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Em mais um dia de troca nas conversas que acontecem por meio da plataforma
WhastApp ouço a Luciana e Paula comentarem sobre o “ranço” com a bolha
crente. Isso porque em uma discussão levantada pela bolha, no twitter, sobre
virgindade feminina, estavam falando que mulheres assim seriam contaminadas e
não dignas do casamento. Por isso era clara a indignição do Vale das Bençãos com
a misoginia da bolha crente. Não é primeira vez que isso acontece e o grupo, desde
o surgimento está sendo um espaço para discutir essas temáticas relacionadas
tanto a misoginia, a lgbtfobia, o machismo e fundamentalismo religioso, mais
precisamente: o cristão.
Durante esses quases dois anos de existência, o Vale das Bênçãos está sensível e
reativo as questões sempre colocadas pela instuição Igreja, já que como um grupo
dissidente existe entre essas mulheres um longo histórico de insastifação com uma
certa moral cristã que pradoniza e segrega. Como dito por Luciana, líder do grupo, o
fundamentalismo seria algo a ser combatido. E portanto uma das razões de
existência do Vale das Bênçãos é a defesa de uma fé plural.
1
Mestranda do programa de Pós-graduação em Antropologia da UFPB
2
Referência dada pelo grupo.
Um grupo de mulheres cristãs! Mas os evangélicos quem são?
Assim, o que se propõe nesse trabalho parte dessas experiências trocadas com a
mulheres do Vale das Bençãos, algo que seria resultado desse desconforto com a
ideia deveras circulada no meio cristão de que a mulher ideal é a descrita como a
“virtuosa”, ou seja, a mulher do lar, ‘pura’, hétero, virgem, doce, que perfoma
feminilidade, para casar e com opiniões que obedeçam à essa lógica
primordialmente heteronromativa. Rosas(2018) confirma isso ao demonstrar a
atuação de uma pastora batista 5, a Ana Paula Valadão, embora sua forte atuação e
protagonismo, está ali no sentido de vinvular essas ideias e ser o modelo de
feminilidade.
Mas como dito por Luciana, durante o projeto Redomas 6 criaram uma caxinha, e
essa é apenas uma noção de feminilidade que dever pensada e problematizada.
Pois tem como resultado um conjunto de violências e sileciamentos para quem não
se adequa. Essas estratégias, como colocado por Foucault (1997), se constituem
no âmbito da sexualidade como um dispositivo de poder. Existem inúmenras
tecnologias elaboradas para que o sexo/gênero sejam pensados e colocados,
sobretudo pelo padrão hétero e monogâmico. Contudo as mulheres que venho
dividido experiências em campo não correspondem a esse perfil, e é bem provável
que nem mesmo as mulheres que fazem parte do meio institucional caibam
exatamente nessa caixinha da mulher virtuosa. Mas como esse tipo de discurso
ainda reverbera, e tem amplitude dentro da sociedade e do meio evangélico, busco
problematizar essa questão por meio das dissidências defendidas pelo Vale das
Bençãos.
5
Igreja Batista da Lagoinha
6
O Projeto Redomas é um podcast produzido por mulheres cristãs que tem como intuito difundir
ideias, promover discussões a respeito do emporaderamento feminino, teologias inclusivas,
feminismos. A Luciana faz parte do podcast e é líder do grupo Vale das Bençãos, foi através dela
que conheci o podcast, essa fala foi retirada do episódio: feminilidade bíblica, em que a ideia de
mulher virtuosa é problematizada.
Quebrando a caixa
Adriana Piscitelli (2009) coloca por meio da análise das lutas feministas que “o
pessoal é político”, nessa mesma direção Gayle Rubin(1984) propõe que o “Sexo é
político”. Essas falas constituem perspectivas em que o estudo do sexo e do gênero
se contrapõe a uma noção biológica, portanto tida como dada, a-histórica para além
da cultura. Assim, faz-se aqui uma crítica ao sistema sexo/gênero, tal como fez
Rubin (1975) em notá-los como uma categoria construído pelo modelo
heteronormativo. Logo, neste momento busca-se dialogar com o pensamento de
Gayle Rubin(1975) , Judith Butler(2018) e Paul Breatice Preciado (2016) em relação
às questões de dissidências de gênero e sexualidade que tem emergido no meu
campo. Portanto, neste artigo busca-se notar o modo como gênero é pensado e
repensado por meio desses estudos, já que esse será o norte teórico no qual busco
imergir.
Por isso busco notar a importância do feminismo para o grupo Vale das Bênçãos,
em contraponto a realidade marjoritária cristã, já que a grande maioria do grupo se
identifica como feminista. Isso porque os feminismos, historicamente, foram
responsáveis, como movimento político, por avanços e conquistas das mulheres,
como o voto, a indepedência financeira, maior escolarização, a entrada no mercado
de trabalho, e com o uso dos contraceptivos a defesa de uma maior liberdade
sexual, e desvinculação do sentido reprodutivo, e além do héteronormativo.
O feminismo tem também, uma grande contribuição para para a construção de uma
análise sobre o gênero, e a desvinculação da noção biológica ligada ao sexo. Como
colocado por Piscitelli (2004) é com essas perspectivas que a histórias das
mulheres produz viradas dentro do que se entende por gênero. Contudo, é
importante, também, colocar que no curso dessas conquistas houve viradas
ontológicas as quais foram capazes de apontar a problemática que é tratar a
questão do gênero por meio de uma base universal, ou seja, sob a ideia de um
único campo comum entre as mulheres explicará a questão da dominação. Isso no
que se concebe como “ser mulher” pelo feminismo radical para se lutar contra isso.
De acordo com Rosas (2018) a igreja cristã, como parte desse arranjo
héteronormativo, sempre teve um papel regulador na vida e nos corpos, sobretudo
no das mulheres, e foi responsável por uma visão pecaminosa do sexo, tido apenas
como bom, se dentro do casamento e obedecendo a certos padrões. Já ouvi em
uma discussões no grupo que isso seria resultado da difusão de uma cultura
pureza7. Isso pode ser notado da mesma forma em como o sexo anal é condenado
e o sexo oral visto sob ressalvas, como a masturbação é condenada ou como as
pessoas trans são rechaçadas do meio, como gays e lésbicas são silenciados e
7
Na minha dissertação busco fazer uma descrição mais densa sobre essa concepção
condenados ao discurso do celibato, como bissexuais são tratados como
promíscuos. E isso é difundido nos cursos ofertados para noivos e casais, nas
reuniões só para mulheres. Portanto, dentro da Igreja, ser mulher e experenciar a
sexualidade se coloca por essas estrategéias discursivas de controle, e de
circulação de valores e perfomaces héteros, no sentido apontado por Butler(2018)
como uma ordem compulsória do sexo/gênero. Por isso corpos desviantes como o
de lésbicas, bissexuais e não-bináries seriam ameaças para essa instituição.
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Trecho do livro de Eclesiastes da Bíblia utilizado pelas saficrentes para afirmar o seu amor por
mulheres.
Por outro lado, a concepção clássica de Beauvoir “de que não se nasce mulher
torna-se” ao mesmo tempo que coloca a dimensão construída do gênero pode servir
para apontar para tensão limitadora de se tratar o feminino pela ideia implícita de
masculino. Butler (2018) propõe um caminho que seria tratar gênero como
performance, que identidades se fazem por meio de um processo criativo e
discursivo, não binário, que isso seria fluído. A maneira como me identifico não está
necessariamente ligado ao órgão sexual que nasci, por exemplo.
Conclusão
Não obstante, o que se pode concluir dessas reflexões é notar como as formas
alternitivas de saber-prazer como defendido por Preciado no seu Manifesto
contrasexual são tecnologias de resistência a esse modelo disciplinador dos
discursos religiosos majoritários. Será possível investigar por meio desse grupo
possibilidades criativas para a vida de mulheres dessidentes? Elas falam em ter um
lugar à mesa no reino de Deus, mas o que isso quer dizer em relação aos aspectos
políticos e sociais do contexto brasileiro? Em que política e relgião estão sendo
colocados no debate público constatemente. Como se colocam diante do
maisntream, da instituição Igreja, da família? É possível contornar a tensão entre a
moral paralisante da relgião e a possibilidade revoluncionária de se viver a
sexualidade. Ou o que fazem ao reivindicarem a fé plural se constitui apenas como
uma aborsorção do discurso do dominador? Como se alinham em relação a
percepção de diversidade sexual, da defesa dos direitos humanos e o
posicionamento antifascista, como disse anteriormente elas se colocam como
progressistas mas quais os efeitos práticos dessa defesa? E como isso reverbera?
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Expressão muito utilizada no meio neopentecostal para se referir as manifestações do espírito
santo
Tenho muitas questões sobre o se comenta e prega durante os cultos, mas também
me sinto bastante acolhida, em pela primeira vez vislumbrar uma possibilidade de
exercer minha fé de uma forma plena e tranquila, confesso. Mas como dito por
Musskopf e Ester (2020) ainda é destinado um quarto separado e não dá para
celebrar armários e cristaleiras.
Termino esse trabalho com o print do saqueerlégio, que foi retirado do instagaram
da reverenda Ana Ester, umas das referências do grupo Vale das Bençãos.
Referências
ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada- evangélicos e
conservadorismo. cadernos pagu, 2017.
RUBIN, Gayle. O tráfico de mulheres: notas sobre a ‘economia política’ do sexo. In:
Políticas do sexo. São Paulo: Ubu editora, 2017. p. 8-61. Originalmente publicado
em: Reiter, Rayna (Ed.): Toward an Anthropology of Women. Nova York, Monthly
Review, 1975.
. Pensando o sexo. In. Políticas do sexo. São Paulo: Ubu editora, 2017.
p. 62-128. Publicado originalmente em: RUBIN, G. Thinking sex: notes for a radical
theory of the politics of sexuality. In: ABELOVE, H., BARALE, M., HALPERIN, D.
(eds.). The lesbian and gay studies reader. New York: Routledge, 1984