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Heróis da resistência
Edição 214 - Ago/03

Pelos idos de 1554, o aventureiro alemão Hans Staden


foi capturado pelos tupinambás no litoral norte de São
Paulo e quase acabou devorado por eles. Mesmo
passando por esse sufoco, ele não deixou de notar que
os índios usavam enfeites produzidos com as penas de
uma ave que habitava os manguezais da região. O
bicho, conhecido pelos nativos como guará, tornou-se
vítima de sua própria beleza. Era freqüentemente
cassado, primeiro pelos indígenas e, mais tarde, pelos
colonizadores, que também viram no animal uma fonte
de lucro. Na Europa, a última moda era usar chapéus
Vôo sobre Cubatão: no litoral paulista vivem
adornados com plumas de aves exóticas. E o guará,
cerca de 500 aves que viraram atração
com suas penas cor escarlate, tornou-se alvo preferido
turística na cidade que já foi a mais poluída do
de caçadores.
mundo

O tempo passou e mesmo com a espécie completamente dizimada em algumas regiões do Brasil, como
Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, o homem voltou a tirar o sossego dos guarás-vermelhos. Em
Cubatão, no litoral paulista, os animais sofreram com a poluição das indústrias químicas e
petroquímicas que se instalaram por lá nos anos 70. O lixo tóxico das empresas despejado nos
manguezais matou peixes e caranguejos, os principais alimentos das aves. A cor tão característica das
penas do guará-vermelho vem dos carotenóides presentes nos crustáceos. Além disso, a contaminação
do ambiente por pesticidas deixou as cascas dos ovos das aves muito finas e quebradiças, fazendo
com que os filhotes fossem esmagados durante a incubação.

PROVEITO Somente em 1984, algumas indústrias de Cubatão


perceberam a presença dos guarás-vermelhos em seus quintais. Ao
contrário do que muita gente pensava, as aves não retornaram à
região, mas permaneceram e enfrentaram o revés de um ambiente
hostil. Ali, todos os animais souberam tirar proveito da ação
humana que acabou criando grandes bancos de lodo e áreas de
manguezais mais abertas e baixas, permitindo a entrada de luz na
superfície do substrato. Em 1993, os pesquisadores Fábio Olmos e
Robson Silva e Silva começaram a estudar os guarás-vermelhos e
avaliar o tamanho da população existente em Cubatão, com o apoio
da Fundação O Boticário. A Ultrafértil, empresa de fertilizantes na
cidade, também apostou no projeto e desde 1997 investe 50 mil
reais por ano na pesquisa e conservação das aves.

Essa preocupação ecológica tirou de Cubatão não só o título de


cidade mais poluída do mundo como também criou um novo filão de
negócios: o ecoturismo. Os turistas aproveitam os meses de agosto
e setembro para observar o vôo do guará, época em que sua
plumagem fica mais vermelha.
Cor escarlate vem dos
Embora o guará-vermelho tenha saído da lista de animais carotenóides presentes nos
ameaçados de extinção do Ibama, pelo fato de ainda existirem crustáceos, base de sua
populações na região amazônica, litoral do Maranhão, Pará e alimentação
Amapá, ainda há riscos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. No
litoral paulista, especialmente em Santos e Cubatão, atualmente existem cerca de 500 aves. Além de
se defenderem dos predadores naturais, como gaviões, eles resistem bravamente aos constantes
ataques de caçadores que apenas os abatem por diversão.

MACHO PODE CUIDAR DE FILHOTES QUE NÃO SEJAM SEUS

NOME CIENTÍFICO: Eudocimus ruber

CLASSIFICAÇÃO: O guará-vermelho é um íbis pertencente à ordem Ciconiiformes, a mesma das


garças, cegonhas e tuiuiús. Fazem parte da família Threskiornithidae, cujos parentes mais próximos
são as curicacas. Além da espécie Eudocimus ruber, há também a Eudocimus albus, o guará-branco,

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muito comum na América do Norte.

ETIMOLOGIA: A origem do nome deste animal é bastante controversa. Há quem diga que guará é
uma corruptela do tupi "gwa'rá", que quer dizer ave. Outros dizem que a palavra significa vermelho, e
que chamá-lo de guará-vermelho, portanto, seria uma repetição desnecessária.

DISTRIBUIÇÃO: Há relatos da presença do guará-vermelho nos Estados Unidos, América Central,


Colômbia, Venezuela e Guiana. No Brasil, pode ser visto na região amazônica, no litoral do Amapá e
até no Ceará, além de Santos e Cubatão.

REPRODUÇÃO: É bem provável que a reprodução destas aves seja parecida com a do íbis-branco. Os
guarás-vermelhos também vivem em bandos e costumam se juntar em pares para formar uma grande
colônia reprodutora, com ninhos muito próximos uns dos outros. Entre agosto e setembro as penas
têm um tom vermelho mais vivo e o bico fica mais negro. Os machos mais atraentes permanecem nos
melhores lugares dos manguezais e freqüentemente escolhem a parceira. No entanto, para garantir
qualidade genética em pelo menos um de seus filhotes, as fêmeas tentam copular com os mais fortes
do grupo. Mas como a formação de casais é obrigatória tanto para chocar os ovos quanto para
alimentar os filhotes, é possível que um pai cuide de um filho que não seja seu. O período de
incubação ocorre entre 21 e 24 dias. Geralmente, o número de ovos por ninho varia entre um e três.
Quando nascem, os filhotes são pretos e bem frágeis e só depois de nove dias é que conseguem ficar
em pé. Em um mês, eles conseguem pular de uma árvore a outra. Voam somente após 45 dias. A
reprodução sempre ocorre em períodos chuvosos, pois como os filhotes nascem sem as glândulas
excretoras de sal bem desenvolvidas, precisam comer presas com baixa concentração salina para que
não prejudiquem o metabolismo e morram.

Consultor: Fábio Olmos, biólogo, coordenador de projetos do Programa Brasileiro da Birdlife


International.
Bibliografia: Ornitologia Brasileira, de Helmut Sick, Editora Nova Fronteira.

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