Você está na página 1de 3

Da janela virtual do quarto de dormir: reflexões sobre aproximações e

descobertas “sáficas”

Louise T. O. Nascimento/
mestranda em Antropologia UFPB/
lotavares023@gmail.com

GT-8

Problematização

Este presente trabalho é resultado do processo de familiarização que venho tendo com
as mulheres do grupo em que faço minha pesquisa de mestrado. Essas mulheres fazem
parte do grupo de whatsapp Igreja Bençãos do Vale que se constitui como um espaço
onde mulheres lésbicas, bissexuais e pansexuais se encontram, se acolhem e
promovem cultos virtuais. A Igreja Bençãos do Vale surgiu em meados de 2020,
durante o período de isolamento por conta do Coronavírus, e tem como intuito ser um
espaço onde espiritualidade cristã e vivências sáficas buscam dialogar livremente, e
não são vistas como conflitantes.

Assim, é muito comum no grupo conversas sobre a fé em Jesus em relação ao


processo de aceitação, descoberta e saída do armário. E foi por meio das conversas e
participações nos cultos promovidos pelo grupo que notei a possibilidade de
desenvolver minha pesquisa de mestrado, no caso uma netnografia a respeito do
grupo e dos cultos. Por isso, como faço parte do grupo e estou me descobrindo uma
mulher bissexual, venho pensando sobre a possibilidade de refletir sobre como essa
aproximação com o grupo tem se dado. É importante destacar que o perfil acolhedor
do grupo foi o que me chamou mais atenção, e logo depois de ser aprovada no
mestrado tenho mantido uma aproximação constante nas conversas, e nos cultos.
Assim, seguindo essa necessidade de estar próxima, vislumbrei a possibilidade de
conversar com as mulheres do grupo de forma individual. E por razões de
isolamento isso ocorreu dentro do meu quarto, através das plataformas digitais, e das
janelas abertas pelos aplicativos Google meet e Whatsapp.

Assim, me familiarizar com as mulheres do grupo de forma individual, tem ocorrido


de forma bastante natural e extremamente reveladora, já que no início apenas
observava, então essa tentativa de aproximação individual, se constitui como um
passo importante para mim. Roberto da Matta (1978) coloca que faz parte do trabalho
antropológico esse ato de proximidade e distância no qual é familiarizar-se com o
campo. Logo, como estratégia me tornei próxima das que mais participavam e
estavam atentas as minhas dúvidas. Era comum algumas se oferecerem para conversar
no privado, e foi por meio disso que fiz minha primeira amiga no grupo: a Bel, uma
mulher negra, bissexual e de tradição pentecostal. Ela foi uma das responsáveis por
me incentivar a estudar o grupo e os cultos, e que virou uma espécie de confidente.
Assim, por meio dessas trocas no privado, vi a possibilidade de fazer encontros
virtuais via Meet com elas. Desse modo, ampliar as experiências com as mulheres do
Bênçãos do Vale tem sido importante para pensar a proximidade com meu campo.
Nessa troca de experiências estão implicadas algumas questões, logo, este trabalho se
coloca diante da problematização como as trocas de experiências com as mulheres
do grupo Vale das Bençãos durante o isolamento podem ajudar a pensar questões
relacionadas a gênero e sexualidade.

Objetivos

 Fazer diários de campo a partir da observação dos diálogos feitos com as


mulheres do grupo por meio da plataforma meet
 Gravar e registrar conversas com mulheres do grupo Vale das Bençãos
 Analisar discursivamente como as conversas feitas por meio da plataforma meet
com mulheres do grupo Vale das Bênçãos pode fazer pensar questões
relacionadas a gênero, sexualidade e feminismos
 Refletir como o isolamento decorrente da difusão do novo Coronavírus tem
impactado o processo de descobertas de mulheres lésbicas e bisexuais

Procedimentos Metodológicos

A metodologia utilizada tem o mesmo cunho da que estou utilizando na minha


pesquisa de mestrado, isto é, tem cunho etnográfico. Dessa forma, uma pesquisa no
campo antropológico tem como proposta a construção do conhecimento por meio da
perspectiva do nativo. No mesmo sentido, é o trabalho etnográfico que conta aqui, no
sentido desenvolvido por Malinowski ao elaborar o conceito de observação
participante. Nesse sentido, compreendendo que o trabalho do antropólogo se dá
justamente pela relação intensa com o campo e imersão nesse. O que está implicado
nesse trabalho é a constante relação com o sentido de olhar, ouvir e escrever como
colocado por De Oliveira (1996). Portanto, é por meio da observação participante que
busquei desenvolver este trabalho.

Assim, por meio dessa inter-relação entre pesquisador e pesquisados, técnicas


como observação direta, de conversas formais e informais ou de entrevistas
não-diretivas (DA ROCHA, ECKERT; 2008) foram utilizadas. Por isso, algumas
conversas foram gravadas, com tomadas de nota e por fim a escrita de diários de
campo. Além disso, como essas conversas ocorreram com o sentido de me aproximar
individualmente com as mulheres do grupo, esses se constituem meus primeiros
passos em torno da minha pesquisa. E mais do que isso, meu trabalho está permeado
pela necessidade de trocas de vivência e apoio mútuo, esse caminho faz parte da como
já disse minha descoberta como pesquisadora e mulher bisseuxal.

Além disso, é importante destacar que esse trabalho se desenvolveu sob a mediação
técnica, como proposto por Polianov (2014), que pelo contexto pandêmico se tornou
uma alternativa bem necessária para o meu trabalho de campo. Por último, como o
intuito deste trabalho é dar voz, refletir sobre vivências femininas e descobertas
sáficas, busquei o diálogo com as mulheres do grupo priorizando esse sentido. E logo
após a escrita dos diários notei a importância de fazer uma análise discursiva do que
foi dito e colocado nessas conversas, como proposto por

Resultados Parciais e Conclusão


Logo, eu entrei em contato com cinco mulheres do grupo, e fiz chamadas de vídeo
com quatro dessas. Assim, como dito no início do trabalho, a aproximação ocorreu de
modo natural, elas foram receptivas e se mostraram disponíveis. Nessas conversas
falamos sobre as relações familiares, as experiências já vividas, as relações com a
Igreja. Com a Tabata por exemplo, discutimos sobre feminismos, a questão do
aborto, sobre a política do Brasil, ela falou um pouco sobre a relação com os pais, a
experiência de morar fora do Brasil e como estava fazendo em relação ainda estar no
armário. Com Carla e Shaene, em um encontro de oração, elas falaram um pouco
sobre como saíram do armário. Nesse encontro a temática da família apareceu ainda
mais forte, pois tanto a Carla quanto a Shaene sofreram muito no processo, de
ameaças a fugir de casa. Nessas falas estava muito presente como as famílias dessas
usam um discurso religioso para excluir e segregar, ou seja, colocam o assumir uma
sexualidade fora da norma heterosexual como possessão demoníaca, uma fase, um
erro.

Mas como colocado por Audre Lorde fala são poderosas, e atos de resistência. Carla
diz ter sofrido muito no processo e que pensou até no suicídio, contudo foi persintindo
nesses atos que ela teve seu final feliz. Foi quando me contou sobre o pedido de
casamento que fez a agora sua esposa. Shaene, também disse sobre como cruzou um
estado, no início da relação, para ir ao encontro da noiva, e brincou que ama ser
sapatão “emocionada”. Assim, essas conversas são uma troca, são narrativas que se
encontram, vivências que podem ser pensadas, no sentido do que Tim Ingold (2019)
coloca que o conhecimento antropológico se faz no estar com, na aproximação, e isso
tem sido uma descoberta necessária.

Referências

DAMATTA, Roberto. Ofício do etnólogo ou como ter anthropological blues.


In: NUNES, E. (org). A aventura sociológica. RJ: Zahar, 1978.
INGOLD, Tim. Antropologia: para que serve?. Editora Vozes, 2019.
LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Autêntica Editora,
2019.
MERCADO, Luis Paulo. Pesquisa qualitativa online utilizando a etnografia
virtual. Revista Teias, v. 13, n. 30, p. 15, 2012.
POLIVANOV, Beatriz Brandão. Etnografia virtual, netnografia ou apenas
etnografia? Implicações dos conceitos. Esferas, v. 1, n. 3, 2014.
DE OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir,
escrever.Revista de antropologia, p. 13-37, 1996.

Você também pode gostar