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E POLITRAUMA
Equipe SJT Editora
Cirurgia geral e politrauma. São Paulo: SJT Editora, 2016.
ISBN 978-85-8444-091-7
http://www.sjteducacaomedica.com.br
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Apresentação à 16ª edição
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Sumário
1 Conceitos básicos em cirurgia................................................................................................................9
2 Pré-operatório – parte I.............................................................................................................................28
3 Pré-operatório – parte II ...........................................................................................................................57
4 Pós-operatório – parte I ............................................................................................................................64
5 Pós-operatório – parte II...........................................................................................................................78
6 Resposta in昀氀amatória ao trauma ...................................................................................................... 89
7 Complicações pós-operatórias.......................................................................................................... 96
8 Cicatrização de feridas ............................................................................................................................118
9 Abdome agudo ............................................................................................................................................ 130
10 Hérnias .................................................................................................................................................................155
11 Hérnia umbilical ............................................................................................................................................174
12 Hérnias incisionais ...................................................................................................................................... 176
13 Hérnias incomuns ........................................................................................................................................181
14 Queimaduras .................................................................................................................................................. 186
15 Hipotermia........................................................................................................................................................205
16 Hematoma da bainha do músculo reto abdominal........................................................... 211
17 Tumores da parede abdominal.........................................................................................................214
18 Politrauma ........................................................................................................................................................ 218
19 Atendimento inicial do politraumatizado .................................................................................. 222
20 Via aérea e ventilação ............................................................................................................................. 234
21 Trauma cervical............................................................................................................................................ 242
22 Trauma de tórax ..........................................................................................................................................248
23 Trauma abdominal.....................................................................................................................................268
24 Trauma genitourinário .............................................................................................................................296
25 Trauma pélvico .............................................................................................................................................. 311
26 Trauma cranioencefálico (TCE).........................................................................................................319
27 Trauma raquimedular (TRM) ...............................................................................................................331
28 Trauma musculoesquelético.............................................................................................................340
29 Trauma pediátrico ......................................................................................................................................346
30 Traumas em gestantes ..........................................................................................................................356
CAPÍTULO
1
Conceitos básicos em cirurgia
Descrição de alguns
materiais cirúrgicos
Materiais de diérese
Figura 1.1 Bisturi de lâmina (Cabo 4 para lâminas 11, Figura 1.5 Serra manual.
15/Cabo 5 para lâminas 21, 23).
Materiais de hemostasia
Figura 1.11 Pinça Goiva (Saca-bocado). Figura 1.16 Pinça hemostática reta – Cryle reto.
Figura 1.17 Pinça hemostática reta – Kelly reto/curvo. Figura 1.20 Pinça hemostática curva com dente –
Kocher curvo/reto.
Figura 1.19 Pinça de Mixter. Figura 1.22 Pinça vascular atraumática – de Bakey.
Instrumentos de preensão e
afastamento
Afastadores
Materiais de síntese
Na sala cirúrgica
Figura 1.52 Pinça dente de rato. Figura 1.53 Composição da equipe e mesa cirúrgica.
preferidos, porque as bactérias que escapam da fagocitose podem crescer entre os filamentos dos fios multifila-
mentares. Por outro lado, os fios multifilamentares ocasionam maior trauma tecidual (são mais ásperos), com
maior tendência à infecção e permeabilidade, mas os nós são mais seguros e fáceis de ser executados.
Tais características poderão ser aplicadas em provas de residência, sobretudo, qual fio é monofilamentar e
qual é natural ou sintético.
de sutura
Força do nó
Con昀椀guração física
É a força necessária para provocar o deslizamen-
Refere-se aos filamentos que compõem o fio: to parcial ou completo do nó. Quanto mais áspero for
Monofilamentar: apresenta um filamento úni- o fio, maior será seu coeficiente de atrito, facilitando a
co. Por exemplo, náilon, aço, polipropileno, poligleca- fixação do nó com menor deslizamento. Os fios mul-
prone, polidioxanona e poligliconato. tifilamentares apresentam coeficiente de atrito mais
Multifilamentar: é um fio formado por vários elevado do que os monofilamentares, portanto, a fixa-
ção do nó é mais segura, embora o deslize seja mais
filamentos unidos por torção ou trançamento.
difícil. Os fios monofilamentares têm um bom des-
Alguns exemplos, o categute simples e cromado, lize do nó, mas a fixação é menos segura, por isso, a
poliglactina, algodão (torcidos), ácido poliglicólico, po- necessidade de reforçar o nó com um número maior
liéster e seda. Cada grupo tem características comuns. deles ou intercalar nós duplos e simples.
Características de manuseio
A pliabilidade (grau de facilidade de dobramen- Material de prótese
to ou mudança na forma do fio), o coeficiente de
Quando a solução de continuidade entre as estru-
fricção (grau de deslize na passagem através dos teci-
turas é extensa ou a síntese é realizada sob demasiada
dos, na corrida e na fixação do nó) e a rigidez de um
tensão, dá-se a interposição de material de prótese ou
fio definem suas características de manuseio.
implante, que pode ser dividido em dois grupos:
Um fio pliável oferece facilidade ao dobramen-
to e à confecção do nó. São agradáveis ao toque. Os
fios de sutura multifilamentares trançados, como
a seda e a poliglactina, são os que apresentam De origem biológica
maior pliabilidade. 1) Fáscia – a autógena tem sido utilizada em
O coeficiente de fricção ou atrito é a capacida- hernioplastia e, às vezes, em operações plásticas, gi-
de que o fio tem de deslizar, com suavidade maior ou necológicas e urológicas. As fitas de fáscia homólogas
menor, através do tecido em que está sendo aplicado, conservadas não são úteis.
Nós e suturas
O nó cirúrgico deve ser de fácil execução e tem
por finalidade evitar que o fio entrelaçado se solte. O Figura 1.57 Tipos de suturas. A: Algöwer; B: Donati;
principal é que não se afrouxe, permitindo perfeito C: simples; D: intradérmica; E: chuleio; e F: ponto em X.
ajuste das bordas a serem afrontadas. Para que isto
ocorra devem ser levados em consideração: o tipo de Apresenta como desvantagem relativa o fato de
nó, o treino do cirurgião, o grau de tensão dos tecidos ser mais trabalhosa e mais demorada.
a serem suturados e a natureza do fio. Os fios sinté-
ticos monofilamentares, como o náilon e o poliéster, Tipos de sutura em pontos separados:
tendem a se afrouxar. 1) Ponto simples;
O nó cirúrgico, em geral, consta de uma primeira 2) Ponto simples com nó para o interior da ferida;
laçada que aperta e uma segunda fixadora que impe- 3) Ponto em “U” horizontal;
de o afrouxamento da primeira. Quando há necessi-
dade de maior segurança acrescenta-se um terceiro 4) Ponto em “U” vertical;
nó, também utilizado quando existe tendência de os 5) Ponto em “X” horizontal;
anteriores afrouxarem-se. Cada laçada deve ser feita 6) Ponto em “X” horizontal com nó para o inte-
no sentido oposto ao da anterior, caso contrário, o nó rior da ferida;
tende a se afrouxar. Não existe, contudo, inconvenien-
te em se utilizar nós no mesmo sentido quando se tra- 7) Ponto recorrente;
ta de ligadura sem tensão. 8) Ponto helicoidal duplo.
Sutura através de
grampeadores
A sutura por grampeadores propicia a aproxima-
ção dos tecidos através de mecanismos que, pelo uso de
grampos metálicos e diferentes formatos de grampea-
mento, adaptando-se aos tecidos, promove uma síntese
adequada, rápida, segura e com pequena reação tecidual. Figura 1.58 O grampeador automático.
Figura 1.64 Entregando tesoura (som característico Figura 1.68 Solicitação de pinça hemostática reta e
na entrega de instrumentos cirúrgicos). curva.
2
Pré-operatório I
de alguma doença, INDEPENDENTE DA IDADE, o pa- posteriormente, estendida aos portadores de doen-
ciente é colocado dentro do protocolo específico desta ças incapacitantes. Não é parâmetro de indicação
situação clínica e, assim, exames específicos precisa- de cirurgia, no que diz respeito a reservas meta-
rão ser solicitados. bólicas e condições fisiológicas. Avalia o paciente
como um todo.
Suspeita de gravidez
Y*
Coagulogra- Depende, em princípio, da extensão da operação proposta, como por recomendações de MSBOS do Banco de Sangue.
Fatores clínicos e cirúr- Distúrbios clinicamente significativos e evolução e/ou medi- Anticoagulante/
Sangramento
Y Y Y Y
±
Tireoide Instável
Y Y Y
Y Y Y
Y Y Y
Y
Paratireoide
Y Y
Y
HIV
S
Esteroides/
Síndrome de Cushing
Y Y Y
Y Y Y
Y Y
Y Y Y
Y Y Y
Álcool/ Abuso de Drogas
Y Y
±
Autoimune/Lúpus
Perda de líquidos ou
Procedimentos cirúrgi- devem ser realizados em 30 dias)
Eletrolíticos
Y Y Y Y Y Y
Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y
Y Y Y Y Y ±
Renal
Y Y Y Y Y
Y Y Y
Y Y
Hepático
Sugestões de Exame Pré-operatório Adulto
Y
Diabetes
Respiratório
Y
Cardiovascular
Y
Anticonvulsivantes
Y Y
S
Câncer? (metástase) Y Y Y
Y Y
Y Y Y
Y Y Y Y Y
S
Acidente vascular cerebral
Obesidade Mórbida
Tabagismo
Hipertensão
Y Y Y Y Y
Y Y Y Y Y
RTUP Histerostomia
Y Y Y Y
Y Y Y Y
Prótese Ortopédica S
cos (em 90 dias)
Intracraniano
gicos adicionais
Y Y
Y Y
S
PSE antecipada > 2U
Intraperitoneal/Abdominal
de grande porte
Y Y Y Y
Y Y Y Y
Y Y Y Y
Y Y Y Y Y
M Y Y Y Y Y
Vascular
Cardíaco/Torácico
Y
> 70 anos
saudável (em
Básico: Ope-
queno porte
em paciente
ração de pe-
55 a 69 anos
90 dias)
Adulto Saudável
de 45 a 54 anos
Adulto Saudável < 45 anos
Eletrolíticos
Marcadores
Rx do tórax
sangramen-
hormonais
TAP/TTP
Tempo de
plaquetas
tumorais
U/A, cul-
Gravidez
Níveis de
Exame
Glicose
Níveis
Cálcio
droga
HC +
EFH
ECG
tura
EN
ma
to
Tabela 2.4 Adaptado de Halaszynski MT, Juda R, Silverman DG: Optimizing postoperative outcomes with eficiente preoperative
assessment and management. Crit Care Med 32:S76-S86, 2004. IEN: ureia sanguínea; HC: hemograma completo; Rx do tórax: radio-
grafia do tórax; PSE: perda sanguínea estimada; ECG: eletrocardiograma; HIV: vírus da imunodeficiência humana; h. de: história de;
EFH: exames da função hepática; H: em geral indicado para homens; ASHC: agenda de solicitação de hemocomponente; TAP/TTP:
tempo de protrombina/tempo parcial de tromboplastina; S: pode ser solicitado (e revisto) pelo cirurgião como parte do plano de
operação; rtup: ressecção transuretral da próstata; e U/A, urinálise, I: geralmente indicado; ±, em caso de situação aguda/grave.
(*) No mínimo, um teste de gravidez de urina deve ser realizado na manhã da cirurgia em qualquer mulher em idade fértil, a
menos que o útero ou ovários tenham sido retirados cirurgicamente.
Área sombreada: Tempo de teste não é tipicamente crítico, resultados de 90 dias (e possivelmente 180 dias) podem ser aceitáveis;
área clara: tipicamente melhor obter dentro de 30 dias da cirurgia.
Nota: (1) Ocasião e lista de exames são sugestões; não são absolutas e não devem excluir outros testes em determinados quadros,
nem devem impedir um caso de prosseguir se o anestesiologista e o cirurgião considerarem oportuno. (2) O exame para um
determinado distúrbio depende de sua gravidade no contexto da operação planejada, ou seja, os exames têm probabilidade de
fornecer informação potencialmente significativa do ponto de vista clínico e proporcionar informação que poderá ser um impor-
tante componente da história clínica e do exame físico.
Figura 2.2 Variação da capacidade vital no pós-oper- Evitar medicações nefrotóxicas e corrigir doses
atório imediato de cirurgia abdominal alta. dos antibióticos.
Não usar diurético tipo manitol de rotina, que pode
induzir a desbalanço de fluidos e hipotensão.
O que nos interessa para avaliação pré-operatória Prevenir sobrecarga hídrica e controlar hipercalemia.
são os doente com IRC conhecida, situação em que ris-
cos de descompensações múltiplas são patentes – ris- Tabela 2.15
co de doenças isquêmicas do coração, excesso de fluido
(congestão pulmonar), disfunções bioquímicas (hiper-
calemia; hipocalcemia; acidose metabólica), anemia e Atenção a exames contrastados a base de
distúrbios de coagulação e plaquetas (lembrar que a iodo, realizados em pré-operatórios especí-
avaliação da função plaquetária pode ser prevista ficos, uma vez que o risco de nefrotoxicidade
pode aumentar a morbidade e/ou mortalida- pótese para o potencial benefício da infusão de bi-
de desse grupo. A lesão renal aguda induzida carbonato seria que a alcalinização do fluido tubu-
pelo meio de contraste iodado é definida pela lar reduziria a geração dos lesivos radicais hidroxil.
elevação de 25% ou aumento absoluto de 0,5 Apesar de resultados clínicos iniciais animadores,
mg/dL na creatinina basal, após 48 horas da
ainda são necessários estudos com maior número
exposição. Nos Estados Unidos e Europa, a ne-
de pacientes para elucidar o papel da alcalinização
frotoxicidade aos contrastes radiográficos (NCR)
constitui a terceira causa de insuficiência renal urinária na prevenção da nefrotoxicidade pelo con-
aguda hospitalar, ocorrendo em 10% desses pacien- traste radiológico.
tes. Os maiores fatores de risco para NCR são a
disfunção renal prévia caracterizada por creatinina
plasmática maior que 1,5 mg/dL e/ou depuração da
creatinina menor que 60 mL/min., e a nefropatia
diabética. Os pacientes que desenvolvem estados de
hipoperfusão renal – como na insuficiência cardía-
Sistema hepatobiliar
ca descompensada, cirrose hepática e uso abusivo Da mesma forma como dissemos para alteração
de diuréticos – apresentam maior predisposição à renal, o que nos interessa na avaliação pré-opera-
NCR. A frequência da nefrotoxicidade é maior nas
tória, são os doentes que possuem doença hepática
múltiplas exposições ao contraste, nos exames de
urgência e quando há uso concomitante de outras instalada, levando à insuficiência hepática. Assim,
drogas nefrotóxicas. A principal medida para a sintomas e sinais clínicos de hepatopatia na história
prevenção da nefropatia por contraste é a ex- e exame físico são fundamentais em uma avaliação
pansão do volume extracelular. Esta expansão pré-operatória (icterícia, eritema palmar, encefalo-
deve ser realizada com solução salina (SF 0,9% 50 a patia hepática etc.).
100 mL/hora), devendo ser iniciada por volta de 12
Na avaliação laboratorial, o TAP é o melhor pa-
horas antes do procedimento e mantida por aproxi-
madamente 12 horas, após a infusão do contraste. râmetro pré-operatório para predizer a reserva
Outras medidas universalmente preconizadas funcional hepática.
para pacientes de alto risco são: utilizar a menor Na doença hepática aguda, com níveis elevados
quantidade possível de contraste, evitar a exposi- de enzimas hepáticas, o ideal é suspender o procedi-
ção repetida em curtos intervalos de tempo e sus-
mento cirúrgico eletivo, aguardando algumas sema-
pender a utilização de drogas nefrotóxicas com po-
nas, após normalização dos níveis de AST e ALT, pelo
tencial de causar alterações hemodinâmicas renais
(anti-inflamatórios não hormonais, ciclosporina risco de hepatite fulminante.
etc.). Os novos contrastes não iônicos, de baixa
osmolalidade, causam menos reações alérgicas e
alterações cardiovasculares. A sua eficácia em re- AST/ALT > 2 é sugestiva de hepatite alcoólica.
lação à redução da incidência de nefrotoxicidade foi ALT/AST > 2 é sugestiva de hepatite viral ou medicamentosa.
demonstrada de maneira significativa apenas em BT elevada à custa de BD, FA elevada e/ou 5-nucleotida-
pacientes diabéticos com insuficiência renal prévia. se são compatíveis com colestase.
A N-acetilcisteína, um captador de radicais li-
vres com propriedades vasodilatadoras, parece
apresentar efeito protetor contra a nefropatia Nos casos de hepatopatia crônica, com sinais de
por contraste radiológico e tem sido utiliza- hipertensão portal, a classificação de Child-Pugh
da em modelos animais e ensaios clínicos. A (CP) é obrigatória, pois existe relação direta
associação de hidratação com soro fisiológico e N-
com índices de mortalidade para procedimen-
-acetilcisteína 600 mg, duas vezes/dia por dois dias,
tos abdominais, de acordo com a mesma. Assim,
iniciando-se no dia anterior ao exame, mostrou-se
protetora em ensaios clínicos. Como a N-acetilciste- a mortalidade é de 10%, 31% e 76%, respectivamen-
ína é um medicamento de baixo custo e com poucos te, para CP A, B e C. (Fique atento a Tabela 2.15).
efeitos colaterais, o seu uso tem sido crescente pela Outros fatores que afetam o prognóstico, nes-
comunidade médica. tes pacientes, são a natureza emergencial de um
Outra medida usada na prevenção da nefro- procedimento, o TP prolongado, maior que três
toxicidade por contraste é a expansão volêmica segundos, a falta de correção com vitamina K e a
com solução à base de bicarbonato de sódio. A hi- presença de infecção.
Histórico, exame
e estudos laboratoriais
como indicados
Em pacientes com icterícia obstrutiva algumas recomendações são essenciais: hidratação adequada
no perioperatório para evitar disfunção renal. Alterações hemodinâmicas e renais durante a icterícia obstrutiva têm
sido descritas há décadas, contudo, só recentemente foram bem compreendidas e receberam a merecida impor-
tância clínica. A insuficiência renal surge em 8% a 10% dos pacientes em pós-operatório de icterícia obstrutiva,
levando a uma mortalidade de cerca de 70% a 80%. Há crescente número de evidências demonstrando que a injúria
renal não ocorre por lesão nefrotóxica direta. O quadro colestático promove efeito deletério sobre a função
cardiovascular e volume sanguíneo, havendo assim, maior suscetibilidade à insuficiência renal de ori-
gem pré-renal. A hipotensão arterial sistêmica e o comprometimento da reatividade vascular são habituais nessa
situação. Sem o controle clínico perioperatório adequado, a progressão pós-operatória da lesão pode culminar com o
surgimento de necrose tubular aguda, necessidade de tratamento dialítico e elevada mortalidade. Procedimentos
capazes de descomprimir a árvore biliar, preferencialmente, por drenagem endoscópica interna, redu-
zindo, já no pré-operatório, a colestase, diminuem o risco dessa complicação. Contudo, é primordial
para profilaxia das alterações hemodinâmicas e renais a correção da anemia, a suspensão de drogas
nefrotóxicas como os anti-inflamatórios não hormonais e a manutenção do volume vascular por meio da
infusão de soluções. Dados da literatura, no passado, sugeriam, em estudos não controlados, efeito benéfico do
manitol na icterícia obstrutiva. As evidências atuais não são favoráveis ao seu uso, demonstrando que sua ação como
expansor de volume é, nesse caso, comprometida pelo seu potencial diurético osmótico e natriurético. Profilaxia
com antibiótico (cefazolina 1 a 2 g IV) e correção da coagulação com vitamina K ou plasma fresco se não
houver melhora com a reposição de vitamina K, são passos obrigatórios. Cerca de dois a três dias, após o
início da colestase, observa-se queda dos níveis de Os níveis de glicemia ideais no controle tran-
vitamina K e dos fatores de coagulação, vitaminas soperatório são aqueles que não ultrapassam 180
dependentes II, VII, IX e X, reduzindo a atividade de mg/dL, para que não ocorra perda renal de glicose
protrombina (TAP alargado). e diurese osmótica, e que não sejam menores que
A vitamina K pode ser administrada por via 120 mg/dL para prevenir hipoglicemia. Em razão da
parenteral e corrige os tempos de coagulação den- possibilidade de frequentes complicações pós-opera-
tro de 6 a 12 horas. Até 5 mg são administrados por tórias, os pacientes diabéticos submetidos à cirurgia
via intravenosa lentamente, como dose inicial. As prepa- de médio e grande porte devem ser mantidos, pelo
rações mais antigas de vitamina K eram menos purifica- menos, nas primeiras 24 horas na UTI com monito-
das que as usadas atualmente e foi descrita anafilaxia e rização cardíaca. Durante esse período e até o reinício
morte com a administração destes agentes mais antigos. da alimentação, controle efetivo da glicemia e de ele-
As formas mais purificadas têm menor probabilidade de trólitos deve ser rigoroso. Quando o período de jejum
causar complicações, mas a vitamina K intravenosa deve exceder 24 horas, a administração de aminoácidos e li-
ser administrada com cuidado. A vitamina K intramus- pídios, em adição à glicose, deve ser considerada, para
cular ou subcutânea pode ser aplicada em doses de 10 a minimizar o catabolismo e acelerar o processo de cica-
25 mg/dia. Doses repetidas permitem reposição corporal
trização. Manter o controle da glicemia a cada 2 ou
total (10 a 25 mg/dia por três dias). A administração
4 horas e complementar a insulina ou a glicose para
de plasma corrige rapidamente o deficit de coagu-
manter a glicemia entre 100 e 180 mg/dL. Após o
lação e, por isso, se administra plasma com vitamina K
início da alimentação oral, introduz-se o esquema
nos pacientes que não param de sangrar.
de insulina lenta ou NPH e mantém-se o esquema
Atenção: são fatores vitamina K dependentes: II, VII, de insulina regular de acordo com o esquema de
IX, X e proteínas S e C. glicemia capilar, descrito na tabela a seguir. Se for
indicada a nutrição parenteral total, considerar que
esses regimes utilizam 40% a 50% de glicose e a quan-
tidade de insulina deve ser adequada. Vale ressaltar
que, nesses pacientes, elevações glicêmicas sem cau-
sa aparente podem sinalizar para algum processo
Sistema endócrino infeccioso ou inflamatório presente.
O controle do potássio deve ser feito a cada 6
horas nas primeiras 24 horas e, posteriormente, duas
Diabetes melito (DM) vezes ao dia.
Cuidados e avaliação pré-operatória rigorosa são
fundamentais, pois são pacientes com risco de distúr- Regras básicas no pré-operatório de cirurgias
bios imunológicos, com consequentes deficits de cica- eletivas de médio e grande porte de pacientes
trização e risco maior de infecções. com DM
Assim, dados de história clínica buscando sintomas Avaliação clínica pré-operatória, antes da internação.
e sinais de agressão em órgãos alvo são fundamentais, Se necessário, internar o paciente com antecedência
de 2 a 3 dias do procedimento.
pois se referem à descompensação de longa data, sempre
Manter em dieta balanceada para diabético.
avaliar níveis glicêmicos em jejum, hemograma completo
para avaliar leucocitoses, pois são pacientes de risco para Suspender hipoglicemiantes orais, em especial as bi-
guanidas, 2 dias antes da cirurgia.
infecções silenciosas, ECG pelo risco de doença cardíaca
Manter insulina NPH ou lenta que o paciente vinha
oculta, urina I para avaliar proteinúria, creatinina e ele- usando até o dia anterior à cirurgia ou 2/3 da dose
trólitos para avaliar grau de disfunção renal, são exames pela manhã e 1/3 antes do jantar.
pré-operatórios obrigatórios nestes pacientes. Aplicar insulina regular, subcutânea, conforme esquema
de glicemias capilares antes do café da manhã, almoço, jan-
O principal objetivo no tratamento pré-opera- tar e lanche.
tório do paciente diabético é manter glicemias en- Glicemias (mg/dL) Insulina regular (U)
tre 120 e 180 mg/dL, para prevenir a hipoglicemia e < 120 Não aplicar
a hiperglicemia, fornecer glicose e insulina suficientes 120 a 180 2
para inibir os processos catabólicos e prevenir a mor-
181 a 240 4
bidade e a mortalidade.
241 a 300 6
301 a 360 8
> 301 10
Alvo glicêmico transoperatório:
(Sistema Internacional (SI): mg/dL= mmol/L x 18;
120 a 180 mg/dL (evitar níveis < 100 ou > 200 mg/dL). mmol/L = 0,0555 x mg/dL)
Adrenal Feocromocitoma
O preparo pré-operatória é essencial e inclui
expansão do volume plasmático e bloqueio alfa e
Insu昀椀ciência adrenal beta-adrenérgico, para obter uma hemodinâmica
Doença de Addison (insuficiência adrenal primá- relativamente estável antes da cirurgia. O período
ria) ou secundária ao uso crônico de corticoide (uso de preparo do paciente varia de 1 a 2 semanas.
crônico de corticoides é considerado quando há um Assim sendo, tão logo o diagnóstico seja feito a
uso maior de 5 mg/dia de prednisona por mais de
introdução de alfabloqueadores é instituída visando à
duas semanas a três semanas em um ano), é situ- redução dos sintomas, à queda da pressão arterial e à
ação de risco para complicações intra e pós-operató- melhora dos paroxismos (tríade do paroxismo: cefa-
rias, principalmente hipotensão refratária, caso não leia, palpitação e sudorese). Esse tratamento reexpan-
se faça a adequada suplementação de corticoide. Na dirá o volume plasmático e o leito vascular. Os beta-
crise addisoniana, frequentemente, os pacientes se bloqueadores devem ser administrados em caso de
apresentam com choque ou hipotensão, associados persistência de taquicardia ou taquiarritmia, em
a outros sintomas inespecíficos, tais como anorexia, vigência de um bloqueio alfa eficazes (quando reali-
náuseas, vômitos, dor abdominal (pode simular um zados antecipadamente, pioram a vasoconstricção pe-
abdome agudo), distensão abdominal, fraqueza, apa- riférica e sintomas correlatos). A seguir, listaremos os
tia, confusão mental (pode progredir para coma), fe- principais medicamentos usados nesse controle.
bre (secundária à infecção ou ao hipocortisolismo per
se). Quando presente, a hiperpigmentação (sinal clí-
nico sensível) pode ser útil para o diagnóstico. Alfabloqueadores
Recomenda-se suplementação com esteroi- Fenoxibenzamina: inespecífico e de ação pro-
des pré-operatório em cirurgias de pequeno por- longada. A dose varia de 20 a 80 mg/dia e é ajustada
te (hérnia inguinal) – suplementação com 25 mg de de acordo com a gravidade dos sintomas posturais; o
glicocorticoides (Sabiston, 19ª ed., não recomenda desaparecimento da hipotensão postural define o cor-
dose adicional); cirurgias de porte médio (colecis- reto alfabloqueio. É a droga de escolha.
tectomia aberta) requerem suplementação com 50
Prazosina: bloqueador alfa1 seletivo, competiti-
a 75 mg de glicocorticoides, e cirurgias de grande
porte (colectomia) – 100 a 150 mg de glicocorticoi-
vo e de curta ação. Ótima opção à fenoxibenzamina,
principalmente, por ser menos associado à taquicar-
des por 2-3 dias (geralmente, 100 mg) e hidratação
dia reflexa e à hipotensão no pós-operatório imediato.
adequada no pré e intraoperatório para evitar o cho-
Deve ser suspensa cerca de 8 horas antes do ato ci-
que da crise addisoniana.
rúrgico. Sua dose deve ser 2 a 5 mg, a cada 6 ou 8 ho-
E quando o paciente evoluir com crise adrenal ras. Novas opções, nessa classe, incluem a terazosina
aguda no pós-operatório imediato, o que fazer? (1-16 mg/dia) e a doxazosina.
posição deverá ser imediatamente descontinuada e mais específicos incluem a quimiotaxia dos neutrófi-
nenhum teste posterior deverá ser realizado. Entre- los e medições de populações de linfócitos específicos.
tanto, valores de cortisol basais menores que 5 µg/dL Os pacientes sob alto risco de imunodeficiência, nos
indicam necessidade imperiosa de reposição, e sua quais estas informações são úteis, incluem indivídu-
dosagem deverão ser repetidos trimestralmente. os idosos e os com desnutrição, traumatismo intenso
ou queimaduras, ou câncer. Além de um período de
hiperalimentação, nenhum estimulante do sistema
Hiperaldosteronismo primário (HP)
imunológico é regularmente usado no período pré-
A principal causa de hiperaldosteronismo pri- -operatório, embora seja extensa a atividade de pes-
mário é adenoma produtor de aldosterona (aldos- quisa nesta área.
teronoma), cujo tratamento é eminentemente ci-
rúrgico. Para diminuir o risco cirúrgico, a hipocalemia
deve ser corrigida com a espironolactona (Aldacto-
ne®), antagonista competitivo específico do receptor
da aldosterona. A dose inicial é de 200-300 mg/dia até
Sistema hematológico
a normalização da calemia e dos níveis tensionais (ge-
ralmente, após 4 a 6 semanas de tratamento), com Anemia
posterior redução para 100-150 mg/dia, até a época
da cirurgia. Quando a espironolactona (SPL) não for Quando transfundir? Sempre ponderar o risco
bem tolerada, graças aos seus efeitos antiandrogêni- do paciente para doença isquêmica do coração e o grau
cos e gastrointestinais, podem ser substituídas por de perda sanguínea estimada durante a cirurgia. Levar
outros diuréticos poupadores de potássio: amilorida em consideração história e exame físico, por exemplo,
(20-40 mg/dia) ou triantereno (50-200 mg/dia). Re- um paciente com anemia normovolêmica, sem risco
centemente, a FDA (Estados Unidos) liberou para uso cardíaco significativo ou risco de sangramento anteci-
controlado a eplerenona (Inspra®, Pfizer), um novo pado, saudável, pode ser operado seguramente com
antagonista do receptor mineralocorticoide com níveis de hemoglobina acima de 8 g/dL.
menor efeito antiandrogênico. Outros agentes anti-
-hipertensivos (por exemplo, bloqueadores dos canais
Diretrizes para a transfusão de hemácias do
de cálcio, inibidores da ECA ou antagonistas do recep-
sangue para perda sanguínea aguda
tor da angiotensina II), podem ser necessários para
um controle adequado dos níveis tensionais, em espe- Avaliar o risco de isquemia.
cial no HAI (hiperaldosteronismo idiopático), condi- Estimar/antecipar o grau de perda sanguínea. Me-
ção esta cujo tratamento é essencialmente clínico. nos de 30% de perda rápida de volume, provavel-
mente, não precisam de transfusão nos indivíduos
previamente sadios.
HP: HAS + hipocalemia Medir as concentrações de hemoglobina: < 6 g/dL, trans-
fusão geralmente necessária; 6-10 g/dL, transfusão di-
tada por circunstâncias clínicas; > 10 g/dL, transfusão
raramente necessária.
Fatores de risco para trombose venosa profunda Após tromboembolia arterial ou venosa, deve-
(Cont.) -se adiar a cirurgia eletiva por pelo menos um mês;
pacientes com anticoagulação por menos de duas se-
Síndrome nefrótica 1
manas em razão da embolia pulmonar ou TVP devem
Policitemia 2 ser considerados para colocação de filtro de cava an-
Doença autoimune 1 tes da cirurgia.
Leucemias 1 Uso de anticoagulantes orais deve ser sus-
penso pelo menos 4-5 dias antes da cirurgia. Em
IAM não complicado 1 pacientes de risco para trombose, manter com he-
IAM complicado 2 parina que, por sua vez, deve ser suspensa 6 horas
antes da cirurgia e reintroduzida 12 horas após.
AVCi 2
Por existirem evidências de que doses profilá-
Antecedente de TVP/TEP 2
ticas de heparina não fracionada (HNF) ou de baixo
Edema, varizes, úlcera e estase
2 peso molecular (HBPM) aumentam o risco de he-
dos MMII
matoma espinhal depois de técnicas anestésicas por
ICC 2 bloqueio regional (1:150.000 para anestesia epidural
História familiar de TVP/TEP 2 e 1:200.000 na anestesia espinhal), devemos sempre
Cirurgia de grande porte nos últi- informar ao anestesiologista quando da utilização
1 de drogas anticoagulantes antes do ato anestésico,
mos seis meses
Queimadura extensa 2 mesmo em doses profiláticas. A decisão de quando
realizar técnicas anestésicas de bloqueio neuroaxial,
Anticorpo antifosfolípide 2 nesses pacientes, deve ser tomada em bases individu-
Infecções 1 ais, pesando-se o risco versus benefício do método, a
Cirurgia geral > 60 minutos 2 familiaridade com a farmacologia das drogas antico-
agulantes e os estudos clínicos disponíveis envolven-
Cirurgia do quadril, joelho, próte-
do essas medicações. Algumas recomendações são
se, fratura de ossos longos, poli- 4
trauma
sugeridas nos pacientes com risco moderado para o
desenvolvimento de trombose venosa, iniciar a ad-
Total de pontos
ministração de doses profiláticas de HNF ou HBPM 2
Indicação para profilaxia conforme horas, após a punção anestésica. Nos pacientes com
o número de pontos alto risco de TVP, pode-se iniciar a profilaxia 12 ho-
ras antes da punção ou 2 horas após. Nos casos de
Risco baixo Risco moderado Risco alto (> 4 utilização de cateter peridural, iniciar a profilaxia 2
(< 2 pontos) (2-4 pontos) pontos)* horas após a punção, e este só deve ser retirado 12
Medidas não Dalteparina 2.500 Dalteparina 5.000 horas após a última dose profilática de heparina não
farmacológicas Ul SC 1 x/dia Ul SC 1 x/dia fracionada ou 24 horas após a de heparina de baixo
Movimentação Enoxparina 20 mg Enoxparina 40 mg peso molecular, postergando-se uma nova dose de
ativa MMII SC 1 x/dia SC 1 x/dia heparina profilática, quando necessária, para 2 ho-
Deambulação Nadroparina 2.850 Nadroparina 5.700 ras após a retirada do cateter. Se ocorrer acidente de
precoce UI SC 1 x/dia UI SC 1 x/dia punção com sangramento durante o bloqueio anesté-
sico, recomenda-se só administrar heparina após um
Meias elásti- Heparina 5.000 Ul Heparina 5.000 UI
intervalo de 12 horas.
cas de média 2 x/dia 3 x/dia
compressão Atenção a um fato relevante: trombocitopenia in-
até as coxas duzida pelo uso de heparina. Como proceder?
Compressão Nos pacientes ci- Nos pacientes ci- Pode ocorrer trombocitopenia induzida pela he-
pneumática rúrgicos: iniciar 2 rúrgicos: iniciar parina (TIH) em até 5% dos pacientes, causada pela
intermitente horas antes da ci- 2 horas antes da formação de anticorpos IgG contra os complexos
rurgia, seguida de cirurgia, seguida heparina-fator plaquetário 4. Na maioria dos pa-
aplicação diária, de aplicação diária, cientes com TIH, o número de plaquetas cai pelo me-
enquanto persistir enquanto persistir nos 50% em relação ao nível pré-heparina. Isso nor-
o risco. o risco. malmente ocorre depois de 4 a 5 dias de tratamento
Sempre associar às Sempre associar às com heparina, mas pode ocorrer nas primeiras 24 ho-
medidas não far- medidas não far- ras, quando tiver sido administrada heparina nos 100
macológicas. macológicas.
dias anteriores. A TIH pode ser induzida por descargas
Tabela 2.28 (*) HNF 12 horas antes; e HBPM 2 horas de heparina e até por quantidades mínimas removidas
antes. de cateteres mantidos com hepariana. Pode ocorrer
trombose secundária arterial e venosa, pela pri- do que a capacidade de inibir trombina, interagindo
meira, vez até 4 a 6 semanas, após a suspensão menos com plaquetas em comparação com a hepari-
da terapia com heparina. Em qualquer paciente na padrão e, assim, sua tendência é menor para causar
que apresente redução de 30% a 50% do número sangramento. Também têm biodisponibilidade maior
de plaquetas, deve-se suspender imediatamente e uma meia-vida mais longa do plasma, tornando pos-
toda a heparina e administrar outro anticoagulan- sível a administração uma vez por dia na profilaxia e
te, como lepirudina, bivalirudina ou argatroban, no tratamento. Não há necessidade de controle
quando necessário. O fondaparinux não parece re- com TTPA.
agir com o fator 4 das plaquetas e pode vir a ser o
tratamento de primeira linha para a TIH. Algumas situações especiais durante o uso
de heparina de baixo peso molecular requerem a
monitorização laboratorial do fator anti-Xa. En-
tre elas, destacam-se excesso de peso (alguns auto-
res consideram “excesso de peso” valores acima de 90
Breves lembranças a respeito das kg, e outros, acima de 130 kg ou IMC > 32), prematuri-
heparinas e do Warfarin dade, gravidez, insuficiência renal com creatinina aci-
ma de 2,5 mg/dL ou clearance de creatinina < 30 mL/
Heparina de alto peso molecular: a hepari-
min., e, de forma importante, naqueles indivíduos que
na potencializa significativamente a formação
apresentam hemorragia ou trombose na vigência de
de complexos entre antitrombina e os fatores
uma dose adequada corrigida pelo peso da heparina de
de coagulação serino-proteases ativados, trom-
baixo peso molecular.
bina (IIa) e fatores IXa, Xa e XIa. Essa formação
de complexos inativa irreversivelmente tais fatores. Embora o sulfato de protamina seja o inibidor es-
Além disso, a heparina reduz a função das plaquetas. pecífico e efetivo da HEP não fracionada, ele promove
O tratamento é controlado pela manutenção do somente reversão parcial do efeito anticoagulante das
TTPA entre 1,5 e 2,5 vezes o normal. HEP e de baixo PM. Isso decorre da sua menor densi-
dade de cargas de sulfato. Vários trabalhos em modelo
A heparina intravenosa tem meia-vida inferior à
animal e in vitro mostram que o sulfato de protamina
1 hora e, usualmente, apenas a suspensão da infusão
neutraliza a atividade antitrombina (antifator IIa) das
é suficiente. A protamina é capaz de inativar a he-
HEP de baixo PM. Porém, observa-se neutralização
parina imediatamente.
variável da atividade antifator Xa. As diferentes HEP
A dose de protamina para neutralizar os efeitos de baixo PM apresentam diferentes densidades de car-
anticoagulantes da HEP baseia-se na proporção de 1 ga de sulfato e, por isso, o grau de neutralização varia
mg de protamina para cada 100 UI (ou 1 mg) de HEP. A entre elas, havendo forte correlação entre o grau de
protamina é administrada por via intravenosa (IV), na neutralização do fator Xa e o conteúdo total de sulfa-
dose máxima de 50 mg em 10 minutos, pois há risco to. Embora a menor redução de inibição possa resultar
de liberação de histamina, com hipotensão e bronco- em falha no controle de uma manifestação hemorrá-
espasmo. Pacientes que fizeram uso de insulina pro- gica, não é claro o significado clínico dessa inativação
tamínica, vasectomizados e alérgicos a peixe apresen- incompleta do fator Xa, existindo trabalhos com resul-
tam maior risco de reações alérgicas, podendo receber tados contraditórios quanto aos efeitos benéficos do
previamente corticosteroides e anti-histamínicos. A uso do sulfato de protamina para a neutralização das
meia-vida do sulfato de protamina é de sete minutos. HEP de baixo PM. De qualquer maneira, recomenda-
Além disso, uma dose excessiva pode ter efeito antico- -se que, na necessidade de reverter os efeitos antico-
agulante, com manifestações hemorrágicas, em razão agulantes da HEP de baixo PM administrada dentro
de seu efeito de agregação e consumo plaquetário. No de oito horas,seja utilizado sulfato de protamina na
cálculo da dose a ser administrada, deve-se considerar dose de 1 mg para cada 100 UI de HEP de baixo PM (1
a curta meia-vida da HEP não fracionada (60 a 90 mi- mg de enoxaparina tem cerca de 100 UI de atividade
nutos). Assim, um paciente recebendo 1.500 UI/h de antifator Xa); caso ocorra persistência do sangramen-
HEP necessita de cerca de 27 mg de protamina. O tem- to, pode ser administrada uma 2ª dose de 0,5 mg de
po de tromboplastina parcial ativada pode ser empre- sulfato de protamina para cada 100 UI de atividade
gado para controle do efeito do sulfato de protamina. antifator Xa. Quando a HEP foi administrada há mais
de oito horas, e há necessidade de se reverter seu efei-
to anticoagulante, indica-se dose menor de sulfato de
protamina. O emprego do fator VII ativado recombi-
Heparina de baixo peso molecular (PM) nante (rFVIIa) seria uma alternativa para reverter os
As preparações de heparinas de baixo peso efeitos das HEP de baixo PM, tendo sido relatada a efi-
molecular (LMWH) são produzidas por despolari- cácia do emprego de cinco doses repetidas de 100 mg/
zação enzimática ou química de heparina não fracio- kg em um paciente com dose excessiva de enoxaparina
nada. Sua capacidade de inibir o fator Xa é maior e hematoma cerebelar.
estatura e a estrutura óssea do indivíduo são obtidos na prática clínica a Impedância Bioelétrica, ou Bio-
por meio de tabelas), pois é este que registra com maior impedância Corporal, método simples, seguro, rápi-
fidedignidade o porcentual de ganho ou perda de peso. do, sensível, não invasivo e fácil de usar, aplicável à
Alguns pacientes podem apresentar peso inferior ao te- beira do leito. Esse método vem sendo amplamente
órico sem que este traduza algum grau de desnutrição, estudado e validado em âmbito hospitalar, e uma de
ao passo que, nos pacientes obesos, a desnutrição pode- suas vantagens é a eliminação dos erros de medida
rá passar despercebida a esta medida. Algumas vezes, que, normalmente, ocorrem quando são utilizados os
os pacientes ao serem internados não são pesados, e métodos antropométricos.
esse dado, simples e importante, deixa de ser analisado. O princípio da bioimpedância baseia-se no fato
O porcentual de perda de peso é muito impor- que a impedância Z (resultante da resistência ofereci-
tante para o diagnóstico da desnutrição. Ele pode da ao fluxo elétrico) relaciona-se ao volume do corpo
ser obtido pela fórmula: perda de peso = ((peso habi- como um condutor, tendo sido demonstrada uma cor-
tual – peso atual)/peso habitual) x 100. relação significativa entre o seu valor e a massa magra.
Assim, a impedância tem maior valor na massa lipí-
As alterações no peso corporal podem refletir
dica comparativamente à massa biologicamente ativa
uma mudança no conteúdo de proteínas, água, mine-
(tecido magro), que contém praticamente toda a água
rais e/ou gordura. Para avaliar a perda de peso, o por-
corpórea com eletrólitos, portanto, altamente condu-
centual de perda de peso pode ser calculado e relacio-
tora e com resistência baixa.
nado com o tempo em que ocorreu, sendo utilizada a
classificação de Blackburn e cols., (Tabela 2.29). Novos aparelhos que determinam ângulo de fase
na impedância bioelétrica mostram que a composição
Avaliação da percentagem de perda de peso corporal pode predizer complicações e correlaciona-se
Perda de peso Perda de peso com a avaliação subjetiva global.
Tempo
significativa (%) severa (%)
Uma semana 1a2 >2
Um mês 5 >5 Avaliação subjetiva global
Três meses 7,5 > 7,5 (ASG)
Seis meses 10 > 10
Tabela 2.31 Atenção! Atualmente, vem ganhando espaço na prática
da avaliação do estado nutricional a Avaliação Sub-
jetiva Global (ASG). Trata-se de um método clínico,
Algum grau de perda de peso é, geralmente, es- simples, de baixo custo e rápido. Essa técnica de ava-
perado durante a hospitalização ou com a evolução da liação alia o exame físico e a história clínica rápida e
doença. Essa perda é derivada da doença ou do trata- eficiente. Alterações na ingestão alimentar, no peso,
mento. Deficits de 5% a 10% do peso habitual não no trato gastrointestinal e na capacidade funcional
têm sido considerados clinicamente significativos, são avaliadas e pontuadas, de forma que os pacientes
porém, perda rápida de peso acima desse valor sejam divididos em três classes: classe A, bem nutri-
pode ser encontrada com frequência e é evidência dos; classe B, moderadamente desnutrido ou em risco
de desnutrição. de desnutrição; e classe C, severamente desnutrido. A
A variação ponderal para o peso habitual (peso ASG é um acurado preditor de pacientes que tenham
atual/peso habitual x 100%) pode classificar a des- alto risco de complicações ou que necessitem de su-
nutrição de acordo com Grant e cols., (1981) em: porte nutricional. Pacientes que apresentam uma
desnutrição leve: 90% a 85% do peso habi- perda corporal de 10% nos últimos seis meses po-
tual; dem ser classificados como C (atenção!).
desnutrição moderada: 85% a 75% do peso
habitual;
desnutrição severa: menor que 75% do peso Avaliação bioquímica
habitual.
A avaliação do estado nutricional deve ser com-
plementada por meio de exames laboratoriais de
Impedância bioelétrica rotina em pacientes cirúrgicos. Esse método tem a
vantagem de identificar as alterações nutricionais
Para uma avaliação mais criteriosa do estado na fase subclínica. Os níveis de proteínas séricas,
nutricional de pacientes internados, técnicas de esti- albumina e a contagem linfocitária no sangue pe-
mação da composição corporal vêm sendo utilizadas riférico têm-se mostrado específicos e sensíveis
na tentativa de analisar, em detalhes, as modifica- para prever complicações pós-operatórias, taxas
ções ocorridas na constituição de cada um dos com- de permanência hospitalar e mortalidade em pa-
ponentes. Nesse contexto, tem sido muito utilizada cientes cirúrgicos. A avaliação da quantidade de
água e sódio pode ser um dado indireto complemen- Grau de desnutrição de acordo com a albumina e
tar importante para a avaliação nutricional em pa- transferrina sérica
cientes com desnutrição aguda. Estado Albumina Transferrina
nutricional (g/dL) (g/dL)
Normal 3,5 a 5 200 a 400
Proteínas plasmáticas DPE leve 2,8 a 3,4 150 a 199
Uma estimativa do fornecimento adequado de DPE moderada 2,1 a 2,7 100 a 149
aminoácidos ao fígado e de sua capacidade de síntese DPE grave < 2,1 < 100
pode ser obtida por meio de uma série de proteínas Tabela 2.32 Atenção!
plasmáticas, que, geralmente, são reduzidas à medida
que o organismo perde reservas de proteínas. Os exa-
mes mais comumente utilizados são a dosagem da
Pré-albumina
albumina sérica, da pré-albumina e da transferrina. A pré-albumina desempenha um grande papel no
transporte da tiroxina e é carreadora para a proteína
fixadora do retinol. A meia-vida sérica foi calculada
como sendo de apenas dois dias e sua reserva cor-
Albumina sérica poral é pequena. Qualquer demanda brusca de sín-
A albumina é uma das proteínas mais exten- tese proteica, como na infecção aguda ou no trauma-
sivamente estudadas e de uso rotineiro na prática tismo, deprime rapidamente a pré-albumina sérica,
cirúrgica. A taxa de albumina sérica é, geralmente, devendo-se realizar uma interpretação cuidadosa dos
baixa na presença da desnutrição proteico-energéti- dados obtidos antes de se poder inferir a existência de
ca (DPE) e também tem sido amplamente indicada uma depleção nutricional. As concentrações séricas
para avaliar o estado nutricional, sendo particu- normais variam entre 15,7 a 29,6 mg/100 mL, com
larmente usada para o prognóstico do aumento uma média de 22,4 mg/100 mL. Os níveis entre 10
da mortalidade e da morbidade. O total de albu- e 15 mg/100 mL foram considerados como uma
depleção proteica visceral leve, ao passo que 5 a 10
mina corporal em um homem de 70 kg é aproxima-
mg/100 mL denotam uma depleção moderada, e me-
damente de 300 g (3,5 a 5,3 g/kg). Concentrações
nos de 5 mg/100 mL, uma depleção visceral grave.
séricas de albumina superiores a 3,5 g/100 mL são
consideradas normais. Para efeito das questões de provas, deixamos regis-
trado que, além das proteínas anteriormente descritas,
O longo período de meia-vida da albumina (em vale a pena lembrar-se da proteína carreadora do reti-
média 21 dias), assim como a grande reserva corporal nol que possui vida-média de 10 horas, descrita como
(4 a 5 g/kg) têm sido responsabilizados pela sua má cor- um marcador para avaliação nutricional, porém, é de-
relação com processos agudos que levam à desnutrição. pendente dos níveis plasmáticos de vitamina A.
Entretanto, a facilidade de seu uso, o baixo custo e a
sua correlação com a perda de peso e com a mortalidade
fazem da albumina um grande aliado na avaliação e na
Balanço nitrogenado
evolução dos pacientes na prática clínica. A excreção urinária de nitrogênio sob a forma
de nitrogênio ureico é utilizada para avaliar a perda
proteica muscular. O balanço nitrogenado consiste no
cálculo da diferença entre o nitrogênio ingerido e aque-
Transferrina le excretado. O nitrogênio ingerido é obtido dividindo-
A transferrina sérica é uma betaglobulina que -se por 6,25 a grama de proteína ingerida. O nitrogênio
transporta o ferro no plasma. É sintetizada no fíga- excretado é obtido pela somatória das perdas do nitro-
do, com concentrações séricas normais oscilando gênio urinário, nitrogênio das fezes e de outras perdas
de 250 a 300 mg/100 mL e uma reserva plasmáti-
como a pele. Na prática, pode-se usar a dosagem de 24
horas da ureia urinária multiplicada pelo fator 0,46 ou
ca média de 5,29 g. A meia-vida da transferrina
a quantidade total de N urinário (esta é mais fidedigna,
varia de 8 a 10 dias, com uma média de 8,8 dias.
pois o N existe em outros compostos além da ureia). Es-
Por causa da menor reserva corporal e da vida média
timam-se em 2 g as perdas na pele e nas fezes e, assim,
mais curta, admite-se que a transferrina reflete com a fórmula final para o cálculo com a ureia urinária fica:
maior exatidão as alterações agudas ocorridas no
estado da proteína visceral. Entretanto, sua taxa
pode ser influenciada pela carência de ferro (pela di-
minuição na ingestão e/ou no consumo bacteriano Balanço nitrogenado = N ingerido – (N ureico urinário
em infecções). + 2 g)
3
Pré-operatório II
O preparo do paciente
Interrupção de medicamentos
Pacientes em uso de aspirina devem suspendê-la por pelo menos 7 dias antes da cirurgia eletiva,
aqueles em uso de anticoagulantes orais, devem suspendê-los pelo menos 4 dias antes, enquanto que o
uso de AINH (exceto AAS) deve ser suspenso pelo menos 2 dias antes. Fiquem atentos às próximas tabelas e
valorize cada uma das informações.
Tabela 3.1 Atenção! (*) Sulfonilureias de longa duração devem ser suspensas 48 horas antes do ato cirúrgico. Al-
guns autores recomendam suspender a metformina (biguanida) 48 horas antes da indução anestésica; neste caso, o
motivo está relacionado com o potencial desenvolvimento de acidose lática em situações de deficit de oxigenação
tecidual.
Mas agora tudo o que preciso para ter um futuro é planejar um futuro dentro do qual eu consiga me inserir.
– Francine Julia Clark
4
Pós-operatório I
DOR MODERADA
Analgésico comum + adjuvantes
+ opióide fraco Soluços
DOR INTENSA No período pós-operatório, propicia a ocorrên-
Analgésico comum + adjuvantes
+ opióide forte* cia de deiscência de sutura da parede abdominal, e no
paciente anestesiado interfere com a cirurgia e com a
Figura 4.2 Escala analgésica. A dor pós-operatória
eficiência da ventilação.
segue habitualmente o sentido da seta esquerda, en-
quanto que a dor crônica ou de complicação pós-cirúr- Entre os tratamentos propostos, a maior parte
gica obedece a seta à direita. (*) Morfina, Oxicodona, é efetiva para casos leves, enquanto que para os casos
Fentanil, Metadona e Meperidina. graves torna-se um desafio médico.
mL/h de anestesia. O impacto é maior no intestino do mado íleo adinâmico. Assim, o melhor indicador da
que no estômago, por ser este mais distensível e com resolução do íleo adinâmico é o reinício da peristalse e,
maior volume de reservatório. Habitualmente, durante posteriormente, eliminação de flatos.
a anestesia, o reflexo do vômito estará abolido, apresen-
Obstipação > 6 dias = pensar obstrução intestinal.
tando as consequências daquela distensão no período
pós-operatório. Durante a raquianestesia a hipotensão Diarreia no 7o PO + distensão = obstrução in-
é tida como a grande responsável pela ocorrência de testinal (diarreia paradoxal da suboclusão intestinal).
náuseas e vômitos, que aparecem em menor frequência
quando os níveis pressóricos conseguem ser mantidos A presença de fezes + flatos NÃO é garantia de que
acima de 80 mmHg, mesmo à custa de vasopressores. tudo está bem na cavidade peritoneal!
Os anestésicos, além de poderem desencadear
vômitos por alteração da motilidade do trato gas-
trointestinal, têm um efeito relevante sobre a mo- Atenção ao exame abdominal no pós-operatório.
tilidade gástrica e a função do esfíncter inferior do Na ausculta, RH devem ser considerados com cautela,
esôfago. O efeito sobre esse esfíncter é importante não pois podem ser interpretados erroneamente (“a pre-
só por induzir o vômito, mas, principalmente, porque sença de RH NÃO exclui que uma grave complicação
facilita o refluxo gastroesofágico, com regurgitação do abdominal esteja acontecendo!”).
conteúdo para a boca e risco de aspiração, essencial-
mente, com pacientes em decúbito dorsal. Essa ação
sobre o esfíncter inferior do esôfago aparece com
óxido nitroso e é agravada por halotano e enflura- Prescrição médica no
no. O mecanismo pelo qual esse fato ocorre parece liga-
do à ação central, nas vias de regulação vagal. Os efeitos pós-operatório
sobre a motilidade gástrica são variáveis, dependendo
das drogas e de suas concentrações. O padrão mais
Deve conter o tipo de dieta ou jejum, reposição
comum da maioria dos anestésicos é a redução da
hidroeletrolítica quando houver perdas ou se o pa-
motilidade gástrica diretamente por ação vagal.
ciente estiver incapacitado de receber aporte hídri-
Concomitantemente a esta ação, há relaxamento do
co ou energético por via enteral. Os antibióticos são
esfíncter pilórico, que promove o refluxo de bile
prescritos conforme o caso; se profiláticos devem ser
para o estômago, servindo como fator adicional
suspensos ao término da cirurgia, aceitando-se no
para o vômito por irritação mucosa.
máximo até 24 horas após; se prescritos após este
O tratamento medicamentoso pode ser empre- período, pode-se considerar antibioticoterapia. Anal-
gado com várias drogas como domperidona, metoclo- gesia e antieméticos devem ser prescritas conforme
pramida, fenotiazínicos, butirofenonas (droperidol), o tempo de pós-operatório, pois são marcadores de
anticolinérgicos (ioscina, escopolamina, atropina), an- complicações. Os analgésicos são de horário até
ti-histamínicos e até com acupuntura. Mais recente- o 2º PO, depois são prescritos quando necessá-
mente, muita atenção tem sido dada ao ondansetron*,
rios nas laparotomias. Antieméticos devem ser
um antagonista seletivo da serotonina que bloqueia os
prescritos de horário nas primeiras 24 horas
receptores periféricos no trato gastrointestinal e atua,
e, depois, se houver necessidade. A profilaxia de
também, diretamente no centro do vômito.
TVP e da gastrite por estresse, bem como medicações
* Principais efeitos colateriais: cefaleia e diarreia. usuais, são outros fatores importantes a serem con-
Depois de 24 horas, o doente em pós-opera- siderados e não devem ser esquecidos. Prescrição de
tório NÃO complicado NÃO costuma vomitar. Se débito de sondas e drenos e fisioterapia respiratória
ocorrerem vômitos suspeitar de complicações. também são itens indispensáveis.
Vômitos persistentes em pós-operatório de
cirurgia bariátrica pode ser fator desencadeante
para encefalopatia de Wernicke, e a prevenção é
feita com a prescrição de tiamina.
Reposição hidroeletrolítica
Controle intraoperatório de
líquidos e eletrólitos
Hábito intestinal Quando o deficit de líquido não for adequada-
No PO inicial é usual que haja constipação com mente corrigido no pré-operatório, o paciente pode
ausência de flatos nos 2-3 dias iniciais ou até por 5 desenvolver hipotensão com a indução anestésica,
dias em procedimentos de grande porte, o cha- pela abolição dos mecanismos compensatórios.
Considerando que a perda do volume extracelu- trólitos no intraoperatório, por infusão de solução sa-
lar efetivo é o estímulo aferente essencial na resposta lina balanceada, pode prevenir ou reduzir a liberação
orgânica ao trauma, a manutenção da volemia normal, adicional de aldosterona, causada pelo deficit de volu-
por administração pré-operatória de líquidos e eletró- me extracelular.
litos, pode reduzir a magnitude da resposta ao trauma Embora haja muitas controvérsias sobre a sua
e, consequentemente, a redução do período de ativida- eficácia, além de dúvidas quanto às vantagens em
de endócrina máxima, sobretudo, quanto à liberação comparação com as soluções salinas balanceadas, as
de aldosterona e do ADH. soluções contendo albumina são também indicadas
A reposição de sangue durante o ato operatório para a reposição das perdas de líquido extracelular. O
deve ser realizada, principalmente, com base na inten- uso dessas soluções teria como finalidade a conserva-
sidade da perda sanguínea e nas condições clínicas do ção da pressão oncótica e evitar o edema intersticial.
paciente. Nos pacientes jovens e sadios, a reposição
de perdas de menos de 500 mL de sangue é geral-
Volume e composição dos líquidos digestivos
mente desnecessária. Porém, a transfusão de sangue
deve ser prontamente considerada e iniciada nas Volume Na+ K+ CL -
perdas acima de 500 a 1.000 mL. A reposição sanguí- (24 horas) mEq/L) mEq/L) (mEq/L)
nea deve ser feita à medida que ocorre a perda inde- Água produzi- 400 mL – – û
pendentemente de qualquer terapia de líquidos e ele- da (endógena)
trólitos, porque essa conduta não substitui a reposição Urina 1.000- 60 40 150
1.500 mL
de sangue. Se durante todo o procedimento cirúrgico
o apropriado é a transfusão de apenas uma unidade Saliva 1.500 mL 10 25 10
de sangue, esta é exatamente a quantidade que dever Suco gástrico 2.500 mL 70 10 100
ser administrada, embora seja uma conduta criticada, Suco 700 mL 140 5 70
sob alegação de que a necessidade de uma única uni- pancreático
dade de sangue indica que a transfusão é dispensável. Bile 600 mL 140 5 100
Quando são realizadas transfusões sanguíneas rá- Suco entérico 3.000 mL 120 30 100
pidas, torna-se necessária a reposição de cálcio, na Tabela 4.4 Atenção.
dose de 1 g de gluconato de cálcio para cada quatro
a cinco unidades de sangue, para evitar o desenvol-
vimento de hipocalcemia agudo, da mesma forma
que se torna necessário transfundir concentrado
de plaquetas para evitar sangramento secundário Controle pós-operatório de
a plaquetopenia dilucional. Lembre-se, o concen-
trado de hemácias é pobre em plaquetas e sangue
líquidos e eletrólitos
estocado não tem plaquetas funcionantes. Quando a função renal está normal, o paciente
Nas intervenções cirúrgicas de grande porte, operado, usualmente, tem capacidade de contornar
além das perdas de sangue, observa-se a perda de lí- moderadas depleções e sobrecargas de líquidos e de ele-
quido extracelular causada pela formação de edema, trólitos, consequentes à reposição inadequada, desde
consequente à dissecção tecidual extensa, pelo acúmu- que não seja ultrapassado o limiar crítico de compen-
lo na luz e na parede intestinal, pelo extravasamento sação renal. A eficiência dos mecanismos compensa-
na cavidade peritoneal e pela incisão cirúrgica. Além tórios renais está relacionada com o potencial de ex-
disso, verifica-se, também, a perda de água por eva- creção e conservação de sódio. No homem adulto, os
rins excretam habitualmente cerca de 10 a 80 mEq
poração, em decorrência da exposição das superfícies
de sódio/dia, mas a excreção urinária de sódio pode
de órgãos através da ferida operatória. Essa perda é
ser reduzida para menos de 1 mEq/dia, em condições
de aproximadamente 250 mL/hora de operação, em
dias frios ou em salas refrigeradas, e nos dias quen-
de conservação máxima, ou aumentada acima de 100
tes, 600 mL/hora de operação. mEq/L, em situações de eliminação máxima de sódio. A
reposição adequada de líquidos e eletrólitos pode evitar
As perdas por sequestro no sítio da lesão ou por uma sobrecarga desnecessária à função renal.
evaporação são, usualmente, difíceis de serem estima-
das. Essas perdas líquidas no intraoperatório podem
ser corrigidas com a infusão de 500 a 1.000 mL/hora
solução salina balanceada atingindo, geralmente, um
Balanço hídrico
total máximo de 2 a 3 L em operações de grande porte. A análise comparativa entre as perdas de líquidos,
O controle dos parâmetros clínicos, incluindo débi- externas e internas, e os ganhos obtidos por ingestão,
to urinário horário, pulso, pressão arterial, PVC, é infusão intravenosa e metabolismo são procedimen-
essencial para a reposição eficiente de líquidos. A tos importantes para avaliar a eficácia e a suficiência
compensação adequada das perdas de líquidos e ele- dos líquidos administrados, estimar as sobrecargas e
as depleções de líquidos. Por conseguinte, torna-se es- Os pacientes em hiperventilação, com frequ-
sencial o registro preciso dos ganhos e das perdas de ência respiratória igual ou superior a 35 incursões
líquidos, principalmente, nos pacientes com previsão por minuto, podem apresentar perdas de 1.000 mL
de receber líquidos intravenosos por mais de 24 horas. de líquidos, além das perdas insensíveis normais,
em consequência do aumento da evaporação pelo
No pós-operatório de procedimentos cirúrgicos
trato respiratório. Nos pacientes com traqueostomia
de grande porte, ainda que a meta principal seja a
não umidificada, as perdas de água podem atingir 500
busca do equilíbrio entre as perdas e os ganhos, faz-se
a 1.500 mL/dia, além das perdas pulmonares habitu-
necessário lembrar que o desvio interno de líquidos
ais. As perdas hídricas insensíveis estão aumentadas
nas primeiras 48 a 72 horas pode elevar os ganhos
nos pacientes com temperatura corporal elevada. Du-
e, após esse tempo, no período seguinte, a reabsorção
rante o período febril, para cada grau acima de
desses líquidos sequestrados pode acentuar as perdas.
37,2 ºC, deve ser acrescentada uma perda adicio-
Nessa primeira fase, o balanço hídrico positivo, con-
nal de 10%, acima das perdas insensíveis horá-
sequente à sequestração de líquido no local da le-
rias habituais. O aumento na temperatura ambiente
são, não deve ser considerado como sobrecarga de
causa também maior perda diária de água. Cada au-
volume. Do mesmo modo, o balanço hídrico negativo
mento de 3 ºC da temperatura ambiente, acima de 29
na segunda fase não deve ser interpretado como deficit
ºC aumenta as necessidades de água de cerca de 500
de volume.
mL/dia. Outra fonte de perda de líquidos através da
A determinação do balanço hídrico é obtida por pele é o suor. Quando há sudorese excessiva, observa-
análise comparativa entre o ganho total de líquidos, -se aumento considerável nas perdas hídricas.
por ingestão de alimentos sólidos e líquidos, infusão
de líquidos por via intravenosa e água endógena, e o
total de perdas de líquidos, incluindo diurese, perdas
insensíveis e perdas externas anormais, principalmen-
Pós-operatório imediato
te, oriundas do trato digestório, por exemplo, fístulas, Nas primeiras 24 horas, após a operação, a pres-
cateteres e drenos (Tabela 4.5). crição de líquidos e eletrólitos deve basear-se no esta-
do de hidratação pré-operatória, na estimativa de ga-
nhos e perdas durante a operação, e no exame clínico
Trocas usuais de líquidos em um homem adulto do paciente, sobretudo, pela avaliação da frequência
de 60 a 80 kg de peso corporal cardíaca, da pressão arterial, da frequência respirató-
Ganhos de Água Perdas de Água ria, da pressão venosa central e, principalmente, do
Sensível Sensível débito urinário horário.
Líquidos 800 a 1.500 mL Urina 800 a 1.500 mL
No paciente com depleção de volume, quando a
orais
perda de sangue é excluída como fator causal, o surgi-
Alimentos 500 a 700 mL Fezes 100 a 250 mL
sólidos
mento de sinais clínicos compatíveis com hipovolemia
indica que a reposição de líquidos e eletrólitos foi insufi-
Insensível Insensível
ciente no intraoperatório. Nesse caso, apesar da redução
Água 200 a 500 mL Pulmões 500 a 1.000 mL
endógena e pele da excreção urinária de sódio em resposta ao trauma, a
infusão de soluções contendo sódio pode ser indispensá-
Tabela 4.5 vel na reanimação do paciente cirúrgico. Nos pacientes
submetidos às cirurgias de grande porte, associadas
A água endógena produzida pela oxidação a grandes perdas de volume, torna-se difícil estimar a
das proteínas e lipídios, geralmente, é de cerca de quantidade apropriada de líquidos para as 24 horas se-
400 mL. A principal fonte de perda de líquidos é a guintes. A conduta mais adequada consiste na infu-
diurese, que varia, normalmente, entre 800 e 1.500 são rápida de solução salina balanceada, 1.000 mL de
mL/dia. A excreção habitual de água pelas fezes é de cada vez, sob rigorosa monitorização dos parâmetros
cerca de 200 mL. clínicos, até a estabilização circulatória. Depois dis-
As perdas insensíveis de líquidos no organismo so, procede-se à prescrição de líquidos de manuten-
representam as perdas de água que não são normal- ção para o restante do dia. Entretanto, como a perda
mente visíveis ou mensuráveis, incluindo a água elimi- de líquidos no local do trauma cirúrgico persiste após o
nada pelos pulmões, durante a ventilação, e pela pele, término da operação, com sequestro lento e contínuo de
exceto a água perdida no suor. No adulto inativo e grandes volumes de líquido extracelular, torna-se funda-
sem perspiração, as perdas insensíveis de água va- mental o diagnóstico precoce e o tratamento rápido da
riam entre 0,5 a 0,6 mL/kg/hora, atingindo cerca deficiência de líquidos e eletrólitos.
de 500 a 1.000 mL/dia (média de 600 a 900 mL). A sobrecarga de volume, ainda que possa ocorrer
Geralmente, 75% das perdas ocorrem pela pele e 25% em qualquer fase do período pós-operatório, é mais
pelos pulmões. comum no pós-operatório imediato, principalmente,
te. Na nutrição parenteral, as calorias provenientes da níveis de ADH circulante, relacionados ao estres-
glicose são fornecidas a uma velocidade de infusão de se cirúrgico, associado à infusão iatrogênica de solu-
aproximadamente 4 mg/kg/minuto. O fornecimento ção hipotônica no perioperatório (por exemplo, soro
de carboidratos por via intravenosa em quantidades glicosado a 5%). Irrigação vesical com soluções hipo-
que superem a capacidade máxima de oxidação (5 mg/ tônicas nas ressecções transuretrais de próstata pode
kg/minuto em adultos) pode predispor à lipogênese e contribuir para alguns casos.
à infiltração gordurosa do fígado. A administração de O tratamento da hiponatremia depende da cau-
130 a 150 g/dia de glicose, distribuídos nas soluções sa, do tempo de instalação e da presença de sintomas
administradas no pós-operatório, pela supressão en- e comorbidades. Hiponatremias de instalação lenta
dógena da produção de glicose, pode causar um efeito
levam a alterações adaptativas nas células nervosas,
modesto de conservação de proteínas. O nitrogênio
que perdem substâncias orgânicas osmoticamente
ureico urinário reduziu em 40% quando foi adminis-
ativas na tentativa de equilibrar as osmolalidades in-
trada essa quantidade de glicose.
tra e extracelulares e evitar o edema cerebral. Nesse
Como exemplo, considera-se, geralmente, caso, se a correção da hiponatremia for inade-
adequada a administração diária de 2.000 a 2.500 quadamente rápida, haverá redução abrupta da
mL de água (solução de glicose a 5%), 75 mEq/L de osmolalidade extracelular com consequente de-
sódio e 40 mEq de potássio, para o paciente adulto sidratação das células nervosas, resultando em
não demasiadamente obeso ou de baixo peso.
desmielinização osmótica.
A mielinólise pontina é a sua manifesta-
ção mais conhecida e grave, e suas principais
Reposição de sódio características incluem tetraparesia espástica,
paralisia pseudobulbar, labilidade emocional,
Nas primeiras 72 horas após a operação, os
agitação, paranoia, alterações pupilares, ataxia,
pacientes geralmente não toleram a administra-
ção de grandes quantidades de soluções contendo incontinência urinária e coma. Etilismo, desnutri-
sódio quando comparados às condições normais, ção, hipopotassemia, cirrose, grandes queimaduras
tornando-se edematosos com maior facilidade. A e perimenopausa em uso de diuréticos tiazídicos são
infusão volumosa de soluções salinas, quando há ain- os principais fatores de risco para o seu desenvolvi-
da permeabilidade capilar alterada e intensa atividade mento. A desmielinização osmótica, particularmente
dos mecanismos de conservação de sódio, proporcio- a mielinólise pontina, embora rara, é uma entidade
na uma diluição adicional das proteínas plasmáticas, gravíssima e passível de prevenção.
favorecendo a forte tendência para o edema tecidual, Assim, indivíduos com hiponatremias agudas
sobretudo, dos pulmões, do cérebro e das áreas peri- são mais suscetíveis a sequelas neurológicas perma-
féricas. A administração exagerada de líquidos com o nentes em decorrência do edema cerebral quando a
objetivo de anular os mecanismos de conservação de hiponatremia não for corrigida prontamente, enquan-
sódio e minimizar os efeitos deletérios decorrentes da to indivíduos com hiponatremia crônica são mais sus-
resposta orgânica ao trauma, geralmente, não produz cetíveis a desmielinização osmótica se a hiponatremia
o efeito esperado. for corrigida rapidamente. A velocidade de corre-
Quando o volume extracelular efetivo é repos- ção do sódio não deve exceder 0,5-1 mEq/L/h (12
to de forma adequada, durante o ato operatório e no mEq/L em 24 horas), salvo em hiponatremias
pós-operatório imediato, com volumes apropriados de agudas graves com encefalopatia hiponatrêmica
soluções salinas balanceadas, os rins conservam a ca- importante (convulsões e coma) nas quais se po-
pacidade de excretar os excessos moderados de líqui- dem corrigir o sódio em 5-8 mEq/L nas primei-
dos que eventualmente tenham sido administrados. ras 4-6 horas; entretanto, mesmo nesses casos,
No pós-operatório, a infusão de soluções salinas a correção máxima nas primeiras 24 horas não
deve ser realizada com moderação e em quanti- deve exceder 12 mEq/L.
dades suficientes para repor o deficit de volume Nos casos com hipovolemia ou desidratação, o
extracelular, mantendo a pressão arterial e a frequ- tratamento é realizado com solução salina isotônica
ência cardíaca dentro dos padrões usuais pré-opera- (SF 0,9%), até a restauração de volume extracelular
tórios e um débito urinário de 30 a 50 mL/hora. A adequado. Nos casos associados à hipervolemia e
cautela na administração de soluções salinas deve ser edema, a compensação da doença de base melhoran-
ainda maior nos pacientes com reserva funcional car- do a perfusão sistêmica associada à restrição hídrica
díaca ou renal comprometida. é suficiente para o tratamento da hiponatremia. Nes-
A hiponatremia pós-operatória é uma causa ses casos, a furosemida pode ser utilizada, e a res-
muito frequente e potencialmente grave de hipona- trição de sódio é mandatória, pois o sódio corpóreo
tremia em pacientes internados. É causada por altos total está aumentado.
Nos casos euvolêmicos (SIADH), solução sa- Fórmula de Adrogué-Madias para reposição
lina hipertônica a 3% é indicada quando houver de Sódio:
sintomas e se a hiponatremia for grave e aguda.
Nos casos crônicos de SIADH assintomáticos, po-
de-se utilizar a restrição hídrica isoladamente. ∆Na+ = (Na+ infusão + K+ infusão*) – Na+sérico
Podem-se utilizar também diuréticos de alça associa-
Água corporal total + 1
dos a maior ingestão de cloreto de sódio. Se houver
falha terapêutica com essas medidas, a demeclociclina
na dose de 600-1.200 mg/dia pode ajudar mediante ∆Na+: mudança esperada no Na+ a cada litro de
indução de diabete insípido nefrogênico. solução infundido. (*) caso a solução não possua K+,
Deve-se atentar para o fato de que a velocidade exclua essa variável da fórmula. Na+ infusão: [Na+] em
de correção do sódio deve ser respeitada mesmo nos mEq por litro da solução escolhida.
casos em que não se utiliza a solução salina hipertô-
nica, como em casos com hipovolêmia intensa e nos Soluções:
hipervolêmicos edemaciados. Mesmo em indivíduos
NaCL 5% = 855 mEq/L de Na+
euvolêmicos com hiponatremia crônica oligo ou assin-
NaCL 3% = 513 mEq/L de Na+
tomática causada por algum agente, em que o trata-
NaCL 0,9% = 154 mEq/L de Na+
mento, muitas vezes, é apenas a suspensão do agente,
NaCL 0,45% = 77 mEq/L de Na+
a velocidade de correção deve ser observada e, se ul-
Ringer lactato = 130 mEq/L de Na+
trapassada, indicam-se soluções hipotônicas intrave-
Glicose 5% = 0 mEq/L de Na+
nosas para retomar um nível seguro de concentração
Tabela 4.8
de sódio. A Tabela 4.8 mostra os princípios do trata-
mento da hiponatremia.
5
Pós-operatório II
h) fórmulas enriquecidas com nutrientes imu- citos totais circulantes e da síntese de linfócitos T
nomoduladores: específicas para pacientes críticos é frequentemente um achado comum em pacientes
imunodeprimidos, com ou sem sepse. que recebem glutamina. Embora ainda desacreditada
por alguns autores, várias metanálises têm demons-
Os principais imunonutrientes são a gluta-
trado que o seu uso, principalmente por via parenteral
mina, a arginina, os nucleotídeos, os ácidos gra-
e com altas doses, têm direta repercussão na queda de
xos ômega-3 e os antioxidantes. Dos imunonu-
infecção e dias de internação de pacientes cirúrgicos.
trientes destacamos a glutamina.
do aparelho digestório e quando a dieta parenteral está exclusiva para o suporte, através de bomba de infusão,
sendo finalizada (período de desmame). Na ocorrência em mL/hora, durante 24 horas, conforme volume pres-
de instabilidade hemodinâmica, a NP deve ser sus- crito. O tempo de infusão da solução de nutrição
pensa até a estabilização hemodinâmica. A terapia parenteral não deverá ultrapassar 24 horas. O
parenteral é contraindicada nos pacientes terminais com equipamento deve conter filtro apropriado para
mau prognóstico ou com morte encefálica. Nessas con- infusão da NP e ser trocado a cada 24 horas.
dições, o parecer da equipe deve ser mais importante do Para que essa evolução seja realizada com segu-
que uma opinião isolada do médico assistente. rança, a equipe de terapia deverá realizar uma monito-
rização diária, prevenindo e corrigindo possíveis dis-
Principais indicações da nutrição parenteral túrbios hidroeletrolíticos. Caso ocorra hiperglicemia
No pré-operatório de pacientes eutróficos que não po- ou hipoglicemia no início da terapia, a correção deve
derão receber nada via oral ou enteral por um período ser imediata. A insulinoterapia agressiva para impe-
maior que 7 dias. Por exemplo, gastrectomias com deri- dir a hiperglicemia tem sido muito utilizada nos dias
vação, fístulas enterocutâneas cuja terapia enteral é con- atuais. Preconiza-se que a glicemia deva perma-
traindicada, derivação biliodigestiva em Y Roux, ressec- necer em níveis normais (80 a 110 mg/dL), es-
ções extensas do TGI, síndrome do intestino curto etc.). pecialmente em pacientes cirúrgicos críticos. As
Quando a dieta enteral oferecida não preencher pelo me- alterações de eletrólitos, oligoelementos, vitaminas e
nos 50% das necessidades nutricionais do paciente. minerais devem ser corrigidas conforme carências (re-
No pré-operatório de pacientes desnutridos graves, que posição) ou excesso (diminuição ou suspensão). A água
serão submetidos à cirurgia eletiva, quando a dieta oral
estéril bidestilada pode ser acrescentada para atingir o
e/ou enteral é contraindicada e/ou insuficiente.
volume preconizado (1.200 a 2.000 mL) no primeiro
Complicações cirúrgicas pós-operatórias (abscesso in-
dia de infusão. Essa quantidade varia de acordo com
tracavitário, íleo prolongado).
Trauma abdominal grave. as restrições do paciente.
Desnutrição grave.
Vômitos incoercíveis.
Doença intestinal inflamatória grave. Nutrição parenteral cíclica
Síndrome do intestino curto.
Fístulas digestivas. A infusão contínua de nutrientes impõe mudan-
Pancreatite aguda grave quando não for possível a TNE ças hormonais e metabólicas para o paciente. Mais
por via jejunal. recentemente, tem-se administrado a prática da infu-
Tabela 5.5 são intermitente de nutrientes e calorias no período
noturno. Essa conduta cíclica, além de permitir uma
aproximação com o habitual e normal, propicia perí-
odos pós-absortivos, permite um conforto maior aos
Via de acesso pacientes que ficam livres das bombas e dos equipa-
A NPT deve ser administrada idealmente através mentos, possibilitando a deambulação e atividades
de uma veia central, habitualmente, a veia subclávia leves, principalmente para os pacientes em terapia do-
ou a jugular interna por meio de um cateter de único miciliar e/ou ambulatorial.
lúmen. Deve-se ter rigor com o local de inserção do
cateter para evitar infecções. As principais complica-
ções da punção da veia subclávia ou jugular podem ser Sistematização do término da
vistas na Tabela 5.6. A necessidade de múltiplas vias
de acesso em doentes críticos tornou o uso de cate- nutrição parenteral
teres de dois ou três lúmens muito comum. O uso de Quando o paciente apresentar condições de rece-
cateter totalmente implantável está indicado em ber dieta por via enteral e/ou oral, o desmame da paren-
TNP prolongada e domiciliar. teral deve ser iniciado vagarosamente. No sistema glicí-
dico, o desmame deverá ser realizado com um cuidado
maior em razão da eventual ocorrência de hipoglicemia.
Sistematização do início da TNP Nessa situação, a prescrição de soro glicosado a 10% por
Após triagem e avaliação do estado nutricional, um período de 6 a 12 horas é indicado. No momento de
da determinação das necessidades de nutrientes e calo- transição, a terapia será mista: TNP associada à TNE ou
rias, e da inserção do cateter venoso e, principalmente, à via oral, ou ainda a TNP associada à TNE e oral. Da
após a estabilidade hemodinâmica, inicia-se a terapia mesma forma que no início da administração da solu-
nutricional parenteral. A introdução das calorias e nu- ção, o desmame deve ser gradual. Quando o paciente
trientes deve ser gradual, iniciando-se com 30% a já estiver recebendo 50% das suas necessidades nutri-
40% das necessidades, progredindo para 60% no cionais pela terapia enteral ou dieta oral, a nutrição pa-
segundo dia, aumentando depois para 100% no renteral poderá começar a ser retirada. Caso haja risco
terceiro dia. A TNP será administrada em veia central de o paciente precisar retornar à nutrição parenteral,
aconselha-se manter a punção venosa para a continui- A complicação metabólica mais frequente é
dade da terapia. A NP deverá ser suspensa também na a intolerância à glicose.
ocorrência de instabilidade hemodinâmica. Alterações nas provas de função hepática
podem ocorrer em nutrição parenteral prolon-
Complicações da TNP gada, principalmente em crianças, e podem evo-
luir para hepatopatia crônica.
Complicações da TNP
Menos comumente observam-se hipertriglice-
Metabólicas
ridemia, hipoglicemia, deficiência dos ácidos graxos
Hiperglicemia.
essenciais, hiperinsulinemia, hipercapnia e hiper-
Hipoglicemia (< 75 mg/100 mL)/hipoglicemia insulínica).
Coma hiperglicêmico. volemia. Distúrbios dos eletrólitos podem ocorrer,
Retenção de CO2 por sobrecarga de glicose (hipercapnia). principalmente, em pacientes em estado crítico ou
Hipertrigliceridemias (> 400 mg/100 mL). com insuficiências orgânicas, e devem ser cuidadosa-
Hipofosfatemia (< 2,3 mg/100 mL). mente monitorizados.
Hiperfosfatemia (> 4,3 mg/100 mL). Intolerância à glicose é observada em cer-
Hipocalemia (< 3,5 mEq/L). ca de 25% dos pacientes, manifestando-se por
Hipercalemia (> 5,6 mEq/L). hiperglicemia, glicosúria e, se não manejada ade-
Hiponatremia (< 135 mEq/L).
quadamente, pode evoluir para coma hiperosmolar
Hipernatremia (>145 mEq/L).
não cetótico. O tratamento consiste, basicamente,
Hipocloremia (>108 mEq/L).
Hipomagnesemia (< 1,6 mEq/L). em redução da infusão de glicose por substituição
Hipermagnesemia (> 2,2 mEq/L). da infusão de parte das calorias glicídicas por solu-
Hiperamonemia (> 40 mg/100 mL). ções lipídicas e administração exógena de insulina.
Deficiência de cobre (< 80 µg/100 mL). Estudos recentes demonstraram que a hiperglicemia
Deficiência de zinco (< 75 µg/100 mL). associa-se ao aumento acentuado das complicações
Hiperbilirrubinemia (>1,2 mg/100 mL). infecciosas e, portanto, a glicemia plasmática deve
Acidose (pH <7,45 ou CO2< 21). ser cuidadosamente monitorizada.
Alcalose (pH > 7,45 ou CO2 < 30).
A etiologia das alterações hepáticas decorrentes
Hipocalcemia (< 8,8 mg/100 mL).
da nutrição parenteral não é bem conhecida, mas cer-
Hipercalcemia (> 10,3 mg/100 mL).
Hipoalbuminemia (< 2,5 g/L). tamente é multifatorial. Um dos fatores mais comu-
Alterações hepatobiliares: alterações das provas da fun- mente relacionados às alterações hepáticas durante a
ção hepática, esteatose hepática, insuficiência hepática, nutrição parenteral é o excesso de glicose nas formu-
litíase biliar e colecistite alitíasica*. lações de nutrição parenteral.
Alterações morfológicas da mucosa intestinal predispondo O risco de se desenvolver cálculos biliares é
translocação bacteriana, sepse e síndrome da disfunção de maior com o uso de nutrição parenteral prolon-
múltiplos órgãos e sistemas (SDMOS).
gada, provavelmente, em razão da falta de estí-
Relacionadas com a punção e com o cateter durante mulo para a liberação de colecistoquinina para a
a NPT
contração vesicular que se segue à alimentação
Pneumotórax.
normal. A consequência dessa falta de estimulação é
Hemotórax.
a estase biliar, predispondo à formação de cálculos bi-
Lesão do plexo braquial.
Hidrotórax e hidromediastino. liares. Também pode ocorrer colecistite aguda alitiási-
Trombose venosa. ca em decorrência da falta de estímulo para contração
Lesão do ducto torácico e quilotórax. de vesícula biliar.
Embolia pulmonar e embolia gasosa. Raramente a nutrição parenteral pode oca-
Embolia do cateter. sionar doença metabólica óssea. Ela se manifesta
Arritmia cardíaca e lesão do átrio direito ou válvula tri- por hipercalcemia e perda excessiva de cálcio e fósfo-
cúspide. ro pela urina. Deficiência de ácidos graxos essenciais
Febre.
pode ser observada após poucas semanas do uso de
Sepse.
nutrição parenteral sem lipídeos, apesar de as mani-
Tabela 5.6 (*) O risco de desenvolver cálculos biliares festações clínicas, como lesões de pele, poder levar
é maior com o uso de nutrição parenteral prolongada, meses para se manifestar.
provavelmente, em razão da falta de estímulo para a
liberação de colecistoquinina para a contração vesicu- Complicações infecciosas: a incidência de sep-
lar que se segue à alimentação normal. A consequência se relacionada ao cateter no início da experiência com
dessa falta de estimulação é a estase biliar, predispondo nutrição parenteral era muito elevada, chegando a
à formação de cálculos biliares. Também pode ocorrer 30% dos casos. Com o desenvolvimento das equipes e
colecistite aguda alitiásica em virtude da falta de es- pessoal especializado em terapia nutricional, reduziu-
tímulo para contração da vesícula biliar. -se para cerca de 5%.
Avaliação do
Bioquímica e fisiologia Deficiência [RDA*] Toxicidade [TUL†]
Status
O cromo dietético consiste em A deficiência em humanos é des- A ingestão oral raramente A concentração
formas inorgânicas e orgâni- crita somente em pacientes rece- leva à toxicidade. O único plasmática ou séri-
cas. Sua função primária em bendo NPT por longo prazo com sintoma decorrente parece ca de cromo é um
humanos é potencializar a ação quantidade de cromo insuficiente. ser a irritação gástrica. A indicador preciso
da insulina. Ele realiza esta A hiperglicemia ou tolerância à exposição aérea pode causar do status de cromo,
função como um complexo cir- glicose prejudicada é comumen- dermatite de contato, ecze- que parece ter sig-
culante denominado “fator de te observada. ma, úlcera de pele e carcino- nificado somente
tolerância à glicose”, afetando o Foram relatadas, também, con- ma broncogénico [TUL não quando o valor é
metabolismo de carboidratos, centrações plasmáticas elevadas estabelecido]. acentuadamente
Cromo gorduras e proteínas. de ácidos graxos livres, neuropa- mais alto ou baixo
tia, encefalopatia e alterações no que a faixa normal.
metabolismo de nitrogênio. A
suplementação de cromo pode
melhorar a tolerância à glicose em
indivíduos com leve intolerância à
glicose, mas ainda é controverso se
o mesmo acontece em indivíduos
saudáveis [M: 25119; H: 35 µg].
* Cota diária recomendada (RDA) estabelecida para mulheres (M) e homens (H) pelo U.S. Food and Nutrition Board,
1999 a 2001. Em algumas situações, não há dados suficientes para estabelecer uma RDA e, neste caso, é utilizado o ní-
vel de ingestão adequado (Al, adequate intake) estabelecido pelo Board.
Limite máximo tolerável (TUL) estabelecido para adultos pelo U.S. Food and Nutrition Board, 1999 a 2001. NPT = nutrição
parenteral total.
Tabela 5.7
6
Resposta inflamatória ao trauma
Fase EBB (baixo fluxo) Fase Flow (alto fluxo) O processo migratório dos neutrófilos para os
locais da inflamação é complexo e didaticamente
Queda das funções Aumento do catabo- pode ser dividido em três etapas: rolamento, adesão
metabólicas lismo
e extravasamento. Na etapa de rolamento, ocorre in-
↓ Temperatura ↑ Temperatura teração de moléculas de adesão localizadas no endoté-
↑ Hormônios do estresse ↑↑ Hormônios do estresse lio (P-selectina e E-selectinas) e a L-selectina presen-
↑ Glicose ↑ Glicose ou normalização
te nos leucócitos, em geral. Na fase de adesão, ocorre
↓ Insulina ↑ Insulina ou normal
a ativação nos leucócitos de β2-integrinas (CD11a,
↑ Glucagon ↑ Glucagon
↑ Catecolaminas
CD11b e CD11c/CD18). Após a ativação dessas inte-
↑ Catecolaminas
↑ Lactato Normalização do lactato grinas, ocorre a ligação destas com moléculas funda-
↓ Consumo de oxigênio ↑ Consumo de oxigênio mentalmente de adesão, denominadas ICAM-1 (inter-
↓ Débito cardíaco ↑ Débito cardíaco cellular adhesion molecule) e VCAM-1 (vascular cellular
Tabela 6.2 Alterações metabólicas e hormonais nas adhesion molecule), que ficam expressas na superfície
fases de resposta ao trauma. endotelial. A interação dessas moléculas promove
a firme ligação entre o leucócito e a parede endo-
telial, possibilitando a posterior migração dessa
Na fase catabólica, o fator extrínseco prioritário
célula para o espaço intersticial.
é a ressuscitação de volume para manter pré-carga,
contratilidade cardíaca e perfusão periférica. Já na Os neutrófilos promovem lesão tecidual por di-
fase anabólica, o fator chave é a reposição de K+, Mg++ versos mecanismos, destacando-se a liberação de enzi-
e PO4. A não reposição efetiva desses tons pode acarre- mas proteolíticas como as elastases. Produzem radicais
tar danos cardíaco, neurológico, renal e hepático. livres de oxigênio ou por ação mecânica de obstrução do
fluxo microcirculatório e, com isso, podem, paradoxal-
mente, estender ainda mais a lesão tissular.
Mediadores celulares
Macrófagos
Essas células têm mobilização mais lenta na
Neutró昀椀los direção da área traumatizada quando comparadas com
os neutrófilos, em compensação, possuem tempo de
Quando o organismo sofre agressão ou estímulo
vida mais longo e produzem enzimas e media-
nocivo, ocorre neutrofilia, como se observa no período
dores inflamatórios de grande importância nas
pós-operatório. Essa neutrofilia é decorrente da mo-
etapas mais tardias da resposta inflamatória. Os
bilização dessas células que ficam agrupadas próximas
macrófagos, diante de um estímulo lesivo (traumatis-
ou aderidas à parede dos vasos e invadem a circula-
mo), têm a possibilidade de liberar vários produtos
ção sanguínea. Essa situação é mediada pela liberação
importantes, como: citoquinas (TNF, IL-1, IL-6, IL-8,
de hormônios produzidos como resposta metabólica
PAF, IFN-α e IFN-γ), proteínas (hidrolases, enzima
aos traumatismos, como o corticoide e a epinefrina.
Em sequência, próximo ao terceiro dia de pós- conversora da angiotensina, antiproteases, elastase,
-operatório, observa-se situação de neutropenia colagenase, lisozima, β-glucuronidade, fibronectina),
transitória em provável decorrência da migra- espécies reativas do oxigênio (peróxido de hidrogênio,
ção dessas células para os órgãos ou tecidos lesa- radical hidroxila, ânion superóxido), produtos lipí-
dos. Em uma fase mais tardia (entre o 5o e o 10o dia dicos (como: ácidos graxos, produtos de degradação
pós-operatório), observa-se nova ocorrência de do ácido aracdônico – TXA2, PGD2, PGE2, 5-HETE,
neutrofilia, só que agora decorrente da mobilização LTB4, LTC4), entre outros.
dos neutrófilos da medula óssea, como resposta à pro-
dução e liberação exacerbada de G-CSF (granulocyte
colony-stimulating factor), que é uma glicoproteína
que estimula a produção de granulócitos no nível da
Mastócitos
medula óssea. Esses são os estímulos sistêmicos que Essas células podem ser consideradas “sentine-
modificam a dinâmica dos neutrófilos, no entanto, las” do processo inflamatório, por causa da peculiar
vários mecanismos locais participam do controle e da distribuição e localização nos tecidos. Elas têm a
mobilização dessas células ante uma agressão traumá- preferência de se localizar nas regiões próximas
tica. Algumas substâncias quimiotóxicas positi- aos vasos e em áreas adjacentes às mucosas e su-
vas (atraentes) locais, como a C5a, calicreína e perfícies epiteliais. Ocupam posições estratégicas,
LTB4, promovem a migração de neutrófilos para o que faz delas a primeira barreira contra estímulos
os tecidos lesados pelo trauma. nocivos ao organismo.
O papel desempenhado pelos mastócitos na res- Entre os principais efeitos das citosinas
posta sistêmica à agressão cirúrgica é marcante, de
pró-in昀氀amatórias estão:
acordo com diversas pesquisas clínicas e experimen-
tais que avaliam a resposta inflamatória nos casos de aumento da síntese de moléculas de adesão en-
queimaduras e anafilaxia. Estudos comprovam a rela- dotelial;
ção direta entre a extensão e a profundidade de quei- aumento da migração e ativação dos neutrófilos;
maduras em ratos e a concentração sérica de histami- inflamação, febre, leucocitose;
na. A histamina e a bradicinina promovem aumento
destruição tecidual/muscular (proteólise) pro-
da permeabilidade capilar e vasodilatação arteriolar.
vocando redução funcional;
As células inflamatórias presentes na microcircu- IL-6 estimula a produção de cortisol e aldoste-
lação de diversos órgãos são ativadas, e isso inicia e ou
rona;
perpetua a resposta inflamatória por meio de produ-
ção e liberação de mediadores, sendo algumas dessas a concentração de IL-6 tem valor de gra-
substâncias denominadas citoquinas. vidade e prognóstico em pacientes grave-
mente enfermos. Principalmente em vítimas
de trauma, sepse, pancreatite e infarto agudo
do miocárdio.
Alguns desses efeitos ocorrem entre 2 a 5 mi-
Citosinas nutos após a ligação da citosina ao receptor da célula-
-alvo. As principais citosinas anti-inflamatórias
Citosinas são pequenos polipeptídeos produ-
são: antagonista do receptor da IL-1 (IL-1ra), IL-4, IL-
zidos por qualquer célula nucleada, principalmente,
10 (a mais importante), IL-11, IL-13 e fator de cresci-
aquelas envolvidas na inflamação. A ferida operató-
mento transformador-beta (TGF-β).
ria é local de grande produção dessas pequenas
proteínas. Na ferida operatória há células envolvidas
no processo de limpeza de tecidos necróticos e bacté-
rias, angiogênese, epitelização e remodelação do colá- Entre os principais efeitos das citosinas
geno. Tudo isso requer metabolismo intenso. anti-in昀氀amatórias estão:
As citosinas são divididas em duas grandes redução das lesões pulmonares agudas em pa-
classes, com base nas suas atividades biológicas. Em cientes graves (1L-Ira, IL-13);
geral, elas são capazes de estimular o processo efeito inibitório na produção de citosinas pró-
inflamatório (pró-inflamatórias) ou inibi-lo -inflamatórias, principalmente IL-1 e TNF;
(anti-inflamatórias). No entanto, todas as citosinas
redução da atividade citotóxica do macrófago,
consideradas anti-inflamatórias, exceto a que inibe
diminuindo a capacidade dessa célula matar pa-
o receptor da interleucina-1, desempenham algum
rasitas (IL-4, IL-10);
grau de atividade pró-inflamatória. Portanto,
quando se considera uma citosina pró ou anti-infla- aumento da proliferação de fibroblastos e endo-
matória, toma-se o resultado final mais importan- télio vascular (IL-4);
te do seu efeito. Para ocorrer RIT adequada, deve a IL-10, geralmente, protege o hospedeiro da
haver equilíbrio entre as ações das citosinas pró e SRIS exacerbada, mas o coloca em situação sus-
anti-inflamatórias. cetível para infecção fulminante e morte inibe a
secreção de citosinas pró-inflamatórias por cé-
Trabalhos experimentais mostram que o efeito
lulas da linhagem monócito-macrófagos.
exacerbado de uma citosina anti-inflamatória poderá
inibir demasiadamente o sistema imunológico, expon- o TGF-β é capaz de transformar o local da infla-
do a vítima a complicações infecciosas. Por outro lado, mação ativa em processo de resolução e reparo.
concentração excessiva de citosina pró-inflamatória Além disso, reduz a degradação de matriz extra-
acarreta resposta inflamatória exacerbada, culminan- celular.
do na falência de múltiplos órgãos. É importante notar que alguns patógenos utili-
As principais citosinas pró-inflamatórias zam a complexa rede de citosinas para burlar o siste-
são o fator de necrose tumoral (TNF), as interleucinas ma imunológico do hospedeiro, estimulando a síntese
1 e 8 (IL-1 e IL-8) e o interferon-gama (IFN-γ). A IL-6, de citosinas anti-inflamatórias.
citada como citosina pró-inflamatória, apresenta tam- Além das citosinas, proteínas de fase agu-
bém efeito anti-inflamatório importante, pois é capaz da, entre elas, a proteína C-reativa (PCR), o fi-
de inibir a capacidade dos macrófagos de sintetizar o brinogênio e α2-macroglobulina são produzidos
TNF e a IL-1. O TNF é, provavelmente, a principal no fígado e estimulam o processo inflamatório
citosina iniciadora dos efeitos pró-inflamatórios. durante a RIT.
no fígado. Além disso, a glutamina é precursora da pro- A insulina é um importante hormônio para o
dução de amônia nos rins, necessária para neutralizar anabolismo, inibindo o catabolismo proteico e a lipó-
os ácidos eliminados na urina. lise. A liberação de insulina em pacientes críticos na
O cortisol promove também lipólise, liberan- fase ebb, quando expostos à infusão de glicose, é ine-
do glicerol e ácidos graxos livres, os quais são pre- ficaz, permitindo a hiperglicemia. No entanto, após
cursores da gliconeogênese hepática. a estabilização, como ocorre na fase flow, a resposta
insulínica, após a infusão de glicose, é normal ou até
Sobre o sistema imunológico, o cortisol apresen-
exacerbada. A hiperglicemia na fase flow da RIT
ta efeito anti-inflamatório. Inibe o acúmulo de marcó-
ocorre, portanto, em razão da resistência à ação
fagos e neutrófilos nos locais de inflamação, além de
diminuir a síntese de mediadores inflamatórios. da insulina, principalmente nos tecidos periféri-
cos como os musculoesqueléticos.
Catecolaminas
As catecolaminas adrenalina e noradrenalina Glucagon
são fundamentais na RIT. Essas substâncias atu-
Apesar de os níveis de glicemia estar elevados,
am como mediadores entre o sistema nervoso e o
observamos o aumento do glucagon plasmático.
sistema endócrino, apresentando efeitos diretos e
Esse aumento é diretamente proporcional à intensi-
indiretos na RIT. Os níveis de catecolaminas são
dade do trauma. O glucagon favorece a degradação
proporcionais à gravidade do paciente; são os
da glicose e bloqueia a formação do glicogênio,
principais responsáveis por taquicardia, taquip-
favorecendo a transformação de aminoácidos
neia, vasoconstrição periférica e redução do débito
aromáticos em glicose no fígado.
cardíaco observadas na fase ebb. Além disso, con-
tribuem também para o hipermetabolismo e
catabolismo proteico, observados na fase flow. Degrada glicose.
A ativação do sistema nervoso simpático autônomo,
Degrada lipídeos.
a partir de estímulos do hipotálamo, resulta na li-
beração de catecolaminas da medula da suprarrenal Glucagon Bloqueia formação de glicogênio.
e das terminações nervosas pré-sinápticas. Os efei- Favorece a transformação de aminoácidos
tos das catecolaminas são diferentes quando recep- aromáticos em glicose no fígado.
tores, alfa ou beta, são estimulados. Na fase flow
predomina a estimulação beta-adrenérgica.
As catecolaminas afetam também o pâncre-
as endócrino. A produção pancreática de insulina em
resposta à glicose torna-se prejudicada quando há es- GH, ACTH, prolactina e
tímulo alfa-adrenérgico e o contrário quando há estí-
mulo beta-adrenérgico. O somatório dos efeitos resul-
hormônios tireoidianos
ta no aumento da resistência à insulina. O principal hormônio secretado pela hipófise
anterior envolvido na RIT é o ACTH ou corticotrofi-
na, um peptídeo composto de 39 aminoácidos. Proce-
Glicogenólise.
Catecolaminas dimentos cirúrgicos são fortemente capazes de pro-
Gliconeogênese.
(adrenalina; vocar a síntese de ACTH na hipófise anterior a partir
Mobilização de AA muscular.
anoradrenalina) de uma molécula maior, a ópio/melanocortina. Pou-
Hidrólise de lipídeos.
cos minutos após o início de um procedimento
cirúrgico, pode-se notar elevação do ACTH. O
principal efeito do ACTH é estimular a produção de
Insulina cortisol pela suprarrenal.
Com o aumento de catecolaminas no PO, a pro- O hormônio de crescimento (somatotrofina)
dução de insulina fica limitada. A insulina circulan- também é secretado pela hipófise anterior. Peque-
te é menor do que as necessidades em relação à nas proteínas denominadas insulin-like growth factors
glicose sanguínea (que está elevada). (IGF), produzidas no fígado e nos músculos, desempe-
7
Complicações pós-operatórias
Introdução Febre
As complicações pós-operatórias podem ocor- A temperatura é controlada pelo hipotálamo
rer em cirurgias de qualquer porte. A ocorrência de anterior. A elevação da temperatura de 0,5 º a 1 ºC
complicações depende do tipo de cirurgia, da técnica acima do normal, no pós-operatório imediato, deve
operatória empregada e do organismo do doente a ser considerada como resposta endócrina ao trau-
ser operado. ma. Portanto, uma febre pós-operatória é tão comum
que, na maioria das vezes, não é considerada um desa-
Complicações pós-operatórias mais comuns fio a ser enfrentado. No entanto, febre alta e persis-
Febre e complicações da termorregulação. tente deve merecer investigação adequada.
Complicações pulmonares.
Complicações da ferida operatória.
Complicações urinárias. Fatores envolvidos na
Complicações digestivas.
Complicações metabólicas.
昀椀siopatologia da febre
Complicações cardíacas. a) liberação de substâncias pirogênicas de agen-
tes infecciosos;
Complicações cerebrais.
Complicações anestésicas (veja o Capítulo 4). b) complexo antígeno anticorpo;
Tabela 7.1 c) liberação de citosinas;
3
7 Complicações pós-operatórias
d) resposta fisiológica ao estresse (estímulo en- Deve ser estimulada a saída precoce do leito e a
dócrino agudo); inspiração profunda. A toalete brônquica é favorecida
e) drogas; pela tosse; com a dor do pós-operatório e por medo de
evisceração, muitos pacientes não tossem nem respi-
f) desidratação; ram direito, facilitando, assim, complicações evitáveis.
g) tumores no hipotálamo anterior. A seguir descreveremos as mais relevantes.
Febre nas primeiras 6 horas de pós-operatório
quase sempre é decorrente do próprio ato cirúrgico,
fazendo parte da adaptação ao trauma sem que haja in-
fecção; tem curta duração e baixos níveis térmicos. Atelectasia
Febre nas primeiras 24-48 horas do pós-ope- É a complicação pulmonar mais frequente;
ratório é atelectasia até que se prove o contrário. afeta 25% dos pacientes submetidos a uma operação
A maioria das infecções ocorre após o quinto dia abdominal. Geralmente, surge 24-48 horas após
de PO. a cirurgia, sendo responsável por mais de 90% dos
episódios febris nesse período (patogênese desconhe-
Tromboflebite pode levar a febre (conhecida
cida). Quase sempre sua evolução é autolimitada e
como “febre do terceiro dia”); outra causa de febre
sem sequelas.
no pós-operatório é a infecção de trato urinário (ITU),
que pode aparecer a qualquer hora, mas, geralmente, Na atelectasia maciça, entretanto, a febre
ocorre após o terceiro dia. A avaliação adequada define pode atingir 39 ºC e apresenta-se com taquipneia
o diagnóstico e a conduta terapêutica. e taquicardia. A radiografia de tórax pode mostrar
a elevação do diafragma, desvio do mediastino para
o lado comprometido e estreitamento dos espaços
Cuidado com doentes em uso de corticoides, pois po- intercostais do mesmo lado. Além disso, aparece
dem NÃO apresentar febre na vigência de infecção. imagem hipotransparente (condensação parenqui-
matosa), correspondendo ao pulmão ou lobo atelec-
tasiado. A cirurgia laparoscópica diminui a incidên-
O paciente que permanece febril 5 a 8 dias cia desta complicação.
após a cirurgia deve passar por uma investigação
criteriosa, que inclui abordagem do aparelho respira-
tório à procura de um foco infeccioso, investigação do
TGU, bem como avaliação da ferida operatória. Outra Aspiração
possibilidade importante, nesse período, é a presença
Geralmente ocorre no pós-anestésico imediato e
de trombose venosa profunda como causa de febre.
na extubação do doente que ainda está com seus refle-
Diante de um paciente com febre e diarreia e xos reduzidos (deglutição e tosse). Caso o jejum não
que esteja em uso de antibióticos é necessário in- tenha sido realizado no pré-operatório, o vômito e a
vestigar infecção por Clostridium dificille (agente aspiração podem acontecer.
etiológico da diarreia induzida por antibiótico e que
O tipo mais grave ocorre após vômitos com as-
pode culminar em colite pseudomembranosa).
piração de conteúdo gástrico (causas: alimentação
recente ou distensão gástrica por íleo). Infelizmente,
é mais frequente em crianças, grávidas e politrauma-
tizados. Dois terços dos casos de aspiração ocorrem
Complicações após cirurgia torácica ou abdominal e, destes, metade
evolui para pneumonia. A mortalidade por aspiração
pulmonares maciça é de 50%.
Os segmentos basais são afetados mais fre-
Complicações respiratórias são as principais cau- quentemente. Tratamento: aspiração endotraqueal
sas de morbidade após um procedimento cirúrgico, e a imediata e/ou broncoscopia + antibioticoterapia. Em
segunda principal causa de morte em pacientes maio- pacientes com insuficiência respiratória grave: intuba-
res de 60 anos submetidos à cirurgia. ção e ventilação mecânica. A hidrocortisona pode ser
útil nos três primeiros dias.
São mais frequentes em pacientes fumantes
(mais de 20 cigarros/dia), portadores de bronquite
crônica e enfisema pulmonar. Por outro lado, doentes
Quando o pH do aspirado é de 2,5 ou menos, ocorre
que farão cirurgia torácica e do abdome superior,
pneumonite química, que resulta em edema local e infla-
bem como aqueles acamados, em imobilização pro-
mação, com maior risco de infecção secundária – Sín-
longada no leito, apresentam mais facilmente as
drome de Mendelson.
complicações pulmonares.
Em linhas gerais, esses pacientes, pela potencial crônica. O pneumotórax pode ocorrer também du-
complexidade e frequente concomitância de outras rante a confecção de traqueostomia e em massagens
condições clínicas instáveis, necessitam de diversos cardíacas de ressuscitação. A perfuração esofageana,
recursos avançados que vão desde sedação, eventual- principalmente instrumental, apresenta derrame
mente paralisação, até suporte ventilatório (invasivo pleural em 60% e pneumotórax em 25% dos pacientes.
ou não) e suporte hemodinâmico. O tipo de pneumotórax mais comumente as-
Existe a tendência atual de que as estratégias de sociado a pacientes cirúrgicos é o iatrogênico. O
ventilação mecânica em LPA/SDRA sejam pautadas tratamento desse pneumotórax pode ser conserva-
em um paradigma de open lung approach, ou seja, a dor se estes forem menores que 30% e o paciente
homogeneização do sistema respiratório pela “abertu- estiver assintomático. A observação deve ser rigoro-
ra” e manutenção da patência alveolar, evitando-se a sa, pois um pneumotórax simples pode evoluir e/ou
abertura e o fechamento cíclico e a consequente lesão se tornar hipertensivo. A administração suplementar
pulmonar induzida pela ventilação mecânica. de oxigênio acelera a absorção do pneumotórax. Nos
maiores de 30% e/ou sintomáticos, a drenagem
O volume corrente deve ser baixo (6 mL/ pleural em selo d’água se faz necessária.
kg de peso ideal) e as pressões de platô do sis-
tema respiratório devem estar abaixo de 30-35 Pneumotórax, pneumomediastino e enfisema
cmH2O, ainda que para isso seja necessário “tole- subcutâneo podem ocorrer como complicações de ci-
rar” níveis mais elevados de pCO2, conceito este rurgia laparoscópica, principalmente quando há vio-
conhecido como hipercapnia permissiva. lação do hiato esofageano. O pneumomediastino é um
achado comum e considerado normal, mas o pneu-
Elevadas PEEPs podem ser necessárias na ten- motórax sempre deve ser encarado como patológico e
tativa de homogeneização e minimização do efeito da pode ter repercussão clínica. A rotura esofágeca deve
abertura e fechamento cíclico dos alvéolos, deletérios ser suspeitada sempre que há pneumomediastino
para o sistema respiratório. associado à instrumentação endoscópica do esôfa-
É importante lembrar que a normalidade da oxi- go ou trauma torácico.
genação não será restaurada se o paciente estiver hi- O pneumotórax espontâneo, seja primário ou se-
pertenso. Drogas vasoativas podem ser necessárias e cundário, é raro em pacientes cirúrgicos. É importan-
seu uso deve ser pautado nas necessidades hemodinâ- te, todavia, lembrar-se da associação de pneumotórax
micas e na otimização baseada nas variáveis metabóli- espontâneo e pneumonia por Pneumocystis jiroveci, em
cas (SvO2, lactato, excesso de bases etc.). pacientes com Aids, que apresentam taxa de recorrên-
cia e morbimortalidade associada elevadas. O pneu-
momediastino espontâneo é condição rara causada
por rotura de alvéolos centrais e dissecção dos tecidos
Derrame pleural e peribrônquicos pelo ar. O tratamento é conservador e
a condição está associada a trauma de tórax e o grande
pneumotórax esforço com a glote fechada.
Em operações de abdome superior um pequeno
derrame pleural é frequente, sendo geralmente reab-
sorvido e não tendo nenhum significado clínico.
Na ausência de insuficiência cardíaca ou lesão Complicações da ferida
pulmonar, o aparecimento de derrame pleural tardio
no pós-operatório deve alertar para a possibilidade operatória
de abscesso intra-abdominal (especialmente após o
10º PO) ou mesmo pancreatite (a cauda do pâncreas
irrita o diafragma, aparecendo derrame pleural à es-
querda). Hematoma
O pneumotórax no pós-operatório deve ser O acúmulo de sangue dentro e entre os tecidos
considerado nas seguintes situações: da ferida operatória favorece infecção cirúrgica. Ge-
Vários procedimentos podem ser complicados ralmente, aparece nas primeiras 24 horas. Caso
com pneumotórax e os mais comuns são a biópsia ocorra em planos profundos, pode não ser reconheci-
pulmonar transtorácica (35%), a punção venosa supra do até a fase de infecção. Por isso é que, no ato cirúrgi-
e infraclavicular (1% a 12%), a toracocentese (10% a co, não deve ficar espaço morto. Os tecidos devem ser
20%), biópsia pleural (10%) e ventilação com pressão cuidadosamente aproximados com fio de preferência
positiva (4%). A morbidade e a mortalidade, nesse monofilamentar (menor índice de infecção).
grupo, são maiores quando há doença pulmonar ad- Pacientes que recebem aspirina ou heparina, de
jacente, principalmente doença pulmonar obstrutiva baixo-peso, possuem considerável aumento na taxa
Suporte hídrico com cristaloides, plasma e san- A dor e a hipersensibilidade local são achados
gue deve ser realizado e o diabetes, quando presente, frequentes, em especial nas coleções anteriores e em
controlado. Câmara hiperbárica inibe a invasão bac- contato com o peritônio parietal. Quando presentes,
teriana, porém, não elimina o foco infeccioso. esses sinais guardam estreita relação com o local da
infecção. Nas localizações subfrênicas posteriores e na
retrocavidade, a dor e a hipersensibilidade podem fal-
tar, e nos acúmulos pélvicos o toque retal é a maneira
Infecções intra-abdominais mais precisa para identificar tais coleções. A leucoci-
As infecções intra-abdominais difusas são deno- tose está presente na quase totalidade dos casos.
minadas peritonite, enquanto que as que foram iso- Há desvio à esquerda com granulações tóxicas nos po-
ladas e limitadas pelo organismo dentro de um órgão limorfonucleares. Velocidade de hemossedimentação
intra-abdominal ou na cavidade peritoneal são chama- elevada e hemocultura positiva são outros dados que
das abscesso. Infecção intra-abdominal complicada é contribuem para o diagnóstico.
definida como a infecção que se estende da víscera oca A radiografia simples pode contribuir para o
de origem para a cavidade peritoneal e é associada à diagnóstico na metade dos pacientes, e os achados
formação de abscesso ou peritonite. mais comuns são: gás extraluminal, níveis hidroaé-
Os abscessos abdominais continuam a ser reos subfrênicos, condensações localizadas, elevação
um problema difícil, com mortalidade que pode diafragmática e derrame pleural. Os exames radiológi-
atingir 20%. Apresentam-se como coleções puru- cos constrastados podem demonstrar deslocamentos
lentas, separadas do resto da cavidade peritoneal por de vísceras, trajetos fistulosos ou extravasamentos de
aderências inflamatórias da parede e das vísceras ab- contraste para fora do trato digestório. A ultrassono-
dominais, e podem ser únicos ou múltiplos. São resul- grafia é de grande sensibilidade na identificação dos
tantes da resolução das peritonites generalizadas, ou abscessos abdominais. Por ser de fácil e rápida reali-
em consequência de perfuração de vísceras ocas, trato zação, incruento e relativamente barato, está sempre
biliar ou pâncreas, onde os mecanismos de defesa do indicada. A sua capacidade diagnóstica pode ser su-
peritônio conseguem bloquear o conteúdo contami- perior a 90%. Os resultados da ecografia podem estar
nado. Os abscessos em vísceras maciças são, em comprometidos nos pacientes excessivamente obesos,
geral, oriundos de disseminação hematogênica nos colostomizados, nos pacientes com drenos e ban-
de um foco séptico à distância. dagens, ou com feridas abertas. A tomografia compu-
Por razões anatômicas, os acúmulos de secre- tadorizada é um exame cuja precisão aproxima-se
ções purulentas tendem a localizar-se em espaços e de 97% (padrão-ouro). Permite o diagnóstico de pe-
recessos que se encontram nas vias preferenciais de quenas coleções e dá uma perfeita localização anatô-
disseminação da cavidade, quais sejam as goteiras mica do problema.
parietocólicas, os espaços subfrênicos, o espaço Os exames com radionuclídeos, principalmente
sub-hepático e a pelve. A retrocavidade, como está com gálio e índio, têm sido indicados no diagnóstico
praticamente isolada da grande cavidade, apresen- dos abscessos abdominais, pois têm capacidade de
ta coleções purulentas resultantes de processos in- concentrarem-se nos tecidos ou regiões infectadas.
fecciosos de órgãos contíguos, como na pancreatite
aguda ou na perfuração gástrica posterior. A maioria
dos abscessos intracavitários é causada por bactérias
Gram-negativas, anaeróbicas e enterococos. A Esche- Tratamento
richia coli é a principal bactéria Gram-negativa, A evolução de um abscesso abdominal não tra-
e o Bacteroides fragilis o principal representante tado culmina com o óbito na quase totalidade dos pa-
do grupo dos anaeróbicos. A virulência das bacté- cientes. O diagnóstico precoce e as drenagens com-
rias aumenta na presença da hemoglobina. põem a base do tratamento.
O tratamento conservador com antibióticos deve
sempre ser desencorajado, pois falha quando a forma-
Diagnóstico ção do abscesso está consolidada. Alguns esporádicos
A história de condição determinante e a suspeita sucessos com essa forma de tratamento podem ocorrer
clínica são o primeiro e importante passo no diagnós- na fase de inflamação flegmonosa localizada, antes do
tico do abscesso abdominal, pois os sintomas podem aparecimento do pus líquido e sua camada envolvente.
ser pouco definidos. A febre está presente em quase A drenagem dos abscessos abdominais pode ser
todos os pacientes, iniciando-se em caráter intermi- operatória ou por punção percutânea, métodos cujos
tente e tendendo, com o evoluir do quadro, tornar-se resultados se equivalem quando corretamente indica-
persistente e alta. dos e perfeitamente executados.
Etiologia da PBE*
Indicações para drenagem por laparotomia Bactérias aeróbicas Gram-negativas (60%)
Processo supurativo difuso. Escherichia coli
Klebsiella pneumoniae
Cavidades múltiplas.
Cocos Geam-positivos (25%)
Ausência de via segura para punção. Streptococcus ssp
Fístulas entéricas de alto débito.
Tabela 7.9 * Enterococos, anaeróbicos e fungos são
Componentes sólidos que exigem desbridamento. raros. A presença de flora polimicrobiana sugere peri-
Tabela 7.8 tonite secundária.
hipoxia, distúrbio hidroeletrolítico, infecção, sangra- O delirium é classificado de acordo com nível
mento, hipotensão e isquemia miocárdica, e a corre- de atenção e atividade psicomotora em:
ção desses fatores podem ser suficientes para coibi-los. hipoativo;
hiperativo;
misto.
Infarto do miocárdio Na UTI, dada à magnitude dos tratamentos uti-
A incidência de infarto agudo do miocár- lizados, principalmente sedativos, e às condições ge-
dio pós-operatório varia de 0,1% a 0,7% e pode ralmente graves, a forma de delirium mais comum é a
atingir a cifra de 37% em pacientes submetidos à hipoativa. Está associada com maior tempo de inter-
operação, após terem sofrido um infarto recente nação, maior mortalidade e pior prognóstico, pois tem
(menos de 3 meses). A mortalidade associada ao como complicações a aspiração, embolia pulmonar e
infarto pós-operatório pode chegar 40%. úlceras de decúbito.
O fator principal na patogenia do infarto é a exis- É importante ressaltar que pacientes com a for-
tência de doença coronariana. Além disso, a vasocons- ma hiperativa oferecem riscos à sua própria seguran-
trição coronariana pode reduzir ainda mais o fluxo ça, pois pelo grau de agitação removem tubos, pun-
sanguíneo e o suplemento de oxigênio. A resposta fi- ções venosas e arteriais, sendo necessárias altas doses
siológica ao estresse cirúrgico representa um dos fato- de sedativos, o que consequentemente os expõem a
res precipitantes na geração de isquemia miocárdica, maior tempo de ventilação mecânica, tempo que, por
mas a correlação exata entre os eventos perioperató- vezes, seria desnecessário.
rios e o desenvolvimento de infarto ainda é difícil de
O delirium é um quadro agudo, porém há re-
explicar. Um número significativo de pacientes com
latos de sua permanência após alta hospitalar, em
infarto do miocárdio pós-operatório não apresenta
especial naqueles pacientes idosos com quadro de-
os sintomas clássicos de dor torácica ou opressão.
mencial prévio.
Isso pode ser explicado pela presença de dor na
ferida operatória e pelo uso de analgésicos. O sin- Uma característica marcante do delirium é a flu-
toma mais frequente é a dispneia, mas a instalação tuação dos sintomas, com oscilação do nível de cons-
aguda de insuficiência cardíaca ou instabilidade hemo- ciência e cognição. A atenção está sempre comprome-
dinâmica deve desencadear investigação laboratorial e tida, tornando difícil o contato verbal com o paciente
eletrocardiográfica imediata. que se apresenta distraído, com dificuldade para res-
ponder seletivamente aos estímulos do examinador.
Tabela 7.23 ECG: eletrocardiograma; VO: via oral; IM: intramuscular; EV: endovenoso.
após o equilíbrio entre os compartimentos (intracelu- Reposição das perdas de líquidos que con-
lar, intravascular e interstício), no intuito de regulari-
têm sódio com soro glicosado
zar a volemia normal. Chama-nos a atenção, porém,
a necessidade de uma correta avaliação do paciente Erro muito comum na reposição de perdas gas-
cirúrgico, que requer contínua avaliação dos parâme- trointestinais. Por vezes, em vez de soro glicosado são
tros clínicos extracelulares, como pressão arterial, pul- usadas soluções salinas demasiadamente carentes de
so, pressão venosa central, diurese, cor e temperatura sódio, fato que leva às mesmas consequências. Pacien-
da pele, além do balanço hidroeletrolítico. A medida tes com lesões renais podem elaborar uma urina com
de peso também deve ser avaliada. Se o paciente não alta concentração de sódio, mesmo no período pós-
for corretamente avaliado, vários litros de solução sa- -operatório. Nessas condições, poderemos ter diurese
lina poderão ser administrados, sem a apresentação diária com volume normal e concentração de sódio de
de edemas. 50 a 200 mEq/L. A mesma dificuldade na conservação
renal de sódio pode surgir após traumatismo crania-
O sinal mais precoce de sobrecarga é o au-
no. Nesses casos, a reposição de soro glicosado para as
mento de peso durante o período de catabolis-
mo, quando o paciente deverá perder 300 a 500 perdas pode levar também à hiponatremia.
gramas por dia. Sinais de sobrecarga mais grave
são: edema (no dorso e porções posterolaterais
do tronco e das coxas em primeiro lugar), disp- Diminuição do volume urinário
neia e estertores pulmonares. Quando o excesso A oligúria de qualquer origem pode ocorrer quan-
é administrado lentamente, podemos ter grande do não são corrigidos os requisitos diários de água. Na
sobrecarga sem aumento significativo de pressão
insuficiência renal aguda, o catabolismo dos substra-
venosa central, que é um índice muito acurado
tos orgânicos corpóreos aumenta a produção de água
para avaliação dos excessos feitos em curto in-
endógena, o que diminui ainda mais os requisitos de
tervalo de tempo.
água por dia.
O tratamento dos excessos de líquidos é feito
por indução de um balanço hídrico negativo, funda-
mentalmente pela restrição da água administrada. Diminuição das perdas insensíveis
Diuréticos podem ser administrados, com os cuidados
necessários para que uma deficiência de potássio não A vasoconstrição cutânea de qualquer causa di-
se associe aos distúrbios já existentes. minui a perda insensível de água. Esta condição é en-
contrada no choque e na hipotermia.
Os excessos de líquidos surgem frequentemente
em pacientes com falência renal pós-traumática. Nes-
ta condição, enquanto não se chegar à fase de diurese Sepse
adequada, a água só poderá ser eliminada por meio de
diálises. A eliminação de água por diálise peritoneal é A infecção bacteriana com repercussões sistêmi-
mais eficiente que por hemodiálise, apesar de este pro- cas é frequentemente acompanhada por queda acen-
cesso ser menos adequado para enfermos com compli- tuada da concentração plasmática de sódio.
cações frequentes. A maioria dos estados de hiponatremia é as-
sintomática até que a concentração plasmática do
íon caia abaixo de 120 mEq/L. Uma hiponatremia,
mesmo moderada, entretanto, sugere terapêutica ina-
dequada ou uma condição associada que requer cui-
Distúrbios de concentração dados apropriados. O quadro clínico da hiponatremia
acentuada é variável, podendo encontrar-se astenia,
do sódio náuseas, convulsões, coma e apneia. Esses três úl-
timos sinais ocorrem principalmente em crianças e
idosos. O tratamento deve ser feito pela restrição de
Hiponatremia água, chegando-se ao uso de soluções hipertônicas de
cloreto de sódio nos casos mais graves. Na insuficiên-
Surge frequentemente quando se usa soluções cia renal, o problema é corrigido por diálises.
sem sódio (soro glicosado, por exemplo) para repor
perdas de líquidos que contêm este íon, ou quando a
administração destas soluções excede a capacidade re-
nal de diminuição de água. A hiponatremia (Na+ < 135 Hipernatremia
mEq/L) grave ou refratária ao tratamento dificilmente A hipernatremia (concentração plasmática acima
acontece quando a função renal permanece adequada. de 145 mEq/L) é uma condição rara, que, em geral, decor-
Analisando-se as condições, temos: re de perdas exageradas de água livre de eletrólitos e fre-
Medidas gerais
1) Colher amostra de sangue para hemograma, dosa-
Insu昀椀ciência adrenal gens bioquímicas e hormonais (cortisol e ACTH).
2) Corrigir depleção de volume (com solução glicofisio-
A insuficiência adrenal é uma condição rara, lógica), desidratação, distúrbios eletrolíticos e hipogli-
mas potencialmente letal, associada à falência das cemias.
glândulas adrenais. A insuficiência adrenal primá- 3) Tratar a infecção ou outros fatores precipitantes.
ria se dá por atrofia adrenal autoimune (doença Reposição de glicocorticoides
de Addison), mas outras causas incluem doenças 1) Administrar hidrocortisona, 100 mg EV inicialmente,
infecciosas (por exemplo, tuberculose, paracoccidio- seguidos de 50 mg EV de 4/4 horas, durante 24 horas.
domicose), hemorragia adrenal, metástases e res- Depois, reduzir a dose lentamente nas próximas 72 ho-
secção cirúrgica bilateral. ras, administrando a droga a cada 4 ou 6 horas EV.
A insuficiência adrenal secundária pode ser causa- 2) Quando o paciente estiver tolerando alimentos por via
da pela secreção inadequada de hormônio adrenocorti- oral, passar a administrar o glicocoticoide VO e, quando
necessário, adicionar fludrocortisona (0,1 mg VO).
cotrófico (ACTH), causada por doenças na hipófise ou no
hipotálamo. Entretanto, a causa mais comum de insufici- Tabela 7.25 Tratamento da crise adrenal.
incomum a perda de mais de 100 mEq/L de Na+ em um Diagnóstico diferencial entre SCPE e SSIADH
paciente que urina mais de 5 litros/dia. Portanto, geral-
Características SCPS SSIADH
mente há a necessidade de infusão de soro de manuten-
ção com maior oferta de sódio (> 150 mEq/L), e/ou ofer- Volume urinário Elevado/muito elevado Reduzido
ou normal
ta de NaCℓ pelo trato intestinal. Na impossibilidade de
corrigir o Na+ com estas medidas, e em situações emer- Pressão arterial Reduzida/normal Normal
genciais, também se faz uso do NaCℓ a 3%. Vale lembrar Pressão venosa Baixa Normal
a necessidade de várias dosagens de Na+ plasmático ao central
longo do dia para acompanhar a correção deste distúrbio. Na+ urinário Muito elevado (geral- > 40 mEq/L
Como medida adjuvante ao tratamento mais agudo da mente 100 mEq/L)
hiponatremia relacionada à SCPS, pode-se tentar a asso- Sede Aumentada Normal ou
ciação de fludrocortisona, na tentativa de manter o meio reduzisa
intravascular expandido e preservar sódio. Tabela 7.27
Nem sempre depende do médico que o doente se restabeleça: algumas vezes o mal é mais forte que a ciência.
– Ovídio
8
Cicatrização de feridas
os neutrófilos que são atraídos por substâncias como A fase inflamatória afeta de modo decisivo as
complemento, interleucina-1, fator de necrose tu- etapas seguintes da cicatrização. A diminuição do
moral (FNT-α), fator transformador do crescimento, estímulo inflamatório resulta em quimiotaxia diminu-
(FTC-β), fator plaquetário - 4 e produtos bacterianos. ída e fagocitose alterada, o que facilita o aparecimento
Após cerca de 72 horas da lesão, os macrófa- de infecções e redução na deposição de colágeno.
gos se tornam as células dominantes, fagocitando O macrófago é o ponto central da resposta in-
células mortas e bactérias. Mais tardiamente, em flamatória, pois orquestra toda a liberação de cito-
torno do sexto dia pós-lesão, os linfócitos se tornam cinas e estimula muitos dos processos da cicatriza-
as células de defesa predominantes na ferida. ção. Os macrófagos ativados também liberam radicais
A contribuição de cada população celular no processo livres. Em presença da IL-2, ocorre a potencialização
cicatricial é variável. Macrófagos e linfócitos exercem pa- de radicais livres.
péis essenciais, porém, desde que não haja contaminação O macrófago libera IL-1, que causa ativação de
bacteriana, os neutrófilos não são fundamentais para a ci- linfócitos e estimulação do hipotálamo, incluindo
catrização. Isso decorre de que o seu papel na fagocitose e resposta com febre. Além disso, o macrófago também
defesa antimicrobiana pode ser suprido pelos macrófagos. libera o TNF (antigamente chamado de caquectina). O
Macrófagos ativados cumprem várias funções TNF-α produz febre semelhante à IL-1. Em verdade, ele
na cicatrização, como: na angiogênese, via liberação amplifica os efeitos da IL-1. A IL-6 induz proliferação
de céls T, febre e produção de outras proteínas de fase
de fatores de crescimento e citocinas como o TNF-α;
no recrutamento e na ativação de células como os lin- aguda, bem como age sinergicamente com a IL-1.
fócitos, que liberarão linfocinas como interferons e in- Os macrófagos e as plaquetas liberam PDGF
terleucinas, e fibroblastos que participarão na síntese (fator de crescimento derivado de plaquetas). TGFα
de colágeno; na regulação da síntese da matriz celular, (fator de crescimento transformador) e TGF β são li-
via fatores de crescimento, citocinas, prostaglandi- berados pelos monócitos. O TGF-β é o mais potente
nas e outras enzimas como arginase e colagenase; no estimulador de fibroplasia. O TGF-α vai estimular
desbridamento da ferida, tanto por fagocitose quanto a angiogênese e, à medida que o TGF-β aumenta no
pela liberação de enzimas como colagenase e elastase; sítio inflamatório, os fibroblastos são diretamente es-
na função antimicrobiana, pela produção de óxido ní- timulados para a produção de colágeno e fibronectina,
trico e outros radicais livres. levando então à fase proliferativa.
Figura 8.2 Interação de fatores celulares e humorais na cicatrização de ferida. bFGF: fator de crescimento do fi-
broblasto básico; EGF: fator de crescimento epidérmico; GAG: glicosaminoglicans; IGF-1: fator de crescimento tipo
insulina-1; KGF: fator de crescimento do ceratinócito; PDGF: fator de crescimento derivado da plaqueta; TGF-β: fator
betatransformador de crescimento; TNF-α: fator alfa de necrose tumoral; KGF: fator de crescimento do ceratinócito;
H202: peróxido de hidrogênio; O2, superóxido; IL: interleucina; INF-y: interferon gama; PGE2: prostaglandina E2;
VEGF: fator de crescimento endotelial vascular.
so de reorganização. Uma vez que a base de coláge- bitual. O risco de deiscência da ferida aumenta
no esteja estabelecida, o conteúdo total de colágeno nos pacientes com hipoalbuminemia (< 2 g/dL),
permanece constante, porém se trata de um balanço denotando o efeito deletério da desnutrição
dinâmico em que está ocorrendo constantemente sín- crônica no reparo.
tese e degradação. Com o progredir do processo de re- Deficiência de vitamina C (ácido ascórbi-
modelagem, a atividade celular se reduz e o número de co) – a cicatrização de feridas é interrompida
vasos sanguíneos na área reparada diminui. durante a fibroplasia (escorbuto). Um número
normal de fibroblastos é encontrado na ferida,
mas eles produzem uma quantidade insuficien-
Maturação
te de colágeno. A vitamina C é necessária para
Número relativo de células
Proliferação
a hidroxilação de resíduos lisina e prolina. Sem
Inflamação a hidroxiprolina o colágeno recém-sinteti-
Neutrófilos
Macrófagos
zado não é transportado para fora das cé-
lulas. Sem a hidroxilisina não há formação de
Fibroblastos ligações cruzadas entre as fibrilas de colágeno.
Deficiência de vitamina A (ácido retinoi-
co) – a necessidade desta vitamina aumenta
Linfócitos durante a agressão. Reverte parcialmente o
comprometimento da cicatrização dos pa-
0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 cientes que fazem uso crônico de esteroi-
Dias pós-ferida des. Esta vitamina permite a estabilização
da membrana dos lisossomos.
Figura 8.3 Evolução em tempo do aparecimento de
Deficiência de vitaminas do complexo B – o
diferentes células na ferida durante a cicatrização. Mac-
déficit de vitamina B6 (piridoxina) compromete
rófagos e neutrófilos são predominantes durante a fase
a formação de ligações cruzadas do colágeno. As
inflamatória (máximo nos dias 2 e 3, respectivamente).
deficiências de vitamina B1 (tiamina) e B2 (ribo-
Linfócitos aparecem mais tarde e atingem o máximo no
flavina) provocam síndromes associadas a repa-
dia 7. Os fibroblastos são as células predominantes du-
ro insatisfatório das feridas.
rante a fase proliferativa.
Oligoelementos – a deficiência de zinco e cobre
têm sido implicadas no reparo insatisfatório das
Maturação feridas, uma vez que eles são cofatores em muitas
reações enzimáticas. A deficiência de zinco está
Síntese relativa da matriz
Proliferação
associada a epitelização inadequada e a feri-
Inflamação Colágeno I das crônicas que não cicatrizam.
Fibronectina Oxigênio – o oxigênio é essencial para infla-
mação, angiogênese, epitelização e deposição
Ferida resistente à ruptura de matriz bem-sucedidas e, consequentemente,
Colágeno III uma boa cicatrização. As feridas isquêmicas não
cicatrizam bem e existe um risco muito maior
de infecção.
0
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Perfusão tecidual – é o fator determinante final Homocistenúria: baixa perfusão tecidual por
da oxigenação e da nutrição das feridas. Para otimi- trombose.
zar o reparo das feridas, os fatores que provocam Osteogenesis imperfecta: mutação dos genes
isquemia da ferida devem ser evitados. Os pontos
que codificam o colágeno tipo I.
de sutura não devem ser muito apertados. Deve-
-se manter o paciente aquecido, a dor deve ser bem
controlada para evitar vasoconstrição mediada por
catecolaminas e a hipovolemia deve ser corrigida.
Diabete melito – a cicatrização de feridas está Cuidados locais para
comprometida nos pacientes diabéticos por me-
canismos desconhecidos. Quando os níveis de
a obtenção de uma
glicose estão bem controlados, a cicatrização me-
lhora. A incidência elevada de feridas cutâneas
boa cicatriz
crônicas nesses pacientes está relacionada, ami-
úde, à combinação de neuropatia, vasculopatia, Feridas cirúrgicas oferecem sempre condições de
comprometimento das defesas do hospedeiro cicatrização mais favoráveis, pois a agressão tecidual é
contra infecção e distúrbios metabólicos. previsível, o local é escolhido e o paciente é geralmen-
Obesidade – a obesidade interfere no reparo inde- te preparado para a agressão, ao contrário das feridas
pendentemente do diabetes. Os pacientes obesos e que resultam de politrauma.
diabéticos apresentam cicatrização das feridas in- É sempre pertinente colocar a incisão acom-
satisfatória, a despeito do grau de controle da glice- panhando as linhas de tensão da pele que coin-
mia e da insulinoterapia. É provável que a perfusão cidem com a disposição predominante das fibras
insatisfatória das feridas e os restos adiposos ne- elásticas e colágenas da pele local, proporcionando
cróticos comprometam a cicatrização tanto em pa- assim maior tensão sobre suas extremidades e me-
cientes obesos diabéticos como em não diabéticos. nor tensão sobre suas bordas, resultando em me-
Corticosteroides – os esteroides comprometem lhor cicatrização.
a cicatrização, sobretudo quando administra-
dos nos 3 primeiros dias após o ferimento.
Substâncias nocivas, como nicotina e aspirina,
Os esteroides reduzem a reação inflamatória, a devem ser suspensas no pré-operatório. A aspirina
epitelização e a síntese de colágeno nas feridas. pode favorecer a ocorrência de seromas, de hemato-
mas e prejudicar o processo usual de cicatrização.
Quimioterapia e radioterapia – tanto a radia-
ção como os agentes quimioterápicos exercem Substâncias como buflomedil, manitol e alopuri-
seus efeitos principais nas células em divisão. A nol podem ser benéficas no processo de cicatrização.
divisão das células endoteliais, dos fibroblastos
Suturas subdérmicas (intradérmicas) devem ser
e dos ceratinócitos está comprometida no teci-
feitas com fios mais grossos, 4-0 ou 3-0, que deslizam
do irradiado, o que lentifica a cicatrização das
feridas. De modo geral, o tecido irradiado exibe melhor e não se rompem com facilidade. As profundas
alguma lesão residual das células endoteliais e geralmente são feitas com mononáilon preto.
endarterite, que provoca atrofia, fibrose e reparo
tecidual insatisfatório. Os agentes quimioterá-
picos não são administrados até pelo menos 5 a
7 dias após a operação, para evitar comprometi- Quanto aos curativos, seus
mento dos eventos iniciais da cicatrização.
objetivos são:
Infecção – a contaminação da ferida por bactérias
provoca infecção clínica e retarda a cicatrização se Proteção.
mais de 10 micro-organismos/mg estiverem pre- Compressão.
sentes. Antigamente, a resposta do hospedeiro à
Imobilização.
infecção localizada foi descrita como rubor, dor,
calor e tumor (eritema, dor, calor e tumefação). Por
conseguinte, as feridas infectadas são eritematosas A utilização de curativos visa a proteger as feri-
e doloridas e comumente apresentam drenagem. das do ambiente externo. Eles formam uma barreira
física que impede a entrada de agentes externos, re-
Síndromes associadas à disfunção da cicatrização: têm umidade e exsudação e reduzem a perda de calor.
Síndromes de Ehlers-Danlos: anormalidades As feridas limpas necessitam, habitualmente,
do tecido conjuntivo resultantes de defeitos apenas de uma cobertura com fina camada de gaze
inerentes de força, elasticidade, integridade e hidrófila, seca, que será mantida por cerca de 24 ho-
propriedades de cicatrização dos tecidos. Defei- ras. Após esse período, poderá ser deixada descoberta,
tos na síntese, no entrecruzamento ou na estru- pois em decorrência da epitelização já apresenta uma
tura do colágeno. barreira de proteção ao meio externo.
Outra opção que pode ser utilizada é a cobertura mínima e em 24 a 48 horas a ferida já foi lacrada por
da ferida limpa, após suturada, com colódio elástico. epitélio, o que evitará a contaminação bacteriana. A
Esse tipo de curativo é especialmente indicado em contração da ferida apresenta papel pouco relevante
crianças, que por vezes tendem a retirar os curativos nesse tipo de cicatrização.
ou a tocar a ferida repetidamente. É o método habitualmente utilizado após opera-
No caso de feridas com secreções, deve-se utili- ções, especialmente nos casos de operações limpas. A
zar maior quantidade de gazes que devem ser trocadas aproximação das bordas poderá ser feita com pontos,
tantas vezes quanto necessário para se manterem lim- grampos ou mesmo tiras de adesivos que permitam o
pas. Para auxiliar na retirada de debris, devem ser uti- perfeito apropinquamento das bordas.
lizadas soluções de NaCl 0,9%; o uso de soluções antis-
sépticas está restrito à pele sadia em torno da ferida.
Quadro clínico
O queloide caracteriza-se por estender-se lateral-
mente para os tecidos adjacentes em relação ao ponto
de origem. Essa lesão pode ter crescimento contínuo
ou intermitente, com ausência de regressão signi-
ficativa e com tendência à recidiva após a ressecção.
Apresenta uma fase de atividade, exibindo sinais e
sintomas, e uma fase de inatividade ou estável, sem
a presença destes. Na fase de atividade, além de um
objetivo e gradativo crescimento, os sintomas mais
frequentes são o prurido (74%), a dor (19,1%), in-
fecção (1,5%) e a evolução para ulceração (0,6%).
Os lóbulos das orelhas e a região pré-esternal
são os locais mais frequentes, seguidos pela região
lateral da face, região mandibular e pescoço. Figura 8.5
Diagnóstico diferencial
clínico/histológico
O principal diagnóstico diferencial do queloide
a ser considerado é a cicatriz hipertrófica. Porém, al-
guns pesquisadores consideram o queloide e a cicatriz
hipertrófica como diferentes estágios de um mesmo
processo. Este fato poderia ser refletido pela dificul-
dade, às vezes existente, em diferenciar clinicamen-
te o queloide da cicatriz hipertrófica, onde apenas o
exame histopatológico pode fazer o diagnóstico. No
queloide as fibras colágenas ficam dispostas em
nódulos e de forma aleatória, estando entre-
meadas com abundante mucina e praticamen-
te com ausência de fibras elásticas, enquanto
na cicatriz hipertrófica as fibras se dispõem de
forma mais ordenada e formando feixes parale-
los. Porém, na periferia do queloide comumente ob-
servam-se fibrilas colágenas dispostas similarmente
a uma cicatriz normotrófica. O estudo histológico
do tecido queloideano revela abundante colá-
geno do tipo I (colágeno adulto) e uma proporção em relação à linha mediana. Sendo assim, qualquer
aumentada do colágeno tipo III (colágeno fetal). intervenção cirúrgica antes desse período seria preci-
Em queloides com 2 ou 3 anos de evolução não há pitada, com prejuízo na evolução natural do distúrbio.
mais um aumento significativo da produção de co- A injeção intralesional do corticosteroide ace-
lágeno. Os folículos pilosos e as glândulas sebáceas tonido de triancinolona, numa dose de até 40 mg
estão ausentes ou bastante diminuídas. por sessão, é um dos tratamentos mais empregados
Na microscopia eletrônica, os queloides apresen- no queloide, assim como para cicatrizes hipertrófi-
tam sinais de serem hipóxicos, como evidenciado pela cas pruriginosas e/ou dolorosas, tanto de forma iso-
exuberância da camada endotelial dos vasos sanguíneos. lada ou em associação a outra modalidade terapêuti-
ca. Preconiza-se a injeção intralesional mensal, a nível
Clinicamente, após alguns meses, a cica-
da derme papilar, de 10 mg por centímetro linear de
triz hipertrófica tende à regressão, enquan-
queloide do corticosteroide, por até 6 meses. A involu-
to o queloide aumenta suas dimensões ou as
ção do queloide, representada pela atenuação dos sinto-
mantêm inalteradas por tempo indeterminado.
mas de prurido, dor e aspecto hiperêmico, assim como
Outros diagnósticos diferenciais a serem considera-
de sua espessura, ocorreria pela diminuição da síntese
dos são os dermatofibromas e alguns casos de acne
de colágeno, que poderia ser resultante tanto de uma
queloideana. Cicatrizes hipertróficas, queloides e
hipoatividade dos fibroblastos, como de uma redução
dermatofibromas poderiam ser consideradas lesões
da sua densidade, ou de uma alteração da maturação
resultantes de formas diferentes dos fibroblastos re-
dessas células. Ainda, observou-se que esse corticoste-
agirem a ferimentos cutâneos.
roide provocaria uma diminuição de novos brotamen-
tos endoteliais a partir de vasos sanguíneos. Em relação
ao aumento da degradação do colágeno, o acetonido de
Tratamento triancinolona causaria uma diminuição acentuada da
alfa-1-antitripsina e da alfa-2-macroglobulina, que es-
A ressecção operatória da lesão, já se mostrou tão aumentadas no tecido queloideano, e são inibidores
ineficaz como método isolado. A exérese sem outra naturais da colagenase na pele humana.
associação terapêutica apresenta um índice de reci-
A associação da ressecção cirúrgica com a inje-
diva que varia de 45 a 100%. Atualmente, a melhor
ção intralesional de corticosteroide reduz o índice
opção de associação é a complementação por beta-
de recidiva para menos de 50%. Porém, os principais
terapia, após 24 a 48 h da excisão, com o intuito de
atenuar a fibroplasia. Utiliza-se, após 48 horas, a be-
efeitos colaterais locais são atrofia, despigmentação
taterapia com o estrôncio (90Sr), numa carga total de e telangiectasias da cicatriz tratada, principalmente
2.000 cGy na cicatriz de cada queloide ressecado, fra- depois de repetidas infiltrações. Alternativamente,
cionada em 10 sessões de 200 cGy em dias alternados. utiliza-se o acetonido de triancinolona de forma tópi-
O efeito adverso mais comum é a discromia da cica- ca, veiculado em pomadas ou cremes, como suporte
triz, geralmente representada pela hiperpigmentação. coadjuvante na prevenção ou regressão do queloide.
Outras modalidades de tratamento cirúrgico
É preferível ressecar uma lesão queloideano na
do queloide incluem a operação com laser de dióxido de
fase de inatividade. Nesse caso, a excisão do queloide
pode ser total e justalesional, ou seja, imediatamente carbono, argônio e de Nd:YAG, e a criocirurgia com ni-
na transição com a pele íntegra, com retirada do tecido trogênio líquido. Sob a forma de tratamento tópico, têm-
fibroso excedente, seguida de betaterapia. Se a lesão -se utilizado o 5-fluoruracil, tamoxifeno, ácido retinoico,
estiver em fase de atividade, é mais conveniente penicilamina, colchicina, tetraidroquinona, sulfato de
aguardar até a fase de inatividade para ressecá- destran, Madecassol (Centella asiática), beta-omino-pro-
-la. Enquanto isso, deve-se explicar detalhadamente prionitrilo, óxido de zinco e imiquidona a 5%.
ao paciente o motivo dessa espera e, se necessário, Menos conhecidos, porém relatados na literatura,
orientá-lo a utilizar outras medidas para amenizar o são tratamentos com interferon intralesional (IFNal-
desconforto, como aplicação tópica de cremes à base pha2b), radioterapia pós-operatória com banho de elé-
de corticosteroide, injeções intradérmicas dessa subs- trons, verapamil, 5-fluorouracil e mitomicina C tópica.
tância e compressão elástica. O uso de gel de extrato de cebola mostrou-se ineficiente
Ao contrário das cicatrizes queloideanas, para estatisticamente em relação a diminuição de prurido e
as quais a cirurgia é a primeira opção de tratamento, tamanho de cicatrizes hipertróficas quando comparado
principalmente na fase de inatividade clínica, nas ci- a placas de gel de silicone, tendo ação na melhora da cor
catrizes hipertróficas, como ocorre uma regressão da cicatriz. Há um relato na literatura do uso de enala-
temporal da lesão na maioria dos casos, a ressec- pril em dose baixa com efeito na regressão de queloides,
ção cirúrgica constitui-se numa opção de exceção. sendo relacionada à sua ação antifibrótica pulmonar,
As cicatrizes hipertróficas iniciam sua regressão a bem como sua conhecida ação na remodelação ventri-
partir do 8o mês, geralmente de forma centrípeta cular esquerda pós-infarto. Na prevenção em pacientes
com história familiar, pode-se optar por métodos varia- A literatura mostra que nenhum método isolado
dos, sendo atualmente muito indicadas, pela facilidade é satisfatório e que a combinação de métodos é mais
de uso e baixo risco de efeitos adversos, placas de silico- eficaz. Porém, nenhuma dessas estratégias tem apro-
ne ou gel de silicone, usadas durante 12 a 24 horas por vação generalizada. Portanto, apesar das várias moda-
dia, pelo menos de 2 a 3 meses. lidades de tratamento e prevenção, o queloide ainda é
Atualmente, há estudos com inibidores de fa- um desafio.
tores de crescimento para suprimir a síntese de
colágeno tipo I. A interrupção de vias sinalizadoras
no processo de formação de queloides pode possibilitar
novas e promissoras estratégias terapêuticas. Estudos Cicatrização de tecidos
in vitro sugerem que a aspirina poderia inibir a prolife-
ração de fibroblastos mediante a inibição de TNF-alfa, especializados
podendo auxiliar no desenvolvimento de terapêuticas.
Nervos
Prevenção
O cérebro cicatriza principalmente pela forma-
As modalidades terapêuticas propostas até hoje ção de cicatrizes do tecido conjuntivo, em que célu-
são ainda bastante diversas, em, virtude da falta de las gliais e perivasculares parecem diferenciar-se em
compreensão da verdadeira fisiopatogenia do queloi-
fibroblastos. Quando um nervo periférico é seccio-
de. Em termos de profilaxia, há pouco disponível, me-
nado, sua parte distal degenera, deixando as bainhas
recendo destaque a compressão mecânica de uma
axônicas cicatrizarem por inosculação. O axônio se
ferida operatória recente em paciente com ten-
regenera, então, a partir da célula nervosa e através
dência a desenvolver queloide. A compressão deve
das bainhas reunidas, avançando até 1 mm/dia. In-
ser contínua, e pode ser exercida por vestes elásticas
felizmente, como as bainhas neurais individuais não
excedendo 24 mm/Hg, a qual reorientaria os feixes de
tém um meio de procurar sua extremidade distal ori-
fibras colágenas.
ginal, as bainhas axônicas unem-se ao acaso e axônios
Lâminas de silicone tem obtido um sucesso de nervos motores podem regenerar-se inutilmente
relativo no tratamento preventivo do queloide. numa bainha distal e órgão terminal de natureza sen-
Embora o mecanismo ainda não esteja completamen- sorial. O resultado funcional da regeneração neural
te esclarecido, cogita-se, em virtude de sua imperme- é, pois, mais satisfatório nos nervos periféricos mais
abilidade sobre o estrato córneo, numa contínua hi- puros e em nervos rejuntados por técnicas cirúrgicas
dratação cutânea, com redução da hiperemia e fibrose microscópicas. A descoberta do fator de crescimento
incipientes. Todavia, essas lâminas não seriam indi- nervoso e a natureza isquêmica e hipóxica das feridas
cadas sobre cicatrizes queloideanas (ou hipertróficas) sugerem que podem ser criados meios de melhorar a
inativas ou antigas. regeneração nervosa.
Intestino
A velocidade do reparo varia de uma parte do in-
testino a outra, proporcionalmente à vascularização. As
anastomoses do cólon e do esôfago são precárias e
propensas a deiscências, enquanto a deiscência nas
anastomoses do estômago ou do intestino delgado é
rara. As anastomoses intestinais em geral recuperam a
força rapidamente. Por volta de uma semana, elas resis-
tem mais fortemente à ruptura que o tecido mais nor-
mal circundante. Entretanto, o intestino circunvizinho
participa da reação à lesão, perde uma grande parte de
seu colágeno por lise e, por conseguinte, perde força.
Figura 8.6 Modelos de lâminas de silicone utilizados Por esta razão, a deiscência tem aproximadamente a
na prevenção do queloide. Existem modelos prontos mesma probabilidade de ocorrer a alguns milímetros
apropriados conforme o formato da cicatriz, como em da anastomose como na própria anastomose, especial-
mastoplastias redutoras, e tiras ou blocos para serem mente em locais de suturas ou grampos excessivamente
esculpidos conforme a necessidade. apertados. O desenvolvimento da força linear no intes-
unidade é denominada um “cone de corte”, porque Os fios de sutura sintéticos não absorvíveis (nái-
ela literalmente corta seu caminho através do osso no lon, polipropileno) suscitam menor reação inflamatória
processo de ligação a outros vasos. que os fios orgânicos naturais (sedas, algodão). Além
disto, os fios sintéticos por não apresentarem capilari-
O osso é tão resistente que concentra o movimen-
dade podem permanecer por um tempo major no orga-
to numa pequena área e os delicados tecidos em proces-
nismo. De outro lado, os fios de sutura constituem-se
so de cicatrização têm de ser imobilizados para se evi-
em corpos estranhos e tendem a ser naturalmente ex-
tarem o rompimento dos vasos e a consequente união
pulsos do organismo em torno do 14° dia de pós-opera-
fibrosa ou ausência de união. Entretanto, numa peque-
tório e, os pontos separados, englobando pele e tecido
na tração oscilante repetida (uma fração de milímetro) celular do subcutâneo, tornam-se cortantes Para a pele.
estimula e acelera a formação do calo. Se as extremida-
des ósseas fraturadas forem cuidadosa e continuamen- Assim, quando os pontos forem separados, estes
te tracionadas – uma fração de milímetro por dia –, um devem ser retirados entre o sexto e sétimo dia de pós-
osso longo pode ser significativamente alongado. -operatório.
Deve-se enfatizar que os pontos dados na pele
O reparo ósseo também é altamente dependente
constituem a última etapa da cirurgia. O fechamen-
da perfusão e da oxigenação e a osteomielite ocorre
to adequado dos planos anteriores, como aponeurose
mais frequentemente em fragmentos ósseos isquê-
e musculatura, já propiciam em si uma aproximação
micos. A hiperoxigenação acelera a cicatrização das
adequada da pele. Em consequência deste fato, os pon-
fraturas e ajuda na cura da osteomielite. Uma hipoxia
tos dados na pele ficarão submetidos a menor tensão
aguda ou crônica lentifica o reparo ósseo. com benefício para o aspecto estético da cicatrização.
Diferentes tipos de osso têm diferentes modos Quando as incisões são paralelas às linhas de for-
de reparo. Os ossos chatos cicatrizam pela formação ca da pele (linhas de Langer e Kraisal), os pontos po-
de tecido fibroso e a calcificação subsequente. O osso dem ser retirados no quarto dia de pós-operatório. Em
cortical cicatriza pela formação de um calo (ou seja, casos de sutura intradérmica com o fio sintético não
por meio de uma fase cartilaginosa intermediária). absorvível os pontos podem permanecer até o 12º PO.
Os grampeadores mecânicos para o fechamento
da pele apresentam a vantagem de ser tecnicamen-
te mais rápidos e simplificados que a sutura manual,
além de propiciar pouca reação inflamatória, por uti-
Retirada de pontos lizar grampos constituídos de aço. Em se tratando de
tecnologia que diminui o tempo cirúrgico e, conse-
A retiradas de pontos deve obedecer aos seguin- quentemente, o ato anestésico, a sua utilização deve
tes critérios: ser considerada para incisões extensas. Em outras
tipo de fio de sutura: sintético ou orgânico não situações deve ser analisada a relação custo/benefí-
absorvível; cio, para que esta tecnologia possa ser incorporada
na rotina cirúrgica sem maiores gastos ao paciente.
tipo de pontos: separado ou intradérmico con-
O princípio de retirada dos pontos dos grampeadores
tínuo;
mecânicos obedece ao principio da retirada dos pon-
tipo profundidade e extensão da incisão, e se tos separados feitos manualmente.
paralela ou perpendicular as linhas de forcas Nas adversidades como infecção e desnutrição,
naturais do organismo; os pontos devem ser retirados mais tardiamente, isto
condições adversas: infecção, hipoproteinemia, é, entre o 10° e 12° dia de pós-operatório, principal-
neoplasias, diabetes, deficits de vitaminas, oli- mente quando as incisões são perpendiculares às li-
goelementos, AINE, entre outras. nhas de força.
9
Abdome agudo
4) Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de aneu- tosos. É desencadeada sempre que se aumenta a tensão
risma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura da parede da víscera, seja por distensão, inflamação, is-
de baço, endometriose, necrose tumoral. quemia ou contração exagerada da musculatura.
5) Vascular: trombose da artéria mesentérica, torção
do grande momento, torção do pedículo de cisto ova- A dor visceral é uma sensação dolorosa pro-
riano, infarto esplênico. funda, surda e mal localizada, de início gradual e de
Tabela 9.1 Classificação do abdome agudo não longa duração. Ao contrário da dor somática, a dor
traumático de origem abdominal, segundo a natureza visceral é causada quase unicamente por distensão ou
do processo determinante. estiramento dos órgãos.
É sentida na linha mediana do abdome em vir-
*O tipo inflamatório é o mais comum e a apendici- tude de a inervação sensorial ser bilateral; exceções
te corresponde à causa mais comum de abdome agudo. são as vísceras duplas como rins e ureteres e anexos
uterinos onde a dor tende a ser do lado afetado, pois,
nestes casos, as vias nervosas são unilaterais.
A sensação de dor é projetada em diferentes ní-
Anamnese veis da parede abdominal, desde o epigástrio até o hi-
pogástrio, na dependência da origem embriológica da
Os dados de identificação do paciente quanto ao víscera afetada (Atenção!):
sexo, idade e procedência oferecem informações de
grande importância em razão da existência de doenças Intestino primitivo superior (foregut – da boca à papila
mais comuns ligadas ao sexo e idade, por exemplo, a de Vater) = dor referida no epigástrio.
intussuscepção nos climas temperados, que ocorre ge- Intestino primitivo médio (midgut – da papila de Vater
ralmente em crianças com idade inferior a dois anos. à metade do cólon transverso) = dor referida no meso-
gástrio.
A apendicite, que é menos frequente na infância,
Intestino primitivo inferior (hindgut – do transverso
é mais comum em jovens adolescentes. A obstrução
até metade do ânus) = dor referida no hipogástrio.
do intestino grosso, por uma estenose maligna, rara-
mente é vista antes dos 30 anos, mas é a causa mais A dor visceral é sempre a primeira manifestação
comum de obstrução intestinal (ID) em pessoas com de doença intra-abdominal, sendo, com frequência,
mais de 50 anos. Existem também doenças endêmicas resultante de alterações da motilidade de vísceras ocas
relacionadas à procedência, como um quadro obstruti- (cólica intestinal, uretral, biliar), em especial quando
vo intestinal baixo em paciente originário de área en- secundária a gastroenterocolites agudas.
dêmica de doença de Chagas, caracterizando suspeita
de volvo (torção de víscera oca em torno do seu eixo de
pelo menos 180o) do sigmoide.
Sua distribuição cutânea é unilateral e corres- Centro tendíneo do diafragma – ar, sangue,
pondente à área inervada pelo nervo cerebrospinal suco gástrico ou pus → a dor se localizará na re-
estimulado; como o peritônio é inervado pelas raízes gião cervical e ombro cuja inervação é realizada
nervosas provenientes de T6 a L1, a dor é percebida pelos nervos cervicais originários das mesmas
em um dos quatro quadrantes do abdome (superior raízes nervosas que o nervo frênico (C3, C4, C5);
e inferior, direito e esquerdo). A dor parietal é pro- Periferia diafragmática – dor na parede ab-
vocada por estímulos mais intensos resultantes do dominal, no território dependente dos nervos
processo inflamatório (edema e congestão vascular). intercostais.
A sensação dolorosa é aguda, em pontada, melhor
localizada e mais constante; associa-se à rigidez mus- Dor referida
cular e à paralisia intestinal. A dor somática pode ser
provocada pela compressão manual da parede abdo- Pancreatite aguda
minal, levando o paciente a contrair voluntariamente Colescistite Dorso Dorso ou flanco
a musculatura desse local, como defesa muscular. A aguda
Ruptura de
Cólica ureteral
compressão do local e a brusca retirada da mão pro- Aneurisma
movem a exacerbação da dor (sinal de descompressão
brusca dolorosa positiva). Esse é o “DB +”.
A contratura muscular involuntária é conse- Apendicite Úlcera perfurada
quente ao reflexo espinhal que se origina nas termi-
nações nervosas subperitoneais, provocado pela infla-
Dor deslocada
mação do peritônio. Quando o processo é localizado,
a contratura muscular ocorre no mesmo metâmero Figura 9.2 Localização da dor referida.
inervado pelos mesmos nervos somáticos do segmen-
to de peritônio comprometido. Quando o processo in-
flamatório atinge todo o peritônio parietal, como na
peritonite química por úlcera péptica perfurada, toda Níveis sensitivos associados a estruturas viscerais
a musculatura abdominal se contrai. É o que se deno- Estruturas Vias do sistema nervoso Nível
mina “abdome em tábua”. sensitivo
Fígado, baço e Nervo frênico. C3-5
parte central do
Dor referida diafragma.
É transmitida pela via visceral, propriamente Diafragma peri- Plexo celíaco e nervo T6-9
dita, que leva à percepção da sensação dolorosa em re- férico, estômago, esplâncnico maior.
pâncreas,
giões distantes do órgão de origem da dor no ponto do
vesícula biliar e
segmento medular onde se insere no corno posterior
intestino delgado.
da medula. É sentida como se fosse superficial, porque
Apêndice, cólon e Plexo mesentérico e nervo T10-11
esta via faz sinapse na medula espinhal com alguns vísceras pélvicas. esplâncnico menor.
dos mesmos neurônios de segunda ordem que rece- Cólon sigmoide, Nervo esplâncnico mínimo. T11 –L1
bem fibras de dor da pele. Assim, quando as viscerais reto, rins, ureteres
para a dor são estimuladas, os sinais de dor das vísce- e testículos
ras são conduzidos por pelo menos alguns dos mes- Bexiga e Plexo hipogástrico. S2-4
mos neurônios que conduzem sinais de dor proceden- retossigmoide.
tes da pele. Frequentemente, a dor visceral referida é Tabela 9.2
sentida no segmento dermatotópico do qual o órgão
visceral se originou embriologicamente. Isso se expli-
ca pela área que primeiro codificou a sensação de dor
no córtex cerebral. Um exemplo seria o caso do infarto Irradiação da dor
do miocárdio, em que a dor é sentida na superfície do É frequentemente diagnóstica, principalmente
ombro e face interna do braço esquerdo. Outro caso é nas cólicas em que a dor se irradia para as áreas de dis-
a cólica de origem renal, na qual é comum o paciente tribuição dos nervos provenientes daquele segmento
referir dor na face interna da coxa. da medula que supre a região afetada:
Pode ocorrer por estímulo direto de fibras nervo- Cólica biliar – dor irradiada do hipocôndrio
sas somáticas que se originam em níveis superiores da direito para zona inferior à ponta da escápula
medula espinhal. É o que ocorre, por exemplo, no dia- direita (oitavo segmento dorsal); a cólica biliar
fragma, que tem dupla inervação somática por causa pode inibir os movimentos do diafragma e a dor
de sua origem embriológica: pode aumentar por uma respiração forçada.
Cólica renal – dor no dorso irradiada para tes- favor de uma gastrenterite. Exceção a essa regra pode
tículo (grandes lábios) do mesmo lado. ser a apendicite em crianças, em que nem sempre o
Dor pleural – piora durante uma inspiração quadro é típico.
profunda e é reduzida ou abolida durante as O reflexo do vômito é desencadeado após os cen-
pausas respiratórias. tros medulares do vômito terem sido estimulados por
impulsos conduzidos pelas fibras nervosas aferentes
do SNA. Os vômitos são responsáveis pelo alívio tem-
Características da dor abdominal porário da dor.
As principais causas de dor de início súbito Nas obstruções intestinais, os vômitos são de
são: a perfuração de vísceras ocas em peritônio livre, início reflexos, e, por esse motivo, o material expeli-
a rotura do aneurisma da aorta e seus ramos, a isque- do apresenta características de suco gástrico ou tem
mia mesentérica e outros menos graves, como a cólica restos alimentares. Com o passar do tempo, os vômi-
biliar e a cólica ureteral. tos tornam-se biliosos e, posteriormente, fecaloides,
Nas perfurações de vísceras ocas, a intensida-
por causa da regurgitação do conteúdo intestinal que,
de da dor diminui progressivamente, após a per-
impedido de prosseguir, reflui para o estômago. Nas
peritonites químicas (suco gástrico, bile, sangue ou
furação; quando há sangramento intraperitoneal, a
urina) ou bacterianas secundárias (perfuração de vís-
intensidade da dor e do choque que se seguem é pro-
ceras ocas ou rotura de abscessos), as náuseas e vô-
gressiva. O grau de dor abdominal e de defesa muscu- mitos são secundários ao íleo adinâmico que se segue.
lar depende do comprometimento peritoneal, sendo
intensa na víscera perfurada e pouco expressiva, pelo Além das características do conteúdo, a intensi-
menos inicialmente, na isquemia mesentérica. dade e a frequência dos vômitos são importantes no
diagnóstico diferencial dos processos obstrutivos intes-
Assim, o abdome agudo cujo início é rápido e tinais, sendo mais intensos e frequentes quanto mais
a dor é de grande intensidade precisa de uma inter- proximais for a obstrução. Por essa razão, decorre o
venção mais rápida. A dor de início rápido, que au- maior grau de desidratação e hipovolemia observado
menta de intensidade em minutos, é característica nas obstruções mecânicas altas, ocorrendo tam-
de processo inflamatório como pancreatite aguda, bém perda de íons (hidrogênio e cloro das secreções
mas também é observada em outras afecções não gástricas e sódio e bicarbonato das secreções duodenais
menos graves como prenhez ectópica rota e isque- perdidas), o que determina com maior facilidade a
mia mesentérica. frequência de desvios do equilíbrio acidobásico (al-
As afecções que cursam com dor gradual e con- calose metabólica hipoclorêmica, hipocalêmica).
tínua evoluem lentamente antes que ocorram graves Nas obstruções baixas (delgado distal e có-
complicações. Neste grupo, encontram-se as afecções lon), os vômitos são tardios, geralmente fecaloides
inflamatórias e/ou infecciosas, as mais frequente- e acompanhados em longo prazo de hipovolemia,
mente encontradas no abdome agudo, como apen- sem distúrbios acidobásicos, e quando este ocorre,
dicite aguda, colecistite aguda, a salpingite aguda o esperado é acidose metabólica.
e a linfadenite mesentérica.
das) ou neoplasias suboclusivas dos cólons há passa- Nas mulheres, a pesquisa sobre o ciclo mens-
gem de gases e conteúdo intestinal, o que também pode trual também é muito importante, possibilitando um
ocorrer nas obstruções totais pela eliminação de gases e diagnóstico diferencial de ginecopatias agudas como
do conteúdo fecal a jusante (distal) do obstáculo. prenhez ectópica, ovulação dolorosa (dor do meio
Nessas circunstâncias, pode ocorrer a diarreia pa- do ciclo ou “Mittelschmerz”) e endometriose. Deve-
radoxal, que é a eliminação pelo ânus de muco e conteú- mos questionar a paciente sobre o uso de anticoncep-
do intraluminal previamente coletado a jusante do obs- cionais, por causa da sua implicação na formação de
táculo. A presença de diarreia não exclui obstrução! adenomas hepáticos e do infarto venoso mesentérico.
Após afastar qualquer hipótese de atraso menstrual
A diarreia abundante, com fezes líquidas, é ca-
ou gravidez, devemos solicitar exames radiográficos.
racterística das gastroenterocolites e outras afecções
não cirúrgicas. Entretanto, vários episódios com
pouca quantidade de fezes diarreicas por dia podem
levantar a suspeita de abscesso intra-abdominal.
Exame físico
O exame deve ser completo e sistematizado, investi-
Sintomas específicos gando-se todos os órgãos e sistemas, em especial o tórax, o
exame do aparelho genital feminino e o exame proctológi-
Os sintomas específicos são úteis para a locali-
co. Deve-se observar e descrever a dor, pois, muitas vezes,
zação da afecção responsável pelo abdome agudo. A
é por meio dela que se descobre o problema.
icterícia sugere doença hepatobiliar. A hematêmese e
melena denunciam a doença gastroduodenal; a hema- As afecções que determinam quadro de abdome
toquezia (às vezes) e a eliminação pelo ânus de restos agudo rapidamente progressivo e grave costumam ser
necróticos são características de colite isquêmica agu- acompanhadas de manifestações sistêmicas como:
da; a hematúria sugere a passagem de cálculo uretral palidez acentuada, taquicardia, taquipneia, sudorese
ou cistite. O corrimento vaginal purulento relaciona- fria, sugerindo grave peritonite ou hemorragia intra-
-se com a moléstia inflamatória pélvica. peritoneal por rotura de prenhez ectópica ou de aneu-
risma de aorta abdominal.
A febre é uma manifestação comum e de elevada
importância para o diagnóstico. A temperatura costu-
Antecedentes ma ter discreta elevação, entre 37,5 º a 38 ºC, nas fases
Algumas manifestações clínicas pregressas, bem iniciais de afecções inflamatório-infecciosas (apendicite
como exames complementares realizados também po- aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda), mas pode
dem nos auxiliar no diagnóstico. Assim, a úlcera pépti- ser elevada (39º a 40 ºC) na moléstia inflamatória pélvi-
ca, previamente conhecida, pode reforçar um diagnós- ca aguda (MIPA), ou em infecções graves como perito-
tico de úlcera péptica perfurada. nites purulentas ou colangite supurativa, que são acom-
panhadas de manifestações sistêmicas como calafrios e
A colecistite calculosa sintomática ou quando
toxemia e podem evoluir para choque séptico.
reconhecida por ultrassom (US) pode reforçar o diag-
nóstico de colecistite aguda ou pancreatite aguda.
Casos de melena e mudanças do hábito intesti-
nal em pacientes com manifestações de obstrução do Exame do abdome
cólon nos orientam sobre uma possível obstrução ne- Deve ser realizado com o paciente em decúbito
oplásica, assim como uma operação ginecológica ou dorsal, na posição anatômica e de maneira confortá-
apendicectomia prévia em doente com obstrução in- vel, com exposição total do abdome, incluindo a face
testinal (ID) sugerem bridas ou aderências. anterior do tórax e das regiões inguinocrurais.
Alterando a sequência tradicional do exame
Bridas são a causa mais comum de obstrução físico, recomenda-se iniciar a avaliação pela ins-
intestinal (ID) no adulto! peção, posteriormente, ausculta e percussão e, por
A causa mais comum de ID em idoso ainda é a neopla- fim, a palpação. Isto se impõe porque, muitas vezes,
sia (IG). Já a causa mais comum de ID em indivíduo > ao executarmos a palpação, a contratura da parede ab-
70 anos com colelitíase é o ÍLEO BILIAR! dominal pode agravar-se, dificultando a sequência da
avaliação, além de também poder ser alterada a peris-
talse, por meio do estímulo provocado pela palpação.
O uso de drogas associadas pode ser uma pista
para o diagnóstico. Anticoagulantes podem causar A ausculta deve ser realizada antes da palpação,
hematomas retroperitoneais ou mesmo hematoma pois esta pode modificar o caráter dos sons intesti-
em bainha do reto abdominal. nais. Após o aquecimento do diafragma do estetos-
cópio, inicia-se a ausculta pelo quadrante inferior Sinal de Blumberg: é DB + no ponto de McBur-
esquerdo, seguindo-se os outros três quadrantes. ney (a meio caminho entre espinha ilíaca anterossu-
Recomenda-se um tempo mínimo de três minutos perior e cicatriz umbilical), que sugere irritação peri-
antes de definirmos um estado de aperistalse. toneal clássica da apendicite aguda.
Sons metálicos de alta intensidade podem Sinal de Halban: percussão ou palpação cada vez
corresponder a uma “peristalse de luta”, observada mais dolorosa, conforme se progride da fossa ilíaca até o
na fase precoce da obstrução intestinal mecânica. hipogástrio. Observado nas patologias ginecológicas.
A defesa abdominal deve ser pesquisada colocan- Sinal de Rovsing: é o sinal da mobilização
das massas de ar; palpação do cólon esquerdo com mo-
do-se ambas as mãos sobre o abdome, comprimindo-o
bilização do ar em direção do apêndice. A distensão do
delicada e comparativamente. Caso a contração mus- ceco e apêndice ocasiona exacerbação da dor em FID. É
cular seja voluntária, recomendam-se manobras para encontrado na apendicite.
distrair o paciente. A dor à palpação é um dos sinais
Sinal do ileopsoas: dor à elevação e extensão
mais importantes do abdome agudo e, além da defesa
do membro inferior, quando o doente se encontra em
muscular, denota também inflamação do peritônio. posição de decúbito dorsal. Pesquisado nos quadros de
É bem localizada em algumas doenças como: co- apendicite retrocecal.
lecistite aguda, apendicite aguda, MIPA e na peridiver- Sinal do obturador: é a rotação do quadril
ticulite colônica. A dor costuma se acentuar quando a fletido. Se existir inflamação/massa aderente à fáscia
mão que comprime o abdome é retirada bruscamente do músculo obturador interno, a realização da rotação
(DB+). Na contratura muscular, o abdome é tenso, não interna da coxa fletida em decúbito dorsal resulta em
depressível, e sua palpação provoca muita dor. Esta dor hipogástrica. Pode ocorrer nos quadros de apendi-
dor não acompanhada de defesa muscular pode estar cite aguda – apêndice pélvico.
associada às gastroenterocolites ou outras afecções Sinal de Lennander: é a diferença de tempera-
abdominais sem comprometimento peritoneal. tura retal x axilar > 1 grau Celsius, sugerindo abdome
agudo inflamatório. Entretanto, não é específico de
Na palpação podemos surpreender a presença de apendicite, podendo ocorrer em isquemia mesentérica.
tumores ou visceromegalias, como vesícula palpável e
Sinal de Jobert: timpanismo pré-hepático; é
dolorosa na colecistite aguda ou um plastrão fixo na
o desaparecimento da macicez hepática nos grandes
fossa ilíaca direita (FID), de consistência firme, dolo- pneumoperitônios. A percussão com som timpânico
roso na apendicite. tem valor quando realizada na face lateral do hipocôn-
drio direito.
Sinal de Giordano: punho-percussão doloro-
Sinais físicos relevantes sa das regiões lombares. Sugestiva de quadros de in-
Na obstrução por fecaloma é possível palpar massa fecções do trato urinário.
volumosa, de localização variável no abdome, geralmente Manchas equimóticas periumbilicais (sinal
hipogástrica, e que à palpação é moldável, apresentando a de Cullen) ou nos flancos (sinal de Gray Turner)
sensação tátil de descolamento, quando a pressão exercida sugerem a hipótese de hemoperitônio, em especial
sobre a mesma é relaxada (sinal de Gersuny). relacionado com pancreatite aguda necrosante.
Renitência: esse é um reflexo desencadeado Sinal de Kehr: dor referida na região da articu-
pela palpação, e pode ser voluntário ou involuntário. lação do ombro, resultante de inflamação aguda da
A renitência involuntária é uma resposta proteto- superfície inferior do diafragma homolateral, po-
ra, mediada pela medula espinhal na presença de dendo fazer suspeitar de úlcera péptica perfurada, ro-
peritonite. Renitência voluntária é conscientemen- tura esplênica, colecistite aguda supurada ou abscesso
te mediada pelo paciente. O reflexo voluntário pode hepático com peritonite local.
tornar o exame particularmente difícil, podendo ser
necessário distrair o paciente.
Sinal de Fothergill: a renitência a palpação pro-
funda é reduzida pela contração ativa da parede abdo-
minal anterior (pela elevação da cabeça do leito), simu-
lando a renitência voluntária. Isto ajuda a estabelecer
distinção entre dores abdominais causadas pela parede
abdominal e intra-abdominal. O paciente com patologia
intra-abdominal deve apresentar menos dor à palpação.
Sinal de Murphy: observado nas colecisti-
tes agudas. É a parada abrupta da inspiração profun-
da por aumento da dor no momento em que o fundo Figura 9.3 Sinal de Cullen, mancha equimótica pe-
da vesícula biliar inflamada é pressionado pelos dedos riumbilical e/ou umbilical, em razão da presença de
do examinador. hemoperitônio.
vel da obstrução. Além disso, aparece a imagem em A opacidade piriforme da colecistite aguda e o
pilha de moedas (detalhamento das válvulas coniven- íleo adinâmico regional são, com certa frequência,
tes também chamadas válvulas circulares). identificados.
No volvo do sigmoide, o raio X mostra enorme A presença de ar em via biliar é compatível
alça intestinal preenchendo praticamente todo o ab- com o diagnóstico de íleo biliar (Figura 9.13).
dome, com dois grandes níveis líquidos, é o “sinal do As radiografias simples também mostram calcifi-
grão de café”. Também no volvo existe o referido “si- cações anormais. Cerca de 5% dos fecalitos apendicula-
nal da alça em ômega” e “sinal do bico de pássaro”. res, 10% dos cálculos biliares e 90% dos cálculos renais
Na obstrução do cólon por fecaloma, além dos contêm quantidades suficientes de cálcio para serem ra-
sinais de obstrução, evidencia-se alça sigmoidiana di- diopacos. As calcificações pancreáticas, observadas em
latada, tendo seu lúmen uma imagem com densidade muitos pacientes com pancreatite crônica, são visíveis
radiológica aumentada, com pequenas áreas de hiper- nas radiografias simples, da mesma forma que as calcifi-
transparência (imagem em “miolo de pão”), que su- cações nos aneurismas da aorta abdominal, aneurismas
gere presença de fezes. de artéria visceral e aterosclerose nos vasos viscerais.
A radiografia simples permite distinguir as obs- As radiografias simples abdominais nas posições
truções do cólon da válvula ileocecal continente (obs- em pé e supina são muito úteis na identificação de
truções em alça fechada), pela dilatação isolada das obstrução da saída gástrica e obstrução do intestino
alças colônicas, identificadas pela sua posição e mor- delgado proximal, médio ou distal.
fologia característica (boceladuras). O diâmetro do
O transito intestinal é útil nas obstruções par-
ceco superior a 12 cm é considerado indicador da
ciais do delgado e o enema opaco tem sido indicado
iminência de rotura e exige medidas terapêuticas
no diagnóstico de volvo ou nos processos obstrutivos
imediatas (Atenção!).
neoplásicos.
O sofrimento vascular da alça (estrangula-
mento) é sugerido pela identificação de alça intestinal
de paredes lisas, com densidade radiológica aumen-
tada, especialmente quando esta imagem fica fixa e
se repete em exames sucessivos. Além disso, o raio X
aparece com alças edemaciadas, com aumento difuso
do padrão “água”, que aumenta a radiopacidade total
da radiografia e dá um aspecto de “Raio X sujo”.
No abdome agudo perfurativo (úlcera péptica
perfurada), na radiografia em posição ereta, o acú-
mulo de ar sob a cúpula diafragmática (pneumoperi-
tônio), sob a forma de meia-lua hipertransparente, é
frequente (80% dos casos) e muito característico. Os
grandes pneumoperitônios são vistos, mais frequen-
temente, nas perfurações dos cólons.
As radiografias do tórax com o paciente de pé po- Figura 9.9 Radiografia de tórax mostrando um
dem detectar uma quantidade tão pequena quanto 1 mL grande pneumotórax (setas).
de ar injetado na cavidade peritoneal. As radiografias ab-
dominais em decúbito lateral também podem detectar
pneumoperitônio efetivamente em pacientes que não
podem ficar de pé. Quantidades tão pequenas quanto 5
a 10 mL de gás podem ser detectadas com essa técnica.
A presença de faixa de opacidade entre as alças
distendidas por gás, observada nos processos inflama-
tórios agudos da cavidade peritoneal, sugere a presen-
ça de líquidos fora das alças e/ou edema das paredes
da cavidade peritoneal.
A não visualização da linha do psoas e o au-
mento da densidade radiológica, ou alargamento
de sombra renal (ar ao redor do rim – pneumorre-
troperitônio), sugerem perfuração de víscera oca
retroperitoneal (mais comum é úlcera duodenal).
A presença de imagem radiopaca de cálculo no
trajeto renoureteral, pode justificar o diagnóstico de
cólica nefrética.
Figura 9.11 Radiografia simples do abdome Figura 9.14 Radiografia simples do abdome eviden-
mostrando obstrução do intestino grosso em um pa
ciando um grande volvo de ceco.
ciente com carcinoma da flexura esplênica do cólon.
Observe a marcada dilatação do ceco e hemicólon di-
reito até a flexura esplênica.
Figura 9.12 Radiografia simples de abdome em um Figura 9.15 Sinal de Rigler-Frimann-Dahl (perfuração
paciente com íleo paralítico. Observe a considerável de víscera oca). A parede da alça intestinal é vista por
dilatação do intestino delgado e grosso que se estende dentro (em razão do ar em seu interior) e por fora (em
até a pelve. razão do pneumoperitônio). Atenção!
Ultrassonogra昀椀a
É extremamente útil nas suspeitas diagnósticas
de colecistite aguda e é o primeiro exame solicitado
na pancreatite aguda (a TC vê melhor retroperitônio).
Permite também a investigação de massas inflama-
tórias e abscessos, bem como para conduzir punções
Figura 9.17 Radiografia de abdome: volvo de sig- dirigidas para esclarecimento diagnóstico ou com fi-
nalidade terapêutica (esvaziamento de abscessos). É a
moide. Grande distensão do cólon.
melhor opção em doentes magros e em jejum (gases
atrapalham o exame).
Em mulheres grávidas, substitui com vantagem
o exame radiográfico, por não ter radiação.
Tem o inconveniente de ser prejudicado pela pre-
sença de gases intestinais, o que é frequente no abdo-
me agudo.
Os sinais ultrassonográficos de colecistite aguda
são o aumento do volume vesicular, o espessamento
da parede vesical, presença de edema junto à sua pa-
rede, representado por halo hipoecoico marginal e cál-
culos no lúmen.
Na apendicite aguda possibilita identificar o apên-
dice aumentado, com paredes espessadas e coleções
líquidas ao seu redor. Facilita a distinção entre o plas-
trão da apendicite hiperplástica (apendicite crônica),
caracterizado por centro hiperecoico envolto por áre-
as de menor ecogenicidade, correspondendo à parede
Figura 9.18 Raio X simples de abdome. Alça senti edemaciada, e o abscesso apendicular, que se apresenta
nela na FID. como massa complexa, predominantemente líquida.
Tomogra昀椀a computadorizada
(TC)
Embora submeta o doente à radiação, este exa-
me não é afetado pela presença aumentada de gases
intestinais.
É muito útil no diagnóstico e quantificação de
Figura 9.22 TC abdominal mostrando dilatação de
necrose pancreática (pâncreas “morto” não aparece
alças dos intestinos delgado e grosso, com níveis hi-
denso na TC), massas inflamatórias abdominais (pe-
droaéreos em um paciente com íleo paralítico (as setas
ridiverticulite aguda, apendicite hiperplástica), de
apontam para o cólon ascendente e descendente).
abscessos intracavitários ou contidos em vísceras
parenquimatosas (padrão-ouro); a localização preci-
sa destas coleções permite não só o diagnóstico, mas
também a terapêutica com drenagem percutânea efi-
caz, sem a necessidade de via de acesso cirúrgica.
Arteriografia
É um exame de exceção, não só pelas dificulda-
des de realização na urgência, como também por ser
um método invasivo. É, entretanto, de grande impor- Abdome agudo perfurativo
tância para o diagnóstico e definição da conduta nas
isquemias mesentéricas, em que existe a indicação do Os exemplos mais comuns de víscera oca perfu-
exame que tem finalidade diagnóstica e até terapêuti- rada são as úlceras gastroduodenais.
ca com embolizações. A perfuração de uma úlcera péptica pode deter-
A arteriografia seletiva dos troncos mesentéri- minar uma catástrofe abdominal que pode ser fatal
cos, por outro lado, é o único procedimento capaz de quando não for precocemente diagnosticada e tratada.
identificar causas pouco comuns de sangramentos in- As úlceras são ditas perfuradas quando se esten-
traperitoneais, como a rotura de adenoma hepático e dem pela parede muscular e serosa, permitindo comu-
aneurisma da artéria esplênica e de outras artérias do nicação entre a luz da víscera e a cavidade abdominal.
tubo digestivo. Denomina-se penetrante quando é bloqueada pelas
vísceras vizinhas e pelo peritônio.
A perfuração é mais frequente no duodeno
Laparoscopia do que no estômago. A úlcera duodenal perfura,
habitualmente, a parede anterior do bulbo duode-
Com o desenvolvimento da videolaparoscopia nal (92%) e em 10% dos casos está associada à he-
cirúrgica, este recurso passou a ser empregado com morragia digestiva alta, por ulceração concomitante
frequência no diagnóstico do abdome agudo, em es- da parede posterior do duodeno, levando ao sangra-
pecial na diferenciação da dor pélvica e, também, no mento (úlcera em kissing). Em 30% a 50% dos casos,
seu tratamento. não existe história prévia de doença ulcerosa. Não
Existem algumas contraindicações absolutas à existem dúvidas de que a média de idade dos pacientes
utilização da laparoscopia. São elas: alterações da co- com úlcera perfurada aumentou muito nas últimas dé-
agulação (taxa de protrombina abaixo de 50% e con- cadas e a mortalidade chega a 30% nos pacientes com
mais de 70 anos. A perfuração de uma úlcera péptica perfurações indiretas, com transfixação do sigmoide,
não é mais uma doença que acomete apenas o paciente e daí a sintomatologia e o quadro comum às vísceras
jovem e saudável; ela é, atualmente, muito frequente ocas gastrointestinais e com localização da dor na
em pacientes idosos e doentes. fossa ilíaca esquerda, hiperestesia cutânea e “defesa
muscular”, sinal de Blumberg localizado, pneumope-
As úlceras gástricas perfuradas localizam-se
ritônio e peritonite consequente.
normalmente na parede anterior do antro, entre o
piloro e a incisura angularis. A sintomatologia é seme- A prenhez ectópica rota com perfuração da
lhante a da úlcera duodenal perfurada. trompa é reconhecida pela dor lancinante abrupta,
na região hipogástrica ou em uma das fossas ilíacas,
A perfuração do câncer gástrico é rara e ocor- havendo atraso menstrual ou gravidez propriamente
re em cerca de 4% dos casos de câncer gástrico. Ra- dita. Há abaulamento do fundo do saco de Douglas
ramente o diagnóstico é feito no pré-operatório e o (toque vaginal). Nesse caso, a punção em fundo de
quadro clínico é semelhante ao de pacientes com per- saco de Douglas (culdocentese) com saída de sangue
furação gastroduodenal. vivo faz o diagnóstico.
Em geral, a perfuração de uma víscera em peritô- Aproveitamos este módulo para inserir duas situ-
nio livre provoca uma dor lancinante intensa, em “fa- ações clínicas que se não são comuns como causas de
cada”, de localização aproximada à topografia da vísce- abdome perfurativo, são relevantes nas perguntas das
ra que perfurou, com irradiação variada para ombros, provas de ressonância magnética (RM), estamos nos re-
dorso, lombos, precórdio, dependendo dos metâmeros ferindo a duas causas infecciosas: tuberculose intestinal
correspondentes às sinapses dos neurônios ao nível da e febre tifoide, fique atento a estas informações.
medula espinhal.
Inicialmente o paciente adquire atitude de imo-
bilização, com respiração superficial para se defender
da dor pelos movimentos do músculo diafragma, e Tuberculose (TB)
pode entrar em um estado de agitação psicomotora A forma secundária da tuberculose intestinal
por não encontrar posição cômoda, porque já pode ocorre mais comumente pela ingestão de bacilos na
estar se instalando o choque. Podemos encontrar ca- vigência de doença pulmonar. Clinicamente, pode-se
sos de perfuração em peritônio livre sem dor, mas é evidenciar que 5% a 8% dos doentes com afecção pul-
raro. Nesse caso, há só mal-estar indefinido no abdo- monar em fase inicial tenham lesão intestinal e que,
me, com sensação de distensão, podendo haver cho- nos casos mais avançados, de 70% a 80% dos pacien-
que hipovolêmico também (sequestração de líquidos).
tes apresentam doença intestinal.
No início o choque ocasionado pela perfuração é
A tuberculose intestinal é encontrada em todas
neurogênico, provocado reflexamente pela dor brusca,
as faixas etárias, sendo mais frequente entre a se-
e rapidamente associa-se ao vasogênico, pela infecção
gunda e quarta décadas de vida. Embora a tubercu-
da peritonite química e infecciosa. É um choque misto
lose possa acometer o intestino por via hematogênica,
grave, de evolução medianamente rápida, e necessita ser
diagnosticado com urgência e precisão para ser corrigido. linfática ou, ainda, por contiguidade, a via de trans-
missão mais comum é a mucosa, por meio da ingestão
A palpação abdominal demonstra hiperestesia de bacilos de Koch.
cutânea localizada ou mais frequentemente genera-
lizada, acompanhada também da “defesa muscular” Podemos distinguir duas formas denomina-
generalizada (abdome em “tábua”), que impede a das anatomopatológicas distintas:
palpação profunda, tudo consequência do pneumope- 1) Forma ulcerativa: localizada geralmente no
ritônio e da peritonite generalizada. A descompressão íleo terminal, podendo, às vezes, ser generalizada. A
brusca dolorosa positiva é nítida e generalizada, e será lesão inicial é constituída de numerosos tubérculos
localizada na região correspondente ao peritônio do que contêm os bacilos, que se confluem formando um
local da perfuração. conglomerado. Após a caseificação, esses conglomera-
A percussão determinará a existência da dor à dos ulceram-se dando origem à úlcera tuberculosa. As
percussão leve de toda a parede abdominal. Pode-se úlceras têm forma oval ou arredondada, são elevadas
notar a presença do pneumoperitônio pelo sinal de em relação à mucosa circunjacente e, geralmente, são
Jobert, ou timpanismo pré-hepático. maiores no sentido transversal ao eixo intestinal por
Com a instalação e evolução da peritonite, o íleo causa da distribuição linfática. São mais frequentes na
adinâmico é de ocorrência precoce e os ruídos hidroa- borda contramesenterial e, além disso, de extensão
éreos estão ausentes. variável, podendo, às vezes, circundar toda luz.
Outras causas de perfuração devem ser consi- Inúmeras úlceras podem surgir e acometer com
deradas, entre estas a perfuração do útero que é, ge- frequência crescente desde o jejuno até o íleo terminal
ralmente, acidental e instrumental. A dor é na região e a área ileocecal. O tecido lesado é branco e friável, o
hipogástrica ou suprapúbica. Mais comuns são as que corresponde ao achado microscópico de degenera-
ção caseosa. Os gânglios mesentéricos regionais têm o to, porém, na forma ulcerativa, pode ocorrer mesmo
seu volume aumentado, hiperplásicos e com focos de na sua ausência. O achado anatomopatológico reve-
necrose caseosa. O mesentério é espesso e opaco. la granuloma com necrose caseosa, células epitelio-
ides, células gigantes de Langhans e linfócitos.
As ulcerações, inicialmente, têm sua base constitu-
ída pela submucosa e podem aprofundar-se, atingindo a A conduta cirúrgica nesses doentes é controver-
camada muscular serosa ou mesmo perfurar, seja em pe- sa, principalmente nos doentes sépticos. Nos casos de
ritônio livre ou em cavidade restrita por aderências. perfuração única, a sutura simples é acompanha-
da de fístulas e alta mortalidade, próxima a 50%.
2) Forma hipertrófica: localiza-se mais co-
Essa conduta deve ser reservada para os pacientes que
mumente no ceco. A parede intestinal apresenta-se
apresentem aderências firmes entre as alças de delga-
espessada, dura e de aspecto lardáceo, e a luz intesti-
do, nos quais a mobilização intestinal é tecnicamente
nal apresenta-se muito reduzida. Na submucosa, evi-
difícil e pode acarretar inúmeras lesões intestinais,
dencia-se intensa reação conjuntival, responsável pelo
agravando o prognóstico. A ressecção do segmento
espessamento. Essa infiltração ocorre também na ca- acometido deve ser a conduta de eleição e a decisão
mada mucosa, o que contribui para o aspecto tumoral entre anastomose primária ou estorcia dependerá
do segmento afetado. Os tubérculos são numerosos na da experiência do cirurgião e das condições locais
camada submucosa e na muscular, onde se encontram e clínicas. O segmento intestinal ressecado e os gân-
as necroses e a caseificação. glios mesentéricos devem ser enviados para exame
anatomopatológico e cultura de micobactérias. Esses
Quadro clínico dados são particularmente úteis, principalmente em
idosos, nos quais poderia haver dúvidas quanto à pre-
As manifestações da tuberculose intestinal são sença de doença maligna.
variáveis e podem corresponder às formas anatomo-
patológicas. Na forma ulcerativa, predominam a Além disso, o tratamento com quimioterápicos
dor abdominal e a diarreia, associadas a náuseas,
deve ser introduzido tão logo seja realizado o diagnós-
vômitos, anorexia e perda de peso. Nesses doentes, as tico e assim que for possível utilizar o trato digestivo.
manifestações pulmonares são frequentes. Na forma
hipertrófica, o quadro clínico é geralmente de uma
obstrução intestinal associada a um tumor palpá-
vel na fossa ilíaca direita. O quadro obstrutivo é len-
Febre tifoide
to e periódico. A febre tifoide é uma doença infecciosa sistêmica
causada, essencialmente, pelo bacilo Gram-negativo,
A perfuração em peritônio livre é uma compli-
Salmonella typhi e ocasionalmente por outros tipos
cação muito rara da tuberculose intestinal. A inci-
de Salmonella ssp. Embora seja rara em países desen-
dência de perfuração intestinal em adultos varia de
volvidos, continua sendo uma doença, muitas vezes,
0% a 10% e em crianças esse índice está em torno
fatal em países em desenvolvimento, em virtude da
de 4%. Essa baixa incidência é decorrente de um es-
precariedade de condições ambientais e sanitárias. Na
pessamento reacional do peritônio e da formação de ausência de infraestrutura de higiene e inadequa-
aderências pelos tecidos subjacentes na presença da das condições socioeconômicas, a febre tifoide é
reação inflamatória. A perfuração intestinal é mais uma doença endêmica e, algumas vezes, epidêmica.
frequentemente observada na forma ulcerativa da
A porta de entrada da febre tifoide é a via diges-
doença, podendo manifestar-se por meio de um qua-
tiva; o bacilo deve sobrepujar a barreira defensiva repre-
dro de peritonite difusa evidente. Na forma hiperplás-
sentada pela acidez gástrica. O agente, que consegue
tica, a perfuração é um evento raro e quando ocorre é sobreviver as primeiras 24 a 72 horas no intestino,
bloqueada, formando fístulas com a parede abdominal penetra no epitélio intestinal (jejuno e íleo distal),
e os órgãos vizinhos. A perfuração pode ser decorrente onde se multiplica nos tecidos linfoides locais, pro-
de um processo agudo ou de uma complicação crônica duzindo uma linfangite, com necrose multifocal por
obstrutiva. A radiografia dos campos pleuropulmo- ação direta das toxinas bacterianas. A seguir, princi-
nares apresenta, geralmente, dados consistentes palmente através do ducto torácico, as bactérias atingem
com tuberculose, uma vez que a presença de envol- o coração direito, daí se propagando hematogenicamente
vimento pulmonar é uma constante nesses doen- a todo o organismo (fase septicêmica).
tes, fato que auxilia na presunção diagnóstica.
A febre tifoide é uma doença cosmopolita que
As perfurações intestinais decorrentes de tu- afeta indivíduos de todas as idades, entretanto, parece
berculose podem ser únicas ou múltiplas e geral- ser mais frequente em adolescentes e adultos jovens.
mente ocorrem no íleo, a um metro da válvula ileo- O período de incubação é de 10 a 14 dias, geralmen-
cecal. Outros locais menos comuns de perfuração são te assintomático. O início dos sintomas é insidioso,
o cólon ascendente e o jejuno. Em geral, essas perfura- com mal-estar, anorexia e febre remitente. No final da
ções ocorrem próximas ou no local de um estreitamen- primeira semana, surgem os sintomas intestinais,
principalmente a diarreia. O exame físico mostra Coprocultura: deve ser coletada em mais de uma
intensa toxemia, dissociação entre o pulso e a tem- amostra. Sua positividade é maior entre a segunda
peratura (fenômeno ou sinal de Faget), máculas e a quarta semana da doença. Pelo menos sete dias
eritematosas no abdome superior e no tórax (roséolas após ter cessado o uso de antimicrobianos, o conva-
tíficas) e hepatoesplenomegalia. lescente que não manipula alimentos deve colher, no
Durante a sua evolução, pode cursar com com- mínimo, três amostras em dias sequenciais. Já os ma-
plicações, como hemorragia e perfuração ileal. A nipuladores de alimentos devem coletar, no mínimo,
perfuração intestinal é uma grave complicação da fe- sete amostras em dias sequenciais.
bre tifoide e sua incidência varia de 0,5% a 78,6%. A Urocultura: assim como a coprocultura, é menos
perfuração intestinal decorrente de febre tifoide é frequentemente positiva, mas deve ser obtida para au-
uma complicação local de uma doença sistêmica, na mentar o rendimento diagnóstico. Torna-se positiva
qual estão presentes imunodepressão, depleção hi- na terceira e quarta semana em 25% dos casos.
droeletrolítica e endotoxemia. A perfuração é mais
Outros materiais biológicos podem ser cultivados
comum em homens do que em mulheres (3:1). Em
quando disponíveis: linfonodos, líquidos pleural, peri-
50% dos casos, a perfuração ocorre durante a tercei-
ra semana, podendo ocorrer mesmo na vigência do
cárdico, peritoneal e biliar, liquor, material de biópsia
tratamento da febre tifoide. A apresentação clínica é
da roséola tífica, e secreção de abscesso, quando houver.
variável e a dor abdominal uma constante, ocorrendo Exame histopatológico: é realizado excepcio-
em mais de 98% dos pacientes. Outros sintomas signi- nalmente, sobretudo, em placas de Peyer e nas rosé-
ficativos são a febre ou mesmo queda da temperatura, olas tíficas.
náuseas e vômitos, distensão abdominal, parada de eli- Exames imunológicos: a reação de Widal é a
minação de gases e fezes ou ainda diarreia. O exame fí- mais utilizada rotineiramente para o diagnóstico da
sico pode evidenciar sinais de irritação peritoneal. febre tifoide. No Brasil, é considerada positiva quando
os títulos forem superiores a 1:80 ou 1:100 na ausên-
A perfuração intestinal secundária à febre tifoide pode cia de história anterior de vacinação específica. Nesta
ser classificada em seis estádios: reação, são quantificados dois tipos de aglutininas, an-
Estádio 0: febre tifoide sem evidência clínica ou radio- ti-O (antígeno somático) e anti-H (antígeno flagelar).
lógica de perfuração. Nas áreas endêmicas, as pessoas podem apresentar
Estádio 1a: febre tifoide com moderada peritonite sem sorologia acima de 1:100 e não ser diagnosticadas
evidência radiológica ou operatória de perfuração. como doentes. Os vacinados também apresentam
Estádio 1b: peritonite localizada com perfuração sim- elevação do anticorpo H. A valorização da reação de
ples e mínima contaminação peritoneal. Widal é maior quando se demonstra a elevação dos tí-
Estádio 2: peritonite discreta com uma ou mais perfu- tulos de anticorpos entre duas amostras colhidas com
rações e pequena contaminação peritoneal. intervalo de 10 a 15 dias. A sorologia pelo método de
Estádio 3: uma ou mais perfurações e peritonite moderada. Elisa ainda é de pouca utilidade para febre tifoide. Ou-
Estádio 4: uma grande perfuração ou perfurações múl- tros métodos imunodiagnósticos que podem ser em-
tiplas, abscesso e contaminação fecal com fibrina e pus pregados são o PCR (reação em cadeia da polimerase),
nas goteiras paracólicas. a ribotipagem e PFGE (pulsed-field gel electrophoresis),
os quais são ainda poucos acessíveis por terem custos
Diagnóstico laboratorial especí昀椀co elevados para aplicação rotineira. Têm como vanta-
gem maior a especificidade e rapidez no diagnóstico.
O método diagnóstico preferido é o isolamento
do organismo infeccioso. Para tanto, temos à disposi- O hemograma pode indicar anemia do tipo mi-
ção culturas e exame histopatológico, além da possi- crocítica e hipocrômica em menos de 10% das vezes, ao
bilidade de identificação de antígenos e anticorpos da passo que o número de leucócitos está frequentemente
Salmonella por meio de métodos imunodiagnósticos, normal. Pode ocorrer, entretanto, leucocitose ou leuco-
descritos a seguir: penia, sendo este último o achado mais sugestivo da
doença, ainda que presente em menos de 20%.
Hemocultura: é o principal exame para o diag-
nóstico da febre tifoide. Em geral, é positiva já nos Em relação aos exames radiológicos, o pneu-
primeiros dias da doença, com positividade de 90% moperitônio é o sinal mais importante, podendo
na primeira semana, 75% na segunda e 35% no fi- ocorrer em 60% a 80% das vezes, nos pacientes com
nal da terceira. Recomenda-se a coleta de duas amos- suspeita de perfuração. O achado mais frequente, en-
tras, quando em método automatizado. tretanto, é a presença incaracterística de níveis hidro-
Mielocultura: é o teste mais sensível, sendo
aéreos na radiografia simples de abdome.
usualmente positiva em 90% dos pacientes. Não é exa- Uma vez realizado o diagnóstico de perfuração
me de rotina em vitu de sua agressividade, mas pode ser intestinal, faz-se necessário uma vigorosa ressuscita-
utilizado quando o diagnóstico bacteriológico é crucial ção volêmica pré-operatória, incluindo reposição de
ou em pacientes já tratados com antimicrobianos. hemoderivados, quando necessário.
Abscesso de psoas
Pode ser classificado em primário e secundário. Abdome agudo obstrutivo
Os primários são decorrentes da disseminação he-
matogênica de processo infeccioso de alguma região Pode ser definido como o impedimento à pro-
oculta do corpo e tem como causas mais comuns o dia- gressão do conteúdo do intestino. Pode ocorrer em
betes, uso de drogas endovenosas, Aids, insuficiência decorrência de um obstáculo mecânico ou mecanismo
renal e imunossupressão. O secundário ocorre como funcional.
te, traduz-se pelo choque hemorrágico, definido pela tos por minuto, mas a pressão arterial mantém-se
perfusão tecidual deficiente. Entretanto, os sinais e normal. Sangramento entre 1.500 mL e 2.000 mL
sintomas variam conforme o volume perdido e a ve- provoca hipotensão arterial e aumento da FC, carac-
locidade da perda sanguínea e as condições físicas do terísticas do choque classe III, e caracteriza instabi-
paciente. No adulto, a perda de até 750 mL de sangue, lidade hemodinâmica. No choque classe IV, o volume
considerado choque classe I, não altera a pressão nem de sangramento é acima de 2.000 mL e a situação é de
a frequência cardíaca (FC), ainda que, ocasionalmen- extrema gravidade. A presença de instabilidade hemo-
te, provoque hipotensão postural. No choque classe dinâmica pode implicar risco de morte e é necessário o
II, com perda de sangue entre 750 mL e 1.500 mL, o controle cirúrgico imediato da hemorragia para preve-
doente apresenta taquicardia acima de 100 batimen- nir maiores perdas sanguíneas.
Torácicas
Infarto do miocárdio.
Pneumonia de lobo inferior.
Infarto pulmonar.
Pericardite aguda.
Pneumotórax.
Embolia pulmonar.
Hematológicas
Figura 9.27 Isquemia arterial mesentérica: fase tar- Crise falciforme.
dia. Observe o grave sofrimento vascular. Leucemia aguda.
de dor abdominal, alteração do trânsito intestinal com com analgésicos, bem como com glicose e hemati-
distensão, parada da eliminação de gases e fezes, náu- na intravenosas. Um mínimo de 300 g de carboidra-
seas e vômitos, que podem simular o abdome agudo tos por dia deve ser fornecido por via oral ou intra-
cirúrgico obstrutivo. O exame do abdome mostra dis- venosa. O balanço eletrolítico requer mais atenção.
tensão, palpação superficial e profunda dolorosas, au- A terapia com hematina está ainda em desenvolvi-
sência de sinais de irritação peritoneal, RHA escassos mento e deve ser utilizada com o reconhecimento
ou ausentes. A investigação de outros sintomas como pleno de consequências adversas, especialmente
oligúria ou anúria, passado renal e crises hipertensi- flebites e coagulopatias. A dosagem intravenosa é
vas, pode orientar o diagnóstico correto. Como exa- de até 4 mg/kg uma ou duas vezes ao dia.
mes complementares, a ureia e creatinina elevadas,
aliadas ao quadro de edema, oligúria ou anúria, são
bons indicadores da origem do quadro abdominal. O
tratamento adequado baseia-se na abordagem da do-
ença subjacente. Hemopatias agudas
Anemia falciforme
Por昀椀ria aguda intermitente A anemia de células falciformes é a hemoglo-
(AIP) binopatia mais prevalente no Brasil, predominando
É uma doença hereditária, rara, que se caracte- na raça negra. As manifestações da doença surgem
após o sexto mês de vida extrauterina, quando toda
riza fundamentalmente por distúrbios dos pigmen-
tos tetrapirólicos, em crises, com eliminação de uri- população de hemoglobina é padrão SS (não há hemo-
na característica com cor de vinho do Porto. As crises globina A) e se caracteriza por anemia crônica, surtos
podem ser espontâneas ou provocadas por determi- de hemólise seguidos de febre e dor multissistêmica
nados medicamentos (anticoncepcionais, fenitoína, decorrente dos fenômenos vaso-oclusivos. A dor ab-
barbitúricos, rifampicina e ácido valproico). Clinica- dominal, quando de grande intensidade, pode simular
abdome agudo cirúrgico, principalmente em crianças,
mente, caracteriza-se por crises de dor abdominal
cujo exame físico é difícil. A história clínica e familiar
em cólica, de grande intensidade, acompanhada de
conduz, geralmente, ao diagnóstico correto, evitando-
náuseas e vômitos, distensão abdominal e parada
-se assim uma laparatomia branca.
da eliminação de gases e fezes. Ao exame físico nota-
-se dor à palpação, defesa voluntária e ausência ou re-
dução de RHA. O quadro clínico propedêutico lembra
em tudo uma obstrução intestinal com sofrimento de
alça. A maioria dos doentes possui uma ou mais inter-
venções cirúrgicas que redundaram em laparotomias
Outras moléstias
não terapêuticas.
Do ponto de vista laboratorial, frequentemente Febre Familiar do Mediterrâneo
observamos hiponatremia grave. O diagnóstico pode
ser confirmado pela demonstração, na vigência das
(FFM)
crises agudas, de quantidades aumentadas de porfo- Também conhecida como polisserosite fami-
bilinogênio na urina. Uma amostra de urina recente liar recorrente ou peritonite periódica. Trata-se
pode apresentar cor normal, mas se torna escura se de uma rara doença recessiva autossômica de pato-
deixada exposta ao meio ambiente. genia desconhecida que afeta quase que exclusiva-
mente indivíduos com ascendentes originários do
A maioria das famílias apresenta uma mutação
Mediterrâneo, especialmente judeus sefardis, ar-
diferente no gene para a porfobilinogênio desamina-
mênios, turcos e árabes. A maioria dos pacientes
se, causando porfiria aguda intermitente. Com algum
se apresenta com sintomas antes dos 20 anos. É
esforço em laboratórios de pesquisa, mutações podem
caracterizada por episódios de crises agudas de pe-
ser descobertas e utilizadas para os diagnósticos pré-
ritonite, que pode estar associada com serosite
-sintomático e pré-natal.
envolvendo as articulações e a pleura. As crises
O tratamento com dieta rica em carboidra- peritoneais são caracterizadas por início súbito de
tos reduz uma série de crises em alguns pacientes, febre, dor abdominal grave e sensibilidade abdo-
constituindo-se em medida empírica razoável por minal, com defesa ou dor à descompressão. Se dei-
sua benignidade. Crises agudas podem ser letais, xadas sem tratamento, as crises se resolvem em
requerendo diagnóstico imediato, suspensão dos 24-48 horas. Como os sintomas lembram aqueles
agentes desencadeantes (se possível) e tratamento da peritonite cirúrgica, os pacientes podem ser sub-
1o Estágio
– Anamnese
– Exame físico
– Investigação complementar
básica, incluindo USG
– Diagnóstico diferencial
Diagnóstico definido
SIM NÃO
2o Estágio
Diagnóstico definido
SIM NÃO
3o Estágio
10
Hérnias
Fáscia de Scarpa – localizada abaixo da fáscia de Camper; é mais espessa e dirige-se à região escrotal, onde
forma a fáscia de Dartos.
Triângulo de Doom (triângulo vascular) – delimitado pelo ducto deferente medialmente e os vasos
espermáticos lateralmente contendo a veia e artéria ilíaca externa.
Funículo espermático – contém: músculo cremáster, ducto deferente, veia plexo pampiniforme, ramo genital
do nervo genitofemoral, artérias e veias testiculares, nervo ilioinguinal. Na mulher, não existe funículo espermático; o
que se tem é o ligamento redondo.
1
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4
Figura 10.1 Estrutura herniária básica. (1) Desenho esquemático mostrando a pele; (2) a parede do saco herniário;
(3) a cavidade do saco herniário; (4) o conteúdo do saco herniário; (5) o colo do saco herniário e o orifício herniário; (6)
o peritônio parietal; (7) a cavidade peritoneal; e (8) e o plano muscular. Colo é a parte mais estreita do saco herniário.
Orifício herniário é o espaço que, originado no ponto fraco, permite a saída de estrutura intra-abdominal.
Triângulo de Hesselbach
Músculo Reto (hoje)
Triângulo de Artéria
Hesselbach epigástrica Ligamento inguinal
(1814) profunda
Músculo iliopsoas
Artéria femoral
Veia femoral
Ligamento pectíneo
(de Cooper)
Ligamento lacunar
Figura 10.2 O triângulo de Hesselbach segundo a descrição original (à esquerda) e segundo a descrição atual.
Anel abdominal
Canal interno
inguinal
Artéria e veia
ilíaca externa
Trato iliopúbico
Figura 10.3 Diagrama parassagital clássico de Nyhus da região médio-inguinal direita ilustrando as camadas muscu-
loaponeuróticas separadas nas paredes anterior e posterior. A lâmina posterior da fascia transversalis foi adicionada, com os
vasos epigástricos inferiores cursando através da parede abdominal medialmente ao canal inguinal interno.
Área de
hérnia direta
Área de
hérnia indireta
Anel
inguinal
interno
Borda do
Tubérculo V. E. I. ligamento
púbico inguinal
T. I. P.
Ligamento
de Cooper
V. G.
Canal
femoral
V. I. E.
D. D.
Figura 10.4 Anatomia das estruturas pré-peritoneais importantes no espaço inguinal direito. VEi: vasos epigástricos
inferiores; TIP: trato iliopúbico; DD: ducto deferente; VG: vasos gonadais; e VIS: vasos ilíacos externos.
Incidência e prevalência
Nomenclatura Incidência (%)
Hérnias inguinofemorais 75
Hérnias umbilicais 10
Hérnias incisionais 10
Hérnias epigástricas 5
Hérnias de Spigel 5
Figura 10.7 Ponto fraco da parede abdominal. Hérnias paraestomais 5
Notam-se: hérnia lombar superior (1, Grynfeltt), trígono Tabela 10.1 Incidências das hérnias da parede ab-
lombar inferior (2) e hérnia lombar inferior (3, Petit). dominal.
A distribuição epidemiológica aqui descrita se re- Indireta ou oblíqua externa – mais comum
fere a doentes adultos, pois, se considerarmos toda a delas, principalmente em homens. Acontece pela per-
população, vale dizer, incluindo a faixa etária pediátri- sistência do conduto peritoniovaginal (CPV). Ocorre
ca, a hérnia inguinal atinge cifras de 83%. porque não há a obliteração do processo vaginal que é
o caminho peritoneal que o testículo faz descendo até
A hérnia inguinal representa 69% da doen-
ça herniária do adulto. A distribuição, segundo o
a bolsa escrotal. O saco herniário passa através do anel
sexo estabelece, 80% dos casos atingindo homens
inguinal interno, em posição anteromedial dentro do
e 20% mulheres. funículo espermático, podendo estender-se ao longo
do canal inguinal ou seguir para fora pelo anel ingui-
Quando analisamos a distribuição quanto à faixa nal externo. O saco herniário está lateral aos vasos
etária, podemos afirmar que 35% das hérnias ingui- epigástricos inferiores.
nais ocorrem entre os 20 e 40 anos e os 65% restan-
tes estão distribuídos a partir dos 40 anos.
Quanto à topografia, em homens até os 40
anos, temos a predominância de hérnia inguinal
à direita, com 65% dos casos, 28% à esquerda e 7%
bilateral. Na mulher, nesta mesma faixa etária, 13%
são bilaterais e as unilaterais são distribuídas ho-
mogeneamente à direita e à esquerda. Nos homens
com idade superior a 40 anos, 40% são bilaterais e
a distribuição unilateral, seja à direita ou à esquerda,
se equivalem.
As hérnias crurais ou femorais (tipo V da clas-
sificação de Rodrigues Jr./Campanha Nacional do
Mutirão de Hérnia Inguinal do Ministério da Saú-
de, 1999) são mais comuns na mulher do que no
homem, na proporção de 4 para 1 e na faixa etária
acima dos 40 anos. Ela também é duas vezes mais
frequente à direita.
Figura 10.9 Volumosa hérnia inguinoescrotal.
Quando analisamos pacientes portadores de
hérnia inguinal com mais de 60 anos, representando
cerca de 18% do total de doentes com hérnia inguinal,
é mito não oferecer possibilidade de correção, pois a Direta ou oblíqua interna – resulta do enfra-
maioria apresenta indicação cirúrgica. quecimento da parede posterior (fascia transver-
salis). Tem como local de menor resistência a fosse-
ta peritoneal média. O saco herniário é medial aos
Características das Hérnias Inguinais
vasos epigástricos inferiores, através do trígono de
Indiretas Diretas
Hesselbach. Por isso, a hérnia direta é chamada hérnia
Congênitas Adquiridas do trígono de Hesselbach. O saco peritoneal se desen-
Homem jovem Homem mais idoso volve perpendicularmente à parede abdominal. Qual-
Aparece lentamente Aparece rapidamente quer condição que demande muito esforço muscular
Pode chegar à bolsa escrotal Raramente chega à bolsa e/ou aumento de pressão abdominal pode resultar em
escrotal
hérnia direta: obesidade, ascite e atrofia dos músculos
Pode estrangular É muito raro estrangular
abdominais por velhice.
Difícil a redução espontânea Redução espontânea
Tabela 10.2 Características das hérnias inguinais, se- Mista ou Pantaloon – coexiste hérnia direta e
gundo fatores predisponentes. Atenção! indireta.
Femoral – saco herniário passa por trás do liga-
mento inguinal e insinua-se por meio do anel femoral,
por dentro da bainha dos vasos femorais. Das hérnias
estranguladas, a femoral é de grande frequência e, ain-
Classi昀椀cação das hérnias da, pode ocorrer com hérnia de Richter.
Hérnia de deslizamento – parte da parede do
Apesar de não existir consenso entre os cirur- saco é a própria víscera (cólon, bexiga etc.).
giões sobre qual das classificações é a mais prática e
acreditada, é aceito que as hérnias inguinais e crurais De acordo com a classificação proposta por
podem ser classificadas como uma única deficiência: o Nyhus (1991) podemos dividir as hérnias da região
defeito da parede posterior. inguinofemoral em quatro tipos (Tabela 10.3).
Fatores associados ao aumento da pressão intra- do pênis e do escroto. O ramo genital do nervo geni-
-abdominal devem ser corrigidos ou atenuados, se pos- tofemoral inerva o grande lábio na mulher e a bolsa
sível, antes da herniorrafia eletiva, como prostatismo, escrotal no homem.
tosse crônica ou constipação.
Existem numerosas opções para reconstrução do
assoalho inguinal; faremos uma descrição dos diver-
sos procedimentos cirúrgicos.
Antibioticopro昀椀laxia Resumem-se em três tempos fundamentais:
Apesar de a herniorrafia inguinal ser classificada cuidar dos elementos herniados, reconduzin-
como uma cirurgia limpa, vários estudos atestam a van-
do-os à cavidade de origem ou ressecando-os,
tagem de antibioticoprofilaxia. O antibiótico de escolha é
a cefazolina (dose única ou, no máximo, por 24 horas, se quando necessário (caso haja necrose);
for usada prótese). O antibiótico deve ser administrado dissecção cuidadosa do saco herniário, seguida
por via endovenosa na indução da anestesia. de ligadura e secção do mesmo;
correção do defeito anatômico que permitiu a
formação herniária.
Anestesia
As herniorrafias inguinais podem ser realizadas
com anestesia local, espinhal (regional) ou geral. A
seleção do tipo de anestesia depende de vários fato-
res, principalmente a idade e as condições gerais do
paciente, a preferência do cirurgião e a técnica de her-
niorragia utilizada.
Os agentes anestésicos mais utilizados para
a anestesia local são a lidocaína e a bupivacaína,
associadas ou não a vasoconstritores. A lidocaína
inicia sua ação mais rapidamente e sua duração ha-
bitualmente não excede duas horas, apresentando
ações tóxicas com níveis séricos acima de 5 mg/L.
A bupivacaína, por sua vez, inicia sua ação com um
período de latência maior, sua duração é mais pro-
longada, alcançando até oito horas, e seu nível sérico
Figura 10.11 Hérnia inguinal indireta. Canal ingui-
limite é 1,6 mg/L.
nal aberto evidenciando cordão espermático afastado
O uso de adrenalina diminui a absorção local medialmente e o saco peritoneal herniário indireto dis-
dos anestésicos e permite que o seu tempo de ação secado acima do nível do anel inguinal interno.
seja prolongado. A concentração adequada de adre-
nalina para esse objetivo é de 1/200.000, acima da
qual poderão aparecer efeitos colaterais.
O desconforto referido durante a infiltração dos
anestésicos locais pode ser reduzido com a adição de
bicarbonato de sódio ou de solução salina isotônica à
solução anestésica, visando à diminuição de sua acidez.
Habitualmente com anestesia local, obtém-
-se 80 mL de solução de bupivacaína a 0,125%
(dose total de 100 mg) e lidocaína a 0,5% (dose
total de 400 mg) pela adição de 20 mL de bupiva-
caína 0,5% a 20 mL de lidocaína 2% e a 40 mL de
soro fisiológico.
A correção da hérnia a céu aberto começa com
uma incisão curvilínea a aproximadamente dois de-
dos transversos acima do ligamento inguinal. Deve- Figura 10.12 Hérnia inguinal direta. Canal inguinal
-se ter cuidado para não lesar os nervos ilioingui- aberto e o cordão espermático afastado para baixo
nal e íleo-hipogástrico, que são responsáveis pela e para fora para revelar a protuberância herniária por
inervação da pele da porção inferior do abdome, meio do assoalho do triângulo de Hesselbach.
Operação de Condon
Reparo anterior ao trato ileopectíneo. O reparo
de Condon é feito mediante suturas separadas, a 5 a 7
mm de distância uma da outra, que unem a borda do
transverso abdominal (tendão conjunto) ao trato ilio-
púbico. As suturas mais laterais ligam até o ânulo in-
guinal interno e logram seu fechamento medial; mas,
além disso, o reparo total do ânulo efetua-se mediante a
colocação de outras suturas laterais ao cordão espermá-
tico. Como em outros reparos, o ajuste do fechamento
do ânulo é determinado pela ponta de uma pinça he-
mostática grande. Nesta técnica, é recomendada uma
incisão de relaxamento no reparo das hérnias diretas.
Figura 10.15 Técnica de Shouldice: primeiro plano;
sutura contínua iniciada no tubérculo púbico e termi-
nando no anel inguinal profundo, unindo a borda livre Operação de McVay
do folheto inferolateral (IL) à face posterior do folheto
Esta técnica consiste na sutura do arco aponeuró-
superomedial. tico do transverso ao ligamento pectíneo (Cooper), com
incisões relaxadoras na bainha do reto abdominal.
Suas indicações são: hérnias inguinais unila-
terais ou bilaterais e hérnias femorais. Este reparo é
particularmente utilizado para as hérnias femorais
estranguladas, porque proporciona obliteração do es-
paço femoral sem o uso de malha.
Desvantagens: elevado índice de recidiva, tensão
excessiva na linha de sutura e lesão da veia femoral.
Operação de Gilbert
Esta técnica de reparo das hérnias inguinais em-
Figura 10.20 Técnica de Lichtenstein: posiciona- prega uma prótese de polopropileno conhecida como
mento do folheto medial da tela sobre o folheto lateral. Prolene Hérnia System (PHS) que combina três mecanis-
mos de ação. A tela de PHS é formada por uma malha Uma variante é a técnica de Alexandre, que rea-
interna, o componente pré-peritoneal que reforça o liza uma dissecção mais ampla do espaço pré-perito-
orifício miopectíneo. Também inclui um componente neal, com secção dos vasos epigástricos. A tela gran-
oval externo que é inserido sobre a fáscia transversal de de 18 x 15 cm é deixada no espaço pré-peritoneal
para reforçar o assoalho da região inguinal, como na sem fixação. Um reparo de McVay é realizado ante-
técnica de Lichtenstein. Os componentes internos e ex-
riormente à prótese.
ternos da tela são acoplados por meio de um cilindro.
As principais indicações são: hérnias inguinais
unilaterais ou bilaterais, hérnias inguinais recidiva-
das, hérnias femorais.
Operação de Trabucco
Desvantagens: procedimento tecnicamente
Um cone de polipropileno oblitera o ânulo ingui- difícil que exige conhecimento da anatomia pré-
nal profundo e uma prótese do mesmo material, re-
-peritonial, aprendizado difícil, intensa fibropla-
cortada segundo a área do trígono inguinal do pacien-
te, é colocada sobre a fáscia transversal, envolvendo o sia local. Os melhores resultados são observados
funículo, sem fixação às estruturas adjacentes. nas hérnias recidivadas com destruição da pare-
de posterior.
Operação de Rutkow e
Robbins Técnica de PHS
Um cone de polipropileno é introduzido no ânulo
O PHS (Prolene Hernia System) é uma tela tri-
inguinal profundo e uma prótese pré-confeccionada,
de tamanho padrão, é aplicada sem suturas sobre a dimensional dupla com um conector no meio, que
fáscia transversal. permite que a hérnia seja corrigida por meio de uma
pequena incisão (em média de 3 a 5 cm), na região in-
guinal. O material pode ser utilizado em todos os tipos
de hérnia e possui tamanhos diferentes, para vários
Operação de Rives tamanhos de hérnias.
Consiste na fixação de tela de polipropileno sob a Possibilita o tratamento das hérnias de maneira
fascia transversalis, no espaço pré-peritonial. A tela é su- eficaz, com baixo índice de recidiva (1%). A técnica
turada ao ligamento pectíneo e ao arco aponeurótico do com PHS é considerada segura, em geral, realizada
transverso. Também é realizada uma abertura na porção sob anestesia local. Permite que o paciente saia ca-
lateral da tela, que permite a passagem do funículo esper- minhando do centro cirúrgico, gerando assim menos
mático e a criação de um novo anel inguinal profundo. gastos, pois não necessita de internação hospitalar.
Hérnias femorais
A hérnia femoral ocorre por meio de um espaço limitado superiormente pelo trato iliopúbico, inferior-
mente pelo ligamento de Cooper, lateralmente pela veia femoral e medialmente pela inserção do trato
iliopúbico no ligamento de Cooper. No exame físico, encontra-se uma massa abaixo do ligamento inguinal. As
hérnias femorais são mais comuns nas mulheres (4 a 5 vezes) do que nos homens.Em razão do seu pequeno e
rígido orifício é a que mais facilmente estrangula.
A cirurgia da hérnia femoral pode ser realizada visceral constitui mais comumente a parede posterolate-
através de vários acessos, cada um apresentando vanta- ral do saco herniário. Essencial ao reparo de deslizamen-
gens e inconvenientes: 1) via inguinal; 2) via femoral; 3) to é a redução de uma hérnia das vísceras para dentro da
via combinada; e 4) via pré-peritoneal. cavidade peritoneal e a ligadura do saco herniário.
A hérnia femoral pode ser corrigida usando-se
uma técnica-padrão de reparo do ligamento de Cooper
A chave para o reparo bem-sucedido de uma hérnia de
(de McVay) ou a técnica de Gilbert modificada, em que
deslizamento é o reconhecimento do componente vis-
se usa um plug de Marlex (polipropileno) na região fe-
ceral e a devolução segura das vísceras para a cavida-
moral. As abordagens pré-peritoneal e laparoscópica
de abdominal, com reconstrução meticulosa do canal
também proporcionam excelente visualização e aces-
inguinal.
so. A recorrência é semelhante àquela descrita para
hérnia inguinal direta, de cerca de 5%-10%.
Em serviços como a Unifesp, o plug femoral é
considerado o padrão de excelência no tratamento de
hérnias femorais. Correção laparoscópica das
hérnias
O tratamento videocirúrgico das hérnias apre-
senta várias vantagens em relação à abordagem aberta,
sendo as principais: redução acentuada da dor, retorno
mais precoce ao trabalho e cicatriz mínima. A videoci-
rurgia permite a inspeção das regiões inguinal e femoral
bilateralmente, de forma que hérnias contralaterais não
diagnosticadas, previamente, podem ser reparadas con-
comitantemente sem a necessidade de incisões adicionais.
As principais desvantagens da hernior-
rafia videocirúrgica são a utilização de anestesia
geral pela maioria dos cirurgiões e o custo mais ele-
vado, quando se utilizam clampeadores e outros ma-
teriais descartáveis. Pacientes que não podem tolerar
a anestesia geral ou que apresentam várias cirurgias
prévias em abdome inferior não devem ser submeti-
dos à herniorrafia laparoscópica. Apesar da maior
dificuldade técnica, o procedimento laparoscó-
Figura 10.22 HF típica – localizada medialmente pico totalmente extraperitoneal é a herniorrafia
à veia femoral e lateralmente à borda medial do anel videocirúrgica (laparoscópica), mais utilizada,
femoral. atualmente, em razão de seus menores índices
de complicações e recorrência.
Técnica laparoscópica
Hérnias de deslizamento transabdominal pré-
peritoneal (TAPP)
Uma hérnia inguinal de deslizamento é definida
como aquela na qual uma víscera forma uma porção da Após a realização de pneumoperitônio, os tro-
parede do saco herniário. Mais comumente, a víscera cartes são colocados dentro da cavidade abdominal.
envolvida é um segmento do intestino ou da bexi- O peritônio é incisado superiormente ao assoalho
ga. O ceco é envolvido mais comumente nas hérnias
inguinal, de modo a produzir um retalho de peritô-
nio. A dissecção e a fixação da tela são realizadas no
inguinais à direita, enquanto o cólon sigmoide é o
espaço pré-peritoneal. O saco herniário é dissecado e
órgão mais frequentemente envolvido no lado es-
reduzido, como mencionado na técnica laparoscópica
querdo. As hérnias inguinais indiretas representam o
anterior. A tela é posicionada e fixada no ligamento de
tipo mais comum de hérnia de deslizamento, embora
Cooper e ao lado interno do tendão conjunto, não co-
ocorram hérnias de deslizamento diretas e femorais.
locando suturas lateralmente aos vasos epigástricos.
O perigo primário associado a uma hérnia de Finalmente, o retalho do peritônio é colocado em sua
deslizamento é a incapacidade de detectar o compo- posição inicial, de modo a cobrir totalmente a tela e
nente visceral da hérnia, antes que ocorra lesão do evitar aderências e erosões da tela a alças intestinais.
intestino ou da bexiga. O saco herniário deve ser aber- Relatos atuais demonstram bons resultados com bai-
to em sua borda anteromedial, enquanto o componente xas taxas de recidiva.
Taxa de recorrência da
correção laparoscópica
Aproximadamente 3%. No entanto, assim como
na correção das cirurgias a céu aberto, a real incidên-
cia da recorrência só será evidente depois que dispu-
sermos de um acompanhamento a longo tempo. Figura 10.24 Eletromicrografia da malha de Surgipro.
rial. Estas aderências são irregulares e desorganizadas, tável. O desenvolvimento de complicações severas
tornando o PPM especialmente difícil de remover, caso pelo polipropileno é, felizmente, muito incomum.
seja necessário. Vários investigadores aconselham que O desenvolvimento de uma infecção, embora in-
a PPM não seja usada em reparos de hérnia nos quais o frequente, é tratado mais facilmente do que com
material protético deva ser colocado diretamente sobre E-PTFE e comumente não necessita da remoção
as vísceras, o que pode ser frequentemente necessário do próprio material da malha. Foi sugerido que os
na hernioplastia ventral. A víscera também é um local seromas seriam menos prováveis depois de reparos
exigido no reparo intraperitoneal laparoscópico com com PPM do que aqueles em que foram utilizados
malha de hérnia inguinal ou de hérnia ventral. Um rela- outros materiais. Da mesma forma, há evidências
to avaliando Marlex, Dexon (Davis & Geck, Wayne, NJ) de que o selamento da cavidade peritoneal acontece
e Gore-Tex defendeu o uso deste último material no fe- dentro de 12 horas, sendo usada ou não uma tela,
chamento temporário da parede abdominal no paciente e que nenhuma drenagem deve ser possível depois
traumatizado. Nesse estudo, três dos quatro pacientes desse tempo.
com um implante de Marlex desenvolveram uma fístula
intestinal. Outros estudos não encontraram nenhuma
diferença estatística na formação de aderência entre Politetrafluoroetileno expandido
Prolene, E-PTFE ou Marlex em modelos suínos. (E-PTFE)
As vantagens da E-PTFE em reparos de hérnia in-
cluem sua inércia, força, baixa taxa de formação de ade-
Critérios para biocompatibilidade de material
rências, características do crescimento interno de teci-
protético
do, baixa taxa de infecção, e a suavidade e flexibilidade
O biomaterial ideal deve ter as seguintes que muitos cirurgiões acreditam tornar mais fácil de
características: controlar que outros biomateriais. Ao contrário de ou-
Quimicamente inerte. tros materiais, a E-PTFE não é macroporosa, portanto,
Não carcinogênico. permite a visualização de qualquer estrutura atrás dela.
Resistente a tensões mecânicas. Estudos clínicos do uso de E-PTFE em enxerto
Capaz de ser fabricado na forma necessária. vascular estabeleceram que o material seja inerte e
Capaz de ser esterilizado. biocompatível. A força material e a capacidade de reter
uma sutura da E-PTFE foram avaliadas em testes me-
O biomaterial ideal não deve: cânicos e estudos em animais e constatou-se ser maior
Provocar uma reação inflamatória ou de corpo estra- ou igual ao de outros materiais protéticos usados no
nho. reparo de hérnia.
Produzir alergia ou hipersensibilidade. Ao contrário da PPM, a E-PTFE produz apenas
Ser modificado fisicamente por líquidos teciduais. uma reação inflamatória mínima nos tecidos circunvi-
Tabela 10.8 zinhos, com pequena resposta de corpo estranho.
Próteses de politetrafluoroetileno expandidas
Atuais produtos de malha de polipropileno para reparos de hérnia estão agora disponíveis em
seis formas. A placa de tecidos moles Gore-Tex é uma
Marlex
folha porosa lisa de E-PTFE. O biomaterial Gore-Tex
Trelex
Mycro-Mesh tem macroporos visíveis a olho nu, que
Atrium são projetados para acelerar o crescimento interno
Surgipro de tecido. Este material também possui microporos
Prolene com aproximadamente 22 µm de diâmetro para per-
Composix mitir a penetração celular e de colágeno. A adição
Tabela 10.9 do macroporos a este material não resulta em um
aumento na resistência à tração do tecido cicatricial
O uso de polipropileno como prótese no repa- pós-implante sobre a PPM. Ela também não parece
ro da parede abdominal tem ampla base científica. aumentar as aderências subsequentes que aconte-
Na realidade, atualmente, é o tipo de material mais cem no processo de cicatrização. Uma forma de Go-
utilizado mundialmente. O reparo livre de tensão, re-Tex MycroMesh com macroporos ainda maiores,
aberto, provou ser um excelente material para re- facilita a visualização de tecidos e estruturas embai-
paro de hérnias. O desenvolvimento de intensa for- xo do material durante reparos inguinais laparoscó-
mação de tecido cicatricial é um apelo para muitos picos. O biomaterial Gore-Tex DualMesh tem duas
cirurgiões. Isto levou ao reparo laparoscópico dos superfícies: uma é muito lisa (microporos < 3 µm de
defeitos do abdome. Este material tem sido usado diâmetro), e a outra é semelhante à placa de tecidos
no reparo do assoalho inguinal, da superfície ven- moles de Gore-Tex (microporos aproximadamente
tral do abdome e de vários outros locais por muitos iguais a 22 µm). O DualMesh é projetado para ser
anos, tanto com a abordagem aberta quanto com o implantado com a superfície lisa contra o tecido ou
método laparoscópico. Em ambas as técnicas, a taxa vísceras às quais uma mínima aderência tecidual é
de recidivas é baixa e a taxa de complicações acei- desejada, e a outra contra a superfície onde a in-
corporação de tecido é desejada. Há duas escolhas mentais de uma tela impregnada por gelatina flu-
estruturais do produto Gore-Tex DualMesh. Um é oropassivada, a TMS 2, uma estrutura de metano
uma folha sólida e o outro é perfurado para permitir policarbonato coberta em um lado com elastômero
maior incorporação de tecido. de silicone e um composto de PPM impregnado com
Uma recente inovação nos produtos supracitados folhas de silastic vulcanizadas.
foi a incorporação de prata e clorexidine ao E-PTFE. A
adição destes agentes resulta em uma cor marrom-cla-
ra em lugar do branco do E-PTFE. Os dois produtos
têm ação antimicrobiana que objetiva reduzir o risco Malhas em tampão e em placa
de infecção quando estes produtos forem usados. Es- Durante os últimos anos, a proliferação do re-
tudos clínicos não encontraram qualquer evidência de paro em tampão e em placa de hérnias inguinais e
efeito colateral pelo uso destes biomateriais saturados ventrais foi proeminente. Em cada um destes tipos
com antimicrobiano. Dados clínicos, em longo prazo, de reparo o biomaterial é uma textura de polipropi-
não estão disponíveis para avaliar qualquer benefício leno. Este material é configurado em várias formas
percebido na adição de um agente antimicrobiano a pelo fabricante (Perfix, C.R. Bard) ou modelado pelo
estes produtos. defeito, enquanto o material é inserido (Atrium).
Cada reparo confia no conceito livre de tensão por-
que um material de placa é usado em frente (Perfix,
Produtos de PTFE expandido atuais Atrium) ou atrás (Kugel, Surgical Sense, Arlington,
Placa de tecidos moles TX) da musculatura da parede abdominal. O Prolene
MycroMesh Hernia System coloca uma placa na frente e atrás da
parede muscular.
MycroMesh Plus
DualMesh
DualMesh Plus Produtos de malha em tampão/placa
Tampão Prefix
DualMesh com orifícios
Placa Kugal
Tabela 10.10 PTFE, politetrafluoroetileno. Prolene Hernia System
Tampão e Placa de malha de Atrium
Tabela 10.11
Tela de 昀椀bra de poliéster
A tela de fibra de poliéster trançada é usada,
principalmente, na França em hernioplastias in-
cisionais abertas, nas quais uma grande prótese
é inserida entre os músculos abdominais e o pe-
ritônio (cirurgia de Stoppa). A prótese estende-se
além das bordas do defeito e é mantida em posi-
ção, inicialmente, pela pressão intra-abdominal e
depois por meio de crescimento interno fibroso.
Cirurgiões que executam frequentemente estes
procedimentos preferem uma prótese de poliéster
em razão da sua flexibilidade, que permite moldar-
-se livremente ao saco visceral, sua textura gra-
nulada que permite agarrar-se ao peritônio e sua Figura 10.31 Visão macroscópica do sistema de
capacidade para induzir uma resposta fibroblástica tampão e placa Prefix.
rápida para assegurar sua fixação.
Como o biomaterial perfeito ainda está por ser
descoberto, os esforços continuam para desenvol-
ver uma prótese que satisfaça as metas do cirurgião
e do paciente. Este material asseguraria uma incor-
poração de tecido significativa, contudo limitaria o
desenvolvimento de respostas teciduais anormais
como aderências. A nova tela Composix represen-
ta a última tentativa de atingir essa meta. Recentes
relatos comentam os primeiros resultados experi- Figura 10.32 Placas de hérnia Kugel.
Telas absorvíveis
Embora as telas absorvíveis não sejam úteis como
Figura 10.33 Prolene Hernia System. Esta é uma tela próteses permanentes no reparo de hérnias de parede
de polipropileno em camada dupla interconectada por abdominal, elas têm um papel para proporcionar o fecha-
uma peça de material. mento temporário de grandes defeitos, contaminados.
HÉRNIA INGUINAL
Considerar
Cirurgia de emergência
Cirurgia eletiva observação
Reparo tecidual de risco
de infecção ↑
Após cirurgia por via anterior Após cirurgia por via posterior
Figura 10.34
11
Hérnia umbilical
durante a gravidez e no puerpério imediato, sempre mesma, além da fixação por sutura da cicatriz no pla-
está indicada a correção cirúrgica das hérnias umbili- no aponeurótico, deve-se fazer curativo compressivo
cais. (Atenção!) com um conjunto de gases no recesso umbilical, que
A operação está indicada para as hérnias sin- deve ser mantido por pelo menos 72 horas.
tomáticas, as irredutíveis (encarceradas crônicas) Das complicações tardias a recidiva é a mais te-
e para aquelas que estão aumentando de tamanho, mida. Em anéis herniários maiores do que 3 cm as
estas duas últimas, em razão da elevada prevalência de recidivas ocorrem em 11% dos casos tratados por
estrangulamento. As hérnias em pacientes com ascite sutura e em apenas 1% quando se utiliza a prótese.
devem ser operadas eletivamente após tratamento clí-
nico para controle da ascite. Nestas circunstâncias os
resultados, em termos de morbidade ou de mortalida-
de, se equivalem a dos pacientes sem esta comorbida-
de, o que não ocorre em casos operados na urgência.
As hérnias umbilicais pequenas são tra-
tadas, preferencialmente, por meio de incisão
curvilínea infraumbilical conservando a cicatriz
umbilical, o que dá melhor resultado cosmético.
O saco herniário é dissecado ao seu redor e seccionado
junto à face interna da cicatriz umbilical deixando seu
fundo aderido à mesma, evitando, assim, isquemiá-la.
O saco peritoneal é ligado por transfixação em seu colo Figura 11.1 Volumosa hérnia umbilical.
e o excesso ressecado. O coto peritoneal é liberado da
aponeurose no plano pré-peritoneal. Deve-se decidir
agora se o fechamento será realizado lábio a lábio ou
em jaquetão (técnica de Mayo), ambos com fio inab-
sorvível de preferência monofilamentar.
Nas hérnias volumosas com grande anel her-
niário (> 3-4 cm) torna-se necessária a realização de
incisão fusiforme ressecando toda a pele adel-
gaçada, incluindo a cicatriz umbilical, que reco-
bre a hérnia. Após o tratamento do saco herniário, o
grande anel pode ser fechado em sentido transversal
lábio a lábio ou pela técnica de Mayo.
A tendência atual é a de se abandonar a técni-
ca de Mayo (jaquetão), qualquer que seja o tama- Figura 11.2 Grande hérnia umbilical.
nho do anel herniário, uma vez que não se compro-
vou o melhor reforço da sutura. Pelo contrário, dada
à mobilização maior dos planos aponeuróticos haveria
maior tensão e, portanto, maior risco de deiscência.
Para os anéis herniários grandes (> 3-4 cm de
diâmetro) preconiza-se a utilização de prótese de
polipropileno. Esta deve ser colocada, preferencial-
mente, no plano pré-peritoneal excedendo em pelo me-
nos 2 cm as bordas do anel herniário e fixada por trans-
Figura 11.3 Incisão semilunar na pele e tela sub-
fixação com fio do mesmo material da prótese. A seguir,
cutânea, imediatamente abaixo do umbigo.
realiza-se aproximação cuidadosa da tela subcutânea e
sutura da pele. A drenagem fechada do subcutâneo é
opcional e na dependência de existir espaço morto.
Complicações
Para evitar os seromas ou hematomas que impe-
dem o acolamento da cicatriz umbilical do plano apo- Figura 11.4 Incisão elíptica na pele e ela subcutânea, em
neurótico, determinando necrose ou epidermólise da torno do umbigo, reservada às grandes hérnias umbilicais.
12
Hérnias incisionais
dias, estando, portanto, mais sujeitas a desenvolver volver quando o orifício é realizado lateralmente ao
hérnia incisional. As suturas com fios lentamente músculo reto abdominal, e não através dele. O manejo
absorvíveis (Vicryl, PDS e Maxon), que persis- cirúrgico é muito complexo.
tem no sítio da ferida operatória por um período en- Hérnia do sítio de trocarte: de ocorrência in-
tre 90 e 180 dias, e com fios inabsorvíveis (Prolene, comum, desenvolve-se em 0,02% a 0,7% dos pacientes
Ethibond) perduram ao longo da terceira fase da submetidos à laparoscopia, embora existam relatos
cicatrização, que se inicia, aproximadamente, após cuja incidência atinge índices de até 1,2%.
o 20º dia de pós-operatório, quando o rearranjo das
fibras de colágeno oferece à cicatriz mais de 80% da
força de tensão original.
Tipo de sutura
O tipo de sutura não parece influenciar na inci-
dência de hérnia incisional, no entanto, a evisceração
quando ocorre, parece ser maior e mais impactante
se a sutura for contínua.
Fatores de risco
Interferem com a cicatrização
O tipo de fio cirúrgico. Figura 12.1 Hérnia incisional gigante.
Erro na técnica de fechamento.
Tabagismo (> risco em 4 vezes).
Desnutrição
Uso de corticoide; quimioterápicos; deficiência de vita-
mina C; deficiência do fator de coagulação VIII.
Infecção da ferida operatória. Tratamento
Defeitos genéticos na síntese do colágeno.
Diabetes melito. Confirmado o diagnóstico de hérnia incisional
Aumentam a pressão intra-abdominal pelo exame clínico acurado do cirurgião, a análise rigo-
rosa dos resultados dos exames clínicos e laboratoriais,
Obesidade.
pode ser realizada a indicação do tratamento cirúrgico.
Prostatismo.
Constipação intestinal.
O anestesista, após examinar o paciente e analisar os
Ascite. exames laboratoriais, escolhe o método anestesiológico
Diálise peritoneal. que geralmente é um bloqueio espinhal.
Tabela 12.1 A antibioticoprofilaxia é imperativa uma vez que
é um procedimento que exige a colocação de tela.
Preparo Pré-operatório
Tipos de hérnia incisional Redução de peso nos pacientes obesos.
Esta classificação se refere apenas àquelas hér- Interrupção do tabagismo
nias que se originaram de incisões cirúrgicas, onde Controle adequado de qualquer doença pulmo-
não existia defeito aponeurótico prévio. nar pré-existente.
Hérnia incisional: pode ser dividida em trans- Identificação e tratamento de sintomas como
versa, ventral ou oblíqua dependendo do tipo de incisão prostatismo e constipação intestinal.
utilizada para a realização do procedimento cirúrgico.
Hérnia incisional paraestomal: caracterizam-
-se pela herniação de conteúdo intra-abdominal, co-
mumente alças intestinais, em orifício por onde se A Cirurgia
exteriorizou um segmento intestinal. A hérnia para- O reparo primário das hérnias incisionais pode
estomal ocorre em cerca de 20% das colostomias e em ser realizado quando o defeito é pequeno (≤ 2 cm de
10% das ileostomias, e é mais propensa a se desen- diâmetro) e existe tecido circundante viável. Defeitos
grandes (> 2-3 cm de diâmetro) têm uma taxa alta de Vários estudos têm comparado as complica-
recidiva se fechados primariamente e são reparados ções pós-operatórias entre o reparo convencional
com uma prótese. As taxas de recidiva variam entre e o laparoscópico, e demonstram menor taxa de
10% e 50% e são tipicamente reduzidas a mais da me- complicações após a abordagem laparoscópica,
tade com o uso de prótese de malha. sobretudo, relacionada a complicações infeccio-
Já é consenso, universalmente, o uso das pró- sas. A taxa de infecção, após o reparo laparoscópico,
teses de polipropileno (Marlex , Prolene , Μesh é significativamente menor que o reparo convencional
) e de politetrafluoretileno (PTFE) para substituir (infecção de ferida menor que 1% após o reparo lapa-
ou reforçar a fáscia transversal no tratamento das roscópico versus 3% a 7% após reparo convencional).
hérnias incisionais. Outra vantagem da abordagem laparoscópica é
A prótese deve ser bem maior que a lesão, a fim identificar múltiplos defeitos fasciais, conhecidos como
de que possa ser suturada em tecido sadio. É consen- defeitos em “queijo suíço”, que podem passar desperce-
sual que esse reparo deve ser realizado de forma que bidos durante o reparo aberto. Estes pequenos defeitos
a prótese se estenda por no mínimo 3 a 4 cm. são causa de “recidiva” da hérnia. Apesar da grande
A sutura deve ser usada em pontos separados, heterogeneidade dos trabalhos, o risco de recidi-
em U, em todo o contorno da prótese, utilizando fio va, após o acesso laparoscópico, parece ser igual
prolene 2-00, sobre a fáscia transversal sadia, nos es- ou menor que o convencional. Entretanto, as
paços existentes na prótese o que permitirá a forma- principais limitações são a necessidade de anestesia
ção de uma estrutura forte e segura na composição da geral, o risco de lesões intra-abdominais e o maior cus-
parede abdominal. to direto do procedimento (relacionado ao uso de telas
não aderentes e grampeadores para fixação).
A ressecção do retalho cutâneo gorduroso permi-
te o fechamento da pele sob tensão, o que determina Hérnias grandes podem resultar em perda do
a extinção ou redução de espaço morto, evitando, as- domínio abdominal, que ocorre quando os conteúdos
sim, a formação de hematomas ou seromas. abdominais não mais estão na cavidade abdominal.
Esses defeitos grandes da parede abdominal também
Nos pacientes com volumosas eventrações
podem resultar da incapacidade de fechar o abdome,
no abdome inferior, em alguns casos, produtos de
primariamente, por causa de edema do intestino,
várias tentativas de correção de hérnia incisional
tamponamento abdominal, peritonite e laparotomia
está indicada a dermolipectomia. Este procedimen-
repetida. Com perda do domínio, a rigidez natural da
to não só permite uma visão mais ampla da lesão o
parede abdominal torna-se comprometida, e a muscu-
que facilita idealizar o tamanho da prótese, que deve
latura abdominal, em geral, é retraída. Pode ocorrer
ser suturada em todos os seus contornos, inclusive, na
disfunção respiratória porque esses grandes defeitos
parte inferior, deve ser suturada no periósteo inferior
ventrais provocam movimento respiratório abdomi-
do arco anterior do púbis para evitar recidiva nesta
nal paradoxal. A perda do domínio abdominal tam-
área. Depois de suturar a aponeurose dos músculos
bém pode resultar em edema do intestino, estase do
sobre a prótese a pele é suturada oferecendo uma
sistema venoso esplâncnico, retenção urinária e cons-
grande satisfação para a paciente com a reconfigura-
tipação. O retorno da víscera deslocada à cavida-
ção do seu abdome.
de abdominal durante o reparo pode gerar maior
As hérnias incisionais da linha mediana supraum- pressão abdominal, síndrome compartimental
bilical, geralmente, não se apresentam muito volumo- abdominal e insuficiência respiratória aguda.
sas. Mesmo assim, a ressecção conveniente do retalho
Nestes pacientes com perda do domínio,
cutaneoadiposo facilita a identificação das estruturas e
a técnica de separação dos componentes da pa-
colocação da prótese de marlex sobre o peritônio. Após
rede abdominal-Ramires (1990) é elegível. Esse
o fechamento da aponeurose dos retos sobre a prótese
procedimento permite readquirir cerca de 5 a 10 cm
observa-se a reaproximação dos músculos na linha me-
de cada lado da parede abdominal para colaborar no
diana e o fechamento da pele sob tensão mostra uma
fechamento parietal.
boa recomposição da parede abdominal.
O primeiro passo é a dissecção da pele e do tecido ce-
É contraindicada a colocação da prótese de
lular subcutâneo dos músculos até uma distância de apro-
marlex substituindo o peritônio. A malha de Mar-
ximadamente 5 cm da borda lateral do reto abdominal.
lex apresenta grande poder de fixação e aderindo
nas alças intestinais pode determinar fístulas di- A seguir é realizada uma incisão na bainha dos
gestivas ou obstrução intestinal. retos, e o músculo é separado do folheto posterior.
A cirurgia videolaparoscópica entusiasmou os Depois a aponeurose do oblíquo externo é inci-
cirurgiões para usá-la no tratamento cirúrgico das sada a 2 cm da borda lateral do reto abdominal do re-
hérnias incisionais. O “princípio” é inteligente: seria bordo costal até a espinha ilíaca e o oblíquo externo é
entrar na casa sem quebrar a parede. separado do oblíquo interno até a linha axilar média.
Figura 12.3 Segundo passo da cirurgia de separação Figura 12.6 Síntese da aponeurose do reto abdominal.
dos componentes da parede abdominal.
Cuidados Pós-operatórios
Tela
Não se esqueça que o amor, tal como a medicina, é só a arte de ajudar a natureza.
Pierre Laclos.
13
Hérnias incomuns
Hérnia de Littré
O achado de um divertículo de Meckel como
único componente do saco herniário define uma
hérnia de Littré. Pode ser extremamente difícil de
diagnosticar, dada a frequente ausência de sinais e sin-
tomas de obstrução. Pode ocorrer o estrangulamento
do divertículo de Meckel, resultando em abscesso ou
fistulização como queixa inicial.
Esse tipo de hérnia, assim como a de Ritcher,
pode ocorrer em qualquer localização, sendo sua
distribuição 50% inguinal, 20% femoral, 20%
umbilical e 10% em outros locais.
Figura 13.4 Sutura do defeito aponeurótico. É uma hérnia extremamente rara e de difícil
diagnóstico pela falta de sintomas obstrutivos, exceto
quando há qualquer espécie de sofrimento do diver-
tículo. Pode haver estrangulamento do divertículo de
Meckel, causando dor, febre, abscesso ou até mesmo
Hérnia de Richter fístula entérica.
O tratamento é a correção do defeito her-
Pinçamento lateral da alça intestinal. A borda niário, com ou sem a ressecção do divertículo de
antimesentérica do intestino precisa fazer pro- Meckel. Nos casos sintomáticos ou de sofrimento do
trusão para o saco herniário, mas não envolve divertículo, deve-se fazer a sua ressecção.
toda a circunferência do intestino. As manifesta-
ções e a evolução clínica variam muito, dependendo do
grau de obstrução em relação à quantidade de circun-
ferência do intestino envolvida. Pode ocorrer estran-
gulamento, manifestando-se como massa dolorosa,
Hérnia de Spigel
náuseas, vômitos e distensão abdominal. Pode ocorrer Consiste de uma hérnia por meio da fáscia ao
em qualquer tipo de hérnia da parede abdominal, em- longo da borda lateral do MR abdominal no espaço
bora a localização mais comum seja no local de uma entre a linha semilunar e a borda lateral do músculo
hérnia femoral. reto abdominal. Mais comumente, as hérnias de Spi-
O tratamento da hérnia de Ritcher é realizado de gel ocorrem abaixo da linha semicircular de Dou-
acordo com sua localização. O ponto principal no reparo glas (hérnia intermuscular). A ausência de fáscia
dessas hérnias é o reconhecimento da viabilidade da alça posterior do músculo reto abdominal abaixo da linha
intestinal envolvida. Em alguns casos, é necessária uma de Douglas contribui para a fraqueza inerente nessa
incisão abdominal mediana para melhor avaliação e repa- área. As hérnias de Spigel podem ser encontradas em
ro do dano intestinal. ultrassonografias ou tomografias computadorizadas
(TC) realizadas por outros motivos.
O tratamento cirúrgico das hérnias de Spie-
Hérnia de Richter
gel é sempre recomendado, pois o encarceramento
e estrangulamento, necessitando operação de ur-
gência, ocorrem de 10% a 21% dos casos.
A incisão cutânea é transversal, sobre o abau-
lamento. A aponeurose do MOEx é aberta no senti-
do de suas fibras, abaixo da qual se encontra o saco
Cordão espermático herniário, frequentemente, constituído por tecido
Veia femoral gorduroso pré-peritoneal ou por um saco peritone-
al envolvido por tecido gorduroso. O saco peritoneal
pode ser habitado pelo omento, intestino delgado e
cólon, havendo relatos do encontro do apêndice cecal
e do divertículo de Meckel. Nas hérnias com estran-
gulamento de delgado, a ressecção do segmento com-
Canal femoral
prometido e o restabelecimento do trânsito são reali-
Figura 13.5 Hérnia de Richter. Apenas a borda an zados pela mesma via. O defeito herniário, em geral,
timesentérica do intestino delgado encontra-se encar- é pequeno, como uma fenda, podendo os MOI e MT e
cerada no canal femoral. suas aponeuroses, na maioria das vezes, serem sutu-
Essas hérnias extremamente incomuns são difí- Intersticial – o saco herniário fica localizado en-
ceis de diagnosticar. A ciatalgia raramente é provocada tre as camadas musculares da parede abdominal.
por compressão por uma hérnia ciática. Essas hérnias Subcutânea – o conteúdo herniário está no teci-
podem ser cirurgicamente reparadas por via transab- do subcutâneo.
dominal ou transglútea.
Intraestomal – o saco herniário pode penetrar
em uma ileostomia tubular.
14
Queimaduras
1. Queimadura de 1° grau – atinge apenas a epi- semanas e, geralmente, com formação de contraturas
derme. Determina dor e eritema local, sem formação e cicatrizes hipertróficas. A área apresenta-se esbran-
de flictenas. Usualmente, são causadas por contato quiçada e pouco dolorosa.
com líquidos quentes ou por exposição solar e a reação
sistêmica é ligeira ou até inexistente. 3. Queimaduras de 3° grau – ocorre destrui-
ção da epiderme, da derme e de parte do subcutâneo.
2. Queimaduras de 2° grau – se dividem em:
Caracteriza-se por ser indolor e apresentar coloração
superficiais, quando atingem a epiderme e a esbranquiçada ou vermelho-amarelada de consistên-
derme superficial. Caracterizadas por dor e formação
cia endurecida, semelhante ao couro. Geralmente, ne-
de flictenas. Como a derme profunda está preservada,
cessitam desbridamento cirúrgico e enxertia.
a área afetada reepiteliza em torno de 15 a 20 dias.
profundas, quando a lesão acomete toda a epi- 4. Queimaduras de 4° grau – referem-se às quei-
derme e a derme. Restam apenas os folículos pilosos e maduras que atingem estruturas profundas, como
as glândulas sebáceas e sudoríparas que promoverão a músculos e ossos (quarto grau), podendo chegar à car-
reepitelização da ferida tardando, porém, quatro a seis bonização (5º grau).
Figura 14.1a Regra dos Nove aplicada para a faixa Figura 14.1b Regra dos Nove aplicada para a faixa
etária pediátrica. etária adulta.
13 13
Classificação quanto à gravidade das queimaduras
2 2 2
1 /2
1
1 /2 1 /2
1 1 1 /2
1
Pequeno queimado
11/4
11/4 11/4 11/4
1 Queimaduras de 1° grau em qualquer extensão; e/ou
B B B B
Queimaduras de 2° grau com ACQ < 5% em crianças <
C C C C 12 anos e ACQ < 10% em >12 anos.
13/4 13/4 13/4 13/4
Médio queimado
Áreas Extensão queimada Queimaduras de 2° grau com ACQ entre 5% e 15% em
< 12 anos e 10% e 20% em > 12 anos; ou
Idade A B C Cabeça
Queimaduras de 3° grau (quando não envolver face,
0 9,5 2,75 2,5 Pescoço
mão, períneo ou pé) com até 10% da ACQ em adultos e
1 8,5 3,25 2,5 Tronco ACQ < 5% nos < 12 anos; ou
5 6,5 4,0 2,75 Braço Qualquer % ACQ de 2° grau envolvendo mão, pé, face,
10 5,5 4,5 3,00 Antebraço pescoço ou axila.
Respostas fisiológicas da lesão por queimadura Aumentos acentuados e sustentados nas cateco-
laminas circulatórias levam ao hipermetabolismo, e o
Resposta local* tratamento com betabloqueadores pode ser protetor.
Zona de coagulação: ocorre no ponto de máxima lesão, Aumentos sustentados no glucagon e glicocorti-
havendo perda irreversível de tecido em razão da necrose coides resultam em gliconeogênese excessiva e um
por coagulação dos constituintes proteicos da pele. estado insulinorresistente. Glicocorticoides aumen-
Zona de estase (isquemia): circundando a zona de tados também levam a um estado catabólico grave,
coagulação, essa região é caracterizada pela perfusão especialmente porque os hormônios anabólicos (hor-
sanguínea tecidual diminuída (oligemia), sendo, no en- mônio do crescimento e testosterona) estão reduzidos
tanto, potencialmente regenerável. Porém, fatores como
depois de uma queimadura.
hipotensão prolongada, infecção ou edema podem con-
verter essa zona em uma área desvitalizada e inviável.
Zona de hiperemia: é a região mais afastada do centro Causas do hipermetabolismo em
da lesão e caracteriza-se por fluxo sanguíneo aumenta-
do. Se as medidas de controle de infecções e reposição
queimados
volêmica forem precoce e adequadamente instituídas, A resposta metabólica ao trauma pode ser descrita
os tecidos dessa zona, invariavelmente, se recuperarão. em duas fases. A fase ebb é caracterizada pela perda de
Resposta sistêmica volume plasmático, choque, redução dos níveis plasmá-
Alterações cardiovasculares: há aumento da perme- ticos de insulina, diminuição do consumo de oxigênio,
abilidade capilar levando à perda de proteínas intra- da temperatura corpórea, do gasto energético basal e
vasculares e fluidos intersticiais, ocorre vasoconstrição do débito cardíaco. Após a ressuscitação, a fase ebb
da circulação esplâncnica e periférica e a contratilidade evolui para a fase flow. A transição para a fase flow
miocárdica está comprometida. Isso, somado às perdas é dominada pelas alterações hormonais. Há um incre-
líquidas no local da ferida, resulta em hipotensão arterial mento nos hormônios catabólicos, como catecolami-
sistêmica e hipoperfusão orgânica. nas, glicocorticoides e glucagon, que desempenham im-
Alterações respiratórias: mediadores inflamatórios portante papel para mediar a resposta metabólica. Essa
liberados na circulação sistêmica podem causar bron- fase é caracterizada pelo aumento do débito cardíaco e
coespasmo e, nas queimaduras graves, pode ocorrer da temperatura corpórea, maior consumo energético,
síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
proteólise acelerada e neoglicogênese.
Alterações metabólicas: há aumento significativo na
taxa metabólica basal que, somado à hipoperfusão na O pico de demanda energética em pacientes
região esplâncnica, gera a necessidade de alimentação queimados está por volta do 10º dia de queimadura
enteral precoce e agressiva para reduzir o catabolismo e retorna gradativamente ao normal com a reepi-
excessivo e manter a integridade da mucosa intestinal. telização e enxertia, se não houver episódios de in-
Alterações imunológicas: uma queda (down regula- fecção e falência de múltiplos órgãos.
tion) não específica da resposta imune ocorre, afetando Alguns autores vêm utilizando betabloqueador
tanto via mediada por células quanto a via humoral. que reduz a atividade beta-adrenérgica em pacientes
Tabela 14.4 * Essas três zonas da área queimada são gravemente queimados com o intuito de reduzir o gas-
tridimensionais e a perda de tecidos na zona de estase le- to energético basal e o catabolismo proteico neles, no
vará a uma expansão lateral e em profundidade da lesão. entanto, ainda não existe consenso para essa conduta.
Causas de hipermetabolismo
Hipermetabolismo Perda evaporativa de água Ansiedade
Começando no quinto ou sexto dia há um Aumento das catecolaminas Distúrbios do sono
aumento gradual na taxa metabólica, de um nor- Níveis elevados de cortisol Citocinas e prostaglandinas
mal de 35 a 40 cal/m2/h (25 cal/kg/dia) para o do- Infecção Terapia nutricional tardia
bro deste valor em cerca de dez dias. O aumento Tabela 14.5
na taxa metabólica, após queimaduras, é muitíssimo
maior que o visto após qualquer outra lesão grave, in-
clusive sepse. A magnitude do aumento é relacionada
ao tamanho da queimadura. O estado hipermetabó-
lico é caracterizado por consumo aumentado de
oxigênio, produção de calor, temperatura corpo-
Imunidade
ral e catabolismos proteicos, também aumenta- Após a queimadura, ocorre a rápida ativação
dos. A temperatura corporal aumenta do normal das cascatas do ácido aracdônico e da citocina, com
para 38 º a 38,5 ºC em razão de um reajuste do cen- a translocação bacteriana e de endotoxina. Com 24
tro termorregulador hipotalâmico, resultante do a 48 horas de trauma, ocorrem as maiores altera-
ambiente hormonal alterado. ções metabólicas, hormonais e celulares e depois
de três a quatro dias, o segundo pico de endoto- Grande edema intersticial poderá ser formado
xemia que reinduz às cascatas do ácido aracdô- e sua gravidade estará relacionada com a extensão e
nico e inflamatória da citocina. Apesar das alte- profundidade da lesão e volume infundido na ressus-
rações ocorrerem precocemente, não é significativo citação hídrica. A perda do volume plasmático é dire-
até alguns dias após o trauma. Com esses processos, tamente proporcional à extensão das queimaduras.
ocorre uma série de alterações que determinarão a O retorno do líquido presente no interstício para
resposta imunológica do paciente, entre elas, defi- o intravascular ocorre à custa da drenagem por linfá-
cits das imunidades celular e humoral, redução
ticos e capilares venosos, depois de restaurada a per-
da função dos linfócitos T, disfunção dos neutró-
meabilidade capilar. Esse edema intersticial é reabsor-
filos, diminuição da capacidade bactericida, alte-
ração dos receptores de membrana, diminuição
vido progressivamente, de modo a desaparecer, quase
da IgG sérica. Diversos estudos estão sendo reali- por completo, no final da primeira semana.
zados buscando uma terapêutica eficiente e de custo Nas queimaduras pequenas, a formação má-
aceitável, a fim de se reduzir as alterações imunoló- xima do edema acontece em 8 a 12 horas da lesão,
gicas, no entanto, até o momento, não há nenhuma enquanto, nas queimaduras maiores, ocorre em 12
viável. Certamente, a mais efetiva permanece sendo a 24 horas do trauma térmico. A taxa da progressão
a remoção precoce das escaras e a cobertura cutânea do edema depende de uma adequada ressuscitação
definitiva precoce. (Figura 14.3).
Trauma Térmico
Fisiopatologia do choque no
Exposição das fibras colágenas
queimado
Mastócitos Sistema calicreína Fosfolipase
Inicialmente, logo após o trauma térmico, que
expõe as fibras colágenas do tecido afetado, ocorrem Histamina Cininas Ácido aracdônico
graves mudanças agudas no tecido queimado, como
Prostaglandinas
a ativação de mastócitos, sistemas calicreína e fosfo-
Tromboxane - Trombina
lipase-ácido aracdônico, com liberação de histamina, Plasmina
cininas e prostaglandinas (entre essas a prostaciclina-
Aumento da Permeabilidade Capilar
-PGI2), as quais, respectiva e conjuntamente, provo-
cam danos na integridade do endotélio capilar pela
separação das junções das células desse endotélio. Pressão Coloidosmótica
características fisiológicas e metabólicas dife- corpos estranhos. A intubação orotraqueal pode ser
rentes: (1) fase de ressuscitação (0 a 36 horas); (2) necessária em queimaduras do trato respiratório su-
fase pós-ressuscitação (2 a 6 dias); (3) fase de infla- perior, sendo mantida até a redução do edema local
mação e infecção (7 dias até o fechamento da ferida); (cerca de uma semana). A traqueostomia deve ser evi-
e (4) fase de reabilitação e remodelação da ferida (da tada por sua maior morbidade.
admissão a 1 ano mais tarde). Broncoscopia
Nas queimaduras importantes do segmento cer-
vicofacial, na inalação (ou suspeita de inalação) de
Indicações de hospitalização produtos de combustão, acidentes ocorridos em am-
bientes fechados e nos acidentes por incêndio com
liberação de fumaça tóxica, a solicitação de uma bron-
Os critérios para admissão em Centro de coscopia é imperativa. Presença de irritação, muco ex-
Terapia de Queimados são: cessivo e escurecido e fuligem na árvore traqueobrôn-
quica definem o prognóstico do caso em questão, bem
Queimaduras de segundo grau com SCQ supe-
como norteiam a indicação de manter uma intubação
rior a 15% em adultos ou 10% em crianças;
endotraqueal por períodos maiores.
Queimaduras de terceiro grau com mais de 5%
Os problemas pulmonares advindos direta e in-
de SCQ;
diretamente das queimaduras são, na atualidade, os
Queimaduras elétricas; maiores responsáveis pela morte prematura de gran-
Queimaduras que acometem vias aéreas, face e des queimados nas UTQ.
períneo; Analgesia e sedação
Queimaduras associadas a outras lesões.
O controle da dor no paciente queimado é um de-
safio desde o atendimento inicial na sala de emergên-
cia até a fase final de reabilitação. Sua intensidade está
Como orientação geral do tratamento, relacionada com a profundidade e extensão da quei-
podemos seguir a seguinte rotina: madura. Os cuidados com as feridas e condutas cirúr-
1. Avaliação geral do paciente; gicas podem gerar dor equivalente ou ainda maior do
que aquela sentida no momento da lesão.
2. Manutenção de via respiratória adequada;
Em termos de tratamento, a dor durante a hos-
3. Analgesia e sedação, quando necessário; pitalização pode ser manejada: no atendimento ini-
4. Hidratação e combate ao choque; cial, pré-curativos ou procedimentos, pré-reabilitação,
5. Monitorização do débito urinário; pós-operatório, na manutenção analgésica, além do
controle da ansiedade (Tabela 14.6).
6. Profilaxia do tétano;
7. Profilaxia da úlcera de Curling;
Esquema de tratamento e controle da dor no
8. Tratamento da ferida; paciente queimado
9. Aporte nutricional; Atendimento inicial
10. Antibioticoterapia sistêmica, quando indicada; Morfina < 16 anos: 0,05 mg/kg/dose + paraceta-
mol 15 mg/kg > 16 anos: 0,07 mg/kg/
11. Reabilitação. dose + paracetamol 15 mg/kg; pode-se
Avaliação geral do paciente repetir até 3 vezes.
Na avaliação inicial do paciente deve ser realiza- Pré-curativos ou procedimentos
da uma anamnese dirigida para investigar a história 1ª escolha Midazolam 0,3 mg/kg + paracetamol 15
mg/kg.
do acidente, incluindo o agente etiológico, o tempo de
Se insufi- Morfina 0,05 a 0,1 mg/kg.
evolução, as patologias prévias, estados alérgicos e uso
ciente
de medicamentos. As roupas são retiradas e as lesões
Pré-reabilitação
são analisadas durante o exame físico. Sempre que
Morfina 0,1 a 0,3 mg/kg.
possível, o paciente deve ser pesado.
Pós-operatório
Manutenção de via respiratória adequada PCA (> 5 anos) Morfina 10 a 20 mg/kg a cada 4 horas.
A perviedade da via respiratória deve ser garan- Morfina < 16 anos: 0,05 mg/kg/dose.
tida logo de início. Deve-se examinar a boca, o nariz e (pode-se re- > 16 anos: 0,07 mg/kg/dose.
a faringe na busca de fuligem e hiperemia bem como petir
de fratura de mandíbula ou obstrução por muco ou até três vezes)
Esquema de tratamento e controle da dor no molecular, como o dextrano, também são usados. O
paciente queimado (cont.) objetivo das várias outras soluções utilizadas é a ma-
nutenção da volemia e da perfusão renal com o míni-
Manutenção analgésica
mo de edema. Como as membranas celulares deixam
Morfina Metade de toda a quantidade de morfi-
na utilizada a cada 4 horas. passar até moléculas grandes nas primeiras 24 horas,
Após 24 horas sem dor, reduz-se em 1/8 após uma queimadura, o líquido de escolha inicial con-
a quantidade. tinua a ser o Ringer lactato.
Ansiedade O Ringer lactato deve ser infundido através
Lorazepam Adulto: 2 a 6 mg/dia, 2 x/dia. de duas veias periféricas calibrosas em pele não
Criança: 0,03 mg/kg/dia. queimada e não lesada, se isso for de todo possível.
Tabela 14.6 PCA: analgesia controlada pelo pa- Os acessos centrais devem ser evitados, uma vez que
ciente. tendem a infectar-se. Entretanto, em queimaduras de
grande porte, a realização de uma dissecção ou a intro-
A avaliação da dor deve ser contínua e de prefe- dução de um cateter femoral pode tornarem-se muito
rência utilizando um método permanente de avaliação difíceis uma vez desenvolvido o edema.
(visual e/ou numérico), em razão da grande variabili- A fórmula de Parkland obedece aos seguintes
dade do sintoma interpaciente. É recomendada uma parâmetros: 4 mL de líquidos a serem infundidos (Rin-
abordagem estruturada de analgesia do paciente quei- ger Lactato isotônico) x peso corporal em kg x superfície
mado, que incorpore tanto medidas farmacológicas corporal queimada em porcentagem até um máximo de
quanto terapias alternativas. 50%. Se as lesões estiverem em uma superfície superior
a 50%, esse valor fica fixo nesse número, pois a capaci-
Na admissão, com o paciente hipovolêmico, o
dade de “sequestro” de líquidos, por parte do paciente,
analgésico opioide pode ser administrado por via en-
não se torna maior com queimaduras acima dos 50%.
dovenosa (EV), em pequenos bolus, sob supervisão e
monitoração dos parâmetros clínicos vitais. O uso in- A taxa de infusão deve ser calculada pela fórmula:
tramuscular ou subcutâneo, nessa fase, deve ser evitado
em virtude da redução do fluxo sanguíneo muscular e Peso kg x ASCT/8
dérmico pelo choque, levando, posteriormente, à absor-
ção de grande quantidade da droga, após a fase de res- Em crianças, utiliza-se a fórmula de Parkland
suscitação, com risco de depressão respiratória, especial- modificada. Substitui-se o fator 4 mL por 3 mL para o
mente se doses repetidas tiverem sido usadas e naqueles cálculo do volume principal e acrescenta-se uma dose
pacientes que não estarão sob suporte ventilatório.
de manutenção, com a mesma solução isotônica de Rin-
Se houver a presença de monitoração adequada, ger Lactato, na quantidade de 1.000 mL para crianças
em procedimentos muito dolorosos, a “sedação cons- com até 10 kg de peso corporal. De 10 a 20 kg, soma-se
ciente” poderá ser efetuada com o uso de agentes mais aos 1.000 mL o volume de 50 mL para cada quilograma
potentes como o fentanil e a ketamina, que promovem entre 10 e 20. De 20 a 30 kg, soma-se aos 1.500 mL o
um nível de sedação maior que mera analgesia. volume de 20 mL para cada quilograma entre 20 e 30.
Por exemplo, uma criança com 25 kg terá, como dose
de manutenção, 1.600 mL de Ringer Lactato isotônico.
Escala subjetiva Escala numérica A solução hipertônica de Ringer com lactato
0 Sem dor 0-5 deve ser reservada para pacientes chocados ou com
1 Dor leve 0-10 superfície corporal queimada acima de 40%, in-
2 Dor moderada 0-100 dependentemente de choque e/ou lesão pulmonar
3 Dor severa causado pelo trauma. Também nas graves queima-
Figura 14.4 Exemplo de avaliação da dor por meio duras do segmento cervicofacial e circulares de mem-
de escala visual, subjetiva e numérica. bros, a solução hipertônica, devem ser sempre cogi-
tadas. Por se tratar de uma terapêutica pouco usual,
Hidratação e combate ao choque recomenda-se a sua utilização e condução sempre por
mãos experientes de intensivistas de UTQ.
A reanimação hídrica dos pacientes queimados
continua a ser objeto de investigação. A reanimação Pacientes idosos ou com doenças cardíacas pré-
inicial de escolha é feita com solução de Ringer vias podem necessitar de cardiotônicos para melhorar
lactato. Outras soluções utilizadas em unidades de o débito cardíaco e a perfusão renal, durante o período
queimados são a salina hipertônica, soluções protei- de reposição hídrica.
cas como albumina ou plasma e soluções proteicas es- Esses números correspondem a uma hidratação
tabilizadas por calor, disponíveis comercialmente. Os que tem seu início logo em seguida a queimadura. Se
coloides não proteicos ou polissacarídeos de alto peso o paciente chega ao hospital algumas horas depois do
acidente, o tempo perdido deve ser incluído na conta- ferência à albumina endovenosa (albumina a 10% em
gem. Não começar a contar o tempo (24 horas) a partir 150 mL de SG 5%, EV de 8/8 horas), mantendo o nível
do atendimento. sérico maior que 3 g/dL.
Do total calculado, para as primeiras 24 horas No segundo dia, associa-se albumina à repo-
de queimadura, a metade deve ser administrada sição, com o intuito de promover a reabsorção do
nas primeiras 8 horas, já que é nesse período que as edema, tentando-se estabelecer o nível de 3 g/dL,
perdas são mais acentuadas. sendo a hidratação calculada pela avaliação clínica.
Para se calcular a velocidade de infusão hídrica, Como parâmetros importantes para esta avaliação es-
usa-se a seguinte fórmula: tão a diurese horária, a frequência cardíaca, a pressão
venosa central, a pressão encunhada de artéria pulmo-
n° de gotas por minu- volume a ser transfundido
nar e os exames laboratoriais.
to = (mL) O controle da hidratação é realizado de hora
3 x n° de horas em hora, sendo o parâmetro de mais fácil verifica-
ção a diurese. Esta é satisfatória na criança quando
Todos esses cálculos servem para iniciar a hidra- de 1 a 2 mL/kg/hora e o balanço hídrico deve tender
tação e são os responsáveis pela redução das perdas para o positivo, porém, variando de zero a + 100 mL;
hídricas e reversão do gradiente osmótica, fortemente no adulto, a diurese deve estar acima de 50 mL/h e
alterado no paciente queimado agudo. acima de 70 ou 100 mL/h no trauma elétrico.
A sua manutenção é feita por meio do controle clí-
nico do paciente, especialmente, por seu volume uriná- Monitorização da ressuscitação volêmica (débito urinário):
rio horário, que é medido por cateter vesical de demora. adultos: 0,5 mL/kg/h.
A infusão de coloides, quando indicada, pode crianças: 1-2 mL/kg/h.
ser realizada 24 horas após o acidente. Dá-se pre- queimadura elétrica: 2 mL/kg/h.
Quanto à terapia antimicrobiana tópica, dá-se preferência ao creme de sulfadiazina de prata ou, mais recente-
mente, ao creme de sulfadiazina de prata associado ao nitrato de cério (Dermacerium). Este, pela sua ação imunomo-
duladora, bloqueando os efeitos imunodepressivos do complexo lipoproteico (LPC) presente na carapaça necrótica
do tecido queimado, potencializa a excelente capacidade antimicrobiana e regenerativa da sulfadiazina de prata,
tornando-se, atualmente, uma droga de ponta na terapia tópica das queimaduras.
As indicações de antimicrobiano tópico na fase aguda são: 1. lesões de espessura parcial > 20% em adul-
tos e > 10% em crianças; 2. lesões de espessura total; 3. pós-escarotomias; 4. pós-desbridamentos; 5. lesões com
sinais de contaminação; e 6. queimadura de orelha externa (condrite).
o paciente queimado. Em funções das limitações da comerciais, ricas em proteínas, encontram-se disponí-
oxidação glicídica, ele deverá receber até 5 mg/kg/mi- veis. Pode ser necessária a complementação com oli-
nuto de glicose ou até 500 g/dia no adulto de 70 kg. O goelementos. A via oral, mesmo que utilizada parcial-
restante das calorias não proteicas deverá ser propor- mente, deve ser encorajada sempre que possível, com
cionado sob a forma de gordura. suplementação enteral durante as horas de sono.
Na verdade, o excesso de glicose é transformado Nutrição parenteral – está indicada em pacien-
em gordura, com utilização de ATP e produção de CO2, tes com distúrbios gastrointestinais, como íleo paralí-
o que pode agravar as condições respiratórias de pa- tico prolongado, procedimentos cirúrgicos múltiplos e
cientes portadores de edema pulmonar, pneumonite planejados, pancreatite ou doença intrínseca do intes-
ou insuficiência respiratória aguda. tino delgado.
Dietas ricas em carboidrato, comparadas àquelas A nutrição parenteral periférica tem seu emprego
com alto teor lipídico, podem promover um melhor limitado no paciente gravemente queimado, podendo
balanço proteico na musculatura esquelética, entre- não fornecer a quantidade de calorias/dia necessária,
tanto, também estão associadas à importante elevação uma vez que nessas condições as necessidades diárias
da glicemia, o que é deletério em pacientes críticos. podem ultrapassar as 3.000 calorias.
Estudos comprovaram que a hiperglicemia ou Quando se prescreve a nutrição parenteral total
mau controle glicêmico, nesses pacientes, se relacio- central, as concentrações de aminoácidos, glicídios e
na diretamente com aumento de complicações como oligoelementos são as mencionadas anteriormente.
bacteremia, alteração do processo cicatricial da pele e Inicia-se a infusão com 40 mL/hora; ela é aumentada
da eficácia dos enxertos, além de aumento da morbi- progressivamente, de acordo com a tolerância à sobre-
mortalidade. Portanto, é recomendada monitoração carga de glicose. O risco de contaminação do cateter
rigorosa da glicemia, bem como a terapia insulínica de infusão aumenta no paciente queimado, e os cuida-
intensiva, objetivando manter os níveis glicêmicos do dos para se evitar a infecção devem ser redobrados. Al-
paciente o mais próximo do normal. guns autores recomendam a troca do cateter, por um
Proteínas – a quantidade ideal de proteína a ser fio-guia, a cada três ou quatro dias.
administrada ao paciente queimado ainda não foi defi- Um aumento na atividade anabólico é capaz de
nitivamente estabelecida. Alguns autores sugerem até reduzir a resposta catabólica à queimadura, preser-
3 g/kg/dia de proteínas. Davies e Liljedahl propuse- vando, desse modo, a massa magra corporal, o que
ram a seguinte fórmula para a administração proteica melhora todos os aspectos da cura da ferida. Glu-
em adultos: 1 g/kg + 3 g/% SCQ. tamina, um aminoácido condicionalmente essen-
A fórmula para crianças é: 3 g/kg + 1 g/% SCQ. cial, está invariavelmente em deficiência depois de
uma queimadura, por causa da utilização aumentada
Pacientes portadores de comprometimento he- e aporte diminuído. A suplementação de glutamina
pático ou renal deverão receber quantidades menores nas grandes queimaduras, a uma dose de 0,4 g/kg
de proteína (1,4 g/kg/dia). peso corporal, melhora a cura da ferida e reduz in-
Micronutrientes – os preparos multivitamíni- fecções e mortalidade. As concentrações endógenas
cos são largamente utilizados no paciente queimado. dos anabolizantes do hormônio do crescimento hu-
Doses suplementares das vitaminas C e A, de ácido mano e testosterona estão diminuídas depois de cirur-
fólico e tiamina são igualmente administradas. Ácido gia de queimadura e frequentemente, se desenvolve
ascórbico, com importante papel na síntese do coláge- resistência à insulina. Estas alterações intrínsecas são
no, e o zinco, importante na cicatrização das feridas, todas deletérias para a cura da ferida.
devem ser suplementados. O hormônio do crescimento humano, suplemen-
Pacientes com nutrição parenteral deverão rece- tar, reduz, significativamente, a taxa de perda de mús-
ber doses padronizadas de oligoelementos. A admi- culo e aumenta a cicatrização da ferida. Similarmente, a
nistração de cálcio, fósforo e magnésio dependerá das infusão de insulina com glicose nos pacientes queimados
respectivas dosagens séricas. Outros elementos são diminui a perda de massa magra e melhora o desfecho.
oferecidos na seguinte dosagem: O único esteroide anabólico aprovado pela FDA
a) ferro, 10 a 15 mg/semana; – Food and Drug Administration para tratar perda de
b) zinco, 2 a 5 mg/dia; peso e catabolismo é a oxandrolona, que é dada oral-
mente (10 mg, duas vezes ao dia), excretada pelo rim
c) vitamina K, 10 mg/semana;
e não tem nenhum efeito sobre o metabolismo, a não
d) vitamina C, 250 mg a 1 g/dia. ser síntese de proteína.
Nutrição enteral – está geralmente indicada A oxandrolona atua sobre os receptores an-
nos pacientes com ≥ de 30% da SCQ, sendo adminis- drogênicos na massa magra, especialmente sobre
trada através de sonda alimentar. Inúmeras fórmulas os fibroblastos da pele. Diversos estudos demonstra-
ram sua capacidade de preservar a massa magra, após A maioria dessas lesões é carcinoma de célu-
a queimadura e, dessa maneira, melhorar a cura local. la escamosa (75% a 96%) que ao exame histológico
Além disso, vários estudos recentes demonstraram revela-se como um tipo bem diferenciado com pou-
propriedades diretas de curar a queimadura. cas figuras de mitose; segue-se o carcinoma de células
basais (1% a 25%) e o melanoma e o sarcoma (raros).
Duas variantes são descritas: uma forma aguda, na
qual o câncer ocorre por volta de um ano, após a lesão
Complicações tardias que ocasionou a cicatriz, e uma forma crônica, na qual
A cicatriz da queimadura que evolui com contra- o desenvolvimento da neoplasia se dá com uma média
tura e consequente perda da função, na maioria das de 36 anos (variando de 1 a 75 anos) da lesão inicial.
vezes, resultado de infecção das feridas e imobilidade O carcinoma da cicatriz da queimadura não tem
articular, permanecem como a mais frustrante com- sua patogênese conhecida. É visto em adultos, sem
plicação tardia da queimadura. preferência de idade ou raça. A média de idade dos
As unidades de tratamento de queimados dis- pacientes é em torno da quinta década, variando entre
põem, cada vez mais, de equipes multidisciplinares 18 a 84 anos, com uma preferência para o sexo mas-
compostas por cirurgiões, clínicos, pediatras, ortope- culino em uma proporção de 3:1. Ao contrário dos
distas, fisiatras, terapeutas ocupacionais e corpo de cânceres de pele espontâneos que ocorrem em 90% na
enfermagem especializado, a fim de prestar atendi- cabeça e no pescoço, os carcinomas de queimaduras
mento integral ao paciente gravemente queimado. são tipicamente lesões de extremidades.
Muitas lesões decorrentes de fibrose intensa ou O tratamento de escolha é a excisão local com
de processo anormal de cicatrização, por exemplo, a margem de 2 cm, acompanhada de enxerto. A ampu-
formação de queloides escapa ao controle mais rigoro- tação é reservada para lesões envolvendo articulações,
so e também necessitarão de algum tipo de tratamen- com invasão óssea e com invasão local extensa. Rádio
to especializado posterior. e quimioterapia não causam benefícios. Esvaziamen-
to linfonodal regional é controverso é recomendado
Várias técnicas têm sido usadas para diminuir a
apenas quando há lesão palpável ou quando o exame
contratura e a escolha da técnica mais adequada vai
histológico da lesão primária revela tratar-se de neo-
depender da localização e avaliação do comprometi-
mento da pele adjacente. Tais técnicas incluem o uso plasia de alto grau.
de expansores, retalhos locais e distantes, plásticas (Z, Tem-se, então, que a conduta aceita, atualmente,
W, Y-Z etc.) e enxertos. é que toda lesão ulcerada em uma cicatriz de quei-
madura deve ser examinada por biópsia. Caso não
A medicina física também tem relevante papel
haja evidência histológica de malignidade, proce-
a desempenhar junto a esses pacientes, por meio de
de-se à excisão da área ulcerada com uma margem
medidas profiláticas fundamentais. As mais impor-
de segurança de 2 cm.
tantes são o posicionamento adequado dos segmen-
tos corporais atingidos, por aparelho de sustentação O fator prognóstico mais importante do carci-
e tração transesquelética e a manutenção permanente noma da cicactriz da queimadura é metástase para
da mobilidade articular, pelos processos habituais de linfonodos regionais, a qual ocorre em uma incidên-
fisioterapia. cia média de 35%, podendo chegar a 50%, quando a
lesão é de membro inferior.
Pode sobrevir, ainda, quadro de colite pseudo-
membranosa pelo uso de antibióticos; colecistite agu-
da alitiásica naqueles pacientes cronicamente graves,
desidratados, septicêmicos e usando nutrição paren- Reabilitação
teral; endocardite bacteriana proveniente de flebite
supurativa que se deve aos longos períodos com veias As queimaduras de 2° grau que, eventualmen-
profundas canulizadas e a úlcera de Marjolin, que te, dependendo da extensão e de suas características,
surge em cicatrizes de queimaduras e merece um podem ser clinicamente graves, na maioria dos casos
maior comentário. evoluem para epitelização sem maiores sequelas fun-
cionais ou estéticas.
O carcinoma de cicatriz de queimadura é uma
neoplasia rara. Em 1828, Marjolin, publicou a des- As queimaduras de 3º grau, no entanto, deman-
crição clássica de úlceras crônicas originadas sobre dam hospitalização por longos períodos e tratamen-
tecido cicatricial. Entretanto, foi Da Costa, em 1903, to cirúrgico. Deixam sempre sequelas estéticas e, em
que propôs o termo úlcera de Marjolin para descrever muitos casos, funcionais. O acompanhamento fisiote-
a degeneração maligna de cicatrizes, especialmente rápico contínuo, estimulando a mobilização precoce e
das queimaduras. Atualmente, úlcera de Marjolin é a manutenção de posição adequada durante o repouso,
sinônimo de carcinoma de cicatriz de queimadura. previne as perdas de movimento e de massa muscular.
O apoio psicológico é outro aspecto de extrema com edema, em qualquer momento da reposição volê-
importância, pois o paciente encontra-se subitamente mica. A lesão acima da glote pode ser térmica ou quí-
envolvido por uma patologia que é dolorosa, assusta- mica, enquanto, aquela abaixo da glote é normalmen-
dora, potencialmente letal e determinante de sequelas te química;
funcionais e estéticas. lesão química: ocorre edema progressivo de-
terminando obstrução das vias aéreas inferiores por
edema da mucosa, perda do mecanismo de depu-
ração ciliar, microatelectasias difusas por perda de
Inalação de fumaça surfactante e mudanças na permeabilidade capilar,
resultando em edema pulmonar. A perda do meca-
Na presença de inalação de ar, vapor e gases su- nismo de depuração ciliar e a redução da função imu-
peraquecidos, fumaça e/ou aspiração de líquidos su- nitária pulmonar facilitam o crescimento bacteriano
peraquecidos, pode ocorrer lesão das vias respiratória e a pneumonia.
superior e inferior. Esse tipo de lesão cursa com edema
das vias aéreas superiores, causado pela lesão térmica
direta, seguida por broncoespasmo e obstrução das Intoxicação por monóxido de carbono
vias aéreas inferiores. Esta pode ser causada pela pre- Nível de Gravidade Sintomas
sença de debris e perda do mecanismo ciliar, levando a carboxiemoglobina
um aumento do espaço morto e shunting intrapulmo- < 20% Leve Cefaleia, leve disp-
nar, redução das complacências pulmonar e torácica, neia, alterações visu-
edema alveolar, traqueobronquite e maior predisposi- ais, confusão mental.
ção para infecção por pneumonia. 20%-40% Moderada Irritabilidade, perda
do juízo crítico, visão
O diagnóstico é realizado clinicamente, base-
obscura, náuseas, fa-
ando-se nos seguintes dados:
tigabilidade fácil.
história de queimadura em ambiente fechado; 40%-60% Grave Alucinações, confu-
queimaduras faciais; são mental, ataxia,
colapso, coma.
vibrissas nasais queimadas;
> 60% Fatal
resença de debris carbonáceos no escarro, boca
ou faringe;
Tratamento tradicional da intoxicação
edema nas vias aéreas superiores; por monóxido de carbono (CO)
dificuldade respiratória. Condição clínica do paciente Tratamento
Apesar da alta incidência de falso-positivo, estes Vítimas de incêndio. O2 a 100%
sinais sempre devem ser avaliados, evitando o risco de Perda da consciência, ciano- Intubação orotraqueal e
subestimar a lesão. O diagnóstico pode ser confirma- se, dificuldade de manter a O2 a 100%.
do pela broncoscopia. ventilação.
Carboxi-hemoglobina > 25% ou Oxigenioterapia hiper-
A lesão inalatória ocorre em razão de três fato-
cefaleia, fraqueza, vertigem, vi- bárica, 3 atm, repetir se
res, isolados ou em associação:
são turva, náusea, vômito, sín- os sintomas não desapa-
intoxicação por monóxido de carbono (CO): cope, aumento da frequência recerem.
a afinidade da hemoglobina ao CO é 200 a 250 vezes respiratória, coma e convulsão.
maior que ao O2. Os sinais clínicos da intoxicação, mui- Observação: a meia-vida da carboxihemoglobina é de
tas vezes, passam despercebidos, uma vez que os pa- 250 minutos em ar ambiente, 40 a 60 minutos em uma
cientes podem apresentar-se seriamente hipóxicos sem pessoa respirando oxigênio a 100%.
cianose, apenas com palidez cutânea e labial. Embora o Tabela 14.10
teor de O2 no sangue esteja reduzido, a PaO2 não é afe-
tada e tais pacientes não se apresentam taquipneicos.
Esses pacientes devem ser tratados com oxigeniotera-
pia (O2 a 100%) e, naqueles com nível de carboxie-
moglobina > 25%, pode ser instituída oxigeniote- Condutas na lesão inalatória
rapia hiperbárica o mais precocemente possível; Soluções coloides na reposição de fluidos não
lesão direta do calor: é rara e costuma ficar têm sido correlacionadas a uma melhor recuperação
confinada à face, orofaringe e às vias aéreas superio- pós-inalação. A profilaxia antimicrobiana é injustifi-
res, em razão da capacidade de troca de calor das vias cada, sendo o diagnóstico precoce e o tratamento da
respiratórias. Normalmente, são sérias quando ocor- bronquite e da broncopneumonia bacteriana, verda-
rem e a obstrução pode evoluir muito rapidamente deiramente, importantes. Os corticoides indicados
somente nos quadros de broncoespasmo grave para re- Os efeitos do choque elétrico são proporcio-
dução do edema de mucosa e aumento da secreção de nais à voltagem. Correntes elétricas superiores a
surfactante, mas seu uso é controverso! 1.000 volts são classificadas como de alta volta-
gem, enquanto aquelas inferiores a esse valor são
Via aérea arti昀椀cial e ventilação de baixa voltagem que, em alguns casos, também
podem ser fatais. A energia elétrica das casas e am-
mecânica bientes de trabalho tipicamente varia de 110 a 230
A manutenção da via aérea é crítica. A presença volts; já as linhas de alta tensão podem apresentar
de edema superior, gerando desconforto respiratório, mais de 100.000 volts.
indica a necessidade de intubação traqueal, pois o ede-
Flash burn é o nome dado a queimaduras resul-
ma, geralmente, é progressivo, aumentando muito em
tantes da produção de calor, após explosão de rede elé-
8 a 12 horas. Os critérios para intubação traqueal e
ventilação são estes: trica ou exposição a arco voltaico de alta tensão.
PaO2 < 60 mmHg; Comparado ao choque elétrico, o raio possui uma
magnitude muito maior (até 10 milhões de volts), po-
PaCO2 > 50 mmHg;
rém, em virtude de sua ação instantânea, a energia li-
PaO2/FiO2 < 300 mmHg; berada por um raio no organismo pode ser menor que
sinais de desconforto respiratório; a de um choque elétrico de alta voltagem.
edema grave de vias aéreas superiores. O osso é o tecido mais resistente à passa-
O objetivo do suporte ventilatório é promover gem da corrente elétrica, seguido do tecido adi-
adequada troca gasosa, com atenção à possibilidade poso, tendão, pele, músculo, vasos sanguíneos
de lesão pulmonar associada à ventilação mecânica e o e nervos.
comprometimento hemodinâmico decorrente do au- O contato de uma pessoa com corrente alternada
mento das pressões intratorácicas. No manejo respi- (das casas e locais de trabalho) causa contrações mus-
ratório do paciente com consequente lesão pulmonar, culares mantidas, levando a um aumento no tempo de
os parâmetros do ventilador mecânico devem seguir
contato com a corrente, enquanto a corrente contínua
as recomendações de tratamento do tipo de compro-
(raios) provoca uma única e forte contração muscular,
metimento ocorrido.
permitindo que a vítima se afaste da corrente.
A síndrome da angústia respiratória aguda
(SARA) ou síndrome do desconforto respiratório agu- Correntes que passam pelo tórax têm maior
do (SDRA) é conceituada como uma síndrome de insu- probabilidade de provocar parada cardiorrespiratória
ficiência respiratória de instalação aguda, caracterizada (PCR). Estudos clínicos demonstraram que a morte
por infiltrado pulmonar bilateral à radiografia de tórax, por fibrilação ventricular (FV) é mais frequente por
compatível com edema pulmonar, e por hipoxemia gra- trajeto horizontal da corrente (mão H mão) do que
ve, definida como relação PaO2/FiO2 200, com POAP pelo vertical (cabeça – pé).
18 mmHg ou ausência de sinais clínicos ou ecocar- As vítimas de acidentes com raios podem ser
diográficos de sobrecarga atrial esquerda, além da atingidas por três formas de contato:
presença de um fator de risco para dano pulmonar,
no caso, a lesão por inalação no paciente queimado. por contato direto (tipo mais grave);
A lesão pulmonar aguda (LPA), cujo conceito é por contato por meio de outro objeto (tipo mais
idêntico ao da SDRA, difere pelo grau menos acentuado comum); e
de hipoxemia presente (PaO2/FiO2 300), e tem por obje- por contato por meio do solo.
tivo identificar os pacientes mais precocemente durante
a evolução de seu quadro clínico, e tomada de decisões.
Comparação entre raio e choque elétrico
Raio Choque elétrico
Ocorrência Fora de Ocupacional, dentro
Lesões elétricas e raios Corrente
casa de casa.
Contínua Alternada
As lesões decorrentes de choque elétrico são resul- Voltagem Alta Baixa
tantes da ação direta da corrente elétrica e da conver- Duração da des- Curta Prolongada
são da energia elétrica em energia térmica, durante sua carga
passagem pelo corpo, podendo deixar, ainda, ponto de Fenômeno flash Sim Não
entrada e saída. Vários fatores determinam a gravidade over
do choque, como a magnitude da energia, resistência à Parada cardíaca Assistolia Fibrilação ventricular.
corrente, tipo, duração do contato e o trajeto da corrente. Tabela 14.11
Nos pacientes vítimas de choque elétrico uma série de sinais e sintomas podem ser observados, de acordo
com o exposto na Tabela 14.13.
Queimaduras químicas
Causadas mais frequentemente por ácidos ou álcalis em acidentes de trabalho, originam lesão progressiva
até o agente ser totalmente removido, preferencialmente por água em abundância; devem ser consideradas pro-
fundas até prova em contrário.
Agentes de origem álcali são mais agressivos que os ácidos por sua ação na membrana celular,
que facilita sua penetração, aprofundando a lesão. A região atingida deve ser abundantemente lavada com água
corrente. Nunca lavá-la em água parada ou utilizar outras substâncias químicas para neutralização da-
quela produtora das lesões. Essa neutralização pode-se fazer por reações químicas que provocam mais lesões
que as originais.
Se o agente etiológico foi o fósforo, deve-se tomar o cuidado de retirar todas as partículas com
uma pinça antes de fazer a lavagem do local.
Lesões por Piche: este produto é aquecido acima de 300 °F (148 °C) e comumente causa queimadura profunda.
Inicialmente, o piche deve ser resfriado com irrigação de água de torneira para limitar a progressão da lesão e, mais
tarde, removido por solventes lipofílicos.
Após a irrigação inicial, são tratadas por cirurgia indicada pela profundidade, a qual é frequentemente su-
bestimada no exame inicial.
Caso < 7, continuar irrigando até Caso < 7,5, continuar irrigando até
alcançar o limite fisiológico (7-7,5). que o pH atinja o limite fisiológico
Tomar cuidado em dirigir o irrigante (7-7,5). O pH deve ser verificado
para longe da pele saudável. Uma novamente após o desbridamento,
vez que o pH da queimadura atinja já que as bases podem penetrar
variação fisiológica, o processo através da superfície. Desde
de lesão acabou então, tratar a queimadura
com as técnicas convencionais
Figura 14.6 Tratamento da queimadura por ácido e álcalis.
Queimaduras Áreas expostas tendem a ser mais superficiais que as com vestimentas.
por líquidos Tendem a apresentar forma irregular e aspecto de “escorrido”.
Queimaduras por imersão tendem a ser profundas e graves.
Queimaduras Geralmente, são limitadas em extensão, mas profundas.
por contato Quando há perda da consciência, tendem a ser muito profundas.
Tabela 14.17
15
Hipotermia
Achados laboratoriais
Raio X de tórax Pode mostrar congestão pulmonar, pneumonia ou aspiração.
Eletrólitos As alterações encontradas em geral não são consistentes, os exames devem ser repetidos quan-
do a temperatura corpórea estiver acima de 35 oC.
Glicemia Pode haver hipo ou hiperglicemia. Em geral, a glicemia é normal.
Hemograma Ocorre a elevação do hematócrito em razão da hemoconcentração, há leucopenia e plaquetope-
nia em resposta ao sequestro esplênico.
Amilase Pode estar aumentada, pois a hipotermia pode induzir pancreatite.
Coagulograma Em geral, o TP e o TTPA estão alargados em razão da inibição da cascata de coagulação; retor-
nam ao normal com o reaquecimento.
Gasometria arterial Acidose metabólica, alcalose respiratória ou ambas as alterações.
Tabela 15.4
II aVL V2 V5
III aVF V3 V6
II
Figura 15.2 Bradicardia sinusal com FC: 38 bpm. QRS alargado pela presença de uma deflexão em sua porção
final (onda J) de maior amplitude nas derivações precordiais. Intervalo QT aumentado (QT = 720 ms e QTc = 576 ms).
As ondas J acompanhadas de bradicardia sinusal e de intervalo QT prolongado são alterações características do ECG
que surgem na hipotermia.
Tratamento
Considerar os principais fundamentos para manter o paciente aquecido, conservar o calor interno,
repor nutrientes e elevar a temperatura de 1 ºC a 2 ºC por hora, evitar aquecimento externo excessivo nos
casos graves, porque se pode provocar vasodilatação periférica, com prejuízo para a nutrição de órgãos e,
especialmente, do encéfalo.
O reaquecimento externo passivo é a técnica menos invasiva e que fornece o aquecimento mais len-
to, devendo ser utilizada em casos de hipotermia leve. Ele requer que o paciente esteja seco em um ambiente
aquecido, protegido de correntes de ar e usando cobertores para reduzir a perda de calor, desta forma, permitindo
que o organismo recupere pela termogênese a temperatura corpórea. Em geral, pessoas jovens recuperam mais rá-
pido a temperatura com esse método de reaquecimento. A taxa média de reaquecimento nessa técnica é de 0,3 ºC a
0,4 ºC por hora.
16
Hematoma da bainha do músculo
retoabdominal
mais superficial dos três músculos da parede anterolate- Os vasos linfáticos da parte superior da pa-
ral do abdome. Suas fibras se dirigem obliquamente, de rede abdominal drenam para os linfonodos axi-
cima para baixo e de trás para frente, terminando em lares, e os da inferior para os linfonodos ingui-
uma forte aponeurose que constitui a sua inserção. O nais e, destes, para os linfonodos ilíacos. O fluxo
músculo oblíquo interno do abdome situa-se imediata- linfático periumbilical pode também drenar, pelo liga-
mente debaixo do oblíquo externo, e proteja suas fibras mento redondo do fígado, para o hilo hepático, cuja
obliquamente para cima e para frente, em direção cruza- nomenclatura oficial é porta do fígado.
da com as fibras do oblíquo externo. O músculo transver- A parede abdominal é inervada pelos ner-
so do abdome, o mais profundo dos três, tem suas fibras vos intercostais, do 7º ao 11º, e pelos nervos
dispostas transversalmente, dirigindo-se de trás para ílio-hipogástrico e ilioinguinal. Os nervos inter-
frente, partindo horizontalmente da coluna vertebral e costais deixam os espaços intercostais e se dirigem,
se direcionando para a linha média do abdome. inferior e anteriormente, entre os músculos trans-
Abaixo dos músculos da parede anterolateral do verso e oblíquo interno, inervando os dois músculos
abdome encontra-se a fáscia transversal. Esta é consi- e também o oblíquo externo. Continuando, pene-
derada uma das mais importantes camadas da parede tram na bainha do reto, onde se ramificam em sen-
abdominal, situa-se entre o complexo músculo-aponeu- tido anterior, para inervar o músculo reto e a pele
rótico e o tecido adiposo pré-peritoneal e cobre a super- suprajacente. Uma incisão longitudinal, que passe
fície profunda do músculo transverso do abdome. pela borda lateral do reto, como na laparotomia pa-
ramediana pararretal externa, desenervará o múscu-
A linha Alba corresponde a uma rafe ten-
dinosa que se estende do processo xifoide à lo; uma realizada entre as bordas lateral e medial do
sínfise púbica. É formada pela fusão, na linha reto, como na laparotomia paramediana transretal,
mediana, das lâminas anterior e posterior, de cada desenervará a parte medial do músculo.
lado, que constituem as bainhas dos músculos retos,
ou, em outras palavras, pela fusão das aponeuroses
dos músculos oblíquo externo, oblíquo interno e
transverso do abdome. É dividida, pelo umbigo, em
segmentos supra e infraumbilical. No corpo do osso Etiopatogenia
púbis, ela se fixa ao ligamento pubiano superior,
O HBRA representa 1% a 2% dos casos de dor
por meio de uma expansão triangular denominada
abdominal de etiologia desconhecida. É mais comum
adminículo da linha Alba. O umbigo é uma cicatriz
deprimida na linha mediana, formada pela fusão de em mulheres (2 a 3:1), após a quinta década de vida,
todas as camadas da parede abdominal. Localiza-se, embora possa ocorrer em qualquer faixa etária. A raça
geralmente, um pouco mais próximo do púbis que negra é mais acometida. A incidência maior nas
do processo xifoide. mulheres pode ser explicada pela menor massa mus-
cular do reto abdominal e multiparidade.
A bainha do reto consiste em uma lâmina an-
terior e uma posterior, que envolvem o músculo. O evento inicial parece ser a lesão do músculo ou
De maneira resumida, pode-se afirmar que acima rotura dos vasos epigástricos inferiores.
da linha arqueada, também conhecida por linha se-
micircular de Douglas, a lâmina anterior é formada HBRA é o acúmulo de sangue dentro da bainha do mús-
pelas aponeuroses do oblíquo externo e oblíquo in- culo reto anterior do abdome e, em consequência, da
terno. Abaixo da linha arqueada, a lâmina anterior ruptura dos vasos epigástricos ou do próprio músculo.
é constituída pelas aponeuroses do oblíquo externo,
oblíquo interno e transverso. A lâmina posterior é
formada, ao nível do processo xifoide, pelo músculo A localização mais frequente do HBRA é
transverso e sua aponeurose, e abaixo, até a linha abaixo do umbigo (90% dos casos) onde existe
arqueada, pelas aponeuroses do oblíquo interno e um pequeno suporte para o músculo. A porção
do transverso. inferior da bainha do reto é mais extensa e fraca e
possui ramos vasculares mais longos. A maioria dos
O músculo reto abdominal é irrigado em
casos é unilateral, a apresentação pode ser agu-
sua porção superior pela artéria epigástrica
da ou crônica.
superior (ramo da artéria mamária interna) e em
sua porção inferior pela artéria epigástrica in-
ferior, que se origina da artéria ilíaca externa.
A artéria espigástrica inferior se anastomosa
com a artéria epigástrica superior e origina vá- Fatores precipitantes
rios ramos musculares em sua face posterior.
Duas veias epigástricas inferiores acompanham Em toda a literatura, o fator predisponente
a artéria, para se anastomosar com as veias epi- mais frequentemente citado é o uso da terapia
gástricas superiores. anticoagulante profilática. No entanto, qualquer
Quadro clínico
A manifestação clínica mais comum desses hema-
tomas é a dor e/ou massa abdominal, eventualmen-
te, com febre e sinais de irritação peritoneal e, menos
frequentemente, com choque hipovolêmico. Rara- Figura 16.2 Tomografia computadorizada de ab-
mente é uma doença que ameaça a vida, entretan- dome, evidenciando coleção no músculo reto abdomi-
to, visto a sua similaridade na forma de apresentação nal esquerdo (seta).
com outras condições abdominais agudas, o hematoma
A punção diagnóstica não é aconselhada em ra-
dos músculos retos deve fazer parte do diagnóstico di- zão do risco de contaminação da coleção.
ferencial do abdome agudo, evitando-se, assim, laparo-
tomias desnecessárias.
O exame físico identifica massa dolorosa em 95%
a 100% dos casos.
Tratamento
A pesquisa do sinal de Fothergill faz parte do Quanto ao tratamento do HBRA, alguns auto-
exame físico destes pacientes. res defendem o tratamento conservador com contro-
les radiológicos seriados. Outros autores defendem o
O sinal de Fothergill consiste na elevação do tratamento cirúrgico na admissão, com drenagem do
tronco e na contração simultânea da musculatura da hematoma e ligadura dos vasos sangrantes.
parede abdominal, estando o paciente em decúbito
O tratamento conservador, usualmente, preconiza-
dorsal; a massa tumoral persiste palpável e bem de-
do consiste de: repouso, medidas locais, analgesia, anti-
finida, ou se tornando mais proeminente e unilateral, -inflamatórios e cobertura antibiótica. Em nossa opinião,
o que não ocorre com massas intra-abdominais. Esta o uso de antibióticos torna-se absolutamente dispensável,
massa não pode ser movida de um lado para o outro. a menos que criemos uma porta de entrada através de
É possível sentir ranhuras entre a porção final retraí- punção diagnóstica, que deve ser evitada exatamente pelo
da do músculo rompido. Sensibilidade e espasmo mais risco inexorável da colonização bacteriana do hematoma.
frequentemente estão presentes.
As principais indicações para o tratamento ci-
Sinal de Nadeau, que representa o aumento rúrgico são: choque hipovolêmico, falha do tratamento
da dor com a elevação da cabeça ou do membro in- conservador e infecção do hematoma. A mortalidade da
ferior e o sinal de Laffond, equimose sobre a mas- cirurgia varia de 4% a 18%, sendo creditada, principal-
sa ou periumbilical, finda a fase aguda, são outros mente, à infecção, cuja incidência se eleva nos casos de
achados físicos. drenagem externa.
17
Tumores da parede abdominal
Introdução
Aproximadamente 80% das lesões neoplásicas
da parede abdominal são benignas, e o tumor be-
nigno mais comum é o lipoma (panículo adiposo).
Lesões como papilomas, hemangiomas e fibromas são
menos frequentes. Vale destacar os neurofibromas,
que quando múltiplos podem compor o diagnóstico
da neurofibromatose, doença de von Recklinghausen.
Quando se optar por tratamento conservador, rúrgico está indicado nas lesões pequenas e nas pas-
este pode ser apenas observacional com realização de síveis de ressecção sem grande morbidade (disfunção
exames com frequência determinada ou pelo uso de funcional ou estética). Nas lesões que implicam em
terapia sistêmica. A utilização de AINES e hormônios procedimento de grande porte (por exemplo, amputa-
(por exemplo, tamoxifen) pode ser benéfica, porém, ção), deve ser indicado tratamento conservador.
ainda com dados conflitantes sobre sua eficácia, po- A radioterapia é uma opção terapêutica nos pa-
dendo apresentar bons resultados iniciais, entretanto, cientes sem condições para realização de cirurgia, para
com benefício mínimo em longo prazo. os que não aceitam realizar a cirurgia e naqueles em
O tratamento padrão para os tumores des- que a cirurgia implicará em grane morbidade. O tem-
moides, quando possível, é a cirurgia com mar- po de regressão, após o término da radioterapia, é va-
gens negativas. A cirurgia no tumor desmoide é riável e pode levar muitos anos.
complexa e, muitas vezes, necessitam de reconstrução Não está comprovado o benefício da radioterapia
com enxertos e retalhos (nos casos de parede abdomi- adjuvante, após ressecção completa do tumor. Contu-
nal e tumores extra-abdominais), como também res- do, existe grande controvérsia sobre sua utilização,
secções multiorgânicas (colectomias, enterectomias, após ressecção com margem comprometida (microscó-
nefrectomias, esplenectomias, entre outros) por sua pica ou macroscópica). Alguns autores relatam melhor
natureza infiltrativa. controle com uso de radioterapia, porém, outras séries
Tumores desmoides apresentam altas taxas não veem benefício, visto que, como dito anteriormen-
de recidiva local, mesmo após ressecção cirúrgi- te, a recidiva pode não ser alterada em razão do status
ca completa (16% a 75%), e a contribuição nas da margem. Uma alternativa é a não utilização da radio-
taxas de recidiva, após ressecção com margens terapia adjuvante nos casos com margem microscopica-
positivas, não está clara. mente positiva, deixando seu uso apenas nos casos de
margem macroscopicamente comprometida.
Em resumo, o tratamento do desmoide deve ser
A radioterapia pode promover controle local nos
individualizado:
tumores irressecáveis e nos casos de doença recorren-
Tumores intra-abdominais: a cirurgia é indicada te, como adjuvante. A quimioterapia é indicada nos
como tratamento padrão nos tumores ressecáveis in- tumores de crescimento rápido e com critérios de ir-
tra-abdominais. Nos tumores grandes, de crescimento ressecabilidade.
lento e comprometendo vasos ou órgãos, o tratamen-
Uma nova modalidade de tratamento com utili-
to conservador deve ser o preferido.
zação da radioterapia e quimioterapia neoadjuvante,
Nos casos de síndrome de Gardner, alguns au- combinadas ou isoladas, para tumor desmoide tem
tores sugerem o tratamento cirúrgico, se doença res- sido descrita com intuito de aumentar a ressecabilida-
secável, enquanto outros defendem a não cirurgia de e reduzir recidiva, porém, os dados são conflitantes
fundamentados na característica mais agressiva dos e necessitam de confirmação de benefício.
tumores na recidiva. Sempre que possível, a cirurgia é indicada nos
Tumores extra-abdominais e de parede abdo- casos de recidiva local do tumor, reservando a radio-
minal: os tumores extra-abdominais (extremidade e terapia para os casos com alta morbidade utilizando o
tórax) e de parede abdominal são mais passíveis de tratamento cirúrgico. Nos pacientes irradiados previa-
ressecção que os intra-abdominais. O tratamento ci- mente, pode-se utilizar terapia sistêmica.
18
Politrauma
Segundo pico de morte – óbito por perdas da aorta, entre outras causas. 2º pico: minutos a horas
de sangue. Acontece em poucos minutos (geralmente do trauma. Este é o foco do ATLS. Causa morte: hema-
após os três primeiros minutos) até várias horas após tomas epi/extradurais, hemopneumotórax, trauma
o trauma. É mais frequente o óbito na primeira hora, a hepático, fratura de pelve e ferimentos associados com
chamada Golden Hour. perda de sangue. 3º pico: ocorre tardiamente – dias, se-
manas ou meses e se deve às intercorrências e compli-
As principais causas são insuficiência respirató- cações do trauma.
ria aguda por obstrução das vias aéreas, pneumotórax
(principalmente o hipertensivo), hemopneumotórax
ou contusões pulmonares; TRM com instabilidade
cervical; choque hipovolêmico por hemorragia trau-
mática interna ou externa, trauma pélvico; TCE com
hematoma extra dural, subdural e cerebral.
O objetivo do Advanced Trauma Life Support
ATLS é centrado em prevenir o óbito no segundo pico
das mortes por trauma.
Terceiro pico de morte – óbito por infecção.
Ocorre dias, semanas ou meses após o trauma. Resul-
ta de complicações e intercorrências como síndrome
da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), broncop-
neumonias (BCP), infecções (principal causa de mor-
te tardia ao trauma), disfunção de múltiplos órgãos e
sistemas (DMOS) e doenças preexistentes agravadas
pelo trauma (diabete, cardiopatias, nefropatias etc.). Figura 18.2 Vítima de trauma após colisão direta com
A vantagem do método do ATLS é que inicial- trem. Trauma de tórax grave, com esmagamento e trau-
mente podemos tratar os traumatizados sem que te- ma de extremidades.
nhamos o diagnóstico definitivo como pré-requisito.
O caminho é estabelecer a padronização do politrau-
matizado da mesma maneira: avaliação inicial para-
lela e simultânea aos procedimentos de reanimação
respiratória e cardiocirculatória. Reavaliação frequen-
te, com reanimação das funções vitais e encaminha-
mento para cirurgia ou para exames complementares
específicos. A decisão de transferência para o hospital
especializado deve ser feita até o final do fim do exame
primário. Palavras chaves para as questões de re-
sidência médica – reavaliar o paciente, tempo e
sequência de atendimento padronizado.
2º Pico Epidural
Subdural
Hemopneumotórax 3º Pico Figura 18.3 Hematoma epidural à esquerda. Repare
Fraturas Pélvicas Sepse
Fraturas de Ossos Longos DMOS na convexidade para dentro do cérebro que desvia a
Lesões Abdominais
linha média. O desvio na linha média é mais comum no
hematoma subdural e raro no epidural (que tem bom
prognóstico). Há sinais indiretos de hemorragia, menín-
gea que é o “aspecto em J”, na linha média, do sangue
0 1 Hora 3 Horas
Tempo
2 semanas 4 semanas na foice do cerebelo. O hematoma epidural é caracteri-
zado pelo intervalo lúcido de tempo: o paciente fala e
Figura 18.1 Distribuição trimodal das mortes por morre. Na verdade, o paciente geralmente chega com
trauma. 1º pico: segundos a minutos do trauma. Nesse Glasgow 15 e na evolução há rebaixamento súbito do
período os pacientes morrem por lacerações no cére- nível de consciência (Glasgow < 8) havendo necessi-
bro, trauma raquimedular alto, trauma cardíaco, rotura dade de intubação.
1 0.919
0.969 0.988 penetrante). Esses valores são colocados em programa
0.9 0.807 de computador e aplicados em uma tabela TRISSCAN,
0.8
0.7
0.605
que determina através de regressão logística probabi-
0.6
0.5
lidade de sobrevida.
0.361
0.4
0.3
Atenção: vale lembrar quais são os índices anatô-
0.2
0.071
0.172
micos, fisiológicos e mistos e o seus significados ao in-
0.1 0.027
0 vés de decorar fórmulas. É improvável que o examinador
questione sobre a fórmula dos índices ainda mais que são
Revised Trauma Score (RTS)
calculados por programas de computador, mas é interes-
Figura 18.4 sante saber os componentes do RTS, por exemplo.
O que diz respeito aos médicos, só os médicos tratam: de ferragens cuidam os ferreiros.
Horácio
19
Atendimento inicial ao
politraumatizado
Sim Não
Segunda • Todas as lesões penetrantes da cabeça, pescoço, tronco e extremidades proximais ao cotovelo e joelho
etapa2 • Tórax flácido
• Combinação de trauma com queimaduras
• Duas ou mais fraturas de osso longo proximal
• Fraturas pélvicas
• Fraturas abertas e afundamentos do crânio
• Paralisia
• Amputação próxima ao punho e ao tornozelo
• Queimaduras grandes
Sim Não
Sim Não
Sim Não
Contatar a supervisão clínica e considerar transporte para o centro de trauma Reavaliar com
Alertar equipe de trauma supervisão clínica
Figura 19.1 algoritmo de triagem no campo do American College of Surgeons. Adaptado de SABISTON, 18ª
ed. 2009.
Na avaliação primária, a via aérea e a coluna cer- Inspeção e remoção de corpos estranhos/pró-
vical são prioridades absolutas. A primeira ação que teses: abrir a cavidade oral, olhar no interior,
deve ser feita é a avaliação da via aérea, daí a impor- remover próteses ou corpos estranhos, aspirar
tância de se falar com o paciente. Detalhe: sempre secreções e hemorragias com aspirador rígido.
proteja a coluna cervical antes de falar com o pa- Jaw-Thrust: anteriorização da mandíbula atra-
ciente. Se o paciente consegue responder verbalmen- vés da elevação do ângulo da mandíbula.
te à abordagem inicial, significa que a via aérea está
Chin-lift: elevação do mento.
patente (pérvia); doente consciente significa boa oxi-
genação cerebral. Manobras para remover corpos estranhos:
Há de se fazer a imobilização do pescoço do do- Manobra de Heimlich (Figura 19.7).
ente com as mãos e então fale com ele: Você está bem?
Se ele responder, ótimo! Por hora, duas questões fo-
ram resolvidas: o paciente está consciente e as vias aé-
reas (VA) estão pérvias. Instale o colar cervical.
Corpo estranho
Pela última atualização do Circulation 2010, na sus-
peita de corpo estranho, deve-se estimular a tosse, realizar
a manobra de Heimlich e ligar para serviço de emergência
(193) quando o paciente cair inconsciente. Após a sequên-
cia, iniciam-se compressões torácicas, abdominais e ven-
tilações na tentativa de desobstruir a via aérea. O finger
sweep (“dedo em gancho”) não está mais indicado e pode
ser prejudicial (classe III). E o tapa nas costas não está mais
contraindicado por relatos de que essa manobra foi efetiva
em desobstruir previamente a via aérea. As compressões
abdominais em crianças < 1 ano estão contraindicadas,
Figura 19.6 Manobra de Jaw-Thrust: elevação da
preferindo-se as compressões torácicas e o tapa nas costas
mandíbula e tração do mento a ser usada no trauma
quando a manobra head-tilt-chin-lift (hiperextensão da
(back bows); no paciente obeso, a preferência é por com-
cabeça) está contra-indicada. pressões torácicas pela maior efetividade.
Uma vez que o A (via aérea) esteja garantido com
controle de coluna cervical, procede-se para o B (respi-
ração). Se as manobras de permeabilização da vias aérea
não foram efetivas, deve-se imediatamente garantir via
aérea definitiva principalmente no paciente com re-
baixamento do nível de consciência (Glasgow < 8). No
doente que está falando, sem sinais de rouquidão ou
dispneia, é improvável que haja obstrução de vias aére-
as. Entretanto, o segredo do ATLS é a reavaliação
constante do paciente que é fundamental.
sucesso, indica-se a dissecção cirúrgica. Por exemplo: da pressão intracraniana e compressão do III par cra-
a veia safena deverá ser dissecada anteriormente ao niano (nervo oculomotor) que resulta em midríase.
maléolo medial; a veia basílica deverá ser dissecada 2 Veja as tabelas abaixo para a classificação da GCS e da
dedos acima do processo estilóide da ulna. gravidade do trauma cranioencefálico (TCE). O mais
Em crianças, após falha na punção, a veia axilar é importante não é um GCS isolado, mas a reava-
a via de escolha na dissecção venosa na urgência. liação frequente e seriada de GCS.
Nas crianças menores de 6 anos, pode-se tentar
a via medular (intraóssea). Penetrando o platô tibial Abertura ocular
anterior, com uma agulha curta e grossa a cerca de 1,5 Espontânea 4
a 2 cm abaixo da epífise, obtém-se uma boa via para Estímulo verbal 3
a reposição volêmica, utilizando qualquer tipo de so-
Estímulo doloroso 2
lução (cristaloide, coloide, sangue ou derivados) ou
Sem resposta 1
medicamento. Na via intraóssea, a administração de
líquidos entra na circulação em cerca de 20 segundos. Melhor resposta motora
Obedece a comandos 6
Classificação da hemorragia Localiza a dor 5
segundo a perda de volume Flexão normal (retirada) 4
Classe I Classe II Classe III Classe IV Flexão anormal (decorticação) 3
Perda de Extensão (descerebração) 2
750 a 1.500 a
sangue > 750 > 2.000
1.500 2.000 Sem resposta 1
(mL)
Perda de Resposta verbal
sangue Orientado 5
> 15% 15 a 30% 30 a 40% > 40%
(% volume Confuso 4
total) Palavras inapropriadas 3
Pulso Sons incompreensíveis 2
< 100 > 100 > 120 > 140
(bpm) Sem resposta 1
Pressão Normal Normal Diminuída Diminuída
arterial Tabela 19.3 scala de coma de Glasgow = motor + ver-
bal + ocular.
Pressão Normal ou Diminuída Diminuída Diminuída
de pulso aumentada
(mmHg) Classificação do Trauma Cranioencefálico
Respiração/ 14 a 20 20 a 30 30 a 40 > 35
Classificação GLASGOW
minuto
Diurese > 30 20 a 30 5 a 15 Desprezível Leve 13-15
(mL/hora) Moderada 9-12
Estado Pouco Moderada Ansioso e Confuso e Grave ≤8
mental ansioso ansiedade confuso letárgico Tabela 19.4
Reposição Cristaloide Cristaloi- Cristaloide Cristaloide
(3/1) de e sangue e sangue
Tabela 19.2
E – Exposição do doente e
proteção contra a hipotermia
D – Disability (Exame Todo paciente traumatizado deve ser totalmente
Neurológico Sumário) despido, cortando-se as roupas para facilitar o acesso
visual adequado de lesões e promover exame físico
Tarefas do D completo.
Glasgow;
Fluidos intravenosos devem ser aquecidos a
Pupilas; 39ºC; cobertores devem ser utilizados e a sala deverá
Pesquisa de sinais de TCE grave: sinal da bata- ser aquecida com ar condicionado.
lha, sinal do guaxinin, sinal do duplo halo. A hipotermia agrava a acidose e a coagulopa-
Aqui, ao invés de exames neurológicos porme- tia e constitui a chamada tríade da morte, portanto,
norizados que poderão ser realizados no exame se- a necessidade de todo o paciente politraumatizado ter
cundário, o foco será a detecção precoce do aumento prevenção desde o atendimento pré-hospitalar.
20
Via aérea e ventilação
A VA pode ficar comprometida pela queda da lín- Independentemente da manobra a ser realizada,
gua, no paciente inconsciente, pela presença de cor- há de se ter cuidado com a coluna cervical. Via de re-
pos estranhos, restos alimentares, sangue, hematoma gra, o colar cervical deverá estar posicionado de modo
e edema de laringe por trauma direto. Pacientes com adequado. Ele poderá ser mobilizado desde que um so-
TCE, trauma bucomaxilofacial e ou trauma na região corrista fixe a cabeça, enquanto o médico responsável
cervical são particularmente propensos a apresentar examina a região cervical e coloca o colar.
problemas na VA. Todo paciente politraumatizado deverá re-
O diagnóstico de obstrução da VA começa no ceber suplementação com oxigênio (10-12 litros/
contato com o doente. A verificação da consciên- minuto) em máscara.
cia com as perguntas: “como você está?”, “qual é seu O oxímetro de pulso deverá ser também aco-
nome?” fornece-nos vários dados importantes. Doen- plado. Esse aparelho oferece informações sobre a
te que fala e está orientado mostra que a VA está saturação de O2, mas não garante que a ventila-
pérvia e existe boa oxigenação cerebral. ção esteja adequada.
235
20 Via aérea e ventilação
Sistema balão-válvula-
máscara (AMBU) acoplado a
reservatório de O2
O AMBU é um sistema de válvula unidirecio-
nal que deve ser acoplado ao reservatório de O2 para
maximizar a oferta de oxigenação adequada. Ele tem
uma máscara transparente que permite visualização
caso ocorra regurgitação. O balão adulto tem 1-2 li- Figura 20.1 máscara laríngea.
tros e deve permitir ofertar volume corrente de 600
mL , o suficiente para a expansão do tórax e preser-
vação normocarbia. A ventilação deve durar 1 se-
gundo e o fluxo conectado é 10-12 L/min. No caso
de ventilação durante reanimação cardiopulmonar Tubo laríngeo
(RCP), devem ser feitas 30 compressões para duas É dispositivo de VA extraglótica semelhante a
ventilações, o que equivale a uma ventilação a cada ML usado em casos de VA difícil. Também é colocado
6-8 segundos (não precisa mais ser sincronizado com sem visualização da glote e seu posicionamento não
as compressões e vai resultar 8-10 por minuto), man- exige hiperextensão da VA.
tendo-se frequência de compressões torácicas de 100
por minuto. Vale lembrar também que a ventilação
não invasiva (BIPAP) no paciente consciente pode
dar suporte temporário até melhor planejamento da
VA definitiva.
Guia de introdutor de
intubação (Eschmann)
Nada mais é do que um fio guia para entubação.
O socorrista vai entubar e não enxerga as cordas vo-
cais. Daí ele coloca o fio guia de Eschman que tem uma
dobra de 3,5 cm angulada em 40º. A posição traqueal
é diagnosticada porque ocorre atrito entre a ponta do
introdutor e os anéis cartilaginosos da traqueia em até
90% das vezes. Quando se sente a rotação do guia é
porque o introdutor cruzou a carina e daí o tubo deve
ser tracionado um pouco para cima. Imediatamente
depois da intubação, o Eschmann é retirado e o tubo
endotraqueal é conectado ao respirador.
Cricotireoidostomia por
punção
É de fácil e rápida realização. A punção é reali-
zada com jelco calibroso (14-16 no adulto e 16-18 na
criança) na membrana cricotireoideana, usando-se
inicialmente de seringa (pressão negativa) até entrada
na laringe em 45º. Em seguida, deve ser conectado um
tubo em T, para permitir a oclusão manual de 1 se-
gundo, liberando por 4 segundos. Esse método oferece
ventilação adequada por 30-45 minutos (depois come-
Figura 20.3 Eschmann. ça a haver hipercapneia). Após esse período, deve-se
proceder à VA definitiva (exemplo: traqueostomia).
Precisa ser conectado também o oxigênio a 15 L/min.
Na suspeita de obstrução de VA por corpo estranho,
o O2 deve ser colocado em doses menores (5-7 litros/
Combitube (tubo de duplo min.). Note que a cricotireoidostomia cirúrgica
lúmen) não pode ser feita em crianças <12 anos, mas a
crico por punção pode.
O combitube é usado por muitas equipes no pré-
-hospitalar nos EUA quando a VA definitiva não é vi-
ável. Trata-se de um tubo de duas vias e com dois ba-
lões na ponta. Uma via comunica-se com o esôfago e
a outra com a traqueia. Os balões são insuflados, com
a ajuda de um capnógrafo, o socorrista identifica qual
via está na traqueia e imediatamente a ventila. Então,
o paciente quando chega ao hospital tem o combitube
substituído por VA definitiva.
Predizendo a VA difícil
Fatores externos: suspeita de lesão de coluna
cervical, artrite cervical avançada, trauma mandibular
e maxilofacial grave, limitação da abertura da boca e
variações anatômicas como micrognatia, prognatis- Figura 20.7 Intubação orotraqueal: necessari-
mo, pescoço curto são desafios que caracterizam a VA amente precisamos visualizar a glote e as cordas vocais.
difícil. O ATLS 2008 traz a mnemônica LEMON para Caso contrário, não entube! Se o fizer, a sonda segue
lembrete do potencial de dificuldade da VA. para o esôfago.
Contraindicações da RSI
1. Insuficiência renal crônica (risco de hiperpotassemia – succinilcolina).
2. Paralisia crônica.
3. Doença neuromuscular.
O tiopental não deve ser usado em hipovolemia. A RSI em crianças deve ser precedida de atropina 0,1-0,5
mg para evitar bradicardia.
Sim
Suspeitar de lesão
da coluna cervical
Lesão maxilofacial
grave?
Sim Cricotireoidotomia
Não
Indução por
sequência rápida
Intubação orotraqueal
Sim
Bem-sucedido? Não
Sim
Continuar
Reanimação
Figura 20.11 Algoritmo para tratamento da via aérea no paciente com trauma. Existe um papel estabelecido da
máscara laringea (ML) no tratamento dos doentes com via aérea difícil. Particularmente, quando a intubação en-
dotraqueal e a ventilação com máscara falharem.
21
Trauma cervical
Introdução
O pescoço abriga a maior quantidade de ele-
mentos nobres anatômicos em um pequeno espaço:
traquéia, carótidas, jugulares, artéria vertebral, vasos
subclávios, esôfago, tireóide, paratireóide, medula
cervical e parótidas.
Do ponto de vista anatômico dividimos o pesco-
ço em zonas (I, II e III) e trígonos (anterior e poste-
rior), conforme a figura abaixo.
O músculo platisma na fáscia superficial do pes- com consequente denervação diafragmática e o pa-
coço é o ponto anatômico que classifica a profundi- ciente entra em apneia pela ausência da movimenta-
dade das lesões do pescoço e diferencia o ferimento ção diafragmática.
superficial do penetrante. Os critérios para indicar a cirurgia imediata são
Zona I: vai desde a clavícula na base do pesco- bem estabelecidos:
ço (incluindo a transição cervicotorácica), na fúrcula hemorragia externa profusa;
esternal, até a cartilagem cricóide (C6). Ali localizam-
-se: artéria vertebral e carótida proximais, pulmões, instabilidade hemodinâmica, não responsiva à
traquéia, tireóide, esôfago, medula espinhal e laringe, reposição volêmica;
além de outros vasos torácicos. Os ferimentos des- hematoma expansivo;
sa região são de grande poder letal, basicamente obstrução de vias aéreas;
por lesão estruturas vasculares (artéria inomina-
da e vasos subclávios) e também pela possibilidade de
piora dos sinais neurológicos;
lesões torácicas associadas. É o segundo local mais enfisema de subcutâneo rapidamente progres-
comum dos ferimentos (5 a 31%). sivo;
Zona II: vai desde a cartilagem cricoide (C6) até saída de saliva pela lesão.
o ângulo da mandíbula. Ali localizam-se a veia jugular II- Sintomático mas sem risco de morte ime-
superficial e profunda, artérias carótidas comuns, tra- diata. Esses pacientes são estáveis do ponto de vis-
quéia, esôfago, medula espinhal e laringe, nervo frêni- ta cardiocirculatório e tem VA pérvia, mas possuem
co. Ferimentos penetrantes nessa região têm menor hematoma cervical e dúvida da existência de lesão
letalidade e melhor controle cirúrgico. Este é o local cervical. Isso porque o achado de hematoma cervical
mais comum dos ferimentos (47 a 82%). levanta a suspeita, mas não é patognomônico de lesão
Zona III: vai do ângulo da mandíbula até a base vascular. Outros sinais de trauma vascular são: a
do crânio. Nessa área localizam-se a faringe, artéria diminuição de pulsos carotídeos e do membro supe-
vertebral e a parte distal da carótida interna e externa. rior, frêmitos, sopros na região cervical e perda da
É látero posterior. É região de alto risco e de difícil consciência. A lesão nervosa pode ficar sugerida por
acesso cirúrgico, principalmente nas lesões de alterações de sensibilidade e motricidade, implicando
carótida interna. na avaliação de lesão medular e do plexo braquial (per-
da de força no membro superior).
E vale lembrar também que as lesões de faringe
e esôfago são traiçoeiras. Apresenta sintomatologia
escassa (disfagia, hematêmese, enfisema subcutâneo,
Racional do trauma hematoma cervical) e, se for inadvertidamente libe-
Esses traumas fechados podem resultar em dis- exames, sobretudo EDA e broncoscopia nessa região.
secção, trombose e formação de pseudoaneurisma, Entretanto, a conduta obrigatória na exploração de
fístula carotídea-corpo cavernoso ou ainda rotura ar- ferimentos de Zona II deverá ser empregada na au-
terial completa (fatal). A síndrome de Horner (ptose, sência de equipamento diagnóstico necessário. Além
miose e anidrose) pode também aparecer em lesão as- disso, lesões transfixantes por FAF de zona II têm
sociada à trauma de carótida interna (ACI). alta probabilidade de lesão significativa e ainda
têm indicação de cervicotomia de urgência sem
Mais de 90% das lesões vasculares por trauma fechado necessidade de maiores exames diagnósticos.
acometem a artéria carótida interna na sua porção dis- O Doppler de região cervical pode ser exame ini-
tal, sendo difícil de ser avaliado por Doppler. cial em pacientes estáveis. A arteriografia que era o
padrão-ouro no diagnóstico de lesões vasculares vem
O raio X cervical perfil (C1-T1), tórax PA, a endos- sendo substituída progressivamente pela angiotomo-
copia aerodigestiva e a ultrassonografia arteriovenosa grafia helicoidal, mas ainda é importante nos casos
(ultrassom doppler colorido) poderão ser de grande terapêuticos com colocação de stent.
valia na avaliação do trauma cervical. Atualmente, a Além disso, a angiotomografia tem papel impor-
angiotomografia de cortes finos (multislice) vem subs- tante no diagnóstico de trauma de laringe, lesões ós-
tituindo a arteriografia e aumenta o diagnóstico de seas e do sistema nervoso. Em lesões medulares, a res-
trauma cervical com diminuição do impacto significa- sonância magnética também é importante (exceto se
tivo das lesões neurológicas que ocorriam em 50% dos houver projétil metálico, pois aí está contraindicada).
casos da região cervical e transição cervicotorácica.
A avaliação do trato aerodigestório pode ser feita
Pacientes com trauma cervical instáveis he- no pré-operatório e no momento da exploração cirúr-
modinamicamente tem de ir à cervicotomia com gica no intraoperatório. Os ferimentos cervicais que
ou sem toracotomia (e mais raramente à esternoto- não necessitam de exploração operatória imediata po-
mia), dependendo da zona lesada. Já os pacien- dem precisar de avaliação aerodigestória com tomo-
tes estáveis poderão fazer os exames necessários grafia computadorizada, fibrobroncoscopia, endosco-
para depois realizar a abordagem cirúrgica guia- pia alta ou esofagografia para excluir-se uma lesão.
da pelos exames.
Acesso cirúrgico: incisão na borda interna do
Os pacientes com sinais clínicos evidentes de esternocleidomastoideo desde a zona I até a III se ne-
lesão vascular ou no trato aerodigestório requerem cessário. E se houver ferimento de zona I concomitan-
exploração cirúrgica do pescoço por cervicotomia na te à incisão oblíqua poderá ser estendida ao tórax para
borda interna do esternocleidomastoideo desde a a região supraclavicular ou para o esterno (esternoto-
zona I até a zona III (descritas abaixo), fazendo-se a mia). Vale lembrar também que a incisão mais usada
secção do músculo omo-hioídeo. Esses sinais clínicos no trauma é a toracotomia anterolateral e não a ester-
incluem hemorragia externa significativa, hematoma notomia. Reserva-se a esternotomia para ferimentos
grande ou em expansão, saída de ar pelo ferimento de subclávia na sua emergência junto à primeira cos-
com a respiração, fístula com presença de saliva na re- tela, bem como lesões de tronco braquioencefálico e
gião cervical, crepitação no pescoço, alterações da voz, veias jugulares de zona I (geralmente protegidos pela
disfagia e odinofagia. incisura jugular do esterno).
Zona III (zona da arteriografia e de desar-
ticulação mandibular): como é uma área de difícil
acesso, se o paciente estiver estável, a arteriografia é
Zonas do pescoço boa opção para manejo diagnóstico e terapêutico. Na
instabilidade, procedimentos mais complexos como
Zona I (zona da arteriografia): o paciente com a desarticulação da mandíbula e a divisão da parte
ferimento de zona I estável deverá ir à arteriografia. posterior carnosa do músculo digástrico poderá ser
Acesso cirúrgico: caso esteja instável hemo- necessária e então consegue-se o controle vascular da
dinamicamente, uma das melhores abordagens aos artéria carótida interna junto à base do crânio no fora-
vasos subclávios é a retirada da clavícula e contenção me carotídeo, além de melhor acesso a ferimentos de
direta do sangramento podendo associar-se com tora- transição da zona II e III.
cotomia anterolateral (4º ou 5º EIC) se necessário. Conduta: atualmente, lesões altas da artéria ca-
Zona II (zona das endoscopias – EDA e bron- rótida interna em pacientes estáveis e assintomáticos
coscopia): pacientes com lesões penetrantes na zona são tratadas com tratamento conservador com anti-
II que eram todos de conduta obrigatoriamente ci- coagulação. Isso porque a maior parte das sequelas
rúrgica na II Guerra Mundial, hoje têm abordagem desses pacientes é neurológica e decorre de trombose
mais seletiva, guiando-se conforme o resultado dos aguda, propagação de trombo ou embolização distal,
Tratamento
A imobilização maxilomandibular é quase sempre necessária. A colocação das barras constitui a primeira
etapa. Esses pacientes devem ser operados o mais rapidamente possível. A máscara ortopédica facial é disposi-
tivo que permite a instalação de tração esquelética nos ossos da face, outra opção terapêutica para o tratamento
dessas fraturas.
A tração determinada por esse aparelho promove a redução posteroanterior da maxila. É útil quando da
existência da impactação óssea e consequente mordida aberta anterior. Quando se utiliza a máscara ortopédica
facial, a dieta deve ser líquida e pastosa, devendo orientar o paciente para que não mastigue durante o tratamen-
to. O uso da máscara ortopédica facial é indolor, confortável e de baixo custo. Sua aplicação é fácil de ser realiza-
da, com a vantagem de não ser necessário o uso de imobilização maxilo-mandibular.
Complicações
Complicações precoces:
imediatas: a mais frequente é a obstrução das vias aéreas superiores e a hemorragia.
mediatas: a mais grave é a fístula liquórica.
Complicações tardias: as mais graves são a pseudoartrose e a consolidação viciosa. A pseudoartrose é uma
complicação rara das fraturas da face, mas a consolidação viciosa é frequente e caracterizada pela má oclusão dentária.
Outras complicações tardias também ocorrem: diplopia por distopia ocular, oftalmoplegia e déficit na acui-
dade visual, advindos de lesões de nervos cranianos. Outro dano neurológico observado com certa frequência é a
demora no retorno da sensibilidade cutânea no terço médio da face e na arcada dentária superior, consequente à
neuropraxia traumática dos nervos infraorbitais.
As fraturas da maxila são as mais relevantes para as provas de RM. Como reforço deixamos na tabela abaixo
um resumo de outros sítios de fratura na região maxilofacial.
Tabela 21.2
22
Trauma de tórax
5. Trauma cardíaco fechado; nitorada pela pressão de pulso (PA sistólica – PA dias-
6. Rotura da aorta; tólica). Perfusão tecidual pode ser avaliada pela cor
e temperatura da pele. Observar estase jugular para
7. Lesão diafragmática traumática; suspeita de lesões de risco imediato de morte (tam-
8. Ferimento transfixante de mediastino; ponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo e até
9. Ferimento de esôfago. mesmo o hemotórax maciço). Lembrar que pacientes
com tamponamento cardíaco e hipovolemia não têm
distensão de jugulares. Monitor cardíaco deve ser
instalado. A hipóxia e acidose aumentam essa possi-
Vias aéreas bilidade, bem como espasmo coronariano e contusão
miocárdica, caso tenha ocorrido por desaceleração rá-
O atendimento deve seguir os critérios de priori-
pida ou ferimento em área do esterno. Há de se reava-
dade ABCDE. A orofaringe deve ser examinada na bus-
liar o paciente.
ca de corpos estranhos. Os batimentos de asa nasal e
tiragens denunciam o esforço respiratório na tenta-
tiva de compensar possíveis distúrbios ventilatórios.
Ver capítulo de VA para mais detalhes, lembrando dos
critérios para obtenção de VA definitiva.
Tipos de trauma
de tórax
Respiração
A exposição do tórax permite a avaliação da am-
plitude dos movimentos torácicos, presença de movi-
Lesões super昀椀ciais
mentos paradoxais (afundamento torácico), simetria São tratadas do mesmo modo que aquelas em ou-
da expansibilidade, fraturas do gradil costal, enfisema tra parte do corpo, se o ferimento não atinge a fáscia
subcutâneo. Todo o paciente politraumatizado neces- endotorácica e o gradeado costal. A exploração digital
sita de oxigênio em máscara com reservatório de O2. ou instrumental de ferimentos superficiais deve ser
O tórax deverá ser auscultado em ápices e bases e a evitada no tórax, em áreas de trajeto vascular e em
oximetria de pulso deve ser monitorada. A cianose é precórdio, pelo risco de sangramento de ferimento
sinal tardio de hipóxia no paciente traumatiza- tamponado e pneumotórax.
do e não há de se esperar que ela se manifeste para
ser tomada alguma conduta. Contudo, a ausência de
cianose não indica uma oxigenação tecidual ade-
quada e via aérea permeável. Fraturas costais e esterno
A fáscies pletórica com cianose facial e cer- É a lesão mais comum do traumatismo torácico
vicotorácica é alerta para possibilidade de pneu- (35 a 75% dos casos), atingindo preferencialmente do
motórax hipertensivo e tamponamento cardíaco 4º a 9º arcos costais. As fraturas de arcos costais com-
como explicados a seguir. prometem primariamente a ventilação, uma vez que
a dor associada restringe os movimentos da parede
torácica, pode levar a atelectasia e pneumonia. Além
disso, fraturas de costelas inferiores podem ocasionar
lacerações pulmonares (hemopneumotórax), trauma
Circulação de baço e trauma hepático.
Paciente deverá receber reposição volêmica com As fraturas de costelas podem ser isoladas ou es-
2 litros de SF 0,9% (39ºC) 1.000 mL em cada veia peri- calonadas (múltiplas). São escalonadas quando três ou
férica do braço e sangue será retirado para exames (ver mais arcos costais são fraturados em um mesmo lado.
capítulo de choque). O diagnóstico de choque deverá O tórax instável (flácido) ocorre nas fratu-
ser precoce e a tipagem sanguínea é importante, mas ras escalonadas na presença de fratura de três
dependendo da gravidade do choque, ela não é obriga- arcos costais em dois ou mais pontos. Assim, a re-
tória porque os pacientes podem receber temporaria- gião vizinha às lesões ósseas se deprime, desabando a
mente sangue O negativo até que a tipagem sanguínea cada inspiração, em vez de se expandir como o restan-
específica seja feita. te da caixa torácica. Essa é uma situação que ameaça à
Checar qualidade, frequência e regularidade dos vida não só pelas fraturas em si, mas pela dor e com-
pulsos. Paciente gravemente hipovolêmico tem pulsos prometimento respiratório e pulmonar (lacerações,
radiais e pediosos ausentes. A Pressão Arterial é mo- contusões, hemopneumotórax).
Pneumotórax aberto
O pneumotórax aberto (ferida torácica aspirati-
va) é causado por um defeito na parede torácica de di-
âmetro superior a dois terços do diâmetro da traqueia.
Ocorre equilíbrio entre as pressões intratorácica e at-
mosférica, pois o ar passa preferencialmente de fora
para dentro da cavidade pleural, uma vez que esse é o
caminho de menor resistência. A ventilação é prejudi-
cada, resultando em hipóxia e hipercarbia.
O tratamento do pneumotórax aberto é com o cura- Figura 22.4 demonstração do curativo de três pontas.
tivo de três pontas de imediato e drenagem de tórax
a seguir.
Pneumotórax hipertensivo
O tratamento imediato se faz com um curativo de É uma das lesões torácicas mais rapidamente fa-
três pontas, transformando o pneumotórax aberto em tais no trauma. O escape progressivo de ar no es-
fechado. Entretanto, um curativo oclusivo à mão pode paço pleural em sistema de válvula unidirecional
ser usado temporariamente até realização do curativo provoca o aumento de pressão intratorácica, ocasio-
nando grave distúrbio ventilatório e circulatório. Le-
de 3 pontas. É necessário o curativo de três pontas
sões traumáticas da parede torácica com laceração do
porque ocorre efeito de válvula unidirecional, o
pulmão, lesões brônquicas e ferimentos penetrantes
qual faz com que, na inspiração, a entrada do ar
são causas de pneumotórax hipertensivo. Em pacien-
seja bloqueada, pois o curativo é aspirado contra
tes internados em unidades de terapia intensiva com
as bordas da lesão devido à pressão negativa; na ventilação mecânica, o pneumotórax simples e a rup-
expiração, o lado não fixado permite o escape de ar de tura do pulmão por barotrauma são causas comuns de
dentro da cavidade torácica para a atmosfera. Imedia- pneumotórax hipertensivo. O diagnóstico de pneu-
tamente após o curativo de três pontas, há a necessi- motórax hipertensivo é clínico e o tratamento
dade de se realizar drenagem. nunca deve ser retardado à espera de confirma-
O tratamento definitivo se dá por drenagem ção radiológica.
torácica sob selo d’água, inserindo-se o dreno O paciente cursa com ausência do murmúrio
longe do ferimento. vesicular, turgência jugular, hipotensão arterial,
hiperressonância, diminuição do frêmito toraco-
vocal, desvio da traqueia e sofrimento respirató-
rio muito significativo, além de demonstrar SaO2
< 90%, tiragem intercostal e batimentos da asa
do nariz.
A atividade elétrica sem pulso (AESP) refor-
ça o diagnóstico de pneumotórax hipertensivo. O
achado de AESP deve ter como diagnósticos diferenciais
a hipovolemia e o tamponamento cardíaco (atenção). O
tratamento inicial do pneumotórax hipertensivo
é a descompressão imediata pela inserção de jelco
14-16 no 2º EIC na linha hemiclavicular do hemi-
tórax afetado. Essa manobra deve ser seguida de dre-
nagem pleural com dreno tubular em selo d’água 38F
inserido entre o 4º e 5º EIC entre a linha axilar anterior
e média próximo à linha intermamilar.
hemotórax < 1.500 mL mas que persiste drena- plicações de hemotórax coagulado e empiema inade-
gem > 200 mL/h por 2-4 horas; quadamente drenado incluem fístula broncopleural e
tamponamento cardíaco. broncopleurocutâneas. Situações essas que envolvem
tratamento com pleurostomia, ressecção de costela,
Ferimentos na área de Ziedler, também chama-
decorticação e outros procedimentos de reconstrução.
da Zimmerman ou Salmer-Murdock (medialmente
entre as escápulas e entre as linhas hemiclaviculares Embora a radiografia de tórax seja útil como fer-
e a linha intermamilar) requerem atenção especial ramenta inicial, ela não deve ser usada como único
para o FAST e eventualmente ecocardiograma transe- exame para selecionar pacientes com indicação de eva-
sofágico para avialiação de tamponamento cardíaco. cuação cirúrgica de hemotórax retido. A decisão deve
Ferimentos penetrantes nessa região têm alta estar apoiada também nos achados da tomografia
incidência de toracotomia por lesões no coração, computadorizada de tórax. O que parece ser imagem
grandes vasos, estruturas hilares e pelo poten- de hemotórax retido no raio X de tórax pode revelar-se
cial descrito de tamponamento cardíaco. como condensação pulmonar à TC.
Quilotórax
Lesão do ducto torácico causa derrame linfático
quiloso no espaço pleural sendo facilmente confundi-
do com líquido purulento.
Lesão trans昀椀xante de
mediastino
Tratamento
O trauma penetrante que atravessa o mediastino
Fase aguda: videolaparoscopia; pode acarretar lesão de qualquer estrutura que esteja
no tórax: coração, grandes vasos, ducto torácico, árvo-
Fase tardia: toracoscopia.
re traqueobrônquica, pulmões, lesão medular e ainda
É importante entender que alternativamente esôfago. Suspeita-se desse tipo de lesão quando o fe-
em serviços que não tenham laparoscopia poderá ser rimento de entrada encontra-se em um hemitórax e o
feito a laparotomia exploradora e a toracotomia, res- de saída no hemitórax contralateral.
A presença de pneumomediastino (enfise- fechado podem ser causadas por golpe de forte inten-
ma mediastinal) faz suspeitar de lesão esofagia- sidade no abdome superior, levando à expulsão força-
na ou traqueobrônquica. Por outro lado, quando da do conteúdo gástrico para o esôfago, produzindo
há hematoma de mediastino, deve-se pensar em lacerações no esôfago inferior e quadro semelhante à
lesão de grandes vasos. síndrome de Boerhaave com rotura de todas as cama-
Há dois tipos de doentes com ferimento transfixante das do esôfago. A abertura para o espaço pleural causa
empiema e mediastinite. O quadro clínico é igual ao da
de mediastino: hemodinanicamente estáveis e instáveis.
ruptura pós-hemética (Boerhaave).
Pacientes instáveis deverão ter os dois he-
Deve-se considerar uma possível lesão de
mitórax drenados e encaminhados imediata-
esôfago quando:
mente ao centro cirúrgico para toracotomia.
1. Presença de PTX ou hemotórax à esquerda
Já os doentes estáveis hemodinamicamente
sem sinais de fratura de costelas;
também terão seus dois hemitórax drenados e irão
provavelmente à toracotomia, mas terão tempo de 2. Cinemática de trauma em paciente vítima de
fazer exames que auxiliarão no diagnóstico e reparo golpe em região esternal inferior ou epigástrica;
da lesão: FAST, EDA, broncoscopia, angiotomografia 3. Choque desproporcional sem causa aparente;
helicoidal, esofagograma com contraste baritado.
4. Eliminação de restos alimentares pelo dreno
O exame primário detectará as prioridades do torácico;
atendimento. Caso exista hemopneumotórax com gran-
A presença de ar no mediastino também sugere o
de perda sanguínea e anormalidade hemodinâmica com
diagnóstico, frequentemente confirmado por estudos
sinais de tamponamento cardíaco, a indicação de dre-
contrastados e EDA.
nagem pleural imediata e exploração cirúrgica por tora-
cotomia podem ser necessárias. O cirurgião deve optar Classificação das lesões esofágicas segundo a
por qual hemitórax vai iniciar a toracotomia, tendo como American Association for the Surgery of Trauma
parâmetro a presença de tamponamento cardíaco ou o (AAST)
hemitórax com maior volume de sangue drenado. O pa- Grau da Descrição das lesões
ciente em decúbito dorsal horizontal é submetido à tora- lesão
cotomia anterolateral no 4º EIC que pode ser prolongada Contusão/hematoma ou laceração parcial
para o outro lado por meio de bitoracotomia. I
sem abertura
Os doentes estáveis hemodinamicamente (cerca II Laceração < 50% da circunferência
de 50% dos casos), mesmo que não apresentem sinais III Laceração ≥ 50% da circunferência
clínicos e radiológicos iniciais de lesões de órgãos me- IV Perda tecidual ou desvascularização < 2 cm
diastinais, devem ser avaliados por meio de exames V Perda tecidual ou desvascularização ≥ 2 cm
auxiliares, para excluir lesões de esôfago, traqueia, Tabela 22.5
brônquios, vasos mediastinais e coração. O FAST en-
focando o pericárdio deve conduzir o início da investi-
gação ainda como exame adjunto ao primário.
Debate sobre exames contrastados
A TC helicoidal deverá ser feita para descartar
hematoma mediastinal e sinais de rotura traumática Existe debate se usar gastrografina ou bário no
da aorta em pacientes estáveis, além de avaliar pene- esofagograma. Gastrografina, um contraste hidrosso-
tração da cavidade torácica. Ela tem sensibilidade e lúvel, é importante utilizar no abdome, mas não no
especificidade de 100% para a detecção de rotura tórax porque, se houver fístula esofágica e trauma
traumática da aorta. pulmonar, poderá resultar em pneumonite química,
já que é irritante para a mucosa respiratória na pre-
A via de acesso cirúrgico, se toracotomia esquerda sença de fístula traqueoesofágica. Entretanto, como a
ou direita ou bitoracotomia, dependerá do diagnóstico gastrografina é relativamente inócua no mediastino,
das estruturas torácicas lesadas. A mortalidade global alguns preferem esse contraste primeiro para depois
desse tipo de ferimento está em torno de 20%. Essa usar bário. O problema da gastrografina é que ela é
porcentagem duplica se o paciente se encontra instável. menos radiodensa e pode não delinear adequadamen-
te pequenas perfurações e vazamentos. A maior parte
dos cirurgiões torácicos prefere o uso de bário para fe-
rimentos em esôfago torácico.
Trauma de esôfago Veja o algoritmo a seguir (Figura 22.22) e aproveite
para relembrar o tratamento não só de lesões traumáti-
Em 95% das vezes resultam de trauma pe- cas de esôfago mas aquelas por cáusticos e Boerhaave que
netrante. Entretanto, lesões de esôfago por trauma serão estudados na apostila de Cirurgia do Esôfago SJT.
Na ausência de serviço de laparoscopia, o pa- Não há tempo hábil para realizar exames. O
ciente deverá ir à laparotomia exploradora para doente está em parada cardíaca ou em vias de apre-
sentá-la. Nessa situação, a via de acesso escolhida será
avaliação de penetração da cavidade abdominal.
sempre a toracotomia anterior esquerda, independen-
Uma vez realizado o diagnóstico de lesão dia- temente do tipo e local do trauma.
fragmática, devem ser avaliados no intraoperatório a
presença de hemotórax e o grau de contaminação por
conteúdo extravasado do tubo digestivo aspirado ao
espaço pleural. A ampla limpeza do espaço pleural, Toracotomia de emergência
seguida de drenagem adequada, diminui os riscos de Os pacientes candidatos a esse tipo de pro-
complicações pleuropulmonares no pós-operatório. cedimento são aqueles hemodinamicamente ins-
O uso da videotoracoscopia (VT) é alternativa táveis: em choque profundo, sem parada cardíaca.
na suspeita de ferimento diafragmático para os pa- Nesses casos, toracotomia de reanimação obviamente
cientes que já tiveram invasão da pleura por ferimen- não se aplica. É necessário tratamento para coibir a he-
to traumático cujo tórax já foi drenado. O problema morragia intratorácica, fonte da hemorragia. O diag-
da videotoracoscopia é que ela não pode visualizar nóstico do local de sangramento só é obtido durante
a cavidade abdominal. Nesse sentido, a laparosco- a cirurgia. Não há tempo para obter o diagnóstico por
pia no trauma, antes muito temida por alto índice meio de exames. Pode ser difícil decidir sobre a via de
acesso se a fonte de sangramento ainda não foi diag-
associado de lesões despercebidas, agora mostra-se
nosticada. É preciso usar uma via que permita rápido
procedimento efetivo no diagnóstico de lesões trau-
acesso aos órgãos suspeitos de causar o sangramento.
máticas por ferimento penetrante quando empre-
Deve-se preferir a toracotomia. Nos ferimentos pe-
gada em protocolo racional, utilizando-se de pronta
netrantes, a toracotomia deve ser direita ou esquer-
conversão para a laparotomia na presença de feri- da, conforme o hemitórax comprometido. A decisão
mentos aos “pontos cegos do abdome” (hematoma fica mais difícil quando o ferimento é transfixante no
retroperitoneal de zona I, II ou III, ferimentos em mediastino. Nesses casos, é preferível a toracotomia
segmento hepático VI e VII, lesão na parte posterior anterolateral esquerda, pois esta via permite acesso à
do baço e ferimentos de cólon) conforme publicado maioria dos órgãos responsáveis por hemorragia: co-
por Kawahara & Alster no Journal of Trauma em ração e grandes vasos. São raras as situações em que
2009. Cabe salientar que esse protocolo padronizado esta via não permite tratar a lesão. Se isto acontecer,
em nível mundial foi brasileiro do HCFMUSP. Além deve-se ampliar a incisão via esternotomia transver-
disso, a laparoscopia também já foi descrita para au- sal. Assim, pode-se alcançar o lado oposto do tórax.
totransfusão e para correção de lesões cardíacas no
tórax. Esse protocolo demonstrou que o diagnóstico
de lesões de intestino delgado tem acurácia de 100%,
mas a laparoscopia deverá ser contraindicada para Toracotomia de urgência
uso no trauma retroperitoneal. Os candidatos a este tipo de toracotomia
são os pacientes hemodinamicamente estáveis.
Nesses, há tempo hábil para realizar exames subsidi-
ários e, portanto, tentar firmar o diagnóstico. Raio X,
endoscopia, arteriografia, TC, videotoracoscopia são
Toracotomia no trauma exames que permitem confirmar o diagnóstico, sendo
realizados principalmente em função do mecanismo
de tórax do trauma, não pelos sintomas dos pacientes.
Na toracotomia de urgência, não há dificuldades
Os traumatismos torácicos são, em sua grande para escolher a via de acesso, pois a lesão já é conheci-
maioria (80% dos casos), tratados por procedimentos da. Além disso, a maior disponibilidade de tempo para
simples e medidas conservadoras. Todavia, 20-30% dos o atendimento ao traumatizado permite o concurso de
ferimentos penetrantes tem indicação de toracotomia. um especialista.
2A- Via aérea: avaliar traqueia e brônquios: G (guides and tubs) Guias e tubos: analisar po-
desvio de traqueia para direita (PTX ou rotura trau- sição de tubo endotraqueal, drenos de tórax, cateteres
mática da aorta) ou para a esquerda (PTX ou lesão de venosos centrais, sonda nasogástrica e outros disposi-
artéria inominada) e/ou rebaixamento de brônquio tivos de monitorização.
Ambroise Paré (1510–1590), o fundador da Ortopedia, modificou o tratamento das feridas que, até então,
eram cauterizadas e queimadas com óleo.
23
Trauma abdominal
Cerca de 33% dos ferimentos penetrantes não É importante saber essa classificação pois, du-
atingem a cavidade abdominal. É nesse contexto que rante uma expiração profunda, o diafragma pode
a laparoscopia no trauma vem para avaliar melhor a elevar-se até o 4º EIC e fraturas nas costelas inferio-
res abaixo da linha do mamilo podem causar lesões de
possibilidade de penetração da cavidade peritoneal
vísceras abdominais.
em pacientes estáveis com o grande objetivo de evitar
laparotomias desnecessárias e a comorbidade relacio- Estruturas que estão no espaço retroperitoneal:
nada a esse procedimento (tema discutido a seguir). aorta e cava;
duodeno;
cólon ascendente e descendente (faces poste-
riores);
O ferimento penetrante é aquele que ultrapassou a aponeurose anterior do abdome e os músculos posteriormente.
A exploração de ferimentos por arma branca é fundamental. Cerca de 25 a 33% dos FAB não penetram no
peritônio. É conduta útil na dúvida da penetração da cavidade peritoneal se o paciente não está hipotenso e não
tem sinais de irritação peritoneal. Deve-se proceder à antissepsia + anestesia e exploração do local da ferida.
Historicamente, a laparoscopia no trauma tinha um alto índice de lesões despercebidas intestinais com
apenas 80% dos ferimentos sendo corretamente diagnosticados. Entretanto, por haver essa discrepância na li-
teratura, em recente publicação no Journal of Trauma 2009, Kawahara & Alster demonstraram que quando um
protocolo racional, fidedigno e reprodutível de laparoscopia no trauma é empregado, as lesões intestinais são
diagnosticadas em 100% das vezes em pacientes selecionados.
Atualmente, a laparoscopia é procedimento efetivo no diagnóstico de penetração da cavidade peritoneal e
lesões traumáticas por ferimento penetrante. Há de se entender que várias lesões intestinais passavam desperce-
bidas porque antigamente não se fazia o correr de alças por laparoscopia que foi o grande objetivo da padroniza-
ção dos procedimentos laparoscópicos desse trabalho também citado no ATLS.
O trabalho demonstrou que na ocorrência de traumas penetrantes existem “pontos cegos no abdome”
para a laparoscopia que se associam ao alto índice de lesões despercebidas. A evidência de ferimentos penetrantes
nos pontos cegos do abdome é indicação de conversão para laparotomia exploradora.
Eis os pontos cegos: (hematoma retroperitoneal de zona I, II ou III, ferimentos em segmento hepático VI
e VII, lesão na parte posterior do baço e ferimentos de cólon).
Laparoscopia no trauma é ótima para avaliação da cavidade peritoneal, mas não é eficaz nem efetiva para identifica-
ção de lesões traumáticas no retroperitônio que devem ser corrigidas por laparotomia exploradora.
A B
FAB Toracoabdominal ou em flanco
Penetração da cavidade peritonial? FAF ou FAB ABDOMINAL
(Paciente Estável)
Considere
Estável Instável
Toracoabdominal Tangencial Abdominal
(central)
FAST + Cristalóides TORACOTOMIA
LPD Laparoscopia Laparotomia
- Laparoscopia Pontos Cegos:
- Hematoma retroperitonial
Alta (I, II e III); NÃO Penetração SIM
-Parede post. do baço;
-Segmento VI e VII do Peritonial
fígado. SIM
-Lesão do cólon PONTOS CEGOS:
Lesão Lesão -Hematoma retroperitonial
Parenquimatosa Alta Parenquimatosa (I, II, III);
Estômago Estômago -Parede post. do baço;
Diafragma Diafragma -Segmento VI e VII do
fígado.
"Bowel runnig" Lesão de cólon
"Bowel running" INSUCESSO +
LAPAROTOMIA Insucesso
+ Laparoscopia
Laparoscopia Terapêutica
Terapêutica
Figura 23.2 Algoritmo de indicação de laparoscopia no trauma. Adaptado de Kawahara & Alster et al. Standard
examination system for laparoscopy in penetrating abdominal trauma. J Trauma 2009; 67(3):589-595.
O diagnóstico das lesões de estômago e de in- do inviável, fechamento com sutura absorvível (para
testino delgado nem sempre é fácil. Nos ferimentos evitar formação de cálculos no futuro por matriz de
penetrantes centrais de abdome, indica-se rotineira- corpo estranho) e drenagem tanto interna (duplo j)
mente a laparotomia exploradora e essas lesões são quanto externa.
encontradas durante a exploração. Porém, existem al- O tratamento de perfurações gástricas e de intes-
guns sinais que podem ou não estar presentes. tino delgado é cirúrgico. Após a abertura da cavidade
Sinais clássicos de lesão de estômago são: abdominal, a hemostasia é prioridade. Terminado o
exteriorização de sangue pela sonda gástrica, pneu- controle do sangramento, inicia-se o tratamento das
moperitônio na radiografia simples de abdome e si- lesões de estômago e de intestino. Para inspeção ade-
nais de irritação peritoneal. quada, a incisão deve ser ampliada e o estômago mo-
Os sinais de lesão de intestino delgado são bilizado de maneira que permita avaliação adequada.
mais sutis, destacando-se apenas a irritação pe- As lesões gástricas devem ser suturadas em dois
ritoneal. Em doentes que apresentam alteração do planos. Geralmente, a sutura contínua seromuscular
nível de consciência por lesão cerebral ou intoxicação é feita com fio absorvível 3-0, e a sutura serosserosa
e alteração de sensibilidade abdominal por lesão de com pontos separados e fio inabsorvível 3-0 ou 4-0.
medula, o exame físico fica prejudicado. Aquelas que envolvem o piloro devem ser tratadas
realizando-se sutura e piloroplastia. As lesões do cor-
O FAST só visa identificar líquido sem avaliar se
po gástrico devem ser cuidadas com sutura primária.
é sangue ou secreção do TGI. O LPD, com exame la-
Caso a lesão envolva a transição gastroesofágica, após
boratorial do lavado, apresenta boa sensibilidade para
a sutura do ferimento deve-se fazer esofagogastro-
identificação dessas lesões. A TC com duplo e triplo
fundoplicatura, cobrindo a lesão ou somente Patch de
contraste pode não identificar a lesão de intestino del-
Thal (fundo do estômago).
gado mas a presença de líquido intra-abdominal sem
evidência de trauma de baço ou trauma de fígado le- Caso a lesão seja extensa nessa localização, pode
vanta alta suspeita. haver lesão do nervo vago. Nessa eventualidade, deve-
Pequenos pneumoperitônios podem ser identifi- -se acrescentar a piloroplastia.
cados à TC e abdome. Para as lesões extensas do estômago, recomen-
da-se a ressecção com reconstrução a Billroth I ou II,
conforme seja possível. Deve-se ter cuidado especial
O achado mais frequente da TC sugestivo de lesão intes- com os doentes que apresentam associação de lesão
tinal é a presença de líquido livre na cavidade peritone- gástrica e de diafragma. A contaminação da cavidade
al, sem lesão de víscera parenquimatosa associada. pleural, principalmente na vigência de choque hemor-
rágico, está associada a complicações pleuropulmo-
nares infecciosas. A cavidade pleural deve ser cuida-
O líquido livre pode ser oriundo de lesão he- dosamente lavada através da lesão diafragmática.
morrágica do mesentério, lesão de bexiga e finalmen- Tratamento das lesões do intestino delgado:
te lesão de intestino delgado. Sinais indiretos de menores de 50% e borda antimesentérica: rafia
lesão de intestino delgado são espessamento de simples;
parede intestinal e de mesentério. É fundamental
lembrar que diagnóstico e tratamento tardios da lesão maiores de 50% ou aquelas que acomentam
intestinal estão associados ao aumento de morbidade borda mesentérica: ressecção e anastomose
e mortalidade. primária com um ou dois planos.
Após o diagnóstico definido de lesão gastroin-
testinal ou indicação de laparotomia é realizada a son- O mesentério deverá ser fechado para não ocor-
dagem gástrica e vesical e administração de atibioti- rer pontos de facilitação de hérnia interna.
coterapia 2 g de cefalosporina de segunda geração na Se a lesão provocou isquemia de grande extensão
indução anestésica (ver também ferimentos de cólon). de intestino, pode-se fazer ressecção e fechamento das
Nos ferimentos com menos de 12 horas de evolução, a bocas proximal e distal, para revisão programada em
duração da antibioticoterapia limita-se ao ato cirúrgi- 24 horas, quando se realiza a anastomose.
co ou é mantida por 24 horas.
Prioridades de tratamento de lesões intra-abdo- Nas lesões múltiplas próximas uma da outra, prefere-se
minais: a ressecção de todas as lesões e anastomose primária.
1. suturar lesões que sangram (hemostasia);
Em doentes com lesões extensas graves na vi-
2. suturar lesões com secreções do TGI; gência de coagulopatia e anormalidade hemodinâ-
3. no TGU proceder ao ato de desbridar o teci- mica, realizam-se ressecção e fechamento das bocas
ambos dividem a mesma vascularização. Isso é tensas é possível também fazer a sutura duodenal
importante porque há mortalidade de 20-30% re- e, a seguir, suturar a serosa de outra alça intestinal
lacionada e 60% de morbidade relacionada princi- sobre a lesão suturada do duodeno. Outra opção se-
palmente à gravidade do trauma do duodeno, com ria a diverticulização do duodeno, na qual se realiza
ocorrência de hemorragia exsanguinante (morta- gastrectomia parcial com reconstrução a Bilrotth
lidade precoce), e choque séptico e disfunção de II. A literatura descreve inúmeros procedimentos
múltiplos órgãos (mortalidade tardia > 48 h pós- utilizados para proteger o local da sutura duodenal
-trauma). Aproximadamente 90% dos trauma (exclusão pilórica, duodenoduodenoanastomose,
duodenopancreáticos têm lesões associadas. duodenojejunostomia e gastroduodenopancreatec-
Os ferimentos penetrantes são a causa da tomia - GDP). Cabe mencionar a cerclagem pilórica
lesão do duodeno em 75% dos casos. O trauma associada à gastroenteroanastomose, pela técni-
contuso também pode provocar lesões do duodeno e ca de Vaughan/Jordan. Esse procedimento deriva
de estruturas vizinhas e nesse caso o mecanismo mais temporariamente o trânsito intestinal do duodeno.
comum de produção da lesão do duodenal é a com- Outras técnicas recomendam a colocação de SNG e
pressão direta do abdome. jejunostomia com posicionamento de sonda em di-
A lesão isolada do duodeno pode provocar pou- reção ao duodeno, para descomprimir e drenar obri-
cos sintomas na fase inicial. Essa lesão pode sangrar gatoriamente a secreção do duodeno.
para o intra luminal com exteriorização pela cavida- A lesão duodenal associada a cabeça do
de gástrica e consequentemente pela SNG. Quando o pâncreas, colédoco e papila, pode requerer
sangramento for extra luminal, pode ocorrer edema procedimentos maiores, como a GDP e pancre-
de alça ou hematoma peri duodenal. O raio X de ab- aticojejunoanastomose, mas anastomose bile-
dome ou a TC também podem mostrar ar no retrope- odigestiva não são procedimentos de escolha
ritônio. Os dois achados relatados podem levantar a no trauma em um primeiro momento. O mais
suspeita de lesão de duodeno. O diagnóstico de cer- comum é deixar vários drenos e, após estabili-
teza pode ser feito por meio de raio X simples zação clínica na UTI, com diminuição de inter-
ou com contraste vo, arteriografia do TGI ou TC leucinas, nova reintervenção e GDP ou pancrea-
com contraste oral e endovenoso. ticojejunoanastomose.
O contraste oral deve ser bem visível em todas
as porções do duodeno e pode ocorrer extravasamen-
to de contraste na lesão. É importante lembrar que
existem exames falsos-negativos. A LPD não é útil
na lesão de duodeno isolada porque não avalia o Hematoma duodenal
retroperitônio. Entretanto, o LPD pode ser útil em Uma lesão particular do duodeno que deve ser
alguns casos, pelo alto índice de lesões associadas que comentada é o hematoma duodenal. Embora possa
podem fazer com que a LPD seja positiva. ocorrer em adultos, ele é mais frequente em crianças e
A LPD também apresenta taxa significativa resulta da compressão súbita sobre o epigástrio. A ins-
de falsos-negativos por lesões pouco importantes talação do quadro ocorre antes de 48 horas após
já que é exame altamente sensível, mas pouco es- o trauma. O doente queixa-se de dificuldade para
pecífico. Na laparotomia por trauma contuso, a comer e de vômitos associados à dor no epigástrio. O
presença de sangue, ar ou bile na região duo- raio X de esôfago, estômago e duodeno contrastado
denal exige exploração minuciosa do duodeno. mostra parada de contraste no duodeno. Atualmen-
Na laparotomia por ferimento penetrante, deve-se te a TC com contraste oral também revela parada de
fazer exame sistematizado de todo o tubo digestivo contraste no duodeno. Em 20% desses casos, pode
à procura de lesão. ocorrer lesão associada do pâncreas. O tratamento
O segredo para o tratamento das lesões duo- do hematoma duodenal sem lesões associadas
denais está na exposição adequada desse segmento não é cirúrgico, voltando-se para colocação de
de intestino, que é conseguida com dissecção cui- SNG e aplica-se nutrição parenteral total. Habi-
dadosa e ampla, utilizando manobras como a de tualmente o hematoma é reabsorvido entre 5 e
Cattell-Braasch (descolamento do peritônio junto 7 dias. Caso isso não ocorra, pode-se esperar até 15
ao cólon direito, liberando a goteira parietocólica dias para indicar cirurgia com objetivo de esvaziar o
direita) e de Kocker (descolamento e exposição hematoma cirurgicamente.
do duodeno). A lesão duodenal isolada pode ser
tratada com sutura simples. Recomenda-se a su-
tura em dois planos com pontos separados com fio 50% dos hematomas duodenais em crianças relacio-
inabsorvível. As lesões duodenais simples com- nam-se a abuso.
preendem 80% dos casos. Nas lesões mais ex-
Classificação das lesões duodenais (American Association for the Surgery of Trauma – AAST)
Grau da lesão Tipo de lesão Descrição
Hematoma Acometendo segmento único
I*
Laceração Parcial, sem perfuração
Hematoma Acometendo mais de um segmento
II*
Laceração Rotura < de 50% da circunferência
Rotura de 50-75% de D2
III Laceração
Rotura 50-100% de D1, D3 ou D4
IV Laceração Rotura > 75% de D2, envolvendo a ampola ou o colédoco distal
Laceração Rotura extensa do complexo duodenopancreático
V
Lesão vascular Desvascularização do duodeno
Tabela 23.15 Classificação para lesões duodenais.
Figura 23.8 Trauma duodenal. A: note estreitamento da primeira e terceira porções do duodeno no raio X con-
trastado de esôfago, estômago e duodeno. B: TC de abdome com duplo contraste demonstrando espessamento
duodenal da 3ª porção.
Lesão abdominal/intestinal
Controle de sangramento
e contaminação
Figura 23.9 Conduta no trauma duodenal. Para o reparo simples das lesões graus I e II o período de 6 horas é divi-
sor de conduta. Nas primeiras 6 horas, reparo primário simples; decorridas 6 horas, o risco de deiscência de sutura
aumenta, portanto descompressão duodenal é a conduta.
Figura 23.15 TC abdominal demonstrando o blush O tratamento das lesões hepáticas de acordo com
característico do trauma hepático arterial em segmen- o grau das lesões pode ser assim resumido:
tos VII e VIII em laceração hepática grau IV. A arteriogra- Graus I e II: apenas hemostasia com cautério.
fia nesses doentes é diagnóstica e terapêutica.
Grau III: suturas com categute cromado 2.0 ou
vicryl 2.0 com agulha atraumática longa.
Grau IV: Damage control. Pode-se suturar ou
Tratamento não operatório das realizar desbridamento do fígado. As hepatectomias
lesões hepáticas regradas são evitadas no trauma.
O êxito da conduta não operatória das lesões Grau V: Damage control. Pringle. Shunt atrio-
hepáticas está na dependência da seleção e estratifica- caval. Transplante.
ção criteriosa dos pacientes e avaliação da capacidade Deve-se evitar suturas em massa e grosseiras, en-
institucional. globando muito tecido hepático, pois essa técnica pro-
Critérios fundamentais para a conduta não voca necrose nas bordas da lesão aumentando o risco
operatória: de formação de abscesso hepático e peri-hepático.
O Pringle pode ser mantido até 60 min. com seguran- O controle da cava inferior acima das renais e
ça. Entretanto, clampeamento de 20 min. com des- na altura do hiato diafragmático, bem como das veias
canso por 5 min. vem sendo descrito e sugerido como hepáticas, pode ser necessário em casos de lesão da
apresentando menor lesão por isquemia e reperfusão. cava retro-hepática. Para isso, faz-se extensa mobi-
lização do fígado, que é liberado dos ligamentos, ou
mesmo submetido à digitoclasia do parênquima,
Caso o sangramento cesse com a manobra
para acesso à veia cava retro-hepática. Os shunts
de Pringle (clampeamento da veia porta, arté-
atriocavais, com cânulas de intubação orotraqueal
ria hepática própria e colédoco), supõe-se que
ou sondas, antigamente muito utilizados, resultam
a lesão é de ramos da veia porta ou da artéria
em alto índice de mortalidade e estão sendo usa-
hepática. Se o sangramento persistir, deve-se sus-
dos cada vez menos. São situações dramáticas, pois
peitar de lesão de veia cava retro-hepática, justa-he-
o controle vascular da veia cava inferior ao nível do
pática ou de ramos das veias hepáticas cujo fluxo vem
de cima do fígado. hiato diafragmático leva a redução do débito cardíaco
que ficaria garantido apenas pelo território de veia
cava superior. nesta situação pode ser necessário o
clampeamento da aorta descendente para garantir
perfusão de carótidas e coronárias deixando a perfu-
são menestérica prejudicada.
Trauma esplênico
O baço é o órgão mais lesado nos traumas
fechados.
Funções do baço:
Defesa: exerce função primordial como primei-
ra linha de defesa do organismo; é responsável
pela opsonização inicial contra antígenos circu-
lantes (processo que facilita a fagocitose), além
de remover aqueles mal opsonizados.
Isso se deve à anatomia da microcirculação esplê-
nica. Os antígenos fagocitados por macrófagos do siste-
ma reticuloendotelial dos sinusoides da polpa vermelha
Figura 23.19 Shunt atriocaval. Faz-se toracotomia são carregados para os centros germinativos, onde se dá
anterolateral esquerda e clampeia-se o átrio direito a produção de IgM, uma imunoglobulina de fase aguda
para incisão com bisturi para passar um tubo en- que surge 4-5 dias após o contato com o antígeno. A IgM
dotraqueal por dentro do coração até a veia cava infe- é capaz de opsonizar e de ativar o sistema complemento,
rior. Daí infla-se o balão acima das renais. Obviamente tanto pela via clássica quanto pela via alternativa. En-
o tubo endotraqueal estará preenchido por SF 0,9%. quanto isso, após 2-3 dias, já se pode titular IgG específi-
Será feita sutura em bolsa do átrio direito. Pelo tubo ca, de meia-vida mais longa, também produzida no baço.
endotraqueal poderá ser administrado cristaloides e Produção de tuftsina: tetrapeptídeo deriva-
sangue e desse modo consegue-se o controle de todo do da IgG que possui função imunoestimulante
o sangramento hepático. através do aumento da citotoxicidade de neu-
trófilos e células NK; estimula a quimiotaxia de
neutrófilos e monócitos e potencializa a fagoci-
tose estimulada por anticorpos.
dições do paciente. É importante verificar a es- avaliação clínica seriada, visando à identificação pre-
trutura de apoio domiciliar, assim como o grau coce de anormalidades na evolução do paciente.
de compreensão deste e de seus responsáveis.
Acrescente-se ao arsenal diagnóstico desses pa-
A TC de controle antes da alta é desnecessária, cientes, quando a indicação cirúrgica não é evidente,
caso a evolução seja favorável; o lavado peritoneal diagnóstico (LPD), a ultrassono-
Recomenda-se evitar esforços físicos e esportes grafia e a tomografia computadorizada com contraste
de contato por, no mínimo, 2-6 meses. (grau de recomendação A).
Na evidência de queda brusca do hematócrito, ins- As técnicas cirúrgicas utilizadas para o tra-
tabilização hemodinâmica, aumento da dor abdominal tamento das lesões de cólon intraperitoneal são
com irritação peritoneal ou taquicardia persistente com semelhantes ao intestino delgado:
palidez de mucosas, indica-se laparotomia exploradora. menores de 50% e borda antimesentérica = rafia
simples;
Para a realização de sutura primária ou ressec- dimento simples, deve ser realizado em todos os pa-
ção segmentar com anastomose primária, deve-se cientes vítimas de projétil de arma de fogo que estiver
considerar extensão da lesão, presença de isquemia e localizado em topografia pélvica inferior.
comprometimento do mesentério. Caso haja dúvida
sobre a viabilidade do segmento lesado, deve-se
dar preferência à ressecção.
Classi昀椀cação anatômica das
Nas lesões proximais à artéria cólica média que
lesões do reto
necessitam de ressecção, pode-se fazer com segurança Do ponto de vista terapêutico é importante a
a anastomose ileotransversa. Esse tipo de anastomo- classificação anatômica das lesões retais.
se apresenta boa evolução em doentes traumatizados. Reto intraperitoneal: parte superior e média do
As anastomoses devem ser feitas sempre em condi- reto.
ções ideais: irrigação sanguínea adequada, ausência de Reto extraperitoneal: 2/3 do órgão.
tensão e utilização de boa técnica cirúrgica em um ou
dois planos. As ressecções distais à artéria cólica mé- Subperitoneal: acima do assoalho pélvico.
dia e as ressecções no cólon esquerdo provocam maior Perineal: abaixo do assoalho pélvico.
trauma para o doente e as reconstruções não são tão Região pré-sacral.
simples. Quando o doente não apresenta as melhores
condições, quando foi submetido a transfusão maciça
e quando apresenta doenças prévias importantes, dá- Classificação da lesão de reto da
-se preferência à realização de colostomia. associação americana da cirurgia
Na cirurgia de damage control, o cólon pode ser do trauma (AAST)
fechado temporariamente com sutura manual ou Grau Descrição da lesão
mecânica, realizando-se a colostomia no momento Hemato- Contusão ou hematoma, sem des-
I
oportuno durante as reoperações. Os mesmos cuida- ma vascularização
dos técnicos na anastomose devem ser adotados na Laceração Laceração de espessura parcial
confecção da colostomia: irrigação sanguínea adequa- II Laceração Laceração < 50% da circunferência
da, ausência de tensão e utilização de boa técnica ci- III Laceração Laceração > 50% da circunferência
rúrgica. A maturação da colostomia deve ser feita após Laceração de espessura total com
IV Laceração
o fechamento da laparotomia. O coto distal do cólon extensão para o períneo
ressecado pode ser fechado e deixado dentro da cavi- V Vascular Segmento desvascularizado
dade peritoneal (cirurgia de Hartmann) e ainda ser *Avançar um grau para lesões múltiplas até grau III.
exteriorizado junto com o coto proximal na colosto- Tabela 23.20 Trauma de reto.
mia (cirurgia de Mikulicz ou em cano de espingar-
da) ou no ângulo inferior da laparotomia. A literatura
prefere a cirurgia de Hartmann à fístula mucosa na
incisão, pois esta última opção está relacionada a altos Tratamento
índices de infecção. Intraperitoneal: as mesmas condutas preconi-
zadas para os demais segmentos colônicos.
Extraperitoneal: desbridamento + sutura +
drenagem pré-sacra + colostomia obrigatória.
Trauma de reto
As lesões do reto são por ferimentos pene-
trantes por projétil de arma de fogo (80%), trau-
ma fechado (10%) e o restante por via anal. As lesões
retais diferem do trauma de cólon, uma vez que pelo
menos metade do reto é retroperitoneal. A perfura-
ção do reto extraperitoneal não causa peritonite, mas
poderá causar retroperitonite e fascite necrotizante
perineal. Nas lesões de reto intraperitoneal, o quadro
de peritonite é precoce, não oferecendo maior dificul-
dade da indicação cirúrgica. Todos os pacientes com Figura 23.21 Note que à esquerda há necessidade de
suspeita de lesão retal devem ser submetidos ao toque se fazer colostomia a hartman e desbridamento e rafia da
retal; a presença de sangue deve ser investigado para bexiga. A figura da direita demonstra claramente a de-
uma possível lesão colorretal, no entanto vale lembrar marcação entre lesão de reto intra e extraperitoneal, bem
que o toque retal pode não detectar sangue, e isto não como o dreno pré-sacral colocado e a colostomia que
exclui a presença de lesão (30% dos casos). Este proce- nessas lesões de retro extraperitoneal são obrigatórias.
O uso de antibiótico nas lesões de reto é definido A vantagem da colostomia em alça é a rapidez na
conforme o tempo de evolução do trauma. Pacientes sua construção e facilidade do seu fechamento. Pode-
com evolução inferior a seis horas são tratados com -se reconhecer uma colostomia em alça pela presença
antibioticoprofilaxia. Nas lesões com mais de seis ho- da sonda retal que envolve a colostomia.
ras de evolução, indica-se antibioticoterapia com co- A necessidade de drenagem das lesões de
bertura para Gram-negativos e anaeróbios. reto extraperitoneal está bem estabelecida. A
O ferimento de reto intraperitoneal deve drenagem pode ser feita por via transperitoneal ou
ser tratados de maneira semelhante aos feri- por via pré-sacral. Dá-se preferência a via pré-sacral
mentos de cólon, isto é, o ferimento deve ser de- nos ferimentos de reto de parede posterior e lateral
bridado e suturado. e nos de parede anterior preferimos a drenagem por
Nos ferimentos de reto extraperitoneal, sempre via abdominal. A drenagem pré-sacral é realizada com
que possível, devemos colocar em posição ginecológica dreno de Penrose, colocado através de uma incisão ar-
modificada, permitindo acesso abdominal e retal simul- ciforme entre o ânus e o cóccix, sendo o dreno coloca-
tâneos caso necessário para identificar e tratar a lesão do no espaço pré-sacral por dissecção romba através
retal. A sutura pode ser por via abdominal ou transanal. da fáscia de Waldeyer. Atualmente muitos cirurgi-
Porém, algumas vezes, a identificação da lesão é muito ões só realizam a drenagem quando não for pos-
difícil e a dissecção do reto extraperitoneal poderá ser sível a sutura do ferimento.
muito deletéria pelo risco de lesão neurológica, vascular No que diz respeito ao fechamento da co-
ou urológica. Nestas circunstâncias, a melhor abordagem lostomia, a maior parte dos cirurgiões resta-
é tratar o paciente como se ele tivesse a lesão, mesmo belece o trânsito em 3 meses. Entretanto, al-
que falte a evidência definitiva de sua existência. Deve- guns cirurgiões optam por fechá-la na mesma
mos ter em mente que a colostomia tem por objetivo internação ao redor do 10º pós-operatório.
proporcionar um desvio temporário do trânsito Nesse período, a cicatrização já ocorreu em 70%
fecal, propiciando condições para a cicatrização da dos ferimentos retais e em 92% dos ferimentos co-
lesão e evitando complicações relacionadas ao ex- lônicos. Se o ferimento distal estiver cicatrizado e
travasamento de fezes para os tecidos adjacentes. o paciente estiver estável, sem quadro infeccioso,
As opções da colostomia incluem: colostomia a colostomia poderá ser fechada na mesma inter-
em alça (Mickulicz), colostomia proximal e fístula mu- nação, principalmente se for em alça que fica mais
cosa, e finalmente colostomia proximal e sepultamen- fácil ainda pois o procedimento pode ser feito com
to do coto retal (Hartmann). anestesia local e sedação.
24
Trauma genitourinário
Traumatismo renal
Indicações de Nefrectomia em pediatria
A nefrectomia é indicada nas extensas lacera-
ções renais com desvitalização de grande parte do pa- O rim da criança é mais vulnerável do que o adul-
rênquima ou avulsão do pedículo, principalmente no to já que as crianças têm rins maiores, menos gordura
indivíduo que possui o outro rim funcionante e está perinéfrica e maior incidência de anormalidades re-
instável hemodinamicamente. nais que facilitam o trauma.
Não se deve correr o risco de tentativas prolon- As causas de trauma renal fechado mais comuns
gadas de reconstrução renal, procurando-se evitar a na faixa etária pediátrica são quedas, acidentes recre-
tríade da morte (hipotermia, acidose, coagulopatia). ativos e com veículos motorizados. Felizmente, ape-
Trauma do ureter
As lesões ureterais representam menos de 4%
dos ferimentos penetrantes e menos de 1% dos trau-
mas fechados.
Grande parte da extensão ureteral está frouxa- A TC com reconstrução sagital da via excretora
mente aderida ao retroperitônio, possibilitando avul- mostra-se a mais adequada para avaliar conjuntamen-
sões durante tentativas intempestivas de tração para te lesões viscerais e ureterais nos traumatismos abdo-
retirada endoscópica de cálculos ou ao forçar a passa- minais externos.
gem de endoscópios.
Por possuírem íntima relação com as artérias Trauma de ureter - Escala AAST
uterinas, podem ser lesados durante a ligadura desses Grau da lesão Tipo de lesão Descrição da
vasos para a realização de histerectomia. ureteral * ureteral lesão
Contusão ou he-
I Hematoma matoma sem des-
O ureter é reconhecido no intraoperatório porque o seu vascularização
pinçamento com pinça anatômica demonstra peristalse < 50% transecção
II Laceração
significativa. do ureter
> 50% transecção
III Laceração
do ureter
Transecção com-
Diagnóstico IV Laceração pleta sem desvas-
cularização
As lesões ureterais podem ser iatrogênicas Avulsão do hilo
(80%) ou decorrentes de traumatismos abdominais V Laceração renal com desvas-
externos (20%) e, mais raramente, sequelas de trata- cularização
mentos radioterápicos.
Tabela 24.4 Escala de Moore para trauma de ureter
As lesões iatrogênicas são decorrentes de inci- pela escala da AAST: Associação Americana para a Ci-
sões e transecções inadvertidas, ligaduras, queimadu- rurgia do Trauma. *Avançar um grau na classificação
ras por eletrocoagulação, isquemias do coto ureteral quando a lesão for bilateral até o grau 3.
por dissecções extensas, avulsões e perfurações por
manipulação endoscópica. As lesões por FAF ou FAB
incidem em até 10% dos casos.
Quando não identificadas no ato intraoperató-
rio, as lesões ureterais devem sempre ser suspeitadas
nas evidências de fístulas urinárias, abscessos retro-
peritoneais e hidronefrose pós-operatória.
Aproximadamente 50 a 70% das lesões ure-
terais agudas não são diagnosticadas de imedia-
to e, quando não tratadas, podem determinar seque-
las graves como hidronefrose e perda da função renal.
Nas situações em que exista suspeita de lesão
intraoperatória, o ureter deve ser minuciosamente
examinado e a injeção intravenosa de azul de metile-
no poderá auxiliar no diagnóstico. Lesões mínimas
podem ser tratadas com a introdução de cateter
ureteral duplo J. Considerar o risco benefício do azul
de metileno pois pode causar meta hemoglobinemia
quando utilizado por via intra venosa.
Quando a suspeita diagnóstica é tardia, a rea-
lização de pielografia ascendente é o procedimento
mais adequado, pois permite a identificação precisa
do local da lesão e, eventualmente, seu tratamento,
mesmo que temporário, por meio de cateter duplo J.
Alternativamente, na impossibilidade de cateteriza-
ção ureteral e na presença de hidronefrose, devem ser
realizadas pielografia percutânea e nefrostomia com o
objetivo de preservar a função renal e derivar o trato
urinário, criando condições locais mais satisfatórias Figura 24.9 Urografia excretora: extravasamento
para o tratamento definitivo a ser realizado posterior- de contraste no ureter direito (seta) demonstrando
mente, em prazo não inferior a 90 dias. lesão do ureter direito.
peitada pelos sintomas apresentados pelo paciente. e ruídos hidroaéreos diminuídos. Pacientes com rebaixa-
Por exemplo, lesões decorrentes de ressecções tran- mento de nível de consciência necessitam de cuidados
sureteroscópicas de bexiga podem provocar rupturas adicionais com base em exames complementares.
vesicais cujo extravasamento de urina no espaço re- A análise da urina pode revelar micro-hematú-
troperitoneal provoca dor lombar e até torácica dor- ria, achado que se traduz em lesão vesical com um
sal importante. Essas lesões extraperitoneais podem risco menor (cerca de 1%). Deve-se lembrar da con-
evoluir com infecção ou fístula para outros órgãos tusão vesical como sendo também responsável por
pélvicos ou para a pele. Lesões com extravasamento essa apresentação.
intraperitoneal podem gerar desconforto e dor abdo-
minal, além de sinais de irritação peritoneal.
Exames complementares
O tempo necessário para se constatar a ruptu-
ra vesical em média é de 3,2 horas após a admissão.
Nos casos em que esse tempo ultrapassa 24 horas, obser-
va-se elevação da mortalidade. Com o intuito de realizar
o diagnóstico de trauma vesical é importante a suspeita
clínica pelo médico assistente já no momento do atendi-
mento inicial, no setor de emergência. Além dos exames
de avaliação hemodinâmica, urina tipo 1, creatinina e
ureia são importantes para completa avaliação.
Primeiramente, a realização dos exames específicos
de imagem deve pressupor que os pacientes estejam es-
tabilizados do ponto de vista hemodinâmico. Dentre os
exames de imagem, a cistografia e a tomografia compu-
tadorizada são os exames mais realizados na prática clí-
nica. A cistografia apresenta sensibilidade próxima
a 100%. Por outro lado, a tomografia não possui grande
acuidade em predizer trauma de bexiga, a não ser que se
utilize contraste instilado pela sondagem vesical.
O exame físico, atentando-se aos sinais clí-
nicos do paciente, deve alertar o médico assis-
tente a solicitar exames de imagem com o intuito
de confirmar ou afastar o diagnóstico de trauma
vesical. A cistografia merece ser realizada na presença
de sinais e sintomas que são altamente sugestivos de
trauma vesical (dor suprapúbica, distensão abdomi-
nal, diminuição de ruídos hidroaéreos, incapacidade
Figura 24.12 A-D: tomografia computadorizada de de esvaziamento vesical, coágulos na urina, hemato-
abdome e pelve mostrando lesão de bexiga com ex- ma perineal ou edema, líquido livre na cavidade pe-
travasamento intraperitoneal. ritoneal à tomografia ou ultrassonografia, presença
de obstrução miccional prévia, cirurgia vesical prévia,
No paciente vítima de trauma pélvico fechado, a elevação dos níveis de creatinina e ureia por reabsor-
presença de fratura de bacia deve levantar a hipótese ção peritoneal). Nessas condições, a indicação é relati-
de comprometimento vesical, sobretudo na presença va, visto que a chance de ruptura vesical, embora exis-
de hematúria total. A presença desse sinal deve indu- tente, é menor quando comparada aos quadros com
zir a hipótese de outros traumatismos genitouriná- hematúria e fratura de bacia.
rios; além disso, a fratura pélvica associada transpõe o
Cistografia após trauma
paciente ao risco em torno de 40% de haver lesão vesi-
cal. Nesses casos, não se deve esquecer a possibilidade Indicação absoluta:
de trauma de uretra e os cuidados com esse paciente Hematúria franca e fratura pélvica
devem ser tomados como tal. Indicação relativa:
Hematúria franca sem fratura pélvica
Nesse cenário, os pacientes podem apresentar ao
Micro-hematúria com fratura pélvica
exame físico dor e tensão abdominal suprapúbicas, re-
Micro-hematúria isolada
tenção urinária ou dificuldade miccional, coágulos em
urina, edema e hematoma perineal, distensão abdominal Tabela 24.7
A classificação da AAST modificada leva em con- A tomografia computadorizada (TC) é ideal para
sideração a extensão do trauma e a localização anatô- visualizar lesões no trato urinário superior e na be-
mica avaliadas na uretrografia retrógrada. xiga, ao passo que a ressonância nuclear magnética
(RNM) é útil na avaliação da pelve pós-trauma antes
Classificação da AAST modificada
de intervenções reconstrutoras, não tendo papel no
Grau Tipo Descrição diagnóstico inicial dessas lesões.
I Alongamento Alongamento da uretra
sem extravasamento de
contraste
II Contusão Sangue no meato. Sem ex-
travasamento de contraste
III Ruptura parcial de Extravasamento de con-
uretra anterior/ traste no local da lesão.
posterior Presença de contraste na
uretra proximal/bexiga
IV Ruptura total de Extravasamento de con-
uretra anterior/ traste no local da lesão.
posterior Ausência de contraste na
uretra proximal/bexiga
V Ruptura total de Lesão de colo vesical ou
uretra posterior vaginal associada
Tabela 24.11
Apresentação clínica
A presença de fratura pélvica, sangue no meato
uretral e incapacidade de urinar (ou distensão vesical)
consistem na tríade diagnostica de ruptura uretral. A
capacidade de urinar, no entanto, não afasta a possibili-
dade de lesão parcial da uretra. A presença de sangue
no meato é mais um importante sinal de trauma
uretral, sendo observado em 37 a 93% dos pacientes,
com uma sensibilidade de 98% para lesão posterior e
75% para lesão anterior da uretra. Em geral, o volume
de sangue expelido pelo meato não se correlaciona com
a gravidade do quadro. Outros sinais sugestivos de trau-
ma uretral incluem hematúria maciça, equimose ou he-
matoma escrotal, peniano ou perineal, e dificuldade de
cateterização vesical. O exame retal digital pode revelar
uma próstata elevada ou deslocada em 34% dos casos,
porém trata-se de um achado incerto na fase aguda,
uma vez que o hematoma pélvico associado à fratura de
bacia pode prejudicar a palpação prostática adequada,
em particular em pacientes jovens.
A lesão uretral feminina é suspeitada na pre-
sença de fratura pélvica associada com sangra-
mento vaginal ou laceração, uretrorragia, hema-
túria, edema labial ou incapacidade de urinar.
Diagnóstico
A uretrografia retrógrada é o exame de es-
colha no diagnóstico de lesões uretrais em razão
de sua simplicidade e acurácia, e possibilidade de
ser realizada rapidamente na sala de trauma.
Suspeita de
traumatismo uretral
uretra
Normalmente não é reparada no trauma agudo, Lesão de uretra anterior Lesão da uretra posterior
mas sim tardiamente 3 meses depois. Entretanto, com
a evolução do serviço de endourologia algumas lesões
vem sendo realinhadas na urgência, mas em pacientes Parcial Total Simples Complexa
selecionados.
Tentativa de Abordagem
sondagem Cistostomia Cistostomia cirúrgica
Rotura de uretra anterior ou imediata
cistostomia ou cistostomia
Faz-se a uretrocistografia e procede-se o
reparo na fase aguda ou a cistostomia. Se o feri- Figura 24.16 Conduta imediata no traumatismo uretral.
Em 16 de Outubro de 1846 (Harvard, EUA) ocorreu a primeira operação sob anestesia geral.
Cirurgião: John Waren
Anestesista: William Morton
Paciente: Edwart Gilbert Aboot
Diagnóstico: Tumor cervical benigno
25
Trauma pélvico
Introdução
Os acidentes automobilísticos são responsáveis pela
maioria das fraturas da pelve, exceto para as pessoas acima
dos 60 anos de idade, onde as quedas levam à maioria das
fraturas pélvicas. As fraturas do anel pélvico estão presen-
tes em aproximadamente 25% dos pacientes traumatiza-
dos. Os tipos principais de fraturas pélvicas são:
compressão anteroposterior;
compressão laterolateral;
cisalhamento vertical.
O anel pélvico é composto de três ossos: osso ilí-
aco direito, osso ilíaco esquerdo e o sacro que são esta-
bilizados por ligamentos fortes. O osso ilíaco é formado
pelo íleo, o pube e o ísquio que se fundem no acetábulo.
312
Cirurgia geral e politrauma
Valores normais:
sínfise púbica < 1 cm;
junção sacroilíaca < 0,4 cm.
mos, ou ruptura dos ramos púbicos e dos ligamentos A avaliação neurológica dos membros inferiores
sacrotuberosos, sacroespinhosos e sacroilíacos. Esses é importante, pois a raiz L5 pode estar comprometida,
traumatismos são associados com a grande afasta- principalmente nas lesões instáveis da pelve.
mento da sínfise pubiana, > 2,5 cm, e alargamento de A estabilidade rotacional pode ser determinada
1 ou das 2 sínfises sacroilíacas. As lesões tipo APC-III pela manobra de compressão da região anterossupe-
são as que apresentam lesão completa das articulações rior dos ilíacos, tanto em rotação externa quanto in-
sacroilíacas, as quais se tornam instáveis no plano ver- terna. Essa manobra deverá ser feita apenas uma vez
tical e rotacional. sob pena de agravar a hemorragia.
O cisalhamento vertical (VS) decorre de A manobra de pistonagem (puxar-empurrar
agressão anterior e posterior ao anel pélvico e da rup- o membro inferior) deve evidenciar a presença
tura dos ligamentos sacroespinhosos e sacrotubero- de instabilidade vertical da pelve.
sos causando grande instabilidade pélvica. As forças
As fraturas pélvicas, principalmente as
verticais de cisalhamento tendem a deslocar uma das
instáveis, devem ser inicialmente tratadas com
hemipelves em sentido cranial, com a resultante lesão
fixação externa para a estabilização da pelve e
da articulação sacroilíaca correspondentes. Todas as
o controle da hemorragia. A recomendação atual
lesões pélvicas enquadradas nesta categoria têm des-
pelo ATLS é que havendo possibilidade de arteriogra-
truição completa da articulação sacroilíaca e são con-
fia com embolização, nos casos de fratura de bacia que
sideradas instáveis.
não respondem hemodinamicamente à reposição vo-
lêmica, esta pode ser feita antes da fixação da fratura,
mas somente nos casos de Tile B e C.
É importante antecipar a necessidade de sangue
Aspectos clínicos nesses pacientes. O déficit de base menor que -6 é
fator de pior prognóstico e mais sensível do que
o lactato. É importante entender que o sangramento
É importante entender que fraturas posteriores
arterial é responsável pelo choque em fraturas da pel-
da pelve podem requerer arteriografia de imediato em
ve em 15% das vezes que é causado por fragmentos
10% das vezes.
e deslocamentos ósseos. Entretanto, na maior parte
Mas o usual na maior parte dos traumas de bacia dos casos o sangramento pélvico é venoso. Daí a
é priorizar: necessidade de entender que a arteriografia será efe-
1. Fização da pelve; tiva só em casos selecionados. Pacientes com fratura
pélvica e em choque tem mortalidade de 30-50%.
2. FAST/LPD e laparotomia exploradora para
conter o sangramento com damage control e colosto-
mia se necessário (associação com ferimentos pelvipe-
rineais complexos). O sangramento, na maior parte dos casos na fratura
de bacia é venoso!
3. Arteriografia.
A idade e a profissão do paciente são fatores que
também influenciam na escolha do melhor tipo de tra-
tamento.
Exames
Fraturas em livro aberto necessitam de reposição san-
guínea em média de 11 U de concentrado de hemácias.
complementares
Tratamento
Politraumatizado com
lesão da pelve
Hemodinamicamente Hemodinamicamente
estável instável
Pesquisa para
sangramento no tórax Figura 25.6 Fixação externa da pelve com lençol no PS.
e abdome
Negativa Positiva
Reposição de Ressuscitação do
volume paciente
Estabilização da pelve
Fixador externo
Clamp pélvico Figura 25.7 London splint é esta faixa preta aplicada
Tração
em fraturas de bacia no resgate pré-hospitalar.
Hemodinamicamente Hemodinamicamente
estável instável
Angiografiade emergên-
cia com embolização ou
exploração cirúrgica da
lesão vascular
Manutenção do fixador
externo
Programação de fixação
interna definitiva
Hematoma
retroperitoneal
Os vasos do retroperitônio são fontes de sangra-
mento grave e que cursam com alta mortalidade sobre-
tudo nas fraturas de compressão AP. As lesões tampo-
nadas e restritas ao retroperitônio resultam em grandes
hematomas. Quando há ruptura para o peritônio livre,
a morte ocorre em minutos. Nesses doentes, quanto
mais precoce a hemostasia, melhor será o prognóstico.
As 3 maiores fontes de sangramento são: focos
de fraturas ósseas, lesões arteriais e lesões venosas.
Admite-se que o sangramento oriundo dos focos de
fratura e das lesões venosas seja auto-limitante devi-
do ao aumento na pressão no espaço retroperitoneal
pélvico. Atualmente, aceita-se que em 86% dos casos
a hemorragia associada com as fraturas pélvicas seja
constituída de sangue venoso proveniente dos focos
de fratura e que em 10% dos casos o sangramento seja
de origem arterial. A lesão em grandes veias é mais
rara e ocorre em menos de 1% dos pacientes.
Alguns autores entendem que a lesão das veias
ilíacas é a principal causa de choque hemorrágico em
alguns pacientes com fraturas pélvicas instáveis após
trauma fechado.
Embora menos frequentes, as lesões arteriais são as Figura 25.9 zonas de hematomas do retroperitônio.
que mais costumam causar instabilidade hemodinâmica.
As artérias pudenda interna, glútea superior, sa-
cral lateral e hemorroidária média foram consideradas
como as maiores fontes de sangramento nas fraturas
pélvicas. As lesões nos vasos ilíacos comuns ou nos Condutas cirúrgicas
externos foram relacionadas com fraturas graves nos
Hematoma de zona I: explora-se sempre (feri-
ossos ilíacos ou com luxação da articulação sacroilíaca.
mentos penetrantes e fechados).
Lesões nas artérias obturatórias e pudendas internas
podem ser causadas por fraturas nos ramos púbicos. Hematoma de zona II: explora-se às vezes quan-
do o trauma é penetrante e há suspeita de lesão vascular.
Achados arteriográficos mais recentes permitem
supor que as artérias pélvicas mais vulneráveis aos Hematomas pélvicos (zona III) fechados:
traumas fechados são: iliolombar (3%), glútea inferior não devem ser explorados, exceção em trauma pene-
(6%), obturatriz (16%), sacral lateral (23%), glútea su- trante com suspeita de lesão arterial. Entretanto, es-
perior (25%) e pudenda interna (27%). ses pacientes não devem ser abordados cirurgicamen-
te, mas sim via arteriografia.
Quando o hematoma estiver em expansão, tal-
vez a melhor conduta seja a colocação de compressas
Classi昀椀cação para damage control, estabilizando o doente na UTI e
Hematomas da zona I: são os de localização procedendo à arteriografia para embolização dos va-
central (retromesentéricos). Delimitados entre as li- sos ilíacos.
nhas hemiclaviculares e a linha que passa entre as Os hematomas causados por agentes penetran-
cristas ilíacas. tes (FAFs/FABs), mesmo os pélvicos e os das zonas I
Hematomas da zona II: localizam-se nas gotei- e II, devem ser explorados após controle vascular pro-
ras parietocólicas. Entre as linhas hemiclaviculares e a ximal e distal.
linha axilar posterior. Geralmente os trajetos da aorta e da cava são
Hematomas da zona III: pélvicos. Abaixo da abordados, respectivamente, pelas manobras de
linha horizontal que passa nas cristas ilíacas. Mattox e a de Grande Kocher ou Catell.
Na manobra de Catell, incisa-se a goteira parietocólica direita, em seguimento à tradicional manobra de Kocher.
Figura 25.10 a manobra de Catell, incisa-se a goteira parietocólica direita para acessar os rins e vasos do retro-
peritônio. Essa é a mesma manobra que fazemos para acessar o apêndice retroperitoneal. Nessa imagem foi feito
também manobra de Kocher de liberação do peritônio da segunda porção do duodeno que se pode palpar pâncreas
e colédoco distal.
Figura 25.11 manobra de Mattox consiste na abertura da goteira parietocólica esquerda; há exposição da aorta;
pode-se fazer Mattox deslocando-se o rim e baço apenas pela incisão de reflexos peritoneais.
Figura 25.12 a manobra de Kocher, a 2ª porção do duodeno é liberada de sua reflexão de peritônio e o duodeno
volta a ter a mobilidade que possuía embriologicamente.
26
Trauma cranioencefálico (TCE)
perfusão e suas consequências (sofrimento e morte o subsequente fluxo de água para dentro da célula por
neuronal). Apenas em crianças, nas quais as suturas gradiente osmótico. Logo, o edema citotóxico também
não são fusionadas, o crânio pode expandir-se para ocorre, porém em fase subaguda e/ou crônica. O ede-
acomodar um volume extra. ma intersticial, para ocorrer, necessita que haja com-
Com o intuito de manter a pressão dentro dos li- plicação traumática por hidrocefalia. Como o crânio é
inexpansível nos adultos, o edema cerebral parece ser
mites fisiológicos, o sistema venoso colapsa facilmen-
de pior prognóstico nestes do que nas crianças.
te, espremendo o sangue venoso nas veias jugulares e
nas veias emissárias do couro cabeludo scalp. O líquido A monitorização contínua da PIC é um método
cerebrospinhal, de forma semelhante, pode deslocar- difusamente usado para acessar a dinâmica intracra-
-se através do forame magno para dentro do espaço niana, sendo a presença de hemorragia subaracnoide
subaracnoideo espinhal. Quando esses mecanismos um dos critérios mais utilizados para a monitorização
compensatórios entram em exaustão, mudanças míni- da PIC.
mas no volume precipitam aumento na pressão. Cha- Indica-se monitoração da PIC em todos os pa-
ma-se hipertensão intracraniana quando a PIC é cientes graves (3-9 pontos na ECG) seguindo-se as di-
maior ou igual a 20 mmHg (valor normal varia de retrizes do Brain Trauma Foundation 1996 e 2004. O
10 a 15 mmHg ou 136 a 204 mmH2O). uso de cateteres intraventriculares de monitoração da
A curva que relaciona volume intracraniano em PIC, além de permitir a mensuração da PIC, possibilita
expansão e pressão intracraniana foi descrita por Lan- a drenagem de LCR, avaliar a shunt dependência, do
gfitt (Figura 26.1); observe que ela não é linear e a de- paciente de necessitar de um sistema de derivação por
terioração neurológica súbita pode ser explicada pela válvula, e inferir a PPC com mais segurança. A drena-
inflexão abrupta da curva, quando os mecanismos gem do sistema ventricular promove a redução da PIC
fisiopatológicos de complacência se exaurem (redis- e o redirecionamento do fluido intersticial cerebral ao
tribuição do LCR e incremento do retorno venoso ce- ventrículo, que pode estar aumentado quando asso-
rebral). Neste momento, o parênquima cerebral pode ciado ao edema cerebral intracelular e vasogênico.
sofrer herniações que levam ao coma e morte, se não Como complemento, a monitoração da PIC, a
tratado imediatamente. obtenção de monitoração da PAM de forma invasiva,
proporciona o calculo indireto da PPC (PPC = PAM —
PIC). Assim, pode-se ter uma ideia mais acurada do
estado da perfusão tecidual do cérebro que deve ser
80 mmHg.
O fluxo sanguíneo cerebral normal é de 55
a 60 mL/100 g de tecido cerebral/min. O fluxo
na matéria cinzenta é de 75 mL/100 g/min., en-
quanto na substância branca é de 45 mL/100 g/
min. Esse fluxo é suficiente para manter as necessi-
dades metabólicas cerebrais. O fator mais importante
para que o fluxo sanguíneo cerebral seja determinado
é pressão de perfusão cerebral (obtida pela diferença
entre a pressão arterial média e a pressão intracra-
niana). Após um TCE, pressões de perfusão < 70
mmHg relacionam-se a evolução desfavorável.
Figura 26.1 Curva volume-pressão. O conteúdo in-
tracraniano é inicialmente capaz de compensação, PPC (Pressão de perfusão cerebral) = PAM (pressão ar-
quando surge nova massa intracraniana, como um terial média) – PIC (pressão intracraniana)
hematoma subdural ou extradural. Uma vez que o vol-
PAM = PS - 2/3 PD
ume dessa massa atinja um limite crítico, frequente-
mente ocorre um aumento rápido da pressão intracra- É fundamental e prioritário manter a pressão de per-
niana, que pode levar a redução ou cessação do fluxo fusão cerebral no TCE grave!
sanguíneo cerebral.
A tensão de CO2 é o estímulo cerebrovascular mais dados ou estilhaçados. Este tipo de lesão é, em geral,
importante para a vasodilatação. O fluxo sanguíneo ce- grave e há grande possibilidade de complicações infec-
rebral aumenta quando a tensão de dióxido de carbono ciosas intracranianas.
situa-se entre 15 e 80 mmHg. A hipóxia também gera
Tanto no traumatismo fechado quanto no aberto
vasodilatação. O fluxo sanguíneo cerebral é autorregula-
do, mantendo-se normal na variação de 50 a 160 mmHg pode ocorrer hematoma epidural, subdural e intrace-
da pressão arterial média. Valores abaixo de 50 mmHg rebral.
correspondem a choque hipovolêmico, e os acima de 160 Os traumas de face e crânio, em que ocorreu fra-
mmHg levam a edema vasogênico e hemorragia. tura de clavícula, geralmente vêm associados à TRM.
O fluxo sanguíneo cortical regional (rCBF) é Esteja atento para trauma fechado acima das clavícu-
parâmetro objetivo da perfusão cerebral. O rCBF las! Proteja a coluna cervical!
pode ser quantitativamente identificado por um flu-
xômetro de difusão térmica. O fluxo normal cortical Classificações do Trauma Cranioencefálico
médio é o citado anteriormente, porém em geral pode Mecanismo Alta velocidade (colisão de veículos)
variar de 40 a 70 mL/100 g/min. Os pacientes nos Fechado Baixa velocidade (queda, agressão)
quais o rCBF é menor do que 20 mL/100 g/min. são
considerados portadores de isquemia cerebral severa. Penetrante Ferimentos por arma de fogo
Nos pacientes comatosos o rCBF situa-se entre 35 e Outras lesões penetrantes
40 mL/100 g/min. e nos com morte cerebral o rCBF Gravidade
é menor do que 7 mL/100 g/min. A monitorização de Leve Escore GCS 13-15
pacientes com injúria cerebral severa demonstra que Moderada Escore GCS 9-12
os pacientes com evolução favorável apresentavam Grave Escore GCS 3-8
tendência à normalização ou rCBF normal, enquanto Morfologia
os de evolução desfavorável possuíam rCBF abaixo dos Fraturas de crânio Linear vs. estrelada
valores normais. Os dados do rCBF permitem otimizar De calota Com ou sem afundamento
a hiperventilação, a oxigenoterapia e a osmoterapia. Exposta ou fechada
Marshall et al., classificaram as lesões difusas de O tratamento, na maioria dos casos, é cirúr-
acordo com a apresentação à TC em quatro categorias gico mesmo que o seu volume não seja crítico no
(Tabela 26.5). momento do diagnóstico. Não raro, o hematoma vi-
sualizado no intraoperatório é mais volumoso do que
Categoria Definição a TC pré-operatória mostrava, indicando haver uma
progressão sensível no volume ao longo do tempo; isto
Marshall I TC sem anormalidades visíveis
faz com que a espera para o tratamento cirúrgico seja
Cisternas livres muito deletéria ao paciente. Recomenda-se cirurgia
Marshall II para todo paciente com HED > 5 mm e naqueles
Desvio da linha média < 5 mm
com HED < 5 mm na admissão que apresentam ex-
Cisternas comprimidas ou ausentes pansão do hematoma. Os pacientes com hematomas
Marshall III
Desvio da linha média < 5 mm > 30 cm3 devem ser operados, independente da ECG. A
cirurgia consiste em programar a craniotomia para que
Colapso cisternal
Marshall IV seja suprajacente ao hematoma, retirada do hematoma,
Desvio da linha média > 5 mm
hemostasia da fonte de sangramento (óssea, arterial ou
Tabela 26.5 venosa) e ancoramento dura) na tábua óssea interna.
Hematomas epidurais
São decorrentes da lesão arterial, envolvendo
a artéria meníngea média, após fratura temporal. São
chamados também de hematomas extra-durais, pois
estão localizados fora da dura-máter, mas dentro do
crânio. Tipicamente, têm a forma biconvexa ou em
forma de lente, sendo frequentes nas regiões tempo-
ral ou temporoparietal. São mais raros (0,5% de todos
os TCEs), mas em 9% de todos os comatosos sua insta-
lação é rápida e tende a evoluir para o óbito se não for
feita a descompressão rápida.
Manifestam-se clinicamente por:
Figura 26.2 Hematoma epidural ou extradural. Ob-
perda da consciência (intervalo lúcido); é o do- serve o aspecto biconvexo da lesão e a compressão do
ente que fala e morre; encéfalo subjacente. Estas lesões costumam estar asso-
ciadas a fraturas em cerca de 40% dos casos.
rápida piora neurológica (por isso é importante
realizar repetitivas medidas de Glasgow);
coma (Glasgow ≤ 8);
pupila midriática unilateral (anisocoria) – o pa-
ciente olha para a lesão. Geralmente, o lado da
pupila midriática é o lado em que está ocorren-
do o hematoma em 90% das vezes;
paresia contralateral ao hematoma.
A TC é mandatória seguida de tratamento ci-
rúrgico de urgência (craniotomia), sob o risco de
uma herniação transtentorial se não houver evacu-
ação do hematoma. Se tratado precoce e adequada-
mente, o prognóstico do epidural é melhor do que
o subdural.
Intervalo lúcido = hematoma epidural! Figura 26.3 Extenso hematoma extradural parieto-
temporal direito (epidural).
Hematomas subdurais
São bem mais frequentes do que os epidu-
rais – 30% de todos os TCEs são subdurais – e ocor-
rem com a ruptura de vênulas encontradas entre a
dura-máter e a aracnóide (espaço subdural). A ins-
talação é insidiosa e pode manifestar-se nas formas
aguda, subaguda e crônica, dependendo do efeito
de massa exercido por seu volume e concomitan-
te ao edema cerebral e ao brain swelling associados.
Como os hematomas subdurais recobrem toda a su-
perfície do cérebro e o acometimento cerebral tende
a ser mais grave, o prognóstico é pior. Figura 26.4 Hematoma subdural com importante
desvio de linha média.
Esse hematoma pode manifestar-se clinicamen-
te pela:
vários dias, com necessidade de serem feitas TCs se- guntas). A amnésia anterógrada pode ocorrer conco-
riadas de controle. Por volta do quinto dia de evolução, mitantemente (após você explicar o que aconteceu
geralmente as contusões atingem o pico de edema le- no acidente, passam alguns segundos e o paciente
sional) estabilizando seu efeito de massa. Quando pre- volta a fazer as mesmas perguntas, como se nada
sentes nos lobos temporais, principalmente em seus lhe tivesse sido dito antes). O quadro decorre de pe-
polos, são de maior risco, pois podem desencadear quenos TCEs contusos, de baixa energia, sem lesão
facilmente a síndrome de herniação uncal. Nesses ca- estrutural do encéfalo constatável por exames com-
sos, quando há aumento do volume nos polos tempo- plementares (TC e RM). Sua evolução é benigna e
rais, o uncus é empurrado medialmente e comprime o rápida. A concussão cerebral é a lesão que leva ao
mesencéfalo juntamente com o nervo oculomotor (III nocaute de um lutador. Diversas concussões suces-
NC) originando midríase ipsilateral e hemiparesia ou sivas podem levar ao quadro neurológico conhecido
mesmo postura em extensão contralateral. Portanto, por demência pugilística.
contusões temporais são mais frequentemente opera- Os pacientes com TCE, em geral, devem ser man-
das que contusões frontopolares ou occipitais. tidos com a cabeça elevada, principalmente os que
apresentarem fístulas liquóricas, com generoso apor-
te de oxigênio, se necessário, e intubado e ventilado
mecanicamente; reposição hidroeletrolítica cuidadosa
e correção dos distúrbios acidobásicos.
História clínica
É importante a coleta de informações sobre
evento traumático a partir dos observadores. Deve-se
procurar saber a causa do traumatismo, a intensidade
do impacto, a presença de sintomas neurológicos, con-
vulsões, diminuição de força, alteração da linguagem,
e, sobretudo, é preciso documentar qualquer relato de
perda de consciência.
Figura 26.5 Área de contusão parenquimatosa fron- A amnésia para o evento é comum nas con-
tal direita. cussões. Pode haver, também, perda de memória re-
trógrada (em eventos ocorridos antes do trauma) ou
anterógrada (nos eventos que se sucederam logo após
o trauma). A amnésia é característica dos TCEs que
Lesão axonal difusa cursam com perda de consciência. Amnésia cuja du-
ração é superior a 24 horas é indicativa de que
É o coma pós-traumático prolongado, que não é re- o TCE foi mais intenso, e pode estar relacionada
sultante de lesões de massa ou lesões isquêmicas. Carac- com prognóstico menos favorável. A amnésia de
teriza-se pela perda de consciência no local do acidente, curta duração não tem maior significado clínico.
seguido frequentemente de coma prolongado. O pacien- A alteração da consciência é o sintoma mais co-
te pode assumir a postura de descerebração/decortica- mum dos TCEs. A breve perda de contato com o
ção. A lesão é por tosquia ou cisalhamento do axônio, de meio é característica da concussão. O coma pode
modo difuso. O diagnóstico é feito por sinais indiretos à durar horas, dias ou semanas, dependendo da gravi-
TC, que não diagnostica a LAD. A ressonância magnética dade e localização da lesão. Lesões difusas do encéfalo
(RM), por vezes, o faz. O tratamento é eminentemen- ou do troncoencefálico podem levar a comas prolon-
te clínico, não havendo indicação cirúrgica. gados, sobretudo quando há contusão ou laceração de
amplas áreas cerebrais, tumefação ou edema impor-
tante. A melhora do nível de consciência tem relação
direta com o grau de lesão.
Concussão cerebral Dor de cabeça intensa, sobretudo unilateral,
pode indicar lesão expansiva intracraniana, sendo ne-
É muito frequente a perda temporária da cons- cessária investigação neurológica cuidadosa. Cefaléia
ciência, com confusão, obnubilação e amnésia re- intensa na região occipital pode ser indicativa de fra-
trógrada (o paciente não sabe o que aconteceu no tura do odontóide (estrutura da segunda vértebra, que
acidente e, via de regra, fica fazendo inúmeras per- se articula com a primeira).
Exame físico
O exame físico inicial, na fase aguda, deve ser rápido e objetivo. É importante lembrar que pacientes com
TCE são politraumatizados, sendo frequente a associação com traumatismos torácicos, abdominais e fraturas
inclusive de coluna cervical (use colar cervical!). Hipóxia, hipotensão, hipo ou hiperglicemia, efeito de drogas
narcóticas e lesões instáveis da coluna vertebral devem ser procurados e convenientemente tratados.
O exame da pele da cabeça deve ser feito com cuidado. Fraturas no crânio devem ser investigadas. Fraturas
da base do crânio podem ser suspeitadas pela presença de sangue no tímpano e pela drenagem de lí-
quido cefalorraquidiano pelo ouvido ou nariz.
O propósito do exame neurológico inicial é determinar as funções dos hemisférios cerebrais e do tronco en-
cefálico. Os exames subsequentes são importantes para verificar a evolução do paciente, se está havendo melhora
ou deterioração do seu quadro clínico. Escalas neurológicas foram desenhadas para permitir quantificar o exame
neurológico. A escala de coma de Glasgow é uma medida semi quantitativa do grau de envolvimento cerebral, que
também orienta o prognóstico. Entretanto, não é válida para pacientes em choque ou intoxicados. Existe uma
escala modificada para crianças. A presença de traumatismo dos olhos e da medula espinhal dificulta a avaliação.
A escala consiste em pontuar os achados do exame neurológico, avaliando a resposta verbal, a abertura dos olhos
e a resposta motora.
Midríase unilateral: lesão do III (herniação tentorial); hematoma EPI/subdural; se não tiver resposta à luz ou
perda de visão, pense em lesão associada do II .
Midríase bilateral: perfusão cerebral inadequada; paralisia bilateral do III par craniano.
Miose unilateral: lesão do simpático (exemplo: trauma da bainha carotídea).
Miose bilateral: drogas (opiáceos), encefalopatia metabólica, lesão da ponte.
Os pares cranianos podem ser afetados no TCE contuso ou no aberto. As principais possibilidades são:
I par (olfatório): resulta em anosmia (não sente cheiro) e perda parcial da acuidade gustatória. Sua lesão
decorre das fraturas do frontal com comprometimento da placa cribriforme.
II par (óptico): fratura da órbita (esfenoide), causando cegueira ipsilateral.
IV par (troclear): fratura da asa do esfenoide, levando à diplopia.
VII par (facial): fratura que compromete o temporal, a apófise estiloide e a base do crânio. Paralisia central
de instalação tardia (5 a 8 dias) após o trauma.
VIII par (auditivo ou vestibulococlear): fratura do petroso, cursando com hipoacusia, surdez (fazer diagnós-
tico diferencial com ruptura do tímpano) e quadro vertiginoso, por lesão dos canais semicirculares (órgão de Corti).
Vasodilatadores
Sedação As lesões secundárias levam a uma redução
do fluxo sanguíneo cerebral ou oxigenação, resul-
A sedação pode ser realizada quando não se tem tando em lesão hipóxica/isquêmica cerebral. Anta-
dúvidas das causas determinantes do nível de consci- gonistas do cálcio são usados em casos de isquemia
ência do paciente com injúria cerebral no momento cerebral e hemorragia subaracnoide. O tratamento
presente e em um futuro, assim não é aconselhável com nimodipina aparentemente é capaz de minimi-
sedar um paciente quando não há disposição de mé- zar os efeitos adversos da hemorragia subaracnoide
todos complementares de imagem que permitam a (HSA); 44% dos pacientes tratados com nimodipina
identificação de lesões determinantes da diminuição apresentaram evolução desfavorável, contra 61% do
do nível de consciência, como o hematoma epidural. grupo placebo.
A sedação é preferencialmente realizada com
morfina intravenosa em bolus, que pode ser repetida
uma vez. Se a sedação for eficaz na redução da hiper-
tensão intracraniana, uma infusão contínua de mor-
fina deve ser instituída na dose de 5 mg/h. Essa dose Esteroides
pode ser elevada de 5 a 20 mg/h, se necessário, para O tratamento com doses convencionais de es-
conter a agitação ou o excesso de atividade motora. O teróides não mostraram benefício para os pacientes
fentanil é uma alternativa aceitável no lugar da mor- com injúria cerebral. Alguns estudos demonstraram
fina. Nos pacientes que requerem sedação com altas aumento da mortalidade e complicações associadas
doses de narcóticos, essas doses devem ser retiradas com o uso de esteroides. Portanto, não se recomenda
gradualmente, e nunca de forma abrupta. esteroides para o tratamento do TCE agudo.
Figura 26.6 Algoritmo para o tratamento do trauma Figura 26.8 Algoritmo para o tratamento do trauma
cranioencefálico leve. cranioencefálico grave.
27
Trauma raquimedular (TRM)
Outro sistema a ser conhecido para identificar le- Com os atuais avanços do tratamento das com-
são neurológica é o somestésico, que na verdade se cons- plicações decorrentes do TRM e, portanto, da sobrevi-
titui de três tratos: um com receptores responsáveis pela da dos traumatizados, a prevalência vem aumentando
sensação de dor e temperatura – testado pelo examina- a cada década. Os números variam de 900 a 1.200 se-
dor com objeto de superfície pontiaguda, que possui o quelados pós-TRM para cada 1 milhão de habitantes.
primeiro neurônio no gânglio espinal, entra pela raiz
dorsal, faz sinapse com neurônio do corno posterior, Ainda, de acordo com Spósito, houve predomínio
cruza para hemimedula contralateral e ascende no fu- das lesões medulares completas em 75% dos casos, es-
nículo lateral como trato espinotalâmico lateral, fazen- tando a paraplegia presente em 40% dos casos.
do sinapse no núcleo VPL talâmico e se distribuindo no Quanto aos níveis de lesão, a região cervical
córtex somestésico, área 3, 2, 1 de Broca, ou giro pós- predomina em cerca de 45 a 60%, a região toraco-
-central. Outro trato se inicia com receptores para tato lombar encontra-se presente em 25 a 35% dos casos, a
protopático e pressão, que é geralmente o mais testado região lombar está acometida em cerca de 15 a 20%, e
pelo médico em geral, com primeiro neurônio no gânglio a região sacrococcígea é atingida em 4 a 6% das vezes.
espinal, entra pela raiz dorsal, faz sinapse com neurônio
do corno posterior, cruza para hemimedula contralateral
e ascende no funículo anterior como trato espinotalâmi-
co anterior, fazendo sinapse no VPL talâmico e se distri-
buindo no córtex somestésico. Diferente dos dois tratos Síndromes medulares
anteriores próximos entre si, a sensibilidade para tato
epicrítico e propriocepção, que são testados com objetos Quanto ao grau de lesão, é completo se não hou-
na mão ou pés para se definir nome e textura e com mu- ver evidência de preservação de qualquer função mo-
dança na posição de dedos das mãos ou pés em relação tora ou sensitiva abaixo da lesão e incompleta se exis-
ao espaço, o trato tem o primeiro neurônio em gânglio, tir amplo espectro de disfunções neurológicas, mesmo
entra no corno posterior da medula sem sinapse e ascen- que preservação sensitiva até apenas nos dermátomos
de ipsolateral pelo funículo posterior no trato grácil para sacrais. As classificações são usadas para facilitar a
fibras membros inferiores e cuneiforme para membros comunicação entre cirurgiões, como a classificação
superiores, até no bulbo. Quando fazem conexão nesses de Frankel, na qual: A (perda completa das funções
núcleos migram ventralmente e cruzam para outra hemi- motora e sensitiva abaixo da lesão), B (percepção sen-
medula, fazendo conexões em VPL e córtex. O que justi- sitiva residual, paralisia motora completa), C (função
fica em lesões em hemimedula a perda das sensibilidades motora residual, mas insuficiente), D (função motora
dolorosa e térmica contralateral à lesão e tato epicrítico e útil, mas subnormal) e E (normal).
propriocepção ipsilateral à lesão.
O choque medular ou espinal ocorre por tra-
Em resumo, com relação às vias aferentes: em ção das fibras na medula espinal e se relaciona à fase
lesões mais anteriores e laterais ocorrem perdas das sen- aguda do TRM, sendo caracterizado pela perda total da
sibilidades dolorosa, térmica e de pressão e tato grosseiro; função motora no momento do traumatismo e acom-
nas lesões mais posteriores à alteração ocorre na perda de
panhado por abolição completa de todas as formas de
reconhecimento da posição dos dedos no espaço (proprio-
sensibilidade e de toda atividade reflexa abaixo do ní-
cepção). Outro dado anatômico importante é que existe
vel da lesão. Evolui com postura flácida, diminuição de
também uma estratificação na posição das fibras motoras,
nas quais a porção mais lateral se relaciona com as fibras
reflexos, priapismo, alteração da frequência respirató-
dos membros inferiores, tronco e membros superiores ria, atonia gástrica, retenção urinária e fecal que tra-
mais medial. Assim, a apresentação de lesões extrínsecas, duz perda do controle da função neurovegetativa. Já
como é a maioria das lesões em TRM, o déficit se inicia o choque neurogênico ocorre por disfunção neuro-
primeiramente em membros inferiores e depois se apre- vegetativa por lesão das vias descendentes do sistema
senta em membros superiores. Déficits iniciais apenas em simpático na medula cervical, acarretando perda do
membros inferiores não excluem lesões cervicais. tônus vasomotor com consequente vasodilatação e hi-
potensão arterial, além de venodilatação e bradicardia
ou perda da resposta com taquicardia à hipovolemia.
Em algumas situações de TRM o exame neu-
Epidemiologia rológico não tem déficit completo e o achado
ajuda a entender a biomecânica do trauma e sua
Dados do Instituto de Ortopedia e Traumato- localização neurológica: na paralisia cruzada de Bell
logia do Hospital das Clínicas da USP mostram que secundária à fratura de C2 (fratura no processo odon-
94,3% dos casos atendidos eram do sexo masculino, toide com retropulsão sobre a medula) ocorre a perda
com a faixa etária predominante variando de 21 a 30 ou redução da força muscular nos membros superio-
anos. Considera-se bastante próximo do real um nú- res com relativa preservação nos membros inferiores;
mero entre 50 e 70 novos casos de vítimas de TRM por existe lesão das fibras do trato corticoespinal na de-
ano, para cada milhão de habitantes. cussação das pirâmides.
Síndrome medular central: é uma lesão por Síndromes neurológicas no trauma medular
hiperextensão aguda, geralmente com estenose de (Cont.)
canal raqueano preexistente (idoso). A hiperextensão
Síndrome de Hemissecção medular
traciona a região central que é zona de vascularização Brown- Séquard Déficit motor e de propriocepção
limítrofe, ocorrendo lesão isquêmica central. O pa-
ipsilateral e de sensibilidade
ciente apresenta déficit motor desproporcionalmen- dolorosa e térmica contralateral
te maior nas extremidades superiores, pois acomete
Síndrome do Fraturas da transição
mais as fibras dos MMSS, associada à perda da sensi- cone medular toracolombar
bilidade superficial e da propriocepção. Bexiga neurogênica e
Síndrome medular anterior: ocorre lesão por incontinência fecal, associadas a
hiperflexão e carga axial, havendo infarto no territó- graus diversos de lesão motora e
rio da artéria espinal anterior por fragmento ósseo sensitiva
ou disco herniado traumático e evoluindo com déficit Síndrome da Fraturas lombares
motor e perda da sensibilidade térmica e dolorosa com cauda equina Paraparesia, anestesia em sela,
preservação da propriocepção, sensibilidade vibrató- distúrbios esfincterianos
ria e tátil descriminativa. Tabela 27.1 Atenção!
Síndrome de Brown-Séquard: é a hemissecção
de uma hemimedula espinal mais comum em lesões
Gravidade das lesões medulares
traumáticas da coluna cervical e que na maioria das
vezes é consequência de trauma penetrante, podendo Grau A Completa Ausência de qualquer atividade mo-
tora voluntária e de sensibilidade
ocorrer por compressão epidural. No exame haverá
perda de força motora e da propriocepção consciente Grau B Incompleta Presença apenas de sensibilidade
ipsolateral à lesão e perda de sensibilidade à dor e tér- Grau C Incompleta Presença de atividade motora vo-
luntária, mas com força motora
mica contralateral à lesão.
menor que III
Síndrome do cone medular: o cone medular Grau D Incompleta Presença de atividade motora vo-
ocupa a região entre T11 e L2, sendo zona de transi- luntária, com força motora maior
ção toracolombar mais susceptível a TRM. Ocorre pa- ou igual a III
ralisia de extremidades inferiores, retenção urinária e Grau E Normal Exame neurológico normal
atonia esfíncter anal, mas com variação na alteração
Tabela 27.2
motora em termos de grau e padrão de reflexos.
Síndrome da cauda equina: em geral é associa-
da à fratura abaixo de L2, acomete uma ou várias raí-
zes e provoca paralisia assimétrica. O déficit sensitivo
pode ser unilateral e assimétrico, em geral com perda
do controle vesical.
Atendimento ao paciente
O atendimento ao politraumatizado sempre deve
Síndromes neurológicas no trauma medular se iniciar com a sinalização do local quando a cena não
Síndrome Sinais de comprometimento de é segura, para diminuir o risco evidente para a vítima e
cervicobulbar tronco equipe de socorro. O atendimento ao trauma raquimedu-
Encontrada em lesões cervicais lar se inicia no atendimento pré-hospitalar com o alinha-
altas mento da coluna cervical e dorso, seguida da imobiliza-
Síndrome Paresia de membros superiores ção da coluna vertebral com: estabilização manual, colar
centromedular mais acentuada do que em cervical rígido, prancha longa com 3 tirantes e imobili-
membros inferiores zadores laterais. Existem situações especiais como, por
Compressão anteroposterior da exemplo, em crianças abaixo de 7 anos que possuem a
medula cervical em lesões por cabeça proporcionalmente maior que o corpo e necessi-
extensão tam de coxim desde o quadril até extremidade superior
do tronco para que a coluna permaneça em posição neu-
Síndrome Lesão motora com preservação
tra; quando o paciente está sentado preso nas ferragens,
medular anterior da sensibilidade táctil e
ele necessita do sistema KED (Kendrick extrication device)
propriocepção
para imobilização cervical e toracolombar com o pacien-
Compressão medular anterior,
te sentado. Existem situações de necessidade de retirada
lesão da artéria espinal anterior
rápida do local do acidente: como em risco iminente de
Síndrome Rara
vida, quando a cena do acidente não é segura ou necessi-
medular Preservação do trato dade de remoção rápida para acesso a outro paciente mais
posterior espinotalâmico grave. Nessas situações deve-se imobilizar o paciente em
Déficit de propriocepção no mínimo quatro pessoas para transporte adequado.
Todo paciente politraumatizado deve ser sub- Pacientes que não apresentam déficit neurológico
metido ao raio X de coluna cervical simples em AP e relacionado à lesão de coluna, com CT e RM e que não de-
perfil, que correspondem às incidências para inves- monstrem instabilidade da coluna, mas com dor e/ou fra-
tigação inicial recomendadas pelo ATLS. Se houver tura estável em um dos três eixos de sustentação (Primei-
dúvida diagnóstica ou suspeita de lesão, deve-se realizar ro eixo: ligamento longitudinal anterior, corpo e disco;
incidência transoral para visualização de C1 e C2 e oblí- Segundo eixo: anulo fibroso do disco, terço posterior do
quas para melhor visualização de processo transverso e corpo e ligamento longitudinal posterior; Terceiro eixo:
facetas articulares. A investigação do TRM deve ser re- processo transverso, arco vertebral e processo espinho-
alizada em todos os níveis da coluna vertebral caso se so) devem usar algum imobilizador externo para reduzir
encontre alguma lesão vertebral na investigação inicial. a dor, reduzir ou eliminar a movimentação do segmento
O ATLS recomenda a utilização de quatro diretrizes ana- vertebral fraturado para fixação espontânea ao longo do
tômicas para a análise do raio X de coluna cervical: ali- tempo (em geral 3 meses). São eles: colar macio – mínima
nhamento (face anterior de corpo, posterior de corpo, limitação (uso questionável) apenas para dor miofascial;
face posterior de canal medular, extremidade de proces- Philadelphia: limita mais a flexão-extensão, mas ineficaz
so espinhoso), ossos (corpo, arcos, processo transverso na rotação e flexão lateral; Miami-J: Apoio mais rígido
e espinhoso), junturas (discos e facetas) e partes moles com maior limitação da flexão-extensão ambos para fra-
(espaço pré-vertebral, gordura pré-vertebral e espaço turas pequenas e alinhadas de corpo ou processo espi-
entre os processos espinhosos). Condições patológicas: nhoso; Minerva: limita a rotação axial e alguma restrição
desalinhamento de corpo vertebral visualizado no per- à flexão lateral, usado para fraturas subaxiais cervicais;
fil de mais de 3 mm, desalinhamento no AP de processo Halo-Vest: limita os 4 movimentos, sendo usado para
espinhoso sugerindo luxação unilateral, dimensão do ca- fraturas como de C1, C2 e fraturas associadas de C1 e C2.
nal medular de menos de 13 mm no adulto, angulação do
espaço intervertebral de mais de 11 graus, diferença de
altura de alguma parte do corpo de mais de 3 mm, linhas
de fratura oblíqua no corpo ou no processo espinhoso,
perda de paralelismo das facetas; em C1 e C2 podemos
Tratamento
ter distância entre a face posterior do arco anterior de C1 O tratamento do paciente com traumatismo
e processo odontóide maior que 3 mm, linha de fratura raquimedular tem início no local do acidente, com a
em odontóide, alargamento do espaço pré-vertebral em imobilização adequada (prancha e colar), de modo a
nível de C2 maior que 5 mm sugerindo sangramento e impedir piora neurológica por mobilização de uma
lesão da coluna e alargamento do espaço interespinhoso coluna instável. De início, todo paciente politrauma-
sugerindo fratura anterior de canal. tizado deve ser considerado como portador de lesão
Quando o paciente está consciente, possui exame instável na coluna.
neurológico normal e não tem alteração em raio X sim-
A sequência de atendimento deverá obedecer
ples, porém tem dor cervical, deve ser realizado o raio
ao estabelecido pelo ATLS, desde o local até a sala de
X dinâmico em hiperextensão e hiperflexão. O limite
admissão. Especial atenção deverá ser dada ao padrão
desses movimentos deve ser início de dor ou limite fisio-
respiratório e à estabilidade hemodinâmica, não só pela
lógico, podendo evidenciar instabilidades ocultas como
listeses, desnivelamentos entre os corpos vertebrais,
prevalência destas alterações, mas também pelo impac-
subluxações entre as facetas articulares ou instabilida- to de hipóxia e hipotensão no agravamento da lesão
de – se a altura intervertebral medir mais que 2 mm em secundária. Caso necessária, a intubação orotraqueal
relação à posição neutra ou se o ângulo entre os corpos deverá ser realizada com extremo cuidado, mantendo
vertebrais aumentar mais que 7 graus em relação ao raio sempre o pescoço na posição neutra. Não sendo possí-
X em posição neutra. vel, deve-se optar pela traqueostomia. A hipotensão é
corrigida inicialmente com expansão volêmica, poden-
A tomografia de coluna (CT) vertebral permite vi-
do-se associar drogas vasoativas. Anemia e distúrbios
sualizar imagens anatômicas da coluna com maior reso-
hidroeletrolíticos devem ser prontamente corrigidos,
lução, esclarecer dúvidas ao achado do raio X simples, es-
tudar a transição cervicotorácica quando o raio X simples no intuito de minimizar a lesão secundária. Profilaxia
não permite. Além disso, nas CT de coluna são possíveis de TVP deverá ser iniciada assim que possível.
diversas reconstruções ósseas (em 3D) e em diversas Após a publicação dos estudos cooperativos NAS-
incidências como em sagital ou coronal. A CT também CIS, a utilização de altas doses de metilprednisolo-
permite avaliar com maior resolução o nível com déficit na tornou-se quase que mandatória, principalmente
neurológico e a sua correspondência vertebral. nos EUA. Recentemente, diversas críticas e dúvidas
A ressonância magnética permite estudar algumas têm sido lançadas sobre estes estudos e sobre a eficá-
situações clínicas especiais: como nível da fratura dife- cia da droga em melhorar o quadro neurológico, além
rente do nível do déficit neurológico, déficit neurológico de ressaltar os efeitos colaterais e a morbidade. Como
sem lesão óssea identificada e a possibilidade de visua- existem publicações que sugerem benefício, apesar da
lização de lesões das junturas e das estruturas neurais. ausência de evidências médicas sólidas, a metilpred-
nisolona permanece como opção terapêutica, devendo maior que 7 mm é estável e deve-se colocar halo-vest.
ser ponderada em função de efeitos adversos (imu- Caso haja deslocamento, deve-se realizar fixação C1
nossupressão, úlcera gástrica, pancreatite, distúrbios com C2 ou fixação occipito cervical; fratura da massa
eletrolíticos, hiperglicemia). A dose preconizada lateral (estável e uso de halo-vest); fratura horizontal
é de 30 mg/kg na primeira hora, seguida de 5,4 do arco anterior (rara e estável e uso de halo-vest).
mg/kg/hora por mais 23 horas, caso o início do
No TRM aberto ou penetrante o tratamento
tratamento ocorra em até 3 horas do momento
clínico é diferente do fechado, pois como a ferida é
da lesão e por mais 47 horas, caso o intervalo es-
contaminada existe o alto risco de sepse se usado
teja entre 3 e 8 horas.
corticóide em altas doses e o benefício não é com-
Não existe benefício documentado caso o início provado na literatura dado à grave lesão provocada
do tratamento ocorra após 8 horas, nem para ferimen- pelo projétil. A maioria dos pacientes tem déficit mo-
tos penetrantes (incluindo os por projétil de arma de tor completo devido à energia cinética do projétil no
fogo), estando, portanto, contraindicado nestas situ- TRM penetrante. Indicações cirúrgicas: deterioração
ações e em pacientes gestantes, diabéticos, com mais neurológica em paciente previamente estável neuro-
de 65 anos de idade ou que tenham outros trauma- logicamente pela possibilidade de hematoma epidu-
tismos potencialmente infectados. Estudos recen- ral, descompressão da medula ou das raízes da cauda
tes sugerem algum benefício na administração equina em déficits parciais e quando há fragmentos
do gangliosídeo GM-1 na fase aguda, logo após no canal. Quando há fístula liquórica na ferida, esta
o término do pulso de metilprednisolona, com deve ser corrigida para a prevenção de complicação
dose inicial de 300 mg, mantida com 100 mg/dia infecciosa como meningite.
por 56 dias.
Após diagnóstico e avaliação neurológica, lesões
instáveis com listese ou luxação, em traumatismos
cervicais fechados, deverão ser reduzidas e estabiliza-
das mediante tração ou cirurgia. A correção cirúrgica,
tanto para estabilização quanto para descompressão
Considerações gerais
de fragmentos no canal central, deverá ser realizada sobre fratura cervical
assim que o quadro clínico permita (estabilidade he-
modinâmica). A estabilização precoce permite
uma rápida mobilização e reabilitação do pacien-
te, diminuindo as complicações sistêmicas.
A perda da estabilidade ocorre com lesão de dois Fraturas da coluna
ou mais eixos de sustentação da coluna. Indicações ou- cervical superior
tras: descompressão de estruturas neurais, hérnia dis-
São consideradas lesões da coluna cervical su-
cal traumática, facetas com luxação. Vantagens: mobi-
lização precoce do paciente, redução das complicações perior as que envolvem as vértebras de C1 a C3 jun-
associadas ao decúbito prolongado. tamente com a articulação occipito-C1. As lesões oc-
cipitocervicais na porção superior da coluna cervical
Em casos de listeses e luxações cervicais pode ser facilmente passam despercebidas, merecendo um
usado o halo de tração cervical para se estabilizar a co- elevado grau de suspeita, principalmente no pacien-
luna antes do procedimento cirúrgico, tentar reduzir a te politraumatizado. Lesões da junção craniovertebral
lesão na coluna para facilitar o procedimento cirúrgico necessitam de uma avaliação criteriosa, pois, além de
e reduzir a lesão na medula para interromper a agres- ser uma localização de difícil análise, também pode
são medular. apresentar alterações como calcificação do ligamento
As fraturas de côndilo occipital podem ser linea- alar que confundem o diagnóstico.
res ou cominutivas, sendo ambas estáveis e de trata-
mento conservador. Já a avulsão de côndilo necessita
de fixação occipito cervical. O deslocamento atlanto
occipital pode gerar desde dor a tetraplegia e insta-
bilidade respiratória e deve ser submetido à fixação
Luxação atlanto-occipital
occipito cervical. A fratura do atlas corresponde a Rara, com mecanismo de ação de alta energia
10% das fraturas da coluna cervical, ocorre por cinética, muitas vezes em hiperextensão e tração, as-
compressão axial e o déficit neurológico é raro sociado a um componente rotacional que pode causar
na fratura isolada. Há 4 padrões básicos: fratura do ruptura de todas as conexões ligamentares e transec-
arco posterior (estável e uso de halo-vest); fratura de ção medular, na maioria das vezes incompatível com a
Jefferson (fratura de arco anterior e posterior bilate- vida. O tratamento é realizado por meio de artrodese
ralmente), se não há deslocamento de massa lateral via posterior.
Subfuxação atlantoaxial
Mais comum em crianças, quando ocorrem após
trauma pequeno ou espontaneamente. Em adultos, ne-
cessita um trauma maior provocando a lesão dos liga-
mentos alares e transverso com flexão e translação de
Cl anteriormente. Enquanto alguns pacientes são as-
sintomáticos, outros podem apresentar dor cervical ou
torcicolo. Radiograficamente, nota-se o deslocamento
das massas laterais em relação ao odontoide, na inci-
dência transoral, aumento do intervalo atlantodental
superior a 3 mm na incidência lateral e desvio dos pro-
cessos espinhosos C1-C2 na incidência anteroposterior
(AP). O tratamento da subluxação rotatória atlatoaxial
é, geralmente, conservador, com tração seguida de imo-
bilização. Entretanto, há alta taxa de recorrência do
problema. Nesses casos, indica-se artrodese C1-C2. Em
lesões instáveis, realiza-se fusão posterior C1-C2.
Figura 27.2 Esta fratura da primeira vértebra cervi-
cal (fratura de Jefferson) produziu uma abertura dos
Fratura do atlas (fratura de maciços laterais em relação à segunda vértebra cervical.
Je昀昀erson)
Ocorre por meio de mecanismo de compressão
axial secundariamente ao impacto dos côndilos occipi-
tais sobre o arco de C1. O diagnóstico dessas fraturas é
realizado com radiografias planas. A incidência transoral
mostra assimetria das massas laterais de C1 sobre C2. O
alargamento bilateral maior que 6,9 mm é sugestivo de
ruptura do ligamento transverso, com potencial instabi-
lidade tardia. O tratamento das fraturas isoladas do atlas
é, geralmente, incruento, com uso de halo-gesso por 3 a
4 meses. Se permanecer instabilidade tardia, mesmo com
consolidação óssea, indica-se fusão posterior C1-C2.
Fratura do odontoide
Associada a trauma de alta velocidade, em geral
Figura 27.1 Classificação das fraturas do atlas (a topo- em flexão. De acordo com Anderson e D’Alonzo,
grafia das lesões está delimitada pela marcação escura). há 3 tipos de fraturas.
No tipo I a fratura ocorre no ápice do processo a radiografia de frente mostra perda do alinhamento
odontóide, por meio da avulsão de fragmento ósseo. entre os processos espinhosos. A luxação facetária
Com bom suprimento sanguíneo e estabilidade pre- pode ser observada nas radiografias oblíquas. A es-
servada, é uma fratura de tratamento conservador. tabilização cirúrgica é indicada mesmo após redução
No tipo II, mais comum, a fratura ocorre na com tração e halo craniano.
base do processo odontóide, na sua junção com o cor-
po. Esta apresenta alta taxa de pseudartrose com o
tratamento clínico, podendo ser indicado tratamento
cirúrgico de imediato ou se houver falha do tratamen-
to conservador. As indicações precisas do tratamento
cirúrgico ainda são muito discutidas.
No tipo III a fratura ocorre no corpo do áxis e
o tratamento incruento costuma apresentar bons re-
sultados.
Figura 27.7 A: radiografia em perfil da coluna cervical. Observe o alinhamento, as estruturas ósseas, os interes-
paços, as articulações interapofisárias, as apófises espinhosas e os tecidos moles. B: RM da coluna cervical na ponder-
ação T2. Observe: coleção hiperintensa (metaemoglobina extracelular) em situação pré-vertebral; espondilolistese
anterior de C4 sobre C5; afastamento das apófises espinhosas de C4 e de C5; a lesão hiperintensa da medula e o he-
matoma entre as apófises espinhosas. A área de hiperintensidade de sinal da medula em T2 pode representar edema
(reversível), isquemia (irreversível), malácia (irreversível), ou, ainda, uma soma destes três fatores.
28
Trauma musculoesquelético
Cabe ressaltar que, muitas vezes, por essas le- Lesões resultantes de projétil de arma de fogo
sões apresentarem sangramento importante ou de- de alta velocidade;
salinhamento ósseo grave, o socorrista abandona o Lesões resultantes de queimaduras por eletrici-
protocolo por causa de sua ansiedade em controlar o dade, calor ou frio;
sangramento ou aliviar a dor. Tal conduta é errônea e Lesões com contaminação significativa;
deve ser combatida. A prioridade das vias aéreas e da
respiração deve ser mantida. Apenas com o paciente Lesões com tecido denervado ou isquêmico.
estabilizado com relação às vias aéreas e sua respira-
ção é que iniciamos o passo seguinte, que consiste na
análise da circulação sanguínea.
Obviamente, em um serviço que disponha de Amputações
mais de um socorrista para realizar o atendimento, é
benéfica a intervenção simultânea em relação às par- traumáticas
tes respiratória e circulatória.
Representam um risco significativo de vida e à
Sempre lembrar que as fraturas, especialmente
as de pelve, que podem sequestrar até mais de 2 litros, sobrevivência do coto residual da extremidade, por
devem ser consideradas lesões potencialmente deple- isso a hemostasia e os cuidados com a ferida têm prio-
toras de volume e muitas vezes encontram seu lugar ridade no tratamento.
no C do ABCDE do trauma. Os cuidados com a parte amputada consistem
No exame físico, o paciente precisa estar despido em: coibir o sangramento da extremidade por com-
e deve ser feita a comparação das extremidades com as pressão (com pano ou compressa limpa); envolver o
extremidades contralaterais. Qualquer fator de desse- coto residual em pano limpo; introduzi-lo em um saco
melhanças pode sugerir lesão. plástico e então mergulhar em uma caixa com gelo, a
fim de aumentar sua viabilidade por resfriamento.
É de imensa importância analisar a perfusão do
membro lesado, para nos assegurarmos de que não
haja lesão vascular associada ao trauma, o que ocorre
com relativa frequência nas luxações de joelho. Logo,
devemos nos ater a observar: semelhança das extremi-
dades, sangramentos, coloração da pele, escoriações,
crepitação, temperatura, dor, movimentação ativa e
passiva e, sobretudo, pulsos.
O estado neurológico pode se encontrar alterado
por lesão direta do nervo, lesão vascular ou por sín-
drome compartimental.
Caso apareçam ou persistam, após o alinhamen-
to da fratura, sinais sugestivos de lesão vascular ou
nervosa, o médico deve verificar o método de imobili-
zação e reavaliar o alinhamento do membro.
A avaliação da perfusão distal pode ser feita com
medidas de pressão arterial, com ou sem o auxílio do
Doppler. Em casos de dúvida, o médico pode se utilizar Figura 28.1 Amputação traumática de perna esquer-
de métodos de imagem como a angiografia, que pode da por acidente automobilístico.
ser realizada assim que o paciente estiver estável.
Lesões musculares
São causadas por traumas diretos ou indiretos nos
músculos, provocando lesões que interrompem, em ex-
tensão variável, a integridade das fibras musculares.
As radiografias demonstram poucas alterações,
enquanto a ultrassonografia e a RNM são muito úteis
para se visualizar a extensão da lesão.
O tratamento dependerá da extensão da lesão,
do músculo acometido e da atividade do paciente.
Pode variar desde a imobilização até a reparação cirúr-
gica, principalmente nas lesões completas do ventre
muscular, nas transições miotendíneas, no tendão ou Figura 28.2 ratura exposta de perna direita.
na inserção óssea.
tecido ósseo igual ao original. Pode se dar de maneira fraturas de diáfise dos ossos do antebraço;
direta (primária), ou indireta (secundária) e sempre ne- fraturas expostas;
cessita de duas condições: vascularização e estabilidade.
pseudoartroses;
A consolidação indireta se dá na natureza, sem
falha no tratamento conservador;
intervenção ativa. A dor e instabilidade local acabam
provocando uma contratura dos músculos próximos, polifraturados e politraumatizados;
o que propicia uma redução da instabilidade anterior- fraturas associadas à lesão vascular.
mente apresentada às custas de encurtamento por
muitas vezes. O hematoma local possui células pluri-
potentes, que se diferenciam em fibrócitos e condró-
citos, que produzem um arcabouço fibroso para esta- b) Indicações recomendáveis:
bilizar a fratura; só então haverá produção de tecido fraturas de diáfise de fêmur;
ósseo. A ossificação se inicia distalmente, sob formato justa-articulares;
de reação periostal.
maleolares;
A consolidação direta não apresenta o calo ósseo,
evoluindo com a produção de tecido ósseo diretamen- diáfise de úmero instável ou em obesos;
te. Sua unidade funcional é a osteona, que consiste de instáveis de diáfise de tíbia etc.
um capilar neoformado a partir do osso vascularizado
possuidor de osteoclastos que imediatamente passam
a absorver o osso desvitalizado. A partir de então, o
capilar conduz histiócitos, que se diferenciam em os- c) Indicações relativas:
teoblastos, que produzem a matriz osteoide. De acordo com características próprias do doen-
De ambas as maneiras, a consolidação se dá te e não da fratura. Exemplo disso seria o paciente que
em aproximadamente 2 meses e o fenômeno de não aceita permanecer por longo período imobilizado
remodelação, em 18 meses. ou não pode se afastar do serviço por muito tempo.
Existem dois tipos de osteossíntese (méto-
do cirúrgico): fixação externa e interna.
A fixação externa utiliza aparelhos transfixan-
Tratamento tes (utiliza-se fios de Kirschner), ou não transfixan-
tes, e propicia boa estabilização sem a necessidade de
O tratamento da fratura segue o que se chama
abordagem maior próxima ao foco.
personalidade da fratura, que se define de acordo
com características próprias da fratura, da equipe mé- A fixação interna utiliza placas (de proteção,
dica, do doente, do hospital e do material disponível. compressão ou sustentação), ou de síntese intrame-
Logo, uma mesma fratura pode apresentar mais de um dular (hastes intramedulares, pinos de Rush, gama
tratamento adequado. nail etc.) e pode ser realizada com ou sem a abertura
O objetivo a ser alcançado é a manutenção da do foco.
função, nos níveis existentes antes do acidente, no
menor espaço de tempo, sem prejuízo na consolida-
ção, com as articulações vizinhas estáveis, sem a pre-
sença de dor e de maneira permanente. Isto pode ser Tratamento incruento
obtido de modo cruento ou incruento.
Consiste em:
Abstenção de tratamento: para fraturas que
Tratamento cruento não necessitam de intervenção por não apresen-
Há três níveis de indicação do tratamento opera- tarem desvio importante ou dor. Exemplo: 3° ou
tório (a, b, c): 4° metacarpianos, terço proximal de fíbula etc.;
Imobilização com enfaixamento ou gessada:
visa redução da fratura e alívio da dor. Exemplo:
a) Indicações absolutas: costelas, diáfise de úmero e clavícula etc.;
Tração esquelética ou cutânea seguida ou Nos casos das lesões abertas, segue-se o mesmo
não de aparelho gessado: redução dos frag- raciocínio das lesões vasculares, porém com a particu-
mentos de maneira lenta e progressiva. A tração laridade de que os troncos nervosos devem sempre ser
esquelética é mais eficiente, sendo que a cutâ- reparados e até enxertados nos casos de falha segmen-
nea apresenta caráter provisório, enquanto o tar e/ou de retração dos cotos.
melhor método de tratamento é providenciado.
Complicações Infecção
É mais comum nas fraturas expostas, sendo o
tratamento baseado no tempo de evolução, extensão
Precoces da lesão, condições do paciente etc.
Quando acontece no pós-operatório, o tratamen-
to inicia-se com a administração de antibióticos. Na
Síndrome compartimental falta de uma resposta satisfatória nos primeiros 3 dias,
Trata-se de complicação grave, que deve ser sus- recomenda-se internação, troca do antibiótico para
peitada sempre na presença de dor desproporcional. O um de maior espectro e limpeza cirúrgica com coleta
compartimento anterior é o mais comumente envol- de material para cultura e antibiograma (3 amostras).
vido. É mais comum em fraturas fechadas, sobretudo Ao se obter o resultado desses exames, promove-se o
nas primeiras horas após o trauma e no pós-operató- descalonamento do antibiótico, direcionando-o para
rio imediato. A ocorrência em fraturas expostas é rara, as bactérias encontradas.
com exceção daquelas tratadas cirurgicamente com Sempre que possível, o material de síntese deve ser
fechamento completo da ferida. preservado pelo menos até a consolidação da fratura.
O diagnóstico é basicamente clínico, com a
presença de sinais como palidez, parestesia, diminui-
ção de pulso e perfusão, e, principalmente, dor in-
tensa, agravada com a distensão da musculatura
existente no compartimento envolvido. Todavia, em
Tardias
pacientes inconscientes, como é o caso daqueles que fo-
ram vítimas de traumatismo cranioencefálico, o parâme-
Sinostose radioulnar pós-traumática
tro clínico encontra-se comprometido. Nesta situação,
deve-se proceder a mensuração da pressão intracompar- É uma complicação rara e intimamente rela-
timental e, de posse desta, pode proceder o cálculo do cionada à gravidade do trauma, visto que é mais
coeficiente delta-P, que é o produto do valor da pressão comum nos pacientes vítimas de esmagamento.
arterial média menos o valor da pressão intracomparti- Outras situações que aumentam o risco de tal com-
mental, considerando-se que valores iguais ou menores plicação são: a utilização de via de acesso única para
que 40 indicam a presença da síndrome compartimentai. os dois ossos, a colocação de parafusos grandes em
direção à membrana interóssea e a ocorrência de
Ao ser confirmada, o seu tratamento é de
fraturas proximais.
emergência, pois uma vez instalada a síndrome,
8 horas já são suficientes para causar lesões ir- O tratamento é cirúrgico, consistindo em res-
reversíveis. O tratamento deve ser sempre cirúrgico, secção da sinostose, controle do hematoma e inter-
consistindo em fasciotomias amplas, podendo a inci- posição de tecidos moles, associado à mobilização
são de pele ser segmentar. precoce no pós-operatório. A radioterapia e a indo-
metacina (25 mg 3 vezes/dia) também podem ser
usadas nesse período.
Lesões neurológicas
Também são raras nas fraturas fechadas, devendo
sempre ser avaliadas não só por questões legais, mas tam-
bém para comparações pós-operatórias. Caso exista após Consolidação viciosa
o trauma, a conduta normalmente é expectante, e, se em Ocorre, sobretudo, por má e/ou perda de redução
3 meses não houver sinais de recuperação, a exploração da fratura. A indicação cirúrgica torna-se imperativa
está indicada. Nas situações em que o quadro se instala nos pacientes que cursam com diminuição importante
após a cirurgia, a intervenção deve dar-se o quanto antes da pronossupinação, sendo que quanto mais precoce
a fim de procurar compressões causadas pela placa. for a correção, melhor será o resultado.
Refratura
Refraturas são mais comuns nos primeiros 4 me-
ses após a retirada do material de síntese e devem ser
tratadas, basicamente, como fraturas agudas, porém, Quando fazer
neste caso, com peso de constituírem uma reoperação,
e, portanto, com maior índice de complicações, pois já
fasciotomia?
existem alterações teciduais perifratura, muitas vezes
com presença de tecido fibroso abundante que dificul- Diante de síndrome compartimental (pressão
ta a identificação das estruturas anatômicas. compartimental elevada > 30 mmHg), cuja expressão
clínica clássica (se caracteriza por parestesia, paralisia
e dor), um procedimento com fasciotomia imediata
para aliviar a pressão.
Consideração para A avaliação clínica pode ser muito difícil em
razão de o doente estar sedado, anestesiado ou com
amputação trauma cranioencefálico, e a indicação de fascioto-
mia inicial pode ser postergada. Por isso, a extre-
A amputação primária sem nenhuma tentativa midade deverá ser cuidadosamente observada no
de salvamento do membro é relatada em 10 a 22% dos pós-operatório, com monitoração da pressão com-
casos com trauma complexo da extremidade. partimental, avaliação da perfusão, palpação da
musculatura da panturrilha.
As lesões combinadas que resultam em perda ou
disfunção do membro podem ser previstas em poucos Alguns critérios auxiliam a indicação de fas-
dias da lesão, por um número de fatores prognósticos ciotomia precoce:
que determinarão o resultado. A amputação precoce 1. Edema maciço da extremidade;
com poucos dias deverá ser considerada se esses fato-
2. Lesão musculoesquelética distal grave;
res estiverem presentes.
3. Choque prolongado;
Trauma extremidade com lesão combinada
4. Retardo na normalização do fluxo (isquemia
vascular/ óssea modificado
> 6 horas);
Múltiplas fraturas
5. Lesões de artérias e veias associadas;
Fratura Gustillo III - C
Transecção nervo tibial ou ciático 6. Ligadura da veia poplítea ou das múltiplas
Isquemia prolongada (> 6 a 12 horas) veias da perna;
Lesão arterial abaixo do joelho 7. Lesão por esmagamento associada.
Ligadura venosa
Perda extensa de tecidos moles O procedimento é realizado pela técnica
Cobertura inadequada dos tecidos moles do reparo
de Mubarak e cols., e consiste em praticar duas in-
cisões cutâneas longas, uma anterolateral e a outra
vascular
posteromedial na perna. Os quatro compartimentos
Contaminação severa da ferida
devem ser descomprimidos evitando sequelas vascu-
Choque com lesões associadas que ameaçam a vida
lares e neuromusculares.
Em 1897, Johannes Von Mikulicz Radecki (1850-1905): descreveu o uso da máscara cirúrgica.
29
Trauma pediátrico
Segue uma tabela (não se trata da escala de Broselow, mas também é muito útil):
No doente inconsciente, dispositivos auxiliares à Deve-se utilizar uma sonda sem balão (crianças <
permeabilidade da via aérea podem ser empregados, não 9 anos) e de tamanho apropriado para evitar o edema
esquecendo suas peculiaridades, principalmente quanto subglótico, lesão da mucosa e a ruptura da frágil via
à colocação de cânulas orofaríngeas (ver via aérea). aérea da criança ou do bebê.
O importante a ser lembrado é que, antes de Uma técnica simples para escolha do tamanho
qualquer tentativa de obtenção de via aérea, o pacien- da sonda de intubação é compará-la com o diâmetro
te deve ser oxigenado. Deve ser ofertado O2, 10-12 da narina ou do dedo mínimo da criança ou usando a
litros/min. (FiO2=100%), seja em máscara ou em dis- equação abaixo. Na criança inconsciente, a intubação
positivo balão-válvula-máscara (AMBU) com reserva- orotraqueal ocorre, na maioria das vezes, sem maiores
tório de O2. problemas. O grande problema é na criança consciente
A frequência respiratória da criança diminui com e agitada que não permite a intubação, mas que neces-
a idade. Lactentes necessitam de 40 a 60 movimentos sita de via aérea definitiva. Nessa situação, a intubação
respiratórios por minuto, enquanto crianças mais ve- de sequência rápida pode ser realizada com oxigenação
lhas respiram 20 vezes por minuto. Os volumes corren- prévia e aplicação de atropina para evitar bradicardia e
tes variam de 6 a 8 mL/kg para lactentes e crianças (vo- possível progressão irreversível para assistolia (sabe-
lumes maiores de até 10 mL/kg mais raramente podem -se que o principal determinante do débito cardí-
ser empregados, já que volumes maiores favorecem o aco na criança é a frequência cardíaca).
barotrauma e pneumotórax/pneumomediastino).
Diâmetro interno (mm) = 16 + idade (anos) / 4
A causa mais comum de parada cardíaca em
criança é a hipoventilação (problemas pulmonares ou
na VA). E o pior: as crianças não evoluem para fibri- A pressão na cartilagem cricóide evita a aspira-
lação ventricular como ocorre no adulto (no adulto é ção de conteúdo gástrico.
mais fácil, pois se procede à desfibrilação); a criança
A criança deve, então, ser sedada para, após, ser
evolui direto para a assistolia e daí o choque não tem
curarizada (paralisia muscular). O fator mais impor-
efeito, pois primeiro temos de fibrilar o coração com
tante na escolha do tipo de sedação é a volemia.
drogas e depois desfibrilar com o choque.
O paciente normotenso pode ser sedado com tiopen-
Antes que ocorra a parada cardíaca, entretanto, a tal. Entretanto, se hipotenso, deve ser sedado com mi-
hipoventilação provoca acidose respiratória (distúrbio dazolam, uma vez que o tiopental piora ainda mais a
acidobásico mais frequente durante a reanimação da hipotensão e a instabilidade hemodinâmica.
criança traumatizada).
De maneira ideal, devem-se usar agentes paralisan-
Se a ventilação e perfusão não forem adequadas, tes de ação curta como, por exemplo, a succinilcolina.
a tentativa de corrigir a acidose com bicarbonato de
O antídoto específico para os diazepínicos (mi-
sódio pode levar ao agravamento da hipercapnia, pio-
dazolam, etc.) é o flumazenil, que deve estar pron-
rando a acidose. Por isso que, inicialmente, a conduta
tamente disponível. A succinilcolina tem um início de
deve ser o aumento discreto da frequência respirató-
ação rápida, curta duração e, provavelmente, é a droga
ria, com cautela em pacientes vítimas de TCE grave
mais segura. Depois que o tubo endotraqueal é inseri-
(retenção de CO2 no cérebro causa vasodilatação e
do, a sua posição deve ser avaliada. Se não for possível
pode piorar lesões intracerebrais que porventura exis-
posicionar o tubo endotraqueal depois que a criança
tam; por outro lado, se a criança for hiperventilada,
foi paralisada, ela deve ser ventilada com dispositivo
pode haver isquemia cerebral).
balão-válvula-máscara até que a via aérea seja protegi-
da de forma definitiva.
A sonda endotraqueal deve ser posicionada 2
1- Intubação orotraqueal a 3 cm abaixo das cordas vocais e mantida no lugar
Indicações de via aérea definitiva (mesmas cuidadosamente. Em seguida, deve-se proceder à aus-
do adulto): culta de ambos os hemitórax, na região axilar, para
confirmar que não houve intubação seletiva do brô-
a) Proteção de via aérea; nquio fonte direito e que ambos os hemitórax estão
b) Via aérea comprometida (queimadura de vias ventilando adequadamente. Uma radiografia de tórax
aéreas, fraturas de face etc.); deve ser feita para identificar precisamente a posição
c) Glasgow ≤ 8; do tubo endotraqueal. Qualquer movimento da cabe-
ça da criança pode deslocar a sonda endotraqueal. A
d) Queda da saturação e piora clínica em ventila- ausculta pulmonar deve ser realizada periodicamen-
ção com máscara. te para garantir que o tubo esteja situado na posição
A intubação orotraqueal é o meio mais seguro de se apropriada e para identificar o desenvolvimento de
estabelecer a permeabilidade da via aérea e de ventilar. uma disfunção ventilatória.
A intubação nasotraqueal não deve ser reali- da cavidade torácica através do 5° espaço intercostal,
zada na criança com idade inferior a 12 anos. Esta anteriormente à linha axilar média. Em recém-nascidos
técnica requer a introdução da sonda às cegas, através do prematuros e de muito baixo peso (exemplo: 700 g),
ângulo agudo da nasofaringe e em direção à glote, que nos quais o menor dos drenos torácicos não cabe no
se encontra posicionada anterior e superiormente. Isto espaço intercostal, a drenagem torácica pode ser feita
torna a intubação por esta via extremamente difícil. utilizando-se cateter central (intracath), simulando um
dreno de tórax que será conectado a equipo de soro e
então às conexões normais dos drenos de tórax.
2- Intubação de sequência rápida
(ISR) para o doente pediátrico
Pré-oxigenar C- Circulação e controle de
Sulfato de atropina 0,1 - 0,5 mg hemorragias
Sedação
Enquanto se realiza o diagnóstico de choque, deve-
-se conectar o monitor cardíaco com eletrodos infantis.
Paciente Hipovolêmico Paciente Normovolêmico
Midazolam HCl 0,1 mg/kg Tiopental sódico Um dos grandes problemas na criança é que fren-
(máximo de 5 mg) 4 - 5 mg/kg te a grandes hemorragias, existe grande capacidade de
(*Alternativa: Etomidato (*Alternativa. Etomidato 0,3 mg/kg compensação do estado hemodinâmico (grande reser-
0,3 mg/kg) ou Midazolam 0,1 mg/kg )
va fisiológica), antes que possa ocorrer sinais clínicos
Pressão na Cricoide de choque. Isso é perigoso porque os sinais vitais es-
Paralisia
tão próximos do normal (mesmo no choque grave) e
Cloreto de succinilcolina (Quelecin) quando a clínica de choque aparece, a deterioração do
< 10 kg: 2 mg/kg
> 10 kg: 1 mg/kg paciente é súbita e a morte é iminente se medidas de
reanimação não forem empregadas rapidamente.
Intubar, checar posição do tubo;
Liberar pressão na cricoide
3- Cricotireoidostomia
a) por punção: pode ser feita em todas as Sinais mais precoces de
crianças, incluindo bebês. Tem caráter temporário, hipovolemia na criança
no máximo de 30-45 min. Posteriormente precisa ser
convertida para traqueotomia por retenção de CO2 1) Taquicardia (é o primeiro sinal que aparece,
(hipercapnia progressiva). mas pode ser confundido com dor ou medo);
b) cirúrgica: contraindicada em < 12 anos, já
Quando avaliarmos taquicardia é importante lembrar
que a cricóide representa o esqueleto de sustentação
a FC normal no paciente com idade ≤ 6 meses (160-
da laringe.
180 bpm), no lactente (160 bpm), no pré-escolar (120
Nos doentes < 12 anos, a traqueostomia é bpm) e no adolescente (100 bpm).
preferível.
2) Má perfusão (enchimento capilar > 3 s);
Obs.: Não esquecer da possibilidade de cri-
co em menores de 12 anos, desde que o cirurgião 3) Diminuição > 20 mmHg da pressão de pulso
seja experiente, segundo o novo ATLS. (Psistólica-Pdiastólica);
4) Extremidades frias;
A avaliação precoce por um cirurgião deve ser realizada em todos os tipos de choque.
Quando não se sabe os valores normais da pressão arterial em crianças, a seguinte fórmula é útil
e prática:
PAS normal = 70 - 80 mmHg + 2x a idade (em anos). PAD é 2/3 do valor PAS
A pressão arterial sistólica da criança deve ser igual a 70 - 80 mmHg mais o dobro da idade em anos, enquan-
to a diastólica deve ser igual a 2/3 da pressão sistólica, como já foi mencionado.
Quando hipotensão aparece é porque já está presente choque grave (tipo IV) não compensado
com perda grave maior do que 45% do volume sanguíneo circulante.
E o que é pior: quando a hipotensão aparece, a taquicardia é substituída frequentemente por
bradicardia, que pode ser rapidamente fatal, sobretudo em lactentes (a frequência cardíaca é o principal deter-
minante do débito cardíaco em crianças).
Reposição volêmica
O objetivo no C do ABCD é o controle da hemorragia. Enquanto isso não ocorre (com cirurgia, fixação de fra-
turas etc.), é necessário que se faça a reposição volêmica rápida do volume circulante que foi perdido, usando-se,
preferencialmente, soluções cristalóides (Ringer ou soro fisiológico). O Ringer é preferível, haja vista que na uti-
lização isolada do soro fisiológico teríamos complicações (acidose hiperclorêmica). Entretanto, o Ringer pode
ser usado em intercâmbio com o soro fisiológico, sendo previamente aquecido e administrado em até
3 bolus de 20 mL/kg de peso da criança inicialmente, na mesma regra do adulto na proporção de 3:1.
O volume sanguíneo da criança pode ser estimado em 80 mL/kg.
Se as anormalidades hemodinâmicas não melhoram após o primeiro bolus de 20 mL/kg de cristalóide, aumen-
ta a suspeita de que existe hemorragia contínua e novos bolus de 20 mL/kg, por mais uma ou duas vezes, deverão ser
administrados. A avaliação de um cirurgião deve ser solicitada o mais breve possível. Quando se inicia o terceiro
bolus de cristalóides, ou se as condições da criança pioram, deve-se considerar a necessidade de trans-
fusão imediata de 10 mL/kg de concentrado de hemácias tipo específico ou tipo O negativo, aquecido.
Faixa Peso Frequência cardíaca Pressão arterial Frequência respiratória Débito urinário
etária (kg) (bat./min.) (mmHg) (resp/min.) (mL/kg/h)
Nascimento
3-6 180-160 60-80 60 2
até 6 meses
Lactente 12 160 80 40 1,5
Pré-escolar 16 120 90 30 1
Adolescente 35 100 100 20 0,5
Tabela 29.4 Parâmetros de sinais vitais em crianças segundo faixa etária.
A resposta à reanimação com soluções salinas e apropriado, pois não é isenta de complicações (celuli-
a tendência à normalização da perfusão orgânica de- tes, síndrome compartimental, fratura iatrogênica e,
vem ser monitoradas cuidadosamente em toda crian- raramente, osteomielites).
ça traumatizada. O acesso central deve ser evitado na urgência,
O retorno à estabilidade hemodinâmica é mas em situações especiais, e como uma última es-
indicado por: colha e conduta de exceção, pode ser introduzido por
1. Diminuição da frequência cardíaca (FC < 130 profissional bem treinado e conhecedor das possíveis
bat./min. com melhora de outros sinais fisiológicos); complicações que porventura venham a ocorrer. Dé-
bito urinário – melhor indicador de perfusão te-
2. Retorno dos pulsos periféricos (precisão sistó-
cidual na urgência.
lica de 80 mmHg para ter pulso radial palpável);
Para medir corretamente o débito urinário da
3. Aumento na pressão de pulso (> 20 mmHg);
criança, deve-se inserir uma sonda vesical de calibre
4. Retorno da cor normal da pele e reaquecimen- adequado a uretra pediátrica. Em crianças < 15 kg,
to das extremidades; deve ser evitado o uso de sonda vesical com balonete
5. Melhora do nível de consciência (melhora do insuflável (o ideal é usar sondas vesicais sem balão).
Glasgow); O débito urinário e a densidade da urina
6. Aumento da pressão arterial sistólica (> 80 representam os melhores métodos para deter-
mmHg); minar se a reposição de volume foi suficiente.
7. Débito urinário deve ser mantida na criança Dessa maneira, à medida que o déficit do volume
com idade ≤ 1 ano (2 mL.kg-1h-1), no escolar (1,5 mL.kg- intravascular tenha sido reposto, o débito uriná-
h ), na criança maior e no adolescente (1 mL.kg-1h-1)
-1 -1 rio volta ao normal.
e no adulto normal (0,5 mL.kg-1h-1). O débito urinário varia com a idade, assim como
o volume sanguíneo.
O débito urinário para recém-nascidos ou
lactentes de até um ano de idade é de 2 mL/kg/
Acesso venoso hora. A criança que está começando a andar tem
Logo que o acesso venoso é obtido devem um débito urinário de 1,5 mL/kg/hora, e a mais
ser coletados exames laboratoriais (hemogra- velha, de 1 mL/kg/hora até a adolescência.
ma, amilase, glicemia, eletrólitos, tempo de pro- Somente depois que a criança para de crescer é
trombina, tempo de protrombina parcial ativa- que ela passa a ter o débito urinário igual ao de adulto,
da). A gasometria arterial deve ser colhidas em ou seja, de 0,5 mL/kg/hora.
vítimas de traumas graves. Diagnóstico neurológico sumário (Glasgow)
Preferencial: punção periférica percutânea (v.
Muitas vezes, fica difícil realizar a escala de coma
cefálica ou v. basílica).
de Glasgow em crianças pequenas. Assim sendo, tra-
A veia femoral comum deve ser evitada, na me- tando-se de crianças < 4 anos, podemos utilizar a res-
dida do possível, em lactentes e crianças, exceto em posta verbal pediátrica modificada.
situações de extrema urgência, por causa da alta in-
cidência de trombose venosa e do risco de perda do
membro por isquemia ou de distúrbios no desenvolvi- Glasgow adulto Glasgow criança < 4 anos
mento do mesmo. Abertura ocular Abertura ocular
No insucesso da via periférica, o acesso periféri- Espontânea 4 Espontânea 4
co cirúrgico (flebotomia na veia safena, cefálica e mes- Estímulo verbal 3 Estímulo verbal 3
mo axilar/braquial em recém-nascidos) é a escolha. Estímulo doloroso 2 Estímulo doloroso 2
O acesso intraósseo pode ser obtido na ur- Sem resposta 1 Sem resposta 1
gência em crianças < 6 anos, quando não se con- Melhor resposta motora Melhor resposta motora
segue acesso periférico depois de duas tentati- Obedece a comandos 6 Obedece a comandos 6
vas. Esse acesso é feito através de punção da medula Localiza a dor 5 Localiza a dor 5
de um osso longo (1/3 proximal da tíbia abaixo da Flexão normal(retirada) 4 Flexão normal (retirada) 4
tuberosidade tibial) em um membro não traumatiza- Flexão anormal 3 Flexão anormal 3
do, sendo procedimento de emergência, que é seguro, (decorticação) (decorticação)
eficiente e requer menos tempo do que a dissecção ve- Extensão (descerebração) 2 Extensão 2
nosa. Apesar disso, a infusão infraóssea deve ser inter- (descerebração)
rompida assim que for estabelecido um acesso venoso Sem resposta 1 Sem resposta 1
Glasgow adulto Glasgow criança < 4 anos exames considerados adjuntos ao exame primá-
(Cont.) rio. Não se deve retardar transferência para fazer
Resposta verbal Escala verbal pediátrica LPD, TC, exames contrastados ou aortografia.
O tratamento não operatório, bem como a decisão vadas (cisto / vesicostomia) já lesões da uretra poste-
de operar um doente com trauma abdominal e com uma rior são tratadas com derivação urinária (cistostomia)
lesão visceral parenquimatosa confirmada, é uma op- e reconstrução em um segundo tempo, após desapare-
ção cirúrgica e como tal deve ser tomada por cirurgiões. cimento do hematoma.
Portanto, a participação do cirurgião na conduta inicial
do doente pediátrico é absolutamente necessária.
de mais de 3 mm. É claro que essas manobras não são Portanto, o exame radiológico normal não exclui
isentas de risco e devem ser solicitadas por ortopedis- a presença de lesão significativa da medula espinhal.
ta/ neurocirurgião. Assim, se o raio X for normal, e existirem dúvidas
Quando é vista uma subluxação na radiografia a respeito do exame físico ou de história de trauma
lateral de coluna cervical, deve-se ter certeza se é uma violento, a imobilização deve ser mantida e solicitada
pseudo subluxação ou uma lesão de coluna cervical. avaliação neurocirúrgica.
A pseudo subluxação das vértebras cervicais torna-se O tratamento de lesão da coluna de crianças
mais pronunciada pela flexão da coluna cervical, que é o mesmo oferecido aos adultos.
ocorre quando a criança deita em posição supina sobre Trauma fechado, chegada ao pronto-socor-
uma superfície dura. Para corrigir essa anormalidade ro em até 8 h do trauma: prescrever metilpredniso-
radiológica, deve-se colocar a cabeça da criança em po- lona 30 mg/kg/IV em bolus em 20 min. e 5,4 mg/kg
sição neutra, trazendo a cabeça para a frente, na po- nas demais 23 horas.
sição de cheirar, e repetir o raio X. A presença de uma
lesão de coluna pode ser identificada pelos achados do
exame neurológico ou através da palpação cuidadosa
da face posterior da coluna cervical, o que permite Conclusão
identificar uma área de edema facilmente depreciável
ou um degrau. Finalmente deve ser lembrado que a criança não
é um adulto em miniatura e tem várias peculiaridades
O aumento da distância entre o odontóide e o que devem ser observadas no atendimento de emer-
arco anterior de C-1 ocorre em cerca de 20% das crian- gência. A reanimação deve ser rápida e ao mesmo
ças mais jovens. Frequentemente são observadas dis- tempo efetiva, lembrando-se que, se o estado hemo-
tâncias maiores do que o limite superior da normali- dinâmico da criança subitamente piora, existe risco
dade para a população adulta. iminente de morte e o socorrista deve estar atento.
As linhas de crescimento ósseo podem ser O abuso infantil deve ser sempre suspeitado,
confundidas com fraturas. sobretudo na presença de fraturas múltiplas de dife-
As crianças podem apresentar lesão medular rentes idades. Nesse caso, a assistente social deve ser
sem anormalidades no raio X, com frequência maior acionada. Mais uma vez, se o hospital que recebe o
do que os adultos. Em mais de 2/3 das crianças que trauma não tem condições ou experiência em trauma
são portadoras de lesão medular, os exames ra- pediátrico, a criança deverá ser transferida. Essa deci-
diológicos são normais. são deverá ser feita ainda no exame primário.
30
Trauma em gestantes
tem o abdome superior nas fases tardias da gestação melhas é proporcionalmente menor, o que resulta em
podem resultar em lesões intestinais complexas em redução do hematócrito (anemia fisiológica da gravi-
decorrência deste deslocamento em direção cefálica. dez). No final da gestação, um valor de hematócrito
Durante o primeiro trimestre, as paredes do úte- entre 31 e 35% é normal. Durante uma hemorra-
ro são mais espessas, o seu tamanho é pequeno e ele se gia, gestantes que não apresentam problemas de
saúde podem perder 1.200 a 1.500 mL de seu vo-
encontra protegido pelos ossos da pelve.
lume sanguíneo, antes que ocorram sinais e sin-
Durante o segundo trimestre, o útero aumenta tomas de hipovolemia. Entretanto, esta perda san-
além de sua proteção pélvica, mas o pequeno feto per- guínea pode resultar em sofrimento fetal, evidenciado
manece móvel e protegido por grande quantidade de por uma frequência cardíaca fetal anormal.
líquido amniótico. Esse, por sua vez, pode ser fonte
de embolia por líquido amniótico e coagulação intra-
vascular disseminada após traumatismo, desde que
ganhe acesso ao espaço intravascular. Composição
Em torno do terceiro trimestre, o útero é gran- O número de glóbulos brancos aumenta na gra-
de e suas paredes finas. Quando o feto se apresenta videz. Não é incomum que se detectem leucocitoses
em posição occipital, sua cabeça costuma estar dentro de 15.000/mm3 na gravidez, e que esse número al-
da pelve, enquanto o restante de seu corpo é exposto cance 25.000/mm3 durante o trabalho de parto. Os
acima do anel pélvico. Fraturas pélvicas na gestação níveis séricos de fibrinogênio e de muitos outros fa-
avançada podem resultar em fraturas do crânio do tores de coagulação estão discretamente elevados. Os
feto assim como em outras lesões intracranianas gra- tempos de protrombina e de tromboplastina parcial
ves. Contrariamente ao que ocorre com o miométrio, ativada podem estar diminuídos, mas os tempos de
que é elástico, a placenta possui elasticidade reduzida. sangramento e coagulação não se alteram. A albu-
Esta falta de elasticidade dos tecidos placentá- mina sérica cai a níveis entre 2,2 e 2,8 g/100 mL na
rios facilita a atuação de forças de cisalhamento gravidez, provocando diminuição dos níveis de pro-
na interface uteroplacentária, que podem levar teínas séricas em aproximadamente 1 g/100 mL. A
ao descolamento da placenta. osmolaridade plasmática permanece em torno de
280 mOsm/1 na gravidez.
Parâmetros hemodinâmicos
Embora se encontrem muito dilatados durante
a gestação, os vasos placentários são particularmente
sensíveis à estimulação por catecolaminas. Assim sen- Débito cardíaco
do, a redução abrupta do volume circulante pode resul- Depois da 10ª semana de gestação, o débito car-
tar em profundo aumento na resistência vascular uteri- díaco aumenta em 1 a 1,5 litro por minuto como de-
na, reduzindo a oxigenação fetal a despeito de os sinais corrência do aumento do volume plasmático e da re-
vitais da mãe se manterem razoavelmente normais. dução da resistência vascular do útero e da placenta,
Todas essas alterações tornam o útero e o seu estruturas que recebem cerca de 20% do débito cardí-
conteúdo mais suscetíveis ao traumatismo, incluindo aco da gestante no terceiro trimestre de gravidez. Este
perfuração, ruptura, descolamento de placenta e rup- aumento de débito cardíaco pode ser influenciado de
modo significativo pela posição materna na segunda
tura prematura da bolsa.
metade da gravidez. Em posição supina, a com-
pressão da veia cava pode reduzir o débito cardí-
aco em torno de 30% em decorrência da redução
do retorno venoso dos membros inferiores.
Volume e composição do
sangue
Frequência cardíaca
A frequência cardíaca aumenta gradualmente de
Volume 10 a 15 batimentos por minuto durante a gravidez, al-
O volume plasmático aumenta progressiva- cançando seus valores máximos no terceiro trimestre.
mente ao longo da gestação, alcançando seu pico Esta alteração deve ser considerada na interpretação
na 34ª semana. O aumento do volume de células ver- da taquicardia secundária à hipovolemia.
Urinárias
Pressão venosa A filtração glomerular e o fluxo plasmático
renal aumentam na gravidez. Os níveis plasmáti-
A pressão venosa central (PVC) de repouso é va-
cos de ureia e creatinina caem à metade dos valores
riável na gravidez, mas a resposta à administração de
normais observados antes da gravidez. A glicosúria é
volume é semelhante àquela da doente não grávida. A
comum na gestação. A urografia excretora revela di-
hipertensão venosa dos membros inferiores é normal
latação fisiológica dos cálices renais, da pelve e dos
no terceiro trimestre.
ureteres, dilatação esta que pode persistir por várias
semanas após o término da gravidez. Tendo em vista
a dextro-rotação usual do útero, o sistema cole-
Alterações eletrocardiográ昀椀cas tor direito frequentemente está mais dilatado
do que o esquerdo.
O eixo pode estar desviado para a esquerda em
cerca de 15º. O achatamento ou a inversão da onda T
em D3, AVF e nas derivações precordiais podem ser
normais. As extrassístoles podem ocorrer com maior
frequência durante a gravidez.
Endócrinas
A hipófise aumenta 30 a 50% em tamanho e peso
durante a gravidez. O choque pode causar necrose da
hipófise anterior, levando à insuficiência hipofisária
(Síndrome de Sheehan).
Respiratórias
O volume minuto aumenta principalmente como
resultado do aumento do volume corrente. Admite-se
que esta alteração seja devida aos elevados níveis de Musculoesqueléticas
progesterona observados durante a gravidez. Por esta
A sínfise púbica é alargada no 7º mês (4 a 8 mm).
razão, a hipocapnia (pCO2 de 30 mmHg) é comum no
Os espaços das articulações sacroilíacas também au-
final da gravidez. Na gestação, níveis de PaCO2 de 35
mentam. Esses aspectos devem ser considerados na
a 40 mmHg podem refletir a iminência de uma insufi-
interpretação das radiografias da bacia.
ciência respiratória. Embora a capacidade vital força-
da tenha leves flutuações na gravidez, ela é mantida
constante pela alteração equivalente e oposta da ca-
pacidade inspiratória (que aumenta) e do volume re-
sidual (que diminui). A diminuição do volume residual Neurológicas
parece ser causada por alterações anatômicas na cavi- A eclâmpsia é uma complicação do final da gra-
dade torácica e está associada à elevação diafragmáti- videz que pode simular trauma craniano. Ela deve
ca e a alterações pulmonares, parenquimatosas e vas- ser considerada quando ocorrem convulsões acom-
culares, visíveis no raio X. O consumo de oxigênio panhadas por hipertensão, hiperreflexia, proteinúria
está geralmente aumentado durante a gravidez, e edema periférico. A interconsulta com um neurolo-
razão pela qual a manutenção de uma oxigenação gista e um obstetra costuma ser de grande ajuda para
arterial adequada é importante na reanimação o diagnóstico diferencial entre eclâmpsia e outras
da gestante traumatizada. causas de convulsões.
A reposição intravenosa rápida de líquido (Rin- Utilizar cânula orofaríngea (cânula de Guedel),
ger lactato ou soro fisiológico) deve ser iniciada se se necessário, em vítimas inconscientes que não
houver qualquer suspeita de sangramento importante apresentam reação à sua introdução. Em pa-
(externo ou interno). Utilizar cateter de grosso calibre cientes conscientes, pode induzir vômitos e/ou
em até duas veias periféricas. laringoespasmo, sendo contraindicada nestes;
acima de 20 semanas (útero acima da cicatriz umbi- O tratamento de cada lesão específica poderá ser
lical), é aconselhável deixá-la em obser vação por um cirúrgico ou não, seguindo os mesmos princípios do
período não inferior a 12 h, em razão do risco de de- tratamento de outros pacientes.
senvolver descolamento prematuro de placenta que,
Caso haja indicação de laparotomia, o feto tolera
em uma fase inicial, pode ser assintomático.
bem o procedimento desde que seja mantida uma boa
oxigenação e estabilidade hemodinâmica da mãe. Nem
Escala de lesão uterina em gestantes
sempre haverá indicação de cesariana e os traumatis-
Grau Lesão mos penetrantes do útero necessitarão muitas vezes
Contusão/hematoma (sem descolamento de de avaliação multidisciplinar, com neonatologista e ci-
I
placenta) rurgião pediátrico, para se decidir sobre a interrupção
Laceração superficial (≤ 1 cm) ou descolamento da gravidez.
II
de placenta parcial < 25%
A hemorragia maternofetal pode resultar em
Laceração profunda (> 1 cm) ocorrendo no se- anemia e morte do feto. No caso de mãe Rh negati-
gundo semestre ou descolamento de placenta > vo, pode ocorrer isoimunização com a passagem de
III
25% e < 50%
0,01 mL de sangue fetal com fator Rh positivo, sen-
Laceração profunda (> 1 cm) no terceiro trimestre
sibilizando cerca de 70% das gestantes com fator Rh
Laceração envolvendo a artéria uterina. Lace-
IV ração profunda (> 1 cm) com > 50% de descola- negativo. A terapia com imunoglobulina em mães Rh
mento de placenta negativo deve ser indicada nas primeiras 72 h após
Ruptura uterina no segundo ou terceiro trimestre o trauma.
V
Descolamento de placenta completo A indicação de cesariana post mortem é contro-
Tabela 30.1 versa e depende da avaliação de cada caso específico.
“As doenças que não são curadas por medicamentos são curadas pelo ferro; aquelas que não são curadas pelo
ferro, são curadas pelo fogo, as que não são curadas pelo fogo são incuráveis”.
Gregos.
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