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Internacionais (ABRI)
As Diretrizes Curriculares Nacionais e seus impactos para as Relações
Internacionais no Brasil
Foz do Iguaçu, PR
27 e 28 de setembro de 2018
Nos finais dos anos 1960, a Argentina decidiu construir sua primeira central
nuclear - e a primeira da América Latina -, a Atucha I, a qual seria destinada a
abastecer de eletricidade os polos industriais da grande Buenos Aires. Alguns anos
depois, com o aumento do preço do petróleo, anunciou a construção da segunda
central nuclear, a Embalse, localizada em Córdoba. A primeira foi inaugurada em 1974
e a segunda em 1984 (VERA & COLOMBO, 2014).
A ditadura militar iniciada em 1974 incentivou ainda mais o desenvolvimento de
tecnologia nuclear, chegando a destinar até 2% do PIB nacional para a área. Nesse
período se planejou vários megaprojetos de construção de mais usinas nucleares e
inícios da pesquisa para enriquecimento de urânio (VERA & COLOMBO, 2014).
Spektor, Wheeler e Nedal (2012, p.32) enfatizam que “ao longo de doze anos,
entre 1967 e 1979, houve quatro tentativas frustradas de acordo bilateral em matéria
nuclear”, sendo que “o Brasil apresentou propostas em 1967, 1972 e 1979, ao passo
que a Argentina o fez em 1974”.
No entanto, o clima não era favorável para um salto desse nível nas relações
bilaterais. A cooperação era improvável devido a visão mútua do vizinho como ameaça
potencial. Ademais, os receios e desentendimentos acerca da questão de Itaipu
fizeram com que, na Argentina, as tentativas para uma aproximação na área nuclear
ficassem condicionadas à resolução desse contencioso acerca do aproveitamento
hidrelétrico do Rio Paraná (SPEKTOR & WHEELER & NEDAL, 2012).
Assim, foi após a assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-Corpus - que pôs fim
aos desentendimentos acerca do aproveitamento hidrelétrico dos rios da Bacia do
Prata - e, principalmente, após a restauração democrática, que se observa a mudança
no relacionamento brasileiro-argentino, o qual entra em uma nova fase. Ademais, o
apoio brasileiro durante a Guerra das Malvinas foi um importante fator de aproximação
entre os dois países.
Diversos fatores tornaram possível essa aproximação, além da questão da
redemocratização, da resolução do contencioso de Itaipu e do apoio brasileiro à
Argentina durante a Guerra das Malvinas – e do apoio norte-americano à Grã-
Bretanha -, soma-se o problema da dívida externa e a crise vivida por ambos os
países, a convergência em fóruns internacionais, seu isolamento e suas fragilidades
no sistema internacional, bem como os atritos que a Argentina já enfrentava com a
Inglaterra e o Chile. Ademais, observa-se a mudança no equilíbrio de poder no Cone
Sul, que era favorável à Argentina e, posteriormente, passa a ser favorável ao Brasil,
entre outras questões domésticas e internacionais enfrentadas pelos países
(ALMEIDA MELLO, 1996; GOMES SARAIVA, 2012; RUSSEL & TOKATLIAN, 2002).
No entanto, aqui se enfatizará a importância da cooperação nuclear para a
intensificação dessa relação, a qual se consolidará como uma parceria estratégica.
Acredita-se que a cooperação na área nuclear é o eixo essencial para a parceria
estratégica entre Brasil e Argentina, pois foi um fator crucial para o fim das rivalidades
e desconfianças mútuas, bem como para o fim das suspeitas internacionais de uma
corrida armamentista entre os dois vizinhos. Da mesma forma, essa parceria
estratégica é o núcleo duro da integração sul-americana.
No final da década de 1970, com a ascensão do general Jorge Videla (1976-
1981), na Argentina, e a Presidência de João Figueiredo (1979-1985), no Brasil,
estabeleceu-se como relacionamento prioritário entre os dois países, buscou-se
superar o problema do aproveitamento energético dos rios da Bacia do Prata e
alcançar o entendimento. Posteriormente, o advento do novo regime político foi
essencial para a mudança nas relações bilaterais (VIDIGAL, 2007; SPEKTOR, 2002).
Assim, em maio de 1980, o Presidente João Figueiredo visitou à Argentina,
sendo esta “a primeira visita que um Chefe de Estado brasileiro em exercício realizou
ao país vizinho desde 1935” (VIDIGAL, 2007, p. 258). Nesse ano, os dois países
assinaram o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação de Usos
pacíficos da Energia Nuclear, no qual decidiram cooperar pelo desenvolvimento dos
usos pacíficos da energia nuclear, de acordo com as prioridades dos programas
nacionais de cada país e levando em conta os compromissos internacionais
assumidos (BRASIL & ARGENTINA, 1980).
O acordo ressaltava “a necessidade de impedir a proliferação de armas
nucleares através de medidas restritivas não discriminatórias que visassem obter o
desarmamento geral e completo sob estrito controle internacional”, demonstrando “a
divergência filosófica dos dois países com o TNP” (VIERA VARGAS, 1997, p. 46).
Nesse sentido, possuía ênfase política e caráter estratégico, pois demonstrava
aos países desenvolvidos, principalmente aos Estados Unidos, que não haveria
possibilidades de Brasil e Argentina desencadearem uma corrida armamentista e que
seus programas não apresentavam riscos à estabilidade da América do Sul. Da
mesma forma, fortaleceria a defesa dos interesses nacionais de ambos os países.
Assim, o mesmo produziu destacados vínculos de aproximação bilateral, sendo
considerado um marco divisor de águas (VIDIGAL, 2007; OLIVEIRA,1996).
Ademais, nesta mesma ocasião também foram firmados o Convênio Básico de
Cooperação entre a CNEA e a CNEN, e um convênio entre a CNEA e as Empresas
Nucleares Brasileiras (NUCLEBRÁS), bem como estabeleceram o Protocolo de
Cooperação Industrial CNEA-NUCLEBRÁS (VIERA VARGAS, 1997).
Durante a primeira metade da década a cooperação foi se aprofundando e os
vínculos bilaterais foram se consolidando, porém a partir da metade dos anos 1980 as
relações se intensificaram de tal maneira que, durante os governos de José Sarney
(1985-1990) e Raúl Alfonsín (1983-1989), Brasil e Argentina estabeleceram um
relacionamento especial.
A partir de então, o relacionamento entre os dois países não retomou os
princípios da cordialidade oficial, mas passou a se desenvolver a partir de um novo
modelo de vínculo bilateral, uma relação privilegiada. "A qualificação do
relacionamento com a Argentina ocorreu, portanto, no marco das parcerias
estratégicas" (SPEKTOR, 2002, p.124).
Em 1985, Sarney e Alfonsín inauguraram a Ponte Internacional da Fraternidade
Tancredo Neves, que une Foz do Iguaçu a Puerto Iguazú, e assinaram a Declaração
de Iguaçu e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear. Esse é considerado o auge
das conversações iniciadas ainda durante o governo de Figueiredo, um marco para o
processo de integração e dá origem a um novo ciclo no processo de cooperação
nuclear entre Brasil e Argentina (GOMES SARAIVA, 2012; OLIVEIRA, 1996;
GRANATO, 2014).
Nesse momento, os países ressaltaram o comprometimento com o processo
de integração bem como reinteraram seu compromisso em desenvolver a energia
nuclear para fins exclusivamente pacíficos e a aspiração de que esta cooperação
fosse estendida aos outros países latino-americanos (BRASIL & ARGENTINA, 1985).
Além disso, declararam:
Russel e Toklatian (2002) afirmam que até os anos 1980, as relações entre os
dois vizinhos eram baseadas em uma cultura lockeana, ou seja, de rivalidade e, a
partir de então, incorporou-se elementos kantianos de amizade. Apesar de ser uma
amizade ainda frágil, na qual alguns traços da antiga rivalidade se faziam presente.
Apesar de algumas divergências que existiram entre os dois países, Gomes
Saraiva (2012) pondera que o entendimento teve avanços progressivos a partir de
1979, atingindo na segunda metade dos anos 1980 uma parceria estratégica.
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