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Uma lenda revivida...

Há aproximadamente 600 a.c., nasceu um jovem sábio, na China


antiga, em uma época não menos terrível, onde nós também nos
comportávamos egoística e insensatamente... O jovem havia vivido uma
vida intensa e também de muito estudo, até que resolveu retirar-se do
convívio social e ninguém, até então, o havia visto novamente... Um dia,
em uma distante fronteira, de uma das muitas províncias chinesas, um
jovem guarda estava prestes a terminar seu turno, sem que nem mesmo
um pequeno animal tivesse atravessado a imensa planície, o que dizer da
fronteira...

O imenso céu se estendia ao longe e o sol já ia se pondo, quando o


jovem guarda avistou um ponto na extremidade leste do caminho para a
fronteira. Apertou o olhar, para melhor compreender o que via e apurou
os ouvidos para divisar o som dos passos que vinham calmos por entre as
ondas de calor que já se dispersavam. Aprumou-se em seu posto, não
sabia bem se para receber o viajante ou cumprir seu dever sem
hesitação...

- Para cumprir meu dever, claro!

O sol se punha a oeste, vez ou outra o jovem olhava ao longe para


melhor saber quem vinha lá, mas o azul já se tornava mais escuro por
detrás do viajante, dificultando um pouco a visão. Os passos ecoavam na
imensidão, assim como o clap-clap dos cascos de seu imenso boi. Os
pensamentos do jovem iam longe, mas sempre girando em torno do
viajante desconhecido.
Por que não sobe no boi? Para onde vai? Será um vadio? Será um
bandido fugitivo? Será um pai, cuja vida está desgraçada? Será um sábio?
Um sábio... e se for?! O que farei? Devo cumprimentá-lo? Não, sou um
guarda imperial! E se for um bandido? Não devo ficar me abrindo assim...
Vou pedir seus papéis, afinal de contas isto é uma fronteira! E se for um
sábio andarilho e não tiver papéis, perdidos há muito em suas
andanças...? Ai! Ai! E continuava o jovem guarda, solenemente perfilado
na fronteira.

Tac-Tac, CLAP-CLAP, Tac-Tac, CLAP-CLAP... Iam aproximando-se o


ancião e seu boi ou o boi e o ancião e mais um olhar austero e curioso na
direção dos viajantes.

- Nenhuma espada, uma túnica surrada mas distinta, um andar cansado


mas digno, um rosto sereno e um olhar cheio, cheio de quê...?!

A mão acaricia a nuca do boi como que avisando que logo viria o descanso
merecido.

- Ah, deve ser um velho com seu boi... As estrelas já surgem no céu, já têm
formas e histórias. As histórias que aprendi..., e ainda há tanto! Bem que
ele podia ser um sábio, um sábio e seu boi ou o sábio e o boi... Está
chegando com a noite e seu manto de estrelas. Meu turno já está por
encerrar, mas creio que vá dar tempo para recebê-lo na fronteira. Bem
que ele podia andar um pouco mais depressa... Depois de recebê-lo, farei
a troca de guarda e o convidarei para um chá...

- Boa noite senhor! Por favor, seus papéis. Hum, 120 anos?! Está tudo em
ordem, pode passar.

- Muito agradecido...
O ancião atravessou a fronteira e continuou por mais algumas
dezenas de metros. O rapaz ainda perfilado, acompanhava-o com o olhar.
Veio a troca de turno, olhou mais uma vez o ancião, formalizou-se a troca,
entrou na casa da guarda e trocou suas roupas. Saiu, esticou o olhar na
penumbra e foi atrás do ancião. Encontrou-o alimentando uma ainda
tímida fogueira.

- Boa noite meu rapaz! Por favor, tome assento junto à fogueira...

- Trouxe um pouco de chá!

- Muito bom, muito bom!

Como é simpático, pensou o rapaz. Parece ter caminhado bastante,


mas ainda assim está organizando seu acampamento e preparando o chá
cheio de contentamento. O jovem pensou haver escutado o sussurro de
uma antiga e bonita canção. Sua mente encheu-se de tranqüilidade,
estava vazia e também havia contentamento em seu espírito.

A infusão estava pronta e o ancião encheu duas xícaras. Ambos


beberam contentes e nada falaram por mais de uma hora.

- Você gosta das estrelas rapaz?

- Sim e das histórias que elas contam.... Insinuou o rapaz.

- Hum...

- E o senhor?

- Gosto das histórias que as pessoas contam...

- E se elas nada falarem de si?


- Ainda assim muito estará sendo dito...

- Hum... Como assim?

- Você por exemplo, estava sério há pouco na fronteira, mas seu olhar de
longe era cheio de curiosidades. Você veio logo, mas ficou mais de uma
hora em silêncio. No início estava ruidoso, mas soube silenciar e aquietar
a mente. Poderia ter esperado mais, até que resolvi interrompê-lo. Sem
falar nada, você mostrou muito de si... O jovem enrubesceu, até que
soltou um sorriso largo. Os olhos do ancião sorriram de ponta à ponta...

A conversa havia se estendido por longas horas até que se deitaram.


O jovem acordou cedo, mas o ancião e o boi já haviam partido. Olhou ao
longe, não havia ninguém. A leste, a fronteira, o guarda e o sol
anunciando-se no horizonte infindo...

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