Você está na página 1de 3

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/273369989

Mundo das Aves: As aves mais raras do Brasil

Article · January 2012

CITATIONS READS

0 691

1 author:

Luís Fábio Silveira


University of São Paulo
405 PUBLICATIONS   5,377 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Projeto Bicudo / Great-billed Seed-Finch Project View project

Taxonomy, systematics and diversity of the chewing lice (Insecta, Phthiraptera, Amblycera and Ischnocera) on birds (Aves) in Brazil View project

All content following this page was uploaded by Luís Fábio Silveira on 10 March 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Mundo das Aves
As aves mais raras do Brasil
No ensaio passado

Ciro Albano
discutimos sobre a
quantidade de espécies
já registradas no Brasil.
Entre essas, entretanto, há
aquelas que se constituem
em verdadeiras raridades, a
ponto de algumas só serem
conhecidas atualmente por
desenhos publicados há
séculos

Por LUÍS FÁBIO SILVEIRA

A
quantidade de espécies de aves com re-
gistro de presença no Brasil não para de
aumentar, por diferentes motivos. Além
daquelas que são descritas pela primeira
vez, há populações anteriormente classifica-
das como subespécies que, reclassificadas,
passam a ser consideradas espécies plenas.
Novos registros de espécies já descritas, mas
que não tinham sido registradas até então em
território brasileiro, acontecem com alguma
frequência, seja por causa de indivíduos va-
gantes, que aparecem ocasionalmente, seja
por pesquisas que ocorrem em áreas remotas
ou de fronteira.
Esse aumento constante de registros de
aves no Brasil permite afirmar que é questão
de tempo para sairmos da posição de segundo
país mais rico em aves no planeta, atualmente
com 1.832 espécies (atrás apenas da Colôm-
bia, com 1.850 espécies), para nos tornarmos
o país com mais espécies de aves no mundo.

Distribuição desigual Saíra-Apunhalada: depois de 120 anos sem registro, foi novamente encontrada
Como acontece com qualquer população
de animais, a distribuição das aves não se dá espécies brasileiras que são um desafio, já Áustria. Buscas foram feitas por muitos pes-
de maneira uniforme. Assim como existem que não temos a menor noção sobre se ainda quisadores e amadores, mas nunca mais o
espécies muito abundantes, com quantidades ocorrem e onde isso acontece. Muitas delas Papa-Capim-do-Bananal foi visto, apesar de o
expressivas de indivíduos, outras são de difícil só são conhecidas por meio de velhos espéci- local onde foi coletado ainda existir e a região
detecção, encontradas apenas aos casais ou mes depositados em museus e por desenhos ser relativamente bem preservada. Será que
em pequenos grupos. Muitas delas preferem publicados há séculos. são desconhecidos novos registros porque
habitats específicos ou estão esparsamente a espécie está extinta? Que fim ela levou? A
distribuídas em determinada região. Dois séculos de sumiço primeira explicação é a extinção, e frequente-
As espécies comuns, mais facilmente O que dizer do Papa-Capim-do-Bananal mente não está incorreta, mas a Natureza vive
encontradas, contam com grande número (Sporophila melanops)? Esse pequeno Spo- nos pregando surpresas.
de avistamentos ou registros, o que torna rophila é conhecido por meio de um único
relativamente fácil e seguro fazer o monitora- exemplar coletado no século XIX, às mar- Reaparição depois de 120 anos
mento de suas tendências populacionais. No gens do rio Araguaia, em Goiás, e depositado Um desses casos surpreendentes é o de
extremo oposto, existem algumas dezenas de no Museu de História Natural de Viena, na outra espécie que ninguém viu na Natureza
60 CÃes & Cia • 404
Josep del Hoyo / ibc.lynxeds

Carl Christian Tofte

Wikia
Limpa-Folhas-do-Nordeste: menos de cinco Caburé-de-Pernambuco: não é visto há Rolinha-do-Planalto: avistada pela última
registros na Natureza mais de 20 anos vez na década de 1940

por mais de um século: a Saíra-Apunhalada um dos maiores mistérios da ornitologia. Muitas localidades onde o Pararu foi visto ou
(Nemosia rourei). Assim como o Papa-Capim- Conhecida a partir de uma dúzia de exem- coletado existem e estão bem protegidas. En-
do-Bananal, ela era conhecida por apenas plares, a Rolinha-do-Planalto foi coletada nos tretanto, todos os indivíduos mantidos em ca-
um velho exemplar, coletado no município cerrados dos Estados de São Paulo, Goiás e tiveiro morreram e há décadas não se tem cer-
de Muriaé, no século XIX, e depositado no Mato Grosso e vista pela última vez na década teza de avistamento de um único exemplar nos
Museu de História Natural de Berlim, na Ale- de 1940. Vastas porções do habitat dela ainda muitos e bem preservados taquarais da Mata
manha. existem em alguns locais onde comprovada- Atlântica. Alguns autores acreditam que a es-
Rumores sobre a existência dessa ave pi- mente vivia. Ninguém sabe com certeza o que pécie faria grandes migrações no Bioma e que
pocaram aqui e ali, especialmente no Espírito aconteceu. Já foram aventadas, entre outros fa- a interrupção da continuidade da floresta teria
Santo (nunca mais houve notícias sobre ela tores, doenças que poderiam ter exterminado tornado impossível os movimentos migratórios,
em Minas Gerais), mas ninguém havia sido a população, mas ninguém deu uma resposta o que teria levado essa bela ave ao desapa-
capaz de registrar a presença dela de forma minimamente convincente. A única certeza é recimento. Embora a explicação não seja con-
definitiva. Apenas em 1998, mais de 120 anos que se trata de uma das aves mais procuradas senso, nem mesmo entre os ornitólogos, o fato
depois da primeira coleta, essa ave – uma das por ornitólogos e observadores de aves. é que, certamente, não há hoje um ornitólogo
mais chamativas e bonitas do Brasil – foi no- Mais um que “desapareceu do radar” é o ou observador de aves vivo que tenha visto o
vamente encontrada nas matas de Conceição Pararu-Espelho (Claravis geoffroyi), uma das Pararu na Natureza.
do Castelo e de Vargem Alta, nas montanhas espécies de pombos mais belas do Brasil, cujos
do Espírito Santo. machos possuem plumagem azul-acinzentada Destruição do habitat
com manchas púrpuras na asa, enquanto as De outras espécies, atualmente raríssi-
Mistérios fêmeas, igualmente manchadas nas asas, têm mas, sabemos os reais motivos de estarem na
Outros casos continuam desafiando o a plumagem do corpo marrom. O Pararu era eminência de serem extintas. Três delas, for-
entendimento e fogem às explicações mais relativamente comum em boa parte do bioma tíssimas candidatas a se tornarem as primei-
tradicionais de desaparecimento. Os dois me- Mata Atlântica, onde ocorria nas manchas de ras aves endêmicas do Brasil a serem extintas,
lhores se referem a duas espécies da família taquarais nativos, área pela qual parecia ter têm na destruição maciça do habitat a princi-
dos pombos, os Columbidae. O primeiro é o preferência. A espécie foi, inclusive, mantida pal causa de ameaça. São elas o Caburé-de-
da Rolinha-do-Planalto (Columbina cyanopis), e criada com relativa facilidade em cativeiro. Pernambuco (Glaucidium moorerorum), o
Limpa-Folhas-do-Nordeste (Phi-
Arthur Grosset / ibc.lynxeds
Wikia

lydor novaesi) e a Choquinha-de-


Alagoas (Myrmotherula snowi),
todas com distribuição muito res-
trita a determinado tipo de floresta
nos Estados de Alagoas e de Per-
nambuco. Em comum, há também
o fato de terem sido descobertas
muito recentemente. Existem me-
nos de cinco indivíduos do Limpa-
Folhas, menos de 20 da Choqui-
nha e o Caburé não é visto há
mais de 20 anos. Essas genuínas
raridades mostram que ainda há
Pararu-Espelho: os exemplares mantidos em Choquinha-de-Alagoas: menos de muito a ser pesquisado em campo
cativeiro morreram; na Natureza, não é mais visto 20 registros na Natureza no país das aves.

Luís Fábio Silveira é doutor em Zoologia e curador das coleções ornitológicas Museu de Zoologia da USP; membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO); pesquisador
associado da World Pheasant Association (UK); autor de doze livros sobre aves e de dezenas de artigos científicos publicados.

CÃes & Cia • 404 61

View publication stats

Você também pode gostar