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GUIA DE CONVIVÊNCIA ENTRE
APICULTORES E TATUS-CANASTRA NO
CERRADO DO MATO GROSSO DO SUL
quem é o
Quando precisa se alimentar, sai da
toca tarde da noite, confiando em seu
olfato apurado para se orientar no escu-
tatu-canastra?
ro e encontrar cupins e formigas. Anda
desajeitado, nas pontas das unhas,
como se estivesse de salto alto, mas
pode percorrer cerca de 6 quilômetros
O maior entre os tatus existentes no com a mãe por mais de dois anos. Isso por noite, em busca de comida.
mundo, o canastra pesa até 50 quilos torna muito baixa a taxa de reprodu- Para romper a terra endurecida
e mede 1,60 metro, do focinho até a ção da espécie: contando a gestação e dos cupinzeiros, usa sua poderosa
ponta da cauda. Seu dorso, cauda, ca- o período de cuidados, a estimativa é garra dianteira, de até 20 cm de
beça e pernas são recobertos por uma de um filhote a cada 3 anos para cada comprimento. As patas diantei-
carapaça resistente, semelhante a uma fêmea. E elas só chegam à maturidade ras também são adaptadas para
armadura, mas na barriga ele tem uma sexual em torno dos 7 anos de idade. cavar, o que esse tatu faz com
pele rosada e desprotegida. Apesar de seu tamanho, o tatu- muita rapidez.
É chamado de tatu-gigante, tatu-car- -canastra é quase desconhecido nas Pelo fato de trocar de toca
reta ou tatuaçu, devido ao seu tamanho. regiões onde ocorre, sejam matas, com bastante frequência, o
O nome científico – Priodontes maximus cerrados ou campos abertos, desde a canastra é muito importante
– também faz referência ao seu porte. Venezuela até o norte da Argentina, para diversas outras espécies
O tempo de vida de um tatu-ca- incluindo boa parte do Brasil Central. de mamíferos, aves, répteis e
nastra pode chegar a 20 anos. Após Muito tímido e desconfiado, com mesmo invertebrados. Entre os
uma gestação de 5 meses, a fêmea tem visão e audição precárias, ele não cir- “visitantes” figuram animais gran-
apenas um filhote. Ele permanecerá cula por ambientes abertos durante o des, como antas e queixadas, que se
refrescam na terra jogada ao redor da
toca. Já os “inquilinos” incluem de ta-
manduás-mirins e jaguatiricas a aves,
lagartos e insetos. Mais de 50 espécies
diferentes de vertebrados usam as to-
cas abandonadas do tatu-canastra para
se abrigar, para se proteger do excesso como o Cerrado do Mato Grosso do
de frio ou calor, para buscar alimento Sul – precisam recorrer a outras fon-
(incluindo raízes e sementes expostas) e tes de alimento, por falta de cupinzei-
para caçar (presas refugiadas nas tocas). ros suficientes. Então surgem os con-
Em ambientes mais preservados, flitos com os apicultores. O canastra
como o Pantanal, os tatus-canastra vi- aprende a procurar larvas de abelhas
vem sem incomodar ninguém, cum- e passa a frequentar apiários. E os
prindo seu papel de construtores de apicultores, já limitados em sua ativi-
tocas e controladores de cupins. Mas dade por dispor de poucas áreas com
em ambientes muito fragmentados plantas melíferas, ainda precisam li-
por estradas, lavouras e pastagens – dar com o novo desafio.
É INÚTIL CAPTURAR E LEVAR
O TATU-CANASTRA PARA LONGE
DAS COLMEIAS
A área de vida de um tatu-canastra adulto
tem cerca de 25 km2 no Pantanal, onde o
ideias e
ambiente natural está mais preservado. No
Cerrado fragmentado, cada tatu precisa de
uma área ainda maior para sobreviver. Isso
tentativas sem
significa que, ao ser solto, o mesmo tatu-ca-
nastra tende a voltar às colmeias em busca
de mais larvas de abelhas ou outro tatu-ca-
efeito
Com a intenção de reduzir os prejuízos com a nastra pode se instalar naquele território
perda de caixas e larvas de abelhas, atacadas pelo temporariamente disponível, com mesmo
tatu-canastra, alguns apicultores experimentaram risco para as colmeias.
soluções por conta própria. Veja o que NÃO vale a pena fazer para
evitar o conflito entre apicultores e tatus-canastra:
NÃO DÁ CERTO USAR ESPANTALHOS
E OBJETOS BARULHENTOS
O tatu-canastra enxerga mal e tem uma audi-
ção ruim. Seu sentido mais desenvolvido é o
faro. Ele pode até notar a presença de espan-
talhos, CDs brilhantes pendurados e panos sol-
tos, logo quando são instalados. Pode ainda se
assustar com fogos de artifício, nas primeiras
vezes em que forem utilizados. Mas tende a
ignorar tudo isso depois de um tempo. O cheiro
das larvas de abelhas (e a fome) é o que real-
mente o atrai para perto das colmeias.
IRARA (Eira barbara) TAMANDUÁ-BANDEIRA xas em apiários. Pode acontecer de algum deles
É um carnívoro de corpo alongado, garras fortes (Myrmecophaga tridactyla) passar junto a colmeias já derrubadas e aprovei-
e cauda espessa, aparentado com a ariranha. É o maior dos tamanduás, com 1 a 1,20 metro tar a oportunidade de comer mel e larvas, depois
Sobe em árvores e circula por matas, cerrados de comprimento, somando a cabeça e o corpo, de as abelhas se dispersarem.
e campos abertos. Tem cerca de 60 a 70 cm de mais 60 a 90 cm de cauda, coberta com pelos Não necessita de medidas específicas para
comprimento, mais uns 40 cm de cauda. A cor fartos e longos. A visão e a audição são ruins, deixar de ter acesso às colmeias. Se o tatu-ca-
do pelo pode variar, mas tende a ser marrom- mas o olfato é bem desenvolvido. Tem as patas nastra não alcançar nem derrubar as caixas, os
-escuro com a cabeça ligeiramente mais clara. dianteiras fortes, com garras poderosas e as tamanduás não terão o que comer no apiário.
Costuma caçar pequenos mamíferos, como usa para se defender de predadores, pois não
ratos silvestres, mas também se alimenta de tem dentes. As garras são adaptadas para abrir
frutas, invertebrados e répteis. E gosta muito de cupinzeiros, formigueiros e troncos apodrecidos,
mel, tanto que seu nome comum, emprestado em busca de seu alimento principal: cupins, for-
do tupi-guarani, quer dizer “comedor de mel”. migas e larvas.
Se encontrar colmeias desprotegidas, conse- Vive em cerrados e campos, circulando também
gue subir nos cavaletes mais baixos e abrir por lavouras e pastagens. Pode ser visto tanto
buracos com as garras, mas não tem força de dia como de noite. Geralmente é solitário,
para destruir as caixas. Pode farejar o mel com exceção da fêmea com filhote (carregado
espalhado pelo tatu-canastra e aproveitar os no dorso da mãe).
favos derrubados por ele. Dentre as medidas Não tem força para derrubar colmeias e parece
para impedir o acesso dos tatus-canastra às ser sensível às picadas de abelhas, portanto
colmeias, as cercas de alambrado e elétrica não se aproxima muito delas. Não há nenhum
também funcionam para as iraras. registro de tamanduás-bandeira destruindo cai-
MUTUM-DE-PENACHO (Crax fasciolata)
Ave grande, diurna, assemelhada a galos
e galinhas, exceto pela cauda de penas
retas. Alcança mais de 80 cm de altura
e pesa pouco menos de 3 kg. Ocorre no
Pantanal e nos cerrados do Brasil, Para-
guai e Bolívia, além do norte da Argentina.
O macho e a fêmea têm plumagens bem
diferentes. O macho tem dorso preto, com
ventre branco e bico amarelo. A fêmea é
preta com listras brancas no dorso, tem
ventre marrom claro e bico preto. Ambos
ostentam penas enroladas no alto da ca-
beça, mas as do macho são pretas e as da
fêmea são brancas e pretas.
Anda aos casais ou em pequenos grupos
familiares. Prefere beiras de matas, sem
se aventurar muito por campos abertos.
TATU-PEBA
(Euphractus sexcinctus)
Também chamado de tatu-peludo ou pa-
pa-defunto. É muito comum e fácil de ver.
Vive em busca de alimento. Tem o corpo
achatado, com pelos esparsos, e a cabe-
ça triangular. Pesa de 4 a 6,5 kg e mede
70 cm. Consome desde frutos a pequenos
animais vertebrados, invertebrados e até
matéria orgânica em decomposição.
turas junto à natureza, sejam estas no métodos aprovados pelo INPI. Para o
Pantanal ou no Cerrado. apicultor, a certificação pode viabilizar
Os apicultores podem se beneficiar um aumento no preço do produto, che-
melhor do selo, se incluírem referências, gando a dobrar o valor do quilo de mel.
fotos e explicações sobre o Canastras e Embora esta certificação hoje se restrin-
Colmeias em folhetos ou informativos, ja ao Pantanal, os apicultores do Cerra-
em seus sites, nos sites de associações e do de Mato Grosso do Sul também estão
a convivência
cooperativas ou em comunicações via aptos a obter uma certificação para suas
Redes Sociais. Podem ser vídeos ou fo- áreas. E a atribuição do selo Canastras e
o selo canastra tos, mostrando as adaptações feitas no Colmeias pode facilitar o processo.
não apague o
nesta condição. A pro- benefícios para a fauna das vizinhan-
cura por larvas de abelhas ças, decorrente do hábito de mudar
nos apiários é um recurso constantemente de casa. Em média,
tatu-canastra!!
extremo para o canastra, sina- um tatu-canastra cava uma toca a
lizando o quanto seu hábitat está cada três noites, abandonando a “ve-
fragmentado ou degradado, a pon- lha” morada por uma nova. Desta
to de não oferecer comida suficiente. forma, ele altera o ambiente natural
Ali, esse comportamento do tatu-ca- e viabiliza novos espaços para outras
nastra indica baixa qualidade das áre- espécies.
No alfabeto iniciado por as de vegetação nativa e aponta para a Ao analisar mais de 55 mil ima-
necessidade de restauração. Nos dois gens de armadilhas fotográficas colo-
A de abelha, B de bola casos, ele é um “bioindicador” confi- cadas em frente às
e C de casa não pode ável, orientando as necessárias inter- tocas de tatus-
faltar o T de tatu!
A - Abelha
úteis em nossas vidas. Logo nos primeiros quanto dormimos (por isso é nosso
ensaios da leitura e escrita lá estão a abe- amigo “quase secreto”). Muitos turistas
lha e o tatu, cada um com seus afazeres. observadores de fauna adorariam ver
B-
Apesar do risco dos ferrões, ninguém um animal tão raro em seu ambien-
duvida da serventia das abelhas, agen- te natural. Vindos do mundo inteiro,
tes de polinização, fabricantes de cera e esses visitantes se mostram dispostos
C-
fornecedoras de mel. Mas, no caso dos a acordar de madrugada e ficar horas
tatus, às vezes falta conhecimento para esperando a chance de fotografar uma
enxergar alguma coisa positiva, como o coruja, por exemplo. E dariam tudo
fato de todos eles controlarem com efi- para registrar uma espécie considerada
ciência os cupins e as formigas. “fóssil-vivo”. O sucesso nas redes sociais
Existem muitas razões para tra- e entre seus pares seria garantido!
balhar em favor da conservação de E por ser o tatu-canastra tão raro,
todos os tatus e motivos redobrados há quem diga que avistar um deles na
para proteger o raro tatu-canastra, um natureza é ter sorte por um ano!
amigo “quase secreto” dos homens, Na maior parte de sua área de ocor-
verdadeiro fóssil vivo, bioindicador rência, o canastra se alimenta apenas
da qualidade de áreas de vegetação dos dois insetos problemáticos para
nativa e engenheiro dos ecossistemas. o homem: o cupim e a formiga. As-
Devido ao hábito de sair da toca bem sim, sua presença numa determinada
tarde da noite, o canastra geralmente área, sem conflitos, indica a existência
-canastra, pesquisadores contaram dessas carapaças estão preservadas calidade da Bahia é chamada de Tatu- cais de cordas, chamados de charango
mais de 70 outras espécies de verte- por paleontólogos e arqueólogos, açu = tatu grande. Outra localidade, ou (em quechua) kirkincho, cuja tra-
brados (mamíferos, aves e répteis, so- em exibição em museus, em diversas do Pará, é conhecida como Tatuoca = dução é tatu. Hoje, tais instrumentos
bretudo) utilizando os buracos. Para províncias da Argentina. toca ou casa do tatu. E não podemos são feitos em madeira. No Pará, os xi-
os “inquilinos”, as tocas abandonadas A palavra tupi-guarani tatu, por esquecer o tatu-bola Fuleco, eleito crin fabricavam flautas de boas-vindas
são refúgio térmico (contra frio ou sinal, faz referência à carapaça: ta = mascote da Copa do Mundo, realiza- com o rabo do tatu e as usavam para
calor), abrigo contra predadores e casca ou couraça e tu = denso, encor- da no Brasil em 2014. anunciar sua chegada a aldeias amigas,
recurso de alimentação (favorecem a pado. Tatu, portanto, quer dizer cara- Os tatus frequentam muitas músi- sendo recebidos por sons semelhantes.
predação de vertebrados e invertebra- paça grossa. cas infantis, novas e antigas. Estão nas Tatu é o nome de uma dança no Rio
dos refugiados nas tocas ou mesmo a Os tatus estão em nomes de locali- histórias da tradição oral e na literatu- Grande do Sul, cantada e sapateada.
coleta de sementes, raízes e frutos). dades, cursos d’água e acidentes geo- ra escrita e televisada. E deram origem Os homens portam esporas, para fazer
Para os turistas, as mesmas tocas são gráficos, por todo o Brasil. Existe um a vários trava-línguas, que vem a ser barulho enquanto sapateiam vigorosa-
um bônus, viabilizando o encontro rio no Maranhão chamado Tatuaba = jogos verbais com sílabas parecidas, mente. As damas têm passos delicados.
com outros animais, além - quem lugar dos tatus. Uma cidade paulista é ditas rapidamente de forma a dificul- Também no Mato Grosso há uma dan-
sabe? - do próprio construtor. conhecida como Tatuí = rio do tatu. tar a pronúncia. Um dos mais conhe- ça chamada tatu, descrita no livro Can-
Como os demais tatus, o canastra Um bairro da cidade de São Paulo é cidos é Tatu Taí: “O tatu taí? Não, mas cioneiro de Trovas do Brasil Central, de
é exclusivo do continente america- Tatuapé = caminho do tatu. Uma lo- a mulher do tatu tá e a mulher do tatu Antônio Americano do Brasil (1973).
no e está presente em nossa cultura tando é a mesma coisa que o tatu tá”. Mesmo com tantas referências e
e hábitos. Há relatos do uso de ca- Mas existem outros mais complicados relevância, nem o maior dos tatus, o
rapaças de tatu-canastra servindo como: “Tal tatu tá tendo trictraque, “amigo quase secreto”, “bioindicador”
de berço para crianças. Ou sacos de troca o treio da tramoia, da traquina e “engenheiro dos ecossistemas” con-
arroz e feijão. E, vale lembrar, dá-se da jiboia e a jiboia que não boia sem- segue se defender sozinho de ameaças
o nome de canastra a cestos qua- pre zoia tal tatu com seu tabaco, tal ao seu ambiente ou à sua vida, como
drados feitos de ripas de madeira qual paca de soslaio”. a redução de vegetação nativa; o atro-
entrelaçadas ou pequenas malas Contos e lendas indígenas, de pelamento nas estradas; queimadas; a
de viagem quadradas. diversas etnias das três Améri- caça como alimento ou como troféu
Por seu tamanho, os tatus- cas, fazem referência a tatus (suas garras são cobiçadas por cole-
-canastra evocam a memória ou mesmo têm esses animais cionadores) e o envenenamento por
ancestral dos povos america- como protagonistas. Para os agroquímicos (principalmente for-
nos antigos, como os nativos terena, do Mato Grosso do micidas). O canastra já está na lista
da Terra do Fogo, que che- Sul, há muito tempo o tatu- de espécies amea-
garam a se abrigar embaixo -canastra cavou um bu- çadas de extinção
de carapaças de gliptodon- raco e dele ti- da União Inter-
tes. Desaparecidos há rou um jabuti, nacional para
apenas 10 mil anos, com o qual pre- Conservação da
eles foram os ances- senteou o cacique. Natureza (IUCN)
trais gigantes dos ta- E o jabuti se tornou como uma espécie
tus modernos, com o alimento preferido vulnerável.
cerca de 1,50 metro dessa etnia. Ele e todos os tatus
de altura e 2 a 3 me- Na Bolívia, carapaças de precisam de proteção ativa para
tros de comprimen- tatu eram usadas para a con- continuar a existir e não serem
to. Algumas fecção de instrumentos musi- apagados do mapa brasileiro!
canastras
e colmeias equipe
O Projeto Canastras e Col- Coordenação:
meias estuda e propõe soluções Arnaud Desbiez
para promover a convivência
pacífica entre apicultores e tatus- Pesquisa:
Arnaud Desbiez e Bruna Oliveira
-canastra no Cerrado de Mato
Grosso do Sul, garantindo a ne- Tratamento de dados
cessária proteção aos apiários e sintetizados no mapa:
à fauna silvestre. Este guia é um Katia Ferraz e colaboradores
dos produtos da equipe dedi-
Elaboração do mapa:
cada ao tema e tem uma versão Bruna Oliveira
em pdf, disponível online no site
www.canastrasecolmeias.org.br Ilustrações
e acessível também pelo QRCode: (capa emétodos de proteção):
Ronald Rosa
Edição:
Liana John
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