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Uma breve reflexão sobre Representações Sociais1

Louise Tavares Oliveira do Nascimento2

Este trabalho busca refletir brevemente sobre as análises desenvolvidas sobre


representações sociais que emerge dos textos da sociologia clássica. No caso os textos
de Émile Durkheim em As formas elementares de vida religiosa; Claude Lévi-Strauss
em Ciência do Concreto; Marcel Mauss em Esboço geral de uma teoria da magia.
Nesses trabalhos de cunho antropológico é possível notar, por meio do estudo das
sociedades originárias, a compreensão dos termos mais fundamentais para a existência
da vida social.

Desse modo, em Durkeim, por meio da reflexão do fenômeno religioso, nota-se esse por
seu aspecto social, portanto capaz de formular sentidos para organização da
comunidade. Lévi-Strauss aponta para como a conceituação nativa sobre as coisas pode
ser vista como uma ciência que opera para agir no cotidiano, o que contribui para
entender como sociedades produzem sistemas de classificação. Já em Mauss fica
evidente a relação com a compreensão do pensamento mágico, ou relação entre a prática
e o simbólico numa sociedade. Todos de alguma maneira postulam sobre as origens da
teoria do conhecimento.

Assim, a guisa da sociologia esses autores debatem sobre a organização social, em


termos de funcionamento e estrutura, assim como aspecto simbólico contido nisso. A
existência da religião, do rito, do ritual, da magia, a relação com tempo e espaço, as
formas de classificação, tudo isso refletem a vida social e é por meio do estudo desses
que seria possível compreender a função das representações sociais para a vida em
comunidade. Melhor dizendo, é desses que se emerge o conceito de representação
social.

Por isso, o que Durkeim faz é compreender como o fenômeno religioso se apresenta
como um propulsor de sociabilidade. Há nele uma explanação sobre como os conjuntos
de valores de uma sociedade tem relação direta com as práticas, sendo por isso a
religião uma fonte de estudo para se pensar isso. Pois, ao contrário da análise marxista,

1
Resenha produzida para a disciplina Teoria Social Clássica do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais UFBA.
2
Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia.
Durkheim defende as representações sociais como parte da vida social. P,ortanto não
busca resolver as coisas por meio da compreensão de que religião resulta num
falseamento, ou apenas como um produto da classe burguesa. É por isso que se volta
para estudar os aspectos mais essenciais da religião, entre comunidades originárias, já
que em sociedades muito diferenciadas isso estaria mais difuso. Ele defende que a
emergência da religião corrobora para a compreensão da sociedade, porque essa seria
uma forma de ordenar a vida.

Assim, em meio a um caráter descritivo o texto apresenta por meio de uma


sistematização os pontos característicos do fenômeno religioso, sendo eles:

1. A ideia de deus não seria algo necessário para a existência de um sistema


religioso;
2. Não existem religiões falsas;
3. Tem como característica organizar a vida social, isso em relação ao tempo e
espaço; ao gênero, estabelecendo uma relação de causa e efeito, e número;
4. Classificar o mundo;
5. A existência de ritos, sagrado, ritual.
Assim, a investigação de Durkheim caminha para a noção da religião como uma
elaboração sobre o sentido da vida, ou seja, uma representação de estados de
consciência, como organizadora das coisas e por isso social. Como ele afirma:
A religião é uma coisa eminentemente social. As representações religiosas são
representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir
que nascem no seio dos grupos reunidos e que são destinados a suscitar, a manter ou a
refazer certos estados mentais desses grupos. Mas então, se as categorias são de origem
religiosa, elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos: elas
também devem ser coisas sociais, produtos do pensamento coletivo. Pelo menos - pois,
no estado atual de nossos conhecimentos nesta matéria, devemos nos guardar de toda tese
radical e exclusiva - é legítimo supor que elas são ricas em elementos sociais.
(DURKHEIM, 1996, p. 212)

É por isso que as descrições desse sociólogo se apresentam como uma formulação a
respeito da origem das formas de conhecer. Ele produz uma sociologia do
conhecimento, ao demonstrar como o pensamento religioso e de organização do mundo
tem aspectos semelhantes ao pensamento científico. Em sua teoria das representações
ele revisa alguns aspectos das questões kantianas, onde a forma de acessar ao mundo se
dá por meio das experiências. Nesse entendimento não seria possível acessá-lo
totalmente, por isso a experiência seria balizada pela moral, pelos valores e por isso a
existência das representações. Isso em relação ao tempo, ao espaço e práticas como os
rituais. Logo, de acordo com Durkheim, essas categorias produzem uma organização,
são modos de acessar a experiência com as coisas, e a religiosidade se expressa nesses
sentidos. Portanto, acaba por defender a primazia do social, sendo essa a fonte das
elaborações sobre a vida.
É importante colocar que Mauss e Lévi-Strauss colocam a questão da produção do
conhecimento com um aspecto semelhante ao de Durkheim, ao revelarem a relação
entre pensamento mágico, religioso e científico. Além disso, priorizam a análise dessas
questões por meio do estudo de comunidades originárias. Assim, nas análises de Mauss
a respeito do conceito de magia ele demonstra como isso seria uma temática muito bem
trabalhada dentro da antropologia, vide os trabalhos de Tylor, Fraser, Lyall. Contundo,
dá seus próprios desdobramentos sobre o tema, e dessa forma denomina a magia como
efeito geral, ou seja, os atos que são considerados por toda uma comunidade e não os
particulares. Coloca assim os pressupostos para diferenciar o pensamento mágico do
religioso, já que a magia teria uma ação prática e ordinária.
Logo, partindo desse pressuposto leva em consideração o conceito de Grim da magia
como "uma espécie de religião feita para as necessidades inferiores da vida doméstica”
(MAUSS, 203, p.57). Dessa forma, ele aponta para as definições de ritos mágicos e
religiosos, e os diferencia. Pois o primeiro seria anti-religioso, o que culmina para a
definição de que:
Chamamos assim todo rito que não faz parte de um culto organizado, rito privado,
secreto, misterioso, e que tende no limite ao rito proibido. Dessa definição, levando em
conta a que demos dos outros elementos da magia, resulta uma primeira determinação de
sua noção. Percebe-se que não definimos a magia pela forma de seus ritos, mas pelas
condições nas quais eles se produzem e que marcam o lugar que ocupam no conjunto dos
hábitos sociais. (MAUSS, 2003, p.61).

Nessa marcha descreve os elementos da magia na relação entre aquele que executa e os
atos, no caso a figura do mágico e a ideia de eficácia ordinária contida nos ritos
mágicos. Essa organização de ideias aponta que a forma mágica ritual representa uma
linguagem, parte da necessidade de se transmitir uma ideia. As leis mágicas buscam dar
e produzir efeitos sobre as coisas. Como ele afirma:
As práticas mágicas não são vazias de sentido. Elas correspondem a representações,
geralmente muito ricas, que constituem o terceiro elemento da magia. Vimos que todo
rito é uma espécie de linguagem. É que ele traduz uma ideia. (MAUSS, 2003, p. 97).
Esse seria o argumento central do autor em busca de uma definição sobre magia: seu
caráter representativo da vida coletiva. Assim, postula que “a magia é, por definição,
objeto de crença” (MAUSS, 2003, p. 126). Nesse mesmo sentido, ao analisar a noção de
simpatia coloca que esse não seria o único ato contido na magia. Pois magia se constitui
não só nos efeitos ordinários, mas também nos especiais, ao que parece ele define que
atos mágico são definidos pelas propriedades, pelos efeitos, ou seja, são perpassados
pela ideia de poder.
Portanto, seguindo essas definições dá o exemplo do conceito mana da Melanésia para
refletir sobre a ideia de magia, já que esse é um fenômeno de muita complexidade.
Assim, define:
A ideia de mana compõe-se de uma série de ideias instáveis que se confundem umas nas
outras. Ele é sucessivamente e ao mesmo tempo qualidade, substância e atividade. — Em
primeiro lugar, é uma qualidade. É algo que a coisa mana possui, não é essa coisa, ela
mesma. Descrevem-no dizendo que é poderoso, que é pesado; em Saa, ele é quente; em
Tanna, é estranho, indelével, resistente, extraordinário. — Em segundo lugar, o mana é
uma coisa, uma substância, uma essência manejável, mas também independente. Eis por
que só pode ser manejado por indivíduos com mana, num ato mana, isto é, por indivíduos
qualificados e num rito (MAUSS, 2003, p.143).

Por isso, é importante notar que o exemplo do mana abarca a questão das
representações sociais de uma forma pedagógica, nele é possível notar como um
elemento pode ser constituído de valores, ou seja, ser simbólico e ao mesmo tempo ter
um efeito sob o tecido social, produz um sentido sobre o modo de vida, nesse caso na
dos nativos Melanésios. Embora isso não se restringe a Melanésia, aparece em outros
lugares por outros nomes, como o orenda entre os Huron (iroqueses) da América do
Norte, ou o Naual entre povos do México e América Central. Esses atos podem ser
apreendidos pela ideia de sagrado, pela sua eficácia e simbologia, tem um aspecto
intelectual. Para tanto defende:
E lícito, portanto, concluirmos que em toda parte existiu uma noção que envolve a do
poder mágico. É a noção de uma eficácia pura, que no entanto é uma substância material
e localizável, ao mesmo tempo que espiritual, que age à distância e no entanto por
conexão direta, quando não por contato, móvel e movente sem mover-se, impessoal e
assumindo formas pessoais, divisível e contínua. Nossas ideias vagas de sorte e de
quintessência são pálidas sobrevivências dessa noção muito mais rica. (MAUSS, 2003,
151).

Nesse sentido, Mauss acaba por colocar que a magia tem aspectos que se aproximam
da ciência. Por outro lado, Lévi-strauss, em Ciência do concreto, de forma particular
busca compreender o pensamento mágico em seus próprios termos, e é evidente como o
conhecimento nativo tem uma operacionalidade de uma riqueza que foi ignorada. Ou
seja, o argumento de Lévi-Strauss aponta para desconstrução de que povos “primitivos”
seriam ignorantes em relação a sociedades mais diferenciadas. O conhecimento da
diversidade natural, os rituais e o pensamento mágico são termos descritos para esse
antropólogo. E assim, confirma a tese de que: investigar a magia faz produzir uma
reflexão sobre a teoria do conhecimento. A magia é uma forma de classificação do
mundo, produz um ordenamento, o bricoleur seria a definição disso um caminho entre o
rito e mito, ação e representação. Nesses autores é possível pensar que a ação ritual, da
magia, e a religião elaboram sentidos sobre o mundo, é por isso necessárias para a
definição de representações sociais.

Referências

DURKHEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na


Austrália. São Paulo: Paulinas, 1996. (Introdução e Conclusão).

LEVI-STRAUSS, Claude. A ciência do concreto. Em: O Pensamento Selvagem. 1a ed.


Campinas: Papirus, 1989. p. 15-50.

MAUSS, Marcel. Esboço de uma teoria geral da magia. Em: Sociologia e


Antropologia. 1a ed. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 47-181.

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