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P. Pres. Vl 1
003
v.2
Ex.2 •
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~ fRf~ · V'- . OO? V ,2
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2, o VOLUME::
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2,o VOLUMI:::
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A DnmçÃo
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iNDICE
P á g s.
A d h em ar A lv es d a N ó b re g a . . . . . . . . .
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. . . .. .. . . . . . . . .. ... . . . . . . . . . 9
Amalia B ã z a n • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
• .
. . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . 13
A m ar y li o d e A lb u q u er q u e . . . . . . . . . . .
........................... . 15
Anis1. 0 Te1·xe.1ra . ....: r-; -' • • • • • • • • • • • •
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A rm an d o V id a l Leite R ib e ir o . . . . . . .
........................... . 21
C ac il d a G u im ar ãe s F ró e s . ..
. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 27
Ca.Ideira Filho . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
........ ..................... 33
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C a m a rg o G u a rn ie ri . •· . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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C ar lo s D ru m m o n d de A n d ra d e . . . . . . .
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C ar lo s d o s S a n to s Vera/; . . . . . . . . . . .
... ... ... .. .. .... ... ... ..... 41
1 Cirilo Grassi D ia z .. .. .. .. .. .. .. .. ..
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C o el h o N e tt o . ..
.. . . . . . . . . . . . . . .. .. .. . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
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C ri st in a M a ri st a n y . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . ... .. . . . . . 55
D en is K al i L a ra • • • • • • • • • • •
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E d m u n d o ·L y s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
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- E le a z a r d e C a rv a lh o . . . . . . . . . . . . . . .
........................... . 63
E ls a C a lc a g n o . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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E ro a n i B ra g a • . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
E u g en e O rm a n d y . . . . . . . . . . . . . . .
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E u ri co N o g u e ir a F ra n ç a . . . . . . . . . . . .
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G er al d o Q u a rt im • . . . . . . . . . . . . . .
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Guilherme C a o e d o d e M a g a lh ã e s . . . .
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Heitor Villa~Lobos • . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . 35, 87, 91, 93, 95, 9 7 101
Heli M e n e g a le • . .. .. .. .. .. .. .. .. ..
.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 107
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Págs. •
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" foão ·ltiberê da C11nha ..................... · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 109
\li Jorge D'Urbano . . ........................ · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 113
·' J
~ OSé Kl"ass
1 • , , . , , , , , , . , .. , . , · . , , , , • · · • • • • ····· ·· ······ ········
115
' L·18 Cavalcanti · ······ ····· ········ 123 ADHEMAR ALVES DA NóBREGA
~ , • • • • • • · • • •• • • • • · • • • • • ' • ' ' • ·
125 •
., J,·,ma Rodr1·gue""
.... ---- #,,/ •••••••••••••••••••••• · · · , · · · · · · · · · · · · · · · · · · •· · •
Luiz Heitor Corrêa de Azevedo ................. · · · · · · · · · · 129 133
137 TODOS quantos ·d êle se aproximaram e procuraram compreen-
"" Magdalena Lebei.s . • • • • • • •• • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
·'" N1·colas LamuragJ1·a . . . . . . . .. . . . . .. . . . .. . .. . . . . · · · · · . · · · · · · · · · · · 169 Estas são algumas das virtudes que aureolavam sua persona-
171 lidade ímpar de artista e que, juntamente com sua obra de com-
~ Octavio Bevilacqua . . ......................... · · · · · · · · · · · · · · · · · •
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positor, lhe abriram as portas do coração de muitos que com êle
~ Paulo Mendes Campos . . .................. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 173
•• conviveram .
\ P1"erre V1ºdal • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • ······················ •
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Ao lado dessas impressões que tive a felicidade de sentir nos
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:. Pontes de Miranda • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
muitos anos que com êle trabalhei e durante os quais muito apren-
.::, Rodo! pho Ariza g a . • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 185 di, uma outra impressão me ficou aparentemente irrelevante, mas
~ Ronald de Carvalho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• •
]87 • igualmente perdurável e válida como testemunho sôbre um artista:
~ Rossini Tavar.es de Lima ..................... · . · · · · · · · · · · · · · · · · 193 a da sua admirável disciplina artesanal, de rigor quase acadêmico.
ih .
T ur10 sano
t s ............................. . • • • • • • • • • • • • • • • • • • 203 • Costuma-se formular em espíritos menos avisados o precon-
ceito de identificar o artista impulsivo, de temperamento forte ou
agressivo, com uma certa ausência ou frouxidão de disciplina de
trabalho. Assim, o artista cuja obra é marcada por ímpetos, cla-
.cões e arrebatame:µtos, como Goya, Byron ou Beethoven1 produzi.;
ria mergulhado numa atmosfera ideal de embriaguez, como simples·
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instrumento de providência, enquanto a: mão corre célere, esbo~
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çando na tela a obra-prima, elaborando o poema imortal ou arqui- <.lo pouca fidelidade de intérpretes estrangeiros : <<Ü que acontece
tetando a sinfonia que marcará época na história. Poucas pessoas advertia êle é que nem todo mundo escreve exatamente o
se podem gabar honestamente de ter escapado, em alguma fase da 1111 pensa e uma boa orquestra, embora toque tudo o que está
vida, a êsse preconceito, que muitos livros, vez por outra, e o cine- srrito, não tem obrigação de adivinhar>>.
ma, sistemàticamente, se encarregam de difundir. Estas preocupações do compositor, embora não digam respeito
A música, que tem um artesanato penoso, de muitas l1oras de <>H nlto desígnios de sua arte, valem como testemunho do aprêço
trabalho paciente para proporcionar a fruição de alguns minutos 111 • êle dava aos problemas da prática musical, tão dignos de
de prazer estético, é incompatível com essa idéia e Villa-Lobos j1fcnc;ão qua ndo se vinculam às solicitações expressivas. Sua evo-
desmentia, com o seu meticuloso trabalho de artesão, semelhante 1 ,1ção, que pode valer como advertência aos compositores jovens
•
fantasia. ,1 hoje, me parece pertinente nesta série dedicada a <<Villa-Lobos,
O fato de produzir muito e escrever depressa, em meio a con- 11,1 vida, sua obra>>.
dições desfavoráveis, não infirma o ponto de vista aqui defendido.
Num plano muito mais modesto, a rendeira, cujos dedos se movem
céleres, trocando bilros e marcando pontos com alfinêtes, causa es-
panto ao observador pela segurança e pelo desembaraço com que
produz seus preciosos rendilhados e figurações. Mas, para atingir
a êsse virtuosismo, é preciso encanecer curvada sôbre a almofada.
E ninguém se escandalize da comparação, pois Villa-Lobos, que
era dono do seu <<métier>> e falava de cadeira, comparava a arte
do orquestrador aos requintes do cozinheiro que, após adicionar
um nôvo tempêro ao seu prato, prova-lhe o enriquecimento do
sabor, refugando ou adotando o nôvo condimento. .
O que explica a sua facilidade espantosa, que para muitos
outros seria fatal, é que, com sua longa e ininterrupta atividade
criadora, já havia incorporado ao seu repertório muitas fórmulas •
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HEITOR VILLA-LOBOS
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• AMAUA BAZÁN { *)
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NUMEROSA, original e extraordinária produção musical d~
Villa-Lobos. rica em matizes e profunda em vigorosa técnica, te111
a inspiração na raíz folclórica do Brasil.
Talvez dessa amálgama adquirida pelo requinte de sua com-
posição e a origem que envolve o mais variado, compelxo e bri-
lhante folclore do continente americano, é que recolhemos hoje o
fruto de u.m gênio musical.
Tôdas as influênàas migratórias que gravitaram na música
brasileira, tais como, a ibérica, a portuguêsa, a africana, a euro-
pé.ia. etc., e se uniram ao lirismo nativo do selvagem, tiveram em
Villa-Lobos o músico que soube plasmar-se na música superior.
Nela podemos ouvir o grito instintivo da selva ou o canto penoso
no trabalho pesado, a superstição de um povo ou a magia do índio.
-
Em sua música de canto de câmara se refletem as inspiradas
vivênàas referidas e, por exemplo, em suas modinhas captamos
·m sua suave e elevada melodia seu íntimo triste e sentimental.
As congadas, os batuques, as macumbas e os candomblés
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· m sua raíz religiosa, incorporados pelo negro à música popular,
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(* ) Cantora Argentina .
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nha conta a Vossa Alteza. assim como eu melhor puder, ainda ~ue vra de emoção e agradecimento à resposta oferecida pelo seu gênio
_ para O bem contar e falar o saiba pior que todos fazer l ao extraordinário fenômeno histórico, que foi o regresso de Israel
à sua terra prometida.
Autêntico e inimitável, percorreu Villa-Lobos cantando a flo-
resta bravia em busca dos seus segredos milenares. que se perdiam Vivemos, permanentemente, suspensos de um presente, que é
na indiferença dos menos avisados. A sensibilidade aguçad_a . do a junção entre um <<teimoso>> passado e um <<insistente>> futuro.
artista sentiu, desde logo, que aí estava autêntica a sua mu_sic~.
imune aos pecados da civilização. Deu-lhe, então corpo, :itali- Há momentos, entretanto, em que essa junção se ilumina e se
dade, estrutura duradoura e forma definitiva, para que pairasse expande, fazendo do presente uma cena siderante de todo o pas-
acima das humanas contingências. sado numa projeção para o futuro. ~ste foi o caso de Israel,
Aí estão, para ilustrar êsses raciocínios, <<Sume Pater, P~-
•
quando as circunstâncias históricas lhe permitiram realizar, depois
trium», <<Ü Uirapuru», <<Erosão», <<Papai Curumiassu~. <<Nozan1- da dispersão milenar, a reintegração miraculosa de todo seu gran-
ná», <<Ena Mokcê», «Xangô»,. «Iara», «Nhapope>. de, rico e doloroso passado no presente tão densamente repleto
•
Que Deus O tenha no seu Reino de Sonho, índio bom na mú- de promessas dêsse pequenino e ardente povo.
A Pátria é um programa de futuro baseado em um passado.
to do Pajé>. •
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orno em tantas outras cousas, o povo judeu também nisto é um
professor de humanidade. Em nenhum outro povo a experiência
la pátria foi jamais tão pungentemente vivida. A sua história,
I to é, a continuidade entre o passado e o futuro realizada num
Jlresente, foi para êsse povo único, não a dádiva generosa e gra-
l L1ita do Tempo, mas a obra da vontade, do ardor, da pertinácia e
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da devoção, contra a dispersão, o fragmentarismo, a rutura mais A ardente iniciação "do Brasil tão repassada de traços de cu} ..
intensa e mais extensa que se poderia conceber entre passado e tt1ra e sensibilidade e tão aberta para todos os apêlos da civiliza..
futuro. r;fio há--de sempre ver em Israel o professor de vigor, de tenaci-
No momento em que todo o intrincado tecido da história e do (lnde, de humanidade e de destino, que tem sido, através dos tem ..
tempo permitiu que, de nôvo, a unidade se restabelecesse e o pre.- pos, êsse pequenino povo viril e sábio.
sente do povo judaico voltasse a constituir o pequenino ponto lu .. O Centro Cultural Brasil.-lsrael, instituição proposta à tomada
minoso entre as sombras percebidas, graças à luz do passado e as 11 consciência dessa aproximação entre os nossos dois povos. não
perspectivas também por êle, presente, iluminadas do futuro, a JJ deria deixar de vir hoje prestar a Villa.-Lobos esta homenagem,
•
sensibilidade do artista brasileiro, tocada, como o povo judeu, dêsse c1t1e é a homenagem comovida de nosso agradecimento pelo seu
-
agudo sentido de história, respondeu ao apêlo do acontecimento 111ilagre de dar expressão com o seu poema sinfônico ao
l)II C é, essêncialmente, inefável, a misteriosa e profunda harmonia
inaudito com a linguagem única com que poderia o homem res ...
pondê--lo, a da música. A história havia realizado, com a cola .. 111tre Israel e Brasil ...
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dades das Selvas Brasileiras>>, <<Canto do Cisne Negro~ etc .• que fluentes regentes e críticos, próximo às poltronas a êles destinadas,
foram , como os demais, irradiados no Pavilhão através alto-fa- coloquei amigos encarregados de apreciar-lhes a reação.
lantes. Ansioso fui receber os convidados e assistir ao l <1 concêrto.
A coleção de partituras compreendia obras de Carlos Gomes, A voz puríssima de Bidú cantando a Ária de Bachianas Brasileiras
Braga, Henrique Oswald, Nepomuceno, Levi, Mignone, Gallet, n9 5 foi um sucesso indescritível. A primeira parte do concêrto
Barroso Neto, Frutuoso Vianna, Lorenzo Fernandez, João Nttnes , terminava com o Choros n<? 8 que abalou a platéia.
figurando Villa com : <<Momoprecoce>>, <<Bachianas Brasileiras 1, Pessoa profundamente conhecedora de música, colocada junto
2 e 5 >>, <<Amazonas>> (redução para piano), 1~ suite do <<Desco- a Kousewitzky, animou-se a pedir-lhe a opinião sôbre o Choros
'
brimento do Brasil>>, << Cirandas >>, <<Prole do Bebê» e <<Suite Flo- n\> 8, e esta veio instantânea: um nôvo << Sacre du Printemps>>, do
ral>. Desejo relembrar a dedicaçã o do copista de música Mosca que fui prontamente avisado.
que fêz extraordinário esfôrço para, em curto prazo, reproduzir as Ou que Kousewitzky tenha divulgado esta impressão ou por-
orquestrações e partes, especialmente das partituras de Villa por que esta fôsse geral, a tônica das apreciações dos grandes críticos
Yêzes de difícil cópia. Destas partituras muitas foram reproduzi- musicais foi no mesmo sentido. O crítico mais autorizado, e que
das e arquivadas no <<Free Library», de Filadélfia, a pedido de seu presidia a Comissão Musical da Feira, Olin Downes, escreveu no
fundador e mantenedor Edwin C. Fleicher que se mostrou inte- «New York Times>>: <<A partitura revela um extraordinário poder
ressado pela música brasileira. A <<Free Library>>, instituição não inventivo. Esta música é Caliban e a jungle. Ou melhor é o
comercial, facilita o acesso às partituras arquivadas. «Sacre du Printemps>> brasileiro. Esta obra por si só faria êste
concêrto notável>>·
A Feira construíra um imenso <<Music Hall>> para grandes -
•
concertos e convidara os países nela representados a promover a Igual a opinião dos críticos Francis D. Perkins, Oscar
execução de suas músicas nacionais. O Maestro Burle Marx foi Thompson, Pitts Sanborn e outros. Como disse um jornalista :
encarregado, pelo Comissário do Brasil, de promover os nec~ssá- «êste concêrto é de um valor i11estimável para a propaganda do
Brasil>>.
rios entendimentos para realização de 2 grandes concertos com
músicas e artistas brasileiros, a inexcedível Bidú Sayão e os pia- Com esta vitória, o segundo concêrto deixava o Comissariado
nistas Noemi Bittencourt e Bernardo Segai! além de Burle Marx. do Brasil tranqüilo, e a 9 de maio, no mesmo << Music Hall>>, foram
A preparação dessas execuções exigiu um trabalho preliminar in- - executados, de Villa, <<Caixinha de Boas-Festas>>, e nada menos
tenso e cuidadoso. A música erudita brasileira era inteiramente do que o Choros nº 1O com a Schola Cantorum, sob a regência
desconhecida. A Comissão Musical da Feira tinha que atender de Hugh Ross, o que provocou a mesma admiração dos Choros
a dezenas de países com obras consagradas e executantes famosos n <f 8.
presentes. Um amigo que fiz, e, posteriormente, grande amigo do Os dois concertos foram irradiados para o . Brasil podendo
Brasil, o Maestro Hugh Ross, da Schola Cantorum de Nova York, .Villa ouvi-los. No interv alo da Feira de 1939 para 1940, estan-
sendo parte, ou tendo acesso fácil à Comissão Musical, permitiu, d o no Brasil, perguntei-lhe se tinha gostado da execução res-
digamos assim, o as'sédio de Burle Marx. Foram distribuídos dis- pondendo afirmativamente mas que desejava a regência <<menos
cos a todos os grandes regentes e críticos e o folheto ''Musique reta , mais curva».
Brésilienne» com prefácio de Muricy. No calendário dos concer- No meio dos grandes regentes e críticos musicais famosos ,
tos, ao Brasil couberam os dias 4 e 9 de maio de 1939, logo no a música moderna brasileira era bem aceita, pois as obras exe-
início da abertura da Feira. Desejando ter a impressão de in- cutadas de Mignone, Lorenzo Fernandez, Gnatalli e Guarnieri
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24 - 25
recebe1·am a melhor apreciação, e a repercussão foi tal que o (1ltimos anos de sua vida lhe foi prestada no auditório do Con~-
~Museu de Arte Moderna>> de Nova York, cujo prestígio é enorme, servatório Nacional de Canto Orfeônico e à qual, como de costu-
sugeriu-me realizarmos em sua sala de concertos um Festival de me, se achava presente 011- Arminda, recordando passos de sua
Música Brasileira ao mesmo tempo em que se promovia um ex- gloriosa vida, Villa de repente levantou-se da cadeira, e perguntou
cepcional <<one's man show>> das obras de Portinari. em altas vozes <<onde está o Armando Vidal com quem falei há
pouco?>> Diante do meu silêncio, insistiu <<Vidal, levante-se!>> ao
O · Festival visava apresentar todos os aspectos da música bra- que atendi, e êle prosseguiu nestas palavras que penso textuais :
•
sileira sendo o 19 concêrto denominado <<choros>> com peças de <<Aí está o homem que abriu meu caminho nos Estados Unidos.>>·
Nazareth, Guarnieri, Lorenzo, Mignone, 1-I. Lobo, Frutuoso, He-
kel, Pôrto, Gallet e Woodoos de Elsie Houston que as cantou,. Na realidade, só o gênio de Villa-Lobos abriu-lhe as portas
•
zados.
•
Villa l1omem simples e leal fêz certa vez declaração pública
excessivamente honrosa para mim. Na homenagem que num dos.
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1 •
MAESTRO VILLA~LOBOS
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A incompreensão, o desinterêsse, a deturpação dos valores ,
"W matéria de música, feriu~o atrozmente, quando de regresso à
•
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28 -
29 -
Como grande brasileiro, autêntico patriota, não pôde se con~
dúvida era o nosso grande Maestro o homem certo para a grande
forma r com o declínio artístico e cultural do povo, de tanta sensi-
tarefa.
bilidade, de tão raras virtudes inatas.
Assim pensou Anisio Teixeira, pedagogo ilustre, pôsto por
Era preciso agir e sem demora, pensou êle. Revolucionar os
Pedro Ernesto à frente da Instrução Pública.
cânones tradicionais vigentes, dando à música seu verdadeiro sen-
tido na formação espiritual e cívica da sociedade moderna. Pô-la . Com o irrestrito apoio dessas autoridades, Villa-Lobos lan-
•
a serviço dessa mesma sociedade, de forma a contribuir para o çou-se à luta de corpo inteiro, com decisão e coragem, desenvol-
•
aprimoramento da alma e, particularmente, para o crescimento dos vendo a mais intensa e ousada campanha de ·Educação Musical
nossos valores morais. sociais, cívicos, intelectuais e artísticos. de que se tem notícia.
Como admitir seja a música privilégio de poucos, mero divertimen-
O programa que traçou, timbrado nos mais modernos precei-
to, simples amadorismo sem conseqüência, para efeito de reuniões
tos da pedagogia, tinha em vista interessar o povo através dos or-
sociais ou mesmo de exibições públicas? Pois não é ela uma for-
ganismos educacionais. Para isso, convocot.t alunos e professôres,
ma de expressão humana, a mais verdadeira linguagem universal ?
organizou cursos, escreveu centenas de canções de vários gê11eros,
Sua ação altamente educativa e cultural não deve restringir-se com o fim de incentivar o gôsto popular pela nossa música.
a um grupo apenas da coletividade, principalmente se atentarmos
que, ao lado da ciência que marcha a passos largos, a cultura do Homem de ação, objetivo por excelência, pôs tôdas as suas
espírito constitui hoje um imperativo, uma condição de harmonia energias, todo seu talento, tôda sua visão de músico e brasileiro,
e equilíbrio dessa mesma sociedade.
•
, a serviço da preservação do patrimônio artístico nacional.
Sem a pretensão de formar artistas. para o que existem es- Esta foi, a meu ver, a maior contribuição de Villa-Lobos à
tabelecimentos especializados, tratou desde logo, nosso grande Pátria, e que fêz surgir à evidência, ao lado do artista e criador,
Maestro, de esboçar as diretrizes do gigantesco plano, pedra fun- a fibra do mestre, do inovador, do excepcional dirigente do Ensi-
damental do movimento que, bem aplicado, marcaria definitivamen- no de Música e Canto Orfeônico do Brasil. Como conseqüência
te os novos rumos da Educação Musical Popular do Brasil. Sua dêsse esfôrço e do seu incrível dinamismo, surgiu o S.E.M.A. , o
gra nde meta: Promover a educação do bom-gôsto, livrando Orfeão de Professôres. as primeiras bandas infantis, o Conserva-
as novas gerações das influências tipicamente estra11geiras que 1a- tório Nacional de Canto Orfeônico e uma infinidade de orfeões
mentàvelmente vêm deturpando as tradições nativas da nossa mú- e bandas que, de 1932 a 1945, empolgaram o Rio com o brilho d e
sica. Despertar na mocidade o verdadeiro espírito cívico da ordem · suas colossais apresentações. Apresentações que chegaram a reu-
e da disciplina, para a promoção do nosso progresso cultt1ral, social nir 42. 000 escolares e que surpreenderam pelo ineditismo, pela
e artístico. grandiosidade do espetáculo, verdadeiro prodígio de disciplina, de
coesão, de arte e de civismo.
Como, porém, consegui-lo? De que maneira despertar no
povo interêsse por um movimento de ·tal envergadura ? Convo- Só a extraordinária fôrça de persuasão de um gênio, tocado
cando a mocidade, fazendo-a cantar. pela centelha de um imenso idealismo, poderia tornar realidade
aquêle empreendimento notável, jamais assistido em todo o mundo.
Realmente só o canto coletivo poderia operar êsse milagre.
•
Ninguém melhor, pois, para julgar Villa-Lobos e o que êle
A primeira experiência teve lugar em S. Paulo, culminando
representa, no panorama da educação cívico-musical da nossa t~r-
com a magnífica demonstração de estudantes, realizada sob os
ra, que as gerações que com êle cantaram e viveram aquelas tardes
auspícios de João Alberto. O êxito foi absoluto. Sem nenhuma.
• inesquecíveis da hora da Independência, nos imensos estádios da
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visível, magnética, atuante, produzindo calafrios e arrebatando-
cidade. Tardes que marcaram uma época e que para tantos teve
adeptos para a mesma campanha de vinte anos antes.
o efeito de um sortilégio de um acontecimento super~humano.
Crianças : entre as coisas de que me orgulho e terei de con~
É essa pelo menos a impressão que nos deixam palavras como
tar a meus filhos, a meus netos se os tiver, com emoção e respeito
a dêste ex~orfeonista, o professor e brilhante advogado Wilson
quase devoção, há~de ser essa que se traduz nestas simples pa:
Lopes da Silva que, por ocasião do desaparecimento do Mestre, lavras :
em tocante homenagem, lhe dedicou as linhas que hoje, com emo-
ção, transcrevo :
•
Crianças : eu conheci o Gênio! Eu conheci Villa~Lobos !>>
<<Crianças : eu conheci Villa~Lobos ! . Po~e~se dizer, assim, que Villa~Lobos não foi sõmente O gê,
nio musical ~e que tanto nós brasileiros nos orgulhamos, mas um
Vi~o de longe pela primeira vez, a cabeleira agitada pelo exemplo ~e força de vontade, de idealismo, de tenacidade, de amor
vento da tarde quente de setembro. Eu devia cantar naquela tar~ a seu Pais.
de. Eu e todo gigantesco bloco de 20. 000 crianças, tôda a pe~
quenada que tinha em tamanl10 pouco mais que hoje têm vocês.
E naquela tarde não cantei. É que eu conheci nesta tarde Villa~
~Lobos.
Quantas vêzes terei voltado ao Campo de São Januário?
Não sei.. . Cada Sete de Setembro reviveu nos anos seguintes
uma emoção nova. Como das outras vêzes, emocionado, quase
não podia cantar. Via~o, centenas de metros adiante, a agitar os ..
braços nervosos e a cabeleira revôlta. Eu estava na presença de
um gênio.
Um dia deixaram~me levar na festa o pavilhão nacional. Foi
um dia de glória ...
Talvez, por isso, tenha ficado comigo aquela sensação de
brasilidade, de amor cívico, aquela formação que o tempo até hoje
não conseguiu transmudar. É que eu, crianças, pertenci à geração
que conheceu Villa~Lobos, que cantou com êle, que com êle viveu
'
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O NACIONALISMO DE VILLA~LOBOS
CALDEIRA FILHO
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CAMARGO GUARNIERI
transparece o espírito dos <<negros spirituals>>, Villa-Lobos reve-
lou à música contemporânea um mundo sonoro inteiramente nôvo
na sua concepção, na sua formulação estética, na invenção temá-
tica, na disposição formal. e tudo isso com base objetiva, com um ILLA-Loaos .. , Figura inconfundível no cenário musical das
ponto de partida concreto, isto é, sua música não é complicada Américas. Talento excepcional, lutador invencível. A morte veio
sonorização de nebulosas teorias nem de misteriosos <<ismos», e e num átimo, roubou do Brasil e do Mundo um artista de fibra,
sim a transposição sonora do próprio Brasil. É uma música que forte, rijo como um jequitibá.
deriva do chão do Brasil, da sua natureza, do homem que o habita, Conheci Villa-Lobos em 1930. Estive sempre ao seu lado.
.do homem que o levou à grandeza de hoje, sem esquecer os plas- Naquela época ajudei-o na preparação da <<Exortação a Villa-
madores históricos da nacionalidade q ibérico, o ameríndio e o
-Lobos>>. Sempre fomos• amigos, nunca tivemos mal-entendidos e
•
africano presentes na sua obra. É uma música que deriva
a minha admiração por êsse gen~al compositor cresceu à medida
. também da cultura brasileira, que lhe reflete a evolução e a carac-
que êle era desordenado, mas o seu gênio só poderia se expandir
terização, uma vez que o nacionalismo consistente na citação e de-
dentro da sua própria ordem, muitas vêzes desordem para outros.
,pois na inspiração folclórica foi largamente superado pelo <<nacio-
nal>>, ou seja, pela criação de quem sente como brasileiro, espon- Incompreendido, humilhado, desrespeitado em sua própria ter-
tâneamente, naturalmente, e só em linguagem musical própria pode ra, Villa-Lobos, pela sua fôrça criadora ímpar, deveria ter sido
exprimir-se. Por isso é também uma música que deriva de autên- venerado, amado, respeitado pelos seus compatriotas. Infelizmen-
tica fonte criadora, de um artista profundamente absorvido pela te isso não aconteceu. Teve que lutar contra a indiferença, pas-
realidade que o cerca e totalmente desinteressado de manipulações sando dificuldades e privações para garantir sua subsistência.
mais ou menos engenhosas em que se comprazem os compositores
Vi-o muitas vêzes acabrunhado pelas infâmias, pela calúnia
menores. E é uma música que, por ser intensame11te humana, por
e desrespeito. Tacharam-no de plagiário. . . Que ironia! Jus-
conter a revelação do homem total e não sõmente do homem pes-
quisador de laboratório, tornou-se logo necessàriamente universal. tamente êle, em quem as idéias originais fervilhavam como numa
É isso o que todos sentem em Villa-Lobos, o que lhe assegurou a
prodigiosa torrente! Em outro país, êsses impostores e invejosos
posição de relêvo que ocupa entre os grandes criadores contempo- teriam ido para a cadeia. Aqui, ao contrário, receberam estímuio
râneos ; que lhe permitiu conservar íntegra sua independência es- para publicar um livro pestilento, calunioso, desrespeitoso, nojento
•
tética e sua liberdade criadora e que o impeliu a voltar-se, com e que o magoou profundamente. Tôda essa onda sõmente atingiu
amor crescente, para as fontes inspiradoras da sua Pátria. o grande artista porque êle era um ser sensível, um verdadeiro
criador de maravilhas.
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te, que seria um ídolo em qualquer outro país. A vida é mesmo ...• - •
tê ...lo prejudicado, e, com isso, salvou a sua obra genial para o CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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E os instrumentos mais antigos e os atuais vieram sõzinhos E veio o anônimo José - e agora? - botado numa qua ...
- o caracaxá, agreste mas enternecido, marcando ritmo, a caba... drilha caipira.
ça, o oficleide, o bandolim. •
Enquanto a embolada do maestro intima freneticamente :
E o tamborim, o pistom, o cavaquinho, a harpa, o majestoso <<Junta povo pra brincar junta povo pra brincar junta povo pra
caxambu dos moçambiques, a celesta, o desaparecido camisão, qual brincar>>.
mais apurado, agradecido e comemorativo.
E vieram as Sinfônicas de Boston, Filadélfia, Nova York,
E a flauta veio dialogando com a clarineta, na doçura do Paris, Viena, Amesterdã, sob o fascínio da batuta malcriada e
<<Choros n9 2>>, como observou a um lado Eurico Nogueira França, -'
amazontca.
que tudo ouvia e aprovava. •
elementos velhos, vieram agradecer o oratório de <<Vidapura >> e o Glória a meu filho de estimação Heitor Villa...Lobos, que
<<Rudepoema>>. E quarenta. mil meninos e meninas formando uma espalhou minha música à face da terra.
'
voz única no estádio do Vasco é o maior ! ao gesto brusco,
daquele que lhes ensinou a comunhão do canto.
E a gurizada pelo Brasil a dentro, que ficava cantando de
roda na calçada as eternas cantigas que êle afeiçoou e fixou
capelinha de melão; o cravo brigou com a rosa; laranjeira peque-
nina ; meu pai amarrou meus olhos.
•
Ou que adormecera ao acalanto pernambucano de João Cam ....
buête.
E a gatinha parda, e os Escravos de Job, todo reverentes.
•
E vieram os macumbeiros com seus pontos e esquinas mágicas,.
seu Xangô e sua marola do mar, marolando. •
•
Mas você é um monstro, quem que pode com você ? As
vêzes você nos embriaga com o simples e puro movimento sonoro
do conjunto, para lá do ritmo .
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HOMENAGEM A VILLA-LOBOS
*)
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CARLOS DOS SANTOS VERA (
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( *) Palavras proferidas na Rádio Mt1nicipal de Buenos Aires no dia 5 de
março de 1966.
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Outra vez, em meu escritório da direção do Teatro Colón, coisas que nos deslumbram em Villa-Lobos e que comentáramos
,em amável conversa com Talamón, crítico da «Prensa», e um de com admiração e, também, com suprêsa, como Fanelli, Pessina,
.seus diletos amigos, declarava : Napolitano, Morpugo, Sebastian, Mazzei, Spátolo, Gambuzzi,
Gamberale, Wisinger, Svetleff, que foram intérpretes do programa
<<Iniciei na pequena orquestra de um cinema, dirigida por um
de sua apresentação em Buenos Aires.
·pianista que não possuía outro mérito senão ser amigo do empre-
.sário. A primeira vez que peguei o violoncelo, vi meu pai refle- Anos depois, em 1935, firmada nossa amizade, ao regressar
tido na partitura aberta, na estante. Essa noite senti-o · junto a Villa-Lobos à Argentina, presidindo a embaixada artística, que·
mim. Estava-me submetendo a exame dos conhecimentos que me· integrou a comitiva oficial do Dr. Getúlio Vargas, então presidente-
-infundiu. Meu pai, alimentou esta paixão intensa pela música do Brasil, reatamos êsse diálogo. Diálogo aberto e generoso em
que me eleva e me consome. Meu sonho, o violoncelo, o clari- recordações • . . De confidências . . . De afeto.
nete e outros instrumentos). . . Calou-se, de súbito, e olhou-me Foi, do bom amigo, entregando-me pedaços de sua alma~
,com brilho estranho, deixando cair uma confissão : <<essa pai- Escuto, assim, sua voz emocionada ao falar do Maestro Braga,
xão que é o legado de meu pai a defenderam os pássaros desde seu compatriota, que formulou um requerimento a favor de Villa--
a selva>> ... -Lobos, em momentos de angústia e quando a ajuda se fazia mais.
Numa pausa, pareceu-me, de queixa ou de ternura. Ta- urgente que nunca. Ao falar, fechando os olhos, talvez estrei-
tando Braga em seus braços, sentenciou :
'l amón e eu permanecemos em silêncio:
<<Braga foi tão generoso que se esqueceu de si para mos-
<<Sou filho da natureza» continuou Villa-Lobos : <<Sem-
trar-me e exclamar : É artista que nos honra e que honrará tôda
pre senti necessidade de enfrentá-la, de aprofundar-me nela, de
a arte musical».
sondá-la. Abandonei a casa aos 15 anos para aliviar minha in-
quietude que me fêz um passeante noturno, cantando serenatas. / Logo, com voz quase imperceptível, acrescentou : <<Faço tudo-
Viajei muito. Muitíssimo. Andei por todos os rincões de minha que está em mim para cumprir êsse compromisso contraído com
terra fascinante. Escutei os tambores dos índios nas noites cheias o bom Braga>> ...
de mistério. Vivi com os aborígenes, em regiões que quase esça- Escuto, também, sua voz ao falar-me entusiàsticamente de-
pam às cartas geográficas. Andei em canoas primitivas. Conheci Darius Milhaud, adido à Embaixada da França no Rio de Janeiro.
O desconhecido do Amazonas, quando fiz parte de uma expedição Envolveu seu nome em cálidos adjectivos, porém, de repente, de
-científica. Naufraguei várias vêzes e, sempre, salvei meus instru- maneira cortante, manifestou-me : <<Não bebi nessa fonte. Eu fui
•
-mentos mus1ca1s».•
meu próprio mestre>> •..
Outra pausa, que êle encheu agora com risos : Nesse tempo víamo-nos diàriamente. Reuníamo-nos, com pre-
ferência ao entardecer e quando as obrigações nos prejudicavam
<<Salvava os instrumentos>> ... continuou dizendo <<por- a companhia prolongávamos o encontro até a madrugada. Um
que os amarrava em meu corpo. Continuam sendo minhas vís- entardecer chegou à casa e surpreendeu-se ouvindo uma gravação
,ceras». Compreendi, nesse momento, a procedência, a origem do de Rubinstein. Posso reproduzir a cena. Villa-Lobos aproxi-
saber e da côr da obra de Villa-Lobos, de suas canções, corais, mou-se sem pronunciar palavra. Ao terminar a gravação aplau-
peças para piano, de sua música de câmara, de suas suites para diu. Olhei-o surpreendido. Sorriu e- disse-me : <<Rubinstein é:
orquestra e, em especial, de suas cantigas sertanejas. Compreendi meu grande amigo. Foi quem impulsionou o conhecimento da.
a essência de suas danças africanas e, então, descobri muitas das Prole do Bebê> .
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O nome de Rubinstein, naquela ocasião, despertou uma re- Selvas Brasileiras>>. E seguiu falando-me de Paris e do Brasil.
·cordação. Ousei, apenas, interromper seu monólogo, com uma Silenciou para seguir, atentamente, o ensaio. Eu o olhava de sos-
frase breve. E êle desfilou momentos de sua vida. Detalhou-me laio. Via, refletido no seu rosto, a satisfação, a surprêsa, 0 as-
,os resultados dos concertos oficiais de suas obras, por disposição sombro. E alegrava-me muito, muitíssimo, por êsse corpo de baile
do Congresso que votou para êsse fim quarenta mil cruzeiros. A do Colón que, como tantas outras cousas nesse Teatro, havia cres-
concorrência foi escassa. O Presidente da Câmara dos Depu- cido nas minhas preocupações. Ao finalizar o ensaio, enalteceu,
tados, que assistia assiduamente aos concertos, felicitava-o, au- com entusiasmo, a coreografia de Ricardo Nemanoff, e o elogio,
mentando seu entusiasmo, e ao advertir Villa~Lobos que o públi- verdadeiramente espontâneo e sincero, estendeu-se a Borowsky, a
·co era constante às suas obras com ênfase, o reprovou. Dora dei Grande, Blanca Zirmaya, solistas que interpretavam ...
Sua música, querido Maestro, é religião em nosso povo. Aqui, e a todo o corpo de baile.
começaram a desfilar seus admiradores. Já verá como se encherá Reproduzo em minha recordação aquêle grande espetáculo de
êste templo . . . A Villa-Lobos agradava-lhe repetir a fra se d êsse ~ala, com assistência dos Presidentes Justo e Vargas. Nosso
legislador, não para satisfazer sua vaidade, mas para fal ar dos grande Maestro Panizza, depois de dirigir o Hino Nacional Ar-
homens de seu Brasil, que, para êle, era perfume, canto, rasto, gentino, entregou a batuta a Villa-Lobos. Sob essa batuta, a
-.
_pa1xao. canção pátria do Brasil teve inesperado relêvo e o ballet <<Uira-
Eu ia colhendo suas lembranças. Sua conversa, alcançava rpuru>>, por êle mesmo dirigido traduz a alma da selva brasileira.
.sempre contornos de biografia. Descreveu-me, minuciosamente, o Esta batuta tem agora, atributo de troféu. Villa-Lobos presen-
nascimento de suas Sinfonias <<Guerra>> e <<Vitória>>, estreadas por teou-me, com sua assinatura, ao terminar o espetáculo. Entre-
.ocasião da visita, naquela época, do Rei da Bélgica, ao Brasil. gou-me, e olhando fixamente para mim, disse; <<Dou-lhe um pe-
Vibrava, em suas lembranças. Como em sua música . . . Em sua daço grande de minha alma e do Brasil>>. Outra pausa, durante
·palestra, transmitia a febre da criação . . . Falou-me de sua via- algum tempo, fêz-se entre nós. Ingressou em 1946. Também
.,gem a Paris usufruindo uma bôlsa. Risonhamente, narrou-me o nessa ocasião, ao reunirmo-nos, continuava recapitulando sua vida
-espanto de um grupo de notáveis professôres, diante da resposta em seus braços.
.que dera, quando alguém quis indagar com quem preferia estudar. Habitualmente, do Colón fomos à casa. Falava e falava .•.
· Villa-Lobos, com naturalidade, respondeu : Vocês são os que vão Apenas interrompia para tomar goles de café.
·estudar comigo. . . E Villa~Lobos. pausadamente, ao referir-me o
Relatou-me quando em Paris, como compôs seus Choros, sua
episódio, definiu : <<Escandalizaram-se, porém não tardaram em as~
profundamente poética <<Alma Brasileira>>. Falou-me do programa
segurar-se de que havia falado sério. :81es mesmos abriram-me a
que iria dirigir nos seus dois concertos no Colón. Elogiou, sem
grande porta de Paris>> . . . <<E eu incrustei meu Brasil no cora-
limites, a orquestra e o côro. Deteve-se em alguns nomes ...
·ção da França, da Europa>> . . . Dois dias depois, estava junto a
• Destacou os méritos do Maestro Terragnolo .
Villa-Lobos numa poltrona do Colón. Ensaiava-se sua lenda ama-
zônica coreográfica <<Uirapuru>>, que devia ser estreada na função Desta feita prodigalizou com eloqüência sua admiração por
,de gala de 25 de maio. Bach. Falou e falou sem deter-se e quando pronunciei algumas
palavras sôbre o grande Bach, pressurosamente, comentou : <<Ah !
Também nessa oportunidade iam-se desenvolvendo suas me- Também em Bach empreguei-lhe meu Brasil. O testemunho está
•
mórias. Falou-me de Serge Lifar que converteu em ballet êsse em minhas <<Bachianas Brasileiras>>. E falou-me do Coral da
•
poema sinfônico. Falou-me das danças rituais <<Macumba>>. Fa- quarta suite . . . De repente, mudou o curso da conversação. Emo-
Jou-me do poema sinfônico <<Amazonas>> e da lírica <<Saudades das cionado e com _voz penetrante, trouxe à minha presença a cena
•
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9 ...
sôbre as montanhas do Brasil, sua <<Bachianas Brasileiras>> n 8 e ou a arte mágica de ajustar os sons e, seguramente, eu nao me
«Choros>> n9 6. O tema de sempre era sua consagração no Bra..- atreveria intercalar a minha palavra no conjunto das suas frases
sil, as suas criações, a sua paixão inexgotável e transbordante. instrumentais.
Quando terminou seu compromisso com a Orquestra Sinf ô,. Sôbre compositor de moldes tão bizarros que pode dizer, que
nica Nacional, ofereceu ... me a batuta com que havia dirigido os interesse a um público de entendidos, homem, como eu, de todo
• concertos no <<Gran Rex>>. Foi pouco antes de sua partida para leigo em solfa ? É verdade que um dos interpretadores mais pe...
O Brasil. <<Entrego. . lhe disse..-me outro pedaço de minha netrantes da Arte que aqui nos reúne, Camille Mauclair, no pre-
alma e do Brasil>>. Essa foi minha intimidade com Heitor Villa- fácio da obra <<La Religion de La Musique>>, confessando a sua
-Lobos, o grande artista de exceção, que ganhou a presença per- ignorância técnica escreveu :
manente em um Museu no Rio de Janeiro, em que desenvolve •
•
•
notável trabalho, silencioso. porém brilhante, a delegação argenti,..
•
<<Ce livre a été écrit lentement, au cours de plusieurs années, -
na, a cargo do talentoso crítico José Maria Fontova, espírito exa~ ... sous l'impression de nombreux concerts et dans l'intimité de la
çado, designado para êsse cargo pelo Museu Villa ...Lobos do_ 1:f1" musique de chambre, par un poete que ne prétend á d'autre com ..
nistério da Educação e Cultura do Brasil, em 1963, como d1st1n ... petence que celle d'un auditeur passioné>>.
ção pela sua bagagem de musicólogo e qualidades de intelectual. Nas mesmas condições me acho aqui, não como um técnico,
Essa, foi minha intimidade com Heitor Villa..-Lobos. O Com- mas como amador apaixonado; não para criticar, mas para dizer
positor Brasileiro. O Compositor Americano. O C.omposito~ :1n.i- de mim, por mim, o que sinto na Arte rebelde de meu patrício,
versal, que para a arte, não morrerá jamais, pois sua v1venc1a Arte nova e estranha para nós outros, como foi para o século XIV •
e sua eternidade vêm de longe, singular e misteriosamente. Era a de Phillipe de Vitry, tão revolucionário que provocou a bula
um predestinado a não morrer nunca. De regresso ao Brasil era condenatória do Papa João XXII.
como uma sombra ... havia ...se oficiado uma missa por sua alma.
Não sendo botânico ninguém, mais 'do que eu, se enleva nas
Como aquela vez e tampouco agora, Villa..-Lobos caminha en· •
maravilhas da nossa flora luxuriante, tão portentosa no seu arvo ...
tre mortos. É consagrado no seu Brasil, na Argentina e na his-
tória mundial da música. Nas asas do tempo viverá cada vez ( *) Artigo publicado na <<A Gazeta>> em 30/9/25.
mais. Na cal do seu pó está o sangue de sua glória. '
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- redo quão delicada e caprichosa no rendilhamento dos seus arbus- terra virgem. Renuncia a herança dos ·a ntepassados, desiste de
tos e ervagens. Não sendo astrônomo extasio-me na contempla- -
todo o patrimônio artístico, para construir por si, com seu próprio
ção do céu quando, em noites límpidas de verão, todo êle se es.- esfôrço e em terreno conquistado palmo a palmo, a golpes de ta-
trela. Não sendo músico em outra arte não me inspiro tanto lento. Será isso possível ?
'
como nessa que toca o coração e nela desperta as mais suaves A tradição tem raízes tão fartes, tão profundas que não há
emoções. Aqui, porém, não se trata prõpriamente de música. extraí-las florestas ressurgem Daudet dá-nos disso um formoso
Falando ao crítico musical da revista <<Nós Outros>>, de Bue- exemplo, que é um símbolo, no conto <<Wood's Eown>>.
nos Aires, disse Villa-Lobos as palavras que, mais tarde, me re- Os reacionários que por aí andam a bradar contra o passado
petiu, definindo-se : devem meditar o que disse Edelestand du Meril no prefácio da
• obra <<La Comédie Ancienne>> :
<<Não sou músico, sou um artista que se serve dos sons para
exteriorizar a impressão que qualquer episódio da natureza ou da <<Parfois, il est vrai, des· engouements privés, qui se préten-
vida lhe sugira, como empregaria tinta ou mármore se tivesse ap- dent la renommée, investent des grands hommens et leurs jettent
tidão plástica. Para mim a música não é um fim, se não um des couronnes comme dans une représentation à benefice ; mais
meio, um veículo de que me valho para traduzir e transmitir mi.- les gloires excentriques en les trembletements et la durée des feux
nhas emoções, os metts diferentes estados d' alma. Êstes, porém, follets, le ven son public, celui que les critiques appellent le bo11
e aquelas produzem-se por efeito de algum espetáculo que fira a gout, finit toitjours par prevaleir et mantient sa suzeraineté sur
minha sensibilidade, que me excite a imaginação ; um plácido cre- les imaginations >> .
púsculo, um cataclismo, uma dança selvagem . . . Apresentem-me
Os músicos compõem em âmbito demarcado, cingidos por leis
um cozinheiro e, se eu nêle achar qualquer cousa de interêsse,
intransponíveis. Villa-Lobos revolta-se contra regra de tais, não
'descrevê-lo-ei por meio da música».
se lhes submete. Entende, na sua indisciplina. que os sons devem
<<Descrevê-lo-ei>>, diz o artista e, todavia, não admite, que o ondular livres como as vagas no oceano e como murmúrios, as
•
inculquem como descritivo. A arte de Villa-Lobos afigura--se-me, vozes e os sussurros que fazem, na sua d'esorclem, as harmonias
•
por vêzes, disforme ; algumas das suas composições são verdadei" da natureza. Constrangê-los é tirar-ll1es a originalidade ; restrin- 1
ras caricaturas musicais. Êle deforma as melodias procurando gi-los à tabulatura de Beckmesser é l1umilhá-los.
realçar nas mesmas o motivo típico, a nota característica ou ridí- Ver um animal na liberdade da floresta e vê-lo no circo ou
cula. Há acordes que fazem lembrar charges de Ferain ou de no Jardim Zoológico não é a mesma cousa. Um, é o instinto em
Caran d' Ache. tôda a sua independência ; outro é a fôrça refreada. O que Villa-
A caricatura exige um conhecimento perfeito de desenho, -Lobos nos quer dar é o som puro prossigamos na alegoria ;
•
tê-lo-á da harmonia e do contraponto do nosso compositor? é o animal tal qual é, com a sua beleza natural. indômita. com a
sua elasticidade, com o seu vigor e o seu ímpeto. Pode ser belo,
Isso é lá com os técnicos.
• :onvenho, mas não deixa de ser perigoso .
A música de Jules Combarieu é a arte de pensar por 1neio :É certo que, para um caçador de raça, o encanto de uma
•
•
de sons. Parece-me que tal definição explica a maneira de Villa- montaria consiste justamente nos riscos que ela oferece. Eu, po-
-Lobos. rém, e há muitos que pensam comigo que não tenho hábito
• Rebelde, insurge-se contra regras, recusa conselhos, aberra-se de tais caçadas em selvas ou juncais, prefiro ver os beluinos em
•
- dos cânones. Não quer semear em terreno restelhado, mas em jaulas, com o domador ao lado, a encontrar-me com êles na mata
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vir,gem. A culpa é da minha educação imbele. Mas lá por que
.:É:s samba e jongo, chiba e fado; cujos
não cace com André Gerard ou como os rajás não lhes deprecie •
•
lheu com simpatia e, por vêzes, até com entusiasmo. não fizeram
Oponham-se-lhes barreiras e comportas e elas se vingarão saber- '
o mesmo certos mocinhos da grey chamada <<futurista>>, por que
. bas desmantelando-as no tropelão possante do caudal. Em Villa- entenderam que Villa-Lobos os traíra convidando-me para figurar
. . Lobos eu sinto a fôrça dessas torrentes que se despenl1am d'alto. · no programa do seu festival, a mim <<um passadista ferrenho>>.
A sua música ( êle que me permita chamar-lhe assim) está, por
enquanto, férvida, acachoada, revolvendo-se em turbilhão espumo. . Mas será Villa..Lobos futurista? <<Não!>> disse-m'o êle pró.. '
•
so : catadupeja, ruge, atroa desordenadamente. Há de chegar à prio, com energia. Nem futurista, nem passadista.
planície e, remansada e límpida, correrá em rio, cantando doce- <<Eu sou eu !>>
mente, reproduzindo todos os sons da pátria, como as águas es-- O me~mo digo eu e, para que não insistam em arrolar ..me em
pelham as paisagens ribeirinhas realizando em poemas musicais bandos, declaro que não sigo bandeira nem pendões, que não te..
que. por enquanto, são tumultuosos fervedouros. o que o Poeta nho compromissos de escolas, que faço livremente o que entendo,
'descreveu no formoso sonêto <<Tarde>> intitulado : que eu sou eu, enfim, e só ! ou em latim, que é mais grave : Ego
sum qui sum. E tal como sou é que devo e quero ser julgado.
MúSICA BRASILEIRA
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Em requebras e encantos ?e. impureza,
Todo o feitiço do pecado humano
•
Barbará poracê, banzo africano,
•
E soluços de trova portuguêsa . •
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VILLArLOBOS NA INTIMIDADE
• CRISTINA MARISTANY
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NA AMÉRICA LATINA ENTRE DUAS
PARTIDAS DE BILHAR UM AUT:E!NTICO
CARIOCA DEU SUAS CARTAS DE NOBREZA
•
AO FOLCLORE BRASILEIRO ( *)
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•
DENIS KALI LARA
•
' recente ·desaparecimento do compositor brasileiro Heitor Villa-·
-Lobos privou a música latino-americana do mais conhecido de
seus líderes. O mundo, em geral, ignora pràticamente tudo da
Arte Musical da América Latina, que alguns consideram mais,
ibérica do que latina. Mas, muitas vêzes, faz pensar que é ela
•
sobretudo americana. Americana, compreendamos, na acepção·
continental e não em relação ao País no qual tremula a bandeira
norte-americana .
..
Por que se é tão pouco informado sôbre o que se passa.
na América Latina, no domínio da música ? Hoje, a situação é
um pouco melhor, mas, l1á ainda, assim mesmo, muito vazio nas·
informações correntes. A culpa não é inteiramente indiferença do
mundo exterior: a América Latina parece ela própria desconhe-·
cer-se e os meios de informações que ela oferece são parcos e·
discutíveis. Cada uma das repúblicas é estranha ao seu vizinho,
•
•
58 59
'
:sitores que formam individualidades brilhantes no seio de uma bem. Trabalhadores forçados sem parecer que o são, ninguém os ,
certa elite da sociedade. toma a sério, nem tampouco êles mesmos vivem desordenados,
:Êste grupo oligárquico, talhado da massa negro-indígena en- brigam, gracejam e, no entanto, tudo se faz como que por milagre.
volve um modo de pensar quase exclusivamente ibérico, tal a plu- Vejam os nosso compositor: êle passava horas ao bilhar cada
r,alidade de <<Saudades>> que sai da pena de alguns, <<Saudades noite ; para dirigir seus imensos corais de escolares, vestia 11ma
das Selvas Brasileiras>>, de Villa-Lobos ( Saudades do Brasil) · espécie de blusa carnavalesca, de côres berrantes ; se um jorna-
,0 vocábulo <<saudade>>. em português, quer dizer- «mal do lista pediá-ll1e uma entrevista, dizia coisas que cl1ocavam as pes-
país>>, sofrimento causado pela ausência dos sêres amados, o aEa@- .soàs circunspectas, irritando-as . . . mas vejamos sua obra : esta
tamento do lugar on'Ele vivemos. Estas tristes tendências evoluem obra imensa, verdadeira produção diluviana ( comparável ao de seu
particularmente nos portuguêses e brasileiros. amigo Darius Milhaud) da qual alguém jamais conseguiu orga-
nizar um catálogo verdadeiro, sendo o compositor o último a sa-
Dentre os compositores latino-americanos há três que são
ber o que produzia e onde se encontravam certos de seus originais.
mais conhecidos no estrangeiro e todos três gozam de grande
Ao lado dêste esfôrço muito real acrescentemos as longas horas
prestígio em seus próprios países : Villa-Lobos, do Brasil, doze
de trabalho passadas no escritório, redigindo regulamentos, rela-
.anos mais velho que seus dois confrades : Carlos Chaves, do Mé-
tórios, assinando papéis,, consagrando tesouros de energia à im-
xico, e Domingos Santa Cruz, do Chile. , Três contemporâneos, o
plantação de canto coral nas escolas do Brasil.
que não surpreende quando se trata de países novos. •
Contraditório, abundante, e no entanto mestre incomparável
Comecemos a falar de Villa-Lobos. :ê:le foi muito conhecido da miniatura musical êle é a incarnação mesma da alma de seu
,dos franceses, êste <<velho leão de olhos de fogo>> como dizia povo, o reflexo fiel desta terra do Brasil que êle sempre amou
Florent Schmitt e que desde a ch!!gada do inverno encontrava~se com ares enfarruscados. Escutando sua música e conhecendo-se
em Paris, rodeado de suas partituras, mordendo a ponta de um o Brasil tem-se a sensação de penetrar fundo no pensamento
volumoso charuto que nêle completava o homem. Dotado, com de Schopenhauer, quando o filósofo afirma que o compositor nos
O cérebro, de um verdadeiro braseiro, crepitando continuamente revela a essência íntima do mundo ; êle é o intérprete da sabedoria
em viagem, como num quarto de hotel, comendo, palestrando mais profunda e numa língua que sua razão não compreende.
,com amigos esquemas ritmicos, linhas melódicas e acordes sô- Há uma inconsciência do gênio e Villa-Lobos a possui plena-
bre as grandes páginas de partituras, qµase sempre sem uma ra- mente, ela é sua grande fôrça. Tomemos por exemplo sua atitu-
sura. :8le tornou-se, com a idade, um senhor muito respeitável, de a respeito do folclore. Villa-Lobos empregou-o grandemente
membro correspondente do Instituto de França, Comendador da em sua música. Mas para êle o canto popular não é de modo
Legião de Honra. Quão diferente, afinal, do jovem Dionysios .a lgum um elemento de pesquisa, de observação e de adaptação.
,que habitara um pequeno apartamento na Place S~int-Michel, nos Nisso êle é diferente de um Bartok e não tem a posição de um
anos heróicos do decênio de 1920. Brailoiu, compositor e etno-musicólogo de renome, que deu ao fol-
·c lore internacional suas cartas de nobreza. Não, Villa-Lobos em-
Nascido em 1887 no Rio de Janeiro, Villa-Lobos foi tipi-
bora não o dissesse sempre, para não irritar seus amigos, no seu
camente um <<carioca>>, isto é, um habitante desta cidade. É uma
íntimo, êle caçoava dos musicólogos e dos folcloristas. Para êle,
.raça especial que muitas vêzes nem os estrangeiros nem os que era o faro, era a intuição que contava. O que êle escreveu du-
•
·V'êm de outras latitudes do Brasil chegam a compreendê-la muito rante a vida do saudoso compositor cubano Amadeo Roldan :
•
•
60
h
«Roldan, dizia ê1e, con ece O Verdade iro caminho. Não podia
·ter melhor orientação, como músico americano que é. Brevemente
êle chégará à fase da criação onde se diz : o folclore sou eu e _onde
se produz melodias mais autênticas ~ind_:1 do que as que existem
concebendo-as na sua própria imag1naçao>> , APERTAMOS A MÃO DE HEITOR VILLA-LOBOS (*)
Ouvindo-se seus <<Choros>> ou suas <<Bachianas · Brasile_ira~»
•
•
torna-se mais fácil seguir o fio de seu pensamento sôbre a cr1açao EDMUNDO Lvs
subjetiva dos motivos folclóricos. .
STAMOS hoj e apertando a mão, e muito cordialmente, ao in-
signe brasileiro Heitor Villa-Lobos, pelos gloriosos setenta anos
que acaba de completar. Setenta anos de gênio, coroado de lou-
ros, tão justamente merecidos pelo eminente artista que tanto tem
feito pela música e pela grandeza do Brasil.
Villa-Lobos foi, pode-se dizer, o renovador da música brasi-
leira, desde os seus inícios : recorrendo ao abundante material
folclórico, às reservas afro-brasileiras, ao estoque ameríndio, o
grande Villa-Lobos repetiu o episódio do bandeirismo revelando
o Brasil aos brasileiros, um mundo verde e assombroso como o dos
Borba Gato e dos Fernão Dias, abundante de riquezas inespera-
das, consoante de pedrarias, fulgindo o seu ouro de lei nos mila-
gres do pentagrama.
Na música de Villa-Lobos, no novecentos, como na música
1
de. Carlos Gomes, no século XIX, cantaram novas vozes, canta-
• ram novas harmonias nativas .
O campineiro nos dera no <<Guarani>> as primícias do india-
• nismo romântico. Aparecendo no século XX, quando a ópera era
já um gênero superado, Villa-Lobos redescobriu os índios no <<Ui- •
• •
• •
•
• 62 - • •
CARTA A VILLA-LOBOS
tempo. Como as grandes organizações de artistas. Villa-Lobos
nada perdeu de seu poderoso talento criador. Ainda agora, êle
.'
vem de ter nova consagração, nos Estados Unidos. E os mesmos ELEAZAR DE CARVALHO
jornais que anunciam sua idade provecta, recortam da imprensa
americana os louvores unânimes que se derramam sôbre a bela
cabeça do eminente artista nosso.
ANGLEWOOD, Lenox - 20 de julho de 1946.
Entre as suas glórias, que são muitas, das maiores já con-
quistadas por um músico, em qualquer época, em qualquer país
Meu caro Mestre, Maestro Villa-Lobos.
conta Villa-Lobos a de nos ter ensinado o Hino Nacional.
Por mais estranho que o pareça, até Villa-Lobos, o Hino Brasi-
Era meu desejo escrever-ll1e uma longa carta de agradeci-
leiro, o Cântico da Pátria essa página de béleza e de civismo,
música de nossas canções, primeira lição patriótica de nossa ju- mento pela sua gentileza que teve em prestar-me o gra11de obsé·
ventude era entoada erradamente, mal cantada pelos coros mar- guio já do conhecimento de todos, quando recebi a sua distinta
ciais e juvenis. Assim, a tôdas as grandezas de seu gênio, às missiva, acompanhada de uma outra para Mrs. Urban, da A sso-
numerosas lições que sua arte nos ensinou Villa-Lobos nos ciated Music Publishers.
aprendeu também essa, que a Pátria lhe agradece, entre tantos
Realmente, Maestro Villa-Lobos, foi devido à sua intervenção
agradecimentos que lhe deve e que lhe faz, com orgulho do filho
que eu pude ter a oportunidade de demonstrar ao seu amigo,
dileto. Maestro Koussevitzky os poucos conhecimentos que possuía da
Ao Maestro Heitor Villa-Lobos, pois, aqui deixamos hoje, difícil arte de reger orquestra. Sem ela, eu teria que esperar mais
com a alegria de tê-lo conosco, com a vaidade que êle nós dá, da um ano e, talvez, não tivesse a mesma consideração que e~tou
terra e da raça, do Brasil aqui deixamos nosso afetivo apêrto tendo agora. Não poderei, portanto, Maestro Villa~Lobos, jamais
de mão, com a honra de estreitar a destra que escreveu tantas esquecer o seu gesto, a sua bondade, o seu desprendimento, o seu
das mais belas páginas de música de nosso tempo. altruísmo.
É sôbre isto que desejava lhe escrever. É sôbre êsse assunto
que lhe estou escrevendo. Muito obrigado, Maestro Villa-Lobos .
•
Muitíssimo obrigado.
_ Estou envergonhado, é verdade, de, sendo seu compatriota ,
nao ter penetrado no valor de sua obra, precisando vir a um país
estrangeiro, para fazer côro com a unânime opinião de todos.
-
•
-64-
·d a d e . E n t r e os professôres d a o
r q u e s tr a d e Boston, o s e u p r e s ti -
gio é, realmente, sólido. E note,..s
e q u e o maior crítico d o r e g e n te
é a o r q u e s tr a .
.
P o b r e d e nós, q u a n d o queríamos
emitir u m a opinião s ô b r e o
~eu tr a b a lh o ! A g o r a é que vimo
s a realidade, é q u e verificamos V I I ,L A ...L.OBOS, M A G I A M U S I
,q u a n t o ridículo fizemos em n ã o c o CAL
o p e r a r todos ju n to s , p a r a t o m a r
mais forte a única fôrça viva que
possuímos : <<you>>.
E m c a r t a q u e escrevi a o Brasil, dis E L S A CALCAGNO
se q u e to d o s os brasileiros
'deveriam v ir aos E s t a d o s U n i d o s
p a r a v e r d u a s coisas : a s e s t r a -
d a s e verificar como o Brasil é v
alorizado a tr a v é s d a r e s p e it a d a
p e r s o n a li d a d e d e V il la...Lobos. ...... o u fervorosa a d m ir a d o r a d a mú
sica brasileira, d e s d e s u a s o r i-
E s t o u muitíssimo orgulhoso de te r ginais melodias populares a t é a s e
merecido êsse especial fa- levadas concepções d o s g r a n d e s
vor, e quero que O senhor fique c compositores dêsse imenso país :
onvicto d e q u e te_rá e te r n a m e n te Nepomuceno, B r a g a , T a v a r e s ,
.-a m in h a g r a ti d ã o , o meu resp
eito, a minl1a admiraçao. C a m a r g o Guarnieri, Lorenzo F e r n
a n d e z e R a d a m é s G n a ta li , e n t r e
N e s s a o p o r tu n id a d e peço a p r e s e n o u tr o s e, especialmente, d e H . Vi1
ta r à E x m a . Família a s mi .. 1a ... Lobos, a quem tive a h o n r a
.n h a s homenagens e receba o muit d e conhecer e a s s is ti r a q u i em m
o reconhecido abraço. in h a p á t r i a .
'V i l l a ... Lobos levou seu país a o a
p o g e u universal d a c u lt u r a
( a .) Eleazar de Carvalho. musical, p o r q u e é um a r ti s ta que
• u n e à solidez e complexidade d e
s u a técnica, um a p a ix o n a d o e com
unicativo temperamento, de fun-
d a e x p r e s s ã o e in te n s o clímax : ta
l como essa t e r r a maravilhosa
o n d e n a s c e u e c a n to u com lingua
gem e le v a d a . D iá r ia m e n te e s -
c u to V il la... Lobos, pois s u a s obra
s figuram p e r m a n e n te m e n te nos
p r o g r a m a s d e nossos concertos púb
licos e radiofônicos.
A t r a v é s d e o b r a s d e diversos gên
eros : sinfonias, d e c â m a r a ,
vocais, in s tr u m e n ta is e corais, s u a
inexgotável in s p ir a ç ã o falam ... me
'd e s e u maravilhoso país n a plenit
ude d e s u a beleza e n a p u ja n ç a
d e s u a s g r a n d e s cidades, d e s u a
• s selvas, e de s u a s m o n ta n h a s .
D ê s s e Brasil que e s tá sempre em
meu coração e q u e V i l l a...Lobos
e x a lt o u com s u a técnica d e hábil c
r ia d o r e o e n c a n to d e s u a s sen-
timentais melodias . . . m a r c a n d o a
n o b r e z a d e seu povo e d e s u a
r a ç a ; s u a s dôres, s e u s amores e
s u a s inquietudes. O p r e s s e n ti r
d e u m a t e r r a p r ó d ig a em majesto
sos p a n o r a m a s q u e do a lt o do
C o r c o v a d o o R e d e n to r p r o te g e e
abençoa. V il la ...Lobos e s tá a í
sempre presente, com t ô d a a mag'i
• a de s u a espiritualidade.
'
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'• O QUE FOI A SEMANA DE ARTE MODERNA EM SAO
PAULO COMO ENTROU EM SAO PAULO A MúSICA
• DE VILLA... LOBOS O PúBLICO PAULISTA DEPOIS DE
PATEAR GRAÇA ARANHA APLAUDE VILLA...LOBOS (*)
(Especial para «A Província»)
ERNANI BRAGA
o advogado do nôvo credo. A sua oração inaugural ia sendo Chiaf farelli, para um grupo de discípulas suas e convidados.
atentamente seguida pelo público que enchia o Municipal da Pau~ VillarLobos estava presente. Quando eu acabei, êle se levantou,
licéia. De vez em quando um sorriso, até alguns aplausos. E de olhos arregalados, e declarou energicamente no meio da sala
Graça• Aranha foi demolindo, um após outro, os ídolos antigos. que aquilo que eu tocara 11ão era dêle.
Bach, Beethoven, Wagner, todos êsses grandes gigantes foram
. caindo sucessivamente. O público ia se divertindo com a demoli~• Com pedal e sem pedal
ção e achando engraçado o demolidor. Mas quando êle, icono~
Foi um, sucesso. Expliquei, então, aos ouvintes que O autor
clasta irreverente, levantou a mão sacrílega para derrubar o ídolo
Carlos _Gomes, foi a conta. Que Graça Aranha pusesse abaixo exigi_ª; .clu.r ante a peça, e principalmente no final, um pedal contí~
•
o semi~deus dos Oratórios e o das Sinfonias e o da Tetralogia, n_uo q~e me parecia insuportàvelmente cacofônico. Chiaf farelli pe~
d1u <<bis>> para a <<Fiandeira >>, com o pedal do autor. Fiz a vontade
estava muito direito. Era ttma brincadeira inocente. Mas bulir
ao velho mestre. E todos pareceram muito contentes com a caco~
com o pai de Guarani, paulista ali de Campinas! Não <<seu >>
fonia, inclusive Villa~Lobos que me abraçou entusiasmado. Só
Graça Aranha, isso era desafôro, e merecia castigo. Foi uma
quem não gostou foi ·Chiaffarelli. Tomourme a um canto, e me
vaia tremenda, formidável, uma cousa do outro mundo, um ba~
aconselhou : use o pedal como da primeira vez : o Villa não
rulho de todos os infer11os. Ninguém mais se entendia. A muito ' . .
e pianista; você é quem está com a razão. Pois bem, quando no
custo o tumulto foi, aos poucos, serenando. Consta que houve
intervenção da polícia pé;lra conter os exaltados das galerias. E m~io da_ ~erturbação em que eu estava pelos incidentes daquela
noite fatid1ca, chegou o momento da <<Fiandeira>> , fiquei sem saber
foi nessa atmosfera efervescente que a música de Villa~Lobos fêz
o que devia fazer. Com pedal ou sem pedal? VillarLobos ou
a sua entrada em São Paulo.
Chiaffarelli? Segttindo o conselho do 'mestre acatado podia pro~
Depois de patear Graça Aranlia, o público aplaude Villa~Lobos vo~ar um protesto do autor, e desta vez diante de um público já
meio zangado. Ataquei a peça litigiosa em plena turbação de sen~
É preciso assinalar que o público paulista se revelou, nessa tidos. E reduzira à quarta parte, porque me perdi no meio, e me
circunstância, perfeitamente educado, e de um cavalheirismo ir~ achei, sem saber como, na última página. Q , auditório gostou
repreensível. Depois de sufocar com a sua pateada o discurso de daquela peça tão viva, tão extravagante, e . . . tão curtinl1a. Por
Graça . Aranha e os protestos de Menotti, de Mário, de Ronald, isso aplaudiu muito, não dando tempo a VillarLobos de protestar.
ôe Oswaldo, recebeu com palmas Villa~Lobos e seus intérpretes Chiaffarelli depois me felicitou por eu ter encontrado a fórmula
- quando entraram em cena. Mas todos nós, Paulina d'Ambro~ exata de resolver o problema. Além de mestre admirável de arte
sio, Alfredo Gomes, Frederico Nascimento, Frutuoso Lima, e eu pianística, era Chiaffarelli sutilíssimo na arte da ironia. •
estávamos contrafeitos e nervosos. Paulina tremia de emoção, de Em Paris, cercado de homenagens, bafejado pela celebridade,
mêdo, e ao terminar desatou numa crise de lágrimas. Frederico Villa~Lobos talvez se lembre, de vez em quando, cheio de bom
Nascimento, o Pequenino, artista de alma e boêmio de coração, humor agora, dos espinhos da Semana de Arte Moderna.
ouvindo uma risada enquanto êle cantava, desafiou o homem que
ria para vir brigar com êle no palco.
Quanto a mim, não sabia bem o que estava fazendo. Lem~
bro~me que tinha de tocar a <<Fiandeira>> de VillarLobos, entre
muitas outras cousas. Dias antes executara essa peça, que era
a mais recente do meu querido amigo, em casa do professor Luiz
•
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•
VILLA-LOBOS
.• • EUGENE ÜRMANDY ( *)
•
mundo sõmente, uma ou duas vêzes pode constatar, numa ge-
ração, um g,ênio espontâneo e original de criação musical .
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•
•
VILLA-LOBOS
'
portentosa torrente de fôrça criadora que constitui a bagagem.
de Villa-Lobos é bem um sinal de gênio. O conjunto de suas
•
composições representa um legado mais vasto do que o de qual-
•
quer outro mestre contemporâneo .
A grande fertilidade, de fato, não· caracteriza a atividade
criadora musical do nosso tempo. Pela sua extrema fecundidade,
Villa-Lobos se assemelha às grandes figuras do classicismo. Êsse
paralelo, que sob outros aspectos resultará chocante, pois Villa-
• -Lobos foi um artista por excelência anticlássico, faz-se legítimo
porque, quanto à espontaneidade criadora, os extremos se tocam.
Temos, de um lado, .artistas que, embora enriquecendo a cada
momento a forma, empregam uma estrutura prevista. Essa ati-
tude estética já condiciona o fluxo natural e generoso de idéias.
Com Villa-Lobos deparamos, ao revés, como ponto de partida da
sua música, uma livre e segura despreocupação pelo problema
formal. Essa atitude estética, mais ainda, condiciona a exuberân-
cia da inventiva, e é traço peculiar de Villa-Lobos.
Em matéria de prodigalidade criadora, de prolificidade genial,
ninguém vence, nos tempos modernos o grande mestre patrício.
Todos os gêneros de concêrto são vultosamente contemplados e,
só no âmbito da música de câmara, cujas dimensões são vastíssi-
•
mas, há dezessete Quartetos de Cordas! Hoje ouviremos o 15Q e
o 17°. E então temos de reconhecer no trato de formas essenciais
da música que embora uma forma das mais complexas e brote a .
música inteira do inconsciente de Villa-Lobos, com a pujança, a .
• •
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-74-
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76 - 77 -
revolucionárias no ensino musical em nosso país. Grande anima~ neiro ; Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico ;
dor e condutor do canto orfeônico. Delegado da UNESCO; agraciado recentemente com a Ordem do
Estêve várias vêzes na Europa e viaja anualmente para os Cruzeiro do Sul, pelos relevantes serviços prestados à música bra-
sileira. ·
Estados Unidos, regendo as maiores e mais famosas orquestras
sinfônicas do Velho e Nôvo Mundo. Finalmente, no dia 25 do corrente, Villa-Lobos tornou-se,
O <<New York Times>>, em editorial publicado em princípios também, cidadão paulistano, graças ao título que lhe foi solene-
de março último, afirma o seguinte : <((Heitor Villa-Lobos. o mais mente .conferido pela Câmara Municipal de São Paulo.
famoso compositor brasileiro e um e.los músicos verdadeiramente
distintos de nosso tempo, completará 70 anos esta semana. Sua
energia e seu entusiasmo não decaíram e o seu poder criador con-
tinua em ascensão. :Êle seria uma figura notável em qualquer
época ; em sua própria época êle é uma personalidade enormemente
influente, conduzindo o seu próprio povo a um espraiamento de
sua cultura e ao redescobrimento de suas raízes musicais>>.
No dia 4 do mesmo mês, Villa-Lobos foi homenageado pela
Municipalidade de New York, a qual lhe conferiu a sua mais alta
•
honraria : <<Citação por Serviços Meritórios e Excepcionais>>.
t
•
•
• •
•
• • VILLA-LOBOS
•
•
80 - 81
uso pessoal, partituras e quaisquer outros documentos>>. nico, deverão ser expostas as partituras do maestro e instalada ••
O grande compositor brasileiro merece indiscutivelmente, tô- uma biblioteca musical especializada sôbre educação musical.
. das a s homenagens, pelos relevantes serviços que prestou ao País, Outrossim, o Govêrno Federal deveria promover a publicação
realizando, como bem salienta o ilustre autor do projeto, <<uma •
dos seus trabalhos musicais, em edição oficial e, ainda, adquirir
obra ímpar pela originalidade nos domínios da educação das mas- suas obras para ampla divulgação a bibliotecas e a estabelecimen-
sas, imprimindo características singulares ao aperfeiçoamento e, so- tos de ensino especializados.
bretudo, ao conhecimento e divulgação da música, com a cr1açao
. -
Parece-nos, ainda, que, como homenagem a Villa-Lobos seria
,do orfeão de professôres como um meio de coordenar sensibilida- oportuna a criação de um Corpo Coral no Conservatório Nacional
des, reunindo crianças escolares e despertando nelas o gôsto pela de Canto Orfeônico, atendendo à proposta oferecida pelo maestro
.
'
musica>>. ao Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura, em agôsto de 1955
O seu trabalho não ficou limitado ao âmbito nacional, pois e em setembro corrente, ressaltando a importância da sua criação,
que levou ao exterior aspectos do folclore do nosso paí_s, através nos seguintes têrmos :
das suas magníficas composições e, ainda, regendo conJuntos or- ,
<<Desde a criação do Conservatório Nacional 'd e
questrais de inúmera s nações do mundo.
Canto Orfeônico, que vimos procurando incentivar a
Na direção do Conservatório N acional de Canto O rfeônico, arte superior do Canto Coral, além das suas próprias
O maestro Villa-Lobos prestou e vem prestando os mais relevantes finalidades pedagógicas de formação de Professor de
serviços no que se ref ere à educação musical da nossa juventude,
Canto Orfeônico, que é o ensino social pela música em
através do canto orfeônico, prática educativa obrigatória nos esta ...
razão de considerarmos que o Canto Coral proporciona
belecimentos de grau médio.
o levantamento do nível artístico num convívio coletivo,
Aproxima-se o maestro Villa-Lobos da idade de 70 anos, mo- aperfeiçoando o senso de apuração de bom gôsto, bem
tivo pelo qual terá, na forma da legislação vigente, de se afastar como despertando o amor mais profundo pela arte, múJ
do Serviço P úblico F ederal. No ensejo de seu afastamento do
sica séria e o interêsse pelas realizações artísticas .
.Serviço Público, o Govêrno F ederal n ão pode, a n osso ver, deixar
de tributar ao ilustre e operoso maestro homenagens que traduzam . Comumente somos solicitados oficial ou extra oficia}...
•
mente para participarmos com os elementos escolares em
O seu reconhecimento pelo quanto contribuiu para a educação da
nossa juventude. festividades ou solenidades, e que em virtude de acúmulo
dos trabalhos escolares não temos meios para atender a
A criação de um Museu, como pretende a proposição, seria
essas solicitações.
uma homenagem digna. Medidas objetivas, no entanto, deveriar:1
ser tomadas para melhor expressar o reconhecimento do E stado a A vista do exposto, tomo a liberdade de propor a
,obra de Villa-Lobos. V. Exa. seja criado neste Conservatório um Corpo Coral
'
•
•
permanente, composto, no mínimo, de 40 elementos pro-
Art. 49 Fica criado, no Conservatório Nacional 'd e Canto
' • fissionais, a ser~m admitidos mediante prova de seleção.
Orfeônico, o Corpo Coral Villa-Lobos.
Caso a proposta ora apresentada vier a merecer a Art. 59 O Ministério da Educação e Cultura deverá baixar
aprovação de V. Exa., ficaremos capacitados para aten- as instruções necessárias para o cumprimento do que estabelece o
•
der às solicitações, bem como para propagar e difundir artigo anterior .
a música sacra e outras de alta importância, de música
erudita>>. Art. 69 Como reconhecimento aos serviços prestados à mú-
sica brasileira pelo maestro Villa-Lobos, ficam concedidos pro-
ventos integrais, por ocasião de sua aposentadoria compulsória
Essa proposta que mereceu plena aprovação do Exmo. Se-
no cargo de Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeô-
• nhor Ministro da Educação e Cultura poderia, agora, ser efetivada,
nico do Ministério da Educação e Cultura .
com a criação do Corpo Coral, com o nome do consagrado maestro.
Art. 79 Para atender às despesas com o Corpo Coral Villa-
Finalmente, ponderamos que, por ocasião de sua aposentado-
-Lobos a lei orçamentária deverá destinar· ao Conservatório Na-
• ria compulsória, como Diretor do Conservatório Nacional de Canto
cional de Canto Orf eônico a dotação anual de Cr$ 1 . 000. 000.
Orfeônico, o maestro Villa-Lobos terá direito, apenas, a proventos 0
Art. 8. Para atender às despesas a que se referem os arti-
proporcionais ao tempo de serviço público que possui. Como prê-
mio aos serviços prestados à Música Brasileira, mereceria o maes- gos 19, 29 e 39 da presente lei, fica o Poder Executivo autorizado
a abrir crédito especial de Cr$ 1 . 000. 000.
tro Villa-Lobos, no nosso entender, a aposentadoria com proventos
integrais, homenagem que também sugerimos na oportunidade que Art 99 Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação,
se apresenta. revogadas as disposições em contrário>>.
Tendo em vista essas considerações, tomamos a liberdade de A idéia da criação do Museu Villa~Lobos ficou, no entanto,
• lançada. .
lembrar o oferecimento do seguinte substitutivo ao projeto de lei
• em aprêço : E, após a morte do grande compositor brasileiro, o então Mi-
nistro Clovis Salgado sugeria a instituição do Museu, registrando
<<Ü Congresso Nacional decreta: na proposta, quando se referiu a Villa-Lobos :
•
Art. 19 Fica o Ministério da Educação e Cultura autorizado <<Se é verdade que a sobrevivência dessa obra está
a instalalar, no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, uma no seu próprio mérito, não nos esqueçamos, porém, de
sala especial denominada <<Sala Villa-Lobos>>, com uma exposição que nos cabe, contemporâneos do genial compositor, acau-
permanente das partituras daquele maestro e de obras especializa- telar a preservação do seu acervo musical>>.
das sôbre educação musical.
E, referindo-se ao Museu Villa-Lobos, a ser criado, a pro-
•
Art. 29 O· Ministério da Educação e Cultura fica autorizado posta ministerial dizia das suas finalidades :
a promover, em edição oficial, a publicação das partituras do maes.-
tro Villa.-Lobos, para divulgação no país e no estrangeiro. <<E:sse órgão, com tôdas as características dos Mu-
Art. 39 O Ministério da Educação e Cultura está autorizado seus, teria, ainda, como finalidade, contribuir, sob a ins-
a adquirir obras musicais do maestro Villa-Lobos, para ampla di- piração do seu patrono, para a caracterização e prestígio
vulgação a bibliotecas e a estabelecimentos de ensino especiali- da arte musical brasileira. Seria, afinal, o núcleo de um
zados. Instituto de Musicologia, de cuja falta já se ressente o
nosso ambiente cultural>> .
•
•
•
81-
•
•
Os destinos dêstes dois abnegados da ciência e da arte, cru...
•
zam ... se de tal forma que chegam a ter semelhanças na luta pela
realidade profissional das suas funções, no combate aos misti...
ficadores.
• (•
•
•
86 -
•
•
O médico, por exemplo, ao terminar seus estudos, quando lhe • •
"
'
88 - 89 -
•
.
'
Tudo é uma questão de educação realizar o que sõmente seria possível em vários anos, se não fôs ...
também os terão para musica.
e de método. sem empregados exercícios prévios, para melhor sentir consciente..
• mente a música.
O mais importante e o primeiro ensinamento que a criança
'd eve adquirir é a Consciência do Ritmo. Nos citados processos de orientação de ensino de música e:
canto orfeônico do Guia Prático, o fato de se tornar necessária a
Esta lição se deve realizar sem a intervenção de som algum.
implantação metronômica e o desenvolvimento mecânico das fun,..
senão com golpes marcados e ajustados a um ritmo determinado ções do Ritmo, do Som, do Timbre, da Dinâmica, do Intervalo e do
pelo metrônomo, ·empregado da seguinte maneira : primeiro, um só Acorde, a qualquer pessoa que se destina a estudar a arte dos sons,
golpe para cada um dos movimentos do metrônomo, até que te-
é porque sendo a música uma arte que se baseia em fundamentos.
nham compreendido perfeitamente o que é o que significa a Uni- •
cios destinados a formar a Consciência do Timbre, por meio da c1as de Criações Musicais ( composições rudimentares) embora não
prática dos sons com . diferentes vogais para depois adquirir-se a seja dotado do fogo sagrado da arte.
Consciência Dinâmica, mediante exercícios de entoação, emitin,.. . Os conhecimentos musicais, para serem justificados numa ca-
do,..se um som só, através todos os matizes, do Crescendo ao Di- deira especializada de qualquer universidade, deverão basear..se
minuendo. nos princípios : do indiferente para o consciente e do consciente-
Ainda se obterá a Consciência do Intervalo com exercícios para o subconsciente.
•
de vocalismo, de escalas e arpejos, podendo também ser feito por Eis para o que se destina o Guia Prático.
intermédio do Monossolfa Desenvolvido e, finalmente, a Consciên.c. •
preferência.
.
• •
•
•
•
HEITOR VILLA-LOBOS
EVEMOS fazer uma arte bem brasileira que seja sómente com-
preendida pelos brasileiros que vivem eternamente no seu país,
como prova intransigente de nacionalismo. ou devemos criar uma
arte original, calcada nos elementos materiais, físicos, psíquicos e
fisiológicos existentes no nosso litoral para ser universalizada, ou
melhor, para ser compreendida e apreciada pelo estrangeiro ?
•
Se apelarmos para o primeiro ponto, perguntarei para que
servem e têm servido, finalmente, em tôdas as épocas e nações,
as suas respectivas artes, senão para uma espécie de princípio de
intercâmbio entre povos diferentes ? E sómente na razão espiri-
tual das artes com os seus fundamentos misteriosos que melhor
•
se poderá e se pode estabelecer os primeiros contactos das raças
humanas .
•
• Se argumentarmos, então, pelo segundo ponto, creio que an-
daríamos mais perto e mais depressa ; não necessitaríamos da per-
• •
• muta dos conhecimentos dos costumes humanos, e por conseguinte
daremos grande passo para o progresso, razão de ser de claridade
e de vida, na inteligência do Homem.
Não se trata de saber se um pintor ou um escultor conhece
•
1
enfim , se cada intelectual criador ou reformador, seja um erudito
•
•
•
• •
92-
molenga ao julgar os seus patricios que criam originalidades, por ... dado. Se o corpo docente é constituído de elementos cuja men ...
que são filhos de uma raça sem a velha tradição, e, por conse- talidade é formada de conhecimentos práticos e teóricos da vida
guinte, sem exemplos e argumentos para poderem confrontar· social, adquiridos nos importantes centros de várias sociedades es-
•
trangeiras e nacionais, forçosamente a escola terá um ambiente
• •
agradável, embora não seja êste o fator para a educação estética
dos alunos.
É necessário, porém, criar entre os alunos um estímulo maior
•
do que o divertimento constante, fazendo-lhes compreender que a
•
'Vida não se resume, apenas, em prazer, alegria, descanso e indi-
ferentismo. Nas exortações cívicas, é necessário que não se exa...
gere em dizer, insistentemente, que o Brasil e a sua ·gente têm
•
( *) Publicado em novembro de 1941: na revista <<Brasil Musical».
•
tudo de maior e melhor do mundo inteiro, embora fale mais alto
o nosso amor pátrio. Um aluno vivaz e viajado acabará descren...
do dêstes elogios cívicos, quando chegar a refletir e conjecturar
conscientemente o seguinte: <<como é que tudo no Brasil é maior,
com seus quase cinco séculos de existência e mais de um século de
independência, se a maioria do seu povo prefere muitas coisas. MúSICA DE PAPEL, QUE NASCE NO PAPEL
estrangeiras. como sejam, música, dança, pintura, escultura, mo ... E MORRE NO PAPEL
das, certos hábitos etc.? ... >>,
É melhor dizer ...lhes francamente que, para se amar com sin... HEITOR VrLLA ... LoBos
ceridade o Brasil, deve...se conhecer e experimentar ao menos a
cultura e civilização estrangeiras, para controlar a formação da
personalidade nacional. REOCUPANDQ ... ME demais com a vida da atualidade, forçosa ...
Eis porque julgo que o gôsto artístico e a sensibilidade esté... mente não me interessam os homens que nos queiram forçar a .
tica da nossa vida escolar é um tanto descontrolada. Muitas vê ... sentir mais perto o passado que o presente. O passado passou.
zes parece existir a falta de senso do artista predestinado e pro ... Guarda ... se e consulta... se, mas não se revive numa época de evo ...
fissional, quando, no entanto, não são necessárias qualidades . es ... lução alucinante como a nossa.
pecialistas para se organizar o ambiente artístico numa escola. . Se no presente são as manifestações espontâneas do povo que
Basta que o corpo docente se congregue em tôrno de um plano de interessam, todo o indivíduo que se desintegra dêste movimento •
demonstrações estéticas, bem estudado e documentado nas bases · torna ...se, por fôrça de fatôres históricos, um rotineiro, um retró ...
da cultura estrangeira, desde a clássica à mais recente, com os grado. Há muita gente que não compreende ou não quer com...
elementos mais nacionais de que se disponham. E, assim, reali ... preender o nacionalismo em arte, porque julga que a música ou as
zar ... se ...á em qualquer gênero o problema da educação do gõsto artes devem possuir um padrão universal.
artístico numa escola e com a vantagem de estendê... la aos pais-
·N unca me rebelei contra o classicismo, mas também nunca
dos alunos, num efeito eficaz e aproveitável, e, dêsse modo, me...
pu~e admi:ir o classicismo dentro das normas do pensamento de
lhorar o legítimo int~rêsse do povo pela arte.
hoJe, Assim como não gosto de pensar no futuro, não me sinto
bem olhando o passado. Eu sou como um viajante que, ao atra.-
ves~ar um ~io num cipó, não pode olhar para trás nem para frente
a fim de nao perder o equilíbrio.
Ao ter que jttlgar qual a mais perfeita manifestação de arte
• humana, analiso, primeiro, a arte vivida pela natureza, transfor ...
• •
macia pelo l1omem, interpretada pelo povo e deformada pela crítica,
•
~ chego à conclusão de que a grande arte é a própria Natureza.
E como se o viajante tivesse voltado ao ponto de partida.
Talvez essas minhas idéias tenham sentido a influência da
Natureza do meu País. É para mim extremamente simpático e·
•
•
96-
e jo u m e s tr a n g e ir o v is it a r o B ra s il ,
a g r a d á v e l tô d a s a s v ê z e s q u e v
ti c a s d e s u a te rr a . P o r e s s a r a z ã o
tr a ze n d o consigo a s c a ra c te rí s
m in h a v ia g e m a o s E s ta d o s U n id o s ,
p r e te n d o le v a r n a b a g a g e m , e m
m o ç õ e s im p re v is ta s , m a s q u e v ib r a r á
u m a a lm a d if e re n te , c h e ia d e e •
o m e n s d o N o r te . Q u a n d o p ro c u re i
com o espírito c o n ti n e n ta l d o s h
o p e lo m e u p ró p ri o in s ti n to e ti ro c í~ U C A Ç Ã O C I V I C O - A R -
f o r m a r a m in h a c u lt u ra , g u ia d NOVAS D I R E T R I Z E S D A E D
e g a r a u m a c o n c lu s ã o d e s a b e r c o n s ~ E , E S P O R T E E C U L T U R A
nio, verifiquei q u e s ó p o d e ri a c h TISTIC A M U S I C A L A R T
o b r a s q u e , à p ri m e ir a v is ta , n a d a
ciente, p e s q u is a n d o , e s tu d a n d o
p ri m e ir o li v ro fo i o m a p a d o B ra s il ,
ti n h a m d e musicais. A s s im , o
c id a d e , E s ta d o p o r E s ta d o , H E IT O R V IL L A -L O BOS
lm il h e i, c id a d e p o r
o B ra s il q u e eu pa D e p o is o
p r e s c r u ta n d o a a lm a d e u m a te r r a . •
fl o re s ta p o r floresta ,
a . D e p o is a s m a ra v il h a s n a tu r a is •
c a r á te r dos h o m e n s d e s s a te rr
f r o n ta n d o ê s s e s m e u s e s tu d o s c o m e ç a o u q u e ir a c o n h e c e r o s
d e s s a te r r a . P r o s s e g u i, c o n . n a tu r a l q u e to d o o m u n d o c o n h
u m p o n to d e a p o io p a r a fi rm a r o z a r q u a lq u e r id é ia a rt ís ti c a ,
,o b r a s e s tr a n g e ir a s e p ro c u re i e s s o s d e s e p o d e r re a li
ia s . S e m p re fu i meios e o s p r oc d e r á c a u s a r
a in a lt e ra b il id a d e d a s m in h a s id é te c ip a d a m e n te q u e e la n u n c a p o
p e rs o n a li s m o e
s a ib a q u e s e m embo~a s a bend o a n tr a o r~
ú s ic a u n ic a m e n te p e lo s o m , e m b o r a d e u m o rg a n is m o d e s p ro v id o d e e x
. a p o lo g is ta d a m e ~ ~ç ~o q u a n d o é n a s c id a
g r a v a d a . . . M a s , in fe li z m e n te , a ã o a s d o s p o s s u id o re s d e e x ~
o p a p e l e la n ã o p o d e r ia s e r c ri a d o ra s , c o m o s
e , u m g ru p o d e din a~1a s q u a li d a d es
u m g ru p o d e fa b ri c a n te s d e a rt cep c1onal v ocaçã o.
c o m p re e n s ã o d e : u s a a
m u n d o , fa z ju s ta m e n te o c o n tr á ri o to s ,
im ig r a n te s em to d o o la ro q u e , c o m ê s s e s c o n h e c im e n
l o u p a p e lã o , s e m p r e c e d e r o s o m , o q u e r e s u lt a r-:: e n ta ~ to,
0 e s tá ~ e m c
s e d o s fa to s .
m ú s ic a d e p a p e c o n c e p - pod e ra o a p r e c ia r o s r e a is v a lô re s d a s c o is a
» , m u it o b e m im it a d a n a s r e g r a s e
n a <<arte d o p a p e ló ri o n o ra n te s , p r o f a n o s d a
s u g e s tã o c a p a z d e p o d e p a r e c e r a o s in c a u to s , ig
s , p o ré m s e m n e n h u m a fô rç a d e A c u lt u ra
ç õ e s c a n ô n ic a m a s u b s ti tu iç ã o d a s q u a li d a d e s c ri a d o r a s
a tu a is . 1
a r t~ ~. a o s i~di~ e re n te s , u
comove r a s g e ra ç õ e s , p r o d u z m e s m o e fe it o
a r~ 1 st ic a s. N a re a li d a d e , p o ré m O
e m n o p a p e l e m o rr e m n o p a p e l . . . d e 1d e1as_ o d e ó ti c a
M ú s ic a s d e p a p e l, q u e n a s c e n ti d o s , c o m o p o r e x e m p lo , a il u s ã
de u m a 1lusao d o s s
o m e n s p ri v il e g ia d o s p e la N a ~ e q u e o h o ri zo n te te m fi'm E l ·
A q u ê le s q u e n ã o a c r e d it a m n o s h d e q u e o infinito é a z u l o u d · a e
e m n a d a , n e m e m s i p ró p ri o s ; m a s , im a g in a m · d' · 1 v id a , s o b r e tu d o n e s ta é p o c a em q u e a c la ri vidên c ia
tu r e z a n ã o a c r e d it a m In is p e n s a v e à
c u lt u r a e r u d it a p o d e m s u b s ti tu ir ê s s e s p ri v il e g ia -
dos fa to s _misterio so s s e p r o p a la v e rt ig in o s a m e n te s ô b r e a p s iq u e -
·q u e a p e n a s com a a p ri m e ir a o p e r á r io d a
q u e e u te n h o o b s e rv a d o d e s d e a p ó s z e n d o d o le n d á ri o s u p e r- h o m e m u m
dos. É ê s s e o c a s o d_~ h~man1dade , fa
•
g e ra ç ã o v iv e . u m ri tm o d e s e n - te , m a s e m p a s s o s s ó li d o s e lo n g o s
grande guerra. J u lg o q u e a a tu a l ciencia, q u e c a m in h a le n ta m e n
u a u n id a d e d e m o v im e n to d a v id a a d a s d e s c o b e rt a s m a ra v il h o s a s , a in ~
c o n tr a d o , p o r q u e n u n c a p ro c u ro p e n e tr a n d o n a fe c u n d a e n tr a d
d e to d o s . E te n h o a . im p re s s ã o n a s ç a a c re n ç a id e o ló g ic a d a s re a li~
d e c a d a um em r e la ç ã o a v id a d a q u e com. a c u lt u ra m o d e r n a
s o lv e ri a o p ro b le m a d a p a z u n i- á ti c o d a m e c â n ic a c o m o o p ri n c ip a l
q u e um p e q u e n in o m e tr ô n o m o re d a d e s e S U ~ J~ .º << ~ o g m a > > m a te m
· ·
v e rs a l. fa ro l d a c1v1l1zaçao. •
d a e x is tê n c ia d o s D e u s e s ?
S u b s ti tu ir á a ju s ti fi c a ç ã o
, u m re fl e x o , u m a r a z ã o d e s e r , u m a
. .T u d o s e r á u m a e x p li c a ç ã o
• f1na l1dade .
•
•
• •
•
•
• 99 -
98
Finalmente, o que à primeira vista nos pareceu um fracasso
A escala, o pêso. o metrônomo, o relógio, tôdas as medidas
para a existência dos artistas, sob todos os aspec.tos, ao surgir a
terão O duplo valor que já tiveram, porque o caráter, a alma e os
máquina.-rádio.-vitrola, tornou-se, no entanto. numa auxiliar estra.-
espíritos dos homens, vêm, há longo tempo. sendo negociados a
nha que veio aproximar, estreitamente, o artista do auditório, por-
pêso e medida, em troca de interêsses pessoais,. simpatias incons.-
que à proporção que se vai fazendo a edttcação por intermédio·
tantes e vagas expressões sentimentais de sociedades inúteis.
dêsse maravilhoso aparelho, melhor se vai sentindo a necessidade
A época é da luta pela conquista da máquina como meio de de conviver com o original, dando melhor oportunidade para a sub.-
explicações dos fenômenos naturais sôbre o mistério da divindade. istência dos artistas.
- O artista será o propulsor das sensações da na.- Sob o ponto.-de.-vista cultural, o disco deve servir como ma.-
Vencerá?
tureza? teria! documentário a fim de auxiliar o professor.
•
A civilização será o Veículo Mecânico das manifestações ar.- Para os que ainda não têm bastante educação musical e ar.-
tísticas da terra? tística, recomendamos a audição de discos selecionados de música
O disco elétrico será o artista de amanhã? popular, da mais simples à mais complexa, por processo compara-
tivo, para que se possam aperceber das belezas que encerram as
Ele que é um livro aberto para tôdas as gerações, trazendo a
obras de valor, inspiradas e escritas com técnica.
história viva do passado, no mais cttrto espaço de tempo, fotografa
a alma huma11a e abrevia a cultura das civilizações. Só mesmo pelo contraste entre blocos toscos de granito e o
apuro das linhas de um monumento, pode.-se sentir as suas belezas
Como elemento de educação coletiva, ligado ao filme documen.-
tário completado pelo rádio, torna.-se o maior auxiliar para o refi ... e compreender o valor da arte da natureza e da concebida e reali·
zada pelo homem.
namento da cultura universal.
No ponto.-de.-vista artístico é a reprodução dos melhores mo.-
mentas da alma, espírito e técnica dos virtuoses. porque êles só Arte, Esporte e Cultura
gravam quando se sentem completos na interpretação, segundo os
• Atualmente, em várias oportunidades, não se sente. no conv·í.-
seus temperamentos.
vio das reuniões sociais, a mesma fixação das realizações artísticas
Embora sendo uma roda mecânica, ela reproduz aperf eiçoan.- •
•
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que o viu pela primeira vez, acl1a~o estranho e feio. Qµal de nós
compositores trabalham por um ideal, e nunca por um b · t'
tem razão ? O nosso sentido estético é condicionado pelo hábito - · E o Je 1vo
e pela educação. Habitue...se o ouvido de nossa juventude ao que, pratico. a consciência artística, que é um pré-requisito da liber-
segundo a nossa herança acumulada, é belo e o seu gôsto será dade artística, lhes impõe o dever de se esforçarem por encon-
são. E quando o ouvido da massa estiver treinado, educado, ha- trar uma expressão sincera, tanto de si mesmos como da humani-
bituado a belos sons, será então o fim da m(tsica-papel, puramen- dade. Para chegar a tal expressão, o compositor sério deverá
te experimental e acadêmica dos chamados <<modernos>> que não estudar a herança musical do seu país, a geografia e etnografia
têm alma, nem sentimento humano, em uma palavra sem na- da sua e de outras terras, o folclore de seu país, qJ.ter sob as . .
O
turalidade. pecto literário, poético e político, quer musical. Só dessa maneira
p.ode êle compreender a alma do povo ( da alma folclórica). As-
O terceiro elemento em nossa vida musical é o artista, que sim, sob cada um dêsses quatro aspectos, faz-se necessária uma
ainda tende para a tradicional atitude de considerar sua arte e a reforma radical. Devemos, primeiro, velar para que a nossa rotina
si mesmo como artista, como fenômenos à margem do curso geral pedagógica seja antes de mais nada baseada na distinção ou na
da humanidade. Como isso é falso ! A arte existe para exprimir
compreensão mais clara possível dos têrmos, palavras e expressões
e satisfazer a humanidade. O verdadeiro ideal do artista é ser...
a serem usados durante o curso da educação musical. Devemos.
vir à massa do povo, dar~lhe alguma coisa que, graças aos seus
lu~ar. para extirpar do ensino musical os falsos valores, insistindo,
dons naturais, só êle pode dar. A questão da organização de pr1nc1palmente, na educação do ouvido e da alma e pondo resolu-
programas é uma ilustração disso. ~ muito comum que os exe-
~amente de lado o fútil academismo da <<música. . papel>> puramente
cutantes organizem seus programas conforme a preferência do 1nte!ectual. Devemos procurar educar os nossos artistas e com-
público, independentemente de ser ou não a música mais pura. positores, de modo a que acabem apreciando devidamente seu
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• CANÇõES DE CORDIALIDADE
HELI MENEGALE
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110 - 111
-Lobos>>. E, subtítulo : <<As obras do compositor brasiliense exi- intelectual, enquanto outros, como o Brasil, possuem, além disso~
bem um misto de gênio e ingenuidade>>. uma imensa zona não civilizada fonte de côr e energia, fôrças
altamente criadoras de emoção e beleza. É um material incal-
<<Parfait>> ! Era o que desejávamos.
culável para o compositor nativo. Caso típico é o do brasiliense
Eis aqui o que diz o musicólogo americano : Villa-Lobos. Tôda sua carreira de compositor e a sua extraordi-
nária plenitude e a desigualdade de suas criações estão claramente
<<Mais de um observador da sociedade moderna tem indagado
indicando a sua ancestralidade, o seu meio físico e o seu poderoso
o que será feito do poder criador das civilizações já envelhecidas,
gênio individual. Êle não é apenas altamente criador, êle é ainda
quando o frescor da energia racial e conhecimento da vida as
um ingênuo fato de excepcional importância no campo da cria-
abandonar. Os embotados nervos da consciência nacional estão •
- -
112 - •
n a t u r a l m e n t e o s tons harmô
n i c o s d o s violoncelos e o u t r
m e n t o s tocados d a mesma m os instru- •
•
a n e i r a . <<Choros 10>> d á a
v í v i d a d e q u a l q u e r coisa tro sensação
pical, n a t u r a l , a p a i x o n a d a , a
-milhas d a m o d e r n a civilizaçã dez mil
o u r b a n a . D e s s a forma, dirí
v e m c a n t a r o s s e l v a g e n s , co amos, d e -
m t o d o s e u coração, sem d
em a c h a r a melodia ou o a c o ificuldade
m p a n h a m e n t o próprio, p a r a
resposta ao mundo natural q levar sua
u e o r o d e i a e seu e s t a d o d e VILLA-LOBOS
inconsciência a o comungar c completa
om o s e u D e u s . A e s s a i n g
e e s p o n t a n e i d a d e fundamenta enuidade
i s , j u n t a - s e u m a ~dmirável_ h
t é c n i c a e u m a forma p e r f e i t a ab!lidade J O R G E D 'U R B A N O ( *)
mente a d a p t a d a a expressao
visada>>.
E p a r a t e r m i n a r , um P.ouco d
e anedota :
n a t u r e z a possui m u i t a s m a n e
<<Ü m a e s t r o M a r x ( t r a t a - s e iras s u r p r e e n d e n t e s d e revela
d e Burle M a r x ) contou-nos U m a d e l a s é c r i a r fatos, c i r r-se.
.q u a n d o V i l l a - L o b o s e s t ê v e que, cunstâncias e sêres q u e s ã o
em P a r i s , m o s t r o u - s e u m ta vivas d e s u a f ô r ç a e p o d e r . imagens
gante, agradàvelmente ,indep n.to a r r o - F o i assim q u e a n a t u r e z a s e
e n d e n t e d o s músico~ pretenc ziu em V i l l a - L o b o s , numa fô produ-
c i d a d e . Ê s t e s j u l g a r a m ao 1os~s d a rça da natureza.
q u e p a r e c e , q u e V1lla-Lobo
capital francesa p a r a a p r e n d s fora à P o u c a s vêzes n a história est
e r composição. <<Mas, d i s s e é t i c a d ê s t e século, a n a t u r e z
vim e s t u d a r com vocês. V i m êle, . n ã o e n c a r n o u em um a r t i s t a com a se'
para mostrar-lhes o que tenh t a l pureza e intensidade. E
o fe1to>>. o b r a d e V i l l a - L o b o s é como tôda a
E t o m o u e s s a a t i t u d e sem um imenso e i n e s g o t á v e l c a n
temer a s conseqüências. T a dirigido. E m s u a música h to a elas
t e m s u a s v a n t a g e n s e seus l política á uma s e c r e t a e persistente
perigos, m a s é c e r t a m e n t e s reincidência q u e n ã o é s e n nota de
r e v e l a muito m a i s i n t e g r i d a d u p erior e ã o o símbolo d a n a t u r e z a
e c r i a d o r a d o q u e um muito P o r isso V i l l a - L o b o s r e p r e s e d o Brasil.
t a d o compositor d o m i n a d o p bem d o - n t a d e modo definitivo o q u
e l a s t r a d i ç õ e s e e s t é t i c a s fran m a j e s t o s o e i m p e n e t r á v e l tem e d e mais
quais s e puseram a imitar o cesa~, _os o solo d e s u a p á t r i a . S e o
s modelos p a r i s i e n s e s d e co p u d e s s e ·c a n t a r , p r o d u z i r i a n Brasil
p e r d e n d o o n a t u r a l direito p m pos1çao, o v a m e n t e a música d e V i l l a
róprio d e criar. Villa-Lobo -Lobos.
q u e fizer, é u m c o m p o s i t o r s , fa?~ o E s t a idéia do Brasil c a n t a n
d e gênio, i n t e g r a d o em s e u d o n ã o é a r b i t r á r i a o u forç
,d e s t e m i d o , m o s t r a n d o o q u es~1r1to, T ô d a e x a l t a ç ã o exige o c a n ada. •
e é s e u e, p o r isso mesmo, t o : a religiosa, a espiritual,
cheio d e a passional. Brasil é a c o n s a física,
a r t e natural>>. t a n t e e x a l t a ç ã o d a s fôrças d a
em t o d o s e u e s p l e n d o r . E natureza
Aqui termina o artigo de O V i l l a - L o b o s foi s u a g a r g a n t a
lin Downes, que é datado d V i l l a - L o b o s n ã o desejou c a n . Porém
•
,de maio de 1939, e a o q u a l e 14 t a r só. Q u e r i a q u e o a c o m p
só t e m o s q u e a c r e s c e n t a r : t o d o s o s b r a s i l e i r o s , e, e s p e c anhassem
•
ialmente, a s c r i a n ç a s b r a s i l e i
Tomara que Villa-Lobos sej cordo q u e h á alguns anos e ras. R e -
a profeta na sua terra!» s t ê v e o M a e s t r o em B u e n o s
com s u a inimitável s i m p a t i a Aires e
realizou u m a c o n f e r ê n c i a n o
C e r v a ~ t e s . N a q u e l a ocasiã Teatro
o , creio, V i l l a - L o b o s d i r i g i a
cargo no Ministério da Edu um alto
c a ç ã o do Brasil, q u e s e rel
com o e n s i n o d a música n a acionava
s escolas p r i m á r i a s . N e s s a
• d a d e V i l l a - L o b o s falou d e s oportuni-
eus métodos, d e seus proble
s e u s p l a n o s n e s s e campo. m as e d e
•
( •) Musicólogo A r g e n ti n o .
•'
1
•
lli
•
Queria que todos os meninos brasileiros formassem _um tmen_s~
Queria que todos êles unissem suas vozes atraves das d1s •
c~ro:
tancias. Q .
uer1a q ue sôbre o solo brasileiro se levantasse essa
, · .
J
•
•
1
•
116 -
•
'
•
118 -
•
scr1 1vo or e A • A
rumentos nativo A •
120 -
• •
·,
•
• •
..
VILLA~LOBOS EM LONDRES ( *)
LIA CAVALCANT!
•
•
duzível e incomunicável, a não ser pelo eco de emoções já experi~
mentadas. Mas Villa~Lobos regeu ontem e hoje em Londres, o
Choros nº 6. E foi uma estranha sensação ouví~lo aqui. Era
como se houvesse uma cisão na platéia. Os inglêses eram espec~
tadores ·fascinados, transportados, mas gente de fora, que sentia
na música de Villa~Lobos o que ela tem de universal, como ex~
• •
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( *) Palavras proferidas na Seção Brasileira da BBC, em 8-2-48 .
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i a e d o s u a t . o s e u ·
r a q u a l q u e r a p r ó p r i a r e s i d ê n c h o s q u e a l e g r a v a m
g a r b u r o c r a t a , e m b o su t o r _q r o f1 l .
o d e v u l s a l . H e i
dutor não p a s s a r i a m e s m h o n r a d o ca , o m a i s v e l h o
m d o s s e u s c o l e g a s . e
i s c u l t o q u e o c o m u i r , o T u h ú , c o m o l h
coisa m a o s t o r n a v a o n o i n s t r u
d e p o i s o a c a s o n o s , p ô s t o q u e s a d o e p o u c o .
v a o e n g a n o . . . M e s e s
- chamávam s o , e r a u m t a n t o e n d i a b r
Lamenta o d o m e u m o o s m a . . d
e , e n t ã o , p u d e c o n s t a t a r o ê r r a m i g o dos livr ' s Ja e v o t a d o à m ú s i c a .
v i z i n h o s n a T i j u c a
s e i p o r u e o .
j u l g a m e n t o . Certa vez, n ã o
mentâneo e v e l a v a - s e a t e n c i o - a o . d
m a i o r c o n v i v ê n c i a , r e 1 x a - o p r e s o a m e s a d e j a n t a r
- L o b o s , e m h p e '
Raul Villa q u e , e n t r e t a n t o , r u m a c o r d l · S o -
e t i v o ; t i n h a e x p a n s õ e s n o t r a t o , e m am a r r a n d o - o p o ª qu
t
e e a t a r a
ª p e r n a. u b m e t e n d o -
s o, n o b r e e af r i o l h e i m p u n h a m r e t r a i m e n t o
a brandura h a b i t u a l d o
e m p e r a m e n t o p o r d d '
i d a a u s t e r i -
e o m e u f e i t i o p r ó p seu esme
a sinceridade e z a . A t r a v é s s e u o l h a r p o u c o d a d e, d e s c e u p a r a o t
a
b
a
l h
o r e c o m e n d a n d . •
q u e c o n s e r -
l h e m e r e c i a m ,f r a n q u . r o a e s p o sa
co m o s q u e n ã o r a v a m e i o s d e r e - n a q u e l a s i t u a ç - . s e u r e g r e s s o .
d o n a f a l a , n ã o l o g va s s e o f i l h o n t o a o s l i v r o s , a t é o
u m t a n t o p e g a a a o , J u
expressivo, e i s s o t a l v e z d e c o r r e s s e a l i m i t a d à tarde.
p r i m e i r a v i s t a ; e d
comendar-se à m a i o r d e s t a q u e .
t o r n a v a m d i g n o d e d e s o l a d o t a l v e z
a s q u a l i d a d e s q u e o •
E l á s e f o i • • •
projeção d r d e p e r t o
t a m o s , p u d e a p r e c i a h o r a d ·1 . o
a m i z a d e q u e n o s t r i b u
, 'd
D ecorr1 a a p r i m e i r a , 1 u 1 u - s e O p a v r qu e i m p r e g n a v a
Rendido à
e s t o o b r e i r o d o B e m . ente e
t á v e l c u l t u r a . M o d O a m b1 - extremosa desatou os nós. •
g r a n d e l a b o r e n o . D e m e - a mae
o s e u p o r e s f ô r ç o p r ó p r i o
t r e l i v r o s , c u l m i n a r a - l i v r e e n t r o u a s u a
co n v i v e n d o e n d e s v a l i d a s , i n g r e s s a m e n i n o , v e n d o - s e e m r e s s e n t i m e n t o n
i m e n t o d e c r i a n ç a s O . ' s
c l u s o n u m e s t a b e l e c a n o , a b a n - a v ê s s a a t i v i d a d e . t a r d e v e n d 0 e a p e a r a
nino r e r e q ü e n t o u a t é o 2< .> t r • mas , a q u e < <o v elh o> > s
d e M e d i c i n a q u e f n g . ' .
ra n a F a c u l d a d e d e t e m p o p a r a e s - do b o n d e l á a o J o n a e s q u i n a d a r l o r a t i v o , d iri~
ê n c i a d e r e c u r s o s e e , u a , c o r r e u i m p
r a b s o l u t a c a r • . a i s v e l h a :
donando-a po ' 91ndo-se à i r m ã m
tudar t r a b a l h a n d o .
i o n á r i o q u e e u v i r a
ó m e n t e o f u n c , a m a r r a - m e
a u l V i l l a - L o b o s n ã o e r a s
i a r e g u l a r Lulucha
R á a ê s s e t e m p o t r a z •
e i r e n t a s e s t a n t e s . J a n t o D N o · . o p r e n d e r .
esqu i v o e n t r e p o i s t o r i a d o r , j o r n a l i s .- 01 e n t r e t . e m 1 a q u e o v e i
o - s e c o n s c i e n c i o s o h - '
m l i t e r á r i a , r e v e l a n d Q u a n t a s b i f e r e n
bag a g e d e m ú s i c o ! • ·
N a o sei s e o << érbero>> n o t o u d a s d a c o r d a .
s o b r e t u d o m ú s i c o . . . G r a n
. ça n a s v o l t '
ta, p e d a g o g o e ,
a v i o s o v i o l o n c e l o ! . . s , à n o i t e , c o n t a v a - a s o , l a m e n t a t i v c u l p a r - s e ,
e a o s o m d o s e u m m a me o c º . c o m o a de s
•
e s d e l i c i e i - m f
e quantas vêz r i m e i r a v e z , t r e - • • 1
ta v e z , s o f r e n d o m a i s d o
que so re r a o m e n i n o
v i s i t a s o u v i , p e l a p •
e q u e n a s a l a d e m , e r . .
Na sua p e P u c c i n i , q u e m e e n l e v a r a
J á em m e i o o a n o d e 1 8 9 9 e
i a » , a n o v a ó p e r a d
cho s d a « B o h ê m q u e n o s < < c o n c e r t o s » a n o i t e d d e o s e u
z e s , t a m b é m o s p e · p ed .a s e z d , a n o - m
r a m p o r v ê
como me enl e v a d e r r a d e1· ro a d e u s . . . D 11· p o r 1ante u m a f eb r e a l t a o t r o u x e em
l e o r g a n i z a v a e m f a m í l i a r e g e n d o - o s .
. . n t e a t é . .
ª . . e c e d e , e
qu e ê o í n t i m o s n o d e11r10 c o n s t a a iner c i a q u e p r a m o r te. C r i v a d o d
i n h o s s e f i z e r a m t ã . , u .
o u t r o s v i z e u d i l . d o l e . .
Jamais q u a i s q u e r
o s e q u e , g r a ç a s a D e u s , var1olas, f a l e c u 1n o - s e q u a n d o
t u í r a h a v i a d o i s a n . a , p r a n -
]ar, que eu c o n s t i l i l u m i n a d
, . . . · ª e, e n t a o m a
perdura.
h a m u l h e r a m a i s te a n d o t u d o -
o r n a r a - s e p a r a m i n o h -
u o s a e s p ô s a t o a r o d e . v a r i o l o s e n a s ! . . .
Sua virt é s t i c o s . D . N o ê m i a ( a b No seu en t ê r
r , o u v e t r e s c a r r o s a p
•
o r a e m a r r a n j o s d o m '
i ú v a , i n c o n s o l á v e l e , p a r a a s u a
dev o t a d a p r e c e p t c o z i n h a e e x e r c i a . 1
A pobre v - s e n o b r e e c o r a j o s a
e m n o s s a c a s a p e l a a r t í r i o R , . g t t e s f a l c a d o ,.
i J l a - L o b o s } e n t r a v a u r a r d a trajetória de m q u e n o m o n t e p i o , d e
M m e V , s e m t o d a v i a , d e s c . estri t a a o p e
, p r o v e c t a s f u n ç õ e s '
•
com p r o v e i t o n o s s o •
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128
.
. elas responsa bºl"d
i i a d e s de uma fiança que o marido estava pa-:
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130 - , 131
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de suas páginas em meu piano <<Beckstein>>, na salinha da <<Rue Vamos, pois, assistir a um dêsses duelos entre o negociador,
Galilée>>, em Paris, que êle utilizava como sua, entrando e saindo sabido e esperto que era Villa-Lobos, e o solicitante cheio de si,
quando lhe aprazia, com a chave da porta no bôlso. consciente dos seus méritos, mortificado pelo que já considerava
Lembro-me de haver visto o gráfico que John Sebastian havia uma humilhação prévia.
estabelecido para inf~rmação do compositor, mostrando as possi- . A cena não decepcionou nossa espectativa. Tivemos, pri-
bilidades do instrumento. Registro surpreendentemente extenso, meiramente, uma estraordinária demonstração de virtuosismo ins-
combinações harmônicas realizáveis, etc .. trumental. Sôbre as gaitas minúsculas que nosso artista tirava
Isto se passava em 1955, na primavera de Paris, que era a do bôlso, acomodadas em preciosos estojos e ouvindo os discos
• época que via chegar Villa-Lobos para os seus concertos, as suas e~- fita magnética ou em discos, ouvindo nesses discos as compo-
- s1çoes que mestres eminentes da música contemporânea _haviam
gravações, os bons papos com os velhos amigos. Velhos e novos,
pois as crianças, filhos de velhos amigos, tomavam bem depressa escrito para o <<ás>> da harmônica oral, ali ficamos durante bastante
lugar no coração de Villa-Lobos e sentavam-se a miúde com os ou- tempo. Mas Villa-Lobos permanecia impassível, observando o in-
tros em tôrno da mesa cheia de boas gulodices que os reunia todos terlocutor com uma desconfiança. A conversa que êle esperava,
• não vinha. E, como ela não veio, apesar de o compositor haver
aqui.
encaminhado hàbilmente o assunto na boa direção, o nosso ho-
Ainda a propósito da composição dêste Concêrto, lembro-me
menzinho saiu do hotel com as mãos abanando ou, mais realisti-
de uma cena divertida que retrata tipicamente o homem Villa-
camente, carregando de volta as suas gravações, os seus instru-
-Lobos. A maneira que tinha de defend.e r a sua arte, de cuidar
~entos, o seu toca-discos e magnetofone, mas sem aquilo por que
dos seus interêsses. Maneira forte de quem nasceu para dominar
viera : a promessa de um nôvo Concêrto.
e não se deixava intimidar ou embrulhar por nenhuma espécie de
prestígio político, artístico, de fortuna ou outro. Esta é a razão pela qual, na produção de Villa-Lobos, uma
O caso é que uma noite eu lhe fazia visita no Hotel Bedford, única obra foi destinada à harmônica de bôca, e essa escrita para
onde êle se hospedava e que era o mesmo no qual o Imperador John Sebastian, pelo qual os ouvintes vão agora escutá-la, acom-
D. Pedro II -havia exalado o último suspiro. Villa-Lobos, aliás, panhado pela orquestra que dirige Guillermo Espinosa.
ocupara durante muito tempo o apartamento mesmo que havia sido
do Imperador, com os seus móveis dourados e retrato na parede.
Disse-me êle que nessa noite esperava uma visita, a de um grande
virtuose da gaita de bôca, internacionalmente conhecido que vinha
vê-lo e fazer ouvir em gravações algumas das obras que êle havia
interpretado, com ou sem orquestra, nos grandes centros musicais
da Europa e do Continente Americano. Êle havia sido o intro-
dutor do n1odesto instrumento na esfera da música de alta classe
-
e Villa-Lobos havia passeado sôbre os seus óculos, compondo
para O concorrente mais tardiamente surgido, John Sebastian, o
Concêrto de que estamos· tratando. O nosso virtuose também
queria um para êle, mas Villa-Lobos só escrevia concertos dessa
natureza por encomenda e essas encomendas deviam ser bem
pagas.
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VILLA-LOBOS
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--~=
134 - 135
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que parecem destinados a defender-lhe, não só porque o amavam, Villa-Lobos. Assim, tanto mais penosa e- a responsabilidade que
mas também porque apreciavam o valor de sua superioridade. incumbe ao grande chefe que é Eleazar de Carvalho.
Eu havia prevenido que em seu concêrto de 15 de fevereiro _ O, p~r~~tório corre o risco de ser antecâmara de uma conde-
com a Orquestra Nacional da Radiodifusão Francesa, Maestro •
naçao definitiva se os sêres conscientes do problema não resistirem .
Eleazar de Carvalho não havia incluído uma só obra dêste mestre. ~o 15 de fevereiro, nada teremos contra Brahms. E tal obra
Não sabendo onde encontrar êste chefe de orquestra, permito-me demolida de Villa-Lobos teria, ao menos, um lugar tão honroso
solicitar-lhe de mostrar-lhe estas linhas. q~anto os <<Jeux Vénitiens>> de Lutoslawski músico que até ad-
Cumpre-me declarar que não me posso conformar com a res- miro bastante.
posta demasiado cômoda tanto para o espírito como para o cora- . .: Villa-Lobos teve a oportunidade 'd e poder expressar suas
ção, que <<Villa-Lobos faz seu purgatório >>. Curiosa concepção ~pinioes com autoridade em uma época que não havia ainda sido
dos últimbs objetivos de um criador autêntico, que inscreveu seu inventada a música <<aléatoire>> !
país no mapa musical, de uma maneira indelével. Que importa
. D~sejo_. ~~e esta carta · tenha divulgação intensa nos meios
aos editôres de enciclopédias que nem o mencionem sequer l
~usicais oficiais como em tôda parte, desde que ela venha a servir
O que há de mais vivo, mais vibrante, mais transbordante a causa do artista honesto, puro e autêntico, do grande homem
de humanidade, de amor universal, no patrimônio artístico das que foi Heitor Villa-Lobos.
Américas, do que a música dêsse grande mestre ?
O frenesi <<bouleziano» e <<post-bouleziano>> de pequenos gru-
pos parisienses será êle o único a influenciar aqui, violentando um •
•
• Musical Français>> dêste mês, consagrado ao domínio musical, me
fará passar por <<reacionário>> aos olhos de alguns (para empregar
o têrmo da moda). Quis simplesmente revelar o desequilíbrio de •
nossa vida musical, que afasta o passado mais recente sem haver
ainda o atingido. Triste século da velocidade! •
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VILLA-LOBOS
MADALENA LÉBEIS
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batuta que ainda não os comandou ; êles dispõem de todos os la fama que me viera do Brasil, quç havia de verdadeiro em tudo
meios para verificar em poucos minutos se o dono da batuta é aquilo ; nunca tinha eu acreditado no provérbio que diz que nin-
digno de empunhá-la ; erram de propósito ou aproveitam-se dos guém é profeta em nossa terra ; acreditava o oposto ; que é muito
erros na partitura, fazem perguntas sôbre a maneira de executar mais fácil ser profeta em nossa terra. Foi conhecendo Villa-
certas passagens para ver se o regente tem conhecimento íntimo -Lobos que descobri que a confusão era minha e não do provérbio.
de todos os seus instrumentos. Que iria acontecer ? me per- O provérbio não se refere a profetazinhos de meia tigela mas
guntava eu, pensando na fama de lobisomem que tinha Villa- sim, sem dúvida, aos grandes profetas ; como explicar as mes-
-Lobos. Receios infundados. Com grande firmeza, mas com a quinharias que praticam seus próprios compatriotas contra êstes,
maneira mais gentil e polida, Villa-Lobos passou todos os testes e, os profetas da estatura de um Villa-Lobos ? O meu consôlo, ao
em menos de meia hora, aquêles professôres de uma das melhores olhar para o passado, para o quase presente dêsse grande homem
orquestras do mundo tinham sido inteiramente conquistados pelo do Brasil, lembrando-me de quanto êle sofreu para nos deixar
seu nôvo maestro e regente e estavam trabalhando para êle e para a herança esplêndida de sua música, é saber que sempre foi pe-
•
o êxito do concêrto com a mais absoluta dedicação e carinho; era queno o número de seus detratores na nossa terra, embora às vê-
como se há muitos anos viessem trabalhando juntos, como se se zes conseguindo fazer erguer suas vozes fanhosas acima das har-
conhecessem intimamente e o respeito evidente que existia entre monias estonteantes do grande maestro. Meu consôlo é também
um e outros fôsse o resultado de uma longa experiência mútua. olhar para o futuro do nome de Villa-Lobos, nome glorioso na
E, desde então, são do mesmo gênero as minhas lembranças de nossa terra e por tôda a parte onde houver quem aprecie a gran-
Villa-Lobos. Dedicou-me horas repassando todo o repertório de de música.
sua obra para piano, mostrando-me, com uma paciência sem fim, •
a maneira correta de interpretá-la de acôrdo com sua idéia ori-
ginal, ensinando-me truques de técnica pianística que, além de
melhor realizarem o seu pensamento, contornam deliciosamente
certas dificuldades. Aquêles dias encantadores passados em Pa-
ris, nos aposentos imperiais do Bedford, onde vivera Pedro II
em exílio e onde agora se hospedava Le Maitre Villa-Lobos ; o
Villa, o inevitável charuto, o inevitável papel pautado, a inevitável
tinta nanquim, dezenas de canetas, um rádio berrando novela ou
algum concêrto sinfônico, visitas, jornalistas e, no meio de tôda
essa balbúrdia, Villa-Lobos, imperturbável, intrometendo-se im-
possivelmente nas palestras mais disparatadas êle nada estava
perdendo daquilo tudo, nem a novela do rádio, nem o concêrto
sinfônico, nem a menor notinha de flautim de sua última compo-
sição ali sendo criada ou copiada. Naquele ambiente, cheio de
•
tantas recordações, a minha última conversa com êle, em maio
dêste ano, na ausência por alguns minutos de sua adorada es-
pôsa, quando me disse, sereno mas com os olhos cheios de lágri-
mas, tanta era a sua tristeza de ter chegado o fim, que sentia
pela primeira vez na vida que tudo estava acabado. E tôda aque-
•
-
'
VILLA-LOBOS E O VIOLÃO
•
• MARIA LUIZA ANIDO ( ... )
•
•
INDAque, atualmente, a extraordinária personalidade de Heitor·
Villa-Lobos seja universalmente reconhecida como a de um mú-
•
1 sico genial, creio que somos nós, os violonistas, que temos motivos .
particulares, não sàmente de admiração, mas também de profunda
gratidão para reverenciar o grande compositor brasileiro. Porque
• ninguém como Villa-Lobos, no panorama musical da América La-
tina, soube beneficiar e enriquecer nossa literatura, até então pre-
cária, elevando, assim, o repertório erudito com as vozes da terra,
•
originais e avassaladoras, que era o que faltava no aspecto mu-
sical que nos apraz oferecer à estrutura sonora do nosso continente.
•
•
( •) Violonista Argentino.
~
•
•
•
VILLA-LOBOS ( *)
MÁRIO DE ANDRADE
.
•
ILLA-LOBOS está em São Paulo. Outra vez ? Com o grande
músico nunca se pode falar que é <<outra vez». Em tudo êle não
se repete : e então, neste ano famoso para a música paulista, em
que tudo revirou de repente com a fundação da Sociedade Sinfô-
nica de São Paulo, com que a nossa música criou alma nova,
'
Villa-Lobos vai ser outra coisa. Não são apenas os projetos fa-
• bulasas que êle traz que tornam esta chegada do autor das <<Ci--
randas» uma coisa inédita, e o próprio ambiente musical paulis-
tano tornou-se inédito também. Agora Villa-Lobos encontrará •
•
aplaudi-lo e elementos mais largos para que possa realizar com •
•
eficácia as grándes volúpias artísticas que vivem na imaginação •
•
• dêle. t
•
clareza o que êle representa para o Brasil. Por mais que as trans-
crições de artigos sôbre êle publicados no estrangeiro, provem a
importância dêle, essas .transcrições não bastam para mostrar a •
•
-
( *) Publicado no «Diário Nacional~ de São Paulo, em 2/7/30.
•
li6 -
147 -
•
café é gostoso, enquanto a Colômbia planta mais café valorizado e.stá .se be ne f x·c1an
· d o imensamente n. d .
pelo nossa estupidez. Mas em compensação êle tornou o Brasil , os e1xamos que d b .
numa angustiosa vid d se e ata
a e aventuras musicais, viran - .
uma coisa humana de permanência viva na consciência de milhares
de estrangeiros. :Sle humaniza o Brasil lá fora. As vêzes uma ce o noutra parte d d
emprêsas ed·t- , se pren en o a
1 oras que o exploram a valer
revista musical estrangeira repete nas páginas dum só número,
em artigos, notícias, programas, quatro, cinco e até mais vêzes duzir b . . J ais impedem o verdadeiro artista de pro-
º ras gen1a1s. E de fato
o nome dêle. E não são apenas elogios duma consagração acarJ
neirada e pacífica. Deus te livre ! São irritações, ataques, dis- oo << oras II
cussões, procuras de compreensão, notícias cuja importância os . . as>> e outros monumentos com
• Bras1l enriquece a m - . . que o
diários aproveitam em títulos e subtítulos com grandes letras. h . us1ca universal. Estou na fazenda e sem .
n as revistas; mas faz pouco uma f - mi-
<< Um
músico brasileiro desperta assobios mas depois vem Bach g ue não Iemb undaçao qualquer ianque, de
ro o nome out .
e o público se acalma>>, intitulava um diário ianque uma notícia. músico é ce t , - orgou ao Judeu Ernest Bloch, grande
r o, mas que nao tem a importância de V'll L b
Stokows.ky, nome universal da regência contemporânea, interromJ pensão vitalícia para -1 I a- o os, uma
que e e possa continuar sua obr
•• pe um concêrto para pedir a uma parte de seu público que <<vá Isso o Brasil devia fazer pelo ma. d a em paz .
ior os seus propagandistas vivos.
fumar um bocadinho nos corredores>> para que outra possa ouvir
em paz a contribuição brasileira que Villa-Lobos apresentava nas
suas - .
musicas.
Porque se deu essa coisa benéfica e importante : Villa-Lobos
e Brasil tornaram-se uma coisa só na compreensão do mundo. Se
é certo que essa espécie de juízo crítico é por muitas partes falso, •
•
-
MARIO GUIMARÃES
-
ENDO-·ME inclinado a atribuir a uma pessoa em particular o
mérito pelo que se faz no Brç1sil em matéria de educação musical,
parece um dever de consciência justificar minha opinião reconhe- •
•
cendo, no entanto, quaisquer outras contribuições, próximas ou
remotas.
Pois bem, não tenho inconveniente em dar todo valor às pri-
meiras tentativas dos jesuítas, pouco depois do descobrimento do
meu país. Na verdade o esfôrço educacional em terra brasileira,
até que a Ordem de Santo Inácio deixou de funcionar nos domí-
nios de Portugal, deve-se aos irmãos dessa religião, até o fim da
• época. Na educação primária, setor onde os índios mais se dis-
tinguiram, os obstáculos foram vencidos apoiados na música.
:Êsse mesmo processo conservava sua eficiência no que se denomi-
nava educação de adultos. Os indígenas . de tôdas as idades mos-
travam interêsse extraordinário pelos instrumentos e os recursos
musicais que lhes mostravam os jesuítas. Nisso, parece que encon-
traram o mais forte atrativo humano para se deixarem catequizar.
Não nos enganamos, no entanto. :Ê.sse trabalho de tanta im-
portância, durou muito tempo, dois séculos, porém faz duzentos
•
anos, igualmente, ficou interrompido, subsistindo seus efeitos pelos
indícios de caráter folclórico, semelhante às toadas européias de
outra origem e a tradição rítmica africana, que as gerações se vão
transmitindo com maior ou menor influxo mútuo dos diferentes
setores.
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150 - •
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152
e g i d o p e l o p e r m a n e n t e i n t e r ê s s e
T i n h a p a r a is s o q u e e s t a r p r o t
o v e m e x c ê n tr ic o , d e in c li n a ç õ e s
o v ê r n o . O e n c o n t r o d e u m j
cio g t e d o E s t a d o
•
0 , s e v iu i n e s p e r a d a m e n t e à f r e n
a r t í s t i c a s , q u e , e m 193 e m d e z e n é W
íc io à c a m p a n h a d e e x o r t a ç õ e s
d e S ã o P a u l o , d e u in c i a s N
i f i c u l d a d e s e a s r e s is tê n c ia s a m o s a p r o v e i t a r d a s c i r c u n s t â n
•
n a s d e c i d a d e s , s e m q u e a s d a z e r , m a s o q u e p o d e r í · a
e d e z e o , e m p o u - ·
d e V i l l a - L o b o s . C o m o r e s u l t a d verd
e n f r a q u e c e s s e m o â n i m o
a d o s e c r ia n ç a s , e tc .
co u m a m u l t i d ã o d e e s t u d a n t e s , s a c e r d o t e s , s o l d ongresso. Adiante l
v a m e m c ô r o s o b s u a r e g ê n c ia . r
que seriam d e z m il , c a n t a g u i n t e , m e d i t a n d o m e l h o o s u m a i n s t i t u i ç ã o -
No dia se , v is it a m
d e m a s i a d o n a m ú s ic a
Apressemo-nos, sen h o r e s o u v in te s , c r e io d a s m a is s im p á ti c a s q u e c o n h e c i.
•
e i x e a m a io r p a r t e d e s t a h o r a
V i l l a - L o b o s , p a r a q u e n ã o a d
'd e
cultural. t o f e li z , à s c r i a n ç a s m e n o s a f o r -
a d e s t i n a d a a d a r a lí v io , m o m e n
i t a l , d á v i d a a o O r f e ã o d e c a s
a t u a r n a C a p
O Maestro passa a ç a s , a q u e m
s ic a , c h e g a a o c o r a ç ã o d a s c r ia n a m p a r o m o r a l .
P r o f e s s ô r e s , e, p e l a m ú e m t r i s t e s c o n d iç õ e s d e
g u e r e s u l t a d o s a d m ir á v e is '
. A v iz i. - e mulheres da rua,
en t u s i a s m a e d a s q u a i s c o n s e
m e n t o q u e h a v i a s i d o a n t e s , s e
d a s e s c o la s , d o d e s c o n t e n t a
- nhan ç a a p r e s e n - s m e n in o s · c o m p e n e t r a d o q u e tê m
li z p r iv il é g io . C o r o s d e 4 0 m il v o z e s s ã o a v io e.s ; t o d o , e m e n in a s , c o m a r
co n v e r t e e m f e o r -
id a d e , e s t e n d e n d o - s e o i n t e r ê s s e
tado s n o p r i n c i p a l e s t á d i o d a c
s o s p o n t o s d o p a ís . o r a s d a v id a .
teônico a todo
r e s , n o a n o d e 1 9 3 6 , d e s t a c a d o
Estava eu, Senhoras e S e n h o
u a n d o a li s e r e a l i z o u u m C o n ...
L e g a ç ã o d o B r a s il , e m P r a g a , q
n a i t a d o p r o f e s s o r , T i n h a m s u a s i d é i a s s ô b r e o
E d u c a ç ã o M u s i c a l . U m r e s p e r e s s 1 o n a r a m c o m a r e v e l a ç ã o .
gres s o M u n d i a l d e se x m p f - d
a c i o n a l d e M ú s i c a d o R i o d e e n t r e g a v a m d e i m e d i a t o O e r ç o o
u m d i a ir ia d ir ig ir o I n s t i t u t o N assunto, por é m n ã o s e · s o
q u e i a e s t u d a d o n o . -
r e p r e s e n t a n t e s b r a s il e ir o s . H a v
Jane i r o , e r a u m d o s ·
i c a m e n t e , c h e g o u c o m a d e v i d a d e 'b 't b s s o n s e 't 'd
s e r v a t ó r i o d e L e ip z ig e , g e r m â n ca am entoand o e , s u o , p e r c e e m q u e o
C o n h o n r o s a c o n - I
a p r e c i a r e d e u a o s d e b a t e s u m a
ante c e d ê n c i a , f ê z - s e
tr ib u iç ã o .
V i l l a - L o b o s . P a r t i u d o R i o d e a l h o V 1'lla L b 1 - .
O outro delegado era o n o s s o N e s s.e p o n t o d iv id iu - s e o t r a b · - o o s a c o m a s
i n . P o r u m a r a z ã o o u o u t r a , . r a r u m a c o n f - · . f -
o s d o q u e e m Z e p e l s ív e is e e u a p r e p a e r e n c 1 a e m r a n c e s
J a n e i r o , n a d a m e n
v i a e n c e r r a d o c r i a n ç a s in a c e s
•
F r i e n d s c h a f e n q u a n d o j á s e h a -
cheg o u à e s t a ç ã o d e
H i t l e r . P o r d i s t r a ç ã o o u f a l t a
C o n g r e s s o . L á c r u z o u - s e c o m ornec1 o s .
o o m o d e c o s tu m e ,
l h e f ê z o m e n o r c a s o , p o r é m , c
de d is c ip li n a , n ã o z d i a s r e a l i z o u - s e d ç ã o p ú b li c a p r e v i s t a
Após de a · emonstra
u i u l i v r a r - s e d a p io r .
conseg numa sala repleta.
e s t a v a e n c e r r a d a . O q u e f a -
Sabia que a reun i ã o d e P ·r a g a
i s . N ã o V i l l a - L o b o s . cena.
e l ' o u t r o t e r i a s e g u i d o p a r a P a r
ze r ? Q u a l q u e m En-
e u d e s ti n o , e n a d a d e d e t e r - s e
Tcheco-Eslováquia e r a o s d a m a n i f e s t a ç ã o d e c a r in h o . .
e p o r tr e m , o n o r - vo vem-no na m a is d e s o r d e n a
o t r a n s p o r t e f in a l p o d i a f a z e r - s
• de t a l h e s . B e m ,
•
•
154 - •
e n h o re - · a v a ro a p
s e nh o r a s e S s
•
o s p r e s e n te s n a o
1
ig n o r ro ve-
·- n c ia d e s s a s c ri a n ç a s e o d1. fícil q u e e r a m e a s .
n1e . - e m m e io d e lá g ri m a s , p r o r r o m p e -
ram num ap auso que
·n h a v id a .
V il la - L o b o s le u a c o n f ere-nc1·a e ' p o r fim d ir ig iu -
o c o ro 1n- . EM CASA DE SOUZA LIMA C
OM VILLA-LOBOS ( *)
' essa
fa n ti l c o m c a n ç õ e s e m p o rt u g u ê s , c s c ri a n ç a s q u e
a n ta d a s p o r •
,s ó fa la v a m o c h e c o . M E N O T T I D E L P IC C H IA
m te m o m a s a c r e d it o q u e n a o s e - -
re i c e n s u r a d o s e a o m e n o s p u
.a rt is ta v e r d a d e ir a m e n te g r a n d e . a p a r e c e u V il la - L o b o s o n o s s o V il la , c a b e le ir a re v o a n te ,
•
c h a r u to e n o rm e , a le g ri a , v it a li d a d e
n a m á s c a r a e x p r e s s iv a e ,
e m lu g a r d e s e n ta r - s e n a s u a p e a n
h a d e íd o lo m u s ic a l, h o m e n a -
g e a d o p o r a q u ê le g r u p o d e s u p re m o
s v a lo r e s a rt ís ti c o s , q u e S o u s a
L im a r e u n ir a n a s u a b e la v iv e n d a
, p e n s o u lo g o n a in ju s ti ç a d a
g ló ri a d e D o n a O lí v ia . T o m o u - m e
p e lo b r a ç o e c h a m o u T a r s il a :
- V a m o s e v o c a r q u e m fo i n o s s a
m a r a v il h o s a M u s a : a in e s q u e -
·c ív e l D o n a O lí v ia . P re c is a m o s o r
g a n iz a r a <<Semana D o n a O lí -
v ia Penteado>>, a q u e a c r e d it o u n a
n o s s a re v o lu ç ã o e a q u e m a r -
c o u , n a n o s s a s o c ie d a d e , tã o l1ípica
e tã o s u é d ic a , o s m a is s é ri o s
in s ta n te s s o c ia is d e b e le z a e d e e s p ir
it u a li d a d e .
N u m h a lo d e s a u d a d e , c o m e ç o u o
d e s fi le : O lí v ia. P e n te a d o ,
a fi d a lg u ia fe it a s e n s ib il id a d e e c u
lt u r a . A E g é r ia d a g e ra ç ã o .
Do seu mundo nos dava Gofredo,
o p o e ta d o <<Mar d o Norte>>,
R e n é T h ie ll ie r, c a s te lã o d a V il a F o
r tu n a ta , P a u lo P r a d o , o ú lt im o
s e n h o r fe u d a l d e m o c r a ti z a d o p e la
li te r a tu r a . D a v a - n o s a in d a
W a s h in g to n L u ís , o h is to ri a d o r e o
e s ta d is ta , R o b e r to M o r e ir a , o
o r a d o r fl o ri d o , F r e it a s V a le , o M e c
•
enas . . .
D e p o is v ín h a m o s n ó s ! H o r d a b á r b
a r a e s tu a n te d e m o c id a d e .
Q u e m é r a m o s ? B o q u ir ro to s b lã s fe
m o s , h u n o li te rá ri o s q u e b r a n d o
-c o m o s p é s o s m o n u m e n to s a c a d
ê m ic o s , s a c rí le g o s e s p a ti f a n d o
íd o lo s , a n u n c ia d o r e s d e u m n ô v o
c ic lo d e v id a p r e c e d id o p e la
p o e ir a d a d o n o s s o p r ó p r io tr o p e l.
C o m o S a n ta G e n o v e v a a c a l-
m a n d o Á ti la e s u a s h o s te s , D o n a
O lí v ia s u r g iu c o m s u a h a r p a .
•
• ( *) P u b li c a d o n a <<Gazeta» d e S ã o P a u
lo , em 27 d e se te m b ro d e 1957 .
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158 - 159
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qüência na sua música o que é um mal era com tintas italia- Há dias aqui estêve o querido Vila 8le
nas que pintava sinfônicamente a paisagem musical brasileira. E •
Villa-Lobos é cem por cento Brasil. É modularmente autóctono, abraçar êsse querido e velho . . tve a a egr1a de-
visceralmente nacional. É essa marca viva da terra que torna
- v·11 L o os enc eu e preocup
universal a sua incomparável música. çoes. I a- obos estava eufórico sadio e b d' a-
re a . , ' em isposto. Sem-
Nesse sentido talvez o jovem crítico tenha razão: Villa-Lobos •
é o maior brasileiro de todos os tempos. Isso porque Beethoven umor. m 1nd10 de casaca .
é o maior alemão de todos os tempos, maior que Goethe, maior dentro do qual êle pod . ~ g1naçao, em clima exótico,
que Frederico, maior que Bismarck. Talvez hesitemos quando se e 1ron1zar o asm .
trata de Bach. Se, entretanto, o tempestuoso criador da <<Herói-
lações do gênio e da alma do Bra~il. u gurantes reve-
ca>> ombreia com o colossal criador de <<A Paixão>> segundo São
Mateus equilibrando-se ambos em partida de valor. Bach e
Beethoven são os dois maiores espíritos germânicos de toclos os
tempos.
Caem impérios, desaparecem fulminantes dominadores, esta- '
distas iluminados sepultam-se nas ruínas das suas criações políti-
cas ; o artista supremo fica. Fica íntegro, eterno, inatingível.
Qual o maior dos Gregos ? Homero ! Qual o maior dos ita-
lianos? Dante! Qual o maior dos inglêses? Shakespeare!
Eu estava ouvindo as <<Bachianas>>. <<É a criação musical
'
mais bela dêstes últimos tempos. Nem · Strawinsky, nem Honne-
ger, nem Prokoffief, nem Respighi, nem Strauss, na sua contem-
poraneidade, criaram beleza igual>> dizia comovida uma das
maiores pianistas brasileiras. Nas <<Bachianas>> o gênio de Villa-
-Lobos esplende num instante pinacular . . Não há nada mais ins-
pirado, belo, profundo em tôda a música moderna. A textura
sinfônica é rica e densa. Os temas melódicos originais, potentes
de expressividades e imersos na alma dos brasileiros, em todo o
«patos>> racial, parecendo haurir e sincretizar êsse romantismo
tão casto mas tão emotivo que há nas nossas nostálgicas modinhas.
Um agudo instinto rapsódico inspira Villa-Lobos e suas sinfonias
são impregnadas dessa música que está nos nossos ouvidos, mú- •
sica que é a alma sonora da raça, que não tem um desenho nítido,
porque é uma soma de todos os temas originais criados pela senti-
mentalidade de nossa gente e fundidos e guardados pela nossa
•
!}.'.lucace e pela nossa memória .
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OS 72 ANOS DE VILLA-LOBOS
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MINDINHA
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162 - •
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de músico. .
Coroando essas f estividâdes, o cinco de março de 1959• dei ...
xou, no entanto, em todos nós, o traço amargo e doloroso de infi.-
nita saudade. Foi o último aniversário coro a presença feliz de
Villa...Lobos.
Quis o casal Jayme de Barros, naquela data, proporcionar.-lhe •
<<Polichinelo».
Villa . .Lobos. ao nosso lado, busca adivinhar o intérprete.
Termina a execução. A sala se ilumina e Villa.-Lobos nem
acredita no que via. Abraçam . . se e beijam ...se emocionados.
Com o olhar brilhante de felicidade. Villa-:-Lobos pede a Sônia
Maria que toque ... e toque mais . . . e o programa se vai prolon...
gando noite a dentro .
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RETRATO DE VILLA-LOBOS
MuRILLO ARAUJO .
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166 - •
dígio do Amor. . A
1 VILLA.-LOBOS NA ALMA DO POVO
Vl , .
de instante a instante, foi de devoção à musica. MURILLO ARAUJO
•
Aliás amigos aqui hoje estamos para assistir a um ~o~o mos para exemplo Villa.-Lobos.
. . · 1rma o seu A música do compositor excelso abrange totalmente o Brasil
- natureza e povo no que tem de mais peculiar.
destino : Arminda Villa.-Lobos.
E por isso mesmo interessa ela o mundo inteiro, tanto é certo
E elo fervor de sua adoração e de suas lágrimas, vai res.-
. , p . lhos o <<Retrato de Villa.-Lobos>> , pode.- que pelo nacional, que é o humano, é que se chega ao universal.
surgir aqui, aos nossos o ' 1' . A criação de Villa.-Lobos se ergue como árvore enorme com
. tr1'unEal no resplendor de sua g or1a.
roso, lum1noso , as raízes na terra e nas gentes natais.
Hauriu as seivas da pátria, que restituiu depois com as flôres
do estro inspirado e os frutos de sua pauta doces de melodias.
Nada mais tocante, por isso, do que a recente homenagem
•
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168 - •
•
'
170 -
· ""es pro .. "
ocultam, muitas vêzes, pa1xo
Côr, ritmo e fantasia porém sempre conjugando um
'fundas e sentimentos contrastantes, '
'
'
'
•
172 -
•
o fêz !
~
maçao. hI ao
Foi daí em diante que o P ovo tomou o hábito . . . a . . . . . .
- U m d .
1a v1·ra' 1
. · · .. Mas a1 rem1n1s-
tomou hábito, a 1gum, na . . .
0 1936.
Mais uma daquele privilegiado SEGUNDA CONVERSA SôBRE VILLA-LOBOS
cência nos ficou . · · •
•
•
PAULO MENDES CAMPOS
'
•
175 -
174 •
s e p d · n e r á r i o à p r o v á v e l
ã o o c o n h e ç o . . . » A Villa-Lobos não o er1 a e n c o n t r a r m e l h o r i t i
S e g o v i a , v o u d i z e r q u e n .
perguntarem p o r
e m o s s a i r , ê l e n o s o f e r e c e u
o n t i n u o u . C o m o p r e c i s s á s
conversinh a c
a r um m e n · ·
l . E s t a v a a l e g r e , e m p r e a m
i q u e o l e v a r i a a o h o t e I d d a u m
lugares no tax e d e v e r í a m o s a r v o r e s . O Brasil c o m t
o
d
o o a t u a e s e n v o l v i m e n t o , é a i n
A n t e s d o p o n t o e m q u - -
de trocadilh o s i n g ê n u o s . f u n c i o n a m u m p a í s d e a h r e c o n c e i t o s
e q u e t i v é s s e m o s pais onde as le n d a s ' uso e s , p
m t i m i d e z ( c o m o s e t e m e s s
descer, i n d a g o u - n o s c o
o r g a n ) s e g o s t a r í a m o s d e
m a r c a d o c o m M i c h e t ·e M
um e n c o n t r o u r a n t e g r e g o
o i t e . '' J a n t o n u m r e s t a
j a n t a r com ê l e n a q u e l a n i s t a s d i f e r e n t e d o p a í s e d e
b e m o n d e e s t o u mitos. Nao h a g r a n d e a r t o p o v o a q u
. P o r f a l a r n i s s o , v o c ê s s a .
defronte d e m e u h o t e l ert
u D . P e d r o I I , c o n s e r v a d o d o se parece
o q u a r t o e m q u e m o r r e B 1 quem n ã o s e d e i x a s e d u z i r p e l a s m a l í c i a s d a m a t u -
morando? N a l u g a p a r a • co
o ras1,
t e l . q u e é m e u a m i g o , s ó o m
.d d
O d o n o d o H o - L o b o s
mesmo j e i t o . r1 a e e u r o p é i a . A r t i s t a s c o m o V i l l a N i n g u é m m a1 ·s b r a s l
- ·
i l e i r o s . . . » ·
algu n s b r a s le i r a d o q u e ê J e .
t e l B e d f o r d . C h e g a m o :; à s
o s e n c o n t r o à s o i t o n o H o
Marca m
s e e n c o n t r a v a m n o r e s t a u -
a - L o b o s e s t t a s e n h o r a j á
nove! V i l l s a ú d e o
s p e l o ''n o s s o > > a t r a z o : a
p e d i r - n o s d e s c u l p a
rante, a
r e m h o r a c e r t a .
obrigava a janta
s e u , a u t o g r a f a d o , d i z e n d o -
•
u - n o s n a p a r e d e u m r e t r a t o
Apon t o N o
n t e g o s t a m u i t o d e m i m » . • •
r e s t a u r a
n o s : ··o p e s s o a l d a q u i d o
l l a - L o b o s » .
r e g i s t r a d o u m < < ca fé '> à V i
cardápio e s t a v a t a m b é m
t o , b r i n c a m o s m u i t o . C o n -
s m u i t o , c o n v e r s a m o s m u i
Comem o t ê
a e s t r o e n t r o u d e r i j o n o p a
m á v e i s a d m o e s t a ç õ e s , o m
trariando a
H o j e e tt n ã o f a ç o r e g i m e ! »
e no v i n h o : «
s t r a r '' tr a il e r s> > d e f i t a s d e
s ã o d a c a s a p a s s o u a m o
A televi j u v e n i s ) .
e r a u m a d e s u a s p a i x õ e s
f i l h o d e c o w - b o y
mocinho ( o •
i a s m a d a c o m u m s õ c o b e m
v i u m a c r i a n ç a t ã o e n t u s
Nunca
a c a r a d o b a n d i d o .
aplicado n
o s a g u ã o d o h o t e l , f o m o s
d e u m a s e s s ã o d e p i a n o n
Depois a l t o
m p e r a d o r f i c o u o l h a n d o d o
r t o d e D . P e d r o I I , o i
ver o qua •
l a - L o b o s .
b o n o m i a , a a l e g r i a d e V i l
c o m g r a v i d a d e e
da parede,
o c e s s o s c r i a d o s à i m a g i -
h a b i l i d o s a s i d e n t i f i c a m p r
Teoria s
t e o r i a n ã o d á c e r t o . P a r a
i l . P a r a m u i t o s a r t i s t a s , a
n a ç ã o infan t •
•
'
•
- FLORESTA DO AMAZONAS
• •
PIERRE V IDAL ( * )
•
•
URANTE sua longa e fértil carreira, Heitor Villa~Lobos cola..
borou sàmente duas vêzes com o cinema. Em 1937, primeira.-
mente para o <<Descobrimento do Brasil», filme brasileiro, e, em
1958, por ocasião da realização de << Verdes Moradas, da M. G.
M.». cuja atriz principal foi Audrey Hepburn.
Se a primeira partitura foi enriquecida graças às admiráveis
«Suites» de orquestra que atraiu Villa~Lobos, a segunda continua
para ser revelada no seu conjunto. Esta, poder~se~á ver, valeu ao ,
•
grande Heitor uma série de conflitos com Hollywood que pro-
duziu alguns de seus mais belos rompantes.
Lembra~se que Villa~Lobos, nos seus últimos tempos, dividia
seu ano de trabalho em três etapas. Depois do Brasil e Esta..
•
•
•
•
179 -
178 -
•
s c i a d e n ô v o :
'
A amizade na
?> > p e r g u n t a v a - m e ê l e . . • •
o n o s s o s a m i g o s d o C l u b
<<Como v ã a A v . d e N e w Y o r k ,
h o r a s p r e c i o s a s p a s s a d a s n
E nós evocáv a m o s e l a m e n -
o u t r a s r e u n i õ e s , a q u e l a s q u
, p r e p a r a r m o s
p a r a , d e s d e logo o s s o s ú l t i m o s e n -
m n a q u e l e a n o o q u a d r o d e n o os, e s -
tàvelmente seria . o X X A F l
e s t r e . c r e v e u q u e êle e r a o m a i o r o r q u e s t r a d o r d o S é c u l
c o n t r o s com o g r a n d e m
a e n c o n t r a r ê s t e s e r a p a i ~ o s o - •
e m i n h a a l e g r i a d e t o r n a r o r a m e n t o n o q u a l s -
Apesar d r m e n t e . n o r o fascinant e p e l o a p r i m se ent r e g a v a O m e
o r e s s o o u - m e i n t e r i o
x o n a n t e , um p r e s s e n t i m e n t •
t b as1·1 eiro t a n t o n o p l a n o d e timbres c o m b i n a ç õ e s d e
o d e s e u e u e re r c o m o nas
a ç a d o a t é o m a i s p r o f u n d melod i a s e d e r i t m o s .
O homem e s t a v a a m e
m i s m o . :S le s e i n q u i e t a v a
h a m o m e n t o s d e p e s s i o s a s s i m d
êle o s a b i a . T i n
o : < < n ó s p a s s a m o s u m a N ã o e- sem emoção q u e vos a p r e s e n t a r e m u m a a s
o s ô b r e a s o r t e d o m u n d . . l a - L o b o s N 1 i m a s
a o mesmo t e m p d e H e i t o r V i l e a enco n t r a m o s o s c l
e n s> > , d i z i a ê l e . • ultimas o b r a s ·
i a l d e g r a n d e s h o m ..
'crise m u n d d a s
s e m p r e p e r t o d ê l e . T ô r a n d e s c o n · u n t o s o r~
i d a M i n d i n h a e s t a v a m c o n t r a s t e com os g
Sua quer n h e i r a , s u a p r e c i o s a g ça~ e v10 e ~ a a . E
d e d i c a d a s à s u a c o m p a
suas partituras e r a m P a r i s ) .
i m o s M m e V i l l a ~ L o b o s e m d u S a y ã o .
o p a s s a d o , n ó s r e v ª soprano rasileir o B i
• auxiliar ( o a n d o r d a m ú s i c a b r a s i l e i r a , 0
u r o a r t í s t i c o d o m a i o r c r i a
G u a r d i ã do t e s o a f o i p a r a
u m p o u c o o q u e C o s i m
d i a ç ã o . E l a é
e l a vela s u a i r r a o s E s t u d o s p a r a v i o l ã o
ç a s a e l a q u e o u v i r e m o s
,W a g n e r . É g r a
e o u o C l u b e ) .
que ela present a r o u ~ m e
r a d a s > > , V i l l a ~ L o b o s d e c l
o d e < < V e r d e s M o
A respeit a m ú s i c a p a r a a c o m -
h e h a v i a e n c o m e n d a d o u m
que Hollywo o d l . < < I s s o
'
a d e c a r á t e r s o b r e n a t u r a l
l e n d a s u l ~ a m e r i c a n
p a n h a r essa a e u l h e s e s c r e v i u m a
s f l o r e s t a s d a V e n e z u e l
s e desenrola n a ê l e a c e n t u a v a e s s a s ú l t i -
m e u t e m p e r a m e n to > > . E
música b e m n o g e s t o d e c i s i v o .
c o m u m o l h a r i n t e n s o e u m
mas p a l a v r a s
a d o q u e e r a n e c e s s á r i o .
e s c r e v i m u i t o m a i s m ú s i c
«Mas e u . O r e s u l t a d o
a m i n u t a g e n s d o c i n e m a . .
N ã o me p o s s o r e s t r i n g i r
q u a s e a u s e n t e d o f i l m e » .
é q u e m i n h a m ú s i c a e s t a r á
n a s u a a p r e s e n t a ç ã o e m
o ~ s e << V e r d e s M o r a d a s > >
Assistind c a o r i g i n a l d e V i l l a -
e c o n s t a t a m o s q u e a m ú s i
Paris, evident e m e n t f i l m e l
d a p o r < < e m p r e it e ir o s > > d o
u t i l a d a e a r r a n h a
..-Lobos foi m o r a e o d i s c o q u e p r o g r a -
m a r e l a ç ã o e n t r e a f i t a s o n
Não há nenh u
·
mamos p a r a hoje. d o c o m -
o u p o u c o d e p o i s d
' a m o r t e
A · o b r a ori g i n a l n o s c h e g
ã o f o n o g r á f i c a d e V i l l a -
t e d i s c o , ú l t i m a r e a l i z a ç
p o s i t o r , com ê s
•
•
'
VILLA-LOBOS
PONTES DE MIRANDA •
deslizante e vivo,
o cenário do amor. estremecente :
o Amazonas.
Aguas que rolam abismos e perfumes,
pios de pássaros nas densas matarias,
•
correntes milenares que não se cansam,
nuvens brancas e azúis que se refletem,
luzes fugintes , imaginárias, como se fôssem olhos,
olhos abertos,
vozes que nada dizem e que se ouvem.
~
•
•
182 183 -
•
184 -
•
eobe, •
eobe p a r a o c é u
e v a i t e r , l á em c i m a ,
• o e n c o n t r o com t o d o o M u
n d o.
Está aí 1
A c e n d e , V i l l a...Lobos,
n a l o n g a ascenção mirabola H E I T O R V I L L A ...L O B O S
nte d o teu berço,
o lampião d e gás,
e n ã o t e esqueças d a s d a n RoooLPO A R I Z A G A ( * )
ças do sertão, dos batuque
s
e d o r u m o r d a s aves,
d o s abismos d o desejo EALMENTE a obra de Villa-Lobos assi
nala o renascimento d a
e d a s aflições. a r t e americana, adormecida
a t r a v é s os séculos d a m o n u
E a j u d a , V i l l a...Lobos, com . r a n ç a q u e n o s foi l e g a d a m e n t a l h e...
o t e u p i a n o e o s uivos d a s o r q u e ! t r a s ~ pelos M a i a s , I n c a s e A z t e
• c a s . Villa·
a s u b i d a d o t e u berço, ...Lobos é o p r i m e i r o músic
ê s t e Brasil, q u e t a n t o a m a o d a A m é r i c a ; primeiro p o
mos: rioridade, fantasia, p o d e r c r s u a s u p e ..
á t o m o s somos, t o d o s nós, r i a d o r e os q u e o p r e c e d e r a
d o seu Destino. giram jamais s u a p r o j e ç ã o m n ã o a t i n ··
internaciona~.
P a r a a América Villa-Lob
o s foi o s e u legítimo E m b
S e u nome marcou uma o b r a a i x ador.
completamente original, p e r
s e r d e s t a c a d o e n t r e os g ê m i t i n d o -lhe
nios criadores mais i n t e r e s
maior p r e s t í g i o d a pr imeir s a n t e s e de
a m e t a d e d o Século X X .
s e r brasileiro, p o r q u e o Br N ã o é poi:
asil c o n c e n t r a e s s a impetuo
•
186
. • sua condição '
'
'
188 189
O te c id o d o s e u c o n tr a p o n to é o p u le n
A fo rm a d o a rt is ta n a s c e e m o rr e c o m ê le , é o q u e ê le te m d e • to , c h e io d e c o m b in a -
·me :Bsse in s tr u m e n to e, a ç õ e s in e s p e ra d a s e o ri g in a is , o m e sm o
a c o n te c e n d o c o m o s s e u s
o rn a m e n to s h a rm ô n ic o s d e u m a s im p li c
s o m a d e m ú lt ip la s exper1enc1as id a d e re q u in ta d a . E s s a ri -
d . Como q u e z a d e té c n ic a , e n tr e ta n to , s ó lh e d
á m a is fô rç a à in s p ir a ç ã o ,
p o is lh e o fe re c e u m a s o m a d e re c u rs o s
ois, fa z e r d a e x c e ç ã o u m a re g ra g e ra l e n o rm e . S e u s d e s e n v o lv i-
P ? m e n to s n ã o s ã o re p e ti ç õ e s m a is o u m e n
d o h , c lá ss ic o o s m a s c a ra d a s , n ã o s ã o d e -
Quan o u v im o s a fi rm a r q u e Beet oven e e S tr a - s e n v o lv im e n to s e x te ri o re s , m a s ló g ic o s
. . B ro n é ro m â n ti c o e V e rl a in e s im b o - e p ro fu n d o s . O d e s e n h o
v in s k y impress1on1sta, q ~ e y m e ló d ic o d e V il la -L o b o s re v e la u m a in
1· a d a s a s c o u s a s . E m te li g ê n c ia a g u d a , m o rd a z ,
u m e s p ír it o á g il , q u e v o a e re v o a s ô b
re o e s p e tá c u lo u n iv e rs a l,
lu g a r d a e x c e ç ã o . v is lu m b ra m o s a re g ra s e m s e fi x a r, s e m s e d e ix a r p re n d e r u m
g : . e s écie ro - s ó m in u to . B le n ã o c o n -
s e g u ir ia v e r a re a li d a d e tã o in te n s a m e
n te , s e a c e it a s s e a re c e it a
m â n ti c a e x p li c a B y ro n , a class1ca e e im p o s ta p e lo crítico. A s s im , n ã o a fr a
ove , . , g m e n ta , n ã o a d iv id e a rt i-
, . e o a rt is ta n u m p e rp e tu o fi c ia lm e n te e m p a rt e s b o a s e m á s , m a s
E s tá a í p o rq u e v iv e m o cr1t1co p ~ ro a s u b ju g a in te ir a m e n te .
. -1
n ã o s e a li m e n ta a q u e e, d e fi n h a ê s te M o s tr a -s e , a o m e s m o te m p o , u m c a ri c a
tu ri s ta e u m d e c o ra d o r,
u m s a tí ri c o e u m p o e ta c h e io d e m e la n
q u a n d o o m e te m n u m c o li a . In te re s s a -l h e tô d a a
-1
. . , 1 - fu n d ir o s e u ri tm o a o re a li d a d e . C o m b in a , à s v ê z e s , o ri d íc
-
a rt is ta p o rq u e e e n a o q u e r im it a - a . s e nao u lo e a d o r c o m u m p o d e r
. 1 d . , 1 p o rq u a n to a c o n s id e - d e e m o ç ã o e u m a o p u lê n c ia d e im a g e n s
ri tm o un1versa . O c rí ti c o te n ta o m in a - a, ' re a lm e n te a d m ir á v e is . N o
m ro b le m a c a p a z d e s e r re s a1v i.d o p o r a n á li s e s s u tí s ; <<Quarteto S im b ó li c o » p o d e re is a p re c ia
r ê s s e a s p e c to d e s e u te m -
r a como ~ p a n a tu re z a , p re te n d e , p o r ig u a l, fa z e r p e ra m e n to . É u m a p á g in a e m q u e a
e o que co~ im a g in a ç ã o e o ra c io c ín io
s e e q u il ib ra m c o n s ta n te m e n te . H á n e s s
a a rt e . a p e ç a e x tr a o rd in á ri a , a lé m
d a s q u a li d a d e s d e c o lo ri d o e s ô b re o lu
p e s s o a l. x o d e in s tr u m e n ta ç ã o , p e -
b c u li a re s a o s e u e n g e n h o , u m p ro fu n d o
m ú s ic a d e V il la -L o o s c o m e n tá ri o d a s v a id a d e s
h u m a n a s , fe it o n u m c la ro -e s c u ro d e ir o
n ia , re m o q u e e p ie d a d e , à
m a n e ir a d e um <<capricho» d e G o y a , o
u de um desenho agudo de
B e a rd s le y . B a s e ia -s e a c o m p o s iç ã o d ê
- s s e Q u a rt e to e m d o is m o -
de an onge •
ti v o s : u m d e m á g u a , d e p e n e tr a n te m e
la n c o li a , q u e s e d e s e n v o lv e
e s ta m o s em p re s e n ç a o a p ri n c ip a lm e n te n o A n d a n ti n o , e a p a re c
. a-o c o n tí n u a S u a a rt e e , a q u i e ali, e m tô d a s a s
t
V il la - L ob o s s e n e a v id a c o m o u m a c ri a ç .
é p a rt e s da o b ra , e o u tr o d e « h u m o u r» ,
. . . , . d e p ro b le m a s q u e so~ d e in q u ie ta e c ru a m o rd a -
elece u m a s e ri e c id a d e , q u e s e m is tu ra , n u m ri s o c la ro
d e fl a u ta , c e le s te e s a x o fo -
m o s o b ri g a d o s a re s o lv e r rap1 a m e n te , n e . à fr a s e n o s tá lg ic a d a h a rp a e d a s v
~om is ta d e u m aero~ o z e s in s tr u m e n ta d a s . H á ,
a í, u m p o u c o d a tr is te z a d o c ri a d o r
e m fa c e d a s c ri a tu ra s , u m
p la n o . B le c o m p re e n e ~ re a i d ra d a em u m to rv e li n h o d e p o u c o d a q u e le <<Albatroz» d e B a u d e la ir
e.
d e in s ta n te s , o n d e c a d a in s ta n te s e eg •
. f. 1't - n e m a n ti g o m a s V il la -L o b o s a m a a v id a . P ro c u ra n o s
m o v im e n to s 1n 1n o s. B le não quer ser novo , s e u s a s p e c to s ra ro s o u
. . t tr iv ia is a s u b s tâ n c ia d a s u a a rt e . A o
. e x r1m1r o u r b'l1h-ao v it a l ' in v e n - s q u e o ju lg a m a p re s s a d a..
. m e n te , d á a p e n a s u m a id é ia d e e x u b e râ
ta o s ri tm o s q u e o s m o ti v o s quot1 ia n o s · n c ia p lá s ti c a , d e fu lg o r im -
e s tá n a fo rm a q u e , d e e s p a ç o a e s p a ç o · e c id a e re n o - p re s s io n is ta . P a re c e q u e s ó a s u p e rf íc
•
, s u rg e e n ri q u ie tu m u lt u o s a d a re a li d a d e
o e m o c io n a . N a d a m a is e rr ô n e o , e n tr
v a d a d a s u a s e n s ib il id a d e . e ta n to . D e b a ix o d e tô d a s
•
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190 -
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191
•
aquelas fantasias de côr, sob aquêle caprichoso desenho de ima-
gens múltiplas e sucessivas, que se cruzam e se mesclam umas às
eethoven, nem Wagner nem Ch . D lembra
outras, corre uma grande e volumosa torrente de idealismo supe- ne R. ky K ' op1n, nem ebussy nem Ba h
m ims orsakof, nem Satie. Seu canto ' c ,
rior. Não existe em tôda a nossa literatura musical uma inventiva massa co I V'b não se perde na
ra . I ra insulado, único, singular.
tão pronta, estranha e sugestiva como a sua. ~le é, sobretudo,
um criador de ambientes, de mundos e paisagens espirituais. Os Villa-Lobos veio demonstrar mais
tradição, em arte, é o respeito à ' . . uma vez, que a verdadeira.
temas que o inspiram são meros pontos de referência, onde, de dos do passado S. t ant1gu1dade e o horror aos méto-
trecho a trecho, paira uma fantasia móbil e.orno a onda. Sua arte . omen e se renova aquêl
de se libertar Veneremos . e que tem a coragem
é um contínuo milagre de imprevistos e surpresas. Transmite- . os antigos e como d
amor, não os imitemos. ' , prova o nosso.
-nos, ora, rápidas anotações da existência quotidiana, da graça ou
da amargura das cousas, como na série deliciosa das <<Historietas>>,
e nos <<Epigramas Irônicos e Sentimentais>>, ou, como no <<Ter-
ceiro Trio>>, o grito desesperado do instinto diante da realidade •
misteriosa do universo.
Mau grado o fausto da sua obra, nota-se neia, desde logo,
um sincero pendor para a simplicidade das linhas e para a fran-
queza da expressão. A opulência nêle não é redundância, o entu-
siasmo não é eloqüência. Ri-se, por vêzes, à guisa de Rabelais,
com aquêles acentos bárbaros e abundantes, aquela veia inestinguí.-
vel, aquela saúde moral da musa pantagruélica. Senta-se no ban-
•
quete dos homens, e diverte-se como· um gigante bom, coroando-se
de pampanos e rosas, esmagando a uva macia nas mãos potentes,
Mas, de súbito, à semelhança de Ariel, sobe no vapor dos vinhos,
adeja no ar, rufla as asas leves e luminosas, e desaparece, sorrindo,
num motejo sutil ...
A música de Villa-Lobos é uma das mais perfeitas expressões
da nossa cultura. Palpita nela a chama da nossa raça, do que
há de mais belo e original na raça brasileira. Ela não representa •
•
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194 -
·- 195 •
•
ram a chegada do mestre francês. Modesto e simples, como os
A história de Villa-Lobos é bem a de um compositor que ha-
sábios, Beaufils se aprese11tou e logo mostrou interêsse em ouvir
veria de expressar, no mundo erudito, o Brasil musical. Diferente
alguma coisa do nosso folclore. Explicou-me que andava a estu- • • •
dar Villa-Lobos, razão de sua viagem de Paris ao Brasil, e con- de muitos artistas ilustres da terra, estêve sempre ao lado do seu
siderava essencial para o seu projetado trabalho sôbre o nosso povo, vivendo-o nas horas amargas e alegres, com êle sorrindo e
compositor o conhecimento de diferentes aspectos da música fol- por êle chorando.
clórica brasileira. Com êsse objetivo, procurara ouvir coisas de S~u pai era um apaixonado da arte musical e executava vá-
•
outras regiões do país, mas também desejava investigar um pouco rios instrumentos. O avô mater110, destacado músico popular, tor-
da folcmúsica de São Paulo. nara-se famoso como autor de uma <<Quadrilha das Moças>>. Mú-
•
•
Honrado e entusiasmado com a oportunidade que se me apre- sica, herdara dos dois ramos da família : o paterno e o materno. •
sentara de contribuir de algum modo para o estudo de Marcel Por isso, Raul Villa-Lobos não se admirou muito, ao se ver obri-
Beaufils, mostrei-lhe, então, todo o documentário da Comissão gado a improvisar um violoncelo para o fill10 executar. E nesse
Paulista de Folclore : sambas, batuques, congadas, cururus e mo-- instrumento, teve início o aprendizado do nosso compositor. Por
çambiques. E em cada trecho das gravações, em cada passagem, azares da sorte, no entanto, as lições em casa não duraram muito.
o musicólogo francês fazia um judicioso comentário. Villa-Lobos •
Villa-Lobos era uma criança, quando o pai faleceu .
estava aqui, ali, acolá, em tôda parte, e com Beaufils eu repetia, Faltando-lhe o importante apoio musical paterno, saiu à rtta
todo entusiasmado : Villa-Lobos está no norte e no sul, no leste em busca de um outro, que pudesse, pelo menos em parte, substi-
e no oeste, Villa-Lobos é o Brasil musical erudito. tuí-lo, e foi encontrá-lo entre os seus amigos cariocas, gente do
Afinal, satisfeita a sua curiosidade científica e artística, Mar- povo, os <<chorões>> do Rio de Janeiro.
cel Beaufils se retirou e voltou a Paris, onde escreveu o idealizado Vivia-se a época das serenatas, das modinhas e dos <<choros>>,
e monumental trabalho sôbre o nosso extraordinário compositor, e como o instrumento popular era o violão, também se f êz tocador
o qual dentro em breve deverá ser publicado. E hoje, ao recor- de violão. E dedilhando-o, aproximou-se e identificou-se mais e
dar a sua visita a São Paulo e as conversas que mantivemos, ten- mais com a arte musical do povo. Sua mãe, porém, andou um
do como objetivo central a obra genial de Villa-Lobos, recor- tanto preocupada com a sorte do filho. Chegou mesmo a temê-la,
dações que me vêm à mente, para mostrar o respeito e a conside- vendo-o conviver com seresteiros, modinheiros e <<chorões>>, inve-
terados amigos da boêmia. Acenou-lhe, por isso, com a carreira
ração que merecem de excelentes musicistas do mundo o nosso
de médico.
compositor, o que, por mal dos ventos, nem sempre acontece
entre nós, sou eu quem devo falar, honrado com o convite que Mas, era tarde. Enfeitiçado pela música do Brasil, êle mes-
me foi endereçado pelo Sr. Secretário de Educação e Cultura da mo músico por natureza, jamais poderia abraçar a medicina. Não
Municipalidade. E ao pronunciar a minha conferência, tenho demorou, era dos principais vultos mttsicais do Rio. Suas inspi-
consciência e convicção, nada acrescentarei aos numerosos estudos radas composições encantavam as tardes e noites cariocas. Eram
valsas, chótis, polcas, música popular. Integrava também, as or-
já elaborados sôbre o fenômeno Villa-Lobos, mas, disso estou cer-
questras da cidade, executando, como era costume, trechos de ópe-
to, prestarei, com tôdas as minhas fôrças de alma e de coração,
ras, operetas, zarzuelas famosas. No seu autodidatismo, já tocava
uma singela homenagem à maior figura da arte do Brasil dos nos-
bastante bem violoncelo, violão e outros instrumentos.
sos quatrocentos e tantos anos de história, que eu me acostumei a
gostar e a admirar, menino ainda. Aos poucos, ia se esboçando o artista erudito brasileiro, que
ao invés de ter a música como diversão mundana luxuosa, passa-
•
•
•
•
•
'
196 -
197 -
tempo de elites, a considerava um f enômenç vivo da criação de
Vem a São Paulo, .vai a Minas e a Mato Grosso. Alcança a
um povo. Para êle era a própria voz da nacionalidade, cantando
Amazônia. E durante as viagens, observa, anota, analisa a mú-
na plenitude de sua pujança e da sua fôrça, a alegria pelo tra-
sica folclórica e a popular, e prossegue a sintonizar a universal,
•
balho construtor, a confiança no futuro da Pátria e na grandeza
de seu destino. como se estivesse à frente de uma emissora fantástica .
Aos vinte anos, consciente do papel que poderia desempenhar
Não possuia vinte anos, quando foi levado a conhecer outras
na história da nossa música, Villa-_L obos dá início à sua revelação
paragens do país. Viaja ao Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e H '
criadora, objetivando a concretização do Brasil musical erudito,
se abebera da mais pura seiva da nossa musicalidade. Aí, sente
Chopin, Beethoven, e, especialmente, Jol1an Sebastian Bach em que teria nêle mesmo a maior de suas personalidades. E dentro
• '
da sua revolução, avizinha-se das mais inovadoras tendências da
várias fórmulas do populário : células melódicas, acentuações rít-
música contemporânea, sem deixar de refletir nas obras que com-
micas, modulações, contracantos, polifonias ; e também no lirismo
põe retratos da pátria, selvátiva e amorável, que em nenhum lugar
cantante e na religiosidade. Atinge a autêntica essência musical
do mundo. do mundo haviam sido revelados. •
cional de Música, naquela época Instituto. Era já excelente vio- feição>>. E Villa-Lobos, com a sua característica e moderníssima
loncelista, maravilhoso virtuose do violão, além de conhecer per- obra brasileira, deu de ombros aos seus detratores e prosseguiu a
feitamente, o instrumental de orquestra e muito da ciência e arte caminhada para a glória, mas agora bem distante da terra em que I
de compor. Talvez, por êsses motivos, depois de pensar e medi- nascera.
tar, acabou abandonando a idéia de seguir um curso de música.
Apenas procurou alguns conselhos de conceituados musicistas da Villa-Lobos povo, Villa-Lobos Brasil, Villa-Lobos essência
universal viajaria para a França, a fim de mostrar ao mundo eu-
época, a exemplo do professor Frederico Nascimento e do maestro
Francisco Braga. E êste, animado com os progressos de Villa- ropeu de que era capaz o gênio musical brasileiro, contestado pelos
-Lobos, afirmava : <<Ü senhor possui um enorme talento musical. seus próprios compatriotas. Aliás, a êsse respeito, pouco antes da
De uma capacidade produtora assombrosa, tem um caudal artísti- sua partida, dizia num comentário o escritor Ronald de Carvalho :
co considerável, onde existem obras de valor, muitas delas origina- <<Todo seu formidável esfôrço resulta estéril, exclusivamente por-
líssim'as. Já não é uma promessa, mas uma afirmação. Penso que Villa-Lobos não nasceu nas margens do Volga, com o nome
que a Pátria se orgulhará muito, algum dia, de tal filho>>. de Villiaff-Lobow>>. Mas, a verdade é que o nosso meio já não
podia conter um artista, que se universalizava com as suas pode-
Entretanto, nem Francisco Braga e tão pouco Frederico Nas- . -
rosas cr1açoes.
cimento o retiveram longo período no Rio de Janeiro. Villa-Lobos
Em Paris, teve logo, entre os intérpretes de suas obras, figu-
tinha uma obcessão : precisava sentir o Brasil musical por inteiro.
ras do relêvo de Vera Janacópolos, Rubinstein. Terán, Darrieux.
'
• •
'
•
'
•,
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mente, na exuberância, na exaltação rítmica, na pujança frenética, · Infelizmente, por negligência de uns, má vontade de outros e,
na fantasia e no pitoresco policromatismo. E o pianista Arthur penso eu, por razões da politicagem que não serve a nenhuma
Rubinstein declarava, arrebatado : <<Êle cria com a fôrça e facili- bandeira, o movimento educativo renovador, estruturado e iniciado,
dade do gênio>>. com profundidade e amplitude, pelo mestre da nossa composição,
Após demorada e vitoriosa permanência na Europa, dominado musical, não adquiriu o necessário amadurecimento para que pu-
pelas saudades, Villa-Lobos retorna ao Brasil e aceita o pesado desse nos oferecer frutos mell1ores. E por isso, hoje, conforme já
'
encargo de levar à frente um programa de educação musical da chegou a declarar a um jornalista, Villa-Lobos vê com desalento
nossa juventude, sugerido por êle mesmo, e tendo por base a in- o resultado do seu gigantesco esfôrço se perder na incompreensão
teligente e necessária utilização de folclore. É perfeitamente in- de uma preguiçosa e comodista maioria, que despreza a orientação
tuitivo, dizia, que a consciência musical da criança não deva ser e os ensinamentos recebidos e deixa o tempo correr. E em con-
formada tão sómente pelo estudo dos mestres clássicos estrangei- seqüência, até o ensino de música nas escolas anda periclitando ..•
ros, mas, simultâneamente, pela compreensão racional das melo- e se os nossos políticos nada resolveram sôbre a efetivação de um
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dias e dos ritmos fornecidos pelo próprio folclore nacional, o que plano muito sério de educação das crianças e jovens do Brasil, es-
fàcilmente se compreende pela analogia que existe entre a menta- taremos, também, na iminência de perder, definitivamente, o pre-
lidade ingênua, espontânea e primária do povo e a mentalidade cioso convívio de Villa-Lobos, que, segundo afirmou à nossa im-
infantil, igualmente ingênua e primitiva. prensa, não tendo o que fazer por aqui, para objetivar os seus
Graças a Villa-Lobos, tivemos, então, a atualização dos nos- ideais, transferirá a residência para os Estados Unidos.
sos antiquados processos de educação musical. Por sua sugestão Hoje, com a sua maravilhosa arte de compor, Villa-Lobos se-
e com a imprescindível e importante colaboração, criaram-se os transformou no grande embaixador artístico de nossa pátria, e
Cursos de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e como tal passou a ser o ídolo do povo norte-americano, do francês
Canto Orfeônico, do Distrito Federal, e depois, o Conservatório e de tantos outros. Declarou com sabedoria Ciro de Freitas Val-
Nacional de Canto Orfeônico, que serviu de modêlo a tantos ou-
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le: <<Villa-Lobos tem feito com a sua música o que as Nações.
tros organizados no Brasil. E sob a supervisão do mestre brasi- Unidas vêm tentando fazer, com tanta dificuldade com palavras :
leiro, tiveram lugar, no país, realizações de alta significação, no • o entendimento universal>>. E isso, porque através da sua identi-
setor educativo: concentrações cívico-orfeônicas, concertos sinfô- ficação com o povo e a natureza do Brasil, Villa-Lobos pôde sentir·
nicos culturais, bailados artísticos, reavivamento de velhas tradi- e depois revelar, na sua obra magnífica, a profundeza de senti-
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-200- 201 •
menta do Homem de tôdas as raças, de todos os tempos, de tôdas E a seguir acrescentava : <<Só a terceira categoria tem valor. Ssses.
as pátrias. compositores trabalham por um ideal e nunca por um objetivo prá-
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tico. E a consciência artística, que é um pré-requisito da liberdade
Na sua criação musical, Villa-Lobos, desde os primórdios de artística, lhes impõe o dever de se esforçarem por encontrar uma
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povo e passam a viver, <<na verdade, sob o signo Debussy-Ravel intervalares, esquemas rítmicos, timbres instrumentais, etc. Como
,e então são afrancesados ; ou então sob o signo de Puccini-Zando- diria Bela Bartok, Villa-Lobos se conformou de tal modo com a
nai e então são italianizados ; ou então sob o signo de Wagner- linguagem musical do povo brasileiro, que pôde usá-la, revestida
-Strauss e até parecem arianos. Na melhor das hipóteses, caem de uma indumentária erudita, como a sua própria língua-mater.
num atonalismo de sistema e então menos que autsríacos são copis- E sem fazer uso literal do folclore, falou, quando quis, uma lin-
tas de Schoenberg>>. guagem a um tempo pessoal e nacional, sutil e profunda, e por
Recordo-me a propósito, uma pergunta que, algum dia, for- isso mesmo, de uma grande fôrça irradiadora, universalista.
mulou Villa-Lobos : <<Se se pode conceituar e julgar a música es- Esta é a fundamental razão em que me baseio para concluir
panhola, russa, francesa, alemã, oriental, húngara, polonesa, etc., que Villa-Lobos, melhor e maior do que qualquer outro artista, é o
tôdas com um esclarecedor <<Carimbo>> que caracteriza a raça e a próprio Brasil musical erudito, síntese admirável de fôrças estra-
nação a que pertencem qual outra definição a adotar que não seja nhas e poderosas, que o inspiram e o exaltam, e que resultam de
<le âmbito nacional 7>> emanações insensíveis de sua terra, eflúvios invisíveis de sua gente,
E a resposta, êle mesmo a deu com o seu exemplo, já nos na expressão do velho Bilac.
primeiros tempos da profissão de fé artística : voltou-se para a Brasil musical erudito, Villa-Lobos o é em tôda a sua produ-
música de seu povo, estudou-a e sentiu-a de maneira integral, nas ção, na qual se observa, desde o início, uma linha de ascenção,
suas fórmulas e esquemas, nos momentos de dor e de alegria, e com o enriquecimento da técnica, a conquista de grande complexi-
através da sua exuberante e exaltada personalidade erudita tor- dade e depois, como apontava Lorenzo Fernandez, a obtenção de
nou-a conhecida de todo um mundo. uma simplicidade ainda maior de meios e ao mesmo tempo de um
O próprio mestre brasileiro escreveu, certa vez, que os com- poder de síntese e emoção, numa cristalização de sua poderosíssi-
positores podem ser agrupados em três classes : os que escrevem ma personalidade brasileira.
música-papel, segundo as regras ou modas : os que escrevem para Brasil musical erudito é Villa-Lobos nos caminhos que êle-
ser originais e realizar algo que outros não realizaram ; e, final- •
mesmo desvendou, passando pela bitonalidade, politonalidade e até
mente, os que escrevem música porque não podem viver sem ela. •
mesmo a atonalidade, a esboçar e a concretizar uma atmosfera.
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·criadora.
TuRíB10 SANTOS
Por isso, pôde levar, disse o crítico Paul Le Fiem, a um pú·
blico cansado de falsas semelhanças, minado pelos alquimistas e •
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Julian Bream, à parte do extraordinário virtuose, revelou-se
um didata da melhor qualidade, procurando estabelecer um con-
tacto direto ~ntre intérpretes e compositores. Para isto valia-se
de experiência pessoal com os segundos, e particularmente com
Villa-Lobos.
Fiquei surprêso ao vê-lo descrever detalhes da música brasi·
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leira e seu espírito. E mais ainda, escutando-o tocar os Prelúdios
e Estudos.
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Contou-nos, estar integrado na atmosfera Villa-Lobiana guia-
do pela mão do próprio compositor. O temperamento exuberante
dêste, marcou o intérprete inglês e serviu-lhe como justa medida
para melhor compreensão da obra de Villa-Lobos. Esta, segundo
êle, é de riqueza sonora imensa e valor pedagógico constante.
Nos últimos anos, apresentou diversas vêzes o concêrto para
violão e orquestra e tem como peças obrigatórias de seu repertório
os Prelúdios, Estudos e Choros n9 1.
Um mês depois, encontrava-me em Santiago de Compostela,
Espanha, desta vez, em curso com Andrés Segovia. O mito sa-
grado do violão vinha transmitir aos mais jovens, 75 anos de ex-
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cia. Sempre bom lembrar, que Villa~Lobos, à parte do composi.- •
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