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EM SERVIÇO SOCIAL I
autores
MARCELO DE ALMEIDA
VIVIANE VAZ
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2016
Conselho editorial sergio augusto cabral, roberto paes e paola gil de almeida
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.
isbn: 978-85-5548-387-5
cdd 361.3
Prefácio 5
1. A centralidade do trabalho 7
1.1 Proposta teórico metodológica de Marx sobre trabalho 8
1.2 Tradição Marxista: as interpretações sobre trabalho no século XX 16
1.2.1 A Globalização e seus impactos na sociedade contemporânea:
fim das desigualdades sociais? 21
3.1 Introdução 56
3.2 Reflexões sobre o processo de institucionalização da profissão e
a identidade profissional 57
3.2.1 Análise do processo de ruptura com o conservadorismo na
profissão 60
3.3 Identidade Profissional 63
4. A mediação como categoria fundamental no
processo de trabalho do assistente social 71
4.1 Introdução 72
4.2 Reflexões sobre o processo de trabalho do assistente social 73
4.3 Mediação e o Serviço Social 76
4.4 Análise de conjuntura 79
4.4.1 Breves reflexões sobre a ideologia 82
5.1 Introdução 90
5.2 Transformações no mundo do trabalho: o assistente social como
trabalhador assalariado 91
5.3 Espaços ocupacionais e Serviço Social 93
5.4 Conquistas do movimento da categoria profissional 98
5.5 Formulação de projeto de trabalho profissional 100
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),
Bons estudos!
5
1
A centralidade do
trabalho
1. A centralidade do trabalho
Este capítulo busca refletir que as origens das desigualdades são essenciais
para compreendermos a questão social, isto é, entender o processo pelo qual
as diferenças sociais são transformadas em desigualdades sociais. Para Pedro
Demo (1985), “a desigualdade social é componente estrutural da sociedade.
Não é defeito, nem sina, mas simplesmente um traço fundamental, como, por
exemplo, a língua”.
Diante disso, o pensamento marxista possui bastante relevância e significado
quando procuramos discutir como a sociedade está organizada na contempora-
neidade, seu funcionamento e como nela se expressa a exploração do trabalho.
OBJETIVOS
• Compreender a relação da questão social com o sistema capitalista;
• Entender a origem da desigualdade social tendo em vista o processo de complexificação
da divisão social do trabalho;
• Relacionar os efeitos da globalização às expressões da questão social;
• Reconhecer as diferentes formas de relação de trabalho como fonte de exploração e acu-
mulação de riqueza.
8• capítulo 1
Karl Marx, pensador alemão, não foi um sociólogo, pois seus trabalhos
antecederam a institucionalização da disciplina como ciência e os trabalhos
de Durkheim, porém, sua contribuição para os estudos sobre a sociedade é
inegável.
De forma oposta à teoria de Durkheim, o pensamento de Marx procura rea-
lizar uma crítica radical ao capitalismo, evidenciando seus conflitos e contradi-
ções. Enquanto a preocupação principal do positivismo foi com a manutenção
e a preservação da nova sociedade capitalista, os estudos de Marx procuraram
fazer uma crítica a este tipo de ordem social, evidenciando seus antagonis-
mos e contradições inerentes, daí ser conhecido também como o sociólogo
do conflito.
A intervenção teórica de Marx teve como consequência produzir o conheci-
mento científico sobre a História, rompendo com as representações ideológi-
cas de natureza moral, religiosa ou jurídica que sombreavam a compreensão
do processo histórico, pois soube identificar na luta de classes o princípio nor-
teador das relações sociais de exploração e dominação. Sua teoria foi objeto de
combate e crítica das classes dominantes, rompendo com as concepções ideo-
lógicas e filosofias da história que até então ocupavam o lugar de ciência da
História.
Segundo Marx, a sociedade capitalista aparece como um grande “deposi-
tário” de mercadorias. Tudo se baseia na troca (compra e venda) de mercado-
rias. Sua preocupação está em desvendar o que está por trás desta troca. Desse
modo, sua teoria é dedicada a compreender o processo de acumulação de capi-
tal, desenvolvendo uma proposta política que defende a superação do sistema
capitalista de exploração. Para Marx, a acumulação do capital se dá pela explo-
ração do trabalho, gerando, assim, os conflitos sociais latentes entre a classe
dominante e a classe dominada.
Como ocorre o processo de acumulação de Capital?
• O empresário só pode aumentar o valor de uma mercadoria acrescentan-
do a essa mercadoria maior quantidade de trabalho.
• O empresário, ao pagar o salário dos trabalhadores, nunca paga o que es-
tes realmente produziram.
• O excedente de valor produzido não é devolvido ao trabalhador, e sim,
apropriado pelo capitalista. Isto é o que Marx denomina de sobre-lucro (mais-
valia), o excedente que não retornará ao trabalhador.
capítulo 1 •9
Como este processo não é transparente, o trabalho dedicado à produção da
mercadoria fica encoberto, atribuindo à mercadoria um poder próprio, tornan-
do-se um fetiche (fetichização). Em outros termos, vemos a mercadoria tornar-
se aparentemente um ser vivo animado, enquanto o homem torna-se coisa, ob-
jeto do capitalismo (coisificação).
CONCEITO
O conceito de alienação tem raízes no pensamento de Hegel e Karl Marx, mas cabe des-
tacar uma importante observação complementar, a de Ludwig Feuerbach, mestre de Marx,
para quem as formas paroxísticas da alienação humana seriam o êxtase e o arrebatamen-
to religiosos.
Para Hegel, a alienação é um processo essencial pelo qual a consciência ainda ingênua,
convencida de que a realidade do mundo é independente dela mesma, chega a tornar-se
consciência de si. Essa transformação da consciência em consciência de si é descrita na
Phänomenologie des Geistes (1807; Fenomenologia do espírito). Para Hegel, o concreto
reside na unidade dos termos contraditórios que entram em confronto. Cada termo é a ne-
gação de seu próprio oposto, sendo o movimento interno do sujeito a "negação da negação".
A luta desses opostos é mortal, pois o ser de cada um deles está no outro, que o desafia
10 • capítulo 1
e nega. A posse de si mesmo fica assim condicionada à destruição do outro, que detém a
verdade e o absoluto. Concebida nesses termos, a alienação é, portanto, além de profunda,
necessariamente intrínseca e primordial: o ser de cada indivíduo não reside em si próprio e
sim em seu oposto, no qual corre o risco de se diluir.
Para Marx, a alienação refere-se a uma situação resultante dos fatores materiais do-
minantes da sociedade, caracterizada por ele sobretudo no sistema capitalista, em que o
trabalho humano se processa de modo a produzir coisas que imediatamente são separadas
dos interesses e do alcance de quem a produziu, para se transformarem, indistintamente,
em mercadorias.
Marx, situando o homem na raiz da história (o homem concreto, que define com o traba-
lho sua relação com seus semelhantes e com a natureza), inverte a dialética hegeliana. De
acordo com a dialética de Marx, o processo de alienação leva o ser genérico do homem --
expresso pelo trabalho -- a converter-se em instrumento de sua sobrevivência, o que ocorre,
primeiro, na relação do produtor com o produto e, em seguida, na relação do produtor com os
consumidores do produto. A alienação transforma o operário em escravo de seu objeto, mas
o processo não se detém aí, já que o trabalho é mercadoria que produz bens de consumo
para outrem. Na verdade, ocorre a alienação do homem perante o próprio homem: ao produ-
zir um bem que não lhe pertence, o homem propicia o jugo daquele que não produz sobre a
produção e o produto, deixando assim que o outro, alheio à produção, se aproprie dela.
Dá-se assim a "reificação" ou coisificação social, ou seja, a conversão de todas as re-
lações sociais em formas de mercadorias, que abrangeriam o próprio homem, desse modo
já submerso na fantasmagoria das relações entre as coisas. Sintetizando-se o problema, a
alienação seria ocasionada pela divisão de trabalho e, de outro lado, pela separação entre
o trabalho e o produto dele resultante. Os reflexos alienatórios seriam inevitáveis tanto na
filosofia como nas instituições políticas e sociais, na religião, na literatura e nas artes.
Disponível em: <http://www.estudantedefilosofia.com.br/conceitos/alienacao.php>
capítulo 1 • 11
Materialismo Histórico para desenvolver a teoria de que o conhecimento da
realidade social deve se converter em instrumento político, capaz de orientar as
classes sociais para a transformação da realidade. Isto porque o conhecimen-
to científico da classe burguesa aparece como exigência absoluta para que a
classe operária possa fundar uma estratégia, tomar o poder político e iniciar
o processo de superação do capitalismo. Ou seja, a compreensão científica do
capitalismo proposta por Marx inclui também a compreensão dos meios de sua
destruição como modo de produção.
O pensamento crítico marxista definiu como a base da Sociedade Capitalista
a instauração da propriedade privada e a consequente luta de classes como
“motor da história”, enquanto os positivistas preocupavam-se em justificar as
novas bases capitalistas de organização social, Marx e Engels evidenciavam a
injustiça presente desde a origem do sistema, criticando a tentativa burguesa
de torná-lo natural e eterno.
O Capital deve ser considerado como uma relação social que só existe a par-
tir da articulação entre as Forças Produtivas e as Relações de Produção. O capi-
talismo está organizado em duas classes essenciais: burguesia e proletariado.
Esta divisão de classes permite ao capitalismo a característica de transi-
toriedade, uma vez que existe entre estas um profundo antagonismo de in-
teresses. E é justamente isto que pode levar à transformação histórica pela
via revolucionária.
A principal contribuição de Marx foi questionar a “luta dos contrários” a
partir do método dialético: “A dialética considera as coisas e os conceitos no
seu encadeamento, suas relações mútuas, seu nascimento, seu desenvolvimen-
to, sua decadência” (ENGELS, 1970). A dialética em Marx é o estudo das contra-
dições da sociedade burguesa. Seu método dialético era composto por quatro
características fundamentais:
1. Tudo está relacionado;
2. Tudo se transforma;
3. Mudança qualitativa;
4. Luta dos contrários.
12 • capítulo 1
algo novo, que não existe no elemento negado e que, portanto, não pode ser
conservado ou recuperado (NAVES, 2000).
Ao mesmo tempo em que tudo muda e nada escapa ao movimento das
transformações sociais, os detentores do poder agem sempre no sentido de
preservar o sistema vigente (status quo), conduzem mudanças apenas adaptati-
vas, evitando mudanças estruturais.
Para Marx, era o mundo real das relações econômicas que determinava o
que pensavam os homens, porém este determinismo econômico (infraestru-
tura X superestrutura) foi muito criticado por outros autores. A análise socio-
lógica deve, portanto, concentrar-se nas estruturas da desigualdade e nas com-
binações entre os detentores de poder, privilégio e bem-estar material, por um
lado, e os menos poderosos e favorecidos de outro, propondo a superação do
modo capitalista de produção e a promoção de uma nova forma de produção
com base no coletivismo, (COMUNISMO) tendo como fase de transição/inter-
mediária o Socialismo.
Essas propostas ainda permanecem como fonte de inspiração para muitos
e sua vasta obra continua viva nas discussões sobre as mais diferentes áreas.
“Marx não foi um profeta que anunciou um novo mundo, mas apenas demons-
trou que o Capitalismo não é eterno. É essa demonstração dialética que man-
tém aberta a possibilidade do comunismo” (NAVES, 2000, p.102).
capítulo 1 • 13
CONCEITO
Quando o Estado assume, como o fez ao longo do século XIX e XX, um perfil que deixa ao
mercado a responsabilidade maior pela organização da economia, trata-se de um modelo
liberal de Estado. O liberalismo é um tipo de conduta ideológica que dá liberdade para o mer-
cado e prevê um Estado mínimo, que não participa efetivamente da regulamentação econô-
mica. O amplo incentivo à competição entre grupos empresariais seria o motor da economia.
Liberalismo e Primeira Guerra Mundial
No início do século XX, esta competição atingiu um nível internacional, ou seja, ela pas-
sou a ocorrer entre países, e é considerada um dos muitos fatores que levaram à Primeira
Guerra Mundial – uma disputa ferrenha de países europeus por mercado. Pode-se dizer
que ali foi realmente o fim do século XIX – o século das grandes transformações, dos gran-
des desenvolvimentos.
A economia passava por momentos difíceis quando houve a crise de 1929. Que atitudes
deveriam ser tomadas pelo Estado? Maior intervenção na economia? Maior espaço ao livre
mercado? Teses liberais propunham que o Estado mais uma vez interviesse menos na esfera
econômica, mas o caminho da solução da crise não foi esse.
O Estado do Bem-Estar Social como solução para crise
Na década que se seguiu à crise de 1929, o modelo que passou a ser adotado foi o
do Estado de Bem-Estar Social. Nele, o Estado é quem se responsabiliza pela política
econômica, cabendo a ele as funções de proteção social dos indivíduos – educação, saúde,
seguridade social. Além dos Estados Unidos, que pensavam em saídas para a Grande De-
pressão, países europeus como Noruega, Suécia e Suíça – até hoje conhecidos pelo alto
nível de excelência em quesitos socioculturais e que se encontram nos lugares mais altos no
ranking mundial de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – foram os primeiros a adotar
o modelo do Estado Social.
Contexto Pós-segunda Guerra Mundial
Se, na década de 1930, o Estado do Bem-Estar Social começou a ser implementado, foi
após a Segunda Guerra Mundial que ele se fez mais presente, quando países do eixo capita-
lista se organizaram pela reestruturação da economia ocidental, devastada pelos horrores da
guerra. A partir de então, o contexto era outro. Impulsionado pela ideia de cidadania e pelas
pressões dos sindicatos trabalhistas por melhores condições, o Estado de Bem-Estar So-
cial, também conhecido como Estado Providência, passou a defender o desenvolvimento
econômico e social através do mercado, mas também, e sobretudo, rompendo com a lógica
liberal, passou a tomar para si a responsabilidade pela proteção social dos cidadãos e por
14 • capítulo 1
grandes investimentos e obras, comprometendo-se a garantir educação pública, assistência
à saúde, transporte, seguro-desemprego etc. – o bem-estar econômico e social da população.
O propósito histórico do Estado do Bem-Estar Social foi, portanto, ressuscitar a eco-
nomia ocidental através de grandes investimentos na cidadania, o que veio a fortalecer um
público consumidor para o mercado de massa, em plena ascensão na década de 1950.
(Deve-se notar que o Estado do Bem-Estar Social foi um modelo adotado pelos países ca-
pitalistas considerados, à época, como 1º mundo – deste modo, não estão incluídos os paí-
ses periféricos (chamados de 3º mundo), como, por exemplo, as nações latino-americanas.
Muitos destes países viveram ditaduras militares naquela época, afastando-se do modelo de
bem-estar social, e assumindo posturas mais autoritárias.
Crise do Estado do Bem-Estar Social
Vigorante por muitas décadas, esse modelo de Estado entrou em crise já nos anos 1970,
quando ficou economicamente sobrecarregado. A Inglaterra (e depois outros países), no
início dos anos 1980, entrou num processo de substituição deste modelo, justificando que o
aparelho estatal não tinha mais condições econômicas de sustentá-lo. Com isso, os direitos
de cidadania passaram a ser revistos. Nascia, então, o Estado Neoliberal.
Disponível em: <http://educacao.globo.com/sociologia/assunto/organizacao-social/
estado-do-bem-estar-social.html>
capítulo 1 • 15
1.2 Tradição Marxista: as interpretações sobre trabalho no
século XX
16 • capítulo 1
COMENTÁRIO
A dialética marxista - Hegel foi o primeiro a contrapor a lógica dialética à lógica tradicional.
Para ele, compreender a natureza é representá-la como processo. Mas, sendo idealista, expli-
ca a realidade como constituída pela racha do pensamento. O Ser é a Ideia que se exterioriza,
manifestando-se nas obras que produz, e que se interioriza, voltando para si e reconhecendo
sua produção. O movimento de exteriorização e interiorização da ideia se faz por contradi-
ções sempre superadas nas sínteses que, por sua vez, se desdobram em contradições (novas
teses e antíteses). A dialética encaminha Hegel para uma nova concepção de história.
Karl Marx e Friedrich Engels partem do significado da dialética hegeliana, mas promovem
uma inversão, pois são materialistas, ao contrário de Hegel, que é idealista.
Segundo Marx, no caso de Hegel, "a dialética apóia-se sobre a cabeça; basta repô-la
sobre os seus pés para lhe dar uma fisionomia racional".
Isso significa que, para Hegel, é o pensamento que cria a realidade, sendo esta a mani-
festação exterior da Ideia. Para Marx, o dado primeiro é o mundo material, e a contradição
surge entre homens reais, em condições históricas e sociais reais.
Assim, o mundo material é dialético, isto é, está em constante movimento, e historica-
mente as mudanças ocorrem em função das contradições surgidas a partir dos antagonis-
mos das classes no processo da produção social.
Exemplo de contradições com os termos relações de produção e forças produtivas:
As relações fundamentais de toda sociedade humana são as relações de produção, que
revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, usam as técnicas e
se organizam por meio da divisão do trabalho social. As relações de produção correspondem
a um certo estádio das forças produtivas, que consistem no conjunto formado pelo clima,
água, solo, matérias-primas, máquinas, mão de obra e instrumentos de trabalho.
Por exemplo, quando os instrumentos de pedra são substituídos pelos de metal, ou quan-
do o desenvolvimento da agricultura se torna possível pela descoberta de técnicas de irriga-
ção, de adubagem do solo ou pelo uso do arado e de veículos de roda, estamos diante de
alterações das forças produtivas que por sua vez provocarão mudanças nas formas pelas
quais os homens se relacionam.
Chamamos modo de produção a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em de-
terminadas relações de produção num dado momento histórico. Por exemplo, no modo de produção
capitalista, as forças produtivas, representadas sobretudo pelas máquinas do sistema fabril, deter-
minam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo operário assalariado.
Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/dialeticamarxistaarruda.html>
capítulo 1 • 17
O trabalho ocupa lugar central na vida da humanidade, pois nos distingui-
mos dos animais e das coisas através dele. Ao retomarmos nossa discussão ini-
cial, sobre o significado de trabalho em Roma e a relação trabalho e identidade,
podemos atribuir dois sentidos ao termo: um negativo – dor, sofrimento, puni-
ção; e um positivo – pensar, criar, agir, cultivar.
Sobre o aspecto negativo encontramos a insatisfação, o não reconhecimen-
to da identidade na realização da tarefa, o desemprego, a exclusão e a desigual-
dade social. Sobre o aspecto positivo, o trabalhador se reconhece na realização
do trabalho, emprega suas forças sobre outra coisa (objeto) e ao fazê-lo influên-
cia a construção de sua identidade.
Dessa maneira, segundo a filosofia marxista, as condições materiais de
existência são determinantes na formação da identidade do ser. O homem do
campo terá uma experiência laboral e se relacionará socialmente de forma dife
-rente do homem urbano, por exemplo. A existência da sociedade está baseada
na produção dos meios materiais. A partir da produção, o homem interfere na
natureza, satisfaz suas necessidades e mantém o desenvolvimento social, é na
produção e reprodução que a humanidade cria suas relações sociais, fortalece
costumes, inventa legislações, faz política, gera modelo econômicos etc.
A compreensão de trabalho como criador da sociabilidade humana permite
o reconhecimento de que as relações sociais edificadas pelo homem, desde os
seus primórdios, sempre tiveram o trabalho como base da própria reprodução
da vida. Por meio dele, produziram os bens socialmente necessários a cada pe-
ríodo da história humana.
A constituição do seres sociais tem no trabalho como ação orientada para um determi-
nado fim o fundamento da natureza humana porque pela atividade laborativa os homens
puderam diferenciar-se do mundo orgânico e, inclusive, passaram a submetê-la, a
manipulá-la e a dela se distanciar com uma relativa autonomia; autonomia relativa posto
que o ser social por mais avanços e conquistas que acumule no domínio e no controle
da natureza não pode prescindir da base natural, genética que, por ineliminável, é a vida
biológica. Sem a vida natural, sem a permanência desta dimensão, cancela-se o ser
social e a existência mesma da sociabilidade. (GRANEMANN, 2009, p. 4)
18 • capítulo 1
fundamental para a reprodução da vida social. Diferente dos outros seres vivos,
o homem é o ser que conseguiu colocar as forças da natureza a seu favor. Em
geral, a natureza condiciona o comportamento dos animais, porém, a humani-
dade utiliza sua energia e imaginação para transformar a natureza a seu favor.
O trabalho, portanto, é uma condição para a existência humana, independente-
mente da organização social. Ele coloca-se como eternamente necessário, uma
vez que media a relação homem versus natureza.
Diante disso, também afirma (GRANEMANN, 2009) que os processos de ma-
nipulação da natureza, principalmente no modo de produção capitalista, não
trazem consigo a preocupação de preservaçãoda vida, uma vez que o impulso
pelo consumismo tem comprometido o desenvolvimento sustentável.
Parâmetros tais convertem a ação laborativa em atividade que produz uma sociabilidade
alienada porque exercida com o fito da mercantilização, exclusivamente com o objetivo de
auferir lucros para o capitalista e, por essa razão, no modo capitalista de produção impôs-
se aos homens forma particular de efetivação do trabalho. (GRANEMANN, 2009, p. 4)
capítulo 1 • 19
Com o desenvolvimento do modo capitalista de produzir os bens necessários à vida
humana, as relações sociais tiveram, contraditoriamente, de assumir seu caráter social
e o trabalho passou a ser obra de contrato livremente acordado entre os homens sem
outras mediações, como a herança genética, as divindades e os heroísmos outorgantes
de lugares privilegiados nas diferentes estruturas sociais. (GRANEMANN, 2009, p. 6)
20 • capítulo 1
histórico, os trabalhadores são alienados em relação as estruturas sociais nas
quais estão inseridos. Em seus estudos sobre a alienação nos escritos de Karl
Marx, o filósofo húngaro István Mészáros nos indica que a alienação:
CONEXÃO
O artigo a seguir traz conceitos básicos acerca do trabalho e a centralidade do mesmo no
processo de sociabilidade.
Disponível em: <http://docplayer.com.br/12531743-O-processo-de-producao-e-reprodu-
cao-social-trabalho-e-sociabilidade.html>
capítulo 1 • 21
globalizado. A ideia de um mudo polarizado, oriunda da Guerra Fria e da cons-
trução do muro de Berlim (com todas as suas implicações simbólicas), não faz
mais sentido, em termos políticos e culturais. Por outro lado, a hegemonia de
uma determinada formação social, a saber, a capitalista, continua intacta e
coesa. Mas antes de pensar especificamente sobre o que é globalização, é im-
portante questionar a atualidade desse conceito. De qual globalização se está
falando?
Segundo Norbert Elias (1994), a vida em grupo é uma prerrogativa da exis-
tência humana. As pessoas sempre viveram em grupos, que Elias denominou
de “unidades de sobrevivência”. Algumas das funções desempenhadas pelos
grupos estavam voltadas exclusivamente para a manutenção de sua integridade
como, por exemplo:
• A necessidade de providenciar alimentos e outros meios de subsistência.
• O controle da violência (interno e externo). E o que a antiga existên-
cia desses grupos, denominados “unidades de sobrevivência”, tem a ver com
a globalização?
22 • capítulo 1
• Entre as unidades de sobrevivência: há a persistência de uma violência
relativamente descontrolada.
capítulo 1 • 23
De um ponto de vista histórico “globalização” é a palavra da moda para um
processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização europeia a
partir do final do século XV (BATISTA JÚ NIOR, 1997, p. 6).
A globalização é o momento que assiste à tecnificação das relações sociais,
em todos os níveis. A globalização é marcada pela racionalidade funcional, a
serviço do processo de valorização do dinheiro. Características da globalização:
• O inglês se edifica como língua universal, ele é o jargão da globalização.
• Produtividade, lucratividade e consumismo.
• Desenvolvimento de técnicas de produção de realidades virtuais, teleco-
municações. O inglês começou a mundializar-se como idioma do imperialismo
britânico (séculos XIX e XX).
24 • capítulo 1
A desigualdade social e a existência de enormes contingentes populacio-
nais que estão à margem do processo de desenvolvimento multiplicam e apro-
fundam os conflitos sociais e a deterioração da qualidade de vida na maioria
das regiões do planeta. Por conseguinte, o problema da exclusão social torna-
se hoje uma questão fundamental, que requer muito mais soluções estruturais
do que reformas paliativas (SANTOS, 2001). Noções como metrópole e colônia,
império e imperialismo, interdependência e dependência, central e periférico,
urbano e agrário, moderno e arcaico, primeiro e terceiro mundo expressam o
vai e vem do processo histórico-social de ocidentalização e modernização do
mundo.
A modernização do mundo implica a difusão e sedimentação dos padrões
e valores socioculturais predominantes na Europa e nos Estados Unidos. Ela
traz a ideia de que o capitalismo é um processo civilizatório não só superior,
mas inexorável. O capitalismo desenvolve-se pelos quatro cantos do mundo,
generalizando padrões, valores e instituições ocidentais. Essa modernização
traz implícito o ideário democrático da procedência da liberdade econômica
em face da política.
Na economia, consolida-se o neoliberalismo, fazendo com que as forças de
mercado capitalista se espraiem globalmente. Enquanto o liberalismo funda-
mentava-se no princípio da soberania nacional, ou ao menos tomava-o como
parâmetro, o neoliberalismo passa por cima de tal princípio, deslocando as
possibilidades de soberania para as organizações, corporações e outras entida-
des de âmbito global.
O regime atual de acumulação capitalista global impõe um novo tipo de im-
perialismo, o qual se alimenta dos fluxos de rendas financeiras internacionais.
É no estágio monopolista do capitalismo, dadas as características que lhe são
peculiares, que a questão social vai-se tornando objeto de intervenção sistemá-
tica e contínua do Estado.
A estruturação da economia capitalista mundial, após a Guerra Fria e no al-
vorecer do século XXI, sob a hegemonia do império norte-americano, passa por
marcantes mudanças na sua conformação (IAMAMOTO, 2007, p.106).
Verificamos um planeta globalizado, acionado por grandes grupos indus-
triais transnacionais, articulados ao mundo das finanças, que conta com su-
porte das instituições financeiras que operam com capital que rende juros.
Estas estão apoiadas na dívida pública e no mercado acionário das empresas.
capítulo 1 • 25
Para Iamamoto (2007), o capital financeiro comanda o processo de acumu-
lação e, através de inéditos processos sociais, envolve a economia e a sociedade,
a política e a cultura, vincando profundamente as formas de sociabilidade e o
jogo das forças sociais. Todavia, ocultado nessa nova dinâmica do capital, está
o seu avesso, caracterizado pelo universo do trabalho. As classes trabalhadoras
e suas lutas são responsáveis pela criação de riquezas para os outros, vivencian-
do a radicalização dos processos de exploração e expropriação.
MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo: O mundo global visto do lado de cá, documentário do cineasta brasi-
leiro Sílvio Tendler, discute os problemas da globalização sob a perspectiva das periferias.
O filme é conduzido por uma entrevista com o geógrafo e intelectual baiano Milton San-
tos, gravada quatro meses antes de sua morte. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=UJd5YKhR9gE>
26 • capítulo 1
compreensão, explicação e imaginação sobre o mundo. O computador consoli-
da-se como aliado e algoz na prática do ensino — ao mesmo tempo em que ele
que se torna um eficaz recurso pedagógico, a inesgotabilidade de informações e
sua heterogeneidade concorrem para a difusão de dados inconsistentes.
McLuhan (1974) viu a tecnologia como uma extensão do homem. Para o au-
tor, da mesma forma que a roda é a extensão do pé, o telescópio uma extensão
do olho, a rede de comunicações é uma extensão do sistema nervoso. A televi-
são tornou-se os olhos e o telefone, a boca e ouvidos.
A intensificação do ritmo da produção de mercadorias e o volume de infor-
mações produzidas fazem com que haja uma modificação na percepção que o
homem tem acerca da passagem do tempo. Há a sensação de uma aceleração
do ritmo da vida e a conversão dos cidadãos em meros consumidores (todos se
igualam através da possibilidade de aquisição de mercadorias).
O poder dos meios de comunicação fica evidente na seguinte frase, dita
pelo poeta francês Charles Baudelaire (apud. HARVEY, 1992): “Qualquer pes-
soa pode governar uma grande nação assim que obtém o controle do telégrafo
e da imprensa nacional”.
A globalização cria a ilusão da universalização das condições e possibilida-
des do mercado e da democracia, do capital, da cidadania. Os direitos são, na
prática, privilégios.
Há sempre alguma manipulação, mais ou menos decisiva, no modo pelo
qual a mídia registra, seleciona, interpreta e difunde o que será divulgado, dei-
xando evidente que os censores da atualidade são os redatores.
ATIVIDADES
01. O capitalismo do século XIX tropeçou de desastre em desastre nas bolsas de valores e
nos investimentos empresariais irracionais. Após a Segunda Guerra Mundial, essa desordem
foi de algum modo posta sob controle na maioria das economias avançadas: sindicatos for-
tes, garantias trabalhistas e empresas de grande escala combinaram-se e produziram uma
era, de mais ou menos trinta anos, de relativa estabilidade.
Adaptado de SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.
capítulo 1 • 27
a) implantação dos sistemas de crédito – moderno
b) estruturação dos impérios coloniais – corporativista
c) organização das redes produtivas globais – autocrático
d) formação das sociedades de consumo de massa de bem-estar social
02. Para Marx, a riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em
‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, iso-ladamente considerada, é a forma
elementar dessa riqueza (MARX, 2006, p.57).
Analise as proposições a seguir e assinale a que não enquadra na citação feita por Marx.
a) A acumulação de mercadorias surge da exploração de uma classe social sobre a outra,
num processo de separação dos meios de produção daquele que produz a mercadoria.
b) No sistema capitalista, os meios de produção são retirados dos trabalhadores e passam
a pertencer aos donos das fábricas.
c) O operário passa a depender apenas de sua força de trabalho que é trocada por
um salário.
d) O sistema capitalista permite o surgimento de um trabalhador que conhece todo o pro-
cesso de produção e se identifica com o que produz.
e) Nomodo de produção capitalista a circulação de mercadorias é fundamental.
03. Conceitualmente, a expressão questão social, foi utilizada para designar o processo de
politização da desigualdade socialinerente à constituição da sociedade burguesa. Sua emer-
gência vincula-se ao surgimento do capitalismo e à pauperização dos trabalhadores. Esta
concepção foi considerada como elemento que dá sustentação a profissão do assistente
social, e é sua base histórico-social. Além disso, pode ser considerada:
a) A percepção que o assistente social não faz parte deste processo.
b) A natureza contraditória da profissão, que sempre coadunou com a classe trabalhadora.
c) A proposta básica para o projeto de formação profissional.
d) A orientação pluralista e simplista da formação profissional.
e) O processo de conceituação funcionalista da profissão.
04. [...] o Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização
do trabalho. Questão social aprendida como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva,
o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 2008, p.27)
28 • capítulo 1
Com base no conceito acima mencionado, elabore um texto reflexivo articulando a sua res-
posta (a sua argumentação) e contemplando estes três pontos:
a) Quais as expressões (os reflexos) da questão social no Brasil?
b) Quais são as demandas profissionais que surgem no seu cotidiano profissional?
c) Qual o referencial teórico-prático que direciona a sua prática?
REFLEXÃO
Sugerimos o vídeo a seguir, a fim de aprofundar a reflexão acerca do conceito marxis-
ta alienação:
<https://www.youtube.com/watch?v=3zf0N2W7V_I>
LEITURA
Sugerimos a leitura da obra de Milton Santos, que coloca em debate as expressões da ques-
tão social na contemporaneidade, tendo como fundamento os desdobramentos causados
pela globalização.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência univer-
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30 • capítulo 1
2
Transformações do
trabalho no
século XX:
Implicações no
Serviço Social
2. Transformações do trabalho no século XX:
Implicações no Serviço Social
OBJETIVOS
• Compreender as transformações no mundo do trabalho ocorridas na contemporaneidade;
• Refletir a respeito das novas formas de atuação do assistente social diante da reestrutu-
ração produtiva.
Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?
A autossuficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros
de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem
quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de
encontro com eles.
Pedagogia do Oprimido – Paulo Freire (1987).
Paulo Freire (1987) em seu ensino sobre a pedagogia do oprimido nos per-
mite pensar que “se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem
quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lu-
gar de encontro deles”. É no cotidiano que vamos compreender a produção e
reprodução das relações e, consequentemente, “ir ao encontro do outro”, visto
que o assistente social não vai atuar sobre a realidade, mas na realidade.
32 • capítulo 2
Em sua compreensão, Paulo Freire – que aqui também vai embasar a gestão
do trabalho do assistente social, discorrendo sobre a relação dialógica com o
outro e lembrando o conceito de violência simbólica de Pierre Bourdieu – vai
nos “alimentar”, “dar luz”, apresentando questões a serem refletidas, interiori-
zadas e praticadas.
CONCEITO
Violência simbólica é um conceito elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Forma de
coação que se apoia no reconhecimento de uma imposição determinada, seja esta econômi-
ca, social ou simbólica. A violência simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no
processo de socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo
critérios e padrões do discurso dominante. Devido a esse conhecimento do discurso domi-
nante, a violência simbólica é manifestação desse conhecimento através do reconhecimento
da legitimidade desse discurso dominante. Para Bourdieu, a violência simbólica é o meio de
exercício do poder simbólico.
Uma crítica a esse conceito parte do pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas
e diz respeito à violência equivaler sempre a agressão física, portanto exterior ao simbólico.
Contudo, essa crítica, além de restringir a violência apenas à dimensão física, ignora a possi-
bilidade de as crenças dominantes imporem valores, hábitos e comportamentos sem recorrer
necessariamente à agressão física, criando situações onde o indivíduo que sofre a violência
simbólica sinta-se inferiorizado como acontece, por exemplo, nas questões de bullying(hu-
milhação constante), raça, gênero, sexualidade, filosofia etc. A violência simbólica está muito
presente na educação, a partir do momento em que professores e gestores sub-escolares
tentam impor suas convicções e/ou crenças particulares.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_simb%C3%B3lica>
capítulo 2 • 33
nas cidades e a indústria ganha espaço nos setores de transporte, alimentação
e no setor farmacêutico.
Nesse sentido, a segunda revolução industrial ampliou as mudanças na
organização da produção. A energia originada pelo carvão, típica da primeira
revolução industrial, foi processualmente sendo substituída pela eletricidade.
Além disso, as indústrias petroquímicas ganharam cada vez mais espaço no ce-
nário mundial.
Com a expansão do sistema industrial, pudemos observar um aprimora-
mento na produção de excedente concomitante a um refinamento das técni-
cas de exploração do trabalho. No início do século XX, diversos investimentos
foram implementados como forma de aumentar ainda mais a produção fabril.
Frederick Taylor, engenheiro mecânico norte-americano, preocupou-se em uti-
lizar seus conhecimentos científicos a fim de tornar a administração industrial
uma máquina mais eficiente.
Taylor utilizou distintas estratégias para racionalizar a utilização do tempo
de trabalho e, dessa maneira, favorecer os capitalistas na medida em que pos-
sibilitava um controle cada vez maior do ritmo de trabalho. Entre essas estraté-
gias podemos destacar: o treinamento dos trabalhadores de maneira que a ins-
trução do gerente poderia resultar em aumento de produtividade. Além disso,
para Taylor era fundamental o planejamento de toda a cadeia produtiva a partir
de uma metodologia que favorecesse o melhor desenvolvimento da produção.
Uma das mais influentes propostas de Taylor foi pensar o controle de acordo
com sequências de atividades e tempo programado para evitar desperdício.
Para tanto, era primordial a figura de uma supervisão funcional com a inten-
ção de gerenciar a produtividade de todo o quadro de empregados. Ao mesmo
tempo, propunha uma lógica de pagamento pautada na quantidade produzida.
Ou seja, Taylor introduz uma sistematização do trabalho capaz de organizar e
maximizar o lucro da burguesia industrial.A partir dessas exigências feitas aos
trabalhadores no início do século XX, Gramsci elabora uma crítica a essa nova
ética (taylorista e fordista) capaz de imprimir na mentalidade do mundo do tra-
balho um “espírito” americano. Esse discurso intencionava construir um novo
tipo de Estado, o Estado liberal, com menor interferência dos governos na eco-
nomia. Além, de um novo padrão de homem tanto no contexto da classe domi-
nante como dos trabalhadores.
34 • capítulo 2
Taylor exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade americana: desenvolver
ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo
psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participa-
ção ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as opera-
ções produtivas apenas ao aspecto físico maquinal. Mas, na realidade, não se trata de
novidades originais, trata-se somente da fase mais recente de um longo processo que
começou com o próprio nascimento do industrialismo, fase que é apenas mais intensa
do que as precedentes e manifesta-se sob formas mais brutais, mas que também
será superada com a criação de um novo nexo psicofísico de um tipo diferente dos
precedentes e, indubitavelmente, superior (GRAMSCI, 2001, p. 397).
capítulo 2 • 35
trabalhadores não precisavam desenvolver uma atividade com alto grau de ca-
pacitação. Portanto, a obediência e velocidade eram critérios mais valorizados
no cenário industrial do século XX.
Notadamente, observa-se o discurso fordista centrado na produção em
massa e paralelamente a um incentivo do consumo em massa. O sucesso da
acumulação entre os capitalistas não possibilitou uma satisfação por parte da
classe trabalhadora. As funções repetitivas tornavam-se desgastantes e o operá-
-rio cada vez mais não se identificava com seu objeto de produção. Além disso, a
lógica fordista estimulava a competição entre os funcionários o que dificultava
a articulação dos trabalhadores. Segundo Ford: “O espírito de competição leva
para a frente o homem dotado de qualidades [...] os homens de valor criam por
si mesmos as suas posições [...] A pessoa em questão vê-se de repente num tra
-balho diverso com a particularidade de um aumento de salário”(FORD, 1967,
p. 74).
36 • capítulo 2
CONCEITO
A Reestruturação Produtiva – também chamada de capitalismo flexível – é um processo
que se iniciou na segunda metade do século XX e que correspondeu ao processo de flexibi-
lização do trabalho na cadeia produtiva. Sua inserção no mundo capitalista está diretamente
associada à Terceira Revolução Industrial – também chamada de Revolução Técnico-Cien-
tífica Informacional – e ao processo de implementação do Neoliberalismo enquanto siste-
ma econômico.
Quando se fala em flexibilização do trabalho, fala-se na crise do sistema fordista/taylo-
rista de produção. Assim, onde antes predominava o modo de produção caracterizado pelo
trabalho repetitivo executado pelo trabalhador e o processo de produção em massa de mer-
cadorias, agora se pratica a flexibilidade do trabalho, em que o mesmo empregado executa
variadas funções no ambiente da empresa. Além disso, o ritmo de produção obedece à de-
manda do mercado, evitando, assim, a estocagem de mercadorias.
É importante ressaltar que a Reestruturação Produtiva apenas se efetivou em virtude dos
avanços proporcionados pelas inovações tecnológicas, que permitiram uma maior eficiência
no processo produtivo, minimizando erros e acelerando a produção. Graças à robótica, à
nanotecnologia e a várias outras técnicas, o processo produtivo tornou-se mais dinâmico,
de modo que uma mesma pessoa agora é capaz de realizar a mesma função de dezenas
de trabalhadores.
A consequência foi a elevação do chamado emprego temporário, quando as indústrias
contratam funcionários apenas em épocas de grande demanda na produção, demitindo-os
quando não houver mais necessidade de se produzir mercadorias em grandes quantidades.
Além disso, anota-se o processo de desregulamentação do trabalho, instrumentaliza-
do pela total desarticulação do sistema produtivo, acarretando a multiplicação de contratos
precários de trabalho e a diminuição média dos salários, gerada pela elevação dos índices
de desemprego.
Contribuiu também para a redução média dos ganhos financeiros dos trabalhadores o
processo de terceirização da economia. Esse processo ocorreu em razão dos baixos índi-
ces de geração de empregos no campo (setor primário) e nas indústrias (setor secundário),
resultando no direcionamento da maior parte de trabalhadores para a área comercial e de
serviços (setor terciário).
O primeiro país a conseguir, já na década de 1970, incorporar com sucesso a reestrutu-
ração produtiva foi o Japão, país onde o modelo ficou conhecido como toyotismo. No Brasil,
e na maioria dos demais países, esse sistema consolidou-se na década de 1980. O mundo
capítulo 2 • 37
subdesenvolvido conheceu esse processo com a instalação das multinacionais em seus ter-
ritórios, que já adotavam a reestruturação produtiva como filosofia de negócios.
Atualmente, esse modelo ainda se encontra predominante no setor industrial em todo mun-
do. Sua consolidação foi o principal motor para a hegemonia do Neoliberalismo no mundo atual.
Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/reestruturacao-
produtiva.htm>
38 • capítulo 2
concomitante a uma desarticulação dos sindicatos. Com o aumento do exce-
dente de mão de obra, os trabalhadores precisam se submeter às péssimas con-
dições de trabalho, ao aumento da jornada ou a prestar serviços sem registro
em carteira. Ou seja, o cenário é preocupante, pois cada vez mais doenças como
depressão e stress afetam a vida do trabalhador.
Podemos notar que o modelo toyotista aponta novas exigências aos traba-
lhadores. As linhas de montagem foram substituídas por ilhas de produção.
Dessa maneira, não serve mais às indústrias um trabalhador pouco qualificado
e pouco propositivo. As empresas passam a exigir autonomia e criatividade aos
operários. Todavia, essa flexibilização não resulta em melhores condições de
trabalho tampouco uma redução da jornada de trabalho as mudanças na orga-
nização da produção na fábrica afetam diretamente a estruturação do trabalho
em toda a sociedade. Assim, observamos novas exigências atribuídas à classe
trabalhadora de maneira bastante genérica, inclusive ao grupo dos assisten-
tes sociais.
CONEXÃO
Assista ao filme: Segunda feira ao Sol.
O desenvolvimento da mundialização do capital e do capitalismo global, a partir da dé-
cada de 1980, implicou numa nova divisão internacional do trabalho, com impactos signifi-
cativos em alguns setores industriais nos países capitalistas do Primeiro Mundo, como, por
exemplo, Espanha e Reino Unido. Ocorreu um agudo processo de desindustrialização e de
reconversão produtiva que atingiu o mundo do trabalho, contribuindo para o aumento sig-
nificativo do desemprego em massa e do desemprego de longa duração e da precarização
do trabalho. Surgiram formas agudas de estranhamento da força de trabalho em virtude da
sua desvalorização como mercadoria. Um grande contingente de ex-operários foi obrigado a
buscar inserções precárias no mercado de trabalho no setor de serviços em expansão. Enfim,
eles foram vítimas da globalização do capital e das mutações do capitalismo global, marcado
pela financeirização exarcebada e pela constituição da sociedade em rede. Nessa nova etapa
de desenvolvimento do sistema mundial do capital se engendra uma nova dinâmica social ca-
racterizada pelo sócio-metabolismo da barbárie, isto é, pela aguda dessocialização de amplos
contingentes da sociedade do trabalho estranhado.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/segundaaosol.htm>
capítulo 2 • 39
Raichelis (2010, p.763) traz uma contribuição ímpar ao problematizar a si-
tuação dos trabalhadores e a precarização desta, inclusive destacando-a por
não se tratar somente de uma questão associada à gestão do trabalho.
40 • capítulo 2
2.2 O debate no Serviço Social frente às transformações ocorridas.
capítulo 2 • 41
Segundo Iamamoto (2008, p.77):
O Código de Ética nos indica um rumo ético político, um horizonte para o exercício
profissional. O Desafio é materialização dos princípios éticos na cotidianidade do
trabalho, evitando que se tornem indicativos abstratos, deslocados do processo social.
42 • capítulo 2
Assim, o cotidiano pode ser compreendido como o território da esponta-
neidade, das motivações efêmeras e particulares, da fixação repetitiva do ritmo
e da rigidez do modo de vida. Consequentemente, o pensamento cotidiano é
um pensamento fixado tão somente na dimensão empírica da realidade e dos
acontecimentos da vida; logo, pragmático e ultrageneralizador, determinado
na unidade imediata entre pensamento e ação. Heller (1989, p.17) complemen-
ta essa compreensão expondo que “a vida cotidiana é a vida do homem inteiro”.
É preciso estar atento à dimensão espaço-temporal no cotidiano e à sua
compreensão, pois é nela que o profissional vai agir através da mediação (aqui
compreendida na perspectiva dialética) para o enfrentamento dos conteúdos
alienantes, sendo o preconceito, o conformismo, o pragmatismo, a exploração
do trabalho, a perda da dimensão da totalidade, entre outros.
Portanto, é fundamental estar alerta, para que a prática profissional não
seja vaga, sem eco, sem direção e sentido, assim o fazer cotidiano do profis-
sional deve garantir a direção social das réplicas profissionais, com a clareza
do projeto ético-político da categoria e utilizando a mediação a própria relação
dialética entre o conhecimento e a ação no âmbito desse fazer.
capítulo 2 • 43
Ambas as concepções estão unidas pela incapacidade de não realizarem a
práxis social. E não é dessa fonteque devemos beber, pois as contribuições das
duas perspectivas têm ocorrido – cada vez mais – de forma a iluminar a realida-
de. Iamamoto (2008, p.63) sinaliza que:
44 • capítulo 2
O trabalho profissional tem de ir além da repetição e mimetismo que con-
figuram a vida cotidiana, colocando-nos como desafio criar e inventar, ou seja,
girar a roda da história, conforme o expor de Iamamoto (2008, p.21):
[...] ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para
detectar tendências e possibilidades nela presentes passiveis de serem impulsionadas
pelo profissional. [...] as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automati-
camente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropria-
rem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las, transformando-as em
projetos e frentes de trabalho.
capítulo 2 • 45
para justificá-la e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para con-
cretizá-las. Constituem-se, assim, projetos macroscópicos para o conjunto da
sociedade. São, portanto, projetos de classe.
Já os projetos profissionais são:
• Coletivos.
• Apresentam a autoimagem de uma profissão.
• Elegem os valores que a legitimam.
• Delimitam e priorizam seus objetivos e funções.
• Formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu
exercício.
• Prescrevem normas para o comportamento dos profissionais.
46 • capítulo 2
• Condição política, que teve na luta pela democracia seu principal rebati-
mento, onde os anseios democráticos e populares foram incorporados e inten-
sificados pelas vanguardas do Serviço Social.
• Espaço legitimado na academia, que permitiu à profissão estabelecer
fecunda interlocução com as Ciências Sociais e criar e revelar quadros intelec-
tuais respeitados no conjunto da categoria.
• Debate sobre a formação profissional, cujo empenho foi dirigido no
sentido de adequá-la às novas condições postas, em um marco democrático
da questão social e suas expressões. Em suma, a construção de um novo perfil
profissional.
capítulo 2 • 47
serviços prestados à população, a publicização dos recursos institucionais e,
sobretudo, o desafio de manejar, mediar: abrir as decisões institucionais à par-
ticipação dos usuários.
48 • capítulo 2
levantamento de dados pessoais, familiares, situacionais, institucionais, con-
textuais que permitam subsidiar o plano de ação profissional.
Adotando como referência a Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993, que dis-
põe sobre a profissão de assistente social e constitui sua regulamentação, são
definidas, no artigo 4º, as competências do assistente social e, no artigo 5º, as
atribuições privativas.
Assim, a dimensão técnica operativado assistente social, bem como a uti-
lização de qualquer instrumental operativo, seja a avaliação socioeconômica,
a visita domiciliar, o atendimento individual ou em grupo, precisam ser claras
para dar visibilidade ao exercício profissional e aos compromissos assumidos
no Código de Ética e na Lei da Regulamentação.
Diante do que apresentamos nesse capítulo, torna-se fundamental com-
preender que é neste espaço, de contradições vivenciadas no cotidiano de ação
profissional, que os assistentes sociais vão objetivar e operacionalizar as suas
ações. Portanto, a ação cotidiana deve ser entendida como sendo parte orgâ-
nica da construção do trabalho, sendo preciso também estar alerta para que a
prática profissional não seja vaga, sem eco, sem direção e sentido, assim o fazer
cotidiano do profissional deve garantir a direção social das réplicas profissio-
nais, sendo a mediação a própria relação dialética entre o conhecimento e a
ação no âmbito deste fazer.
ATIVIDADES
01. Diante da compreensão da práxis social e do cotidiano profissional e suas especificida-
des, avalie dois princípios do Código de Ética do assistente social, de forma a refletir como
são garantidos em suas ações.
02. Tendo em vista o conteúdo apresentado, Lefebrve (apud NETTO, 1991) vai sinalizar a
apreensão da vida cotidiana com base em três perspectivas convergentes, sendo:
a) A busca da totalidade, da imediaticidade e fragmentação.
b) A busca da imediaticidade, do real e da realidade.
c) A busca da fragmentação, da vida, da imediaticidade.
d) A busca do real, da sociabilidade e da fragmentação.
e) A busca do real, da realidade e da totalidade.
capítulo 2 • 49
03. O conhecimento da realidade, em qualquer nível da atuação profissional, consubstancia-
se como o momento desencadeante do fazer do assistente social, orientado por saberes
teórico-metodológicos e técnico-operativos e por princípios ético-políticos. Nesse processo,
ocorre:
a) Um minucioso processo de socialização de informações.
b) Um rápido contato com os dados da realidade imediata.
c) Um atento processo de levantamento de dados pessoais, familiares, situacionais, institu-
cionais, contextuais que permitam subsidiar o plano de ação profissional.
d) Um exaustivo movimento de investigação científica.
e) Um breve levantamento que permita planejar a ação profissional.
REFLEXÃO
Sugerimos a leitura do poema a seguir, de Vinicius de Moraes, e, em seguida, reflita sobre as
condições de trabalho nele apresentadas:
O operário em construção
50 • capítulo 2
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
capítulo 2 • 51
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
[...]
[...]
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
52 • capítulo 2
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
LEITURA
Para a melhor compreensão deste capítulo, sugerimos a leitura do livro do sociólogo Ricardo
Antunes, em que o autor se insere no debate mundial acerca da globalidade desigualmente
articulada, que põe em questão a centralidade do mundo do trabalho. Busca apreender não
só as transformações que vêm ocorrendo na sociedade do trabalho neste início do século,
mas, sobretudo, explicitar as diferentes tendências e teses, presentes em diferentes autores
pesquisadores sobre a temática mundo do trabalho.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho de Ricardo Antunes, 2ª ed., São Paulo; Campinas, Cortez e Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1995
<https://drive.google.com/file/d/0B8HiUnvOK845eEpWT0xVT2FWUEk/view>
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capítulo 2 • 53
HELOANI, Roberto. Organização do Trabalho e Administração – Uma visão multidiscipli¬nar. 2.ed.
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54 • capítulo 2
3
Serviço Social e
Representação
Social: Elementos
para reflexão
da identidade
profissional
3. Serviço Social e Representação Social:
Elementos para reflexão da identidade
profissional
Nesse capítulo, iremos refletir sobre as questões que envolvem a construção da
identidade profissional no contexto histórico brasileiro, retomaremos a traje-
tória da profissão e a estreita vinculação com os interesses do Estado e da Igreja
Católica. Essa reflexão é necessária para que possamos ter clareza do avanço da
profissão, enquanto classe que incorporou as demandas das classes trabalha-
doras e do movimento de ruptura com uma prática conservadora.
OBJETIVOS
• Refletir sobre o processo de institucionalização da profissão no Brasil;
• Compreender o significado social da profissão na contemporaneidade;
• Refletir sobre a identidade profissional;
• Analisar a relação formação profissional e conservadorismo;
• Analisar o compromisso com a ética profissional como elemento fundante da identida-
de profissional.
3.1 Introdução
capítulo 3 • 57
O movimento da Ação Católica investe em formação dos seus intelectuais,
com o objetivo da difusão mundial dos seus dogmas, deixando a missão con-
templativa para uma missão evangelizadora de base e efetiva na sociedade.
Impõe uma ação doutrinária com vistas a blindar os operários das influên-
cias comunistas difundida no movimento operário e busca a harmonia entre
as classes.
Com a proposta de participar ativamente das discussões acerca da ques-
tão social utiliza duas importantes encíclicas que tratam sobre o tema: Rerum
Novarum e Quadragésimo Anno, colocando a questão social como questão mo-
ral e religiosa.
A implantação das políticas públicas nesse período foram estruturadas
como medidas para controlar e desmobilizar a organização políticas dos traba-
lhadores urbanos.
Podemos afirmar que, nesse processo, a profissão se configurou como ins-
trumento de controle social do Estado. O Serviço Social é configurado como
uma profissão legitimada para atuar com as classes operárias, gestada den-
tro dos princípios católicos. Não apenas como uma forma de exercer a cari-
dade, mas como forma de intervenção ideológica nos modos de vida da clas-
se trabalhadora.
O Serviço Social vai sendo absorvido pelas políticas sociais pulverizadas do
Estado, desenvolvendo atividade que lhes são repassadas, atribuídas social-
mente, as quais não detêm uma intencionalidade profissional própria.
A profissão foi reconhecida como profissão liberal através de Portaria do
Ministério do Trabalho em 19/04/1949, porém contraditoriamente não possuía
autonomia no exercício das suas atividades, uma vez que ou estava vinculado
ao Estado, a empresas ou a organizações não governamentais, dependendo do
órgão empregador dispor das condições materiais para o exercício do trabalho.
A mobilização política das camadas mais empobrecida, e o enfrentamento
das precárias condições de vida e do trabalho, impulsionaram o Estado a criar
as bases de implantação da profissão como forma de atenuar o crescimento e a
organização da classe trabalhadora.
Compreender o processo de construção da identidade profissional para
além da arraigada concepção humanista cristã se faz necessário, pois ainda na
contemporaneidade nos deparamos com o pensamento conservador no fazer
profissional.
58 • capítulo 3
A fonte de inspiração do pensamento conservador provém de um modo de vida do
passado, que é resgatado e proposto como uma maneira de interpretar o presente e
côo conteúdo de um programa viável para a sociedade. (IAMAMOTO, 2007, p.22).
capítulo 3 • 59
A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas
como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na
atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento
dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração
entre capital e trabalho. (IAMAMOTO, 2007, pg, 20).
Não podemos atribuir essa concepção como uma construção social única
e exclusivamente descolada do processo histórico brasileiro, tampouco isen-
tar a categoria profissional nesse processo de interpretação, vários fatores,
como por exemplo: o processo de institucionalização da profissão, a condução
do Estado no enfrentamento da questão social, a fragmentação das políticas
sociais contribuíram para o enraizamento dessa concepção. Vivemos os cons-
tantes embates com a generalização das profissões. É cada vez mais comum o
assistente social assumir cargos de chefia, coordenação sob as mais diversas
denominações, e tão comum também um distanciamento dos princípios nor-
teadores da profissão por alguns profissionais.
Ainda é muito presente os resquícios conservadores da profissão, pois
grande parte da sociedade, em geral, compreende a profissão como responsá-
vel pelo atendimento às camadas empobrecidas da sociedade no auxílio mate-
rial das necessidades básicas da vida.
Essa desconstrução deve ser engendrada pela própria categoria na incorpo-
ração do projeto ético-político e na implementação do projeto profissional.
60 • capítulo 3
uma expansão das escolas de Serviço Social e já não é público majoritário as
mulheres das classes altas, mas também há a absorção de alunos oriundos dos
setores da classe média. O processo de expansão das escolas foi disparado para
atender à demanda de profissionais no mercado de trabalho nascente da políti-
ca desenvolvimentista e de crescimento da máquina pública estatal.
No bloco católico, nasce um movimento de esquerda cristã, que passa a
influenciar um enorme contingente de profissionais e dos movimentos estu-
dantis, questionando, inclusive, o processo político de 1964. Algumas parcelas
dos profissionais participam ativamente das ideias produzidas pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que questionam a realidade e a condu-
ção política do país.
Essas manifestações traduzem num processo de questionamento da prá-
tica profissional e na busca de uma identidade própria do Serviço Social, haja
vista que a sua identidade desde sua formação foi atribuída à Igreja, ao Estado
e à burguesia industrial.
Com o movimento político de 1964, houve um refluxo nesse movimento,
porém o debate estava aceso, esse processo é marcado pelo início de uma nova
possibilidade de se pensar a profissão. Esse período é denominado como uma
perspectiva modernizadora da profissão, que não rompe com a herança con-
servadora e não questiona as contradições das relações de produção, base do
processo de exploração da classe trabalhadora.
O movimento de ruptura com a prática conservadora da profissão reaparece
no contexto histórico de pressões da sociedade por mudanças no acesso à pos-
se da terra, da internacionalização da econômica, do aumento exponencial da
dívida externa e da agudização da política dominadora do Estado.
Países da América Latina, como Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai,
Equador e Peru, tiveram nos seus governos militares mecanismos de controle e
cerceamento da liberdade individual, exterminando qualquer manifestação de
oposição à condução da política.
Os movimentos sociais, porém, articularam-se e, com o apoio de setores
progressistas da Igreja, ligados à teoria da libertação, operaram na clandestini-
dade. A categoria inicia a busca por novas bases teóricas filosóficas, que dêem
sustentação enquanto metodologia de trabalho e encontra no marxismo es-
sas referências.
capítulo 3 • 61
MULTIMÍDIA
Assista ao vídeo do Youtube em que Paulo Freire explana sobre a ontologia do ser e sobre
a teologia da libertação. Paulo Freire é filósofo e educador de grande importância para as
ciências humanas e para o Serviço Social.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OsLHMA3EU0k>.
COMENTÁRIO
O movimento de reconceituação da Escola de Val Paraíso no Chile influenciou várias outras
escolas de Serviço Social da América Latina. Esse movimento surgiu num contexto de
instabilidade política do Chile e do forte movimento político dos assistentes sociais. Para
saber mais, acesse: <http://www.pucminas.br/graduacao/cursos/arquivos/ARE_ARQ_
REVIS_ELETR20071101163758.pdf>.
62 • capítulo 3
reflexão sobre o a ausência da dimensão política da profissão, a ausência de
criticidade e presença da neutralidade, reivindicando uma profissão que in-
corporasse a identidade latino-americana, a formação laica e as demandas das
classes trabalhadoras.
É fato que a profissão se gestou em bases conservadoras, produzimos res-
postas conservadoras, que visavam a manutenção do status quo, portanto ain-
da temos resquícios do conservadorismo na profissão, que são alimentados
por práticas imediatista. A profissão não dispunha de fundamentação teórica
própria, utilizou para sua formação teorias das ciências sociais com direciona-
mento conservador: neotomismo, positivismo, funcionalismo.
A ruptura com o conservadorismo ocorre num contexto social muito parti-
cular, na ditadura militar, com a aproximação da profissão com a teoria crítica
marxista na produção do conhecimento e na reflexão do fazer profissional; com
a articulação do Serviço Social com os movimentos sociais e partidos políticos
de esquerda, incorporando as lutas, reivindicações da classe trabalhadora e o
rompimento com a formação profissional de orientação conservadora, culmi-
nando com a revisão curricular em 1982-1983 que incorporou a vertente teórica
marxiana. Atrelado e esse processo de ruptura temos a revisão do Código de
Ética Profissional de 1986 e o coroamento com a aprovação do Código de Ética
de 1993 e da construção do projeto ético-político da categoria.
capítulo 3 • 63
que são os sentimentos de pertença e identificação com a própria identidade
da profissão. Afirma a autora que o núcleo da identidade do Serviço Social tem
como base material o próprio processo de trabalho profissional.
A proposta de discutir sobre a identidade profissional nos leva a refletir so-
bre a natureza e a especificidade da inserção da profissão no contexto brasilei-
ro considerando as determinações políticas, sociais, econômicas, históricas e
culturais. A profissão é relativamente nova quando comparada com profissões
milenares, e nessas oito décadas de implantação do Serviço Social no Brasil
passou por transformações radicais no seu fazer profissional.
A pergunta pela identidade é, pois, uma pergunta de natureza histórica, dialética, que
sintetiza/articula dialeticamente o que somos, a forma de ser de profissão, o que
fazemos, a forma pela qual a profissão aparece socialmente, ou seja, o conjunto de
intervenções que realiza em um dado momento histórico, e o que aspiramos fazer a
partir das determinações ético-políticas de nosso projeto profissional e dos desafios e
demandas que emergem da realidade cotidiana. (MARTINELLI, 2013, p. 151).
AUTOR
Maria Lúcia Martinelli é assistente social formada pela Pontifícia Universidade Católica, com
amplo conhecimento e produção teórica sobre a questão da identidade profissional, possui
livros e artigos que são referências. Atualmente é professora e pesquisadora do Programa
de Pós- Graduação da PUC São Paulo no curso de Serviço Social. Para saber mais sobre a
professora, acesse: <http://servicosocialmemorialbibliografico.blogspot.com.br/2014/03/
biografia-maria-lucia-martinelli.html> e assista ao vídeo do Youtube, onde a professora
fala sobre sua participação no Congresso de Serviço Social e Saúde e também sobre sua
produção teórica. Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=aSS-E5GzUm4>.
64 • capítulo 3
Nesses tempos de ofensiva e de imposição do pensamento conservador,
onde temos representantes políticos, mídia e todo um aparato institucional
que defende retrocessos nos direitos sociais, não raro profissionais defendem
e se posicionam alinhados com essa vertente.
Segundo Iamamoto (2007) o avanço do conservadorismo não é a continuidade
e persistência no tempo de um conjunto de ideias constitutivas da herança intelec-
tual europeia do século XIX, mas de ideias que reinterpretadas, transmutam-se em
uma ótica de explicação e em projetos de ação favoráveis à manutenção da ordem
capitalista, nesta lógica o pensamento conservador e racional se aproximam, apesar
das diferenças, como portadores de um mesmo projeto de classes para a sociedade.
O conservadorismo no Brasil possui particularidades vinculadas ao nosso
processo histórico, alicerçados ao colonialismo, na utilização do trabalho es-
cravo, na usurpação das riquezas naturais pelos países centrais, na tolerância
com governos antidemocráticos e a imperante ideologia do favor em detrimen-
to a lógica do direito, alinhado com vinculação religiosa da moralidade e da
obediência a ordem social estabelecida.
Para discutirmos a categoria identidade e mais especificamente identidade
profissional, nossa referência é baseada nos estudos de Martinelli (2011) que
problematiza a questão sobre o prisma dialético.
A profissão desde sua implantação buscou refletir sobre sua identidade,
instigada pela sua natureza interventiva, com intervenção direta no real e na
dinâmica do cotidiano. Numa primeira fase incorporou a identidade atribuída
pelo Estado e pela Igreja e numa fase de questionamento do fazer profissional
e ora de forma ainda presa com o pensamento conservador, na fase do metodo-
logismo, seja através da discussão da natureza, do objeto de trabalho ou da sua
função social buscava-se na essência discutir a identidade profissional.
A identidade profissional deve ser analisada de acordo com a construção
social da categoria, tendo como base o processo histórico, social da construção
do trabalho profissional.
A identidade profissional é um processo em permanente movimento, que se
define pelo direcionamento ético e político do coletivo da categoria. Segundo
Martinelli (2013) exige uma leitura ética, política da realidade, desvendamento
crítico das forças sociais em presença, ações efetivas que dêem concretude e
materialidade as formas de ser e aparecer da profissão.
Para Martinelli (2013, 146):
capítulo 3 • 65
As identidades se constroem e se objetivam na práxis, pela mediação das formas sociais
de aparecer das profissões. Tais formas sociais expressam as respostas construídas
profissionalmente para atender às demandas que incidem em seu campo de ação.
Atualmente mais do que nunca para que a profissão consiga êxito na con-
solidação da sua identidade enquanto profissão que mantém um projeto de
sociedade vinculada aos direitos humanos, faz-se necessário que a categoria
busque de forma permanente a atualização profissional, ampla participação
nos espaços de construção coletiva e defesa intransigente dos direitos sociais.
A análise crítica em relação ao jogo de forças sociais, de leitura da realidade
são exercícios que devem perpassar o cotidiano de trabalho do profissional a
fim de desvelar as ideologias dominantes tão presente na sociedade.
LEITURA
DURIGUETTO, Maria Lúcia; MONTAÑO, Carlos. Estado, classe e movimento social. 3.ed.
São Paulo: Cortez, 2011. Biblioteca básica do Serviço Social; v.5
O livro em questão faz parte da coleção biblioteca básica do Serviço Social sendo refe-
rência para a compreensão do conceito de Estado, os autores tratam de maneira completa a
questão, abrangendo também os conceitos de classes e movimento social.
MARTINELLI, Maria Lucia. Serviço Social, identidade e alienação. 16 ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
O presente livro faz uma análise do processo de implantação do Serviço Social e de sua
relação com a sociedade capitalista. Traz uma importante reflexão sobre a construção da
identidade profissional e o real significado da profissão nesse contexto.
66 • capítulo 3
Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor. Há vários trechos que retratam a prática profis-
sional do Serviço Social, observem e façam uma análise sobre a questão do conservadorismo
presente na profissão nesse período.
ATIVIDADES
01. A questão a seguir foi elaborada pelo ENADE (2013). Faça uma releitura da temática
e responda à questão:
O assistente social que atua nos diferentes espaços sócio-ocupacionais enfrenta situações
desafiadoras, que envolvem a cultura política conservadora. Esse tipo de situação interfere
direta ou indiretamente em seu cotidiano profissional. Nesse contexto, assinale a alternativa
que contém apenas fenômenos que facilitam o acesso aos direitos sociais.
a) Clientelismo político, desfiliação e cidadania.
b) Democracia, participação social e cidadania.
c) Clientelismo político, coronelismo e populismo.
d) Assistência social, clientelismo político e saúde.
e) Desigualdade social, participação social e desfiliação.
02. Faça uma leitura crítica do texto proposto para Reflexão, apontando o direcionamento da
Igreja no enfrentamento da questão social.
REFLEXÃO
Faça uma leitura minuciosa do texto a seguir e responda à atividade número 2.
Quadragésimo Anno
capítulo 3 • 67
• Ideias Básicas da Encíclica:
A Encíclica apresentava uma visão mais totalizando do que a "Rerum Novarum". Mantém
a crítica ao socialismo e ao capitalismo e reafirma a Doutrina Social da Igreja Católica como
uma terceira via para o tratamento da questão social e econômica. Continua com o conceito
de justiça fundado nos princípios tomistas.
O projeto de sociedade é desvinculado do mundo capitalista, baseado no solidarismo
cristão que embora criticando o sistema socioeconômico não trazia uma proposta concreta
para superação do sistema vigente.
São objetivos da Quadragésimo Anno:
a) recordar os frutos que a Rerum Novarum produziu;
b) esclarecer certas dúvidas que surgiram em sua interpretação;
c) analisar a economia contemporânea e o socialismo para descobrir as raízes da de-
sordem social e propor "a única via de restauração salutar, que é a reforma dos costumes".
(Quadragésimo Anno, p. 9, n. 15).
A Encíclica destacou:
• A propriedade privada: Destacou o caráter individual e social da propriedade privada. Ao
retomar a relação estabelecida por Leão XIII sobre o necessário e o supérfluo onde identifica
a divisão do supérfluo com as pessoas necessitadas como a função social da propriedade
privada. Esta relação é assim definida:
Nem ficam de todo o arbítrio do homem os seus rendimentos livres, isto é, aqueles de que
não precisa para sustentar a vida convenientemente e com decoro: ao contrário, as Sagradas
Escrituras e os Santos Padres da Igreja intimam continuamente e com a maior clareza dos
ricos o gravíssimo dever da esmola e de praticar a beneficência e magnificência
E aponta uma saída individual para a divisão deste supérfluo quando diz que cada um
deve ter a sua parte nos bens materiais; e deve procurar-se que a sua repartição seja pautada
pelas normas do bem comum e da justiça social. [...]
O Papa identificava dificuldades de os operários terem acesso à propriedade privada:
[...] basta o fato de a multidão dos proletários ser imensa, enquanto as grandes fortunas
se acumulam nas mãos de poucos ricos, para provar a evidência que as riquezas, produzidas
em tanta abundância neste nosso século de industrialismo, não estão bem distribuídas pelas
diversas classes da sociedade.
E apontava o caminho da "poupança" para o trabalhador conseguir ter acesso aos meios
de produção.
• A justiça social: Pio XI trazia a ideia de justiça vinculada ao direito de um justo salário e
enfatizava alguns critérios:
68 • capítulo 3
Ao operário deve dar-se remuneração que baste para o sustento seu e da família. [...]
É preciso atender também ao empresário e à empresa no determinar a importância dos
salários; seria injustiça exigir salários demasiados, que eles não pudessem pagar sem se
arruinarem e arruinarem consigo os operários. [...]
[...] Já atrás declaramos quanto importa ao bem comum [...] que todos os que têm von-
tade e força possam encontrar trabalho. Ora, isto depende em boa parte da determinação
do salário, a qual como será vantajosa, se bem feita, assim se tornará nociva, se exceder os
devidos limites [...] É, portanto contra a justiça social diminuir ou aumentar demasiadamente
os salários em vista só das próprias conveniências e sem ter em conta o bem comum: e a
mesma justiça exige que, em pleno acordo de inteligências e vontades, quando seja possível,
se regulem os salários de tal modo, que o maior número de operários possa encontrar traba-
lho e ganhar o necessário para o sustento da vida.
• Postura contra o Estado Liberal: Pio XI frisava que
[...] a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode
de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica [...] Urge, portanto, sujeitar e
subordinar de novo a economia a um princípio diretivo, que seja seguro e eficaz. A prepotên-
cia econômica, que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indômita e
violenta por natureza, precisa, para ser útil à humanidade, de ser energicamente enfreada e
governada com prudência [...].
Fonte: O Serviço Social no período doutrinário católico. Acesso em: 10 jan.2016.
<http://www.ufrgs.br/napead/repositorio/objetos/servico-social/anno.php>.
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SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma
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70 • capítulo 3
4
A mediação
como categoria
fundamental no
processo de trabalho
do assistente social
4. A mediação como categoria fundamental
no processo de trabalho do assistente social
Neste capítulo, iremos discutir e refletir sobre o processo de trabalho, que re-
quer o repensar a prática profissional no atual contexto. É necessário retomar
o processo de institucionalização, os avanços teórico-metodológicos da catego-
ria e principalmente situar a profissão nas relações de trabalho.
Iremos refletir sobre o processo de trabalho e as categorias: mediação, análise
de conjuntura como elementos fundamentais na construção de uma prática
fundamentada na análise da totalidade concreta.
OBJETIVOS
• Refletir sobre a categoria mediação, como elemento de desvelamento para a práti-
ca profissional;
• Estudar sobre a análise de conjuntura como instrumento de apoio para a leitura da realidade;
• Refletir sobre o processo de trabalho e o processo contraditório da profissão inserido na
sociedade capitalista.
4.1 Introdução
72 • capítulo 4
como ramo da atividade apto ao planejamento, execução de programas, pro-
jetos, serviços e políticas sociais seja em órgãos governamentais, fundações,
movimentos sociais ou instituições privadas de abrangência social. Ainda pode
estar inserido no comércio, empresas e como prestador autônomo de serviços
de sua competência, definidas no Código de Ética profissional.
As várias possibilidades de inserção profissional nós chamamos de espaços
ocupacionais, que são o terreno onde o assistente social desenvolve sua ação
mediada pela teoria que direciona a prática. Esse movimento é denominado
processo de trabalho, tema este que será trabalhado no presente capítulo.
Há categorias que são importantes elementos que qualificam a prática pro-
fissional e que serão trabalhadas durante este capítulo como: mediação, análi-
se de conjuntura e ideologia.
capítulo 4 • 73
Esses dois condicionantes devem ser alicerçados nas atribuições que são priva-
tivas do Serviço Social determinadas pelo Código de Ética Profissional de 1993.
74 • capítulo 4
b) O projeto de sociedade: que se pretende atingir, ou seja, a direção te-
leológica que busca a construção de uma ordem social superior, sendo, portan-
to, uma dimensão de natureza teórico-política;
c) O projeto profissional: não deve ser confundido com o projeto de so-
ciedade; o projeto profissional refere-se propriamente as particularidades da
profissão: sua inserção na sociedade, a relação entre demanda institucional e
demanda profissional, a perspectiva teórico-metodológicas dos projetos pro-
fissionais existentes nos diferentes espaços de trabalhos.
d) O instrumental teórico-técnico de intervenção: constitui o corpo de
conhecimentos ligado a dimensão operativa da profissão, ou seja, refere-se
ao instrumental técnico que a profissão utiliza para viabilizar o atendimen-
to das demandas institucionais, conjugado com o componente técnico da
ação profissional.
capítulo 4 • 75
processos históricos, do processo de produção e reprodução social, das tramas
sociais, do processo histórico da profissão e das questões sociais. Sem essas
análises, o empirismo enviesado com o positivismo pode transformar a ação
profissional em meras técnicas, ou métodos que visam apenas o ajustamento
do indivíduo. Levando ao empirismo profissional, onde se sabe fazer, mas não
se sabe dizer o porquê e o para que sob a alegação de que o Serviço Social não
é filosofia.
Na atualidade, um dos maiores desafios da profissão é o constante exercício
de decifrar a realidade e ser um profissional propositivo, capaz de elaborar res-
postas profissionais alicerçadas no projeto profissional do Serviço Social numa
sociedade cada vez mais gerida pelo modo de produção capitalista e pelo indi-
vidualismo neoliberal. Sobre a sociabilidade neoliberal, elencamos um texto
para reflexão disposto ao final desse capítulo que traz importantes elementos
para a compreensão do tema.
Para tanto, é necessário superar a atitude fatalista, de resistência as mudan-
ças, ao pragmatismo que aprisiona numa prática alienante, sem intenciona-
lidade. Como também evitar o que Iamamoto (2005) chama de messianismo
profissional, como se a profissão fosse a salvadora da pátria e a tábua da salva-
ção de todos as mazelas sociais.
76 • capítulo 4
procedimentos passando para a construção da metodologia pelo viés da teoria
marxista e suas categorias. Esse amadurecimento teórico profissional é expli-
citado por vários movimentos internos na categoria como: pela propositura
de um novo currículo formativo, a revisão e posteriormente a implantação do
Código de Ética de 1986 e principalmente pela academia, através do considerá-
vel aumento das publicações e das pesquisas nesse período.
CONCEITO
O termo Categoria refere-se à vertente materialista histórico-dialético, que refere que as
categorias são formas de conceito que refletem as propriedades essenciais dos objetos,
dos fenômenos e constituem numa expressão abstrata das relações sociais que os homens
constroem e vivem.
Essas análises são de extrema importância para a profissão que trabalha, muitas ve-
zes, com demandas de extrema miséria, violência e em condições muitas vezes precária
de trabalho.
capítulo 4 • 77
Compreender, refletir sobre a categoria mediação possibilita ao profis-
sional sair das aparências do que é vivido no cotidiano para uma articulação
com o processo histórico de exclusão social. A mediação equivale como um fio
condutor por onde fluem as relações entre as várias instâncias da vida social,
da realidade concreta, que possibilitam seu desvelamento e a concepção da
realidade como totalidade. Como categoria intelectiva ela permite, mediante
a análise do real, a razão construir categorias que auxiliam a compreensão da
ação profissional.
Portanto, o profissional de Serviço Social atua tanto com, como nas media-
ções, o mesmo é um articulador e potencializador das mediações. Na obra de
Pontes (2010), o autor faz uma avaliação dos autores que se apropriaram da teo-
ria marxista e avalia que a produção teórica:
• Contribuiu para a reconstrução teórica da inserção social da profissão
na sociedade;
• Buscou a particularização do campo de intervenção profissional do assis-
tente social nas políticas sociais do promovidas pelo Estado;
• Trabalhou no sentido de captar as mediações da área por excelência, que
demanda a ação profissional dos assistentes sociais: a assistência social;
• Ampliou a qualificação metodológica para a ação profissional no espaço
socioinstitucional na questão da instrumentação técnica do Serviço Social;
• Buscou compreender e potencializar as possibilidades e limites da di-
mensão política da prática do assistente social.
78 • capítulo 4
com o rigor ontológico o rigor necessário, as mediações, que são as moventes
passagens entre as partes (complexos) em face de uma totalidade (complexos
que se constitui na soma de outros complexos mais abrangentes).
O Serviço Social em sua ação traduz mediações à medida que possibilita a
passagem da exclusão, do não uso ou usufruto de bens e serviços da sociedade,
para a inclusão e usufruto efetivos. Não deixando se levar pelas aparências do
imediato, mas desvelando a essências das contradições existentes numa socie-
dade que se mostra cada vez mais enraizada numa sociabilidade neoliberal,
conservadora e excludente.
capítulo 4 • 79
A mesma é um elemento fundamental para a transformação da realidade, deve
ser considerada na avaliação, planejamento e elaboração de estratégias e táti-
cas das diversas forças em luta.
Há dois modos de leitura da conjuntura, que são a partir da situação ou pon-
to de vista do poder dominante ou partindo da situação ou do ponto de vista dos
movimentos populares, das classes subordinadas.
Sempre serão levados em consideração as informações disponíveis sobre o
assunto, a questão ou o tema analisado, sendo assim ela é parte de um conjun-
to resultante das informações e do próprio conhecimento.
O sociólogo Hebert de Souza, em sua clássica obra Como se faz análise de
conjuntura, coloca que são necessárias algumas categorias ou ferramentas
indispensáveis para a análise de conjuntura, que são: os acontecimentos, os
cenários, os atores, a relação de forças e a articulação entre estrutura e conjun-
tura, cujos conceitos abordaremos a seguir.
AUTOR
Hebert de Souza foi um sociólogo que trouxe várias contribuições para a sociedade brasi-
leira, era ativista dos direitos humanos, lutou e mobilizou a causa contra a fome e a miséria,
apresentou estudos sobre o mapa da fome no Brasil, como socialista lutou contra a ditadura
brasileira e se exilou, ele mais dois irmãos eram hemofílicos e durante as transfusões de san-
gue contraiu AIDS, doença que ocasionou sua morte. Acesse o documentário da TV Brasil:
<https://www.youtube.com/watch?v=kqC-sI-jrMI>
80 • capítulo 4
O autor cita o exemplo da ditadura militar, que possui cenário de luta dife-
rente do de uma democracia; no primeiro deles num quartel e no segundo nas
ruas e praças.
Atores: são aqueles que representam um papel dentro de um enredo, de
uma trama de relações. Não se limitam somente as pessoas ou grupos sociais,
as instituições também se configuram como atores sociais, assim como uma
determinada classe social, jornais, rádios, a televisão, igrejas.
Relação de forças: as relações entre grupos, classes sociais e atores podem
ser de confronto, de coexistência ou de cooperação e sempre revelarão uma re-
lação de forças, que poderá ser de domínio, de igualdade ou de subordinação.
As relações de forças sofrem mudanças permanentemente, não são imutáveis.
Análise de fatos, eventos tendo como pano de fundo a articulação entre
estrutura e conjuntura: todos os acontecimentos e ações desenvolvidos pelos
atores sociais, que definem uma conjuntura, não ocorrem no vazio, pois se re-
lacionam com a história, com o passado, com as relações sociais, econômicas
e políticas que foram estabelecidas durante um processo mais longo. O conhe-
cimento das formas de controle político existente na formação social de uma
dada sociedade, também se constitui como um elemento de destaque na aná-
lise de conjuntura.
CONEXÃO
O professor José Paulo Netto faz uma análise de conjuntura do processo político brasileiro;
a palestra foi apresentada no programa de pós-graduação da Universidade de Brasília. Aces-
se: <https://www.youtube.com/watch?v=xJnbJYKq6O4>.
capítulo 4 • 81
4.4.1 Breves reflexões sobre a ideologia
82 • capítulo 4
das divisões da esfera da produção. Muito pelo contrário, a função da ideologia
é a de apagar as diferenças, e de fornecer aos membros da sociedade o senti-
mento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de
todos e para todos, como por exemplo: a humanidade, a liberdade, a igualdade,
a nação ou o Estado.
LEITURA
IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social em tempo de capital fetiche: capital finan-
ceiro, trabalho e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
A presente obra é leitura obrigatória para a compreensão das mediações entre a questão
do trabalho profissional e a questão social à luz da teoria critica. Faz uma extensa reflexão so-
bre a radicalização das expressões da questão social e seu impacto no exercício e formação
profissional. É uma característica de todas as produções da autora problematizar também a
questão da formação profissional, o que enriquece a leitura. A autora é assistente social e
possui vasto conhecimento sobre a questão do processo de trabalho profissional.
SOUZA, Hebert José. Como se faz análise de conjuntura. 26 ed. Petrópolis: Vozes,
2005.
Hebert de Souza, mais conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos
humanos que lutou contra a miséria e a fome. O livro é uma referência em relação à metodo-
logia de análise de conjuntura, o mesmo é utilizado em várias áreas do conhecimento.
capítulo 4 • 83
ATIVIDADES
01. Assinale a alternativa correta:
O aumento da demanda e a escassez de verbas levam os profissionais a desempenhar a
tarefa de selecionar aqueles que terão acesso ao serviço, através do levantamento de infor-
mações sobre a vida do usuário. Assim coloca-se uma contradição, ainda que os profissionais
procurem socializar as informações na perspectiva da universalidade dos serviços sociais, na
hora de repassar o recurso material, sua ação se pauta num processo de seletividade dos
serviços. Isso mostra que o direcionamento do discurso profissional não é suficiente para
romper a lógica fragmentária dos serviços assistenciais. A perspectiva do direito social, ainda
que seja enfatizada no discurso do profissional que repassa o recurso, é atropelada pela
seletividade imposta pela instituição.
É no cotidiano da prática do assistente social que as dimensões da profissão se confron-
tam, se entrecruzam e se complementam. Com base nas reflexões apresentadas, as duas
dimensões evidenciadas são:
Fonte: Prova do ENADE de Serviço Social – 2013
a) técnico-operativa e teórico-metodológica.
b) teórico-metodológica e a intersetorialidade.
c) teórico-metodológica e ético-política.
d) ético-política e técnico-operativa.
e) ético-política e a intersetorialidade.
02. Desde 1980, a análise do significado social da profissão está centrada no processo
de reprodução das relações sociais, sustentando que a questão social é indissociável das
relações sociais capitalistas, nos marcos da expansão monopolista e de seu enfrentamento
pelo Estado. O processo de renovação crítica do Serviço Social é vivenciado internamente na
categoria profissional, exigindo dos profissionais o entendimento da sua posição na divisão
sócio-técnica do trabalho.
IAMAMOTO, M. V. A Questão Social no Capitalismo. In: TEMPORALIS. Revista da As-
sociação Brasileira de Ensino e Pesquisa. ABEPSS. Ano II, nº 3, janeiro a junho de 2001
(adaptado).
Fonte: Prova ENADE Serviço Social 2013.
Considerando o contexto apresentado, conclui-se que o Serviço Social:
a) pela sua trajetória histórica conservadora, edificou um projeto homogêneo de fortaleci-
mento do tradicionalismo profissional e seu ideário conservador.
84 • capítulo 4
b) sob a perspectiva profissional, é fruto do processo de produção e reprodução das re-
lações sociais e, por isso, afirma-se como uma especialização do trabalho coletivo no
quadro do desenvolvimento industrial e da expansão urbana.
c) pela sua especificidade, constitui uma planificação do trabalho coletivo no quadro do
desenvolvimento industrial e da expansão urbana.
d) pela sua trajetória liberal, constitui uma especialização do trabalho individual no quadro
do desenvolvimento industrial e da retração urbana.
e) sob a perspectiva profissional, está à parte do processo de produção e reprodução das
relações sociais, portanto, não constitui uma especialização do trabalho coletivo.
REFLEXÃO
Sociabilidade neoliberal
André Silva Martins
capítulo 4 • 85
Em autores clássicos encontramos importantes formulações que oferecem elementos
para a compreensão do alcance teórico do conceito de sociabilidade e, de modo particular,
do significado de sociabilidade neoliberal tão presente na atualidade.
As formulações de John Locke (1632 a 1704) representam um marco no pensamento
político. Suas ideias serviram de base para as lutas da burguesia contra o absolutismo e
mais tarde inspiraram a doutrina liberal, sobretudo em suas formulações sobre Estado. Em
seus escritos políticos é possível localizar registros importantes para traçarmos a gênese do
conceito em questão.
Para Locke todos os homens seriam iguais e independentes por natureza, ninguém po-
deria/deveria prejudicar ou ameaçar os 'direitos naturais' do outro, principalmente o 'direito
natural' à propriedade, pois ela faria parte da constituição do próprio indivíduo, estando rela-
cionada à condição de sobrevivência do ser e da humanidade. No pensamento lockeniano,
liberdade e propriedade seriam, portanto, indissociáveis.
Para ele, a propriedade estaria ligada ao 'estado de natureza', teria surgido antes mes-
mo da sociedade. No pensamento lockeniano, a expansão da propriedade privada, mesmo
criando a desigualdade entre os homens, não violaria o preceito da 'lei natural'. A teorização
de Locke indica ainda que o modo de vida (sociabilidade) seria constituído para o indivíduo
e pelo indivíduo (seres isolados e racionais) e, num segundo plano, pelo 'contrato social', ou
seja, um acordo coletivo entre indivíduos para preservar os 'direitos naturais' de cada um,
formando, assim, a sociedade e o Estado (centro de poder). Considerando que o indivíduo
vem antes da sociedade, a delimitação da sociabilidade envolveria dois planos: no primeiro
pelo individualismo; num segundo plano, pelo contrato social, cujo foco seria a preservação
da propriedade.
A perspectiva liberal de sociabilidade foi tratada também por outro importante formula-
dor político, Adam Smith (1723 a 1790). Em alguns de seus escritos encontramos outras
referências para delimitar a gênese do conceito. Suas formulações não se restringiram ao
contexto de sua época, ultrapassaram o tempo, inspirando ações políticas para afirmar um
padrão capitalista de sociabilidade.
Para Smith, os homens organizariam o seu modo de vida em sociedade com base em
preceitos naturalmente preestabelecidos pela ordem natural das coisas, reafirmando as
ideias de Locke. Os indivíduos seriam regidos por uma racionalidade baseada em interesses
privados e na busca incessante do lucro, de maneira egoísta, mas produtiva, cujas repercus-
sões seriam positivas para todos. A associação entre indivíduos obedeceria a uma lei natural
e necessária de obtenção ou preservação do lucro. A 'mão invisível' do mercado seria a força
ordenadora das relações sociais e das condutas individuais. Para legitimar o individualismo,
Smith defendia que o somatório dos esforços de cada indivíduo de uma sociedade represen-
taria um resultado positivo para toda a sociedade, uma vez que haveria um aumento geral da
86 • capítulo 4
riqueza beneficiando a todos, ainda que indiretamente e de forma desigual. Partindo do pres-
suposto de que a propriedade, a liberdade e a vida existiriam naturalmente antes da orga-
nização dos homens em sociedade, Smith acreditava que as regras e as condutas pessoais
deveriam ser preservadas e incentivadas como referências para o perfeito funcionamento de
qualquer sistema social. O interesse próprio seria o ponto fundamental do ordenamento das
relações sociais, envolvendo trabalho e vida em todas as suas dimensões. A esse respeito
Smith argumentava que:
Numa sociedade civilizada o homem necessita constantemente da ajuda e cooperação
de uma imensidade de pessoas, e a sua vida mal chega para lhe permitir conquistar a amiza-
de de um pequeno número. Em quase todas as outras espécies animais, cada indivíduo, ao
atingir a maturidade, é inteiramente independente, e, no seu estado normal, não necessita
da ajuda de qualquer outro ser vigente. Mas o homem necessita quase constantemente do
auxílio dos seus congêneres e seria vão esperar obtê-lo somente da sua bondade. Terá maior
probabilidade de alcançar o que deseja se conseguir interessar o egoísmo deles a seu favor
e convencê-los de que terão vantagem em fazer aquilo que ele deles pretende. Quem quer
que propõe a outro um acordo de qualquer espécie, propõe-se conseguir isso. Dá-me isso,
que eu quero, e terás isto, que tu queres, é o significado de todas as propostas desse gênero;
e é por esta forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos favores e serviços de
que necessitamos. Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que
podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio inte-
resse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o egoísmo, e nunca lhes falamos das
nossas necessidades, mas das vantagens deles. Ninguém, a não ser um mendigo, se permite
depender essencialmente da bondade dos seus concidadãos. Até mesmo um mendigo não
depende inteiramente dela. (1981, p. 94/95, grifo nosso).
Nessa lógica, o individualismo marcaria o modo de vida dos homens e mulheres, sendo a
base do equilíbrio social e do funcionamento de toda a sociedade.
Fonte: Dicionário da educação profissional em saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Acesso em:
02 fev. 2016.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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conhecimento. Volume I. São Paulo: Veras Editora, 2009.
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esboço de uma interpretação histórico-metodológica, 41 ed. São Paulo: Cortez, 2014.
capítulo 4 • 87
DURIGUETTO, M. L.; MONTAÑO, Carlos. Estado, classe e movimento social. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2011. Biblioteca básica do Serviço Social; v.5.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 8. ed. São Paulo:
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PONTES, Reinaldo. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua
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SOUZA, Hebert José. Como se faz análise de conjuntura. 5. ed. Petropólis: Vozes, 1987.
SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma
questão em análise. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2014.
VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área
da saúde. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
88 • capítulo 4
5
O assistente social
como trabalhador
assalariado:
Perspectivas e
possibilidades
5. O assistente social como trabalhador
assalariado: Perspectivas e possibilidades.
OBJETIVOS
• Refletir sobre a questão do assistente social como trabalhador assalariado;
• Analisar os possíveis os espaços ocupacionais, refletindo sobre as possibilidades e desa-
fios para a implementação do projeto societário da categoria;
• Analisar as possibilidades de implementação de projetos de trabalho vinculados a materia-
lização do projeto societário do Serviço Social.
5.1 Introdução
90 • capítulo 5
do trabalho não deve ser feito isolando o assistente social do conjunto dos trabalha-
dores, a autora enfatiza que o assistente social deve compor a luta do conjunto dos
trabalhadores, que sofrem perdas em direitos que foram duramente conquistados.
As novas demandas de trabalho exigem que o profissional ultrapasse a esfe-
ra meramente executiva, utilizando sua capacidade criativa e o conhecimento
adquirido deve culminar em propostas inovadoras que contemplem o plane-
jamento, a coordenação, a gestão com objetivos próprios a serem alcançados
num projeto de intervenção.
Atender essas demandas requer a ruptura com a tradicional prática buro-
crática, rotineira e mecanicista, não somente para atender o mercado que exi-
ge várias habilidades, mas também como sinônimo de habilidade profissional
para lidar com as novas demandas e conquistar novos espaços de trabalho.
Como já abordamos em capítulos anteriores, desde a década de 1980 a profis-
são teve um avanço significativo em relação ao aumento e qualidade da produção
científica, o fortalecimento e o reconhecimento da sua representatividade em ní-
vel internacional e a construção pela categoria do projeto societário e o projeto
ético político, essas conquistas se deram com o processo de amadurecimento e
compromisso da profissão. Neste sentido abordaremos também sobre natureza
dos espaços ocupacionais e os elementos para a construção de projetos de traba-
lho que reafirmem a materialidade do projeto ético-político da profissão.
O processo de alteração das relações do trabalho foi abordado por Ricardo An-
tunes na sua obra Adeus ao mundo do Trabalho, a qual se tornou alvo de debate
e reflexão pela categoria. A referida obra trata do processo de flexibilização do
trabalho e dos direitos, conformando a nova morfologia do trabalho no proces-
so de reestruturação produtiva.
Observamos na contemporaneidade as alterações do sistema fordista, onde
a produção em série e o controle do tempo e do movimento caracterizam esse
modelo para o sistema Toyotista através da produção em equipe com a utilização
de recursos tecnológicos como um processo que alterou significativamente as
relações de trabalho. O sistema capitalista busca sempre a maior produtividade
com o menor custo possível, e com a introdução do modelo japonês (Kanban,
JIT, controle de qualidade total, gestão participativa) introduziram a flexibiliza-
ção da produção exigindo as multifuncionalidades dos trabalhadores.
capítulo 5 • 91
A mecanização agrícola e a incorporação tecnológica da produção elimina-
ram milhares de postos de trabalho. Não podemos deixar de refletir que vários
estudos e pesquisas apontam que, ao longo dos anos, milhares de postos de tra-
balho no setor agrário foram eliminados e, em grande maioria, são trabalhado-
res que possuem baixa escolaridade e baixa qualificação profissional. Mesmo
com a incorporação de trabalhadores mais qualificados para operarem máqui-
nas, a quantidade é muito inferior em relação aos postos de trabalhos extintos.
Essas alterações repercutem na organização e representação sindical fragi-
lizando o conjunto de trabalhadores na capacidade de fazer frente a defesa de
seus direitos, bem como criam outras categorias como os terceirizados, tempo-
rários, informais, formando um imenso exército de reserva com pouca capaci-
dade de mobilização.
Sabemos que a questão social e suas múltiplas expressões é o objeto de tra-
balho do assistente social, é importante neste sentido reconhecer que um dos
aspectos da questão social é a ampliação do desemprego em massa, o processo
contínuo de precarização das relações de trabalho.
Raichellis (2011) coloca que essas alterações nas relações de trabalho não
atingem somente as classes operárias, mas todo o conjunto de trabalhadores, o
trabalho do assistente social também é atingido por toda dinâmica do processo
de precarização, seja ela executado no setor público, seja no privado.
92 • capítulo 5
social do trabalho, coloca como sendo a primeira dimensão enquanto traba-
lho útil atende as necessidades sociais, efetivando-se através das relações com
outros homens, incorporando o legado material e intelectual de gerações pas-
sadas, ao tempo que se beneficia das conquistas atuais das ciências sociais e
humanas, e a segunda dimensão coloca que só poderá atender as necessidades
sociais se seu trabalho puder ser igualado a qualquer outro trabalhador abstra-
to, possibilitando que esse trabalho privado adquira um caráter social.
O profissional contratado pelas instituições empregadoras (que vende sua
força de trabalho em troca de um salário) se insere no mercado apenas como
proprietário da sua própria força de trabalho, que é especializada fruto do pro-
cesso de uma formação especializada, dotado de qualificações especificas den-
tro das várias áreas do conhecimento. Para tanto, o profissional que tem como
mercadoria sua força de trabalho, somente poderá exercer sua atividade labora-
tiva se dispuser de meios e instrumentos de trabalho, que deverá ser colocado a
disposição pelos empregadores.
capítulo 5 • 93
reforma tributária, juro de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, in-
vestimento estrangeiro direto, privatização das estatais, desregulamentação das
leis econômicas e trabalhistas, direito a propriedade intelectual.
CONEXÃO
Assista ao vídeo com a palestra do Prof. José Paulo Netto sobre os resultados da adesão
as recomendações do Consenso de Washington e o aumento da exclusão social. Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=ogQ0YtwH4gc.
94 • capítulo 5
Mioto (2009) coloca que as demandas profissionais e o reordenamento do
espaço profissional estão intrinsecamente atrelados ao processo de redução
da presença do Estado, da estruturação produtiva, que defende a flexibiliza-
ção das relações trabalhistas bem como o enfraquecimento dos movimentos
de trabalhadores.
Embora a profissão tenha um caráter liberal e uma relativa autonomia, há
uma contradição nessa relação pelo fato de o assistente social ter uma relação
de compra e venda da sua força de trabalho para os mais diversos empregadores
como, por exemplo: o Estado, as empresas, organizações não governamentais.
Nessas relações de compra e venda do trabalho especializado, os empregadores
vão determinar as atribuições que o trabalhador deve responder, delimitando
a matéria sobre seu trabalho, e propiciando ou não as condições materiais, es-
truturais para a execução do trabalho.
Atrela-se a essa complexidade nas relações de trabalho a contradição muitas
vezes existentes entre a implementação do projeto profissional e as exigências
impostas pelos empregadores, criando-se basicamente um campo de tensão
entre a efetivação do projeto ético-político e o projeto de trabalho da unidade
empregadora, tensão acirrada quando nessas contradições são incorporadas
questão religiosas ou partidárias. Para Iamamoto (2005), essas relações interfe-
rem decisivamente no exercício profissional, que supõe a mediação do mercado
de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de caráter profissional.
Há um imenso desafio para a categoria no sentido de construir canais que
favoreçam a efetivação de uma proposta de trabalho alicerçada no projeto éti-
co-político da profissão.
Mota (2014) coloca que mesmo espaços tradicionais de trabalho como a
área da saúde, assistência social e previdência tiveram amplas modificações,
alterando suas demandas e impulsionando novas atribuições profissionais.
Em relação aos espaços ocupacionais que absorvem os profissionais, com o
processo de descentralização da assistência social, as mudanças na política de
assistência social e a implantação do SUAS houve uma significativa oferta de
espaços de trabalho, não apenas na execução como na gestão e planejamento.
No campo da seguridade social houve tímidos avanços no sentindo da am-
pliação da demanda de profissionais de Serviço Social, ao mesmo tempo em
que houve aumento da demanda, poucos foram preenchidos através de con-
cursos públicos, com a precarização e flexibilização das leis trabalhistas, e
capítulo 5 • 95
enxugamento da máquina pública as inserções acontecem de forma precariza-
da, como contratos temporários, terceirizados ou por projetos.
Citamos os recentes concursos na previdência social que trouxe à tona a dis-
cussão do Serviço Social previdenciário, uma vez que o referente órgão público
permaneceu por muitos anos sem o profissional e com a reinserção da profis-
são, o órgão tentou impor uma prática fiscalizatória e conservadora.
Podemos mensurar a incorporação através de concursos nas instituições
jurídicas como Ministério Público e Defensoria Pública, associamos essa in-
corporação com o movimento crescente de criminalização da pobreza e judi-
cialização dos direitos sociais, prova material que o Estado insiste na violação e
negação dos direitos sociais, obrigando famílias e indivíduos recorrerem judi-
cialmente por direitos que são garantidos constitucionalmente.
Elencamos também a inserção de profissionais nos programas habitacio-
nais impulsionados pelo programa Federal Minha Casa Minha Vida, após um
hiato de mais de trinta anos.
Com a sensibilização contemporânea com a questão ambiental temos
profissionais que estão vinculados a projetos de sustentabilidade inclusive
já contamos com produção teórica sobre o Serviço Social ambiental, princi-
palmente vinculado a empresas, fundações que financiam projetos de educa-
ção socioambiental.
CONEXÃO
Para saber mais sobre Serviço Social e meio ambiente, faça a leitura do artigo de
Mariane Sauer e Edaléa Maria Ribeiro. Acesse: <file:///C:/Users/Vivianee/Down-
loads/12585-48666-1-PB.pdf>.
Outro espaço que tem sido ocupado pelos assistentes sociais refere-se a ges-
tão, assessoria e consultoria em diferentes áreas das políticas sociais. Espaço
este que exige qualificação e amplo conhecimento, pois considerando o campo
das competências, previsto na Lei nº 8.662/1993 que dispõe sobre a profissão,
o assistente social irá concorrer em condições de igualdade com outros profis-
sionais que tem esta competência também.
96 • capítulo 5
Este espaço é privilegiado, pois o profissional além de ser executor, passa a
contribuir na gestão das políticas sociais, propondo e elaborando programas,
serviços e projetos, sejam em âmbito público ou privado.
O CFESS estabelece, em todos os anos, referências financeiras para profis-
sionais que prestam assessoria, que atuam como palestrante, enfim, que pres-
tam serviços sem vínculos formais.
CONEXÃO
A Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS foi instituída em 2001.
Entre outras atribuições, ela determina o valor da hora técnica, fixando o valor mínimo a ser
cobrado, que servirá de parâmetro para prestação dos serviços profissionais do/a Assistente
Social que trabalhe sem qualquer vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza
assemelhada. O valor dessa hora técnica é corrigido anualmente com base no ICV/DIEESE.
Considerando o § 2° do artigo 1° da Resolução CFESS N° 418/2001, que instituiu
a Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS, alterada pela Resolução
CFESS Nº 467, de 17 de março de 2005, especificamos, a seguir, os valores da hora técnica
corrigida pelo ICV/DIEESE:
Graduados/as: R$ 116,17
Especialistas: R$ 130,47
Mestres: R$ 164,42
Doutores/as: R$ 185,88
Os valores acima serão referência até agosto de 2016.
A tabela é corrigida anualmente pelo ICV-Dieese em setembro de cada ano.
O ICV-Dieese (agosto/2014 a julho/2015) foi de 9,99%.
FONTE: CFESS. Acesse: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/tabela-de
-honorarios>.
Os assistentes sociais estão cada vez mais sendo chamados para assumir
gestão de equipes, elaboração, monitoramento de programas e projetos so-
ciais, orientação e assessoria em espaços de controle social (conselhos de direi-
tos) ampliando consideravelmente seu espaço ocupacional.
capítulo 5 • 97
Essas novas ocupações exigem domínio de conhecimentos específicos, do
processo de planejamento, capacidade de negociação, uma vez que assessoria
e consultoria requerem ampla experiência na área.
A categoria tem se fortalecido nas suas lutas para garantir condições de traba-
lhos adequadas aos profissionais, seja na elaboração de resoluções que regu-
lamentam determinadas demandas do exercício profissional, seja na elabo-
ração de parâmetros de atuação em determinadas áreas (saúde, educação e
assistência social) ou na busca de ampliação dos direitos trabalhistas. O CFESS
recentemente através de ampla mobilização e articulação política conseguiu a
aprovação da Lei de 30 horas para o Serviço Social, além dessa conquista tem
acompanhado e articulado a lei que estabelece o piso mínimo para categoria.
A lei que estabeleceu 30 horas de trabalho para o assistente social foi uma
conquista da categoria, os argumentos para a propositura foi a exposição de
situações de extrema vulnerabilidade, miséria e violência, ocasionando um
98 • capítulo 5
desgaste físico e mental e um estresse ocupacional. Podemos observar, porém,
que o espírito da lei era aumentar o tempo livre do profissional e aumentar pos-
tos de trabalho em decorrência da diminuição da carga horária. O que se per-
cebe é justamente o contrário, muitos profissionais acabaram estabelecendo
duplo vínculo trabalhando muito além das 40 horas.
Temos em trâmite o projeto de lei 5.278/2009 que trata sobre o piso salarial
do profissional e o projeto de lei 3.688/2000 que dispõe sobre a presença do pro-
fissional em escolas públicas da educação básica. Essas leis possuem avanços e
recuos, porém estão em movimento no cenário político.
É importante que todo contingente de profissionais acompanhem e incor-
porem essas lutas como forma de fortalecimento da categoria.
CONEXÃO
Desde 2008, o CFESS acompanha a tramitação dos Projetos de Lei (PL), na Câmara dos
Deputados e no Senado, que envolvem o Serviço Social e o/a assistente social. Além disso,
tem se reunido com os/as parlamentares relatores/as e autores/as dos projetos e mobili-
zado os CRESS e os/as assistentes sociais para reforçar os posicionamentos da categoria.
As matérias são: Projeto de Lei Da Câmara (PLC) 060/2007, que dispõe sobre a in-
serção de assistentes sociais e psicólogos nas escolas públicas de educação básica; PL
3077/2008, que dispõe sobre a organização da Assistência Social; PL 4022/2008, que
dispõe sobre um piso salarial de assistentes sociais; PL 3145/2008, que trata de regras na
contratação de assistentes sociais; PL 3150/2008, que dispõe sobre condições de trabalho
de assistentes sociais; PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia; e Projeto de Lei Com-
plementar 92/2007, que institui as Fundações Públicas de Direito Privado na Saúde.
De acordo com o regimento interno da Câmara (artigo 105) e do Senado (artigo 332),
ao final das legislaturas, alguns projetos são arquivados. Dentre outras situações, são arqui-
vados aqueles que não tiveram pareceres favoráveis de todas as comissões para as quais
foram distribuídos. No entanto, o desarquivamento é possível, desde que o autor da propo-
sição tenha sido reeleito e solicite o desarquivamento no prazo de seis meses após o início
da nova legislatura. Nesses casos, o projeto retomará a tramitação desde o estágio em que
se encontrava.
Disponível em: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/acompanhamentos-de-
projetos-de-lei>. Acesso em: 20 maio 2016
capítulo 5 • 99
5.5 Formulação de projeto de trabalho profissional
100 • capítulo 5
e compromisso do projeto profissional para fazer o enfretamento dessa onda
conservadora que difunde sua ideologia através das mídias.
Ao fazer parte de um determinado espaço ocupacional seja ele público ou
privado, o assistente social deve superar os limites institucionais que inevita-
velmente existem, e procurar explorar as possibilidades de implementação da
sua proposta de trabalho, através de um projeto de trabalho bem elaborado,
essa atitude evita que o profissional seja levado a executar apenas o projeto
da instituição.
Rompe-se assim, com uma característica que, em muito, contribui para a desqualifica-
ção profissional, ou seja, aquela em que os assistentes sociais reproduzem o projeto
institucional como o seu projeto [...] Ao assumir um espaço sócio-ocupacional, há que
se estabelecer, com clareza, o que a profissão tem a oferecer como subsídio para o
atendimento das demandas que competem à instituição. (COUTO, 2009, p.3).
capítulo 5 • 101
economia mista), quem é o público atendido, quais as condições de participa-
ção desse público na elaboração do trabalho institucional, quais as potenciali-
dades e os desafios de implementação do projeto proposto, as estratégias polí-
ticas necessárias para implementação, o mesmo deve ser compartilhado com
todas as instâncias da instituição como forma de dar visibilidade ao projeto.
Couto (2009) propõe na elaboração do projeto de trabalho os seguintes tópicos:
a) A identificação, delimitação e a justificativa do objeto da ação, deixan-
do claro quais as refrações da questão social serão o objeto da intervenção, es-
tabelecendo prioridades;
b) Definição dos objetivos, explicitando quais os objetivos pretende alcan-
çar, lembrando que os mesmos devem ser claros e exeqüíveis, essa clareza se
faz necessária para que todos possam compreender o projeto de trabalho;
c) Definição das metas, no projeto de trabalho deve ser mensurada as me-
tas quantitativas e qualitativas, que devem estar correlacionadas com os obje-
tivos. Os indicadores de monitoramento e avaliação que serão utilizados para
avaliar o alcance ou não das metas também deve estar explicito;
d) Os recursos necessários para a execução, cronograma de desembolso
financeiro, devem ser descritos todos os recursos: financeiros, materiais, hu-
manos, estruturais, parcerias com outras instituições;
e) Registro do processo de execução do projeto para possíveis alterações,
aprimoramento, correção de falhas, reelaboração de estratégias, enfim, a exe-
cução do projeto requer o registro por escrito para que se tenha uma avaliação
fiel do processo, e que os resultados possam produzir conhecimento, relatos de
experiências e contribuir com o aprimoramento do projeto de trabalho.
Salientamos que o projeto de trabalho deve ser pensado como um impor-
tante instrumento de efetivação do projeto ético-político da categoria, que vis-
lumbre mudanças no espaço de trabalho, e principalmente que eleve as condi-
ções de vida e de ampliação dos direitos da população usuária.
ATIVIDADES
01. No debate sobre a relação entre projetos societários e projetos profissionais, é con-
senso que os primeiros estão presentes na dinâmica de qualquer projeto coletivo, inclusive
no projeto ético-político do Serviço Social. Considerando as transformações societárias im-
plementadas no Brasil a partir de 1990, pode-se afirmar que há uma tensão entre o projeto
societário hegemônico e o projeto profissional, na medida em que:
102 • capítulo 5
Fonte: Prova ENADE 2013
a) o projeto societário defendido pelo Serviço Social encontra-se ultrapassado diante dos
novos paradigmas e interesses da classe trabalhadora.
b) o projeto societário enfraquece a resistência dos movimentos organizados da classe
trabalhadora à dominação do capital.
c) o projeto societário hegemônico assegura a democracia, a participação social e o aces-
so aos programas sociais.
d) o projeto societário hegemônico garante os direitos sociais e religiosos.
e) o projeto profissional se alinha aos preceitos do neoliberalismo.
02. Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o assistente
social, na organização de sua atividade, depende do Estado, da empresa, de entidades não-
governamentais que viabilizam aos usuários acesso aos seus serviços, fornecem meios e
recursos para sua realização, estabelecem prioridades a serem cumpridas e interferem na
definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Ora, se
assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social, ela
organiza o processo de trabalho do qual ele participa.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profis-
sional. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 63 (adaptado).
FONTE: PROVA ENADE 2013 SERVIÇO SOCIAL
Com base no texto, conclui-se que:
a) as instituições representam obstáculos para o exercício profissional do assistente social.
b) o processo de trabalho é o conjunto de meios e recursos disponibilizados pe-
las instituições.
c) o assistente social depende da instância institucional para acessar os meios necessários
à efetivação do seu trabalho.
d) os meios colocados à disposição do assistente social restringem a sua atuação às de-
mandas institucionais, impedindo procedimentos para além desses limites.
e) o estabelecimento de prioridades e a definição de papéis e funções nas instituições
interferem indevidamente nos procedimentos necessários à garantia de acesso dos
usuários aos serviços.
capítulo 5 • 103
REFLEXÃO
Para reflexão, trouxemos uma resolução do CFESS que trata sobre as condições técnicas
e éticas no espaço de trabalho, o CFESS é um importante órgão da categoria que tem a
atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional
do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social
(CRESS).
RESOLUÇÃO CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006
EMENTA: Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do as-
sistente social.
O CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO SOCIAL - CFESS, por sua Presidente no uso de
suas atribuições legais e regimentais,
Considerando o que dispõe o artigo 8º da Lei n° 8.662, de 07 de junho de 1993, que
regulamenta o exercício profissional do assistente social e dá outras providências;
Considerando que na qualidade de órgão normativo de grau superior, compete ao Con-
selho Federal de Serviço Social orientar, disciplinar fiscalizar e defender o exercício da pro-
fissão do assistente social, em conjunto com os CRESS;
Considerando a necessidade de instituir condições e parâmetros normativos, claros e
objetivos, garantindo que o exercício profissional do assistente social possa ser executado
de forma qualificada ética e tecnicamente;
Considerando que a ausência de norma que estabeleça parâmetros, principalmente das
condições técnicas e físicas do exercício profissional do assistente social, tem suscitado
diversas dúvidas, inclusive, para a compreensão do assistente social na execução de seu
fazer profissional.
Considerando a necessidade do cumprimento rigoroso dos preceitos contidos no Código
de Ética do Assistente Social, em especial nos artigos 2º, inciso “d”, 7 inciso “a”e 15;
Considerando o Parecer Jurídico 15/03, prolatado pela assessoria do CFESS, “que con-
sidera ser competência a regulamentação da matéria pelo CFESS de forma a possibilitar
uma melhor intervenção dos CRESS nas condições de atendimento ao usuário do Serviço
Social”;
Considerando a aprovação da presente Resolução em Reunião Ordinária do Conselho
Pleno do CFESS, realizada em 20 de agosto de 2006;
104 • capítulo 5
RESOLVE:
Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qual-
quer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições
que esta Resolução estabelecer.
Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de es-
paço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos
serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas:
a) iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização
institucional;
b) recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o
processo de intervenção profissional;
c) ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas;
d) espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material
técnico de caráter reservado.
Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fecha-
das, de forma a garantir o sigilo.
Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado,
sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais.
Art. 5º - O arquivo do material técnico, utilizado pelo assistente social, poderá estar em
outro espaço físico, desde que respeitadas as condições estabelecidas pelo artigo 4º da
presente Resolução.
Art. 6º- É de atribuição dos Conselhos Regionais de Serviço Social, através de seus
Conselheiros e/ou agentes fiscais, orientar e fiscalizar as condições éticas e técnicas esta-
belecidas nesta Resolução, bem como em outros instrumentos normativos expedidos pelo
CFESS, em relação aos assistentes sociais e pessoas jurídicas que prestam serviços sociais.
Art. 7º - O assistente social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão que
trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações constatadas
por este, quanto às condições éticas, físicas e técnicas do exercício profissional, sugerindo
alternativas para melhoria dos serviços prestados.
Parágrafo Primeiro - Esgotados os recursos especificados no “caput” do presente artigo
e deixando a entidade, instituição ou órgão de tomar qualquer providência ou as medidas
necessárias para sanar as inadequações, o assistente social deverá informar ao CRESS do
âmbito de sua jurisdição, por escrito, para intervir na situação.
Parágrafo Segundo - Caso o assistente social não cumpra as exigências previstas pelo
“caput” e/ou pelo parágrafo primeiro do presente artigo, se omitindo ou sendo conivente com
capítulo 5 • 105
as inadequações existentes no âmbito da pessoa jurídica, será notificado a tomar as medidas
cabíveis, sob pena de apuração de sua responsabilidade ética.
Art. 8º - Realizada visita de fiscalização pelo CRESS competente, através de agente
fiscal ou Conselheiro, e verificado o descumprimento do disposto na presente Resolução
a Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional, a vista das informações
contidas no Termo de Fiscalização ou no documento encaminhado pelo próprio assistente
social, notificará o representante legal ou responsável pela pessoa jurídica, para que em pra-
zo determinado regularize a situação.
Parágrafo único - O assistente social ou responsável pela pessoa jurídica deverá en-
caminhar ao CRESS, no prazo assinalado na notificação, documento escrito informando as
providências que foram adotadas para adequação da situação notificada.
Art. 9º- Persistindo a situação inadequada, constatada através de visita de fiscalização,
será registrada no instrumento próprio a situação verificada.
Art 10 - O relato da fiscalização, lavrado em termo próprio, conforme art. 9º, constatando ina-
dequação ou irregularidade, será submetido ao Conselho Pleno do CRESS, que decidirá sobre a
adoção de medidas cabíveis administrativas ou judiciais, objetivando a adequação das condições
éticas, técnicas e físicas, para que o exercício da profissão do assistente social se realize de forma
qualificada, em respeito aos usuários e aos princípios éticos que norteiam a profissão.
Art. 11- Os casos omissos e aqueles concernentes a interpretação abstrata geral da
norma, serão resolvidos e dirimidos pelo Conselho Pleno do CFESS.
Art. 12- O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total publicidade
a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma que ela seja conhecida pelos
assistentes sociais bem como pelas instituições, órgãos ou entidades que prestam serviços
sociais.
Art. 13- A presente Resolução entra em vigor, passando a surtir seus regulares efeitos
de direito após a sua publicação no Diário Oficial da União.
Brasília, 21 de agosto de 2006
Elisabete Borgianni
Presidente do CFESS
LEITURA
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
106 • capítulo 5
Essa importante obra problematiza sobre as questões da natureza do trabalho do assis-
tente social, das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, e do redimensionamento da pro-
fissão neste contexto, como as novas requisições exigidas para a profissão, como em toda
obra da professora Marilda, ela faz um paralelo com os aspectos da formação profissional.
BARROCO, Maria Lúcia; TERRA, Sylvia Helena. CFESS (org.). Código de Ética do/a
assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.
Este livro foi organizado pelo Conselho Federal de Serviço Social com a colaboração da
professora Maria Lúcia Barroco, assistente social com vasta contribuição na questão da ética
profissional e com a advogada Sylvia Terra, que foi assessora jurídica do Conselho Regional
de Serviço Social de São Paulo e do CFESS. O mesmo faz um resgate da profissão nos
respectivos contextos histórico, dos Códigos de Ética de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993 e
respectivamente no Código Profissional de 1993 trazendo uma reflexão, e problematizando
seus aspectos legais.
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conhecimento. Volume I. São Paulo: Veras Editora, 2009.
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esboço de uma interpretação histórico-metodológica, 41. ed. São Paulo: Cortez, 2014.
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IAMAMOTO, Marilda Vilela. O serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
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VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na área
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ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 109
ANOTAÇÕES
110 • capítulo 5
ANOTAÇÕES
capítulo 5 • 111
ANOTAÇÕES
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