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20/02/2019 Quando a lei e o Islã andam juntos no ramadan | Revista Diáspora

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QUANDO A LEI E O ISLÃ
ANDAM JUNTOS NO Curtir Compart

RAMADAN
Posted by Bruno Bartel | 14/05/2018 | Cotidiano | 0
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AS DISPUTAS SOBRE LIBERDADE Salah


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MARROCOS, DURANTE O MÊS DO deixar
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Bolson
Rabat, nal de julho de 2012. No calendário islâmico, era o início aro,
do nono mês, o mês do Ramadan. Durante esse período, os Israel e
o
muçulmanos devem praticar o jejum (sawm) de alimentos, sionis
bebidas e relações sexuais, desde os primeiros minutos de luz mo
solar até o pôr do sol. O jejum marca o caráter sagrado do cristão
:
Ramadan, pois foi nesse mês que se iniciou a revelação ao
Aliança
Profeta Muhammad. s
eletiva
Em Rabat, o período sagrado de jejum e orações para os seo
triunfo
muçulmanos alterava radicalmente a paisagem urbana da
das
capital marroquina. Caso alguém, por exemplo, necessitasse utopia
utilizar os serviços públicos ou bancários teria que se adequar s
regres
aos novos horários impostos pelo calendário religioso. Isso
sivas
signi cava, na prática, que o horário do expediente estaria Política
reduzido. Contudo, eram as portas fechadas do comércio, tanto
do centro histórico, a medina, quanto dos restaurantes da
Islã e
cidade, que me chamavam a atenção no espaço público. Mesmo Rock’n
assim, eu nunca imaginaria que as restrições alimentares Roll:
impostas pelo período sagrado poderiam motivar situações uma
relaçã
con itivas.
o
contro
Certa vez, por volta das 17h, quando os raios de sol ainda versa
incidiam sobre a cidade, eu aguardava o tramway numa Cotidian
o
plataforma da Gare de Rabat Ville, a estação de trem central,
para me encontrar com alguns amigos, reunidos a cinco quadras
dali. Uma cena um tanto quanto “curiosa” despertou a minha
TAGS
atenção. Havia um pedinte sentado em um dos bancos da
plataforma, isolado das demais pessoas. Ele já havia caminhado,
Orientalismo Islã
momentos antes, ao longo de toda a estação para pedir dinheiro
Integração Palestina
aos transeuntes e turistas, porém, sem muito sucesso. Após car
Norte da África Arte
alguns instantes falando sozinho, ele disfarçou a abertura de
Migração Fluxos
uma embalagem de iogurte diante das pessoas que se
Migratorios
encontravam mais próximas dele. Ainda assim, o pedinte não
Transnacionalismo
pode esconder por muito tempo o consumo do produto. Tal
Geopolítica Síria Islã
atitude, subitamente, provocou a ira de um rapaz que se
Político Sul Global
encontrava na pista oposta do tramway. Visivelmente abalado
Refugiados
com o ato praticado, o rapaz atravessou a pista e pôs-se a
Intercultural Redes
caminhar em direção ao pedinte. Algumas explicações foram
Conteúdo Livre Sul-Sul
requisitadas como forma de repreendê-lo pelo ato em plena luz
do dia no Ramadan. A interação entre os dois ganhou contornos Oriente
con itivos. Repentinamente o rapaz tentou retirar a embalagem Médio Mídia
do iogurte das mãos do mendicante. Numa segunda tentativa
fracassada, o pedinte deu as costas ao rapaz e pôs-se a comer.
Tal atitude induziu o rapaz a desferir socos e tapas nas costas do Digital Diálogo ISIS

P líti
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Política
pedinte. Diante desta circunstância, algumas pessoas da
plataforma tentaram acalmar os ânimos e afastar os dois
homens. Porém, muito rapidamente, dois grupos se formavam
FEED RSS –
na estação: os simpatizantes do rapaz, que reconheciam a
atitude provocativa do pedinte em comer publicamente e, do
outro lado, os defensores do pedinte diante das cenas de abuso O que é Oriente
Médio?
e intransigência do rapaz. Oriente Médio é
um termo que se
refere a uma área
Até aquele momento, eu entendia e vivenciava os discursos geográ ca à volta
públicos de que o Ramadan é um período de jejum criado pela das partes leste e
sul do mar
religião islâmica aos indivíduos e possui regras de conduta bem Mediterrâneo. Mas,
estabelecidas. A prática dos muçulmanos de abster-se de a nal de contas, o
que esse termo
comidas e bebidas é vivida contextualmente em cada sociedade nos diz? Quais
e decorre a partir de performances individuais, até que se tenha povos habitam
suas regiões? E,...
o anúncio de sua quebra (iftar), estabelecido por horários Clique pra ver
conteúdo completo
predeterminados. Diferente do que se observa fora desse
período, a chamada coletiva transmitida pelos alto-falantes das
mesquitas (adhan) reforça o momento da quebra do jejum, ao Salah ameaça
deixar o
mesmo tempo em que comunica a preparação de todos para a
Liverpool caso
oração do pôr do sol (salat al-maghreb). Seja como for, cenas atacante
como a que eu presenciei na estação explicitam um tema israelense seja
recente e controverso na sociedade marroquina: o da liberdade contratado
O atacante
individual para os não praticantes da religião islâmica. Mohamed Salah
teria ameaçado
deixar o Liverpool
O artigo 222º do Código Penal marroquino criminaliza os caso o clube inglês
contrate o
indivíduos que forçam a quebra do jejum no espaço público, fora
centroavante
dos horários permitidos. Durante o Ramadan, os não praticantes israelense Moanes
Dabbur, que vive
devem manter o jejum ou se esconder, sob a pena de serem boa fase no Red
presos pela polícia e/ou levados sob a custódia da justiça. Cito Bull Salzburg, da
Áustria, conforme
quatro casos retratados pela revista marroquina Zamane para informou... Clique
ilustrar essa controvérsia. Em 2016, durante os primeiros dias do pra ver conteúdo
completo
Ramadan, três pessoas foram interrogadas, em Rabat, por terem
feito uma refeição em público. Em Zagora (cidade ao extremo sul
Bolsonaro,
do país), dois homens foram condenados à prisão por terem
Israel e o
bebido água. Entretanto, em seguida, tiveram as sentenças sionismo
suspensas justi cadas pela onda de calor de 40 graus que havia cristão: Alianças
se abatido na região. eletivas e o
triunfo das
utopias
E, quando não são as autoridades públicas que usam o seu regressivas
poder repressivo, é a própria sociedade marroquina que se Clique pra ver
conteúdo completo
encarrega da “ scalização”. Um desses episódios aconteceu em
2015, também em Rabat. Um funcionário saiu discretamente
Islã e Rock’n
para fumar um cigarro na rua e foi denunciado por um dos
Roll: uma
colegas de trabalho. O rapaz recebeu voz de prisão pela polícia e relação
foi encaminhado para a delegacia para prestar esclarecimentos. controversa

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Uma situação mais grave ocorreu a outro jovem que tentou Clique pra ver
conteúdo completo
acender um cigarro em uma sala de bilhar, na cidade de
Marrakesh, e teve parte do rosto seriamente atingido após ser
espancado. Eleições no
Brasil: O que os
candidatos a
O cenário impressiona alguns marroquinos com idade superior presidente
aos 40 anos, visto que muitos deles a rmam ter vivido em uma dizem sobre o
atmosfera religiosa mais tolerante, tomando como referência os Oriente Médio e
as relações com
casos descritos anteriormente. Entretanto, um movimento o Brasil?
recente tem ganhado força no país. O objetivo do grupo MALI Clique pra ver
conteúdo completo
(Mouvement Alternatif pour les Libertés Individuelles), por
exemplo, é justamente suscitar um debate nacional sobre a
importância da consciência individual na promoção de espaços
de liberdade para os não praticantes da religião islâmica.

Nascido do encontro de internautas nas redes sociais em 2009, o


MALI propôs organizar uma série de encontros voltados para a
quebra pública do jejum durante o Ramadan. O primeiro evento
contou com a participação de 6 jovens da cidade de
Mohammedia, a 63 km da capital do país. Quando eles
anunciaram que pretendiam quebrar o jejum do Ramadan em
público – no caso, em uma oresta – a polícia imediatamente
empenhou-se em impedir a ação dos jovens. O apoio da
população foi fundamental para justi car a repressão contra um
dos pilares das formas de religiosidade dos marroquinos. Na
época, várias personalidades associadas a movimentos ligados
ao islã político denunciaram na imprensa o que consideravam
um ataque às tradições religiosas e culturais do país.

Os planos do MALI para a edição do piquenique de 2017, na


cidade de Mohammedia, não se concretizaram. Mais uma vez, as
autoridades marroquinas se dispuseram a monitorar as ações
do grupo no espaço público. Contudo, desta vez, as informações
das ações do MALI circularam amplamente, tanto no campo
“progressista” quanto na principal emissora televisiva do país
(2M). Isso revela as pressões políticas existentes e expõe o grau
de conservadorismo sobre o tema. Por exemplo, associações
civis, como a AMDH (Association Marocaine des Droits Humains)
e a Anistia Internacional, que defendem as liberdades
individuais, reagiram a favor dos não praticantes. Já os partidos
políticos, nomeadamente, o PAM (Parti Authenticité et
Modernité), o MP (Mouvement Populaire), o RNI (Rassemblement
National des Indépendants) e o USFP (Union Socialiste des
Forces Populaires) apressaram-se a condenar os jovens, assim
como a maioria da imprensa marroquina. O PJD (Parti de la

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Justice et du Développement) não quis se pronunciar sobre o


caso.

Movimentos como o MALI demonstram que, ainda hoje, quebrar


o jejum fora do horário estipulado e publicamente, durante o
Ramadan, é uma afronta ao tipo de Islã praticado no Marrocos e
passível de punição. Se parte da sociedade civil pede a
revogação do artigo 222º do Código Penal é porque reconhece
que a noção de liberdade religiosa se encontra con nada ao
espaço privado. Isso acaba reduzindo a questão da tolerância
religiosa no país à capacidade de convivência entre praticantes e
“não praticantes” da religião islâmica. O MALI não visava incitar
os marroquinos a quebrarem o jejum em público nem tampouco
procurava abalar a crença de seus praticantes no país. O
posicionamento do grupo apenas permite iniciar o debate para
que os não praticantes do Islã possam comer nos restaurantes
marroquinos abertos durante o dia, sem correr o risco de
sofrerem represálias legais e/ou sociais.

1 – KOZLOWKI, Nina. Le tabou et la loi. Zamane, Rabat, n. 78,


maio, 2017, p. 42-45. 2-  Per l dos interlocutores dos quais pude
interagir durante os meus trabalhos de campo nos anos de
2012, 2015 e 2016 no país. 3-  O termo islamismo deve ser
entendido como uma corrente religiosa que quer fazer do Islã e
do uso da Lei Islâmica (sharia) um modelo político alternativo à
noção de democracia proveniente do “Ocidente”. Apesar de
existirem diferentes visões concorrentes no campo político-
religioso, o que se de ne como islamismo não constitui um
movimento uniforme, pois os signi cados e as ações associados
com cada uma de suas manifestações públicas têm variado de
acordo com o contexto cultural. 4- Fundado em 2008, o PAM se
de ne como progressista ou socialdemocrata. Composto por
muitos políticos próximos ao rei (Mohammed VI). O objetivo do
MAP é ser uma alternativa à ascensão do PJD. 5-   Fundado em
1957, o MP possui as origens ligadas as causas berberes e se
de ne como um partido liberal. 6- Fundado em 1978, o RNI se
de ne como um partido liberal. 7-  Fundado em 1959, o USFP se
de ne como um partido progressista, mas de ideologia
socialista. 8-  Fundado em 1998, o PJD é o partido que lidera o
poder executivo no Marrocos desde 2011. O PJD defende como
valores o islamismo e a democracia islâmica.

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MOROCCO- TARAWID
MARRAQUEXE Oração noturna (tarawid)
morocco-marraquexe realizada durante o ramadan
nas esplanadas da Mesquita
Hassan II localizada em
Casablanca, Marrocos.

TEL-QUEL
Capa da edição nº 391 da
revista Telquel (26 de
setembro a 02 de outubro de
2009). Em foco, os seis jovens
de Mohammedia que
tentaram quebrar o jejum do
Ramadan em público.

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SOBRE 0 AUTOR:
Bruno Bartel é doutorando em Antropologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF), onde
fez Mestrado também em Antropologia. Pesquisador
do Instituto de Estudos Comparados em
Administração Institucional de Con itos (INCT-InEAC)
e do Núcleo de Estudos do Oriente Médio (NEOM),
ambos da UFF. Desde 2012, realiza trabalho de
campo no Marrocos.

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esperar e o 2018
que eles
esperam
19 de junho de
2018

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