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"Não aprendemos sobre esses fatos sob outra perspectiva e nem temos esses
debates nas escolas. Esse era um momento efervescente da busca pela abolição
com várias revoltas no Brasil e outros países conquistando essa liberdade do
povo negro. A história ainda retrata apenas um lado e a gente ainda precisa
buscar outras informações sobre esse período", completa ele. "Esse
apagamento das lutas negras faz parte de um racismo estrutural que é resquício
daquele momento em que o negro não era visto como humano e sim como
coisa. A sua história, seus costumes, sua cultura, seus pensamentos não 'Não precisamos do amor
importavam, já que ele era animalizado. As pessoas precisam ter raiz." romântico em nossas vidas', diz
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romântico em nossas vidas', diz
especialista em relacionamentos
Dias afirma que a primeira coisa tirada pela escravidão foi a própria história da 27 março 2022
população negra. "Ainda hoje precisamos fazer essa busca e jogar luz para
heróis, lutas e acontecimentos que foram importantes para as pessoas negras",
diz. "Essa é a narrativa que a história do Brasil ainda não conta."
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"Ao contrário dos outros nomes, a nomenclatura 'dos Búzios' faz ligação direta
com as populações negras envolvidas no levante popular que foi um dos
primeiros movimentos por independência e fim da escravidão", diz. "Faz justiça,
assim, ao grande contingente de pessoas de cor por trás da sua existência."
"[A Revolta dos Búzios] foi formada basicamente por escravizados, livres e
libertos, trabalhadores pobres e alguns membros da elite branca liberal",
explica Paz. A recuperação dessa nomenclatura foi feita graças a uma
articulação baiana de movimentos sociais negros.
Para o historiador Paz, isso é simbólico do que deve ser a tarefa atual:
"conseguir destacar as agendas das populações negras e os seus
descontentamentos com o governo português e a sociedade escravista no
Brasil".
Reis ressalta ainda o fato de que essas revoltas que ocorreram costumam ser
tratadas apenas como motins, como rebeliões contra o poder estabelecido, mas
comumente não são vistas como lutas que tinham em seu cerne o ideal de
emancipação, "de independência da nação". "E quando a Independência de fato
ocorre, ela é uma Independência repressora, que acaba massacrando as revoltas
que ocorrem depois, sob o argumento da manutenção do Estado nacional
brasileiro", comenta.
Consolidação da Independência
No imaginário popular, está dom Pedro levantando a espada, gritando heroico
:
"independência ou morte", tal e qual no famoso quadro criado em 1888 por
Pedro Américo (1843-1905). Longe de ser uma fotografia, retrata de forma
pomposa e distante da realidade o que aconteceu em 7 de setembro de 1822.
Mas foi a narrativa que venceu, sob o prisma do homem branco europeu — o
mesmo colonizador.
"A não ser no caso do Haiti, não há nenhum país da América Latina em que a
Independência não tenha sido conquistada pela elite [branca]. Aqui no Brasil
houve o agravante: tornou-se império porque acreditava-se que a elite brasileira
não fosse tão esclarecida intelectualmente quanto o restante da elite latino-
americana. Então se temia que o Brasil se fragmentasse em diversos países",
explica o pesquisador.
A historiadora Ynaê Lopes dos Santos ressalta que é preciso diferenciar "o que
foi o processo de independência do Brasil" e "a história que se contou sobre
isso".
"Esse alto escalão político brasileiro era formado majoritariamente por homens
brancos escravocratas, formados na mesma universidade, de Coimbra,
ensinados pelos mesmos professores", define ela. "Comungavam as mesmas
experiências e visões de mundo."
Por isso, ela explica, não existiu nesse momento da Independência um debate
em relação à manutenção ou não da escravidão. "Foi uma questão silenciada. A
manutenção da escravidão se deu pelo próprio silenciamento da existência da
escravidão na carta constitucional de 1824", afirma a historiadora. Citando o
historiador Luiz Felipe de Alencastro, ela repete que "o Brasil foi um país que
nasceu apostando no futuro da escravidão".
"Existia um acordo da classe política brasileira, em sua imensa maioria, para que
fosse construído um país soberano alicerçado na manutenção da escravidão",
:
complementa. "Porque havia a compreensão que a própria unidade nacional
estava vinculada à manutenção da escravidão. A escravidão acabou sendo a
instituição que ordenou o funcionamento da sociedade brasileira, não só
economicamente, mas também política e socialmente."
Outro aspecto lembrado pela professora são as tantas revoltas que ocorreram
para consolidar a independência. E aí novamente é preciso olhar para a Bahia,
que acabou revivendo os ideais da Revolta dos Búzios no início da década de
1820 — com a guerra da independência ocorrida, de fato, em 2 de julho de
1823.
Racismo estrutural
Ao apagar a participação do negro, a história cria um arcabouço para a
manutenção do racismo estrutural. "A leitura oficial do 7 de Setembro é calcada
e estruturada pelo racismo. Isso faz parte de um projeto de nação que se
constituiu que se reforçou ao longo dos anos, inclusive com o advento da
República, já que boa parte do que é ensinado sobre a Independência foi
gestado no período republicano", frisa a historiadora Santos.
"A invisibilidade é uma das marcas desse poder que nega e silencia os sujeitos
históricos negros e indígenas", diz o historiador Paz. "Essa 'história escrita por
mãos brancas', como sentencia a historiadora negra brasileira, Beatriz
Nascimento, é produzida tanto no apagamento do negro na história do Brasil,
quanto no descrédito das suas narrativas no presente."
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