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Nayara Kobori3
RESUMO
Este estudo analisou a qualidade do debate que se instaurou na esfera pública depois da
publicação de uma matéria sobre aborto seguro, pela Revista AzMina. A repercussão
cresceu após o pronunciamento da ministra Damares Alves, em sua rede social, onde
afirmou que a revista fez apologia a um crime. Diante da crítica da representante do
governo federal e do debate instaurado, é possível argumentar que enquanto a Revista
AzMina demonstrou potencial para contribuir para o debate público e representar as
necessidades sociais do público feminino, dando substancialidade ao assunto, enquanto
a insituição governo abordou a questão de maneira passional e superficial, sem
condições de enriquecer o debate e demonstrou que grupos de interesse podem usar a
esfera pública para propagar suas ideias e estratégias de poder e neste caso
impossibilitou impirmir qualidade à democracia.
ABSTRACT
This study analyzed the quality of the debate that was established in the public sphere
after the publication of an article on safe abortion, by AzMina Magazine. The
repercussions grew after the pronouncement of Minister Damares Alves, on her social
network, where she stated that the magazine apologized for a crime. In view of the
criticism of the representative of the federal government and of the debate, it is possible
to argue that while the Revista AzMina demonstrated the potential to contribute to the
public debate and represent the social needs of the female public, giving substantiality
to the subject, the government insitution, in turn, approached the issue in a passionate
and superficial way, unable to enrich the debate and demonstrated that interest groups
can use the public sphere to propagate their ideas and strategies of power and in this
case it was impossible to imply quality to democracy.
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Trabalho apresentado no 2º Congresso Ibero-americano sobre Ecologia dos Meios – Mulher e Gênero no
Ecossistema Midiático – Modalidade Virtual – de 01 a 30 de abril/2020.
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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutoranda em Comunicação - FAAC-UNESP,
email: anaconsalteramor@gmail.com.
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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutoranda em Comunicação - FAAC-UNESP,
email: nayarakobori@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
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Dá-se o nome “Primavera das Mulheres” o conjunto de mobilizações organizadas entre 2013 e 2015,
que retratam o movimento feminista no Brasil. Feministas de todas as linhas, como o feminismo radical,
feminismo negro, liberal, marxista, entre outros, foram às ruas pedir o fim da violência contra a mulher.
Brito (2017) diz que o motivo que levou à Primavera das Mulheres foi a aprovação da PL 5069/2013, na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, que tratava o atendimento às mulheres
vítimas de violência sexual no sistema público de saúde, estabelecendo punições aos profissionais que
incentivarem grávidas ao aborto, ou ainda prestar auxílio para que o faça, incluindo informações sobre
medicamentos ou práticas abortivas, que poderia, até mesmo, restringir a venda de contraceptivos de
emergência, como a “pílula do dia seguinte”. O projeto de lei foi elaborado pelo então deputado federal
pelo Rio de Janeiro, Eduardo Cunha. Vale ressaltar que o aborto em casos de estupro é regulamentado
pelo Código Penal (artigo 128), em vigor desde 1940. A lei 12845/2013 torna obrigatório o atendimento
imediato a qualquer mulher vítima de violência sexual, orientando sobre o acesso a contraceptivos e
serviço de emergência (BRITO, 2017).
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Segundo Schander e Bertasso (2019), uma mídia feminista, diante de sua própria
construção e desconstrução de estereótipos, em sua maioria partilhados pela cultura
dominante, tem o preceito de elaborar discursos pensando o gênero como uma forma de
significar as relações de poder e como parte constituinte da sujeita, no caso, as
mulheres. A Revista AzMina tem a liberdade de construir essas significações por sua
liberdade editorial e pela composição da equipe de jornalistas, formandas por mulheres
feministas.
Schander e Bertasso (2019) argumentam que, embora a Revista AzMina traga o
jornalismo como parte de sua característica, em uma ampla diversidade de conteúdos,
há predominância da perspectiva de gênero. De acordo com as autoras, mesmo a
escolha de fontes demonstra essa relação, pois AzMina prioriza “vozes femininas e
relatos pessoais” (Schander & Bertasso, 2019, p. 45). As autoras também dizem que:
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Disponível em < https://azmina.com.br/sobre/apoie/>. Acesso em 25 de fev. 2020.
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da opinião pública diante do poder do Estado, percebe que fortalecendo seus poderes,
Estado e sociedade estariam distanciando seus interesses comuns.
A autora elenca ainda a sofisticação da tecnologia, capaz de possibilitar maior
transparência e acesso, mas através dos estudos de Wilson Gomes, afirma que a
visibilidade e o acesso não teriam estabelecido a comunicação necessária para a
aproximação dos interesses. Embora haja mecanismos de projeção social, há também “o
enrijecimento de estruturas que promovem o debate com a sociedade em nome do
interesse público”.
Nesse sentido, Weber (2017, p. 24) aponta que há então um descaso para com a
opinião pública e para superar esse descaso, a comunicação pública, ou melhor, o que
ela chama de “redes de comunicação pública” seriam organizadas através de uma
dinâmica capaz de reunir as pessoas para discutir temas de interesse público. A autora
propõe uma tipologia de redes de comunicação pública e afirma que essas redes podem
responder às questões acerca do modo de participação da sociedade em conflitos
temáticos.
Weber (2017, p. 25) explica que os debates, planejados ou espontâneos, seriam
acionados por ações, acontecimentos, temas, políticas que atingem o público, mas
também que exigem o posicionamento dos governos. Para a autora, a formulação das
redes de comunicação pública responderia às tentativas de “definir a circulação sobre o
poder de comunicar, controlar a comunicação e debater temas de interesse público”.
Torna-se importante para Weber (2017, p. 25) identificar e qualificar os
processos de visibilidade e comunicação a fim de compreender o movimento
permanente nessas redes de comunicação pública, a fim de entender e avaliar a
qualidade das democracias. E aponta:
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públicos em redes, que podem ou não causar tensões e disputar atenção na chamada
“esfera de visibilidade pública”.
Weber (2017, p. 42) explica que esses temas vão circulando a medida em que os
indivíduos os mantêm visíveis através de “determinadas ações, políticas públicas,
deliberações, mudanças políticas, impactos sobre temas vitais sensíveis relacionados aos
direitos humanos e sobre aocntecimentos públicos”. Um tema pode se transformar em
debate público de maneira estratégica ou não e as instituições poderão usar dispositivos,
técnicas e profissionais para ampliar ou reduzir o debate. “De qualquer modo, ele
afetará determinadas redes que o adotarão dependendo do npivel de implicações”.
Ao pesquisa o interesse público e o agendamento acerca do aborto nas eleições
presidenciais de 2010, Barreras (2017, p. 229) percebeu que as mídias sociais
produziram e pautaram o tema aborto durante todo o tempo de análise, fato que a autora
considerou como uma estratégia de politização do tema. A imprensa teria sido
importante em todo o processo de agendamento, mas sem aprofundar o debate por
tratar-se de um atema incômodo. De modo performático, candidatos abordaram o tema
com cautela, opacidade e até mesmo com recuo, mas também com oportunismo e
valores morais, misturando a temática com fé, religião, valores morais e a utilizando
como atributos de sua biografia.
Para Barreras (2017, p. 248), o tema foi agendado, mas grupos de interesse
usaram a esfera pública para propagar suas ideias e estratégias de poder. Houve
reverberação e silenciamento, de modo estratégico. “Uma disputa de poder com uma
temáticasegregadora, difícil de abordar com racionalidade”.
A pesquisa de Bruxel (2017, p. 249) sobre os plebiscitos que ocorreram no
Brasil e em Portugal, sobre o Estatuto do Desarmamento e o Aborto, respectivamente,
trilha o caminho de estudo acerca da democracia deliberativa que aborda a mídia como
ator que deve ser considerado no debate de temas públicos e verifica a visibilidade que a
mídia dá a temática desses dois referendos.
O autor conclui que se por um lado a mídia tem potencial para contribuir para o
debate, por outro não o faz por conta de seu limites e da natureza de sua estrutura
narrativa, neste caso específico, os jornais Folha de S. Paulo (Brasil) e Público
(Portugal). Bruxel (2017, p. 268) aponta que a mídia é capaz de criar um ambiente
propício para a deliberação, porém nem sempre pode conduzir ou manter um debate.
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Para o autor, a excessiva recorrência aos apelos publicitários fechou o debate em vez de
abrí-lo. A compexidade e multiplicidade dos temas também contribuíram para o recuo.
Em tempos, como afirmou Weber (2017, p. 34), os debates em torno de temas e
ações que afetam o intersse público permitem que “a sua relevância seja aprendida e
reconstruída”, “em oposição à interesses privados” e “promovendo a igualdade e a
liberdade dos povos e indivíduos”.
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reportagem pela revista AzMina até a confirmação que teria recebido a representação de
Damares pelo Ministério Público, encaminhando-a para abertura de inquérito policial.
Relata também que as jornalistas que produziram a matéria tiveram fotos, endereços e
dados divulgados nas redes pelos usuários contra o aborto, sendo também chamadas de
assassinas, criminosas, canalhas, entre outros. E por fim, cita as notas de repúdio da
Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e da Fenaj (Federação
Nacional dos Jornalistas) aos ataques contra a revista.
O outro conteúdo analisado que possibilitou a inserção de comentários foi a
reportagem da Folha. Nesta sessão, todos os dez primeiros comentários (de 27) criticam
a postura da ministra Damaris e o governo que ela representa, além de defenderem o
direito de se publicar dados e informações públicas confiáveis. Os comentários versam
sobre “o triste período da história” que o país está vivendo, onde o Estado se utilizaria
do seu poder para “evitar o que discorda”, que o atual governo é “medieval e de um
retrocesso absurdo, sobretudo contra mulheres, negros e LGBTQIs”, que o Brasil virou
uma “terra devastada, onde a ignorância, a burrice e o atraso tentam regular a sociedade
e cercear toda a liberdade, toda criação, toda vida livre”.
Em relação ao Twitter da ministra Damaris, dos dez primeiros comentários que
respondem à ministra, sete comentários são favoráveis à reportagem e contra o post.
Eles elogiam sarcasticamente a divulgação massiva do artigo através da crítica da
própria Damaris e dos dois perfis citados na postagem que a teriam alertado sobre a
reportagem, elogiam as “informações públicas de saúde” dadas pela reportagem,
denunciam as mortes de mulheres que realizam o aborto em clínicas clandestinas,
retomam, também com sarcasmo, a narrativa de que Damaris teria sequestrado uma
criança indígena. Que “não há apologia ao crime de aborto na reportagem” e defendem,
acima do direito ao aborto, o direito à informação. Que a chamada da repostagem
“causou histeria” e que a ministra nem teria lido o material. E por fim, “que não é a
reportagem que traz riscos á saúde, mas sim, a própria proibição”.
Apenas dois comentários criticam a reportagem. Que “mulheres morreriam
tentando matar os filhos”, que deveriam assumir a responsabilidades dos seus atos, que
“a reportagem em questão está incentivando mulheres a realizarem um aborto caseiro,
sem supervisão médica”, que “essa canalhice tem que acabar” e que os envolvidos
seriam “assassinos”. Um dos comentários trata-se apenas de uma marcação.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo em questão permitiu tecer considerações em relação à participação da
sociedade em conflitos temáticos, em especial à discussão sobre o aborto seguro, gerada
a partir de matéria veiculada por um veículo de imprensa alternativa e reverberada de
maneira negativa pelo Estado, na figura de uma ministra do governo federal.
De fato a comunicação deve ser praticada pelo Estado, que por sua vez precisa
entender sua responsabilidade de convocação ao debate público e seu aprofundamento,
e deve ser compreendida nas vozes dos diferentes públicos. As disputas de visibilidade e
poder representam vigilância constante sobre ações, decisões, políticas e propostas que
afetam o interesse público e as necessidades sociais.
BIBLIOGRAFIA
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