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Introdução
Desde os tempos imemoriais, o homem busca, na natureza, por recursos que melhorem sua condição
de vida a fim de aumentar suas chances de sobrevivência através da melhoria de sua saúde. Em todas
as épocas e culturas, ele aprendeu a utilizar os recursos naturais para esta finalidade. Segundo
informações da Organização Mundial de Saúde1, 60% da população mundial utiliza medicamentos
tradicionais, baseados em uma história de utilização prolongada, com frequência milenar 2. Entre as
práticas consideradas tradicionais, destaca- se o uso de produtos à base de plantas medicinais.
Apesar de sustentar-se em história milenar, a infraestrutura para a pesquisa em medicina tradicional
está muito menos desenvolvida que a de medicina convencional. Apenas 25 dos 191 países membros
da OMS têm desenvolvido políticas referentes à medicina tradicional e/ ou complementar e
alternativa, sendo que o Brasil não se encontra envolvido neste pequeno grupo 1.
Entretanto, tem havido um apelo insistente e crescente, nos dias atuais, para que se determine a
inocuidade e eficácia desta prática, sendo destacado como importante que se preste apoio à criação de
infraestrutura apropriada no âmbito acadêmico e em outras instituições 2.
O uso da medicina tradicional e das plantas medicinais tem sido amplamente utilizado para a
manutenção da saúde. A grandeza da biodiversidade brasileira não é conhecida com precisão, tal a sua
complexidade, estimando-se a existência de mais de dois milhões de espécies distintas de plantas,
animais e microrganismos. O Brasil é o país com maior diversidade genética vegetal do mundo,
contando com mais de 55.000 espécies catalogadas de um total estimado entre 350.000 e 550.000
espécies3. Até a primeira metade do século XX, o Brasil era essencialmente rural e usava amplamente
a flora medicinal, tanto nativa quanto introduzida. Hoje, a medicina popular do país é reflexo das
uniões étnicas entre os diferentes imigrantes e os inúmeros povos autóctones que difundiram o
conhecimento das ervas locais e de seus usos, transmitidos e aprimorados entre as gerações 4. A
fitoterapia poderia ser mais amplamente aplicada na medicina preventiva ou em conjunto com a
medicina convencional5.
Dentro deste contexto, esta revisão apresenta o uso de plantas ou compostos químicos derivados de
plantas, que possuam comprovada atividade anti-inflamatória e/ou ação na fisiopatologia da dor com
potencial uso terapêutico, mostrando sua viabilidade e reforçando suas vantagens sob o aspecto de
cura.
Esta revisão tem o objetivo de relatar, de forma sistematizada, a ação fitoquímica, a fisiopatologia e o
uso terapêutico de espécies vegetais com potencial medicinal relacionado a síndromes dolorosas e
inflamação, através de pesquisa realizada nas bases de dados Medline, Cochrane e Lilacs.
Prímula (Oenothera biennis), Borragem (Borago officinalis L.), e Groselha Negra (Ribes nigrum L.)
A prímula, conhecida também como prímula da tarde, é uma planta nativa norte-americana, sendo o
uso terapêutico herdado da medicina indígena. Esta planta tem sido tema de centenas de estudos
científicos, o que tem tornado um dos fitoterápicos mais largamente prescritos na fitoterapia norte-
americana. O óleo da semente de prímula apresenta uma grande quantidade de ácidos graxos
essenciais, em especial o ácido gama-linolênico (GLA), responsável pela atividade terapêutica. O
GLA está envolvido na biossíntese de prostaglandinas, com redução da inflamação crônica, sendo
capaz de reduzir edemas, além de apresentar atividade antioxidante 21. Além disso, o óleo de prímula
apresenta como propriedade a capacidade de inibir a cicloxigenase, envolvida na síntese de citocinas
pró-inflamatórias, além de combater o estresse oxidativo 22. Este fitoterápico contém uma
substância denominada 3-O-transcafeool, derivado dos ácidos betulínico, morólico e oleanólico. Esses
terpenos lipofílicos pentacíclicos apresentam propriedades de combater os radicais livres, inibir a
cicloxigenase e o neutrófilo elastase23. Horrobin24 realizou revisão sobre as sementes da prímula na
reumatologia e concluiu que o GLA tem uma grande possibilidade de, futuramente, ser o fármaco de
escolha para o tratamento de enfermidades reumáticas. O óleo das sementes de borragem e groselha
negra, ambos da família Glossulariaceae, também são fontes interessantes de GLA. A revisão de
Newall25 avaliou os resultados encontrados em 5 estudos clínicos, duplo-cegos, controlados por
placebo, que avaliaram a eficácia destes óleos ricos em GLA em doenças reumáticas, sendo que 4
deles apresentaram resultados satisfatórios. O emprego desses óleos em várias doenças associadas às
baixas concentrações do GLA foi extensamente investigado e a literatura é farta. Atualmente, estão
sendo aguardados os resultados em seres humanos que comprovem a sua eficácia no tratamento de
várias afecções clínicas, dentre elas as afecções reumáticas25. Além da quantidade interessante de
GLA, foram identificadas 15 estruturas de antocianidinas no extrato da groselha negra, sendo esta a
classe de flavonoides mais importante de pigmentos nas cores rósea, vermelha, roxa, azul e púrpura,
que conferem importante ação antioxidante no organismo 26.
O ácido boswéllico, isolado da resina da Boswellia serrata e identificado como o princípio ativo deste
fitoterápico, inibe a síntese de leucotrienos via 5-lipoxigenase, sem afetar a 12-lipoxigenase, as
atividades da cicloxigenases e a peroxidação do ácido araquidônico.
Sendo assim, a boswellia é considerada um inibidor específico da síntese de leucotrienos por ação
direta na 5-lipoxigenase ou por bloqueio de sua translocação 8. Sendo assim, considerando-se que
uma série de doenças inflamatórias está associada a este aumento de leucotrienos, ensaios clínicos têm
demonstrado efeitos interessantes da utilização da Boswellia serrata em tratamentos de artrite
reumatoide, colites crônicas, colites ulcerativas, asma brônquica e edemas peritumorais cerebrais 29.
Sander et al.30 verificaram que o extrato resinoso da Boswellia serrata diminui a síntese de
leucotrienos em pacientes com doença de Crohn. Gerhardt et al. 31 verificaram ainda que este efeito
terapêutico na doença de Crohn é semelhante ao tratamento com o medicamento mesalazina.
Apesar do principal efeito parecer estar relacionado com a inibição da 5-lipoxigenase, são levantadas
também outras possíveis atuações desta planta, como sobre as citocinas (interleucinas e TNF-α) e
o sistema complemento, sendo o leucócito elastase e os radicais de oxigênio os alvos de ação da
boswellia32. O TNF-α é um dos mediadores inflamatórios mais conhecidos. A sua relação com a
inflamação se deve a sua grande capacidade de induzir a expressão de moléculas de adesão como a
VCAM-127. Evidências em estudos com animais e humanos mostram um possível papel dos extratos
da goma de boswellia no tratamento de câncer, além do conhecido papel no combate à inflamação.
Dependendo do tipo de célula e da estrutura da boswellia, os compostos reagem de forma diferente,
interferindo tanto nas vias de transdução de sinais, como o cálcio, como com a sinalização
da MAPK em diversas células sanguíneas. Tais questões, muito relacionadas ao processo funcional
celular, tornam-se importantes para as reações inflamatórias e o crescimento tumoral 33.
Roy et al.27 realizaram estudo com o objetivo de fazer um screen genômico dos genes humanos
induzidos pelo TNF-α nas células microvasculares. Como resultado, verificou-se que dos 522 genes
induzidos pelo TNF-α, 113 genes responderam ao tratamento com extrato de boswellia, estando estes
diretamente relacionados à inflamação, adesão celular e proteólise. Após análises, observou-se que a
boswellia foi capaz de prevenir a expressão da matriz das metaloproteinases induzidas pelo TNF-α,
bem como a expressão dos mediadores da apoptose. Além disso, foi demonstrado que a boswellia foi
capaz de prevenir completamente a expressão do gene VCAM-1, potencialmente induzido pelo TNF-
α 27.
Conclusão
Com as políticas de resgate de práticas tradicionais e o incentivo a técnicas complementares, o uso
de fitoterápicos ocupa lugar de destaque, tanto por ser de baixo custo e fácil acesso à população,
quanto pela sua efetividade. O potencial da flora brasileira neste sentido é enorme e ainda pouco
explorado. As plantas medicinais proporcionam ativas para tratamento
de casos agudos e crônicos de traumas, afecções articulares e inflamação.
Nesta revisão, observou-se que diversos fitoterápicos apresentam ação terapêutica eficaz nas afecções
agudas e crônicas de traumas, afecções articulares, síndromes dolorosas e processos
inflamatórios. Ainda existem muitos questionamentos a serem respondidos, e mais pesquisas in vivo e
in vitro são necessárias para maior detalhamento dos diversos mecanismos de ação. Além disso, são
necessários estudos para se estabelecer uma possível toxicidade e uma definição mais concreta de
dose-resposta para estes fitoterápicos.
O conjunto destes resultados deve permitir um perfil de espécies para uso nas algias e contribuir para
o direcionamento de pesquisas nesta área, culminando com o desenvolvimento de fitoterápicos de
qualidade e validados para uso terapêutico. Importante destacar que o profissional nutricionista deve
respeitar a legislação vigente para realizar a prescrição fitoterápica, além de estar capacitado para tal,
considerando- se que a grande maioria dos fitoterápicos apresenta importantes interações com outros
medicamentos e nutrientes, que não podem ser esquecidas.
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