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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO


COMUNICAÇÃO SOCIAL: JORNALISMO
GRUPO DE ESTUDOS
(LABORATÓRIO DE INTRODUÇÃO AO JORNALISMO)

JÚLIO AUGUSTO SARMENTO MAIA FILHO / 202378840002

RESENHA CRÍTICA SOBRE O ARTIGO “FAKE NEWS E O


ESVAZIAMENTO DA ESFERA PÚBLICA: ANÁLISE CRÍTICA DA
CRISE DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”

BELÉM/PA
2023
Júlio Augusto Sarmento Maia Filho / 202378840002

RESENHA CRÍTICA SOBRE O ARTIGO “FAKE NEWS E O


ESVAZIAMENTO DA ESFERA PÚBLICA: ANÁLISE CRÍTICA DA
CRISE DE CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”

Trabalho apresentado como componente seletivo,


referente ao grupo de estudos da disciplina
Introdução ao laboratório de jornalismo, da
Universidade Federal do Pará.
Orientadora: Profª. Dra. Ana Lúcia Prado Reis
Santos.
.

BELÉM – PA
2023
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REFERÊNCIA
ROSSETTI, Regina; BERNARDINO, Renata Abibe Ferrarezi. Fake News e o esvaziamento
da Esfera Pública: análise crítica da crise de confiança nas instituições democráticas. Estudos
em Jornalismo e Mídia, 2022, 19.2.
Aprovado em 20 de outubro de 2022, e disponibilizado na revista acadêmica “Estudos
em Jornalismo e Mídia” (vol. 19 Nº 2), da Universidade Federal de Santa Catarina, o artigo
intitulado “Fake News e o Esvaziamento da esfera Pública: Análise Crítica da Crise de
confiança nas Instituições Democráticas”, das autoras Regina Rossetti e Renata Abibe
Ferrarezi Bernardino, busca a associação existente entre a disseminação de fake news nos
meios de comunicação e o enfraquecimento da legitimidade atribuída historicamente às
instituições governamentais, caracterizando a era da pós-verdade, bem como ressaltando a
necessidade de análise das causas desta afetação das notícias falsas sobre as organizações
outrora consolidadas socialmente, em detrimento da mera atestação dos sintomas de tal
problemática, evidenciados pelo fortalecimento da distorção da realidade por intermédio das
plataformas de comunicação digital.
Para estabelecer os parâmetros de estudo do objeto da obra, as autoras recorrem à
metodologia de revisão bibliográfica, com destaque para as ideias de realidade e de
totalitarismo da filósofa política alemã Hannah Arendt, proporcionando uma construção de
conceitos que são estabelecidos sob o prisma da desinformação no decorrer da discussão
proposta. O desenvolvimento da pesquisa é estruturado em tópicos co-relacionados e com
uma ordem lógica entre si, fundamentando-se, a princípio, nos diferentes conceitos atribuídos
ao termo fake news, em seguida, na caracterização do cenário de pós-verdade como uma crise
epistêmica difundindo-se na comunicação social, também, nos riscos ao ambiente de
cidadania –resultantes dos dois primeiros fundamentos-, e, por fim, nas possíveis causas da
crescente deslegitimidade institucional, já consolidadas nos tópicos anteriores, propostas na
introdução do texto de Rosssetti e Bernardino; e reafirmadas nas considerações finais das
autoras.
De modo a situar a recente conjuntura dos meios informacionais no Brasil, o artigo
inicia suas discussões tratando dos conceitos atribuídos às fake news e ao que se entende por
pós-verdade, suas derivações, tipologias e implicações de acordo com o contexto de inserção.
Em meio ao avanço das mídias digitais enquanto parte ativa da vivência em sociedade,
aglutinando diferentes áreas do conhecimento, setores sociais, acontecimentos e signos em
espaços de intensa troca, e em um ritmo cada vez mais frenético, construindo e ao mesmo
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tempo refletindo padrões de comportamento dos usuários, a busca por autores e pelo
esclarecimento das terminologias relacionadas à desinformação contribui para que a pesquisa
atinja com maior eficiência sua tese. Mencionando Meneses (2018), buscou-se elucidar a
diferença entre os termos fake news, que se refere a qualquer ação com o objetivo de enganar
o leitor; e false news, se referindo a um erro, a uma inconsistência verificada em uma
produção, sem a existência de um interesse particular no desvio da matéria publicada. Tal
elucidação –como foi reconhecida no desenvolvimento- é fundamental para o jornalismo
profissional, marcado pela sua própria modulação ao se construir um texto, salientando o
caráter ético presente –ou não- na escolha, projeção, apuração e criação de toda e qualquer
obra do gênero jornalístico. Expandindo as reflexões no que tange às tipologias, vale destacar
a referência das autoras à diferenciação proposta por Wardle e Derakhshan (2017), a qual
mostra-se ainda mais relevante, não só para o contexto técnico-científico da comunicação,
mas também para a coletividade social, definindo os tipos de informação prejudiciais ao
ambiente comunicativo, e em especial ao digital (indissociável de sua natureza imediatista no
trato e no recebimento de informações). São as informações classificadas em: incorreta,
marcada por uma notícia falsa compartilhada a partir da crença do leitor na sua veracidade;
desinformação, marcada pela consciência que o leitor tem da falsidade do conteúdo,
compartilhando-o com o intuito de favorecimento de determinada causa; mal-intencionada,
marcada por uma informação verdadeira, porém compartilhada de modo a romper a barreira
da privacidade da vítima exposta. Vê-se, desse modo, que embora a utilização do termo fake
news tenha sofrido distorções do ponto de vista político, científico e empírico, a construção de
uma base no que diz respeito às diferentes abordagens de manipulação da realidade no
compartilhamento de conteúdos é, de fato, imprescindível frente aos debates contemporâneos
de radicalismo ideológico, à luz do que expressam as autoras.
Expondo mais um sintoma comportamental intríseco às fake news, Rossetti e
Bernardino discorrem acerca do surgimento da era “post-truth” (pós-verdade), caracterizando-
a como visão de mundo prejudicial tanto ao próprio indivíduo adepto, quanto ao debate
público. Buscando referências além do artigo em análise, observa-se uma deturpação do
paradigma relacional da comunicação, o qual, conforme explicado por uma das consagradas
pensadoras adeptas da ideia, Vera França (Jornalismo e Vida Social: A História Amena de
Um Jornal Mineiro, 1998), caracteriza o processo comunicativo como um intenso fluxo de
troca, com traços de dinamismo, reflexibilidade, imprevisibilidade e caráter acontecimental no
sentido real do termo (acontecimentos verídicos que rompem o cotidiano pessoal),
distinguindo emissor, receptor, informação, materialismo simbólico, interações, contexto
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histórico e social, entre outros fatores. Percebe-se, então, na gênese da pós-verdade, a negação
do reflexivo que marca a comunicação, a partir da adoção do unilateralismo na disseminação
de links, posts e imagens. Retomando o conceito do Dicionário Oxford, presente no artigo,
ocorre a predileção pela crença subjetiva, pelo gosto pessoal, pela emoção ao invés de uma
análise objetiva e complexa do mundo real; nesse sentido, todo e qualquer conceito
consagrado é negado, acontecimentos são criados, notícias são modificadas, sendo a
informação simultaneamente renegada e aproveitada como arma para o desentendimento, para
benefício único e exclusivo daquele que emite a mensagem, divergindo das discussões de real
interesse público –tese embasada na obra por GOMES; DOURADO, 2019- e fortalecendo um
ciclo vicioso, que se retroalimenta em virtude da identificação de mesmos ideias na internet,
atribuindo a esses usuários o sentimento de segurança para ataques e desmoralização de
instituições –tese sustentada na obra por Sustein, 2010-.
Partindo para uma abordagem essencialmente prática da questão das fake news aliadas
ao contexto de pós-verdade, as autoras iniciam o terceiro tópico do artigo com o termo
“capitalismo de vigilância”, tratado por Shoshana Zuboff em seu livro “A Era do Capitalismo
de Vigilância” (ZUBOFF, 2021), alertando para o seu caráter antidemocrático, no sentido de
que as experiências humanas, expressas nos debates de interesse público, tornam-se meros
dados comportamentais em softwares de programas digitais, prontos para serem
compartilhados independentemente do seu conteúdo, o que facilita a disseminação dos ideais
da post-truth em sua natureza simplicista e de fácil adesão em efeito de grupamentos. Em
meio ao alerta para que o senso comum não tome completamente os espaços de produção e
troca de conhecimento que seriam essencialmente científicos, metodológicos e atestados
experimentalmente (Matthew D’Ancona), é introduzida a ideia de realidade da filósofa
política alemã Hannah Arendt (A Condição Humana, 2003), segundo a qual o real seria
manifestado de modo fiel apenas se uma ampla diversidade de indivíduos observasse um
mesmo objeto empírico sob as mais variadas faces, debatendo sobre como as distintas faces
completariam uma totalidade a ser definida sobre esse determinado aspecto, seja ele tangível
ou intangível. A ideia de tirania de Arendt é introduzida a partir desse viés de visão de um
mesmo objeto, indivíduo ou instituição, pois a tirania limita as variadas visões a apenas uma,
a qual será acompanhada de uma imposição ou de uma tentativa de imposição, sendo essa
tentativa descrita pelas autoras em discursos de governos recentes do Estado, de instabilidade,
de violência, de individualismo e de indiferença às instituições em nível nacional, em especial
nas mídias digitais, potencializando os movimentos de desinformação online.
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Ainda no terceiro tópico de desenvolvimento, a ideia chave para o entendimento das


causas do processo de danos à ordem democrática pelas fake news é explicitada por Rossetti e
Bernardino, consistindo na ideia de Hannah Arendt no que tange à desmobilização dos meios
de participação cidadã na democracia. Para Arendt (citando NETO, 2021), a democracia
liberal é responsável por distanciar o ideal de liberdade do ideal de participação política,
sistematizando um elitismo político, em que a administração pública é gradativamente
retirada do cotidiano dos cidadãos, mecanizando processos administrativos e eleitorais, o que
desestimula a vivência das tomadas de decisão em prol da comunidade. Essa “desertificação”
do mundo deslegitima as instituições estatais, que passam a ser vistas como meras
organizações administrativas, vazias de sentindo funcional prático, e então, incapazes de
conter movimentos acusatórios com discursos inflamados. Daí surgiria a crise de
credibilidade das instituições democráticas tendo em vista o movimento de pós-verdade: do
afastamento entre Poder Público e sociedade, reforçado freneticamente pela fragmentação do
debate público em salas de bate-papo de chats online, onde uma ínfima parcela de um todo
deseja escutar e impor exclusivamente os seus ideais. Tal dinâmica é exemplificada e debatida
no fim do desenvolvimento, com menção ao governo brasileiro de Jair Bolsonaro (entre a
campanha eleitoral de 2018 e o ano de 2022), com paralelos entre sua presidência e o governo
Donald Trump nos Estados Unidos –ambos com contribuições sintomáticas para a
problemática-, mas também com necessárias projeções no que concerne às heranças desses
movimentos políticos, de movimentos políticos antecessores e de novas tendências de
desinformação para a tentativa de deslegitimição das instituições consagradas em
concordância democrática, reiterando a necessidade da regulamentação das plataformas de
mídia digital aliada à revisão do funcionamento das entidades públicas. Contribuindo para as
discussões além do artigo, o escritor israelense Yuval Harari, em seu livro “Sapiens: uma
breve história da humanidade” (p. 125), reafirma a vitalidade da valorização das instituições
democráticas do Estado ao tecer a gênese dos códigos de lei e dos princípios norteadores dos
governos próprios dos seres humanos, caracterizados como fruto de cooperação social, uma
ordem imaterial, porém necessária para eficiência da vida pública, a exemplo da democracia
participativa na qual enquadra-se o Brasil.
Por fim, verificando o atual cenário brasileiro de extrema polarização política,
radicalizado na forma de disseminação de informações falsas, de discursos de ódio e de
desmoralização do conhecimento científico, bem como das instituições asseguradoras da
democracia em nível nacional, conclui-se que as discussões do artigo são de extrema
relevância e interesse público, com foco maior no entendimento de dinâmicas informacionais
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com potencial danoso, suas tendências e seus complexos desdobramentos na vida social. No
desenvolvimento da discussão, as bases filosóficas proporcionadas pela formação de Rossetti,
em conjunto às contribuições próprias do objeto de estudo da comunicação -compartilhado
pelas autoras-, somam consideravelmente para uma visão panorâmica e sintetizada de um
fenômeno multifacetado, dinâmico, veloz e de altíssimo risco para a integridade moral e física
da população, em constante difusão no que se compreende como realidade das relações, das
crenças, das experiências e das trocas sociais dos brasileiros. Não se pode eliminar a
problemática da desinformação, mas é possível reavaliar as bases sobre as quais a democracia
e o debate coletivo foram ressignificados para estruturação do regime político moderno, como
concluem Rossetti e Bernardino: “Se considerarmos que a verdade, o interesse público, a
racionalidade, a esfera pública e as normas socialmente aceitas são importantes para recriar
um novo ideal democrático na sociedade brasileira (...) “as soluções envolvem encontrar
maneiras de restaurar partidos, eleições e governo mais representativos e responsivos, e
reinventar uma imprensa que pode ajudar a desenvolver e contar essa história” (BENNETT;
LIVINGSTON, 2020, p. 35, tradução nossa)” (ROSSETTI; BERNARDINO, 2022).

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