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DOI: https://doi.org/10.5585/rgss.v7i2.

359
Data de recebimento: 09/09/2017
Data de Aceite: 16/01/2018
Editora Executiva: Lara Jansiski Motta
Editora Científica: Sonia Monken
Avaliação: Double Blind Review pelo SEER/OJS
Revisão: Gramatical, normativa e de formatação

ANALISE INTERDISCIPLINAR DAS RELAÇÕES DE CONFLITO E PODER NA


GESTÃO HOSPITALAR

1
Luanne Escobar do Nascimento Oliveira
2
Erlaine Binotto
3
Luiz Cândido Martins
4
Luciana Fernandes Volpato

RESUMO

O problema que se coloca neste estudo são os conflitos e as relações de poder estabelecidos no
ambiente hospitalar, onde as relações de dominação se manifestam no processo de gestão dos
interesses dos agentes, trazendo consequências para todos os envolvidos. O objetivo é analisar
os conflitos e as relações de poder entre colaboradores de diferentes categorias de um hospital
filantrópico. Buscou-se contemplar as categorias de análise diretamente relacionadas ao
ambiente hospitalar, tais como: Organograma, Participação, Liderança e Conflitos. A discussão
dos achados da pesquisa está amparada nos conceitos de Campo, Capital Simbólico e Habitus
do sociólogo francês Pierre Bourdieu. As contribuições do estudo se evidenciam na abordagem
interdisciplinar do problema a partir das contribuições da Sociologia, Administração e Saúde
Pública, ampliando, assim, os horizontes de compreensão do problema. A utilização das lentes
teóricas de Bourdieu se revelou importante na medida em que há uma ausência de estudos sobre
gestão hospitalar que utilize de conceitos sociológicos, sobretudo de Bourdeiu. O estudo
possibilitou aos gestores do hospital, em análise, um feedback amplo para entendimento e
aprimoramento da sua gestão.

Palavras-chaves: Administração hospitalar. Pierre Bourdieu. Gerenciamento da prática


profissional. Conflito de interesses. Administração de recursos humanos em saúde.

1
Graduada em Administração, pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Mato Grosso do
Sul, (Brasil). E-mail: oliveira@gmail.com
2
Doutora em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre,
(Brasil). E-mail: ErlaineBinotto@ufgd.edu.br
3
Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, São Paulo, (Brasil). E-mail:
luizmartins@ufgd.edu.br
4
Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba - FOP/UNICAMP, São Paulo, (Brasil).
E-mail: lucianavolpato@superig.com.br

Rev. Gest. Sist. Saúde, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 129-142, maio/agosto, 2018


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Analise Interdisciplinar das Relações de Conflito e Poder na Gestão Hospitalar

INTERDISCIPLINARY ANALYSIS OF CONFLICT AND POWER RELATIONS IN


HOSPITAL MANAGEMENT

ABSTRACT

The problem that arises in this study is the conflicts and power relations established in the
hospital environment, where the relations of domination are manifested in the process of
managing the interests of the agents, bringing consequences for all involved. The objective is
to analyze the conflicts and power relations between employees of different categories of a
philanthropic hospital. We sought to contemplate categories of analysis directly related to the
hospital environment, such as: Organization Chart, Participation, Leadership and Conflicts. The
discussion of the findings of the research is supported by the concepts of Field, Symbolic
Capital and Habitus of the French sociologist Pierre Bourdieu. The contributions of the study
are evidenced in the interdisciplinary approach of the problem from the contributions of
Sociology, Administration and Public Health, thus broadening the horizons of understanding
the problem. The use of Bourdieu's theoretical lenses proved to be important insofar as there is
a lack of studies on hospital management using sociological concepts, especially from
Bourdeiu. The study allowed the hospital managers, under analysis, a broad feedback to
understand and improve their management.

Keywords: Hospital administration. Pierre Bourdieu. Management of professional practice.


Conflict of interests. Administration of human resources in health.

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Luanne Escobar do Nascimento Oliveira, Erlaine Binotto, Luiz Cândido Martins & Luciana Fernandes
Volpato

INTRODUÇÃO qualquer tipo de tomada de decisão e podem


influenciar de maneira positiva o crescimento
Uma característica da realidade da instituição, mas observa-se que quando
contemporânea, em nível global, é o processo estes não são bem geridos, prejudicam o
de mudanças em diferentes setores: política, resultado (Farias, Gurgel, Costa, Brito, &
economia, natureza, tecnologia e, também, no Buarque, 2011).
que diz respeito à forma como as Vendemiatti et al. (2010) entendem
organizações concebem seus negócios. que o conflito faz parte do cotidiano
No âmbito da saúde, este processo organizacional e, de um jeito ou de outro, é
de mudança se revela na permanente encarado pelos gestores como uma busca pela
profissionalização dos serviços, passando do otimização de seus impactos, tanto para a
conceito de assistencialismo para voltar-se a organização como para os indivíduos.
metas de lucratividade, excelência em A organização hospitalar apresenta
serviços, provocando alterações nas uma estrutura extremamente complexa, uma
estruturas e formas de organização vez que exige conhecimentos específicos
(Vendemiatti, Siqueira, Filardi, Binotto, & necessários para gerir recursos físicos e
Simioni, 2010). Como resultado deste humanos, sendo que este último inclui, entre
movimento, ocorre mudanças no contexto do outros funcionários, os especialistas (médicos
trabalho e na forma como os profissionais se e enfermeiros) e o setor administrativo.
relacionam com a organização e entre si, Ambos são detentores de poder no ambiente
abrindo possibilidade para conflitos. hospitalar em função do conhecimento
Dessa forma, o objeto desta pesquisa específico, legitimidade diante da equipe
são os conflitos estabelecidos no ambiente construída pela convivência em situações
hospitalar, onde as relações de poder e limite, além de ações de controle e
dominação se manifestam no processo de direcionamento das atividades diárias. Nesse
gestão dos interesses dos agentes envolvidos. sentido, esta pesquisa se justifica devido à
Logo, as relações conflituosas podem estrutura organizacional dos hospitais
desencadear consequências de grande abrigarem campos de poder que geram
alcance para todos os envolvidos, conflitos e se constituem em desafios para o
especialmente aos pacientes. Afinal, a processo de gestão. Assim, o objetivo deste
instituição hospitalar possui algumas estudo é analisar as relações de conflito e
peculiaridades que a distingue de outras poder entre colaboradores de diferentes
organizações prestadoras de serviços e uma categorias de um hospital, localizado no
relação insatisfatória entre os empregados interior do Estado do Mato do Grosso do Sul,
influencia negativamente na assistência sendo que tal análise se apóia na construção
fornecida ao paciente (Campos & Campos, teórica do sociólogo Pierre Bourdieu.
1982).
Entender os processos de gestão MÉTODOS
hospitalar, com foco nos conflitos, é tratar
com uma situação onde os agentes envolvidos Trata-se de uma pesquisa exploratória
(gestores, médicos, enfermeiros e e descritiva, com abordagem qualitativa.
colaboradores) são os mesmos que atuam nos O local do estudo é um hospital
processos de tratamento e cura de situado em um município do interior do Estado
enfermidades. Frisa-se, o hospital é um local de Mato Grosso do Sul, cuja personalidade
de acolhimento e atenção à vida humana, em jurídica é de uma Associação Beneficente,
momentos sensíveis. vinculada a uma instituição privada e mantida
Na esteira desta preocupação, certos por doações particulares. Possui 48 leitos, dos
tipos de conflitos nas organizações podem ser quais 40 estão disponíveis ao Sistema Único de
Saúde (SUS) e oito destinados ao atendimento
desejáveis, visto que agregam valor em
de convênios e particulares.
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Analise Interdisciplinar das Relações de Conflito e Poder na Gestão Hospitalar

O hospital possui 59 profissionais, propriedades destes espaços dependem das


sendo que 33 participaram como posições ocupadas, mas pode ser analisada
respondentes em um dos quatro independentemente das características de
questionários, validados na pesquisa de seus ocupantes. Para o autor, existem leis
Vendemiatti (2004), com perguntas abertas, gerais e invariantes nos campos, ou seja,
fechadas e uso da escala de Likert, sendo 01 aplica-se a qualquer campo social em análise,
para discordo totalmente e 05 para concordo como: o campo econômico, o político, o
totalmente. Os questionários foram aplicados filosófico, o artístico, o histórico, o
na própria unidade hospitalar, em novembro psicológico, entre outros.
de 2016. Adotou-se um questionário para Para ele, é isto que faz com que o
cada grupo hierárquico. projeto de uma teoria geral não seja absurdo
Os profissionais que aceitaram e que “seja possível usar o que se aprende
participar da pesquisa foram divididos em sobre o funcionamento de cada campo
quatro grupos hierárquicos, seguindo o particular para interrogar e interpretar outros
organograma fornecido pelo hospital: a) campos” (Bourdieu, 1983, p. 56).
gestão/coordenação (dois), b) setor Bourdieu esclarece:
administrativo (dez), c) setor de médicos que em cada campo se encontrará uma luta, da
(cinco) e enfermeiros (oito) e, d) qual se deve, cada vez, procurar as formas
colaboradores (atendentes (quatro) e pessoal específicas, entre o novo que está entrando e que
da limpeza (quatro)). tenta forçar o direito de entrada e o dominante que
tenta defender o monopólio e excluir a
Buscou-se contemplar as categorias
concorrência (Bourdieu, 1983, p. 58).
de análise diretamente relacionadas ao
Nesta luta, entre o dominante do
ambiente hospitalar, tais como:
campo e aquele que se apresenta como
Organograma, Participação, Liderança e
concorrente na disputa pelo poder, o volume
Conflitos. O ambiente hospitalar é tratado
de capital simbólico acumulado é fator
como o espaço onde as pessoas
determinante, ao lado do lugar da largada na
desempenham seu trabalho e se dá as relações
corrida pela dominação dos espaços dentro do
interpessoais e de poder. A estrutura
campo.
organizacional consiste na forma como a
Neste contexto, o dominante é o que
organização está estruturada em níveis
detém o capital específico do campo. Este
hierárquicos. Esses níveis permitem definir
capital é específico porque representa tudo
as lideranças e as estruturas de poder e
que tem valor dentro do seu campo, como a
comando.
questão econômica, tecnologias, o domínio
A discussão dos achados da
de knowhow, tradição, poder político, entre
pesquisa, relativos a conflitos e relação de
outros.
poder na gestão hospitalar, está amparada nos
Por Capital Simbólico, a partir de
conceitos de Campo, Capital Simbólico e
Bourdieu, entende-se não apenas o acúmulo
Habitus de Pierre Bourdieu.
de bens e riquezas econômicas, mas todo
recurso ou poder que se manifesta em uma
REVISÃO TEÓRICA
atividade social. Assim, além do capital
econômico (renda, salários, imóveis), é
A perspectiva de Pierre Bourdier
decisiva a compreensão de capital
cultural (saberes e conhecimentos
Bourdieu (1983) explicita sua
reconhecidos por diplomas e títulos) e capital
compreensão de campo e estabelece suas
social (relações sociais que podem ser
bases conceituais, onde campo refere-se a
convertidas em recursos de dominação). Em
espaços sociais passíveis de serem
resumo, refere-se a um capital simbólico (o
compreendidos porque se estruturam a partir
que chamamos de prestígio ou honra e que
de posições ou postos ocupados. As

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Luanne Escobar do Nascimento Oliveira, Erlaine Binotto, Luiz Cândido Martins & Luciana Fernandes
Volpato

permite identificar os agentes no espaço Nessas organizações, a dinâmica da


social) (Bourdieu, 1989; Bourdieu, 2005). gestão está presente de forma similar a
O conceito de Habitus é uma noção qualquer outra organização. Constitui-se de
mediadora que ajuda a romper com a um grupo de especialista (médicos e
dualidade de senso comum entre indivíduo e enfermeiros), responsáveis por decisões
sociedade ao captar “a interiorização da relacionadas a dimensão administrativa no
exterioridade e a exteriorização da uso de recursos. A tendência é que o foco da
interioridade”, ou seja, o modo como a decisão esteja orientado pela lógica de sua
sociedade se torna depositada nas pessoas sob formação profissional e são detentoras de
a forma de disposições duráveis ou poder tanto em função de seu conhecimento
capacidades treinadas e propensões específico, como pelo ambiente de urgência e
estruturadas para pensar, sentir e agir de risco, e ainda pela legitimidade diante da
modos determinados, que as guiam nas suas equipe construída pela convivência em
respostas criativas aos constrangimentos e situações limite. O corpo gerencial possui
solicitações do seu meio social existente funções relacionadas a processos de adesão
(Bourdieu, 1989; Bourdieu, 2005; Wacquant, dos colaboradores e ações de controle e
2007). direcionamento das atividades diárias. Dessa
O Habitus é o que traduz estilos de forma, as estruturas organizacionais dos
vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. hospitais possuem suas peculiaridades que
Ele é um meio de ação que permite criar ou definem campos de poder trazendo desafios
desenvolver estratégias, individuais ou para a gestão dessas organizações
coletivas. (Vendemiatti et al., 2010).
Para Setton (2002), habitus é um Muitas das limitações relacionadas
conceito que, embora seja visto como um aos aspectos de tomada de decisão e as
sistema engendrado no passado e orientando dificuldades na gestão pela complexidade do
para uma ação no presente, ainda é um sistema são apontados no trabalho de Pacheco
sistema em constante reformulação. É uma & Gomes (2016), mostrando, também, a
noção que auxilia a pensar as características presença de um imaginário de descrédito por
de uma identidade social, de uma experiência parte dos hospitais públicos associado à busca
biográfica, um sistema de orientação, ora pela operacionalidade e o aparecimento de
consciente, ora inconsciente. Habitus como resultados positivos.
uma matriz cultural que predispõe os A liderança, nesse ambiente, pode
indivíduos a fazerem suas escolhas. ser analisada sob a perspectiva de Davel &
O conceito de conflito com o qual se Machado (2001), que situa a mesma na
trabalha exprime a ideia de que: “é um relação entre líderes e liderados movida pelo
processo que começa quando uma parte poder, cognição e emoção. O atendimento das
percebe que outra parte afetou, ou está perto demandas da organização e ao mesmo tempo,
de afetar, negativamente algo pelo qual a contemplados os interesses dos liderados,
primeira parte se interessa” (Robbins, 1999). gera processos de identificação dos liderados
com a organização. Nessa perspectiva o líder
A gestão nas organizações hospitalares é aceito em meio a essa negociação para
atender os desejos individuais e os objetivos
As organizações hospitalares têm organizacionais.
sofrido grandes transformações ao longo das Jamra, Cecilio, & Correia (2016)
últimas décadas impulsionadas pelas trazem a discussão de Carapinheiro (1998),
transformações tecnológicas, avanços na sobre a dualidade na estrutura de autoridade
ciência e na forma de conceber a saúde pelos do hospital, evidenciando o poder do médico
órgãos públicos e privados. e o poder administrativo, podendo haver um

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Analise Interdisciplinar das Relações de Conflito e Poder na Gestão Hospitalar

embate e como resultado a manutenção do Quanto à avaliação do respeito aos


poder médico na instituição. níveis hierárquicos, gestores/coordenadores
afirmam que há respeito. A partir da escala
RESULTADOS Likert, ambos classificam com dois e meio,
numeração inexistente na escala, mas que pode
Organograma ser interpretada como discordo parcialmente.

O organograma do hospital demonstra a Perfil dos respondentes:


distribuição de funções e estrutura de poder que
regula as relações dos agentes. Subdividido em Tanto os gestores/coordenadores
quatro setores, o mesmo apresenta os como o pessoal do setor administrativo,
gestores/coordenadores no primeiro nível e, na cumprem carga horária diária de oito horas. A
sequência, os setores administrativo, médicos e predominância dos participantes da
enfermeiros e, por fim, colaboradores gestão/coordenação e do setor administrativo é
(atendentes e pessoal de limpeza). do sexo feminino. Dos doze respondentes, dez
Dois destaques no processo de criação possuem ensino superior, um está cursando e
do organograma: somente o setor apenas um possui ensino médio. A maioria
administrativo participou de sua criação e há (seis) trabalha há cinco anos na instituição,
pouco conhecimento sobre sua existência. seguido de quatro participantes que trabalham
Ao indagar o setor administrativo, há quatro anos e dois participantes que
composto por dez agentes, sobre o processo de trabalham há três anos.
criação do organograma, a resposta de três foi Ressalta-se que o setor administrativo
que participaram do processo. Dois agentes é formado pelos chefes (administradores) e
informaram ter participado em partes e, o assessores, os quais auxiliam nos serviços, mas
restante, ou seja, cinco agentes informaram não não tem autonomia para estabelecer rotinas ou
haver participado do processo. tomar decisões.
Ao questionar os colaboradores, Como mostra a Tabela 1, a
composto por oito agentes, sobre a mesma predominância dos participantes entre médicos
questão, a resposta de sete revelou nunca ter e enfermeiros é do sexo feminino. O corpo
visto o organograma, apenas um revelou médico é composto por três especialistas e dois
conhecê-lo. clínicos gerais, enquanto que o corpo de
A respeito do conhecimento dos enfermeiros indica uma enfermeira chefe.
níveis hierárquicos e a quem reportarem-se, A maioria (cinco) trabalha há três
gestores/coordenadores e setor administrativo o anos na instituição, seguido de três
reconheceram e destacaram “já terem visto o participantes que trabalham há quatro anos, três
organograma”. participantes trabalham há cinco anos, um
Médicos e enfermeiros, no total de participante trabalha há dois anos e, por fim, um
treze agentes, foram unânimes em afirmar que participante trabalha há um ano.
conhecem o organograma do hospital, se A Tabela 2 apresenta dados referentes
identificam dentro do mesmo e afirmam que aos colaboradores que trabalham oito horas por
possuem subordinados e superiores. Apenas dia e possuem maioria respondente (sete) do
uma enfermeira alegou não saber quem seria sexo feminino. Destes participantes, quatro
seu possível subordinado, uma vez que cursam ensino superior, dois são concluintes de
reconhece apenas seu superior. ensino médio e dois possuem nível médio.

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Analise Interdisciplinar das Relações de Conflito e Poder na Gestão Hospitalar

Tabela 1 – Perfil dos Entrevistados (setor administrativo, médicos e enfermeiros)


Setor Gênero Idade Formação Tempo na Jornada
instituição diária
Gestão/ F 40 Superior 3 anos
Coordenação M 47 Superior 5 anos
F 24 Superior 3 anos
F 24 Cursando Superior 4 anos
F 25 Superior 4 anos
F 25 Superior 5 anos
F 28 Ensino Médio 4 anos 8h
Administrativo F 39 Superior 5 anos
F 40 Superior 4 anos
M 27 Superior 5 anos
M 26 Superior 5 anos
M 37 Superior 5 anos
M 34 Superior, Ginecologista 5 anos
M 36 Superior, Reumatologista 4 anos
Médico M 55 Superior, Clínico Geral 5 anos 12h
F 37 Superior, Clínico Geral 3 anos
F 37 Superior, Pediatria 5 anos
Enfermeira Chefe F 36 Superior 4 anos
M 32 Superior 4 anos
F 40 Superior 3 anos
F 31 Superior 3 anos
Enfermeira F 46 Superior 3 anos 6h
F 33 Superior 3 anos
F 29 Superior 2 anos
F 27 Superior 1 ano
Fonte: Dados da Pesquisa (2016)

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Eficiência dos Gastos Públicos em Saúde no Brasil: Estudo Sobre o Desempenho de Estados
Brasileiros

Tabela 2 – Perfil dos Entrevistados – Colaboradores (Atendentes e Pessoal da Limpeza)


Setor Gênero Idade Tempo na instituição Jornada diária
F 22 1 ano
F 24 3 anos
Atendente F 27 2 anos
M 30 2 anos
F 22 1 ano 8h
Colaborador da F 34 4 anos
limpeza F 24 3 anos
F 34 4 anos
Fonte: Dados da Pesquisa (2016)

Participação o supervisor direto e a outa metade para o


suporte técnico. O pessoal da limpeza, um
Os dados apresentados a seguir, no para o superior direto e dois, para os demais
quesito participação, conforme as categorias supervisores administrativos. Nas questões
outrora definidas por Vendemiatti (2006), formais no trabalho, mas que envolvem as
apresentam informações relativas a: a) atividades dos mesmos, três atendentes
autonomia do corpo médico para redefinição procuram o supervisor e um dialoga com os
de padrões de rotina, b) influência do corpo colegas. Três dos funcionários da limpeza
clinico na gestão, c) atitude dos médicos e preferem dialogar com colegas e um não
enfermeiros quando recebem a notícia de procura o supervisor.
mudanças na rotina/protocolo, d) a quem Os médicos mencionaram que
atendentes e pessoal da limpeza recorrem possuem autonomia para a redefinição de
para sanar dúvidas. padrões de rotina, enquanto que os
Em relação aos médicos possuírem enfermeiros não apresentaram a mesma
autonomia para redefinição de padrões de opinião. Uma enfermeira disse: “aqui quem
rotina, todos consideram ter. Por outro lado, decide e impõe é o gestor, o prefeito e o
no grupo dos enfermeiros, três entendem que contador da instituição...”; outra mencionou
possuem e dois não. que “existe politicagem dentro da
A influência do corpo clínico na instituição”.
gestão foi respondida utilizando a escala de Os gestores/coordenadores alegaram
Likert, mostra que nove deles optaram pelo que quando percebem um médico ou
nível três da escala que significa não enfermeiro fazendo algo fora da rotina,
concorda nem discorda e apenas um concorda comunicam os superiores dos mesmos.
parcialmente. Os profissionais do setor
A atitude dos médicos e enfermeiros administrativo foram unânimes em afirmar que
quando recebem a notícia de mudanças na recorrem aos gestores quando se deparam com
rotina/protocolo advinda do setor situações que fogem do protocolo do hospital,
administrativo. Dos médicos, quatro para que esses levem ao conhecimento dos
questionam e um aceita, enquanto que dos responsáveis técnicos e diretores clínicos.
Os colaboradores, de forma geral,
enfermeiros, seis questionam e dois aceitam.
relatam aos seus superiores quando um médico
As pessoas que os atendentes
toma alguma atitude fora da rotina. Um dos
recorrem para sanar dúvidas são metade para entrevistados afirmou: “procuro informar aos

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Eficiência dos Gastos Públicos em Saúde no Brasil: Estudo Sobre o Desempenho de Estados
Brasileiros

superiores ou a administração. E olha, isso mencionaram e os enfermeiros responderam


ocorre com muita frequência”. recorrer ao supervisor.
O setor administrativo informou que Quando perguntados se os médicos
convoca reuniões para lidar com essa são colaboradores da administração, os
situação, entretanto alega que não pode médicos tiveram respostas divergentes: dois
adotar uma postura muito rígida, pois a responderam que não são colaboradores da
estrutura do hospital é precária e todas as administração, um disse que sim e um falou
áreas possuem impasses. mais ou menos. Os enfermeiros responderam
Dentre as perguntas realizadas aos que sim (06).
colaboradores, estão: quem mais auxilia o Sobre a questão se os médicos são
desenvolvimento dos processos (o corpo de líderes, a maioria dos enfermeiros (05)
enfermagem foi o mais citado), quem mais considera apenas alguns médicos líderes,
atrapalha o desenvolvimento dos processos enquanto que os médicos (04) não se
(cinco afirmaram ser o setor administrativo) e consideram líderes. Apenas um médico
quem seria mais acessível às solicitações dos considera a classe médica líder e que deve dar
mesmos (a maioria dos entrevistados opiniões nos procedimentos, orientar e apoiar
respondeu a enfermagem – 06). Na opinião a equipe.
dos colaboradores, os enfermeiros são mais Os atendentes e o pessoal da limpeza
acessíveis e dispostos a dialogar e escutar relataram conhecer um líder dentro do
suas solicitações. hospital. Ao serem questionados a respeito do
que consideram ser um chefe, responderam
Liderança que se trata de status para alguém que dá
ordens, chama a atenção e não pensa em um
bom relacionamento com os funcionários.
O setor administrativo considera A respeito do que consideram um
como líder, o indivíduo com capacidade de líder, sete profissionais afirmaram que líder é
coordenar e comandar uma equipe. Um aquele que ajuda, toma decisões baseado na
entrevistado respondeu: “o líder é aquele que opinião de todos, trabalha em conjunto e
conhece como funciona a organização e toma respeita seus subordinados, os tratando de
decisões que melhoram as coisas, não igual para igual. Também foram questionados
aqueles chefes que só sabem apontar os erros se um chefe poderia ser líder e sete pessoas
e questionar as pessoas”. responderam sim. Um profissional
O mesmo setor considera respondeu: “sim, apenas devemos saber se
descumprimento de norma a desobediência a quer ajudar, acrescentar ou apenas ter um
alguma medida imposta e alegou que quando cargo por status social”.
os médicos descumprem regras, o
posicionamento é chamar para uma conversa. Conflitos
Mas, dependendo da questão, não poderiam
se intrometer na conduta médica e, caso Em relação aos conflitos entre
necessário, acessariam o CRM (Conselho gestores/administração e médicos, os
Regional de Medicina). gestores apontaram os seguintes problemas:
Quando os médicos e enfermeiros se plantões (alegam ser muito difícil os médicos
depararam com o questionamento sobre cumprirem os plantões adequadamente, pois
quem seria o supervisor formal dos mesmos, os mesmos permanecem no quarto de
três médicos afirmaram não ter e dois descanso, prejudicando o fluxo no
garantiram que é o diretor clínico. Já os atendimento), dificuldade em cumprir a
enfermeiros, disseram conhecer quem seria o escala médica, não acatam as sugestões e
supervisor. Em relação a quem recorrem em opiniões da administração, dificuldade de
caso de dúvidas, os médicos não contato com a classe médica.

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Marcia Cristina da Silva Andrett, Rogério João Lunkes, Fabricia Silva da Rosa & Maria Margarete
Baccin Brizolla

A mesma questão foi realizada aos monopólio e excluir qualquer forma de


médicos e enfermeiros, os resultados concorrência, e os concorrentes tentarão
mostraram que os seguintes geradores de estratégias de subversão para promover uma
problemas: pessoas não qualificadas ruptura na dominação (Bourdieu, 1983).
opinando em decisões sobre escalas de O organograma que identifica as
plantão (na opinião dos médicos); a escala posições ocupadas pelos agentes do campo
mensal dos médicos e a ausência dos mesmos foi criado pelo setor administrativo. Dos dez
nos plantões, devido ao pagamento atrasado agentes do setor, apenas três participaram do
(opinião dos enfermeiros). processo de criação, dois participaram em
Na questão: “Situações em que partes e cinco não participaram. No setor dos
interesses administrativos não coincidem colaboradores, de oito componentes, sete
com os interesses da classe médica”, os revelaram nunca ter visto o organograma,
médicos apontaram problemas na gerando um estranhamento.
remuneração (atrasos no pagamento) e que as Este fato fica em realce porque o
escalas e os padrões impostos pela organograma cumpre a função de informar,
administração, não são bem aceitos. todos os agentes do campo, que há uma
Os enfermeiros, muitas vezes, estrutura de poder estabelecida. E esta
sentem descaso por parte dos gestores e da estrutura estruturada, cumpre a função de
administração em relação ao controle de estruturar a cosmovisão dos agentes do
rotinas dos médicos e demais funcionários, campo, de tal maneira a normatizar um
atingindo todas as áreas, pois quando uma habitus comportamental.
área não funciona bem, afeta as demais. Do levantamento do perfil dos 33
Ao serem questionados sobre participantes da pesquisa, 24 são do gênero
“quanto os médicos e a enfermagem possuem feminino e 9 masculino. No setor dos
influência direta nas decisões gestores, que está no topo do organograma,
administrativas”, seis enfermeiros há dois gestores, um do gênero feminino e
discordaram parcialmente, enquanto que outro masculino, ambos possuem ensino
todos os médicos se mantiveram neutros em superior. Entre os administradores, 7 são do
relação à questão. gênero feminino e 3 masculino, todos
Médicos e enfermeiros responderam possuem ensino superior. Entre os médicos, 3
sobre o motivo de médicos e rotinas são do gênero masculino e 2 feminino e todos
administrativas mais burocráticas não possuem ensino superior. Entre enfermeiros,
combinarem, as respostas foram: 8 são do gênero feminino e 1 masculino,
desqualificação das pessoas que administram todos possuem ensino superior. Entre os
a instituição e problemas de organização colaboradores 7 são do gênero feminino e 1
(médicos), rotina de trabalho e difícil masculino, quatro cursam ensino superior,
relacionamento entre médicos e estrutura do dois possuem nível médio e dois estão
hospital (enfermeiros). concluindo o ensino médio.
No cômputo geral, constata-se a
DISCUSSÃO predominância do gênero feminino ocupando
os postos em todos os níveis da estrutura
Cumpre identificar onde estão e estruturada do campo. Isto pode ser
quem são os agentes sociais que, por considerado um indício da dominação do
acumularem maior capital simbólico, gênero feminino no campo.
exercem a dominação no campo. Identificar Os dois gestores presentes no topo
este núcleo de poder ilumina o entendimento do organograma é outro indício que a
dos conflitos existentes, afinal no campo dominação do campo é exercida por eles,
onde ocorrem as relações de poder, haverá tendo como critério o posto ocupado.
uma luta onde o dominante tenta defender o

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Eficiência dos Gastos Públicos em Saúde no Brasil: Estudo Sobre o Desempenho de Estados
Brasileiros

Em seguida, identificam-se dez médicos não mencionaram e os enfermeiros


administradores, cinco médicos, oito responderam recorrer ao supervisor
enfermeiros e oito colaboradores. Cada um Os paradoxos continuam se
dos setores detém seu capital simbólico e o revelando, pois ao mesmo tempo em que os
mesmo reflete poder nas relações que se médicos não se veem como líderes, informam
estabelecem no campo. que possuem autonomia para a redefinição de
Paralelo ao grupo majoritário padrões de rotina, enquanto que os
feminino e dos dois gestores, encontra-se o enfermeiros não apresentaram a mesma
setor composto pelos médicos. Este setor opinião.
apresenta algumas características singulares Os médicos afirmam possuir
que podem colocá-lo como aquele que, autonomia para redefinição de padrões de
realmente, detêm o poder no campo e, desta rotina, entretanto os gestores/administradores
forma, exerce a dominação, catalisando em si ao tratarem sobre os problemas geradores de
e no seu entorno as relações de interesses no conflito no campo destacam: problemas com
campo e que geram conflitos. os plantões (alegam ser muito difícil os
Ou, como faz pensar Bourdieu médicos cumprirem os plantões
(1983), este seria o concorrente do dominador adequadamente, pois os mesmos
e, enquanto busca estratégias de subversão, permanecem no quarto de descanso,
da heterodoxia, enquanto ruptura crítica, prejudicando o fluxo no atendimento),
frequentemente ligada à crise, fazendo com dificuldade em cumprir a escala médica, não
que os dominantes saiam do silêncio, acatam as sugestões e opiniões da
impondo-lhes a produção do discurso administração, dificuldade de contato com a
defensivo de sua ortodoxia. classe médica.
A pesquisa procurou identificar no A mesma questão foi realizada aos
quesito liderança, o perfil do líder dentro do médicos e enfermeiros, os resultados
campo pela mediação de indagações a todos mostraram que os seguintes geradores de
os envolvidos, nota-se as respostas obtidas problemas: pessoas não qualificadas
dos médicos. opinando em decisões sobre escalas de
A maioria dos médicos (04), no plantão (na opinião dos médicos), a escala
universo de 05, não se considera líderes. mensal dos médicos e a ausência dos mesmos
Apenas um médico afirmou considerar a nos plantões, devido ao pagamento atrasado
classe médica líder e que deve dar opiniões (opinião dos enfermeiros).
nos procedimentos, orientar e apoiar a equipe. Quando perguntados se os médicos
Em relação ao conhecimento do são colaboradores da administração, os
organograma que define as posições no médicos tiveram respostas divergentes: dois
campo, os médicos e enfermeiros, no total de responderam que não são colaboradores da
treze agentes, foram unânimes em afirmar administração, um disse que sim e um falou
que conhecem o organograma do hospital e se mais ou menos. Os enfermeiros responderam
identificam dentro do mesmo. que sim (06).
Paradoxalmente, quando os médicos Na questão: “Situações em que
e enfermeiros se depararam com o interesses administrativos não coincidem
questionamento sobre quem seria o com os interesses da classe médica”, os
supervisor formal dos mesmos, três médicos médicos apontaram problemas na
afirmaram não ter e dois garantiram que é o remuneração (atrasos no pagamento), além
diretor clínico. Já os enfermeiros disseram disso, as escalas e os padrões impostos pela
conhecer quem seria o supervisor. Em relação administração, não são bem aceitos.
a quem recorrem em caso de dúvidas, os Médicos e enfermeiros responderam
sobre o motivo de médicos e rotinas

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Marcia Cristina da Silva Andrett, Rogério João Lunkes, Fabricia Silva da Rosa & Maria Margarete
Baccin Brizolla

administrativas mais burocráticas não As evidências apresentadas são


combinarem, as respostas foram: robustas e permitem duas inferências:
desqualificação das pessoas que administram primeira, nos dois gestores reside a maior
a instituição e problemas de organização quantidade de capital específico, pois existe
(médicos), rotina de trabalho e difícil um organograma, gerando um
relacionamento entre médicos e estrutura do empoderamento que os coloca no núcleo de
hospital (enfermeiros). dominação do campo. Segundo, o setor dos
Ao serem questionados sobre quanto médicos exerce uma clara e contundente
os médicos e a enfermagem possuem concorrência com os gestores pela mediação
influência direta nas decisões de estratégias de subversão da ordem, do
administrativas, seis enfermeiros habitus que regula e interioriza nos agentes
discordaram parcialmente, enquanto que sociais que compõem o campo, as normas
todos os médicos se mantiveram neutros em exteriorizadas pelo organograma e,
relação à questão. consequentemente, estes não exteriorizam o
De outro lado, os comportamento desejado e esperado, não se
gestores/coordenadores alegaram que quando exterioriza aquilo que não está interiorizado.
percebem um médico ou enfermeiro fazendo No processo concorrencial, os
algo fora da rotina, comunicam os superiores médicos têm a seu favor um acumulo de
dos mesmos. capital simbólico brutal em relação a todos os
O setor administrativo informou que concorrentes no campo. O tipo de capital
convoca reuniões para lidar com essa simbólico de que dispõem é o Knowhow na
situação, entretanto declara que não pode área médica e eles estão inseridos em um
adotar uma postura muito rígida, pois a campo hospitalar onde se dedica atenção ao
estrutura do hospital é precária e todas as valor mais nobre da existência humana, a
áreas possuem impasses. vida.
O mesmo setor considera Quando o setor administrativo se
descumprimento de norma a desobediência a depara com atitudes dos médicos que
alguma medida imposta e afirmou que afrontam o habitus estabelecido, alegam que
chamam os médicos para uma conversa, não podem adotar uma postura muito rígida,
quando descumprem regras. Mas, pois a estrutura do hospital é precária e todas
dependendo da questão, não poderiam se as áreas possuem impasses. Visto de outra
intrometer na conduta médica e, caso forma, isto revela a impotência diante do
necessário, acessariam o CRM. capital simbólico do concorrente.
Os enfermeiros, muitas vezes, É esta crise referida que instaura o
sentem descaso por parte dos gestores e da processo de conflito e relações de poder na
administração em relação ao controle de gestão hospitalar, afinal o conceito de
rotinas dos médicos e demais funcionários, o conflito com o qual se trabalha “começa
que atinge todas as áreas, pois quando uma quando uma parte percebe que outra parte
área não funciona bem, afeta as demais. afetou, ou está perto de afetar, negativamente
Os atendentes e pessoal da limpeza, algo pelo qual a primeira parte se interessa”
de forma geral, mencionaram que se um (Robbins, 1999).
médico adota alguma atitude fora da rotina, Não caberia aqui qualquer juízo de
procuram relatar a situação aos seus valor em relação ao fenômeno identificado a
superiores. Um dos entrevistados afirmou: partir desta pesquisa, em relação aos gestores
“procuro informar aos superiores ou a ou médicos, apenas a constatação do
administração. E olha, isso ocorre com muita fenômeno que se evidenciou pela mediação
frequência”. do emprego do rigor metodológico fundada
na teoria sociológica do filósofo e sociólogo

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Eficiência dos Gastos Públicos em Saúde no Brasil: Estudo Sobre o Desempenho de Estados
Brasileiros

Pierre Bourdieu e, também, dos autores dos serviços de saúde depende da


referenciados que militam no campo do responsabilidade do profissional e da sua
conhecimento em Administração. experiência, do seu compromisso com a
organização, com os usuários e com as
CONSIDERAÇÕES FINAIS atividades que desenvolve. Diante disso, é
necessário averiguar as necessidades e as
A guisa de considerações finais, expectativas dos profissionais, sua satisfação
compete um destaque que pode inspirar com o trabalho e sua visão dos usuários, uma
reflexões e resgata informações do início da vez que, na organização dos serviços, há uma
pesquisa, os hospitais são organizações relação de troca entre os sujeitos e esse
prestadoras de serviços e uma relação relacionamento refletirá na qualidade do
insatisfatória entre os empregados, influencia serviço.
negativamente na assistência fornecida ao Concluiu-se a eficiência da
paciente (Campos & Campos, 1982). aplicação dos conceitos do sociólogo
Certos conflitos nas organizações Bourdieu na análise das relações de conflito e
podem ser desejáveis, visto que agregam poder no ambiente hospitalar; além disso,
valor em qualquer tipo de tomada de decisão comprovou-se uma articulação
e podem influenciar de maneira positiva o interdisciplinar envolvendo as áreas da
crescimento da instituição, mas quando não Sociologia, Administração e Saúde; e, por
são bem geridos, prejudicam o resultado fim, dado sua característica interdisciplinar, o
(Farias et al., 2011). estudo possibilitou aos gestores do hospital,
E, por fim, sob a perspectiva da em análise, um feedback amplo para
Saúde Pública, Martins, Meneghim, Martins, entendimento e aprimoramento da sua gestão.
& Pereira (2014) mencionam que a qualidade

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