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DADOS DE ODINRIGHT

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TRILOGIA
MAYATRIX
Manuscritos do Volume 1

Adalberto J. Campelo
Sumário

Capa
Sumário
Apresentação
Prefácio
Introdução
1- O Que é a Verdade e o Que Realmente nos Interessa?
2- A Essência de Toda Filosofia Védica
3- Os Cinco Aspectos da Verdade Absoluta
4- A Alma Suprema e as Categorias de Entidades Vivas
5- Como Pode uma Ilusão Produzir a Verdade?
6- O Caminho Fidedigno para se Conhecer Krishna
(traya-prasthana)
7- Vida Humana — a Rara Oportunidade
8- MAYATRIX — Ação em Consciência de Krishna
9- Breve Contexto Histórico Vaishnava
10- ISKCON
Licença CC BY-NC-ND 4.0

Organização Independente
Versão não oficial extraída do Facebook
Ano 2013
Iniciativa sem fins lucrativos, integralmente gratuita, filantrópica e de caráter educativo.

Compilado em formato e-book


PDF Gray - RGB 204 204 204
Sankirtana de Junho de 2019
versão 3.0 - 16.7.19
Livros oficiais da trilogia Mayatrix acessse:
www.mercadolivre.com.br

Fontes sugeridas para leitura:


Bookerly, Amazon Ember, DejaVu Sans/Serif, Droid Sans/Serif.

Na história da civilização humana são constantes as dificuldades em se encontrar a resposta a cerca da


verdade, e do consequente verdadeiro propósito da vida. No volume 1 da trilogia Mayatrix você
encontrará a verdade por de trás de tudo.
Apresentação

A milenar literatura védica descreve que há 8.400.000


espécies de corpos no universo material. Ali está dito que o
melhor corpo, o que pode manifestar a plenitude da vida e
proporcionar a melhor oportunidade para se atingir o
objetivo da alma, é o corpo humano, a vida humana.

Esta mesma literatura védica, os Vedas, estabelece


basicamente três etapas para a vida humana exitosa: 1- A
compreensão do objetivo da vida; 2- Conhecer o melhor
caminho para alcançar tal objetivo; 3- Como ser plenamente
bem-sucedido ao lidar com os naturais desafios da vida.

Sendo assim, para se iniciar a jornada através destas


etapas é imprescindível compreender que viver exige algum
tipo de esforço, seja ele físico ou mental. Até mesmo para
manter o corpo e a alma juntos se exige algum trabalho, por
menor que seja. E quando falamos de esforço é porque há
alguma resistência, há algum desafio.

Numa vida exitosa, sempre há necessidade de


direcionarmos de forma adequada nossa energia vital,
“nosso tempo”, por algum caminho, para algum propósito.
E, assim como um semeador, no devido curso do tempo,
sempre colhemos os respectivos resultados. Contudo, é
preciso conhecer a melhor semente, como plantá-la e, por
fim, como cultivá-la e colher os frutos.
Este livro, que é baseado nos ensinamentos dos Vedas,
revela o conhecimento básico e essencial acerca da vida e
de seu mais elevado propósito. Também nos revela
informações preciosas acerca da resistência “natural”
presente na forma de poderosa ilusão, quase intransponível
— chamada Maya —, e como nos libertar desta ilusão.
Libertação esta, que numa tentativa de abordagem
contemporânea, é intitulada aqui MAYATRIX.

Portanto, é preciso conhecer o que são os Vedas e o que


deve ser realmente compreendido do conhecimento védico.
Entretanto, para aprendermos adequadamente tal
conhecimento é necessário obtermos a ajuda de quem já
conheceu o caminho, de quem já o trilhou, e já se deparou
com as respectivas dificuldades e as superou. Sendo assim,
no decorrer deste livro, vocês conhecerão algumas das
revelações literárias, do exímio mestre A.C. Bhaktivedanta
Swami Prabhupada, testemunhadas por seus genuínos
discípulos e fiéis seguidores, sintetizadas e apresentadas
aqui numa linguagem bastante acessível, como uma ciência
— a Bhakti-yoga.

Tais informações fundamentam a existência da Sociedade


ISKCON e estabelece os objetivos que norteiam seus
integrantes rumo a autorrealização. Também servem de
motivação para todos que desejam compreender os
“mistérios da vida” e conquistar a felicidade plena
disponível à vida humana.
Prefácio

Para o mais sofisticado ser humano de poucos séculos


atrás, embora diante do revolucionário período das grandes
navegações que descobririam novos continentes, seria
impossível conceber as transformações que ainda estavam
por vir. As conquistas humanas foram desde a invenção de
veículos motorizados que encurtaram distâncias, até
submarinos que desbravaram as profundezas dos Oceanos;
Aviões rasgam os Céus e foguetes os levam até o Espaço. O
planeta que outrora era composto de variedades de povos e
culturas separados por distâncias intransponíveis, cada vez
mais se torna menor e a globalização cultural é um fato
irrevogável na vida de todos.

Inerente à revolução cultural as mudanças na


comunicação foi um fator importantíssimo, e não poderia
ser diferente. Sem irmos muito longe, com a revolução
industrial veio a revolução tecnológica e em pouco mais de
um século a humanidade vivenciou a transformação da
comunicação à distância que passou do telégrafo ao
telefone e ao fax. Tivemos a experiência sonora via rádio,
passando por gramofones, discos de vinil, fitas K7s, Cds, e
Home theaters. Tivemos também as transformações na
experiência televisiva em Fitas de VHF, Dvds e, mais
recentemente, temos o sofisticado Bluray. Tudo isto
disponível numa rede mundial de telecomunicação, a
Internet! Misturado e por detrás de tudo isto, surgiram
grandes fábricas de equipamentos tecnológicos, empresas
virtuais, grandes emissoras de telecomunicações e, por fim,
a influência cultural através da popularização de celulares,
computadores, Smartphones, Tablets, mapas e localizadores
via GPS, TVs com imagens ao vivo em monitores de LED de
última geração, com opções 3D.

Tratando-se de influência cultural globalizada, não


podemos deixar de mencionar as multimilionárias e
revolucionárias companhias cinematográficas que
começaram com o teatro, depois com as histórias
dramáticas via rádio, indo até o cinema mudo com imagens
em preto e branco e, finalmente, chegando à sofisticada
experiência popular de cinemas com imagens 3D e som
DOLBY DIGITAL 7.1. A cada dia mais novidades chegam ao
mercado cinematográfico e tecnológico, e os dicionários mal
conseguem atualizar as novas palavras e terminologias
introduzidas no dia a dia.

Há pouco tempo atrás seria praticamente impossível se


fazer entender ao falar de bits, megabytes, gigabytes,
experiências multidimensionais, física quântica, cibernética,
biotecnologia, nanotecnologia, etc. Esta crescente e
acelerada sofisticação da vida diante dos efeitos colaterais
presentes no distúrbio do planeta e nos levando para cada
vez mais longe dos valores humanos simples e elevados
que sempre nos proporcionou felicidade, é inevitável
perguntarmos onde queremos chegar e realmente qual é a
importância e qual é o verdadeiro propósito de tudo isto.

Neste ponto vale destacar que, a despeito das inúmeras


tentativas literárias de se tentar compartilhar e popularizar
conceitos metafísicos de experiências dimensionais, fora
através dos cinemas que tal experiência alcançou maior
popularidade e eficácia.
Numa das belas passagens do filme “The Matrix I” logo no
começo Morpheus coloca na frente de Neo(anagrama de
One) as duas pílulas, uma para despertar daquela
“ilusão/Maya” e por sua escolha Neo toma essa pílula/droga
(comumente chamada de "pílula vermelha") destinada a
perturbar o seu corpo neuralmente conectado à Matrix. E
passa a ser um “semi-desperto”. Nos diversos comentários
que eu li sobre o Matrix, ele sempre foi associado à tradição
Budista e em alguns comentários o “estilo” foi até nomeado
de “cyberpunk Budista”. Devido ao desconhecimento total
dos críticos em relação a filosofia Vedanta que como o autor
de livro “Mayatrix” nos conta a filosofia Vedanta varreu a
lógica(nyaya) Budista da Índia. Devido a desconhecerem a
filosofia Vedanta(Veda= verdade / anta=última); os
comentários e associações de “Matrix” ficaram incompletos
numa superficial associação como o “Budismo”.

A ideia que norteia o roteiro e o livro de William


Gibson(Neuromancer que inspirou e influenciou o roteiro)
tem muito mais elementos do Hinduísmo e por conseguinte
da escola de filosofia “Vedanta”. SeshaLila Das(HDG)
[Adalberto J. Campelo foi muito eficiente ao expor de forma
sucinta e detalhada os princípios que norteiam o “Vedanta
Vaishnava[personalista]” ou a compreenção do “Vedanta” a
luz da visão de Sri Caitanya Mahaprabhu, sendo o autor
pertencente a essa tradição(Linha de sucessão discipular) e
neto espiritual do divino Guru A.C Bhaktivendanta
Prabhupada. Nesse pequeno trabalho ele através da
sabedoria dos grandes mestres de sua linha nos coloca no
mesmo dilema que o personagem “Neo” de permanecermos
no nosso longo sono de “Morpheu” de Maya(ilusão) ou de
nos aproximar de alguém que já despertou (o guru) e
conseguirmos a chave para o começo do “semi-despertar”.

Vemos que mesmo depois de ter “semi-despertado” Neo


ainda não sabia do seu status avatárico ao ponto de mostrar
dúvida para o oráculo: - Acha que é o Escolhido?
Sinceramente, não sei.

- Sabe o que isso diz? (apontando para placa acima da


porta) É latim. Diz: "Conhece a ti mesmo".

Vou te contar um segredinho: ser o Escolhido é como


estar apaixonado. Ninguém pode te dizer se você está. Você
simplesmente sabe, e não tem dúvida, nenhuma. Desculpe,
garoto. Você tem o dom, mas parece que você está
esperando por algo.

- O quê? Sua próxima vida, talvez. Quem sabe? Essas


coisas são assim.

Na vida espiritual é exatamente assim ao sermos iniciados


e fazermos nosso voto ao guru recebemos o poder Shakti da
sucessão discipular milenar parampara e nosso
mantra(hino, oração) passa a ter força(sampradaya-vihina
ye mantras te nishphala mataù [Padma-Purana]) e na sua
prática conjunta a outras práticas(Sadhana) conseguimos o
despertar pleno de toda ilusão maya e podemos a cabo de
tal prática realizamos plenamente prema-bhakti(amor
devocional pleno)e nossa identidade última nos é revelada.
É essa prática e essa tradição que sabiamente
SeshaLila(HDG) com seu Mayatrix nos expõe nesse soberbo
livro.

Oṃ Tat Sat (A verdade é uma só, Deus é um só)

— Priya Drsti
Introdução

VEDAS
A Literatura que Revela a Verdade Absoluta
por Howard J. Resnick, Ph.D.

Qualquer estudo profundo sobre algo deve incluir uma


análise histórica, uma análise contextual. Sendo assim, para
poder entender uma pessoa, por exemplo, deve-se fazer
uma análise psicológica sobre ela, tem-se de saber e
entender a história da pessoa. Nesta mesma linha de
raciocínio, se quisermos entender algo maior, como a
sociedade humana, ou algo maior ainda tal como o
Universo, também teremos de saber de sua história. E a
história inclui a origem.

A filosofia ocidental começou aproximadamente há 2.500


anos, ironicamente, na Ásia (no oriente!). A filosofia
ocidental, a filosofia clássica grega começou não
exatamente no que hoje é a Grécia, mas na parte ocidental
da Ásia onde agora está a Turquia. Os primeiros filósofos da
nossa tradição ocidental especificamente, tentaram
descobrir a fonte de tudo. Eles queriam saber algo sobre a
história do Universo. Pensando que poderiam entender o
que temos agora por conhecer a origem, como e o por quê.
Também na ciência moderna existe muito interesse pela
origem do Universo.
Quando se trata de pesquisar fatos muito remotos temos
de recorrer a testemunhos históricos, neste caso temos os
registros védicos, a literatura mais antiga do mundo ainda
escrita em sânscrito, a literatura védica. Na importantíssima
obra chamada Srimad-Bhagavatam, as primeiras palavras
são janmady asya yatah, ou a “A Verdade é aquilo que é a
fonte de tudo”. Ou seja, a Verdade Absoluta é a Verdade que
origina, que contém todas as outras verdades relativas —, a
origem de tudo. Assim, tanto na tradição filosófica ocidental
quanto na tradição védica, como também na ciência
moderna, existe uma preocupação séria com a história do
Universo, de onde ele veio. E o motivo é óbvio, pois nós não
podemos entender muito bem este mundo sem saber sua
história. E visto que somos seres humanos, estamos
preocupados não apenas com uma análise do mecanismo,
mas também queremos saber sobre o propósito do
Universo, o propósito da vida.

Poderíamos dizer que nosso propósito é simplesmente de


existir, mas apenas para sobreviver também temos de lutar
muito. Às vezes, os cientistas modernos definem o propósito
da vida em simplesmente viver. E nessa linha de raciocínio
eles dizem que a realidade do ser humano é um tipo de
código biológico, genético, que está querendo sobreviver e
estender-se. Porém, como seres humanos, nós não podemos
aceitar esta definição tão superficial e até anti-humana. Nós
não podemos aceitar a idéia de que o propósito da vida é
simplesmente sobreviver, sem nenhum valor superior. Na
prática, ninguém está preparado para viver sem valores
superiores. Se estiver querendo apenas sobreviver, uma
pessoa pode deitar no chão, sua família trazer alimento, ela
pode comer e defecar, beber, dormir e “viver”. Mas quem
diria que esse tipo de vida tem significado, que é uma vida
sã? Manter apenas os organismos funcionando? Se
ouvirmos que um amigo nosso sofreu um acidente e está no
hospital unicamente respirando, será isso uma boa vida? A
definição da ciência material de que o propósito da vida é
simplesmente sobreviver é talvez necessária, mas não
suficiente, é muito incompleta. E se queremos estender a
definição do propósito da vida, teremos também de entrar
no campo de valores superiores, da bondade e da maldade.

Quando nós transcendemos a vida superficial sem


significado, a vida da simples sobrevivência biológica,
chegamos ao nível verdadeiro da vida humana e passamos
a definir valores e propósitos superiores. Nesse momento, a
ciência material já não é suficiente, ela não pode dar mais
informação. A partir daí, poderíamos dizer que é só uma
questão de fé, acreditar ou não. Contudo, é uma análise
muito pessimista e inútil dizer que há ciência no nível de
conhecimento inferior da vida, e que ela inexista no nível de
conhecimento superior. Existem valores superiores que são
científicos, mas numa sociedade muito fascinada com a
ciência material, às vezes é difícil entender como pode
haver uma ciência espiritual ou uma ciência de valores.

A fé é algo que atinge todos os aspectos da vida. Sem


acreditar, ninguém faz nada. Qualquer ação voluntária,
mesmo sob pressão, é sempre um ato de fé. A diferença
entre ciência e fé simples é que, com uma ciência existe um
processo de comprovação pelo qual podemos levar a cabo
um tipo de investigação pública, no sentido de que a
informação está disponível para qualquer investigador que
esteja buscando seriamente, com a devida boa vontade,
adotar um procedimento apropriado para tal comprovação.

Na literatura védica, especificamente no Bhagavad-gita


(17.3), Krishna afirma que a fé está presente em todo
mundo segundo o estado de existência específico da
pessoa. Todos têm fé em algo. Varia o objeto da fé, mas o
processo de acreditar é constante em todo mundo.
Se alguém diz que não acredita em nada, imediatamente
teríamos de lhe perguntar: “Você acredita nesta sua
afirmação?”. E concluir com: “Você acredita que você não
acredita em nada; Você acredita que nada vale a pena; Você
acredita que seja verdade você não acreditar em nada?”.

Dizer não acreditar em nada sem acreditar no significado


constante e comum das cinco palavras “Eu não acredito em
nada”; não é possível tentar comunicar esse conceito com
tais palavras. Então, “Eu não acredito em nada” é o tipo de
afirmação feita por pessoas que não têm inteligência muito
desenvolvida; pessoas que não conhecem muito bem os
princípios da lógica, não usam as palavras com seriedade e
falam coisas sem raciocínio. Dentro da filosofia, uma
afirmação que se contradiz torna-se nula e é rejeitada como
uma afirmação sem sentido, sem importância.

Se nós queremos uma ciência de valores superiores sem


referência a uma Verdade Absoluta (Deus), isto é
simplesmente ilógico. Porque sem um ponto absoluto os
pontos relativos não têm um alicerce real, tudo se torna
opinião, sem fato. Por exemplo, sem o Pólo Norte seria
arbitrário dizer que estamos indo para o norte; esta
afirmação não teria sentido. Se eu digo que Brasília está a
noroeste de Belo Horizonte, estamos falando com referência
a algum ponto fixo — o Pólo Norte. Sem um ponto fixo de
referência, qualquer análise, qualquer afirmação, é
simplesmente opinião e nunca chega a ponto de ser um
fato. E sem fatos não há tal coisa como ciência.

Portanto, sem valores absolutos, como será possível dizer


que isso é bom e tal coisa é má, que ele e ela são boas ou
más pessoas? E sem a capacidade de saber quem é bom e
quem é mau, como é possível ter uma sociedade justa?
Tudo é capricho, tudo é arbitrário. Sem uma ciência
espiritual de valores, como você pode chamar algo de bom
ou de mau? E se você não tem esse poder, como você pode
ter uma sociedade, como você pode decidir o que é a lei?

Anarquia é muito difícil, é anarquia. E se você não quer


anarquia, você terá de ter leis. E se você não tem uma ideia
científica de bondade e maldade, com que base você vai
declarar leis? E se alguém não concorda, com que força
moral você poderá insistir que se siga a lei? Por isso, o
problema real no mundo de hoje é que a sociedade humana
está mais ou menos como um barco à deriva. Não existe
uma ciência espiritual, uma ciência acerca de Deus, uma
ciência de valores, e visto que as leis estão baseadas em
valores, temos um sistema mundial no qual a lei, a base, o
alicerce da sociedade são completamente arbitrários,
dependem da opinião caprichosa de alguém. Portanto, a
maior necessidade no mundo atualmente é uma ciência de
valores, uma ciência espiritual.

O que estamos apresentando, obviamente, não é nosso


capricho: “Eu acho”, “Parece-me que”, “Deve ser” ou
“Aparentemente será”. Estamos oferecendo para todo o
mundo o melhor e mais antigo conhecimento, o
conhecimento védico. Veda em sânscrito vem da raiz verbal
ved que quer dizer “saber”. Como em português temos o
verbo “saber” e depois a palavra “sabedoria”, ou
“conhecer” e “conhecimento”, existe o verbo ved, saber, e
depois, veda, sabedoria. O conhecimento védico é
interessante, exatamente porque ele transcende os limites
da cultura e atinge o nível universal. E um conhecimento
universal é relevante para todo o mundo.

De acordo com a própria literatura védica, os Vedas são


eternos e não têm nenhuma origem mundana. Os eruditos
mundanos nunca conseguiram achar um começo ou um
princípio para os Vedas, porque o conhecimento védico é
sempre existente. Não é algo que pertença a alguma seita,
algum país, alguma região ou a algum estágio histórico. É o
“Manual de Instrução” do Universo — revela o
conhecimento das leis e as instruções para se atingir a
plenitude da existência. Inclusive a ciência moderna
também admite que o Universo inteiro está se
movimentando devido a leis. Portanto, podemos dizer que a
existência de leis é um aspecto fundamental da realidade
universal — leis cósmicas, leis biológicas, físicas, químicas,
morais, sociais, psicológicas, em todos os níveis.

Nos mesmos Vedas está dito que o Senhor Supremo os


produziu de Sua própria respiração. Os Vedas existem por
milhões de anos e, há cinco mil anos, foram escritos em
Sânscrito e divididos em quatro seções, para uma melhor
compreensão entre diferentes pessoas da sociedade
humana. Porque as pessoas agora seriam menos
inteligentes, fez-se necessário explicá-los com mais
detalhes.

Na Índia, encontramos uma literatura muito evoluída em


conhecimento espiritual. Mas, devido ao fato de que o
Ocidente dominou o mundo, científica, econômica e
politicamente, as escrituras deste poder político ficaram
proeminentes. E como a Índia foi conquistada e dominada
política e economicamente, suas escrituras foram
menosprezadas como primitivas.

Existem muitas escrituras porque os seres humanos têm


muitos desejos diferentes. Há uma estratégia nas escrituras
para progressivamente elevar as pessoas até a perfeição.
Por isso existem muitas escrituras que recomendam
diferentes processos materiais para satisfazer os desejos
materiais das almas condicionadas e, gradualmente,
incentivar a vida religiosa.
Também as escrituras são deturpadas por interpretações
desautorizadas, como Krishna fala no já mencionado
Bhagavad-gita (4.2) que; Esta ciência foi revelada através
do processo de sucessão discipular, porém, no transcurso
do tempo, a ciência como ela realmente é foi perdida. E,
sendo assim, sempre que necessário, Krishna a restabelece
devidamente. Além dos diferentes motivos das escrituras,
em última instância, há o motivo supremo — conhecer a
Verdade Absoluta, a Pessoa Suprema, Krishna. Mas para
chegar a este ponto existem diferentes estratégias, graus e
processos. Uma pessoa que, sem conhecer a estratégia
total das escrituras, entra num ponto específico. Sem
compreender o quadro completo ela facilmente se
confunde. E mais ainda, quando essa pessoa tem muitos
desejos para satisfazer, muitas vezes estará buscando um
pretexto para justificar o materialismo em nome de Deus.

Quanto à necessidade de sabermos a história de algo para


podermos entendê-lo perfeitamente bem, conhecer a
origem: — No Bhagavad-gita quem está falando é a própria
Origem, a Pessoa Suprema. Esta é a grande vantagem do
Gita, ele foi falado pelo próprio Senhor Supremo — Krishna
—, que esteve na Terra há cinco mil anos. Assim como no
Ocidente se sabe que o filho de Deus apareceu há dois mil
anos, possuímos a informação de que o próprio Deus
apareceu há cinco mil anos, e este fato histórico é sabido
por todos na Índia. Há um bilhão de pessoas que sabem
disto, mas, devido às circunstâncias políticas e econômicas,
o “mundo ocidental” desconhece este fato. Do ponto de
vista da história, cinco mil anos é muito pouco porque, na
verdade, o homem existe a milhões e milhões de anos.

No passado, os seres humanos eram muito mais


avançados do que hoje em dia. A teoria de que a sociedade
vem evoluindo é um exemplo típico de projeção, ou seja, o
que os psicólogos explicam sobre projetarmos nossa
experiência em áreas ou circunstâncias fora de nossa
percepção. Assim, na Europa, após a queda do Império
Romano, os homens eram muito primitivos e,
posteriormente, fizeram algum progresso. Devido a essa
experiência de avanço nas áreas de filosofia e das ciências,
pensavam que o mundo inteiro fosse como eles, como sua
experiência. Por apenas mil anos de experiência, eles ainda
pensam, ou projetam, que todos eram primitivos e
moravam em cavernas há cinco mil anos. Se estudarmos os
livros de antropologia ou arqueologia, veremos que os
dados que apóiam essa teoria quase não existem de fato.

No processo normal de pesquisar ou buscar um


conhecimento, para poder controlar o assunto temos a
tendência de reduzir o objeto do nosso estudo ao status de
um objeto de estudo manipulável. E, normalmente, quando
estamos tentando estudar cientificamente uma matéria,
temos a tendência psicológica de ver a nós mesmos como a
personalidade envolvida no assunto, e o objeto de estudo
como algo que deva ser tratado ou controlado para poder
estudá-lo, justamente porque os processos modernos de
estudo científicos dependem do controle exercido por
aquele que estuda.

Pode-se observar a diferença nos resultados obtidos na


psicologia e na física. Na física estamos lidando com coisas,
muitas vezes coisas mortas e basicamente controláveis.
Mas, na psicologia, lidamos com pessoas e não é possível
dizer como uma pessoa vai agir. Posso dizer com certeza
quase absoluta que se eu esquento a água, a uma certa
temperatura a água vai ferver. Mas não podemos dizer
quando uma pessoa vai “esquentar” ou “estourar”. Você
pode estudar, ter PhD em Psicologia, e ainda assim não
saber lidar com sua própria esposa ou filho. Porque se
tratando de pessoas existe um fator eternamente variável,
que é justamente a pessoa com o livre arbítrio. Bolas e
pedras não têm livre arbítrio, sempre agem da mesma
maneira e aí você pode criar uma ciência material na base
do controle sobre o objeto de estudo. Mas, quando tentamos
criar uma ciência humana, uma ciência que dá informação
sobre pessoas, nós perdemos essa capacidade de controlar
perfeitamente como podemos fazer na Física, e por isso
entramos em outro campo de estudo.

Se estivermos procurando Deus — a Verdade Absoluta —,


se estamos entrando nesse campo supremo de
aprendizagem, então teremos muitos problemas se
tentarmos controlar o objeto de estudo, justamente porque
estamos procurando o Controlador Supremo. No processo
de buscar Deus, por definição axiomática e óbvia, não será
possível empregar qualquer método que dependa do
controle do que estamos estudando, e qualquer
procedimento parecido com a ciência material será
totalmente inútil e sem nenhuma relevância. Além disso,
teríamos de supor que, quando buscamos Deus, estamos
buscando algo vivo e não morto, algo consciente e não
estúpido; estamos buscando a Pessoa Suprema e por isso a
maneira de fazê-lo deverá ser apropriada. Que podemos
entender sabendo que procuramos algo superior? Que quer
dizer superior? Superior quer dizer que eu sou inferior.
Então, qual é o processo para o inferior buscar o superior?
Será o processo de submissão, de devoção, enfim, amor. Em
poucas palavras, se queremos a Verdade Absoluta, teremos
de estar preparados para rendermo-nos, entregarmo-nos a
Ela.

Sem esse desejo de se submeter à Verdade Absoluta,


como seria lógico ou possível encontrá-La?

No Bhagavad-gita, a Verdade Absoluta está pessoalmente


falando. Krishna quer dizer Verdade Absoluta. Não devemos
duvidar: “Como é possível que a Verdade Absoluta fale?” Eu
diria: “Como é possível que a Verdade Absoluta não fale?”.
Se a Verdade Absoluta não fala, como podemos nós, uma
verdade relativa falar? Se nos raios do sol sentimos calor,
como podemos afirmar que o sol é frio? Assim, seria
absurdo dizer que a Verdade Absoluta não pode falar, ver ou
agir, porque Ela é justamente a fonte de tudo. O Bhagavad-
gita é parte da literatura védica, é o livro mais famoso na
Índia e é tema de estudos nas principais universidades do
mundo. Ele não é exatamente um livro indiano, senão não
seria espiritual, quando espiritual quer dizer universal.
Materialmente todos somos diferentes, mas espiritualmente
todos somos a mesma coisa — almas espirituais.

Portanto, os Vedas, o conhecimento védico, não podem


estar limitados a um conhecimento indiano, nem brasileiro,
nem americano... E não pode ser revelado, encontrado,
compreendido de qualquer maneira. É necessário ajuda de
um mestre espiritual autêntico.

Sendo assim, devemos aproveitar a oportunidade de


aprendermos os Vedas, o verdadeiro conhecimento védico,
através dos livros e instruções reveladas por Sua Divina
Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Srila Prabhupada, fundador
acarya da ISKCON, e, então, nossas vidas, nossa existência
será plenamente bem-sucedida.
1

O Que é a Verdade e o Que Realmente nos


Interessa?

Estimados leitores, podemos constatar sem muito esforço


a necessidade e a capacidade intrínseca do ser humano de
formular perguntas e buscar por respostas. Capacidade esta
que caracteriza a vida humana e a difere da vida animal.
Até mesmo uma criança logo que aprende a falar se
envereda nos caminhos dos “porquês”, na tentativa de
compreender sua relação com o mundo que a circunda. É
um fato inegável que o ser humano é indagador por
natureza, e quando suas indagações ultrapassam o nível da
sobrevivência primária e evoluem adentrando o campo da
metafísica, dos valores superiores, caracteriza-se então uma
vida humana progressiva.

Entretanto, dentre as perguntas que intrigam os mais


sábios seres humanos desde o primórdio da civilização,
nada se compara ao desejo de compreender a verdade
última por detrás de tudo. Ou seja, compreender a verdade
sobre nós, quem somos e o que realmente dá verdadeiro
sentido à nossa existência, à vida e a toda criação cósmica.
Enfim, a Verdade que é onipresente, essência imutável que
fundamenta todo objetivo, justifica todo esforço e motiva
toda ação. A origem, o meio e o fim por detrás de tudo.
Na tentativa de promover e conquistar o mencionado
conhecimento, a humanidade trilhou inumeráveis caminhos
e gerou inúmeros registros literários que hoje lotam as
prateleiras de todo o mundo e se confundem com tamanha
variedade de opções. Sem querer entrar no âmbito das
variedades, para explanar o tema acima, vamos destacar o
que é considerado pelo meio acadêmico de reconhecidos
eruditos e historiadores o registro histórico mais antigo,
profundo e abrangente, os Vedas.

Desde a mais recôndita literatura védica, passando pelos


textos bíblicos, até os mais “recentes” tratados filosóficos
encontramos orientações que nos motivam a buscar pela
essência das respostas. Temos, por exemplo, a conhecida
declaração bíblica “Busque a Verdade e a Verdade vos
libertará”, ou ainda a máxima de Sócrates, “Conheça a Ti
Mesmo”. E também na literatura védica se encontra a
seguinte declaração: “A característica fundamental da vida
humana espiritualmente progressiva é a busca pelo
conhecimento transcendental, a Verdade Absoluta. A
Verdade Absoluta é aquele de quem tudo emana”. Diante
de tais afirmações a literatura védica propositalmente evoca
nosso natural questionamento: O que, como ou quem é tal
Verdade Absoluta? Quais são suas características? Qual é
nossa relação com tudo isso? E a assim por diante.

Como já mencionei iremos explorar o conhecimento dos


Vedas, e neste ponto eu chamo a atenção para os
mecanismos implícitos na própria literatura védica. Ou seja,
com o objetivo de responder tais questões, o autor dos
Vedas, Krishna Dvaipayana Vyasa, na importante
enciclopédia védica que é considerada o comentário mais
profundo e completo dos Vedas, o Srimad-Bhagavatam,
inicia suas injunções com a definição da Verdade Absoluta:
“A Verdade Absoluta é aquele de quem tudo emana”. Esta
profunda afirmação que em princípio pode parecer vaga é
complementada no decorrer do próprio Srimad-
Bhagavatam, e é sintetizada pelo Brahma-samhita, uma
importante obra na literatura védica que estabelece:
“Govinda, Krishna, é a causa de todas as causas”.

Também no Bhagavad-gita, a mais famosa literatura


védica, o próprio Senhor Krishna afirma que Ele é a fonte de
todos os mundos materiais e espirituais. Que tudo emana
dEle. Portanto, diante de tais afirmações que são de
extrema profundidade, embora pareça uma revelação
simples e direta, por fim, podemos concluir que de acordo
com a literatura védica Krishna é a Verdade Absoluta.

Estaremos focando em detalhes alguns aspectos acerca


destes temas no decorrer deste ensaio e, por enquanto, o
conceito sobre a Verdade Absoluta pode ser mais bem
compreendido através da analogia de que o Senhor é como
a vela original, da qual se acendem muitos milhares e
milhões de velas. Embora um número ilimitado de velas
possa ser aceso, a vela original retém suas características
originais. Temos também o exemplo do Sol e os raios do Sol.
Sabemos que os raios do Sol são quentes,
consequentemente, concluímos que a origem, o Sol,
também seja quente, pois à priori como pode o calor surgir
de uma fonte fria? Sendo assim, o mundo das formas e das
individualidades como conhecemos, certamente vem de
uma fonte repleta de forma e individualidade. Isto não
significa que tal fonte possua as formas e individualidade
exatamente como as que conhecemos, porém com certeza,
tem de ser a origem que contém tudo — a Verdade
Absoluta.

Em essência a definição de Verdade Absoluta é a origem,


aquela que contém todas as verdades relativas. Neste
momento, é importante esclarecer que os Vedas também
estabelecem que qualquer pessoa interessada em
realmente compreender a Verdade Absoluta, deve saber
que tal conhecimento não se conquista através de uma
informação livresca, mas através de um processo prático de
percepção interna que a literatura védica define como yoga.
Não se trata da yoga popular conhecida hoje como uma
série de exercícios físicos, mas de uma profunda experiência
de vida fundamentada numa compreensão acerca do
Energético Primordial, Suas energias e a relação entre eles,
a bhakti-yoga.

Por conseguinte, de acordo com os Vedas, Sri Krishna é a


Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus, o
Energético Supremo, e tudo o mais são Suas energias.

Ainda na tentativa de aprofundarmos nossa análise sobre


as características conceituais primárias da Verdade Absoluta
e nossa relação com Ela, analisemos a afirmação de Krishna
no Bhagavad-gita: “Dentre muitos milhares de seres
humanos, talvez haja um que se esforce para obter
perfeição, a autorrealização, e dentre aqueles que
alcançaram a perfeição, é difícil encontrar um que Me
conheça de verdade. Terra, água, fogo, ar, éter, mente,
inteligência e falso ego — juntos, todos estes oito elementos
formam Minhas energias materiais separadas. Além dessas,
ó Arjuna de braços poderosos, existe outra energia, Minha
energia superior, que consiste nas entidades vivas que
exploram os recursos dessa natureza material inferior”. Aqui
Krishna estabelece que Ele é o Energético Supremo e a
entidade viva é Sua energia superior, e também outro texto
védico, o Vishnu Purana, menciona que a potência original
do Senhor é superior, ou espiritual, e a entidade viva
realmente pertence a esta energia superior. Mas existe
outra energia, chamada energia material, ou ainda se
preferirmos, Maya.
Logo, apesar da unidade inerente entre o Energético e
Suas energias, existem certas “diferenças” entre a Suprema
Personalidade de Deus e as almas individuais. Tal diferença
é admitida nos textos védicos, e é também sentida de fato
na experiência prática de qualquer homem são. Só um
homem insano pode pensar que a alma atômica
infinitesimal, em todos os aspectos, é exatamente igual à
incomensurável Alma Suprema.

Nos mencionados textos dos Vedas fica claro que a


entidade viva é parte integrante do Senhor Supremo como
energia ou como potência superior, e não como ο potente.
Ο potente pode manifestar muitas potências, mas a
potência não pode igualar-se plenamente ao potente em
nenhum estágio. Como potência a entidade viva pode ser
subjugada por outra potência como, por exemplo, ela pode
ser subjugada pela potência externa ou ilusão, mas, para ο
potente, todas as potências estão sempre sob Seu controle.
Por estar sujeita à influência da potência externa, a energia
material (Maya), a entidade viva não pode de forma alguma
ser igualado ao potente supremo.

Diante disto convido vocês, estimados leitores, a


continuarem através deste livro, que é fundamentado nos
ensinamentos de A.C. Bhaktivedanta Swami Srila
Prabhupada, numa incursão em busca de respostas práticas
acerca da Verdade Absoluta. Conhecimento este essencial
para incrementarmos nossa verdadeira fé na oportunidade
de uma vida humana progressiva e, consequentemente,
obtermos a motivação necessária para agirmos da melhor
maneira possível na conquista de nossa plena existência
bem aventurada.
2

A Essência de Toda Filosofia Védica

O Vedanta-sutra é considerado a essência de todo o


conhecimento transcendental por diferentes escolas de
estudos védicos. Srila Prabhupada, diz acerca do livro
Govinda-bhasya, o qual é o comentário vaishnava ao
Vedanta-sutra por Srila Baladeva Vidyabushana, que
Vedanta significa a “última palavra” em matéria de buscar
conhecimento. A palavra Veda significa conhecimento e a
palavra anta significa último, o mais profundo. Por outro
lado, a palavra sutra significa “código resumido”. No Skanda
e Vayu Puranas a palavra sutra é explicada como “quando
uma tese é apresentada em poucas palavras, porém com
grandes volumes de significado e, quando compreendido, é
muito belo”.

Todo mundo está buscando algum tipo de conhecimento.


Existem universidades, instituições, e muitos
estabelecimentos educacionais buscando conhecimento,
porém Vedanta significa a “última palavra” na busca do
conhecimento. Esta definição máxima na busca do
conhecimento é explicada no Bhagavad-gita pelo Senhor
Krishna: “O propósito do conhecimento védico é
compreender a Alma Suprema”. Esta afirmação é uma
explicação mui significativa para o Vedanta-sutra pelo
próprio Krishna, pois fundamentado nela, pode-se
compreender os outros aspectos da Verdade Absoluta.

A ideia aqui é aprofundar ainda mais nas respostas


referentes à Verdade Absoluta, a essência do conhecimento
védico. Sendo assim, é imprescindível saber que o Vedanta-
sutra assim como também o Bhagavad-gita, estabelecem
que a Verdade Absoluta pode ser compreendida em três
aspectos: Brahman, Paramatma e Bhagavan. Srila
Prabhupada nos dá o exemplo do Sol. Assim como em
princípio podemos perceber o Sol através de seus raios,
posteriormente, como um astro no céu, e por fim,
compreendê-lo em suas características individuais mais
profundas; Similarmente, primeiro a Verdade Absoluta é
compreendida como a onipresente refulgência impessoal
(Brahman), então, como a onisciente Superalma localizada
(Paramatma), e por fim, como a Suprema Personalidade de
Deus, Krishna (Bhagavan).

Conhecer Krishna abrange todas as outras compreensões.


De modo semelhante, por ser parte e parcela da Alma
Suprema, Krishna, a alma individual também pode ser
compreendida em três aspectos: primeiro como a
consciência que permeia o corpo inteiro; então, como a
alma espiritual dentro do coração; e finalmente, como uma
pessoa. Por conseguinte, salvaguardando as devidas
características e proporções, assim como Krishna é
simultaneamente Brahman, Paramatma e a Suprema
Personalidade de Deus Bhagavan, cada um de nós é
simultaneamente consciência infinitesimal, alma espiritual e
pessoa individual.

Dessa forma, ao elucidar ainda mais acerca da Verdade


Absoluta, tanto o Vedanta como o Bhagavd-gita, dividem-Na
ainda em cinco verdades (tattvas) eternamente correlatas
dentro da dimensão material:
1. A Suprema Personalidade de Deus (Ishvara);
2. O tempo eterno (Kala);
3. A energia espiritual atômica, ou entidade viva
individual (jiva);
4. A energia material (prakrti);
5. A ação (karma).

Logo, podemos concluir que em sua essência (siddhanta),


todo conhecimento védico gira em torno da compreensão
acerca do Energético Supremo (Bhagavan) e Suas energias
jiva e prakrti (Brahman); A relação entre tais energias
supervisionada e permitida pela ação do tempo eterno
(Paramatma) e, por fim, os resultados de tais interações, o
Karma. Os conceitos básicos desses tópicos serão
resumidos nos próximos capítulos.
3

Os Cinco Aspectos da Verdade Absoluta

• Isvara é o Absoluto Energético Primordial (Purusha); O


Desfrutador e Controlador Supremo; a Suprema
Personalidade de Deus, Sri Krishna Bhagavan. “Há
personalidades que possuem qualidades de Bhagavan, mas
Krishna é o Supremo porque ninguém pode igualá-lO ou
superá-lO. Ele é a Pessoa Suprema, e Seu “corpo” é eterno,
pleno de conhecimento e bem-aventurança. Ele é o Senhor
Govinda primordial e a causa de todas as causas”.

• Kala é o tempo eterno; A manifestação onisciente,


onipresente e onipotente do Senhor Supremo; O olhar, o
agente motriz do Senhor que tudo cria, mantém e devora; é
o catalisador da criação cósmica na constante interação
jiva/prakrti na existência material. Kala é também conhecido
como a manifestação do aspecto localizado Paramatma do
Senhor. Kala abrange o mecanismo que testemunha todas
nossas ações, boas e más, e assim as reações resultantes
são conferidas por Ele. Paramatma, o senhor do tempo
eterno, é nosso companheiro constante e, portanto Ele
conhece tudo, passado, presente e futuro. E porque o
aspecto Paramatma do Senhor Krishna determina todas as
ações e reações, Ele é a personificação do controle
supremo. Sem Sua sanção nem uma folha de grama pode
se mexer.
• Jiva somos nós, a entidade viva individual, partícula
atômica espiritual, consciência infinitesimal. A energia
espiritual superior do Senhor, eternamente submetida à
dimensão espiritual ou submetida à dimensão material,
também energias do Senhor Supremo. A literatura védica
estabelece que o “eu” é brahman: “eu sou espírito, aham
brahmasmi”. A entidade viva apesar de ser brahman, eterna
e imutável, fazendo valer seu eterno livre arbítrio pode em
qualquer momento submeter-se a categoria liberada, livre
do falso ego; ou submeter-se a categoria condicionada,
presa a uma existência de vida material, iludida pelo falso
ego. “As entidades vivas são partes integrantes do Senhor.
Elas são de duas variedades, a saber, nitya-mukta (ou nitya-
siddha) e nitya-baddha”.

• Prakrti é a eterna energia divina do Senhor; é também


Sua energia (brahman), porém é chamada de Sua energia
separada, Sua energia externa (Maya), pois não possui
consciência inerente. São os oitos elementos materiais, os
ingredientes utilizados no eterno ciclo de criação,
manutenção e destruição da manifestação material, os três
modos da natureza material (bondade, paixão e ignorância).

E, por fim, o último aspecto da Verdade Absoluta:

• karma, o resultado da interação das jivas com a prakrti


(os três modos da natureza material); É o mecanismo de
ação e reação no ciclo de “nascimentos e mortes”, na
jurisdição do tempo eterno, kala, sob o controle de Isvara, o
Senhor Supremo. Dentre os cinco aspectos citados o karma
é o único que é temporário e passivo de mudança, os outros
são eternos.
4

A Alma Suprema e as Categorias de Entidades


Vivas

Estimados leitores, a partir de agora vamos desenvolver


os temas acima descritos, enfatizando principalmente nossa
posição (jiva-tattva) em relação aos outros aspectos da
Verdade Absoluta, pois é aí que podemos fazer a diferença,
e saber como tal conhecimento pode servir de forma prática
em nossas vidas.

Em última análise, todos estão buscando por Krishna nos


diferentes aspectos de Suas manifestações. A entidade viva
pode perceber e ser motivada por tal percepção a agir e se
relacionar com Krishna em Suas diferentes manifestações.
De acordo com os Vedas, podemos perceber Krishna através
de Suas energias (a entidade viva e a manifestação
cósmica); ou, já na plataforma transcendental, percebê-lO
parcialmente através de Sua onipresente refulgência
impessoal (Brahman) ou ainda como Seu aspecto localizado,
a Superalma onisciente, onipresente e onipotente
(Paramatma) que mora dentro de tudo. Mas, perceber
Krishna em Seu aspecto pleno de Bhagavan, só é possível
aos Seus devotos puros.

Neste ponto, faz-se importante compreender que o


Senhor Supremo é único, e Suas expansões são ilimitadas.
Ele é, portanto, a Superalma de tudo. Logo, não importa o
que percebamos ou façamos, a Superalma por detrás de
toda capacidade de percepção ou de toda ação é o Senhor.
Para elucidar este ponto o Senhor Caitanya Mahaprabhu, o
avatar contemporâneo da Verdade Absoluta, propõe a teoria
de unidade e diferença simultâneas entre o Energético
Supremo e Suas energias ilimitadas, entre a Alma Suprema
e a alma individual. O Senhor Caitanya salientou tal teoria
como a filosofia da inconcebível unidade e diferença
simultâneas (acintya-bheda-abheda-tattva). Por aceitar que
o Senhor é a origem de tudo, e sempre continuar nessa
linha de raciocínio, todo estudante sincero acabará
percebendo que o Senhor Krishna é a transcendental
Superalma última de tudo o que existe. Nos hinos védicos
afirma-se claramente que em primeiro lugar Narayana, uma
expansão do Senhor Krishna, lançou Seu olhar sobre a
matéria e então se deu a criação. Antes da criação, não
havia nenhum ser vivo, nem mesmo seres tais como
Brahma nem Shiva. Sripada Sankaracharya, um importante
ícone nos estudos dos Vedas, aceita definitivamente que
Narayana está além da criação material e que todos os
outros seres estão dentro da criação material. Portanto,
toda a criação material é simultaneamente igual à
Narayana, o criador original, e diferente dEle. Este fato
também é apoiado pela filosofia acintya-bheda-abheda-
tattva de Sri Caitanya Mahaprabhu.

Para melhor elucidar acerca da “inconcebível unidade e


diferença simultâneas” (acintya-bheda-abheda-tattva) entre
as almas individuais e a Alma Suprema, o Senhor Krishna
estabelece no Bhagavad-gita que há duas classes de almas
individuais, as falíveis (nitya-baddha) e as infalíveis (nitya-
siddha). Num estado de consciência submetido à dimensão
material, toda entidade viva é falível, e quando sua
consciência está conectada à dimensão espiritual, toda
entidade viva se chama infalível. Contudo, além desses
dois, há também a maior personalidade viva, a Alma
Suprema, a origem de tudo, que entrou nos três mundos
dentro da dimensão material e os mantém.

Srila Prabhupada nos revela em seus comentários que


acima das inúmeras entidades vivas, algumas das quais são
condicionadas e outras liberadas, está a Personalidade
Suprema que é a Alma Suprema. Ele as mantém de acordo
com suas diferentes atividades dando-lhes condições
favoráveis a suas existências tanto liberada como
condicionada. A pessoa sábia que pode compreendê-lO
habilita-se a alcançar a paz perfeita, mas outros não.

Srila Prabhupada continua ainda a nos elucidar que o


Senhor Supremo é o controlador de todos os outros
“controladores” na criação universal, e Ele é o maior de
todos os diversos líderes planetários. Todos estão sob Seu
controle. O poder específico de todas as entidades é
designado somente pelo Senhor Supremo; embora tenham
livre arbítrio elas próprias não são plenamente
independentes, muito menos supremas. Ele é também
adorável a todos os semideuses e é o supremo diretor de
todos os diretores. Portanto, é transcendental a todas as
espécies de líderes e controladores materiais e é adorável a
todos; Não há ninguém igual ou superior a Ele, e Ele é a
suprema causa de todas as causas.

Repetidas vezes os Vedas estabelecem que o Supremo


Senhor Krishna é, em última instância, o único controlador,
e todas as entidades vivas são controladas por Ele. Essas
entidades vivas são Sua energia superior porque, em
qualidade, a existência delas é igual ao Supremo, mas elas
nunca têm tanto poder quanto o Senhor.

Bem, uma vez devidamente destacada até aqui a


categoria do Potente Supremo em relação às Suas energias,
vamos focar um pouco mais as definições acerca da
entidade viva (jiva) que, em suas diferentes categorias,
conscientes deste fato ou não, sempre estão submetidas à
Alma Suprema.

Enquanto explora a energia inferior grosseira e sutil (a


matéria), a energia superior (a entidade viva) esquece-se
devido à influência do falso ego iludido, que possui mente e
inteligência espirituais verdadeiras. Este esquecimento
deve-se à influência que a matéria exerce sobre o ser vivo
(maya). Mas ao utilizar seu livre arbítrio e conquistar a
liberdade da influência material ilusória, ele atinge a fase da
liberação (mukti) e pode ser chamado nitya-mukta ou nitya-
siddha.

Alguns filósofos dizem que devemos abandonar nosso


ego, mas não podemos abandonar nosso ego, porque ego
significa identidade e possuímos identidade eternamente.
Devemos, é claro, abandonar a falsa identificação com o
corpo, o falso ego. É importante compreendermos nosso
verdadeiro ego e que estamos erroneamente nos
identificando (maya) com uma dimensão antagônica a
nossa identidade eterna.

Por fim, a principal compreensão acerca da diferença


entre o nitya-siddha e o nitya-baddha é que o primeiro age
motivado pelo seu verdadeiro ego enquanto que este último
age motivado pelo falso ego. A entidade viva sob o controle
do falso ego, sob a influência da ilusão material, pensa: “Eu
sou matéria, e as aquisições materiais são minhas”. Na
realidade ele só conquistará sua verdadeira posição nitya-
siddha quando se libertar de todas as ideias materiais
temporárias, inclusive do conceito segundo o qual pensa ser
em todos os aspectos uno com Deus.
Srila Prabhupada continua a nos esclarecer em seus
ensinamentos que o Senhor, em Sua encarnação de
Vyasadeva que compilou o Vedanta-sutra, faz um resumo ali
dizendo que as entidades vivas, como já vimos, são
inúmeras e podem dividir-se basicamente em duas classes,
as falíveis (nitya-baddhas) e as infalíveis (nitya-siddhas).
Aqueles que estão iludidos por Maya, cuja consciência está
focada na dimensão material são chamados de falíveis
(nitya-baddhas). E, aqueles que estão unidos em
consciência com a Suprema Personalidade de Deus,
independente de suas condições externas, são chamadas
infalíveis (nitya-siddhas). Unidade não quer dizer ausência
de individualidade, mas que não há desunião. No entanto, a
despeito de suas condições, sempre as almas falíveis e as
infalíveis vivem em harmonia com o propósito da Criação.

Nitya-siddha significa aquela que nunca cai vítima da


ilusão, Maya. Embora a entidade viva esteja dentro deste
mundo material, ela nunca é vitimada pela ilusão. Esta é a
posição chamada nitya-siddha. E aquela cuja consciência é
vitimada pela ilusão é chamada nitya-baddha. Mas a
posição constitucional real de toda entidade viva é nitya-
siddha, porque Deus é perfeito e completo e Suas partes e
parcelas, as entidades vivas, também são perfeitas e
completas. Logo, elas são originalmente almas liberadas
nitya-siddhas. Quando purificadas e na categoria de almas
liberadas, as jivas agem dentro da dimensão material para
auxiliar o Senhor Supremo em Suas atividades dentro deste
mundo material, e cumprem seus deveres apenas para
estabelecer o exemplo a ser seguido. Tais almas
eternamente liberadas (nitya-muktas) estão eternamente
ocupadas na reciprocação de transcendental serviço
amoroso com o Senhor como Seus servos, amigos, parentes
ou amantes conjugais.
Já as almas “eternamente” condicionadas (nitya-baddhas)
são confiadas à Sua energia externa, Maya, para a
retificação de sua atitude rebelde contra o Criador Supremo.
Dessa forma, as nitya-baddhas, em princípio estão
“eternamente” esquecidas de sua relação com o Senhor
como partes integrantes dEle. Elas estão confundidas pela
energia ilusória (maya) como se fossem produtos da
matéria, e assim estão muito atarefadas, fazendo planos
dentro da dimensão material em busca da “felicidade”. Com
o intuito de resgatar tais almas desgarradas o Senhor
Supremo estabelece os ciclos de sacrifícios, as diretrizes
védicas, para que gradualmente a alma condicionada, nitya-
baddha, volte sua consciência para a dimensão
transcendental e por fim conquiste sua plenitude, nitya-
siddha.

Quando falamos de almas condicionadas, estamos falando


das almas condicionadas aos três modos da natureza
material — bondade, ignorância e paixão. Dentre a
categoria de tais almas condicionadas existem,
basicamente, as classes dos devas, dos asuras e dos
humanos. Os devas são os altruístas, os colaboradores,
aqueles que já se submeteram a essência dos Vedas. Eles
experimentam facilidades materiais, habitam os sistemas
planetários superiores e têm a oportunidade de conquistar o
progresso espiritual, impulsionados pela sua natureza divina
em interação predominante com o modo da bondade. Os
asuras são os egoístas, aqueles que se rebelam contra a
essência dos Vedas e não reconhecem a posição do Senhor
Supremo. Eles são ludibriados pela ilusão material, trilham o
caminho da degradação, habitam os sistemas planetários
inferiores e, impulsionados pela sua natureza “demoníaca”
em interação predominante com os modos da paixão e da
ignorância, descem aos níveis mais baixos de existência. E,
por fim, temos a classe dos humanos que estão no estágio
intermediário onde experimentam um equilíbrio de
situações de facilidades e sofrimentos. Habitam o sistema
planetário intermediário, onde podem executar atividades
fruitivas submetidas aos Vedas (karmis), atividades
adversas aos Vedas (vikarmis), ou atividades
transcendentais a dimensão material (akarmis). Eles
oscilam suas experiências entre as influências divinas e
demoníacas mencionadas anteriormente e podem
estabelecer a categoria de sua próxima vida por se
submeterem ou não aos Vedas. Conquista esta, devido a
ações em interação com os modos superiores ou inferiores
da natureza material, através de opções altruístas como
colaboradores ou de suas opções egoístas por ignorar o
Senhor e tentar se assenhorear da natureza material.
Falaremos mais sobre este importante tema da ação na
parte final deste ensaio.

Por agora, ao trazer tal conhecimento para a prática em


nossas vidas, é importante o leitor compreender
principalmente que todas as nityas-baddhas, desde a
posição mais elevada até a mais baixa dentro do universo
material, estão sujeitas as quatro misérias da existência
material (nascimentos, doenças, velhices e mortes). Temos
também as três misérias infligidas pela energia material (as
provocadas por catástrofes climáticas; as provocadas por
outras entidades vivas; e as provocadas pela própria
mente). E há o grande perigo de permanecermos
indefinidamente neste ciclo miserável de nascimentos e
mortes dentro das diferentes categorias de vidas
temporárias. Entretanto, mais importante ainda é
compreendermos que a alma espiritual eterna está além de
todas estas situações materiais; E, assim como até mesmo
uma barra de ferro pode se tornar fogo em contato
constante com o fogo, de forma semelhante, um nitya-
baddha pode resgatar sua consciência plena de
conhecimento e eternamente bem aventurada, ao entrar
em contato com um nitya-siddha.
Uma partícula de ouro também é ouro, uma gota d’água
do oceano também é salgada, e de igual modo, nós, as
entidades vivas, sendo partes integrantes do Controlador
Supremo (Isvara), temos em quantidade diminuta todas as
qualidades do Senhor Supremo. E porque somos
controladores diminutos, temos a tendência de nos iludir
pensando que somos o “controlador supremo” e tentamos
nos assenhorear da natureza material (maya). Mas ao
entrarmos em contato com o devoto puro (nitya-siddha), o
mestre espiritual genuíno, resgatamos nossa verdadeira
natureza transcendental, submissa ao Senhor Supremo.

Dentre a categoria de almas liberadas (nitya-siddhas)


existem, para efeito didático, as subcategorias conhecidas
como os nitya-muktas, os sadhana-siddhas, e os krpa-
siddhas. O sadhana-siddha é aquele liberado por executar
os princípios reguladores do serviço devocional. Outro é o
krpa-siddha, aquele que é liberado diretamente pela
misericórdia de Krishna ou de Seu devoto. E ainda outro é o
nitya-mukta, aquele que independente de sua situação
externa nunca se esquece de Krishna ao longo de toda sua
existência. Estas são as três categorias de perfeição da vida
transcendental manifestada pelo mestre espiritual
fidedigno. Contudo, independente da categoria, um mestre
espiritual genuíno está sempre liberado. Em qualquer
condição de sua vida não é como um ser humano ordinário,
ele representa o Senhor Supremo e apresenta sintomas
transcendentais.

Por seguir as regras e regulações, e as instruções do


mestre espiritual, o nitya-baddha também pode se tornar
perfeito, siddha. Ele pode se tornar novamente nitya-siddha.
Então, de acordo com Srila Prabhupada, o movimento da
consciência de Krishna é para tornar o nitya-baddha
novamente em nitya-siddha.
Estimados leitores, apesar de toda possível conclusão até
aqui, para melhor aproveitamento prático de nosso
aprendizado faz-se importante compreendermos a didática
aplicada pelo próprio Senhor Krishna como nos revela o
“Bhagavad-gita Como Ele É”. Ao observarmos tal
abordagem ali, percebemos a estratégia de Krishna de
revelar o conhecimento diretamente proporcional à
capacidade de Seu amigo Arjuna de aplicá-lo em sua vida
naquele momento. Krishna não revela um conhecimento
meramente informativo, o que também não queremos que
aconteça aqui. Ou seja, o conhecimento ali é revelado de
forma prática, no campo de atuação de Arjuna. Portanto, a
ideia aqui é também abordar o conhecimento de forma que
nos motive e que fortaleça nossa capacidade de agir
constantemente em consciência de Krishna.

Assim como o Sol e os raios do Sol são inseparáveis, há


uma inegável relação entre a Alma Suprema e Suas
energias. Entretanto, como pode ser esta relação? O que
realmente possuímos e podemos oferecer ao desfrutador
máximo de todos os sacrifícios (Yajñesvara)? Como
satisfazer o Senhor Supremo (Bhagavan), o onisciente,
onipresente, e onipotente místico supremo (Yogesvara), que
já possui tudo no passado, no presente e no futuro?

Como já estabelecemos no início deste ensaio, temos


recorrido aos Vedas para nos guiar nesta nossa jornada
rumo à Verdade Absoluta, pois da mesma forma que junto
com um produto criado é fornecido um manual de
instruções para se utilizá-lo da melhor maneira,
similarmente todo conhecimento para o ser humano
progressivo é revelado nos Vedas. E é fundamentada nesta
literatura que vamos continuar nossa jornada. A seguir,
veremos como podemos definitivamente aplicar na prática o
conhecimento védico e resgatar nossa original natureza
nitya-siddha, livres do controle de Maya.
5

Como Pode uma Ilusão Produzir a Verdade?

Na estratégia védica para se adquirir conhecimento os


próprios Vedas são comparados à árvore dos desejos porque
ali contêm todas as coisas conhecíveis e desejáveis pela
humanidade. Eles lidam com orientações práticas para as
diferentes necessidades mundanas (kamya-karma) como
também com as práticas para conquistas espirituais (nitya-
karma). Contudo, assim como num mapa rodoviário é
preciso que saibamos onde estamos e para onde vamos,
para então estabelecer o melhor trajeto; de forma similar,
com a ajuda de um mestre espiritual genuíno, devemos
identificar nosso estado de existência e o respectivo
processo para alcançarmos nossas verdadeiras
necessidades, nossa meta.

No estado corporificado condicionado (nitya-baddha)


nosso conhecimento está sujeito a muitas deficiências.
Existem quatro defeitos que toda alma condicionada possui:
Comete erros; Está sujeita a ilusão; É propensa a enganar; e
Tem sentidos imperfeitos. Estas deficiências nos
desqualificam para produzir de forma independente o
conhecimento original e perfeito. À priori, como pode um
mecanismo imperfeito produzir algo perfeito?
Portanto, devemos aceitar um mestre espiritual genuíno a
quem o conhecimento védico já foi revelado através de uma
escola também genuína de sucessão discipular fidedigna e
que nos revelará os Vedas como eles são. Por sua vez, o
mestre espiritual genuíno é aquele que possui inteligência
“iluminada”, controla sua mente e seus sentidos, e vive
uma vida para a satisfação de Krishna. Ele vive em
coerência com Seus ensinamentos recebidos em sucessão
discipular fidedigna, os quais também são corroborados
pelos Vedas. Definições estas notoriamente encontradas na
pessoa de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, o
acharya fundador da ISKCON, e de seus discípulos
fidedignos.

Após nos certificarmos da autenticidade do mestre


espiritual, o Bhagavad-gita estabelece que para
conquistarmos a posição adequada ao nos aproximar do
mestre espiritual genuíno, devemos fazer perguntas de
forma humilde e prestar algum serviço para satisfazê-lo. Em
relação a esta afirmação, Srila Prabhupada em seus
comentários nos esclarece ainda mais sobre o processo de
rendição a Verdade Absoluta. Rendição, no princípio,
significa obediência, coerência com as orientações de quem
nos rendemos e, na medida em que tal relacionamento
amadurece, naturalmente transforma-se em amor. A
primeira qualificação é que não se deve estar iludido pelo
orgulho. Porque a alma condicionada se envaidece,
achando-se o dono da natureza material, e assim é muito
difícil que se renda à Suprema Personalidade de Deus. Pelo
cultivo do verdadeiro conhecimento, devemos procurar
saber que não somos os senhores da natureza material, ou
seja, a Suprema Personalidade de Deus é o Senhor. Ao
libertarmo-nos da ilusão (maya) causada pelo orgulho,
podemos percorrer com êxito o processo de rendição.
Na prática, ao trilhar os degraus da escada do
conhecimento transcendental, a entidade viva devido a sua
atitude humilde de submissão aos Vedas, envolve-se num
processo de elevação gradual à plataforma espiritual. Desde
o início sua humildade o qualifica para se submeter a um
mestre espiritual genuíno que em princípio a ocupará no
processo purificatório proposto pelo sistema de organização
social védico (varnasrama), na execução dos deveres
prescritos para seus respectivos varna e asrama (sakama-
karma).

Por seguir as instruções do mestre espiritual e ocupar-se


no referido processo purificatório, a entidade viva se purifica
externa e internamente e, dessa forma, por satisfazer o
Senhor dos sacrifícios (Yajñesvara), o conhecimento
transcendental é revelado gradualmente, diante da
percepção já purificada. Na medida em que o conhecimento
é revelado, com a força da pureza é preciso que o discípulo
pratique com veracidade, com coerência, a renúncia aos
frutos da ação. Renúncia esta que corta a conexão da
consciência com a dimensão material (niskama-karma) e
interrompe o mecanismo aprisionador da lei de ação e
reação (Karma).

Com este exercício de renúncia, no princípio executado de


forma mecânica (sadhana-bhakti), através da austeridade
em coerência com o conhecimento revelado, o praticante da
bhakti-yoga conquista o desapego da dimensão material e
os sintomas da ilusão gradualmente desaparecem. Nesta
etapa ele desenvolve, simultaneamente, o apego à
dimensão espiritual e manifesta sintomas transcendentais
(raganuga-bhakti). Assim, livre do falso ego, do apego à
dimensão material, ele está pronto para se relacionar
amorosamente com a Verdade Absoluta, a Suprema
Personalidade de Deus.
Estimados leitores, resumimos até aqui principalmente
acerca da diferença básica entre a Alma Suprema e Suas
energias, também a necessidade de nos aproximar de um
mestre espiritual genuíno para obtermos adequadamente
tal conhecimento. Conhecimento este que é base da
motivação por detrás da ação progressiva, como estabelece
o Bhagavad-gita, a principal literatura védica, e também é
revelado por Srila Prabhupada em seus ensinamentos. A
partir de agora a ideia é compartilhar com você um pouco
mais deste mecanismo védico de aprendizado sistemático,
para compreendermos melhor o caminho da rendição, ao
prosseguirmos na relação entre nós (almas individuais
atômicas) e a Alma Suprema e, dessa forma, conquistarmos
o objetivo mais elevado dentro do inevitável “Jogo da Vida”.
6

O Caminho Fidedigno para se Conhecer Krishna


(traya-prasthana)

Todo conhecimento científico sobre a transcendência deve


estar contido no já mencionado “manual de instruções”, e
ser apoiado pelos quatro Vedas e os Upanishads (Sruti),
pelos comentários genuínos sobre eles (Smrti) e por uma
base de lógica fidedigna (Nyaya), ou seja, o mecanismo
sastra, sadhu e guru. O Smrti e o Nyaya sempre confirmam
o que é dito no Sruti. A importância deste mecanismo é
confirmada por Srila Prabhupada: “A palavra prasthana
significa caminho para chegar à meta, e traya significa três.
Existem três prasthanas no caminho do progresso em
conhecimento espiritual — a saber, nyaya-prasthana
(Filosofia do Vedanta), sruti-prasthana (os Upanishads e os
mantras Védicos) e smrti-prasthana (o Bhagavad-gita,
Mahabharata, Puranas, etc.)”.

Para uma melhor compreensão deste mecanismo vejamos


o exemplo de que mesmo por se ter acesso a um
conhecimento milenar revelado por uma enciclopédia de
receitas caseiras para diferentes doenças (srutis), é preciso
verificar se estas receitas foram testadas e tais experiências
registradas através da história, antes de adotarmos suas
práticas em nossas vidas. Geralmente, registros históricos
são feitos diretamente pelo testemunho pessoal, pela
“memória” em sucessão discipular genuína (de pai para
filho, ou de professor para aluno, etc.), de pessoas que
atestaram o funcionamento das receitas; ou pelo
testemunho registrado por documentos fidedignos com
informações práticas, detalhadas, de tais testemunhas
(smrtis). E, por fim, tal conhecimento deve ser aplicado
através da lógica natural de um “médico” com experiência
prática em identificar os sintomas e curar suas causas; que
poderá dosar adequadamente, ajustar cada receita ao
paciente de acordo com tempo, lugar e circunstâncias
(nyaya). Ou seja, a aplicação do mecanismo sastra, sadhu e
guru, respectivamente. Caso contrário, seria muito arriscado
nos aventurar a experimentar ao acaso quaisquer receitas.

Portanto, nos dias atuais, a essência do conhecimento


védico é encontrada nos escritos de A.C. Bhaktivedanta
Swami Srila Prabhupada, um genuíno mestre espiritual na
sucessão discipular fidedigna da escola vaishnava brahma-
madhva-gaudiya. Ele é o acharya-fundador da ISKCON, uma
Sociedade criada por ele para facilitar a prática da essência
do conhecimento védico nos dias atuais. Seguindo as
características estabelecidas nos Vedas, Srila Prabhupada
deixou em seus livros tudo o que é necessário para
resgatarmos uma vida humana progressiva plenamente
exitosa.
7

Vida Humana — a Rara Oportunidade

Na realidade ao trazermos o conhecimento abordado até


aqui para a prática de nossas vidas, por detrás de toda
ação, tudo é questão de ego; do falso ou do verdadeiro ego.
Quando falamos de ego estamos falando de um estado de
consciência, “eu sou isto..., eu sou aquilo..., eu necessito
disto...”. Falso ego significa aceitar que este corpo é a
própria pessoa e moldar seus desejos e ações a esta
concepção ilusória. Quando alguém realmente compreende
que ele não é este corpo, mas uma alma espiritual, ele age
adequadamente e reconquista o seu verdadeiro ego. O ego
existe. Condena-se o falso ego, não o verdadeiro ego.

Este “eu sou”, o sentido do eu, também existe na fase de


autorrealização liberada. Este sentido de “eu sou” é ego,
mas quando o sentido de “eu sou” é aplicado a este corpo
falso ele torna-se ego falso. Como podemos perceber
melhor através das palavras de Krishna no Bhagavad-gita:
“Confusa, a alma espiritual que está sob a influência do
falso ego julga-se a autora das atividades que, de fato, são
executadas pelos três modos da natureza material”.

Quando o sentido de consciência do eu é aplicado à


realidade eterna, manifesta-se o verdadeiro ego. E, de
acordo com os princípios da bhakti-yoga, para alcançarmos
definitivamente tal etapa desejada, precisamos praticar
serviço devocional inquebrantável. Serviço devocional
inquebrantável significa a ocupação constante nos nove
processos de serviço devocional a Krishna — ouvir, cantar,
lembrar, executar rituais, oferecer orações, tornar-se servo,
tornar-se amigo e, por fim, oferecer tudo.

Nesta era atual o processo fundamental estabelecido


pelos Vedas e confirmado pelo Senhor Caitanya
Mahaprabhu é o de se cantar o maha-mantra Hare Krishna,
Hare Krishna; Krishna Krishna, Hare Hare; Hare Rama, Hare
Rama; Rama Rama, Hare Hare.

Uma pequena gota do oceano tem todas as


características do enorme oceano, da mesma forma, a
entidade viva individual também possui as qualidades da
Alma Suprema, porém de forma diminuta. A consciência é a
energia, o sintoma do energético diminuto, a Jiva. É através
da consciência infinitesimal que percebemos e interagimos
na dimensão material ou espiritual e, finalmente, podemos
resgatar nossa verdadeira natureza liberada.

Por isso, é preciso purificar a consciência, quando então,


assim como ao se regar a raiz de uma árvore todas as suas
folhas ficam satisfeitas, da mesma maneira, a alma
espiritual ficará satisfeita por satisfazer a raiz original — a
Alma Suprema —, através de uma atitude de serviço sob a
orientação do mestre espiritual genuíno.

A plataforma de vida humana é a grande oportunidade


que a entidade viva tem para purificar o ego, purificar sua
consciência, resgatar sua liberdade da dimensão material,
do ciclo de nascimentos e mortes dentro da prisão do
Karma, e conquistar sua plenitude na eterna plataforma de
existência espiritual repleta de conhecimento e bem-
aventurança, nos relacionamentos amorosos com a Alma
Suprema, Krishna.

Devido a escolher focar sua consciência na dimensão


material, uma vez corporificada, a entidade viva é obrigada
a agir dentro desta existência material. Sempre, no passado
no presente e no futuro, todos têm de agir. Muitas vezes de
forma instintiva, sob o impulso da energia material (maya),
nem que seja apenas num estado de consciência primitivo,
para manter a alma e o corpo juntos.

Portanto, viver significa agir; e no estado condicionado


agir significa gerar reações. A vida material é a associação
da entidade viva (Jiva) com os três modos da natureza
material (Prakrti), sob a jurisdição do tempo eterno (Kala)
que é a Testemunha e o Permissor situado nos corações de
todos como a Superalma. E, por fim, a entidade viva
condicionada se sujeita a consequente interação com o
mecanismo de ação e reação (Karma), ignorando a posição
do controlador absoluto (Isvara). É preciso compreender
quem realmente somos e qual deve ser nossa participação
diante do mecanismo da ação, no caminho que nos levará
ao resultado máximo da autorrealização (krishna-prema-
bhakti). Então, aproveitando a plataforma básica de vida
humana, em princípio, a melhor opção é pelo menos
executar atividades que geram frutos desejáveis,
submetidas aos Vedas (sakama-karma), compatíveis com
uma vida progressiva rumo à liberdade do cativeiro material
(niskama-karma).

A existência material nada mais é do que estarmos


condicionados ao mecanismo do Karma. E a base do
mecanismo do Karma é o apego da entidade viva ao fruto
da ação. Por conseguinte, como já vimos, no início devemos
praticar a renúncia ainda que de forma mecânica (sadhana-
bhakti), mas quando libertamos nossa consciência do apego
aos frutos da ação (niskama-karma), gradualmente,
passamos da ação espontânea por uma questão de dever
para a ação apegada ao prazer do Senhor Supremo
(raganuga-bhakti). Neste ponto passamos a praticar a
verdadeira renúncia agindo na dimensão espiritual em
bhakti-yoga (akarma). A vida na existência espiritual
realmente começa quando nos libertamos do mecanismo do
Karma.

Com este objetivo, o Senhor Supremo, utilizando-Se do


mecanismo do Karma, bondosamente criou o ciclo de
sacrifícios, ou ações direcionadas para elevar, mesmo que
gradualmente, as entidades vivas dentro do universo
material. Tais mecanismos sacrificiais (yajñas), em suas
fases mais elevadas são conhecidos como Yoga, ou processo
de união, de religação com o Senhor. Outra palavra também
utilizada para definir yoga (religação) vem do latim religare,
ou religião. Ao se submeterem aos mecanismos de yoga
criados pelo Senhor, a entidade viva purifica-se de seu falso
ego, ou estado de consciência de identificação desligada,
independente do Senhor.

Devido a obedecer às ordens do Senhor, através da


atitude humilde de reconhecer a supremacia do Senhor e
Sua posição de Controlador e Desfrutador Supremo, a Jiva
atrai a misericórdia do Senhor que, situado nos corações de
todos, outorga a purificação necessária para que a entidade
viva recupere sua consciência original no relacionamento
amoroso com Ele.

Está dito que a natureza produz todas as causas e efeitos


materiais, ao passo que a entidade viva, por se identificar
através de sua consciência, é a causa dos vários
sofrimentos e prazeres deste mundo. Segundo os desejos e
atividades da pessoa, a natureza material lhe oferece vários
tipos de moradias e os respectivos corpos. O próprio ser
vivo é a causa de ele atingir tais moradias e o consequente
prazer ou sofrimento. Por ser colocado em uma determinada
espécie de corpo, ele fica sob o controle da natureza,
porque o corpo, sendo matéria, age segundo as leis da
natureza material. Nesse momento, na maioria dos casos a
entidade viva não tem poder algum para mudar essa lei.
Suponhamos que a entidade viva seja posta num corpo de
cachorro. Assim que recebe um corpo de cachorro começa a
latir, ela é obrigada a agir como um cachorro. Ela não pode
agir de outra maneira.

Dessa forma a entidade viva ainda é submetida a


diferentes situações materiais nas quais os canalhas que
são grosseiros e tolos, que são os mais baixos da
humanidade, cujo conhecimento é roubado pela ilusão e
que compartilham da natureza ateísta dos “demônios”,
agem caprichosamente e não se rendem as diretrizes de
Krishna. Então, elas ficam presas no “eterno” ciclo de
nascimentos e mortes. Por outro lado há quatro classes de
seres humanos piedosos que passam a prestar serviço a
Krishna e, pela intervenção do Senhor Supremo, conquistam
gradualmente a progressão em seus destinos e podem se
libertar do ciclo de nascimentos e mortes — o aflito, o que
deseja riquezas, o inquisitivo e o que busca conhecer a
Verdade Absoluta.

De acordo com o Bhagavad-gita, há três tipos de ações e


seus respectivos resultados: os desejáveis (karma), os
indesejáveis (vikarma) e, além destes há o resultado
transcendental a dimensão material (akarma). Dentre as
opções superiores de ação, aquelas que geram os
resultados desejáveis e caracterizam a verdadeira
plataforma de vida humana por elevar gradualmente a
entidade viva ocupada em yoga, temos a karma-yoga, a
jñana-yoga e a bhakti-yoga. A bhakti-yoga é a opção mais
elevada, pois ela proporciona o resultado mais rápido,
direto, e efetivo, além dos alcançados gradualmente nas
categorias dentro da existência material. A bhakti-yoga
outorga diretamente um resultado além da liberação,
transcendente à dimensão material ilusória. Onde se
conquista a eterna existência em plena bem-aventurança, a
prática do amor pela Suprema Personalidade de Deus —
Krishna. Transcendência esta que, numa tentativa de
definição contemporânea, denominaremos aqui, MAYATRIX,
ou seja, a libertação da ilusão.

Sendo assim, uma vez estabelecida a importância


fundamental da ação em nossa existência, neste momento,
vamos dar uma atenção especial ao aspecto Karma da
Verdade Absoluta. Pois é aí que podemos fazer a diferença,
situar adequadamente nossa consciência e através de
nosso livre arbítrio escolher a ação correta para interferir no
resultado que poderá nos conduzir ao progresso espiritual, a
transcendência. E, por fim, através das ações em bhakti-
yoga poderemos alcançar rapidamente a meta última na
vida humana — a consciência de Krishna (krsna-prema-
bhakti).
8

MAYATRIX — Ação em Consciência de Krishna

Como temos visto aqui a ideia é a de introduzir os


conceitos básicos da filosofia védica teísta (vaishnava),
aproveitando a oportuna abordagem popular e
contemporânea dos filmes “MATRIX”, onde pudemos
constatar várias confirmações de fundamentos conceituais
filosóficos também presentes nos Vedas.

Existem inúmeras injunções nas milenares escrituras


védicas nesta linha de unidade filosófica entre “MATRIX” e
os Vedas ― onde se estabelece a alma como o verdadeiro
“eu”, a energia superior consciente que está situada no
coração do corpo material, vivenciando uma existência
corrompida submetida à ilusão material. Os Vedas
estabelece também que o corpo material, por sua vez, não
possui consciência e é diferente da alma, a qual permanece
em seu estado iludido como que amarrada por cordas,
através da conexão de sua consciência submetida à
dimensão material das três qualidades materiais ―
bondade, paixão e ignorância.

A ilusão da vida material temporária e miserável é


diametralmente diferente da realidade de vida eternamente
bem-aventurada e plena de conhecimento destinada à alma
espiritual individual autorrealizada proposta pelos Vedas.
Especificamente no livro “Bhagavad-gita Como Ele É” (uma
das mais conhecidas escrituras védicas no ocidente), a
Suprema Personalidade de Deus disse:

“O Senhor Supremo está situado nos corações de todos, ó


Arjuna, e está dirigindo as ‘viagens’ de todas as entidades
vivas que estão sentadas ali num tipo de máquina [o corpo]
feita pela energia material”.

Ali também diz que embora situado nos corações de todos


como o permissor e a testemunha, o Senhor Supremo não
interfere no livre arbítrio da entidade viva diminuta e,
pacientemente, Ele dá sinais a ela e espera para reciprocar
relacionamentos amorosos, aguardando pela
conscientização da mesma acerca de Sua existência e
desejos. Porém, tais relacionamentos só são possíveis para
a entidade viva que se liberta da ilusão material, onde
pensa que é o corpo material temporário e que é o
controlador e desfrutador último de tudo que contempla.

Contudo, é preciso identificar e purificar-se da vida


materialista e, no que diz respeito à ilusão, já é do
conhecimento da ciência materialista que as reações
químicas do cérebro a uma determinada experiência
sensorial, é a mesma quando tal experiência é apenas
relembrada vividamente pela pessoa. Consequentemente, a
experiência de vida está diretamente relacionada à nossa
capacidade de nos relacionarmos com os “fatos” através de
certa percepção da vida. Diante deste desafio, somente a
alma munida com o conhecimento transcendental pode
diferenciar a verdade da ilusão.

Viver é agir. Todos nós temos de agir e, no que diz


respeito à ação correta fruto da percepção correta, ela só é
possível depois da libertação da mente do estado iludido. A
mente só pode ser libertada através do yoga, e o fruto
maduro de todo processo genuíno de yoga, é o
conhecimento transcendental que culmina na prática da
bhakti-yoga.

Devido ao fato de perceber a Verdade e agir de maneira


coerente para aqueles que, embora ainda iludidos prezam
pela autorrealização, sempre ser um desafio imposto pela
ilusão (Maya), portanto, é preciso obter o conhecimento
para compreender melhor como lidar com as armadilhas da
ilusão. Esta compreensão é como um “antivírus” —
MAYATRIX — que é instalado em nossa consciência e pode
nos libertar da ilusão. Para nos ajudar neste propósito,
apesar de Krishna estabelecer a bhakti-yoga como o
processo de yoga mais elevado já nos seis primeiros
capítulos do Gita e, após definir as principais características
do processo de bhakti-yoga nos seis capítulos
intermediários, ao concluir o décimo segundo capítulo,
ainda assim, Ele fala mais seis capítulos. Num total de
dezoito capítulos. Por quê?

A resposta é que apesar de uma pessoa estar convencida


da bhakti-yoga ser o processo supremo, de Krishna ser a
meta suprema, que o resultado por alcançá-lO é supremo,
mesmo assim, ela vai se deparar com as dificuldades
naturais para uma alma condicionada (nitya-baddha) ao
trilhar o caminho da libertação, a bhakti-yoga. Exatamente
para nos ajudar a compreender, superar os obstáculos e
percorrer com sucesso o caminho desta bhakti-yoga, é que
Krishna fala os seis últimos capítulos do Bhagavad-gita (Os
três modos da natureza; Naturezas divinas e demoníacas;
As divisões da fé, etc.).

Podemos compreender melhor o caminho prático da


bhakti-yoga ao analisarmos a declaração de Sri Caitanya
Mahaprabhu, o avatar contemporâneo do Senhor, de que
existem três fases de serviço devocional: “a primeira é a
etapa inicial de cultivo do conhecimento; a segunda é
realização de serviço motivado e orientado por tal
conhecimento; e a terceira, a etapa suprema, é a obtenção
prática dos resultados do amor por Deus”.

À priori, quando falamos em ação devemos compreender


que toda ação começa com a motivação, e a base da
motivação é o conhecimento. Ninguém em sã consciência
busca, deseja ou rejeita algo sem conhecê-lo. Por isso os
conceitos védicos abordados até aqui acerca dos diferentes
aspectos da Verdade Absoluta e a respectiva prática em
nossas vidas de tais conceitos são tão importantes.
Portanto, é fundamental compreender a ISKCON de Srila
Prabhupada e sua proposta com tal maturidade filosófica.
Para este propósito, a seguir, estabeleceremos alguns
conceitos para uma melhor compreensão deste tema.
9

Breve Contexto Histórico Vaishnava

Estabelecidos então os fundamentos até aqui é também


imprescindível reconhecer que a ISKCON de Srila
Prabhupada é algo único e diferenciado, até mesmo dentro
da milenar tradição vaishnava ou, mais especificamente, na
escola brahma-madhva-gaudya-sampradaya. Pois, quando
Krishna falou o Bhagavad-gita para seu amigo e discípulo
Arjuna, no início da atual era de Kali-yuga, há
aproximadamente 5.000 anos atrás, a partir daí houve uma
degradação “natural” da Instituição Social com suas quatro
divisões sociais e quatro etapas espirituais (Varnasrama). E,
consequentemente, uma progressiva degradação de tais
princípios sociais védicos na sociedade humana, de tal
maneira que o Senhor Buddha (encarnação da Verdade
Absoluta) descendeu para negar a importância dos rituais
estabelecidos nos Vedas e apregoar a não violência. Por
conseguinte o budismo foi adotado pelos líderes e
estabelecido para a maioria da população existente na
época, mesmo no berço da civilização seguidora da cultura
védica, a Índia.

Diante deste fato, sem a instituição social varnasrama


presente da forma adequada, a cultura védica vaishnava
ficou desprotegida. Ela era mantida apenas por poucos
sacerdotes brahmanas acharyas que cultivavam os estudos
védicos vaishnavas em pequenos grupos de estudos,
compostos de monges celibatários que viviam em
monastérios ou nas florestas, afastados dos vilarejos. Tais
lugares eram conhecidos como asramas ou gurukulas. Até
que Shankaracharya (o grande acharya, ou grande mestre,
que resgatou a importância dos Vedas na Índia) surgiu e
resgatou a importância da filosofia e dos rituais védicos. Ele
derrotou filosoficamente o budismo e, por fim, “expulsou-o”
da Índia.

Após este momento, ainda assim, o vaishnavismo ficou


limitado a algumas escolas, pois, a maioria dos sacerdotes
aceitara a interpretação impersonalista dos textos védicos,
estabelecida pelos seguidores de Shankaracharya.

Consequentemente, durante o mencionado período, a


bhakti-yoga fora protegida por um sistema meio que
“clandestino”, composto por minorias de monges
celibatários e mantido através dos milênios por um
mecanismo conhecido como “sistema de acharyas”. É
indiscutível a autenticidade de tal “sistema de acharyas” e
de sua relativa eficiência, principalmente durante a
ausência da instituição adequada. Entretanto, também são
indiscutíveis as vantagens da presença da instituição
devidamente fundamentada nos parâmetros védicos (sruti,
smrti e nyaya-prasthanas) e organizada para a perpetuação
da proposta vaishnava no contexto milenar da “Era Dourada
de Caitanya Mahaprabhu”, para o melhor resultado do
exercício de tal proposta global na vida de todos, em todas
as vilas e cidades, como previra Mahaprabhu.

Sendo assim, desde Buddha passando por


Shankaracharya, depois pelos mestres, Ramanujacharya
Madhvacharya e chegando até Sri Caitanya Mahaprabhu, o
vaishnavismo existiu sem o devido apoio de uma instituição
daiva-varnasrama adequadamente presente e organizada
num nível global. Esta presença ideal deve ser caracterizada
pela liderança de brahmanas autorrealizados, devidamente
conscientes de Krishna e inseridos ativamente na
sociedade. Tal presença e participação social dos
brahmanas era a característica fundamental de outras
épocas mais favoráveis para o cultivo efetivo da
espiritualidade.

O daiva-varnasrama é a organização social onde os


membros da sociedade são situados de tal forma que todos
podem conquistar o progresso espiritual por se ocuparem
em seus deveres sociais de acordo com sua natureza e
respectiva fase de vida. Assim como numa instituição
educacional o aluno é levado naturalmente de uma série à
outra, progressivamente, até a consecução última do
conhecimento, caso cumpra adequadamente os respectivos
deveres de cada etapa ali estabelecidos. Ou seja, no daiva-
varnasrama, todos participam direta ou indiretamente dos
“ciclos de sacrifícios” que têm o objetivo de elevar os
participantes à consecução do conhecimento , presente nos
diferentes estágios de amor por Deus (Vishnu).

Nestas condições os diferentes estágios da


autorrealização deixam de ser privilégio de poucos e se
estende para a maioria dos membros da sociedade, a qual
pode participar ativamente; inclusive aqueles que são
casados, ou que possuem dependentes ou ainda os que
vivem nas cidades, etc. A função da instituição é
estabelecer referências ideais e o ambiente mais favorável
para o cultivo dos valores da vida humana progressiva,
onde se preza por uma vida prática, realista, porém com o
pensamento elevado (“vida simples e pensamento
elevado”); Quando então se exercita de forma
imprescindível o sankirtana-yajña alicerçado sobre os
princípios básicos de vida humana:
1- A prática da saúde e pureza do corpo grosseiro e sutil
(mente, inteligência e ego). Caracterizada,
principalmente, pela percepção da diferença entre o corpo
e a alma, e a consequente ausência do sexo ilícito (fora do
casamento, vicioso, desregulado, despropositado).

2- A prática da veracidade e coerência com os valores


superiores (caracterizada, principalmente, pela ausência
de jogos de azar, de mentira, de duplicidade, de
desavença e de hipocrisia);

3- A prática de austeridades (que tem como base a


ausência da intoxicação e de vícios, e a consequente
presença do controle da mente e dos sentidos);

4- E, por fim, a prática da compaixão por todos os seres


vivos (principalmente através da “não violência”
fundamentada na abstinência do consumo de carne,
peixes e ovos, e de tudo o mais que cause sofrimento aos
outros).

A instituição varnasrama foi criada por Krishna como Ele


mesmo declara no Bhagavad-gita e, inúmeras vezes Krishna
instruiu Arjuna a cumprir seus deveres sociais. Dessa forma,
o mestre espiritual genuíno sempre se submeterá aos Vedas
(sruti, smrti e nyaya), ocupará o discípulo na prática do
processo purificatório vigente e, com a presença adequada
da instituição, ele também orientará seu discípulo no
cumprimento de seus deveres sociais, de acordo com
tempo, lugar e circunstâncias.

Portanto, A.C. Bhaktivedanta Swami Srila Prabhupada,


oportunamente, com a autoridade que lhe foi outorgada
pela sucessão discipular, por todos os acharyas, por Sri
Caitanya Mahaprabhu e, consequentemente, corroborado
por sruti, smrti e nyaya, trouxe a fórmula inusitada de
resgatar a instituição daiva-varnasrama num nível global
através de sua ISKCON . Naturalmente, para o cumprimento
pleno do processo purificatório vigente — o harinama-
sankirtana-yajña instaurado por Caitanya Mahaprabhu —,
da forma mais eficiente, favorável e inclusivista, em todas
as vilas e cidades, para o benefício de todos, no mínimo
pelos próximos 10.000 anos.
10

Sociedade Internacional para a Consciência de


Krishna / International Society for Krishna
Consciousness / ISKCON / Movimento Hare
Krishna

Estimados leitores, em síntese, no início destes escritos


destacamos a tendência intrínseca do ser humano de
indagar sobre a vida, impelido por uma força “sobrenatural”
que é um recurso do sistema operacional universal para
consolidar, em princípio, a sobrevivência da espécie
humana. Mas que, em última análise, objetiva a elevação do
ser humano ao nível da yoga, mais precisamente, à bhakti-
yoga, a proposta prática do vaishnavismo (a religação
amorosa ao Senhor Supremo). Aqui esclarecemos também a
posição das almas individuais eternamente submetidas à
Alma Suprema e sua relação com os outros aspectos da
Verdade Absoluta. Destacamos que a entidade viva ao
elevar sua indagação, ultrapassar a sobrevivência primária
e atingir o nível metafísico de valores superiores, pode
então gradualmente, com a ajuda de um mestre espiritual
genuíno, sair da categoria de ser humano condicionado
(nitya-baddha) e alcançar a categoria de alma liberada
(nitya-siddha). Abordamos também o conhecimento
transcendental resultante da interação com o mestre
espiritual genuíno — a compreensão prática acerca das
diferenças e interações entre matéria e espírito e o
controlador de ambos, a Suprema Personalidade de Deus,
Krishna.

Neste ponto, faz-se importante compreender que este


conhecimento transcendental acerca da Verdade por detrás
de tudo é resultante da associação com um mestre
espiritual genuíno. E que, nos dias atuais, a essência do
conhecimento védico é encontrada nos ensinamentos de
A.C. Bhaktivedanta Swami Srila Prabhupada, o genuíno
mestre espiritual na sucessão discipular fidedigna da escola
vaishnava brahma-madhva-gaudiya-sampradaya, e de seus
discípulos genuínos e fieis seguidores. Seguindo as
características estabelecidas nos Vedas (sruti, smrti e
nyaya), Srila Prabhupada deixou em suas instruções tudo o
que é necessário para uma vida humana progressiva
plenamente exitosa.

Então, para melhor percepção da proposta que nos fora


revelado por ele e estabelecido em sua ISKCON, vamos
analisar com maior profundidade a afirmação de Krishna no
“Bhagavad-gita Como Ele É” de que Ele é o desfrutador por
detrás de todas as ações sancionadas pelos Vedas e que o
propósito de alguém estudar os Vedas é compreen¬dê-lO .
Uma vez aceito tais injunções podemos concluir que de
acordo com tal literatura védica o propósito de toda criação,
de nossa existência e de toda ação, é satisfazer o
Desfrutador Supremo (Purusottama). Contudo, como
podemos satisfazer alguém desconhecido por nós? Portanto,
podemos concluir que o propósito fundamental detrás dos
Vedas é conhecê-lO.

Sendo assim, de maneira mais detalhada, Sri Caitanya


Mahaprabhu (o contemporâneo e mais munificente avatar)
explicou para seu discípulo Sanatana Gosvami que há três
objetivos nos Vedas. Um é conhecer, compreender nossa
relação com Krishna (sambandha); outro é agir de acordo
com essa relação (abhidheya); e o terceiro é conquistar os
sintomas, alcançar a meta última (prayojana). A palavra
prayojana significa “necessi¬dades”, e a necessidade
última é explicada por Sri Caitanya Maha¬prabhu como
sendo a necessidade de desenvolver amor pela Suprema
Personalidade de Deus.

Dessa forma, tais propósitos védicos são gradualmente


conquistados mediante três caminhos — através de
atividades fruitivas purificatórias (karma-kanda), busca de
conhecimento transcendental (jñana-kanda) e a
compreensão do aspecto pessoal controlador presente na
organização universal (upasana-kanda). Quando alguém
atinge completamente a perfeita fase de upasana-kanda,
ele passa a adorar Narayana, ou o Senhor Krishna. E, de
acordo com o grau de purificação e respectiva rendição da
entidade viva a Krishna, Ele Se revela na mesma proporção.
Sob todos os aspectos, todos seguem o cami¬nho traçado
por Krishna. Talvez a pessoa seja um trabalhador fruitivo
(karmi), ou alguém em busca de conhecimento
transcendental (jñani), ou ainda alguém na busca
contemplativa do controlador supremo (yogi), ou ainda
alguém que busca o relacionamento com a Suprema
Personalidade de Deus (bhakta-yogi); mas é importante
sabermos que os Vedas estabelecem como a mais elevada
etapa de compreensão transcendental o relacionamento
amoroso com a Alma Suprema (prema-bhakti), como de fato
foi demonstrado pelos grandes devotos tais como mãe
Yashoda.

De acordo com as supramencionadas instruções de Sri


Caitanya Mahaprabhu podemos concluir que a bhakti-yoga,
o processo genuíno de autorrealização, deve apresentar o
conhecimento acerca da nossa relação com a meta
(Krishna, a Alma Suprema); o processo para se obter a meta
(sankirtana-yajña); e o resultado ao se obter a meta (krsna-
prema-bhakti). Pois, somente então alguém estará
devidamente motivado e preparado para executar tal
processo. Ou seja, há uma ciência, um conhecimento
sistemático em todo processo genuíno de autorrealização e,
exatamente dessa forma, tal processo também deve ser
conhecido e apresentado.

Portanto, a bhakti-yoga, o processo prático da Consciência


de Krishna deve ser compreendido e apresentado de uma
maneira sistemática, como uma ciência — a ciência da
autorrealização. E quando falamos em autorrealização,
estamos falando de uma profunda compreensão de nossa
natureza como almas espirituais individuais, centelhas
espirituais atômicas, consciências infinitesimais, partes
integrantes da Alma Suprema, Krishna, e de nossa eterna
relação com Ele.

Na tentativa de trazer definitivamente a essência de tal


conhecimento para a nossa realidade prática atual,
seguindo a mesma linha de raciocínio estabelecida até aqui,
onde o conhecimento é base da motivação por detrás da
ação consciente coerente com a verdade revelada;
podemos perguntar por que Srila Prabhupada batizou seu
“Movimento” de Sociedade Internacional para a Consciência
de Krishna? Por que não “Sociedade Internacional para o
Desenvolvimento do Amor por Deus”, ou “Sociedade
Internacional para o Desenvolvimento das Rasas
(relacionamentos) com Krishna”, ou ainda “Sociedade
Internacional para o Vaishnavismo, ou para o Varnasrama”,
etc.? Enfim, muitas seriam as opções!

O fato de Srila Prabhupada escolher ISKCON, Sociedade


Internacional para a Consciência de Krishna (Krishna-bhakti-
rasa-bhavita), é muito significativo. A justificativa para a
escolha da palavra Krishna é facilmente depreendida dos
inúmeros escritos de Srila Prabhupada onde ele estabelece
explicitamente que Krishna é a Toda Atrativa Suprema
Personalidade de Deus; a onisciente, onipresente e
onipotente Alma Suprema; o Objetivo Supremo; a Verdade
Absoluta, de quem tudo se origina e a quem tudo se
destina, e a quem todos devemos amar (govindam adi-
purusam tam aham bhajami). Contudo, neste momento,
vamos focar principalmente a escolha da palavra
CONSCIÊNCIA, pois devemos tentar compreender o aspecto
científico, o aspecto estrutural, essencial e didático desta
palavra escolhida por Srila Prabhupada.

De acordo com os Vedas tudo é criado, mantido e


transformado sob rígidas leis, sob o controle da Alma
Suprema, o Controlador Supremo, Sri Krishna. Tanto o
ambiente espiritual quanto o ambiente material são
compostos das energias de Krishna, são eternos e já
existem sem o “controle” da alma individual. Eles já
possuem todos os ingredientes e mecanismos de existência
sob o controle direto das expansões de Krishna. Porém
Krishna, devido ao Seu desejo por relacionamentos
amorosos, concede para Suas partes e parcelas, as almas
individuais infinitesimais, o livre arbítrio. Então o que seria
este livre arbítrio diante de toda a Criação que existe sob
tão rígidas leis, tão absoluto controle superior?

À priori, o livre arbítrio é a característica inerente da


entidade viva que a define como indivíduo, como alma
individual, e a potencializa para amar. Sem tal característica
não existiria o amor, a escolha de uma atitude consciente e
espontânea para a satisfação do Senhor. Tal característica
está presente de forma plena na alma individual liberada e,
em quaisquer lugares e em todos os momentos, ela pode
fazer valer sua liberdade de escolha, eternamente.
Entretanto, em relação à pergunta acima, a resposta é que
na prática o livre arbítrio se reduz na liberdade de escolha
em conectarmos a nossa consciência em algum “link” na
energia espiritual (interna) ou na energia material (externa)
de Krishna. A consciência é a única posse da alma
individual, é o único ingrediente que ela realmente contribui
para qualquer estado de existência que a envolva e,
portanto, é onde reside seu livre arbítrio. Depois de
escolhido o foco da consciência, a alma individual submete-
se aos mecanismos de controle já existentes nos ambientes
das dimensões materiais ou espirituais.

Na realidade, a consciência está para a alma assim como


o brilho do Sol está para o Sol, ou seja, onde existe brilho do
Sol há Sol, e onde há Sol há brilho do Sol; assim como onde
há consciência há alma, onde há alma há consciência. Uma
coisa não existe sem a outra! Como já foi dito, por ser parte
e parcela da Alma Suprema, Krishna, a alma individual
também pode ser compreendida em três aspectos: primeiro
como a consciência infinitesimal que permeia o corpo
inteiro; então, como a partícula espiritual dentro do coração;
e finalmente, como uma pessoa. Por conseguinte,
salvaguardando as devidas características e proporções,
assim como Krishna é simultaneamente energia espiritual
(Brahman), aspecto localizado onipresente, onisciente e
onipotente (Paramatma), e Personalidade de Deus
(Bhagavan); cada um de nós é simultaneamente
consciência infinitesimal, alma espiritual e pessoa
individual. A consciência é a energia, é o sintoma da alma
atômica individual. A consciência é posse inerente da alma
individual que tem sua natureza originalmente plena de
bem-aventurança e conhecimento eternos (sat-cit-ananda
vigraha). A consciência é a base existencial através da qual
a alma individual percebe e se manifesta. A consciência é o
ingrediente original através do qual a alma individual se
relaciona com tudo o mais — a “origem” de tudo que a
envolve. Portanto, para uma melhor compreensão do ponto
que queremos estabelecer aqui, quando mencionamos a
palavra consciência estamos nos referindo a um dos
aspectos da alma espiritual individual e não como algo
impessoal, desconectado; assim como na literatura védica
ao se mencionar a palavra Brahman está se referindo a tal
aspecto conectado a Suprema Personalidade de Deus.

Por conseguinte, devido ao fato de sermos alma


individual, somos também consciência individual, através da
qual interagimos com a “dimensão material” ou com a
“dimensão espiritual” e também com o Controlador
Supremo. De acordo com nosso estado de ser e estar (sat),
nossa consciência (cit), experimentamos um estado de
existência específico — nossos interesses, desejos,
pensamentos, sentimentos, emoções, ações, etc. No caso
de uma existência material; nós experimentamos uma
dimensão, uma mente, um corpo, um ambiente, um Karma,
compatíveis com nosso estado de consciência material.
Dependendo do grau de consciência, quaisquer atividades,
ou mais especificamente as atividades sacrificiais védicas
ora são chamadas atividades fruitivas (karma-kanda), ora
conhecimento em busca da verdade (jñana-kanda) ou
serviço devocional a uma divindade específica (upasana-
kanda). Logo, a consciência é o verdadeiro objeto de
interesse de Krishna, pois Ele já possui, controla e desfruta
todos os outros ingredientes tanto da dimensão material
quanto da dimensão espiritual. Apenas a consciência da
alma individual é “independente” de Krishna e está
unicamente sob seu livre arbítrio.

Dessa forma, podemos dizer que a natureza produz todas


as causas e efeitos materiais, ao passo que a entidade viva
é a causa [por focar sua consciência na matéria] dos vários
sofrimentos e prazeres deste mundo. Por isso, a entidade
viva dentro da natureza material segue os caminhos da
vida, desfrutando [por se associar, focar sua consciência
(necessidades, desejos, apegos, etc.) nas variedades de
frutos da natureza material] os três modos da natureza. Isto
decorre de sua associação [através de sua consciência] com
essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e
o mal entre as várias espécies de vida.

Nós, almas individuais atômicas, existimos originalmente


em pleno conhecimento e bem-aventurança espirituais, à
parte da “existência material”. Constitucionalmente, nossa
consciência original é eterna, plena de conhecimento e
bem-aventurança (sac-cit-ananda). Contudo, devido a nosso
livre arbítrio, desenvolvemos o falso ego, entramos em
contato com os modos da natureza material e, sob a
supervisão e permissão de Paramatma, “criamos” nossa
existência material. Ou seja, apenas por focar sua
consciência na existência material, as almas individuais,
que inicialmente se envolvem com o falso ego (eu sou o
senhor, o “verdadeiro” controlador e desfrutador de tudo
que contemplo), desencadeiam o processo de criação
material em suas existências particulares. Assim a alma
individual vive numa dimensão “ilusória” (maya),
temporária, contraditória a sua verdadeira natureza eterna.

De tal maneira, quando a consciência da alma


condicionada é devidamente purificada através do
sankirtana-yajña, o processo de autorrealização para esta
era atual, através do qual se purifica a consciência ao se
cantar adequadamente o maha-mantra Hare Krishna, Hare
Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare; Hare Rama, Hare
Rama; Rama Rama, Hare Hare; somente então, purificamos
a consciência, nossa percepção, e manifestaremos nossa
verdadeira natureza transcendental.

Entretanto, devemos observar os sintomas ainda que de


forma gradual de tais conquistas na consciência, em nossos
comportamentos, no ambiente em que vivemos. Assim
como antes do dia raiar é possível perceber os raios do sol
anunciando sua aproximação e, por fim, naturalmente, sua
manifestação plena; similarmente, é possível perceber os
sintomas dos diferentes níveis da transcendência em nossas
vidas. Purificar a consciência e resgatar tal relacionamento
original e bem aventurado, alcançar este estado eterno de
existência plena, a prática da Consciência de Krishna
(Krishna-prema-bhakti), é o objetivo último da Sociedade
Internacional para a Consciência de Krishna.

É imprescindível se submeter a um processo genuíno de


autorrealização. Contudo, embora também importantes e
compatíveis na dimensão espiritual, o varnasrama-dharma,
o sankirtana-yajna, a bhakti-yoga, tudo o mais são apenas
estratégias, mecanismos para favorecer a conquista última
(Krishna-prema-bhakti). Quando tais mecanismos em si são
caprichosamente separados do interesse de Krishna e são
estabelecidos como meta última, reduzem-se a obstáculos
para a conquista da consciência de Krishna plena. Sendo
assim, faz-se necessário esclarecer que o processo de
bhakti-yoga deixado por Srila Prabhupada é autêntico,
genuíno, completo e, portanto, não necessita de
complementos teóricos ou práticos. Ou seja, é nos revelado
no Srimad-Bhagavatam (importante compêndio da literatura
védica, considerado a essência dos Vedas) que a
característica básica do relacionamento das mais elevadas
devotas, as gopis, é participar, arranjar, servir os
passatempos amorosos de Sri Sri Radha e Krishna, o que as
torna especiais e as diferem dos outros humores (rasas).
Dessa forma, podemos compreender que por Sri Caitanya
Mahaprabhu ser a personificação de Radha e Krishna, e
todos Seus associados serem personificações de gopis e
gopals, o movimento de sankirtana é fundamentado na
prática do mais elevado estágio do serviço com devoção a
Krishna (servir os servos dos servos, dos servos, dos servos
das gopis). Portanto, qualquer entidade viva, mesmo que
em princípio condicionada (nitya-baddha), que esteja
devidamente (com a consciência adequada) ocupada num
serviço com devoção e, de forma direta ou indireta, em
atrair pessoas e envolvê-las neste movimento de
sankirtana, está situada na categoria de alma liberada
(nitya-siddha). E, mui rapidamente, alcançará a felicidade
plena (Krishna-prema-bhakti), a mais elevada categoria de
serviço amoroso à Alma Suprema. Pois, está auxiliando os
servos, dos servos, dos servos dos companheiros de Sri
Caitanya nos passatempos transcendentais de dar prazer ao
supremo casal, Radha e Krishna, na personificação de Sri
Caitanya Mahaprabhu, a Alma Suprema!

OM TAT SAT (A verdade é uma só, Deus é um só)

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