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ANTROPOLÓGIA, SAÚDE E RELIGIÃO:

Algumas Metamorfoses Da Espiritualidade E Suas Ambiguidades Em


Moçambique

Fonte: Nelson Capaina, 23/11/2012.

Tubias Capaina

Graduado em Antropologia pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais, Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique.

Investigador Independente.

Correio electrónico: capainatubias@gmail.com

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Resumo

O objetivo deste artigo está em abordar sobre as noções da espiritualidade em contextos de crises sociais,
a possessão pelos espíritos dos antepassados como doença, constituindo assim um conjunto de práticas e
crenças inventadas e reinventadas pela sociedade em Moçambique. Uma vez que o sistema cultural de
saúde está ligada ao simbólicos como base de sustentação para se chegar a uma determinada educação ou
ideia de saúde, desde as percepções e as crenças sobre a cura, mostrando que o sistema social tem haver
como outras instituições ligadas a saúde como hospitais, médicos, enfermeiros, paciente, doentes, igrejas,
pastores, crentes, curandeiros, espíritos, ajudantes e pacientes.
Durante o movimento migratório os Nguni subjugaram os Ndau (entre outros grupos), forçando-os a
descer para o sul como “escravos” do império de Gaza em território Tsonga. Nesse processo de
interacção, todas as partes absorveram-se possuídos por espíritos não-linhageiros de origem vanguni e
vandau (HONWANE, 2002, p. 54).
Antes da penetração dos Nguni e Ndau nas terras Tsonga na zona sul de Mocambique, no século XIX,
existiam apenas entre os Tsonga dois tipos de tinyanga1 a saber: os nyangas2- praticantes da medicina
tradicional (geralmente conhecidos por “curandeiros”) não possuídos por espíritos, que aprenderam os
“segredos da profissão com seus familiares mais velhos; e os nyangarume-possuídos por espíritos
(conhecidos como tinguluve) e especialistas em medicina ervanária, curaram e combaterem a magia e a
feitiçaria, mas sem entrarem em transe (HONWANE, 2002, p. 54-55). Ainda segundo Honwana (2002),
esta interacção entre estes grupos deu origem a um novo tipo de praticante de medicina tradicional, o
nyamusoro. Esta nova figura incorpora os três tipos de entidades espirituais (Nguni, Ndau e Tsonga)
combinando os seus poderes e funções. Tal como refere Luz (2008), citado por Spadacio e De Barros
(2009), quando se pretende avançar na direcção de práticas, valores e representação de saúde, é preciso
levar em conta a multiplicidade e a diversidade de modelos e práticas ligadas tanto a saberes tradicionais
ou constituintes a actualidade, quanto a sistemas médicos complexos. É daí que entra a religião no campo
da saúde como forma de conhecimento sobre a cura.
A única vertente que separa o cristianismo do islamismo é a santa trindade em um: (Pai, filho e espirito
santo), o que para o islâmico é a penas Deus, afirmando que Jesus é filho de Maria e José e não de Deus.
Só depois dos 600 anos d.c. Deus envia Mahumed e este se assume o último enviado, onde depois deste
os que viram serão falsos. Surgem os problemas quando negam a santa trindade nos mandamentos
religiosos. Para a compreensão deste artigo, os termos nyamusoro, nyanga, curandeiro e médico
tradicional indicam o mesmo significado. Em termos metodológico usei os dados de Daniel (2019),
Inspirando-se em De Oliveira (2006), para quem, as conversas, tanto com as famílias quanto com o
pessoal de saúde, eram acompanhadas por um exercício de olhar, ouvir e escrever o que estava
acontecendo ao redor. Tal como aponta Leach (1982), esta atitude permitiu fazer uma distinção entre o
que o pessoal de saúde, em particular, realmente fazia e o que dizia que costuma fazer.
Na análise das representações e dos mitos, os antropólogos procuram entender invariáveis mentais a partir
do estudo das culturas da humanidades para encontrar o que há de comum na estrutura mental dos
indivíduos. Assim entende-se que existe uma base comum nos indivíduos e que podem diferenciar ou
variar nas explicações. Visto que os mitos são formas ou tentativas de explicação patente numa cultura
mesmo sem evidências materiais.
“Não há imposição quanto a religião” (Alcorão 2:256).

Palavras-chave: Espíritos, família e os domínios do simbólico.

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Introdução

A partir da teoria dos sonhos que Tylor propôs, influenciou-se na teoria intelectual dos indivíduos, onde
afirma-se que os sonhos são produtos da construção mental dos indivíduos. E se esses processos são de
ordem intelectual então Tylor não fez nenhuma etnografia, tudo isso são produtos de especulações. Mas
como Tylor pertence aos evolucionistas, afirma que tudo parte de um Deus, assim assumindo a existência
de uma religião superior, (monopolismo para o civilizado e para o primitivo o politeísmo com a existência
de vários deuses). Com a ideia de Tylor alguns intelectuais desvalorizam as formas de crenças dos
primitivos, mas com o tempo houve uma outra forma de pensar sobre a religião marcada pelo Emile
Durkheim, quando funda a moderna sociologia da religião no livro as formas elementares da vida
religiosa, mostrando as premissas de ondem teórica e conceitual. Na visão de Durkheim a religião é a
divisão do mundo entre os fenômenos sagrados e os profanos. Assim o sagrado envolve a luz (Deus), e o
profano algo obscuro (Diabo). Para Tylor a religião é uma crença pelos espíritos, a limitação de Tylor está
na ideia de existir crenças irracionais e religiões superiores. Para Durkheim, em todas as sociedades
existem religiões, umas simples e ouras complexas e para compreender essa temática temos de partir
pelas religiões mais simples. A rede de protecção primária é um elo fundamental da garantia de protecção.
As famílias com redes primárias fortalecidas terão as condições muito melhores de proporcionar cuidado
e promover o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, mas isto não significa a
desresponsabilização da protecção social pública estatal, (Guará, 2010).

Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o pai que me enviou, esse me
tem prescrito o que dizer e o que anunciar. (João; 8:40).

É preciso entender que a religião não é só cristã ou islã, mas também as pessoas que fazem cultos.
Antropólogo vai entender e explicar como estas pessoas pensam sobre as práticas que acreditam.
Antropologia pode entender o papel da religião no processo de reintegração social. Antropologia é
indutiva parte das coisas concretas para formar teorização sobre o que acontece nas pessoas no seu
cotidiano. Mesmo um relógio parado está certo duas vezes ao dia. Nada é certo absolutamente, tudo é
construído. Por exemplo:

A vida é um processo de interações. Durand diz que, não se pode entender o homem sem antes os
fenômenos simbólicos, pós são fundamentais para perceber as representações que eles dão sentido. Por
isso, Cassirer afirma que o homem é um animal simbólico. Assim o feiticeiro é aquele que nós
acreditamos que desestabiliza a nossa ordem. Por isso Descartes dizia não pode se dissociar da fé para
produzir o conhecimento, isto significa que temos de identificar os limites de cada tipo de conhecimento

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para não misturar as informações. E assim surge a ideia de teologia e ciência. As representações sociais
são feitas de suas formas:

 Indiretas – a representação é feita através de casos abstratos sobre as coisas que nunca tiveram
contatos visuais, e por mais que tenham não são claros por isso recorre-se as nossas memórias,
sonhos e imaginações.
 Direitas – a representação é quando temos o contato direto.

Perspectivas interpretativas no campo simbólico

Existem duas perspectivas as hermenêuticas: instauradoras e redutoras.

 H. Redutoras: Durand, Levis-Strauss, Jung, Freud. A sua análise representativa foca-se ao


símbolo em si para entender o que quer dizer. Ex.: a análise da bandeira nacional.
 H. Instauradoras: Cassirer, Godet, Ricdeur. Focam sua análise da representação de forma mais
detalhada, desde sua criação, legitimação até as suas dimensões simbólicas além do físico.

A representação significa a correspondência exata da imagem, uma vez que assumem as nossas estruturas
cognitivas individualmente. Isto permite contextualizar discursos capazes de se perceber. Assim as
crenças são formas de representação coletiva das pessoas. Ex.: o totemismo é a ideia de acreditar que
existe um lugar ou um animal em que tenha algum poder sagrado. (Vaca sagrada para os índios e as
imagens de Cristo para os portugueses). A regra do que possa a vir ser sagrado ou profano esta patente em
todas as regiões e retira a ideia de crenças em amuletos ou espíritos afirmando que apesar dessas visões
eles tem em si a ideia do que é sagrado ou profano. E a religião deve ser entendida dentro do seu contexto
para perceber o que as pessoas acreditam, uma vez que a religião representa os fenômenos de dimensão
coletiva que se partilham por todos como uma forma de linguagem que possibilita processos de
comunicação entre os crentes. Freud – diz que os sonhos não existem por a causo é a libertação do
subconsciente quando o consciente está em repouso. Por isso tudo o que fazemos aparece como formas de
recapitulação das coisas no subconsciente. Assim o indivíduo tem três dimensões:

 ID – a parte natural, a brutal por isso ele não tem limites. Por ser egoísta, egocêntrico.
 Social – a parte em que as ações do indivíduo se reflete sobre os valores socialmente prescritos,
os tabus, e isso entra em choque com os desejos do indivíduos, porque as regras são coercivas.
 Super ego, equilíbrio – a parte em que ele pode associar ou desassociar a arte natural ou social.

Por este motivo surge a questão pra que viver como ferros, se somos feitos de carne e ossos? Freud, desta
forma mostra que o indivíduo tem duas escolhas, uma agir como um ser egoísta e ser isolado do grupo, ou
agir de acordo com o coletivo seguindo os padrões culturais. É daí que aparecem os problemas de

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frustrações, porque a construção do indivíduo é pela imposição dos outros iniciando pela família. Com
isso temos de formar um contrato social na qual rompe algumas liberdades, onde identificamo-nos por
uma identidade. Ex.: o estado vela pela manutenção das normas de conduta dos indivíduos indicando os
limites e inicios da liberdade. Desde o mais baixo camponês até o mais alto intelectual, porque todos
temos o contrato social. No entender de Aristóteles, o homem é um animal social, foi preparado para
viver em sociedades, mas para a construção de novos estados surgem as complexidades sócias. Mas para ,
Hubbes, o homem por natureza é um ser mau.

Família

A Família é um grupo de pessoas unidas directamente por laços de parentesco, onde os adultos assumem
a responsabilidade de cuidar das crianças. Os laços de parentesco são entendidos como sendo as relações
entre os indivíduos, estabelecidas através do casamento ou por meio de linhas de descendência (Freitas,
2014, p.7). Segundo Oliveira (2009, p.84) a família é uma maneira de vida privada de se expressar, lugar
de intimidade, de construções individuais e colectivas e um espaço significativo para a expressão dos
sentimentos, que, nessa modernidade, podem ser esquecidos diante da correria contemporânea. Neste
sentido, ela torna-se imprescindível na sociedade. Os vínculos familiares podem assegurar ao indivíduo a
segurança de pertencimento social.

A Lei da Família, a nº10/2004, no seu artigo 1º defende que a família é a célula base da sociedade, factor
de socialização da pessoa humana. Ela constitui o espaço privilegiado no qual se cria, desenvolve, cultiva
a personalidade dos seus membros e onde devem ser cultivados o diálogo e a entreajuda. Assim, a lei
pretende elucidar que a família é uma instituição de socialização primária. Os autores convergem na ideia
de que, é na família onde os indivíduos adoptam os valores, as crenças, a ética, as normas sociais, que por
sua vez, permitem a integração dos mesmos (indivíduos) na sociedade. Ou seja, ela é a ligação entre o
indivíduo e a Sociedade. O conceito de Freitas diverge com o dos outros autores por destacar apenas dois
elementos para constituir família: o parentesco e a descendência. A família nuclear é constituída por pai,
mãe e filho. Os agregados monoparentais são constituídos por um adulto e pelos seus filhos, na maior
parte dos casos o adulto é a mulher. As razões que originam a monoparentalidade são a separação ou
divórcio, a viuvez e a geração de uma criança por parte de uma mulher solteira (Freitas, 2014, p.4).

“ Os povos constituem uma só nação” ( Alcorão 2:213).

A família reconstituída ou recomposta diz respeito aos segundos casamentos e estão, relativamente,
generalizados na nossa sociedade e podem acontecer por várias circunstâncias. Uma primeira situação
ocorre quando se realiza um casamento entre pessoas jovens que não trazem filhos do casamento anterior.
Uma segunda situação ocorre, quando se está a realizar um segundo casamento em que os cônjuges

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trazem filhos de casamentos anteriores, que vêm viver num novo agregado com um novo cônjuge
(Freitas, 2014, p.4). A família é, uma instituição de referência para a construção da identidade pessoal e
social, ela transmite os valores, as crenças, as normas sociais aos seus membros e permitem a sua
integração na sociedade, independentemente, da forma, configuração ou modelo familiar.

Comunidade

Comunidade tornou-se uma palavra mestre usada para descrever unidades sociais que variam de aldeias,
conjuntos habitacionais e vizinhanças até grupos étnicos, nações e organizações internacionais. Segundo
Bottomore (1996, p.115), a comunidade, geralmente, indica um grupo de pessoas dentro de uma área
geográfica limitada, que interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum de
interdependência e integração. Para Tonnies (1979) apud Lemos (2009, p.203) defende que a comunidade
significa “vida real e orgânica”. Há um pressuposto que rege a comunidade: a perfeita unidade das
vontades humanas como estado originário ou natural. As relações que compõem a comunidade são, para o
autor, relações de sangue, de lugar e de espírito, derivadas do parentesco (casa), da vizinhança
(convivência na aldeia) e da amizade (identidade e semelhança nas profissões). Na perspectiva de Weber
(1973) apud Peruzzo (2009, p.13) comunidade é um conceito amplo que abrange situações heterogéneas,
mas que, ao mesmo tempo, apoia-se em fundamentos afectivos, emotivos e tradicionais. Weber (1973)
chama de comunidade “uma relação social quando a atitude na acção social – no caso particular, em
termo médio ou no tipo puro – inspira- se no sentimento subjectivo (afectivo ou tradicional) dos partícipes
da constituição de um todo” (Peruzzo, 2009, p.

“ Ó humanos, em verdade, nós vos criamos homens e mulheres e vos dividimos em povos e tribos para que
vos reconhecêsseis uns aos outros. Sabei que o mais honrado dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei
que Deus é sapientíssimo e está bem inteirado.” (Alcorão 49:13).

Ao discutir as formas de organização social na sociedade contemporânea, Palácios (2001) apud Peruzzo
(2009, p.25) sublinha que alguns elementos fundamentais que caracterizam uma comunidade na
actualidade: a) sentimento de pertencimento; b) sentimento de comunidade; c) permanência (em
contraposição à efemeridade); d) territorialidade (real ou simbólica); e) forma própria de comunicação
entre seus membros por meio de veículos específicos. Os autores convergem na ideia de que, a
comunidade é um conjunto de relações sociais que se caracteriza pela compreensão (consenso), que é um
modo associativo de sentir comum e recíproco. Esta compreensão implica a posse e o desfrute de bens,
amigos comuns, e também a vontade de protecção e defesa recíproca. A perspectiva de Tonnies destaca
elementos relevantes, como: vizinhança, unidade das vontades humanas e relações amigáveis, para além
das relações de sangue. Parece ser a mais viável para esta análise do social pelo social.

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Antropologia e doença

Antropologia e a epidemiologia entram na história para a percepção da doença, enquanto a epidemiologia


estuda a partir do indivíduo para explicar os fenômenos sobre o comportamento de risco, a antropologia
vai mostrar que a o grupo social tem e influência o indivíduo. Partindo deste princípio a doença passa a
ser entendida em duas perspectivas, do ponto de vista do indivíduo e do ponto de vista do grupo social.
Criticando os epidemiologistas a antropologia mostra que os médicos têm uma orientação que não se teve
ênfase ao indivíduo, a limitação dos métodos biomédicos, questionando a normalidade dos tratamentos
sobre a doença porque a realidade social é dinâmica por isso os problemas da normalidade pode variar
com o tempo. Assim, a doença é vista como um fenômeno social que cria alterações na vida das pessoas.
A noção de doença é construído socialmente.

A antropologia evidencia como outros fatores podem influenciar significamente na questão do bem estar.
Ex.: a Biopolitica definem as leis e as prioridades da biomedicina. Visto que o capital financeiro garante a
saúde em alguns contextos e assim as decisões políticas respondem e influenciam os megaprojetos. A
antropologia medica surge na escola de Haward, criticando e evidenciando as desigualdades a nível local
para explicar como as pessoas se relacionam e como o global influencia o local no sentido biopolítico.
Ex.: o uso do preservativo como forma de controlo sobre o corpo através das decisões políticas. No
entender de Geertz a cultura serve de modelo para e modelo de explicação para entender como as pessoas
constroem o mecanismo para a satisfação da cura. Antropologia traz para biomedicina a questão da
cultura olhando para os aspectos inerentes a saúde, ou seja a interação entre as políticas de saúde e a
população local, responde a questão da lógica interna e a governamentalidade interna para o entendimento
dos termos locais. Ex.:

 Diseese – representa o lado objetivo sobre a cura (médicos): a doença como processo que tem a
ver com o funcionamento fisiológico dos órgãos separados do contexto e o sentimento da pessoa;
 Iness é o lado subjetivo (Antropólogos): o tratamento da doença tem a ver com as experiências e
o sentimento das pessoas para dar seguimentos da medicação. Ex.: a percepção da linguagem e
dos termos locais, etc.

As relações sociais configuram as escolhas das pessoas a partir das crenças, por isso é preciso entender o
conjunto de preposições e as noções das comunidades. Só assim podemos entender como as pessoas se
comportam durante os tratamentos de uma doença respondendo a questão da experiência enferma. Mas
apesar destes modelos individuais e coletivos os sistemas médicos devem ter significado perante a
coletividade, deste como a coletividade influência sobre o bem estar do indivíduo. Assim, mesmo

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havendo escolhas, eles são feitos em determino da coletividade. Por isso existem alguns pontos para
melhor explicação:

 Arena composta ou profissional aquela que representa a biomedicina;


 Arena comunal, tenta equilibrar os sistemas orgânicos;
 Arena popular, busca-se vários itinerários para solucionar os problemas da saúde.

Assim as redes sociais como foco dos itinerários terapêuticos aparece quando as várias pessoas dão várias
explicações sobre o mesmo problema é daí que entra a antropologia para auxiliar na composição lógica
dessas interpretações. Assim, o inerário terapêutico são os mecanismos que as pessoas usam para
satisfazer as suas necessidades de saúde. Enfermidade é como o paciente explica a sua doença.

 Folk – são conversas com os pastores ou sacerdotes sobre os problemas morais ligados a
equilibracão das especialidades não legais, (curandeiros, maziones, etc.);
 Popular – tratamentos caseiros, (chá de cebola, alho, etc.);
 Profissionais – recomendação dos médicos, (hospitais públicos e privados).

Com a intervenção antropológica podemos identificar e entender algumas doenças que ocorrem
frequentemente em um determinado local. Ex.: a pessoa que coloca o óleo no seu cardápio diário, tende a
desenvolver futuramente o problema de colesterol. Porque o óleo desenvolve o colesterol. As percepções
ou escolhas por um certo sistema de cura tem a ver com as relações que as pessoas tem umas das outras.
Ex.: há pessoas que não têm dinheiro para irem ao hospital e nem ao curandeiro, então podem optar pelos
pastores que lhes são mais próximos. E isso a medicina não prevê. Existem pessoas que têm um
sentimento de descrença pelos sistemas biomédicos quando se trata de doenças mentais. Mas também
existem aquelas que fazem o cruzamento de vários itinerário para a cura. Não existe separação porque
cada uma tem suas logicas próprias para a cura. O curandeiro tem conhecimentos sobre as plantas da cura
em certas doenças e olha para o sistema diagnostico tal como na biomedicina. O feiticeiro para além de
conhecer as plantas para a cura, também invoca espíritos entrando na dimensão familiar invocando o
divino, pode manipular para modificar a forma de pensar nas outras pessoas. Mas também o curandeiro
pode manipular para fazer o mal.

A ciência tem sua origem histórica e contextual, mas hoje ela é um movimento global pela aglutinação
social. Mas se especializar numa área não significa que o indivíduo seja etnocentrista. Assim o papel do
antropólogo medico é de mostrar que existem vários itinerários terapêuticos e não se pode hierarquizar
porque cada uma delas tem suas logicas sobre a noção da doença e possibilidades para a cura. Visto que a
ciência em alguns momentos ignora outros sistemas sobre a cura. Trazendo uma ideia multidimensional
do que venha a ser doença ou saúde. Evitando o etnocentrismo biomédico sobre a medicina local. Ex.: A

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falta do reconhecimento pelos pastores, curandeiros, etc. A biomedicina conquistou múltiplos espaços e
define os diagnósticos a partir da visão global sem o reconhecimento local. Existem fatores que fazem
com que as pessoas não adiram a perspectiva biomédica:

 Políticas públicas;
 Falta de autonomia financeira;
 Falta de confiança na universalidade biomédica;
 Transporte e comunicação.

A noção de saúde e doença é culturalmente definida, o antropólogo advoga a diversidade cultural, devido
à complexidade na dimensão social, uma vez que cada objeto social vive o seu contexto e cada cultura
molda a sua forma de pensar sobre o mesmo fenômeno social. Ex.: A gravidez pode ser uma decisão de
duas pessoas para fazerem uma pessoa. Por isso fazem filhos a partir do sexo. Os cientistas não produzem
moralidades, por isso não dizem que um campo cientifico é melhor do que o outro. Mas produzem
conhecimentos a partir das limitações dos outros campos científicos. Nenhuma ciência muda a sociedade,
só há cura quando há condições suficientes para combater a doença, por isso é necessário o cruzamento
dos vários campos científicos. Limites: a biomedicina perde de vista os aspetos culturais achando que os
fatores tradicionais não são relevantes. Mas as pessoas agem de acordo com os seus tipos de socialização
por esta razão algumas pessoas ignoram as campanhas de vacinação proposto pela biomedicina. Visto que
nessas campanhas de vacinação a biomedicina define as idades das pessoas consideradas crianças, mas há
contextos em que o ser criança ou adulto não tem a ver com as idades fisiológicas. Ex.: Nos rituais de
iniciação maconde, quem não passa pelos rituais é considerado criança mesmo que tenha 50 anos de
idades.

Os Antropólogos mostram que nem tudo deve ser aplicado é preciso primeiro consciencializar as pessoas
para aderir aos serviços biomédicos e não impô-las. A Epidemiologia cultural procura os antecedentes
que explicam as propagações dos riscos da saúde e doença envolvendo o entendimento da crença.
Antropologia explica como os fatores socais podem influenciar nas várias interpretações até as logicas de
organização social, indo mais além do que entender os fatos da distribuição de uma determinada doença.
Por isso ao indicar a crença inclui os fatores ambientais e culturais. Epidemiologia é a ciência que-se
preocupa em entender os fenômenos de caráter sociológico sobre a saúde e doença. Ex.: CAP -
conhecimento, atitudes, praticas. A biomedicina usa os estudos da CAP para produzir evidencias sobre
várias doenças em grupos com altos níveis de infecções por isso não dizem os números exatos, assumindo
que toda a transmissão é de caráter heterossexual. Uma vez que não se preocupam em saber sobre as
orientações sexuais das pessoas. A idade das pessoas também podem influenciar na escolha dos serviços

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de saúde. Ex.: uma pessoa idosa pode negar ir ao hospital alegando ser longe e preferir ir ao curandeiro. A
doença mental não é física por isso os curandeiros podem tratar, por estar ligada aos problemas sociais.

A problemática da Psicanalise na construção do simbólico

A Psicanalise não é uma ciência social porque Freud analisa o indivíduo unicamente e não os grupos, ou
seja, estuda o comportamento que provem de um único indivíduo. As ciências sociais, estudam grupos
sociais e não reduz a um indivíduo. Ex. o ego é a parte que representa o Id, estabelecidos pelas normas da
sociedade. Por sua vez o id é a parte das manifestações das vontades do indivíduos. Se o Id vencer ai
aparece a exclusão do indivíduo pelo coletivo e o ego não pode vencer porque também pode aparecer as
frustrações. Por isso para Freud deve haver um equilíbrio entre o id e o ego a existência do super ego,
equilíbrio. Atos fachos quando o ego não consegue controlar o id e cometem gafes. Ex.: há pessoas que
quando bebem não alteram toda a sua capacidade de equilíbrio e cometem certos problemas.

Os rituais são preparações para a vida toda, passa-se a lógica de socialização sobre como os indivíduos
devem se posicionar em momentos críticos, como nascimento, casamentos, mortes, etc. Desde sempre o
homem recorreu às plantas com vista a se tratar e se livrar de doenças. Esta atitude, com o passar do
tempo, passou a fazer parte da cultura dos povos e, durante milénios a medicina tradicional foi o único
sistema de saúde disponível nas comunidades (Agostinho e Da Silva 2013). Orientando-se nessa lógica, o
campo da Antropologia da Medicina iniciou-se com a constatação do elo inevitável entre doença,
medicina, cultura e sociedade humana. Assim, tal como sustentam Queiroz e Canesqui (1986a), as teorias
da doença (científica ou religiosa), envolvendo, diagnóstico, prognóstico, tratamento e cura, são sempre
parte daquilo que é o repertório cultural dos grupos humanos e variam no tempo e no espaço em
consonância com a variação cultural. Em Moçambique até aos dias atuais, as práticas de cura, também
conhecidas pelo nome de medicina tradicional, são solicitadas por pessoas de variadas classes, moradoras
das zonas rurais ou urbanas. Embora se trate de uma experiência mundial, inclusive na Europa, entre os
discursos médicos vigentes, ainda se faz notar a ideia de que o seu uso é mais abundante e inerente ao
continente africano (Santana 2011).

“ (...), realmente existem doenças/problemas que só a medicina tradicional pode tratar.


O problema da lua, asma o hospital só acalma, mas a medicina tradicional cura.
Também é o caso da gonorreia, o hospital só acalma mas a medicina tradicional corta o
mal pela raiz, de lá onde a doença começou.”

Dessa forma, Santana (2011), argumenta que na segunda metade dos anos 70 a medicina tradicional
começou a ganhar espaço e valorização nas políticas e estratégias de saúde no país, altura em que foi
criado em 1977, no Ministério da Saúde, um Gabinete de Estudos de Medicina Tradicional, com o
objectivo de recolher espécimes de plantas utilizadas pelos praticantes de medicina tradicional, e recolher
informações sobre as patologias tratadas com as mesmas plantas assim como a metodologia utilizada, mas

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sem objectivo de integrá-los nos programas preventivos ou de tratamentos de doenças, mesmos as
consideradas endémicas. O reconhecimento oficial da Medicina Tradicional, foi feito através da
formalização da profissão de médico tradicional, facto que registou-se a partir da criação da
AMETRAMO (Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique), formada em 1991, a primeira
associação de terapêutas tradicionais. Esta associação surge com o objectivo de reforçar a capacidade
organizativa e certificar a actividade dos médicos tradicionais ao mesmo tempo que lhes dava motivação
para trabalhar com instituições oficiais que se dedicavam à actividade de prevenção e cura de doenças
(Lebre 2012: 4).

“O remédio de lua dá-se às crianças recém-nascidas, serve para muitas doenças.


Quando a pessoa cresce sem tomar o remédio de lua, cada vez que a lua aparece atinge-
a. Todas as crianças aqui em casa tomaram o remédio de lua. Meu filho11 adoeceu e
ficou de baixa na África do Sul, quando soube, fui procurar um senhor12 que deu-me o
remédio. Dei-o duas vezes ao meu filho e ele melhorou”

No Sul de Moçambique, de acordo com as teorias locais, os nyangas devem os seus poderes curativos,
divinatórios e de eficácia ritual, essencialmente, ao facto de serem possuídos por espíritos de defuntos,
com os quais formam uma simbiose profissional e ontológica (Granjo 2009; Honwana 2002; Meneses
2000). O quadro de práticas terapêuticas desenvolvidas pelos tinyanga1 é dividido em duas principais
fases pelas quais poderá passar um tratamento: adivinhação e diagnóstico. A adivinhação é um
procedimento que ocupa-se das causas da doença, pode ser feita através do transe e do lançamento do
“tinhlolo” - um conjunto de ossos, búzios, carapaças de tartaruga, pedras, moedas, invólucros de sementes
e por vezes dados (Granjo 2009).

A Biomedicina em Contextos de Pluralismo Terapêutico

A história da biomedicina sempre se deparou com a crença de alguns pacientes nos poderes dos curadores
tradicionais, juntamente com todo o arsenal medicamentoso, facto que tem culminado com casos de
interrupção do tratamento convencional bem como o uso de medicamentos tradicionais nas unidades
sanitárias. Essas crenças sempre estiveram impregnadas nas estruturas da vida das comunidades em
diferentes cantos do mundo. Estudos etnográficos ilustram que tal realidade é imune à acção do tempo
bem como aos sucessivos avanços da biomedicina, facto que faz com que até aos dias actuais, a mesma
continue disputando pacientes com os ditos médicos tradicionais. Na área da saúde, a antropologia tem
desenvolvido diversos estudos de carácter etnográfico acerca das práticas de saúde em diversos contextos,
em que são considerados aspectos culturais, étnicos, económicos, sociais e mágico-religiosos. Tal
realidade tem se dado tanto em sociedades urbano-industriais modernas quanto em comunidades nativas
tradicionais (Andrade e Correia 2008). Para Andrade e Correia (2008) avaliaram a contribuição dos
curadores tradicionais para a rede municipal de atenção primária no Ceará. A partir do estudo,
constataram que, ainda que o sistema público de atenção à saúde fosse um importante e permanente

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aliado na prevenção e cura de enfermidades, a população brasileira, sobretudo a de baixa renda,
continuava fazendo o uso de outras opções terapêuticas, tornando vivo o pluralismo médico no país. De
Araújo, et al. (2007), afirma que as pessoas associaram plantas diferentes ou plantas medicinais com
medicamentos prescritos pelo médico. Na mesma linha de investigação, Tôrres, Oliveira e Araújo (2005),
os autores afirmam que utilização de plantas medicinais em crianças para o tratamento de doenças possui
seus riscos e benefícios que precisam ser avaliados pelos profissionais de saúde.

A doença do chamamento, segundo Honwana (2002, p.87), é uma doença ancestral grave,
sintomática e que só pode ser curada através da iniciação ao curandeirismo. Para Honwana
(2002) e Granjo (2008) Swikwembu são entidades espirituais que ligados aos antepassados e
defuntos comuns que atribuem poder especiais a um membro da família ainda vivo. A possessão
pelos espíritos implicando estados de consciência alterada ou transe em Moçambique inicia
aquando da invasão da terra dos Tsonga pelos Ndau e Nguni que chegam a Moçambique através
de um movimento migratório no século XIX, (Daniel, 2019).

Olhando para o contexto africano, Curtin (1998), citado por Zamparoni (2012), argumenta que a
introdução da biomedicina e seus métodos científicos em terras africanas e sobretudo sua expansão nas
décadas iniciais do século XX na esteira da ocupação efetiva de terras e gentes, esteve apoiada no aparato
discursivo e nos meios materiais do imperialismo, mas sua acção não se fez sem resistências e
negociações múltiplas. Num outro estudo Bento (2003:4), mostra o papel do curandeiro N´kanga entre os
Wamwuani do Ibo, onde ficou de 1969 a 1974. A partir do estudo, o autor observou que a cura de
doenças naquela localidade, dependia quase que exclusivamente do recurso a “algumas ervas e raízes dos
matos administradas por alguns negros curiosos” denominadas necanga ou nkanga e da “providência
divina”, sendo frequente que os doentes “só na última, quando estão a morrer é que chamavam o médico
ou cirurgião”. Para Junod (1996) a resistência era essencialmente resultante da crença profunda por parte
dos nativos nos seus curadores locais.

“ (...).Para os missionários este estudo apresenta também grande interesse. Todos eles têm notado a
frequência com que os seus convertidos, quando adoecem, abandonam a missão e correm aos seus
charlatões, interrompendo talvez bruscamente o tratamento prescrito por um médico missionário que passou
por toda a fieira dos estudos” (Junod 1996:388).

Para Uchôa e Vidal (1994:498), “a perspectiva qualitativa é empregada para identificar e analisar a
impacto que exercem os factores sociais e culturais na construção de formas características de pensar e de
agir, no caso em particular, frente à saúde e à doença”. Trata-se de um estudo de natureza exploratória.

Medicina tradicional no contexto atual

No início do século XX, a prática da medicina tradicional em Moçambique foi extremamente reprimida.
Mas ela sempre coexistiu como parte do sistema híbrido de interacção estabelecida, embora sujeita a
fortes limitações dos seus campos de actuação (HONWANA, 2002, p. 266). Para Cipire (1992, p. 17) o
ramo da medicina tradicional é a que mais polémica traz no seio da sociedade moderna, colocando-a em

12
causa a favor da medicina convencional e ou das igrejas. Contudo, a mesma sociedade que defende
soluções de determinados problemas apenas com base nas igrejas e medicina convencional tem
consultado os médicos tradicionais às escondidas para buscar soluções de alguns dos seus problemas
insolúveis à luz das igrejas e hospitais. Por sua vez, os tinyagas, através de cerimónias apropriadas e
acompanhadas de oferendas aos defuntos, conseguem expulsar os azares no corpo de quem sofre (idem).
Para Honwana (2002, p.266), os médicos tradicionais funcionam como intermediários entre os seres
humanos e os espíritos dos antepassados. Através dos seus poderes de adivinhação, os nyangas
descodificam as mensagens espirituais para os vivos e os seus conhecimentos de ervas lhes permitem
tratar e curar várias doenças. Granjo (2010) reforça que, tal como em outros países do mundo, esta figura
do nyanga ou médico tradicional assumiu um papel fundamental de “prestação de cuidados de saúde, na
regulação de incertezas e dos problemas sociais dos seus utentes”. Honwana (2002, p. 266) acrescenta
que os mesmos indivíduos e grupos sociais, para além de procurarem os médicos tradicionais para o
tratamento de várias doenças, buscam também a protecção contra os perigos da vida e o seu equilíbrio.
Os nyangas, segundo Honwana (2002, p. 82), herdam o poder da cura dos seus antepassados via doença
do chamamento7 muito antes de exercerem a profissão, mas para que tal aconteça tem que ter existido um
médico tradicional na família cujos espíritos escolhem um dos familiares para dar seguimento ao ofício.
Eles fazem a selecção entre a família consanguínea, independentemente do sexo, idade ou geração. Esta é
a forma mais comum e mais legitimada de aquisição do poder espiritual dos antepassados. Existem, no
entanto, outras formas: pode-se ser apanhado por espírito no meio ambiente ou pisando o local onde jaz
um morto que não tenha tido um enterro condigno ou ainda comprado (por preços muito elevados, o que
inclui, por vezes, a morte dum familiar directo) os poderes e o conhecimento de um nyamusoro
(HONWANA, 2002, p. 82).

A forma legítima de aquisição do poder espiritual dos antepassados (chamamento) ou a possessão


pelos Swikwembu

Os tinyanga (sing. Nyanga), tal como são tratados na zona sul de Moçambique, devem os seu poderes
curativos e de eficácia ritual ao facto de serem possuídos pelos espíritos de defuntos (GRANJO,2010
apud HONWANA, 2002). Ainda segundo Honwana (2002, p. 87), o indivíduo escolhido para se tornar
médico tradicional é atacado por uma doença (doença de chamamento) grave sintomática ancestral e os
swikwembu controlam o indivíduo através da mesma doença que também se manifesta por sintomas
físicos individualizados e/ou por acidentes frequentes. No entanto, para se tornar um médico tradicional e
adquirir conhecimentos que dão acesso ao poder ancestral, o futuro nyanga deve ser possuído pelos
espíritos dos ancestrais e ou passar pelo chamamento.

13
O Domínio do Simbólico

O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem
gnoseológica: um sentido imediato do mundo (e, em particular no mundo social), supõe aquilo que
Durkheim chama de conformismo lógico - quer dizer, “uma concepção homogénea do tempo, do espaço,
do número, da causa, que torna possível a concordância entre inteligências” (Bourdieu 1989:9). É uma
forma de poder em que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce, um crédito com que ele o
credita, uma fé, uma autoridade, que ele lhe confia pondo nele a sua confiança. É um poder que existe
porque aquele que lhe está sujeito crê que ele existe.

“Todas as criaturas de Deus constituem uma família e todo aquele que tenta fazer o maior bem às
criaturas de Deus, é mais amado por ele” (Ditos de Muhámmad).

Nessa ordem de ideias, pode-se dizer que os médicos tradicionais evidenciam, através do poder simbólico
que agregam, o poder de construção da realidade, que tende a estabelecer um sentido imediato do mundo
social (Bourdieu 1996: 174). Tal facto, tende, automaticamente, a orientar as acções e as formas de pensar
das famílias que testemunham seu poder no que diz respeito à resolução das questões relacionadas com as
doenças.

Habitus na perspectiva do simbólico

O habitus é um sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e
estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias
caracterísiticas de um grupo de agentes (Bourdieu 2007, 129).

Entender o habitus é essencial por fazer parte do produto ou o resultado das interacções entre indivíduos e
grupo deles, dessa forma, ele conforma e orienta as acções dos sujeitos face à determinadas situações com
as quais se deparam. Habitus são os princípios que geram as distintas práticas (Bourdieu, 1996) e
compreendem o que as pessoas vão incorporando durante sua trajetória de vida, como a forma de andar,
vestir, falar e gesticular.

Campo no contexto profissional

No entender de Bourdieu, a noção de campo constitui outra categoria central de seu esquema explicativo.
As práticas de saúde, sejam elas médicas ou de enfermagem, ocorrem dentro de um campo relacional, no
qual se estabelece uma troca simbólica entre as partes. Para que essa troca simbólica se instaure, se
efective, se materialize, é fundamental que ambas as partes tenham categorias de percepção e de avaliação
idênticas (Bourdieu 1996:174). Para interpretar os conflitos que pairam entre os parentes dos pacientes e
os profissionais de saúde, Bourdieu propõe que as diferentes classes e fracções de classes estão
envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme

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aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma
transfigurada o campo das posições sociais do lugar e de espírito, derivadas do parentesco, da vizinhança
e da amizade.

As noções de espíritos no campo antropológico

Granjo (2010) afirma que os espíritos que se manifestam por meio desta doença e que criam o momento
de dificuldades na vida do indivíduo obrigam-no a seguir a profissão por meio de uma declaração dos
mesmos e uma ameaça de morte caso recusem-se a atendê-los. Podemos perceber que este chamamento é
considerado uma forma que os espíritos encontraram para comunicarem-se com os vivos, para avisar que
estes precisam de dar continuidade a profissão de nyanga. Ainda no âmbito do processo do chamamento,
as vítimas passam também por problemas que podem variar desde a falta de convergência ou
entendimento na vida marital, problemas de saúde, no emprego, entre outros. As doenças são um dos
sinais da escolha ou eleição por parte dos espíritos e “os espíritos possessores da demonologia africana
(no nosso caso: demonologia Nguni e Ndau), automaticamente, se convertem em espíritos tutelares e
aliados” (POLANAH, 1987, p. 84). Esta doença, segundo Honwana (2002, p. 88) apud Augé (1977),
representa a morte da identidade do indivíduo para possibilitar o renascimento numa nova dimensão, com
uma nova personalidade e identidade.

(...) o tempo? Pois é, nem mesmo ele, com a sua capacidade colossal de alterar o curso das coisas, pode
mudar tudo, a sociedade do Além-Túmulo e a sociedade da Terra são uma e a mesma coisa, continuação
uma da outra, em fases diferentes, apenas só com a dificuldade de ser a primeira invisível e por vezes
ignorada pela segunda. (Yvone Pereira).

A possessão pelos espíritos é um processo violento, que implica o deslocamento temporário da alma (ou
essência) do indivíduo possuído e a consequente substituição pela alma de outrem. A doença de eleição
também marca o ponto de partida do processo de demarcação entre a comunidade e o indivíduo possuído.
Através da possessão, o indivíduo ascende a uma posição superior ao comum dos seres humanos, ficando
mais próximo do mundo dos espíritos dos antepassados (HONWANA, 2002, p.88). para Granjo (2010) a
família do possesso poderá não ter conhecimento prévio da selecção do indivíduo pelos espíritos. Os
swikwembu podem ficar várias gerações sem chamar familiares do indivíduo possesso. Ao se recusar o
chamamento ou tentar adiá-lo sem razões consideradas válidas, espera-se que o indivíduo e/ou a sua
família sejam atingidos por doenças, desgraças e mortes. Nesse momento poderá o indivíduo recorrer a
ajuda hospitalar ou igreja. Os problemas vividos pelo indivíduo podem também ser vistos como
consequência do abandono ou retirada da protecção dos defuntos já que o indivíduo não atende ao seu
chamamento ou desejo.

Essa suspensão da protecção não é, entretanto, uma punição. É, antes, a única forma que os antepassados
têm de chamar a atenção para a sua necessidade de contactarem com um seu descendente, pois perderam,

15
com a morte, a capacidade de comunicar directamente com os vivos e apenas o conseguem fazer através
da adivinhação, sonhos ou transe (GRANJO, 2010). Assim, o indivíduo possesso sente-se obrigado a
procurar ajuda junto de um médico tradicional experiente por meio de uma consulta (a consulta é feita
mais de uma vez) para saber da origem dos sucessivos problemas enfrentados. O nyanga, muitas vezes,
diagnostica a possessão pelos espíritos revelando assim a origem do seu sofrimento, a identidade do
espírito e os acontecimentos que legitimam o seu chamamento ou eleição, ou seja, o espírito revela que
pretende usar o possesso para o exercício da profissão de nyanga. Polanah (1987, p.84) defende que a
única forma do indivíduo curar-se da doença provocada pelos espíritos é faze-lo iniciar-se nas artes do
mistério do “curandeirismo” e só a sua submissão aos desejos dos espíritos é que poderá garantir o seu
apaziguamento dos males. Para Honwana (2002, p.87) partilha da mesma ideia e acrescenta que a única
forma para quem foi escolhido pelos espíritos é abandonar tudo e seguir o chamamento, caso contrário,
ficará doente para o resto da vida. Esta possessão pelos espíritos pode ser analisadas à luz da visão
religiosa bem como a visão tradicional. Algumas visões de certas igrejas defendem que os indivíduos
possessos sofrem de uma presença satânica. Já, do ponto de vista tradicional, essa possessão produz laços
entre os descendentes e os antepassados segundo Mutissi (2013, p.5 apud Polanah, 1967). Não só a Igreja
Católica, Zionista e Universal, por exemplo, defendem que estes indivíduos sofrem de uma presença
satânica com a solução na base da fé no poder de Deus, mas também as várias igrejas Cristãs e
Evangélicas que surgiram e continuam a surgir nos últimos tempos em Moçambique. Estas acreditam que
o indivíduo possesso pode ser salvo da morte e do profundo sofrimento sem precisar de atender ao
chamamento, mas sim com base na fé, no poder sobrenatural e força divina. Para este conhecimento
religioso não existe uma relação entre os vivos e mortos, os espíritos dos mortos estão com Deus e a
possibilidade de interferirem na vida dos vivos é impensável.

Mesmo com este posicionamento das igrejas, existem casos em que os espíritos são vigorosos e não
aceitam a solução religiosa, o caso do personagem da curta-metragem. Entretanto, existem situações de
pessoas que contam que o recurso a igreja Zionista tem funcionado. Aqui usa-se a negociação com os
espíritos para que estes resignem da pretensão de dar continuidade a profissão do nyanga e passem a curar
ou ajudarem as pessoas por meio da profecia na igreja. Contudo, Honwana (2002, p.90), diz que o
recurso a igreja Zionista não costuma resolver por completo o problema, o escolhido, após ser submetido
aos tratamentos administrados na igreja, poderá continuar doente.

Entretanto, Allan Kardec (2012, p.248), em sua obra “O Livro dos Espíritos”, explica que os espíritos dos
mortos acompanham-nos em todos os lados onde estivermos e tem a capacidade de saber o que pensamos.
E a influência dos mesmos em nossos pensamentos e acções é maior porque grande parte das vezes eles
dirigem-nos. Kardec (2012, p.121) avança ainda que, os mesmos espíritos têm o objectivo de cumprirem

16
a missão de Deus ao tomar corpos no mundo. E estas pessoas usadas pelos espíritos são consideradas
médiuns pelo facto de facilitarem a comunicação entre o mundo dos vivos e dos mortos. Podem ser
encontrados nesta categoria padres, pastores, nyamusoros, entre outros. Assim, Maria Cavalcanti (1983,
p.71 apud Mary Douglas 1960), clarifica que a possessão não pode ser confundida com a mediunidade.
Para ela, a possessão é o estado no qual o homem perde passivamente o controlo para o espírito, enquanto
a mediunidade é o estado no qual o espírito fala através da pessoa possuída e o grupo tenta obter do
espírito informação e poder. Os espíritos dos mortos exercem uma poderosa influência sobre os vivos e
por isso, para que haja harmonia, os indivíduos têm que os acomodar e seguir a sua vontade. Os espíritos
mais importantes são os dos anciões, os que em vida detinham posições superiores…o mundo espiritual é
uma continuidade do mundo dos vivos no sentido em que, mesmo após a morte, os mais velhos
continuam a orientar e controlar os seus descendentes. (HONWANA, 2002, p.53) O indivíduo possesso
na busca pela solução dos problemas que lhe afligem têm procurado ajuda junto da medicina
convencional, tradicional, nas entidades religiosas entre outras e cada uma delas interpreta o seu
sofrimento de acordo com as crenças, valores, hábitos ou filosofia que lhes guia.

O chamamento no contexto espiritual

De acordo com o Dicionário Aurélio de Português, chamamento significa fazer com palavras ou sinais
com que outrem venha, significa ainda invocar, escolher para desempenhar um cargo. Para o Dicionário
Porto Editora Infopédia define chamamento como solicitação, através da voz ou de sinais, da atenção ou
da aproximação de alguém, convocação ou invocação.

O chamamento no contexto da possessão espiritual pode ainda ser considerado como solicitação pelos
espíritos dos antepassados por meio de sinais tais como doenças, conflitos conjugais, problemas no
trabalho entre outros para servir aos mesmos por meio da profissão de nyanga, Daniel (2019). Existe uma
discordância entre a ala dos nyangas e religiosa em relação a definição do chamamento. Enquanto que,
para os primeiros o chamamento caracteriza-se por infortúnios e as vezes até morte para quem não atende.
Para a ala religiosa as pessoas não são chamadas pelos espíritos dos antepassados, mas sim por Deus. Para
estes, quando Deus escolhe chamar alguém, não o castiga pelo facto de ser seu filho, mas sim a pessoa
sonha a servir a palavra do Senhor por exemplo.

Doença do chamamento

Honwana (2001, p.87) olha para a doença do chamamento como uma doença grave, sintomática, ancestral
e que só pode ser curada através da iniciação a formação para tornar-se curandeiro. Falar da doença do
chamamento implica, falar de um campo multidisciplinar pelo facto de envolver as dimensões religiosa,
social, cultural, médica, antropológica, psíquica, entre outras. Falar deste fenómeno é mexer com muito

17
campos disciplinares, é falar da perturbação, da aflição e o desconforto que tem sido característico do
fenomeno. Importa sublinhar que falar da doença do chamamento é o mesmo que falar do chamamento
porque ambos caracterizam-se pelos acontecimentos que antecedem a formação do nyanga.

Documentário

A definição de “documentário” não é mais fácil do que a de “amor” ou de “cultura”. Seu significado não
pode ser reduzido a um verbete de dicionário, como “temperatura” ou “sal de cozinha”. Nichols defende
que o conceito de documentário não é completo, ele é vago e é sempre relativo ou comparativo. Para ele,
nem todos os filmes classificados como documentário se parecem. O autor avança ainda justificando que
a imprecisão na definição do documentário é resultado das constantes mutações das regras no processo da
sua elaboração, ou seja, o documentário não adopta regras estáticas para a sua elaboração (NICHOLS,
2010, p 47-48). Contudo, o documentário pode ser definido como uma representação do mundo em que
vivemos, ou seja, como um género cinematográfico que se caracteriza pelo compromisso com a
exploração da realidade. Mas dessa afirmação não se deve deduzir que ele represente a realidade tal como
ela é. O documentário, assim como o cinema de ficção, é uma representação parcial e subjectiva da
realidade. Para Cascais, documentário é trabalho de característica jornalística de longa duração e que
completa uma investigação, planificação, um guião, pós-produção e rodagem que estão fora da pressão da
actualidade (MARTINS, 2005, p. 17). Podemos perceber dos depoimentos dos curandeiros mestres e
formandos que todos passaram por algum chamamento caracterizado por inúmeros infortúnios para aderir
ao curso do curandeirismo, facto que justifica-se na sustentação de Honwana (2002, p. 87), quando refere
que o indivíduo escolhido para se tornar médico tradicional é atacado por uma doença (doença de
chamamento) grave sintomática ancestral e os swikwembu controlam o indivíduo através da mesma
doença que também se manifesta por sintomas físicos individualizados e/ou por acidentes frequentes. Este
facto é também defendido numa das entrevistas com uma antropóloga que refere por exemplo que os
primeiros sinais que depois se chama de chamamento, é como se o indivíduo estivesse a viver um
momento liminar, não está numa nem noutra situação. Está numa situação até ambivalente, numa situação
até ambígua de indifinição que depois precisa de um enquadramento. E ainda na senda do mesmo
pensamento, Granjo (2010) afirma que os espíritos que se manifestam por meio desta doença e criam
momento de dificuldades na vida do indivíduo obrigam-no a seguir a profissão por meio de uma
declaração dos mesmos e uma ameaça de morte caso recusem-se a atendê-los, o processo de chamamento
obedece um histórico familiar que deve ser analisado muito cuidadosamente para compreender os
diferentes sinais do fenómeno que se manifestam nas pessoas. E a doença de chamamento ganha
significados segundo diferentes visões: Para os antropólogos está associado a uma perturbação, culto de
aflição. Por outro lado é um momento de diálogo e negociação para iniciar uma profissão, neste caso o

18
curandeirismo comparado a alguns religiosos que passam a praticar a profecia para curar ou ajudar
aqueles que tem problemas sociais ou mesmo de doença.

Contudo uma das crentes da igreja Zione por exemplo, contou-nos que passou pelo chamamento e
recorreu a esta mesma igreja onde houve uma tentativa de negociação com os espíritos para trabalhar por
meio da profecia. Esta iniciou-se ao ministério de cura e virou profeta, mas reconheceu que os problemas
não encontram uma solução definitiva nesta igreja, facto que encontra sustentação em Honwana (2002,
p.90), quando diz que o escolhido, após ser submetido aos tratamentos administrados na igreja Zionista,
poderá continuar doente.

Percepções religiosas no contexto dos chamamentos espirituais

Os religiosos apresentam uma contradição entre eles, pois uns negam a existência da relação espírito e a
pessoa viva. Para este religioso, a pessoa quando morre o espírito se separa do corpo e vai ficar com
Deus, portanto não há relação do que faz na igreja com os espíritos dos seus antepassados. Este vai longe
quando afirma que essas interpretações têm a ver com a ignorância sobre a leitura que as pessoas fazem
em relação a vida. Outro religioso define o chamamento como algo divino na qual a pessoa sente uma
vontade extraordinário de fazer algo e procura formas de perceber como é que sente esta vontade. Este
não clarifica como é que este potencial de fazer coisas acontece na sua vida, mas Kardec (2012, p.121)
sustenta que, os espíritos têm o objectivo de cumprirem a missão de Deus ao tomar corpos [de pessoas]
no mundo.

Por sua vez a psicologia segundo a entrevistada define o chamamento como uma categoria das psicoses
que apresentam sintomas que podem ser caracterizados por delírios e que podem ser tratados. No que se
refere aos sinais, trajectória do processo de chamamento e suas consequências em caso de não
cumprimento do chamamento apesar de alguns dos entrevistados não descrevem a doença de chamamento
como um processo que estabelece relação entre os vivos e mortos, a maioria explicam as trajetórias
acompanhadas de sinais da doença. Outros sinais de chamamento são: Falar sozinho, mal-estar, viver uma
situação de indefinição ou ambivalência na sua vida, ter um “apagão” que tem a ver quase com uma
paragem de consciência, não pensar nada, factos sustentados por Honwana (2002, p.88) a possessão pelos
espíritos é um processo violento, que implica o deslocamento temporário da alma (ou essência) do
indivíduo possuído e a consequente substituição pela alma de outrem; ainda constituem sinais do
chamamento conversa com espírito que em psicologia pode ser classificado de delírio. Entre Sinais e
processo ou trajectória do chamamento não encontramos uma separação visto que os sinais fazem parte
do processo ou trajectória. Se o chamado não perceber que os problemas sociais, as doenças que

19
acontecem na sua vida estão ligados aos espíritos, continua a sofrer procurando solução desses problemas
no hospital, nas igrejas até mesmo nos tinyangas.

A origem dos espíritos

Granjo (2010) sustenta que, tal como em outros países do mundo, está figura do nyanga ou médico
tradicional assumiu um papel fundamental de “prestação de cuidados de saúde, na regulação de incertezas
e dos problemas sociais dos seus utentes”. Honwana (2002, p. 266) acrescenta que os mesmos indivíduos
e grupos sociais, para além de procurarem os médicos tradicionais para o tratamento de várias doenças,
buscam também a protecção contra os perigos da vida e o seu equilíbrio.

Os nossos entrevistados partilharam ainda que na tentativa de fugir ao chamamento, algumas pessoas
acabam ficando deficientes, separam-se involuntariamente na relação conjugal, pode morrer algum
membro da família, irmãos ou irmãs dos chamados não casam. Para dizer que há um grande sofrimento
nas famílias quando há tentativa de não cumprir com o chamamento. E a única forma de resolver este
problema de acordo com Polanah (1987, p.84) e Honwana (2002, p.87) é iniciar-se ao curandeirismo ou
atender ao chamamento dos espíritos dos antepassados. Um um outro dado constatado por (Daniel,
2019), é sobre a origem ou proveniência dos espíritos. Dos entrevistados por ele, dois relatam que os
espíritos são provenientes da linhagem do pai ou da mãe. Um caso é que vem das duas linhagens, pai e
mãe.

Esta constatação justifica quando teoricamente se diz que o processo de chamamento deve ser entendido
dentro do contexto familiar e cultural de cada família. Por outro lado também justifica a teoria de que a
selecção da pessoa é feita por uma entidade espiritual com ligações familiares ou de um passado de seus
familiares que tenham-se envolvido com outras entidades espirituais fora do contexto familiar. E esta é
considerada por Honwana (2002, p. 82) como sendo a forma legítima de aquisição do poder espiritual dos
antepassados para o exercício da profissão de nyanga pelo facto dos espíritos fazerem a selecção entre a
família consanguínea, independentemente do sexo, idade ou geração.

” Na perspectiva de sua reflexão ética, Spinoza, antes de Nietzsche, mostrou o caráter


ilusório do Bem e do Mal como valores absolutos. Ele os redefiniu como valores
relativos - o que é bom ou mau para mim - operando assim uma inversão radical com o
idealismo grego para o qual o Bem é uma idéia absoluta, isolada do mundo, ou da
natureza. Ele se afasta assim da filosofia de Platão, que defende uma idéia do Bem para
o qual a razão humana deve se elevar e que só ela é capaz de inspirar e orientar nossa
ação. “ Malkin (s/ano)

Os novos puritanos gostariam de submeter a sociedade a um ideal de pureza que não só é inatingível
como antinatural, inventado por homens que estão doentes e presos pela sua impotência.

20
Conclusão

As tradições culturais, incluindo a percepção do papel atribuído aos antepassados, afectam as relações de
género no lar. As dificuldades económicas comprometem a capa- cidade dos homens de alcançar uma
masculinidade socialmente reconhecida, Barker, G. et al (2017).

Quer o cristianismo, quer o islamismo, afirmam ser religiões reveladas. Mas jesus disse que a mensagem
que por ele pregada não era sua, mas de Deus, Aziz-Us-Sámad, (s/ano).

A sua moralidade «supérflua» distingue duas realidades e nos separa da vida, eles gostariam de ser
capazes de distinguir entre corpo e consciência, natureza e desejo, com o seu sistema, os valores já não
derivam de um instinto de sobre- vivência, mas de uma vontade de autodestruição ou, para colocar nas
palavras de Nietzsche, de uma «negação da vida». Isto deve ficar claro para aqueles pregadores da virtude
que sonham em cortar a humanidade dessa parte essencial do desejo. Esquecem que o homem é feito de
paixões diversas e contraditórias. O mundo que eles gostariam de criar, pelo contrário, é uniforme,
Malkin (s/ano).

As suas conquistas podem te tornar a sua condenação, todos os povos têm tido regras semelhantes para
preservar a sua existência face a ameaças externas. Dores e sofrimentos são sempre inevitáveis para uma
grande inteligência e um coração profundo, disse, Fiodor Dostoievski.

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