria profissional nesse processo de interpretação, vários fatores,
como por exemplo: o processo de institucionalização da profissão, a condução
do Estado no enfrentamento da questão social, a fragmentação das políticas
sociais contribuíram para o enraizamento dessa concepção. Vivemos os cons-
tantes embates com a generalização das profissões. É cada vez mais comum o
assistente social assumir cargos de chefia, coordenação sob as mais diversas
denominações, e tão comum também um distanciamento dos princípios nor-
teadores da profissão por alguns profissionais.
Ainda é muito presente os resquícios conservadores da profissão, pois
grande parte da sociedade, em geral, compreende a profissão como responsá-
vel pelo atendimento às camadas empobrecidas da sociedade no auxílio mate-
rial das necessidades básicas da vida.
Essa desconstrução deve ser engendrada pela própria categoria na incorpo-
ração do projeto ético-político e na implementação do projeto profissional.

3.2.1  Análise do processo de ruptura com o conservadorismo na profissão

É fato que a profissão surgiu moldada para atender às prerrogativas capitalistas


e cristãs para controle das massas operárias, porém, nos idos dos anos de 1960,
começam as manifestações de grupos de profissionais que questionam o esta-
do de coisas e iniciam um debate sobre a prática profissional até então vigente.
O movimento de questionamento é proveniente do contexto histórico da crise
dos governos populistas e do avanço do imperialismo americano nas nações
latinas americanas.
As escolas de Serviço Social, na busca da modernização e atualização da
formação profissional, também fomentam a reflexão sobre a conjuntura bra-
sileira e as bases de inserção da profissão neste contexto. Nesse momento, há

60 • capítulo 3
uma expansão das escolas de Serviço Social e já não é público majoritário as
mulheres das classes altas, mas também há a absorção de alunos oriundos dos
setores da classe média. O processo de expansão das escolas foi disparado para
atender à demanda de profissionais no mercado de trabalho nascente da políti-
ca desenvolvimentista e de crescimento da máquina pública estatal.
No bloco católico, nasce um movimento de esquerda cristã, que passa a
influenciar um enorme contingente de profissionais e dos movimentos estu-
dantis, questionando, inclusive, o processo político de 1964. Algumas parcelas
dos profissionais participam ativamente das ideias produzidas pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que questionam a realidade e a condu-
ção política do país.
Essas manifestações traduzem num processo de questionamento da prá-
tica profissional e na busca de uma identidade própria do Serviço Social, haja
vista que a sua identidade desde sua formação foi atribuída à Igreja, ao Estado
e à burguesia industrial.
Com o movimento político de 1964, houve um refluxo nesse movimento,
porém o debate estava aceso, esse processo é marcado pelo início de uma nova
possibilidade de se pensar a profissão. Esse período é denominado como uma
perspectiva modernizadora da profissão, que não rompe com a herança con-
servadora e não questiona as contradições das relações de produção, base do
processo de exploração da classe trabalhadora.
O movimento de ruptura com a prática conservadora da profissão reaparece
no contexto histórico de pressões da sociedade por mudanças no acesso à pos-
se da terra, da internacionalização da econômica, do aumento exponencial da
dívida externa e da agudização da política dominadora do Estado.
Países da América Latina, como Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai,
Equador e Peru, tiveram nos seus governos militares mecanismos de controle e
cerceamento da liberdade individual, exterminando qualquer manifestação de
oposição à condução da política.
Os movimentos sociais, porém, articularam-se e, com o apoio de setores
progressistas da Igreja, ligados à teoria da libertação, operaram na clandestini-
dade. A categoria inicia a busca por novas bases teóricas filosóficas, que dêem
sustentação enquanto metodologia de trabalho e encontra no marxismo es-
sas referências.

capítulo 3 • 61
MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo do Youtube em que Paulo Freire explana sobre a ontologia do ser e sobre
a teologia da libertação. Paulo Freire é filósofo e educador de grande importância para as
ciências humanas e para o Serviço Social.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OsLHMA3EU0k>.

O discurso do desenvolvimento não se alinha com o quadro de miséria


da população. As desigualdades sociais tomam proporções alarmantes, e,
nesse movimento, a categoria profissional inicia um processo de construção
de um projeto profissional pensado nas bases da profissão do Serviço Social
Latino Americano.
Esse movimento não foi homogêneo, houve questionamentos, conflitos e
descrenças quanto à legitimidade dessa proposta; o conflito entre discursos
revolucionários da reconceituação e a prática com uso da metodologia moder-
nizante eram comum.
No Brasil, o Método BH tem influência da Escola de Val Paraíso, que pres-
supõe a conscientização, a organização e a capacitação. A proposta tinha como
princípio que, por meio da prática, atingiria o global, através do enfoque totali-
zante para a organização da população, o processo de planejamento é utilizado
com o objetivo de transformação global. A relação dialética entre sujeito e es-
trutura seria direta no contato com as populações.

COMENTÁRIO
O movimento de reconceituação da Escola de Val Paraíso no Chile influenciou várias outras
escolas de Serviço Social da América Latina. Esse movimento surgiu num contexto de
instabilidade política do Chile e do forte movimento político dos assistentes sociais. Para
saber mais, acesse: <http://www.pucminas.br/graduacao/cursos/arquivos/ARE_ARQ_
REVIS_ELETR20071101163758.pdf>.

O Movimento de Reconceituação surgiu como movimento dos profissio-


nais da América Latina que questionavam a viabilidade e a aplicação do Serviço
Social tradicional, houve um amadurecimento da profissão no sentido de

62 • capítulo 3
reflexão sobre o a ausência da dimensão política da profissão, a ausência de
criticidade e presença da neutralidade, reivindicando uma profissão que in-
corporasse a identidade latino-americana, a formação laica e as demandas das
classes trabalhadoras.
É fato que a profissão se gestou em bases conservadoras, produzimos res-
postas conservadoras, que visavam a manutenção do status quo, portanto ain-
da temos resquícios do conservadorismo na profissão, que são alimentados
por práticas imediatista. A profissão não dispunha de fundamentação teórica
própria, utilizou para sua formação teorias das ciências sociais com direciona-
mento conservador: neotomismo, positivismo, funcionalismo.
A ruptura com o conservadorismo ocorre num contexto social muito parti-
cular, na ditadura militar, com a aproximação da profissão com a teoria crítica
marxista na produção do conhecimento e na reflexão do fazer profissional; com
a articulação do Serviço Social com os movimentos sociais e partidos políticos
de esquerda, incorporando as lutas, reivindicações da classe trabalhadora e o
rompimento com a formação profissional de orientação conservadora, culmi-
nando com a revisão curricular em 1982-1983 que incorporou a vertente teórica
marxiana. Atrelado e esse processo de ruptura temos a revisão do Código de
Ética Profissional de 1986 e o coroamento com a aprovação do Código de Ética
de 1993 e da construção do projeto ético-político da categoria.

3.3  Identidade Profissional

Quando falamos em identidade, estamos propondo uma reflexão sobre a natu-


reza das profissões alicerçadas na sua particularidade histórica. Buscando uma
análise sobre o prisma da teoria crítica, a identidade é uma categoria que se
movimenta, que se transforma a partir das determinações sociais, que se cons-
trói e se reconstrói nas relações contraditórias existentes na vida social.
A identidade expressa o modo de ser de uma dada profissão, mediado pelo
projeto ético, político e societário, materializado pela prática profissional.
Para Gentilli (2012), a identidade profissional é decorrente de três fatores
interligados composto pelo: núcleo identitário que é organizado pelas repre-
sentações sobre o processo de trabalho profissional; pelas representações que
expressam a consciência profissional e nesse processo podemos incluir a ideo-
logia, política e teórica que marcam as referências de representação da profis-
são; e por último os elementos subjetivos que dão sustentação a identidade,

capítulo 3 • 63
que são os sentimentos de pertença e identificação com a própria identidade
da profissão. Afirma a autora que o núcleo da identidade do Serviço Social tem
como base material o próprio processo de trabalho profissional.
A proposta de discutir sobre a identidade profissional nos leva a refletir so-
bre a natureza e a especificidade da inserção da profissão no contexto brasilei-
ro considerando as determinações políticas, sociais, econômicas, históricas e
culturais. A profissão é relativamente nova quando comparada com profissões
milenares, e nessas oito décadas de implantação do Serviço Social no Brasil
passou por transformações radicais no seu fazer profissional.

A pergunta pela identidade é, pois, uma pergunta de natureza histórica, dialética, que
sintetiza/articula dialeticamente o que somos, a forma de ser de profissão, o que
fazemos, a forma pela qual a profissão aparece socialmente, ou seja, o conjunto de
intervenções que realiza em um dado momento histórico, e o que aspiramos fazer a
partir das determinações ético-políticas de nosso projeto profissional e dos desafios e
demandas que emergem da realidade cotidiana. (MARTINELLI, 2013, p. 151).

AUTOR
Maria Lúcia Martinelli é assistente social formada pela Pontifícia Universidade Católica, com
amplo conhecimento e produção teórica sobre a questão da identidade profissional, possui
livros e artigos que são referências. Atualmente é professora e pesquisadora do Programa
de Pós- Graduação da PUC São Paulo no curso de Serviço Social. Para saber mais sobre a
professora, acesse: <http://servicosocialmemorialbibliografico.blogspot.com.br/2014/03/
biografia-maria-lucia-martinelli.html> e assista ao vídeo do Youtube, onde a professora
fala sobre sua participação no Congresso de Serviço Social e Saúde e também sobre sua
produção teórica. Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=aSS-E5GzUm4>.

O movimento de ruptura com a concepção conservadora iniciado na déca-


da de 60 do século passado, trouxe para a categoria a necessidade de transfor-
mações no interior da profissão, assumindo para si a elaboração de uma nova
identidade profissional.
Não podemos negar que ainda, em tempos atuais, nos deparamos com pro-
fissionais que estão presos a um discurso alinhado com os princípios éticos da
categoria, mas com uma prática conservadora.

64 • capítulo 3
Nesses tempos de ofensiva e de imposição do pensamento conservador,
onde temos representantes políticos, mídia e todo um aparato institucional
que defende retrocessos nos direitos sociais, não raro profissionais defendem
e se posicionam alinhados com essa vertente.
Segundo Iamamoto (2007) o avanço do conservadorismo não é a continuidade
e persistência no tempo de um conjunto de ideias constitutivas da herança intelec-
tual europeia do século XIX, mas de ideias que reinterpretadas, transmutam-se em
uma ótica de explicação e em projetos de ação favoráveis à manutenção da ordem
capitalista, nesta lógica o pensamento conservador e racional se aproximam, apesar
das diferenças, como portadores de um mesmo projeto de classes para a sociedade.
O conservadorismo no Brasil possui particularidades vinculadas ao nosso
processo histórico, alicerçados ao colonialismo, na utilização do trabalho es-
cravo, na usurpação das riquezas naturais pelos países centrais, na tolerância
com governos antidemocráticos e a imperante ideologia do favor em detrimen-
to a lógica do direito, alinhado com vinculação religiosa da moralidade e da
obediência a ordem social estabelecida.
Para discutirmos a categoria identidade e mais especificamente identidade
profissional, nossa referência é baseada nos estudos de Martinelli (2011) que
problematiza a questão sobre o prisma dialético.
A profissão desde sua implantação buscou refletir sobre sua identidade,
instigada pela sua natureza interventiva, com intervenção direta no real e na
dinâmica do cotidiano. Numa primeira fase incorporou a identidade atribuída
pelo Estado e pela Igreja e numa fase de questionamento do fazer profissional
e ora de forma ainda presa com o pensamento conservador, na fase do metodo-
logismo, seja através da discussão da natureza, do objeto de trabalho ou da sua
função social buscava-se na essência discutir a identidade profissional.
A identidade profissional deve ser analisada de acordo com a construção
social da categoria, tendo como base o processo histórico, social da construção
do trabalho profissional.
A identidade profissional é um processo em permanente movimento, que se
define pelo direcionamento ético e político do coletivo da categoria. Segundo
Martinelli (2013) exige uma leitura ética, política da realidade, desvendamento
crítico das forças sociais em presença, ações efetivas que dêem concretude e
materialidade as formas de ser e aparecer da profissão.
Para Martinelli (2013, 146):

capítulo 3 • 65
As identidades se constroem e se objetivam na práxis, pela mediação das formas sociais
de aparecer das profissões. Tais formas sociais expressam as respostas construídas
profissionalmente para atender às demandas que incidem em seu campo de ação.

Atualmente mais do que nunca para que a profissão consiga êxito na con-
solidação da sua identidade enquanto profissão que mantém um projeto de
sociedade vinculada aos direitos humanos, faz-se necessário que a categoria
busque de forma permanente a atualização profissional, ampla participação
nos espaços de construção coletiva e defesa intransigente dos direitos sociais.
A análise crítica em relação ao jogo de forças sociais, de leitura da realidade
são exercícios que devem perpassar o cotidiano de trabalho do profissional a
fim de desvelar as ideologias dominantes tão presente na sociedade.

LEITURA
DURIGUETTO, Maria Lúcia; MONTAÑO, Carlos. Estado, classe e movimento social. 3.ed.
São Paulo: Cortez, 2011. Biblioteca básica do Serviço Social; v.5
O livro em questão faz parte da coleção biblioteca básica do Serviço Social sendo refe-
rência para a compreensão do conceito de Estado, os autores tratam de maneira completa a
questão, abrangendo também os conceitos de classes e movimento social.

IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul. Relações sociais e Serviço Social no


Brasil. 10 ed. São Paulo: Celats/Cortez, 1995.
Essa obra é uma referência teórica do processo de institucionalização do Serviço So-
cial no Brasil, problematiza a concepção histórica e metodológica das relações sociais e
de produção, elucida os determinantes históricos no processo de implantação da profissão
no Brasil.

MARTINELLI, Maria Lucia. Serviço Social, identidade e alienação. 16 ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
O presente livro faz uma análise do processo de implantação do Serviço Social e de sua
relação com a sociedade capitalista. Traz uma importante reflexão sobre a construção da
identidade profissional e o real significado da profissão nesse contexto.

Filme sugerido: O Contador de histórias: O filme retrata a história de vida do mineiro


Roberto Carlos Ramos, que pela situação de pobreza é deixado pela mãe na recém-criada

66 • capítulo 3
Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor. Há vários trechos que retratam a prática profis-
sional do Serviço Social, observem e façam uma análise sobre a questão do conservadorismo
presente na profissão nesse período.

ATIVIDADES
01. A questão a seguir foi elaborada pelo ENADE (2013). Faça uma releitura da temática
e responda à questão:
O assistente social que atua nos diferentes espaços sócio-ocupacionais enfrenta situações
desafiadoras, que envolvem a cultura política conservadora. Esse tipo de situação interfere
direta ou indiretamente em seu cotidiano profissional. Nesse contexto, assinale a alternativa
que contém apenas fenômenos que facilitam o acesso aos direitos sociais.
a) Clientelismo político, desfiliação e cidadania.
b) Democracia, participação social e cidadania.
c) Clientelismo político, coronelismo e populismo.
d) Assistência social, clientelismo político e saúde.
e) Desigualdade social, participação social e desfiliação.

02. Faça uma leitura crítica do texto proposto para Reflexão, apontando o direcionamento da
Igreja no enfrentamento da questão social.

REFLEXÃO
Faça uma leitura minuciosa do texto a seguir e responda à atividade número 2.

O Serviço Social no período doutrinário católico

Quadragésimo Anno

A Encíclica: "Quadragesimo Anno" foi promulgada 40 anos após a "Rerum Novarum",


em 15 de maio de 1931. Autor: Papa Pio XI.
Contexto: O mundo estava marcado pela Revolução Russa, pela Primeira Guerra Mun-
dial e em meio a crise de 1929.

capítulo 3 • 67
•  Ideias Básicas da Encíclica:
A Encíclica apresentava uma visão mais totalizando do que a "Rerum Novarum". Mantém
a crítica ao socialismo e ao capitalismo e reafirma a Doutrina Social da Igreja Católica como
uma terceira via para o tratamento da questão social e econômica. Continua com o conceito
de justiça fundado nos princípios tomistas.
O projeto de sociedade é desvinculado do mundo capitalista, baseado no solidarismo
cristão que embora criticando o sistema socioeconômico não trazia uma proposta concreta
para superação do sistema vigente.
São objetivos da Quadragésimo Anno:
a) recordar os frutos que a Rerum Novarum produziu;
b) esclarecer certas dúvidas que surgiram em sua interpretação;
c) analisar a economia contemporânea e o socialismo para descobrir as raízes da de-
sordem social e propor "a única via de restauração salutar, que é a reforma dos costumes".
(Quadragésimo Anno, p. 9, n. 15).

A Encíclica destacou:
•  A propriedade privada: Destacou o caráter individual e social da propriedade privada. Ao
retomar a relação estabelecida por Leão XIII sobre o necessário e o supérfluo onde identifica
a divisão do supérfluo com as pessoas necessitadas como a função social da propriedade
privada. Esta relação é assim definida:
Nem ficam de todo o arbítrio do homem os seus rendimentos livres, isto é, aqueles de que
não precisa para sustentar a vida convenientemente e com decoro: ao contrário, as Sagradas
Escrituras e os Santos Padres da Igreja intimam continuamente e com a maior clareza dos
ricos o gravíssimo dever da esmola e de praticar a beneficência e magnificência
E aponta uma saída individual para a divisão deste supérfluo quando diz que cada um
deve ter a sua parte nos bens materiais; e deve procurar-se que a sua repartição seja pautada
pelas normas do bem comum e da justiça social. [...]
O Papa identificava dificuldades de os operários terem acesso à propriedade privada:
[...] basta o fato de a multidão dos proletários ser imensa, enquanto as grandes fortunas
se acumulam nas mãos de poucos ricos, para provar a evidência que as riquezas, produzidas
em tanta abundância neste nosso século de industrialismo, não estão bem distribuídas pelas
diversas classes da sociedade.
E apontava o caminho da "poupança" para o trabalhador conseguir ter acesso aos meios
de produção.
•  A justiça social: Pio XI trazia a ideia de justiça vinculada ao direito de um justo salário e
enfatizava alguns critérios:

68 • capítulo 3
Ao operário deve dar-se remuneração que baste para o sustento seu e da família. [...]
É preciso atender também ao empresário e à empresa no determinar a importância dos
salários; seria injustiça exigir salários demasiados, que eles não pudessem pagar sem se
arruinarem e arruinarem consigo os operários. [...]
[...] Já atrás declaramos quanto importa ao bem comum [...] que todos os que têm von-
tade e força possam encontrar trabalho. Ora, isto depende em boa parte da determinação
do salário, a qual como será vantajosa, se bem feita, assim se tornará nociva, se exceder os
devidos limites [...] É, portanto contra a justiça social diminuir ou aumentar demasiadamente
os salários em vista só das próprias conveniências e sem ter em conta o bem comum: e a
mesma justiça exige que, em pleno acordo de inteligências e vontades, quando seja possível,
se regulem os salários de tal modo, que o maior número de operários possa encontrar traba-
lho e ganhar o necessário para o sustento da vida.
•  Postura contra o Estado Liberal: Pio XI frisava que
[...] a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode
de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica [...] Urge, portanto, sujeitar e
subordinar de novo a economia a um princípio diretivo, que seja seguro e eficaz. A prepotên-
cia econômica, que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indômita e
violenta por natureza, precisa, para ser útil à humanidade, de ser energicamente enfreada e
governada com prudência [...].
Fonte: O Serviço Social no período doutrinário católico. Acesso em: 10 jan.2016.
<http://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/servico-social/anno.php>.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATTINI, M. V. O. A prática profissional do assistente social: teoria, ação, construção do
conhecimento. Volume I. São Paulo: Veras Editora, 2009.
CARVALHO, Raul de; IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações sociais e Serviço Social no Brasil:
esboço de uma interpretação histórico-metodológica, 41 ed. São Paulo: Cortez, 2014.
DURIGUETTO, M. L.; MONTAÑO, Carlos. Estado, classe e movimento social. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2011. Biblioteca básica do Serviço Social; v.5.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
GENTILLI, Raquel. Representações e práticas: identidade e processo de trabalho no Serviço Social.
3. ed. São Paulo: Veras, 2012.

capítulo 3 • 69
______. A prática como definidora da identidade profissional do Serviço Social. Serviço Social &
Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 53, mar. 1997.
GRANEMANN, Sara. Processos de trabalho e Serviço Social. In: Capacitação em Serviço Social.
Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CFESS/Abepss/Cead,1999, v. 2.
MARTINELLI, M. L. Pensar a identidade: eis a tarefa. Um ensaio sobre a identidade profissional do
Serviço Social v. II, KARSCH, U. (Org.). Estudos do Serviço Social: Brasil e Portugal. São Paulo: EDUC.
2005, p. 65-78.
______. Serviço Social, identidade e alienação. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
______. A pergunta pela identidade profissional do Serviço Social: uma matriz de análise. Serviço
Social & Saúde, Campinas, v. 12, p. 145-156, jul./dez. 2013.
ORTIZ, Fátima Grave. O Serviço Social no Brasil: fundamentos de sua imagem social e da
autoimagem de seus agentes. Rio de Janeiro: E pappers: FABERJ, 2010.
NETO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 8, ed.São Paulo: Cortez, 2013.
______. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós 64. 17. ed. São Paulo:
Cortez, 2015.
SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma
questão em análise. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2014.

70 • capítulo 3
4
A mediação
como categoria
fundamental no
processo de trabalho
do assistente social
4.  A mediação como categoria fundamental
no processo de trabalho do assistente social

Neste capítulo, iremos discutir e refletir sobre o processo de trabalho, que re-
quer o repensar a prática profissional no atual contexto. É necessário retomar
o processo de institucionalização, os avanços teórico-metodológicos da catego-
ria e principalmente situar a profissão nas relações de trabalho.
Iremos refletir sobre o processo de trabalho e as categorias: mediação, análise
de conjuntura como elementos fundamentais na construção de uma prática
fundamentada na análise da totalidade concreta.

OBJETIVOS
•  Refletir sobre a categoria mediação, como elemento de desvelamento para a práti-
ca profissional;
•  Estudar sobre a análise de conjuntura como instrumento de apoio para a leitura da realidade;
•  Refletir sobre o processo de trabalho e o processo contraditório da profissão inserido na
sociedade capitalista.

4.1  Introdução

Refletir sobre a prática profissional remete a pensar nas atribuições, no com-


promisso da categoria com o projeto ético-político da profissão, já trabalhado
em capítulos anteriores. Quantas vezes nos deparamos com a pergunta: “Mas,
afinal, o que faz o assistente social?”, quantos de nós escolhemos a profissão
com a ideia daquilo que foi o Serviço Social no passado: de auxílio à população
excluída, do viés solidário e da caridade, até por que essa concepção da pro-
fissão ainda se faz presente no imaginário popular. Conforme já estudamos, a
profissão trilhou por esses caminhos do favor, da benemerência e com o pro-
cesso de ruptura com o Serviço Social Tradicional elencou um projeto de socie-
dade que visa o acesso as políticas sociais pela lógica do direito.
O Serviço Social é uma profissão reconhecida legalmente como especiali-
zação do trabalho na sociedade, inserida na divisão sócio-técnica do trabalho

72 • capítulo 4
como ramo da atividade apto ao planejamento, execução de programas, pro-
jetos, serviços e políticas sociais seja em órgãos governamentais, fundações,
movimentos sociais ou instituições privadas de abrangência social. Ainda pode
estar inserido no comércio, empresas e como prestador autônomo de serviços
de sua competência, definidas no Código de Ética profissional.
As várias possibilidades de inserção profissional nós chamamos de espaços
ocupacionais, que são o terreno onde o assistente social desenvolve sua ação
mediada pela teoria que direciona a prática. Esse movimento é denominado
processo de trabalho, tema este que será trabalhado no presente capítulo.
Há categorias que são importantes elementos que qualificam a prática pro-
fissional e que serão trabalhadas durante este capítulo como: mediação, análi-
se de conjuntura e ideologia.

4.2  Reflexões sobre o processo de trabalho do assistente social

O assistente social é um trabalhador assalariado, que, inserido no modo de pro-


dução capitalista, vende sua força de trabalho para obter os meios de sobrevi-
vência. Essa relação de venda da sua força de trabalho especializado ocorre no
âmbito de processos e relações de trabalho pelos empregadores que possuem
o controle das condições que são necessárias para a realização do trabalho
profissional. Portanto, as transformações decorrentes do mundo do trabalho,
a retração dos direitos sociais e as alterações nas relações Estado e sociedade
atingem diretamente o fazer profissional.
Atualmente a reflexão sobre a prática profissional tem outras dimensões,
que não compreendem apenas como um conjunto de tarefas, atividades, mas
com ações que possuem uma intencionalidade, objetividade e que levam em
consideração as relações com o empregador, com os usuários e demais profis-
sionais, que buscam constantemente romper com a ideia conservadora que
ainda se tem da profissão.
A prática profissional deve ser pensada com o conjunto de dois condicio-
nantes: o condicionante interno que corresponde à competência profissional
em realizar uma leitura da realidade, criar mecanismos de intervenção e de-
senvoltura para trabalhar em equipe. O segundo condicionante são os fatores
externos, que não dependem exclusivamente do profissional, mas que, de certa
forma, interfere em sua prática, como as relações institucionais, relações do
mercado de trabalho, da demanda, da efetivação ou não das políticas sociais.

capítulo 4 • 73
Esses dois condicionantes devem ser alicerçados nas atribuições que são priva-
tivas do Serviço Social determinadas pelo Código de Ética Profissional de 1993.

No sentido etimológico, a competência diz respeito à capacidade de apreciar, decidir


ou fazer alguma coisa, enquanto a atribuição é uma prerrogativa, privilégio, direito e
poder de realizar algo. Assim, as atribuições privativas são aquelas que se referem
diretamente à profissão, como a atribuição privativa de coordenar cursos, bem como
equipes de Serviço Social nas instituições públicas e privadas. E competências são
aquelas ações que os (as) assistentes podem desenvolver, embora não lhes sejam
exclusivas. (MATOS, 2015, 681).

Portanto, a prática é um elemento constitutivo do profissional, mas, para o


trabalho existir, são necessários os meios de trabalho ou o objeto sobre o que
incide a ação transformadora do trabalho. Iamamoto (2005) diz que a prática
não é somente atender a demanda, cumprir regras, protocolos, orientações téc-
nicas, mas é um processo mais amplo que pressupõe reposta de como fazer,
por que fazer, para quem e quando fazer.
A prática é considerada um trabalho, a transformação de uma matéria pri-
ma a uma matéria útil a sociedade, exigindo a capacidade de refletir, questio-
nar, planejar, executar e avaliar. Contempla a dimensão política no sentido da
efetivação da democracia, na gestão do trabalho, abrangendo os interesses da
população, e a dimensão ideológica que visa a efetivação dos direitos sociais,
civis e políticos.
O Serviço Social é uma profissão interventiva, suas ações enfrentam situa-
ções reais que requerem respostas objetivas, o chão da prática profissional é o
cotidiano, portanto temos um terreno fácil para cair nas armadilhas do imedia-
tismo e da alienação.
O refinamento da dimensão teórico-metodológica requer o suporte de um
conjunto de conhecimentos científicos que segundo Pontes (2010) estão ex-
pressos na seguinte matriz:
a) A teoria Social: que traz no seu bojo um método, um arcabouço de ca-
tegorias organicamente articuladas, que propicia um conhecimento do ser so-
cial, bem como da possibilidade de captação de direções a serem assumidas na
intervenção do real;

74 • capítulo 4
b) O projeto de sociedade: que se pretende atingir, ou seja, a direção te-
leológica que busca a construção de uma ordem social superior, sendo, portan-
to, uma dimensão de natureza teórico-política;
c) O projeto profissional: não deve ser confundido com o projeto de so-
ciedade; o projeto profissional refere-se propriamente as particularidades da
profissão: sua inserção na sociedade, a relação entre demanda institucional e
demanda profissional, a perspectiva teórico-metodológicas dos projetos pro-
fissionais existentes nos diferentes espaços de trabalhos.
d) O instrumental teórico-técnico de intervenção: constitui o corpo de
conhecimentos ligado a dimensão operativa da profissão, ou seja, refere-se
ao instrumental técnico que a profissão utiliza para viabilizar o atendimen-
to das demandas institucionais, conjugado com o componente técnico da
ação profissional.

Para o autor a articulação desses componentes torna factível a profissiona-


lidade do Serviço Social, tanto no plano do reconhecimento social, quanto nos
da própria autorrepresentação do profissional.
Segundo Iamamoto (2011) a reprodução das relações sociais na sociedade
capitalista, a partir da teoria social crítica é entendida como reprodução da to-
talidade concreta desta sociedade em seu movimento e contradições.
Apenas para retomar o conteúdo que já foi abordado, em relação ao proces-
so de reprodução das relações sociais não se refere apenas a reprodução das
relações de trabalho e dos meios materiais de produção, é muito mais amplo
envolvendo, a reprodução das relações produtivas sociais do trabalho, envol-
vendo os trabalhadores e suas manifestações de enfrentamento e lutas sociais,
as relações de poder, ao conflito de classes, da vida espiritual, trazendo movi-
mentos contraditórios.
O Serviço Social buscou a superação do seu viés conservador com o movi-
mento de ruptura, porém, com o direcionamento político neoliberal das políti-
cas sociais e econômicas, as contradições inseridas no projeto profissional e no
direcionamento das políticas muitas vezes levam os profissionais a cometerem
equívocos na relação teoria e prática e ainda reproduzirem uma prática conser-
vadora. O Serviço Social contrapõe-se ao direcionamento liberal e conservador
no exercício profissional.
A prática não pode ser concebida como uma relação singular, individuali-
zada entre o profissional e o indivíduo, é necessária uma análise profunda dos

capítulo 4 • 75
processos históricos, do processo de produção e reprodução social, das tramas
sociais, do processo histórico da profissão e das questões sociais. Sem essas
análises, o empirismo enviesado com o positivismo pode transformar a ação
profissional em meras técnicas, ou métodos que visam apenas o ajustamento
do indivíduo. Levando ao empirismo profissional, onde se sabe fazer, mas não
se sabe dizer o porquê e o para que sob a alegação de que o Serviço Social não
é filosofia.
Na atualidade, um dos maiores desafios da profissão é o constante exercício
de decifrar a realidade e ser um profissional propositivo, capaz de elaborar res-
postas profissionais alicerçadas no projeto profissional do Serviço Social numa
sociedade cada vez mais gerida pelo modo de produção capitalista e pelo indi-
vidualismo neoliberal. Sobre a sociabilidade neoliberal, elencamos um texto
para reflexão disposto ao final desse capítulo que traz importantes elementos
para a compreensão do tema.
Para tanto, é necessário superar a atitude fatalista, de resistência as mudan-
ças, ao pragmatismo que aprisiona numa prática alienante, sem intenciona-
lidade. Como também evitar o que Iamamoto (2005) chama de messianismo
profissional, como se a profissão fosse a salvadora da pátria e a tábua da salva-
ção de todos as mazelas sociais.

4.3  Mediação e o Serviço Social

Refletimos, em capítulos anteriores, que a profissão foi instituída no Brasil


com o suporte do Estado, do empresariado e influência dogmática da Igreja Ca-
tólica como recurso no enfrentamento da questão social oriundos do processo
de implantação do capitalismo industrial no país. Nos países industrializados,
a profissão está fortemente vinculada com a intervenção do Estado na regula-
ção social do conflito capital e trabalho.
No Brasil, com o movimento de reconceituação e a aproximação da teoria
marxista, a profissão inicia um processo de construção de um conhecimento
específico vinculado a própria natureza do Serviço Social, começa nesse perío-
do um distanciamento das vertentes positivistas-funcionalistas. Muitos auto-
res colocam que essa primeira aproximação chegou desconfigurada tanto na
sua forma teórico-política quanto em relação à estrutura metodológica.
Na segunda década de 1980, a metodologia passa por um processo de mo-
dificação na profissão deixando para trás as fórmulas, técnicas, os processos e

76 • capítulo 4
procedimentos passando para a construção da metodologia pelo viés da teoria
marxista e suas categorias. Esse amadurecimento teórico profissional é expli-
citado por vários movimentos internos na categoria como: pela propositura
de um novo currículo formativo, a revisão e posteriormente a implantação do
Código de Ética de 1986 e principalmente pela academia, através do considerá-
vel aumento das publicações e das pesquisas nesse período.

O amadurecimento da vertente de inspiração crítico dialética do Serviço Social, não


exclusivamente, mas certamente que deve ao adensamento da análise metodológica,
que propiciou o inicio, senão de um processo de superação, pelo menos de questio-
namento de alguns sérios equívocos no seio da profissão, tais como o voluntarismo, o
messianismo, o fatalismo, o ecletismo, a negação da instituição e da assistência social
como espaço de possibilidades de ação transformadora. (PONTES, 2010, p.158).

O método dialético marxista foi o ponto que mais houve deturpações no


seu entendimento, esses equívocos ocorreram pelas dificuldades na tradução
das obras, pela dificuldade de acesso a livros e pela aproximação do marximos
-leninismo no modelo soviético utilizado como modelos e fórmulas prontas,
cristalizando a capacidade de desvendamento dos fenômenos sociais. Nesse
sentido a não aproximação com a categoria mediação como parte integrante
do método marxista, ocasionou essa desconfiguração na estrutura do método,
considerando que a mediação é a categoria central na articulação entre as par-
tes de uma totalidade complexa e é responsável pela passagem entre o imediato
e o mediato.

CONCEITO
O termo Categoria refere-se à vertente materialista histórico-dialético, que refere que as
categorias são formas de conceito que refletem as propriedades essenciais dos objetos,
dos fenômenos e constituem numa expressão abstrata das relações sociais que os homens
constroem e vivem.
Essas análises são de extrema importância para a profissão que trabalha, muitas ve-
zes, com demandas de extrema miséria, violência e em condições muitas vezes precária
de trabalho.

capítulo 4 • 77
Compreender, refletir sobre a categoria mediação possibilita ao profis-
sional sair das aparências do que é vivido no cotidiano para uma articulação
com o processo histórico de exclusão social. A mediação equivale como um fio
condutor por onde fluem as relações entre as várias instâncias da vida social,
da realidade concreta, que possibilitam seu desvelamento e a concepção da
realidade como totalidade. Como categoria intelectiva ela permite, mediante
a análise do real, a razão construir categorias que auxiliam a compreensão da
ação profissional.
Portanto, o profissional de Serviço Social atua tanto com, como nas media-
ções, o mesmo é um articulador e potencializador das mediações. Na obra de
Pontes (2010), o autor faz uma avaliação dos autores que se apropriaram da teo-
ria marxista e avalia que a produção teórica:
•  Contribuiu para a reconstrução teórica da inserção social da profissão
na sociedade;
•  Buscou a particularização do campo de intervenção profissional do assis-
tente social nas políticas sociais do promovidas pelo Estado;
•  Trabalhou no sentido de captar as mediações da área por excelência, que
demanda a ação profissional dos assistentes sociais: a assistência social;
•  Ampliou a qualificação metodológica para a ação profissional no espaço
socioinstitucional na questão da instrumentação técnica do Serviço Social;
•  Buscou compreender e potencializar as possibilidades e limites da di-
mensão política da prática do assistente social.

A categoria de mediação possui a dupla natureza: ela é reflexiva e ontológica,


ontológica pelo fato de serem recriadas pela razão a partir do real, Iani (1986)
apud Pontes (2010) afirma que a razão recria as categorias que se colocam na
estrutura do ser social, e neste processo busca fielmente retratar o movimento.
A natureza reflexiva refere-se àquelas que não expressam as formas de ser, por-
que não são abstraídas do real, mais se constituem em estruturas lógicas que a
razão cria, ligadas predominantemente ao imediato que servem a razão como
recursos essenciais para a tarefa do conhecer o real.
Pontes (2010) assinala que o equívoco da apropriação da profissão ao mé-
todo dialético reside na forma como foi feita a apropriação da totalidade, que,
muitas vezes, foi tomada como soma das partes em face de um todo (estrutura),
no entanto, o autor coloca que a despeito do avanço de apreender a realidade
como totalidade em movimento, esta análise nem sempre conseguiu apanhar,

78 • capítulo 4
com o rigor ontológico o rigor necessário, as mediações, que são as moventes
passagens entre as partes (complexos) em face de uma totalidade (complexos
que se constitui na soma de outros complexos mais abrangentes).
O Serviço Social em sua ação traduz mediações à medida que possibilita a
passagem da exclusão, do não uso ou usufruto de bens e serviços da sociedade,
para a inclusão e usufruto efetivos. Não deixando se levar pelas aparências do
imediato, mas desvelando a essências das contradições existentes numa socie-
dade que se mostra cada vez mais enraizada numa sociabilidade neoliberal,
conservadora e excludente.

4.4  Análise de conjuntura

A análise de conjuntura é um recurso de análise da realidade, que não é ex-


clusividade do Serviço Social; várias profissões podem se utilizar desse meio
para elucidar as dinâmicas do real.
Conjuntura significa um conjunto de elementos, que constituem uma solu-
ção ou um problema presente.
É utilizada desde os primórdios da humanidade, onde estudiosos da área
da matemática e da física através da observação dos astros e dos fenômenos na-
turais desenvolveram e formularam teorias, cálculos racionalizando o conheci-
mento sensível.
Para Wanderley (2001), a análise de conjuntura significa o resultado de re-
cortes que se fazem no tempo e no espaço e que acontecem em todos os cam-
pos constitutivos inter e intra-sociedades.
A análise de conjuntura busca a compreensão de uma dada situação, de
um determinado objeto de estudo levando em consideração suas estruturas
e complexidades.

Toda conjuntura expressa, de algum modo, a combinação de elementos objetivos e


subjetivos, a (des) integração entre passado, presente e futuro, as sínteses e dissipa-
ções entre teoria e prática, utopia e ideologia (Wanderley, 2001, p.5),

Porém, as análises devem contemplar e articular com os aspectos históri-


cos, sociais, econômicos, não há análise de conjuntura neutra, isenta, sempre
será relacionada a determinada visão, podemos afirmar que é um ato político.

capítulo 4 • 79
A mesma é um elemento fundamental para a transformação da realidade, deve
ser considerada na avaliação, planejamento e elaboração de estratégias e táti-
cas das diversas forças em luta.
Há dois modos de leitura da conjuntura, que são a partir da situação ou pon-
to de vista do poder dominante ou partindo da situação ou do ponto de vista dos
movimentos populares, das classes subordinadas.
Sempre serão levados em consideração as informações disponíveis sobre o
assunto, a questão ou o tema analisado, sendo assim ela é parte de um conjun-
to resultante das informações e do próprio conhecimento.
O sociólogo Hebert de Souza, em sua clássica obra Como se faz análise de
conjuntura, coloca que são necessárias algumas categorias ou ferramentas
indispensáveis para a análise de conjuntura, que são: os acontecimentos, os
cenários, os atores, a relação de forças e a articulação entre estrutura e conjun-
tura, cujos conceitos abordaremos a seguir.

AUTOR
Hebert de Souza foi um sociólogo que trouxe várias contribuições para a sociedade brasi-
leira, era ativista dos direitos humanos, lutou e mobilizou a causa contra a fome e a miséria,
apresentou estudos sobre o mapa da fome no Brasil, como socialista lutou contra a ditadura
brasileira e se exilou, ele mais dois irmãos eram hemofílicos e durante as transfusões de san-
gue contraiu AIDS, doença que ocasionou sua morte. Acesse o documentário da TV Brasil:
<https://www.youtube.com/watch?v=kqC-sI-jrMI>

•  Acontecimentos: acontecimentos não são fatos, para diferenciar é impor-


tante saber que acontecimentos necessariamente afetam a vida da sociedade,
como por exemplo: eleições, catástrofes, greves. Indicam sempre certos senti-
dos, revelam a percepção que uma sociedade ou grupo social tem da realidade
ou de si mesmo. Identificar os principais acontecimentos num determinado
momento ou período de tempo é um passo fundamental para se caracterizar e
analisar a conjuntura.
Cenários: são os espaços nos quais se desenvolvem as tramas sociais e a po-
lítica, podem se deslocar, de acordo com o desenvolvimento da luta, apresen-
tam particularidades que influenciam seu movimento, a mudança no cenário
muitas vezes implica uma mudança de processo.

80 • capítulo 4
O autor cita o exemplo da ditadura militar, que possui cenário de luta dife-
rente do de uma democracia; no primeiro deles num quartel e no segundo nas
ruas e praças.
Atores: são aqueles que representam um papel dentro de um enredo, de
uma trama de relações. Não se limitam somente as pessoas ou grupos sociais,
as instituições também se configuram como atores sociais, assim como uma
determinada classe social, jornais, rádios, a televisão, igrejas.
Relação de forças: as relações entre grupos, classes sociais e atores podem
ser de confronto, de coexistência ou de cooperação e sempre revelarão uma re-
lação de forças, que poderá ser de domínio, de igualdade ou de subordinação.
As relações de forças sofrem mudanças permanentemente, não são imutáveis.
Análise de fatos, eventos tendo como pano de fundo a articulação entre
estrutura e conjuntura: todos os acontecimentos e ações desenvolvidos pelos
atores sociais, que definem uma conjuntura, não ocorrem no vazio, pois se re-
lacionam com a história, com o passado, com as relações sociais, econômicas
e políticas que foram estabelecidas durante um processo mais longo. O conhe-
cimento das formas de controle político existente na formação social de uma
dada sociedade, também se constitui como um elemento de destaque na aná-
lise de conjuntura.

CONEXÃO
O professor José Paulo Netto faz uma análise de conjuntura do processo político brasileiro;
a palestra foi apresentada no programa de pós-graduação da Universidade de Brasília. Aces-
se: <https://www.youtube.com/watch?v=xJnbJYKq6O4>.

Outras categorias que também devem ser levadas em consideração é o re-


conhecimento do conjunto de forças e problemas por trás dos acontecimentos
e a identificação de quais as forças, movimentos, contradições e condições o
geraram. Nem sempre esses fatores que compõe os acontecimentos estão cla-
ros, exigindo certo esforço para sua identificação, e analisando o verdadeiro
sentido. A análise das estratégias em jogo também deve ser considerada, uma
vez que a estratégia é utilizada para identificar as intenções dos grupos e das
classes sociais.

capítulo 4 • 81
4.4.1  Breves reflexões sobre a ideologia

O assistente social no exercício de sua atribuição deve ter um bom conhecimen-


to sobre o processo histórico, político e cultural, sobre as formas de reprodução
e produção da sociedade entre outros.
Toda prática social é determinada por um jogo de forças, pelo grau de cons-
ciência de seus atores, por uma visão de mundo, pelo contexto onde a prática se
dá, pelas estratégias e mediações.
A história não é uma sucessão de fatos no tempo, não é o progresso das
ideias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas
criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transfor-
mam essa existência social que é econômica, política e cultural, a história é
práxis. No grego, práxis significa um modo de agir no qual o agente, sua ação e
o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns
dos outros, não sendo possível superá-los.
Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade por meio de instituições
determinadas como: a família, o trabalho, a educação e as instituições religio-
sas, os homens produzem ideias ou representações pelas quais procuram ex-
plicar e compreender sua própria vida individual social, suas relações com a
natureza e com sobrenatural.
Esses modos de sociabilidade produzem ideias ou representações sociais
pelas quais se sentem pertencentes a um determinado grupo social e ao mes-
mo tempo criam sua identidade individual e social.
Essas ideias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos ho-
mens o modo real como as suas relações sociais foram produzidas e a origem
das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. A esse
ocultamento da realidade chamamos de ideologia.
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações
(ideias e valores) e das normas ou regras (de conduta) que indicam e prescre-
vem aos membros da sociedade o que devem e como devem pensar, o que de-
vem e como devem valorizar, o que devem e como devem sentir, o que devem
e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo de representações e
prático que estabelecem as normas, as regras e os preceitos, de caráter prescri-
tivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade
dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políti-
cas, culturais, sem jamais atribuir à divisão da sociedade em classes, a partir

82 • capítulo 4
das divisões da esfera da produção. Muito pelo contrário, a função da ideologia
é a de apagar as diferenças, e de fornecer aos membros da sociedade o senti-
mento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de
todos e para todos, como por exemplo: a humanidade, a liberdade, a igualdade,
a nação ou o Estado.

LEITURA
IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social em tempo de capital fetiche: capital finan-
ceiro, trabalho e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
A presente obra é leitura obrigatória para a compreensão das mediações entre a questão
do trabalho profissional e a questão social à luz da teoria critica. Faz uma extensa reflexão so-
bre a radicalização das expressões da questão social e seu impacto no exercício e formação
profissional. É uma característica de todas as produções da autora problematizar também a
questão da formação profissional, o que enriquece a leitura. A autora é assistente social e
possui vasto conhecimento sobre a questão do processo de trabalho profissional.

PONTES, Reinaldo. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a catego-


ria teórica e sua apropriação pelo Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
O professor Reinaldo Pontes é assistente social, e o livro é o resultado da sua pesquisa de
mestrado com a orientação do professor José Paulo Netto, apresentada na PUC-SP. O mesmo
apresenta a mediação como categoria metodológica, a luz da teoria marxista na tradição luck-
csiana. O domínio da categoria mediação se faz importante para o desvelamento do cotidiano,
apreensão do real, com a perspectiva de mudança e de transformação social. É uma obra que
necessita de uma leitura apurada e atenta, questões que a complexidade do tema exige.

SOUZA, Hebert José. Como se faz análise de conjuntura. 26 ed. Petrópolis: Vozes,
2005.
Hebert de Souza, mais conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos
humanos que lutou contra a miséria e a fome. O livro é uma referência em relação à metodo-
logia de análise de conjuntura, o mesmo é utilizado em várias áreas do conhecimento.

capítulo 4 • 83
ATIVIDADES
01. Assinale a alternativa correta:
O aumento da demanda e a escassez de verbas levam os profissionais a desempenhar a
tarefa de selecionar aqueles que terão acesso ao serviço, através do levantamento de infor-
mações sobre a vida do usuário. Assim coloca-se uma contradição, ainda que os profissionais
procurem socializar as informações na perspectiva da universalidade dos serviços sociais, na
hora de repassar o recurso material, sua ação se pauta num processo de seletividade dos
serviços. Isso mostra que o direcionamento do discurso profissional não é suficiente para
romper a lógica fragmentária dos serviços assistenciais. A perspectiva do direito social, ainda
que seja enfatizada no discurso do profissional que repassa o recurso, é atropelada pela
seletividade imposta pela instituição.
É no cotidiano da prática do assistente social que as dimensões da profissão se confron-
tam, se entrecruzam e se complementam. Com base nas reflexões apresentadas, as duas
dimensões evidenciadas são:
Fonte: Prova do ENADE de Serviço Social – 2013

a) técnico-operativa e teórico-metodológica.
b) teórico-metodológica e a intersetorialidade.
c) teórico-metodológica e ético-política.
d) ético-política e técnico-operativa.
e) ético-política e a intersetorialidade.

02. Desde 1980, a análise do significado social da profissão está centrada no processo
de reprodução das relações sociais, sustentando que a questão social é indissociável das
relações sociais capitalistas, nos marcos da expansão monopolista e de seu enfrentamento
pelo Estado. O processo de renovação crítica do Serviço Social é vivenciado internamente na
categoria profissional, exigindo dos profissionais o entendimento da sua posição na divisão
sócio-técnica do trabalho.
IAMAMOTO, M. V. A Questão Social no Capitalismo. In: TEMPORALIS. Revista da As-
sociação Brasileira de Ensino e Pesquisa. ABEPSS. Ano II, nº 3, janeiro a junho de 2001
(adaptado).
Fonte: Prova ENADE Serviço Social 2013.
Considerando o contexto apresentado, conclui-se que o Serviço Social:
a) pela sua trajetória histórica conservadora, edificou um projeto homogêneo de fortaleci-
mento do tradicionalismo profissional e seu ideário conservador.

84 • capítulo 4
b) sob a perspectiva profissional, é fruto do processo de produção e reprodução das re-
lações sociais e, por isso, afirma-se como uma especialização do trabalho coletivo no
quadro do desenvolvimento industrial e da expansão urbana.
c) pela sua especificidade, constitui uma planificação do trabalho coletivo no quadro do
desenvolvimento industrial e da expansão urbana.
d) pela sua trajetória liberal, constitui uma especialização do trabalho individual no quadro
do desenvolvimento industrial e da retração urbana.
e) sob a perspectiva profissional, está à parte do processo de produção e reprodução das
relações sociais, portanto, não constitui uma especialização do trabalho coletivo.

03. Acesse e leia minuciosamente o seguinte arquivo:


IAMAMOTO, Marilda Vilela. As dimensões ético-política e teórico-metodológica
no serviço social contemporâneo. In: Serviço Social e Saúde: formação e trabalho
profissional. São José, Costa Rica, XVIII Seminário latino-americano de Escuelas de Trabajo
Social, p. 17-50, ALAETS. 2004. Disponível em: <http:// www.fnepas.org.br/pdf/servico_
social_saude/texto2-2.pdf>.
Instruções:
A partir da leitura do texto, elabore uma dissertação baseada na seguinte reflexão:
O serviço social tem na questão social a base de sua fundação enquanto especialização
do trabalho e o assistente social, por meio da prestação de serviços socioassistenciais nas
organizações públicas e privadas, interferem nas relações sociais cotidianas no atendimento
as mais variadas expressões da questão social vividas pelos indivíduos sociais no trabalho, na
família, na luta pela moradia e pela terra, na saúde, na assistência social pública.

REFLEXÃO
Sociabilidade neoliberal
André Silva Martins

Sociabilidade é uma expressão empregada na produção acadêmica em diferentes sen-


tidos. Em geral, é relacionada às análises sobre os modos de viver e de ser em sociedade,
em comunidades ou em pequenos grupos sociais. Historicamente, o conceito de sociabilida-
de vem sendo disputado por diferentes correntes de pensamento presentes no debate das
ciências sociais.

capítulo 4 • 85
Em autores clássicos encontramos importantes formulações que oferecem elementos
para a compreensão do alcance teórico do conceito de sociabilidade e, de modo particular,
do significado de sociabilidade neoliberal tão presente na atualidade.
As formulações de John Locke (1632 a 1704) representam um marco no pensamento
político. Suas ideias serviram de base para as lutas da burguesia contra o absolutismo e
mais tarde inspiraram a doutrina liberal, sobretudo em suas formulações sobre Estado. Em
seus escritos políticos é possível localizar registros importantes para traçarmos a gênese do
conceito em questão.
Para Locke todos os homens seriam iguais e independentes por natureza, ninguém po-
deria/deveria prejudicar ou ameaçar os 'direitos naturais' do outro, principalmente o 'direito
natural' à propriedade, pois ela faria parte da constituição do próprio indivíduo, estando rela-
cionada à condição de sobrevivência do ser e da humanidade. No pensamento lockeniano,
liberdade e propriedade seriam, portanto, indissociáveis.
Para ele, a propriedade estaria ligada ao 'estado de natureza', teria surgido antes mes-
mo da sociedade. No pensamento lockeniano, a expansão da propriedade privada, mesmo
criando a desigualdade entre os homens, não violaria o preceito da 'lei natural'. A teorização
de Locke indica ainda que o modo de vida (sociabilidade) seria constituído para o indivíduo
e pelo indivíduo (seres isolados e racionais) e, num segundo plano, pelo 'contrato social', ou
seja, um acordo coletivo entre indivíduos para preservar os 'direitos naturais' de cada um,
formando, assim, a sociedade e o Estado (centro de poder). Considerando que o indivíduo
vem antes da sociedade, a delimitação da sociabilidade envolveria dois planos: no primeiro
pelo individualismo; num segundo plano, pelo contrato social, cujo foco seria a preservação
da propriedade.
A perspectiva liberal de sociabilidade foi tratada também por outro importante formula-
dor político, Adam Smith (1723 a 1790). Em alguns de seus escritos encontramos outras
referências para delimitar a gênese do conceito. Suas formulações não se restringiram ao
contexto de sua época, ultrapassaram o tempo, inspirando ações políticas para afirmar um
padrão capitalista de sociabilidade.
Para Smith, os homens organizariam o seu modo de vida em sociedade com base em
preceitos naturalmente preestabelecidos pela ordem natural das coisas, reafirmando as
ideias de Locke. Os indivíduos seriam regidos por uma racionalidade baseada em interesses
privados e na busca incessante do lucro, de maneira egoísta, mas produtiva, cujas repercus-
sões seriam positivas para todos. A associação entre indivíduos obedeceria a uma lei natural
e necessária de obtenção ou preservação do lucro. A 'mão invisível' do mercado seria a força
ordenadora das relações sociais e das condutas individuais. Para legitimar o individualismo,
Smith defendia que o somatório dos esforços de cada indivíduo de uma sociedade represen-
taria um resultado positivo para toda a sociedade, uma vez que haveria um aumento geral da

86 • capítulo 4
riqueza beneficiando a todos, ainda que indiretamente e de forma desigual. Partindo do pres-
suposto de que a propriedade, a liberdade e a vida existiriam naturalmente antes da orga-
nização dos homens em sociedade, Smith acreditava que as regras e as condutas pessoais
deveriam ser preservadas e incentivadas como referências para o perfeito funcionamento de
qualquer sistema social. O interesse próprio seria o ponto fundamental do ordenamento das
relações sociais, envolvendo trabalho e vida em todas as suas dimensões. A esse respeito
Smith argumentava que:
Numa sociedade civilizada o homem necessita constantemente da ajuda e cooperação
de uma imensidade de pessoas, e a sua vida mal chega para lhe permitir conquistar a amiza-
de de um pequeno número. Em quase todas as outras espécies animais, cada indivíduo, ao
atingir a maturidade, é inteiramente independente, e, no seu estado normal, não necessita
da ajuda de qualquer outro ser vigente. Mas o homem necessita quase constantemente do
auxílio dos seus congêneres e seria vão esperar obtê-lo somente da sua bondade. Terá maior
probabilidade de alcançar o que deseja se conseguir interessar o egoísmo deles a seu favor
e convencê-los de que terão vantagem em fazer aquilo que ele deles pretende. Quem quer
que propõe a outro um acordo de qualquer espécie, propõe-se conseguir isso. Dá-me isso,
que eu quero, e terás isto, que tu queres, é o significado de todas as propostas desse gênero;
e é por esta forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos favores e serviços de
que necessitamos. Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que
podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio inte-
resse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o egoísmo, e nunca lhes falamos das
nossas necessidades, mas das vantagens deles. Ninguém, a não ser um mendigo, se permite
depender essencialmente da bondade dos seus concidadãos. Até mesmo um mendigo não
depende inteiramente dela. (1981, p. 94/95, grifo nosso).
Nessa lógica, o individualismo marcaria o modo de vida dos homens e mulheres, sendo a
base do equilíbrio social e do funcionamento de toda a sociedade.
Fonte: Dicionário da educação profissional em saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Acesso em:
02 fev. 2016.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATTINI, M. V. O. A prática profissional do assistente social: teoria, ação, construção do
conhecimento. Volume I. São Paulo: Veras Editora, 2009.
CARVALHO, Raul de; IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações sociais e Serviço Social no Brasil:
esboço de uma interpretação histórico-metodológica, 41 ed. São Paulo: Cortez, 2014.

capítulo 4 • 87
DURIGUETTO, M. L.; MONTAÑO, Carlos. Estado, classe e movimento social. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2011. Biblioteca básica do Serviço Social; v.5.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
______. O serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social.
6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
GENTILLI, Raquel. Representações e práticas: identidade e processo de trabalho no Serviço Social.
3 ed. São Paulo: Veras, 2012.
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GRANEMANN, Sara. Processos de trabalho e Serviço Social. In: Capacitação em Serviço Social.
Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CFESS/Abepss/Cead. 1999, v. 2.
GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. 2. ed. São Paulo, Cortez, 1995.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 8. ed.São Paulo: Cortez, 2013.
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MATOS, Maurílio Castro de. Considerações sobre atribuições e competências profissionais na
atualidade. In: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo: n. 124, p. 678-698, out./dez. Cortez,
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PONTES, Reinaldo. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua
apropriação pelo Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SOUZA, Hebert José. Como se faz análise de conjuntura. 5. ed. Petropólis: Vozes, 1987.
SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma
questão em análise. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2014.
VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área
da saúde. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

88 • capítulo 4
5
O assistente social
como trabalhador
assalariado:
Perspectivas e
possibilidades
5.  O assistente social como trabalhador
assalariado: Perspectivas e possibilidades.

Nossa reflexão neste último capítulo irá problematizar as transformações no


mundo do trabalho contrapondo com os rebatimentos na profissão, conside-
rando que o assistente social é um trabalhador assalariado, e que está inserido
no processo de exploração do seu trabalho pelo modo de produção capitalista.
Trataremos, neste tópico, não apenas da natureza dos espaços ocupacio-
nais como também do processo de inserção dos profissionais nesses espaços,
procurando refletir sobre os determinantes históricos que procuram legitimar
a inserção profissional em determinados campos de atuação. Para finalizar,
apresentaremos uma breve contribuição para a elaboração de projetos de tra-
balho como elemento estratégico de materialização do projeto ético-político.

OBJETIVOS
•  Refletir sobre a questão do assistente social como trabalhador assalariado;
•  Analisar os possíveis os espaços ocupacionais, refletindo sobre as possibilidades e desa-
fios para a implementação do projeto societário da categoria;
•  Analisar as possibilidades de implementação de projetos de trabalho vinculados a materia-
lização do projeto societário do Serviço Social.

5.1  Introdução

Para finalizar a discussão sobre o processo de trabalho do Serviço Social, é impor-


tante deixar claro que não existe um processo específico que caracterize o trabalho
do Serviço Social, considerando que o trabalho é uma atividade do sujeito vivo, que
realiza suas capacidades de transformação, existe um trabalho do assistente social e
processos de trabalho nos quais se coloca na condição de trabalhador especializado.
O assistente social, ao efetivar o exercício profissional em espaços ocupacionais
diferentes, são exigidas competências e atribuições específicas em diferentes con-
textos. Podemos afirmar que existem diferentes processos de trabalho nos quais os
profissionais podem ser inseridos. Iamamoto (2009) aponta que analisar a questão

90 • capítulo 5
do trabalho não deve ser feito isolando o assistente social do conjunto dos trabalha-
dores, a autora enfatiza que o assistente social deve compor a luta do conjunto dos
trabalhadores, que sofrem perdas em direitos que foram duramente conquistados.
As novas demandas de trabalho exigem que o profissional ultrapasse a esfe-
ra meramente executiva, utilizando sua capacidade criativa e o conhecimento
adquirido deve culminar em propostas inovadoras que contemplem o plane-
jamento, a coordenação, a gestão com objetivos próprios a serem alcançados
num projeto de intervenção.
Atender essas demandas requer a ruptura com a tradicional prática buro-
crática, rotineira e mecanicista, não somente para atender o mercado que exi-
ge várias habilidades, mas também como sinônimo de habilidade profissional
para lidar com as novas demandas e conquistar novos espaços de trabalho.
Como já abordamos em capítulos anteriores, desde a década de 1980 a profis-
são teve um avanço significativo em relação ao aumento e qualidade da produção
científica, o fortalecimento e o reconhecimento da sua representatividade em ní-
vel internacional e a construção pela categoria do projeto societário e o projeto
ético político, essas conquistas se deram com o processo de amadurecimento e
compromisso da profissão. Neste sentido abordaremos também sobre natureza
dos espaços ocupacionais e os elementos para a construção de projetos de traba-
lho que reafirmem a materialidade do projeto ético-político da profissão.

5.2  Transformações no mundo do trabalho: o assistente social como


trabalhador assalariado

O processo de alteração das relações do trabalho foi abordado por Ricardo An-
tunes na sua obra Adeus ao mundo do Trabalho, a qual se tornou alvo de debate
e reflexão pela categoria. A referida obra trata do processo de flexibilização do
trabalho e dos direitos, conformando a nova morfologia do trabalho no proces-
so de reestruturação produtiva.
Observamos na contemporaneidade as alterações do sistema fordista, onde
a produção em série e o controle do tempo e do movimento caracterizam esse
modelo para o sistema Toyotista através da produção em equipe com a utilização
de recursos tecnológicos como um processo que alterou significativamente as
relações de trabalho. O sistema capitalista busca sempre a maior produtividade
com o menor custo possível, e com a introdução do modelo japonês (Kanban,
JIT, controle de qualidade total, gestão participativa) introduziram a flexibiliza-
ção da produção exigindo as multifuncionalidades dos trabalhadores.

capítulo 5 • 91
A mecanização agrícola e a incorporação tecnológica da produção elimina-
ram milhares de postos de trabalho. Não podemos deixar de refletir que vários
estudos e pesquisas apontam que, ao longo dos anos, milhares de postos de tra-
balho no setor agrário foram eliminados e, em grande maioria, são trabalhado-
res que possuem baixa escolaridade e baixa qualificação profissional. Mesmo
com a incorporação de trabalhadores mais qualificados para operarem máqui-
nas, a quantidade é muito inferior em relação aos postos de trabalhos extintos.
Essas alterações repercutem na organização e representação sindical fragi-
lizando o conjunto de trabalhadores na capacidade de fazer frente a defesa de
seus direitos, bem como criam outras categorias como os terceirizados, tempo-
rários, informais, formando um imenso exército de reserva com pouca capaci-
dade de mobilização.
Sabemos que a questão social e suas múltiplas expressões é o objeto de tra-
balho do assistente social, é importante neste sentido reconhecer que um dos
aspectos da questão social é a ampliação do desemprego em massa, o processo
contínuo de precarização das relações de trabalho.
Raichellis (2011) coloca que essas alterações nas relações de trabalho não
atingem somente as classes operárias, mas todo o conjunto de trabalhadores, o
trabalho do assistente social também é atingido por toda dinâmica do processo
de precarização, seja ela executado no setor público, seja no privado.

Essa dinâmica de flexibilização/precarização atinge também o trabalho do assistente


social, nos diferentes espaços institucionais em que se realiza, pela insegurança do
emprego, precárias formas de contratação, intensificação do trabalho, aviltamento dos
salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência
de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e
ascensão na carreira, ausência de políticas de capacitação profissional, entre outros.
(RAICHELLIS, 2011, p.422).

Reconhecer o assistente social como trabalhador assalariado, coloca a pro-


fissão no movimento de luta e resistência da classe trabalhadora, uma vez que
o trabalho não é uma atividade isolada de um individuo, mas uma atividade
coletiva de caráter social.
Iamamoto (2007) apud Raichellis (2011) faz uma análise da dupla dimen-
são do trabalho do assistente social como trabalhador assalariado e do caráter

92 • capítulo 5
social do trabalho, coloca como sendo a primeira dimensão enquanto traba-
lho útil atende as necessidades sociais, efetivando-se através das relações com
outros homens, incorporando o legado material e intelectual de gerações pas-
sadas, ao tempo que se beneficia das conquistas atuais das ciências sociais e
humanas, e a segunda dimensão coloca que só poderá atender as necessidades
sociais se seu trabalho puder ser igualado a qualquer outro trabalhador abstra-
to, possibilitando que esse trabalho privado adquira um caráter social.
O profissional contratado pelas instituições empregadoras (que vende sua
força de trabalho em troca de um salário) se insere no mercado apenas como
proprietário da sua própria força de trabalho, que é especializada fruto do pro-
cesso de uma formação especializada, dotado de qualificações especificas den-
tro das várias áreas do conhecimento. Para tanto, o profissional que tem como
mercadoria sua força de trabalho, somente poderá exercer sua atividade labora-
tiva se dispuser de meios e instrumentos de trabalho, que deverá ser colocado a
disposição pelos empregadores.

5.3  Espaços ocupacionais e Serviço Social

A profissão ao longo de seus 80 anos de implantação no Brasil viveu momentos


de ampla inserção, principalmente com o processo de aparelhamento do Esta-
do no governo Getúlio Vargas (Estado Novo), e a institucionalização da política
de assistência social com a criação da estrutura administrativa do Conselho
Nacional de Assistência Social e da Legião Brasileira de Assistência. Esse pro-
cesso de absorção da profissão continuou no período de desenvolvimentismo
econômico. Nesses períodos, a oferta de trabalho era relativamente maior que
a demanda de profissionais, tendo em vista o pequeno número de Instituições
de Ensino Superior que possuíam o curso de Serviço Social.
Com as alterações no padrão de acumulação capitalista ocorrida nos inícios
dos anos de 1970, principalmente em resposta a crise do capital mundial, há uma
profunda alteração nas bases de produção que inserem a tecnologia no processo
de trabalho, alterando consideravelmente a relação trabalhista, aliado a adesão
do governo brasileiro em 1989 com as prerrogativas estabelecidas com o pacto
firmado no Consenso de Washington. Nessa pactuação, as instituições financei-
ras FMI e Banco Mundial recomenda medidas, diga-se de passagens de cunho
liberal, para os países latinos americanos saírem da crise. Foram formuladas dez
regras pelos economistas, sendo: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos,

capítulo 5 • 93
reforma tributária, juro de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, in-
vestimento estrangeiro direto, privatização das estatais, desregulamentação das
leis econômicas e trabalhistas, direito a propriedade intelectual.

CONEXÃO
Assista ao vídeo com a palestra do Prof. José Paulo Netto sobre os resultados da adesão
as recomendações do Consenso de Washington e o aumento da exclusão social. Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=ogQ0YtwH4gc.

As recomendações referem-se à estabilização, à privatização e à implanta-


ção do liberalismo na sua mais pura essência. O Governo Collor de Melo deu
início ao processo de abertura da economia, enquanto que Itamar Franco e pos-
teriormente Fernando Henrique Cardoso acelerou o processo de privatização
das empresas públicas como a Telebrás, Embraer e Vale do Rio Doce (minera-
dora). A Reforma do Estado, diga-se de passagem, que reforma entendida como
diminuição da presença do Estado na gestão de políticas sociais refletindo dire-
tamente nas bases de trabalho do assistente social, que historicamente esteve
atrelado na execução das políticas sociais. Neste sentido o governo deixa de ser
o responsável direto pelo direcionamento das políticas econômicas e sociais,
assumindo o papel de promotor e regulador, transferindo a responsabilida-
de para o setor privado, esse direcionamento passa a ser o projeto societário
do Estado neoliberal. Esse movimento fere os princípios estabelecidos pela
Constituição Federal de 1988 que legitima o Estado como órgão direcionador
das políticas econômicas e sociais. Resta ao Estado apenas se responsabilizar
pelo alivio da pobreza extrema, e por áreas especificas das políticas públicas.

Nesse cenário, cresce o desemprego que alimenta a expansão da população exce-


dente, ao lado da desregulamentação e informalização das relações de trabalho, com
repercussões na luta salarial e na organização autônoma dos trabalhadores. Adquirem
destaque políticas sociais voltadas à preservação dos mínimos vitais dos segmentos
da crescente população excedente lançados ao pauperismo; e ao seu controle políti-
co, preservando o direito à sobrevivência de imensos contingentes sociais e alimen-
tando o consenso de classe necessário à luta hegemônica. (IAMAMOTO, 2009, p.02)

94 • capítulo 5
Mioto (2009) coloca que as demandas profissionais e o reordenamento do
espaço profissional estão intrinsecamente atrelados ao processo de redução
da presença do Estado, da estruturação produtiva, que defende a flexibiliza-
ção das relações trabalhistas bem como o enfraquecimento dos movimentos
de trabalhadores.
Embora a profissão tenha um caráter liberal e uma relativa autonomia, há
uma contradição nessa relação pelo fato de o assistente social ter uma relação
de compra e venda da sua força de trabalho para os mais diversos empregadores
como, por exemplo: o Estado, as empresas, organizações não governamentais.
Nessas relações de compra e venda do trabalho especializado, os empregadores
vão determinar as atribuições que o trabalhador deve responder, delimitando
a matéria sobre seu trabalho, e propiciando ou não as condições materiais, es-
truturais para a execução do trabalho.
Atrela-se a essa complexidade nas relações de trabalho a contradição muitas
vezes existentes entre a implementação do projeto profissional e as exigências
impostas pelos empregadores, criando-se basicamente um campo de tensão
entre a efetivação do projeto ético-político e o projeto de trabalho da unidade
empregadora, tensão acirrada quando nessas contradições são incorporadas
questão religiosas ou partidárias. Para Iamamoto (2005), essas relações interfe-
rem decisivamente no exercício profissional, que supõe a mediação do mercado
de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de caráter profissional.
Há um imenso desafio para a categoria no sentido de construir canais que
favoreçam a efetivação de uma proposta de trabalho alicerçada no projeto éti-
co-político da profissão.
Mota (2014) coloca que mesmo espaços tradicionais de trabalho como a
área da saúde, assistência social e previdência tiveram amplas modificações,
alterando suas demandas e impulsionando novas atribuições profissionais.
Em relação aos espaços ocupacionais que absorvem os profissionais, com o
processo de descentralização da assistência social, as mudanças na política de
assistência social e a implantação do SUAS houve uma significativa oferta de
espaços de trabalho, não apenas na execução como na gestão e planejamento.
No campo da seguridade social houve tímidos avanços no sentindo da am-
pliação da demanda de profissionais de Serviço Social, ao mesmo tempo em
que houve aumento da demanda, poucos foram preenchidos através de con-
cursos públicos, com a precarização e flexibilização das leis trabalhistas, e

capítulo 5 • 95
enxugamento da máquina pública as inserções acontecem de forma precariza-
da, como contratos temporários, terceirizados ou por projetos.
Citamos os recentes concursos na previdência social que trouxe à tona a dis-
cussão do Serviço Social previdenciário, uma vez que o referente órgão público
permaneceu por muitos anos sem o profissional e com a reinserção da profis-
são, o órgão tentou impor uma prática fiscalizatória e conservadora.
Podemos mensurar a incorporação através de concursos nas instituições
jurídicas como Ministério Público e Defensoria Pública, associamos essa in-
corporação com o movimento crescente de criminalização da pobreza e judi-
cialização dos direitos sociais, prova material que o Estado insiste na violação e
negação dos direitos sociais, obrigando famílias e indivíduos recorrerem judi-
cialmente por direitos que são garantidos constitucionalmente.
Elencamos também a inserção de profissionais nos programas habitacio-
nais impulsionados pelo programa Federal Minha Casa Minha Vida, após um
hiato de mais de trinta anos.
Com a sensibilização contemporânea com a questão ambiental temos
profissionais que estão vinculados a projetos de sustentabilidade inclusive
já contamos com produção teórica sobre o Serviço Social ambiental, princi-
palmente vinculado a empresas, fundações que financiam projetos de educa-
ção socioambiental.

CONEXÃO
Para saber mais sobre Serviço Social e meio ambiente, faça a leitura do artigo de
Mariane Sauer e Edaléa Maria Ribeiro. Acesse: <file:///C:/Users/Vivianee/Down-
loads/12585-48666-1-PB.pdf>.

Outro espaço que tem sido ocupado pelos assistentes sociais refere-se a ges-
tão, assessoria e consultoria em diferentes áreas das políticas sociais. Espaço
este que exige qualificação e amplo conhecimento, pois considerando o campo
das competências, previsto na Lei nº 8.662/1993 que dispõe sobre a profissão,
o assistente social irá concorrer em condições de igualdade com outros profis-
sionais que tem esta competência também.

96 • capítulo 5
Este espaço é privilegiado, pois o profissional além de ser executor, passa a
contribuir na gestão das políticas sociais, propondo e elaborando programas,
serviços e projetos, sejam em âmbito público ou privado.
O CFESS estabelece, em todos os anos, referências financeiras para profis-
sionais que prestam assessoria, que atuam como palestrante, enfim, que pres-
tam serviços sem vínculos formais.

CONEXÃO
A Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS foi instituída em 2001.
Entre outras atribuições, ela determina o valor da hora técnica, fixando o valor mínimo a ser
cobrado, que servirá de parâmetro para prestação dos serviços profissionais do/a Assistente
Social que trabalhe sem qualquer vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza
assemelhada. O valor dessa hora técnica é corrigido anualmente com base no ICV/DIEESE.
Considerando o § 2° do artigo 1° da Resolução CFESS N° 418/2001, que instituiu
a Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS, alterada pela Resolução
CFESS Nº 467, de 17 de março de 2005, especificamos, a seguir, os valores da hora técnica
corrigida pelo ICV/DIEESE:
Graduados/as: R$ 116,17
Especialistas: R$ 130,47
Mestres: R$ 164,42
Doutores/as: R$ 185,88
Os valores acima serão referência até agosto de 2016.
A tabela é corrigida anualmente pelo ICV-Dieese em setembro de cada ano.
O ICV-Dieese (agosto/2014 a julho/2015) foi de 9,99%.
FONTE: CFESS. Acesse: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/tabela-de
-honorarios>.

Os assistentes sociais estão cada vez mais sendo chamados para assumir
gestão de equipes, elaboração, monitoramento de programas e projetos so-
ciais, orientação e assessoria em espaços de controle social (conselhos de direi-
tos) ampliando consideravelmente seu espaço ocupacional.

capítulo 5 • 97
Essas novas ocupações exigem domínio de conhecimentos específicos, do
processo de planejamento, capacidade de negociação, uma vez que assessoria
e consultoria requerem ampla experiência na área.

A nosso ver, é preciso apanhar criticamente a imediaticidade dos fenômenos, identifi-


cando as determinações subjacentes às demandas, desconstruindo-as e promovendo
a produção de conhecimentos e de referências que balizem a intervenção profissional.
Só com o fortalecimento da articulação entre o espaço acadêmico e o profissional,
preservando os limites e possibilidades de ambos, é que os problemas cotidianos
vividos pelos profissionais nas instituições podem redundar em ricas temáticas de
investigação e pesquisa e retornar à formação e ao exercício profissionais, superando
o cotidiano caótico e reificado dos espaços ocupacionais. (MOTA, 2014, p. 703).

Iamamoto (2009) coloca que essas novas atribuições requerem um perfil de


profissional que prime pelo processo de capacitação continua, que seja culto,
seja crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que direcionem para
a democratização das relações sociais, exigindo o compromisso com o proje-
to ético-político com a reafirmação dos valores democráticos e competência
teórica-metodológica com fundamentação na teoria critica, que tenham pleno
domínio no instrumental técnico-operativo, que estimule a participação dos
sujeitos sociais em todos os processos.

5.4  Conquistas do movimento da categoria profissional

A categoria tem se fortalecido nas suas lutas para garantir condições de traba-
lhos adequadas aos profissionais, seja na elaboração de resoluções que regu-
lamentam determinadas demandas do exercício profissional, seja na elabo-
ração de parâmetros de atuação em determinadas áreas (saúde, educação e
assistência social) ou na busca de ampliação dos direitos trabalhistas. O CFESS
recentemente através de ampla mobilização e articulação política conseguiu a
aprovação da Lei de 30 horas para o Serviço Social, além dessa conquista tem
acompanhado e articulado a lei que estabelece o piso mínimo para categoria.
A lei que estabeleceu 30 horas de trabalho para o assistente social foi uma
conquista da categoria, os argumentos para a propositura foi a exposição de
situações de extrema vulnerabilidade, miséria e violência, ocasionando um

98 • capítulo 5
desgaste físico e mental e um estresse ocupacional. Podemos observar, porém,
que o espírito da lei era aumentar o tempo livre do profissional e aumentar pos-
tos de trabalho em decorrência da diminuição da carga horária. O que se per-
cebe é justamente o contrário, muitos profissionais acabaram estabelecendo
duplo vínculo trabalhando muito além das 40 horas.
Temos em trâmite o projeto de lei 5.278/2009 que trata sobre o piso salarial
do profissional e o projeto de lei 3.688/2000 que dispõe sobre a presença do pro-
fissional em escolas públicas da educação básica. Essas leis possuem avanços e
recuos, porém estão em movimento no cenário político.
É importante que todo contingente de profissionais acompanhem e incor-
porem essas lutas como forma de fortalecimento da categoria.

CONEXÃO
Desde 2008, o CFESS acompanha a tramitação dos Projetos de Lei (PL), na Câmara dos
Deputados e no Senado, que envolvem o Serviço Social e o/a assistente social. Além disso,
tem se reunido com os/as parlamentares relatores/as e autores/as dos projetos e mobili-
zado os CRESS e os/as assistentes sociais para reforçar os posicionamentos da categoria.
As matérias são: Projeto de Lei Da Câmara (PLC) 060/2007, que dispõe sobre a in-
serção de assistentes sociais e psicólogos nas escolas públicas de educação básica; PL
3077/2008, que dispõe sobre a organização da Assistência Social; PL 4022/2008, que
dispõe sobre um piso salarial de assistentes sociais; PL 3145/2008, que trata de regras na
contratação de assistentes sociais; PL 3150/2008, que dispõe sobre condições de trabalho
de assistentes sociais; PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia; e Projeto de Lei Com-
plementar 92/2007, que institui as Fundações Públicas de Direito Privado na Saúde.
De acordo com o regimento interno da Câmara (artigo 105) e do Senado (artigo 332),
ao final das legislaturas, alguns projetos são arquivados. Dentre outras situações, são arqui-
vados aqueles que não tiveram pareceres favoráveis de todas as comissões para as quais
foram distribuídos. No entanto, o desarquivamento é possível, desde que o autor da propo-
sição tenha sido reeleito e solicite o desarquivamento no prazo de seis meses após o início
da nova legislatura. Nesses casos, o projeto retomará a tramitação desde o estágio em que
se encontrava.
Disponível em: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/acompanhamentos-de-
projetos-de-lei>. Acesso em: 20 maio 2016

capítulo 5 • 99
5.5  Formulação de projeto de trabalho profissional

Para iniciarmos a reflexão sobre a formulação de projetos de trabalho, que são


propostas específicas de trabalho do assistente social em um dado espaço ocu-
pacional, é importante retomar a questão do projeto profissional, fruto do ama-
durecimento teórico da categoria dos profissionais do Serviço Social.
Em linhas gerais os projetos profissionais apresentam a autoimagem de
uma profissão, buscam imprimir um valor social, delimitando seus objetivos,
e prescrevem as normas que seus profissionais devem seguir, estabelecendo as
bases da relação com o público, com os empregadores, com as outras profis-
sões, o Estado, enfim, estabelecendo as formas de inserção na sociedade.
O projeto societário do Serviço Social está ancorado na Lei que regulamenta
a profissão 8.662/1993 e no seu Código de Ética (CEP 1993), nosso projeto pro-
põe a construção de uma nova ordem social, livre de exploração e dominação
entre classes, etnia e gênero, neste sentido têm como princípios: a liberdade
como valor central, compreendida como possibilidades de escolhas livres de
determinantes sociais, econômicos, políticos. Defende de forma intransigente
os direitos humanos, repudiando toda conduta arbitrária, todas as formas de
preconceito e contempla o pluralismo, a defesa e debates de ideias tanto na
sociedade como no exercício profissional.

A Lei 8.662/93 dispõe sobre a profissão de assistente social, regulamenta a pro-


fissão e estabelece as competências e atribuições privativas do assistente social,
considerando que é um profissional que possui formação para atuar em diferentes
áreas das políticas públicas.

O projeto profissional do Serviço Social ainda prevê a universalização do


acesso a bens e serviços (políticas, programas, projetos, serviços); ampliação e
a consolidação da cidadania, traduzindo o compromisso com a qualidade dos
serviços prestados e a plena participação dos usuários.
Como já foi detalhado no capítulo dois, o projeto profissional da categoria
é nosso instrumento de trabalho e de enfrentamento diante da ofensiva neo-
liberal implementada pelo Estado e principalmente pela ofensiva conserva-
dora que se faz presente na sociedade, em alguns movimentos partidários. A
conjuntura política requer que nos apropriemos com muita responsabilidade

100 • capítulo 5
e compromisso do projeto profissional para fazer o enfretamento dessa onda
conservadora que difunde sua ideologia através das mídias.
Ao fazer parte de um determinado espaço ocupacional seja ele público ou
privado, o assistente social deve superar os limites institucionais que inevita-
velmente existem, e procurar explorar as possibilidades de implementação da
sua proposta de trabalho, através de um projeto de trabalho bem elaborado,
essa atitude evita que o profissional seja levado a executar apenas o projeto
da instituição.

Rompe-se assim, com uma característica que, em muito, contribui para a desqualifica-
ção profissional, ou seja, aquela em que os assistentes sociais reproduzem o projeto
institucional como o seu projeto [...] Ao assumir um espaço sócio-ocupacional, há que
se estabelecer, com clareza, o que a profissão tem a oferecer como subsídio para o
atendimento das demandas que competem à instituição. (COUTO, 2009, p.3).

A construção de projetos de trabalhos deve primar por todos os princípios


descritos no Código de Ética Profissional, e na lei que regulamenta a profis-
são, esse instrumento deve ser elaborado de forma descritiva, não pode ser algo
que se tem clareza apenas no nível da razão, mas deve ser escrito, não como
manual a ser seguido, mas como instrumento planejado que direciona a ação
profissional.
Requer do profissional sólida formação teórica, capacidade de reflexão so-
bre a historicidade da profissão, da totalidade, exige também capacidade de ne-
gociação, disciplina, planejamento, capacitação contínua e alinhamento com
os movimentos de representação da categoria.
Esse importante instrumento pressupõe habilidades de negociação, de par-
cerias com outros profissionais e, principalmente, ter a clareza de que nosso
projeto de sociedade requer a consciência que embora buscamos a construção
de uma outra sociedade, é na sociedade capitalista que nós materializamos o
exercício profissional. Neste sentido, temos dois caminhos, o primeiro de con-
tribuir para a manutenção do estado de coisas e o segundo de elaborar propos-
tas que vislumbrem outras formas de sociabilidade, que busquem a ruptura
com toda e qualquer forma de dominação, exploração e exclusão.
Há elementos que são relevantes na composição do projeto de traba-
lho, como ter pleno conhecimento do espaço ocupacional (público, privado,

capítulo 5 • 101
economia mista), quem é o público atendido, quais as condições de participa-
ção desse público na elaboração do trabalho institucional, quais as potenciali-
dades e os desafios de implementação do projeto proposto, as estratégias polí-
ticas necessárias para implementação, o mesmo deve ser compartilhado com
todas as instâncias da instituição como forma de dar visibilidade ao projeto.
Couto (2009) propõe na elaboração do projeto de trabalho os seguintes tópicos:
a) A identificação, delimitação e a justificativa do objeto da ação, deixan-
do claro quais as refrações da questão social serão o objeto da intervenção, es-
tabelecendo prioridades;
b) Definição dos objetivos, explicitando quais os objetivos pretende alcan-
çar, lembrando que os mesmos devem ser claros e exeqüíveis, essa clareza se
faz necessária para que todos possam compreender o projeto de trabalho;
c) Definição das metas, no projeto de trabalho deve ser mensurada as me-
tas quantitativas e qualitativas, que devem estar correlacionadas com os obje-
tivos. Os indicadores de monitoramento e avaliação que serão utilizados para
avaliar o alcance ou não das metas também deve estar explicito;
d) Os recursos necessários para a execução, cronograma de desembolso
financeiro, devem ser descritos todos os recursos: financeiros, materiais, hu-
manos, estruturais, parcerias com outras instituições;
e) Registro do processo de execução do projeto para possíveis alterações,
aprimoramento, correção de falhas, reelaboração de estratégias, enfim, a exe-
cução do projeto requer o registro por escrito para que se tenha uma avaliação
fiel do processo, e que os resultados possam produzir conhecimento, relatos de
experiências e contribuir com o aprimoramento do projeto de trabalho.
Salientamos que o projeto de trabalho deve ser pensado como um impor-
tante instrumento de efetivação do projeto ético-político da categoria, que vis-
lumbre mudanças no espaço de trabalho, e principalmente que eleve as condi-
ções de vida e de ampliação dos direitos da população usuária.

ATIVIDADES
01. No debate sobre a relação entre projetos societários e projetos profissionais, é con-
senso que os primeiros estão presentes na dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive
no projeto ético-político do Serviço Social. Considerando as transformações societárias im-
plementadas no Brasil a partir de 1990, pode-se afirmar que há uma tensão entre o projeto
societário hegemônico e o projeto profissional, na medida em que:

102 • capítulo 5
Fonte: Prova ENADE 2013
a) o projeto societário defendido pelo Serviço Social encontra-se ultrapassado diante dos
novos paradigmas e interesses da classe trabalhadora.
b) o projeto societário enfraquece a resistência dos movimentos organizados da classe
trabalhadora à dominação do capital.
c) o projeto societário hegemônico assegura a democracia, a participação social e o aces-
so aos programas sociais.
d) o projeto societário hegemônico garante os direitos sociais e religiosos.
e) o projeto profissional se alinha aos preceitos do neoliberalismo.

02. Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o assistente
social, na organização de sua atividade, depende do Estado, da empresa, de entidades não-
governamentais que viabilizam aos usuários acesso aos seus serviços, fornecem meios e
recursos para sua realização, estabelecem prioridades a serem cumpridas e interferem na
definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Ora, se
assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social, ela
organiza o processo de trabalho do qual ele participa.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profis-
sional. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 63 (adaptado).
FONTE: PROVA ENADE 2013 SERVIÇO SOCIAL
Com base no texto, conclui-se que:
a) as instituições representam obstáculos para o exercício profissional do assistente social.
b) o processo de trabalho é o conjunto de meios e recursos disponibilizados pe-
las instituições.
c) o assistente social depende da instância institucional para acessar os meios necessários
à efetivação do seu trabalho.
d) os meios colocados à disposição do assistente social restringem a sua atuação às de-
mandas institucionais, impedindo procedimentos para além desses limites.
e) o estabelecimento de prioridades e a definição de papéis e funções nas instituições
interferem indevidamente nos procedimentos necessários à garantia de acesso dos
usuários aos serviços.

capítulo 5 • 103
REFLEXÃO
Para reflexão, trouxemos uma resolução do CFESS que trata sobre as condições técnicas
e éticas no espaço de trabalho, o CFESS é um importante órgão da categoria que tem a
atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional
do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social
(CRESS).
RESOLUÇÃO CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006
EMENTA: Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do as-
sistente social.
O CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO SOCIAL - CFESS, por sua Presidente no uso de
suas atribuições legais e regimentais,
Considerando o que dispõe o artigo 8º da Lei n° 8.662, de 07 de junho de 1993, que
regulamenta o exercício profissional do assistente social e dá outras providências;
Considerando que na qualidade de órgão normativo de grau superior, compete ao Con-
selho Federal de Serviço Social orientar, disciplinar fiscalizar e defender o exercício da pro-
fissão do assistente social, em conjunto com os CRESS;
Considerando a necessidade de instituir condições e parâmetros normativos, claros e
objetivos, garantindo que o exercício profissional do assistente social possa ser executado
de forma qualificada ética e tecnicamente;
Considerando que a ausência de norma que estabeleça parâmetros, principalmente das
condições técnicas e físicas do exercício profissional do assistente social, tem suscitado
diversas dúvidas, inclusive, para a compreensão do assistente social na execução de seu
fazer profissional.
Considerando a necessidade do cumprimento rigoroso dos preceitos contidos no Código
de Ética do Assistente Social, em especial nos artigos 2º, inciso “d”, 7 inciso “a”e 15;
Considerando o Parecer Jurídico 15/03, prolatado pela assessoria do CFESS, “que con-
sidera ser competência a regulamentação da matéria pelo CFESS de forma a possibilitar
uma melhor intervenção dos CRESS nas condições de atendimento ao usuário do Serviço
Social”;
Considerando a aprovação da presente Resolução em Reunião Ordinária do Conselho
Pleno do CFESS, realizada em 20 de agosto de 2006;

104 • capítulo 5
RESOLVE:
Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qual-
quer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições
que esta Resolução estabelecer.
Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de es-
paço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos
serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas:
a) iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização
institucional;
b) recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o
processo de intervenção profissional;
c) ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas;
d) espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material
técnico de caráter reservado.
Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fecha-
das, de forma a garantir o sigilo.
Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado,
sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais.
Art. 5º - O arquivo do material técnico, utilizado pelo assistente social, poderá estar em
outro espaço físico, desde que respeitadas as condições estabelecidas pelo artigo 4º da
presente Resolução.
Art. 6º- É de atribuição dos Conselhos Regionais de Serviço Social, através de seus
Conselheiros e/ou agentes fiscais, orientar e fiscalizar as condições éticas e técnicas esta-
belecidas nesta Resolução, bem como em outros instrumentos normativos expedidos pelo
CFESS, em relação aos assistentes sociais e pessoas jurídicas que prestam serviços sociais.
Art. 7º - O assistente social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão que
trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações constatadas
por este, quanto às condições éticas, físicas e técnicas do exercício profissional, sugerindo
alternativas para melhoria dos serviços prestados.
Parágrafo Primeiro - Esgotados os recursos especificados no “caput” do presente artigo
e deixando a entidade, instituição ou órgão de tomar qualquer providência ou as medidas
necessárias para sanar as inadequações, o assistente social deverá informar ao CRESS do
âmbito de sua jurisdição, por escrito, para intervir na situação.
Parágrafo Segundo - Caso o assistente social não cumpra as exigências previstas pelo
“caput” e/ou pelo parágrafo primeiro do presente artigo, se omitindo ou sendo conivente com

capítulo 5 • 105
as inadequações existentes no âmbito da pessoa jurídica, será notificado a tomar as medidas
cabíveis, sob pena de apuração de sua responsabilidade ética.
Art. 8º - Realizada visita de fiscalização pelo CRESS competente, através de agente
fiscal ou Conselheiro, e verificado o descumprimento do disposto na presente Resolução
a Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional, a vista das informações
contidas no Termo de Fiscalização ou no documento encaminhado pelo próprio assistente
social, notificará o representante legal ou responsável pela pessoa jurídica, para que em pra-
zo determinado regularize a situação.
Parágrafo único - O assistente social ou responsável pela pessoa jurídica deverá en-
caminhar ao CRESS, no prazo assinalado na notificação, documento escrito informando as
providências que foram adotadas para adequação da situação notificada.
Art. 9º- Persistindo a situação inadequada, constatada através de visita de fiscalização,
será registrada no instrumento próprio a situação verificada.
Art 10 - O relato da fiscalização, lavrado em termo próprio, conforme art. 9º, constatando ina-
dequação ou irregularidade, será submetido ao Conselho Pleno do CRESS, que decidirá sobre a
adoção de medidas cabíveis administrativas ou judiciais, objetivando a adequação das condições
éticas, técnicas e físicas, para que o exercício da profissão do assistente social se realize de forma
qualificada, em respeito aos usuários e aos princípios éticos que norteiam a profissão.
Art. 11- Os casos omissos e aqueles concernentes a interpretação abstrata geral da
norma, serão resolvidos e dirimidos pelo Conselho Pleno do CFESS.
Art. 12- O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total publicidade
a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma que ela seja conhecida pelos
assistentes sociais bem como pelas instituições, órgãos ou entidades que prestam serviços
sociais.
Art. 13- A presente Resolução entra em vigor, passando a surtir seus regulares efeitos
de direito após a sua publicação no Diário Oficial da União.
Brasília, 21 de agosto de 2006
Elisabete Borgianni
Presidente do CFESS

LEITURA
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

106 • capítulo 5
Essa importante obra problematiza sobre as questões da natureza do trabalho do assis-
tente social, das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, e do redimensionamento da pro-
fissão neste contexto, como as novas requisições exigidas para a profissão, como em toda
obra da professora Marilda, ela faz um paralelo com os aspectos da formação profissional.
BARROCO, Maria Lúcia; TERRA, Sylvia Helena. CFESS (org.). Código de Ética do/a
assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.
Este livro foi organizado pelo Conselho Federal de Serviço Social com a colaboração da
professora Maria Lúcia Barroco, assistente social com vasta contribuição na questão da ética
profissional e com a advogada Sylvia Terra, que foi assessora jurídica do Conselho Regional
de Serviço Social de São Paulo e do CFESS. O mesmo faz um resgate da profissão nos
respectivos contextos histórico, dos Códigos de Ética de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993 e
respectivamente no Código Profissional de 1993 trazendo uma reflexão, e problematizando
seus aspectos legais.

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conhecimento. Volume I. São Paulo: Veras Editora, 2009.
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esboço de uma interpretação histórico-metodológica, 41. ed. São Paulo: Cortez, 2014.
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Sociais e Competências Profissionais. 1. ed. Brasília/DF: CFESS/ABEPSS, 2009.
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VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área
da saúde. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

108 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 109
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110 • capítulo 5
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capítulo 5 • 111
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112 • capítulo 5

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