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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – PUC-Minas – 4 a 8/9/2023

As vozes feministas como caminho para um jornalismo de subjetividade1

Tainá JARA2
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS
Letícia de Faria Ávila SANTOS3
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC

RESUMO

A partir de uma discussão teórica, trazemos nesse resumo expandido pistas que
apontam as contribuições que as mobilizações feministas podem dar na construção de
um jornalismo de subjetividade proposto por Veiga da Silva e Moraes (2019).
Utilizamos como elementos iniciais para traçar tais caminhos, as análises feitas em
pesquisa de mestrado (JARA, 2019) sobre o impacto de conteúdo ativista na cobertura
jornalística do caso de feminicídio da musicista Mayara Amaral e sua relação com
movimentos globais de combate à violência contra as mulheres, com atualizações feitas
a partir do grupo de pesquisa “Comunicação e Mobilizações dos Movimentos Sociais
em Rede”, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A partir de
estudos que começaram a ser sistematizados em 2019, procuramos levantar pistas para
mostrar as possibilidades de mudanças que, de alguma forma, são demandadas e
estimuladas pela teoria feminista e pelas mobilizações de mulheres. Ouvir as vozes das
ruas, cuja disseminação é potencializada pelas popularização das redes sociais, e, mais
do que isso, fazer as vozes das ruas estarem presentes no jornalismo de maneira menos
simplista, podem render propostas promissoras para tornar as práticas jornalísticas
menos excludentes. A necessidade de pensar novas possibilidades de abordagem em
notícias relacionadas à violência contra as mulheres surgiram a partir dos resultados da
pesquisa de mestrado: #NenhumaAMenos: redes sociais e feminismos nos fluxos
informativos do caso de feminicídio de Mayara Amaral4. No trabalho, foi analisado por
1
Trabalho apresentado no GP Estéticas, Políticas do Corpo e Interseccionalidades, evento do 46º Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação realizado de 4 a 8 de setembro de 2023.
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Mestra em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e jornalista pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), email: @tainajara@gmail.com
3
Doutoranda em Jornalismo pelo Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa
Catarina (PPGJOR/UFSC). Mestra em Comunicação e jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(PPGCOM/UFMS). Email: le.lele.avilla@hotmail.com
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A musicista e professora Mayara Amaral foi vítima de feminicídio aos 27 anos, em Campo Grande-MS. Seu corpo,
vestido apenas de uma peça de roupa íntima, foi encontrado no dia 25 de julho de 2017, carbonizado em um matagal.
Investigações da polícia concluíram que ela foi morta em um motel, por golpes de martelo na cabeça. O autor do

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uma das autoras o impacto de conteúdo ativista na cobertura jornalística do caso e sua
relação com mobilizações feministas globais, que captou o potencial transformador que
tais ações podem ter no jornalismo, apesar da prática ser alicerçada em rígidas estruturas
sociais e econômicas. Aliando os resultados da pesquisa, apontando para a necessidade
de tornar as coberturas mais humanizadas, aos debates realizados no grupo de pesquisa,
verificamos possibilidades de rever as práticas jornalísticas para torná-las mais
transformadoras e importantes até mesmo para manter a relevância do jornalismo
perante a sociedade. Enxergamos alternativas no próprio jornalismo relacionado aos
movimentos de direitos humanos e questões de gênero. Mais especificamente este
último, produzido por mulheres, foi, ao longo da última década, se especializando a
partir das possibilidades das mídias digitais, trazendo um jornalismo mais autônomo em
rede que permite a construção de um jornalismo mais independente e alternativo
(FIGARO, 2018b). Apesar das próprias limitações do fazer jornalístico, que em tempo
atuais incluem a precarização das jornadas de trabalho com acúmulo de funções,
pejotização e falta de direitos trabalhistas, muitas jornalistas ainda assim atuam
buscando produzir pautas críticas e sociais. “Esses profissionais são movidos pela
necessidade e pelo sonho de fazer um bom trabalho jornalístico” (FIGARO, 2018b, p.
28). Sobre a presença das mídias que produzem jornalismo com temáticas feministas,
como a Revista AzMina, Figaro (2018a, p. 585) afirma que estes novos arranjos
desenvolvem a “inserção dos temas feminismo e gênero, novas linguagens e um
relacionamento próximo a seus públicos, numa colaboração estreitada pela empatia e as
possibilidades de interlocução mais participativa”. Portanto, a consolidação de um
jornalismo de subjetividade, como proposto por Veiga da Silva e Moraes (2009), pode
ser uma prática que contempla as reivindicações feministas, sendo, até mesmo, uma via
de mão dupla, já que possibilita que os movimentos também pautem a imprensa. Há
décadas o movimento feminista se articula, ganha visibilidade e conquista direitos a
partir da resistência das mulheres. Nos últimos anos, passamos por um espécie de
oxigenação, em que as mulheres latino-americanas conquistaram protagonismo nunca
antes visto; o feminismo tornou-se feminismos, pois se pluralizou ao perceber o

crime foi o técnico de informática e músico, Luís Alberto Barros Bastos, com quem a vítima mantinha envolvimento
amoroso. Apesar dos elementos colhidos na investigação, o caso, inicialmente, foi configurado como latrocínio,
roubo seguido de morte. A tragédia ganhou as manchetes, primeiramente, dos jornais locais, que negligenciaram o
evidente caso de feminicídio, mas, a cobertura tomou rumo diferente após a repercussão de uma carta da irmã,
Pauliane Amaral, no Facebook, reivindicando o reconhecimento do crime por razões de gênero, levando o caso até a
mídia nacional.

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potencial das diferentes realidades das mulheres; as redes sociais e as novas tecnologias
se tornaram importantes instrumentos de mobilização social (JARA, 2019).
Movimentos como o #NiUnaMenos, de combate a violência contra as mulheres; a
Maré Verde, pela legalização do aborto na Argentina; e o #EleNão, no Brasil contra a
eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, são alguns exemplos da potência dessas novas
mobilizações. O teórico das comunicações Jesús Martín-Barbero (2015), propõe, em
uma perspectiva latino-americana, pensar os processos de comunicação a partir da
cultura e não a partir dos meios. Desta forma, as mobilizações feministas podem ser
colocadas como fator de interferência nas produções, inclusive, jornalísticas, seja por
sua presença, ausência ou apenas a forma como é retratada. Mais do que isso, podem ser
potência para o jornalismo de subjetividade. Para além de reivindicações, a produção de
conhecimento a partir das teorias feministas, como o conceito sociológico de
interseccionalidade, podem trazer perspectivas amplas e atuais para transformar o
jornalismo e torná-lo mais agregador. Conforme Carla Akotirene (2018), o termo
cunhado pelas feministas negras permite a compreensão das desigualdades e o
entrecruzamento de opressões e discriminações existentes na sociedade, sendo uma
ferramenta analítica importante para demonstrar as relações de raça, sexo e classe. Ao
jornalismo, a concepção pode apontar para um papel mais comprometido com a justiça
social, já que questiona a própria universalidade imposta em algum momento pelo
“feminismo hegemônico”, enquanto considerava apenas “as experiência de mulheres
brancas, heterossexuais e de classe média” (GUSTAFSON, 2019, p. 2). Apesar da
atualidade constar como um valor noticioso, a aplicação da técnica, somadas a própria
apuração e ideia de objetividade, por si só, não é suficiente para levar os casos de
violência contra as mulheres e até mesmo a cobertura das próprias mobilizações
relacionadas a defesa das causas relacionados ao gênero feminino a serem retratadas de
maneira mais aprofundada e problematizadora. Os estudos decoloniais e feministas nos
mostram “que a reprodução de ideologias como a do machismo, e do racismo, no
jornalismo se dá informada por uma racionalidade colonizadora limitante para a
compreensão da alteridade” (VEIGA DA SILVA, MORAES, 2019, p. 1). Teóricos como
Adelmo Genro Filho (1987) e Stuart Hall (1995) afirmam que o conhecimento social
produzido pelo jornalismo demonstra seus alicerces fundados na objetividade baseada
na neutralidade e na noção de sujeito universal (o homem, branco, heterossexual,

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ocidental), o que acaba contribuindo “para a manutenção dos sistemas classificatórios


que transformam diferenças em desigualdades” (VEIGA DA SILVA, MORAES, 2019,
p. 2). Ao perseguir a objetividade, os profissionais acabam recorrendo “a reducionismos
e tentam conferir validade e confiabilidade às próprias produções através de
procedimentos padronizados, estatísticos”, (MORAES, 2022, p. 15). Além disso, o
jornalismo “opera no campo lógico do senso comum ao mesmo tempo em que está
condicionado pelo contexto em que é produzido”, (GUSTAFSON, 2019, p. 3). Tratar,
portanto, de assuntos da vida cotidiana, a partir de conhecimentos já compartilhados
entre os indivíduos contribui para manutenção das desigualdades sociais, pois o senso
comum é considerado algo que não exige verificação. Segundo Veiga da Silva e Moraes
(2009), o jornalismo de subjetividade, além de sugerir uma virada epistemológica,
apreende a crítica feminista ao adotar no nome um atributo convencionado como
feminino e vai ao encontro do caráter das próprias mobilizações feministas que se
caracterizam por tornar coletivos, dramas pessoais. Conforme as autoras, a proposta tem
potencial de implodir o racismo/sexisto presente na prática. A subjetividade a que se
referem neste jornalismo “se situa em questões extremamente pertinentes e presentes no
mundo sensível: na necessidade de observarmos posições de classe, gênero, geográficas,
raciais e grupais dos jornalistas” (VEIGA DA SILVA, MORAES, 2019, p.13) e, mais do
que isso, representa, finalmente, um “autocrítica do próprio campo assentada em bases
positivistas e também que privilegia narrar a partir de um enquadramento espetacular
e/ou exotificante (VEIGA DA SILVA, MORAES, 2019, p.13). Fabiana Moraes (2022)
destaca, no entanto, a importância da proposta não ser percebida como algo apenas do
âmbito individual, mas nas esferas individuais e coletivas. Portanto, tanto a teoria
feminista, como as características e reivindicações dos novos movimentos feministas
trazem formulações de portencial transformador as práticas jornalísticas. Isso posto,
propomos um artigo que debata as possíveis relações entre jornalismo de subjetividade
e mobilizações feministas no sentido de revisão bibliográfica com aporte de outros
estudos e observações.

PALAVRAS-CHAVE: feminismo, comunicação, jornalismo, jornalismo de


subjetividade.

REFERÊNCIAS

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AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Coleção Feminismos Plurais. Belo


Horizonte:Letramento, 2018.

FIGARO, Roseli. O mundo do trabalho das jornalistas: feminismo e descriminação profissional.


In: Brazilian Journalism Research, ago, v. 14, p. 570-591, 2018a.

________, Roseli (org.). As relações de comunicação e as condições de produção no trabalho de


jornalistas em arranjos econômicos alternativos às corporações de mídia. São Paulo: ECAUSP,
2018b.

GUSTAFSON, Jessica Costa. Jornalismo feminista: Estudo de caso sobre a construção da


perspectiva de gênero no jornalismo. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa
Catarina. Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo.
Florianópolis, 2018.

JARA, Tainá Mendes. #NenhumaAMenos: Redes sociais e feminismos nos fluxos informativos
do caso de feminicídio de Mayara Amaral. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Comunicação, 2019.

MORAES, Fabiana. A pauta é uma arma de combate: subjetividade, prática reflexiva e


posicionamento para superar um jornalismo que desumaniza. Porto Alegre:Arquipélago, 2022.

SILVA, Márcia Veiga; MORAES, Fabiana. A objetividade jornalística tem raça e tem gênero: a
subjetividade como estratégia descolonizadora. In: ANAIS DO 28° ENCONTRO ANUAL DA
COMPÓS, 2019, Porto Alegre. Anais eletrônicos... Campinas, Galoá, 2019. Disponível em:
<https://proceedings.science/compos/compos-2019/trabalhos/a-objetividade-jornalistica-tem-rac
a-e-tem-genero-a-subjetividade-como-estrategi> Acesso em: 25 jun. 2022.

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