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TRYP SAO PAULO


NAÇOES UNI...

Deixando o Castelo Vampiro SAO PAULO

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MÍDIAS

 
Por Mark Fisher, via The North Star, traduzido por Rodrigo Gonsalves
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Na sexta-feira do dia 13 de janeiro de 2017, Mark Fisher (k-punk) – escritor, » Mariátegui e as táticas de
frente única 18 de outubro de 2019
teórico, crítico, professor faleceu. Mark Fisher é o autor da obra “Realismo
» As Características Formais da
Capitalista” (ainda sem tradução em português) e da obra “Fantasmas da minha Segunda Natureza 17 de outubro de
2019
vida: escritos sobre a depressão, Hauntology (Assombrologia) e Futuros Perdido
» A resistência na carne: aborto,
(ambos publicados pela Zer0 Books, onde o autor era editor – também sem capitalismo e a colonização do
tradução em português). Seus artigos foram publicados em uma grande corpo feminino 16 de outubro de
2019
variedade de revistas, incluindo Film Quarterly, The Wire, The Guardian e Frieze.
» O Retorno do Político 15 de outubro
Foi líder do programa do mestrado em Culturas Aurais e Visuais pela Goldsmiths, de 2019

na Universidade de Londres e professor na Universidade de East London. » A risada do Coringa: cinismo e


dissociação na cultura 14 de
outubro de 2019

Neste verão, eu seriamente considerei abandonar meu envolvimento com a TAGS


política. Exausto com a sobrecarga de trabalho, incapaz de agir
Africa Agitação e Propaganda
produtivamente, eu me vi à deriva pelas redes sociais, sentindo crescer minha
Alain Badiou Alenka Zupancic
depressão e exaustão.
Althusser América América Latina

O twitter daqueles de “esquerda” pode por vezes ser uma zona miserável e Antonio Gramsci Arte Austeridade

desanimadora. No começo do ano, haviam algumas “tempestades” no twitter Bernard Edelman Brasil

bem high-pro le, onde certas guras particulares que se identi cam com a Capital Financeiro Capitalismo

esquerda eram “convocadas” e condenadas. O que essas guras disseram era China Cinema Comunismo

por vezes censurável; mas ainda assim, o modo como estes foram Conjuntura Contra-Revolução

pessoalmente vilipendiado e perseguidos deixou um resíduo horrível: o fedor Crise Crise Financeira Crítica

da má consciência e a caça às bruxas morais. A razão pela qual eu não me Cultura democracia

pronunciei em nenhum desses incidentes, envergonho-me em dizer, foi o medo. Democracia burguesa Dialética

Os bullies estavam em outra parte do playground. Eu não quis atrair a atenção Direito Douglas Rodrigues Barros

deles para mim. Economia Economia Política

Eleições Engels Entrevista


A selvageria aberta destas trocas fora acompanhada por algo mais penetrante
Esquerda Estado
e por esta razão, talvez mais debilitante: uma atmosfera de ressentimento
Estratégia Socialista EUA Europa
sarcástico. O objeto mais frequente deste ressentimento é Owen Jones e, os
Fascismo feminismo Filoso a
ataques à Jones – a pessoa mais responsável por trazer consciência de classe
França Freud Gabriel Landi
para o Reino Unido nos últimos anos – fora uma das razões eu quei tão
Greve Grécia Gênero Hegel
deprimido. Se isto é o que acontece com alguém da esquerda que está
Hegemonia História Identidade
conseguindo levar a luta ao terreno central da vida britânica, por quê alguém
Identitarismo Ideologia
iria segui-lo para o mainstream? Seria manter-se na posição de impotência
Ideologia Jurídica Internacional
marginal o único modo de evitar este gotejo de abuso?
Jacques Lacan Karl Marx KKE

Uma das coisas que me retirou deste torpor depressivo foi ir à Assembleia do Lacan Lenin leninismo
Povo (People’s Assembly) em Ipswich, perto de onde moro. A Assembleia do
Literatura Luta de classes Marx
Povo tem sido recebida com escárnio e rosnados. Isso era, como nos fora dito,
Marxismo Movimento Negro
uma façanha inútil onde a mídia esquerdista, incluindo Jones nesta, estavam
Movimento Sindical Neoliberalismo
se engrandecendo em mais outra demonstração “top-down” da cultura das
Ontologia Organização
celebridades. O que realmente ocorreu na Assembleia em Ipswich foi bem
Oriente Médio Pachukanis Partido
diferente desta caricatura. A primeira metade da tarde – culminando num
Partido Comunista Poder Popular
despertante discurso de Owen Jones – fora certamente conduzido pelos
Politica Proletariado Psicanalise
convidados do alto escalão. Mas a segunda metade da reunião viu ativistas da
Psicologia racismo Rancière
classe trabalhadora de todo Suffolk falando uns com os outros, apoiando uns
Raça religião Resenha
aos outros, compartilhando experiências e estratégias. Longe de ser mais um
Revolução Revolução Digital
exemplo de esquerdismo hierárquico, a Assembleia do Povo foi um exemplo de
Revolução Russa Sindicato
como a vertical pode ser combinada com a horizontal: o poder midiático e o
Slavoj Zizek Social-democracia
carisma poderiam atrair pessoas que não haviam estado em uma reunião
Socialismo Sociedade Stalin
política na sala, onde poderiam conversar e fazer estratégias com ativistas
Sujeito de direito Trabalho Trotsky
experientes. A atmosfera era antirracista e antissexista, mas refrescantemente
Tática União Soviética Zizek
livre do sentimento paralisante de culpa e suspeita que paira sobre o Twitter de
Ásia
esquerda como uma névoa acre e sufocante.

Depois, veio Russell Brand. Eu há tempos tenho sido um admirador de Brand – Anúncios

um dos poucos comediantes de grande nome na cena atual que veio de uma
classe trabalhadora. Nos últimos anos, tem havido um gradual
“emburguecimento”, sem remorsos, da comédia na televisão, com absurdo
ultra-esnobes (“ultra-posh”) nincompoop Michael McIntyre e uma mistura
chorosa lúgubre de incapazes gradualmente dominando o palco.

O dia anterior à agora, famosa entrevista da Brand com Jeremy Paxman que
fora transmitida no Newsnight, eu o tinha visto num show de stand-up no
Messiah Complex em Ipswich. O show foi desa adoramente pró-imigrantes,
pró-comunismo, anti-homofóbico, saturado de inteligência da classe
trabalhadora e sem medo de mostrá-la, e ‘queer’ no sentido como a cultura
popular costumava ser (ou seja, nada a ver com a cara azeda de piedade
identitária impingida sobre nós pelos moralistas da “esquerda” pós-
estruturalista). Malcolm X, Che, a política como um desmantelamento
psicodélico da realidade existente: este era o comunismo como algo legal, sexy
e proletário, em vez de um sermão de sacudir os dedos.

Na noite seguinte, cou claro que a aparição de Brand tinha produzido um


momento de divisão. Para alguns de nós, a derrubada forense de Brand à
Paxman era intensamente movente, milagrosa; eu não conseguia me lembrar REPORT THIS AD

da última vez que uma pessoa advinda da classe trabalhadora havia sido dado
o espaço para destruir tão consumadamente uma classe “superior” usando a
inteligência e a razão. Este não foi Johnny Rotten xingando o Bill Grundy – um
ato de antagonismo que con rmou, em vez de desa ar os estereótipos de
classe. Brand tinha ultrapassado Paxman – e o uso do humor foi o que
separava Brand da rigidez de tanto “esquerdismo”. Brand faz com que as
pessoas se sintam bem consigo mesmas; enquanto a esquerda moralizante se
especializa em fazer as pessoas se alimentarem mal, e que não se dá por feliz
até que as suas cabeças estejam dobradas em culpa e em auto-aversão.

A esquerda moralizadora rapidamente assegurou que a história não era sobre a


ruptura extraordinária de Brand das convenções do “debate” sem graça da
mídia convencional, nem sobre sua alegação de que a revolução iria acontecer.
(Esta última a rmação só pôde ser ouvida pela “esquerda” narcisista pequeno-
burguesa de ouvidos tapados, enquanto Brand dizendo que queria liderar a
revolução – algo que eles responderam com ressentimento típico: “Eu não
preciso de uma celebridade exaltada para me conduzir ‘.) Para os
moralizadores, a história dominante deve ser sobre a conduta pessoal de Brand
– especi camente o seu sexismo. Na atmosfera febril de McCarthyite
fermentada pela esquerda moralizante, observações que poderiam ser
interpretadas como sexistas signi cam que Brand é um sexista, o que também
signi cava que ele é um misógino. Simples assim, terminado, condenado.

É justo que Brand, como qualquer um de nós, responda pelo seu


comportamento e pela linguagem que usa. Mas esse tipo de questionamento
deve ocorrer em uma atmosfera de camaradagem e solidariedade, e
provavelmente não em primeiro lugar em público – embora quando Brand foi
questionado sobre o sexismo por Mehdi Hasan, ele exibiu exatamente o tipo de
humildade bem-humorada que era inteiramente inexistente nos rostos pétreos
daqueles que o julgaram. “Eu não acho que sou sexista, mas eu me lembro de
minha avó, a pessoa mais amorosa que eu já conheci, mas ela era racista, mas
eu não acho que ela soubesse. Eu não sei se tenho alguma ressaca cultural, sei
que tenho um grande amor pela linguística proletária, como ‘darling’ (“querida”)
e ‘bird’ (“jovem mulher atraente”), então se as mulheres pensam que eu sou
sexista, elas estão em melhor posição para julgar do que eu, então vou
trabalhar nisso”.

A intervenção de Brand não era uma tentativa pela liderança; foi uma
inspiração, um chamado por pegar em armas. E eu me senti inspirado. Há
alguns meses antes, eu caria em silêncio enquanto os moralistas da
‘PoshLeft’ (da Esquerda Esnobe) sujeitaram Brand a seus tribunais kafkaescos
e assassinatos de caráter – com “evidência” geralmente recolhida da imprensa
de direita, sempre disponível para dar uma mão – mas desta vez eu estava
preparado para enfrentá-los. A resposta a Brand rapidamente tornou-se tão
signi cativa quanto a troca com Paxman. Como Laura Old eld Ford apontou,
este foi um momento de esclarecimento. E uma das coisas que foi esclarecida
para mim foi a maneira em que, nos últimos anos, tanto da auto-denominada
“esquerda” suprimiu a questão da classe.

A consciência de classe é frágil e passageira. A pequena burguesia que domina


a academia e a indústria cultural tem todos os tipos de de exões sutis e
preempções que impedem que o tema se aproxime, e então, se ele surge, eles
fazem pensar que é uma impertinência terrível, uma violação de etiqueta ousar
sustentá-lo. Eu tenho falado agora em eventos de esquerda, anticapitalistas
por anos, mas eu raramente falei – ou fui pedido para falar em público – sobre
classe.

Porém, uma vez que a classe ousou reaparecer, era impossível não vê-la por
todas as partes nas respostas dadas ao caso de Brand. O mesmo foi
rapidamente julgado e/ou interrogado por pelo menos três ex-alunos de
esquerda de escola privada. Outros nos disseram que Brand não podia
realmente ser da classe trabalhadora, porque ele era um milionário. É
alarmante o número de “esquerdistas” que pareciam concordar
fundamentalmente com o movimento atrás da pergunta de Paxman: “O que dá
a essa pessoa da classe trabalhadora a autoridade para falar?” É alarmante,
realmente angustiante, que parecem pensar que a classe trabalhadora deve
permanecer na pobreza, na obscuridade e na impotência, para que não percam
a sua “autenticidade”.

Alguém me passou um post escrito sobre Brand no Facebook. Eu não sei quem
foi o indivíduo que escreveu, e eu não gostaria de nomeá-los. O que é
importante é que o post foi sintomático em relação a um conjunto de atitudes
esnobes e condescendentes que, aparentemente são boas de se exibir quando
uma pessoa se classi ca como alguém de esquerda. O tom inteiro era
horrorosamente despótico, como se fossem um professor que marcasse o
trabalho de uma criança, ou de um psiquiatra avaliando um paciente. Brand,
aparentemente, é “extremamente instável … um relacionamento ruim ou um
revés pro ssional o afastam do colapso para voltar à toxicodependência ou
algo pior”. Embora a pessoa a rme que eles “realmente gostam bastante dele
[Brand]”, talvez nunca lhes ocorrera que, uma das razões pelas quais Brand
poderia ser “instável” é justamente por conta desse tipo de “avaliação” faux-
transcendente (“falso”-transcendente) paternalista da burguesia de “esquerda”.
Há também um chocante, mas revelador lado, onde o indivíduo casualmente
refere-se à “educação cheia de remendos” de Brand que “muitas vezes induz a
deslizes de vocabulário característicos do autodidata”- que, estes indivíduos
generosamente dizem: “Eu não tenho problema algum com isto” –  que ótimo
da parte deles! Este não é um burocrata colonial escrevendo sobre suas
tentativas de ensinar alguns “nativos” a língua inglesa no século XIX, ou um
mestre de ensino vitoriano em alguma instituição privada descrevendo o que é
um menino de bolsista, trata-se da escrita de um “esquerdista” de algumas
semanas atrás.

Para onde ir daqui? Em primeiro lugar, é necessário identi car as


características dos discursos e os desejos que nos levaram a este caminho
sombrio e desmoralizante, onde a classe desapareceu, mas o moralismo está
em toda parte, onde a solidariedade é impossível, mas a culpa e o medo são
onipresentes – e não porque estamos aterrorizados pela direita, mas porque
permitimos que os modos burgueses de subjetividade contaminem nosso
movimento. Eu acho que existem duas con gurações libidinal-discursivas que
trouxeram essa situação. Eles se chamam de esquerda, mas – como o
episódio com Brand deixou claro – eles são em muitas maneiras um sinal de
que a esquerda – de nida como um agente da luta de classes – tem quase
desaparecido.

Dentro do Castelo dos Vampiros

A primeira con guração disto é o que eu chamei de Castelo dos Vampiros. O


Castelo dos Vampiros é especializado na propagação da culpa. É impulsionado
pelo desejo de sacerdócio de excomungar e de condenar, pelo desejo do
pedantismo acadêmico de ser o primeiro a ser visto detectando um erro, e pelo
desejo hipster de ser um dentre os in uentes do clubinho. O perigo em atacar o
Castelo dos Vampiros é que ele pode parecer – e fará tudo o que for possível
para reforçar esse pensamento – que, também está atacando as lutas contra o
racismo, o sexismo e o heterossexismo. Mas, longe de ser a única expressão
legítima de tais lutas, o Castelo dos Vampiros é melhor entendido como uma
perversão liberal-burguesa e apropriação da energia desses movimentos. O
Castelo dos Vampiros nasceu no momento em que a luta para não ser de nida
por categorias identitárias tornou-se a busca de ter “identidades” reconhecidas
por um Grande Outro burguês.

O privilégio que eu certamente tenho como homem branco consiste, em parte,


em eu não estar ciente da minha etnia e do meu gênero, e é uma experiência
sóbria e reveladora ocasionalmente tomar consciência desses pontos cegos.
Mas, ao invés de buscar um mundo no qual todos consigam libertar-se da
classi cação identitária, o Castelo dos Vampiros procura encurralar as
pessoas de volta para o “identi-camps” (“campos de identidades”), onde são
de nidas para sempre nos termos estabelecidos pelo poder dominante,
aleijados pela autoconsciência e isolados por uma lógica de solipsismo que
insiste que não podemos entendermos uns aos outros, a menos que
pertençamos ao mesmo grupo de identidade.

Observei um fascinante mecanismo de projeção-desautorização que


magicamente inverte a simples menção de classe, tornando-a agora
automaticamente como uma tentativa de rebaixamento da importância da raça
e do gênero. Na verdade, trata-se exatamente do caso oposto, pois o Castelo
dos Vampiros usa uma compreensão fundamentalmente liberal de raça e
gênero para ofuscar a noção de classe. Em todos as absurdas e traumáticas
“chuvas de twits” sobre privilégio que houveram no início deste ano, era
perceptível que a discussão de privilégio de classes estava totalmente ausente.
A tarefa continua, como sempre, a ser a articulação de classe, gênero e raça –
mas o movimento fundador do Castelo dos Vampiros é a des-articulação da
classe de outras categorias.

O problema que o Castelo dos Vampiros foi criado para resolver é o seguinte:
como você mantém uma imensa riqueza e poder enquanto também mantém a
aparência de vítima, de marginal e oposicionista? A solução já estava lá – na
Igreja Cristã. Assim, o C.V. recorre a todas as estratégias infernais, patologias
obscuras e instrumentos psicológicos de tortura inventados pelo cristianismo,
e que Nietzsche descreveu em A Genealogia da Moral. Este sacerdócio da má
consciência, este ninho de culpados piadosos, é exatamente o que Nietzsche
predisse quando disse que algo pior do que o cristianismo já estava a caminho.
Agora, aqui está …

O Castelo dos Vampiros se alimenta da energia, das ansiedades e das


vulnerabilidades dos jovens estudantes, mas sobretudo vive transformando o
sofrimento de determinados grupos – e quanto mais “marginal”, melhor – em
capital acadêmico. As guras mais louvadas no Castelo dos Vampiros são
aquelas que transformam-se num novo mercado de sofrimento – aqueles que
conseguem encontrar um grupo mais oprimido e subjugado do que qualquer
um dos explorados anteriormente passam a ser promovidos muito
rapidamente à frente dos outros neste ranking.

A primeira lei do Castelo dos Vampiros é: individualizar e privatizar tudo.


Enquanto na teoria ele a rma ser a favor da crítica estrutural, na prática nunca
se concentra em nada exceto no comportamento individual. Alguns destes
tipos de classe operária não são terrivelmente bem educados, e podem ser
muito rudes às vezes. Lembre-se: condenar os indivíduos é sempre mais
importante do que prestar atenção às estruturas impessoais. A classe
dominante atual propaga ideologias do individualismo, enquanto tende a agir
como uma classe. (Muito do que chamamos de “conspirações” são a classe
dominante demonstrando solidariedade de classe.) O CV, como os
enganadores-servos da classe dominante, fazem o contrário: pagam o lábio à
“solidariedade” e à “coletividade” enquanto agem sempre como se as
categorias individualistas impostas pelo poder realmente se sustentassem.
Porque são fundamentalmente pequeno-burgueses, os membros do Castelo
dos Vampiros são intensamente competitivos, mas isto é reprimido de maneira
passivo-agressiva, que é típica da burguesia. O que os mantém unidos não é a
solidariedade, mas o medo mútuo – o medo de que eles sejam os próximos a
ser excluídos, expostos e condenados.

A segunda lei do Castelo dos Vampiros é: fazer o pensamento e a ação


parecerem muito, muito difíceis. Não deve haver leveza, e certamente nenhum
humor. O humor não é sério, por de nição, certo? Pensamento é trabalho duro,
para pessoas com vozes esnobes e sobrancelhas franzidas. Onde há
con ança, introduzir o ceticismo. Diga: não se apresse, temos que pensar mais
profundamente sobre isso. Lembre-se: ter convicções é opressivo, e pode levar
aos gulags.

A terceira lei do Castelo dos Vampiros é: propagar tanta culpa quanto puder.
Quanto mais culpa, melhor. As pessoas devem se sentir mal: é um sinal de que
eles entendem a gravidade das coisas. NÃO HÁ PROBLEMA ALGUM ser de
classe privilegiada se você sentir culpa pelos privilégios e se você colocar
outros em uma posição de classe subordinada para sentirem-se culpados
também. Você faz algumas boas ações para os pobres, também, não é
mesmo?

A quarta lei do Castelo dos Vampiros é: essencializar. Enquanto a uidez da


identidade, da pluralidade e da multiplicidade sejam sempre reivindicadas em
nome dos membros do C.V. – em parte para encobrir seu próprio fundo
invariavelmente rico, privilegiado ou burguês-assimilacionista -, o inimigo deve
ser sempre essencializado. Uma vez que os desejos que animam o C.V. são em
grande parte os desejos dos sacerdotes de excomungar e condenar, deve
haver uma forte distinção entre o Bem e o Mal, sendo o último essencializado.
Notem as táticas. X fez uma observação / comportou-se de uma maneira
particular – estas observações / este comportamento pode ser interpretado
como transfóbico/sexista, etc. Até então, tudo bem. Mas é o próximo passo
que é o “golpe”. X então, se de ne como um transfóbico/sexista, e etc. Toda a
sua identidade torna-se de nida por uma observação mal-julgada ou por uma
deslize de conduta. Uma vez que o C.V. reuniu a sua caça às bruxas, a vítima
(muitas vezes de origem operária e não educada na etiqueta passiva-agressiva
da burguesia) pode ser incitada a perder a paciência, garantindo ainda mais a
sua posição de pária, logo, mais próximo a ser consumido no frenesi da
devoração.

A quinta lei do Castelo dos Vampiros: pense como liberal (porque você é um).
O trabalho do C.V. de constantemente in amar o ultraje reativo, consiste em
apontar sem parar e gritantemente, o óbvio: o capital se comporta como
capital (não é muito bacana!), os aparelhos de estado repressivos são
repressivos. Devemos protestar!

Neo-anarquia no Reino Unido

A segunda formação libidinal é o neo-anarquismo. Por neo-anarquistas eu


de nitivamente não quero dizer anarquistas ou sindicalistas envolvidos na
organização real do local de trabalho, como por exemplo a Federação da
Solidariedade (Solidarity Federation). Quero dizer, aqueles que se identi cam
como anarquistas, mas cujo envolvimento na política se estende pouco para
além dos protestos e das ocupações dos estudantes, e que segue comentando
sobre tudo isto no Twitter. Como os moradores do Castelo dos Vampiros, os
neo-anarquistas geralmente vêm de um pano de fundo pequeno-burguês, se
não de alguma classe ainda mais privilegiada.

Eles são também esmagadoramente jovens: nos seus vinte anos ou, no
máximo, nos seus trinta e poucos anos, e o que lhes informa a posição neo-
anarquista é um estreito horizonte histórico. Os neo-anarquistas não
experimentaram nada senão o realismo capitalista. No momento em que os
neo-anarquistas alcançaram à consciência política – e muitos deles chegaram
à consciência política assustadoramente recentemente, dado ao nível de
arrogância otimista que algumas vezes exibem – o Partido Trabalhista tornou-
se uma concha Blairista, implementando o neoliberalismo, com um pequena
dose de justiça social logo ao lado. Mas o problema com o neo-anarquismo é
que re ete impensadamente esse momento histórico, ao invés de oferecer
qualquer fuga dele. Ele esquece ou talvez, seja realmente inconsciente, do
papel do Partido Trabalhista na nacionalização de grandes indústrias e de
utilidades, ou na fundação do Serviço Nacional de Saúde. Os neo-anarquistas
a rmarão que “a política parlamentar nunca mudou nada”, ou que o “Partido
Trabalhista era sempre inútil” enquanto participam de protestos pela S.N.S., ou
‘retweeting’ queixas sobre o desmantelamento do que resta do Estado de bem-
estar social. Há uma estranha regra implícita aqui: é “OK” protestar contra o
que o parlamento tem feito, mas não é “OK” entrar no parlamento ou na mídia
de massa, para tentar desenvolver a mudança a partir daí. A mídia tradicional
deve ser desprezada, mas o “Momento das perguntas da BBC” deve ser visto e
reclamado pelo Twitter. O purismo obscurece ao fatalismo; é melhor não ser de
modo algum corrompido pela corrupção do mainstream, melhor para “resistir”
inutilmente do que arriscar sujar suas mãos.

Não é de se surpreender, então, que tantos neo-anarquistas mostrem-se como


deprimidos. Esta depressão é, sem dúvida, reforçada pelas ansiedades da vida
pós-graduada, uma vez que, como o Castelo dos Vampiros, o neo-anarquismo
tem seu lar natural nas universidades e é geralmente propagado por aqueles
que estudam para as quali cações de pós-graduação ou aqueles que
recentemente se formaram nestes estudos.

O que há de ser feito?

Por que essas duas con gurações vieram à tona? A primeira razão é que eles
foram autorizados a prosperar pelo capital porque servem aos seus interesses.
O capital subjugou a classe trabalhadora organizada, decompondo a
consciência de classe, subjugando viciosamente os sindicatos e seduzindo as
“famílias de trabalhadores” a se identi carem com seus interesses
estreitamente de nidos, ao invés dos interesses da classe mais ampla; mas
por que o capital se preocupa com uma “esquerda” que substitua a política de
classe por um individualismo moralizante e que, longe de construir
solidariedade, espalha medo e insegurança?

A segunda razão é aquilo a que Jodi Dean chamou de capitalismo


comunicativo. Poderia ter sido possível ignorar o Castelo dos Vampiros e os
neo-anarquistas, se não fosse pelo ciberespaço capitalista. A devota
moralização do CV tem sido uma característica de uma certa ‘esquerda’ por
muitos anos – mas, se alguém não fosse um membro desta igreja em
particular, seus sermões poderiam ser evitados. A mídia social indica que este
não é mais o caso, e há pouca proteção contra as patologias psíquicas
propagadas por esses discursos.

Então o que podemos fazer agora? Em primeiro lugar, é imperativo rejeitar o


identitarismo e reconhecer que não há identidades, apenas desejos, interesses
e identi cações. Parte da importância do projeto de Estudos Culturais
Britânicos – revelado de maneira tão poderosa e tão emocionante na
instalação de John Akomfrah, chamada “The Un nished Conversation”
(atualmente no Tate Britain) e de seu lme “The Stuart Hall Project” – deveria
ter resistido ao essencialismo identitário. Em vez de congelar as pessoas em
cadeias de equivalências já existentes, o ponto era tratar qualquer articulação
enquanto provisória e plástica. Novas articulações sempre podem ser criadas.
Ninguém é essencialmente nada. Infelizmente, a direita age sobre este insight
de maneira mais efetiva do que a esquerda. A esquerda burguesa-identitária
sabe propagar culpa e conduzir uma caça às bruxas, mas não sabe fazer
convertidos. Mas isto, a nal, não é o ponto. O objetivo não é popularizar uma
posição de esquerda, ou conquistar pessoas em nome dela, mas sim,
permanecer em uma posição de superioridade de elite, que agora com
superioridade de classe redobrada também pela sua superioridade moral.
“Como você se atreve a falar – somos nós que falamos por aqueles que
sofrem!”

Mas a rejeição do identitarismo só pode ser alcançada pela rea rmação da


classe. Uma esquerda que não tem a classe em seu núcleo, só pode ser um
grupo de pressão liberal. A consciência de classe é sempre dupla: envolve um
conhecimento simultâneo da maneira como uma classe enquadra e molda
todas as experiências e, um conhecimento da posição particular que
ocupamos na estrutura de classes. Deve ser lembrado que, o objetivo de nossa
luta não é o reconhecimento pela burguesia, nem a destruição da própria
burguesia. É a estrutura de classes – uma estrutura que fere a todos, mesmo
aqueles que materialmente lucram com ela – que deve ser destruída. Os
interesses da classe trabalhadora são os interesses de todos; os interesses da
burguesia são os interesses do capital, que são os interesses de ninguém.
Nossa luta deve ser em nome da construção de um mundo novo e
surpreendente, não da preservação de identidades moldadas e distorcidas pelo
capital.

Se isso se parece com uma tarefa proibitiva e assustadora, é porque é. Mas


podemos começar a nos engajar em muitas atividades pré- gurativas agora.
Na verdade, tais atividades iriam para além da pré- guração – elas poderiam
iniciar um ciclo virtuoso, uma profecia autorealizável onde os modos
burgueses de subjetividade são desmantelados e uma nova universalidade
começa a se construir. Precisamos aprender, ou reaprender, como construir a
camaradagem e a solidariedade em vez de fazer o trabalho do capital para ele,
condenando e abusando uns aos outros. Isto não signi ca, naturalmente, que
devamos sempre concordar – pelo contrário, devemos criar condições em que
o desacordo possa ocorrer sem medo de exclusão e excomunhão. Precisamos
pensar muito estrategicamente sobre como usar as mídias sociais –
lembrando sempre que, apesar do igualitarismo reivindicado pelas mídias
sociais e pelos engenheiros libidinais do capital, este é atualmente um
território inimigo, dedicado à reprodução do capital. Porém, isso não signi ca
que não possamos ocupar o terreno e começar a usá-lo para ns de produção
de consciência de classe. É preciso romper com o “debate” que o capitalismo
comunicativo, no qual o capital está incessantemente nos encorajando a
participar e, lembrar que estamos envolvidos numa luta de classes. O objetivo
não é “ser” um ativista, mas ajudar a classe operária a ativar – e se
transformar. Fora do Castelo dos Vampiros, tudo é possível.

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Publicado por LavraPalavra  1 de fevereiro de 2017

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2 comentários em “Deixando o
Castelo Vampiro”
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Daniel Fabbri 
1 de fevereiro de 2017 às 17:05

Excelente texto! Precisamos combater a política identitária, e as


perversões pequeno-burguesas da “esquerda” pos-estruturalista!

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Estela 
4 de fevereiro de 2017 às 14:15

Esse texto ressalta a importância da denúncia contra o


identitarismo seja ele de qual matiz for.

A propósito da discussão surgida essa semana sobre Amor e Sexo


só podemos dizer: a pauta é pop! A pauta é pop! O pop não poupa
ninguém! E segue a cantinela de ocupar os espaços de poder, sem,
é claro, nem pensar em destruí-los…

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