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Resenha de “Sobre a autoridade etnográfica” de James

Clifford.

James Clifford e uma crítica aos atuais modos de


etnografia.

Sem dúvida um texto denso e difícil de ser interpretado,


ainda que Clifford afirme, já na segunda página, que o
texto tem por objetivo traçar a formação e a desintegração
da autoridade etnográfica na antropologia social do século
XX, o leitor precisa acompanhar o raciocínio do autor até
as últimas linhas, pois James Clifford passa boa parte do
tempo descrevendo características do trabalho de campo que
podem levar o leitor a acreditar que ele esteja valorizando
a etnografia.
Clifford demonstra como foi se construindo a noção de
autoridade etnográfica, ou seja, o modo como o autor se
coloca presente no texto, como ele legitima um discurso
sobre a realidade. Trata-se do famoso termo “Eu estive lá”,
que dá provas de que o que pesquisador viu e aquilo existe.
Nesse sentido, Malinowski, principalmente com o seu
trabalho “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” repleto de
fotografias é o divisor de águas. Antes dele, o etnógrafo e
o antropólogo, aquele que descrevia os costumes e aquele
que era construtor de teorias gerais sobre a humanidade,
eram personagens distintos.

Segundo Clifford, os atuais estilos de descrição cultural


são limitados e estão vivendo importantes metamorfoses.
Para ele, o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode
ser compreendido em separado de um debate político-
epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação
da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de
que todo o homem social interage e interdepende do outro).
Clifford cita a legitimação do pesquisador de campo
profissional, de padrões normativos de pesquisa, de
sofisticação científica e da simpatia relativista. Outra
questão importante era o domínio da língua nativa, ou
apenas a utilização de termos lingüísticos nativos pelo
pesquisador na etnografia, onde o domínio da língua não era
crucial. Em terceiro lugar, como se uma cultura pudesse ser
apreendida apenas pelo que vê o observador treinado, dava-
se ênfase ao poder de observação. O trabalho de campo bem-
sucedido mobilizava a mais completa variedade de
interações, mas uma distinta primazia era dada ao visual: a
interpretação dependia da descrição.

Depois disso, Clifford focaliza os modos de autoridade: o


experiencial, o interpretativo, o dialógico e o polifônico.
O modelo clássico de modo de autoridade seria o
experiencial, que é exemplificado com Malinowski, onde se
tenta comprovar o “Eu estive lá”. Também se tenta mostrar
que uma experiência de campo foi produtiva envolvendo o
leitor na complexa subjetividade da observação
participante, unindo o leitor e o nativo numa participação
textual. 
Sobre o modo de autoridade interpretativo, a crítica
principal recai no entendimento de que se possa ver a
cultura como um conjunto de textos, a textualização é
entendida como pré-requisito para a interpretação. O
discurso se transforma num texto, porém, não há como você
trazer um discurso para ser interpretado tal qual um texto
é lido. “Para ele, a interpretação não é uma interlocução,
ela não depende de estar na presença de alguém que fala.
Por conseguinte, Clifford destaca que, em última análise, o
etnógrafo sempre vai embora, levando com ele textos para
posterior interpretação, pois o texto, diferentemente do
discurso, pode viajar. Se muito da escrita etnográfica é
feita no campo, a real elaboração de uma etnografia é feita
em outro lugar.

Somente no final do texto é que se pode perceber que


Clifford pretende é afirmar que esses dois modos de
autoridade, o experiencial e o interpretativo, estão
cedendo lugar a dois outros modos de autoridade. O
dialógico e ao polifônico. Segundo ele, o modo de
autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de
uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e
muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente
significativos. Já o modo de autoridade polifônico, que
rompe com as etnografias que pretendem conter uma única
voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a produção
colaborativa do conhecimento etnográfico, dentre elas,
citar informantes extensa e regularmente. Mas ainda assim,
as citações são sempre colocadas pelo citador e tendem a
servir como exemplos ou testemunhos.
Clifford finaliza o raciocínio dizendo que é inevitável
romper com a autoridade monológica que as etnografias
faziam ao se dirigirem a um único leitor. A multiplicação
das leituras possíveis reflete o fato de que a consciência
etnográfica não pode mais ser considerada como monopólio de
certas culturas apenas do Ocidente, afinal de contas, os
antes estudados agora fazem seus próprios estudos. Os
trabalhos polifônicos são especialmente abertos a leituras
não específicas intencionais e a autoridade polifônica olha
com muita simpatia para os textos em língua nativa.

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