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06 DE FEVEREIRO – 326 ANOS DE LUTA E RESISTÊNCIA DA POPULAÇÃO NEGRA –

REVERENCIANDO PALMARES

Cláudia Cristina Rezende Puentes


Mestranda em Antropologia Social – PPGS/UFAL
claupuentesmestrado@gmail.com

Igor Luiz Rodrigues da Silva


Doutorando em Antropologia Social – PPGS/UFSC
igorluizcso@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho é o de descrever como a contribuição do 06 de Fevereiro - Honra


e Reverência aos antepassados – Vigília ao extermínio do Quilombo dos Palmares contribui para o
entendimento acerca da consolidação afrodiaspórica em terras alagoanas, através dos mais diversos
guerreiros e guerreiras que aportaram no nordeste como negros e negras escravizados. O
movimento que acontece na madrugada do dia 06 de fevereiro, data na qual houve a derrubada do
Quilombo de Palmares em 1694, a maior e mais longa resistência dos escravizados das Américas, o
massacre de homens e mulheres que de acordo com historiadores ultrapassa os 20.000 mil
habitantes que lutaram por mais de 120 anos.
Colaborar para o entendimento da motivação e participação multicultural no ato da vigília,
bem como elucidar a perspectiva histórica, política e espiritual ancestral que ocorre na madrugada
do dia 06 de fevereiro há seis anos consecutivos. A partir dos pressupostos teóricos do sociólogo
Muniz Sodré (2017[1999]) consideramos a persistência das formações religiosas e as configurações
do poder estatal, que contribuem e, de que forma para com a configuração da vigília, as
convergências religiosas que fazem parte da vigília e a interpretação dela como movimento de
resistência. Amparados na história do Quilombo dos Palmares, utilizando o processo metodológico
de observação participativa, que está na etnografia como situar, observar e escrever, sobre o espaço
social estudado. Possibilitando, através da pesquisa trazer à luz a cultura local, bem como o
processo de identificação, que contribui para que a Serra da Barriga, na cidade de União dos
Palmares seja uma referência na diáspora. Provocar a abertura e a ampliação de um campo
discursivo sobre a visibilidade e a preservação da memória dos diferentes motivos e dos roteiros
geográficos percorridos pelos negros e negras que participaram da constituição do Quilombo. O
lugar de onde escrevemos este trabalho está situado em relações complexas, de jogos de poderes em
que ainda perpetuam velhas práticas políticas, de ideologias de dominação e segregação, de
escolhas baseadas nos padrões patriarcais e de elites brancas, que promovem “um resgate” da
cultura afro-alagoana, “resgate” das manifestações da cultura afro-brasileira, situando muita das
vezes, esses “resgates” nos interesses políticos. Consideramos que além da preservação da Serra da
Barriga, como bem material, os saberes e fazeres que a compõem, os bens imateriais, vêm

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ganhando uma dimensão de respeitabilidade às custas da movimentação e articulação da sociedade
nesse processo de contracolonialidade.
Precisamos elevar a nossa cultura, mesmo com momentos que não são festivos, como esse que
fizemos parte, pois a complexidade da nossa existência está em mantermos acesa a chaPalavras-
chave: Patrimônio. Quilombo dos Palmares. Religiosidade. Diáspora.

ABSTRACT
The purpose of this paper is to describe the contribution of the 6th February - Honor and Reverence to the
ancestors - Quilombo dos Palmares extermination vigil contributed to the understanding about the
aphrodiasporic consolidation in Alagoas lands, through the most diverse warriors who arrived at the
northeast as black and enslaved black women. To contribute to the understanding of the motivation of
participation in the vigil, as well as to elucidate the historical, political and ancestral perspective that occurs
at dawn on February 6, five years in a row. Supported in the history of Quilombo dos Palmares, with its
heroes and heroes, bring to light the local culture, as well as the identification process, which contributes to
the Serra da Barriga in the city of Union dos Palmares to be a reference in the diaspora. To provoke the
opening and expansion of a discursive field on the visibility and the preservation of the memory of the
different motifs of the geographical itineraries traveled by the black men who participated in the constitution
of Quilombo.

Keywords: Patrimony. Quilombo dos Palmares. Religiosity. Diaspora.


O abolicionismo da elite branca fazia o trânsito histórico do racismo de dominação para o de
exclusão: o homem concreto, o povo, seria socialmente discriminado, excluído, mas formalmente
realocado num padrão culto de inspiração europeia. (SODRÉ, 1999, p.79).

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo avaliar o processo da vigília na Serra da Barriga, a
partir de nossa observação durante o dia 06 de Fevereiro, nos anos de 2017, 2018 e 2019,
considerando algumas questões que nos inquietaram sobremaneira, dentre elas, o fato gerador da
atividade, que começa a despontar como um movimento de vigília, aos moldes do que acontece
com santos da igreja católica. Honra e Reverência aos antepassados – Vigília ao extermínio do
Quilombo dos Palmares é um evento cultural que remete os participantes a uma imersão in loco,
vivenciando os passos históricos dos antepassados que constituíram o mocambo dos Macacos.

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Mencionaremos alguns aspectos históricos que temos estudado buscando elucidar a criação,
a perpetuação e a extinção daquele que foi o maior quilombo das Américas. Iniciamos nosso estudo
a partir da pesquisa bibliográfica acerca das etnias que aportaram no nordeste, onde encontramos
vários fatos sobre o fluxo e refluxo do escravismo negro em Alagoas.

Passamos para a pesquisa de campo a fim de mostrar como os fatos passados ainda estão
presentes em nossa sociedade e como são tratadas as questões relativas à religiosidade em nosso
estado, avaliando e trazendo para a academia aspectos que estão, ainda, submersos no universo da
militância política. A derrubada do maior quilombo das Américas, para além do patrimônio material,
contribuições para minimizar os conflitos existentes no estado que avança no genocídio negro.

Contexto da Vigília

Em forma de vigília, liderada por uma religiosa atuante no movimento negro alagoano, Mãe
Neide Oyá D’Oxum, Yalorixá Mestra do Patrimônio Vivo que, congregou representantes dos
diversos segmentos da cultura negra partilhando momentos reflexivos, oportunizando a
compreensão, acerca do extermínio daquele que foi o maior quilombo das Américas. A visibilidade
da data está diretamente ligada às questões de intolerância, racismo e demais perseguições aos
afrodescendentes, embora estudos comprovem que índios e brancos fugitivos também foram
acolhidos nos Quilombos.

Esse ano, em sua quinta edição consecutiva, a vigília reuniu mais de 200 pessoas incluindo
religiosos, estudiosos e capoeiristas, na madrugada do dia 06 de fevereiro, na Serra da Barriga, com
diversos segmentos de matriz africana. De nossa participação e inquietação, até a divulgação da
Vigília pelo Extermínio do Quilombo dos Palmares, que acontece na madrugada do dia 06 de
fevereiro, coletamos depoimentos que aqui vão transcritos ou citados pelos agentes culturais que
fizeram parte das edições, registramos por fotografia buscando captar a magia que nos impulsiona e
caminhar, refletir e transmitir.

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Localização do Quilombo dos Palmares
O principal mocambo do Quilombo dos Palmares, ou Quilombo do Macaco, ou Cerca Real
dos Macacos ou ainda Cidade Real dos Macacos, capital da República de Palmares está localizado
no cume da Serra da Barriga, junto ao conjunto de matas atlânticas próximas ao litoral do nordeste
brasileiro, na conformação da Serra da Borborema, sendo uma parte da serra no atual município de
União dos Palmares, no Estado de Alagoas.
Ocupa uma área de aproximadamente 27,92 km², distanciada da Capital do Estado de
Alagoas – Maceió, por 73Km e de Recife – Capital do Estado Pernambuco por 237 Km, o
complexo geográfico, onde se localiza o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, sede do
Mocambo dos Macacos foi palco de lutas que marcaram a resistência do povo negro escravizado no
nordeste. Trata-se de um platô com elevada altimetria territorial, chegando a 485 metros de altitude,
com lados íngremes e escarpados. Compreende paisagem natural e edificada, observando-se ainda
grande quantidade de palmeiras que segundo historiadores, deram origem ao nome “Palmares”.
Além da vegetação e dos recursos naturais predominantes à paisagem da Serra, principalmente
recursos hídricos compostos de nascentes que alimentam um açude e uma lagoa. Esta última,
denominada “Lagoa dos Negros”, é um dos lugares sagrados da Serra, onde os religiosos de matriz
africana realizam rituais.
A Serra da Barriga – parte mais alcantilada, foi acautelada no ano de 1986 pela legislação
Federal de tombamento – Decreto-Lei 25 de 1937 que organiza a proteção do patrimônio cultural
brasileiro: Natureza da obra: Conjunto Histórico – Paisagístico Nacional com inscrição no Livro do
Tombo Histórico: Processo nº 1069 – T 82, às folhas de número 91 a 92, sob a inscrição de número
501 em 31/01/1986 e Inscrição no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico:
Processo nº 1069 – T 82, às folhas de número 42, sob a inscrição de número 90 em 31/01/1986. O
bem em questão pertencente ao Governo Federal, após processo de desapropriação, com posse
repassada pela Secretaria de Patrimônio da União, em 07/04/1998 para a Fundação Cultural

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Palmares, através de Certidão nº 047/98, com o objetivo de gerir ações para a sua manutenção e
preservação.
A partir de então, foi elaborado um projeto de parceria entre o IPHAN e a Fundação Cultural
Palmares para a materialização de um espaço que possibilitasse um maior processo de
pertencimento da sociedade alagoana, promovendo a valorização histórica e simbólica da Serra da
Barriga. A Serra é composta por casas simples, ocupadas por moradores remanescentes do período
anterior à desapropriação da área pela União, quando as terras pertenciam a particulares, além das
estruturas cenográficas do “Parque Memorial Quilombo dos Palmares - PMQP”, inaugurado em
2007 com o intuito de promover os valores históricos e simbólicos do lugar.
As edificações do PMQP buscaram, com liberdade poética contemporânea, através de
relatos históricos ou referenciados por arquiteturas africanas, reproduzir uma tipologia construtiva
que poderia por equipamentos expográficos representar aspectos construtivos do “Quilombo dos
Palmares”, com paredes de taipa, cobertura em palha e piso de terra batida, além da implantação de
ocas indígenas, reforçando os referenciais multiculturais de Palmares, como a ancestralidade de
ocupação territorial pelos povos indígenas.

Os Quilombos - Aspectos da constituição


A palavra Quilombo é derivada do tronco linguístico africano banto, significando
esconderijo, aldeia. No Brasil, local onde os africanos escravizados e os indígenas que aqui
habitavam e que, durante mais de quatrocentos anos, ficaram subjugados ao domínio colonial, estes
escravizados por instinto de sobrevivência derivaram estratégias de resistência em negação às
condições que viviam. Buscavam, então, locais que possibilitassem uma possibilidade, mesmo que
única, de libertação das condições sub humanas nas quais eram obrigados a viver, sendo então
conhecidos como quilombolas.
Segundo PRATT (1992), a escravidão moderna na América Latina tem conexões em toda a
região e, os escravos, mesmo sob olhar repressor dos senhores de escravos estabelecem laços e
redes de comunicações até mesmo para a outra margem do Atlântico, espalhando-se em diferentes

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zonas de contato do continente latino-americano. Sendo uma das formas mais radicais de resistência
à escravidão, a formação dos quilombos tornou-se uma alternativa coletiva de insurgência no
continente latino americano.
Um dos aspectos formadores das comunidades quilombolas é a origem diversa dos escravos,
oriundos de várias regiões do continente africano, com usos e costumes diferenciados, além da
língua especifica, todos tinham o mesmo objetivo, o de livrar-se dos maus tratos a que eram
submetidos. Mas considerando as condições em que se encontraram, conseguiram sobrepor os
obstáculos linguísticos e, até mesmo culturais, em prol da formação de uma sociedade de resistência.
Essa diáspora possibilitou à população africana escravizada e trazida à força ao continente latino
americano, uma interação desses homens e mulheres oriundos de diferentes lugares do continente
africano. Mesmo aqueles que, em sua terra mãe eram inimigos, foram submetidos ao mesmo
processo de exploração, e estes em função da tensão social que viviam, mesmo com religião,
origens e costumes diferentes estiveram unidos a partir de então na formação desses núcleos sociais
organizados.
Nos quilombos, a base de construção era formada por escravos fugidos tanto da zona rural, a
exemplo da congolesa Aqualtune que fugiu da região de Porto Calvo em Alagoas, quanto da zona
urbana e constituíram formações sociais complexas, como em teias que acabaram se
interseccionando. O sistema organizacional dos quilombos estava fundamentado na hierarquia e
exercitava dentro da mesma relações externas, até com a mesma sociedade escravista da qual os
escravos haviam fugido. De acordo com Clóvis Moura, mesmo tendo suprimido parcialmente as
diferenças étnicas ante à antinomia do senhorio de escravos, as identidades étnicas formaram a base
da hierarquia e as relações de força dentro dos quilombos. (MOURA, 2014).
Palmares enquanto república, mantinha nos séculos XVI e XVII, suas fronteiras em relações
diretas com os núcleos urbanos, possibilitando o comércio, através do qual escoava sua produção
agrícola, artefatos de uso cotidiano e vários conhecimentos em técnicas agrícolas, olarias, manejos
das ervas medicinais. As relações eram mantidas entre escravos, sesmeiros e até mesmo com as
autoridades coloniais.

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Eram núcleos que acabavam formando um estado paralelo, pois a República Palmarina
compreendia terras entre o sul, norte e interiores da Capitania de Pernambuco como Itamaracá,
Igaraçú, Olinda, Porto Calvo, Santa Maria Madalena do Sul (atual Marechal Deodoro), Penedo,
Laranjeiras e São Cristóvão em Sergipe. Estes quilombos obtiveram destaque e mesmo com as
invasão holandesa em 1630, a população palmarina transformou-se em, “um verdadeiro estado
negro no Brasil” em pleno século XVII (LARA, 2010). A República de Palmares cresceu de tal
modo, que se tornou um centro de desejo para todos os negros e negras que não se submetiam à
escravidão, tornando-se importante referencial de liberdade e autonomia para os africanos
escravizados, em contraponto crescia o incômodo para a administração colonial.
A Cerca Real dos Macacos foi reduto para negros e negras formarem os quilombos, sendo
Palmares o de maior simbolismo para a luta dos oprimidos, a maior parte deles vindos de Angola e
do Congo, que obtinham larga experiência em batalhas e, trouxeram seus costumes e organização
que possibilitou aos fugitivos resistirem por mais de 64 anos. Os negros fugitivos tinham
organização econômica, dominavam a agricultura, o gado e tinham domínio da metalurgia.
As lideranças palmarinas constituíam-se em larga escala e cada negro fugido das fazendas, a
exemplo de Aqualtune, princesa congolesa que, em 1665 liderou mais de 10 mil homens na Batalha
de Mbwila, na qual saiu derrotada e tece seu pai morto e decapitado, sendo presa e vendida como
escreva para Gana e, na sequencia enviada para Recife como escrava reprodutora. Foi torturada e,
rebelou-se, aproximadamente em meados de 1666 destruiu a casa grande e fugiu para Palmares.
Os registros contam que, mais de 200 homens e mulheres foram para Palmares sob o
comando de Aqualtune, instalando-se na área hoje compreendida como Porto Calvo, a princesa
congolesa constituiu o Quilombo Aqualtune, no complexo da Cerca Real dos Macacos, ainda
existiam os Quilombos de Amaro, Quilombo de Dambaranga e de Tabocas.

Das lutas e queda do Quilombo


A República dos Palmares teve ao longo de sua existência algumas lideranças mas, a mais
longa e emblemática foi a de Zumbi dos Palmares que sucedeu Ganga Zumba, que por motivos de

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interesse político queria aceitar as condições impostas pela colônia e foi derrubado por todos os que
não queriam ceder aos desmandos da coroa portuguesa. Desgastados com as diversas investidas em
forma de entradas que, estavam diretamente ligadas à economia, pois como já foi dito anteriormente,
as terras ocupadas pela República dos Palmares era a mais rica e produtiva da capitania.
Como relata Edison Carneiro, o motivo das entradas parece estar mais na conquista de novas
terras do que mesmo na recaptura de escravos e na redução dos quilombos.
Era voz corrente que as terras dos Palmares eram as melhores de toda a capitania
de Pernambuco – e a guerra de palavras pela sua posse só não foi menor, nem mais
suave do que a guerra contra o Zumbi. O quilombo do rio das Mortes ficava
exatamente no caminho dos abastecimentos para as lavras de Minas Gerais, o que
pode dar uma ideia do valor das suas terras e da riqueza econômica que
representavam, e é nessa circunstância que se encontra a razão da crueldade de
Bartolomeu Bueno do Prado, que de volta a Vila Rica trouxe 3900 pares de orelhas
de quilombolas.” (CARNEIRO, 1947)

A população total chegou a 30.000 pessoas, agrupadas em povoados, em torno de cada um


deles existia uma área de agricultura e pecuária onde todos trabalhavam com suor e amor mas,
muitas lutas foram travadas para a manutenção dessa República Palmarina. A primeira investida
feita pelos holandeses ocorreu em 1644, comandada por Rodolfo Baro, mas a chamada “Expedição
Baro” foi logo percebida por sentinelas palmarinos que, soaram o alarme e bloquearam a passagem
dos holandeses com árvores cortadas, atirando flechas em direção à expedição que partiu em
retirada ante à iminente derrota. A segunda ocorreu em 1645, novamente comandada por um
holandês, João Blaer, ficou conhecida como a “Guerra do Mato”, pois a tática utilizada pelos
palmarinos foi a de recuar quando eles atacavam e quando os holandeses paravam para descansar,
os palmarinos atacavam com saques relâmpagos. Esta tática de guerrilha durou aproximadamente
três meses e, apesar de ter apenas um pequeno grupo destruído, os holandeses estavam muito
desgastados e Blaer resolveu desistir.

Mais tarde, em 1667 foi organizada uma grande expedição para exterminar Palmares, sob o
comando de Zenóbio Accioly de Vasconcelos, financiada pelo governo de Pernambuco que

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começava a sentir os reflexos da crise açucareira em decorrência das trocas comerciais entre
Palmares e as vilas em seus arredores. A República teve sua primeira derrota, com a destruição do
Mocambo de Aqualtune, a princesa congolesa foi dada como morta mas, reapareceu em Palmares.
A liderança do quilombo, Ganga Zumba foi até Recife para tentar um acordo com o então
governador Aires de Sousa e Castro, a proposta do governo foi a de que os negros teriam direito a
uma área para viver livremente e continuariam a plantar e comercializar com os brancos mas,
deveriam desfazer-se de todo o equipamento militar que possuíam. Mas esse acordo não agradava a
maioria dos negros. Enquanto isso, Zumbi dos Palmares investia em libertar mais negros escravos e
foi aclamado o novo líder da República.

Em 1692 os pernambucanos contrataram o paulista Domingos Jorge Velho, que tinha um


histórico de massacre e submissão de grupos étnicos inferiorizados pelo colonialismo, suas tropas
eram compostas majoritariamente por indígenas. Ele fazia o “sertanismo de contrato”, juntava seus
capangas para lutar pela causa de outros sob preço determinado previamente. Com cerca de 800
indios e 200 brancos, dentre estes moradores alagoanos, Domingos Jorge Velho investiu contra o
quilombo em dezembro do mesmo ano mas, não obteve sucesso.

Com o reforço recebido em janeiro de 1694, Jorge Velho e seus homens avançaram contra
Palmares, 22 dias consecutivos os palmarinos lutaram até o dia 06 de fevereiro, quando o forte
armamento das tropas matou mais de 400 homens e aprisionou muitos, selando a derrubada do
Mocambo do Macaco, dizimando o Quilombo dos Palmares. No dia 06 de fevereiro de 1694 podia
ser avistado de longe o céu avermelhado do fogo que queimava o Mocambo do Macaco, enquanto o
sangue escorria pela terra, como forma de simbolizar, por porte do governo a extinção da
confederação dos rebelados. Mas eles não foram extintos apesar de muitos terem morrido e sido
capturados de forma violenta, a resistência estava dissolvida mas não extinta pois, o líder Zumbi e
outros negros conseguiram fugir pela região das serras. Zumbi, o último líder de Palmares,
sobreviveu à queda de Macaco, mas foi emboscado e assassinado em 20 de novembro de 1695.

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Honra e Reverência – A Vigília

Em artigo publicado há alguns anos, os antropólogos Carlos Alberto Steil e Sandra de Sá


Carneiro,” Peregrinação, turismo e nova era: caminhos de Santiago de Compostela no Brasil”,
apresentam um retrato interessante sobre a multiplicação das peregrinações no Brasil. Estes
caminhos percorridos são treinamentos para posterior realização fora do Brasil. São rotas
recentemente inventadas, ressignificadas e motivados pelas narrativas da Nova Era sob o suporte
dos mercado turísticos como a instalação de polos de atração que atraem visitantes, e também com
o suporte do Estado através de ações que promovem infraestrutura e logística das áreas.

Todavia, para além das experiências citadas, existem viajantes turistas e peregrinos que
podem investir em caminhos que não são necessariamente os caminhos religiosos ou turísticos,
embora, estes aspectos possam se embaralhar entre os demais. E, de certo modo, há, ainda, um
outro elemento motivador que é o aspecto político-militante como fazem os muçulmanos em suas
idas à Meca, ou os judeus e cristãos (católicos e evangélicos) à Jerusalém. E mais interessante é
que este aspecto político-militante pode caminhar junto com tradições identitárias e se constituir em
práticas de dádiva ao divino e de formas de entrega e retribuições.

Sabe-se, contudo, que, os indivíduos que se submetem a esses deslocamentos voluntários


atravessam experiências novas a partir das paisagens, da mobilidade, do local e das associações ao
supralocal que são realizadas durante o percorrer da caminhada. Mas, sobretudo, rompem suas
rotinas para emergirem em atividades laborais que os fazem viver contextos e ambientes
comunicativos diversos daqueles a que ordinariamente estão submetidos. Assim, estes “peregrinos
contemporâneos”, independentes de elos a credos ou padrões de religiosidade, fazem com que sua
caminhada sirva como instrumento de reconhecimento do percurso e do fluxo do caminhar.

Captamos que os significados motivadores e, que atribuem relevância ao peregrinar sejam


múltiplos e estes se entrelaçam, e se interpenetram de acordo com o passar do tempo e com o grau
de amadurecimento da própria experiência. Deriva, então, que as buscas de caminhos pelos quais se

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pode viajar ou peregrinar também se apresenta como não somente estabelecidas por decisões
voluntárias mas também por efemérides, grandes datas celebratórias que instalam objetivos
sacrificiais, como formas de experimentar tais caminhos ressignificando memórias e delas extraindo
vibrações e energias inspiradoras para a vida presente.

A peregrinação que acompanhamos, é uma celebração marcada pela subida ao platô da Serra
da Barrica, localidade histórica do extinto quartel general da República de Palmares, se encaixa
perfeitamente neste conjunto de vinhetas, sendo ela própria uma alusão sintética àquelas atividades
mentais e corporais imanentes em uma peregrinação.
Especificamente, esta peregrinação em honra e reverência aos guerreiros Quilombolas, que é
fruto de iniciativa local, mas precisamente de decisões de Mãe Neide, que, em persistência e
resistência à pressões, há anos luta pela importância deste evento. Potencializando como ela mesma
diz “a necessidade de lembrarmos da resistência ancestral, a derrota quilombola tem que estar na
memória de todos e precisamos observar o dia de luto anualmente para ter forças para lutar
diariamente”.
E é no fluxo da subida da Serra, marcada por um roteiro repleto de paradas e celebrações,
articuladas em vários pontos diferentes, que remetem às marcantes situações no território Palmarino
e, a específicas vivências naquela comunidade, é neste caminhar que se reitera a experiência pessoal
naquela celebração coletiva. Articulada à movimentação, a ação e a percepção do ambiente, aquele
que faz parte da subida, o peregrino, se vê diante da lembrança da resistência e do luto da derrota
genocida de Palmares. A percepção dos participantes que entrevistamos conduz a emoção e à
elevação da força individual e responsabilidade coletiva.
Embora não possua um santuário, relíquias ou um santo a se reverenciar, esta subida ao topo
da Serra da Barriga é uma travessia no tempo histórico, travessia pelos marcos de um saber etéreo e
imaterial que lá fora instalado como algo sagrado que é o próprio dia 6 de Fevereiro, no qual se
celebra o dia do massacre.

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Neste contexto, entendemos que, cada vez mais a perspectiva da transmissão e da
aprendizagem de uma determinada experiência nos salta como crucial, há, por isso mesmo, que se
destacar um viés de pedagogia política nas experiências da peregrinação palmarina. Este aspecto
requer a importante valorização da condição de se produzir a presença humana, bem como, a
aquisição de noções especificamente concernentes com o crescente estado de consciência da busca
de uma maior humanidade e espiritualidade por intermédio da caminhada que a peregrinação exige.
Adicionalmente, constatamos a permanência de outras experiências que transformam a
caminhada e o peregrinar em ato iniciático com a consolidação, no mundo pessoal e interior do
peregrino, daquela sombra de experiência apresentada como disponível pela vivência corporal
daquele espaço que se traduz no trauma vivido pelos ancestral e perpetuado pela comunidade. Há,
ainda, a consolidação da resistência da ancestralidade e sua consequente inspiração para a
atualidade onde negros e negras são massacrados no estado que tem um dos piores índices de
mortalidade da população negra no país. Ratificados por uma necropolítica, onde alagoanos e
alagoanas lutam cotidianamente contra os diversos tipos de racismo, o que se espera é um modus
vivendi que permita a inclusão no dia-a-dia da reflexão sobre a dor, o sofrimento e humilhação
daqueles que são reverenciados, tomando-os como exemplo de garra e enfrentamento.
Evidenciamos neste caminhar um exercício corporal e até mesmo sacrificial no qual os
significados dos mesmos são entendidos como lugar explicativo, campo semântico nos quais os
corpos em movimento realizam a sensação e a reflexão que se transformam em experiências. Sem
que a possibilidade de explicação da experiência, no sentido causa e efeito, ou, dito de outra
maneira, a perspectiva da corporeidade instala um ponto de vista que reforça a experiência corporal
como a base existencial da cultura e do ‘EU’ da pessoa que com aquela pratica se constituindo
(CSORDAS, 1994).

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Foto 01:Capoeiristas no espaço Navizala, ponto de parada para reverências - 2020

Fotos 2 e 3: Religiosos e outros peregrinos na subida da Serra - 2019

A Serra da Barriga na contemporaneidade


O berço da liberdade brasileira, a Serra da Barriga, foi declarada Patrimônio Cultural do
MERCOSUL no dia 11 de outubro de 2017, dentro da temática de identificação cultural
dos Cumbes, Quilombos y Palenques, juntamente com a Cimarronaje Cultural: el Patrimonio

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Cultural Inmaterial del Pueblo Afrodescendiente en el Ecuador”, como proposta de integração da
contribuição dos povos de origem africana na construção cultural da América do Sul. A aprovação
ocorreu após a XIV Reunión de la Comisión de Patrimonio Cultural / CPC / MERCOSUL Cultural,
na presidência pro tempore Argentina, após candidatura apresentada pelo Iphan.
O título, além de contribuir para o reconhecimento dos indivíduos e suas comunidades de
matrizes africanas no continente americano, e nos países da região, representa também uma
reparação às perseguições e à intolerância praticadas e reveladas através dos quilombos. Estes
refúgios de negros foragidos e perseguidos por séculos e que hoje, como não poderia deixar de ser,
são reconhecidos como testemunhos da resistência e dos processos de ressignificação das
referências culturais dos afrodescendentes na construção das identidades da América, em especial
aos países do MERCOSUL. (IPHAN, 2017). Entre os benefícios estão a valorização, promoção e
fomento do local, além da garantia do uso de recurso do fundo do Mercosul para ações do bem. "A
Serra da Barriga é um símbolo da luta pela liberdade e resistência negra.
E foi o que vivenciamos ao subir a Serra no dia 6 de fevereiro, foi redescobrir a cadeia de
componentes da experiência de valorização desta celebração e os elos de uma experiência de
unidade ancestral que nos permite este atravessamento de sentidos e encontros como experiência
que adquire, efetivamente, uma vida própria.
Com a vigília palmarina, começa uma viagem ainda inédita na história da peregrinações que
ocorrem no Brasil e vivenciá-la, é ajudar na luta contra a dissimulação a radicalidade colonial
portuguesa, até à espera efetiva de uma desconstrução. Pois, mostra a sua destruição se confrontada
em perspectiva comparada com as demais experiências de resistências africanas no continente sul
americano verificando-se como outros governos coloniais trataram aquelas resistências, o que nos
diz do grau de intolerância dos governos de ultramar.

Sessão temática: Corpos Negros: experiências sociais de escravizados/as e libertos/as, africanos/as e


crioulos/as na escravidão e na pós emancipação no Brasil
Foto 4: Vista aérea da Serra da Barriga

Considerações
O dia 06 de fevereiro não é só a data da derrubada do Quilombo, para a Yalorixá Mãe Neide
Oyá D’Oxum, o dia representa a resistência de anos dos irmãos e irmãs que sofreram e, ainda assim
resistiram, criaram uma república, constituíram uma economia sustentável e atravessaram muitas
dificuldades. O sentimento da religiosa está emanado nos demais presentes, com os quais tivemos
oportunidade de partilhar momentos ímpares, honra e reverência - luta e resistência – sentimentos e
ações históricas e cotidianas.

Sessão temática: Corpos Negros: experiências sociais de escravizados/as e libertos/as, africanos/as e


crioulos/as na escravidão e na pós emancipação no Brasil
Acreditamos, desde a nossa participação em 2017 que, a representação da vigília está
enraizada na contemporaneidade exemplificando aos negros e negras que, apesar das dificuldades,
lutar é necessário e possível. A nossa ancestralidade que veio escravizada conseguiu lutar anos a fio,
até a morte, lembrando que segundo relatos, muitos se atiraram do alto da Serra da Barriga para não
se render aos colonizadores. Os descendentes, nós que reclamamos e abaixamos nossas cabeças
ante às mazelas sociais que nos assolam, podemos e devemos nos aquilombar, ocupando espaços
públicos e privados, mostrando a força que corre em nossas veias.

O lugar de onde escrevemos este trabalho está situado em relações complexas, de jogos de
poderes em que ainda perpetuam velhas práticas políticas, de ideologias de dominação e segregação,
de escolhas baseadas nos padrões patriarcais e de elites brancas, que promovem “um resgate” da
cultura afro-alagoana, “resgate” das manifestações da cultura afro-brasileira, situando muita das
vezes, esses “resgates” nos interesses políticos.

Consideramos que além da preservação da Serra da Barriga, como bem material, os saberes
e fazeres que a compõem, os bens imateriais, vêm ganhando uma dimensão de respeitabilidade às
custas da movimentação e articulação da sociedade.

Precisamos elevar a nossa cultura, mesmo com momentos que não são festivos, como esse
que fizemos parte, pois a complexidade da nossa existência está em mantermos acesa a chama do
conhecimento sem, perder a raiz que nos mantem de pé e na eterna observância e militância.

Referências

ASSIS, Virgínia Maria Almôedo de. Palavra de Rei: Autonomia e Subordinação da Capitania
Hereditária de Pernambuco. Tese de Doutorado em História (Universidade Federal de
Pernambuco), 2001.

CARNEIRO, Edison, O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1947.

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crioulos/as na escravidão e na pós emancipação no Brasil
CARNEIRO, Sandra de Sá. (2004), "Novas peregrinações brasileiras e suas interfaces com o
turismo". Ciencias Sociales y Religión, (1):71-100.
__________________. (2007), A Pé e com Fé: brasileiros no Caminho de Santiago. São Paulo:
Attar.
CSORDAS, Thomas. (1994), "Introduction: the body as representation and being-in-the-world". In:
T. Csordas (ed.). Embodiment and Experience: the existential ground of culture and
self. Cambridge: Cambridge University Press.
_________________. (1996), "Religion in Postmodern condition". In: Language, Charisma and
Creativity. Berkeley/Los Angeles: University of California Press.

LARA, Silvia Hunold, “Com fé, lei e rei: um sobado africano em Pernambuco no século XVII”, in:
GOMES, Flávio (org.). Mocambos de Palmares: histórias e fontes (séc. XVI – XIX). Rio de
Janeiro.

MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014.

IPHAN. Serra da barriga, Parte mais Alcantilada – Quilombo dos Palmares. Dossiê patrimônio
Cultural do MERCOSUL. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/bibliografiaPatrimonio >.
Acesso em 14.08.2019.

SODRÉ, M. Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

Fotos: 1, 2 e 3 do acervo de SILVA, Igor Luiz Rodrigues da, foto 4 acervo Fundação Cultural
Palmares.

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