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SEMANAL
A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT
DEPRESSÃO
O RISCO
ESCONDIDO
DOS HOMENS 16 ESCAPADAS
QUE NÃO CHORAM ISOLADAS
NA NATUREZA
INÉDITO
O 25 DE ABRIL
DESCONHECIDO
DE AMÁLIA
COMO LID AR
COM CHEFES TOXICOS ISTIN GUE OS BONS DOS MAUS LÍDER
ES
ED
Z AUMENTAR OS ABUSOS? O QU R A SE DEFENDER
U OU FE ZE R PA
O TELETRABALHO
AMENIZO
S • O QUE FA
S MULH ERES NAS CHEFIA
A VANTAGEM DA
TUTORIAL APRENDA A TIRAR
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A EVOLUÇÃO
DUAS OPÇÕES FORÇADA
DE LEITURA DA REVISTA Uma investigadora
portuguesa está a estudar a
Pode escolher resposta dos animais para se
adaptarem às mudanças
como prefere ler provocadas pelo
aquecimento global
a edição semanal: LUÍS RIBEIRO
em formato de texto, sua extinção, seja por que razão for, não
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Economics* Contabilidade, Fiscalidade e Finanças
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O ISEG faz parte de um grupo restrito de escolas de
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negócios que possuem as acreditações AACSB e AMBA
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RADAR
14 Raios X
16 A semana em 7 pontos
D.R.
18 Holofote
19 Inbox
20 Almanaque
21 Transições
46 Amália, os primeiros dias de Abril
Amália assistiu aos primeiros dias de liberdade, sem saber que seria
22 Próximos capítulos perseguida por uma ligação à PIDE que nunca teve. Excerto do novo livro
do jornalista da VISÃO Miguel Carvalho: Amália, Ditadura e Revolução
24 Imagens
VAGAR
82 Alba Baptista: tão forte,
54 O silêncio triste dos homens que não choram
tão frágil... A morte do ator Pedro Lima traz à superfície a depressão no masculino.
Admiti-la e pedir ajuda é um estigma social que persiste
86 Tendências: 11 apps para
aumentar os conhecimentos
60 A segunda vida de Foz Côa
Com a recente descoberta da maior gravura do mundo ao ar livre,
VISÃO SETE datada do Paleolítico Superior, reaviva-se o interesse por um projeto
89 Escapadinhas: Refúgios cultural que fez História
isolados com a Natureza
por perto
66 Ricky Gervais, a morte e o humor
A segunda temporada de After Life foi um sucesso em época de pandemia.
OPINIÃO Entrevista com Ricky Gervais sobre estes tempos estranhos
6 José Eduardo Agualusa
8 Rui Tavares Guedes
23 Isabel Moreira Online W W W.V I S A O . P T
79 José Carlos de Vasconcelos Últimos artigos no site da VISÃO
88 Capicua
130 Ricardo Araújo Pereira
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visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
de 60 palavras e conter nome, morada
e telefone. A revista reserva-se
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que considerar mais importantes.
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NEM TUDO É FICÇÃO
Todos
os domingos
POR JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
ILUSTRAÇÃO: SUSA MONTEIRO
C
om quanto esquecimento se ergue uma tuar a memória e a grandeza do projeto escravocra-
estátua?” ta. Ao mesmo tempo, assinalavam um vazio, pois
Isto foi o que pensou Hipólito Azagu- erguiam-se por entre o triste silêncio dos humi-
ri enquanto o seu melhor amigo, Isaías lhados e esquecidos. Não disse nada. Ficaram os
Pinto, se exaltava com o derrube das dois calados, assistindo ao espetáculo da turba que,
estátuas: depois de atirar baldes de tinta vermelha contra o
– Estão a destruir a memória da nação rosto da estátua, se afadigava agora a amarrar gros-
— queixou-se Isaías. sas cordas nas pernitas marmóreas da mesma.
Hipólito pensou em retorquir: cada – Vê como sofre! – disse Isaías. – Não resistirá
uma daquelas estátuas pretendia perpe- ao primeiro puxão.
A
s maratonas olímpicas costu- más decisões. E, para haver decisões melho-
mam iniciar-se com duas voltas res, é preciso que exista informação o mais
ao estádio. Nesse momento, é completa possível sobre o problema que
habitual um concorrente acelerar precisamos de solucionar. Para enfrentarmos
só para poder ser visto na frente, a ameaça da pandemia já não chega indicar,
a comandar o pelotão, e a ganhar burocraticamente, quais os concelhos com
alguns minutinhos de fama na maior número de novos casos confirma-
transmissão da TV e a receber os dos ou continuar a dividir o País em regiões
aplausos dos espectadores. Depois, aca- administrativas que, no caso do vírus, não
ba por “desaparecer” porque não consegue significam nada – o contágio estabelece-se Não é fácil
manter aquele ritmo durante os mais de 42 através de correntes de ligação, não impor- “ilustrar” a ideia
de um chefe tóxico.
km da corrida. Este “clássico” das maratonas ta as fronteiras que se desenhem no mapa.
Associá-lo a uma
merece ser recordado agora, na maratona Para quê continuar a insistir, por exemplo,
espécie de diabo
pandémica em que estamos envolvidos. Com no debitar do aumento de casos em Lisboa era uma hipótese...
uma certeza, desde já: ninguém ganha uma e Vale do Tejo, uma região administrativa de
maratona por decreto nem por milagre e, que 99% dos portugueses desconhece os li-
muito menos, a tentar ganhar uns minutos mites e que alberga uma população superior
de fama nos primeiros quilómetros.
Só porque, no primeiro embate, não
a 3,5 milhões de pessoas (mais do que sete
países da União Europeia)?. É preciso, isso
2
vivemos o caos e a mortandade de italianos, sim, saber a localização exata de cada cluster
espanhóis, americanos ou brasileiros, não há de infeção, em cada bairro ou aglomerado, e
nem haverá qualquer “milagre português” atuar depressa. Nesses locais, com as pessoas
em relação à Covid-19. Tivemos, isso sim, a informadas, o medo será útil para ajudar a
vantagem de assistir ao vírus a chegar pri- combater o contágio. Nos outros, onde não
meiro a outros países e, contra as expectati- existe qualquer ligação real, mas apenas ad-
vas dos habituais pessimistas, o nosso Servi- ministrativa, não adianta continuar a insistir
ço Nacional de Saúde ter demonstrado a sua nele, até porque o resultado será o contrário
resiliência, graças à competência e dedicação e conduz às aglomerações de pessoas. Mais:
dos seus profissionais. De resto, o que nos é preciso ter consciência de que muitas das
“salvou” foi o medo, aquele impulso irra- atuais correntes de contágio têm origem em Ou, então, ir
cional que fez as pessoas refugiarem-se em pessoas de classes mais desfavorecidas que mais longe,
e caricaturá-lo
casa, fecharem escolas e comércios, ainda sempre tiveram de continuar a trabalhar no
de uma forma
antes de o Governo decretar o estado de exterior, em profissões nas quais não era
ainda mais
emergência. possível o teletrabalho. É preciso criar con- violenta
Ao fim de três meses, o medo de ficar sem dições específicas para elas, de forma a que e desprezível.
sustento tornou-se, no entanto, superior ao possam continuar a garantir o sustento, em
medo de se ser infetado. Era preciso reabrir período de confinamento.
a economia já quase moribunda e tentar que Temos de ter a consciência de que es-
os níveis de consumo subissem para salvar
negócios e empregos. Tudo correto. Só que
tamos a correr uma maratona. Portanto,
quanto mais abrirmos, mais novos casos irão
3
era desnecessário anunciar essa nova etapa surgir. As últimas semanas têm sido elo-
como se o pior já tivesse passado, graças ao quentes nessa tendência: quase todos os dias,
tão proclamado e elogiado “milagre por- batem-se os recordes de novas infeções em
tuguês” – ainda para mais quando este é todo o mundo. Esta semana, ultrapassou-
alicerçado em números que, como se vê, -se a marca dos nove milhões de infetados
mudam depressa e podem ser sempre lidos e estamos prestes a chegar, a nível global, ao
de maneira diferente, conforme as compara- meio milhão de mortes. Numa região da Ale-
ções e os pontos de vista. manha foi necessário adotar novas medidas
Não faz qualquer sentido, perante uma de confinamento, na Coreia do Sul cresce o
crise mundial como esta, falar em milagres. receio de uma segunda vaga, em África os
Seria até um contrassenso, em 2020, quan- sinais são cada vez mais alarmantes. As ma- O melhor, no
do todo um planeta está expectante sobre ratonas só se ganham no fim. E se já vi mui- entanto, é olhá-lo
diretamente nos
a resposta da comunidade científica para tos campeões olímpicos elevados à condição
olhos. E, dessa
conseguir encontrar um tratamento eficaz de heróis, nunca vi nenhum adorado como
forma, transmitir
ou uma vacina. Não há milagre – há boas ou santo milagreiro. rguedes@visao.pt a mensagem
exata.
a sua consulta de
oftalmologia quando
e onde quiser
Coeso é uma APP que reúne os Oftalmologistas em
rede, colocando-os mais perto de onde o utilizador se
encontra, fazendo a marcação gratuita
da consulta.
Refugiados
Venezuelanos deslocados
Nº DE PESSOAS
5 000 000 Alemanha Turquia
2 500 000
1 000 000
100 000
Paquistão
Venezuela Sudão
Colômbia
Equador
Uganda
Peru
26
Chile Argentina
MILHÕES DE REFUGIADOS
20,4
EM RESULTADO DE PERSEGUIÇÕES, CONFLITOS, VIOLÊNCIA, MILHÕES
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E DE ACONTECIMENTOS pessoas deslocadas
QUE PERTURBAM A ORDEM PÚBLICA MILHÕES internamente
80 sob o mandato do ACNUR
4,2
(Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados)
60 MILHÕES
requerentes de asilo
40
5,6 3,6
MILHÕES
20
refugiados da Palestina MILHÕES
sob o mandato da UNRWA venezuelanos
(Agência das Nações Unidas de Assistência deslocados
0 aos Refugiados da Palestina) para o exterior
1990 2000 2010 2019
POR
MAFALDA ANJOS*
GETTYIMAGES
590 348
“A Europa tem de se reindustrializar. E é agora,
ora,
não é mais tarde. E não é uma questão apenasnas
de conjuntura e sobrevivência, é uma questãotão
estrangeiros
a viver de opção estrutural, a médio e longo prazo””
em Portugal Marcelo Rebelo de Sousa, numa declaração
O valor vale pelo na conferência da Cotec sobre o renascimento da indústria
simbolismo: no final e os próximos passos para a era pós-Covid.
de 2019, mais de meio
milhão de estrangeiros
vivia em Portugal, REGRESSO
segundo os últimos
dados do Serviço
de Estrangeiros e
O desafio
Fronteiras. É o número das escolas
mais alto registado
Tiago Brandão Rodrigues
desde 1976, quando foi
disse, esta semana, que o
criado este organismo.
Governo vai propor que o
Os brasileiros ocupam
próximo ano letivo se inicie
a maior fatia, com quase
entre os dias 14 e 17 de
26%, seguidos
setembro, considerando que
dos cabo-verdianos
esse calendário dará tempo
e dos ingleses, que
de preparação à comuni-
subiram duas posições
dade educativa. Este é dos
no ranking.
assuntos mais prementes
que temos para resolver nos
ANTIRRACISMO próximos tempos. Parece
evidente que não conse-
DEPRESSÃO A ignorância de spray na mão guiremos ter tudo como
dantes na reabertura do ano
Sofrer O movimento antiestátuas, como já lhe chamam, está cada vez
mais absurdo. De Voltaire a De Gaulle, passando por George escolar: horários normais
em silêncio Washington ou Ulysses S. Grant, foram mais estas as estátuas
de grandes figuras da História vandalizadas nos últimos dias.
e salas lotadas de crian-
ças será o caminho para o
e com um Era bom que os neoiconoclatas, eufemismo para vândalos,
tivessem uma pitada de cultura geral. Voltaire foi uma figura
desastre, numa altura em
que as infeções respiratórias
sorriso do Iluminismo, acérrimo defensor da liberdade e das reformas
sociais; De Gaulle, um símbolo da luta contra o nazismo; George
se agravam. É fundamental
Washington, um dos fundadores mais respeitados da nação começar a pensar o quanto
O suicídio de Pedro
americana e defensor de princípios que viriam a ser essenciais antes em medidas criativas
Lima, um pai de
para erradicar a escravatura, e Ulisses S. Grant derrotou a para fazer face às novas
família exemplar e um
Confederação na Guerra da Secessão e quis reformar os estados necessidades. Rotatividade
ator unanimemente
do Sul, perseguindo o Ku Klux Klan e impondo direitos civis. de alunos nas aulas presen-
admirado, impressionou
ciais, como acontece nas
o País. E deve servir
empresas? Aulas presen-
como alerta geral
ciais apenas para algumas
para a depressão, uma EMPRESAS
disciplinas fundamentais?
doença que ainda é
tabu e que, nos homens, Um Calimero chamado TAP Alargamento de horários?
A telescola é uma ideia
é particularmente
O apelo surge dias depois única empresa da Europa, com bem-intencionada, mas
invisível e traiçoeira.
de ser conhecido o processo exceção da Lufthansa, que cada vez mais se percebe
É fundamental
interposto pela Associação não teve apoio” e criticando que foi um penso rápido
desmistificar as doenças
Comercial do Porto para a severidade de Bruxelas. e não serve como solução
mentais, para que pedir
impedir o apoio financeiro do Talvez a compreensão geral de continuidade.
ajuda não seja visto
Estado, que pode ir até aos em relação à empresa fosse
como uma fraqueza
1 200 milhões de euros. “É mais fácil se os sucessivos
e ir a um psicólogo
muito importante o País unir- casos, como os prémios
ou psiquiatra se torne
se à volta de um plano futuro incompreensíveis e os abonos
tão banal como ir
para a TAP”, disse Antonoaldo suplementares para os pilotos
ao dentista ou ao
Neves, presidente executivo da em layoff, não tivessem vindo
ginecologista.
companhia, lastimando ser “a a público.
M O D É S T I A À PA R T E
A pandemia
Não tenho e o ressurgi-
dúvidas de que
um dia seremos mento do
um grande
partido
movimento
JOÃO COTRIM FIGUEIREDO
Líder da Iniciativa Liberal explica
que “proibir e obrigar são duas
Black Lives
palavras que fazem muita
confusão” ao seu partido Matter
são uma
oportunidade
incrível para
mudarmos a
O CDS não diz que
forma como
um jogador de futebol
não pode comentar
vivemos
assuntos políticos, mas GWYNETH PALTROW
A atriz acaba de estrear a segunda temporada
um político já pode da série The Politician, na Netflix
passar os seus dias
a fazer comentários FRASE DA SEMANA
de futebol
FRANCISCO RODRIGUES
DOS SANTOS
O líder do CDS diz que “o partido
Não veria mal
tem linhas vermelhas” e que “não
pode fazer discurso baseado em C H O Q U E F R O N TA L a possibilidade
conversas de café”
de termos padres
Acabar com o racismo
casados dentro
é também acabar da nossa Igreja
D. JOSÉ ORNELAS
com os problemas O bispo de Setúbal é o novo
do mundo presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa
ANGELA DAVIS
A filosofa e ativista norte-
americana dos direitos dos
negros e das mulheres é pela A [Final 8 da Os profissionais
primeira vez editada em Portugal, Champions] é de saúde não andam
50 anos depois de um julgamento
que fez dela um mito um prémio aos a pedir prémios
profissionais de escondidos dentro das
saúde (...) que quatro linhas, o que
Recebi ameaças fizeram com querem é condições
de morte que Portugal se para realizar
afirmasse como um o seu trabalho
CORINNA LARSEN
A ex-amante de Juan Carlos, destino seguro MOISÉS FERREIRA
ex-rei de Espanha, acusa ANTÓNIO COSTA Deputado do Bloco
a Casa Real espanhola Primeiro-ministro de Esquerda
NÚMEROS DA SEMANA
4 644
As salas portuguesas de
cinema, que reabriram a
1 de junho, tiveram, em duas
semanas, pouco mais de
4 600 espectadores,
algumas sessões vazias
e outras com lotação
completa, segundo dados
do Instituto do Cinema e
do Audiovisual. Ao todo,
os resultados de bilheteira
rondaram os 22 mil euros.
60%
A campanha da cereja
Vamos caçar asteroides?
Um estudo conclui que a melhor forma de evitar que corpos rochosos
deverá cair 60% e a do
pêssego 20% este ano, atinjam a Terra é amarrá-los uns aos outros. Se Astérix soubesse...
devido às “condições
meteorológicas muito Tal como os irredutíveis gauleses da maneira ideal de defender a Terra do
adversas da primavera”, aldeia de Astérix tinham medo – e era impacto de um asteroide seria amarrar
enquanto os cereais de a única coisa que os atemorizava – de o corpo rochoso a outro idêntico, o
inverno deverão registar um que o céu lhes caísse sobre as cabeças, há que obrigaria o primeiro a mudar o seu
aumento generalizado da neste nosso planeta muito boa gente com centro de gravidade e, por arrasto, a
produção, segundo dados o mesmo medo. Pelo menos, com receio sua trajetória. Como? Com cabos. “As
divulgados pelo INE. de que algum dos incontáveis asteroides simulações mostraram que o método é
que gravitam pelo Espaço possa, um dia, dinamicamente viável para mitigação do
cair-nos em cima da cabeça. É, por isso, impacto de asteroides”, lê-se no artigo,
4 364
Um total de 4 364 casos
normal que se estudem formas de evitar
um desastre desse género. Foi o que fez
uma equipa de especialistas, liderados
que defende a mais-valia deste método,
porque dele “não resulta a fragmentação
dos objetos”. A técnica de detonar
de discurso de ódio na por Flaviane Vendetti, da Universidade explosivos na superfície dos asteroides
internet, a grande maioria no da Flórida Central, nos Estados Unidos. habitualmente resulta nos filmes, mas
Facebook, foram detetados Segundo o novo estudo, agora divulgado “pode causar danos generalizados”,
em seis semanas na União no European Physical Journal, a avisa o estudo.
Europeia, com 475 a
chegarem à polícia, anunciou
hoje a Comissão Europeia.
N O VA D E S C O B E R TA
48%
Desde o recomeço do
Stonehenge continua a revelar segredos
Um círculo de poços profundos, com cerca de 4 500 anos, foi localizado por um grupo
campeonato espanhol, de arqueólogos perto do Património Mundial de Stonehenge, no Reino Unido – um dos
há uma semana, que os sítios arqueológicos mais conhecidos da Terra. Trabalhos de campo e análises recentes
números das audiências descobriram, pelo menos, 20 poços pré-históricos maciços, de mais de dez metros de
televisivas dispararam. diâmetro e cinco metros de profundidade, revela um artigo publicado, esta semana, por
De acordo com La Liga, investigadores da Universidade de St. Andrews no Internet Archaeology. Segundo um
comunicado da universidade, estes poços formam um círculo com mais de dois quilómetros
o aumento registado nestas
de diâmetro, que envolve uma área superior a três quilómetros quadrados. Os arqueólogos
primeiras jornadas de
acreditam que os poços serviram de limite a uma área sagrada ou recinto associado àquele
retoma atingiu os 48 por
monumento do Neolítico.
cento. Principal motor do
crescimento foi o mercado
africano. Na Europa,
a Bélgica registou uma
subida de 130 por cento.
MORTES
O escritor catalão
Carlos Ruiz Zafón tinha
55 anos e lutava contra um
cancro desde 2018. Morreu
na última sexta-feira, 19, em
Los Angeles, cidade onde
vivia desde a década de 90.
Nascido em Barcelona
a 25 de setembro de 1964,
Zafón, que se iniciou em
1992 no “estranho ofício
de romancista”, como
costumava dizer, conquistou
o público e a crítica com
A Sombra do Vento, vencedor
do prémio Correntes de
Escritas/Casino da Póvoa de
Varzim em 2006, finalista
do Prémio de Romance
Fernando Lara 2001 e do
Prémio Llibreter 2002, eleito
o Melhor Livro de 2002 pelos
leitores do jornal
P E D R O L I M A 19 7 1-2 0 2 0
La Vanguardia, traduzido
para mais de 40 línguas e
com mais de 6,5 milhões de
PERISCÓPIO
O INCENDIÁRIO
O fogo de Ventura
Meados de junho. Jantar na sala de condomínio
do prédio do ideólogo do Chega, Diogo Pacheco
de Amorim. André Ventura entre os convidados.
A noite avança, a conversa flui, fumam-se uns
cigarros, as beatas voam pela janela e o monte de
papelão amontoado no pátio (despojos de umas
obras em curso) pega fogo. Vieram os vizinhos
de extintor em riste. E vieram, também, Ventura
e Amorim dar uma ajuda. Incendiário das redes
sociais e das sessões parlamentares, desta vez, o
deputado levou a expressão à letra.
LEI SECA
JSD sem gins
GETTY
Está finalmente reagendado o XXVI Congresso
Nacional da JSD. Devido à Covid-19, só a 24, 25 e
EUROGRUPO 26 de julho os “jotas” vão eleger o(a) sucessor(a)
de Margarida Balseiro Lopes, num conclave
que será realizado à distância. Pode parecer
Os populistas já
não andam sós
P O R I S A B E L M O R E I R A / Deputada do Partido Socialista
A
pedagogia permanente daquilo que
significa uma Assembleia da República
A Ordem dos Médicos
representativa de todos os portugueses quer afirmar que se a lei
estava a enfrentar, nos últimos tempos,
os populistas. Os populistas em várias
em causa for aprovada
vestes fazem do Parlamento um lugar carece de legitimidade.
distante, fechado, casa de “políticos” devi- Acontece que este ruído faz
damente caracterizados como “eles”, fora
da cidade, cheios de vícios e de privilé-
esquecer que a Assembleia
gios, gente que não sabe o que é o País da República representa
e fechada sobre si mesma.
A pedagogia permanente sobre o significado
os cidadãos e as cidadãs
do sufrágio universal, direto e secreto, uma conquista verdadeiramente, isto é,
da democracia, que faz da Assembleia da República todos eles, na pluralidade
a casa de todas e de todos, estava a enfrentar, nos últi-
mos tempos, os populistas.
das correntes políticas
A eficácia do ataque ao Parlamento parece ter con- e sensibilidades existentes
tagiado gente inesperada. Somos surpreendidos por
quem tem poderes delegados do Estado, como uma
e tem competência
ordem profissional, a fazer um discurso contra a legi- reservada na matéria
timidade democrática da casa da democracia. em causa. O lugar da
Vários projetos de lei sobre a morte medicamen-
te assistida foram aprovados, na generalidade, por
legitimidade, quando
ampla maioria. Em plena discussão na especialidade, falamos de morte assistida,
no âmbito da qual o Parlamento ouvirá quem quer ser
ouvido, a Ordem dos Médicos (OM) não se limita a
chama-se Parlamento
dar a sua legítima opinião. Anuncia, dramaticamente, e mal estaríamos se uma
que não cumprirá uma lei da República. ordem profissional, que
Ora, com esta posição, a OM quer afirmar que se
a lei em causa for aprovada carece de legitimidade.
recebe poderes delegados
Acontece que este ruído faz esquecer que a Assem- do Estado, o questionasse
bleia da República representa os cidadãos e as cidadãs
verdadeiramente, isto é, todos eles, na pluralidade das
correntes políticas e sensibilidades existentes e tem
competência reservada na matéria em causa. O lugar
da legitimidade, quando falamos de morte assistida,
chama-se Parlamento e mal estaríamos se uma ordem
profissional, que recebe poderes delegados do Estado,
o questionasse.
Mas questionou.
Há qualquer coisa de profundamente perturbador
quando a democracia representativa está a funcionar
normalmente, no caso em projetos de lei que assegu-
ram, naturalmente, o direito à objeção de consciência,
e a OM presume representar todos os médicos e mé-
dicas do País lançando um “veto” a uma futura lei.
As leis da República são para se cumprir, sabem
os democratas.
Os populistas já não andam sós. visao@visao.pt
REGRESSO
DA S M U LT I D ÕE S
O número de casos identificados com Covid-19 continua
a subir à escala global, mas também crescem as
aglomerações cada vez maiores de pessoas em locais
públicos – em sinal de protesto ou por pura diversão
NÁPOLES, ITÁLIA
Os adeptos do Nápoles celebram a vitória
da sua equipa na final da Taça de Itália, frente
à Juventus, na Praça do Plebiscito... como nos
velhos tempos
NANTES, FRANÇA
Marcha contra a violência policial e em memória
do lusodescendente Steve Maia Caniço, encontrado
morto, há um ano, após uma carga das forças
FOTO: SCOTT HEINS / GETTY IMAGES
BUDAPESTE,
HUNGRIA
Os membros
da claque do
Ferencváros
(conhecidos como
Monstros Verdes)
no jogo frente
ao Újpest FC,
que assinalou o início
FOTO: LASZLO SZIRTESI / GETTY IMAGES
dos desafios
no futebol húngaro
sem limitações para
espectadores
BERLIM, ALEMANHA
Visitantes observam a instalação It Wasn't Us, da artista
alemã Katharina Grosse, no museu de arte contemporânea
Hamburger Bahnhof, agora reaberto
RIMINI, ITÁLIA
FOTO: YURI KADOBNOV / GETTY IMAGES
MOSCOVO, RÚSSIA
Visitantes tentam tirar fotos a um panda
gigante no jardim zoológico da capital
FOTO: MAX CAVALLARI / GETTY IMAGES
PARIS, FRANÇA
Festa brasileira, no
bairro de Marais,
no primeiro dia da
Festa da Música,
uma iniciativa
criada em França,
em 1982, e que
agora se realiza
em mais de 120
países. Este ano, os
grandes concertos
FOTO: KIRAN RIDLEY / GETTY IMAGES
foram cancelados
devido à pandemia,
mas há muita
música nas ruas
27
CHEFES
ALTAMENTE
TÓXICOS
Líderes que humilham, que não deixam as pessoas brilhar.
Chefias autoritárias ou inseguras, que massacram as suas
equipas... O teletrabalho ameniza ou potencia os abusos? Fomos
à procura das histórias de quem sofreu sob o seu domínio
e mostramos como se pode dar a volta por cima
R O S A R U E L A E VÂ N I A M A I A
1 200
para lhe levar os sapatos ao sapateiro, espaço em que o feedback é constante
porque tinha partido os saltos. Andei e onde não cabem líderes tóxicos.”
à procura de um sapateiro pela cida- Sandrine Veríssimo, diretora re-
de inteira e, quando voltei, ela ainda gional de Lisboa do grupo de recru-
me acusou de ter demorado muito”, tamento Hays, sente sobretudo que as
recorda. As ameaças de despedimento novas gerações são menos permeáveis
ou de processos disciplinares eram a terem de lidar com este tipo de che-
constantes. E o desgaste foi-se acu- fias. “São pessoas que, se não estão
mulando. “Ela chamava-me ‘burro’, bem, ou saem da organização ou ex-
mas as outras pessoas elogiavam o põem frontalmente o seu desagrado.”
meu trabalho. Tinha uma boa autoes- Fazemos figas para que a sua extin-
tima fora do hospital, mas lá dentro ção esteja para breve quando ouvimos
sentia-me espezinhado”, confessa. QUEIXAS POR ASSÉDIO Fernando Neves de Almeida dizer que
Já tinha apresentado várias queixas existem “verdadeiros psicopatas” na
à administração, mas a gota de água LABORAL gestão. “Até podem parecer bons líde-
aconteceu em plena pandemia, quan- recebidas pela Autoridade para res, porque tendem a ser pessoas en-
do Pedro Pereira pediu autorização as Condições do Trabalho (ACT), cantadoras e ambiciosas, e, no limite,
para faltar no sentido de acompanhar no ano passado, vindas do setor fica-se com a ideia de que têm vocação
um familiar que ia ser operado. Apesar privado. Já os funcionários para aquilo”, observa o diretor-geral
de ter autorização da hierarquia supe- públicos entregaram 57 em Portugal da Boyden, empresa es-
rior, a enfermeira-chefe quis instau- reclamações à Inspeção-Geral pecializada em headhunting.
rar-lhe um processo disciplinar por de Finanças, durante o mesmo Mas não têm. E, a começar, porque
abandono do posto de trabalho. “O período não pensam nos outros nem olham a
1 2 3
4 5 6
NÃO HESITA NÃO CUMPRE NÃO DEIXA BRILHAR
EM HUMILHAR A PALAVRA Estereotipa as pessoas,
Dá apenas feedback Dá o dito por não dito. Pode, como se as colocasse
negativo e – pior – à frente inclusive, mentir para levar em caixinhas. Não sabe
de outras pessoas. Há avante os seus propósitos. ensiná-las nem as
quem argumente que “é Não é por acaso que muitas motiva a serem
para aprenderem”, um tipo das suas ordens são dadas melhores. E não atribui
de justificação que eterniza oralmente – para não os louros de algo que foi
esse comportamento. existirem provas. feito por um elemento
da sua equipa.
7 8 9
USA O CHICOTE DESCARTA CULPAS NÃO REVELA EMPATIA
Institui um ambiente Não assume Os sentimentos, as emoções
de terror, minando as responsabilidades. e as necessidades dos outros
interações da equipa. “Um por todos e todos não lhe interessam. Vê as
Como se trata de uma por um”, neste caso, tem dificuldades pessoais dos seus
relação desigual, as uma leitura dicotómica subordinados como uma mera
pessoas não têm muitas – se algo correu bem, o desculpa para justificar um
ferramentas para se mérito é todo seu; se algo fracasso. Não é capaz de se pôr
libertar desse medo. correu mal, a culpa é só no lugar do outro porque
dos outros. pura e simplesmente não
quer saber da sua existência.
10 11 12
Em todos
os fatores-chave
da liderança, as
mulheres têm uma
performance melhor
do que os homens
TIAGO FREIRE
T
omas Chamorro- acerca de tudo ser, na verdade,
Premuzic, 44 anos, é um um líder melhor?
especialista que junta Só as pessoas que não têm a certeza
psicologia e mundo dos acerca de tudo têm a capacidade de
negócios, estudando há ser líderes competentes. Isto nunca
vários anos o fenómeno foi mais verdade do que é hoje.
da liderança e a razão Todos nós – as nossas famílias, as
pela qual a Humanidade nossas comunidades e os nossos
tende a falhar na escolha governos – vivemos tempos
dos chefes. Na opinião imprevisíveis e de mudanças muito
do autor de Porque é que tantos rápidas, à medida que a Covid-19
homens incompetentes se tornam afeta o nosso local de trabalho e
líderes?, somos vulneráveis ao a nossa vida diária. Um bom líder
aparente carisma e autoconfiança está confortável com não saber
de quem temos à frente. O todas as respostas. A dúvida não
resultado é escolhermos pessoas
que parecem competentes, mas
é uma condição agradável, mas
a certeza total é um absurdo!
O QUE UM LÍDER
estão longe de o ser, tendo muitas Podemos ter dificuldades em SABE É MENOS
vezes traços de narcisismo e de
falta de empatia, que acabam
acreditar naqueles que demonstram
inseguranças ou dúvidas, mas IMPORTANTE
por destruir equipas e culturas
empresariais. O remédio que
sermos seduzidos por aqueles que
não têm quaisquer dúvidas sobre
DO QUE AQUILO
propõe parece simples: tomar si próprios é certamente uma QUE PODE
APRENDER
menos decisões com base no receita para o desastre. Note que
instinto e contratar mais mulheres a confiança raramente é um sinal
para cargos de liderança. de competência. Precisamos de
Normalmente, tendemos aprender a detetar competência nos
a ser atraídos por líderes líderes, antes de decidirmos quem
carismáticos, mas poderíamos vamos seguir.
beneficiar mais se optássemos Quais são os efeitos mais comuns
por pessoas com maior que um chefe incompetente tem
humildade. Poderá uma pessoa sobre uma organização?
que não tem tantas certezas Causam alienação face à
ATITUDE NINJA
Se estiver com a autoestima no lugar e se
sentir forte, aguenta mais facilmente esta
área “menos boa” da sua vida.
INVESTIR NA VIDA
Vale a pena valorizar outros aspetos do
seu dia a dia – até os hobbies. Se não olhar
para o trabalho como a coisa mais impor-
tante da sua vida, o comportamento tóxico
do chefe não o afeta tanto.
SABER COMUNICAR
Convém aprender a dar feedback, porque
a maneira como comunica tem impacto
no seu chefe. Tem de ser assertivo e
deixar de lado as emoções, sem temer as
consequências.
OLHAR PARA SI
Não deve ter vergonha nem sentir-se mal
por causa do comportamento do seu che-
fe. Este pode ser, aliás, um bom momento
para olhar para si e pensar: “Estarei a ser
resiliente?”
701,6
por um período de 35 anos. Tudo apontava
para a necessidade de ser lançado um con-
curso público internacional ou de ser criada
uma empresa pública, tendo em conta os
elevados montantes envolvidos. Mas não foi
isso que aconteceu: a decisão final do Estado
recaiu sobre a adjudicação direta da explora-
MILHÕES
ção daquelas barragens à empresa de energia. A auditoria do Tribunal
Anos depois, o Tribunal de Contas arrasou de Contas concluiu que
aquele contrato: disse que o interesse público os pagamentos da EDP
não tinha sido “salvaguardado”, que o valor como contrapartida da
global de 638,45 milhões de euros deste ajus- exploração das duas
te não estava suportado em estudos e que a centrais hidroelétricas
EDP só conseguira a concessão da exploração equivaliam a 701,6
daquelas barragens porque o Estado usara a milhões de euros em
favor da elétrica legislação que, afinal, naquela
data já não existia (tinha sido revogada).
O processo já tinha sido alvo de intenso
1 200
debate quando, no início de 2008, e após a
formalização da notificação da operação pela
EDP, a AdC abriu um processo para avaliar cia tenha notado que poderia haver, por parte
se a concentração de ativos esbarrava na Lei da empresa, “reforço de posição dominante”, da
da Concorrência. A 20 de março, Manuel Se- qual poderiam “resultar entraves significativos à
bastião foi nomeado para liderar a entidade
reguladora (substituindo Abel Mateus). E, a
MILHÕES concorrência” nos mercados, a autoridade res-
ponsável por zelar pelas regras da concorrência
27 de junho de 2008, a AdC comunicou ter O DCIAP diz limitou-se a impor uma lista de condições a
decidido “não se opor à operação de concen- que decisões serem cumpridas a posteriori pela EDP, que
tração”, que consistia na aquisição, pela EDP governamentais ninguém sabe bem se foram cumpridas.
(EDP Produção) à EDIA (Empresa de Desen- relacionadas com os Esta é uma das decisões que não passaram
volvimento e Infra-Estruturas do Alqueva), CMEC e a extensão ao lado da investigação do caso EDP, processo
dos direitos de exploração da componente da exploração de 27 que começou em 2012, centrado em questões
hidroelétrica do Alqueva, constituída pelas barragens beneficiaram muito técnicas, relacionadas com as chamadas
barragens e centrais hidroelétricas do Al- a elétrica neste rendas excessivas na energia, e foi aumentando
queva e Pedrógão, e dos direitos de utilização à medida que os estilhaços dos emails e outros
privativa do domínio público hídrico para elementos de prova recolhidos nos processos
produção de energia elétrica. BES e Marquês atingiram outros alvos – como
A operação de concentração incluía a aqui- Manuel Pinho ou Ricardo Salgado – e destapa-
sição, pela EDP Produção, de duas centrais ram alegados favorecimentos governamentais
hidroelétricas que já se encontravam em funcio- à EDP e supostos subornos atribuídos pela
namento e, embora a Autoridade da Concorrên- empresa de energia. E, agora, o processo, que
800
Pinho. Duas horas antes, o então ministro da
Economia tinha recebido António Mexia. A 30
de abril, foi a vez de Pinho promover um encon-
tro com Manuel Sebastião, António Mexia e João
Manso Neto, presidente da EDP Renováveis.
MIL Confrontado, na altura, com a nomeação de
um amigo para aquele cargo, o então ministro
Em 2004, Manuel Pinho da Economia de Sócrates justificou a escolha
desembolsou este
com o mérito, “competência” e “idoneidade” do
montante para comprar
nomeado. “Não o propus por ele ser meu amigo
a um fundo imobiliário
do BES um prédio
ou por ter prometido comprar um apartamento
inteiro em Campo de à sociedade que detenho com a minha mulher.
Ourique Muito menos por ter aceitado a maçada de as-
sinar um contrato de compra quando eu estava
temporariamente no estrangeiro, em 2004 (...).
É uma amizade de 30 anos, que não qualifica
500
ou desqualifica o seu nome para o cargo. E
os negócios em causa são privados, lícitos e
transparentes.”
Anos depois, também Manuel Sebastião veio
defender que, apesar da amizade com Manuel
para a minha audição na Comissão Parlamen- MIL Pinho, nunca tinha tomado uma decisão favo-
tar de Inquérito sobre o assunto, em setembro rável a alguém para satisfazer o então ministro
de 2018 e fevereiro de 2019.” Demoliu o edifício e fez da Economia e que nunca sentira tentativas de
quatro apartamentos.
condicionamento das suas ações. “O ano de
Um deles, um T2,
“NÃO TINHA PODER” 2009 foi o ano em que a AdC divulgou o seu
foi o primeiro a ser
Manuel Sebastião até teceu, perante os deputa- vendido por este valor.
primeiro estudo crítico sobre os CMEC, em que
dos, declarações pouco favoráveis à EDP: afir- E a quem? A Manuel foi, aliás, pioneira. E o assunto nunca mais dei-
mou, entre outras coisas, que as rendas de que a Sebastião xou de estar no radar da AdC, sendo de referir a
elétrica beneficia na produção de energia (com a recomendação em resposta a uma consulta pú-
passagem dos contratos de aquisição de energia blica da ERSE em 2010, o início da investigação
para os CMEC – Custos para a Manutenção do sobre o risco de sobrecompensação dos CMEC
Equilíbrio Contratual, que viriam a entrar em vi- em 2012, o destino dado ao estudo da ERSE de
gor em 2007) foram “um passo em branco”, sem março de 2013 e a aprovação da recomendação
qualquer “decisão legislativa” de suporte. Porém, ao Governo em 13 de setembro de 2013”, escre-
em sua defesa, também alegou que, enquanto veu numa carta enviada aos deputados.
esteve ao comando da Autoridade da Concor- Mas o Ministério Público acredita que a Au-
rência, só não fez mais para investigar o setor toridade da Concorrência não fez assim tanto.
elétrico porque até 2012 a Lei da Concorrência Tanto que, logo nos primeiros anos da investi-
não permitia que a autoridade avançasse por sua gação, juntou ao processo um relatório apon-
própria iniciativa: “Podíamos apenas responder MANUEL PINHO tando o dedo à sua inércia. “A AdC precisou de
a pedido de algum interessado.”
Já Abel Mateus, antigo presidente da AdC, TEVE TRÊS mais de dez anos após a publicação do regime
dos CMEC para formular a recomendação que
disse no Parlamento que a validação do regime REUNIÕES se impunha, na ótica da defesa do interesse
CMEC por parte de Bruxelas “foi uma das piores
decisões que a Comissão Europeia tomou”. Na
E UM ALMOÇO público”, lê-se no documento.
Esta linha de investigação foi deixada num
mesma ocasião, explicou as circunstâncias ne- COM MANUEL canto, à medida que foi chegando ao processo
bulosas em que foi afastado do cargo, em 2008,
para dar lugar a Manuel Sebastião, de quem Pi-
SEBASTIÃO um arsenal de provas mais diretas, como emails
e extratos bancários que levaram nomes como
nho era amigo assumido: “O ministro chamou- NO MINISTÉRIO Manuel Pinho, Ricardo Salgado ou António Me-
-me ao seu gabinete para me transmitir que o
meu mandato não seria renovado. Ponto final.”
DA ECONOMIA xia a serem constituídos arguidos. Mas, agora, os
investigadores deverão aproveitar os oito meses
O documento de 189 páginas que o Ministério ANTES ainda previstos na investigação para voltaram à
Público apresentou nos últimos dias a António
Mexia, a justificar o pedido de agravamento das
DE O NOMEAR base. Até porque nunca descolaram desta ideia:
a de que o processo legislativo sobre os CMEC
medidas de coação do presidente da EDP, e ao PRESIDENTE e a extensão do domínio hídrico – que supos-
qual a VISÃO teve acesso, revela que Manuel
Pinho teve quatro encontros com Manuel Sebas-
DA AUTORIDADE tamente terá permitido à EDP lucrar cerca de 1
200 milhões de euros – envolveu mãos menos
tião, entre 2007 e 2008, antes desta nomeação. DA CONCORRÊNCIA limpas. scaneco@visao.pt
Na rua
Manifestação
promovida pelo PS
em junho de 1975.
“Amália, anda, não
fiques à varanda!”,
gritaram os
manifestantes.
E a fadista juntou-
-se ao grupo
g p
FOTO: LUÍS VASCONCELOS
Ao contrário do que ficou na memória coletiva,
Amália não fugiu no dia do 25 de Abril. Esteve
na ópera, e assistiu com surpresa aos primeiros dias
de liberdade sem saber que seria perseguida
por uma alegada ligação à PIDE.
No novo livro “Amália, Ditadura e Revolução”,
o jornalista da VISÃO Miguel Carvalho traz nova luz
sobre a vida da rainha do fado, que conspirou com
comunistas, ajudou presos políticos e financiou a resistência
ao Estado Novo. Aqui fica a pré-publicação de um excerto
Por Miguel Carvalho
N
Na noite de terça-feira, 23 de abril de
1974, o Teatro Maria Matos, em Lisboa,
estava à pinha. A gravação do progra-
ma da RTP 25 Milhões de Portugueses,
dedicado à cidade de Castelo Branco
e apresentado por Glória de Matos e
Henrique Mendes, tinha uma convi-
dada especial, com raízes no Fundão:
Amália Rodrigues. Já nessa altura ela se
atrevia a cantar ao vivo, despreocupada
de censuras, Meu Amor É Marinheiro,
composição de Alain Oulman a partir
de pedidos de autógrafos e elogios.
Amália, de calças e blusa de malha,
desceu então as escadas dos camarins
que davam acesso à porta lateral do
teatro e acabou por falar ali mesmo
sobre uma das suas antigas obsessões:
o facto de não ter uma sala ou espaço
artístico à medida do seu estatuto e
onde pudesse cantar com regularidade:
“A Casa dos Bicos, pois claro, a Casa dos
Bicos”, concordou, em conversa com
os aficionados. “Foi o que eu sempre
dias antes, na récita popular da tarde.
“Exibia-se La Traviata, de Verdi, com
um elenco excecional: Joan Suther-
land, a maior intérprete, com o cog-
nome de La Stupenda, o tenor Alfredo
Kraus, e um barítono jovem chamado
Giorgio Zancanaro”, recorda. “Estava
no camarote do diretor, João Freitas
Branco, com o meu amigo australiano
Peter Conrad, professor de Literatura
Inglesa em Oxford. O espetáculo já ti-
nha começado quando um funcionário
abriu a porta devagarinho e entrou
uma senhora de óculos escuros. Achei
estranho, nem sequer era permitido.
Foi então que esse meu amigo disse:
‘É a Amália!’” Veio o intervalo e a can-
tora estava babada: tinha sido reconhe-
cida na penumbra por um estrangeiro.
“Fiquei espantado por vê-la na ópera,
não sabia que ela gostava, mas ela ex-
plicou que adorava a voz do Alfredo
Kraus”, rememora Jorge Calado.
No final, Amália foi falar com o
tenor espanhol e ele sabia bem quem
de um poema de Manuel Alegre, es- ambicionei, mas até agora ainda não ela era, pois também a admirava à dis-
critor banido pelo regime. Incluindo o consegui nada. Vocês é que poderiam tância. “Se queres que te oiçam bem”,
tema musical no alinhamento prévio fazer isso por mim, arranjar-me a Casa segredou-lhe ela, “há um sítio no palco
da emissão, a fadista testava os limi- dos Bicos. Talvez com uma subscrição onde a voz se projeta melhor”. Kraus
tes da censura. “Se me viessem dizer pública, sei lá!”, desafiou. emocionou-se. A última récita fora
alguma coisa, eu diria que não sabia O assunto seria manchete do ves- agendada para a noite que mudaria o
que era proibido. Porque eu não en- pertino A Capital no dia seguinte, o destino do País.
tendia o porquê da proibição… aquilo último da vida da ditadura. E se a gra- Quando chegou ao Coliseu na com-
era bonito (…). Há muitos versos que eu vação começara azarada por causa do panhia de Peter Conrad, Jorge Calado
compreenderia que se proibissem, por incêndio numa câmara de televisão, verificou que tinham lugares separados,
causa da sua feitura, mas nunca foi mi- esse não seria o maior problema. Pre- nas pontas da coxia central. “Mas quem
nha ideia cantar coisas revolucionárias vista para dia 28 de abril, às 22 horas, ficou ao meu lado foi a Amália Rodri-
por serem revolucionárias: eu cantava- a transmissão não sobreviveria à mu- gues.” A sala estava cheia. De revolução
-as porque eram bonitas”, justificou. dança de regime. “Veio o 25 de Abril, o
Na assistência esteve Leonilde Hen- programa foi considerado uma mancha
riques, mais tarde secretária de Amália negra do fascismo, não foi transmitido
e figura próxima até à sua morte. “Faço e ninguém recebeu cachet. Terminou
anos a 24 de abril e uma amiga disse- sem brilho nem glória”, justificaria
-me que, se conseguisse bilhetes, seria Henrique Mendes, décadas à frente.
essa a minha prenda de anos. Com- Na verdade, nem todos saíram de mãos
prámos os últimos”, conta a conhecida
“Lili”, assim tratada na intimidade da
a abanar: Amália recebeu, pela sua
participação, cerca de 8 300 euros, a
Na noite de
Rua de São Bento. “Estávamos na úl- preços atualizados. 24 de abril, a
tima fila e a Amália cantou depois da Na noite de 24 de abril de 1974, en-
meia-noite. Amália encerrou. Eu sabia quanto unidades militares subversivas sala do Coliseu
tudo o que ela cantou nessa noite, mas rumavam a Lisboa, operacionais farda-
quando ouvi Meu Amor É Marinheiro dos se distribuíam por locais estratégi- estava cheia. De
percebi logo que essa não conhecia”,
recorda. De facto, não era caso para
cos e Grândola, Vila Morena, de José
Afonso (ou Zeca Afonso), aguardava revolução nem
estranhar: gravado em 1970, o tema não
tinha sido editado, apesar de Amália
o bater das 24 horas para, através do
programa Limite, da Rádio Renascença,
cheiro. “Mas
o cantar um pouco por todo o lado.
“De propósito, ao cantá-lo, ocultei o
servir de senha à revolução e tocá-la
para a frente, Amália Rodrigues estava
achei esquisito
nome do seu autor”, resumiria a pró-
pria, anos mais tarde.
na ópera, no Coliseu.
O cientista e crítico musical Jorge
haver muitos
Dezenas de espectadores aguarda-
ram até às duas da madrugada do dia
Calado, à época autor dos textos e coor-
denador dos programas do Teatro de
cravos”, recorda
24 para, findo o programa, a rodearem São Carlos, já a tinha encontrado por ali Jorge Calado
48 VISÃO 25 JUNHO 2020
NUNO CALVET
Ligação Amália, com o seu a maneira como pronunciava e esticava Nessa voz residia “uma mulher in-
compositor-fetiche Alain Oulman as palavras: fazia-o de forma criativa teligente, desempoeirada, numa terra
em fundo, durante uma das tertúlias e instintiva, acentuando o significado em que até os inteligentes se vestem
em casa da fadista de cada palavra. A Callas era a mesma de cinzento”. Da sua boca saíam “coi-
coisa. A Amália sabia onde estavam o sas profundas por palavras simples, o
nem cheiro. “Mas achei esquisito haver coração, o estômago e as tripas da mú- que deixava embasbacados os nossos
muitos cravos. Haver flores para a Su- sica e das palavras. Por muito que ela intelectuais de serviço”. Tal como Callas,
therland era normal, pois era a Callas tenha dito que não sabia o significado “o segredo da sua inteligência rara era
reencarnada, mas houve muita gente a do Abandono, a forma como ela o canta raciocinar através da emoção, não da
atirar cravos.” desmente-a.” razão. Por isso penetrava qualquer pú-
No final, confessou à fadista a sua Fado, para ele, era o da “cigana” blico, qualquer nação – mesmo aqueles
admiração antiga. “Ouvia-a desde me- Hermínia Silva ou a voz “aristocratica- que lhe não entendiam as palavras e os
nino.” Seguiu-a no cinema, na televisão. mente granulada” de Maria Teresa de pensamentos, mas recebiam, intactas,
Decorou canções, letras. E até trauteou Noronha. “Amália era diferente”, escre- as emoções”.
fados da diva. Quando fez o doutora- veu. Fazia, sozinha, “as vozes de todos Naquela madrugada de 24 para 25
mento em Oxford, em 1966, muniu-se os povos. Transformava tudo o que lhe de abril, tudo isso se manteria intacto.
de antídotos contra a saudade. “Levei passava pela garganta. Tinha o dom Mas a música já era outra: a primeira
alguns livros, uma gravura com a vista de um timbre inconfundível, abria as senha do Movimento dos Capitães fora
de Alfama e discos da Amália. Portugal vogais, suavizava as consoantes, torcia lida aos microfones dos Emissores As-
tinha ficado em 3º lugar no Mundial de e distorcia as frases musicais como se sociados de Lisboa por João Paulo Diniz
Futebol e toda a gente queria conhecer fossem lenços encharcados de lágrimas. quando faltavam cinco minutos para as
o tipo que era da pátria do Eusébio. Era a dor posta em música, cromática e 23 horas e antes de Paulo de Carvalho
Gastei-me a fazer tocar e a ouvir o angustiada, com um toque de fatalismo cantar E Depois do Adeus. Estava dado
Abandono.” Não houve inglês, indiano, árabe, e a esperança duma morte nova, o sinal para o levantamento militar.
australiano, africano, japonês ou ameri- com reencarnação à indiana. Diziam Depois da meia-noite, Grândola, Vila
cano que não se comovesse com aquela que não era autêntica, que não era fado. Morena, de José Afonso, passa na Rádio
voz. “Amália era ópera pura. Não era só Era ela e isso bastava.” Renascença.
CLARA SOARES
S
Só ele sabia a verdade do que estava
a sentir no momento em que decidiu
enviar mensagens de despedida aos
amigos e rumou até à Praia do Abano,
no Guincho, no passado sábado, dia
20. O homem que tinha um sorriso
estampado no rosto, uma compa-
nheira de vida com quem planeava
oficializar a relação, cinco filhos e
uma carreira invejável. O ator Pedro
Lima, que confessara, anos antes,
ter atravessado um período de an-
gústia, foi encontrado sem vida na
água, com cortes fatais no pescoço,
pouco antes de chegar aos 50 anos.
A ocorrência gerou ondas de choque
e perplexidade, tal como aconteceu
com a inesperada morte, no mesmo
local, do pianista Bernardo Sassetti,
em 2012 (também faria 50 anos a 24
de junho).
O que pode levar um homem a co-
meter um ato de desespero, quando
aparentemente nada o faria crer aos
olhos dos outros? Sentimentos de
cias mais ou menos glamorosas da
vida de cada um.
Abrir-se à possibilidade de admitir
um problema e procurar ajuda é que
parece continuar a ser um tabu, so-
bretudo para os homens. Não deixa
autoestima”, fez questão de dizer no
programa da manhã da Rádio Comer-
cial. Não muito diferente do que fez
António Horta-Osório, CEO do banco
britânico Lloyds, depois de ter sofrido
um esgotamento nervoso que o levou
vazio, insuficiência, medo, vulnera- de ser perturbador equacionar, em a recorrer a uma clínica especializada
bilidade, sofrimento e, talvez, uma pleno século XXI, que muitos ho- no tratamento de perturbações psi-
vergonha do tamanho do mundo, mens se mantenham reféns do seu cológicas relacionadas com o stresse
ao ponto de vivê-la em silêncio? Até sofrimento, custe o que custar, sem e a defender o fim do tabu dos pro-
que ponto o peso ancestral de uma terem de passar pela “humilhação” de blemas mentais nas empresas, bem
certa ideia de masculinidade impera reconhecer que algo não está bem no como o acesso que todos devem ter a
ainda, criando um muro de silêncio seu mundo. Porém, é crucial fazê-lo essa ajuda. O gestor tem-se mostrado
intransponível em face de situações e trazer alguma luz numa área tão incansável na luta contra o estigma:
ameaçadoras, reais ou percebidas complexa e nebulosa como é a da encorajou o pessoal a procurar ajuda
como tal, como sucede em casos de depressão, nem sempre visível aos para preocupações profissionais e
depressão que acabam mal? Pense-se olhos, mas que importa notar e des- pessoais, criou um programa de sen-
ainda nos casos do chefe norte-a- codificar para poder intervir a tempo. sibilização para executivos seniores
mericano Anthony Bourdain, ou do Que o digam o humorista António e formou milhares de empregados
oscarizado ator australiano Heath Raminhos, que admitiu ter procura- em prestação de primeiros socorros
Ledger, que aos 28 anos sucumbiu do ajuda quando sentiu necessidade, mentais.
por “intoxicação acidental por fár- apelando a que não se esconda o que
macos prescritos”, e logo se conclui vai cá dentro por medo de não ser O CAMINHO MENOS PERCORRIDO
que não há vidas perfeitas e, menos compreendido. Ou o radialista Nuno O Relatório do Estudo Epidemio-
ainda, isentas de tormentas psicoló- Markl, que assumiu publicamente ter lógico Nacional de Saúde Mental,
gicas, inerentes à condição humana, procurado ajuda há cerca de um ano. coordenado pela Universidade de
independentemente das circunstân- “Eu tive e ainda tenho problemas de Harvard e a Organização Mundial da
CONSUMADO
tras perdas, o stresse gerado por ser
portador de uma doença e a estreita
SOLIDÃO, MÁ CONSELHEIRA
“Os homens são mais agressivos nas
estratégias que utilizam e têm maior
número de tentativas bem-sucedi-
das”, nota Miguel Ricou, coordenador
da supervisão da linha de apoio psi-
cológico SNS 24, a funcionar desde o
dia 1 de abril. Os dados dos Serviços vezes conseguem representar muito do que as mulheres e tende a ‘medi-
Partilhados do Ministério da Saúde bem os seus papéis sociais e aparen- car-se’ com álcool, que é uma ratoei-
permitem dizer que a média de ida- tam estar bem, mas o sentimento de ra”, avança o psiquiatra Miguel Nasci-
de dos utentes da linha se situa nos angústia alimenta este circuito.” mento, adjunto da direção clínica do
47 anos e 32% das chamadas foram Outro aspeto que o psicólogo sa- Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lis-
realizadas por homens e relacionadas lienta é que “a ideação suicida, ou boa, lembrando que as percentagens
com “ansiedade, stresse, angústia, vontade de morrer, não se correlacio- elevadas de alcoolismo e depressão
medo, sintomatologia depressiva, na com o suicídio e a grande maioria nas consultas de psiquiatria geral e
gestão de emoções e adaptação em recupera dessa ideação”. E se é certo de alcoologia. A “culpa” é do estigma,
situações de crise e, por vezes, toma que os homens têm mais dificuldade dos estereótipos dominantes, que faz
de medicação em excesso e ideação em falar das suas emoções e em pedir com que “cheguem à urgência já com
suicida”. ajuda, a sua experiência clínica leva-o tentativas de suicídio”.
O docente da Faculdade de Medici- a ser otimista: “Há 20 anos, a maioria Mas a luz ao fundo do túnel exis-
na do Porto destaca a impulsividade, dos meus pacientes eram mulheres te, desde que se esteja presente e
a assertividade e a falta de esperança e, agora, há dias em que tenho mais atento: “Quando se pergunta se têm
como os três fatores determinantes pacientes do sexo masculino.” tido pensamentos maus, ‘ideias mais
para tomar decisões que não são “O típico português não pede ajuda negras’ como dizem os franceses, é
ponderadas e poderão ter um outro nem assume que tem um problema, uma porta aberta para que falem e
desfecho: “Têm razões que não par- recorre menos ao médico de família aceitem ajuda, o não falar e isolar-se
tilham quase nunca, mas se falarem
delas com alguém em quem confiem,
podem dar-lhes significado em vez de
ficarem sós no seu mundo interno a
alimentar pensamentos negativos.”
Destes três fatores, apenas a fal- “CONTINUAMOS A EDUCAR OS
ta de esperança conta nos casos de RAPAZES PARA SEREM FORTES
E NÃO CHORAREM E PEDIR
depressão, “a pessoa está triste por
estar, sem um motivo específico”, daí
a necessidade de desmontar o ciclo
vicioso que caracteriza a doença: AJUDA TORNA-SE, EM MUITOS
desvalorização e sentimentos de in-
capacidade, que aumentam a sensação
CASOS, AINDA MAIS DIFÍCIL”
de tristeza e vão até ao desespero. “Às RUTE AGULHAS PSICÓLOGA E TERAPEUTA FAMILIAR
MUSEU
E PARQUE
102
Rio
Douro
Rio Côa
IP 2
EN
22
2
As gravuras nunca precisaram de aprender
a nadar, mas a Fundação Côa Parque, responsável
pela gestão do parque arqueológico e do museu,
esteve quase a afundar. Com a recente descoberta
da maior gravura do mundo ao ar livre, datada
do Paleolítico Superior, reaviva-se o interesse
por um património único e por um projeto
cultural que fez história, enquanto
âncora de um território
JOANA LOUREIRO LUCÍLIA MONTEIRO
1994
Anúncio público da descoberta
das gravuras, por altura da
construção da barragem
hidroelétrica do Baixo Côa,
feita em 1991 pelo arqueólogo
Nelson Rebanda, responsável
pelo acompanhamento e
prospeção arqueológicos
1996
Liderado por António Guterres,
o governo abandona
a construção da barragem
e anuncia a criação do Parque
Arqueológico do Vale do Côa
1998
Arte rupestre do Vale do Côa
é classificada pela UNESCO
como Património Mundial,
naquele que foi o processo
de classificação mais rápido
de sempre
“Temos inibições
e tabus só porque
não queremos
falar sobre certos
assuntos. E o último
grande tabu é a
morte. As pessoas
não querem pensar
nisso. Mas os
humoristas estão
sempre fascinados
com a morte”
“Costumava
sentar-me no fundo
da sala de aula
a fazer os miúdos
planeado. Quando olho para trás, vejo
rirem-se da peruca que tudo foi feito intuitivamente. Se
do professor ou é bom e se resulta, acaba por seguir
as mesmas regras da comédia, sejam
de outra coisa elas quais forem.
qualquer. Sempre Quão difícil foi dirigir-se a si
próprio nesses momentos?
fiz o que faço agora, E onde se inspirou para convocar
mas só percebi que essa dor?
Antes de mais, a minha preocupação
estabeleceu as próprias comparações.
poderia ser um era esta: será que as pessoas, depois
Não queremos pensar nestes emprego quando de se rirem de coisas parvas, subli-
assuntos, mas devemos fazê- mes, absurdas e surreais, passam, su-
-lo e pode ser negativo se os
cheguei aos bitamente, a chorar por causa de um
evitarmos? 40 anos!” homem que perde a mulher e se quer
Temos inibições e tabus só porque matar? E a resposta foi sim. Porque
não queremos falar sobre certos as pessoas fazem isso todos os dias.
assuntos. E o último grande tabu é Mas tem de escrever o material... A vida real é bem mais assustadora.
a morte. É mesmo. As pessoas não Sim, mas a culpa impera. Depois E nós assumimos demasiadas coisas
querem pensar nisso. Mas os humo- penso que tenho de fazer mais uma sobre o público. Criadores, estúdios,
ristas estão sempre fascinados com a série ou um espetáculo. E a primeira televisões costumam alertar: “Oh, isto
morte. Deve haver algo de errado e de coisa que me ocorre é sempre “ima- é demais para o público!”. Mas quem
obscuro em nós próprios. Gostamos gina se...”. Talvez tenha que ver com o somos nós para dizer isso? E estamos
de ir por aí, porque a morte nos deixa modo como a sociedade tem muda- enganados, porque o público aguenta
desconfortáveis, a nós e aos outros. do, com o politicamente correto, com tudo. Se aguenta a vida real, também
De certo modo, caminhamos em di- temas tabus a serem condensados em aguenta uma série de TV. É como se
reção à escuridão. Nos meus espetá- novos dogmas. Talvez a explicação tivéssemos medo de que os especta-
culos de stand-up comedy, gosto de esteja aí. E, então, pensei: “Imagina dores pensassem: “O quê? Morrem
abordar assuntos tabus e controver- que não te importas com o que te pessoas?! A sério? Ninguém me tinha
sos, porque quero que o público se acontece, que não te importas com as avisado...” [Risos.]
sinta desconfortável, que pense nisso, consequências do que fazes ou dizes, Alerta de spoiler!
que sinta algo. Nenhum mal advém que podes dizer tudo o que queres.” Sim, spoiler alert: vamos todos
da discussão de temas tabus. Isso Nós não dizemos o que nos apetece morrer! Se é fácil dirigir-me a mim
conduz-nos a um lugar onde nunca porque não queremos aborrecer nin- mesmo? Sim, porque só tenho de
estivemos, o que é tentador, tanto guém ou porque queremos ser popu- agradar a mim próprio. É muito
para a comédia como para o drama. lares ou porque não queremos perder mais duro ser intermediário. Já vi
Como é o seu processo de escrita? o emprego. Por tudo isso, nunca realizadores a suarem por terem de
Não tenho nenhum processo. Deixo dizemos exatamente o que quere- fazer um telefonema, quando querem
que os pensamentos entrem na mos transmitir. Mas imaginemos mudar uma fala. É tudo mais fácil
minha cabeça. Tento arranjar tempo que podíamos. Em que situação isso quando somos nós a mandar. É mais
para ter pensamentos que quase não podia acontecer? Se formos morrer fácil escrever o argumento, porque
controlo. Preciso de me sentar, olhar em breve, se perdemos tudo e se sei que sou eu o realizador que o vai
o céu, ouvir música, não pensar em decidirmos desistir, morrer. Mas, de- ler... Só não podemos ser complacen-
coisa nenhuma e... os pensamentos pois, não o fazemos porque o nosso tes connosco, temos de ser os nossos
surgem. cão tem fome. E pensamos: “Sempre piores críticos, porque não haverá
Anda pelo mundo a estudar tive algo que me travou, mas agora ninguém a dizer-nos: “Isso é horrível,
as pessoas? posso fazer exatamente o que me Rick, repete lá isso...”
Sim, talvez, mas não conscientemen- apetece, não tenho medo de nada.” E O elenco da série é muito bom,
te. Sempre fiz isso. É o que faço como é como se tivéssemos superpoderes. sobretudo o seu cão maravilhoso.
ser humano. Eu costumava sentar- É esse o conceito, foi essa a ideia para Estabeleceu com ele laços
-me no fundo da sala de aula, a fazer After Life. Depois tive de pensar nos profundos?
os miúdos rirem-se da peruca do pormenores da série. Exemplo: Por Como já expliquei, surgiu a ideia de
professor ou de outra coisa qualquer. que não se matou Tony? Porque o cão haver um cão e de ele se tornar muito
Sempre fiz o que faço agora, mas só tinha fome, que ideia brilhante, vou importante. Metafórica e literalmen-
percebi que poderia ser um emprego arranjar-lhe um cão! E o que significa te, ele salva a vida do Tony. Os cães
quando cheguei aos 40 anos! Pode perder tudo? Oh, o amor da sua vida. são fantásticos. E salvam mesmo
ser uma ideia, uma observação... Em Certo, ótimo. E qual é o emprego vidas, literal e metaforicamente.
março de 2017, quando andava em dele? Qual o pior emprego? Ter de São ótimos para a dor. Eles com-
digressão com o espetáculo Huma- lidar com pessoas banais, porque ele preendem a emoção, sabem quando
nity, sentia-me ligeiramente culpado odeia trivialidades. E quando estamos estamos tristes. Se não existissem,
por trabalhar apenas 70 minutos deprimidos ou em sofrimento, tudo é teriam de ser inventados. Guardam-
por dia [risos]. Não foi essa a minha dez vezes pior. Foi por essa razão que -nos, guiam-nos, dão-nos segurança.
educação! Isto não é bem ter um fiz dele um repórter num pequeno Conseguem mesmo detetar o cancro!
emprego! jornal local gratuito. Nada disto foi Por isso, quis um cão e fui ter com as
FOCAR Suspeitas
de favorecimento no
“Vejo os pombos
no asfalto, eles
sabem voar alto,
negócio dos drones
A Força Aérea vai comprar 12 aparelhos para usar na
mas insistem em prevenção de fogos. O contrato de 4,5 milhões de euros,
financiado pelo Fundo Ambiental, deve ser assinado
catar as migalhas até ao final do mês, mas o concurso está envolto em
do chão” polémica, até porque já só há uma empresa na corrida
Zeca Baleiro PEDRO RAÍNHO
Músico brasileiro
(1966)
N
reacendimentos na serra da Lousã
ENCARGOS, 95%
nas duas semanas após a adjudicação e Esses contactos, conclui o gabinete,
os restantes seis nos 30 dias após ser fe- em nada se cruzaram com a compra dos
SÃO “ESSENCIAIS” chado o negócio? O consórcio da Tekever
diz que não é possível, mas Nuno Si-
drones, anunciada entretanto. Essa tarefa
“foi cometida à Força Aérea, não tendo o
E PERMITEM A mões encontrou uma forma: “Vamos ter
de paralisar todas as nossas atividades,
EMGFA interferido nos aspetos concursais
nem na inerente tramitação contratual”,
ANULAÇÃO DAS estender a nossa linha de produção e
implementar todos os novos requisitos”,
garante fonte oficial do gabinete de Silva
Ribeiro. Tudo não terá passado, afinal, de
CANDIDATURAS explica o responsável da UAVision. uma coincidência. prainho@visao.pt
D.R.
O homem por detrás da máquina
A influência de Portugal no futebol internacional não para
de crescer. O presidente da FPF será o rosto do sucesso.
Mas o mérito deve ser repartido com o discreto Tiago Craveiro
N
MANUEL BARROS MOURA
26º DO MUNDO
Tiago Craveiro foi considerado, em 2017,
pela FC Business, revista britânica voca-
cionada para os negócios e a indústria
do futebol, a 26ª personalidade mais
influente no meio desde 2004, numa 2019 – Liga das Nações: A ideia foi acabar com os jogos particulares
lista de 100 nomes, na qual o empresário entre seleções e aproveitar as datas vagas para criar uma liga competitiva,
Jorge Mendes surgia apenas dois lugares apetecível para patrocinadores e televisões. O parto foi difícil, mas Tiago
à frente. Um ano depois, foi nomeado convenceu tudo e todos. No futuro, poderemos estar a falar na Liga Mundial
administrador da UEFA Club Compe- das Nações...
titions, SA, empresa detida pela UEFA
2019 – Canal 11: Projeto único no mundo. A FPF é a primeira federação a
e pela Associação Europeia de Clubes
deter um canal de televisão, a emitir diariamente.
(ECA) e que passou a ser responsável
pela gestão de todas as competições 2020 – Final 8 da Liga dos Campeões: Pela primeira vez, as oito melhores
europeias de clubes: Liga dos Campeões, equipas europeias vão estar reunidas na mesma cidade, a lutar pelo título
Liga Europa, a futura Conference Lea- mais importante do calendário do futebol mundial de clubes. A ver vamos se
gue, Supertaça Europeia, Youth League não será a primeira de muitas...
Princípios
de gabinete de Hermínio Loureiro o que
mais despertou a atenção no jovem as-
e valores, “mas”...
sessor foi o facto de ele ser “um tipo com
P O R J O S É C A R L O S D E VA S C O N C E L O S
ideias”. E se conseguiu colocar algumas
em prática durante a passagem pelos
1
governos de Durão Barroso e de Santana
Lopes, foi na Liga que começou a abrir o O Dia Mundial do Refugiado foi também intervenha e quando fizer
livro. “Ele foi fundamental na construção no passado dia 20 e o Presiden- declarações “comemorativas” como
do modelo competitivo da Taça da Liga”, te Marcelo assinalou-o subli- aquela não esqueça realidades que
recorda Hermínio Loureiro, lembrando nhando que “os refugiados são negam os princípios e valores que
também “as dificuldades” que ambos pessoas como nós, o humano é se proclamam.
2
tiveram de enfrentar para conseguir universal e todas as vidas contam”,
convencer os poderes instalados para sendo “Portugal um país aber- Como se já não bastasse a
levar a nova prova por diante, em 2007: to aos outros. De valores huma- Covid-19 a infernizar-nos a
“Foi igual à Liga das Nações.” nistas, de solidariedade e justiça, vida, para além da abundante
que fazem dos portugueses um indispensável informação sobre
A FOLHA EM BRANCO exemplo mundial no acolhimento a pandemia, suas manifestações
Em 2010, Hermínio Loureiro deixou a e integração dos refugiados”. Mui- e consequências, somos fustiga-
presidência da Liga e para o seu lugar to bem, temos até das legislações dos por chusmas de comentários e
entrou Fernando Gomes. Tiago Craveiro mais avançadas nesse domínio e variações, a seu respeito, que não
manteve-se como secretário-geral, só na proteção dos emigrantes. Não interessam nem ao Menino Jesus.
abandonando o cargo para acompanhar fazemos, aliás, mais do que a nossa E que só servem, muitas delas,
Gomes, em 2012, na passagem para a obrigação, atendendo inclusive à para nos dar um certo retrato, não
FPF. O resto é a história de sucesso que diáspora de milhões de portugue- muito lisonjeiro, dos seus auto-
se conhece. Um trajeto que não está au- ses ao longo do tempo. res. Incidindo em particular sobre
sente de críticas, é verdade. Fontes ouvi- Muito bem, “mas”... Na prática, o que Presidente da República e
das pela VISÃO que preferiram manter o muitos “mas”. Des- primeiro-ministro
anonimato destacam-lhe o “feitio difícil” de logo, o Serviço fazem e não fazem,
e “uma certa arrogância e frieza na forma de Estrangeiros e Há comentadores dizem e não dizem.
como lida com aqueles que o rodeiam”. Fronteiras (SEF). que entendem Trata-se do exer-
Augusto Baganha, porém desvaloriza. Que esteve e está não haver hoje cício da liberdade
“Quando alguém é tão exigente na forma tragicamente em de opinião, tudo
de trabalhar, é natural que haja sempre foco, no banco dos em Portugal uma bem. No entanto já
quem se ressinta.” Hermínio Loureiro réus, com a morte oposição à altura é difícil suportar
reforça: “O Tiago é focado no trabalho. nas suas insta- e se entendem tanta repetição por
Não o mistura com conhaque, como se lações, vítima de um lado e contra-
costuma dizer. Mas é de boas relações.” tratamento bárba- à altura de ser dição por outro,
Aquilo em que ambos também acre- ro, de um cidadão essa oposição tanta divagação de
ditam é que o futuro de Tiago Craveiro ucraniano. E que mais e coerência de
tem ainda muito para desvendar. “Nunca foi agora uma vez menos.
vi nele uma ambição desmedida de che- mais referenciado, em relatório de O que muitas vezes julgo acon-
gar a um qualquer lugar. É alguém que se uma credível instituição internacio- tecer, e me penaliza pela ideia
mobiliza por projetos, que dá tudo por nal, por em 2019 ter detido nas suas que tenho da responsabilidade de
eles. É de uma lealdade a toda a prova instalações, para além do tempo opinar ou comentar nos média,
e dá uma extrema confiança às pessoas previsto em convenção interna- sobretudo em circunstâncias di-
com quem trabalha”, explica Hermínio cional que o País subscreveu, um fíceis como as atuais, é uma certa
Loureiro, acreditando em futuras con- total de 77 menores. O SEF justifica, tendência para uma infundada
quistas, nacionais e internacionais, do “mas” (mais um...). Há anos, aliás, crítica fácil, com falta de capacida-
seu antigo assessor. E é também nisso que há críticas e recomendações da de de análise (ou de seriedade?) e
que Tiago Craveiro parece apostado na Provedoria de Justiça, as últimas da em alguns casos de respeito pelos
vida. Pelo menos, a avaliar pelo depoi- atual provedora, mormente sobre o outros. Fazendo amiúde juízos com
mento que deu, enquanto antigo aluno, “isolamento excessivo” dos detidos, base no que já se sabe quando se
ao departamento de Ciências da Co- a que não é dado qualquer segui- escreve ou fala, e não com base no
municação da Universidade do Minho: mento. que se sabia quando se tinha de
“O importante é criar um padrão de Não pode ser. Além da urgente tomar, ou mesmo arriscar, uma
conhecimento e voar. Pegar numa folha posição, que já aqui reclamei, sobre decisão. Além disso, há comenta-
em branco, escrever algo que ainda nin- o caso do ucraniano assassinado, dores que entendem não haver hoje
guém escreveu e colocá-lo em prática.” impõe-se fazer muito mais do que em Portugal uma oposição à altura
Até agora, a folha de Tiago está meia o MAI já anunciou. Que Governo e e se entendem à altura de ser essa
cheia. E o que falta, pelo que já se viu, Parlamento assumam as suas res- oposição. Outra conversa...
promete... mbmoura@visao.pt ponsabilidades; e que o Presidente jcvasconcelos@jornaldeletras.pt
Q
LUÍSA OLIVEIRA
A NOITE CONTINUA
uem nunca foi jovem, com É por isso que o médico lembra que
tudo o que isso implica, que os jovens não vivem sozinhos no mundo
atire a primeira pedra. Agora,
imaginem-se sem aulas pre- ÀS ESCURAS e que, com comportamentos irrespon-
sáveis como estar numa festa cheia de
senciais há três meses, encon- gente (chamados de superspreader even-
tros com amigos hipotecados, Uma das razões invocadas para que, ts), podem gerar cadeias de transmissão
de repente, se organizem festas
visitas à janela e à distância, e casos secundários. “Prevenir estes
clandestinas e haja ajuntamentos
sem abraços nem beijinhos, superspreader events pode fazer a dife-
nas ruas é o facto de os bares e as
festivais cancelados, desporto discotecas se manterem de portas
rença no sentido de travar a Covid-19”,
cheio de regras, e bares e dis- fechadas. Os donos dos espaços de nota Samuel Scarpino, cientista que se
cotecas fechados a sete chaves. E com animação noturna defendem que, dedica a esta doença na Universidade
aquela sensação de invencibilidade, in- sob a sua alçada, haveria normas de Northeastern, nos EUA. E identifica
suflada pelas notícias que dão como alvo cumpridas e menos perigo de os catalisadores: grandes multidões,
preferencial da Covid-19 a população contágio. E que não se pode meter contactos de proximidade e espaços
mais envelhecida. no mesmo saco, por exemplo, bares confinados com má ventilação.
Resultado? Perante a ordem para sentados e discotecas sem zonas “O risco ao ar livre diminui, sim, mas
desconfinar, os mais novos saíram para exteriores. Formaram-se diversos o importante é pensar na densidade de
a rua com sede de compensar tudo o movimentos, houve manifestos e pessoas por metro quadrado”, admite
que lhes foi roubado pela pandemia. cartas entregues a António Costa e Ricardo Mexia. E realça que nos en-
Passaram a ser frequentes as imagens até manifestações silenciosas, mas contramos exatamente onde estávamos
de grupos na praia, nas esplanadas, nas por enquanto o Governo tem-se quando isto tudo começou: sem imuni-
ruas à noite e em festas clandestinas, mostrado inflexível. Entretanto, a dade de grupo, sem cura e sem vacina.
organizadas nas redes sociais – tudo AHRESP, associação que representa
isto denunciado por cidadãos que se têm o setor, apresentou à Direção-Geral UMA CAUSA COLETIVA
desdobrado em chamadas para a polícia. da Saúde um manual de boas A idade média das infeções está muito
É que estar numa festa, com centenas práticas para um hipotético regresso mais baixa. Desde o início do desconfi-
de pessoas, num local fechado, repre- da atividade: namento, a 4 de maio, o número de no-
senta tudo o que não está aconselhado vos casos entre os jovens quase duplicou:
nesta fase (ajuntamentos só com 20 1 Marcar lugar Sempre que cresceu 90% na faixa etária entre os 10 e
pessoas, dez na Área Metropolitana de possível, os clientes devem fazer os 29 anos (só entre os 20 e os 29 anos
Lisboa) e resulta num cocktail explosivo uma reserva antes de irem a aumentou 89,3 por cento). António Pa-
para a propagação da doença. Se restas- bares ou a discotecas. narra, responsável pela Medicina Interna
sem dúvidas, os números saídos da festa do Hospital Curry Cabral, em Lisboa,
em Odiáxere, Lagos, seriam suficientes 2 Ar livre Os estabelecimentos de confirma estas contas, ao verificar que
para as apagar – mais de 100 casos. diversão noturna devem utilizar os internamentos na unidade de saúde
Ricardo Mexia, presidente da Asso- preferencialmente espaços em que trabalha têm vindo a aumentar.
ciação Nacional dos Médicos de Saúde exteriores. Há muitos jovens na casa dos vinte a
Pública, relembra que a transmissão do recorrerem às urgências, com queixas
vírus ocorre pelas gotículas, de pessoa 3 Proteção Desinfeção constante respiratórias e quadro febril bastante
para pessoa, evitável através da proteção das mãos, e colaboradores e intenso e difícil de debelar, acabando,
das vias respiratórias. Ora, “num con- clientes de máscara. muitas vezes, por ficar internados e,
texto de festa, em que circulam bebidas nalguns casos, chegam mesmo à Uni-
alcoólicas, não se verificará o uso de 4 Chega para lá As pistas de dade de Cuidados Intensivos. “Antes
máscara por um período prolongado”. dança devem ter áreas de 2,25 m² eram 1% ou 2%, agora já representam
Além disso, costuma haver partilha marcadas no chão, assegurando 10% e prevejo que isto se torne mais
de copos e grande interação entre as a distância física entre clientes evidente num futuro próximo”, arrisca o
pessoas, nomeadamente quando estão ao mesmo tempo que se especialista. Em meados de maio, esses
a dançar. movimentam. casos estavam mais relacionados com os
FIGURA
“O mais difícil
Alba Baptista
para uma pessoa
criativa é conter
o esforço de
transformar o
mundo naquilo
Por duas vezes, pelo menos, Alba Baptista M. Ferreira, Tudo o Que Imagino, de
já teve a sorte a bater-lhe à porta e soube Leonor Noivo ou Linhas de Sangue, de
agarrar essas oportunidades. A primei- Sérgio Graciano e Manuel Pureza, em que
ra, há sete anos, no casting para Miami, interpretava uma personagem alemã. E
curta-metragem de terror realizada por tudo começou quando, aos 14 anos, foi
Simão Cayatte e, em 2018, ao participar acompanhar a irmã mais velha que quis
no Festival de Cinema Europeu Subtitle, inscrever-se numa agência de modelos
na Irlanda. “Ao início é sempre preciso e anúncios e, por sugestão desses profis-
sorte. É a vida a dar-te um empurrão. sionais treinados para adivinhar talentos,
E o difícil não é chegar a esta indústria, também ela acabou por se inscrever. Se-
o difícil é permanecer”, constata a atriz ria a partir dessa agência que chegaria o
de 22 anos, próxima portuguesa a entrar desafio para entrar no casting de Miami.
para a família internacional da ficção em
streaming, ao protagonizar Warrior Nun, SEM FRONTEIRAS
nova série da Netflix com estreia marcada Já há algum tempo que Alba Baptista
para 2 de julho. dizia à sua agente, Carla Quelhas, que
Criança tranquila, a mais nova de três queria mostrar o seu valor em produções
irmãos, Alba Baptista teve a sua fase de internacionais. “Domino várias línguas e
rebeldia por volta dos 15 anos, quando quero explorar esse lado. Vejo beleza nos
“lutava contra a insatisfação interior”. Por dialetos. Ler Goethe ou Shakespeare no
isso, quando foi ao casting para Miami e original acentua a sua beleza”, explica.
Simão Cayatte lhe perguntou como lida- Com dupla nacionalidade (portuguesa e
va com a culpa, adorou aprofundar esse brasileira), Alba é fluente em português
assunto. Antes, já Patrícia Vasconcelos, (também com sotaque perfeito do Brasil),
responsável pelo casting, lhe tinha feito alemão, inglês, francês e espanhol. Há dois
várias perguntas de resposta rápida, a anos, Carla Quelhas conseguiu levá-la
testar-lhe o raciocínio. Cayatte quase a ao festival Subtitle, na Irlanda, onde vão
eliminou por ter “cara de princesa”, mas todos os diretores de casting do mundo,
Patrícia insistiu e hoje confessa: “Foi um e a experiência foi muito intensa. “Passei
diamante que me veio parar às mãos. cinco dias com entrevistas de manhã à
Ela junta várias características essenciais noite: dez minutos à frente de três direto-
num ator: inteligência, disponibilidade,
curiosidade e talento, o que só por si
não chega porque é preciso trabalhar
muito. Ela tem luz, tem uma aura à sua
volta. Tem a imagem de forte e de frágil
ao mesmo tempo.” res de casting, intervalo de cinco minutos,
Apesar de ter nascido em Lisboa, Alba e assim sucessivamente até ao fim do dia.
Baptista tem sangue de vários países a É insano, intimidante e não se sabe o que
correr-lhe nas veias. Os avós emigra- esperar. Não havia a pressão para mostrar
ram para a Alemanha onde nasceu a o meu valor, o que já tinha feito, porque
mãe, tradutora, cuja mentalidade reúne ali já só estão os que têm potencial para
as raízes tradicionais portuguesas com crescer”, recorda.
a modernidade alemã da época da sua “Para a idade dela, na altura com 20
juventude. Os caminhos profissionais anos, tinha, e tem, um percurso no cinema
levaram-na para o Rio de Janeiro, onde e nas séries televisivas portuguesas muito
conheceu o marido, um engenheiro me- vendável lá fora”, analisa Carla Quelhas,
cânico brasileiro. Já com a família em
Portugal, Alba frequentou a Escola Alemã “GOSTO DE PENSAR que meia hora depois de ela ter chegado
ao festival começou a receber inúmeros
de Lisboa, onde aprendeu a não protelar
o que tem para fazer. Quando entrou em
QUE A ALMA DE ARTISTA pedidos para castings. O da Netflix foi
o primeiro que fez nessa edição em que
Jardins Proibidos (2014), primeira de três É MAIS ABRANGENTE também foi distinguida com o Prémio
DO QUE SÓ O QUE A
telenovelas em que já participou, sentiu Revelação Feminina.
um grande choque cultural, pois não Quando Alba abriu o email da Netflix
compreendia bem o lado informal do dia
de trabalho. Seguiram-se algumas séries REPRESENTAÇÃO ENGLOBA”, a dizer “protagonista”, “que ressuscita e
tem cenas de pancadaria”, pensou: “Nunca
de ficção (Filha da Lei, Madre Paula...) e
mais cinema português. O ano de 2018
DIZ ALBA BAPTISTA, vou ficar com o papel, mas é bom poder
fazer um casting em inglês.” Estava tão
incluiu vários trabalhos, desde Caminhos
Magnétykos, de Edgar Pêra, Leviano, de
ATRIZ QUE JÁ QUIS SER descomprometida que fez uma gravação
nada convencional, dentro do quarto de
Justin Amorim, Equinócio, curta de Ivo PINTORA E PIANISTA hotel, com péssima luz e a fingir estar a ver
11 apps
para aumentar os seus
conhecimentos
Cada vez mais procuradas, as aplicações
móveis oferecem um universo gigantesco de
aprendizagens, desde lições de guitarra a respostas
para quase todas as perguntas. Para a VISÃO,
especialistas selecionaram um conjunto de apps
que ensinam e, ao mesmo tempo, divertem
J. PLÁCIDO JÚNIOR
Q
uer espreitar a nossos conhecimentos. Ain- CANVA so”, é “a referência”, diz o
coleção de um da acrescentamos sugestões Esta é “uma app diretor da Exame Informá-
museu em par- de um artigo do Guardian, muito útil para tica. “Esta app concentra as
ticular? Há uma jornal britânico de referên- quem gere redes sociais”, diz coleções de mais de dois mil
app que lhe dá cia. É o que lhe oferecemos a o especialista Vasco Marques. museus de todo o mundo”,
muito mais do partir daqui, com um bónus: Contém “numerosos mode- esclarece Sérgio Magno. Mas
que isso – dis- todas as 11 aplicações que se los prontos a utilizar para os não só: também disponibiliza
ponibiliza-lhe seguem são grátis. diversos social media, mas outros conteúdos culturais,
as coleções de também para outros meios “incluindo notícias e reco-
milhares de QUORA digitais”, justifica. E ainda “per- mendações sobre espaços a
museus es- O diretor da Exame mite exportar em PDF e vídeo”. visitar em viagens de férias”.
palhados pelo Informática diz que A opção grátis, sublinha, “é A tecnologia de Inteligência
mundo. Se lhe apetece mais se encontram aqui “respos- mais do que suficiente para Artificial da Google, explica
fazer composições artísticas tas para quase todas as per- a maioria das necessidades”. o jornalista especializado,
com fotografias ou, digamos, guntas”. Esta app dá acesso permite ainda “funcionali-
aprender italiano, também a uma plataforma de partilha ARCADEMICS dades divertidas, como pro-
há ferramentas móveis que de conhecimento com base Um dos destaques curar quadros com sósias do
ajudam a lá chegar. Resu- em perguntas e respostas. do professor Rui utilizador – basta tirarmos
mindo para encurtar razões, “A base de dados é gigan- Lima é esta ferramenta de uma selfie e iniciar a pesqui-
o problema, com as apps, é te, mas se não encontrar o “exploração de conteúdos, es- sa”. Mais: “É possível aplicar
escolhê-las. Por isso, a VI- que procura, basta pergun- sencialmente de matemática, o estilo de alguns quadros
SÃO pediu a três especialis- tar”, explica Sérgio Magno. através de jogos online”. São marcantes a fotos que temos
tas – Sérgio Magno, diretor “A probabilidade de obter mais de 60 jogos que permi- no smartphone ou ver al-
da revista Exame Informáti- respostas de qualidade é tem competições em tempo guns monumentos em 3D e
ca, Rui Lima, professor pre- muito elevada”, acrescenta. real, a que se somam “lições” com tecnologia de realidade
miado pela Microsoft como Trata-se de “uma consequên- individuais para melhorar o virtual.”
um dos mais inovadores do cia do método de classifica- desempenho.
mundo, e Vasco Marques, ção que, não sendo infalível, PHOTOSHOP CAMERA
consultor de marketing di- é capaz de valorizar as res- GOOGLE ARTS Esta é uma “nova
gital e de redes sociais – que postas mais acertadas, mes- & CULTURE app da Adobe, para
fizessem uma seleção de mo quando os temas são No que respeita a fazer composições artísti-
aplicações que aumentam os difíceis”. “transportar museus no bol- cas com fotografias”, infor-
EDIÇÃO MENSAL
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Porque
é bom ler
Com o apoio de:
PA P E L F OR NE C ID O P OR :
H
á dezoito anos, a minha mãe chegou a casa com um
cachorrinho, cor de trigo, dentro de uma caixa de cartão.
Para mim foi a coisa mais surpreendente que alguma
vez fez. Tinha dito sempre que não queria animais de
estimação e, durante a minha infância, tinha acedido
apenas a que tivéssemos uma pequena tartaruga.
O cachorro tinha aparecido no seu local de trabalho e
P O R C A P I C U A / Rapper aqueles olhos meigos de rafeiro abandonado amoleceram-
-lhe o coração. Além do facto de o meu irmão, com seis anos na altura, ter uma
fixação por animais e ansiar há muito por um companheiro de quatro patas.
Leão
Sempre ironizámos também o facto de fazermos diferença de seis anos
entre irmãos, responsabilizando o relógio biológico da minha mãe por este
“quarto filho”. O que é certo é que, entre a pena de deixar o rafeirinho à sua
sorte, a vontade de fazer feliz o meu irmão, ou as saudades de ter um bebé
em casa, a minha mãe trouxe o Leão para a família.
Na infância e juventude era totalmente destravado. Corria portão fora
a cada oportunidade, pedinchava comida à mesa, roubava guardanapos
de papel para desfazê-los avidamente no chão, gania por cascas de maçã
cada vez que alguém descascava uma, não obedecia a ordens ou proibições
e dormia em cima das camas e dos sofás. O meu pai costumava dizer que não
podiam esperar muito deles no quesito domesticação, porque se tinham sido
incapazes de educar três crianças, não haviam de conseguir educar um cão,
selvagem. Um cão chamado Leão.
Sempre foi meigo, apesar da sua antipatia para com outros cães e de um
trauma esquisito com pés. Tinha tendência para abocanhar quem aproximasse
o sapato do seu focinho quando dormia no chão. Fui vítima desses ímpetos
algumas vezes e posso dizer que o trauma foi contagioso, de tal forma que
tenho isso tão inculcado em mim, que sou incapaz de pousar o pé à frente do
focinho de um cão, desviando sempre a passada para bem longe, não vão ser
todos como ele.
Com a idade, tornou-se mais sedentário e passou a ter um ódio ao
veterinário, ao ponto de se recusar a caminhar pelo passeio que desemboca
à sua porta, com medo de ser obrigado a entrar. As artroses entortaram-lhe
as patas e passou a andar de lado como os caranguejos. Um cão chamado
Leão que andava como um caranguejo.
Era guloso e faustosamente alimentado pelo meu pai, que fazia questão
de aquecer a sua comida no microondas, de deitar o molho da carne sobre
o arroz e de o presentear com todo o tipo de restos. Dizia que, coitadinho,
lambia os beiços e era quem melhor o recebia quando chegava a casa...
Qualquer especialista reprovaria essa dieta, porque os cães devem comer
ração e comida sem sal, mas a verdade é que o nosso rafeiro gourmet passou
a maioridade. Qualquer outro cão, sobretudo de raça, não teria sobrevivido
tanto tempo, mas este não era um cão qualquer. Era um cão, chamado Leão,
que andava como um caranguejo e comia como gente grande.
Os últimos meses foram mais difíceis e foi perdendo mobilidade. Via mal.
Ouvia pior. Quando dormia em cima da cama do meu irmão, já não conseguia
descer no dia seguinte. Tropeçava nas escadas, ladrava sem razão aparente
e tínhamos de ter cuidado ao tocar-lhe, porque tinha muitos pontos de dor.
De qualquer forma, continuava a ser um bom companheiro, respeitador
É muito específico do bebé que chegou entretanto à sua família e com o mesmo apetite voraz.
É muito específico o amor e a afeição que se tem por um animal de
o amor e a afeição estimação. Quem nunca os teve terá dificuldade em imaginar. Cada amor é tão
que se tem por particular que explicar o de irmãos, ou o de mãe para filho, a alguém que não
um animal de os tem, é demasiado vão. Ora este, pelos bichos, não é menos difícil de definir.
Enchem a casa, tornam-se família e quando partem deixam um vazio que
estimação. Quem dorme pelos cantos.
nunca os teve terá Hoje é o primeiro dia sem ele nesta casa. Há um silêncio inédito
e desconfortável. Almoçámos todos juntos e, apesar da perda, estamos bem.
dificuldade em Afinal, tivemos dezoito anos de Leão connosco e isso é ter muita sorte.
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