Você está na página 1de 107

P. Pres. Vl 1

003
v.2
Ex.2 •



~ fRf~ · V'- . OO? V ,2
•• •

1t' 'él> Çy._ 1



• • •



• •

• •



I








1


1
• •

-

2, o VOLUME::


Museu Vil/a-Lobos. 1966



• •
'










• • •

• ....



- I



• •

-



'




-


2,o VOLUMI:::



Museu Villa·Lobos. 1966


O interf"e despertado pelo primeiro volume de «Presença de


Villa~Lobos» snimou~nos A publicação de mais uma preciosa cole-
tânea apresentada, semanalmente, no programa que dirigimos na

Rlidio Ministério da Educação e Cultura €Ville~Lobos, au8 vida,


s 1U1 obra>>.
N este volume estão contidos não sõmente escritos especiais,
'

mas também todo o documentário de relêvo transmitido r.11qt1ele



programa que leva aos ouvinte11 do Brasil fatos inéditos da vida
• da obra de Villa~Lobos, Patrono que orgulha êste Museu.
'

A DnmçÃo



.

-

MUSEU V\LLA • LOBOS


BiBLiOTt:.CA
'
REG. Nº 16j olf ,·

• •

'

'


iNDICE

P á g s.
A d h em ar A lv es d a N ó b re g a . . . . . . . . .

. . . .. .. . . . . . . . .. ... . . . . . . . . . 9
Amalia B ã z a n • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
• .
. . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . 13
A m ar y li o d e A lb u q u er q u e . . . . . . . . . . .
........................... . 15
Anis1. 0 Te1·xe.1ra . ....: r-; -' • • • • • • • • • • • •
•••••••••••• • •• •• •• • •••••••••••••
17
A rm an d o V id a l Leite R ib e ir o . . . . . . .
........................... . 21
C ac il d a G u im ar ãe s F ró e s . ..
. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 27
Ca.Ideira Filho . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
........ ..................... 33

C a m a rg o G u a rn ie ri . •· . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . .. . . .. . . .. ... . . . . . . 35
C ar lo s D ru m m o n d de A n d ra d e . . . . . . .
. . .. . . . .. .. . ... ... . . . . . . .. . . 37
C ar lo s d o s S a n to s Vera/; . . . . . . . . . . .
... ... ... .. .. .... ... ... ..... 41
1 Cirilo Grassi D ia z .. .. .. .. .. .. .. .. ..
.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 43

C o el h o N e tt o . ..
.. . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
. .
C ri st in a M a ri st a n y . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . ... .. . . . . . 55
D en is K al i L a ra • • • • • • • • • • •
• • • • • • • • • • • • • • •
••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 57
E d m u n d o ·L y s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
. .. 61
- E le a z a r d e C a rv a lh o . . . . . . . . . . . . . . .
........................... . 63
E ls a C a lc a g n o . . . . . . . . . . . . . . . . . .
..
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
E ro a n i B ra g a • . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
E u g en e O rm a n d y . . . . . . . . . . . . . . .
.
. . . . . ... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
E u ri co N o g u e ir a F ra n ç a . . . . . . . . . . . .
• • .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. 75
.
G er al d o Q u a rt im • . . . . . . . . . . . . . .
. ..
. . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Guilherme C a o e d o d e M a g a lh ã e s . . . .

........................... . 79
Heitor Villa~Lobos • . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . 35, 87, 91, 93, 95, 9 7 101
Heli M e n e g a le • . .. .. .. .. .. .. .. .. ..
.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 107

• •

• •
Págs. •
-
'•
" foão ·ltiberê da C11nha ..................... · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 109
\li Jorge D'Urbano . . ........................ · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 113

·' J
~ OSé Kl"ass
1 • , , . , , , , , , . , .. , . , · . , , , , • · · • • • • ····· ·· ······ ········
115

~ Jo~é Maria Fontova . . ........... · .. · .. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 117

' Laur"ndo Alme1"da


'-.\ 1 • • • • . • • • • • • • • • • • • . • . • • • • . . • ·················· 119 ·O ARTESANATO MUSICAL DE VILLA-LOBOS
- • •

Leonard Bernstein . • • • • • • • • • •• • •• • • • • •• • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • 121

' L·18 Cavalcanti · ······ ····· ········ 123 ADHEMAR ALVES DA NóBREGA
~ , • • • • • • · • • •• • • • • · • • • • • ' • ' ' • ·

125 •
., J,·,ma Rodr1·gue""
.... ---- #,,/ •••••••••••••••••••••• · · · , · · · · · · · · · · · · · · · · · · •· · •
Luiz Heitor Corrêa de Azevedo ................. · · · · · · · · · · 129 133
137 TODOS quantos ·d êle se aproximaram e procuraram compreen-
"" Magdalena Lebei.s . • • • • • • •• • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Manoel Antônio Braune . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •


139 dê-lo, Villa-Lobos comunicou impressões profundas, nascidas da ad ...
,/
\ 143 miração pelas suas generosas qualidades humanas ; das emoções
Maria Luiza Anido • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• •• • •• • • • • • • •
suscitadas pelo impacto das suas grandes obras ; da sua contagian-

Mario de Andrade . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• •• • • • • • • • • • • • • • • • • • 145

te exaltação ao tratar dos assuntos que lhe eram mais caros ao
~ Mario Guimarães . • •• ••• 149


• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
coração ; do choque da sua irreverência ante os falsos valores e
Menotti dei Picchia . • • • • • • • • • • • • • • ••• • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • 155 157 medalhões e ao mesmo tempo da sua cristianíssima atitude de com-
\ Mindinha . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 161 preensão para com os humildes que buscavam, honestamente, abrir
o seu próprio caminho.

;:. Murillo Araujo . . . . ..• . . . . . . . . . . . . . . • • • • • • • • • • • • • •• 165 • • • • • • • •
167

·'" N1·colas LamuragJ1·a . . . . . . . .. . . . . .. . . . .. . .. . . . . · · · · · . · · · · · · · · · · · 169 Estas são algumas das virtudes que aureolavam sua persona-
171 lidade ímpar de artista e que, juntamente com sua obra de com-
~ Octavio Bevilacqua . . ......................... · · · · · · · · · · · · · · · · · •


positor, lhe abriram as portas do coração de muitos que com êle
~ Paulo Mendes Campos . . .................. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 173
•• conviveram .
\ P1"erre V1ºdal • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • ······················ •
177
Ao lado dessas impressões que tive a felicidade de sentir nos
181 -
:. Pontes de Miranda • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
muitos anos que com êle trabalhei e durante os quais muito apren-
.::, Rodo! pho Ariza g a . • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 185 di, uma outra impressão me ficou aparentemente irrelevante, mas
~ Ronald de Carvalho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• •
]87 • igualmente perdurável e válida como testemunho sôbre um artista:
~ Rossini Tavar.es de Lima ..................... · . · · · · · · · · · · · · · · · · 193 a da sua admirável disciplina artesanal, de rigor quase acadêmico.

ih .
T ur10 sano
t s ............................. . • • • • • • • • • • • • • • • • • • 203 • Costuma-se formular em espíritos menos avisados o precon-
ceito de identificar o artista impulsivo, de temperamento forte ou
agressivo, com uma certa ausência ou frouxidão de disciplina de
trabalho. Assim, o artista cuja obra é marcada por ímpetos, cla-
.cões e arrebatame:µtos, como Goya, Byron ou Beethoven1 produzi.;
ria mergulhado numa atmosfera ideal de embriaguez, como simples·

instrumento de providência, enquanto a: mão corre célere, esbo~

• •


10 11

çando na tela a obra-prima, elaborando o poema imortal ou arqui- <.lo pouca fidelidade de intérpretes estrangeiros : <<Ü que acontece
tetando a sinfonia que marcará época na história. Poucas pessoas advertia êle é que nem todo mundo escreve exatamente o
se podem gabar honestamente de ter escapado, em alguma fase da 1111 pensa e uma boa orquestra, embora toque tudo o que está
vida, a êsse preconceito, que muitos livros, vez por outra, e o cine- srrito, não tem obrigação de adivinhar>>.
ma, sistemàticamente, se encarregam de difundir. Estas preocupações do compositor, embora não digam respeito
A música, que tem um artesanato penoso, de muitas l1oras de <>H nlto desígnios de sua arte, valem como testemunho do aprêço
trabalho paciente para proporcionar a fruição de alguns minutos 111 • êle dava aos problemas da prática musical, tão dignos de
de prazer estético, é incompatível com essa idéia e Villa-Lobos j1fcnc;ão qua ndo se vinculam às solicitações expressivas. Sua evo-
desmentia, com o seu meticuloso trabalho de artesão, semelhante 1 ,1ção, que pode valer como advertência aos compositores jovens

fantasia. ,1 hoje, me parece pertinente nesta série dedicada a <<Villa-Lobos,
O fato de produzir muito e escrever depressa, em meio a con- 11,1 vida, sua obra>>.
dições desfavoráveis, não infirma o ponto de vista aqui defendido.
Num plano muito mais modesto, a rendeira, cujos dedos se movem
céleres, trocando bilros e marcando pontos com alfinêtes, causa es-
panto ao observador pela segurança e pelo desembaraço com que
produz seus preciosos rendilhados e figurações. Mas, para atingir
a êsse virtuosismo, é preciso encanecer curvada sôbre a almofada.
E ninguém se escandalize da comparação, pois Villa-Lobos, que
era dono do seu <<métier>> e falava de cadeira, comparava a arte
do orquestrador aos requintes do cozinheiro que, após adicionar
um nôvo tempêro ao seu prato, prova-lhe o enriquecimento do
sabor, refugando ou adotando o nôvo condimento. .
O que explica a sua facilidade espantosa, que para muitos
outros seria fatal, é que, com sua longa e ininterrupta atividade
criadora, já havia incorporado ao seu repertório muitas fórmulas •

para resolver problemas novos. E, além do mais, o talento cria- -


dor também conta para atingir àquêle resultado.
Suas obras, entretanto, ostentam recursos caprichosos de es-

crita funcionalmente expressivos, como, por exemplo, síncopas gra-
fadas com sutis diferenças dos padrões habituais, visando a ob-
ter da execução a tradução fiel do seu pensamento ; meticulosa •

-e scolha de sinais de acentuação, com o fim de reclamar, do intér-


prete, a graduação dinâmica desejada; a disposição das idéias
musicais prevalecendo sôbre o convencionalismo da barra de com-
• passo ou a mudança sistemática do compasso em função das idéias,
como ocorre na Bachiana n9 5. Lembro-me de que Villa-Lobos
costumava dizer, a propósito de compositores que se queixavam

-


HEITOR VILLA-LOBOS

'
• AMAUA BAZÁN { *)


NUMEROSA, original e extraordinária produção musical d~
Villa-Lobos. rica em matizes e profunda em vigorosa técnica, te111
a inspiração na raíz folclórica do Brasil.
Talvez dessa amálgama adquirida pelo requinte de sua com-
posição e a origem que envolve o mais variado, compelxo e bri-
lhante folclore do continente americano, é que recolhemos hoje o
fruto de u.m gênio musical.
Tôdas as influênàas migratórias que gravitaram na música
brasileira, tais como, a ibérica, a portuguêsa, a africana, a euro-
pé.ia. etc., e se uniram ao lirismo nativo do selvagem, tiveram em
Villa-Lobos o músico que soube plasmar-se na música superior.
Nela podemos ouvir o grito instintivo da selva ou o canto penoso
no trabalho pesado, a superstição de um povo ou a magia do índio.
-
Em sua música de canto de câmara se refletem as inspiradas
vivênàas referidas e, por exemplo, em suas modinhas captamos
·m sua suave e elevada melodia seu íntimo triste e sentimental.
As congadas, os batuques, as macumbas e os candomblés


· m sua raíz religiosa, incorporados pelo negro à música popular,

ncontraram em Villa-Lobos o intérprete na música erudita, tecni-


, mente insuperável e musicalmente genial.
O lundu que daria lugar ao samba popular foi traduzido em
1bras que combinaram a emotiva expressividade com a avançada
11 ,rmonização.

(* ) Cantora Argentina .

• •

• •
-
14: -

"t uma bagagem que abrange pràtica~


Lega~nos o composi or - - . - fonias quartetos, poemas
• eros musicais . sin ,
mente to d os os gen - . lão oratórios e óperas.
. posições para piano, v10 ,
sinfônicos, trios, com , . d B asil com magistral pro~
. fluência na musica o r
E culmina sua in. . , ica,
. f orma ndo escola de músicos
0
e chegando a desempenhar a unçao O CANTO DO PAJÉ
Musical. .
- é possível. todavia, sintetizar a enu~ •

Em poucas pa1avras, nao _ . AMARYLIO DE ALBUQUERQUE
eração de sua tão extensa produçao musical . .
m f· que temos
Porém, o que já foi expresso, impli~a. em a irmar
em Villa~Lobos, o maior músico da America.
E NTRE as inúmeras e variadas características da alma de Villa~
J,obos, uma se destaca, particularmente, dando-lhe contornos de
11111 t a utêntica metempsicose - o seu indisfarçável amor ao índio.
Tudo nêle lembrava um morubixada civilizado. Desde o
., J' cto viril e por vêzes agressivo, às tendências inatas da simpli-
• l1l 1de de maneiras no seu comportamento diuturno. Não era da-
1111 1 s que se entregavam ao primeiro que passasse. Desconfiado
'
11111· ste, não se rendia às lisonjas dos aduladores, antes os tra-,

, 1,,v 1, s vêzes, cotp dureza.


' 1,em~se a impressão ao ouvir suas músicas, que o grande
'
tr sul~americano foi buscar sua mais alta inspiração nos mo~
1 11 111tóctones, como se tivesse por bêrço as regiões misteriosas
'
111111· 11 bitavam nossos antepassados. '

Nilo se pode compreender, senão pela teoria da transmigra-
' '' 1 alma, como um filho de uma das cidades mais civilizadás
li, tivesse procurado, deliberadamente, para exteriorizar
11 ,1 1r t· , tantos e tão variados motivos indí,g enas .

'
Jl 11· a fixação dêsse aspecto, bastaria a.o observador, por mais
'
1 1v , ido q11e fôsse, deixar~se conduzir pela mão do artista aos

1 ,1111 1 11de os filhos da selva se localizaram e sentir, ao embalo
11 , 11 s dutora de sua arte, a grandeza soberba do Amazonas,

111 1111 1>ll ida de espantosa de sons da floresta virg em, onde a na~
., 1~11· s te plasmou, com o potencial arrojado da criação, um.
, 11, I,, 1111 oind.a hoje resiste à audácia dos conquist~dores .

'
16 -

Foi precisamente aí que êle fixou sua tenda de campanh~,


deslumbrado ante o espetáculo soberbo que os seus olhos descorti-
navam. E então. com a chama do gênio a conduzir-lhe a alm_a
sonhadora, abismou-se, por inteiro, na contemplação das sonori-
dades nativas. •

Era, então, um Pero Vaz Caminha redivivo, que seguia pela


HOMENAGEM A VILLA-LOBOS ( *)
terra desconhecida, on~e até agora nenhum outro ousou penetrar,
para enviar aos seus irmãos de outras paragens menos agrestes
a correspondência musical que o outro, em cartas, _endereçava ao
ANISIO TEIXEIRA
Rei de Portugal, assim se expressando: <<Senhor, posto que o Ca-
pitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a
Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra n~va. qu_e
agora esta navegação achou, não deixarei de também dar ~isso mi- aqui reunidos para dizer a Villa-Lobos a nossa pala-
STAMOS

nha conta a Vossa Alteza. assim como eu melhor puder, ainda ~ue vra de emoção e agradecimento à resposta oferecida pelo seu gênio
_ para O bem contar e falar o saiba pior que todos fazer l ao extraordinário fenômeno histórico, que foi o regresso de Israel
à sua terra prometida.
Autêntico e inimitável, percorreu Villa-Lobos cantando a flo-
resta bravia em busca dos seus segredos milenares. que se perdiam Vivemos, permanentemente, suspensos de um presente, que é
na indiferença dos menos avisados. A sensibilidade aguçad_a . do a junção entre um <<teimoso>> passado e um <<insistente>> futuro.
artista sentiu, desde logo, que aí estava autêntica a sua mu_sic~.
imune aos pecados da civilização. Deu-lhe, então corpo, :itali- Há momentos, entretanto, em que essa junção se ilumina e se
dade, estrutura duradoura e forma definitiva, para que pairasse expande, fazendo do presente uma cena siderante de todo o pas-
acima das humanas contingências. sado numa projeção para o futuro. ~ste foi o caso de Israel,
Aí estão, para ilustrar êsses raciocínios, <<Sume Pater, P~-

quando as circunstâncias históricas lhe permitiram realizar, depois
trium», <<Ü Uirapuru», <<Erosão», <<Papai Curumiassu~. <<Nozan1- da dispersão milenar, a reintegração miraculosa de todo seu gran-
ná», <<Ena Mokcê», «Xangô»,. «Iara», «Nhapope>. de, rico e doloroso passado no presente tão densamente repleto

Que Deus O tenha no seu Reino de Sonho, índio bom na mú- de promessas dêsse pequenino e ardente povo.
A Pátria é um programa de futuro baseado em um passado.
to do Pajé>. •


orno em tantas outras cousas, o povo judeu também nisto é um
professor de humanidade. Em nenhum outro povo a experiência
la pátria foi jamais tão pungentemente vivida. A sua história,
I to é, a continuidade entre o passado e o futuro realizada num
Jlresente, foi para êsse povo único, não a dádiva generosa e gra-
l L1ita do Tempo, mas a obra da vontade, do ardor, da pertinácia e

( •) Discurso proferido no Centro Cultural Brasil-Israel a 27/10/1954 .


18 - 19 -

da devoção, contra a dispersão, o fragmentarismo, a rutura mais A ardente iniciação "do Brasil tão repassada de traços de cu} ..
intensa e mais extensa que se poderia conceber entre passado e tt1ra e sensibilidade e tão aberta para todos os apêlos da civiliza..
futuro. r;fio há--de sempre ver em Israel o professor de vigor, de tenaci-
No momento em que todo o intrincado tecido da história e do (lnde, de humanidade e de destino, que tem sido, através dos tem ..
tempo permitiu que, de nôvo, a unidade se restabelecesse e o pre.- pos, êsse pequenino povo viril e sábio.
sente do povo judaico voltasse a constituir o pequenino ponto lu .. O Centro Cultural Brasil.-lsrael, instituição proposta à tomada
minoso entre as sombras percebidas, graças à luz do passado e as 11 consciência dessa aproximação entre os nossos dois povos. não
perspectivas também por êle, presente, iluminadas do futuro, a JJ deria deixar de vir hoje prestar a Villa.-Lobos esta homenagem,

sensibilidade do artista brasileiro, tocada, como o povo judeu, dêsse c1t1e é a homenagem comovida de nosso agradecimento pelo seu
-
agudo sentido de história, respondeu ao apêlo do acontecimento 111ilagre de dar expressão com o seu poema sinfônico ao
l)II C é, essêncialmente, inefável, a misteriosa e profunda harmonia
inaudito com a linguagem única com que poderia o homem res ...
pondê--lo, a da música. A história havia realizado, com a cola .. 111tre Israel e Brasil ...

boração do povo mais significativamente simbólico de todos os


povos da terra, uma obra de arte, juntando em ardente unidade
os pedaços dispersos de uma raça, de uma cultura e de uma gente.
Essa criação artística da história repercutiu nesse outro instrumento
maravilhoso de criação que é VilJa.. Lobos, levando--o a escrever o
seu poema sinfônico <<Odisséia de uma Raça >>. Israel é um ponto
de encontro entre o jovem Brasil ensaiando seus passos na cultura
universal e o pequenino Israel todo êle uma soma de milenar cul--

tura humana. Impossível deixar de ver em tal encontro entre Is--


rael e o Brasil algo de simbólico.
As relações culturais entre os dois povos, um nascendo para
a civilização e outro renascendo das cinzas do mais longo passado
civilizado do nosso mundo ocidental para a aventura nova do fu .. -
turo, jamais poderão ser convencionais. Algo nos reúne muito
intimamente, algo como se fôsse um sentido comum da história
e do tempo. um parentesco de sensibilidade, que ficou marcado
para todo o sempre nesse encontro do mais brasileiro dos artistas
brasileiros Villa--Lobos com a mais jovem das nações do
mundo, constituída de um dos seus mais antigos povos .


'

VILLA-LOBOS NOS ESTADOS UNIDOS EM 1939 E 1940

ARMANDO VIDAL LEITE RIBEIRO

1938 o Brasil preparou para a Feira de Nova York, com


L... M
projeto de Lúcio Costa e Niemeyer, um Pavilhão que era o sím-
bolo da moderna arquitetura brasileira. Como demonstração da

arte brasileira figuravam no Pavilhão 3 murais de Portinári e di-
versas esculturas, e, para apresentação na exposição anexa à Feira,
no Riverside Museum, foram levadas telas de 37 pintores e diver-
sas esculturas.
Na qualidade de Comissário-Geral do Brasil resolvi fazer na
Feira uma demonstração da música brasileira especialmente a mo-
<l erna através de discos e coleção de partituras.
A pedido meu, o Reitor da Universidade do Brasil Prof. Lei-
tHo da Cunha indicou-me os Professôres Guilherme Fontainha e
- Luiz Heitor para orientação do programa.
Villa-Lobos e Mignone prontificaram-se, gratuitamente, a re-
ger ·a orquestra para a gravação, trabalho penoso.
Foram gravados 31 discos duplos com músicas de Carlos Go-
111c:s, Braga, Oswald, Levi, Guarnieri, Gnatalli, Lorenzo Fernandez
e I\tlignone sendo que dos 31 discos 10 eram músicas de Villa-
• .. Lobos, e, o que se deve assinalar, músicas por êle escolhidas, a
<inber: ''Lenda do Caboclo'', ''Canção Moura'' , ''Bazum'' , ''Jaqui-
l)tlU >> , <<Pra frente, ó Brasil>> e <<Bachianas Brasileiras>> nº 1 (2
cl iscos), n9 2 (3 discos) e n9 5.
Além dos discos especialmente gravados adquiri discos como
11 Quarteto Brasileiro n9 5, Choros 5 e 7, << Momoprecoce >> , <<Sau-

-.e=..
----------------------------~--,.---- ------- -

22 23 -

dades das Selvas Brasileiras>>, <<Canto do Cisne Negro~ etc .• que fluentes regentes e críticos, próximo às poltronas a êles destinadas,
foram , como os demais, irradiados no Pavilhão através alto-fa- coloquei amigos encarregados de apreciar-lhes a reação.
lantes. Ansioso fui receber os convidados e assistir ao l <1 concêrto.
A coleção de partituras compreendia obras de Carlos Gomes, A voz puríssima de Bidú cantando a Ária de Bachianas Brasileiras
Braga, Henrique Oswald, Nepomuceno, Levi, Mignone, Gallet, n9 5 foi um sucesso indescritível. A primeira parte do concêrto
Barroso Neto, Frutuoso Vianna, Lorenzo Fernandez, João Nttnes , terminava com o Choros n<? 8 que abalou a platéia.
figurando Villa com : <<Momoprecoce>>, <<Bachianas Brasileiras 1, Pessoa profundamente conhecedora de música, colocada junto
2 e 5 >>, <<Amazonas>> (redução para piano), 1~ suite do <<Desco- a Kousewitzky, animou-se a pedir-lhe a opinião sôbre o Choros
'
brimento do Brasil>>, << Cirandas >>, <<Prole do Bebê» e <<Suite Flo- n\> 8, e esta veio instantânea: um nôvo << Sacre du Printemps>>, do
ral>. Desejo relembrar a dedicaçã o do copista de música Mosca que fui prontamente avisado.
que fêz extraordinário esfôrço para, em curto prazo, reproduzir as Ou que Kousewitzky tenha divulgado esta impressão ou por-
orquestrações e partes, especialmente das partituras de Villa por que esta fôsse geral, a tônica das apreciações dos grandes críticos
Yêzes de difícil cópia. Destas partituras muitas foram reproduzi- musicais foi no mesmo sentido. O crítico mais autorizado, e que
das e arquivadas no <<Free Library», de Filadélfia, a pedido de seu presidia a Comissão Musical da Feira, Olin Downes, escreveu no
fundador e mantenedor Edwin C. Fleicher que se mostrou inte- «New York Times>>: <<A partitura revela um extraordinário poder
ressado pela música brasileira. A <<Free Library>>, instituição não inventivo. Esta música é Caliban e a jungle. Ou melhor é o
comercial, facilita o acesso às partituras arquivadas. «Sacre du Printemps>> brasileiro. Esta obra por si só faria êste
concêrto notável>>·
A Feira construíra um imenso <<Music Hall>> para grandes -

concertos e convidara os países nela representados a promover a Igual a opinião dos críticos Francis D. Perkins, Oscar
execução de suas músicas nacionais. O Maestro Burle Marx foi Thompson, Pitts Sanborn e outros. Como disse um jornalista :
encarregado, pelo Comissário do Brasil, de promover os nec~ssá- «êste concêrto é de um valor i11estimável para a propaganda do
Brasil>>.
rios entendimentos para realização de 2 grandes concertos com
músicas e artistas brasileiros, a inexcedível Bidú Sayão e os pia- Com esta vitória, o segundo concêrto deixava o Comissariado
nistas Noemi Bittencourt e Bernardo Segai! além de Burle Marx. do Brasil tranqüilo, e a 9 de maio, no mesmo << Music Hall>>, foram
A preparação dessas execuções exigiu um trabalho preliminar in- - executados, de Villa, <<Caixinha de Boas-Festas>>, e nada menos
tenso e cuidadoso. A música erudita brasileira era inteiramente do que o Choros nº 1O com a Schola Cantorum, sob a regência
desconhecida. A Comissão Musical da Feira tinha que atender de Hugh Ross, o que provocou a mesma admiração dos Choros
a dezenas de países com obras consagradas e executantes famosos n <f 8.
presentes. Um amigo que fiz, e, posteriormente, grande amigo do Os dois concertos foram irradiados para o . Brasil podendo
Brasil, o Maestro Hugh Ross, da Schola Cantorum de Nova York, .Villa ouvi-los. No interv alo da Feira de 1939 para 1940, estan-
sendo parte, ou tendo acesso fácil à Comissão Musical, permitiu, d o no Brasil, perguntei-lhe se tinha gostado da execução res-
digamos assim, o as'sédio de Burle Marx. Foram distribuídos dis- pondendo afirmativamente mas que desejava a regência <<menos
cos a todos os grandes regentes e críticos e o folheto ''Musique reta , mais curva».
Brésilienne» com prefácio de Muricy. No calendário dos concer- No meio dos grandes regentes e críticos musicais famosos ,
tos, ao Brasil couberam os dias 4 e 9 de maio de 1939, logo no a música moderna brasileira era bem aceita, pois as obras exe-
início da abertura da Feira. Desejando ter a impressão de in- cutadas de Mignone, Lorenzo Fernandez, Gnatalli e Guarnieri

-
-

24 - 25

recebe1·am a melhor apreciação, e a repercussão foi tal que o (1ltimos anos de sua vida lhe foi prestada no auditório do Con~-
~Museu de Arte Moderna>> de Nova York, cujo prestígio é enorme, servatório Nacional de Canto Orfeônico e à qual, como de costu-
sugeriu-me realizarmos em sua sala de concertos um Festival de me, se achava presente 011- Arminda, recordando passos de sua
Música Brasileira ao mesmo tempo em que se promovia um ex- gloriosa vida, Villa de repente levantou-se da cadeira, e perguntou
cepcional <<one's man show>> das obras de Portinari. em altas vozes <<onde está o Armando Vidal com quem falei há
pouco?>> Diante do meu silêncio, insistiu <<Vidal, levante-se!>> ao
O · Festival visava apresentar todos os aspectos da música bra- que atendi, e êle prosseguiu nestas palavras que penso textuais :

sileira sendo o 19 concêrto denominado <<choros>> com peças de <<Aí está o homem que abriu meu caminho nos Estados Unidos.>>·
Nazareth, Guarnieri, Lorenzo, Mignone, 1-I. Lobo, Frutuoso, He-
kel, Pôrto, Gallet e Woodoos de Elsie Houston que as cantou,. Na realidade, só o gênio de Villa-Lobos abriu-lhe as portas

e gozava de alto aprêço do diretor musical do Museu. Villa- em todo o mundo.


-Lobos aí figurou com os <<Choros 4, 5, 7 e Bis>>: <<Xangô>> cantado Honra à sua memória que engrandeceu o Brasil, realizandQ.
por Cândido Botelho. No 29 concêrto denominado <<Ritmos po- seu sonho de patriota.
pulares e concertantes>> figuravam, de Villa, ''Solos de Violino>>,
<<Quatuor>>, <<Na Paz do Outono>> e <<Canção do Carreiro>>, can-
tadas por Elsie, e o <<Noneto>> com o côro da Schola Contorum ..
O 39 programa de um autor exclusivo denominava-se << Villa-
-Lobos>> o que demonstra o prestígio que em um ano êle adquirira
nos Estados Unidos. A sala estava repleta do escol da música e-
da crítica. Foram executados na primeira parte Bachianas •

Brasileiras n9 1, ''Ferreiro'', ''Canção da Saudade'', ·· As Costu-


reiras>>, <<Sertão no Estio>>, <<Teiru>>, <<Jaquibau>>, <<Ária>> de Ba-
chianas Brasileiras n9 5. Na 2'1- parte Rubinstein executou o <<Ru-
depoema>> que eu fiz gravar, e tem sido irradiado com fre-
qüência, <<Prole do Bebê>> e <<Impressões Seresteiras>> .

É inútil descrever o êxito de Villa através Rubinstein. O


concêrto Villa-Lobos, cfo Festival, não se apagou quando findo. -
Tôda execução foi gravada. A <<Victor Records>> organizou um
Album sob o título <<Festival of Brazilian Music>> no qual figu1·a- •

vam exclusivamente obras de Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras


n9 1, <<Noneto>>, <<Canção do Carreiro>> e <<Quatuor>>.

Eis aí, em breve relato,. minhas relações com Villa-Lobos, o
nacionalista que se vangloriava de ser brasileiro, e beber nas fontes
' ,
brasileiras inspiração e forma, vencendo tímidos e desnacionali- •

zados.

Villa l1omem simples e leal fêz certa vez declaração pública
excessivamente honrosa para mim. Na homenagem que num dos.



1 •

MAESTRO VILLA~LOBOS

• CACILDA GUIMARÃES FRÓES

ooos quantos o conheceram, todos que puderam gozar de sua


.cativante afabilidade pessoal e, mais que isso, todos que tiveram a
-ventura de compreender aquêle mundo de bondade e de talento
- .que foi Villa~Lobos, jamais poderão esquecê~lo ou deixar de ve~
:nerá~lo.
Hoje, ao evocar ( e com que saudade ! ) a insigne figura do
Mestre, grande dúvida me ocorre : Qual nêle o maior ? o com~
f positor, o artista, o patriota, o líder, o educador? Para não falar
do amigo que como poucos soube ser.
Na verdade Villa~Lobos foi tudo isso e, com tal vigor e au~
.t enticidade, que nenhuma fôrça , conseguiu abalar sequer o pedestal
.de sua fama, que, para orgulho nosso, cresce com o avançar do
tempo.
1
- Sua obra fluente, vigorosa, humana, será duradoura, porque
·t em raízes no chão de sua terra, na alma simples de sua gente,
transcendendo, por isso mesmo, a quantas se conhece .

Artista por predestinação, patriota por formação, generoso e


sincero por índole, não se deixou empolgar porém pelos louros da
vitória;

• Também não se encerrou nas muralhas do seu mundo interior,


mundo de harmonias, de criação e de beleza .


A incompreensão, o desinterêsse, a deturpação dos valores ,
"W matéria de música, feriu~o atrozmente, quando de regresso à

Páttia. Foi por volta de 1930. ·




28 -
29 -
Como grande brasileiro, autêntico patriota, não pôde se con~
dúvida era o nosso grande Maestro o homem certo para a grande
forma r com o declínio artístico e cultural do povo, de tanta sensi-
tarefa.
bilidade, de tão raras virtudes inatas.
Assim pensou Anisio Teixeira, pedagogo ilustre, pôsto por
Era preciso agir e sem demora, pensou êle. Revolucionar os
Pedro Ernesto à frente da Instrução Pública.
cânones tradicionais vigentes, dando à música seu verdadeiro sen-
tido na formação espiritual e cívica da sociedade moderna. Pô-la . Com o irrestrito apoio dessas autoridades, Villa-Lobos lan-

a serviço dessa mesma sociedade, de forma a contribuir para o çou-se à luta de corpo inteiro, com decisão e coragem, desenvol-

aprimoramento da alma e, particularmente, para o crescimento dos vendo a mais intensa e ousada campanha de ·Educação Musical
nossos valores morais. sociais, cívicos, intelectuais e artísticos. de que se tem notícia.
Como admitir seja a música privilégio de poucos, mero divertimen-
O programa que traçou, timbrado nos mais modernos precei-
to, simples amadorismo sem conseqüência, para efeito de reuniões
tos da pedagogia, tinha em vista interessar o povo através dos or-
sociais ou mesmo de exibições públicas? Pois não é ela uma for-
ganismos educacionais. Para isso, convocot.t alunos e professôres,
ma de expressão humana, a mais verdadeira linguagem universal ?
organizou cursos, escreveu centenas de canções de vários gê11eros,
Sua ação altamente educativa e cultural não deve restringir-se com o fim de incentivar o gôsto popular pela nossa música.
a um grupo apenas da coletividade, principalmente se atentarmos
que, ao lado da ciência que marcha a passos largos, a cultura do Homem de ação, objetivo por excelência, pôs tôdas as suas
espírito constitui hoje um imperativo, uma condição de harmonia energias, todo seu talento, tôda sua visão de músico e brasileiro,
e equilíbrio dessa mesma sociedade.

, a serviço da preservação do patrimônio artístico nacional.

Sem a pretensão de formar artistas. para o que existem es- Esta foi, a meu ver, a maior contribuição de Villa-Lobos à
tabelecimentos especializados, tratou desde logo, nosso grande Pátria, e que fêz surgir à evidência, ao lado do artista e criador,
Maestro, de esboçar as diretrizes do gigantesco plano, pedra fun- a fibra do mestre, do inovador, do excepcional dirigente do Ensi-
damental do movimento que, bem aplicado, marcaria definitivamen- no de Música e Canto Orfeônico do Brasil. Como conseqüência
te os novos rumos da Educação Musical Popular do Brasil. Sua dêsse esfôrço e do seu incrível dinamismo, surgiu o S.E.M.A. , o
gra nde meta: Promover a educação do bom-gôsto, livrando Orfeão de Professôres. as primeiras bandas infantis, o Conserva-
as novas gerações das influências tipicamente estra11geiras que 1a- tório Nacional de Canto Orfeônico e uma infinidade de orfeões
mentàvelmente vêm deturpando as tradições nativas da nossa mú- e bandas que, de 1932 a 1945, empolgaram o Rio com o brilho d e
sica. Despertar na mocidade o verdadeiro espírito cívico da ordem · suas colossais apresentações. Apresentações que chegaram a reu-
e da disciplina, para a promoção do nosso progresso cultt1ral, social nir 42. 000 escolares e que surpreenderam pelo ineditismo, pela
e artístico. grandiosidade do espetáculo, verdadeiro prodígio de disciplina, de
coesão, de arte e de civismo.
Como, porém, consegui-lo? De que maneira despertar no
povo interêsse por um movimento de ·tal envergadura ? Convo- Só a extraordinária fôrça de persuasão de um gênio, tocado
cando a mocidade, fazendo-a cantar. pela centelha de um imenso idealismo, poderia tornar realidade
aquêle empreendimento notável, jamais assistido em todo o mundo.
Realmente só o canto coletivo poderia operar êsse milagre.

Ninguém melhor, pois, para julgar Villa-Lobos e o que êle
A primeira experiência teve lugar em S. Paulo, culminando
representa, no panorama da educação cívico-musical da nossa t~r-
com a magnífica demonstração de estudantes, realizada sob os
ra, que as gerações que com êle cantaram e viveram aquelas tardes
auspícios de João Alberto. O êxito foi absoluto. Sem nenhuma.
• inesquecíveis da hora da Independência, nos imensos estádios da

...

31
30 -- • •


visível, magnética, atuante, produzindo calafrios e arrebatando-
cidade. Tardes que marcaram uma época e que para tantos teve
adeptos para a mesma campanha de vinte anos antes.
o efeito de um sortilégio de um acontecimento super~humano.
Crianças : entre as coisas de que me orgulho e terei de con~
É essa pelo menos a impressão que nos deixam palavras como
tar a meus filhos, a meus netos se os tiver, com emoção e respeito
a dêste ex~orfeonista, o professor e brilhante advogado Wilson
quase devoção, há~de ser essa que se traduz nestas simples pa:
Lopes da Silva que, por ocasião do desaparecimento do Mestre, lavras :
em tocante homenagem, lhe dedicou as linhas que hoje, com emo-
ção, transcrevo :

Crianças : eu conheci o Gênio! Eu conheci Villa~Lobos !>>

<<Crianças : eu conheci Villa~Lobos ! . Po~e~se dizer, assim, que Villa~Lobos não foi sõmente O gê,
nio musical ~e que tanto nós brasileiros nos orgulhamos, mas um
Vi~o de longe pela primeira vez, a cabeleira agitada pelo exemplo ~e força de vontade, de idealismo, de tenacidade, de amor
vento da tarde quente de setembro. Eu devia cantar naquela tar~ a seu Pais.
de. Eu e todo gigantesco bloco de 20. 000 crianças, tôda a pe~
quenada que tinha em tamanl10 pouco mais que hoje têm vocês.
E naquela tarde não cantei. É que eu conheci nesta tarde Villa~
~Lobos.
Quantas vêzes terei voltado ao Campo de São Januário?
Não sei.. . Cada Sete de Setembro reviveu nos anos seguintes
uma emoção nova. Como das outras vêzes, emocionado, quase
não podia cantar. Via~o, centenas de metros adiante, a agitar os ..
braços nervosos e a cabeleira revôlta. Eu estava na presença de
um gênio.
Um dia deixaram~me levar na festa o pavilhão nacional. Foi
um dia de glória ...
Talvez, por isso, tenha ficado comigo aquela sensação de
brasilidade, de amor cívico, aquela formação que o tempo até hoje
não conseguiu transmudar. É que eu, crianças, pertenci à geração
que conheceu Villa~Lobos, que cantou com êle, que com êle viveu
'

as tardes grandiosas do campo da colina. Eu venho dela. Eu


conheci Villa~Lobos.
Finalmente, já não o via de longe, no alto do palanque, .i
acenar nervoso, 1:0. 000 vozes, 1:0. 000 pensamentos atentos a seu
gesto.
'
Assim, eu o vi, crianças, assim de perto, falando e vivendo a
um passo, a fala grave, impressionante quase gutural, o pensamen~
to firme, a imaginação nervosa, o gesto atrevido, a genialidade


• •

O NACIONALISMO DE VILLA~LOBOS

CALDEIRA FILHO

TÃO evidente o nacionalismo de Villa~Lobos que se torna di·


fícil explicá~lo, demonstrá~lo ; é tão normal e espontânea a am ..
bientação brasileira da sua produção, adere ela tão intimamente à
substância artística que se torna impossível destacá~la e estudá~la
em separado. Já nos habitu.a mos a sentí~lo assim e admira que
algum brasileiro possa sentí~lo di'ferentemente.
É nacional quanto à totalidade geográfica da sua Pátria, a
começar pela imensidade amazônica várias vêzes presente na sua
obra. É nacional quanto à totalidade étnica pela inspiração ame..
I ríndia e africana que tantas vêzes o levou a .g randes criações, tra..
tadas segundo a herança cultural do ocidente europeu. É nacio..
• . nal ainda quanto à totalidade social, pois que na sua música can ..
tam todos os brasileiros, e crianças das escolas, o m.a tuto sertanejo,
o malandro carnavalesco, o índio pagão e o jesuíta catequisador.
E é principalmente uma totalidade cultural porque aquilo que êle
manipula sonoramente são justamente os aspectos musico~culturais
das raças, regiões e grupos sociais, tal o <<Noneto>>, por êle con..
siderado uma síntese do Brasil sonoro. Pode~se mesmo dizer que
é nacional inclusive quanto à totalidade histórica, com os exemplos

que são <<A Descoberta do Brasil>> e <<Sume Pater Patrium>> ( lCY-'
Sinfonia, escrita para o IV Centenário de São Paulo e executada
pela primeira vez nessa cidade durante a Semana Villa..Lobos, em
1957). E isso sem falar de outras <<totalidades>> referentes aos
• gêneros, às formas, à veiculação instrumental, a refletir a varie~
dade caleidoscópica que é o Brasil geográfico, humano e sonoro.
• •

O papel histórico de Villa~Lobos foi tornar possível uma visão



de conjunto des.sa imensidade que é a música brasileira, tão difícil
de ser apanhada no individualismo dos artistas e na heterogenei..

• •


31

dade dos elementos materiais e formais nela implicados. O seu ta-


lento é tão multiforme, tão versátil e tão elástico que, de certo
modo, anula o individualismo original e faz dêle uma pluralidade •

artística que organiza e unifica aquilo que era a~eriormente um



caos.
Se lembrarmos a importância das <<influências>> entre as quais
René Dumesnil coloca Villa-Lobos, veremos que a do ilustre com-
positor brasileiro se agiganta pela revelação de um nôvo mundo VILLA-LOBOS
musical, sem dúvida muito mais autêntica do que aquela que foi
realizada por Dvorak na sua <<Sinfonia Nôvo Mundo>>, em que •

CAMARGO GUARNIERI
transparece o espírito dos <<negros spirituals>>, Villa-Lobos reve-
lou à música contemporânea um mundo sonoro inteiramente nôvo
na sua concepção, na sua formulação estética, na invenção temá-
tica, na disposição formal. e tudo isso com base objetiva, com um ILLA-Loaos .. , Figura inconfundível no cenário musical das
ponto de partida concreto, isto é, sua música não é complicada Américas. Talento excepcional, lutador invencível. A morte veio
sonorização de nebulosas teorias nem de misteriosos <<ismos», e e num átimo, roubou do Brasil e do Mundo um artista de fibra,
sim a transposição sonora do próprio Brasil. É uma música que forte, rijo como um jequitibá.
deriva do chão do Brasil, da sua natureza, do homem que o habita, Conheci Villa-Lobos em 1930. Estive sempre ao seu lado.
.do homem que o levou à grandeza de hoje, sem esquecer os plas- Naquela época ajudei-o na preparação da <<Exortação a Villa-
madores históricos da nacionalidade q ibérico, o ameríndio e o
-Lobos>>. Sempre fomos• amigos, nunca tivemos mal-entendidos e

africano presentes na sua obra. É uma música que deriva
a minha admiração por êsse gen~al compositor cresceu à medida
. também da cultura brasileira, que lhe reflete a evolução e a carac-
que êle era desordenado, mas o seu gênio só poderia se expandir
terização, uma vez que o nacionalismo consistente na citação e de-
dentro da sua própria ordem, muitas vêzes desordem para outros.
,pois na inspiração folclórica foi largamente superado pelo <<nacio-
nal>>, ou seja, pela criação de quem sente como brasileiro, espon- Incompreendido, humilhado, desrespeitado em sua própria ter-
tâneamente, naturalmente, e só em linguagem musical própria pode ra, Villa-Lobos, pela sua fôrça criadora ímpar, deveria ter sido
exprimir-se. Por isso é também uma música que deriva de autên- venerado, amado, respeitado pelos seus compatriotas. Infelizmen-
tica fonte criadora, de um artista profundamente absorvido pela te isso não aconteceu. Teve que lutar contra a indiferença, pas-
realidade que o cerca e totalmente desinteressado de manipulações sando dificuldades e privações para garantir sua subsistência.
mais ou menos engenhosas em que se comprazem os compositores
Vi-o muitas vêzes acabrunhado pelas infâmias, pela calúnia
menores. E é uma música que, por ser intensame11te humana, por
e desrespeito. Tacharam-no de plagiário. . . Que ironia! Jus-
conter a revelação do homem total e não sõmente do homem pes-
quisador de laboratório, tornou-se logo necessàriamente universal. tamente êle, em quem as idéias originais fervilhavam como numa
É isso o que todos sentem em Villa-Lobos, o que lhe assegurou a
prodigiosa torrente! Em outro país, êsses impostores e invejosos
posição de relêvo que ocupa entre os grandes criadores contempo- teriam ido para a cadeia. Aqui, ao contrário, receberam estímuio
râneos ; que lhe permitiu conservar íntegra sua independência es- para publicar um livro pestilento, calunioso, desrespeitoso, nojento

tética e sua liberdade criadora e que o impeliu a voltar-se, com e que o magoou profundamente. Tôda essa onda sõmente atingiu
amor crescente, para as fontes inspiradoras da sua Pátria. o grande artista porque êle era um ser sensível, um verdadeiro
criador de maravilhas.


36 -

Hoje, sua figura física já não existe e os seus inimigos co ...


meçam a perceber que perderam a partida e o arrependimento está •

chegando a passos largos. pela injustiça que fizeram a êsse .g igan... •

te, que seria um ídolo em qualquer outro país. A vida é mesmo ...• - •

assim, os artistas só recebem a glória depois que morrem. De que


adianta isto ? O FESTIVAL VILLA ... LOBOS NO ESPAÇO
Graças a Deus, êle teve a ventura de encontrar uma campa.. E FORA DO TEMPO
nheira como Arminda ( Mindinha, como êle a chamava) que com
amor e carinho soube sempre atenuar o sofrimento que poderia •

tê ...lo prejudicado, e, com isso, salvou a sua obra genial para o CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

patrimônio cultural da humanidade.

CIDADE do Rio de Janeiro chegou primeiro e disse : '

Salve, meu filho Heitor, que fugiste de casa aos dezesseis


anos para viver com os chorões ; e fizeste o ramalhete de minhas
modinhas mais melomelosas, infundindo...lhes sôpro de grande
- .
musica.
E chorões vieram chegando da Cidade Nova. no orvalho da
• •
I madrugada, e cada capadócio se arredondava em abraço para o
• músico de melenas e enorme charuto .
E ouviu ... se a melodia, inebriando o céu carioca, a alma do
povo e a dos eruditos de Ipanema : <<Rasga. coração».
E a Marquesa de Santos, tôda emperiquitada, varrendo o
chão com a saia perfumada a capim cheiroso, a bôca sabendo a
cravo, reclamou :

- Quero ouvir, quero ouvir o meu lundu, composto por



meu afilhado Heitor, que é louco e por isso mesmo decifra a
linguagem do amor.
E vieram os remeiros do Rio São Francisco, trazendo a voz
da terra, em côro à capela.
E os índios pareeis, trazendo outra voz ainda mais da terra•

.surda e confundida com as fôlhas.




• E espalhou ... se no ar uma pitada de <<jazz>> .


• •

-38 - 39 -
-
E os instrumentos mais antigos e os atuais vieram sõzinhos E veio o anônimo José - e agora? - botado numa qua ...
- o caracaxá, agreste mas enternecido, marcando ritmo, a caba... drilha caipira.
ça, o oficleide, o bandolim. •
Enquanto a embolada do maestro intima freneticamente :
E o tamborim, o pistom, o cavaquinho, a harpa, o majestoso <<Junta povo pra brincar junta povo pra brincar junta povo pra
caxambu dos moçambiques, a celesta, o desaparecido camisão, qual brincar>>.
mais apurado, agradecido e comemorativo.
E vieram as Sinfônicas de Boston, Filadélfia, Nova York,
E a flauta veio dialogando com a clarineta, na doçura do Paris, Viena, Amesterdã, sob o fascínio da batuta malcriada e
<<Choros n9 2>>, como observou a um lado Eurico Nogueira França, -'
amazontca.
que tudo ouvia e aprovava. •

E vieram homens e mulheres do Brasil que, pela primeira vez,


E Itabira, onde o músico nunca pôs os pés, surgiu também • ouviram, regidas por êle, a Missa Solene de Beethoven, a Missa
entre suas minas massacradas, sentindo~se intuída e explicada na do Papa Marcelo, de Palestrina, a Missa em Si menor de Bach.
dramática tessitura de canto e orqt1estra de seu <<Poema>>.
E aí, Bach ( tôda a música flui dêle, e a que não flui é ruído
E o musical fantasma do Cinema Odeon, na esquina da Ave... apenas), o próprio Bach em pessoa chegou~se para perto do mú...
• nida com Rua Sete, entre as sombras de Valdemar Psilander e
sico, tocou~lhe no ombro e agradeceu~lhe as Bachianas Brasileiras,
Chica Bertini, curvou~se diante do vulto de seu antigo violonce ...
r que o identificaram com o populário do Nordeste e a melodia er...
lista, que de repente furava o telhado e se projetava na pauta das rante do mundo.
nuvens.
E veio Deus, e disse :
E os poetas, sempre à procura de palavras novas forjadas com •

elementos velhos, vieram agradecer o oratório de <<Vidapura >> e o Glória a meu filho de estimação Heitor Villa...Lobos, que
<<Rudepoema>>. E quarenta. mil meninos e meninas formando uma espalhou minha música à face da terra.
'
voz única no estádio do Vasco é o maior ! ao gesto brusco,
daquele que lhes ensinou a comunhão do canto.
E a gurizada pelo Brasil a dentro, que ficava cantando de
roda na calçada as eternas cantigas que êle afeiçoou e fixou
capelinha de melão; o cravo brigou com a rosa; laranjeira peque-
nina ; meu pai amarrou meus olhos.

Ou que adormecera ao acalanto pernambucano de João Cam ....
buête.
E a gatinha parda, e os Escravos de Job, todo reverentes.

E vieram os macumbeiros com seus pontos e esquinas mágicas,.
seu Xangô e sua marola do mar, marolando. •

E Mário de Andrade, sorrindo na suéter arlequinal, deliciado:


Mas você é um monstro, quem que pode com você ? As
vêzes você nos embriaga com o simples e puro movimento sonoro
do conjunto, para lá do ritmo .




-

HOMENAGEM A VILLA-LOBOS

*)

CARLOS DOS SANTOS VERA (

do Brasil em Buenos Aires, que é testemunha da


EMBAIXADA
obra de divulgação da música de Villa-Lobos na Argentina pelo
'
Senhor José Maria Fontova, Delegado, neste país, do Museu
Villa-Lobos do Rio de Janeiro, associa-se às homenagens presta-

das àquele compositor brasileiro, por ocasião da inauguração de
seu busto, no EstúdioJAuditório do SODRE, durante o II FesJ
• tival Latino-Americano de Música, de Montevidéu .
Inicialmente, desejo assinalar o caráter simbólico dessa inau•
guração. Na verdade, o busto de Villa-Lobos. obra do grande

uruguaia, representa para mim um feliz exemplar latino-americano


• • do enlace de duas artes, a escultura e a música, numa homenagem,
que envolve três países da América o Brasil, a Argentina e o
Uruguai.
Sôbre a música de Villa-Lobos tenho a dizer que é música de
gênio, que ultrapassa os quadros acanhados do continente ameriJ
cano, para situar-se entre as produções mais marcantes da música
contemporânea. Em meu país, quando se fala em artes, geralmenJ
te costuma-se dizer, com certo sentido de autocrítica, que, apesar
ôe sua versatilidade, o brasileiro ainda não <<inventou>> nada. Não
·o bstante, temos talvez que abrir uma exceção para o caso de Villa-
-Lobos. :E:ste criou música, viveu música, morreu em música.


( *) Palavras proferidas na Rádio Mt1nicipal de Buenos Aires no dia 5 de
março de 1966.


12 - •

Apesar da densidade folclórica de sua obra, Villa-Lobos, em •

sua longa carreira de compositor, depurou sua arte e elevou-a a


um nível técnico dos mais sofisticados de sua época, sem, no en-
tanto, jamais perder o sentido telúrico que impregna tôda sua pro ...
dução, mesmo as composições menos programáticas.
• •
Os <<Choros>> e as <<Bachianas>> são expressões da fôrça na-
tiva de seu criador, os primeiros denotando a suavidade e a <<ale- VILLA-LOBOS
gria triste>> do caráter brasileiro, os segundos, a viol·ê ncia animal '

e vegetal do maior ambiente que, não raro, também contamina o


CIRILO GRASSI DIAZ
temperamento da gente do Brasil. A outra face da produção de

Vllla-Lobos foram os 17 Quartetos, onde êle demonstrou a que


ponto atingira a pureza técnica e a universalidade de sua fatura
musical.
Os brasileiros e americanos, do Norte e do Sul, devemos,
pois, orgulhar-nos de Villa-Lobos. No mundo da música, êle re-
presenta a América, com uma contribuição das mais densas, das
mais ricas, das mais autênticas. É por esta razão que a homena ..
gem que ll1e prestam hoje, com a inauguração de seu busto numa
casa de música em Montevidéu, se me afigura como o reconhe-
cimento de uma obra, que, de há muito, deixou de ser do Brasil
para transformar-se num patrimônio artístico que é, primeiro da.
América e, também, de todo o mundo.

As vêzes, contagiava-me sua emoçao.-


Com nitidez admirável, acento de nostalgia bendita e venera-
• ção que via rondando gôta a gôta, falava de sua infância e então~.
erguia-se entre suas frases a figura do pai. <<Era um ar-
tista'' exclamava, para sufocar suas lágrimas. •• Foi-se quan-
do eu tinha 11 anos. Porém, deixou-me algo aqui>> . . . e batia
• ••
no peito que é tesouro inestimável que ninguém me pode.:
arrancar>>.
• •


. -
14 45 -

Outra vez, em meu escritório da direção do Teatro Colón, coisas que nos deslumbram em Villa-Lobos e que comentáramos
,em amável conversa com Talamón, crítico da «Prensa», e um de com admiração e, também, com suprêsa, como Fanelli, Pessina,
.seus diletos amigos, declarava : Napolitano, Morpugo, Sebastian, Mazzei, Spátolo, Gambuzzi,
Gamberale, Wisinger, Svetleff, que foram intérpretes do programa
<<Iniciei na pequena orquestra de um cinema, dirigida por um
de sua apresentação em Buenos Aires.
·pianista que não possuía outro mérito senão ser amigo do empre-
.sário. A primeira vez que peguei o violoncelo, vi meu pai refle- Anos depois, em 1935, firmada nossa amizade, ao regressar
tido na partitura aberta, na estante. Essa noite senti-o · junto a Villa-Lobos à Argentina, presidindo a embaixada artística, que·
mim. Estava-me submetendo a exame dos conhecimentos que me· integrou a comitiva oficial do Dr. Getúlio Vargas, então presidente-
-infundiu. Meu pai, alimentou esta paixão intensa pela música do Brasil, reatamos êsse diálogo. Diálogo aberto e generoso em
que me eleva e me consome. Meu sonho, o violoncelo, o clari- recordações • . . De confidências . . . De afeto.
nete e outros instrumentos). . . Calou-se, de súbito, e olhou-me Foi, do bom amigo, entregando-me pedaços de sua alma~
,com brilho estranho, deixando cair uma confissão : <<essa pai- Escuto, assim, sua voz emocionada ao falar do Maestro Braga,
xão que é o legado de meu pai a defenderam os pássaros desde seu compatriota, que formulou um requerimento a favor de Villa--
a selva>> ... -Lobos, em momentos de angústia e quando a ajuda se fazia mais.
Numa pausa, pareceu-me, de queixa ou de ternura. Ta- urgente que nunca. Ao falar, fechando os olhos, talvez estrei-
tando Braga em seus braços, sentenciou :
'l amón e eu permanecemos em silêncio:
<<Braga foi tão generoso que se esqueceu de si para mos-
<<Sou filho da natureza» continuou Villa-Lobos : <<Sem-
trar-me e exclamar : É artista que nos honra e que honrará tôda
pre senti necessidade de enfrentá-la, de aprofundar-me nela, de
a arte musical».
sondá-la. Abandonei a casa aos 15 anos para aliviar minha in-
quietude que me fêz um passeante noturno, cantando serenatas. / Logo, com voz quase imperceptível, acrescentou : <<Faço tudo-
Viajei muito. Muitíssimo. Andei por todos os rincões de minha que está em mim para cumprir êsse compromisso contraído com
terra fascinante. Escutei os tambores dos índios nas noites cheias o bom Braga>> ...
de mistério. Vivi com os aborígenes, em regiões que quase esça- Escuto, também, sua voz ao falar-me entusiàsticamente de-
pam às cartas geográficas. Andei em canoas primitivas. Conheci Darius Milhaud, adido à Embaixada da França no Rio de Janeiro.
O desconhecido do Amazonas, quando fiz parte de uma expedição Envolveu seu nome em cálidos adjectivos, porém, de repente, de
-científica. Naufraguei várias vêzes e, sempre, salvei meus instru- maneira cortante, manifestou-me : <<Não bebi nessa fonte. Eu fui

-mentos mus1ca1s».•
meu próprio mestre>> •..
Outra pausa, que êle encheu agora com risos : Nesse tempo víamo-nos diàriamente. Reuníamo-nos, com pre-
ferência ao entardecer e quando as obrigações nos prejudicavam
<<Salvava os instrumentos>> ... continuou dizendo <<por- a companhia prolongávamos o encontro até a madrugada. Um
que os amarrava em meu corpo. Continuam sendo minhas vís- entardecer chegou à casa e surpreendeu-se ouvindo uma gravação
,ceras». Compreendi, nesse momento, a procedência, a origem do de Rubinstein. Posso reproduzir a cena. Villa-Lobos aproxi-
saber e da côr da obra de Villa-Lobos, de suas canções, corais, mou-se sem pronunciar palavra. Ao terminar a gravação aplau-
peças para piano, de sua música de câmara, de suas suites para diu. Olhei-o surpreendido. Sorriu e- disse-me : <<Rubinstein é:
orquestra e, em especial, de suas cantigas sertanejas. Compreendi meu grande amigo. Foi quem impulsionou o conhecimento da.
a essência de suas danças africanas e, então, descobri muitas das Prole do Bebê> .



46 - -47-

O nome de Rubinstein, naquela ocasião, despertou uma re- Selvas Brasileiras>>. E seguiu falando-me de Paris e do Brasil.
·cordação. Ousei, apenas, interromper seu monólogo, com uma Silenciou para seguir, atentamente, o ensaio. Eu o olhava de sos-
frase breve. E êle desfilou momentos de sua vida. Detalhou-me laio. Via, refletido no seu rosto, a satisfação, a surprêsa, 0 as-
,os resultados dos concertos oficiais de suas obras, por disposição sombro. E alegrava-me muito, muitíssimo, por êsse corpo de baile
do Congresso que votou para êsse fim quarenta mil cruzeiros. A do Colón que, como tantas outras cousas nesse Teatro, havia cres-
concorrência foi escassa. O Presidente da Câmara dos Depu- cido nas minhas preocupações. Ao finalizar o ensaio, enalteceu,
tados, que assistia assiduamente aos concertos, felicitava-o, au- com entusiasmo, a coreografia de Ricardo Nemanoff, e o elogio,
mentando seu entusiasmo, e ao advertir Villa~Lobos que o públi- verdadeiramente espontâneo e sincero, estendeu-se a Borowsky, a
·co era constante às suas obras com ênfase, o reprovou. Dora dei Grande, Blanca Zirmaya, solistas que interpretavam ...
Sua música, querido Maestro, é religião em nosso povo. Aqui, e a todo o corpo de baile.
começaram a desfilar seus admiradores. Já verá como se encherá Reproduzo em minha recordação aquêle grande espetáculo de
êste templo . . . A Villa-Lobos agradava-lhe repetir a fra se d êsse ~ala, com assistência dos Presidentes Justo e Vargas. Nosso
legislador, não para satisfazer sua vaidade, mas para fal ar dos grande Maestro Panizza, depois de dirigir o Hino Nacional Ar-
homens de seu Brasil, que, para êle, era perfume, canto, rasto, gentino, entregou a batuta a Villa-Lobos. Sob essa batuta, a
-.
_pa1xao. canção pátria do Brasil teve inesperado relêvo e o ballet <<Uira-
Eu ia colhendo suas lembranças. Sua conversa, alcançava rpuru>>, por êle mesmo dirigido traduz a alma da selva brasileira.
.sempre contornos de biografia. Descreveu-me, minuciosamente, o Esta batuta tem agora, atributo de troféu. Villa-Lobos presen-
nascimento de suas Sinfonias <<Guerra>> e <<Vitória>>, estreadas por teou-me, com sua assinatura, ao terminar o espetáculo. Entre-
.ocasião da visita, naquela época, do Rei da Bélgica, ao Brasil. gou-me, e olhando fixamente para mim, disse; <<Dou-lhe um pe-
Vibrava, em suas lembranças. Como em sua música . . . Em sua daço grande de minha alma e do Brasil>>. Outra pausa, durante
·palestra, transmitia a febre da criação . . . Falou-me de sua via- algum tempo, fêz-se entre nós. Ingressou em 1946. Também
.,gem a Paris usufruindo uma bôlsa. Risonhamente, narrou-me o nessa ocasião, ao reunirmo-nos, continuava recapitulando sua vida
-espanto de um grupo de notáveis professôres, diante da resposta em seus braços.
.que dera, quando alguém quis indagar com quem preferia estudar. Habitualmente, do Colón fomos à casa. Falava e falava .•.
· Villa-Lobos, com naturalidade, respondeu : Vocês são os que vão Apenas interrompia para tomar goles de café.
·estudar comigo. . . E Villa~Lobos. pausadamente, ao referir-me o
Relatou-me quando em Paris, como compôs seus Choros, sua
episódio, definiu : <<Escandalizaram-se, porém não tardaram em as~
profundamente poética <<Alma Brasileira>>. Falou-me do programa
segurar-se de que havia falado sério. :81es mesmos abriram-me a
que iria dirigir nos seus dois concertos no Colón. Elogiou, sem
grande porta de Paris>> . . . <<E eu incrustei meu Brasil no cora-
limites, a orquestra e o côro. Deteve-se em alguns nomes ...
·ção da França, da Europa>> . . . Dois dias depois, estava junto a
• Destacou os méritos do Maestro Terragnolo .
Villa-Lobos numa poltrona do Colón. Ensaiava-se sua lenda ama-
zônica coreográfica <<Uirapuru>>, que devia ser estreada na função Desta feita prodigalizou com eloqüência sua admiração por
,de gala de 25 de maio. Bach. Falou e falou sem deter-se e quando pronunciei algumas
palavras sôbre o grande Bach, pressurosamente, comentou : <<Ah !
Também nessa oportunidade iam-se desenvolvendo suas me- Também em Bach empreguei-lhe meu Brasil. O testemunho está

mórias. Falou-me de Serge Lifar que converteu em ballet êsse em minhas <<Bachianas Brasileiras>>. E falou-me do Coral da

poema sinfônico. Falou-me das danças rituais <<Macumba>>. Fa- quarta suite . . . De repente, mudou o curso da conversação. Emo-
Jou-me do poema sinfônico <<Amazonas>> e da lírica <<Saudades das cionado e com _voz penetrante, trouxe à minha presença a cena


- 48

magnífica de vinte mil escolares e mil instrumentistas reunidos,


sob sua direção, no estádio do Vasco da Gama, no lançamento •

de canções da antologia escolar.


«Ali estava» frisou..-me <<meu pai, olhando . . me do alto
e, também estava eu, sentindo..-se o rapaz irrequieto que canta e •

toca serenata pelas ruas da cidade''. VILLA..-LOBOS


Vi..-o pela última vez, em 1953. Chegou convidado para di . .
rigir a Orquestra Sinfônica Nacional. O tempo livre que o dei-
COELHO NETTO ( *)
xavam os ensaios reservava..-o boa parte para mim.

No primeiro encontro, falou..-me das novidades que ia oferecer
ao público argentino. Referiu..-se como compôs <<Erosão»,. poe~a
sinfônico, sôbre O nascimento do Amazonas e sua Sexta S1nfon1a, Ão houvesse Villa..-Lobos descoberto sôbre o seu << carmen>>, •

9 ...
sôbre as montanhas do Brasil, sua <<Bachianas Brasileiras>> n 8 e ou a arte mágica de ajustar os sons e, seguramente, eu nao me
«Choros>> n9 6. O tema de sempre era sua consagração no Bra..- atreveria intercalar a minha palavra no conjunto das suas frases
sil, as suas criações, a sua paixão inexgotável e transbordante. instrumentais.
Quando terminou seu compromisso com a Orquestra Sinf ô,. Sôbre compositor de moldes tão bizarros que pode dizer, que
nica Nacional, ofereceu ... me a batuta com que havia dirigido os interesse a um público de entendidos, homem, como eu, de todo
• concertos no <<Gran Rex>>. Foi pouco antes de sua partida para leigo em solfa ? É verdade que um dos interpretadores mais pe...
O Brasil. <<Entrego. . lhe disse..-me outro pedaço de minha netrantes da Arte que aqui nos reúne, Camille Mauclair, no pre-
alma e do Brasil>>. Essa foi minha intimidade com Heitor Villa- fácio da obra <<La Religion de La Musique>>, confessando a sua
-Lobos, o grande artista de exceção, que ganhou a presença per- ignorância técnica escreveu :
manente em um Museu no Rio de Janeiro, em que desenvolve •


notável trabalho, silencioso. porém brilhante, a delegação argenti,..

<<Ce livre a été écrit lentement, au cours de plusieurs années, -
na, a cargo do talentoso crítico José Maria Fontova, espírito exa~ ... sous l'impression de nombreux concerts et dans l'intimité de la
çado, designado para êsse cargo pelo Museu Villa ...Lobos do_ 1:f1" musique de chambre, par un poete que ne prétend á d'autre com ..
nistério da Educação e Cultura do Brasil, em 1963, como d1st1n ... petence que celle d'un auditeur passioné>>.
ção pela sua bagagem de musicólogo e qualidades de intelectual. Nas mesmas condições me acho aqui, não como um técnico,
Essa, foi minha intimidade com Heitor Villa..-Lobos. O Com- mas como amador apaixonado; não para criticar, mas para dizer
positor Brasileiro. O Compositor Americano. O C.omposito~ :1n.i- de mim, por mim, o que sinto na Arte rebelde de meu patrício,
versal, que para a arte, não morrerá jamais, pois sua v1venc1a Arte nova e estranha para nós outros, como foi para o século XIV •

e sua eternidade vêm de longe, singular e misteriosamente. Era a de Phillipe de Vitry, tão revolucionário que provocou a bula
um predestinado a não morrer nunca. De regresso ao Brasil era condenatória do Papa João XXII.
como uma sombra ... havia ...se oficiado uma missa por sua alma.
Não sendo botânico ninguém, mais 'do que eu, se enleva nas
Como aquela vez e tampouco agora, Villa..-Lobos caminha en· •
maravilhas da nossa flora luxuriante, tão portentosa no seu arvo ...
tre mortos. É consagrado no seu Brasil, na Argentina e na his-
tória mundial da música. Nas asas do tempo viverá cada vez ( *) Artigo publicado na <<A Gazeta>> em 30/9/25.
mais. Na cal do seu pó está o sangue de sua glória. '





50 51

- redo quão delicada e caprichosa no rendilhamento dos seus arbus- terra virgem. Renuncia a herança dos ·a ntepassados, desiste de
tos e ervagens. Não sendo astrônomo extasio-me na contempla- -
todo o patrimônio artístico, para construir por si, com seu próprio
ção do céu quando, em noites límpidas de verão, todo êle se es.- esfôrço e em terreno conquistado palmo a palmo, a golpes de ta-
trela. Não sendo músico em outra arte não me inspiro tanto lento. Será isso possível ?
'
como nessa que toca o coração e nela desperta as mais suaves A tradição tem raízes tão fartes, tão profundas que não há
emoções. Aqui, porém, não se trata prõpriamente de música. extraí-las florestas ressurgem Daudet dá-nos disso um formoso
Falando ao crítico musical da revista <<Nós Outros>>, de Bue- exemplo, que é um símbolo, no conto <<Wood's Eown>>.
nos Aires, disse Villa-Lobos as palavras que, mais tarde, me re- Os reacionários que por aí andam a bradar contra o passado
petiu, definindo-se : devem meditar o que disse Edelestand du Meril no prefácio da
• obra <<La Comédie Ancienne>> :
<<Não sou músico, sou um artista que se serve dos sons para
exteriorizar a impressão que qualquer episódio da natureza ou da <<Parfois, il est vrai, des· engouements privés, qui se préten-
vida lhe sugira, como empregaria tinta ou mármore se tivesse ap- dent la renommée, investent des grands hommens et leurs jettent
tidão plástica. Para mim a música não é um fim, se não um des couronnes comme dans une représentation à benefice ; mais
meio, um veículo de que me valho para traduzir e transmitir mi.- les gloires excentriques en les trembletements et la durée des feux
nhas emoções, os metts diferentes estados d' alma. Êstes, porém, follets, le ven son public, celui que les critiques appellent le bo11
e aquelas produzem-se por efeito de algum espetáculo que fira a gout, finit toitjours par prevaleir et mantient sa suzeraineté sur
minha sensibilidade, que me excite a imaginação ; um plácido cre- les imaginations >> .
púsculo, um cataclismo, uma dança selvagem . . . Apresentem-me
Os músicos compõem em âmbito demarcado, cingidos por leis
um cozinheiro e, se eu nêle achar qualquer cousa de interêsse,
intransponíveis. Villa-Lobos revolta-se contra regra de tais, não
'descrevê-lo-ei por meio da música».
se lhes submete. Entende, na sua indisciplina. que os sons devem
<<Descrevê-lo-ei>>, diz o artista e, todavia, não admite, que o ondular livres como as vagas no oceano e como murmúrios, as

inculquem como descritivo. A arte de Villa-Lobos afigura--se-me, vozes e os sussurros que fazem, na sua d'esorclem, as harmonias

por vêzes, disforme ; algumas das suas composições são verdadei" da natureza. Constrangê-los é tirar-ll1es a originalidade ; restrin- 1

ras caricaturas musicais. Êle deforma as melodias procurando gi-los à tabulatura de Beckmesser é l1umilhá-los.
realçar nas mesmas o motivo típico, a nota característica ou ridí- Ver um animal na liberdade da floresta e vê-lo no circo ou
cula. Há acordes que fazem lembrar charges de Ferain ou de no Jardim Zoológico não é a mesma cousa. Um, é o instinto em
Caran d' Ache. tôda a sua independência ; outro é a fôrça refreada. O que Villa-
A caricatura exige um conhecimento perfeito de desenho, -Lobos nos quer dar é o som puro prossigamos na alegoria ;

tê-lo-á da harmonia e do contraponto do nosso compositor? é o animal tal qual é, com a sua beleza natural. indômita. com a
sua elasticidade, com o seu vigor e o seu ímpeto. Pode ser belo,
Isso é lá com os técnicos.
• :onvenho, mas não deixa de ser perigoso .
A música de Jules Combarieu é a arte de pensar por 1neio :É certo que, para um caçador de raça, o encanto de uma


de sons. Parece-me que tal definição explica a maneira de Villa- montaria consiste justamente nos riscos que ela oferece. Eu, po-
-Lobos. rém, e há muitos que pensam comigo que não tenho hábito
• Rebelde, insurge-se contra regras, recusa conselhos, aberra-se de tais caçadas em selvas ou juncais, prefiro ver os beluinos em

- dos cânones. Não quer semear em terreno restelhado, mas em jaulas, com o domador ao lado, a encontrar-me com êles na mata



52 - ' .,•
53 - . '
'

'
vir,gem. A culpa é da minha educação imbele. Mas lá por que
.:É:s samba e jongo, chiba e fado; cujos
não cace com André Gerard ou como os rajás não lhes deprecie •

Acordes são desejos de orfandades


valor louvo-os e invejo-os porque as sensações de tais aventuras De selvagens, cativos e marujos :
O
'd.evem ser , em verdade, extraordinárias.
Assim como não condeno as temeridades dos grandes caça . . E em nostalgias e paixões consistes
ousadias dos novos, sem . . Lasciva dor, beijo de três saudades,
dores também não me insurjo contra as •

pre que nelas se me deparam belezas.



• •
Flor amorosa de três raça·s tristes.
As revoluções, quando se fazem com idéias vencem. não há
As palavras que aqui ficam disse--as eu na noite de 22 'd e
óbice que as detenha. São como tormentas que se precipitam das
setembro, no Instituto Nacional, de Música, onde Villa-Lobos rea-
montanhas que tudo arrastam no roldão das águas. Revolto-me
lizou o seu concêrto.
sim. contra águas de enxurro, águas raleiras que, sem fôrça para
O nome do audacioso artista, consagrado na Europa, já não
correr estagnam em poças charqueirões, águas que servem apenas
desp~rta o riso ; começam a tomá-lo a sério. Se o público o aco,.
para incubar mosquitos zumbidores. Torrentes, nada as deteem. •


lheu com simpatia e, por vêzes, até com entusiasmo. não fizeram
Oponham-se-lhes barreiras e comportas e elas se vingarão saber- '
o mesmo certos mocinhos da grey chamada <<futurista>>, por que
. bas desmantelando-as no tropelão possante do caudal. Em Villa- entenderam que Villa-Lobos os traíra convidando-me para figurar
. . Lobos eu sinto a fôrça dessas torrentes que se despenl1am d'alto. · no programa do seu festival, a mim <<um passadista ferrenho>>.
A sua música ( êle que me permita chamar-lhe assim) está, por
enquanto, férvida, acachoada, revolvendo-se em turbilhão espumo. . Mas será Villa..Lobos futurista? <<Não!>> disse-m'o êle pró.. '

so : catadupeja, ruge, atroa desordenadamente. Há de chegar à prio, com energia. Nem futurista, nem passadista.
planície e, remansada e límpida, correrá em rio, cantando doce- <<Eu sou eu !>>
mente, reproduzindo todos os sons da pátria, como as águas es-- O me~mo digo eu e, para que não insistam em arrolar ..me em
pelham as paisagens ribeirinhas realizando em poemas musicais bandos, declaro que não sigo bandeira nem pendões, que não te..
que. por enquanto, são tumultuosos fervedouros. o que o Poeta nho compromissos de escolas, que faço livremente o que entendo,
'descreveu no formoso sonêto <<Tarde>> intitulado : que eu sou eu, enfim, e só ! ou em latim, que é mais grave : Ego
sum qui sum. E tal como sou é que devo e quero ser julgado.
MúSICA BRASILEIRA
• •

Tens, às vêzes, o fogo soberano


Do amor ; encerras na cadência, acesa •


Em requebras e encantos ?e. impureza,
Todo o feitiço do pecado humano

Mas sôbre essa volúpia erra a tristeza '



Dos desertos, das matas e do oceano : • '


Barbará poracê, banzo africano,

E soluços de trova portuguêsa . •



1


VILLArLOBOS NA INTIMIDADE

• CRISTINA MARISTANY

UANDO falo sôbre VillarLobos, agradarme mais focalizar o


lado humano dessa grande figura, pois, sôbre a sua arte já o
mundo inteiro comentou.
Quem como eu teve o privilégio de privar da sua intimidade,
·d e cantar tantas vêzes aqui e no estrangeiro sob sua regência e •

• orientação, não pode deixar de recordar com imensa saudade o


seu humor tão espontâneo e brincalhão. Tinha muito espírito e
freqüentemente lhe ocorria fazer <<trocadilhos>> que eram quase
sempre vaiados por nós.
Era alegre e simples, sincero como uma criança e, como uma
criança gostava das coisas simples ; das fitas de mocinho, de inr
' ventar uma combinação de variados temperos nos pratos de sua
predileção ; combinações essas que resultavam excelentes !
Também era muito hábil na carpintaria e fazia bonitos armá~
rios, prateleiras, etc. Até um lindo pombal eu vi feito por êle .

Raramente estava de mau humor ; tinha grande tolerância



para com o próximo especialmente para com os que falavam mal
dêle.
Nunca em tantos anos de convivência eu o ouvi censurar ou
criticar alguém. Tão pouco êle gostava que o fizessem na sua

presença. O seu espírito sempre estêve muito distante das m1~ •


56

sérias dêste mundo. E, neste momento em que irão para o ar as


• •
suas <<Canções Típicas Brasileiras>> no programa <<Villa..-Lobos 1
sua vida, sua obra>>, organizado com o esmero e carinho habitual
'Be Arminda Villa-Lobos, eu sinto-o aqui presente ouvindo-as, in-

terpretadas por quem foi sua grande amiga e admiradora sem
limites.
• •
HEITOR VILLA-LOBOS -
O QUE SE PASSA '



NA AMÉRICA LATINA ENTRE DUAS
PARTIDAS DE BILHAR UM AUT:E!NTICO
CARIOCA DEU SUAS CARTAS DE NOBREZA

AO FOLCLORE BRASILEIRO ( *)


DENIS KALI LARA


' recente ·desaparecimento do compositor brasileiro Heitor Villa-·
-Lobos privou a música latino-americana do mais conhecido de
seus líderes. O mundo, em geral, ignora pràticamente tudo da
Arte Musical da América Latina, que alguns consideram mais,
ibérica do que latina. Mas, muitas vêzes, faz pensar que é ela

sobretudo americana. Americana, compreendamos, na acepção·
continental e não em relação ao País no qual tremula a bandeira
norte-americana .
..
Por que se é tão pouco informado sôbre o que se passa.
na América Latina, no domínio da música ? Hoje, a situação é
um pouco melhor, mas, l1á ainda, assim mesmo, muito vazio nas·
informações correntes. A culpa não é inteiramente indiferença do
mundo exterior: a América Latina parece ela própria desconhe-·
cer-se e os meios de informações que ela oferece são parcos e·
discutíveis. Cada uma das repúblicas é estranha ao seu vizinho,

e, em tôdas, os músicos não contam coi:n o apoio e a compreensão


• •
necessárias. Os intercâmbios permanecem fracos entre os compo-·


(*) Publicado no <<Tribune de Geneve~. Suíça, em 23 de fevereiro de 1963~


58 59

'
:sitores que formam individualidades brilhantes no seio de uma bem. Trabalhadores forçados sem parecer que o são, ninguém os ,

certa elite da sociedade. toma a sério, nem tampouco êles mesmos vivem desordenados,
:Êste grupo oligárquico, talhado da massa negro-indígena en- brigam, gracejam e, no entanto, tudo se faz como que por milagre.
volve um modo de pensar quase exclusivamente ibérico, tal a plu- Vejam os nosso compositor: êle passava horas ao bilhar cada
r,alidade de <<Saudades>> que sai da pena de alguns, <<Saudades noite ; para dirigir seus imensos corais de escolares, vestia 11ma
das Selvas Brasileiras>>, de Villa-Lobos ( Saudades do Brasil) · espécie de blusa carnavalesca, de côres berrantes ; se um jorna-
,0 vocábulo <<saudade>>. em português, quer dizer- «mal do lista pediá-ll1e uma entrevista, dizia coisas que cl1ocavam as pes-
país>>, sofrimento causado pela ausência dos sêres amados, o aEa@- .soàs circunspectas, irritando-as . . . mas vejamos sua obra : esta
tamento do lugar on'Ele vivemos. Estas tristes tendências evoluem obra imensa, verdadeira produção diluviana ( comparável ao de seu
particularmente nos portuguêses e brasileiros. amigo Darius Milhaud) da qual alguém jamais conseguiu orga-
nizar um catálogo verdadeiro, sendo o compositor o último a sa-
Dentre os compositores latino-americanos há três que são
ber o que produzia e onde se encontravam certos de seus originais.
mais conhecidos no estrangeiro e todos três gozam de grande
Ao lado dêste esfôrço muito real acrescentemos as longas horas
prestígio em seus próprios países : Villa-Lobos, do Brasil, doze
de trabalho passadas no escritório, redigindo regulamentos, rela-
.anos mais velho que seus dois confrades : Carlos Chaves, do Mé-
tórios, assinando papéis,, consagrando tesouros de energia à im-
xico, e Domingos Santa Cruz, do Chile. , Três contemporâneos, o
plantação de canto coral nas escolas do Brasil.
que não surpreende quando se trata de países novos. •
Contraditório, abundante, e no entanto mestre incomparável
Comecemos a falar de Villa-Lobos. :ê:le foi muito conhecido da miniatura musical êle é a incarnação mesma da alma de seu
,dos franceses, êste <<velho leão de olhos de fogo>> como dizia povo, o reflexo fiel desta terra do Brasil que êle sempre amou
Florent Schmitt e que desde a ch!!gada do inverno encontrava~se com ares enfarruscados. Escutando sua música e conhecendo-se
em Paris, rodeado de suas partituras, mordendo a ponta de um o Brasil tem-se a sensação de penetrar fundo no pensamento
volumoso charuto que nêle completava o homem. Dotado, com de Schopenhauer, quando o filósofo afirma que o compositor nos
O cérebro, de um verdadeiro braseiro, crepitando continuamente revela a essência íntima do mundo ; êle é o intérprete da sabedoria
em viagem, como num quarto de hotel, comendo, palestrando mais profunda e numa língua que sua razão não compreende.
,com amigos esquemas ritmicos, linhas melódicas e acordes sô- Há uma inconsciência do gênio e Villa-Lobos a possui plena-
bre as grandes páginas de partituras, qµase sempre sem uma ra- mente, ela é sua grande fôrça. Tomemos por exemplo sua atitu-
sura. :8le tornou-se, com a idade, um senhor muito respeitável, de a respeito do folclore. Villa-Lobos empregou-o grandemente
membro correspondente do Instituto de França, Comendador da em sua música. Mas para êle o canto popular não é de modo
Legião de Honra. Quão diferente, afinal, do jovem Dionysios .a lgum um elemento de pesquisa, de observação e de adaptação.
,que habitara um pequeno apartamento na Place S~int-Michel, nos Nisso êle é diferente de um Bartok e não tem a posição de um
anos heróicos do decênio de 1920. Brailoiu, compositor e etno-musicólogo de renome, que deu ao fol-
·c lore internacional suas cartas de nobreza. Não, Villa-Lobos em-
Nascido em 1887 no Rio de Janeiro, Villa-Lobos foi tipi-
bora não o dissesse sempre, para não irritar seus amigos, no seu
camente um <<carioca>>, isto é, um habitante desta cidade. É uma
íntimo, êle caçoava dos musicólogos e dos folcloristas. Para êle,
.raça especial que muitas vêzes nem os estrangeiros nem os que era o faro, era a intuição que contava. O que êle escreveu du-

·V'êm de outras latitudes do Brasil chegam a compreendê-la muito rante a vida do saudoso compositor cubano Amadeo Roldan :

60

h
«Roldan, dizia ê1e, con ece O Verdade iro caminho. Não podia
·ter melhor orientação, como músico americano que é. Brevemente
êle chégará à fase da criação onde se diz : o folclore sou eu e _onde
se produz melodias mais autênticas ~ind_:1 do que as que existem
concebendo-as na sua própria imag1naçao>> , APERTAMOS A MÃO DE HEITOR VILLA-LOBOS (*)
Ouvindo-se seus <<Choros>> ou suas <<Bachianas · Brasile_ira~»


torna-se mais fácil seguir o fio de seu pensamento sôbre a cr1açao EDMUNDO Lvs
subjetiva dos motivos folclóricos. .
STAMOS hoj e apertando a mão, e muito cordialmente, ao in-
signe brasileiro Heitor Villa-Lobos, pelos gloriosos setenta anos
que acaba de completar. Setenta anos de gênio, coroado de lou-
ros, tão justamente merecidos pelo eminente artista que tanto tem
feito pela música e pela grandeza do Brasil.
Villa-Lobos foi, pode-se dizer, o renovador da música brasi-
leira, desde os seus inícios : recorrendo ao abundante material
folclórico, às reservas afro-brasileiras, ao estoque ameríndio, o
grande Villa-Lobos repetiu o episódio do bandeirismo revelando
o Brasil aos brasileiros, um mundo verde e assombroso como o dos
Borba Gato e dos Fernão Dias, abundante de riquezas inespera-
das, consoante de pedrarias, fulgindo o seu ouro de lei nos mila-
gres do pentagrama.
Na música de Villa-Lobos, no novecentos, como na música
1
de. Carlos Gomes, no século XIX, cantaram novas vozes, canta-
• ram novas harmonias nativas .
O campineiro nos dera no <<Guarani>> as primícias do india-
• nismo romântico. Aparecendo no século XX, quando a ópera era
já um gênero superado, Villa-Lobos redescobriu os índios no <<Ui- •

rapuru>>, vendo-os com os olhos desta centúria em que o senti-



mento trágico perdeu em romance, ganhando em humanidade. De-
pois, excursionou pelo mundo negro, revelando as maravilhas in~
suspeitas do ritual afro-brasileiro, a contribuição das melodias bár-
baras, o caldeamento do banjo na alma dos seresteiros e nos acen-

tos nostálgicos de nossos choros .

(*) Crônica lida na Rádio do M. E. C. em 1957 .

• •
• •

• 62 - • •

E Villa-Lobos, senhor de um estilo nôvo e original tor-


nou-se, de golpe, um dos mestres da música nova, essa música
que procurou exprimir a tragédia e as alegrias de nossos tempos,
nossos entusiasmos e nossas angústias.
Aos setenta anos, Villa-Lobos é um jovem músico do mundo.
Sua obra, numerosa e qualitativa, nada sofreu com o correr do •

CARTA A VILLA-LOBOS
tempo. Como as grandes organizações de artistas. Villa-Lobos
nada perdeu de seu poderoso talento criador. Ainda agora, êle
.'
vem de ter nova consagração, nos Estados Unidos. E os mesmos ELEAZAR DE CARVALHO
jornais que anunciam sua idade provecta, recortam da imprensa
americana os louvores unânimes que se derramam sôbre a bela
cabeça do eminente artista nosso.
ANGLEWOOD, Lenox - 20 de julho de 1946.
Entre as suas glórias, que são muitas, das maiores já con-
quistadas por um músico, em qualquer época, em qualquer país
Meu caro Mestre, Maestro Villa-Lobos.
conta Villa-Lobos a de nos ter ensinado o Hino Nacional.
Por mais estranho que o pareça, até Villa-Lobos, o Hino Brasi-
Era meu desejo escrever-ll1e uma longa carta de agradeci-
leiro, o Cântico da Pátria essa página de béleza e de civismo,
música de nossas canções, primeira lição patriótica de nossa ju- mento pela sua gentileza que teve em prestar-me o gra11de obsé·
ventude era entoada erradamente, mal cantada pelos coros mar- guio já do conhecimento de todos, quando recebi a sua distinta
ciais e juvenis. Assim, a tôdas as grandezas de seu gênio, às missiva, acompanhada de uma outra para Mrs. Urban, da A sso-
numerosas lições que sua arte nos ensinou Villa-Lobos nos ciated Music Publishers.
aprendeu também essa, que a Pátria lhe agradece, entre tantos
Realmente, Maestro Villa-Lobos, foi devido à sua intervenção
agradecimentos que lhe deve e que lhe faz, com orgulho do filho
que eu pude ter a oportunidade de demonstrar ao seu amigo,
dileto. Maestro Koussevitzky os poucos conhecimentos que possuía da
Ao Maestro Heitor Villa-Lobos, pois, aqui deixamos hoje, difícil arte de reger orquestra. Sem ela, eu teria que esperar mais
com a alegria de tê-lo conosco, com a vaidade que êle nós dá, da um ano e, talvez, não tivesse a mesma consideração que e~tou
terra e da raça, do Brasil aqui deixamos nosso afetivo apêrto tendo agora. Não poderei, portanto, Maestro Villa~Lobos, jamais
de mão, com a honra de estreitar a destra que escreveu tantas esquecer o seu gesto, a sua bondade, o seu desprendimento, o seu
das mais belas páginas de música de nosso tempo. altruísmo.
É sôbre isto que desejava lhe escrever. É sôbre êsse assunto
que lhe estou escrevendo. Muito obrigado, Maestro Villa-Lobos .

Muitíssimo obrigado.
_ Estou envergonhado, é verdade, de, sendo seu compatriota ,
nao ter penetrado no valor de sua obra, precisando vir a um país
estrangeiro, para fazer côro com a unânime opinião de todos.
-


-64-

P e lo fato d e s e r também brasileiro


, te n h o recebido c a r in h o s a s
-d e m o n s tr a ç õ e s d e simpatia, tu d o
porém, v is a n d o a s u a personal~- •

·d a d e . E n t r e os professôres d a o
r q u e s tr a d e Boston, o s e u p r e s ti -
gio é, realmente, sólido. E note,..s
e q u e o maior crítico d o r e g e n te
é a o r q u e s tr a .
.
P o b r e d e nós, q u a n d o queríamos
emitir u m a opinião s ô b r e o
~eu tr a b a lh o ! A g o r a é que vimo
s a realidade, é q u e verificamos V I I ,L A ...L.OBOS, M A G I A M U S I
,q u a n t o ridículo fizemos em n ã o c o CAL
o p e r a r todos ju n to s , p a r a t o m a r
mais forte a única fôrça viva que
possuímos : <<you>>.
E m c a r t a q u e escrevi a o Brasil, dis E L S A CALCAGNO
se q u e to d o s os brasileiros
'deveriam v ir aos E s t a d o s U n i d o s
p a r a v e r d u a s coisas : a s e s t r a -
d a s e verificar como o Brasil é v
alorizado a tr a v é s d a r e s p e it a d a
p e r s o n a li d a d e d e V il la...Lobos. ...... o u fervorosa a d m ir a d o r a d a mú
sica brasileira, d e s d e s u a s o r i-
E s t o u muitíssimo orgulhoso de te r ginais melodias populares a t é a s e
merecido êsse especial fa- levadas concepções d o s g r a n d e s
vor, e quero que O senhor fique c compositores dêsse imenso país :
onvicto d e q u e te_rá e te r n a m e n te Nepomuceno, B r a g a , T a v a r e s ,
.-a m in h a g r a ti d ã o , o meu resp
eito, a minl1a admiraçao. C a m a r g o Guarnieri, Lorenzo F e r n
a n d e z e R a d a m é s G n a ta li , e n t r e
N e s s a o p o r tu n id a d e peço a p r e s e n o u tr o s e, especialmente, d e H . Vi1
ta r à E x m a . Família a s mi .. 1a ... Lobos, a quem tive a h o n r a
.n h a s homenagens e receba o muit d e conhecer e a s s is ti r a q u i em m
o reconhecido abraço. in h a p á t r i a .
'V i l l a ... Lobos levou seu país a o a
p o g e u universal d a c u lt u r a
( a .) Eleazar de Carvalho. musical, p o r q u e é um a r ti s ta que
• u n e à solidez e complexidade d e
s u a técnica, um a p a ix o n a d o e com
unicativo temperamento, de fun-
d a e x p r e s s ã o e in te n s o clímax : ta
l como essa t e r r a maravilhosa
o n d e n a s c e u e c a n to u com lingua
gem e le v a d a . D iá r ia m e n te e s -
c u to V il la... Lobos, pois s u a s obra
s figuram p e r m a n e n te m e n te nos
p r o g r a m a s d e nossos concertos púb
licos e radiofônicos.
A t r a v é s d e o b r a s d e diversos gên
eros : sinfonias, d e c â m a r a ,
vocais, in s tr u m e n ta is e corais, s u a
inexgotável in s p ir a ç ã o falam ... me
'd e s e u maravilhoso país n a plenit
ude d e s u a beleza e n a p u ja n ç a
d e s u a s g r a n d e s cidades, d e s u a
• s selvas, e de s u a s m o n ta n h a s .
D ê s s e Brasil que e s tá sempre em
meu coração e q u e V i l l a...Lobos
e x a lt o u com s u a técnica d e hábil c
r ia d o r e o e n c a n to d e s u a s sen-
timentais melodias . . . m a r c a n d o a
n o b r e z a d e seu povo e d e s u a
r a ç a ; s u a s dôres, s e u s amores e
s u a s inquietudes. O p r e s s e n ti r
d e u m a t e r r a p r ó d ig a em majesto
sos p a n o r a m a s q u e do a lt o do
C o r c o v a d o o R e d e n to r p r o te g e e
abençoa. V il la ...Lobos e s tá a í
sempre presente, com t ô d a a mag'i
• a de s u a espiritualidade.
'

• •


• •


'• O QUE FOI A SEMANA DE ARTE MODERNA EM SAO
PAULO COMO ENTROU EM SAO PAULO A MúSICA
• DE VILLA... LOBOS O PúBLICO PAULISTA DEPOIS DE
PATEAR GRAÇA ARANHA APLAUDE VILLA...LOBOS (*)
(Especial para «A Província»)

ERNANI BRAGA

ILLA ... Losos


tem hoje não só na música brasileira, mas na uni..
versai, um lugar de brilhante destaque. '8 uma das ,grandes fi-
guras da arte moderna. Mas antes de chegar a essa posição, en-
controu muitos espinhos pela estrada. Sofreu muita hostilidade.
Primeiro, dos mestres e dos colegas conservadores e rotineiros,
irritados contra sua audácia de fazer cousas nunca dantes feitas.
Depois, do público habituado ao gênero água com açúcar, e que
se sentia desnorteado ouvindo a <<desafinação>> da sua música.
Era música de doido. O doido venceu a batalha. Muita gente
continua convencida da sua loucura. Pouca gente tem a boa
franqueza de confessar que não gosta da sua arte. Assim Villa...

..Lobos é vitorioso em tôda a linha. Conta com os seus adeptos


sinceros e conta com uma densa legião de ·· snobs>> .

1 Como entrou em São Paulo a música de Vilfa ...Lobos


'
Essa legião não estava ainda farmada em São Paulo, no ano

de 1922, quando lá estivemos, a convite de Graça Aranha, para
tomarmos parte da memorável Semana de Arte Moderna. Havia

em todo caso, uma espectativa de simpática curiosidade em redor

de nós. O causador do fracasso todo foi Graça Aranha. Era êle

( *) Publicado em Recife em maio de 1929.


68 69 -

o advogado do nôvo credo. A sua oração inaugural ia sendo Chiaf farelli, para um grupo de discípulas suas e convidados.
atentamente seguida pelo público que enchia o Municipal da Pau~ VillarLobos estava presente. Quando eu acabei, êle se levantou,
licéia. De vez em quando um sorriso, até alguns aplausos. E de olhos arregalados, e declarou energicamente no meio da sala
Graça• Aranha foi demolindo, um após outro, os ídolos antigos. que aquilo que eu tocara 11ão era dêle.
Bach, Beethoven, Wagner, todos êsses grandes gigantes foram
. caindo sucessivamente. O público ia se divertindo com a demoli~• Com pedal e sem pedal
ção e achando engraçado o demolidor. Mas quando êle, icono~
Foi um, sucesso. Expliquei, então, aos ouvintes que O autor
clasta irreverente, levantou a mão sacrílega para derrubar o ídolo
Carlos _Gomes, foi a conta. Que Graça Aranha pusesse abaixo exigi_ª; .clu.r ante a peça, e principalmente no final, um pedal contí~

o semi~deus dos Oratórios e o das Sinfonias e o da Tetralogia, n_uo q~e me parecia insuportàvelmente cacofônico. Chiaf farelli pe~
d1u <<bis>> para a <<Fiandeira >>, com o pedal do autor. Fiz a vontade
estava muito direito. Era ttma brincadeira inocente. Mas bulir
ao velho mestre. E todos pareceram muito contentes com a caco~
com o pai de Guarani, paulista ali de Campinas! Não <<seu >>
fonia, inclusive Villa~Lobos que me abraçou entusiasmado. Só
Graça Aranha, isso era desafôro, e merecia castigo. Foi uma
quem não gostou foi ·Chiaffarelli. Tomourme a um canto, e me
vaia tremenda, formidável, uma cousa do outro mundo, um ba~
aconselhou : use o pedal como da primeira vez : o Villa não
rulho de todos os infer11os. Ninguém mais se entendia. A muito ' . .
e pianista; você é quem está com a razão. Pois bem, quando no
custo o tumulto foi, aos poucos, serenando. Consta que houve
intervenção da polícia pé;lra conter os exaltados das galerias. E m~io da_ ~erturbação em que eu estava pelos incidentes daquela
noite fatid1ca, chegou o momento da <<Fiandeira>> , fiquei sem saber
foi nessa atmosfera efervescente que a música de Villa~Lobos fêz
o que devia fazer. Com pedal ou sem pedal? VillarLobos ou
a sua entrada em São Paulo.
Chiaffarelli? Segttindo o conselho do 'mestre acatado podia pro~
Depois de patear Graça Aranlia, o público aplaude Villa~Lobos vo~ar um protesto do autor, e desta vez diante de um público já
meio zangado. Ataquei a peça litigiosa em plena turbação de sen~
É preciso assinalar que o público paulista se revelou, nessa tidos. E reduzira à quarta parte, porque me perdi no meio, e me
circunstância, perfeitamente educado, e de um cavalheirismo ir~ achei, sem saber como, na última página. Q , auditório gostou
repreensível. Depois de sufocar com a sua pateada o discurso de daquela peça tão viva, tão extravagante, e . . . tão curtinl1a. Por
Graça . Aranha e os protestos de Menotti, de Mário, de Ronald, isso aplaudiu muito, não dando tempo a VillarLobos de protestar.
ôe Oswaldo, recebeu com palmas Villa~Lobos e seus intérpretes Chiaffarelli depois me felicitou por eu ter encontrado a fórmula
- quando entraram em cena. Mas todos nós, Paulina d'Ambro~ exata de resolver o problema. Além de mestre admirável de arte
sio, Alfredo Gomes, Frederico Nascimento, Frutuoso Lima, e eu pianística, era Chiaffarelli sutilíssimo na arte da ironia. •

estávamos contrafeitos e nervosos. Paulina tremia de emoção, de Em Paris, cercado de homenagens, bafejado pela celebridade,
mêdo, e ao terminar desatou numa crise de lágrimas. Frederico Villa~Lobos talvez se lembre, de vez em quando, cheio de bom
Nascimento, o Pequenino, artista de alma e boêmio de coração, humor agora, dos espinhos da Semana de Arte Moderna.
ouvindo uma risada enquanto êle cantava, desafiou o homem que
ria para vir brigar com êle no palco.
Quanto a mim, não sabia bem o que estava fazendo. Lem~
bro~me que tinha de tocar a <<Fiandeira>> de VillarLobos, entre
muitas outras cousas. Dias antes executara essa peça, que era
a mais recente do meu querido amigo, em casa do professor Luiz




VILLA-LOBOS

.• • EUGENE ÜRMANDY ( *)


mundo sõmente, uma ou duas vêzes pode constatar, numa ge-
ração, um g,ênio espontâneo e original de criação musical .

Tal compositor foi Villa-Lobos, a maravilha musical de nosso


século, o maior espírito criador de seu torrão, o Brasil .

A música foi para êle a sua verdadeira linguagem. Com mú-


sica êle expressou cada um de seus pensamentos. A música trans-
• ' bordava dêle sem cessar era um autêntico manancial de música.
Das milhares de composições, que êle nos deixou, existem algu-
mas que serão executadas em -qualquer época, pois elas ultrapas-
saram o âmbito nacional tornando-se, por isso, o testemunho indi-
vidual de uma admirável personalidade criadora .

( *) Regente Norte Americano.


VILLA-LOBOS

EURICO NOGUEIRA' FRANÇA

'
portentosa torrente de fôrça criadora que constitui a bagagem.
de Villa-Lobos é bem um sinal de gênio. O conjunto de suas

composições representa um legado mais vasto do que o de qual-

quer outro mestre contemporâneo .
A grande fertilidade, de fato, não· caracteriza a atividade
criadora musical do nosso tempo. Pela sua extrema fecundidade,
Villa-Lobos se assemelha às grandes figuras do classicismo. Êsse
paralelo, que sob outros aspectos resultará chocante, pois Villa-
• -Lobos foi um artista por excelência anticlássico, faz-se legítimo
porque, quanto à espontaneidade criadora, os extremos se tocam.
Temos, de um lado, .artistas que, embora enriquecendo a cada
momento a forma, empregam uma estrutura prevista. Essa ati-
tude estética já condiciona o fluxo natural e generoso de idéias.
Com Villa-Lobos deparamos, ao revés, como ponto de partida da
sua música, uma livre e segura despreocupação pelo problema
formal. Essa atitude estética, mais ainda, condiciona a exuberân-
cia da inventiva, e é traço peculiar de Villa-Lobos.
Em matéria de prodigalidade criadora, de prolificidade genial,
ninguém vence, nos tempos modernos o grande mestre patrício.
Todos os gêneros de concêrto são vultosamente contemplados e,
só no âmbito da música de câmara, cujas dimensões são vastíssi-

mas, há dezessete Quartetos de Cordas! Hoje ouviremos o 15Q e
o 17°. E então temos de reconhecer no trato de formas essenciais
da música que embora uma forma das mais complexas e brote a .
música inteira do inconsciente de Villa-Lobos, com a pujança, a .

• •


'

'
-74-

-instabilidade, os aprofundamentos súbitos, e o prestígio de sur-


_prêsa que a caracterizam, só uma alta consciência de artista pode-
ria ter dominado êsse avançado <<métier>> técnico, que se traduz
no admirável e denso equilíbrio dos quatro instrumentos. O 15º
Quarteto, escrito em Nova York, é dedicado ao <<New Music
String Quartet>>, que hoje não mais existe, e que tão magistral- VILLA-LOBOS ( *)
mente executou à primeira vista essa composição, das mais difíceis,
na presença do maestro fazendo jus à dedicatória consagradora.
GERALDO QuARTlM
O derradeiro Quarteto do mestre inaugura a audição, e é
,obra que Villa-Lobos pouco antes de ser roubado a êste mundo,
queria, vivamente, ouvir. Mal sabiam, Arminda e êle, que o Quar-
teto de Budapeste estava dando a primeira audição da obra-prima
Semana Villa-Lobos com que São Paulo homenageia o genial
em Washington. O «tape» chegou aqui quando o mestre já se
maestro patrício, oferece-nos o ensejo também para a nossa mo-
,extinguira.
desta manifestação.
O Quarteto do Rio de Janeiro ( Mariuccia lacovino, André
Guetta, Henrique Niremberg, Peter Dauelsberg) tem na figura da Heitor Villa-Lobos nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no
-violinista que o encabeça, e que é autêntica pioneira da música de dia 7 de março de 1887 e completou, portanto, setenta anos.
,câmara entre nós, a sua animadora artística, de inflexível ânimo.
Segundo a crítica especializada, principalmente a alienígena,
Ela própria recolheu de Villa-Lobos a tradição estilística que con-
lere vida e relêvo às interpretações do conjunto. Villa-Lobos é o maior músico vivo do Brasil ,e quiçá o maior de
todos os tempos, isto porque a sua obra representa melhor do que
a de outros, a sua terra e a sua gente; a mesma crítica coloca-o
entre os mais ilustres compositores contemporâneos. ao lado de
Sibelius, Stravinsky, Schoenberg, Hindemith e outros. Há quem
.afirme, convictamente, ser êle o maior compositor vivo.
Já em 1923, quando ainda moço e desconhecido, foi a Paris
para mostrar à elite musical parisiense e européia o que havia rea-
lizado no Brasil, e não para implorar a oportunidade de ser ou-
vido ou de aprender. Percorreu quase todo o Brasil, principal-
mente o Norte, em viagem de estudos, colhendo material folcló-
rico, assunto, aliás, no qual é considerado autoridade. É magis-
tral regente. Como professor imprimiu inovações verdadeiramente

( *) Publicado na «A Gazeta» de São Paulo em 30/9/57.

'

'
76 - 77 -

revolucionárias no ensino musical em nosso país. Grande anima~ neiro ; Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico ;
dor e condutor do canto orfeônico. Delegado da UNESCO; agraciado recentemente com a Ordem do
Estêve várias vêzes na Europa e viaja anualmente para os Cruzeiro do Sul, pelos relevantes serviços prestados à música bra-
sileira. ·
Estados Unidos, regendo as maiores e mais famosas orquestras
sinfônicas do Velho e Nôvo Mundo. Finalmente, no dia 25 do corrente, Villa-Lobos tornou-se,
O <<New York Times>>, em editorial publicado em princípios também, cidadão paulistano, graças ao título que lhe foi solene-
de março último, afirma o seguinte : <((Heitor Villa-Lobos. o mais mente .conferido pela Câmara Municipal de São Paulo.
famoso compositor brasileiro e um e.los músicos verdadeiramente
distintos de nosso tempo, completará 70 anos esta semana. Sua
energia e seu entusiasmo não decaíram e o seu poder criador con-
tinua em ascensão. :Êle seria uma figura notável em qualquer
época ; em sua própria época êle é uma personalidade enormemente
influente, conduzindo o seu próprio povo a um espraiamento de
sua cultura e ao redescobrimento de suas raízes musicais>>.
No dia 4 do mesmo mês, Villa-Lobos foi homenageado pela
Municipalidade de New York, a qual lhe conferiu a sua mais alta

honraria : <<Citação por Serviços Meritórios e Excepcionais>>.
t

Além de inúmeros títulos, comendas e condecorações ainda


não devidamente relacionadas, Villa-Lobos é portador dos seguin-
tes : Membro Fundador e Presidente da Academia Brasileira de •

Música: Membro Titular do Instituto de França; Membro Hono- •

rário da Academia Real de Santa Cecília de Roma; Doutor Ho . .


noris Causa pela Universidade de Nova York; Grande Oficial do
Govêrno do Paraguai; Membro Correspondente da Academia Na-
cional de Belas Artes da Argentina; Doutor em Leis Musicais
pelo Occidental College de Los Angeles ; Comendador da Legião
de Honra (França) ; Membro da Academia Filarmônica da So-
ciedade de Belas Artes (França) ; Membro da Academia Filar-
mônica Romana (Itália) ; Membro da Academia de Belas Artes

de Nova York; Membro do Festival Internacional de Salzburgo
(Áustria) ; Conselheiro da Sociedade dos At1tores do Rio de Ja-


• •

• • VILLA-LOBOS

• GUILHERME CANEDO DE MAGALHÃES

nome de Villa-Lobos é sempre evocado, com a maior admira-


ção, por quantos conhecem a sua obra, e, mais ainda, por aquêles
que tiveram oportunidade de com êle privar.

A sua presença marcante despertava um profundo respeito,
pela fecundidade da primorosa criação artística, pelos aplausos que.
recebia das platéias de tôdas as nações, «onde a sua música, como
uma centelha divina de arte, traduz, de maneira inequívoca, o,
transbordamento da alma tropical, em suas variadas exteriori-
-
zaçoes>>.
Por ocasião do seu septuagésimo aniversário, a Nação quis,.
em 1967, mais uma vez, reverenciar a figura Villa-Lobos e ho-
menagens foram programadas, procurando traduzir a gratidão, pelo
que fizera a favor da educação musical e buscando gestos que·
pudessem dizer, com real expressividade, do reconhecimento na-
cional, de que era merecedor.
Surgiu, no Congresso Nacional, a idéia de perpetuar-se a sua.
existência, com a criação do <<Museu Villa-Lobos>>, tendo o saudoso,
Deputado Gabriel Passos oferecido projeto de lei, nesse sentido.
Embora a iniciativa merecesse todos os louvores, medidas mais
objetivas, no entanto, eram reclamadas para melhor expressar o.

reconhecimento do Estado à inolvidável obra de Villa-Lobos .
• Na época, servia eu como Assessor do Ministério da Educa-

ção junto ao Congresso Nacional e, chamado a emitir um pronun-


80 - 81

ciamento sôbre o projeto de lei apresentado, tive oportunidade de,



A sua permanente presença deve ficar bem viva, sobretudo
assim, me manifestar : • no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, onde está tôda a
sua grandiosa obra a favor da juventude brasileira. E daí mais
<<A proposição pretende prestar homenagem ao maestro V illa- conveniente se nos afigura que uma sala daquêle Conservatório
.-Lobos, determinando a criação de um Museu <<destinado a con- seja consagrada com o nome do grande compositor brasileiro. Na
servar tudo quanto possa lembrar a pessoa do maestro, objetos de <<Sala Villa-Lobos>>, do Conservatório Nacional de Canto Orfeô- •

uso pessoal, partituras e quaisquer outros documentos>>. nico, deverão ser expostas as partituras do maestro e instalada ••

O grande compositor brasileiro merece indiscutivelmente, tô- uma biblioteca musical especializada sôbre educação musical.
. das a s homenagens, pelos relevantes serviços que prestou ao País, Outrossim, o Govêrno Federal deveria promover a publicação
realizando, como bem salienta o ilustre autor do projeto, <<uma •
dos seus trabalhos musicais, em edição oficial e, ainda, adquirir
obra ímpar pela originalidade nos domínios da educação das mas- suas obras para ampla divulgação a bibliotecas e a estabelecimen-
sas, imprimindo características singulares ao aperfeiçoamento e, so- tos de ensino especializados.
bretudo, ao conhecimento e divulgação da música, com a cr1açao
. -
Parece-nos, ainda, que, como homenagem a Villa-Lobos seria
,do orfeão de professôres como um meio de coordenar sensibilida- oportuna a criação de um Corpo Coral no Conservatório Nacional
des, reunindo crianças escolares e despertando nelas o gôsto pela de Canto Orfeônico, atendendo à proposta oferecida pelo maestro
.
'
musica>>. ao Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura, em agôsto de 1955
O seu trabalho não ficou limitado ao âmbito nacional, pois e em setembro corrente, ressaltando a importância da sua criação,
que levou ao exterior aspectos do folclore do nosso paí_s, através nos seguintes têrmos :
das suas magníficas composições e, ainda, regendo conJuntos or- ,
<<Desde a criação do Conservatório Nacional 'd e
questrais de inúmera s nações do mundo.
Canto Orfeônico, que vimos procurando incentivar a
Na direção do Conservatório N acional de Canto O rfeônico, arte superior do Canto Coral, além das suas próprias
O maestro Villa-Lobos prestou e vem prestando os mais relevantes finalidades pedagógicas de formação de Professor de
serviços no que se ref ere à educação musical da nossa juventude,
Canto Orfeônico, que é o ensino social pela música em
através do canto orfeônico, prática educativa obrigatória nos esta ...
razão de considerarmos que o Canto Coral proporciona
belecimentos de grau médio.
o levantamento do nível artístico num convívio coletivo,
Aproxima-se o maestro Villa-Lobos da idade de 70 anos, mo- aperfeiçoando o senso de apuração de bom gôsto, bem
tivo pelo qual terá, na forma da legislação vigente, de se afastar como despertando o amor mais profundo pela arte, múJ
do Serviço P úblico F ederal. No ensejo de seu afastamento do
sica séria e o interêsse pelas realizações artísticas .
.Serviço Público, o Govêrno F ederal n ão pode, a n osso ver, deixar
de tributar ao ilustre e operoso maestro homenagens que traduzam . Comumente somos solicitados oficial ou extra oficia}...

mente para participarmos com os elementos escolares em
O seu reconhecimento pelo quanto contribuiu para a educação da
nossa juventude. festividades ou solenidades, e que em virtude de acúmulo
dos trabalhos escolares não temos meios para atender a
A criação de um Museu, como pretende a proposição, seria
essas solicitações.
uma homenagem digna. Medidas objetivas, no entanto, deveriar:1
ser tomadas para melhor expressar o reconhecimento do E stado a A vista do exposto, tomo a liberdade de propor a
,obra de Villa-Lobos. V. Exa. seja criado neste Conservatório um Corpo Coral
'



permanente, composto, no mínimo, de 40 elementos pro-
Art. 49 Fica criado, no Conservatório Nacional 'd e Canto
' • fissionais, a ser~m admitidos mediante prova de seleção.
Orfeônico, o Corpo Coral Villa-Lobos.
Caso a proposta ora apresentada vier a merecer a Art. 59 O Ministério da Educação e Cultura deverá baixar
aprovação de V. Exa., ficaremos capacitados para aten- as instruções necessárias para o cumprimento do que estabelece o

der às solicitações, bem como para propagar e difundir artigo anterior .
a música sacra e outras de alta importância, de música
erudita>>. Art. 69 Como reconhecimento aos serviços prestados à mú-
sica brasileira pelo maestro Villa-Lobos, ficam concedidos pro-
ventos integrais, por ocasião de sua aposentadoria compulsória
Essa proposta que mereceu plena aprovação do Exmo. Se-
no cargo de Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeô-
• nhor Ministro da Educação e Cultura poderia, agora, ser efetivada,
nico do Ministério da Educação e Cultura .
com a criação do Corpo Coral, com o nome do consagrado maestro.
Art. 79 Para atender às despesas com o Corpo Coral Villa-
Finalmente, ponderamos que, por ocasião de sua aposentado-
-Lobos a lei orçamentária deverá destinar· ao Conservatório Na-
• ria compulsória, como Diretor do Conservatório Nacional de Canto
cional de Canto Orf eônico a dotação anual de Cr$ 1 . 000. 000.
Orfeônico, o maestro Villa-Lobos terá direito, apenas, a proventos 0
Art. 8. Para atender às despesas a que se referem os arti-
proporcionais ao tempo de serviço público que possui. Como prê-
mio aos serviços prestados à Música Brasileira, mereceria o maes- gos 19, 29 e 39 da presente lei, fica o Poder Executivo autorizado
a abrir crédito especial de Cr$ 1 . 000. 000.
tro Villa-Lobos, no nosso entender, a aposentadoria com proventos
integrais, homenagem que também sugerimos na oportunidade que Art 99 Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação,
se apresenta. revogadas as disposições em contrário>>.

Tendo em vista essas considerações, tomamos a liberdade de A idéia da criação do Museu Villa~Lobos ficou, no entanto,
• lançada. .
lembrar o oferecimento do seguinte substitutivo ao projeto de lei
• em aprêço : E, após a morte do grande compositor brasileiro, o então Mi-
nistro Clovis Salgado sugeria a instituição do Museu, registrando
<<Ü Congresso Nacional decreta: na proposta, quando se referiu a Villa-Lobos :

Art. 19 Fica o Ministério da Educação e Cultura autorizado <<Se é verdade que a sobrevivência dessa obra está
a instalalar, no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, uma no seu próprio mérito, não nos esqueçamos, porém, de
sala especial denominada <<Sala Villa-Lobos>>, com uma exposição que nos cabe, contemporâneos do genial compositor, acau-
permanente das partituras daquele maestro e de obras especializa- telar a preservação do seu acervo musical>>.
das sôbre educação musical.
E, referindo-se ao Museu Villa-Lobos, a ser criado, a pro-

Art. 29 O· Ministério da Educação e Cultura fica autorizado posta ministerial dizia das suas finalidades :
a promover, em edição oficial, a publicação das partituras do maes.-
tro Villa.-Lobos, para divulgação no país e no estrangeiro. <<E:sse órgão, com tôdas as características dos Mu-
Art. 39 O Ministério da Educação e Cultura está autorizado seus, teria, ainda, como finalidade, contribuir, sob a ins-
a adquirir obras musicais do maestro Villa-Lobos, para ampla di- piração do seu patrono, para a caracterização e prestígio
vulgação a bibliotecas e a estabelecimentos de ensino especiali- da arte musical brasileira. Seria, afinal, o núcleo de um
zados. Instituto de Musicologia, de cuja falta já se ressente o
nosso ambiente cultural>> .


81-

E, acolhida a sugestão, surgiu o Museu Villa...Lobos, com o


Decreto n9 48. 379, de 22 de junho de 1960, para a perpetuação
de Villa...Lobos, com a sua permanente presença sempre viva no
Palácio da Cultura, sede do Ministério da Educação, pela sua
obra imorredoura e pela atuação da Diretora do Museu Villa...
...Lobos que, cultuando a sua memória, de forma inexcedível, tra ...
duz tôda a admiração nacional, com a evocação constante da sua A MúSICA E A MEDICINA
vida e da sua obra.

HEITOR VrLLA ... LOBOS

Á várias afinidades entre a medicina e a música.

Talvez a mais pitoresca seja a existência entre os palpiteiros


'd as profissões alheias.

Com a mesma facilidade que um funcionário público, leigo na


medicina, receita a um médico uma aspirina, um engenheiro, ad...
vogado ou dentista doutrina sôbre música, até mesmo a de gênero
popular.
• •
A razão destas anomalias, talvez seja porque tanto o músico
como o médico são profissionais que se destinam a curar a huma ...
nidade.

O médico - pelo diagnóstico, e o músico - pela sugestão


psíquica .


Os destinos dêstes dois abnegados da ciência e da arte, cru...

zam ... se de tal forma que chegam a ter semelhanças na luta pela
realidade profissional das suas funções, no combate aos misti...
ficadores.

Assim como existe o curandeiro no falso exercício da medi...



cina, existe também o músico curandeiro.

Sei bem que, tanto o médico como o músico e ·o curandeiro,


devem viver, mas, neste caso, devemos nos lembrar do velho adá...
• gio : <<Cada macaco no seu galho>> !

• (•


86 -


O médico, por exemplo, ao terminar seus estudos, quando lhe • •

aparece um caso especial na sua clínica, não pode prescindir de •

recorrer ao mestre que possui longos anos de prática e tirocínio.


Na mesma circunstância encontra.-se o músico que não po-
derá substituir a verdade dos tempos amadurecidos de outros mú.- ••
sicos, que passaram à trajetória artística de sua, carreira. com pro.- •
fundas experiências de conhecimentos adquiridos. CONCEITOS SôBRE EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS
·E CONSERVATóRIOS
Postos os fatos em seus têrmos, todo o cliente deveria seguir
à risca os conselhos do seu médico, assim como todo o ouvinte
amador da Música, deveria apenas escutar o pensamento sonoro HEITOR VrLLA.-LOBOS
do compositor. •

"
'

s Conservatórios educam artistas ou fabricam músicos teóricos


- literatos ou amadores que todos os anos ingressam de seus cur.-
1 '
sos para enfrentarem o terrível problema da subsistência, porque o
• público da atualidade, desviado, na sua maioria, das manifestações
artísticas e, principalmente, no que se refere à música, não tem
• interêsse em ouvi...las. Talvez a educação física levada ao extremo
da moda, o exagêro do futebol. os grandes espetáculos esportivos,
as sociedades de rádio e a confusa berraria de eletrolas que, simul.-
tâneamente, executam discos populares para vários gostos, não
sejam indiferentes a êste fenômeno.

Por um ou outro motivo, o importante é que, dia a dia, os •

artistas têm menos público e portanto escassas possibilidades de


trabalho.

Daí a absoluta necessidade de educar o público para que êle


possa ter capacidade de saber sentir e julgar .a arte musical.
É indispensável orientar e adaptar neste sentido a juventude
dos nossos dias e começarmos êste traball10 muito cedo com as •

gerações mais novas, sobretudo nas crianças de cinco a quatorze


I anos. Seus fins não são os de criar artistas nem teóricos de mú.-

sica. senão cultivar o gôsto pela mesma e ensinar a ouvir.


Todo mundo tem capacidade para receber êsses ensinamentos.
pois. sendo capaz de emitir sons para falar, pode emiti...los também

para cantar ; assim como têm ouvidos para escutar palavras e sons •

88 - 89 -

.
'
Tudo é uma questão de educação realizar o que sõmente seria possível em vários anos, se não fôs ...
também os terão para musica.
e de método. sem empregados exercícios prévios, para melhor sentir consciente..
• mente a música.
O mais importante e o primeiro ensinamento que a criança
'd eve adquirir é a Consciência do Ritmo. Nos citados processos de orientação de ensino de música e:
canto orfeônico do Guia Prático, o fato de se tornar necessária a
Esta lição se deve realizar sem a intervenção de som algum.
implantação metronômica e o desenvolvimento mecânico das fun,..
senão com golpes marcados e ajustados a um ritmo determinado ções do Ritmo, do Som, do Timbre, da Dinâmica, do Intervalo e do
pelo metrônomo, ·empregado da seguinte maneira : primeiro, um só Acorde, a qualquer pessoa que se destina a estudar a arte dos sons,
golpe para cada um dos movimentos do metrônomo, até que te-
é porque sendo a música uma arte que se baseia em fundamentos.
nham compreendido perfeitamente o que é o que significa a Uni- •

essencialmente físicos para ser transportada às mais altas inter-


dade de Movimento e de Tempo, extraída do funcionamento na-
pretações psíquicas, exige, preliminarmente, um trabalho material
tural que determina a existência das cousas, dos fatos e de todos •
de apuração dos sentidos daqueles que mais aprendem os elemen..
os fenômenos biológicos ; em segt1ida, subdivididos em dois gol-
tos físicos do som numa progressão de sensações.
pes; mais tarde, em quatro; depois, em contratempo com o metrô-
nomo, até perceberem a síncope e, assim, irão realizando, pouco O som físico desperta no indiferente a consciência da curio,..
a pouco, exercícios diversos, conducentes ao mesmo fim. sidade _de . e~perimentar estranhas emoções, através do tempera..
menta 1nd1v1dual e do desenvolvimento da cultura intelectual ( 0
Transcorridos alguns meses desta aprendizagem, os alunos •

que se pode chamar um bom músico da teoria e da literatura do


terão uma noção tão precisa de ritmo, que uma ou várias classes •
som) , elevando, no entanto, o movimento progressista de novos
reunidas poderão marcar simultâneamente ritmos distintos, sem a
conhecimentos ao subconsciente, será formado, então, 0 verdadeiro
menor confusão ou tropêço. Depois de transmitir ao aluno a artista do som.
Consciência do Som, far..-se..-á emitir os sons com os seus nomes
correspondentes, Notas, até se chegar a idênticos resultados, como O aluno de escola pré ..vocacional que receber os ensinamentos
os dos exercícios do ritmo. Dar..-se..-á comêço, então, aos exercí- r:feridos, :stará, também, perfeitamente apto a iniciar Experiên,..

cios destinados a formar a Consciência do Timbre, por meio da c1as de Criações Musicais ( composições rudimentares) embora não
prática dos sons com . diferentes vogais para depois adquirir-se a seja dotado do fogo sagrado da arte.
Consciência Dinâmica, mediante exercícios de entoação, emitin,.. . Os conhecimentos musicais, para serem justificados numa ca-
do,..se um som só, através todos os matizes, do Crescendo ao Di- deira especializada de qualquer universidade, deverão basear..se
minuendo. nos princípios : do indiferente para o consciente e do consciente-
Ainda se obterá a Consciência do Intervalo com exercícios para o subconsciente.

de vocalismo, de escalas e arpejos, podendo também ser feito por Eis para o que se destina o Guia Prático.
intermédio do Monossolfa Desenvolvido e, finalmente, a Consciên.c. •

eia do Acorde, com exercícios no gênero das escalas, a duas e a •

três vozes simultâneas, na ordem do acorde de Têrça e Sexta, de •

preferência.
.

Depois de assimilados êsses elementos, encontrar..se,..á o aluno


em melhores condições de preparação para o estudo da Teoria e

Solfejo, não sendo difícil, portanto, que em poucos meses se possa

• •



DOIS PROBLEMAS DA ARTE BRASILEIRA



DOIS PONTOS DE VISTA

HEITOR VILLA-LOBOS

EVEMOS fazer uma arte bem brasileira que seja sómente com-
preendida pelos brasileiros que vivem eternamente no seu país,
como prova intransigente de nacionalismo. ou devemos criar uma
arte original, calcada nos elementos materiais, físicos, psíquicos e
fisiológicos existentes no nosso litoral para ser universalizada, ou
melhor, para ser compreendida e apreciada pelo estrangeiro ?


Se apelarmos para o primeiro ponto, perguntarei para que
servem e têm servido, finalmente, em tôdas as épocas e nações,
as suas respectivas artes, senão para uma espécie de princípio de
intercâmbio entre povos diferentes ? E sómente na razão espiri-
tual das artes com os seus fundamentos misteriosos que melhor

se poderá e se pode estabelecer os primeiros contactos das raças
humanas .

• Se argumentarmos, então, pelo segundo ponto, creio que an-
daríamos mais perto e mais depressa ; não necessitaríamos da per-
• •
• muta dos conhecimentos dos costumes humanos, e por conseguinte
daremos grande passo para o progresso, razão de ser de claridade
e de vida, na inteligência do Homem.
Não se trata de saber se um pintor ou um escultor conhece

o desenho clássico, se um poeta ou um literato sabe profundamente



a gramática da sua língua, se um compositor musical, conhece

tôdas as regras e leis do pragmatismo científico da arte dos sons ;
1

1
enfim , se cada intelectual criador ou reformador, seja um erudito



• •

92-

didático, pronto para o alto e transcendente mistério do seu país.


Não.

O que se deve buscar nas obras dos homens é o mesmo que
se busca na natureza uma simples função fisiológica, a simplicidade
relativa e sincera, de acôrdo com o meio, e levá~la ao julgamento
do estrangeiro para controlar o bom do ruim.
O GôSTO ARTfSTICO E A SENSIBILIDADE ESTÉTICA
Temos vários exemplos, inteiramente contrários à teoria dos
NA VIDA ESCOLAR ( *)
gramaticólogos. Arthur Azevedo, Guimarães Passos, Olavo Bilac
• e outros bons poetas brasileiros, iniciaram suas carreiras sem nun... •

ca terem sido professôres de português nem nunca se esmerarem •


HEITOR VILLA ...LOBOS
na forma da sintaxe gramatical. Aperfeiçoaram ...se com o tempo

na medida das obras que iam produzindo, até chegarem, às vêzes, •

ao requinte da forma pessoal e original. Deu~se mais ou menos o


mesmo com Carlos Gomes. E no entanto, Carlos Gomes e Olavo escola no Brasil, que é o convívio de elementos descendentes
Bilac não foram geniais representantes do intelectualismo brasilei~ • de diversas raças, on·de se aprende os bons ensinamentos dos
ro, embora não tenham produzido obra de caráter puramente re- mestres, e, também, às vêzes, certos hábitos e costumes de alunos
rebeldes, geralmente influenciados pelo meio de sua vida domés ...
gional?
tica ou por hereditariedade, deve ser o templo para se desenvoJ ...
Em que Academia cursaram êles ? Quais foram os seus. cé... ver a alma, cultivar o amor à beleza, compreender a fé, respeitar
lebres mestres? Em qual de st1as obras pode... se encontrar o rigor o silêncio, adorar os fatos e coisas sobrenaturais, e, finalmente,
das regras gramaticais ? preocupar~se com tôdas as qualidades e virtudes, de que mais de..
É preciso ouvirmos os estrangeiros do outro lado do globo pende o progresso da humanidade.
para que êles ouçam, também. O gôsto estético para tôdas as atividades sociais escolares
Posso perdoar aos brasileiros que sofrem de uma moléstia ( artísticas e recreativas), com raras exceções, tem sido pouco cui ...

molenga ao julgar os seus patricios que criam originalidades, por ... dado. Se o corpo docente é constituído de elementos cuja men ...
que são filhos de uma raça sem a velha tradição, e, por conse- talidade é formada de conhecimentos práticos e teóricos da vida
guinte, sem exemplos e argumentos para poderem confrontar· social, adquiridos nos importantes centros de várias sociedades es-

trangeiras e nacionais, forçosamente a escola terá um ambiente
• •
agradável, embora não seja êste o fator para a educação estética
dos alunos.
É necessário, porém, criar entre os alunos um estímulo maior

do que o divertimento constante, fazendo-lhes compreender que a

'Vida não se resume, apenas, em prazer, alegria, descanso e indi-
ferentismo. Nas exortações cívicas, é necessário que não se exa...
gere em dizer, insistentemente, que o Brasil e a sua ·gente têm

( *) Publicado em novembro de 1941: na revista <<Brasil Musical».


tudo de maior e melhor do mundo inteiro, embora fale mais alto
o nosso amor pátrio. Um aluno vivaz e viajado acabará descren...
do dêstes elogios cívicos, quando chegar a refletir e conjecturar
conscientemente o seguinte: <<como é que tudo no Brasil é maior,
com seus quase cinco séculos de existência e mais de um século de
independência, se a maioria do seu povo prefere muitas coisas. MúSICA DE PAPEL, QUE NASCE NO PAPEL
estrangeiras. como sejam, música, dança, pintura, escultura, mo ... E MORRE NO PAPEL
das, certos hábitos etc.? ... >>,
É melhor dizer ...lhes francamente que, para se amar com sin... HEITOR VrLLA ... LoBos
ceridade o Brasil, deve...se conhecer e experimentar ao menos a
cultura e civilização estrangeiras, para controlar a formação da
personalidade nacional. REOCUPANDQ ... ME demais com a vida da atualidade, forçosa ...
Eis porque julgo que o gôsto artístico e a sensibilidade esté... mente não me interessam os homens que nos queiram forçar a .
tica da nossa vida escolar é um tanto descontrolada. Muitas vê ... sentir mais perto o passado que o presente. O passado passou.
zes parece existir a falta de senso do artista predestinado e pro ... Guarda ... se e consulta... se, mas não se revive numa época de evo ...
fissional, quando, no entanto, não são necessárias qualidades . es ... lução alucinante como a nossa.
pecialistas para se organizar o ambiente artístico numa escola. . Se no presente são as manifestações espontâneas do povo que
Basta que o corpo docente se congregue em tôrno de um plano de interessam, todo o indivíduo que se desintegra dêste movimento •
demonstrações estéticas, bem estudado e documentado nas bases · torna ...se, por fôrça de fatôres históricos, um rotineiro, um retró ...
da cultura estrangeira, desde a clássica à mais recente, com os grado. Há muita gente que não compreende ou não quer com...
elementos mais nacionais de que se disponham. E, assim, reali ... preender o nacionalismo em arte, porque julga que a música ou as
zar ... se ...á em qualquer gênero o problema da educação do gõsto artes devem possuir um padrão universal.
artístico numa escola e com a vantagem de estendê... la aos pais-
·N unca me rebelei contra o classicismo, mas também nunca
dos alunos, num efeito eficaz e aproveitável, e, dêsse modo, me...
pu~e admi:ir o classicismo dentro das normas do pensamento de
lhorar o legítimo int~rêsse do povo pela arte.
hoJe, Assim como não gosto de pensar no futuro, não me sinto
bem olhando o passado. Eu sou como um viajante que, ao atra.-
ves~ar um ~io num cipó, não pode olhar para trás nem para frente
a fim de nao perder o equilíbrio.
Ao ter que jttlgar qual a mais perfeita manifestação de arte
• humana, analiso, primeiro, a arte vivida pela natureza, transfor ...
• •
macia pelo l1omem, interpretada pelo povo e deformada pela crítica,

~ chego à conclusão de que a grande arte é a própria Natureza.
E como se o viajante tivesse voltado ao ponto de partida.
Talvez essas minhas idéias tenham sentido a influência da
Natureza do meu País. É para mim extremamente simpático e·



96-

e jo u m e s tr a n g e ir o v is it a r o B ra s il ,
a g r a d á v e l tô d a s a s v ê z e s q u e v
ti c a s d e s u a te rr a . P o r e s s a r a z ã o
tr a ze n d o consigo a s c a ra c te rí s
m in h a v ia g e m a o s E s ta d o s U n id o s ,
p r e te n d o le v a r n a b a g a g e m , e m
m o ç õ e s im p re v is ta s , m a s q u e v ib r a r á
u m a a lm a d if e re n te , c h e ia d e e •

o m e n s d o N o r te . Q u a n d o p ro c u re i
com o espírito c o n ti n e n ta l d o s h
o p e lo m e u p ró p ri o in s ti n to e ti ro c í~ U C A Ç Ã O C I V I C O - A R -
f o r m a r a m in h a c u lt u ra , g u ia d NOVAS D I R E T R I Z E S D A E D
e g a r a u m a c o n c lu s ã o d e s a b e r c o n s ~ E , E S P O R T E E C U L T U R A
nio, verifiquei q u e s ó p o d e ri a c h TISTIC A M U S I C A L A R T
o b r a s q u e , à p ri m e ir a v is ta , n a d a
ciente, p e s q u is a n d o , e s tu d a n d o
p ri m e ir o li v ro fo i o m a p a d o B ra s il ,
ti n h a m d e musicais. A s s im , o
c id a d e , E s ta d o p o r E s ta d o , H E IT O R V IL L A -L O BOS
lm il h e i, c id a d e p o r
o B ra s il q u e eu pa D e p o is o
p r e s c r u ta n d o a a lm a d e u m a te r r a . •

fl o re s ta p o r floresta ,
a . D e p o is a s m a ra v il h a s n a tu r a is •
c a r á te r dos h o m e n s d e s s a te rr
f r o n ta n d o ê s s e s m e u s e s tu d o s c o m e ç a o u q u e ir a c o n h e c e r o s
d e s s a te r r a . P r o s s e g u i, c o n . n a tu r a l q u e to d o o m u n d o c o n h
u m p o n to d e a p o io p a r a fi rm a r o z a r q u a lq u e r id é ia a rt ís ti c a ,
,o b r a s e s tr a n g e ir a s e p ro c u re i e s s o s d e s e p o d e r re a li
ia s . S e m p re fu i meios e o s p r oc d e r á c a u s a r
a in a lt e ra b il id a d e d a s m in h a s id é te c ip a d a m e n te q u e e la n u n c a p o
p e rs o n a li s m o e
s a ib a q u e s e m embo~a s a bend o a n tr a o r~
ú s ic a u n ic a m e n te p e lo s o m , e m b o r a d e u m o rg a n is m o d e s p ro v id o d e e x
. a p o lo g is ta d a m e ~ ~ç ~o q u a n d o é n a s c id a
g r a v a d a . . . M a s , in fe li z m e n te , a ã o a s d o s p o s s u id o re s d e e x ~
o p a p e l e la n ã o p o d e r ia s e r c ri a d o ra s , c o m o s
e , u m g ru p o d e din a~1a s q u a li d a d es
u m g ru p o d e fa b ri c a n te s d e a rt cep c1onal v ocaçã o.
c o m p re e n s ã o d e : u s a a
m u n d o , fa z ju s ta m e n te o c o n tr á ri o to s ,
im ig r a n te s em to d o o la ro q u e , c o m ê s s e s c o n h e c im e n
l o u p a p e lã o , s e m p r e c e d e r o s o m , o q u e r e s u lt a r-:: e n ta ~ to,
0 e s tá ~ e m c
s e d o s fa to s .
m ú s ic a d e p a p e c o n c e p - pod e ra o a p r e c ia r o s r e a is v a lô re s d a s c o is a
» , m u it o b e m im it a d a n a s r e g r a s e
n a <<arte d o p a p e ló ri o n o ra n te s , p r o f a n o s d a
s u g e s tã o c a p a z d e p o d e p a r e c e r a o s in c a u to s , ig
s , p o ré m s e m n e n h u m a fô rç a d e A c u lt u ra
ç õ e s c a n ô n ic a m a s u b s ti tu iç ã o d a s q u a li d a d e s c ri a d o r a s
a tu a is . 1
a r t~ ~. a o s i~di~ e re n te s , u
comove r a s g e ra ç õ e s , p r o d u z m e s m o e fe it o
a r~ 1 st ic a s. N a re a li d a d e , p o ré m O
e m n o p a p e l e m o rr e m n o p a p e l . . . d e 1d e1as_ o d e ó ti c a
M ú s ic a s d e p a p e l, q u e n a s c e n ti d o s , c o m o p o r e x e m p lo , a il u s ã
de u m a 1lusao d o s s
o m e n s p ri v il e g ia d o s p e la N a ~ e q u e o h o ri zo n te te m fi'm E l ·
A q u ê le s q u e n ã o a c r e d it a m n o s h d e q u e o infinito é a z u l o u d · a e
e m n a d a , n e m e m s i p ró p ri o s ; m a s , im a g in a m · d' · 1 v id a , s o b r e tu d o n e s ta é p o c a em q u e a c la ri vidên c ia
tu r e z a n ã o a c r e d it a m In is p e n s a v e à
c u lt u r a e r u d it a p o d e m s u b s ti tu ir ê s s e s p ri v il e g ia -
dos fa to s _misterio so s s e p r o p a la v e rt ig in o s a m e n te s ô b r e a p s iq u e -
·q u e a p e n a s com a a p ri m e ir a o p e r á r io d a
q u e e u te n h o o b s e rv a d o d e s d e a p ó s z e n d o d o le n d á ri o s u p e r- h o m e m u m
dos. É ê s s e o c a s o d_~ h~man1dade , fa

g e ra ç ã o v iv e . u m ri tm o d e s e n - te , m a s e m p a s s o s s ó li d o s e lo n g o s
grande guerra. J u lg o q u e a a tu a l ciencia, q u e c a m in h a le n ta m e n
u a u n id a d e d e m o v im e n to d a v id a a d a s d e s c o b e rt a s m a ra v il h o s a s , a in ~
c o n tr a d o , p o r q u e n u n c a p ro c u ro p e n e tr a n d o n a fe c u n d a e n tr a d
d e to d o s . E te n h o a . im p re s s ã o n a s ç a a c re n ç a id e o ló g ic a d a s re a li~
d e c a d a um em r e la ç ã o a v id a d a q u e com. a c u lt u ra m o d e r n a
s o lv e ri a o p ro b le m a d a p a z u n i- á ti c o d a m e c â n ic a c o m o o p ri n c ip a l
q u e um p e q u e n in o m e tr ô n o m o re d a d e s e S U ~ J~ .º << ~ o g m a > > m a te m
· ·
v e rs a l. fa ro l d a c1v1l1zaçao. •

d a e x is tê n c ia d o s D e u s e s ?
S u b s ti tu ir á a ju s ti fi c a ç ã o
, u m re fl e x o , u m a r a z ã o d e s e r , u m a
. .T u d o s e r á u m a e x p li c a ç ã o
• f1na l1dade .


• •

• 99 -
98
Finalmente, o que à primeira vista nos pareceu um fracasso
A escala, o pêso. o metrônomo, o relógio, tôdas as medidas
para a existência dos artistas, sob todos os aspec.tos, ao surgir a
terão O duplo valor que já tiveram, porque o caráter, a alma e os
máquina.-rádio.-vitrola, tornou-se, no entanto. numa auxiliar estra.-
espíritos dos homens, vêm, há longo tempo. sendo negociados a
nha que veio aproximar, estreitamente, o artista do auditório, por-
pêso e medida, em troca de interêsses pessoais,. simpatias incons.-
que à proporção que se vai fazendo a edttcação por intermédio·
tantes e vagas expressões sentimentais de sociedades inúteis.
dêsse maravilhoso aparelho, melhor se vai sentindo a necessidade
A época é da luta pela conquista da máquina como meio de de conviver com o original, dando melhor oportunidade para a sub.-
explicações dos fenômenos naturais sôbre o mistério da divindade. istência dos artistas.
- O artista será o propulsor das sensações da na.- Sob o ponto.-de.-vista cultural, o disco deve servir como ma.-
Vencerá?
tureza? teria! documentário a fim de auxiliar o professor.

A civilização será o Veículo Mecânico das manifestações ar.- Para os que ainda não têm bastante educação musical e ar.-
tísticas da terra? tística, recomendamos a audição de discos selecionados de música
O disco elétrico será o artista de amanhã? popular, da mais simples à mais complexa, por processo compara-
tivo, para que se possam aperceber das belezas que encerram as
Ele que é um livro aberto para tôdas as gerações, trazendo a
obras de valor, inspiradas e escritas com técnica.
história viva do passado, no mais cttrto espaço de tempo, fotografa
a alma huma11a e abrevia a cultura das civilizações. Só mesmo pelo contraste entre blocos toscos de granito e o
apuro das linhas de um monumento, pode.-se sentir as suas belezas
Como elemento de educação coletiva, ligado ao filme documen.-
tário completado pelo rádio, torna.-se o maior auxiliar para o refi ... e compreender o valor da arte da natureza e da concebida e reali·
zada pelo homem.
namento da cultura universal.
No ponto.-de.-vista artístico é a reprodução dos melhores mo.-
mentas da alma, espírito e técnica dos virtuoses. porque êles só Arte, Esporte e Cultura
gravam quando se sentem completos na interpretação, segundo os
• Atualmente, em várias oportunidades, não se sente. no conv·í.-
seus temperamentos.
vio das reuniões sociais, a mesma fixação das realizações artísticas
Embora sendo uma roda mecânica, ela reproduz aperf eiçoan.- •

de outrora. Ao contrário, observa.-se um desperdício de energias


do.-se e ampliando.-se até aproximar.-se do original .

humanas, realizando-se obras passageiras ao sabor do mau gôsto
Quem ouve sente nova sensação e outra emoção, diferente da • da moda, imiscuindo-se com os traços retos da fatalidade de cada
que se experimenta num salão, assistindo.-se ao próprio intérprete. um e desviando-se da coesão dos povos, dos que procuram con·

É uma realização mecânica, indispensável à humanidade . jugar-se como elemento da fôrça de vontade de uma raça, a mc.-
Veio enriquecer os recursos de timbres e sonoridades de todos lhor justificação de uma nacionalidade.
elementos musicais. tornando.-se uma fonte infinita de inspira,, . Na Arte, sente.-se insinceridade nas emoções dos antigos cu} ...
os
ção para os compositores futuros. t1vadores ao apreciarem os fenômenos artísticos. No Esporte, as
Veio rasgar o véu negro da incompreensão das idéias avan- demonstrações físicas coletivas ou individuais, realizadas com as
melhore..s intenções de aperfeiçoamento da resistência anatômica
çadas da arte moderna.
da humanidade, e, finalmente, na Cultura, os recursos mecânicos
Veio completar as grandes realizações artísticas cinematográ-

substituindo os artistas pelas fotografias, desenhos animados e dis-
ficas sincronizadas com efeitos surpreendentes.


'
100 -

• cos, propagados pelos <<broadcastings>> como um imenso polvo


bre o universo.
A Arte, 0 Esporte e a Cultura não poderão resistir, progre-
dir, nem corrigir o mau instinto da mentalidade contemporâ~e~.
A capciosa interpretação que lhes deram os i11terêss~s ~nd~str1a1s
'd e uma terceira categoria social, explorando da exter1or1zaçao das SOBREVIVERA A MúSICA?
circunstâncias oportunas, da confusão do após a grande guerra,
a parte mais acessível à compreensão da incultura alhei~, .:aco~e
para O ocaso e deixa cair impiedosamente _o nível da op1n~ao p~- •
HEITOR VILLA-LOBOS
blica, como se se projetasse, na superfície da terra. um gas asfi-
xiante, fazendo-nos tudo esquecer.
No entanto. a Arte, o Esporte e a Cultura fazem a humani- E considerarmos o desenvolvimento da música no mundo atual,
'
' dade sentir e vibrar, lembrar e viver e, até mesmo, sofrer e morrer, somos forçados a admitir que se acha, antes, em nível bastante
mas não causarão jamais o esquecimento, como acontece atual- baixo. Na sua maioria, as composições são acadêmicamente expe-
mente, nem constituirão <<moda>>. rimentais em vez de serem criadoramente robustas. O artista
considera sua carreira em função de um objetivo a alcançar em
vez de considerá-la como um ideal; e uma compreensão profunda
• e genuína da música não penetrou na organização social como
seria de desejar.
Agora, todos êsses fenômenos podem ser derivados de uma
única causa : os nossos métodos de ensino. Quando digo que os

nossos métodos são defeituosos não me refiro a nenhum professor
ou método ou escola. Tenho em mente todo o sistema de ensino,
um sistema que permita a compreensão não só dos têrmos mas
dos ideais mt1sicais e levar a música à grande massa do povo.
Consideremos, para pesar o valor de cada um, quatro . aspectos
diferentes do problema da pedagogia musical. Primeiro, há o da
compreensão fundamental dos têrmos que empregamos ao lidar

com música. O simples amante da música usa freqüentemente de
têrmos de clássico, romântico, popular. folclórico, mas se se lhe
pedir a significação exata do que tem em ment.e, torna-se embara-
çado. O primeiro passo é esclarecer o valor dos têrmos musicais
comuns, de modo que o significado musical seja escoimado da
confusão existente. Lembro-me ainda quando, estando em Paris,
Manoel de Falia foi saudado como um folclorista. Sendo um

gentleman, amável e modesto, Falla não fêz nenhuma objeção em
contrário ; mas deu de ombros, e podia-se ver que isso não lhe
agradara. Naturalmente não estava satisfeito. Chamando-o de


'
102 103 -

folclorista, seus críticos mostravam não ter a menor -


compreensao como u~a fôrça viva, do mesmo modo que se aprende a linguagem.

de sua obra. Uma criança, normalmente já faz uso fluentemente de palavras
Tornemos, pois, bem claro que a música popular significa intonações, forma de frases de sua língua materna, muito antes d~
apenas essa espécie de música q11e o público tanto aprecia, inde- chamada a dominar as regras mais simples de gramática. Desta
pendente de seu valor, sua origem e seu tipo. Um número de for1:1a, a linguagem vive para a criança como som e sentimento,
revista que esteja atualmente no cartaz, a Rêverie de Schumann e e nao como uma coisa sem vida e regras no papel.
a Tosca de Puccini são tôdas músicas populares porque o povo as A mesma coisa deve ser con1 a música. Antes do menino
conhece, as aprecia e canta. Música folclórica, no entanto, é coisa d~ _jovem aluno ser atrapalhado com regras, deve-se torná-lo fa~
inteiramente diferente. A música folclórica é a expansão, o de- n~iliar com os sons. Deve-se ensiná-lo a conhecer os sons, a ou- •

senvolvime-H.to livre do próprio povo expresso pelo som. Mesmo


v1-l~s, a apreciar suas côres, individualidade. Eduque-se-lhe O
se tal música não é popular, continua a ser floclore. ouvido a passar de um t t
. om a ou ro, a esperar que certos so11s
Música popular, pois, é uma expressão psicológica de um sigam-se aos outros, a combinar sons em ri' mo De· · l
d . . L • 1xa- o apren-
povo. Música folclórica é a sua expressão biológica. A arte er melodia, s~11t1~ harmonia, não por regras no papel mas pelo
da música ( que pode ser folclórica e popular ou nem uma coisa som no seu propr10 ouvido. Então, mais tarde, ensina-se-lhe as
nem outra) representa a mais alta expressão criadora de um povo. regras, se sentir. 11ecessidade delas. O preparo profissional, na-
A grande música, a mais alta, é a que, originando-se de uma des- turalme_nte, precisará delas mas para o apreciador da música,
sas três fontes, alcança uma expressão httmana universal. b~s~a simplesmente provê-lo de um preparo completo nos valores
bas1cos do som.
Compete ao ensino musical, como uma de suas fu11ções, tornar
bem claras essas distinções, o mais cedo possível, para que o gôsto Não se au_xil~, mas ao contrário, se obscttrece, 0 qtte se cha-
e as futuras realizações possam ser construídas sôbre sólidas bases. ma de <<aprec1~çao musical>> com uma quantidade de detalhes
Em Arte, não há liberdade alguma sem o contrôle estrito e severo que os nossos Jovens estudantes devem aprender sôbre música.
da consciência, da capacidade de distinguir o certo do errado. Apr:n~em que Schumann era louco, que sua música era <<muito
Na música artística há estreito conceito de que só está certo r~mantica>>, que em tal ou qual momento de sua vida sentiu-se
o que fôr copiado das regras escolares. Costuma-se confundir, triste, que em outro sentiu-se alegre · Que di·ab o t em isso
· a ver
ignorantemente, regras com leis e lógica. com música? Na .melhor das hipóteses, o pequeno estudante de
dez aiios nã~ é ~inda capaz de compreender a significação da
Há cêrca de doze anos, empreendemos no Brasil uma reforma batalha que e a vida de um artista.
completa do ensino da música, em que visamos, precisamente, evi-
tar os falsos valôres. Primeiramente, procuramos distinguir entre _ Quão_ ~elhor nãc seria colocar, simplesmente, a música diante
a música-papel e a música-som, de modo a tornar beni claro que dele e ensina-lo a conhecer, a apreciar os setis sons Pois assi'm
ter · d . ' '
se a música não vive pelo som não tem 11enhum valor, qualquer . -se-ia poupa o ao pequeno estudante a pretensa necessidade de
que seja o estado acadêmico que se ll1e devotou. E isso nos leva interpretar Schumann <<românticamente>> e infundir a· · ·.
· 1· musica pura
ao segundo aspecto de nosso problema a finalidade do ensino e~_sa sent1menta idade que noções preconcebidas dela tiram tão fre-
da música. · Por que se estuda música? Não há de ser, por certo, quentemente. Deixem a mí1sica falar por si mesma !
com o único propósito de ser capaz de ler ou escrever notas. Se Outra _g~ande necessidade em. matéria de educação é a do
não houver nenhum sentido, nem alma, nem vida na música, esta preparo estetico coletivo. Que é a beleza 7 N- · d b
1 . · ao e na a a so-
deixa de existir. Assim deve-se ensinar música, desde o comêço, u to, uma coisa absoluta. Aqui está um vaso sôbre a mesa. Você,



104 -
1
105
1
que o viu pela primeira vez, acl1a~o estranho e feio. Qµal de nós
compositores trabalham por um ideal, e nunca por um b · t'
tem razão ? O nosso sentido estético é condicionado pelo hábito - · E o Je 1vo
e pela educação. Habitue...se o ouvido de nossa juventude ao que, pratico. a consciência artística, que é um pré-requisito da liber-
segundo a nossa herança acumulada, é belo e o seu gôsto será dade artística, lhes impõe o dever de se esforçarem por encon-
são. E quando o ouvido da massa estiver treinado, educado, ha- trar uma expressão sincera, tanto de si mesmos como da humani-
bituado a belos sons, será então o fim da m(tsica-papel, puramen- dade. Para chegar a tal expressão, o compositor sério deverá
te experimental e acadêmica dos chamados <<modernos>> que não estudar a herança musical do seu país, a geografia e etnografia
têm alma, nem sentimento humano, em uma palavra sem na- da sua e de outras terras, o folclore de seu país, qJ.ter sob as . .
O
turalidade. pecto literário, poético e político, quer musical. Só dessa maneira
p.ode êle compreender a alma do povo ( da alma folclórica). As-
O terceiro elemento em nossa vida musical é o artista, que sim, sob cada um dêsses quatro aspectos, faz-se necessária uma
ainda tende para a tradicional atitude de considerar sua arte e a reforma radical. Devemos, primeiro, velar para que a nossa rotina
si mesmo como artista, como fenômenos à margem do curso geral pedagógica seja antes de mais nada baseada na distinção ou na
da humanidade. Como isso é falso ! A arte existe para exprimir
compreensão mais clara possível dos têrmos, palavras e expressões
e satisfazer a humanidade. O verdadeiro ideal do artista é ser...
a serem usados durante o curso da educação musical. Devemos.
vir à massa do povo, dar~lhe alguma coisa que, graças aos seus
lu~ar. para extirpar do ensino musical os falsos valores, insistindo,
dons naturais, só êle pode dar. A questão da organização de pr1nc1palmente, na educação do ouvido e da alma e pondo resolu-
programas é uma ilustração disso. ~ muito comum que os exe-
~amente de lado o fútil academismo da <<música. . papel>> puramente
cutantes organizem seus programas conforme a preferência do 1nte!ectual. Devemos procurar educar os nossos artistas e com-
público, independentemente de ser ou não a música mais pura. positores, de modo a que acabem apreciando devidamente seu

O executante que assim procede pensa em si mesmo e no seu O


dever de servidores da humanidade. Só assim a música florescerá
próprio sucesso, e não na sua alta missão de servir. E aqui tam- como elemento vital da nossa estrutura social.
bém o sistema do ensino musical está errado.
Tôd~s as atividades e agitações livres em favor do pensa-
Em quarto lugar vem, enfim, o compositor. Como o artista
me~to criador na composição musical de várias escolas, sejam
executante, o compositor muitas vêzes é culpado de uma filosofia
• q~a1s forem os princípios, tendências ou épocas em que se situ.em
que se expressa assim : vivo para minha arte, o resto não me in-
sao necessárias à vida progressiva da arte. Pelo menos, elas re~
teressa. Mas o que é esta arte senão a expressão da humanidade
presentam a mais justa reação à rotina e a rotina é absolutamente
e de tudo o que interessa à humanidade ? Êste negócio sério, prá- o maior inimigo do progresso de uma civilização.
tico, realista, que é o de viver no mundo, nos obriga, a todos nós,
a usar máscaras. Raramente nos apresentamos tal como somos. . A músi~a do futuro? Nenhuma previsão tenho a oferecer.
Creio em viver no presente. Aventuro-me a pensar, entretanto,
O compositor, no entanto, não pode permitir que nenhuma
que os dolorosos sofrimentos dêsses últimos anos resultarão num
máscara, nenhum fingimento venha se interpor entre êle e a reve-
maior despertar espiritual. Pelo sofrimento, os povos acabarão
lação verdadeira da sua alma. A música das modas e escolas -
P_or compr~ender que têm necessidade da alma, que nunca pode-
a da sinceridade viva. Na realidade, há três espécies de compo...
rao ser satisfeitos com a música-papel acadêmica. E pedirão uma
sitores: os que escrevem música. . papel, segundo as regras ou modas;
nota do coração que seja a expressão sincera da humanidade
os que escrevem para ser <<originais>> e realizar algo que outros
não realizaram, e, finalmente, os que escrevem música porque não Então, talvez venha uma reação salutar contra êsse <<modernismo~
podem viver sem ela. Só a terceira categoria ºtem valor. :esses
é bela porque soa belamente.

• •
• •
• •

• CANÇõES DE CORDIALIDADE

HELI MENEGALE

s cinco pequenas peças que Villa~Lobos denominou <<Canções


de Cordialidade>>, isto é <<Feliz Aniversário>>, <<Boas Festas>>,
<<Feliz Natal>>, <<Feliz Ano Nôvo>> e <<Boas Vindas>>, devem ser
compreendidas em suas duas intenções. São aparentemente des~
pretenciosas na forma simples de compreender e fáceis de can~
tar, as suas melodias alegres refletem o gênio da família e o am~
biente do lar brasileiro e as crianças das escolas cantam~11as com
a espontânea efusão com que brincam nas cantigas de roda. Villa~
~Lobos quis e soube dar à alma brasileira, para êsses instantes de
emoção uma linguagem musical bem nossa.
Sendo de cordialidade, levando a atitudes de afetuosa comu~
nhão social, as expressões de sentimento solidário e l1ospitaleiro,
têm essas canções também a feição educativa, obsessão em Vil la~
~Lobos. Educar, contribuir para a formação de um povo feliz,
capaz e autêntico foi essa a marca de patriotismo que o grande
brasileiro ligou à sua obra artística.
Têm, essas Canções e o <<Canto de Natal>> o precioso mérito
da contribuição do poeta Manuel Bandeira, na composição da
letra.
Um dia se fará o estudo da participação de Villa~Lobos nas
tarefas da educação nacional, desde as · grandes concentrações or~
feônicas da juventude à implantação do canto orfeônico nas esco~

las. Estas pequenas canções por certo não ficarão esquecidas,
pela significação que encerram voz da nossa gente, expressão
,da bondade brasileira .


VILLA-LOBOS JULGADO ... PELOS OUTROS ( *)


.
'
JoÃo ITIBERÊ DA CuNHA (JIC)

Á alguén1 fêz observar que não há <<grande homem>> para o


seu criado de quarto! Com mais forte razão diremos : Não há
«homem de gênio>> para aquêles que o estão vendo diàriamente,
no duro sacrifício da luta pela vida. O homem, para ser respei-
tado, precisa ser um pouco sobrenatural, como aquêle nosso amigo
Sar Péladan, que era mago e possuía, entre outros dons maravi-

lhosos, o da ubiquidade ! Sempre o invejamos, por isso, e nunca


lhe perdoaremos não nos ter fornt:cido o segrêdo de tão mirífica
virtude.
Villa-Lobos é, seguramente, um gênio. . . Mas, é o diabo!
Nós o vemos todos os dias, labutando como um mouro, dirigindo
uma repartição oficial, ensaiando um Orfeão, fazendo refeições
comuns, jogando uma partida de bilhar . . . Como acreditar, de-
pois dessas coisas corriqueiras, que Villa-Lobos seja um gênio !
Ainda se êle estivesse ausente, longe da pátria, da família e dos
conterrâenos, seria mais fácil tê-lo na conta de um ser excep.-
cional ...

Por isso, desistimos de chamá-lo gênio. E deixamos que os


outros o apregoem.
• O artigo que vamos transcrever é de Olin Downes, crítico
do <<New York Times>>. Tem como título: <<A Arte de Villa-
' '

'

( *) Publicado no <<Correio da Manhã» em 27/ 5/39.


'

- '
110 - 111

-Lobos>>. E, subtítulo : <<As obras do compositor brasiliense exi- intelectual, enquanto outros, como o Brasil, possuem, além disso~
bem um misto de gênio e ingenuidade>>. uma imensa zona não civilizada fonte de côr e energia, fôrças
altamente criadoras de emoção e beleza. É um material incal-
<<Parfait>> ! Era o que desejávamos.
culável para o compositor nativo. Caso típico é o do brasiliense
Eis aqui o que diz o musicólogo americano : Villa-Lobos. Tôda sua carreira de compositor e a sua extraordi-
nária plenitude e a desigualdade de suas criações estão claramente
<<Mais de um observador da sociedade moderna tem indagado
indicando a sua ancestralidade, o seu meio físico e o seu poderoso
o que será feito do poder criador das civilizações já envelhecidas,
gênio individual. Êle não é apenas altamente criador, êle é ainda
quando o frescor da energia racial e conhecimento da vida as
um ingênuo fato de excepcional importância no campo da cria-
abandonar. Os embotados nervos da consciência nacional estão •

ção, quando o artista não pode perder a consciência de si mesmo,


muito mais ligados às atuais complicações e revoluções européias
abandonando completamente a auto-reflexão em face do maravi-
do que se possa imaginar. Há séculos passados freqüentes <<pro-
lhoso ou do milagre da vida que o rodeia, sua obra provàvelmente,
cessos>> ocidentais, ascendência e declínio ( ou queda) de povos,
se não certamente, estará viciada>>.
dava lugar, geralmente, por meios violentos, ao influxo de um
nôvo sangue. Assim, algumas comunidades envelheciam mais de- <<Há algo na música de Villa-Lobos que evoca o primitivo
pressa do que outras, algumas atingindo mais ràpidamente que Caliban. Ao mesmo tempo, porém, não escapa êle ( nem deseja
outras o estágio da decadência, o cansaço relativamente ao desejo escapar) à maravilhosa arte musical européia, donde ser Bach,
de viver e prosseguir. Quando tal acontecia, a expressão nacio- para êle, um grande e talvez parcialmente incompreendido Deus,
nal, através da Arte, dege11erava. Que se passa hoje? Quando a quem êle adora e oferta, sob forma de homenagem pessoal, suas
a civilização se torna geral e internacional, o que nenhum poder incríveis <<suites>> Bachianas. Seu carinho especial é a m(1sica
humano será capaz de evitar, as fontes de novas criações raciais folclórica brasiliense, oriunda de fontes portuguêsas, índias e ou-
irão se tornando cada vez mais raras. Como se poderá então re- tras, nativas do Brasil, elementos encontrados na curiosa e atraen-
fundir a fôrça criadora das nações? Passamos de bom grado a te qualidade de sua música>>.
resposta a pensadores mais profundos, com a confortante con- E mais adiante, acrescenta êle :
vicção de que melhores dias hão de vir, diferentes das várias
lutas de um passado violento. Isso tudo diz respeito a alguns <<.É um compositor qt1e nos faz desejar uma oportunidade para
estudá-lo mais completamente o que agora é impossível, dada
aspectos da série muito interessante de programas relativos à mú-
a verdadeira legião de obras ainda não publicadas>>.
sica sinfônica nacional que têm sido e continuarão sendo apresen-
tados no plano dos programas de música da Feira Mundial de Referindo-se ao extraordinário, genial <<Choros 10>>, para can-
Nova York. to e orquestra, escreve Olin Downes :
Os programas sinfônicos têm exibido a maior originalidade <<É uma maravilha, fascinante pelo colorido, eloqüência nativa
de produção por parte de naçõ_es atualmente menos civilizadas e e poder evocativo. É cantado, em grande parte sôbre um cântico
modernas, as quais possuem mais forte percentagem de primiti~ indígena de ritmo rude e selvagem. O texto implora aos pássaros
vismo, fonte de inspiração para setts con1positores cultos. canoros para interceder junto a Deus por .êste coração; e a arques~
Não que isto implique na ausência de civilização mais adian-

tra tem tanta modulação quente e extasiante como ninguém pode-
tada em grandes nações em várias partes do mundo. Simples- ria jamais esperar de instrumentos. E não é uma imitação. É,

mente alguns países, em virtude de sua história e meio físico, têm •
antes, uma impressão inseparável do pensamento e da palavra. A
contacto direto com adiantados aspectos do moderno pensamento combinação instrt1mental inclui instrumentos agudos de sôpro, como

- -
112 - •
n a t u r a l m e n t e o s tons harmô
n i c o s d o s violoncelos e o u t r
m e n t o s tocados d a mesma m os instru- •

a n e i r a . <<Choros 10>> d á a
v í v i d a d e q u a l q u e r coisa tro sensação
pical, n a t u r a l , a p a i x o n a d a , a
-milhas d a m o d e r n a civilizaçã dez mil
o u r b a n a . D e s s a forma, dirí
v e m c a n t a r o s s e l v a g e n s , co amos, d e -
m t o d o s e u coração, sem d
em a c h a r a melodia ou o a c o ificuldade
m p a n h a m e n t o próprio, p a r a
resposta ao mundo natural q levar sua
u e o r o d e i a e seu e s t a d o d e VILLA-LOBOS
inconsciência a o comungar c completa
om o s e u D e u s . A e s s a i n g
e e s p o n t a n e i d a d e fundamenta enuidade
i s , j u n t a - s e u m a ~dmirável_ h
t é c n i c a e u m a forma p e r f e i t a ab!lidade J O R G E D 'U R B A N O ( *)
mente a d a p t a d a a expressao
visada>>.
E p a r a t e r m i n a r , um P.ouco d
e anedota :
n a t u r e z a possui m u i t a s m a n e
<<Ü m a e s t r o M a r x ( t r a t a - s e iras s u r p r e e n d e n t e s d e revela
d e Burle M a r x ) contou-nos U m a d e l a s é c r i a r fatos, c i r r-se.
.q u a n d o V i l l a - L o b o s e s t ê v e que, cunstâncias e sêres q u e s ã o
em P a r i s , m o s t r o u - s e u m ta vivas d e s u a f ô r ç a e p o d e r . imagens
gante, agradàvelmente ,indep n.to a r r o - F o i assim q u e a n a t u r e z a s e
e n d e n t e d o s músico~ pretenc ziu em V i l l a - L o b o s , numa fô produ-
c i d a d e . Ê s t e s j u l g a r a m ao 1os~s d a rça da natureza.
q u e p a r e c e , q u e V1lla-Lobo
capital francesa p a r a a p r e n d s fora à P o u c a s vêzes n a história est
e r composição. <<Mas, d i s s e é t i c a d ê s t e século, a n a t u r e z
vim e s t u d a r com vocês. V i m êle, . n ã o e n c a r n o u em um a r t i s t a com a se'
para mostrar-lhes o que tenh t a l pureza e intensidade. E
o fe1to>>. o b r a d e V i l l a - L o b o s é como tôda a
E t o m o u e s s a a t i t u d e sem um imenso e i n e s g o t á v e l c a n
temer a s conseqüências. T a dirigido. E m s u a música h to a elas
t e m s u a s v a n t a g e n s e seus l política á uma s e c r e t a e persistente
perigos, m a s é c e r t a m e n t e s reincidência q u e n ã o é s e n nota de
r e v e l a muito m a i s i n t e g r i d a d u p erior e ã o o símbolo d a n a t u r e z a
e c r i a d o r a d o q u e um muito P o r isso V i l l a - L o b o s r e p r e s e d o Brasil.
t a d o compositor d o m i n a d o p bem d o - n t a d e modo definitivo o q u
e l a s t r a d i ç õ e s e e s t é t i c a s fran m a j e s t o s o e i m p e n e t r á v e l tem e d e mais
quais s e puseram a imitar o cesa~, _os o solo d e s u a p á t r i a . S e o
s modelos p a r i s i e n s e s d e co p u d e s s e ·c a n t a r , p r o d u z i r i a n Brasil
p e r d e n d o o n a t u r a l direito p m pos1çao, o v a m e n t e a música d e V i l l a
róprio d e criar. Villa-Lobo -Lobos.
q u e fizer, é u m c o m p o s i t o r s , fa?~ o E s t a idéia do Brasil c a n t a n
d e gênio, i n t e g r a d o em s e u d o n ã o é a r b i t r á r i a o u forç
,d e s t e m i d o , m o s t r a n d o o q u es~1r1to, T ô d a e x a l t a ç ã o exige o c a n ada. •
e é s e u e, p o r isso mesmo, t o : a religiosa, a espiritual,
cheio d e a passional. Brasil é a c o n s a física,
a r t e natural>>. t a n t e e x a l t a ç ã o d a s fôrças d a
em t o d o s e u e s p l e n d o r . E natureza
Aqui termina o artigo de O V i l l a - L o b o s foi s u a g a r g a n t a
lin Downes, que é datado d V i l l a - L o b o s n ã o desejou c a n . Porém

,de maio de 1939, e a o q u a l e 14 t a r só. Q u e r i a q u e o a c o m p
só t e m o s q u e a c r e s c e n t a r : t o d o s o s b r a s i l e i r o s , e, e s p e c anhassem

ialmente, a s c r i a n ç a s b r a s i l e i
Tomara que Villa-Lobos sej cordo q u e h á alguns anos e ras. R e -
a profeta na sua terra!» s t ê v e o M a e s t r o em B u e n o s
com s u a inimitável s i m p a t i a Aires e
realizou u m a c o n f e r ê n c i a n o
C e r v a ~ t e s . N a q u e l a ocasiã Teatro
o , creio, V i l l a - L o b o s d i r i g i a
cargo no Ministério da Edu um alto
c a ç ã o do Brasil, q u e s e rel
com o e n s i n o d a música n a acionava
s escolas p r i m á r i a s . N e s s a
• d a d e V i l l a - L o b o s falou d e s oportuni-
eus métodos, d e seus proble
s e u s p l a n o s n e s s e campo. m as e d e

( •) Musicólogo A r g e n ti n o .

•'
1


lli

Queria que todos os meninos brasileiros formassem _um tmen_s~
Queria que todos êles unissem suas vozes atraves das d1s •
c~ro:
tancias. Q .
uer1a q ue sôbre o solo brasileiro se levantasse essa
, · .

, ue nos encontrávamos no teatro, lotan o as oca t ' can-


nos q ,
távamos coros a 3 vozes. F 01. bastante meia hora para tornar
· um O GRANDE MESTRE VILLA-LOBOS

te Uma fôrça da natureza pode vencer a vontade do~ omensV~lºlam JosÉ KLIASS
· - ·
. 1· .d de e com semel h ante e ficac1a. Imagino que 1 -
tanta s1mp ic1 a "d 1 Suponho que Villa-Lobos conseguiu
-Lobos alcançou seu 1 ea · , no Se as-
tôdas as crianças brasileiras cantassem em un1sso .
q_ue - fizeram, Villa-Lobos o terá escutado de qualquer m~do. NFELIZMENTE não nasci , escritor poeta ou orador e a única
sim nao ~ . b . de sua pátria se estendeu esse linguagem que conheço é a música. Vóu tentar em breves pala-
Haverá imaginado que so o ceu 1 este e o oeste
vras, exprimir um pouco do muito que Villa-Lobos significou para
manto de vozes infantis. Que o norte e º. su ' o com elas •
f nd'ndo-se no canto das crianças. Que mim.
se encontraram, u 1 d ar como
se f ormaram Uma mística rosa dos ventos, ecoan o no Quando aqui cheguei, logo depois da primeira guerra mun-
música das esferas. dial, trazido pela minha curiosidade de conhecer gentes e países
T enho certeza que antes ou agora essa felicidade tão mere- novos, não conhecia vivalma a não ser meus familiares que aqui se
cida foi atingida por Villa-Lobos. encontravam desde 1914. A minha visita porém se prolongou por
'
muitos e muitos anos, como todos sabem, as portas de entrada des-
ta boa terra são muito largas e, as de saída, muito estreitas.
'
Felizmente, durante os longos anos de magistério, encontrei
terra fértil e, como simples jardineiro, comecei a cultivar as pri-
meiras flôres que vieram parar em minhas mãos. Em Campinas,
a prodigiosa terra de Carlos Gomes , surgiu o primeiro ramalhete:
Y ará Bernette, Estelinha Epstein e Anna Stella Schich que pos-
teriormente, por coincidência, foram grandes intérpretes da obra
do mestre Villa.
Naquela época, no campo da composição brasileira, eu co-
nhecia Camargo Guarnieri apenas de nome, ensaiando os primei-
ros passos, e Francisco Mignone, que além de pianista, improvi-
sador e acompanl1ador, ganharia uma bôlsa de estudos para a
Europa.
Entre 1922 e 1924, surgiu o nome de Villa-Lobos quando uma
caravana de artistas resolveu levar a nossa boa música para o in-
terior do Estado. Nessa ocasião ouvi o Villa tocar violoncelo e

J

1

116 -

imediatamente interessei-me por sua obra. Percorri tôdas as casas


de música de São Paulo a fim de adquirir o maior número possível
de suas composições para estudá-las a fundo e me identificar com
o autor. A música que estava em voga naquela ocasião era o
<<Polichinelo>>, que ouvi pela primeira vez, magistralmente inter-
pretada por nosso amigo comum Arthur Rubinstein, que por aqtti
passava. Logo depois de um estudo consciencioso de sua obra,
cheguei à conclusão ( principalmente nos quartetos, que parecia o A GRANDE VOZ DA AMERICA
seu gênero predileto de composição). que me achava diante de um
futuro gigante, cujo rápido crescimento era fácil de vislumbrar.
Lembro-me igualmente de ter ficado muito impressionado pelo JosÉ MARIA FoNTOVA ( *)
ritmo selvagem e pela orquestração personalíssima das <<Três dan-
ças africanas>>, bem como <<Ciranda» e a «Prole do Bebê», onde o
talentoso ilustrador delineava em sonoras côres, a alma misteriosa extraordinária fôrça da emanei -
José Joaquim da . X . paçao do Brasil, iniciada por
5 11va avier ·
das bonecas.
Em 1924 tive ocasião de dizer a um jornalista a seu respeito : ' - • e init1vamente a
os abastados do sul . , escravatura, e
<<Considero-o o Stravinsky do Nôvo Mundo pelo seu ritmo, côr,
• uniram-se aos r ·
melodia e personalidade. :Ble é genial! É dos poucos composi- não obstante reconhecer . a e novembro de 1889,
tores que conseguem exprimir de u'a maneira organizada, a gran-
a, suprema as ira - -
de desorganização da sua sensibilidade e do seu mundo interior». •
D . rais e to a a América.
Sinto-me orgulhoso de que minhas alunas tenham sido gran-
des divulgadoras de sua música no estrangeiro ( o que me valeu t . dois anos antes, o escritor Raul Villa-Lobos e Noêm' M
eiro eram O nome de H e1'tor ao meruno . q - 1a on-
numa de suas fotos, a dedicatória tipicamente sua : ... «Amigo eterminadas datas ne d ue nao necessitou de
d m e exata cronologia .
paciente de minhas obras impacientes ... >>). chegada ao mundo po· . . para registrar sua
• is a estava · . _
Acho que precisaria de toneladas de papel e um rio de tinta
• nas anças e canç- ·
para fazer o retrato dêsse excepcional ser humano, que eu tentaria mo d ularam O nascimento ah , oes que ritmaram e
or1gene do Bras ·1 ·
resumir como impulsivo, sarcástico, simples, bondoso, exigente, leal, nante do fecundo ri·o A i • no percurso aluci-
mazonas · · - ·
bom colega, e, principalmente, brasileiramente autêntico ! cançao o mar.

E já estava tão presente ! , . .
quando, naqueles mesmos ano d no espir1t~ musical brasileiro
Século XIX . s a proclamaçao republicana do
• os compositores de sua pát . . . .
movimento para libertarem-se d . fl - . _ria iniciaram um pálido
ca de uma arte nacion l b ads tn uenc1as estrangeiras, em bus-
ª
expressivo folclore Fo· v·11 L b
asea a nas exp - d
ressoes e seu rico e
· i i a- o os que
• extravasaria as formas - . d m, com sua genialidade,
O rganicas a música cult · 1
tanciosa matéria fluente d d . . , a un1versa ' a subs-
a musa e o imag1nario populares, dando
(*) Delegado Honorário do Museu Villa-Lobos,
na Argentina •


'


118 -

forma à cultura indígena do Brasil e abrindo novos e vigorosos


sulcos à música de nossa América.
Seu dom criador foi impetuoso e inexgotável, de uma ima-
ginosa capacidade criadora que ultrapassava o inverossímil, mais
do que impelido, transbordante pela necessidade de criar. E quan-
do, na trama de seu tempo, a Alemanha, na primeira grande guerra
mundial, intensificava as batalhas submarinas marcadas pelas co- VILLA-LOBOS
vardes agressões ao <<Lusitânia» e ao <<Sussex>> que custou a vida
de Enrique Granados. músico-poeta catalão, Heitor Villa-Lobos
entregava à admiração do mundo musical de então suas primitivas
LAURINDO ALMEIDA
e dominantes rítmicas <<Danças do índios Mestiços>>, marco inicial
de uma imensa e original produção que excede de mil obras e que
abrange todos os gêneros musicais, desde a canção infantil caixa
de ressonância da sensibilidade vilalobiana até os grandes e QUI fala Laurinda Almeida, de Hol] d
lav · ywoo , com algumas pa-
deslumbrantes afrescos sinfônico-corais. ras sinceras sôbre êsse gênio f
Villa-Lobos. que oi e será para sempre •
Sómente bastará citar-se suas Bachianas Brasileiras es·
sência extraída de sua pátria profundamente marcada na estética
de Bach ; seus vigorosos Choros ; as encantadoras Serestas ; os razoável e com l u ura e egar a um
vibrantes poemas sinfônicos ; os grandiosos concertos para solistas a is as mus1ca1 · ·
e orquestra ; a vigorosa cantata sinfônica <<Sumé Pater Patrium» ; a com uma 1de1a - A

as obras para violão que entusiasmam Segóvia ; as deliciosas <<Cai- •


, 1 o as 1ver · .
xinhas de Boas Festas~ ; <<Carnaval das Crianças Brasileiras» e
«Prole do Bebê>> ; as páginas pianísticas que culminam com o bri· ia para 1a.
Isto, então, coloca Villa-Lobos além d .
lhante <<Ciclo Brasileiro» ; os translúcidos <<Quartetos» e as gal- explorador de n ' e compositor, também
vanizantes <<Canções Típicas Brasileiras:., para definir a fabulosa
personalidade criadora de quem soube cantar como ninguém, com
imagens de maravilhosa e exuberante sonoridade, a natureza mesma
. l d
sica ' e ucou-se a si mesmo em musica
. . gênios do mundo mu-
do Brasil. · .
Pode-se afirmar, assim, que Villa-Lobos é a grande voz da • . 0
ev1am asear sua · ·
América universalizada por sua genialidade artística, pessoal, forte t1vos nativos digamos fol 1• . I musica nos mo-
, c or1cos. sso A A •

e prolífica como nenhuma. Um verdadeiro milagre de beleza e um . ,


vegou pe o nosso poderoso
estimulante e confortante exemplo de vontade e de amor. as 1ca e instrumento t·
e ritmos que êle encont . s, mo 1vos melódicos
. rou por a1 pelas tribos indígenas do Norte.
Villa-Lobos foi talvez um ..

scr1 1vo or e A • A

rumentos nativo A •

s rumentos as orquestras comuns .



120 -

Ah ! Que grande gênio foi o nosso querido maestro ! ln~


cansável. . . êle escreveu mais de mil e quinhentas composi~
ções e muitas delas deram a êle a merecida fama de um dos com~
positores mais originais dos nossos tempos. O credo artístico de
Villa era originalidade. Nesse ponto êle foi o maior e o mais
brasileiro de todos os compositores brasileiros. Através dos ins~
VILLA~LOBOS
trumentos da orquestra êle ressuscita os sons dos animais, o sus~

surro da brisa, a quietude das noites enluaradas, a fôrça do sertão
num dia de sol e a potência indomitável do Iguaçu. LEONARD BERNSTEIN ( *)
Material e ·pessoalmente falando, lastimo que o querido ;naes~ •
tro já não esteja entre nós. Porém, em nossa memória e na me~
mória do mundo artístico musical, êle viverá para sempre, pois é ADA é -suficiente para se reverenciar a memória de Villa~L o bos ..
morrendo que os grandes gênios nascem para a vida eterna.

bras1le1ro e um ilustre representante da comunidade internacional.


de elementos do folclore com os processos convencionais interna-


• cionalísticos, que dignifica seu país e sua arte .

• •

·,

( *) Regente e compositor americano •


• •

..

VILLA~LOBOS EM LONDRES ( *)

LIA CAVALCANT!

ILLA~LOBOS está em Londres. E é como se 'd e repente o Brasil


estivesse em Londres, comprimido em instrumentos de corda e de
• sôpro, à espera de um toque mágico para soar e rugir e fazer sentir
a sua presença exuberante. Era essa a impressão que causava •

hoje o vasto auditório da B.B.C., ainda vazio de gente e de som.


As cadeiras dispostas para a orquestra, os instrumentos inani~
'

• mados, como simples objetos, iguais a outros quaisquer, a música
encerrada em papel e tinta, os microfones sem vida, era tudo


o Brasil latente, matéria inerte à espera do sôpro criador. Não é
em palavras que se traduz música. É um idioma à parte, intra~
'


duzível e incomunicável, a não ser pelo eco de emoções já experi~
mentadas. Mas Villa~Lobos regeu ontem e hoje em Londres, o
Choros nº 6. E foi uma estranha sensação ouví~lo aqui. Era
como se houvesse uma cisão na platéia. Os inglêses eram espec~
tadores ·fascinados, transportados, mas gente de fora, que sentia
na música de Villa~Lobos o que ela tem de universal, como ex~
• •

pressão da vida incidentemente sob a forma que toma no Brasil .


Já os brasileiros eram quase parte da música. Pôra feito da alma
• '
de todos nós aquêle misto de arrebatamento e doçura, pujanças e 1
simplicidade. Fôra extraída da terra de todos nós a seiva daquela
música que iluminava e aquecia o inverno de Londres com sons
'
de árvores verdes, natureza agreste, sol quente, florestas onde o
• homem ainda não penetrou. Tudo isso que nos faz como somos,

no estado de pureza, faz também da música de Villa~Lobos o que


( *) Palavras proferidas na Seção Brasileira da BBC, em 8-2-48 .

'


124

ela é : ardente, espontânea, incontida, palpitando de futuro que


vai explodir a qualquer instante. E as conversas de muito brasi-
leiro, depois do concêrto, revelavam a chama daquele amor que
dorme em todos nós pelo pedacinho ou pedação da terra
onde aconteceu a gente nascer.
RAUL VILLA-LOBOS ( *)
Patriotismo é uma palavra tão estragada, tão deturpada por
propaganda e interêsse político e nacionalistas, que é difícil usá-la

no sentido puro aquêle de que falam em dicionários amor LIMA RODRIGUEZ


à pátria e desejo de serví-la. Mas meia hora de música fêz lem- ·
brar hoje a ·m uita gente uma velha ternura, um velho desejo de
fazer alguma coisa, de ajudar de qualquer jeito o que precisa ser propósito do falecimento de Leon-Say, ocorrido em 1896, uma
ajudado no Brasil. Sei que êsses desejos e essas ternuras ador-
revista comercial norte-americana, referia-se elogiosa à nova f ei-
mecem de nôvo , com muita facilidade, e que volta o sentido cor-
~
ção que êle dera à clássica economia política, demonstrando a in-
rente da palavra patriotismo, que não é dos mais estimulantes.
fluência que, sôbre a economia social .exerciam a alma e a inteli-
Mas é para despertar e tornar a despertar o que dormita em nós
gência do homem.
que nasce de raro em raro um Villa-Lobos, cuja missão é sinte-
tizar e exprimir sua terra e sua gente. . Modesto conhecedor dos seus ardorosos argumentos contra o
Sentimos todos o entusiasmo que Villa-Lobos, artista, des- socialismo, que me despertava simpatia, desejei conhecer também

p.ertou entre os inglêses e o carinho de que Villa-Lobos, criatura o trabalho aludido ; e, de pesquisa em pesquisa fui, das livrarias,
humana, foi envolvido. E como temos _todos nossas fraquezas, à Biblioteca Nacional então na rua do Passeio. Ali, percorrido,
cada brasileiro de Londres sentia hoje uma vaidade muito bôba, sem provei'to, o 1n i
- d'ice de autores, resolvi pedir audiência ao Se-
como se fôsse meio dono de tudo aquilo, como se tivesse colab<)ra- nhor Raul Villa-Lobos, que, sendo funcionário da casa, tinha na
do na música, como se fôsse também sua a simplicidade e a gran- lista o nome, como tradutor de um compêndio de Stanley Jovens.
deza daquele homenzinho que, numa viagem a Londres, trouxe Afigurou-se-me boa orientação palestrar com quem já na seara

consigo o Brasil. trilhara rumo.

' Villa-Lobos recebeu-me atencioso, mas reservado. Disse-me



que fizera a tradução a pedido de um professor da Escola Poli-
técnica, sem por isso se especializar na matéria, que, em verdade,

pouco conhecia. Baixando os olhos sôbre papéis que examinava,
respondeu à minha ponderação, repetindo a afirmativa de sua igno-

- .
ranc1a.
D·e tal modéstia, auferi insinceridade ou propósito . de evitar
palestra : e saí decepcionado, considerando que o economista-tra-

( *) Publicado no «Correio da Manhã> .



• •

127 -
126

i a e d o s u a t . o s e u ·
r a q u a l q u e r a p r ó p r i a r e s i d ê n c h o s q u e a l e g r a v a m
g a r b u r o c r a t a , e m b o su t o r _q r o f1 l .
o d e v u l s a l . H e i
dutor não p a s s a r i a m e s m h o n r a d o ca , o m a i s v e l h o
m d o s s e u s c o l e g a s . e
i s c u l t o q u e o c o m u i r , o T u h ú , c o m o l h
coisa m a o s t o r n a v a o n o i n s t r u
d e p o i s o a c a s o n o s , p ô s t o q u e s a d o e p o u c o .
v a o e n g a n o . . . M e s e s
- chamávam s o , e r a u m t a n t o e n d i a b r
Lamenta o d o m e u m o o s m a . . d
e , e n t ã o , p u d e c o n s t a t a r o ê r r a m i g o dos livr ' s Ja e v o t a d o à m ú s i c a .
v i z i n h o s n a T i j u c a
s e i p o r u e o .
j u l g a m e n t o . Certa vez, n ã o
mentâneo e v e l a v a - s e a t e n c i o - a o . d
m a i o r c o n v i v ê n c i a , r e 1 x a - o p r e s o a m e s a d e j a n t a r
- L o b o s , e m h p e '
Raul Villa q u e , e n t r e t a n t o , r u m a c o r d l · S o -
e t i v o ; t i n h a e x p a n s õ e s n o t r a t o , e m am a r r a n d o - o p o ª qu
t
e e a t a r a
ª p e r n a. u b m e t e n d o -
s o, n o b r e e af r i o l h e i m p u n h a m r e t r a i m e n t o
a brandura h a b i t u a l d o
e m p e r a m e n t o p o r d d '
i d a a u s t e r i -
e o m e u f e i t i o p r ó p seu esme
a sinceridade e z a . A t r a v é s s e u o l h a r p o u c o d a d e, d e s c e u p a r a o t
a
b
a
l h
o r e c o m e n d a n d . •
q u e c o n s e r -
l h e m e r e c i a m ,f r a n q u . r o a e s p o sa
co m o s q u e n ã o r a v a m e i o s d e r e - n a q u e l a s i t u a ç - . s e u r e g r e s s o .
d o n a f a l a , n ã o l o g va s s e o f i l h o n t o a o s l i v r o s , a t é o
u m t a n t o p e g a a a o , J u
expressivo, e i s s o t a l v e z d e c o r r e s s e a l i m i t a d à tarde.
p r i m e i r a v i s t a ; e d
comendar-se à m a i o r d e s t a q u e .
t o r n a v a m d i g n o d e d e s o l a d o t a l v e z
a s q u a l i d a d e s q u e o •
E l á s e f o i • • •
projeção d r d e p e r t o
t a m o s , p u d e a p r e c i a h o r a d ·1 . o
a m i z a d e q u e n o s t r i b u
, 'd
D ecorr1 a a p r i m e i r a , 1 u 1 u - s e O p a v r qu e i m p r e g n a v a
Rendido à
e s t o o b r e i r o d o B e m . ente e
t á v e l c u l t u r a . M o d O a m b1 - extremosa desatou os nós. •

g r a n d e l a b o r e n o . D e m e - a mae
o s e u p o r e s f ô r ç o p r ó p r i o
t r e l i v r o s , c u l m i n a r a - l i v r e e n t r o u a s u a
co n v i v e n d o e n d e s v a l i d a s , i n g r e s s a m e n i n o , v e n d o - s e e m r e s s e n t i m e n t o n
i m e n t o d e c r i a n ç a s O . ' s
c l u s o n u m e s t a b e l e c a n o , a b a n - a v ê s s a a t i v i d a d e . t a r d e v e n d 0 e a p e a r a
nino r e r e q ü e n t o u a t é o 2< .> t r • mas , a q u e < <o v elh o> > s
d e M e d i c i n a q u e f n g . ' .
ra n a F a c u l d a d e d e t e m p o p a r a e s - do b o n d e l á a o J o n a e s q u i n a d a r l o r a t i v o , d iri~
ê n c i a d e r e c u r s o s e e , u a , c o r r e u i m p
r a b s o l u t a c a r • . a i s v e l h a :
donando-a po ' 91ndo-se à i r m ã m
tudar t r a b a l h a n d o .
i o n á r i o q u e e u v i r a
ó m e n t e o f u n c , a m a r r a - m e
a u l V i l l a - L o b o s n ã o e r a s
i a r e g u l a r Lulucha
R á a ê s s e t e m p o t r a z •

e i r e n t a s e s t a n t e s . J a n t o D N o · . o p r e n d e r .
esqu i v o e n t r e p o i s t o r i a d o r , j o r n a l i s .- 01 e n t r e t . e m 1 a q u e o v e i
o - s e c o n s c i e n c i o s o h - '
m l i t e r á r i a , r e v e l a n d Q u a n t a s b i f e r e n
bag a g e d e m ú s i c o ! • ·
N a o sei s e o << érbero>> n o t o u d a s d a c o r d a .
s o b r e t u d o m ú s i c o . . . G r a n
. ça n a s v o l t '
ta, p e d a g o g o e ,
a v i o s o v i o l o n c e l o ! . . s , à n o i t e , c o n t a v a - a s o , l a m e n t a t i v c u l p a r - s e ,
e a o s o m d o s e u m m a me o c º . c o m o a de s

e s d e l i c i e i - m f
e quantas vêz r i m e i r a v e z , t r e - • • 1
ta v e z , s o f r e n d o m a i s d o
que so re r a o m e n i n o
v i s i t a s o u v i , p e l a p •
e q u e n a s a l a d e m , e r . .
Na sua p e P u c c i n i , q u e m e e n l e v a r a
J á em m e i o o a n o d e 1 8 9 9 e
i a » , a n o v a ó p e r a d
cho s d a « B o h ê m q u e n o s < < c o n c e r t o s » a n o i t e d d e o s e u
z e s , t a m b é m o s p e · p ed .a s e z d , a n o - m
r a m p o r v ê
como me enl e v a d e r r a d e1· ro a d e u s . . . D 11· p o r 1ante u m a f eb r e a l t a o t r o u x e em
l e o r g a n i z a v a e m f a m í l i a r e g e n d o - o s .
. . n t e a t é . .
ª . . e c e d e , e
qu e ê o í n t i m o s n o d e11r10 c o n s t a a iner c i a q u e p r a m o r te. C r i v a d o d
i n h o s s e f i z e r a m t ã . , u .
o u t r o s v i z e u d i l . d o l e . .
Jamais q u a i s q u e r
o s e q u e , g r a ç a s a D e u s , var1olas, f a l e c u 1n o - s e q u a n d o
t u í r a h a v i a d o i s a n . a , p r a n -
]ar, que eu c o n s t i l i l u m i n a d
, . . . · ª e, e n t a o m a
perdura.
h a m u l h e r a m a i s te a n d o t u d o -
o r n a r a - s e p a r a m i n o h -
u o s a e s p ô s a t o a r o d e . v a r i o l o s e n a s ! . . .
Sua virt é s t i c o s . D . N o ê m i a ( a b No seu en t ê r
r , o u v e t r e s c a r r o s a p

o r a e m a r r a n j o s d o m '
i ú v a , i n c o n s o l á v e l e , p a r a a s u a
dev o t a d a p r e c e p t c o z i n h a e e x e r c i a . 1
A pobre v - s e n o b r e e c o r a j o s a
e m n o s s a c a s a p e l a a r t í r i o R , . g t t e s f a l c a d o ,.
i J l a - L o b o s } e n t r a v a u r a r d a trajetória de m q u e n o m o n t e p i o , d e
M m e V , s e m t o d a v i a , d e s c . estri t a a o p e
, p r o v e c t a s f u n ç õ e s '

com p r o v e i t o n o s s o •



128

.
. elas responsa bºl"d
i i a d e s de uma fiança que o marido estava pa-:

.subsistência aos filhos . · •


. o tempo. t or nando-se preciso empre-


N essa conjuntura corria d
T hú adolescente. Foi quando eu consegui que o guar a-
gar o u • . . d de vinhos e conservas.
-livros de conceituada firma, importa ora . b 1 ·-
. -to a título precário, admitindo-o no esta e eci VILLA-LOBOS
aceitasse o garo • 1- .
.. mento, onde teria boas refeições e um minguado sa ario <<para
<lesasnar>> no escritório. Lurz HEITOR CoRRÊA DE AzEVEDO
Qual não foi, porém, o meu espanto, quando o a~igo me
·participou que o meu recomendado não lhe tendo aparecido, ad-
mitira outro ! · · · Ão é esta a primeira vez que trago meu depoimento ao pro-
. . que o Tuhú lá fôra ter pontualmente,
Pressuroso, averiguei d grama que piedosamente mantém acesa, para os ouvintes da Rádio
,e ue um h ornem b igo. dudo , de colête e mangas arregaça . as, - o Ministério da Educação, a chama da recordação, fazendo ouvir
as páginas musicais que Heitor Villa-Lobos criou durante sua la-
havia vaga. boriosa existência e evocando pela voz o testemunho dos que o
conheceram, aspectos de sua personalidade.
Mais sicólogo do que eu, o armazeneiro, conhecedor. de vi-
Quis Dona Arminda Villa-Lobos, organizadora dêste progra-
. quem nascera para grande maestro, não devia iniciar-se como << o - ma, que eu viesse hoje falar, quando uma nova gravação ainda
fice-boy>>. não conhecida do público brasileiro lhe é revelada : a do Con-
Foi melhor assim, porque o adolescente, como uma planta •
cêrto para Harmônica e Orquestra, executado por John Sebastian
. ara a luz distendendo braçadas até tornar-se o e pela Orquestrá Sinfônica das Fôrças Aéreas dos Estados Uni-
1
úti • emergiu p •d . Enquanto isso eu guardo, dos, sob a direção de Guillermo Espinosa.
·maestro que atualmente a miramos. . ' 1 d R 1
. a lembrança das sonoras vibrações do violonce o e au A ascensão de certos instrumentos, considerados com ou sem
viva, eh d B h- ia» .
.Villa-Lobos, como a repetir-me o tre o a << o em . razão de um nível artístico inferior ao estrado da sala de concer-
• •
tos, é um fenômeno de nosso tempo. A harmônica, vulgarmente
Addio, fidele amico mio ; chamada <<Gaita de Bôca», é um dêles, como o é também o Ban-
Addio . . . Addio · · · donion dos pampas.

Villa-Lobos, que nos últimos tempos de sua vida se revelou


um mestre do Concêrto para instrumento solista e orquestra, es-
crevendo partituras brilhantes que fizeram a feliéidade de virtuosos
de variada formação, mas sobretudo de f armação pianística, acei-
tou a encomenda que lhe fêz John Sebastian de um nôvo Concêrto
para o seu próprio instrumento, a Harmônica de Bôca. Foi esta
uma das últimas partituras de Villa-Lobos e assisti de perto a sua
Gênese, pois o mestre e inesquecível amigo experimentou muitas



-

130 - , 131

de suas páginas em meu piano <<Beckstein>>, na salinha da <<Rue Vamos, pois, assistir a um dêsses duelos entre o negociador,
Galilée>>, em Paris, que êle utilizava como sua, entrando e saindo sabido e esperto que era Villa-Lobos, e o solicitante cheio de si,
quando lhe aprazia, com a chave da porta no bôlso. consciente dos seus méritos, mortificado pelo que já considerava
Lembro-me de haver visto o gráfico que John Sebastian havia uma humilhação prévia.
estabelecido para inf~rmação do compositor, mostrando as possi- . A cena não decepcionou nossa espectativa. Tivemos, pri-
bilidades do instrumento. Registro surpreendentemente extenso, meiramente, uma estraordinária demonstração de virtuosismo ins-
combinações harmônicas realizáveis, etc .. trumental. Sôbre as gaitas minúsculas que nosso artista tirava
Isto se passava em 1955, na primavera de Paris, que era a do bôlso, acomodadas em preciosos estojos e ouvindo os discos
• época que via chegar Villa-Lobos para os seus concertos, as suas e~- fita magnética ou em discos, ouvindo nesses discos as compo-
- s1çoes que mestres eminentes da música contemporânea _haviam
gravações, os bons papos com os velhos amigos. Velhos e novos,
pois as crianças, filhos de velhos amigos, tomavam bem depressa escrito para o <<ás>> da harmônica oral, ali ficamos durante bastante
lugar no coração de Villa-Lobos e sentavam-se a miúde com os ou- tempo. Mas Villa-Lobos permanecia impassível, observando o in-
tros em tôrno da mesa cheia de boas gulodices que os reunia todos terlocutor com uma desconfiança. A conversa que êle esperava,
• não vinha. E, como ela não veio, apesar de o compositor haver
aqui.
encaminhado hàbilmente o assunto na boa direção, o nosso ho-
Ainda a propósito da composição dêste Concêrto, lembro-me
menzinho saiu do hotel com as mãos abanando ou, mais realisti-
de uma cena divertida que retrata tipicamente o homem Villa-
camente, carregando de volta as suas gravações, os seus instru-
-Lobos. A maneira que tinha de defend.e r a sua arte, de cuidar
~entos, o seu toca-discos e magnetofone, mas sem aquilo por que
dos seus interêsses. Maneira forte de quem nasceu para dominar
viera : a promessa de um nôvo Concêrto.
e não se deixava intimidar ou embrulhar por nenhuma espécie de
prestígio político, artístico, de fortuna ou outro. Esta é a razão pela qual, na produção de Villa-Lobos, uma
O caso é que uma noite eu lhe fazia visita no Hotel Bedford, única obra foi destinada à harmônica de bôca, e essa escrita para
onde êle se hospedava e que era o mesmo no qual o Imperador John Sebastian, pelo qual os ouvintes vão agora escutá-la, acom-
D. Pedro II -havia exalado o último suspiro. Villa-Lobos, aliás, panhado pela orquestra que dirige Guillermo Espinosa.
ocupara durante muito tempo o apartamento mesmo que havia sido
do Imperador, com os seus móveis dourados e retrato na parede.
Disse-me êle que nessa noite esperava uma visita, a de um grande
virtuose da gaita de bôca, internacionalmente conhecido que vinha
vê-lo e fazer ouvir em gravações algumas das obras que êle havia
interpretado, com ou sem orquestra, nos grandes centros musicais
da Europa e do Continente Americano. Êle havia sido o intro-
dutor do n1odesto instrumento na esfera da música de alta classe
-
e Villa-Lobos havia passeado sôbre os seus óculos, compondo
para O concorrente mais tardiamente surgido, John Sebastian, o
Concêrto de que estamos· tratando. O nosso virtuose também
queria um para êle, mas Villa-Lobos só escrevia concertos dessa
natureza por encomenda e essas encomendas deviam ser bem
pagas.




VILLA-LOBOS

Luiz HEITOR CoRRÊA DE AZEVEDO


IERRE VIDAL, animador do <<Club des Trois Centres», ema-


nação da juventude musical francesa que organiza regularmente
sessões de audição de discos, muitas vêzes com a presença de
compositores, que explicam suas obras ao jovem público, indig-
nou-se pelo fato do programa apresentado pelo Eleazar não con-
ter nenhuma obra de Villa-Lobos.
O seu Clube, com efeito, é muito fiel à memória de Villa-
-Lobos; e em vida o compositor lá estêve muitas vêzes, em me-

moráveis sessões, em que falava longamente. O Pierre Vidal


pensou, muito à maneira francesa, em atirar das galerias papeletas
protestando contra a ausência de Villa-Lobos no programa do
Eleazar. Finalmente, depois de uma longa conversa que tivemos,
contentou-se em enviar-me longa carta: ·· . . . todo o compositor
• merece ser examinado nos seus melhores dias. Por que razão um
artista mereceria ser atacado com violência por ter tido a sorte ( ou
a desgraça) de realizar sob o ímpeto criador, obstr11indo nêle o senso
da autocrítica ?
É dever, em face de tal música, buscar nêle suas melhores
obras e fazê-las executar ( etc ..•. ) ( assinado J. G. W aterhouse) >>.
Na revista <<Music and Musicians>> de fevereiro, deparei-me
com um estudo referente a Malipiero, e algumas linhas que são
os extratos acima transcritos, trazem-me a resposta que merece
sua análise do outro dia . . . sôbre Villa-Lobos, um dos maiores
músicos do Século XX, escandalosamente esquecido pelos artistas

--~=
134 - 135

que parecem destinados a defender-lhe, não só porque o amavam, Villa-Lobos. Assim, tanto mais penosa e- a responsabilidade que
mas também porque apreciavam o valor de sua superioridade. incumbe ao grande chefe que é Eleazar de Carvalho.

Eu havia prevenido que em seu concêrto de 15 de fevereiro _ O, p~r~~tório corre o risco de ser antecâmara de uma conde-
com a Orquestra Nacional da Radiodifusão Francesa, Maestro •
naçao definitiva se os sêres conscientes do problema não resistirem .
Eleazar de Carvalho não havia incluído uma só obra dêste mestre. ~o 15 de fevereiro, nada teremos contra Brahms. E tal obra
Não sabendo onde encontrar êste chefe de orquestra, permito-me demolida de Villa-Lobos teria, ao menos, um lugar tão honroso
solicitar-lhe de mostrar-lhe estas linhas. q~anto os <<Jeux Vénitiens>> de Lutoslawski músico que até ad-
Cumpre-me declarar que não me posso conformar com a res- miro bastante.
posta demasiado cômoda tanto para o espírito como para o cora- . .: Villa-Lobos teve a oportunidade 'd e poder expressar suas
ção, que <<Villa-Lobos faz seu purgatório >>. Curiosa concepção ~pinioes com autoridade em uma época que não havia ainda sido
dos últimbs objetivos de um criador autêntico, que inscreveu seu inventada a música <<aléatoire>> !
país no mapa musical, de uma maneira indelével. Que importa
. D~sejo_. ~~e esta carta · tenha divulgação intensa nos meios
aos editôres de enciclopédias que nem o mencionem sequer l
~usicais oficiais como em tôda parte, desde que ela venha a servir
O que há de mais vivo, mais vibrante, mais transbordante a causa do artista honesto, puro e autêntico, do grande homem
de humanidade, de amor universal, no patrimônio artístico das que foi Heitor Villa-Lobos.
Américas, do que a música dêsse grande mestre ?
O frenesi <<bouleziano» e <<post-bouleziano>> de pequenos gru-
pos parisienses será êle o único a influenciar aqui, violentando um •

público cada vez mais sem energia? Meu artigo do <<Journal •


• Musical Français>> dêste mês, consagrado ao domínio musical, me
fará passar por <<reacionário>> aos olhos de alguns (para empregar
o têrmo da moda). Quis simplesmente revelar o desequilíbrio de •

nossa vida musical, que afasta o passado mais recente sem haver
ainda o atingido. Triste século da velocidade! •

Não pertenço às gerações antigas dos musicólogos que pode-


riam declarar que seus ouvidos estão exaustos de Villa-Lobos
desde 1925. Nascido em 1932' sõmente cheguei à música pelos •

anos cinqüenta . . . Quanto às gerações mais recentes estão elas


no direito de reclamar quem é Villa-Lobos. Há um dever para
com elas. .

Poder-se-á dizer que a Orquestra da Radiodifusão Francesa,


ela própria, impediu Maestro de Carvalho de programar uma obra
do grande mestre. Então, aos meios oficiais brasileiros, cabe


reagir! •

• Não esqueçamos que Villa-Lobos, na França, foi o único di-


retor de orquestra que dirigiu as partituras de um certo senhor



VILLA-LOBOS

MADALENA LÉBEIS

ILLA-Loaos é a própria terra brasileira que se espiritualiza •..


Em sua música l1á uma presença forte de misteriosas paisagens e
sentimentos brasileiros.
O Gênio registra e transmite ao futuro a mensagem dos dias .
passados, a geografia sentimental de uma época inquieta onde

ecos de antigas serestas se confundem com a sinfonia de máqui-
nas. gorjeios de pássaros, orquestras de vozes, com a policromia
dos estranhos contrastes, que vivemos nossos dias.
Escrever sôbre Villa-Lobos, é falar do Brasil! Orgulho-me··
de ter sido por êle considerada como uma de suas melhores intér-
pretes, porque sei que cantando sua música estou interpretando a.
alma de meu povo e traduzindo esperanças de minha pátria !


• '

HEITOR VILLA-LOBOS, NA RECORDAÇÃO DE AIMBERE;

MANUEL ANTÔNIO BRAUNE ( *)

NCONTREI pela primeira vez Heitor Villa-Lobos num estúdio


da BBC logo depois da guerra. Na admiração que eu havia muito
tempo sentia por êle sem dúvida se confundiam os meus sentimen-
' tos e nela muito havia de orgulho nacional, de patriotismo, de
amor à nossa terra comum, de uma compreensão que vinha da
raça, das tradições do nosso povo. Cega, poderiam dizer, essa
minha admiração? Não creio. Porque o orgulho nacional, o pa-
triotismo, tudo isso era originado no fato de reconhecer eu o ele-
mento universal na música de Villa-Lobos, no fato de se haver
um · brasileiro sobrepujado a si mesmo e haver entrado num plano
• em que desaparecem as fronteiras. Passagem tanto mais difícil a

um plano mais elevado quando se considera que Villa-Lobos fôra
buscar sua inspiração em todo o rico folclore hrasiJeiro e que sua
música nos dá uma visão exata e magnífica da terra em que nas-

cemos. O homem eu só conhecia de retratos e da fama. Uma
fama aterrorizadora, que se tornara lenda no Brasil inteiro,
lenda que ainda se conta. E é por isso que eu a menciono neste
dia de hoje. Mas ali, no estúdio da BBC. estava diante de mim
um homem de rara doçura e naquele instante eu percebi porque
tanta música tinha sido por êle criada com o pensamento e o cora-
ção voltados para a infância seu amor às crianças estava estam-
pado nos seus olhos, Seria então o profissional que era aterrori-
zador? No estúdio imenso da BBC já estava instalada a grande
orquestra de professôres, à espera do regente de quem só conhe-
ciam o nome célebre de compositor. Iriam experimentá-lo, pensei
eu, como sempre o fazem músicos de orquestra diante de uma •

( *) Página lida na B. B. C. em Londres em 1959 .


'

,

140 - 141

batuta que ainda não os comandou ; êles dispõem de todos os la fama que me viera do Brasil, quç havia de verdadeiro em tudo
meios para verificar em poucos minutos se o dono da batuta é aquilo ; nunca tinha eu acreditado no provérbio que diz que nin-
digno de empunhá-la ; erram de propósito ou aproveitam-se dos guém é profeta em nossa terra ; acreditava o oposto ; que é muito
erros na partitura, fazem perguntas sôbre a maneira de executar mais fácil ser profeta em nossa terra. Foi conhecendo Villa-
certas passagens para ver se o regente tem conhecimento íntimo -Lobos que descobri que a confusão era minha e não do provérbio.
de todos os seus instrumentos. Que iria acontecer ? me per- O provérbio não se refere a profetazinhos de meia tigela mas
guntava eu, pensando na fama de lobisomem que tinha Villa- sim, sem dúvida, aos grandes profetas ; como explicar as mes-
-Lobos. Receios infundados. Com grande firmeza, mas com a quinharias que praticam seus próprios compatriotas contra êstes,
maneira mais gentil e polida, Villa-Lobos passou todos os testes e, os profetas da estatura de um Villa-Lobos ? O meu consôlo, ao
em menos de meia hora, aquêles professôres de uma das melhores olhar para o passado, para o quase presente dêsse grande homem
orquestras do mundo tinham sido inteiramente conquistados pelo do Brasil, lembrando-me de quanto êle sofreu para nos deixar
seu nôvo maestro e regente e estavam trabalhando para êle e para a herança esplêndida de sua música, é saber que sempre foi pe-

o êxito do concêrto com a mais absoluta dedicação e carinho; era queno o número de seus detratores na nossa terra, embora às vê-
como se há muitos anos viessem trabalhando juntos, como se se zes conseguindo fazer erguer suas vozes fanhosas acima das har-
conhecessem intimamente e o respeito evidente que existia entre monias estonteantes do grande maestro. Meu consôlo é também
um e outros fôsse o resultado de uma longa experiência mútua. olhar para o futuro do nome de Villa-Lobos, nome glorioso na
E, desde então, são do mesmo gênero as minhas lembranças de nossa terra e por tôda a parte onde houver quem aprecie a gran-
Villa-Lobos. Dedicou-me horas repassando todo o repertório de de música.
sua obra para piano, mostrando-me, com uma paciência sem fim, •
a maneira correta de interpretá-la de acôrdo com sua idéia ori-
ginal, ensinando-me truques de técnica pianística que, além de
melhor realizarem o seu pensamento, contornam deliciosamente
certas dificuldades. Aquêles dias encantadores passados em Pa-
ris, nos aposentos imperiais do Bedford, onde vivera Pedro II
em exílio e onde agora se hospedava Le Maitre Villa-Lobos ; o
Villa, o inevitável charuto, o inevitável papel pautado, a inevitável
tinta nanquim, dezenas de canetas, um rádio berrando novela ou
algum concêrto sinfônico, visitas, jornalistas e, no meio de tôda
essa balbúrdia, Villa-Lobos, imperturbável, intrometendo-se im-
possivelmente nas palestras mais disparatadas êle nada estava
perdendo daquilo tudo, nem a novela do rádio, nem o concêrto
sinfônico, nem a menor notinha de flautim de sua última compo-
sição ali sendo criada ou copiada. Naquele ambiente, cheio de

tantas recordações, a minha última conversa com êle, em maio
dêste ano, na ausência por alguns minutos de sua adorada es-
pôsa, quando me disse, sereno mas com os olhos cheios de lágri-
mas, tanta era a sua tristeza de ter chegado o fim, que sentia
pela primeira vez na vida que tudo estava acabado. E tôda aque-


-

'

VILLA-LOBOS E O VIOLÃO


• MARIA LUIZA ANIDO ( ... )



INDAque, atualmente, a extraordinária personalidade de Heitor·
Villa-Lobos seja universalmente reconhecida como a de um mú-

1 sico genial, creio que somos nós, os violonistas, que temos motivos .
particulares, não sàmente de admiração, mas também de profunda
gratidão para reverenciar o grande compositor brasileiro. Porque
• ninguém como Villa-Lobos, no panorama musical da América La-
tina, soube beneficiar e enriquecer nossa literatura, até então pre-
cária, elevando, assim, o repertório erudito com as vozes da terra,

originais e avassaladoras, que era o que faltava no aspecto mu-
sical que nos apraz oferecer à estrutura sonora do nosso continente.

Por isso hoje - graças ao gênio do ilustre com_positor brasi-


leira, ao seu indiscutível e completo domínio do instrumento e ao

amor a êle muitas vêzes demonstrado nos longínquos auditórios


do mundo, amantes do violão, podem também aproximar-se da
alma dêstes povos, afirmando, ao mesmo tempo, que agora seus
Prelúdios e seus Estudos são parte integrante, tão atraente como

dileta, do repertório de todos os colegas do mundo .


( •) Violonista Argentino.
~



VILLA-LOBOS ( *)

MÁRIO DE ANDRADE

.

ILLA-LOBOS está em São Paulo. Outra vez ? Com o grande
músico nunca se pode falar que é <<outra vez». Em tudo êle não
se repete : e então, neste ano famoso para a música paulista, em
que tudo revirou de repente com a fundação da Sociedade Sinfô-
nica de São Paulo, com que a nossa música criou alma nova,
'
Villa-Lobos vai ser outra coisa. Não são apenas os projetos fa-
• bulasas que êle traz que tornam esta chegada do autor das <<Ci--
randas» uma coisa inédita, e o próprio ambiente musical paulis-
tano tornou-se inédito também. Agora Villa-Lobos encontrará •

mais perfeita, mais animada e mais livre, uma população para •


aplaudi-lo e elementos mais largos para que possa realizar com •

eficácia as grándes volúpias artísticas que vivem na imaginação •

• dêle. t

Que Villa-Lobos tenha enfim no Brasil uma consagração


digna dêle é o que desejo. Nós ainda não presenciamos com •


clareza o que êle representa para o Brasil. Por mais que as trans-
crições de artigos sôbre êle publicados no estrangeiro, provem a
importância dêle, essas .transcrições não bastam para mostrar a •

formidável propaganda do Brasil que Villa-Lobos faz lá fora .


.Êle não fixa cartazes nas paredes do mundo, mostrando que o

-
( *) Publicado no «Diário Nacional~ de São Paulo, em 2/7/30.


li6 -
147 -

café é gostoso, enquanto a Colômbia planta mais café valorizado e.stá .se be ne f x·c1an
· d o imensamente n. d .
pelo nossa estupidez. Mas em compensação êle tornou o Brasil , os e1xamos que d b .
numa angustiosa vid d se e ata
a e aventuras musicais, viran - .
uma coisa humana de permanência viva na consciência de milhares
de estrangeiros. :Sle humaniza o Brasil lá fora. As vêzes uma ce o noutra parte d d
emprêsas ed·t- , se pren en o a
1 oras que o exploram a valer
revista musical estrangeira repete nas páginas dum só número,
em artigos, notícias, programas, quatro, cinco e até mais vêzes duzir b . . J ais impedem o verdadeiro artista de pro-
º ras gen1a1s. E de fato
o nome dêle. E não são apenas elogios duma consagração acarJ
neirada e pacífica. Deus te livre ! São irritações, ataques, dis- oo << oras II

cussões, procuras de compreensão, notícias cuja importância os . . as>> e outros monumentos com
• Bras1l enriquece a m - . . que o
diários aproveitam em títulos e subtítulos com grandes letras. h . us1ca universal. Estou na fazenda e sem .
n as revistas; mas faz pouco uma f - mi-
<< Um
músico brasileiro desperta assobios mas depois vem Bach g ue não Iemb undaçao qualquer ianque, de
ro o nome out .
e o público se acalma>>, intitulava um diário ianque uma notícia. músico é ce t , - orgou ao Judeu Ernest Bloch, grande
r o, mas que nao tem a importância de V'll L b
Stokows.ky, nome universal da regência contemporânea, interromJ pensão vitalícia para -1 I a- o os, uma
que e e possa continuar sua obr
•• pe um concêrto para pedir a uma parte de seu público que <<vá Isso o Brasil devia fazer pelo ma. d a em paz .
ior os seus propagandistas vivos.
fumar um bocadinho nos corredores>> para que outra possa ouvir
em paz a contribuição brasileira que Villa-Lobos apresentava nas
suas - .
musicas.
Porque se deu essa coisa benéfica e importante : Villa-Lobos
e Brasil tornaram-se uma coisa só na compreensão do mundo. Se
é certo que essa espécie de juízo crítico é por muitas partes falso, •

pois há na obra do grande compositor um número enorme de in- •

venções exclusivamente pessoais, que são dêle e não do Brasil,


ou por outra : que são do Brasil apenas porque são exclusivamente


de Villa-Lobos e êle é nosso não tem dúvida que essa unifica~
ção absoluta da obra de Villa-Lobos e do Brasil veio nos bene~

'
f iciar imenso como propaganda. Propaganda que incontestàvelJ •

mente jamais nenhum outro artista brasileiro realizou com tanta


eficácia a favor do Brasil. · •

Mas êsse artista, duma genialidade que ninguém discute em~ •

bora possam lhe discutir uma ou outra criação, êsse realmente


- grande compositor duma atividade assombrosa, de quem o Brasil

• • •


-

HEITOR VILLA-LOBOS E A EDUCAÇÃO MUSICAL ( *}

MARIO GUIMARÃES

-
ENDO-·ME inclinado a atribuir a uma pessoa em particular o
mérito pelo que se faz no Brç1sil em matéria de educação musical,
parece um dever de consciência justificar minha opinião reconhe- •

cendo, no entanto, quaisquer outras contribuições, próximas ou
remotas.
Pois bem, não tenho inconveniente em dar todo valor às pri-
meiras tentativas dos jesuítas, pouco depois do descobrimento do
meu país. Na verdade o esfôrço educacional em terra brasileira,
até que a Ordem de Santo Inácio deixou de funcionar nos domí-
nios de Portugal, deve-se aos irmãos dessa religião, até o fim da
• época. Na educação primária, setor onde os índios mais se dis-
tinguiram, os obstáculos foram vencidos apoiados na música.
:Êsse mesmo processo conservava sua eficiência no que se denomi-
nava educação de adultos. Os indígenas . de tôdas as idades mos-
travam interêsse extraordinário pelos instrumentos e os recursos
musicais que lhes mostravam os jesuítas. Nisso, parece que encon-
traram o mais forte atrativo humano para se deixarem catequizar.
Não nos enganamos, no entanto. :Ê.sse trabalho de tanta im-
portância, durou muito tempo, dois séculos, porém faz duzentos

anos, igualmente, ficou interrompido, subsistindo seus efeitos pelos
indícios de caráter folclórico, semelhante às toadas européias de
outra origem e a tradição rítmica africana, que as gerações se vão
transmitindo com maior ou menor influxo mútuo dos diferentes
setores.

(*) Palestra proferida na Rádio América Latina em São Josê, Costa


Rica, em 7-8-1956 .

151 -
150 - •

passa~ ligeiramente sôbre o que significa êsse homem, considerado


Tal formação se diferencia das demais que se manifestam no o mais destacado compositor da América e um dos maiores do
mundo, sem que por isso constitua ' uma única maneira musical. m~n.do,. numa época rica em culminâncias como a presente. Em
Ao contrário. as tendências melódicas, as incidências ritmicas, as 1_g1~alidade, em vigor na expressão e em produção fecunda, pela
particularidades emocionais variam grandemente e a origem não opiniao que se generaliza, cabe ...Jhe a palma em nossos dias.
se definiria sob o critério de regionalismo. Num mesmo Estado
existem diversos tipos. Sucede, às vêzes, que certa modalidade
fica caracterizada precisamente em distintas regiões. ras assim, alheias as· lim1taçoes, tivemos durante O Renascimento

Uma vida, que freqüentemente se revela de extrema indepen,... e na f armação territorial da América.
dência em relação aos fatôres originais, favoreceu a multiplicidade Vêm o que é possível e fazem o impossível.
no extenso território que é o do Brasil. •
. Co~ uma ~apacidade para sentir motivos e aproveitar temas,
Tudo parecia propiciar a variedade, não deixando de, durante
mui~o criança_ ainda, põe...se em contato estreito com o ambiente
muito tempo, haver concorrido ao resultado a mesma falta de ins,... musical do Rio, pleno de inspiração. Boêmio, desde a infância
trução sistemática e uniforme. Existindo a inclinação da música vem
. executando, assimilando e criando . No caso . temos que con~'
constituir...se na verdadeira linguagem dos sentimentos, o impulso vir que a esporadicidade de seus estudos foi antes uma vantagem
diversificador não sofreu maiores restrições. do qu~ uma_ ~alha. A técnica ·chegou a êle como auxiliar e não
A espontaneidade persistiu mais do que em outros países, pois como imposiça~. Com o pai, conhecedor de música, com algu11s
a música erudita, muito difundida no século passado por uma elite, cursos no ~r.as1l e, muito mais tarde, o contato com mestres euro...
longe de conter a música popular trouxe ...lhe novos horizontes. peus, adqu1r1u
..,., o que necessitava da técnica da arte , pore'm ,.em
• aquis1çoes que não envolviam renúncias fáceis. A personalidade
Houve importante produção desde a emancipação política por.
Pedro I. êle mesmo, compositor. Tivemos música sacra bem apre .. ~erm_anecia íntegra. Sem plano pré... estabelecido, mas atendendo a
ciável e, em certo momento, fêz ... se notar uma figura que, tanto no interior curiosidade, e, ao sabor das circunstâncias oferecidas a
país como no exterior, granjeott brilhante renome, ainda hoje jus,.. seu espírito de aventura, perscrutou a alma brasileira em tôda
tificado por muita gente Carlos Gomes autor do <<Guarani>>. P_arte, explorando os aspectos, as condições, que podiam suge ...
rir ...lhe algo : Amazonas, Nordeste, Bahia, Minas, São Pattlo, R io
As composições. apesar de uma crescente aceitação, respon,...
"d iam às diferentes escolas universais, apenas com a novidade de negro~, ind1os e mestiços, tudo isto buscou senti ... lo livremente, não
inquietudes incontidas e um frescor exótico que agradava. descuidando, porém, de uma adaptação a bem dizer científica.
Sõmente depois de Carlos Gomes é que os compositores bra ...
Entretanto, aumentava por demais, sua produção, da qual não
sileiros, mais confiantes nas possibilidades técnicas nacionais, pou,... se dava conta. O número de suas composições? Mil, faz anos
co a pouco, começaram a utilizar motivos populares. A princípio os . que estudam sua obra . A c1·f ra d as ava1·1açoes
-
calcularam
. che~'
em tímida tradução dentro das formas clássicas, depois com relativo
ga hoJe a mais de. mil. Villa ... Lobos compõe com a prodigalidade
desenvolvimento. O caminho acentuava ... se cada vez mais até que com que um americano escreve cartas.
o terreno ficou preparado para um grande avanço.
A busca e a inspirada estilização do sentir -n1usical de seu
Surgiu Heitor Villa ...Lobos. Não é meu propósito biografá...lo .
• povo. fêz que, em dado momento, se entregasse, com seu tempe,...
Estaria me afastando do assunto. Além disso, os conhecimentos
ramento tempestuoso, aos ideais da educação.
que, sôbre êle, tem o público interessado em música, permitem,...me
• •



153
152

e g i d o p e l o p e r m a n e n t e i n t e r ê s s e
T i n h a p a r a is s o q u e e s t a r p r o t
o v e m e x c ê n tr ic o , d e in c li n a ç õ e s
o v ê r n o . O e n c o n t r o d e u m j
cio g t e d o E s t a d o

0 , s e v iu i n e s p e r a d a m e n t e à f r e n
a r t í s t i c a s , q u e , e m 193 e m d e z e n é W
íc io à c a m p a n h a d e e x o r t a ç õ e s
d e S ã o P a u l o , d e u in c i a s N
i f i c u l d a d e s e a s r e s is tê n c ia s a m o s a p r o v e i t a r d a s c i r c u n s t â n

n a s d e c i d a d e s , s e m q u e a s d a z e r , m a s o q u e p o d e r í · a
e d e z e o , e m p o u - ·
d e V i l l a - L o b o s . C o m o r e s u l t a d verd
e n f r a q u e c e s s e m o â n i m o
a d o s e c r ia n ç a s , e tc .
co u m a m u l t i d ã o d e e s t u d a n t e s , s a c e r d o t e s , s o l d ongresso. Adiante l
v a m e m c ô r o s o b s u a r e g ê n c ia . r
que seriam d e z m il , c a n t a g u i n t e , m e d i t a n d o m e l h o o s u m a i n s t i t u i ç ã o -
No dia se , v is it a m
d e m a s i a d o n a m ú s ic a
Apressemo-nos, sen h o r e s o u v in te s , c r e io d a s m a is s im p á ti c a s q u e c o n h e c i.

e i x e a m a io r p a r t e d e s t a h o r a
V i l l a - L o b o s , p a r a q u e n ã o a d
'd e
cultural. t o f e li z , à s c r i a n ç a s m e n o s a f o r -
a d e s t i n a d a a d a r a lí v io , m o m e n
i t a l , d á v i d a a o O r f e ã o d e c a s
a t u a r n a C a p
O Maestro passa a ç a s , a q u e m
s ic a , c h e g a a o c o r a ç ã o d a s c r ia n a m p a r o m o r a l .
P r o f e s s ô r e s , e, p e l a m ú e m t r i s t e s c o n d iç õ e s d e
g u e r e s u l t a d o s a d m ir á v e is '
. A v iz i. - e mulheres da rua,
en t u s i a s m a e d a s q u a i s c o n s e
m e n t o q u e h a v i a s i d o a n t e s , s e
d a s e s c o la s , d o d e s c o n t e n t a
- nhan ç a a p r e s e n - s m e n in o s · c o m p e n e t r a d o q u e tê m
li z p r iv il é g io . C o r o s d e 4 0 m il v o z e s s ã o a v io e.s ; t o d o , e m e n in a s , c o m a r
co n v e r t e e m f e o r -
id a d e , e s t e n d e n d o - s e o i n t e r ê s s e
tado s n o p r i n c i p a l e s t á d i o d a c
s o s p o n t o s d o p a ís . o r a s d a v id a .
teônico a todo
r e s , n o a n o d e 1 9 3 6 , d e s t a c a d o
Estava eu, Senhoras e S e n h o
u a n d o a li s e r e a l i z o u u m C o n ...
L e g a ç ã o d o B r a s il , e m P r a g a , q
n a i t a d o p r o f e s s o r , T i n h a m s u a s i d é i a s s ô b r e o
E d u c a ç ã o M u s i c a l . U m r e s p e r e s s 1 o n a r a m c o m a r e v e l a ç ã o .
gres s o M u n d i a l d e se x m p f - d
a c i o n a l d e M ú s i c a d o R i o d e e n t r e g a v a m d e i m e d i a t o O e r ç o o
u m d i a ir ia d ir ig ir o I n s t i t u t o N assunto, por é m n ã o s e · s o
q u e i a e s t u d a d o n o . -
r e p r e s e n t a n t e s b r a s il e ir o s . H a v
Jane i r o , e r a u m d o s ·
i c a m e n t e , c h e g o u c o m a d e v i d a d e 'b 't b s s o n s e 't 'd
s e r v a t ó r i o d e L e ip z ig e , g e r m â n ca am entoand o e , s u o , p e r c e e m q u e o
C o n h o n r o s a c o n - I
a p r e c i a r e d e u a o s d e b a t e s u m a
ante c e d ê n c i a , f ê z - s e
tr ib u iç ã o .
V i l l a - L o b o s . P a r t i u d o R i o d e a l h o V 1'lla L b 1 - .
O outro delegado era o n o s s o N e s s.e p o n t o d iv id iu - s e o t r a b · - o o s a c o m a s
i n . P o r u m a r a z ã o o u o u t r a , . r a r u m a c o n f - · . f -
o s d o q u e e m Z e p e l s ív e is e e u a p r e p a e r e n c 1 a e m r a n c e s
J a n e i r o , n a d a m e n
v i a e n c e r r a d o c r i a n ç a s in a c e s

F r i e n d s c h a f e n q u a n d o j á s e h a -
cheg o u à e s t a ç ã o d e
H i t l e r . P o r d i s t r a ç ã o o u f a l t a
C o n g r e s s o . L á c r u z o u - s e c o m ornec1 o s .
o o m o d e c o s tu m e ,
l h e f ê z o m e n o r c a s o , p o r é m , c
de d is c ip li n a , n ã o z d i a s r e a l i z o u - s e d ç ã o p ú b li c a p r e v i s t a
Após de a · emonstra
u i u l i v r a r - s e d a p io r .
conseg numa sala repleta.
e s t a v a e n c e r r a d a . O q u e f a -
Sabia que a reun i ã o d e P ·r a g a
i s . N ã o V i l l a - L o b o s . cena.
e l ' o u t r o t e r i a s e g u i d o p a r a P a r
ze r ? Q u a l q u e m En-
e u d e s ti n o , e n a d a d e d e t e r - s e
Tcheco-Eslováquia e r a o s d a m a n i f e s t a ç ã o d e c a r in h o . .
e p o r tr e m , o n o r - vo vem-no na m a is d e s o r d e n a
o t r a n s p o r t e f in a l p o d i a f a z e r - s
• de t a l h e s . B e m ,


154 - •

e n h o re - · a v a ro a p
s e nh o r a s e S s

o s p r e s e n te s n a o
1
ig n o r ro ve-
·- n c ia d e s s a s c ri a n ç a s e o d1. fícil q u e e r a m e a s .
n1e . - e m m e io d e lá g ri m a s , p r o r r o m p e -
ram num ap auso que
·n h a v id a .
V il la - L o b o s le u a c o n f ere-nc1·a e ' p o r fim d ir ig iu -
o c o ro 1n- . EM CASA DE SOUZA LIMA C
OM VILLA-LOBOS ( *)
' essa
fa n ti l c o m c a n ç õ e s e m p o rt u g u ê s , c s c ri a n ç a s q u e
a n ta d a s p o r •

,s ó fa la v a m o c h e c o . M E N O T T I D E L P IC C H IA
m te m o m a s a c r e d it o q u e n a o s e - -
re i c e n s u r a d o s e a o m e n o s p u
.a rt is ta v e r d a d e ir a m e n te g r a n d e . a p a r e c e u V il la - L o b o s o n o s s o V il la , c a b e le ir a re v o a n te ,

c h a r u to e n o rm e , a le g ri a , v it a li d a d e
n a m á s c a r a e x p r e s s iv a e ,
e m lu g a r d e s e n ta r - s e n a s u a p e a n
h a d e íd o lo m u s ic a l, h o m e n a -
g e a d o p o r a q u ê le g r u p o d e s u p re m o
s v a lo r e s a rt ís ti c o s , q u e S o u s a
L im a r e u n ir a n a s u a b e la v iv e n d a
, p e n s o u lo g o n a in ju s ti ç a d a
g ló ri a d e D o n a O lí v ia . T o m o u - m e
p e lo b r a ç o e c h a m o u T a r s il a :
- V a m o s e v o c a r q u e m fo i n o s s a
m a r a v il h o s a M u s a : a in e s q u e -
·c ív e l D o n a O lí v ia . P re c is a m o s o r
g a n iz a r a <<Semana D o n a O lí -
v ia Penteado>>, a q u e a c r e d it o u n a
n o s s a re v o lu ç ã o e a q u e m a r -
c o u , n a n o s s a s o c ie d a d e , tã o l1ípica
e tã o s u é d ic a , o s m a is s é ri o s
in s ta n te s s o c ia is d e b e le z a e d e e s p ir
it u a li d a d e .
N u m h a lo d e s a u d a d e , c o m e ç o u o
d e s fi le : O lí v ia. P e n te a d o ,
a fi d a lg u ia fe it a s e n s ib il id a d e e c u
lt u r a . A E g é r ia d a g e ra ç ã o .
Do seu mundo nos dava Gofredo,
o p o e ta d o <<Mar d o Norte>>,
R e n é T h ie ll ie r, c a s te lã o d a V il a F o
r tu n a ta , P a u lo P r a d o , o ú lt im o
s e n h o r fe u d a l d e m o c r a ti z a d o p e la
li te r a tu r a . D a v a - n o s a in d a
W a s h in g to n L u ís , o h is to ri a d o r e o
e s ta d is ta , R o b e r to M o r e ir a , o
o r a d o r fl o ri d o , F r e it a s V a le , o M e c

enas . . .
D e p o is v ín h a m o s n ó s ! H o r d a b á r b
a r a e s tu a n te d e m o c id a d e .
Q u e m é r a m o s ? B o q u ir ro to s b lã s fe
m o s , h u n o li te rá ri o s q u e b r a n d o
-c o m o s p é s o s m o n u m e n to s a c a d
ê m ic o s , s a c rí le g o s e s p a ti f a n d o
íd o lo s , a n u n c ia d o r e s d e u m n ô v o
c ic lo d e v id a p r e c e d id o p e la
p o e ir a d a d o n o s s o p r ó p r io tr o p e l.
C o m o S a n ta G e n o v e v a a c a l-
m a n d o Á ti la e s u a s h o s te s , D o n a
O lí v ia s u r g iu c o m s u a h a r p a .

• ( *) P u b li c a d o n a <<Gazeta» d e S ã o P a u
lo , em 27 d e se te m b ro d e 1957 .




'
' •


156 •

Falava com uma voz feita de óleo santo perfumado. A doce


maga abriu seu castelo. Entramos em magotes, discutidores, ir-
redutíveis, mas pacificados naquele clima de elegância e com-
-
preensao. • •
E Villa-Lobos evocava : Mário, o Tiradentes, Oswald, o ma- VILLA-LOBOS ( *)
riscador de gênios. Brecheret, o urso taciturno. Tarsila, a glória •

e a beleza. Anita, a desbravadora, Guilherme.., o aristocrata. Jan, •


MENOTTI DEL PrccHrA
o pesquisador, Flávio, o incendiário. . . ~le, Villa, o grande Villa,
assustando tôda a açucarada côrte dos assinantes da ópera, a
<<gente bem>> do Automóvel Club e das noitadas encasacadas do
Municipal. M jovem crítico musical considera Villa-Lobos o maior brasi-
A saudade veio, como uma ave misteriosa chamada por u111 leiro de todos os tempos. A gente sai e replica : <<E Gusmão ?
pio, e espalmou as asas naqu ela grande sala tôda luzes , tôda ale- E Santos Dumont ? E Rio Branco ? E Rui ?» Como se vê é
gria, com copos faiscantes, guloseimas, servidas por << garçons» sempre perigosa a generalização. De mais a mais somente a dis-
impecáveis. Os •· fauves >> de ontem eram senhoras ultra-''kans>> tância dá a medida d.o s homens.
e cavalheiros tremendamente poderosos. Os bárbaros estavam Não ouvi os argumentos contrários do jovem entusiasta do
domados. Santa Genoveva desarmou Átila, Villa, o chefe do clã, formid~vel criador das <<Bachianas». Devem ser assim: <<Gusmão,
beijara a mão de Marguerite Long e de Dona Antonieta Rudge, o sant1sta oculto e diplomata terá dezenas de êmulos em tôda a
galante como um cortesão de Versalhes, na arte do Rei Sol, Mag- América Latina. A Santos Dumont, os Farmann e os W right
dalena Tagliaferro, Madalena Lébeis, Jandira Carvalho, Ia ra Ber- •
contestam a pri~eira de invento de dirigível mais pesado que O
nette, Ana Stela Schic, Lídia Kliass, Tarsila Amaral, Maria Souza ar, e que deve importar na definitiva abertura de um inquérito
Lima, Lygia Fagundes Teles, Lube Klabin, Dinorah de Carvalho, internacional para saber a quem realmente cabe a prioridade, em-
Ritinha Seabra, Helena Rudge, ouviam palavras floridas de Go- bora meu. patriotismo não a ceda a nenhum estrangeiro. Rio
fredo da Silva Teles, Raul Laranjeiras, Kliass, Victor Kenn, Octa- Branco foi um habilíssimo diplomata e um patriota ardente mas
cílio Lopes, Gregorian, Jaime de Carvalho, Octa cílio Braga, e ou-
- ,
nao menor estadista foi Gusmão. Rui teve enorme talento e eru-
tros cavalheiros. Tudo civilizado, muito Ja rdim América ... dição sem ter jamaís sido gênio criador».
Dona Olívia com sua presença tão harmoniosa seccionou . Algo nos resta no setor da arte ? Ah I Carlos Gomes ! Car-
um lapso da vida social bandeirante, marcou na história seu es-
los Gomes deu renome universal à música do Brasil. Aliás, Carlos
tágio mais belo e não seguido. Voltamos ao <<pif..- paf>>, sendo a
Gomes não tinha, como tem êste estranho revolucionário dos rit-
rua S. Luís de Abílio Pereira de Almeida. Precisamos evocar
mos, aquêle sangue cheio de Brasil, cheio de trópico, cheio de in-
seu salão, tão inteligente, tão íntimo, com seu Brancousi, com seus.
ventiva e de originalidade. Metódico e verdiano, embora O tempe-
Picasses, com os Brecherers, com seu grande piano de cauda, sua
ramento ardente do homem da América pusesse ainda mais elo-
harpa ...
Sim. Precisamos. Reconduzamos São Paulo ao que foi. Rea-
( *) Publicado no <<Diário do Povo~ de Campinas, do Estado de São Paulo,
lizamos a Semana Dona Olívia. Ela é a espiritualidade antigranfi-· em 20 de janeiro de 1957 .

nista. É um retôrno educado no que realment.e o homem deve

ser : cultura e respeito pelos mais belos valores da vida.



158 - 159

qüência na sua música o que é um mal era com tintas italia- Há dias aqui estêve o querido Vila 8le
nas que pintava sinfônicamente a paisagem musical brasileira. E •

Villa-Lobos é cem por cento Brasil. É modularmente autóctono, abraçar êsse querido e velho . . tve a a egr1a de-
visceralmente nacional. É essa marca viva da terra que torna
- v·11 L o os enc eu e preocup
universal a sua incomparável música. çoes. I a- obos estava eufórico sadio e b d' a-
re a . , ' em isposto. Sem-
Nesse sentido talvez o jovem crítico tenha razão: Villa-Lobos •
é o maior brasileiro de todos os tempos. Isso porque Beethoven umor. m 1nd10 de casaca .
é o maior alemão de todos os tempos, maior que Goethe, maior dentro do qual êle pod . ~ g1naçao, em clima exótico,
que Frederico, maior que Bismarck. Talvez hesitemos quando se e 1ron1zar o asm .
trata de Bach. Se, entretanto, o tempestuoso criador da <<Herói-
lações do gênio e da alma do Bra~il. u gurantes reve-
ca>> ombreia com o colossal criador de <<A Paixão>> segundo São
Mateus equilibrando-se ambos em partida de valor. Bach e
Beethoven são os dois maiores espíritos germânicos de toclos os
tempos.
Caem impérios, desaparecem fulminantes dominadores, esta- '
distas iluminados sepultam-se nas ruínas das suas criações políti-
cas ; o artista supremo fica. Fica íntegro, eterno, inatingível.
Qual o maior dos Gregos ? Homero ! Qual o maior dos ita-
lianos? Dante! Qual o maior dos inglêses? Shakespeare!
Eu estava ouvindo as <<Bachianas>>. <<É a criação musical
'
mais bela dêstes últimos tempos. Nem · Strawinsky, nem Honne-
ger, nem Prokoffief, nem Respighi, nem Strauss, na sua contem-
poraneidade, criaram beleza igual>> dizia comovida uma das
maiores pianistas brasileiras. Nas <<Bachianas>> o gênio de Villa-
-Lobos esplende num instante pinacular . . Não há nada mais ins-
pirado, belo, profundo em tôda a música moderna. A textura
sinfônica é rica e densa. Os temas melódicos originais, potentes
de expressividades e imersos na alma dos brasileiros, em todo o
«patos>> racial, parecendo haurir e sincretizar êsse romantismo
tão casto mas tão emotivo que há nas nossas nostálgicas modinhas.
Um agudo instinto rapsódico inspira Villa-Lobos e suas sinfonias
são impregnadas dessa música que está nos nossos ouvidos, mú- •

sica que é a alma sonora da raça, que não tem um desenho nítido,
porque é uma soma de todos os temas originais criados pela senti-
mentalidade de nossa gente e fundidos e guardados pela nossa

!}.'.lucace e pela nossa memória .
• •



- •

• •

OS 72 ANOS DE VILLA-LOBOS

MINDINHA


URANTE 14 anos consecutivos, Villa-Lobos dividiu suas ativi-


• dades entre Brasil e exterior, permanecendo a maior parte dêsse
tempo longe da terra natal.
Cinco de março, sua data natalícia, era intensamente comemo-
rada naquela época.
De 1945 a 1959, a cidade de New York tornou-se o centro
dessas homenagens.
Era de enternecer a rivalidade da primazia daquelas festas
entre seus amigos, ainda hoje inesquecíveis para nós.
O primeiro aniversário de Villa-Lobos, decorrido em New
York, foi lindamente festejado na residência de seus entusiastas
admiradores norte-americanos, Rose e Nathaniel Singer, mais tar-
de grandes e fraternais amigos.

E as festas se iam repetindo até a chegada de Marina e Jayme
de Barros. Mas aí não cessou . . . Houve protesto dos embaixa-
dores Adolfo Berle. Quiseram, também, aliar-se às homenagens e

escolheram o dia três .
Os dias três, quatro e cinco de março foram de intensa ale-

gr1a ...

No hotel, onde se hospedava, em New York, chegavam flôres,


mimos e, sobretudo, o charuto «Monte Cristo». A conhecida 1
casa Dunhil, espontâneamente, indicava aos fregueses a marca de
sua preferência .

• •

• •



• 163 -

162 - •

Aquela noite pertenceu aos d . - .


Escolhíamos presentes mais duradouros. A verdade, porém,
os, orgu oso da .
é que nos sentíamos desprestigiados. Transigimos quanto ao nos ...
so gôsto e aderimos ao de Vil]a...Lobos charuto, seu presente • 1e oure · ·
favorito. muitos mais. ores e casas editôras e de discos, e
Naquelas memoráveis recepções reuniam ...se amigos, admira ...
dores, artistas e inte1ectuais, brasileiros e estrangeiros. Essa imensa alegria nao
- mais se repetiu . . . e nunca
repetirá . . . mais se
O ponto alto era a execução de suas obras, por ilustres in...
térpretes, muitas delas pela primeira vez ouvidas, até mesmo pelo Revendo, agora, a foto rafia . . ,

próprio autor. • ris eza enorme q I


uma ura realidade N 1 . ' ue e a traz o sêlo de
Essas datas assinalaram trajetórias luminosas na vida do gran... d · e a esta e .

de músico. .
Coroando essas f estividâdes, o cinco de março de 1959• dei ...
xou, no entanto, em todos nós, o traço amargo e doloroso de infi.-
nita saudade. Foi o último aniversário coro a presença feliz de
Villa...Lobos.
Quis o casal Jayme de Barros, naquela data, proporcionar.-lhe •

maior satisfação. Conhecendo o profundo afeto e entusiasmo que


Villa...Lobos dedicava a Sônia Maria, sobrinha e intérprete querida, •

o diplomata amigo conseguiu da Varig uma passagem de cortesia,


para que a pianista pudesse participar da homenagem que a seu

tio seria prestada.
O que se passou naquela noite foi indescritível.
Todos a postos à espera do concêrto.

Luzes que se apagam.


Sônia Maria, ao piano, extremamente comovida, executa o

<<Polichinelo».
Villa . .Lobos. ao nosso lado, busca adivinhar o intérprete.
Termina a execução. A sala se ilumina e Villa.-Lobos nem
acredita no que via. Abraçam . . se e beijam ...se emocionados.
Com o olhar brilhante de felicidade. Villa-:-Lobos pede a Sônia
Maria que toque ... e toque mais . . . e o programa se vai prolon...
gando noite a dentro .



RETRATO DE VILLA-LOBOS

( Palavras na estréia do filme dêsse nome)

MuRILLO ARAUJO .

Ão é bem justa a célebre afirmação de Buffon : <<Ü gênio é


uma longa paciência». Definição de sábio ... árida e fria como
a própria ciência. Mais lógico será dizer-se, talvez, que o gênio é
um longo amor.
Rodó nos conta a bela lenda de um frade .que ansiava por ver
um autêntico retrato do Redentor.
Depois de longo estudo, da consulta a muitos e antigos in-
-folios e alfarrábios, soube que existia uma única efígie fiel de
Jesus Cristo um busto executado ainda em vida do Mestre.
Encontrava-se, entretanto, longe, distante muitas léguas do con-
vento em que vivia.
Abrasado de santa ansiedade, não hesitou um minuto. Em-
preendeu a peregrinação imensa para enxergar enfim o semblante
do seu Salvador.
Depois de anos de dôres, privações e fadigas, chegou final-
mente ao têrmo da viagem . . . e aí soube, angustiado, que ela
fôra inútil : a santa imagem, partida em pedacinhos, jazia aos
pés do sóco inteiramente vazio !
O pobre frade então baixou a fronte, dobrou os joelhos e

chorou. Chorou de infinita amargura. Chorou inflamado de afli-
ções e de amor.

• •





166 - •

nascida e triunfante a divina face de Nosso Senhor.

dígio do Amor. . A
1 VILLA.-LOBOS NA ALMA DO POVO
Vl , .
de instante a instante, foi de devoção à musica. MURILLO ARAUJO

E assim foi que nasceu o milagre de sua criação portentosa.


ARA Emerson o gênio será o homem que melhor represente


com as línguas de fogo , 0 dom divino de criar. A
seu país e sua raça. O conceito plenamente se ilustra se tomar.-

Aliás amigos aqui hoje estamos para assistir a um ~o~o mos para exemplo Villa.-Lobos.
. . · 1rma o seu A música do compositor excelso abrange totalmente o Brasil
- natureza e povo no que tem de mais peculiar.
destino : Arminda Villa.-Lobos.
E por isso mesmo interessa ela o mundo inteiro, tanto é certo
E elo fervor de sua adoração e de suas lágrimas, vai res.-
. , p . lhos o <<Retrato de Villa.-Lobos>> , pode.- que pelo nacional, que é o humano, é que se chega ao universal.
surgir aqui, aos nossos o ' 1' . A criação de Villa.-Lobos se ergue como árvore enorme com
. tr1'unEal no resplendor de sua g or1a.
roso, lum1noso , as raízes na terra e nas gentes natais.
Hauriu as seivas da pátria, que restituiu depois com as flôres
do estro inspirado e os frutos de sua pauta doces de melodias.
Nada mais tocante, por isso, do que a recente homenagem

à glória do Maestro, de origem popular genuína! organizada pela


Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira .

Foi como se o campo onde nasceu a grande árvore, depois


de receber suas floradas, a incensasse agora com a respiração de
seus aromas. •
Foi um belíssimo espetáculo essa apoteose partida dos simples
• •
• no carnaval que passou .
Os organizadores do cortejo valeram.-se, para os dados neces.-
sários, do Museu Villa.-Lobos, sob a direção de sua musa cons.-

tante, essa chama de devoção em <<laus.-perene>> ao grande mú.-




sico, que é Arminda Villa.-Lobos .


168 - •

Alegôricamente desfilaram as fontes de inspiração do compo...


sitor famoso : a natureza tropical representada nas flôres e nos •

pássaros, inclusive o rei sonoro, o Uirapuru ; as serenatas saudo-


sas com os grupos de seresteiros ; a intensa brasilidade do estilo
que assinala sua arte com a evocação dos traços típicos e folcló-
ricos das mais diversas regiões do Brasil ; a ressurreição dos ve... PRESENÇA DE VILLA.-LOBOS
lhos carnavais que êle amava; a evocação do educador e do manso
amigo das crianças ; a figuração de suas grandes obras, como êsse
NICOLAS LAMURAGLIA { *)
extraordinário «Descobrimento do Brasil>> ; e, como coroamento '

final dois grandes anjos em escultura anunciando <<o gênio mu...


sical do século>>. •
tema ~e <<voltar>> à terra converteu-se no lem·a que marcou ,
Tôdas as partituras do prodigioso mágico dos sons desfila... . de Villa...Lobos. Sôpro criador . fo·rça , 1·irismo,
a obra musical · re.-
ram traduzidas em ritmo simples, pelo coração do povo.
Foram momentos de vibrante emoção cívica e estética : a res- ter1osa, geograf1ca e humana, imensa do Brasil ...
surreição de um grande artista através das maravilhas que seu gê- , _Unido pelo veículo da expressão telúrica, se se realizasse uma:
• •
n10 criou. .
analise do. grande pais
· americano
· em seus aspectos mais vitais o,
Uma delas revivia a <<Dança do índio Branco>>, assim expli ... mais .precioso, o de seu espírito não se poderia prescindir de ·
cada pelo próprio autor : <<é a lembrança de haver encontrado nas maneira alguma da inclusão do nome dêste músico extraordinário .
• florestas brasileiras um único indio branco, que dançou sem parar •
Em tôda América também. • ·
até morrer ... ». Nessa direção, Villa-Lobos pertence ao que se considerou
Villa-Lobos foi de certo o índio branco encantado ... como fase decisiva, a da superação em nacionalismo musical ; .
Apenas não parou sua dança sublime, nem mesmo ao sinal aquela. que converte o regionalismo em elementos de estilo sôbre
da morte. Continua dançando, de alma em alma, no mundo, atra- os quais o compositor trabalha para criar obras de contextura in...
vés das cadências que seu gênio criou.
decendo à grande t ecn1ca,
· · pon d o em relêvo, entre outras 'as da

• ~illa ... Lobos não é somente um músico absorvido na tôrre de


marfim de sua~ arte, mas também resolve ou procura resolver-
na el~boraçao de sua obra vastíssima, todos os problemas f un~
~-
• traor d1nar10 de transfiguração.

( *) eompositor e Musicólogo Argentino .





'

170 -
· ""es pro .. "
ocultam, muitas vêzes, pa1xo
Côr, ritmo e fantasia porém sempre conjugando um
'fundas e sentimentos contrastantes, '

alto conceito ideal. • '

. ·nal or expressar com voz pro..


. . ., de arte leva-o a ra ª
ria sua comun1caçao . . tadas em tôda a exten.. <<VILLA-LOBOS CANTOU» ( *)
P - sua musica, cap
. seu intenso tn erc ÜCTAVIO BEVILAQUA
grandes mestres: o mestre e . ., do
. . e ro e o suave matiz da expressao
- ltiplicidade e ormas IM, o nosso Villa-Lobos cantou em pleno palco do Municipal.
índio lhe dao uma mu . . v·11 -Lobos capta com talento Mas, não cantou em solo, pois uma grande parte da assist·ência,

indiscutível. pelo menos, também cantou o Hino Nacional. E o caso assim


se passou naquele 1936, a que nos temos referido, como de assaz
É, porém, nas . cantos plasmam atraves e sua
cações ancestrais donde ritmos e • valorosa temporada musical. Nos meios educacionais muito se
· d sua terra bra ... falava e tencionava espalhar civismo, por meio de cantorias esco-
. osar O mistério e . .,
lares. Villa-Lobos <<en tête>> . . . Assistindo a um programa 'd e
. d - só O vasto tesouro
sileira, desceb r1n o nao l ·d for}· e rotundamente a gala, com <<a rigor>>, Hino Nacional etc., vimos, mais uma vez
. de seu co or1 o,
- depois de tantas! - no momento do hino, o povo de pé, como
rópria ec -
losao de sua gen1a 1 a e. agerados na transcen-
P em pitorescos ex ' sempre, caladinho . . . Veio-nos à lembrança ( mais uma vez tam-
América soube penet rar • s
bém) o estarmos em um país, propondo-se a civilizado, mas, dos
,dência de sua mensagem •.•
poucos, talvez, em condições análogas que não cantavam seu hino
nos momentos propícios. Só a criançada das escolas o fazia. E.
então, a idéia nos veio de um apêlo, como professor e jornalista,
aos colegas e à criançada, diretamente, para que ensinasse, em
casa, aos marmanjos, o lindo canto de seu lindo país. E pedi ao
amigo Villa.-Lobos seu valoroso auxílio. E êste não se fêz espe..
rar. Em grande concêrto sinfônico, no sábado imediato, ao ini-
ciar o programa, Villa .. Lobos, no púlpito da regência, faz o apêlo
ao público para cantar seu Hino ( era um programa comemora..-

tivo) , como todos os grandes povos o fazem . . . Em um de seus


eficazes ímpetos, declarou que iria regê ..Io de frente para o públi ..

(*) Publicado em <<Ü Globo» de 1-9-1961.

'

'
'

172 -

entusiasmo de que era digno». E assim


co, cantando-o <<com O •

o fêz !
~

maçao. hI ao
Foi daí em diante que o P ovo tomou o hábito . . . a . . . . . .
- U m d .
1a v1·ra' 1
. · · .. Mas a1 rem1n1s-
tomou hábito, a 1gum, na . . .
0 1936.
Mais uma daquele privilegiado SEGUNDA CONVERSA SôBRE VILLA-LOBOS
cência nos ficou . · · •



PAULO MENDES CAMPOS
'

M 1954, eu estava no aeroporto de Orly, em Paris, quando


vi o maestro desembarcando de um avião internacional. Funcio-
• nários policiais e alfandegários o cumprimentaram com respeito,


dispensando-o de maiores delongas e formalidades; uma recepcio-
nista veio buscá-lo. Foi uma homenagem simples e tocante da
parte de pessoas em geral endurecidas pela rotina. Um ano de-
pois, na companhia de Luis Jatobá e Darwin Brandão, dei de cara •

com o maestro na embaixada brasileira na mesma cidade. Disse.,-


nos que estava louco ''para bater um papo>>, impedindo a nossa
retirada.

O jor11alista deu~lhe notícias de Segovia, o qual acabara de


entrevistar na Alemanha; o grande guitarrista estava à espera de
uma composição que o maestro lhe prometera. Villa-Lobos nos
informou que já enviara a música, perguntando-nos, com juvenil
inquietação, se Andrés Segovia falara sôbre êle! '':ê:le disse que
gosta de tocar suas composições porque o senhor entende de
violão» informou Darwin. O maestro sorriu: ''Que mais? o
Segovia não disse mais nada sôbre mim?>> Com o silêncio meio
embaraçado do repórter, Villa-Lobos retomou a palavra: ''Então,
o Segovia encontra rapazes brasileiros e não fala de mim por mais
'
tempo? Só falou nêle mesmo, não foi? Pois êle poderia dizer
muitas coisas sôbre mim. . . Mas também, agora, quando me


175 -
174 •

s e p d · n e r á r i o à p r o v á v e l
ã o o c o n h e ç o . . . » A Villa-Lobos não o er1 a e n c o n t r a r m e l h o r i t i
S e g o v i a , v o u d i z e r q u e n .
perguntarem p o r
e m o s s a i r , ê l e n o s o f e r e c e u
o n t i n u o u . C o m o p r e c i s s á s
conversinh a c
a r um m e n · ·
l . E s t a v a a l e g r e , e m p r e a m
i q u e o l e v a r i a a o h o t e I d d a u m
lugares no tax e d e v e r í a m o s a r v o r e s . O Brasil c o m t
o
d
o o a t u a e s e n v o l v i m e n t o , é a i n
A n t e s d o p o n t o e m q u - -
de trocadilh o s i n g ê n u o s . f u n c i o n a m u m p a í s d e a h r e c o n c e i t o s
e q u e t i v é s s e m o s pais onde as le n d a s ' uso e s , p
m t i m i d e z ( c o m o s e t e m e s s
descer, i n d a g o u - n o s c o
o r g a n ) s e g o s t a r í a m o s d e
m a r c a d o c o m M i c h e t ·e M
um e n c o n t r o u r a n t e g r e g o
o i t e . '' J a n t o n u m r e s t a
j a n t a r com ê l e n a q u e l a n i s t a s d i f e r e n t e d o p a í s e d e
b e m o n d e e s t o u mitos. Nao h a g r a n d e a r t o p o v o a q u
. P o r f a l a r n i s s o , v o c ê s s a .
defronte d e m e u h o t e l ert
u D . P e d r o I I , c o n s e r v a d o d o se parece
o q u a r t o e m q u e m o r r e B 1 quem n ã o s e d e i x a s e d u z i r p e l a s m a l í c i a s d a m a t u -
morando? N a l u g a p a r a • co
o ras1,
t e l . q u e é m e u a m i g o , s ó o m
.d d
O d o n o d o H o - L o b o s
mesmo j e i t o . r1 a e e u r o p é i a . A r t i s t a s c o m o V i l l a N i n g u é m m a1 ·s b r a s l
- ·
i l e i r o s . . . » ·
algu n s b r a s le i r a d o q u e ê J e .
t e l B e d f o r d . C h e g a m o :; à s
o s e n c o n t r o à s o i t o n o H o
Marca m
s e e n c o n t r a v a m n o r e s t a u -
a - L o b o s e s t t a s e n h o r a j á
nove! V i l l s a ú d e o
s p e l o ''n o s s o > > a t r a z o : a
p e d i r - n o s d e s c u l p a
rante, a
r e m h o r a c e r t a .
obrigava a janta
s e u , a u t o g r a f a d o , d i z e n d o -

u - n o s n a p a r e d e u m r e t r a t o
Apon t o N o
n t e g o s t a m u i t o d e m i m » . • •
r e s t a u r a
n o s : ··o p e s s o a l d a q u i d o
l l a - L o b o s » .
r e g i s t r a d o u m < < ca fé '> à V i
cardápio e s t a v a t a m b é m
t o , b r i n c a m o s m u i t o . C o n -
s m u i t o , c o n v e r s a m o s m u i
Comem o t ê
a e s t r o e n t r o u d e r i j o n o p a
m á v e i s a d m o e s t a ç õ e s , o m
trariando a
H o j e e tt n ã o f a ç o r e g i m e ! »
e no v i n h o : «
s t r a r '' tr a il e r s> > d e f i t a s d e
s ã o d a c a s a p a s s o u a m o
A televi j u v e n i s ) .
e r a u m a d e s u a s p a i x õ e s
f i l h o d e c o w - b o y
mocinho ( o •

i a s m a d a c o m u m s õ c o b e m
v i u m a c r i a n ç a t ã o e n t u s
Nunca
a c a r a d o b a n d i d o .
aplicado n
o s a g u ã o d o h o t e l , f o m o s
d e u m a s e s s ã o d e p i a n o n
Depois a l t o
m p e r a d o r f i c o u o l h a n d o d o
r t o d e D . P e d r o I I , o i
ver o qua •

l a - L o b o s .
b o n o m i a , a a l e g r i a d e V i l
c o m g r a v i d a d e e
da parede,
o c e s s o s c r i a d o s à i m a g i -
h a b i l i d o s a s i d e n t i f i c a m p r
Teoria s
t e o r i a n ã o d á c e r t o . P a r a
i l . P a r a m u i t o s a r t i s t a s , a
n a ç ã o infan t •


'

- FLORESTA DO AMAZONAS
• •

PIERRE V IDAL ( * )



URANTE sua longa e fértil carreira, Heitor Villa~Lobos cola..
borou sàmente duas vêzes com o cinema. Em 1937, primeira.-
mente para o <<Descobrimento do Brasil», filme brasileiro, e, em
1958, por ocasião da realização de << Verdes Moradas, da M. G.
M.». cuja atriz principal foi Audrey Hepburn.
Se a primeira partitura foi enriquecida graças às admiráveis
«Suites» de orquestra que atraiu Villa~Lobos, a segunda continua
para ser revelada no seu conjunto. Esta, poder~se~á ver, valeu ao ,

grande Heitor uma série de conflitos com Hollywood que pro-
duziu alguns de seus mais belos rompantes.
Lembra~se que Villa~Lobos, nos seus últimos tempos, dividia
seu ano de trabalho em três etapas. Depois do Brasil e Esta..

dos Unidos êle chegava a Paris no comêço da primavera. E para '


a temporada de volta da primavera nós desejávamos as boas vin.-
das de suas novas partituras, respirando os perfumes das terras
longínquas, graças aos concertos que êle dirigia em nossa Orques.-
tra Nacional. 8ste feiticeiro, êste mágico de grande coração es~
pargia, então, fôrças prodigiosas na escala dos continentes novos.
Em 1959. êste ano seria sua última primavera parisiense.
Eu o reencontrei em sua casa no Hotel Bedford, rue de l'Ar.- ·
cade, onde ocupava o mesmo apartamento que o viu trabalhar sem
cessar.

( ( *) Do <<Club Des Trois Centres de Paris> .




179 -
178 -

s c i a d e n ô v o :
'
A amizade na
?> > p e r g u n t a v a - m e ê l e . . • •

o n o s s o s a m i g o s d o C l u b
<<Como v ã a A v . d e N e w Y o r k ,
h o r a s p r e c i o s a s p a s s a d a s n
E nós evocáv a m o s e l a m e n -
o u t r a s r e u n i õ e s , a q u e l a s q u
, p r e p a r a r m o s
p a r a , d e s d e logo o s s o s ú l t i m o s e n -
m n a q u e l e a n o o q u a d r o d e n o os, e s -
tàvelmente seria . o X X A F l
e s t r e . c r e v e u q u e êle e r a o m a i o r o r q u e s t r a d o r d o S é c u l
c o n t r o s com o g r a n d e m
a e n c o n t r a r ê s t e s e r a p a i ~ o s o - •
e m i n h a a l e g r i a d e t o r n a r o r a m e n t o n o q u a l s -
Apesar d r m e n t e . n o r o fascinant e p e l o a p r i m se ent r e g a v a O m e
o r e s s o o u - m e i n t e r i o
x o n a n t e , um p r e s s e n t i m e n t •
t b as1·1 eiro t a n t o n o p l a n o d e timbres c o m b i n a ç õ e s d e
o d e s e u e u e re r c o m o nas
a ç a d o a t é o m a i s p r o f u n d melod i a s e d e r i t m o s .
O homem e s t a v a a m e
m i s m o . :S le s e i n q u i e t a v a
h a m o m e n t o s d e p e s s i o s a s s i m d
êle o s a b i a . T i n
o : < < n ó s p a s s a m o s u m a N ã o e- sem emoção q u e vos a p r e s e n t a r e m u m a a s
o s ô b r e a s o r t e d o m u n d . . l a - L o b o s N 1 i m a s
a o mesmo t e m p d e H e i t o r V i l e a enco n t r a m o s o s c l
e n s> > , d i z i a ê l e . • ultimas o b r a s ·
i a l d e g r a n d e s h o m ..
'crise m u n d d a s
s e m p r e p e r t o d ê l e . T ô r a n d e s c o n · u n t o s o r~
i d a M i n d i n h a e s t a v a m c o n t r a s t e com os g
Sua quer n h e i r a , s u a p r e c i o s a g ça~ e v10 e ~ a a . E
d e d i c a d a s à s u a c o m p a
suas partituras e r a m P a r i s ) .
i m o s M m e V i l l a ~ L o b o s e m d u S a y ã o .
o p a s s a d o , n ó s r e v ª soprano rasileir o B i
• auxiliar ( o a n d o r d a m ú s i c a b r a s i l e i r a , 0

u r o a r t í s t i c o d o m a i o r c r i a
G u a r d i ã do t e s o a f o i p a r a
u m p o u c o o q u e C o s i m
d i a ç ã o . E l a é
e l a vela s u a i r r a o s E s t u d o s p a r a v i o l ã o
ç a s a e l a q u e o u v i r e m o s
,W a g n e r . É g r a
e o u o C l u b e ) .
que ela present a r o u ~ m e
r a d a s > > , V i l l a ~ L o b o s d e c l
o d e < < V e r d e s M o
A respeit a m ú s i c a p a r a a c o m -
h e h a v i a e n c o m e n d a d o u m
que Hollywo o d l . < < I s s o
'
a d e c a r á t e r s o b r e n a t u r a l
l e n d a s u l ~ a m e r i c a n
p a n h a r essa a e u l h e s e s c r e v i u m a
s f l o r e s t a s d a V e n e z u e l
s e desenrola n a ê l e a c e n t u a v a e s s a s ú l t i -
m e u t e m p e r a m e n to > > . E
música b e m n o g e s t o d e c i s i v o .
c o m u m o l h a r i n t e n s o e u m
mas p a l a v r a s
a d o q u e e r a n e c e s s á r i o .
e s c r e v i m u i t o m a i s m ú s i c
«Mas e u . O r e s u l t a d o
a m i n u t a g e n s d o c i n e m a . .
N ã o me p o s s o r e s t r i n g i r
q u a s e a u s e n t e d o f i l m e » .
é q u e m i n h a m ú s i c a e s t a r á
n a s u a a p r e s e n t a ç ã o e m
o ~ s e << V e r d e s M o r a d a s > >
Assistind c a o r i g i n a l d e V i l l a -
e c o n s t a t a m o s q u e a m ú s i
Paris, evident e m e n t f i l m e l
d a p o r < < e m p r e it e ir o s > > d o
u t i l a d a e a r r a n h a
..-Lobos foi m o r a e o d i s c o q u e p r o g r a -
m a r e l a ç ã o e n t r e a f i t a s o n
Não há nenh u
·
mamos p a r a hoje. d o c o m -
o u p o u c o d e p o i s d
' a m o r t e
A · o b r a ori g i n a l n o s c h e g
ã o f o n o g r á f i c a d e V i l l a -
t e d i s c o , ú l t i m a r e a l i z a ç
p o s i t o r , com ê s


'

VILLA-LOBOS

PONTES DE MIRANDA •

• Á longe, descendo das montanhas, '

deslizante e vivo,
o cenário do amor. estremecente :
o Amazonas.
Aguas que rolam abismos e perfumes,
pios de pássaros nas densas matarias,

correntes milenares que não se cansam,
nuvens brancas e azúis que se refletem,
luzes fugintes , imaginárias, como se fôssem olhos,
olhos abertos,
vozes que nada dizem e que se ouvem.

Tu, Villa-Lohos, tu podias entender,


só tu, a filha dos Marajós,
a Virgem e o Monstro,
1
o Bem e o Mal que se encapelam,
'' e que sussurram lá fora e bem dentro de nós,
de ondas imensas, que se encrespam e, violentas, pulam,
e gritam aos céus, em pulsações e ruídos, ·
que o Amazonas é o coração da Terra.

Agora, já de noite, só se vêem as estrêlas.


• Estão a escutar os vagalhões .
• Lá do alto, piscam para o caudal que nunca cessara-. • '

~


182 183 -

Teu amor pelo teu berço,


Tu viste bem, Villa-Lobos, que nós todos somos crianças.
• pelo Brasil terras, olhos, lábios e pernas,
que o nosso Eu ainda não é o que há de ser, risos e cantos -
que não abrimos, sequer, ou mal abrimos, subiu ao infinito,

a tua Caixinha de Boas-Festas. mas teu berço, Villa-Lobos,
com os rios, as cordilheiras, as flôres e as cascatas,
Mas vamos abrir, Villa-Lobos, e veremos, cantando, não teve tempo d(. ver-te
os mistérios da caixinha, que nos mostraste, como tu és.
O teu berço dourado e verde, ainda não vê,
que nos deste,
sonha,
e levam conosco, pelo mundo afora •
não abriu cs grandes olhos que êle tem,
e pelos séculos, os teus Choros, as tuas Serestas e as Cirandas.
ainda salta, ondula, sobe,
e a Alma Brasileira, e sobe, e sobe,
o Imprevisto, a Ascenção e a Guerra, •
escorre e cai.
que tu sentiste, Tu sabias ·e t.u sabes, Vílla-Lobos.
a América orquestral da sétima Sinfonia. Tu tocaste as Bachiarzas,
Teu berço, o Brasil, tem no seu canto o Marinheiro do seu sangue, Tu sabias para ·1ue as compunhas e as jogavas no Tempo e pelo
o Saci-Pererê, [Espaço
o Caipirinha dos velhos engenhos e das fazendas, Hoje, amanhã, o teu berço vai subir mais.
o Rei e a Rainha dos cordões carnavalescos, Não mais os Oceanos
e pinta, em sons, os Choros das noitadas. que os Lusos desenhavam com pincéis de saudades
Olha ali, Villa-Lobos, nesse mapa do mundo, e rosários de fé,
a Coruja e o Jaguar, é o nôvo enc0ntro, no Espaço e no Tempo, com tôda a Europa
que há dentro de todos nós, a volta a Bach, para fundir a Terra.
o Europeu e o índio, dançando os dois Olha os cé11s, Villa-Lobos,
tu abriste o caminl10,
com o Negro e com os fantasmas das florestas ... ',
avião cheio de amor e de angústia,
que sai das águas e das florestas,
Olha lá o Brasil, com os prelúdícs, os devaneios e as tocatas,
vê como êle sobe, e sobe, e sobe, para chegar ao cimo.
em marchas de acordes bitonais, Ao cimo de onde ?
e volve à Europa, todo êle, pelo céu. Quem é que sabe: onde vai o teu berço ?
Alma livre, alma angustiada, Tu, Villa-Lobos, tu sabias e tu sabes,
tudo no mundo fere o homem livre, Tu ainda tocas as Baclzi,1.nas para a imensa viagem.
Lá vem êle, o teu berço,
. desce do Amazonas ,
e tu foste livre.
escorre pelo São Francisco,
A revolta, sim; a derrota, nunca.
brinca nas cataratas do Iguaçu.
O que vias lá fora, estraçalhado, ·
Vê, Villa-Lobos, como êle sobe, •

Tu tecias com acordes. •




184 -

eobe, •

eobe p a r a o c é u
e v a i t e r , l á em c i m a ,
• o e n c o n t r o com t o d o o M u
n d o.

Está aí 1
A c e n d e , V i l l a...Lobos,
n a l o n g a ascenção mirabola H E I T O R V I L L A ...L O B O S
nte d o teu berço,
o lampião d e gás,
e n ã o t e esqueças d a s d a n RoooLPO A R I Z A G A ( * )
ças do sertão, dos batuque
s
e d o r u m o r d a s aves,
d o s abismos d o desejo EALMENTE a obra de Villa-Lobos assi
nala o renascimento d a
e d a s aflições. a r t e americana, adormecida
a t r a v é s os séculos d a m o n u
E a j u d a , V i l l a...Lobos, com . r a n ç a q u e n o s foi l e g a d a m e n t a l h e...
o t e u p i a n o e o s uivos d a s o r q u e ! t r a s ~ pelos M a i a s , I n c a s e A z t e
• c a s . Villa·
a s u b i d a d o t e u berço, ...Lobos é o p r i m e i r o músic
ê s t e Brasil, q u e t a n t o a m a o d a A m é r i c a ; primeiro p o
mos: rioridade, fantasia, p o d e r c r s u a s u p e ..
á t o m o s somos, t o d o s nós, r i a d o r e os q u e o p r e c e d e r a
d o seu Destino. giram jamais s u a p r o j e ç ã o m n ã o a t i n ··
internaciona~.
P a r a a América Villa-Lob
o s foi o s e u legítimo E m b
S e u nome marcou uma o b r a a i x ador.
completamente original, p e r
s e r d e s t a c a d o e n t r e os g ê m i t i n d o -lhe
nios criadores mais i n t e r e s
maior p r e s t í g i o d a pr imeir s a n t e s e de
a m e t a d e d o Século X X .
s e r brasileiro, p o r q u e o Br N ã o é poi:
asil c o n c e n t r a e s s a impetuo

lúrica que Villa-Lobos se d s a f ô r ç a t e...


istinguiu, e x t r a o r d i n à r i a m e n
d o mundo. Sem e s s a fôrç t e , d o r e s t o ,
a d a terra, d a s u a paisage
a t m o s f e r a , n ã o t e r i a talvez m e d a sua
chegado a ocupar o lugar q
tou n o m u n d o . F o i e s s a f u e r e p r e s e n ...
ô r ç a d a n a t u r e z a d o solo e
do âmago e d a exuberânci d a s a l m a s,
a d e c a d a vivência brasilei
ra. a que s e
congregou n a o b r a de Vi
l l a - L o b o s com c a r a c t e r í s t i c
A mesma q u e n o s e m p o l g a a s p r ó p r i a s.
nesse monumental Q u a r t e t o
n 5, em a l g u n s d e seus m
9 d e C ordas
elhores C h o r o s e n a p o p u l a
B r a s i l e i r a s n9 5, p a r a C a n t r B a c h i anas
o e O r q u e s t r a d e Violoncel
os.
• Villa-Lobos desbravou um
imenso e f e c u n d o c a m i n h o d
rica Latina. A t é êsse ins a A m é-
t a n t e n ã o e r a n a d a mais q
• u e u m con--
('*) Compositor Argentino.

186
. • sua condição '

prov1nc1 . , O fato de um inovador ter nas.-


HOJ ·e J"á não surpreende a nmguem ••
- · · 0 passo 1ru-
·do neste nosso continente. Foi necessar10, porem,

eia , ºd 1 O ensamento, as ideias, VILLA-LOBOS ( *)


.. s no berço de nossa cultura oc1 enta . p

,o enge . RoNALD DE CARVALHO


.da terra.

- ARTE é uma aspiração à liberdade. O que nós, poetas, músi-


cos, pintores, escultores e arquitetos desejamos é criar o nosso


ritmo pessoal, é transmitir a nossa harmonia interior. Cada um
de nós é um instrumento por onde passa a corrente da vida. Não

queremos regras nem admitimos preconceitos. Não nos atraem as
teorias especiosas. A lógica do artista não cabe nas fronteiras
,
de um teorema, a lógica do artista é um problema cujos dados
mudam a cada instante, e cuja solução varia, de momento a mo~
mente. Para empregar uma simples e admirável imagem de Nietz-
sche, <<dançamos acorrentados>>, dançamos sôbre as cousas sem que
a elas nos adaptemos, mas, ao revés, tirando do espetáculo do
'
mundo a substância da criação. A obra de arte não repete, mas
.adivinha e transforma a Natureza. O artista é um transfigurador.
Recebe a energia da vida e, em troca, lhe dá a forma.
Essa forma tem sido o tormento dos críticos e estetas puros.
Fixá--la numa lei de constância foi sempre a sua preocupação fun~
damental. Não há, porém, como classificá--la. Quando muito,
chegaremos a distinguir, em determinada época, certos grupos de

imitadores seguindo uma dada orientação. Essa poderá ser clás~
sica, romântica ou impressionista, conf arme a predominância de
.algumas características mais ou menos definidas. Mas um grupo
' de imitadores não quer dizer um artista. O artista é um fenôme~

no singular, é uma luz. Os outros são prismas, simples refrações.

• ( *) Extraído de «O Espelho de · Ariel» pág. 147/153 Edição


• .do Anuário do Brasil 1923 .

'

'
188 189

O te c id o d o s e u c o n tr a p o n to é o p u le n
A fo rm a d o a rt is ta n a s c e e m o rr e c o m ê le , é o q u e ê le te m d e • to , c h e io d e c o m b in a -
·me :Bsse in s tr u m e n to e, a ç õ e s in e s p e ra d a s e o ri g in a is , o m e sm o
a c o n te c e n d o c o m o s s e u s
o rn a m e n to s h a rm ô n ic o s d e u m a s im p li c
s o m a d e m ú lt ip la s exper1enc1as id a d e re q u in ta d a . E s s a ri -
d . Como q u e z a d e té c n ic a , e n tr e ta n to , s ó lh e d
á m a is fô rç a à in s p ir a ç ã o ,
p o is lh e o fe re c e u m a s o m a d e re c u rs o s
ois, fa z e r d a e x c e ç ã o u m a re g ra g e ra l e n o rm e . S e u s d e s e n v o lv i-
P ? m e n to s n ã o s ã o re p e ti ç õ e s m a is o u m e n
d o h , c lá ss ic o o s m a s c a ra d a s , n ã o s ã o d e -
Quan o u v im o s a fi rm a r q u e Beet oven e e S tr a - s e n v o lv im e n to s e x te ri o re s , m a s ló g ic o s
. . B ro n é ro m â n ti c o e V e rl a in e s im b o - e p ro fu n d o s . O d e s e n h o
v in s k y impress1on1sta, q ~ e y m e ló d ic o d e V il la -L o b o s re v e la u m a in
1· a d a s a s c o u s a s . E m te li g ê n c ia a g u d a , m o rd a z ,
u m e s p ír it o á g il , q u e v o a e re v o a s ô b
re o e s p e tá c u lo u n iv e rs a l,
lu g a r d a e x c e ç ã o . v is lu m b ra m o s a re g ra s e m s e fi x a r, s e m s e d e ix a r p re n d e r u m
g : . e s écie ro - s ó m in u to . B le n ã o c o n -
s e g u ir ia v e r a re a li d a d e tã o in te n s a m e
n te , s e a c e it a s s e a re c e it a
m â n ti c a e x p li c a B y ro n , a class1ca e e im p o s ta p e lo crítico. A s s im , n ã o a fr a
ove , . , g m e n ta , n ã o a d iv id e a rt i-
, . e o a rt is ta n u m p e rp e tu o fi c ia lm e n te e m p a rt e s b o a s e m á s , m a s
E s tá a í p o rq u e v iv e m o cr1t1co p ~ ro a s u b ju g a in te ir a m e n te .
. -1
n ã o s e a li m e n ta a q u e e, d e fi n h a ê s te M o s tr a -s e , a o m e s m o te m p o , u m c a ri c a
tu ri s ta e u m d e c o ra d o r,
u m s a tí ri c o e u m p o e ta c h e io d e m e la n
q u a n d o o m e te m n u m c o li a . In te re s s a -l h e tô d a a
-1
. . , 1 - fu n d ir o s e u ri tm o a o re a li d a d e . C o m b in a , à s v ê z e s , o ri d íc
-
a rt is ta p o rq u e e e n a o q u e r im it a - a . s e nao u lo e a d o r c o m u m p o d e r
. 1 d . , 1 p o rq u a n to a c o n s id e - d e e m o ç ã o e u m a o p u lê n c ia d e im a g e n s
ri tm o un1versa . O c rí ti c o te n ta o m in a - a, ' re a lm e n te a d m ir á v e is . N o
m ro b le m a c a p a z d e s e r re s a1v i.d o p o r a n á li s e s s u tí s ; <<Quarteto S im b ó li c o » p o d e re is a p re c ia
r ê s s e a s p e c to d e s e u te m -
r a como ~ p a n a tu re z a , p re te n d e , p o r ig u a l, fa z e r p e ra m e n to . É u m a p á g in a e m q u e a
e o que co~ im a g in a ç ã o e o ra c io c ín io
s e e q u il ib ra m c o n s ta n te m e n te . H á n e s s
a a rt e . a p e ç a e x tr a o rd in á ri a , a lé m
d a s q u a li d a d e s d e c o lo ri d o e s ô b re o lu
p e s s o a l. x o d e in s tr u m e n ta ç ã o , p e -
b c u li a re s a o s e u e n g e n h o , u m p ro fu n d o
m ú s ic a d e V il la -L o o s c o m e n tá ri o d a s v a id a d e s
h u m a n a s , fe it o n u m c la ro -e s c u ro d e ir o
n ia , re m o q u e e p ie d a d e , à
m a n e ir a d e um <<capricho» d e G o y a , o
u de um desenho agudo de
B e a rd s le y . B a s e ia -s e a c o m p o s iç ã o d ê
- s s e Q u a rt e to e m d o is m o -
de an onge •
ti v o s : u m d e m á g u a , d e p e n e tr a n te m e
la n c o li a , q u e s e d e s e n v o lv e
e s ta m o s em p re s e n ç a o a p ri n c ip a lm e n te n o A n d a n ti n o , e a p a re c
. a-o c o n tí n u a S u a a rt e e , a q u i e ali, e m tô d a s a s
t
V il la - L ob o s s e n e a v id a c o m o u m a c ri a ç .
é p a rt e s da o b ra , e o u tr o d e « h u m o u r» ,
. . . , . d e p ro b le m a s q u e so~ d e in q u ie ta e c ru a m o rd a -
elece u m a s e ri e c id a d e , q u e s e m is tu ra , n u m ri s o c la ro
d e fl a u ta , c e le s te e s a x o fo -
m o s o b ri g a d o s a re s o lv e r rap1 a m e n te , n e . à fr a s e n o s tá lg ic a d a h a rp a e d a s v
~om is ta d e u m aero~ o z e s in s tr u m e n ta d a s . H á ,
a í, u m p o u c o d a tr is te z a d o c ri a d o r
e m fa c e d a s c ri a tu ra s , u m
p la n o . B le c o m p re e n e ~ re a i d ra d a em u m to rv e li n h o d e p o u c o d a q u e le <<Albatroz» d e B a u d e la ir
e.
d e in s ta n te s , o n d e c a d a in s ta n te s e eg •

. f. 1't - n e m a n ti g o m a s V il la -L o b o s a m a a v id a . P ro c u ra n o s
m o v im e n to s 1n 1n o s. B le não quer ser novo , s e u s a s p e c to s ra ro s o u
. . t tr iv ia is a s u b s tâ n c ia d a s u a a rt e . A o
. e x r1m1r o u r b'l1h-ao v it a l ' in v e n - s q u e o ju lg a m a p re s s a d a..
. m e n te , d á a p e n a s u m a id é ia d e e x u b e râ
ta o s ri tm o s q u e o s m o ti v o s quot1 ia n o s · n c ia p lá s ti c a , d e fu lg o r im -
e s tá n a fo rm a q u e , d e e s p a ç o a e s p a ç o · e c id a e re n o - p re s s io n is ta . P a re c e q u e s ó a s u p e rf íc

, s u rg e e n ri q u ie tu m u lt u o s a d a re a li d a d e
o e m o c io n a . N a d a m a is e rr ô n e o , e n tr
v a d a d a s u a s e n s ib il id a d e . e ta n to . D e b a ix o d e tô d a s


190 -

191

aquelas fantasias de côr, sob aquêle caprichoso desenho de ima-
gens múltiplas e sucessivas, que se cruzam e se mesclam umas às
eethoven, nem Wagner nem Ch . D lembra
outras, corre uma grande e volumosa torrente de idealismo supe- ne R. ky K ' op1n, nem ebussy nem Ba h
m ims orsakof, nem Satie. Seu canto ' c ,
rior. Não existe em tôda a nossa literatura musical uma inventiva massa co I V'b não se perde na
ra . I ra insulado, único, singular.
tão pronta, estranha e sugestiva como a sua. ~le é, sobretudo,
um criador de ambientes, de mundos e paisagens espirituais. Os Villa-Lobos veio demonstrar mais
tradição, em arte, é o respeito à ' . . uma vez, que a verdadeira.
temas que o inspiram são meros pontos de referência, onde, de dos do passado S. t ant1gu1dade e o horror aos méto-
trecho a trecho, paira uma fantasia móbil e.orno a onda. Sua arte . omen e se renova aquêl
de se libertar Veneremos . e que tem a coragem
é um contínuo milagre de imprevistos e surpresas. Transmite- . os antigos e como d
amor, não os imitemos. ' , prova o nosso.
-nos, ora, rápidas anotações da existência quotidiana, da graça ou
da amargura das cousas, como na série deliciosa das <<Historietas>>,
e nos <<Epigramas Irônicos e Sentimentais>>, ou, como no <<Ter-
ceiro Trio>>, o grito desesperado do instinto diante da realidade •
misteriosa do universo.
Mau grado o fausto da sua obra, nota-se neia, desde logo,
um sincero pendor para a simplicidade das linhas e para a fran-
queza da expressão. A opulência nêle não é redundância, o entu-
siasmo não é eloqüência. Ri-se, por vêzes, à guisa de Rabelais,
com aquêles acentos bárbaros e abundantes, aquela veia inestinguí.-
vel, aquela saúde moral da musa pantagruélica. Senta-se no ban-

quete dos homens, e diverte-se como· um gigante bom, coroando-se
de pampanos e rosas, esmagando a uva macia nas mãos potentes,
Mas, de súbito, à semelhança de Ariel, sobe no vapor dos vinhos,
adeja no ar, rufla as asas leves e luminosas, e desaparece, sorrindo,
num motejo sutil ...
A música de Villa-Lobos é uma das mais perfeitas expressões
da nossa cultura. Palpita nela a chama da nossa raça, do que
há de mais belo e original na raça brasileira. Ela não representa •

um estado parcial da nossa psiché. Não é a índole portuguêsa,


africana ou indígena, ou a simples simbiose dessas quantidades •

étnicas que percebemos nela. O que ela nos mostra é uma enti- •

dade nova, o caráter especial de um povo que principia a se de..


finir livremente, num meio cósmico digno dos deuses e dos heróis.
Para que Villa-Lobos pudesse realizá-la, tornava-se mister, justa..
mente, que possuísse êsse dom de humanidade, ou melhor, de uni-



BRASIL MUSICAL ERUDITO

ROSSINI TAVARES DE LIMA

ESDE menino, me acostumei a gostar e mesmo a admirar Villa~



-Lobos. Descendente de professôres de música, dedicados pro-

fissionais do canto coral escolar, sempre ouvi, em tôrno do grande
mestre da composição musical brasileira, comentários calorosos e
• entusiásticos .
Estudante de piano, lembro-me o interêsse e o carinho com
que executava as páginas que o compositor, inspirado nas coisas
do povo, dedicou às crianças do Brasil : <<Tira o seu pezinho>>,
• •
<<Moda da Carranquinha>>, <<Uma, duas angolinhas>>. Mais tarde,
ajudando meu pai a ensaiar as obras corais de Villa~Lobos, <<Na
Bahia tem !>>, <<Meu País>>, <<Prá Frente, ó Brasil>> e outras mais,
na velha Escola Normal de São Paulo e no Ginásio Oswaldo

Cruz, sentia-me feliz em poder acompanhá~las, cantá-las e ouxi~las .

Com o passar dos anos, a admiração que eu possuia pelo


grande mestre brasileiro foi gradualmente aumentando. E quando
passei a estudar a arte musical do Brasil e, em particular, a folcmú~
sica, compreendi, com maior clareza e melhor base, o fenômeno
Villa~Lobos. Senti~o então como o compositor que falava, como
nenhum outro, antes e depois dêle, a verdadeira linguagem do seu
povo, mesmo por uma técnica moderníssima, surpreendente e ori·
ginal.
Esta tese eu a comprovei, quando bons ventos me aproxima·
ram de Marcel Beaufils, o music?logo, professor do Conservatório
de Paris.' Recolhia do aparelho gravador alguns temas, que havia

conseguido na última pesquisa, no momento em que me anuncia~


• •


194 -
·- 195 •


ram a chegada do mestre francês. Modesto e simples, como os
A história de Villa-Lobos é bem a de um compositor que ha-
sábios, Beaufils se aprese11tou e logo mostrou interêsse em ouvir
veria de expressar, no mundo erudito, o Brasil musical. Diferente
alguma coisa do nosso folclore. Explicou-me que andava a estu- • • •

dar Villa-Lobos, razão de sua viagem de Paris ao Brasil, e con- de muitos artistas ilustres da terra, estêve sempre ao lado do seu
siderava essencial para o seu projetado trabalho sôbre o nosso povo, vivendo-o nas horas amargas e alegres, com êle sorrindo e
compositor o conhecimento de diferentes aspectos da música fol- por êle chorando.
clórica brasileira. Com êsse objetivo, procurara ouvir coisas de S~u pai era um apaixonado da arte musical e executava vá-

outras regiões do país, mas também desejava investigar um pouco rios instrumentos. O avô mater110, destacado músico popular, tor-
da folcmúsica de São Paulo. nara-se famoso como autor de uma <<Quadrilha das Moças>>. Mú-


Honrado e entusiasmado com a oportunidade que se me apre- sica, herdara dos dois ramos da família : o paterno e o materno. •

sentara de contribuir de algum modo para o estudo de Marcel Por isso, Raul Villa-Lobos não se admirou muito, ao se ver obri-
Beaufils, mostrei-lhe, então, todo o documentário da Comissão gado a improvisar um violoncelo para o fill10 executar. E nesse
Paulista de Folclore : sambas, batuques, congadas, cururus e mo-- instrumento, teve início o aprendizado do nosso compositor. Por
çambiques. E em cada trecho das gravações, em cada passagem, azares da sorte, no entanto, as lições em casa não duraram muito.
o musicólogo francês fazia um judicioso comentário. Villa-Lobos •
Villa-Lobos era uma criança, quando o pai faleceu .
estava aqui, ali, acolá, em tôda parte, e com Beaufils eu repetia, Faltando-lhe o importante apoio musical paterno, saiu à rtta
todo entusiasmado : Villa-Lobos está no norte e no sul, no leste em busca de um outro, que pudesse, pelo menos em parte, substi-
e no oeste, Villa-Lobos é o Brasil musical erudito. tuí-lo, e foi encontrá-lo entre os seus amigos cariocas, gente do
Afinal, satisfeita a sua curiosidade científica e artística, Mar- povo, os <<chorões>> do Rio de Janeiro.
cel Beaufils se retirou e voltou a Paris, onde escreveu o idealizado Vivia-se a época das serenatas, das modinhas e dos <<choros>>,
e monumental trabalho sôbre o nosso extraordinário compositor, e como o instrumento popular era o violão, também se f êz tocador
o qual dentro em breve deverá ser publicado. E hoje, ao recor- de violão. E dedilhando-o, aproximou-se e identificou-se mais e
dar a sua visita a São Paulo e as conversas que mantivemos, ten- mais com a arte musical do povo. Sua mãe, porém, andou um
do como objetivo central a obra genial de Villa-Lobos, recor- tanto preocupada com a sorte do filho. Chegou mesmo a temê-la,
dações que me vêm à mente, para mostrar o respeito e a conside- vendo-o conviver com seresteiros, modinheiros e <<chorões>>, inve-
terados amigos da boêmia. Acenou-lhe, por isso, com a carreira
ração que merecem de excelentes musicistas do mundo o nosso
de médico.
compositor, o que, por mal dos ventos, nem sempre acontece
entre nós, sou eu quem devo falar, honrado com o convite que Mas, era tarde. Enfeitiçado pela música do Brasil, êle mes-
me foi endereçado pelo Sr. Secretário de Educação e Cultura da mo músico por natureza, jamais poderia abraçar a medicina. Não
Municipalidade. E ao pronunciar a minha conferência, tenho demorou, era dos principais vultos mttsicais do Rio. Suas inspi-
consciência e convicção, nada acrescentarei aos numerosos estudos radas composições encantavam as tardes e noites cariocas. Eram
valsas, chótis, polcas, música popular. Integrava também, as or-
já elaborados sôbre o fenômeno Villa-Lobos, mas, disso estou cer-
questras da cidade, executando, como era costume, trechos de ópe-
to, prestarei, com tôdas as minhas fôrças de alma e de coração,
ras, operetas, zarzuelas famosas. No seu autodidatismo, já tocava
uma singela homenagem à maior figura da arte do Brasil dos nos-
bastante bem violoncelo, violão e outros instrumentos.
sos quatrocentos e tantos anos de história, que eu me acostumei a
gostar e a admirar, menino ainda. Aos poucos, ia se esboçando o artista erudito brasileiro, que
ao invés de ter a música como diversão mundana luxuosa, passa-



'

196 -
197 -
tempo de elites, a considerava um f enômenç vivo da criação de
Vem a São Paulo, .vai a Minas e a Mato Grosso. Alcança a
um povo. Para êle era a própria voz da nacionalidade, cantando
Amazônia. E durante as viagens, observa, anota, analisa a mú-
na plenitude de sua pujança e da sua fôrça, a alegria pelo tra-
sica folclórica e a popular, e prossegue a sintonizar a universal,

balho construtor, a confiança no futuro da Pátria e na grandeza
de seu destino. como se estivesse à frente de uma emissora fantástica .
Aos vinte anos, consciente do papel que poderia desempenhar
Não possuia vinte anos, quando foi levado a conhecer outras
na história da nossa música, Villa-_L obos dá início à sua revelação
paragens do país. Viaja ao Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e H '
criadora, objetivando a concretização do Brasil musical erudito,
se abebera da mais pura seiva da nossa musicalidade. Aí, sente
Chopin, Beethoven, e, especialmente, Jol1an Sebastian Bach em que teria nêle mesmo a maior de suas personalidades. E dentro
• '
da sua revolução, avizinha-se das mais inovadoras tendências da
várias fórmulas do populário : células melódicas, acentuações rít-
música contemporânea, sem deixar de refletir nas obras que com-
micas, modulações, contracantos, polifonias ; e também no lirismo
põe retratos da pátria, selvátiva e amorável, que em nenhum lugar
cantante e na religiosidade. Atinge a autêntica essência musical
do mundo. do mundo haviam sido revelados. •

Convidado a ilustrar a Semana da Arte Moderna, de 22, já


Ainda mais apaixonado pela música do seu povo voltou Villa-
-Lobos dessas viagens. Palmilhara os caminhos da verdade artís- compositor realizado, autor de <<Uirapuru>> e de <<Amazonas>>, che-
tica do Brasil e nêles pressentira a universalidade. Por isso, logo ga a sofrer duras críticas daqueles que haviam deixado o espíl'.ito
lhe veio a idéia de conhecer de perto o sentir musical da gente do adormecer, ao som melancólico de um século que se fôra. Oscar
,W ilde escrevera, há muitos anos: <<Geralmente as idéias de uma
sul do Brasil. Residiu algum tempo em Paranaguá, onde ao lado
de outros afazeres, ouviu as coisas do <<folk>>, que tanto o inte- pessoa sôbre a arte provém do que foi a arte nos tempos passados.
,ressavam. quando a obra de arte é bela, justamente, por ser o que a arte
nunca foi ; e medi-la de acôrdo com a pauta do passado é medi-la
Ao retornar, demonstrou desejo de freqüentar a Escola Na- por uma pauta de cujo alheiamento depende sua verdadeira per- '

cional de Música, naquela época Instituto. Era já excelente vio- feição>>. E Villa-Lobos, com a sua característica e moderníssima
loncelista, maravilhoso virtuose do violão, além de conhecer per- obra brasileira, deu de ombros aos seus detratores e prosseguiu a
feitamente, o instrumental de orquestra e muito da ciência e arte caminhada para a glória, mas agora bem distante da terra em que I
de compor. Talvez, por êsses motivos, depois de pensar e medi- nascera.
tar, acabou abandonando a idéia de seguir um curso de música.
Apenas procurou alguns conselhos de conceituados musicistas da Villa-Lobos povo, Villa-Lobos Brasil, Villa-Lobos essência
universal viajaria para a França, a fim de mostrar ao mundo eu-
época, a exemplo do professor Frederico Nascimento e do maestro
Francisco Braga. E êste, animado com os progressos de Villa- ropeu de que era capaz o gênio musical brasileiro, contestado pelos
-Lobos, afirmava : <<Ü senhor possui um enorme talento musical. seus próprios compatriotas. Aliás, a êsse respeito, pouco antes da
De uma capacidade produtora assombrosa, tem um caudal artísti- sua partida, dizia num comentário o escritor Ronald de Carvalho :
co considerável, onde existem obras de valor, muitas delas origina- <<Todo seu formidável esfôrço resulta estéril, exclusivamente por-
líssim'as. Já não é uma promessa, mas uma afirmação. Penso que Villa-Lobos não nasceu nas margens do Volga, com o nome
que a Pátria se orgulhará muito, algum dia, de tal filho>>. de Villiaff-Lobow>>. Mas, a verdade é que o nosso meio já não
podia conter um artista, que se universalizava com as suas pode-
Entretanto, nem Francisco Braga e tão pouco Frederico Nas- . -
rosas cr1açoes.
cimento o retiveram longo período no Rio de Janeiro. Villa-Lobos
Em Paris, teve logo, entre os intérpretes de suas obras, figu-
tinha uma obcessão : precisava sentir o Brasil musical por inteiro.
ras do relêvo de Vera Janacópolos, Rubinstein. Terán, Darrieux.
'

• •

'


'
•,

198 - 199 -

• Stehan e outros. E a partir das primeiras ap1esentações, conquis- •


ções folclóricas, divulgação das obras de Bach para auditórios 1n--

tou Paris, como, depois, conquistaria a França, a Europa, a Amé- cultos, etc.
- rica do Norte e todo o mundo musical erudito. Eminentes dire-
Ante as suas iniciativas, tôdas elas de extraordinária impor-
tores de orquestra se interessavam pelas suas concepções e as exe-
cutavam com a mell1or das satisfações: Albert Wolff, Kossevitzki, tância, ficamos esperançosos sôbre o futuro artístico-musical do.
Stokowsl<i, Arbós, Monteux, etc. Brasil. Talvez, pudéssemos, não muito ao longe, forjar o que.
não deixava de ser uma esperança, outros Villa-Lobos, para
Ao fazer um c.o mentário sôbre as produções de Villa-Lobos,
tornar realidade o que disse certa vez Mario de Andrade : <<Fôs-
lá pelos idos anos de 28, escrevia o crítico francês Henry Pru-
nieres ": <<Não se pode ficar indiferente, ouvindo obras de tão sem os compositores que possuímos, agora, outros tantos Villa-
grande poder>>. René Dumesnil o elogiava na virtuosidade da -Lobos e a música brasileira seria a maior do mundo, isso é que

escrita, na ousadia da melopéia que se arrasta e salta, sucessiva- '
eu se1>>. •

mente, na exuberância, na exaltação rítmica, na pujança frenética, · Infelizmente, por negligência de uns, má vontade de outros e,
na fantasia e no pitoresco policromatismo. E o pianista Arthur penso eu, por razões da politicagem que não serve a nenhuma
Rubinstein declarava, arrebatado : <<Êle cria com a fôrça e facili- bandeira, o movimento educativo renovador, estruturado e iniciado,
dade do gênio>>. com profundidade e amplitude, pelo mestre da nossa composição,
Após demorada e vitoriosa permanência na Europa, dominado musical, não adquiriu o necessário amadurecimento para que pu-
pelas saudades, Villa-Lobos retorna ao Brasil e aceita o pesado desse nos oferecer frutos mell1ores. E por isso, hoje, conforme já
'

encargo de levar à frente um programa de educação musical da chegou a declarar a um jornalista, Villa-Lobos vê com desalento
nossa juventude, sugerido por êle mesmo, e tendo por base a in- o resultado do seu gigantesco esfôrço se perder na incompreensão
teligente e necessária utilização de folclore. É perfeitamente in- de uma preguiçosa e comodista maioria, que despreza a orientação
tuitivo, dizia, que a consciência musical da criança não deva ser e os ensinamentos recebidos e deixa o tempo correr. E em con-
formada tão sómente pelo estudo dos mestres clássicos estrangei- seqüência, até o ensino de música nas escolas anda periclitando ..•
ros, mas, simultâneamente, pela compreensão racional das melo- e se os nossos políticos nada resolveram sôbre a efetivação de um

dias e dos ritmos fornecidos pelo próprio folclore nacional, o que plano muito sério de educação das crianças e jovens do Brasil, es-
fàcilmente se compreende pela analogia que existe entre a menta- taremos, também, na iminência de perder, definitivamente, o pre-
lidade ingênua, espontânea e primária do povo e a mentalidade cioso convívio de Villa-Lobos, que, segundo afirmou à nossa im-
infantil, igualmente ingênua e primitiva. prensa, não tendo o que fazer por aqui, para objetivar os seus
Graças a Villa-Lobos, tivemos, então, a atualização dos nos- ideais, transferirá a residência para os Estados Unidos.
sos antiquados processos de educação musical. Por sua sugestão Hoje, com a sua maravilhosa arte de compor, Villa-Lobos se-
e com a imprescindível e importante colaboração, criaram-se os transformou no grande embaixador artístico de nossa pátria, e
Cursos de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e como tal passou a ser o ídolo do povo norte-americano, do francês
Canto Orfeônico, do Distrito Federal, e depois, o Conservatório e de tantos outros. Declarou com sabedoria Ciro de Freitas Val-
Nacional de Canto Orfeônico, que serviu de modêlo a tantos ou-

le: <<Villa-Lobos tem feito com a sua música o que as Nações.
tros organizados no Brasil. E sob a supervisão do mestre brasi- Unidas vêm tentando fazer, com tanta dificuldade com palavras :
leiro, tiveram lugar, no país, realizações de alta significação, no • o entendimento universal>>. E isso, porque através da sua identi-
setor educativo: concentrações cívico-orfeônicas, concertos sinfô- ficação com o povo e a natureza do Brasil, Villa-Lobos pôde sentir·
nicos culturais, bailados artísticos, reavivamento de velhas tradi- e depois revelar, na sua obra magnífica, a profundeza de senti-



• '

-200- 201 •

menta do Homem de tôdas as raças, de todos os tempos, de tôdas E a seguir acrescentava : <<Só a terceira categoria tem valor. Ssses.
as pátrias. compositores trabalham por um ideal e nunca por um objetivo prá-

tico. E a consciência artística, que é um pré-requisito da liberdade
Na sua criação musical, Villa-Lobos, desde os primórdios de artística, lhes impõe o dever de se esforçarem por encontrar uma

'Sua vida, nunca se permitiu a fuga da nacionalidade, ainda que 1


expressão sincera, tanto de si mesmo como da humanidade. Para
,estudasse e experimentasse as mais diversas tendências da compo- chegar a tal expressão, o compositor sério deverá estudar a he-
sição contemporânea. Sempre teve o necessário discernimento para rança musical do seu país, tanto sob o· aspecto literário ,poético.
compreender que isolado de seu povo, poderia cair sob a influên- e político como musical. Só dessa maneira, pode êle chegar a

cia direta ou indireta de um outro. Só é arte definitiva dos sons, compreender a alma do povo>>.
asseverava, aquela que se ' faz compreender numa expressão univer-
Nessa categoria se encontra, justamente, Villa-Lobos, que, na
sal, embora possuidora de característicos específicos.
minha opinião, chegou à compreensão mencionada, graças ao con-
Jamais fêz como certos musicistas nossos, infelizmente ainda tacto que manteve sempre com o seu povo, o que lhe teria deter-
muitos, que alheios à realidade brasileira, defendem a tese de uma minado, também, a assimilação inconsciente, não procurada, de pe-
música universal, sem qualquer base no sentir e no pensar de seu culiaridades estilísticas da música dêste : inflexões tenais, relações

povo e passam a viver, <<na verdade, sob o signo Debussy-Ravel intervalares, esquemas rítmicos, timbres instrumentais, etc. Como
,e então são afrancesados ; ou então sob o signo de Puccini-Zando- diria Bela Bartok, Villa-Lobos se conformou de tal modo com a
nai e então são italianizados ; ou então sob o signo de Wagner- linguagem musical do povo brasileiro, que pôde usá-la, revestida
-Strauss e até parecem arianos. Na melhor das hipóteses, caem de uma indumentária erudita, como a sua própria língua-mater.
num atonalismo de sistema e então menos que autsríacos são copis- E sem fazer uso literal do folclore, falou, quando quis, uma lin-
tas de Schoenberg>>. guagem a um tempo pessoal e nacional, sutil e profunda, e por
Recordo-me a propósito, uma pergunta que, algum dia, for- isso mesmo, de uma grande fôrça irradiadora, universalista.
mulou Villa-Lobos : <<Se se pode conceituar e julgar a música es- Esta é a fundamental razão em que me baseio para concluir
panhola, russa, francesa, alemã, oriental, húngara, polonesa, etc., que Villa-Lobos, melhor e maior do que qualquer outro artista, é o
tôdas com um esclarecedor <<Carimbo>> que caracteriza a raça e a próprio Brasil musical erudito, síntese admirável de fôrças estra-
nação a que pertencem qual outra definição a adotar que não seja nhas e poderosas, que o inspiram e o exaltam, e que resultam de
<le âmbito nacional 7>> emanações insensíveis de sua terra, eflúvios invisíveis de sua gente,
E a resposta, êle mesmo a deu com o seu exemplo, já nos na expressão do velho Bilac.
primeiros tempos da profissão de fé artística : voltou-se para a Brasil musical erudito, Villa-Lobos o é em tôda a sua produ-
música de seu povo, estudou-a e sentiu-a de maneira integral, nas ção, na qual se observa, desde o início, uma linha de ascenção,
suas fórmulas e esquemas, nos momentos de dor e de alegria, e com o enriquecimento da técnica, a conquista de grande complexi-
através da sua exuberante e exaltada personalidade erudita tor- dade e depois, como apontava Lorenzo Fernandez, a obtenção de
nou-a conhecida de todo um mundo. uma simplicidade ainda maior de meios e ao mesmo tempo de um
O próprio mestre brasileiro escreveu, certa vez, que os com- poder de síntese e emoção, numa cristalização de sua poderosíssi-
positores podem ser agrupados em três classes : os que escrevem ma personalidade brasileira.
música-papel, segundo as regras ou modas : os que escrevem para Brasil musical erudito é Villa-Lobos nos caminhos que êle-
ser originais e realizar algo que outros não realizaram ; e, final- •
mesmo desvendou, passando pela bitonalidade, politonalidade e até
mente, os que escrevem música porque não podem viver sem ela. •
mesmo a atonalidade, a esboçar e a concretizar uma atmosfera.

-•

·diferente, em que impõe sua técnica renovadora e contribui, de


maneira decisiva, para a atualização e a estruturação da nossa com-
_p osição musical.

Brasil musical erudito, Villa-Lobos o é, finalmente, na explo-
ração de timbres, no transcendente caráter seresteiro, nos elemen-
tos <<Chorões>>, nos ambientes sonoros, no ritmo trepidante e alu-
VILLA-LOBOS E DOIS CURSOS DE FÉRIAS
cinador, que foi e será a pedra de toque de tôda a sua evolução

·criadora.
TuRíB10 SANTOS
Por isso, pôde levar, disse o crítico Paul Le Fiem, a um pú·
blico cansado de falsas semelhanças, minado pelos alquimistas e •

.sem esperança, um alento do coração, uma espontaneidade de


alma, um nôvo alimento para a fé dos homens ; e pôde ser apre- M j 11lho de 1965 Julian Brean, dava seu primeiro curso de
ciado, ultimamente, pelo <<Journal American>>, de Nova Iorque, férias em Dinton, Inglaterra, que tive a oportunidade de assistir.
-como o mais extraordinário compositor contemporâneo. Violonistas de várias nacionalidades presentes : Japão, Esta-
dos Unidos, França, Inglaterra, Brasil, África do Sul e Israel.
Na bagagem musical de todos, Villa-Lobos.

• •
Julian Bream, à parte do extraordinário virtuose, revelou-se
um didata da melhor qualidade, procurando estabelecer um con-
tacto direto ~ntre intérpretes e compositores. Para isto valia-se
de experiência pessoal com os segundos, e particularmente com
Villa-Lobos.
Fiquei surprêso ao vê-lo descrever detalhes da música brasi·

leira e seu espírito. E mais ainda, escutando-o tocar os Prelúdios
e Estudos.
• •
Contou-nos, estar integrado na atmosfera Villa-Lobiana guia-
do pela mão do próprio compositor. O temperamento exuberante
dêste, marcou o intérprete inglês e serviu-lhe como justa medida
para melhor compreensão da obra de Villa-Lobos. Esta, segundo
êle, é de riqueza sonora imensa e valor pedagógico constante.
Nos últimos anos, apresentou diversas vêzes o concêrto para
violão e orquestra e tem como peças obrigatórias de seu repertório
os Prelúdios, Estudos e Choros n9 1.
Um mês depois, encontrava-me em Santiago de Compostela,
Espanha, desta vez, em curso com Andrés Segovia. O mito sa-
grado do violão vinha transmitir aos mais jovens, 75 anos de ex-



r

204 -

periência e pelo menos 40 anos de convívio com a música de Villa-


~Lobos.
Da parte de Segovia, encontrei o respeito do conhecedor pro..

fundo do instrumento por outro conhecedor de mesma competên.- •



cia. Sempre bom lembrar, que Villa~Lobos, à parte do composi.- •

tor, era virtuose de grandes méritos. O violão acompanhou.-o des.-


de cêdo e êle abriu perspectivas ao instrumento até então desco..
nhecidas.

Ê Segovia "quem faz questão de frizar sempre: nas suas pes-
quisas de novos rumos para o violão ninguém o ajudou mais que
o compositor brasileiro, mesmo estando êste, fora da esfera Sego-
viana ( ao contrário de Ponce, Castelnuovo.-T edesco, ou T orroba,
todos orientados pelo virtuose espanhol) .
Novamente ouvi os Prelúdios e Estudos por violonistas de
todo o mundo. No cômputo geral foi fácil constatar, que entre
os compositores contemporâneos, Villa.-Lobos estendeu mão forte
e definitiva ao violão.





• •
•'
? f~.S VL- , 00?; V.2.. •

• I

• • •
•• •


< •


• •

••


• •



Você também pode gostar