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O caminho para a música nova

Do original alemão

DER WEG ZUR NEUEN MUSIK

Tradução de

CARLOS KATER

© Copyright 1960 by
UNIVERSAL EDITION A. G., Wien
Anton Webern

"

"

"

"

O caminho para a música nova

"

"

"

"
2ª. edição

"
Antigoa Typographia
iv

CIP - Brasil. Catalogação-na-Publicação


Câmara Brasileira do Livro. SP

Webern, Anton, 1883-1945.


W383c O caminho para a música nova / Anton Webern;
tradução de Carlos Kater; (prefácio e posfácio de
Willi Reich).—
Curitiba: Antigoa Typographia, 2016.

Bibliografia.
1. Música - História e crítica - Século 20
I. Reich, Willi, 1898 - II. Título

CDD-709.52
-701
84-2194 CDD-780.904

Índices para catálogo sistemático:


1. Música: Século 20: História e crítica 780.904
2. Música dodecafônica 780.904
3. Século 20: Música: História e crítica 780.904
v

ÍNDICE

Introdução 1
Observação do tradutor 5
Prefácio de Wi11i Reich 7

O caminho para a música nova


conferência I (20-02-1933) 11
conferência II (27-02-1933) 20
conferência III (07-03-1933) 28
conferência IV (14-03-1933) 33
conferência V (20-03-1933) 40
conferência VI (27-03-1933) 48
conferência VII (03-04-1933) 56
conferência VIII (10-04-1933) 66

O caminho para a composição em doze sons


conferência I (15-01-1932) 77
conferência II (22-01-1932) 87
conferência III (29-01-1932) 90
conferência IV (04-02-1932) 92
conferência V (12-02-1932) 97
conferência VI (19-02-1932) 103
conferência VII (26-02-1932) 106
conferência VIII (02-03-1932) 112

Posfácio (Correspondência com Willi Reich) 118


Análise do movimento II da Sinfonia, op. 21
Relação das obras de Anton Webern
Bibliografia
INTRODUÇÃO

Quando me propus traduzir as conferências de Webern, tinha em


mente introduzi-las com um comentário sobre sua vida e obra.
No entanto, “boas biografias” e “comentários gerais” de excelente
qualidade já existem . . . Assim, embora muitos sintam falta aqui
da retórica habitualmente empregada numa introdução, preferi
— acrescentando uma bibliografia de rara competência, notas
explicativas ao longo dos textos, a relação das obras completas
do compositor e uma análise gráfica da Sinfonia, opus 21 — ob-
servar apenas que:
– Mais de cinqüenta anos nos separam dessas palestras.
– Elas surgem do convite para um curso de verão em Mond-
see, previsto para 1931, que finalmente acabou por não se
concretizar. Diante da decepção de Webern, amigos pro-
movem os encontros que serão realizados em 1932: “O ca-
minho para a composição com doze sons”. Este ciclo
deveria originalmente introduzir o curso de Schoenberg,
promovido pelo mesmo Conservatório austro-americano
de Viena. Daí as constantes referências à obra e ao pensa-
mento do antigo e vigoroso mestre. Porém, o caminho des-
crito reflete na essência a interpretação que Webern tinha
da evolução da música até o “jamais dito anteriormente”.
Assim, o que temos são, antes de tudo, chaves para uma
melhor compreensão de seu próprio impulso criador. Isso
explica as lacunas históricas tão evidentes, a omissão de di-
versos fatos, obras, compositores . . .

1
2 " CARLOS KATER

Ao longo das dezesseis palestras e da correspondência com Willi


Reich, Webern reitera:
– O dodecafonismo não deveria jamais ser considerado,
pelos leigos aos quais ele se dirige, um “substituto da tona-
lidade”: a descoberta serial se alicerça na legitimidade his-
tórica, não devendo ser confinada no “limite das utilidades
imediatas” . . .
– Da mesma forma que outras técnicas e estilos de-
senvolvidos ao longo da história, os segredos do novo uni-
verso só se revelam plenamente aos iniciados nesse
caminho.
– As leis naturais — expressas nas várias citações de Goethe
— representam outro suporte da conquista do domínio so-
noro realizada por Webern. A força dessa convicção inaugura,
com sua obra, um dos períodos mais polêmicos e decisivos
da produção musical do século XX: cada som do total cromá-
tico, cada entidade sonora é considerada um fenômeno em si
— conquista cada vez mais intensa do material fornecido
pela natureza — mas, ao mesmo tempo interdependente,
relacionada a um contexto de alto rigor estrutural — deter-
minado por leis, pelo desejo incessante de maior coerência.
Constituem aspectos fundamentais de sua linguagem:
– ausência do pathos romântico
– complexidade da organização espacial e temporal
– importância do silêncio
– “melodia de timbres”
– brevidade e coesão
– economia serial
– re-descoberta da escrita “horizontal” via formas polifônicas
e clássicas
– recurso às simetrias
INTRODUÇÃO 3

– variações
– integração das dimensões horizontal e vertical (. . . multi-di-
recionalidade)
Essa postura de tomar as coisas pela raiz amplia ex-
traordinariamente as fronteiras do fato musical. Estabelece um
novo divisor entre passado e futuro, influenciando, de diversas
maneiras, a partir do final de 1940, compositores como: Messiaen,
Boulez, Stockhausen, Nono, Cage, Berio, Feldman, Stravinsky,
Santoro, Krieger, Willy, Gilberto e muitos outros.
Desconhecer Webern é desconhecê-.los.
É também desconhecer Bach, Josquin, Machaut,
é desconhecer . . .
OBSERVAÇÃO DO TRADUTOR

Uma tradução que seguiu os caminhos específicos de linguagens


diferentes, não poderia visar a restituir a forma autêntica das ex-
pressões utilizadas por Webern, mas o que é essencial, recuperar
convicções e pensamentos legítimos de seu autor.
Porém, as passagens do texto oral para a estenografia, da língua
alemã para a portuguesa, não deixaram evidentemente de impor
certos obstáculos. Nesta versão brasileira, optei por uma espécie
de “tripla-tradução”, trabalhando sobre todas as versões existen-
tes. Procurei assim reduzir ao máximo as ambigüidades de inter-
pretação verificáveis individualmente nos diversos textos.
No que se refere às notas explicativas, considerei importante
manter todas aquelas de Willi Reich, por seu inegável valor his-
tórico. Dos tradutores precedentes, mantive as notas que, na
minha opinião, eram pertinentes e acrescentei minhas próprias
buscando oferecer as informações necessárias para uma mais
ampla compreensão dos temas abordados 1.
Gostaria ainda de agradecer as diversas colaborações, que pos-
sibilitaram a realização deste trabalho: confronto do alemão —
Maria do Carmo S. F. Lauretti e Teresa Maria S. C. da C. Lima —,
confronto do inglês — Paulo Bueno —, confronto do francês —

1
As notas da tradução francesa estão indicadas por (ndtf), as de Willi
Reich por (W.R.) e as minhas por (ndt).
5
6 " CARLOS KATER

Aude Kater — , revisão do português — Maria Helena Figueiredo


— e cópia dos gráficos — Sonia M. S. de Oliveira Kater.
A Alba, Beth, Eunice e Expedito pelas discussões em sala de aula.2

São Paulo, agosto de 1984.

CARLOS KATER

2
Essas conferências foram trabalhadas na disciplina Composição II,
ministrada no 29 semestre de 1981, no Instituto de Artes do Planalto
(IAP) da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
PREFÁCIO

A publicação de dezesseis conferências proferidas por Anton We-


bern no início dos anos 1932 e 1933, numa residência particular
em Viena, diante de um público que pagou uma modesta quantia
de entrada, não necessita nenhuma justificativa; é principalmente
o atraso dessa edição, devido a circunstâncias exteriores inco-
muns, que merece uma explicação. Meu amigo, Dr. Rudolf Plo-
derer, advogado vienense que se suicidou em setembro de 1933,
era também muito próximo de Webern e havia estenografado as
conferências. Nós queríamos publicá-las integralmente na revista
musical 23 1, que eu coordenava naquela época em Viena. Porém,
a falta de espaço impediu, a princípio, essa publicação, e, mais
tarde, as críticas agudas contidas nessas conferências contra a
política cultural dos nazistas teriam exposto Webern a uma im-
placável perseguição. Foi somente muito tempo depois da guerra
e do trágico fim de Webern que pude consultar os arquivos da
revista, que por medida de proteção foram abrigados na Suíça, e
assim então os manuscritos de Ploderer, já amarelados pela idade,
reapareceram. Sob minha proposta, a Universal Edition se decla-
rou com prazer pronta para uma imediata publicação das confe-
rências.

1
A revista musical 23 — eine Wiener Musikzeitschrift — foi editada por
Willi Reich, com o estímulo de Alban Berg, de 1932 a 1937. Ela repre-
sentou um importante meio de divulgação, e de apoio, da música
nova, particularmente da produção da segunda escola de Viena. Entre
seus colaboradores regulares figuravam Ploderer, Krenek e Adorno
(ndt).
7
8 " WILLI REICH

Elas estão aqui publicadas textualmente, a partir do estenograma;


apenas alguns erros evidentes de estenografia foram retificados.
Dessa forma, elas oferecem, ao lado de seu precioso conteúdo,
uma idéia muito viva da forma de expressão particularmente ri-
gorosa e franca de Webern, e assim também de sua pura e mara-
vilhosa personalidade, que unia uma grande cultura e um
pensamento artístico dos mais aguçados a uma expressão quase
infantil de sentimentos.2
Por razões objetivas totalmente evidentes, a sucessão cronológica
dos dois ciclos de oito palestras foi invertida. Partindo de concei-
tos elementares abordados em 1933, chega-se assim, de maneira
muito natural, aos aspectos complexos da música de doze sons
esboçados em 1932. A brevidade extraordinária de alguns textos,
em particular no ciclo de 1932, deve-se ao fato de Webern ter fa-
lado menos naquelas noites, preferindo tocar ao piano obras in-
teiras ou trechos isolados. As repetições que podemos observar
em alguns lugares foram introduzidas propositalmente por ele, a
fim de intensificar suas exposições e lhes atribuir mais força; as-
sim também se justificam seus longos e freqüentes silêncios e
sua maneira de retomar profundamente o fôlego. Tudo isso re-
presentou um fator essencial no impacto inovador de suas pa-
lestras e a impressão de profunda perturbação que elas
causaram em todos os ouvintes.
É muito característico o fato de Webern ter qualificado seus dois
ciclos de “caminhos”. Ele, que estava sempre “em movimento”,

2
Em graus distintos, isso pode ser também notado em várias das car-
tas escritas por Webern a Hildegard Jone e Josef Humplik. Aliás, a
leitura delas já havia suscitado o seguinte comentário de Stravinsky:
“Poderia dizer-se (de Webern), padre de uma pequena cidade de inte-
rior cujo universo não ultrapassa os limites de sua paróquia — de fato,
ele faz parecer meu universo distante um milhão de quilômetros. Suas
maneiras e seu jeito de ser são igualmente de vilarejo e . . . sacerdotais”
(ndt).
PREFÁCIO " 9

queria também mostrar o caminho aos outros. Primeiramente de-


veria ser apontado aquilo que, ao longo dos séculos, foi a cada
vez considerado “novo” na arte musical, isto é, o que jamais tinha
ainda sido dito. Das leis resultantes ao longo desse estudo deve-
ria ser deduzida a lei geral, segundo a qual surge o novo contem-
porâneo.
Aqui, Webern fez seu o ponto de vista de Goethe, explicou através
de longas citações. Eis, na sua opinião, o essencial: “Aprender a
conhecer as leis segundo as quais a natureza universal, sob a
forma particular da natureza humana, tende a agir de maneira
produtiva e, podendo, produz efetivamente”. O homem é apenas
o receptáculo no qual é versado aquilo que a “natureza universal”
quer exprimir. Da mesma forma que o naturalista se esforça em
descobrir as leis que regem a natureza, assim também devemos
tentar descobrir as leis segundo as quais a natureza, sob a forma
particular do homem, é produtiva. E, de fato, isto nos conduz à
idéia de que as coisas que são o objeto da arte não são “estéticas”,
mas sim determinadas por leis naturais, e que todas as conside-
rações sobre a arte devem situar-se somente sob essa perspec-
tiva. O comentário de Goethe sobre a arte dos antigos, citado por
Webern, segue essa mesma linha de pensamento: “Essas grandes
obras de arte são ao mesmo tempo as maiores obras da natureza,
criadas pelos homens segundo leis verdadeiras e naturais. O ar-
bitrário, o imaginário, vem abaixo: aí está a necessidade, aí está
Deus”.
Assim como Goethe define a essência da cor como “a expressão
das leis da natureza na sua relação com o sentido da visão”, assim
Webern deseja que o som, concebido como a expressão das leis
da natureza na sua relação com o sentido da audição, seja sub-
traído de toda arbitrariedade. Somente para aqueles que sabem
disso e respeitam o ato artístico ele deseja permitir a proximidade
com as obras dos grandes mestres da música.
10 " WILLI REICH

Talvez, a partir da literatura musical desses últimos tempos, al-


guns leitores tenham feito da concepção espiritual de Webern,
uma idéia muito diferente daquela que se pode observar nas con-
ferências que publicamos aqui. À fantasia gratuita pode-se res-
ponder somente indicando que não existe aqui uma só palavra
que não tenha sido pronunciada pelo próprio Webern, pronun-
ciada de maneira tão inflamada, embora contida, que fazia de
cada encontro com ele uma experiência inesquecível. Que essas
conferências sejam legadas à posteridade como um reflexo de
nossa experiência, como um gesto de reconhecimento por tudo
que ele nos comunicou de belo e profundo, por seu ensinamento
e exemplo, como tantas das provas de elevação de seu espírito,
como um monumento à sua nobre humanidade. Aquele que
tenha ouvidos, que escute !

WILLI REICH 3

3
Willi Reich (1898-1980) musicólogo e crítico musical suíço, nascido
em Viena. Estudou, como aluno particular, teoria musical e composi-
ção com Alban Berg, de 1927 a 1935, e com Anton Webern, de 1936 a
1938 (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA

enso que poderíamos iniciar delineando meu plano de trabalho.


P Como tudo começou tão tarde, essa série de conferências,
que originalmente se estenderia por três meses, terá sua duração
reduzida a oito encontros.
Imagino que muitos de vocês não são músicos profissionais e
devo me dirigir, por assim dizer, a leigos. Quero que minhas con-
ferências levem em conta essas pessoas, mesmo correndo o risco
de aborrecer os “mais cultos”. Não posso agir de outra maneira,
mas talvez estes últimos se interessem também.
Desejo enfocar as coisas da forma mais ampla possível, e eis
minha primeira questão (suponho que os músicos já saibam de
tudo isso): que significa, então, para as pessoas que não se dedi-
cam profissionalmente à música, envolverem-se com disciplinas
que constituem o domínio específico dessa arte? Que valor pode
ter isso?
Gostaria de referir-me aqui ao ensaio de Karl Kraus sobre a Lin-
guagem, publicado no último número do “Die Fackel ”.1 Tudo,
nesse texto, pode ser literalmente aplicado à música. Nele, Karl
Kraus nos diz como seria importante que as pessoas estivessem

1
“O Facho”, nº. 885/7, de fim de dezembro de 1932. Esse periódico vie-
nense foi editado pelo polemista austríaco Karl Kraus (1874-1936),
que a partir de 1911 assume sozinho a responsabilidade de sua reda-
ção. Sua celebridade deve-se aos textos de caráter incendiário aí pu-
blicados (ndt).

11
12 " ANTON WEBERN

familiarizadas com o material que utilizam incessantemente ao


longo de suas vidas, assim como são capazes de falar.
Ele chega mesmo a dizer, na frase final, a propósito da linguagem:
“Que o homem aprenda a servi-la !” Karl Kraus afirma — e prestem
bem atenção, pois isso é de extrema importância e devemos estar
totalmente de acordo ! — que naturalmente seríamos insensatos
se lidássemos com esse material, que manipulamos desde cedo
em nossa vida, como se o valor envolvido fosse estético. Não por-
que queiramos ser artisticamente esnobes ou pedantes . . . , mas
sim, conforme nos diz, porque ocuparmo-nos da linguagem e de
seus segredos representaria um ganho moral. Precisamos dizer
o mesmo ! Estamos aqui para falar da música e não da linguagem,
mas é a mesma coisa, e podemos desenvolver nosso tema a partir
daí.
Eis o que diz Karl Kraus: “A conseqüência prática da teoria que se
refere à língua e à fala não deveria ser nunca ensinar ao mesmo
tempo a linguagem, mas sim aproximar quem aprende da com-
preensão da forma da palavra, e com isso de um universo cujas
riquezas situam-se além do limite das utilidades imediatas. Essa
garantia de ganho moral decorre de uma disciplina espiritual que
estabelece o grau máximo de responsabilidade diante da única
coisa que pode ser impunemente prejudicada — a língua —, e,
como nenhuma outra é qualificada para ensinar o respeito de
todos os valores vitais . . . Nada seria mais tolo do que supor que
é uma necessidade estética que despertamos ou satisfazemos
quando pesquisamos a perfeição da linguagem.” E continua assim
frase após frase ! “Aproximar-nos dos enigmas de suas regras,
dos planos de suas armadilhas, é uma loucura bem melhor do
que imaginar que possamos dominá-la.” E não tenhamos a pre-
tensão de aprender para poder dominar: “Aprender a enxergar
abismos nos lugares comuns — este seria o dever pedagógico
numa nação crescida em pecados . . . ”
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 13

Havia perguntado anteriormente: qual poderia ser o interesse de


um leigo em conhecer esses elementos, em desvendar “os enig-
mas de suas regras”? Justamente esse: aprender a descobrir
abismos nos lugares comuns ! E, isso seria a salvação . . . estar es-
piritualmente implicado !
Bem, vocês começam a ver onde pretendo chegar?
Isso de que falamos deve ser uma via para que se aproximem da
música; ou melhor, o único sentido de tal discussão é permitir
que vocês despertem para o que acontece na música, para o que
ela é e, de maneira geral, para o que é a arte. Se, após havermos
examinado diversos pontos, vocês tiverem condição de apreciar
certas manifestações da música atual com um pouco mais de
consciência e espírito crítico, isso já será, em si, algo positivo.
Por enquanto, gostaria de falar de forma bem geral, e dizer que
toda arte, assim como a música, está baseada em leis, e nossa in-
vestigação sobre o material musical, como a pretendemos, só
pode partir da fundamentação relativa de tais leis. Quero aqui
citar algumas frases maravilhosas de Goethe, que servirão de
base para tudo o que discutiremos e que têm, ao menos para mim,
a força da evidência. Eu as menciono para que as tenhamos cons-
tantemente presentes ao longo de nossos encontros.
Na introdução de sua “Teoria das Cores” Goethe fala aforistica-
mente da “impossibilidade de explicar a beleza na natureza e na
arte . . . Queremos descobrir leis . . . dever-se-ia conhecê-las”.2 Em-
bora Goethe considere isso quase impossível, resta a necessidade
de “procurar conhecer as leis segundo as quais a natureza uni-

2
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832): com a publicação de duas
de suas primeiras obras em 1774 ele se torna um dos líderes da jovem
escola “Tempestade e Ímpeto”. Sua viagem à Itália, 1786-1788, repre-
senta uma nova etapa de seu pensamento, caracterizada pela ruptura
com o romantismo, conseqüência da linha neo-clássica desenvolvida
desde 1779 aproximadamente. Sua “Farbenlehre” (“Teoria das Cores”),
é proposta em 1810 (ndt).
14 " ANTON WEBERN

versal, sob a forma particular da natureza humana, tende a agir


de maneira produtiva e, quando pode, produz efetivamente . . . ”
Nas o que significa isso? . . . Goethe concebe a arte como uma
produção da natureza universal sob a forma particular da natu-
reza humana. Quer dizer que não existe oposição essencial entre
um produto da natureza e um produto da arte, que eles são uma
mesma coisa, que aquilo que tomamos e denominamos por obra
de arte, no fundo nada mais é do que um produto da natureza
universal. O que é então a “natureza universal”? Talvez aquilo que
nos cerca? Mas o que é isso? É uma maneira de explicar a pro-
dutividade humana e em especial a genialidade. Vejam vocês, se-
nhoras e senhores, as coisas não acontecem assim: “Agora eu
quero pintar um belo quadro, escrever uma bela poesia”, etc., etc.
Sim, isto ocorre também — mas não é arte.
As obras que existem, e permanecerão sempre, as grandes obras
primas, não nasceram, seguramente, como a maioria das pessoas
infelizmente o imagina. As frases de Goethe devem ter mostrado
com muita clareza o que quero dizer. Falando mais simplesmente:
o ser humano é apenas o receptáculo no qual é versado aquilo
que a “natureza universal” deseja exprimir. Vejam, quero dizer
mais ou menos o seguinte: assim como o naturalista se esforça
em descobrir as leis que são a base da natureza, devemos tam-
bém procurar descobrir as leis segundo as quais a natureza, sob
a forma particular do ser humano, é produtiva. E isso nos leva a
considerar que as coisas, que geralmente são o objeto da arte,
com as quais ela tem a ver, não são “estéticas”, mas derivam-se
de leis naturais e que todas as observações sobre música podem
apenas situar-se sob essa perspectiva.
Provavelmente existem leis que de fato não podemos descobrir.
Mas algumas delas já foram reconhecidas e introduzidas naquilo
que gosto de chamar nosso método artesanal; de maneira espe-
cífica, nesse metier com o qual o músico tem de se ocupar caso
deseje ter condições de criar algo legítimo.
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 15

Mais uma citação de Goethe que expressa maravilhosamente


essa linha de pensamento. Ele fala da arte da antigüidade: “Essas
grandes obras de arte são ao mesmo tempo as maiores obras da
natureza, criadas por seres humanos segundo leis verdadeiras e
naturais. Todo o arbitrário, ilusório, vem abaixo: aí está a necessi-
dade, aí está Deus.” “ . . . obras da natureza criadas por seres hu-
manos . . . ” — sempre a mesma idéia ! E algo mais surge: a
necessidade. Devemos nos empenhar em descobrir o que é a ne-
cessidade nas obras primas. Nenhum indício de arbitrário ! Nada
de ilusório ! E devo citar Goethe uma vez ainda. Vocês sabem que
ele escreveu uma “Teoria das Cores”; tentou fundamentar o por-
quê de tudo ter uma cor, etc. Ele diz: “Talvez aqueles que costu-
mam proceder de maneira mais ordenada observem que ainda
não explicamos precisamente o que é a cor . . . Então nada mais
nos resta senão repetir: a cor é a expressão das leis da natureza
na sua relação com o sentido da visão.”
Como entre cor e música não existe uma diferença de essência,
mas apenas de grau, pode-se dizer que a música é a expressão
das leis da natureza na sua relação com o sentido da audição; ba-
sicamente é a mesma coisa que a cor, e tudo que disse sobre ela.
Considero isso verdadeiro, e afirmo que, se desejamos discutir
aqui sobre música, só poderemos fazê-lo caso reconheçamos e
acreditemos que ela é a expressão das leis da natureza na sua re-
lação com o sentido da audição.
Talvez isso seja o suficiente, no momento, para mostrar-lhes meu
ponto de vista, e convencê-los de que as coisas são realmente
dessa maneira. Se desejamos nos aproximar das grandes obras
de arte, contemplá-las e delas nos impregnar, é natural que te-
nhamos de nos posicionar — com ou sem fé — como nos posi-
cionamos frente às obras da natureza: com o respeito necessário
diante de seus segredos básicos e do mistério que elas contêm.
Mas, em todo caso, tendo já consciência ou não, uma coisa pre-
cisa ficar bem clara: estamos em presença de leis e não podemos
16 " ANTON WEBERN

concebê-las diferentemente daquelas que atribuímos à natureza


— as leis, da natureza na sua relação com o sentido da audição.
Bem, chego agora ao título de minhas conferências: “O caminho
para a música nova”. Alguém de vocês estava na palestra de
Schoenberg 3 ? Ele também falou da “Música Nova”. O que ele quis
dizer com isso? Queria indicar o caminho para a música mo-
derna? Minhas próprias explanações adquirem agora um duplo
sentido relativamente à colocação de Schoenberg: música nova
é aquela que nunca foi dita. Então música nova pode significar
tanto aquela que existe há mil anos, quanto esta que se faz agora,
ou seja: toda música que aparece como jamais dita anteriormente.
Mas também podemos dizer: percorramos a evolução ao longo
dos séculos, e veremos então o que é realmente a música nova.
Assim, talvez venhamos a saber o que hoje é música nova e mú-
sica obsoleta.
Devemos, pois, evidenciar as leis que lá estão ocultas, para ver
mais claramente o que ocorre no momento atual. Aí então tere-
mos percorrido o caminho para a música nova.
Agora gostaria de tratar do aspecto prático e abordar algo da na-
tureza, da forma mais abrangente possível, embora relacionado
à música: algo bastante geral, sem o que não podemos nos en-
tender, e que ainda se encadeia diretamente com o que dissemos
antes, com base nas concepções de Goethe. Falamos já o sufi-
ciente de arte, falemos da natureza !
Qual é o material da música? . . . O som, não é verdade? Portanto
é a esse nível que devemos nos situar, pesquisando leis e exami-

3
Trata-se da palestra intitulada “Neue und veraltete Musik oder Stil und
Gedanke” (“Música nova e música obsoleta ou estilo e idéia”) , proferida
por Schoenberg no Kulturbund de Viena em janeiro de 1933 (W.R.).
Seu texto está incluído nos escritos reunidos de Schoenberg, publi-
cados por Leonard Stein, sob o título “Estilo e Idéia”. Possui, portanto,
uma versão em inglês (Belmont Music Publishers/Faber & Faber Li-
mited) e também em francês (Ed. Buchet/Chastel) (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 17

nando suas implicações. Não sei até onde vai o conhecimento de


todos vocês, mas gostaria de colocar o seguinte: como se chegou
a isto que chamamos de música? Como os seres humanos utili-
zaram o que foi dado pela natureza? Vocês sabem que o som não
é um elemento simples, mas composto. Sabem ainda que cada
som é acompanhado de sons harmônicos, cuja série na verdade
é infinita. É interessante notar como o ser humano valeu-se desse
fenômeno dispondo do que lhe era imediatamente necessário
para criar uma forma musical, como se serviu desse mistério.
Ex. 1 — Série harmônica.

Série harmônica 10 11 12 13 14 15 16
5 6 7 8 9 bœ nw w
w bœ w w w #œ w bœ
& w
4 etc
1 2
? w3 w
w
w Sons harmônicos
Som
fundamental

Falando mais concretamente: de onde se origina esse sistema de


sons, do qual os seres humanos se valem desde que existem
obras musicais? Como tudo isso aconteceu? Bem, pelo que sa-
bemos, a música ocidental — refiro-me a tudo que se conhece
desde a música grega até a atual — é fundada sobre certas esca-
las sonoras que assumiram formas determinadas. Conhecemos
os modos grego, os modos eclesiásticos dos tempos antigos.
Como chegamos à construção dessas escalas? Elas são na ver-
dade uma conseqüência dos sons harmônicos. Como vocês
sabem, primeiro vem a oitava, depois a quinta, na oitava seguinte
a terça e, continuando, a sétima. O que evidenciamos então? Que
a quinta é o primeiro som diferenciado que aparece e, portanto,
o que tem maior afinidade com o som fundamental. Isso nos per-
mite concluir que esse som mantém uma relação idêntica com
um outro fundamental situado uma quinta abaixo. Assim, temos
18 " ANTON WEBERN

uma espécie de paralelogramo de forças, o “equilíbrio” está ga-


rantido, as forças que tendem para cima e as que tendem para
baixo se contrabalançam. Eis algo extremamente interessante: o
fundamento tonal da música do ocidente nada mais é do que os
primeiros sons desse paralelogramo de forças: Dó (sol, mi) — Sol
(ré, si) — Fá (dó, lá). Portanto, os sete sons da escala são dados
pelos harmônicos desses três sons intimamente próximos e
relacionados.

Dó (sol, mi) Sol (ré, si)

Fá (dó, lá) Dó (sol, mi)

Ex. 2 —“Paralelogramo de forças”.4

Vocês vêem então como esse material é inteiramente fornecido


pela natureza. É assim que podemos explicar nossa gama de sete
sons, e pode-se supor também que ela se estabeleceu dessa
forma.
Existe ainda a música dos povos não ocidentais, da qual conheço
muito pouco: a música japonesa e chinesa, por exemplo, na me-
dida em que não imitam nossa música. Elas se baseiam em esca-
las diferentes daquela de sete sons que utilizamos. No entanto, o
fato de que nosso sistema esteja estabelecido sobre fundamentos
sólidos e consistentes parece provar que um caminho especial
foi indicado para nossa música.
(20 de fevereiro de 1933)

4
Provavelmente esta seria a realização do “paralelogramo de forças”
mencionado por Webern, mas ausente na edição de Willi Reich (ndt).
II

aso continuemos a nos encontrar, gostaria que alguém fizesse


C regularmente um resumo do que foi tratado na vez anterior.
Isso nos permitirá retomar de maneira mais consciente o assunto
abordado. Tentaremos refletir juntos sobre as coisas para vê-las
cada vez mais claramente.
Na última vez, partimos da “forma das palavras”, segundo a ex-
pressão de Karl Kraus (ele poderia ter dito também “forma lin-
güística” ou “estrutura lingüística”) — para fazer uma analogia
com a estrutura musical. Chegamos assim a captar a idéia musi-
cal, situada do outro lado da matéria.
Gostaria de fazer aqui uma pequena digressão, para mostrar a
vocês a que ponto é importante tratarmos de tais questões, se
desejamos apreciar idéias musicais. É estranho como existem
poucas pessoas capazes de compreender uma idéia musical. Não
me refiro à grande massa, que não pode se ocupar muito das coi-
sas do espírito; desejo evidenciar os erros de alguns gênios. vocês
já devem ter percebido a posição singular de Schopenhauer em
relação à música. Ele, que desenvolveu pensamentos extraordi-
nários sobre música, fez, entretanto, o mais tolo julgamento: pre-
feriu Rossini a Mozart ! Se se tratasse ao menos de um
contemporâneo, a falha seria mais perdoável; porém ele se refe-
ria a um período antigo, o que foi portanto um erro histórico !
Continuemos: de quem gostava Goethe? De Zelter ! Schubert lhe

19
20 " ANTON WEBERN

envia o “Rei dos Elfos” 1, mas ele nem o olha. O célebre encontro
de Goethe e Beethoven certamente não ocorreu como se des-
creve de maneira habitual, pois Beethoven sabia muito bem se
comportar socialmente e não era nenhum “tolo louco”; certa-
mente ele se encolerizou, mas não podemos imaginá-lo como um
“selvagem”. E Nietzsche? Schopenhauer, Goethe, Nietzsche, quan-
tos nomes ilustres: Nietzsche aborda Wagner de um ponto de
vista intelectual e filosófico, e não de um ponto de vista musical.
Com “Parsifal”, Wagner se transpõe para um campo com o qual
Nietzsche não estava de acordo. O catolicismo de “Parsifal” foi
oficialmente o motivo da ruptura; como vocês vêem, algo de
extra-musical. Sem dúvida, ele foi forçado a encontrar um subs-
tituto: Bizet.
É sempre a mesma coisa: os medíocres são supervalorizados, e
os grandes, rejeitados. Seguramente um Nietzsche refletia sobre
cada palavra que dizia e escrevia. Se ele então falava de música,
o motivo de sua ruptura com Wagner não poderia ter sido algo
extra-musical. Vocês vêem como é difícil captar idéias em música.
Senão estes gênios não teriam se equivocado assim: Foram jus-
tamente as idéias que eles não compreenderam. Não consegui-
ram nem mesmo pressenti-las !
Continuemos: Strindberg: Vocês já leram o que ele diz sobre Wag-
ner? Que ele roubou de Mendelssohn suas melhores passagens.
A isto acrescentou ainda uma confusão: ele identificava a Wal-
quíria com Nora e não suportava Ibsen.
E, mais recentemente: Karl Kraus ! Esse é um ponto interessante.
Não tenho necessidade de dizer tudo o que Karl Kraus representa
para mim, quanto o considero. Mas nesse domínio ele se engana
redondamente. Tomemos o seu célebre aforismo: a “música que
banha a orla do pensamento” ! Isso mostra de maneira muito clara
como ele é absolutamente incapaz de imaginar que na música

1
“Erlkönig”, canção composta em 1815; o texto é do próprio Goethe (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 21

está oculta uma idéia. Eu me lembro, já faz algum tempo, de um


certo Herwarth Walden simpatizante do “Sturm und Drang” 2 —,
que admirava muito Karl Kraus, fazia a apologia de Kokoschka e
ainda compunha. Chegou-se mesmo a publicar alguma coisa dele
no Die Fackel. Diletantismo do mais miserável, sem nenhum traço
de música ou pensamento musical ! E, no entanto, Karl Kraus o
publicou !
Comparem com as artes. plásticas: um tal estado de coisas seria
impensável. É tão absurdo que Karl Kraus se tenha enganado
dessa forma ! Mas, qual é a razão? Parece que se deve ter rece-
bido um dom específico para poder captar uma idéia musical.
Como as pessoas ouvem música? Como a ouve a grande massa?
Aparentemente ela precisa se orientar por certas imagens ou “es-
tados de espírito”. Sente-se perdida quando não pode imaginar
um prado verde, um céu azul ou algo do gênero. Escutando-me
agora, vocês acompanham um desenvolvimento lógico de idéias.
No entanto, não é assim que tais pessoas acompanham os sons
musicais ! Quando canto alguma coisa bem simples, uma mono-
dia — como “Es kommt ein Vogerl geflogen” 3 ou a melodia do pas-
tor do “Tristão”—, onde o pensamento musical assume apenas
um espaço restrito, sem dimensão mais profunda, vocês não
tomam consciência de que existe um “tema”, uma melodia, uma
idéia musical? Ao menos para aquele que pensa musicalmente,
isso não deixa sombra de dúvida, e é por esse caminho que desejo
guiá-los um pouco. Eu percebo quando se trata de uma idéia vul-

2
Movimento intelectual e artístico que ocorreu na Alemanha no final
do século XVIII, caracterizado pelo retorno à natureza, predominância
dos sentimentos e revolta contra as regras morais e sociais. Sturm,
tempestade, e Drang, ímpeto. Esse nome é emprestado de uma peça
do escritor alemão Friedrich M. von Klinger (1752-1831), datada de
1776 (ndt).
3
“Vem um pássaro voando”, tema de dança popular, provavelmente de
origem austríaca; sua melodia está na pagina 64 (ndt).
22 " ANTON WEBERN

gar, banal, e sou capaz de diferenciá-la de outra mais avançada,


de maior valor — isto independentemente do fato dessa idéia ser
ou não conhecida. A frase de Karl Kraus sobre a “orla do pensa-
mento” é tao característica ! Deve ser uma subestimação. Aquilo
que Bach e Beethoven escreveram é apenas uma reles distração
para os estados de espírito ao lado do pensamento? O que Karl
Kraus, com razão, preza tanto e que corresponde à teoria da lin-
guagem? As leis da construção musical !
A segunda coisa sobre a qual se baseia Karl Kraus é o “ganho
moral”. Quando se tem uma noção das leis, deve-se adotar uma
postura completamente diferente das anteriores ! Não é mais pos-
sível considerar uma obra da seguinte maneira: ela pode ou não
ser; na realidade ela teve de ser. Cada vez que algo de excepcional
foi dito, necessitou-se de muitos séculos para que as pessoas o
assimilassem. Esse é o “ganho moral”.
Citei depois Goethe a fim de que vocês compreendessem minha
concepção de arte, para que reconhecessem que a arte, como a
natureza, é submetida a leis. A arte é um produto da natureza uni-
versal, sob a forma particular da natureza humana.
Que perspectivas se abrem aqui ! Estamos diante de um processo
isento de qualquer arbitrariedade. Lembro-me das palavras de
Schoenberg, quando fazia seu serviço militar. Um superior lhe
perguntou surpreendido “Por acaso o senhor é o compositor?”
Schoenberg respondeu: “Sim. como ninguém queria ser, então
tive que assumir essa missão !” Agora, falando concretamente: o
som é a expressão das leis da natureza na sua relação com o sen-
tido da audição. Examinamos já o material musical e constatamos
sua sujeição a leis. Minha intenção é a de que vocês pensem e ob-
servem as coisas segundo essa ótica particular. Como já disse,
uma nota é um complexo formado por um som fundamental e
seus harmônicos. Houve então um processo gradual, no qual a
música explorou, um após outro, cada nível desse material com-
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 23

posto. Esse foi o caminho: fez-se recurso primeiramente ao que


estava mais próximo e após ao que estava mais distante.
Nada, portanto, é mais falso que a opinião já antiga e que ainda
hoje persiste: “Deve-se compor como antes, sem tantas disso-
nâncias como agora !”, pois estamos diante de uma apropriação
cada vez mais completa do que é dado pela natureza ! A série dos
harmônicos é praticamente infinita. Diferenciações sempre mais
sutis são possíveis, e, desse ponto de vista, não há nada que se
possa opor à música de quartos de tom e outras semelhantes. A
única questão é se a época atual está já madura para isso. Mas
esse caminho é totalmente válido, está traçado pela natureza do
som. Deixemos claro, portanto: o que se ataca hoje é um dado da
natureza, assim como aquilo que se fazia antigamente.
E por que é tão importante que tomemos consciência disso?
Vejam a música atual: nela reina uma confusão sem precedentes !
Fala-se em “correntes” (sobre isto falaremos mais tarde !) ou,
ainda, em que corrente devemos acreditar e ter confiança? Vocês
verão o que entendo por essas “correntes”.
Repito: a escala diatônica não foi inventada, foi encontrada. Ela
já existia, e sua dedução foi simples e clara: os harmônicos do
“paralelogramo de forças” dos três sons vizinhos e aparentados
fornecem as notas dessa escala. Assim, são justamente os har-
mônicos mais importantes, aqueles que estão mais próximos do
som de base, que formam a escala diatônica; algo inteiramente
natural, nada imaginário. Mas e os sons intermediários? Com eles
começa uma nova época, da qual nos ocuparemos mais tarde.
A tríade, de cujo desaparecimento se faz tanto alarde, desempe-
nhou um papel muito importante na música até nossos dias. O
que é a tríade? A formação compreendendo os dois primeiros
harmônicos de nome diferente logo após o som fundamental. É
portanto uma reconstrução desses harmônicos, uma imitação da
natureza e das primeiras relações originalmente contidas na es-
24 " ANTON WEBERN

trutura sonora. Por isso ela é agradável ao nosso ouvido e foi


utilizada desde tempos remotos.
(1) (3) (5)
œ acorde perfeito
? œ
& œœ
w œ
Harmônicos
Fundamental

Ex. 3 — Formação da tríade.

Acrescentamos algo que, segundo sei foi expresso pela primeira


vez por Schoenberg: chamamos consonâncias a esses acordes
simples; mas logo chegou-se à conclusão de que os harmônicos
mais distantes, denominados então dissonâncias, podiam provo-
car sensações mais picantes. Precisamos entender bem que con-
sonância e dissonância não se diferenciam essencialmente: existe
entre elas somente uma diferença de graus, não de essência. A
dissonância é apenas uma etapa posterior na continuidade da
série harmônica. Não sabemos realmente aonde conduz essa luta
contra Schoenberg, que se funda na acusação de abuso das dis-
sonâncias. Naturalmente isso é um absurdo. Essa é a luta que a
música sempre teve de empreender. Essa é a crítica que recai
sobre todos aqueles que ousaram ir além. É verdade que, neste
último quarto de século, a transgressão foi muito acentuada e de
magnitude nunca antes conhecida na historia da música — não
há a menor sombra de dúvidas quanto a isso. De toda maneira,
aquele que aceita uma diferença de essência entre consonância
e dissonância está errado, pois os sons — como eles exis tem na
natureza — contêm neles mesmos todo o universo das possi-
bilidades sonoras, e assim se deu a evolução. A maneira de se en-
focar as coisas é sempre fundamental.
Mas existe ainda algo igualmente importante: falamos já da idéia
musical. Com que objetivo as pessoas se serviram desse “dado
da natureza”? O que as incitou a utilizar as escalas sonoras? Deve
ter existido uma razão, alguma necessidade subjacente para que
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 25

surgisse isto que chamamos música. Qual necessidade? Aquela


de dizer alguma coisa, de exprimir algo, uma idéia que não po-
deria ser expressa de outra maneira que não fosse pelos sons.
Não pode ter sido de outra forma. Se não, por que todo este tra-
balho se se pudesse dizer a mesma coisa através de palavras? É
de forma análoga que o pintor também tomou posse da cor. Por
meio dos sons tentamos comunicar alguma coisa que não pode
ser dita de outra maneira. Nesse sentido, a música é uma lingua-
gem.
Naturalmente, logo surgiram leis de ordenação relativamente à
apresentação das idéias musicais. Tais regras existem desde que
se começou a fazer música e que se exprimem idéias musicais.
Vamos tentar compreender as leis que, obrigatoriamente, emba-
sam tudo isso. Como as idéias musicais são apresentadas por
meio do material dado pela natureza?
Esperamos assim aprender a distinguir, da maneira mais clara
possível, o que pode ser realmente diretivo na música nova.
(27 de fevereiro de 1933)
III

oje, estou sentindo certa dificuldade em me concentrar,


H devido a um caso de doença.
Vamos comentar sobre o desenvolvimento da música nova. Para
nós, somente os fatos serão pertinentes, não os pontos de vista.
O que foi decisivo nesses acontecimentos musicais? Na última
vez, tratamos de um dos aspectos: a conquista contínua do ma-
terial fornecido pela natureza. Analisamos as noções de base: a
formação da escala diatônica, a natureza semelhante dos acor-
des simples e complexos, e vimos ainda que a evolução começou
por aquilo que estava mais próximo às mãos. O acorde perfeito é
a prova disso: ele é a reconstrução dos harmônicos mais próxi-
mos do som fundamental. Em seguida, explorou-se cada vez mais
esse material.
Vejamos agora o segundo aspecto: havia alguma coisa a dizer. O
quê? Idéias. Como se formularam essas idéias, segundo as leis
da música? Vamos retraçar essa evolução no seu contorno mais
amplo, tendo sempre em mente que, entre as várias linhas surgi-
das, há uma que realizara aquilo a que os mestres da composição
musical aspiraram e perseguiram desde que se pensa em música.
Apresentação de uma idéia musical: o que se entende por isso?
A expressão de uma idéia por meio de sons ! O propósito de ex-
pressar uma idéia pressupõe a existência de leis de modo geral.
Tudo o que aconteceu, toda aspiração tem por objetivo essas leis.
Algo é dito através de sons: logo, há uma analogia com a lin-
guagem. Quando desejo comunicar alguma coisa, surge imedia-

26
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 27

tamente a necessidade de me fazer entender. Mas como fazer


para me tornar inteligível? Expressando-me o mais precisamente
possível. Aquilo que digo deve ser claro. Não posso me perder em
considerações vagas. Para isso existe um termo exato: apreensi-
bilidade.1 O princípio máximo de toda apresentação de idéias é a
lei da apreensibilidade. Essa certamente deve ser a lei suprema.
O que é necessário para que uma idéia musical seja apreensível?
Vejam, tudo o que aconteceu nas diferentes épocas serve a esse
único objetivo.
Vamos mais longe: o que significa a palavra “apreensibilidade”?
Considerem-na no seu sentido concreto: vocês querem “apreen-
der” algo. Quando tomam um objeto na mão, vocês o “apreende-
ram”. Mas não podemos pegar uma casa nas mãos e
“apreendê-la”. Então, em sentido figurado, apreensível é aquilo
que compreendo de maneira global, cujos contornos posso dis-
tinguir. É impossível “apreender” uma superfície plana. Essa si-
tuação se altera quando algo é dado, por exemplo um começo.
Mas o que é um começo? Isso nos leva a falar de diferenciação.
Ampliemos essa imagem ! Mencionamos uma superfície plana;
vemos agora, por exemplo, uma parede lisa dividida por colunas.
Naturalmente isso é muito primário, mas de qualquer maneira
temos um primeiro ponto de diferenciação. A situação se altera
ainda quando distinguimos outros elementos “apreensíveis”. O
que é então diferenciação? De forma geral, introduzir divisões !
Para que servem essas divisões? Para discernir elementos, para
distinguir as coisas principais das secundárias. Isso é necessário

1
O termo fasslichkeit pode ser também traduzido por compreensibili-
dade ou inteligibilidade. Por motivo de coerência com a linha de pen-
samento de Webern, particularmente no parágrafo seguinte, preferi
utilizar a expressão apreensibilidade que, embora menos abrangente
que as anteriores, significa a possibilidade de conhecimento mais
imediato através do julgamento ou da percepção, e nesse sentido
mais adequada aqui (ndt).
28 " ANTON WEBERN

para o entendimento, e assim também deve-se proceder em mú-


sica. Quando vocês desejam explicar uma coisa a alguém, não
podem perder de vista aquilo que é mais importante, o fato
principal; e, caso se faça recurso a alguma ilustração, não se deve
chegar aos ínfimos detalhes. É necessário que haja uma coerên-
cia2, senão ninguém os compreendera. Temos aqui um elemento
que desempenha um papel especial: a coerência é necessária
para tornar uma idéia apreensível. Schoenberg chegou mesmo a
pensar em escrever um livro: “Sobre a coerência na música”.
Recapitulemos então o que acabamos de verificar: diferenciação,
ou seja distinção entre fatos principais e secundários, e coerência.
Poder-se-ia dizer que, desde que se compõe música, a maioria
dos grandes artistas se empenhou em tornar essa coerência cada
vez mais clara. Tudo o que ocorreu se fez nessa direção, e acre-
dito que na nossa época atingimos um novo grau de coerência,
graças ao método de composição, tão polêmico, que Schoenberg
chamou “composição com doze sons relacionados somente entre
si”. Trataremos desse método no final das conferências. Para mim
o mais importante é mostrar como esse caminho foi percorrido
e que nossa meta era alcançar tais resultados.
A composição com doze sons atingiu em coerência um grau de
perfeição jamais verificado anteriormente. É claro que, quando
existem relações e coerência em todos os níveis, a apreensibili-
dade está garantida. Todo o resto é simplesmente diletantismo,
sempre foi e sempre será ! Isso é valido em todos os domínios, e
não somente em música. Mesmo que não possa provar, suponho
que nas artes plásticas, na pintura, existam também relações que
asseguram a coerência; mas estou certo de que isso ocorre, so-
bretudo, na linguagem. A coerência a serviço da apreensibilidade

2
Zusammenhang, normalmente traduzido ao longo dessas conferên-
cias por coerência; esse termo pode significar também: unidade, coe-
são, correlação ou simplesmente relação (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 29

das idéias ! Esse princípio guiou a arte musical de múltiplas ma-


neiras nas diferentes épocas.
Gostaria ainda de abordar hoje mais um ponto essencial para
nossas observações. Nós queremos, e devemos, falar sobre o es-
paço que ocupa uma idéia musical. Foi sempre possível e conce-
bível que uma idéia musical fosse expressa por uma monodia,
como por exemplo nos cantos populares primitivos. A melodia do
pastor no “Tristão” — numa época onde a música tinha já atingido
proporções colossais — é um exemplo de que se podiam ainda
expressar muitas coisas por meio de uma única voz. E seria ina-
preensível que alguém, para “torná-la mais clara”, quisesse com-
por algo para acrescentar a essa melodia ! Isso, que na música
mais recente é um fenômeno particular, era nos primórdios uma
prática corrente. Na música ocidental, a monodia existiu regular-
mente no canto gregoriano. Este é exatamente o momento da his-
tória, de onde devemos partir para seguirmos o caminho
percorrido.
Mas, digamos sem demora, sentiu-se logo a necessidade de não
limitar a apresentação de uma idéia musical a uma só voz; bus-
cou-se ampliar os horizontes. Quando diversas partes soam si-
multaneamente emerge uma dimensão de profundidade; a idéia
não é mais expressa por uma única linha, e essa é a natureza da
apresentação polifônica. Como entendemos o fato de uma voz
ser insuficiente para expressar uma idéia musical, e de diversas
outras serem necessárias?
Retomemos com mais clareza: muito cedo surgiu a necessidade
de fazer intervir uma outra dimensão. Inicialmente as idéias po-
diam ser apreendidas quando expressas numa só voz; da mesma
forma, nasceram mais tarde idéias que esse modo de apresen-
tação era insuficiente para exprimir. Foi necessário ganhar mais
espaço, acrescentar outras vozes à primeira. Isso não é acaso.
Não pode ser fruto do acaso ! Não se acrescentou uma voz por
simples capricho. O primeiro a ter esse pensamento — talvez
30 " ANTON WEBERN

tenha passado noites em claro —, ele sabia: deve ser assim ! Por
quê? Não se fez isso por diversão; uma necessidade absoluta
conduziu seu criador, que não pôde agir de outra maneira. A idéia
é distribuída no espaço, não está mais contida numa linha apenas
— esta não seria suficiente para exprimi-la; somente a união das
vozes possibilita a expressão da idéia na sua plenitude. Seguiu-se
então um rápido florescimento da polifonia, do qual pretendo
dar-lhes prova. Trataremos, na próxima vez, dos princípios que
governaram a exploração progressiva do domínio sonoro, dos re-
cursos naturais dos sons.
(7 de março de 1933)
IV

xistem cada vez menos pessoas — e isso já faz parte da pales-


E tra ! — que possuem o interesse e a seriedade exigidos pela
arte. O que acontece nesse momento na Alemanha equivale à
destruição da vida espiritual ! Observem no nosso domínio ! É cu-
rioso como as modificações feitas pelos nazistas atingem quase
exclusivamente os músicos, e pode-se imaginar o que está por vir.
O que será de nosso combate? (Quando digo “nosso”, refiro-me
a este grupo que não busca o sucesso exterior.) Embora muitos,
que deveriam acreditar nele, não compartilhem da linha ideal que
imagino, tinham ao menos competência; e se lhes foi dado um
cargo, é porque se lhes reconheceu um certo valor. Mas, o que
acontecera daqui para a frente? A Schoenberg, por exemplo? E
se hoje isso se combina com o anti-semitismo, entre outras coisas,
quem empregará no futuro alguém competente, mesmo um não
judeu? ! “Bolchevismo cultural”, é o nome que se dá atualmente a
tudo que está em redor de Schoenberg, Berg e de mim mesmo (e
de Krenek também). E quando se pensa em tudo que será des-
truído, eliminado por esse ódio da cultura ! 1
Mas deixemos de lado a política ! Que concepção de arte podem
ter Hitler, Göring, Goebbels? 2 Se me empenhei em esclarecer as

1
Algumas referências: em 30 de janeiro de 1933, Hitler tornou-se
chanceler da Alemanha. Max von Schillings, presidente da Academia
de Artes da Prússia, onde Schoenberg lecionava composição desde
1926, devia em seguida declarar ter recebido do Ministério da Edu-
cação a tarefa de “purgar a Academia de toda influência judaica”. Em

31
32 " ANTON WEBERN

coisas que devem acontecer — independentemente de quem seja


o sujeito da ação —, foi num sentido totalmente contrário. É
muito difícil manter distância da política, pois está em jogo a
nossa própria vida ! Mas é ainda mais urgente a missão de salvar
o que pode ser salvo. Que escalada, que evolução ! Há alguns
anos podíamos ver mudanças na produção artística — pois a arte
tem suas próprias leis e nada tem a ver com a política—, mas
acreditávamos que, de alguma forma, essas coisas eram normais.
Hoje, não estamos mais longe do momento em que poderemos
ser presos pelo fato de sermos artistas sérios. Ou melhor: isso já
aconteceu ! Não sei o que Hitler entende por “Música Nova”, mas
sei que para essas pessoas aquilo que designamos por esse
termo é um crime. Não está mais distante o momento em que se-
remos encarcerados por escrever tais coisas. No mínimo, esta-
mos economicamente arrasados, marginalizados !3
Recuperarão eles a razão no último instante? Caso contrário, a
vida espiritual se aproxima de seu fim.
Vejamos agora como se deu o desenvolvimento histórico das
idéias e dos princípios de apreensibilidade e coerência, aos quais

17 de maio de 1933, isto é, pouco mais de dois meses após esta con-
ferência de Webern, Schoenberg viajava de Berlim para a França a
fim de escapar às perseguições anti-semitas (ndtf).
2
Sem dúvida aquela que o próprio Webern já podia intuir: em 1938 ele
é representado, assim como Ernst Krenek e Oskar Schlemmer, numa
exposição organizada pelos nazistas em Dusseldorf, cujo título era:
“Arte degenerada’’ (ndt).
3
Em 1934, a Orquestra Sinfônica dos Trabalhadores Vienenses, cujos
destinos Webern presidiu durante vários anos com sucesso, tem suas
atividades paralisadas. Em 5 de maio desse mesmo ano, Webern é
obrigado a escrever à Sra. Emil Hertzka, diretora da Universal Edition,
solicitando ajuda financeira. Mas, por pior que isto fosse, sua situação
ficaria ainda mais sombria: em 1939 ele perdia seu cargo na rádio
austríaca e se via sem alunos (cf. carta a W. Reich de 20 de outubro
de 1939) (ndtf).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 33

chegamos na última vez. Comentamos sobre o espaço que pode


ser designado para a apresentação das idéias musicais e cons-
tatamos que é possível concentrar uma idéia completa numa
única voz, numa melodia que existe por si só. Citei como exemplo
todo um domínio da arte no qual as idéias musicais eram expres-
sas somente dessa forma: o canto gregoriano. Ele se criou ligado
ao rito da igreja católica. (A propósito, pode-se observar algo se-
melhante no ritual judaico.) Entretanto — agora prestem bem
atenção ! — sentiu-se logo a necessidade de ampliar esse espaço,
de apresentar a idéia musical de tal forma que ela não fosse mais
exclusivamente horizontal, mas possuísse também a profundi-
dade da polifonia. Na monodia a idéia devia ser veiculada por uma
só parte. Assim, como é que o fenômeno musical evoluiu ao lon-
go dos séculos? O estilo dos neerlandeses se formou muito rapi-
damente, de tal maneira que por volta do final do século XVII
chegava já ao fim.4 Ele representa um grande florescimento da
polifonia.Explicaremos mais tarde a que ponto ele explorou o do-
mínio sonoro e quais foram os meios utilizados.
Porém nessa época, em que a polifonia se desenvolveu de ma-
neira cada vez mais rica, vemos surgir um outro método de apre-
sentação, relacionado com elementos mais primitivos, com
formas de dança e coisas do gênero. O que vemos formar-se,
então? (Isso nos conduzira até J.S.Bach, o apogeu que integra
ambos os métodos de apresentação.) Com base no fato de uma
idéia poder ser apresentada polifonicamente, desenvolveu-se um
tipo de formas mais populares, as formas de dança, e assim
emerge o conceito de “acompanhamento”. O que é isso? O que

4
Os neerlandeses aos quais Webern de maneira constante se refere
ao longo de suas conferências são, sem dúvida, os representantes da
Escola Franco-Flamenga dos séculos XV e XVI — 1ª. Escola Neerlan-
desa (da Borgonha) e 2ª. Escola Neerlandesa (Flamenga) — como por
exemplo: Guillaume Dufay, Gilles Binchois, Hugo e Arnold de Lantins,
Johannes Ockeghem, Jacob Obrecht, Heinrich Issac, Josquin des
Près, Pierre de la Rue, etc. (ndt).
34 " ANTON WEBERN

devemos entender por “acompanhamento”? Não sei se essas coi-


sas já foram tratadas sob esse ponto de vista, mas acho impor-
tante conduzi-las nessa direção. É sem dúvida curioso que
alguém cante, e outra pessoa “acrescente alguma coisa” ! Estabe-
lece-se, portanto, uma hierarquia entre elementos principais e
elementos secundários, por conseqüência algo de muito dife-
rente da autêntica polifonia. Aqui também a idéia não é explorada
numa única melodia, mas reforçam-se certas tendências das fun-
ções musicais. Na época que chega até Bach e Händel, — muito
embora não se deva confundir !—, devem ter sido determinantes
os elementos que tendiam a uma forma de apresentação confe-
rindo prioridade a uma voz. É o período onde vemos uma extraor-
dinária ampliação do domínio sonoro resultante da valorização
da harmonia.
Olhemos o passado ! (Baseio-me aqui na última palestra de
Schoenberg.5) Partimos da escala de 7 sons. É interessante notar
que, na época de Bach, a conquista da escala de doze sons tenha
ocorrido ao mesmo tempo que a conquista da harmonia. À época
da polifonia porém sucedeu uma outra, que inicialmente, de ma-
neira mais rudimentar, se limitou ao retorno da monodia; na-
turalmente com um “acompanhamento”, uma vez que a polifonia
estava admitida, mas sem o emprego dos recursos da polifonia
autêntica.
É a época em que nasce o estilo homofônico, a época de Monte-
verdi, do desenvolvimento da ópera, uma época que se restringe
a inventar belas melodias para o canto e lhe fornecer um com-
plemento, reduzido ao mínimo necessário, sob forma de acom-
panhamento.Esse método de apresentação alcançou seu clímax
na escola clássica vienense. É interessante vermos como isso se
dissolveu, como retornamos novamente a uma forma de compo-
sição mais primitiva, após as extraordinárias realizações do mé-

5
Ver nota 3 da primeira conferência, p. 16.
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 35

todo polifônico. Houve novamente o desejo de concentrar o pen-


samento musical numa só voz. É possível cantar uma melodia de
Mozart ou um tema de Beethoven sem o respectivo acompanha-
mento: tudo o que eles queriam expressar está aqui contido numa
única voz. E é notável como a função de acompanhamento es-
boça um novo caminho, que se amplia cada vez mais.
Deixemos, pois, bem claro que na música clássica surgiu
novamente o desejo de exprimir uma idéia musical numa só linha.
Então, porém, aconteceram coisas interessantes: progressiva-
mente o complemento da parte principal, o “acompanhamento”
da linha única, adquiriu um significado maior, ocorreu uma trans-
formação paulatina, sem rupturas essenciais; essa transformação
provinha do desejo de se obter no acompanhamento da idéia
principal uma coerência cada vez maior, e, por conseqüência, de
criar relações sempre mais estreitas entre a melodia principal e
o acompanhamento. Isso se deu quase imperceptivelmente e re-
sultou no método de apresentação polifônico, a que chegamos
hoje. Então, novamente, uma conquista cada vez maior do
material !
Gostaria de dizer isto de outra forma, numa visão panorâmica:
houve uma alternância dos métodos de apresentação; a apresen-
tação das idéias musicais se desenvolveu, seja em uma, seja em
várias linhas, e podemos ver como esses dois métodos se inter-
penetraram cada vez mais estreitamente. O resultado de todo
esse esforço é a música de nosso tempo.
Não podemos criar, numa época avançada, obras à maneira de
épocas antigas, pois já vivemos a evolução da harmonia. No clas-
sicismo procurou-se concentrar a idéia inteira numa só linha e
complementá-Ia com um acompanhamento. Como poderíamos
compreender, sob esse ponto de vista, as obras dos mestres de
nosso tempo? Elas são o resultado da fusão desses dois métodos
de apresentação. Chegamos atualmente a uma época em que o
método de apresentação é polifônico —nossa técnica de com-
36 " ANTON WEBERN

posição atingiu um parentesco muito grande com os métodos de


apresentação empregados no século XVI, pelos neerlandeses—,
mas que naturalmente se serve também de todos os resultados
da conquista do domínio tonal-harmônico.
Examinemos agora, em exemplos, como tudo isso ocorreu, como
esses princípios foram realizados na prática. Retornemos, por-
tanto, aos tempos antigos ! Primeiramente apresento algo da
época da monodia, dos tempos do canto gregoriano (Ex.4). O que
vocês acham disso? Há pouco, disse que o princípio primeiro é a
apreensibilidade. Como ele se expressa aqui? É admirável a ma-
neira pela qual todos os princípios já aparecem nesta peça ! O que
nos chama a atenção inicialmente? A repetição ! Isso nos parece
quase infantil. Como posso assegurar mais facilmente a apreen-
sibilidade? Através da repetição. É ela que está na base de toda
construção; todas as formas musicais repousam sobre esse prin-
cípio.
Abschluß
A a a

j j j j j jj
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Al - le lu ja.
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B
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Be - ne di ctus es, Do - mi ne De us
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pa - trum no stro rum, et lau da - bi lis in sæ - cu

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la.

Ex.4 — Aleluia com verso em estilo melismático (Tom VIII)

Quando toco essa peça novamente, percebemos três partes ! A


segunda é diferente da primeira, que é semelhante à terceira. En-
contramos isso numa melodia do século XII ! Toda a estrutura das
grandes formas sinfônicas já está aqui formulada, exatamente
como nas sinfonias de Beethoven. Precisamos esclarecer como
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 37

isso aconteceu. O que expressa? Bem, primeiramente é uma


forma simétrica A-B-A, que o homem conhece pelo seu próprio
corpo. O objetivo era criar uma forma que fosse a mais apreensí-
vel possível. Temos então uma construção em três partes, onde a
primeira seção se repete, e cujas partes contém internamente re-
petições.
Para finalizar, gostaria de me exprimir de forma mais geral. Desse
exemplo podemos tirar um ensinamento: a partir desse fenômeno
simples, dessa idéia de dizer algo duas vezes, depois o mais fre-
qüentemente possível, desenvolveram-se os trabalhos mais ar-
tísticos. Se vocês quiserem, podemos dar um salto para a época
atual: nossa composição com doze sons se baseia no princípio
de retorno constante de uma certa seqüência das doze notas:
princípio de repetição !
(14 de março de 1933)
V

a última vez, ocupamo-nos das várias épocas, em que o es-


N paço musical desempenhou um papel fundamental. Consta-
tamos que houve períodos em que um tipo de apresentação
musical foi privilegiado e expresso de maneira relativamente es-
pecífica. A segunda coisa de que tratamos foi a combinação dos
métodos de apresentação em momentos particulares da história.
Por outro lado, excetuando o aspecto histórico, verificamos uma
alternância contínua entre maior e menor necessidade de espaço
musical. Em torno desse alicerce da apresentação da idéia musi-
cal orbita tudo aquilo que serve ao princípio da apreensibilidade.
À monodia do canto gregoriano segue-se uma época de polifonia,
que não se manifesta somente nas obras dos neerlandeses, mas
também em Palestrina e nos mestres alemães do período. O que
aconteceu então, nessa época, em relação ao princípio de
apreensibilidade? Vamos considerar tudo isto a partir de dois
pontos de vista: de um lado, do ponto de vista da apreensibilidade
e da coerência, e de outro, do ponto de vista da conquista do do-
mínio sonoro (Ex. 5).

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Ex. 5 — Final de um Rondeau de Jehannot de l’Escurel.

38
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 39

Este é um canto a três vozes sobre texto francês. Vemos como o


domínio sonoro engloba gradualmente a escala diatônica.
Vocês sabem como essa escala era utilizada, em que formas e es-
truturas? Refiro-me aqui aos modos eclesiásticos. Essa foi a
época quando a escala diatônica se desenvolveu a partir dos
modos eclesiásticos. Eles se iniciam sobre determinadas notas
da escala. O que são estes modos? Como passamos deles à es-
cala diatônica? Os modos eclesiásticos são construídos sobre ca-
da grau da escala de sete sons, portanto contêm sempre essa
escala. Chama-se Jônico o modo de sete sons formado a partir
de dó, Dórico a partir de ré, Frígio a partir de mi, Lídio a partir de
fá, Mixolídio a partir de sol, Eólio a partir de lá, Hipofrígio a partir
de si. A particularidade do modo Jônico — nosso dó maior — era
ter um semitom, antes da recorrência do som fundamental dó, a
chamada nota sensível.
Logo se chegou à conclusão de que terminar pela sensível e som
fundamental causava um efeito especialmente marcante, e por
essa razão introduziu-se igualmente nos outros modos um semi-
tom antes da reaparição do som fundamental. Mas isso acabou
gerando a fusão dos modos eclesiásticos em dois grupos —
maior e menor —, e esse foi o seu fim. O declínio dos modos e-
clesiásticos foi ocasionado pela adição de notas sensíveis, ele-
mentos estranhos aos modos, denominados acidentes. No nosso
exemplo temos ainda os sete sons; mas, no momento em que o
sétimo som autêntico foi elevado de meio tom — daí o nome “aci-
dente” — surgiu algo que conduziu ao cromatismo. Foi no mo-
mento em que existiam apenas maior e menor, que teve início o
período de J.S.Bach. Nessa época os acréscimos já tinham che-
gado a tal ponto que todos os doze sons da escala cromática
podiam ser empregados.
Vemos que ele conclui numa mesma nota. Uma outra peça conclui
sobre a quinta vazia. Falta a terça — não havia portanto nem
maior nem menor, que se diferenciam substancialmente por esse
40 " ANTON WEBERN

intervalo. Vocês vêem uma vez mais, que tudo isso está de acordo
com a natureza: não podia haver maior ou menor — a terça era
sentida como dissonância, ninguém ousava utilizá-la.
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Ex. 6 — De um Liedmotette, a três vozes, de Guillaume Dufay.

Quero mostrar agora um exemplo do século XVI, de Ludwig Senfl,


onde já aparece uma terça no final (Ex. 7).
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(Ex. 7) — Final de um Tenormotette, a cinco vozes, de Ludwig Senfl.

Existe aqui essencialmente a exploração dos recursos da escala


diatônica, com a tímida tentativa de finalizar pela terça, o que sig-
nifica a aproximação dos modos maior e menor.
Consideremos agora essa época de um outro ângulo ! O que po-
demos observar, no que se refere à apresentação das idéias? Eu
já tinha chamado a atenção de vocês, a propósito do canto gre-
goriano, sobre a extrema importância do princípio de repetição,
quando se trata de aumentar a apreensibilidade. Agora vemos
como tudo o que se desenvolveu nesse sentido está baseado em
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 41

tal princípio. O que acontece no presente exemplo? Uma idéia


qualquer pode ser repetida de forma idêntica ou semelhante.
Aqui vemos o início da polifonia fundada no princípio de repeti-
ção, na medida em que as diferentes vozes não progridem, uma
ao lado da outra, de forma completamente independente; uma
relação é produzida entre elas, pelo fato das terceira, quarta e
sexta vozes cantarem a mesma coisa.1 Como é possível que várias
vozes cantem a mesma coisa sucessivamente? É a essência do
cânon, a mais estreita relação que se possa conceber entre várias
linhas. O fato de que as vozes cantem a mesma coisa em momen-
tos diferentes exige um dote especial. Mas a razão de tudo isso é
o desejo de se obter a maior coerência possível. O espaçamento
das entradas sucessivas confere um significado maior ao motivo
de partida. Inicialmente não temos um cânon estrito, mas desde
muito cedo verificamos sempre a necessidade de fazer entrar
cada voz como a anterior, a fim precisamente de criar uma re-
lação. Início imitativo !
Logo os recursos se ampliaram: um material pode manter sua
identidade sob condições ligeiramente modificadas, como por
exemplo quando se inverte o sentido de uma exposição (retró-
grado). Mas também se fez o seguinte: repetiu-se a seqüência dos
sons invertendo a direção dos intervalos (inversão). O que pode-
mos concluir disso? O que significa? Vemos já nesta época que
todos os esforços dos compositores se dirigiam ao estabeleci-
mento de relações coerentes entre as diversas vozes, visando à
apreensibilidade.
Agora, gostaria de estudar com vocês as formas resultantes
desse esforço de apresentar as idéias da maneira mais clara pos-
sível ! É a época seguinte que nos fornece o exemplo. Coloquemos
a questão: como pode ser aplicado o princípio de repetição

1
Seguramente Webern comenta aqui sobre um outro exemplo musical
que não está presente na edição original; ainda: esta ilustração de L.
Senfl é composta, não de seis, mas de cinco vozes (ndt).
42 " ANTON WEBERN

quando a idéia é apresentada numa só linha? Encontramos traços


disso mesmo nos primórdios da música polifônica: as seqüências
— um certo padrão rítmico é repetido, mas a partir de um outro
grau da escala. Entretanto, não era somente o ritmo que se repe-
tia, mas também toda a seqüência melódica. Isso ocorre no de-
senrolar de uma linha. Dissemos anteriormente que a coerência
foi gerada, de início, através da inversão e da retrogradação, sem
que o ritmo fosse questionado.2
Temos aqui a forma original do motivo. A repetição de motivos e
as maneiras como eles foram trabalhados nos é mostrada pela
época seguinte: de Bach ao desenvolvimento das formas clássi-
cas. O apogeu, sem dúvida, foi atingido com Beethoven. Mas o
que aconteceu aqui? A repetição de motivos. Denominamos “mo-
tivo”, assim como Schoenberg, à menor parte auto-suficiente de
uma idéia musical. Mas como reconhecê-la? Justamente por sua
repetição !
No canto gregoriano já vemos algo semelhante: tudo se baseia
na repetição. Por outro lado, quando toco, por exemplo, a banal
melodia “Vem um pássaro voando”, como tudo parece estruturado
mais firmemente aqui do que no canto gregoriano !

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Ex. 8

Esse último é muito mais amorfo, muito menos apreensível. O es-


forço de criar ordem, de introduzir ordem, pode ser sentido cons-
tantemente na canção popular. Aqui encontramos a forma
período.2 Essa forma, essa maneira de estruturar a melodia e or-
ganizar os sons, nos fornece uma das possibilidades mais impor-
2
Assim, a melodia popular citada tem como segunda parte uma repe-
tição semelhante — alteração devido à conclusão — da primeira; e
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 43

tantes de apresentar uma idéia musical, e as idéias mais ex-


traordinárias foram em seguida expressas através dela.
Mas o período, como mencionamos aqui, é apenas uma das for-
mas de apresentação de idéias quando se trata de construir uma
melodia; e é mesmo a mais primitiva, aquela que se encontra so-
bretudo na canção popular. Por que ela é tão simples? Porque é
simples repetição. Mas, por outro lado, uma vez que essa
possibilidade de repetição existe, foi explorada em diferentes
épocas, de modo a dizer o maior número de coisas possíveis, pro-
piciando assim um enriquecimento do repertório de estruturas
musicais.
No entanto, sentiu-se rapidamente a necessidade de formalizar
as coisas ainda com mais arte, e surgiu então uma forma de cons-
trução temática que era mais ou menos assim:

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Ex.9 — J. S. Bach, Englische Suiten, Suite nº V, Sarabande.

Diferentemente do período, não nos deparamos aqui com uma


estrutura de quatro compassos ( que é a forma normal, especial-
mente em Beethoven), mas sim com uma de dois compassos, re-
petidos imediatamente; assim, ao invés de um antecedente e de

ainda, a cada seis tempos observamos a unidade reiterada da forma


periódica (ndt).
44 " ANTON WEBERN

um conseqüente, cada qual com quatro compassos, tem-se dois


compassos que são repetidos em seguida; como a repetição é
imediata, como a mesma coisa foi exposta duas vezes, algo novo
podia e devia ocorrer após. Assim foram desenvolvidos os motivos.
Desenvolver implica também numa forma de repetição.3
Vemos então que, já nas estruturas musicais mais ricas e puras,
podem-se constatar formas mais elementares. Tudo o que veio
após Bach já estava em preparação. Nem mesmo em Mozart e
Haydn encontramos estas duas formas tão claramente enuncia-
das como em Beethoven. O período e a sentença de oito compas-
sos adquirem sua expressão mais pura na obra de Beethoven; nos
seus antecessores verificamos apenas indícios disso. Estas duas
formas constituem o elemento fundamental, a base de toda cons-
trução temática na época clássica, e de tudo o que aconteceu na
música até nossos dias. É uma longa evolução, e por vezes é difícil
localizar esses elementos básicos. Mas, tudo pode ser atribuído
a eles.
Agora devemos reconhecer corretamente: o que se expressa
aqui ? Por que essas formas surgiram assim? Bem, no fundo
existe o desejo de se expressar da maneira mais apreensível pos-
sível. Falaremos sobre isto na próxima vez. Por hoje gostaria de
dizer somente mais uma coisa: segui numa certa direção e agora
estamos diante desse processo, dessa extraordinária sucessão
de eventos. Esse desejo que observamos na polifonia — a maior
coerência possível, caráter típico da arte dos neerlandeses —, de
novo, progressivamente toma posse das coisas, e a partir daí se
desenvolve uma nova polifonia.
(20 de março de 1933)

3
Essa colocação de Webern logo em seguida ao exemplo de Bach pode
ter um significado mais amplo do que aparenta. Provavelmente ele
refere-se aqui à técnica “indispensável à vitalidade da ‘música nova’:
o desenvolvimento por variação, de onde nasceu o estilo dos grandes
clássicos vienenses, e cujo primeiro inovador foi J. S. Bach (ndt).
VI

ós não temos mais muito tempo e precisamos chegar ao fim


N do que nos propusemos. Temos ainda três palestras. No en-
contro anterior vimos algo da escola neerlandesa — daquela
época até hoje é um longo caminho ! Mas vocês verão como tudo
se desenvolve de maneira surpreendentemente natural.
Falei na última vez sobre o período e a sentença de oito compas-
sos, mas isso envolvia um problema mais profundo; o pleno flo-
rescimento da polifonia foi alcançado pela escola neerlandesa, e
vemos mais tarde toda essa polifonia declinar e ser substituída
por algo totalmente diferente: a criação de formas nas quais a
apresentação das idéias musicais exige uma única linha. É nesse
contexto que falamos de tais formas, e eu gostaria de continuar
e lhes mostrar de que maneira esse método de apresentação se
aperfeiçoou. Pode-se ver que essas formas forneceram a base
para toda a construção temática, pois tudo o que ocorreu depois
dos grandes clássicos — especialmente em Schumann, Brahms
e Mahler —, repousa nelas. Examinamos também dois exemplos
do apogeu da polifonia, e constatamos — digamos bem clara-
mente, pois isso será elucidativo também para a música de nosso
tempo ! — como se conquistou pouco a pouco o domínio sonoro;
quer dizer que, na época do estilo polifônico, começa si-
multaneamente uma evolução do diatonismo ao cromatismo —
em direção à conquista dos doze sons.
Recapitulando: primeiramente se conquistou a escala de sete
sons, e essa escala tornou-se a base de estruturas que conduzi-

45
46 " ANTON WEBERN

ram além dos modos eclesiásticos. Vemos então duas dessas es-
calas se distinguirem progressivamente e levar vantagem sobre
as demais: elas correspondem aos modos maior e menor atuais.
E é notável que foi a necessidade de conclusão, a necessidade de
uma nota sensível, que faltava nos outros modos eclesiásticos,
que levou à preferência por esses dois modos. Essa sensível foi
em seguida transposta para as outras escalas, que se tornaram
então idênticas às duas primeiras. Assim, os acidentes deram o
golpe de misericórdia ao mundo dos modos eclesiásticos, e nas-
cimento ao mundo dos nossos modos maior e menor.
Vejamos agora a mais recente conquista do domínio sonoro ! Os
modos maior e menor reinaram até nossos dias, mas, desde
aproximadamente um quarto de século, existe uma nova música
que renunciou à predominância desse “duplo gênero” para cons-
tituir uma única escala: a gama cromática.
Como se chegou à superação do maior e menor? Os elementos
destruidores nasceram, assim como na dissolução dos modos
eclesiásticos, dos esforços para se encontrar uma forma singular
de conclusão. Os dois casos são portanto, totalmente análogos !
Em relação a esse desejo de definir exatamente a tonalidade no
final de uma peça — na “cadência” — surgiu uma série de acor-
des de tal natureza que não podiam ser mais relacionados ine-
quivocamente a uma única tonalidade. Surgiram os acordes
vagantes, acordes ambíguos, que, a partir de sua utilização no
final da peça, foram também introduzidos ao longo de sua exten-
são. O curso das obras adquiriu assim cada vez mais significados,
até que se chegou a um momento quando esses acordes ambí-
guos predominaram e acabou-se por renunciar totalmente à tô-
nica.
Em que época ocorreu tudo isso? Digamos inicialmente quando
e onde o gênero maior-menor se estabeleceu. Foi no período que
se seguiu à escola neerlandesa, época que por várias vezes já
mencionei, e que corresponde ao nascimento da ópera italiana.
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 47

É então nesse período que o gênero maior-menor se estabelece


definitivamente.
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Das ist hoch an der Kreu - zes Stamm in hei - ßer Lieb ge bra - ten.
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Ex. 10 — J.S.Bach, Christ lag in Todesbanden, Choral.

Como compreender isso? O que aconteceu? O que desempenha


o papel principal? Não visamos aqui a uma abordagem estética,
mas apenas a reconhecer o que tornou possível o nascimento
disso que se faz hoje. É o surgimento — ou melhor, a já presença
— do mundo regido pelos doze sons.1 Eis aqui uma peça que está

1
“o segredo dos neerlandeses, inacessível aos profanos, residia essen-
cialmente num conhecimento aprofundado de todas as relações con-
trapontísticas possíveis entre os sete sons da gama diatônica. [. . .] Mas
os cinco sons restantes não tinham nenhuma função em suas regras.
[. . .] Muito contrariamente, Bach, que conhecia mais segredos do que
os neerlandeses jamais imaginaram, soube ampliar essas regras ao
ponto de fazê-las englobar os doze sons da escala cromática. E ele
trata esses doze sons de tal maneira que seríamos tentados a fazer
48 " ANTON WEBERN

inteiramente baseada naquilo que chamamos cromatismo: uma


progressão por semitons. Claro, o semitom sempre existiu na mú-
sica diatônica, entre o terceiro e o quarto, e o sétimo e o oitavo
graus; justamente aí é que começou a decomposição dessa mú-
sica. Através desse fenômeno da cadência, ocorreu algo
totalmente análogo com as tonalidades maior-menor. Criou-se
uma dominante sobre cada grau — “dominantes secundárias” —
e isso já aparece nos arranjos corais. Foram introduzidos sons
que não pertenciam àquela tonalidade: novos acidentes. Foi-se
então cada vez mais longe, até que os novos acidentes
predominaram — e isso ocorreu novamente nas conclusões das
obras, onde se buscou um enriquecimento cada vez maior, na ca-
dência. Esse fenômeno se reproduziu na nossa época: para tornar
os modos maior e menor sempre mais ricos e interessantes, in-
troduziram-se acordes sempre mais distantes da tonalidade ini-
cial, o que levou esse gênero ao extermínio.
Recapitulemos novamente: a conquista do cromatismo se deu da
mesma forma que a dos modos maior e menor.
Consideremos, por outro lado, a apresentação das idéias ! O que
aconteceu nessa época? Eu já tinha mencionado que imediata-
mente antes de Bach ocorreu a quebra da polifonia, e seguiu-se
o desenvolvimento de um tipo de música onde a melodia predo-
mina. Não devemos esquecer aqui algo que desempenha um
papel determinante: a ascensão da música instrumental em rela-
ção à ópera. Menciono isto porque com ela foram incorporados
na música elementos que vieram de outro domínio, e que, em
contraste com os elementos estritamente musicais, tiveram uma
grande influência sobre todos os desenvolvimentos posteriores;
incluem-se aqui também a música popular com seu acompanha-
mento instrumental e as formas de dança. (Essas formas de

dele o primeiro compositor em música com doze sons.” Schoenberg,


em “0 estilo e a idéia” (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 49

dança adquirem uma influência considerável, devido à sua liga-


ção com a música instrumental; temos, por exemplo, em Bach, o
alaúde ao lado do órgão, o cravo, a forma de suite, etc — quero
simplesmente lembrar de passagem o que aconteceu durante
seu desenvolvimento.) Porém, para nós, é mais importante saber
que, em relação a essas influências, nasceram formas fun-
damentais para a evolução musical. Assim, Bach se encontra no-
vamente implicado numa etapa essencial do desenvolvimento da
música.
Nesse sentido, é importante observar — intencionalmente, já des-
crevi as formas de base: o período e a sentença de oito compas-
sos — que uma cultura pura ocorre somente com Beethoven, nem
mesmo em Mozart e Haydn elas são tão claras. Na verdade, nas
melodias de Bach e de seus contemporâneos existem somente
os germes do desenvolvimento cujo apogeu é atingido em Bee-
thoven. Como se apresenta uma melodia de Bach?
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Ex.11 — J. S. Bach, Matthew-Passion, ária “Blute nur, du liebes Herz”.

Temos já aqui a essência da sentença de oito compassos: uma fi-


gura é repetida, seguem-se então duas variações e depois ela é
repetida novamente. Podemos constatar de maneira bastante ní-
tida o desenvolvimento de uma idéia. Essa é a forma da sentença
de oito compassos como ela aparecera claramente em Bee-
50 " ANTON WEBERN

thoven; é a forma preferida da música pós-clássica. De toda ma-


neira, foi mais utilizada do que o período. (Não é tão importante
que vocês compreendam realmente essas formas; precisam en-
tender apenas o que se pretendeu com seu uso.) Quero lhes mos-
trar agora um trecho de uma sonata de Beethoven, que pode ser
caracterizado como sentença de oito compassos:
Allegro
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Ex.12 — L. v. Beethoven, Klaviersonate op. 2, nº 1, primeiro movimento.

Vemos novamente uma figura, que e repetida e depois desenvol-


vida.
Etwas ruhiger
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π
rit. hervortretend
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2 2
2 2
p warm 2 p
rit. tempo
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2 2 p
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Ex. 13 — Arnold Schoenberg, Verklärte Nacht, 1º violino,


tema secundário em mi maior.
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 51

Temos aqui de novo a versão periódica. É sempre a mesma forma


que está na base. Nada de novo foi acrescentado, mas as formas
foram tratadas cada vez mais livremente.
O que significa “tratar mais livremente”? Assim como no início as
repetições ocorreram de forma literal e integral, como os anéis
de uma corrente, depois tornaram-se mais livres, omitindo certos
membros intermediários, pois pensou-se — metaforicamente —
: “isto já apareceu uma vez, então posso pular alguma coisa, sem
realizar plenamente o desenvolvimento”. Os elementos foram jus-
tapostos de forma mais imediata e abrupta, o que naturalmente
tornou a compreensão mais difícil. Mas, o que ainda foi impor-
tante aqui? Pelo fato das repetições terem sido executadas cada
vez mais livremente, a evolução se deu através do procedimento
de variação, já que as transformações de um motivo se afastaram
progressivamente do original. As curvas ficaram mais longas,
cada vez mais tensas.
Resumamos outra vez, pois ainda quero falar da Música Nova !
Mas espero que em linhas gerais o quadro já esteja dado. De novo
em palavras-chave: escala diatônica, destruição dos modos ecle-
siásticos. Por outro lado, do ponto de vista formal: o apogeu da
polifonia, através de uma coerência sempre maior, resultou, com
os compositores da última escola neerlandesa, na construção de
uma obra inteira a partir de uma seqüência de sons, com inversão,
retrógrado, transformações rítmicas, etc . . . Maior coerência é
impossível, a unidade é praticamente absoluta. Uma vez mais,
chegou-se a um fim ! O que veio em seguida? Desenvolvimento
da melodia, maior-menor, conquista do cromatismo — para fa-
lar apenas da música vocal. A isso juntou-se a música instrumen-
tal; tocar um instrumento se tornou uma arte em si, uma nova
forma de expressão associada à música popular. Beethoven. E a
conquista do domínio sonoro? Após os clássicos: explosão da to-
nalidade.
52 " ANTON WEBERN

Vemos portanto a conquista do domínio sonoro levada sempre


mais longe — como dizia Goethe: “a expressão das leis da natu-
reza na sua relação com o sentido da audição” —, e, ainda, como
o desejo de tornar um pensamento apreensível tende a criar cada
vez mais coerência, justamente porque a coerência aumenta a
apreensibilidade.
Vejamos agora como esses elementos se desenvolveram e leva-
ram àquilo que se formou há já uma década: a composição com
doze sons relacionados somente entre si. Ela é o’ resultado dos
dois elementos que estudamos até o momento. É falso acreditar
que se trata apenas de um “substituto da tonalidade”. Aqui o que
predomina é o princípio de apreensibilidade: introduzir cada vez
mais coerência ! Essa foi a razão profunda desse tipo de compo-
sição.
(27 de março de 1933)
VI I

oje, vamos examinar a música nova a partir dos dois fatores


H que reconhecemos como os mais importantes: a conquista
do domínio sonoro e a apresentação das idéias !
Primeiramente quero falar da apresentação das idéias. Aborde-
mos a era mais recente; aqui desejo precisar de que música nova
pretendo me ocupar: trata-se da música que se desenvolveu gra-
ças a Schoenberg e da técnica de composição criada por ele, que
existe há doze anos mais ou menos, e à qual ele mesmo denomi-
nou ”composição com doze sons relacionados somente entre si”.
Essa música é o meu tema, pois todo o resto, na melhor das hi-
póteses, se aproxima dessa técnica ou ainda se opõe conscien-
temente a ela, empregando então um estilo que não temos
necessidade de estudar, porque não vai além daquilo que a mú-
sica clássica ofereceu e nada mais faz do que desfigurá-la. Muito
mais longe foi a música, o estilo que Schoenberg introduziu e de
que seus alunos são os continuadores.
Essas conferências têm o objetivo de mostrar o caminho que con-
duziu a essa música e de tornar claro que ele devia naturalmente
chegar aqui. Eu já havia enfatizado na última vez que não foi ape-
nas o desenvolvimento do domínio sonoro, e sua exploração cada
vez maior, que conduziu a essa música, tal como Schoenberg a
criou, mas também um outro fator esteve presente: a apresenta-
ção das idéias ou tudo o que está envolvido nesse processo. É por
isso que foi importante relacionar minha abordagem a esses dois
fatores.

53
54 " ANTON WEBERN

Inicialmente, então, a apresentação das idéias ! Como disse outro


dia, após a decadência do estilo polifônico da escola neerlandesa,
no início do século XVII, todas as aspirações dos compositores se
dirigiram à criação de formas suscetíveis de expressar seu desejo
de clareza. Isto levou ao desenvolvimento das formas clássicas,
que encontraram em Beethoven sua mais pura expressão: o pe-
ríodo e a sentença de oito compassos.
É um fato consumado, e ninguém pode provar o contrário: tudo
que ocorreu após se atribui a essas formas. são as formas através
das quais se transmitiram as idéias principais, são as formas cí-
clicas que se desenvolveram na sinfonia e na música de câmera,
com os clássicos, e são as formas, enfim, que encontramos na
ópera, quando se trata de quadros isolados.1 Recentemente notei
que a música instrumental surgiu com o estilo homofônico da
ópera italiana e aludi então a formas que se desenvolveram em
associação com as danças populares, etc . . . Penso em particular
na Suite dos predecessores de Bach, e em Bach igualmente, com
Minueto, Sarabanda, Giga, etc., com um prelúdio no início e com
um movimento tipo canção, o Air. Já vemos aqui os traços princi-
pais das formas que se manifestaram mais tarde nas sinfonias. A
maioria dessas formas foram em seguida abandonadas e resta-
ram apenas o Scherzo — que Haydn muitas vezes chama de Mi-
nueto —, o Air, que em Beethoven se transformou no Adágio do
segundo movimento, e a “dança final” 2, que se tornou o Rondó.
Mas falta-nos ainda um movimento, o primeiro — o verdadeiro
movimento de sonata, que apareceu naquela época e se tornou
o mais elaborado e rico movimento de todo o ciclo. Devemos en-
tender bem o que aconteceu: o objetivo era sempre a apresenta-
ção de uma idéia. Com Beethoven concluiu-se o desenvolvimento

1
Entenda-se aqui quadros isolados enquanto seções fechadas ou “nu-
meros” (Air, Coro, Recitativo, etc.) que são justapostos uns aos outros
sem uma relação de continuidade musical aparente (ndt).
2
Em alemão, “Kehraus”: última seção de dança (ndtf) .
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 55

sica, o estilo que Schoenberg introdu ziu e de que seus


alunos s o os continuadores.
Essas confer ncias t m o objetivo de mostrar o cami nho
que conduziu a essa m sica e de tornar claro que ele
devia naturalmente chegar aqui. Eu j havia enfa tizado
na ltima vez que n o foi apenas o desenvolvi mento do
dom nio sonoro, e sua explora o cada vez maior, que
conduziu a essa m sica, tal como Schoen berg a criou,
mas tamb m um outro fator esteve pre sente: a? apresen
ta o das id ias ou tudo o que est envolvido? nesse pro
cesso. por isso que foi importante relacionar minha
abordagem a esses dois fato res.
Inicialmente, ent o, a apresenta o das id ias?! Como
disse outro dia, ap s a decad ncia do estilo polif nic
escola neerlandesa, no in cio do s culo XVII,? todas as
pira es dos compositores se dirigiram cria? o de for
mas suscet veis de expressar seu desejo de clareza. Ist
levou ao desenvolvimento das formas cl ssicas,
? que en
contraram em Beethoven sua mais pu ra express? o: o pe
r odo e a senten a de oito compas sos.
um fato consumado, e ningu m pode provar o ?contr
rio: tudo que ocorreu ap s se atribui a essas formas.
as formas atrav s das quais se transmitiram as id ias
principais, s o as formas c clicas que se desenvolve ra
na sinfonia e na m sica de c mera, com os cl s sicos,
s o as formas, en m, que encontramos na pera, quando
1
Recen temente notei que a
se trata de quadros isolados.
m sica instrumental surgiu com o estilo homof nico da
pera italiana e aludi ent o a formas que se ?desenvolv
ram em associa o com as dan as populares, etc?.
..
Penso em particular na Suite dos predecessores de Bach
e em Bach igualmente, com Minueto, Sarabanda, Giga,
etc., com um prel dio no in cio e com um movimento
56 " ANTON WEBERN

de derivar elementos e formas parciais do tema principal. Gos-


taria de fazer algumas observações sobre isso: falei do desenvol-
vimento como sendo a parte da obra reservada especialmente ao
“tratamento” temático. Mas o que acontece aqui? O tema é repe-
tido em várias combinações, é apresentado algo do decorrer te-
mático que não é apenas horizontal, mas também vertical —
trata-se, então, de uma recorrência do pensamento polifônico. E
aqui os clássicos muitas vezes chegaram às formas utilizadas
pelos “velhos neerlandeses”: cânon, imitação. Além disso, devo
acrescentar ainda que no tempo de Bach, e mesmo em sua obra,
desenvolveu-se especialmente uma forma de apresentação: a
fuga. Trata-se de uma estrutura que nasceu inteiramente do de-
sejo de criar a mais estreita coerência possível: tudo é derivado
do tema. A forma sinfônica clássica recorreu também a ela, e é
importante observar que aquilo que conhecemos por fuga ainda
não existia de fato na época dos neerlandeses, pois a fuga é um
produto da música instrumental. Desenvolveu-se assim uma
forma polifônica de pensamento musical totalmente à parte da
música vocal.
Também nos referimos a Bach no que diz respeito ao en-
riquecimento do espaço sonoro. Pois tudo acontece em Bach: a
geração das formas cíclicas, a conquista do domínio sonoro — e
o imenso pensamento polifônico ! Tanto no plano horizontal como
vertical. E aqui devemos lembrar algo! É significativo que a última
composição de Bach tenha sido a “Arte da Fuga” — uma obra que
se dirige totalmente ao abstrato, uma música na qual falta tudo
aquilo habitualmente indicado pela notação: nenhum signo es-
pecificando se é para canto ou instrumentos, nenhuma indicação
sobre sua execução. Na verdade, é quase uma abstração — ou,
prefiro dizer: a realidade superior! Todas essas fugas estão ba-
seadas num único tema, que é continuamente transformado: um
grande volume de idéias musicais cujo conteúdo total parte de
uma única idéia !
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 57

O que isso significa? O desejo de uma coerência máxima. Tudo é


derivado de uma coisa apenas, desse tema de fuga ! Tudo é “te-
mático”. Depois isso reaparece em formas posteriores, no desen-
volvimento da sonata. Esse torna-se então o campo de batalha,
assim como tinha sido anteriormente a fuga. Aos poucos o desejo
de trabalhar de maneira temática se manifesta igualmente no
“acompanhamento”; era o começo de uma transformação, de uma
ampliação das formas primitivas originais. Assim vemos que essa
maneira de pensar, que é a nossa também, foi o ideal dos com-
positores de todas as épocas. (A situação é diferente no que se
refere aos leitmotiven de Wagner. Quando, por exemplo, o motivo
de Siegfried reaparece várias vezes porque o dr,ama o exige, pre-
senciamos uma coerência, mas apenas de ordem dramática, e
não temático-musical. Naturalmente, Wagner trabalhou também
muitas vezes de maneira estritamente temática; aliás, ele desem-
penha um papel importante no que se refere à produção de coe-
rência musical associada ao aspecto dramático.)
Desenvolver tudo a partir de uma idéia principal ! Eis a coerência
mais forte — todas as partes fazem a mesma coisa, como nos
neerlandeses, onde o tema era trazido por cada uma das vozes
em todas as transformações possíveis, com entradas diferentes
e em diversas alturas. Claro, mas sob qual forma? É aqui que
entra a arte ! Porém a palavra de ordem permanece sempre: te-
mática, temática, temática !
Quanto a isso existe uma forma que desempenha um papel es-
pecial: a variação. Penso nas Variações Diabelli, de Beethoven. Al-
gumas vezes os grandes compositores escolheram algo muito
banal como base para suas variações. Verifica-se sempre o
mesmo desejo de escrever uma música que garanta a maior coe-
rência possível. Mais tarde, a variação se integrou no ciclo da so-
nata, particularmente em Beethoven, nos segundos movimentos,
mas sobretudo no final da Nona Sinfonia, onde tudo pode ser atri-
buído ao período de oito compassos do tema principal. Essa me-
58 " ANTON WEBERN

lodia devia ser a mais simples e apreensível possível; no início ela


é mesmo apresentada a uma voz, assim como os neerlandeses
escreviam no começo, em exergo, as cinco notas a partir das
quais todo o resto seria derivado em seguida. Sempre trans-
formações de uma mesma e única coisa: Continuemos ! Brahms
e Reger retornaram isso. De fato, Bach já havia também escrito
dessa maneira. Aliás, Bach compôs de todas as maneiras possí-
veis, ocupou-se de tudo que pode ser pensado! 3
O acompanhamento, entretanto, também se transformou: os
compositores se esforçaram em dar um significado particular ao
complexo que avizinhava a idéia principal, em lhe dar maior au-
tonomia que a de um simples acompanhamento. E aqui foi Gustav
Mahler quem realizou o passo decisivo — o que geralmente é
muito pouco considerado: Nesse sentido, as formas de acompa-
nhamento tornaram-se uma seqüência de figuras contrapostas
ao tema principal — o que é justamente uma característica do
pensamento polifônico: Portanto o estilo que Schoenberg e sua
escola pesquisam é urna nova forma de interpenetração das
dimensões horizontal e vertical do material, polifonia que atingiu
seus pontos culminantes com os neerlandeses e Bach, e mais
tarde com os clássicos. Trata-se sempre desse desejo de deduzir
o maior número possível de coisas de urna idéia principal. Assim
se apresenta a situação, pois nos valemos ainda das formas clás-
sicas; elas não desapareceram. Todas as formas engenhosas des-
cobertas pelos compositores desse período se encontram
também na música nova. Não se trata de uma reconquista ou re-
nascença da arte dos neerlandeses, mas sim de uma nova reali-
zação de suas formas, influenciada pelas aquisições dos
clássicos; uma fusão das duas coisas. Claro, não se trata também
de um pensamento puramente polifônico, trata-se dos dois ao
mesmo tempo.4

3
Beethoven havia dito: Bach não é um riacho, é um oceano !”; como se
sabe a palavra alemã Bach significa riacho (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 59

Retenhamos então o seguinte: nós não abandonamos as formas


dos clássicos. O que aconteceu mais tarde foi apenas sua trans-
formação, ampliação, redução; mas as formas permaneceram,
mesmo em Schoenberg !
Tudo isso se manteve. Entretanto, algo se transformou: o desejo
de intensificar cada vez mais a coerência e de retornar assim ao
pensamento polifônico. Sob esse ponto de vista, Brahms é espe-
cialmente significativo, e, como já disse, Gustav Mahler também.
Se vocês perguntarem: “E quanto a Bruckner e outros?”,
responderei: “Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo, numa só
vida”. Em Bruckner verificamos a conquista do domínio sonoro.
Ele transpôs para a sinfonia as expansões do campo sonoro rea-
lizadas por Wagner. De resto, não foi tão inovador: mas Mahler,
ele sim ! — com Mahler que temos acesso à modernidade.
Agora, gostaria de observar rapidamente outro aspecto: a am-
pliação do domínio sonoro !
Na última vez apresentei como exemplo um coral harmonizado
por Bach, e mostrei que nele já havia algo que não foi superado
pelos clássicos que o sucederam, e nem mesmo por Brahms: é
impossível imaginar algo mais rico em significados do que essas
construções de Bach ! Beethoven e Schubert não fizeram melhor.

4
Essa colocação de Webern merece uma atenção toda particular, pois
ele se refere nessa frase àquilo que consideramos o ideal formal we-
berniano. A “fusão das duas coisas” significa a interpenetração dos
dois métodos fundamentais de apresentação das idéias musicais nas
suas formas mais evoluídas: polifonia e melodia acompanhada (in-
corporada das aquisições harmônicas da última fase); portanto, abo-
lição da fronteira entre as dimensões horizontal e vertical,
equivalência desses dois eixos, considerados como aspectos de uma
mesma realidade musical. Essas dimensões serão assim absorvidas
no interior de uma concepção mais totalizante — multi-direcional —,
que Webern, como nenhum outro compositor de sua época, foi capaz
de perceber e lançar as bases. Ela é retratada no quadrado mágico
com o qual encerra seu ciclo de conferências de 1932; cf., p. 153 (ndt).
60 " ANTON WEBERN

Ao contrário ! Talvez eles dessem importância a outra coisa. Qual


é o sentido desses corais? Eles representam modelos de pensa-
mento musical baseados nos modos maior e menor, já formados
naquela época ! Tenho aqui 371 corais a quatro vozes de Bach —
poderiam muito bem ser 5.000 ! —, e isso não o satisfez. Tinham
um objetivo prático? Não, objetivos artísticos ! Era a clareza que
ele pesquisava !
Ao mesmo tempo, porém, os modos maior e menor foram con-
taminados por um germe mortal. Assim como, na época dos
modos eclesiásticos, o desejo de conclusão tinha conduzido ao
“amável” semitom, a sensível, e, após, à destruição total do sistema,
na nossa época maior e menor foram estraçalhados, sem com-
paixão — o germe mortal estava lá ! Por que falo tanto disso? Por-
que, depois já de um quarto de século, maior e menor não existem
mais, e somente poucas pessoas sabem disso. Era tão excitante
voar em direção às mais longínquas regiões tonais, para depois
retornar ao ninho aconchegante da tonalidade original ! E, de re-
pente, não se voltou mais — esses acordes astutos tornaram-se
tão equívocos ! Era muito agradável tudo isso, mas finalmente não
se considerou imprescindível retornar à tônica. Até Beethoven e
Brahms, ninguém de fato a tinha abandonado. Então, apareceu
um compositor que provocou uma violenta explosão: Wagner.
Depois vieram Bruckner e Hugo Wolf; por sua vez, Richard
Strauss — muito inventivo! — e muitos outros ainda. Foi o fim do
gênero maior-menor.
Para resumir, eu diria: da mesma maneira que os modos eclesiás-
ticos desapareceram e deram lugar aos modos maior e menor,
esses dois por sua vez também desapareceram e deram lugar a
uma escala única: a gama cromática. A relação com a tônica — a
tonalidade — foi perdida. Mas, isto faz parte de um outro capí-
tulo: a apresentação das idéias. A relação com a tônica constitu-
ía o fundamento essencial daquelas estruturas. Ela favorecia sua
construção, assegurando, em certo sentido, sua coerência. Essa
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 61

relação com a tônica era de fato a essência da tonalidade. Devido


a todos os acontecimentos que já mencionei, essa relação no iní-
cio perdeu parte de sua necessidade, e finalmente desapareceu
por completo. A ambigüidade de um grande número de acordes
a tornou supérflua. E, uma vez que o som é a expressão das leis
da natureza na sua relação com o sentido da audição, uma vez
que surgiram coisas novas, e ainda que as relações desaparece-
ram sem ofender o ouvido, foi necessário que outras leis surgis-
sem, sobre as quais já podemos dizer várias coisas.
Produziram-se complexos harmônicos de tal espécie que a rela-
ção com a tônica se tornou ultrapassada. Isso se consumou no
período entre Wagner e Schoenberg, cujas primeiras obras ainda
eram tonais. Mas na harmonia que ele desenvolveu, a relação a
uma tônica se tornou desnecessária e provocou a queda daquilo
que tinha sido a base do pensamento musical da época de Bach
até nossos dias: maior e menor desapareceram. Schoenberg ex-
prime isso pela seguinte analogia: as duas raças deram nasci-
mento a uma raça superior.
(3 de abril de 1933)
VIII

oje vamos observar o último estágio do desenvolvimento da


H música e primeiramente retomaremos o momento da disso-
lução dos modos maior e menor: o desaparecimento da tonali-
dade. Na última vez, já havíamos considerado algo sobre isso,
quando me referi ao ponto inicial desse processo de decompo-
sição. Mencionei que os corais harmonizados por Bach já haviam
desferido um duro golpe na tonalidade. É muito difícil de se com-
preender os eventos mais recentes; porém é importante falarmos
sobre eles, uma vez que nos últimos tempos tem aumentado o
número de pessoas que querem rotular essa situação como
sendo uma invenção nova, embora ela já exista há um quarto de
século. Não tenho intenção de criar polêmica, mas o fato de se
falar tanto disso atualmente está associado ao curso dos eventos
políticos. A coisa é apresentada como se no fundo tudo fosse es-
tranho e contrário à alma alemã, como se tudo isso tivesse sur-
gido de uma hora para outra, enquanto que na verdade esse
processo se desenvolve há mais de vinte e cinco anos, tempo su-
ficiente para impedir um retorno — e poderíamos fazê-lo? Não
sei se as pessoas choraram tanto pelos modos eclesiásticos; de
qualquer forma, lamenta-se e grita-se hoje terrivelmente pelo de-
saparecimento da tonalidade !
Devemos ver essas coisas claramente para que vocês tenham
condições de acreditar ou não em mim ! Quis mostrar que esse
processo é totalmente análogo ao anterior. Digo isso, pois recen-
temente, na revista “Radio Wien” — que se dirige a um grande

62
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 63

público —, um tal de Sr. Rinaldini — que dizem ser um desses


compositores “alemães” ! — escreveu que as pessoas se inqui-
etam discutindo se devem ou não abandonar a tonalidade. Bem,
ele talvez ! Para nós, isso é muito claro, não temos necessidade
dessa discussão ! Como disse outro dia, ninguém foi além de
nosso estilo; e quanto àqueles que somente reescrevem a música
do passado, não temos a menor necessidade de mencioná-los
aqui.
Dissolução da tonalidade: por meio do estilo de harmonização
particular de Bach, depois das dominantes secundárias, da ten-
dência de incluir outros graus com suas dominantes, acabaram-
se utilizando na música notas estranhas à tonalidade de base. Por
exemplo, em dó maior não temos fá sustenido, nem temos sus-
tenido algum; portanto, se utilizo um fá sustenido em dó maior
— por exemplo, integrando a dominante da dominante —, eu
rompo essa tonalidade. Isto é uma modulação. Não quero porém
considerá-lo como tal, mas sim relacionar este fá sustenido com
a tônica e isso justamente acaba por destruí-la. Tentou-se então
uma coisa diferente.
A subdominante menor, fá - lá bemol - dó, é também importante
aqui. Popularmente falando, trata-se da “conquista das teclas
pretas”, a partir de dó maior. Depois, foi-se ainda mais longe: sur-
giram os germes destruidores na região das cadências. De uma
maneira análoga, os modos eclesiásticos desapareceram, e assim
também maior e menor dissolveram-se. De repente, cada um dos
graus foi duplicado; por exemplo, o segundo grau de dó maior
podia ser então ré ou ré bemol. E prosseguindo: se cada grau es-
tava duplicado, tinha-se então os doze sons — mas, eles perma-
neciam ainda relacionados à tônica, à tonalidade.
Além disso, ocorreu a ampliação da harmonia: surgiram os acor-
des ambíguos — por exemplo, o acorde de sétima diminuta que
pode ser relacionado simultaneamente a quatro tonalidades 1 —,
64 " ANTON WEBERN

depois os acordes foram ainda alterados — algumas de suas


notas foram sustenizadas ou bemolizadas. Como tudo isso acon-
teceu? As consonâncias originais das tríades se transformaram,
por ampliação, em acordes de sétima, em dissonâncias; foi, so-
bretudo, a condução das vozes que gerou tais acordes. O ouvido
foi-se habituando progressivamente com esses agregados har-
mônicos, que de início apareceram de forma prudente, como for-
mações de passagem ou com preparação, e no final todos esses
acordes foram sentidos como naturais e agradáveis. Utilizaram-
se acordes ambíguos como, por exemplo, o acorde de quinta au-
mentada, que desempenha um papel importante na obra de
Wagner, mas que nada tem de terrível: ela está presente no
acorde sobre o terceiro grau, de qualquer tonalidade menor. Ci-
temos também o acorde de quinta e sexta aumentada. Com esses
acordes vagantes podia-se ir a todas as regiões possíveis. Mesmo
o chamado “acorde do Tristão” já existente antes de Wagner, mas
somente como acorde de passagem, sem o significado e a forma
de resolução particulares deste compositor. Em seguida, vieram
os acordes de quarta e as construções por superposição de ter-
ças. Mais tarde, com o processo se acelerando cada vez mais, os
novos acordes por sua vez foram alterados e assim chegou-se ao
estágio onde eram empregados de maneira quase exclusiva. Mas,
eles mantinham ainda relação com a tônica, e se podia, por con-
seqüência, recuperar a tonalidade original.
Finalmente, porém, a utilização desses acordes de natureza dis-
sonante — através da conquista cada vez mais intensa do campo
sonoro e do recurso aos harmônicos mais distantes — fez com
que não se presenciasse praticamente nenhuma consonância,

1
Como se sabe, o acorde de sétima diminuta é constituído de dois trí-
tonos sobrepostos. Se tomamos, por exemplo, o acorde formado
pelas notas: si, ré, fá e lá bemol, obtemos as seguintes possibilidades
de resolução: (si - fá) dó e (ré - lá bemol) mi bemol; e enarmonica-
mente: (mi sustenido - si) fá sustenido e (sol sustenido - ré) lá (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 65

durante longos trechos, e por último chegou-se a uma situação


onde o ouvido não mais percebia como indispensável a referên-
cia à tônica. Quando, de preferência, se retorna à tônica? No final,
lógico ! Então podemos dizer: “A peça está nesta ou naquela tona-
lidade”. Houve um tempo, no entanto, quando se retornava à to-
nalidade apenas no último momento, e em que durante longos
trechos a tonalidade não podia ser precisada. “Tonalidade sus-
pensa”. Apenas no final ficávamos sabendo: tudo isso que ou-
vimos deve ser compreendido desta ou daquela forma.
Entretanto, esse fato tornou-se tão freqüente que foi possível, um
dia, abandonar a relação com a tônica, pois nada mais era con-
sonante. O ouvido estava satisfeito com esse estado de suspen-
são. Não se tinha a impressão de que faltasse algo, quando se
terminava dessa maneira; percebia-se o fluxo de todos esses
complexos como um todo, suficiente e satisfatório.
Está mais ou menos claro? Esse momento — posso falar por ex-
periência própria —, momento do qual nós todos participamos
situa-se em torno de 1908.2 Estamos agora em 1933, portanto
vinte e cinco anos depois, um jubileu !
Foi Arnold Schoenberg que “provocou” isso. Quero prosseguir
com base na minha própria experiência. Como vocês podem ima-
ginar, isso não ocorreu subitamente. As ligações com o passado
eram muito intensas. Aliás, é possível a interpretação de que
exista uma tônica mesmo em nossas obras — eu certamente

2
Sua peça para coral, Entflieht auf leichten Kähnen, opus 2 de 1908,
pode ser considerada o início de uma produção não centrada exclu-
sivamente nas relações tonais estritas. Ele acompanha de perto as
tentativas realizadas desde 1906, aproximadamente, por Schoenberg
em direção ao atonalismo, que se concretizarão plenamente no úl-
timo movimento do Segundo Quarteto de Cordas, opus 10 (1907-8)
de seu mestre. Webern propriamente só efetuará o passo decisivo
para sua libertação do sistema tonal com os dois grupos de Lieder,
opus 3 e opus 4, de 1908-9 (ndt).
66 " ANTON WEBERN

acredito nisto3 —, mas, no que se refere ao curso total da com-


posição, ela não apresenta mais nenhum interesse para nós.4 Sur-
giu então uma música sem nenhuma indicação de armadura;
para falar mais simplesmente: uma música que, em dó maior, não
utilizava apenas as teclas brancas, mas as pretas também. Porém
logo se constatou que aqui ainda existiam leis secretas, determi-
nando as relações entre os doze sons: era satisfatório para o ou-
vido quando uma seqüência melódica se realizava em semitons,
ou seja em intervalos relacionados à progressão cromática; ba-
seada, portanto, nessa escala, e não na de sete sons. De fato, a
escala cromática se tornou cada vez mais dominante: doze sons
ao invés de sete.
Chegamos agora a um estágio difícil de ser explicado. Com o pre-
valecimento da gama cromática, das progressões cromáticas,
atingiu-se um ponto particularmente crítico. O que acontece
quando se deseja afirmar intensamente uma tonalidade? A tônica
necessita ser enfatizada, de tal forma que os ouvintes a perce-
bam; caso contrário, isso não seria satisfatório. É justamente em
Beethoven que encontramos de maneira característica essa ne-
cessidade de repetir constantemente a tônica, em especial no
final da obra, a fim de que ela adquira relevo. Para ele, nenhum
recurso é suficiente quando se trata de construir um final real-
mente convincente. Mas hoje a necessidade é exatamente

3
É provável que essa “tônica”, à qual Webern se refere, signifique sim-
plesmente relações localizadas de certos sons, em que um deles
possa ser interpretado como predominante; e isto com base no po-
tencial atrativo, nas relações de afinidade, nos sons polarizantes que
cada nota possui e acaba assim por determinar, conforme o caso; re-
giões de magnetismo em torno de uma freqüência dada. A esse res-
peito, ver: Morte, ou transfigurações da harmonia, de E. Costère (ndt).
4
Esse “nós” é uma forma de expressão, pois, diferentemente de
Schoenberg e Berg, apenas Webern manterá a direção de seu traba-
lho no universo serial, sem nenhuma preocupação de caráter nostál-
gico aparente (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 67

contrária: uma vez que a tônica não existe mais, ou melhor, uma
vez que os acontecimentos progrediram a tal ponto que a tônica
não é mais indispensável, sentimos a necessidade de impedir que
um som qualquer predominasse, que a repetição de um dado
som lhe “conferisse vantagem” sobre os demais.
Naturalmente, não é possível compor sem repetição, senão a
peça estaria já terminada quando os doze sons tivessem sido
enunciados. Como imaginar isso? Como não repetir? Quando a
repetição não atrapalha? Disse que a composição estaria con-
cluída após a enunciação dos doze sons; e durante a sucessão
desses doze sons, nenhum deles deveria ser repetido ! Mas po-
demos realizar uma centena de sucessões simultaneamente ! Isto
é possível desde que a sucessão se realize completamente, sem
nenhuma repetição de sons no seu interior.
Isso foi percebido. Pode ocorrer também um acorde de doze sons
— tais acordes já foram escritos —, e, em seguida, uma reapre-
sentação da série, que pode ainda ser ouvida simultaneamente a
outra coisa, desde que se respeite o mesmo critério.
Assim, está expressa a lei: sucessão dos doze sons — e nada mais !
Alguns fatos notáveis influíram aqui, não fatos teóricos, mas re-
sultantes de nossa experiência auditiva. Sentimos, por exemplo,
que era inconveniente a repetição de um som no interior de um
tema. E eis o ponto essencial — prestem atenção ! Vocês enten-
derão agora como nasceu esse estilo: não foi apenas devido à
perda da tonalidade, mas ainda, e muito objetivamente, a partir
do desejo de coerência.
O que aconteceu? Uma sucessão de doze sons. Sua ordenação
não foi fruto do acaso; escolheu-se uma forma particular de série
capaz de determinar a composição em todo seu decurso. Os doze
sons são organizados numa ordem especial, cuja seqüência está
na base de toda a composição. E nessa ordem eles devem se su-
ceder sempre ! Assim, uma seqüência determinada dos doze sons
está onipresente na obra.
68 " ANTON WEBERN

E agora retornemos aos mestres da segunda escola neerlandesa


! Naquela época, construía-se uma melodia a partir da escala de
sete sons, relacionando-se sempre a ela. O mesmo ocorre com o
método de composição com doze sons relacionados somente
entre si, criado por Schoenberg. Nada mais ! E por que nos inte-
ressou reiterar incessantemente a “mesma coisa”? Buscamos
criar coerência, relações entre os elementos, e certamente a coe-
rência máxima ocorre quando todas as vozes enunciam a mesma
idéia — a maior coerência imaginável !
Resumamos: falei da estruturação da melodia, do acompanha-
mento. Os compositores tentaram criar unidade no acompanha-
mento, trabalhar tematicamente, deduzir tudo de um só
pensamento e assim produzir a mais estreita — a máxima — coe-
rência. Hoje tudo é derivado desta seqüência de doze sons, es-
colhida pelo compositor, e é sobre essa base que se realiza, como
antigamente, o trabalho temático. Entretanto — a grande vanta-
gem é que posso tratar o material temático muito mais livremente,
pois a coerência me é perfeitamente garantida pela série de base.
A idéia é sempre a mesma; apenas as formas sob as quais ela se
manifesta é que são diferentes. Isso está muito próximo da con-
cepção que Goethe tinha das leis da natureza e do sentido que
existe em todos os eventos naturais e que se manifesta através
deles. Na “Metamorfose. da Planta” 5 encontra-se claramente ex-
pressa a concepção segundo a qual toda criação deve ter seme-
lhança com a natureza, pois é aí que ela se manifesta sob a forma
particular da natureza humana. Eis o pensamento de Goethe.
E o que essa visão põe em evidência? Que tudo é o mesmo: raiz,
caule, flor. E, segundo Goethe, algo análogo ocorre com as vér-
tebras do corpo humano. O homem possui uma série de vérte-
bras, cada uma diferente das outras e no entanto semelhantes

5
“Metamorphose der pflanze”, figurando inicialmente na “Tentativa para
e.plicar a metamorfose das plantas” (1789-1790) e depois nos “Cader-
nos de morfologia” — seis cadernos escritos entre 1817 e 1824 (ndt).
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA " 69

entre si. Vértebra arquetípica — planta arquetípica. A opinião de


Goethe é a de que se poderia inventar plantas infinitamente. Eis
também o sentido de nosso estilo de composição. E não se deve
temer que a obra no seu geral incorra numa certa monotonia,
pelo fato da seqüência das notas na série manter-se sempre fixa.
Então me perguntam: como chego a essa serie? Não de forma ar-
bitrária, mas segundo determinadas leis secretas. (Uma ligação
dessa espécie é muito rígida, e deve-se portanto refletir muito
bem e seriamente como quando decidimos casar — a escolha é
difícil !) Como se realiza isso? Seria imaginável: através de um ca-
minho puramente construtivo, tendo como critério, por exemplo,
a obtenção do maior número possível de intervalos. Mas, falando
pela minha própria experiência, muitas vezes cheguei a isso por
meio do que ordinariamente se denomina inspiração. É a lei, o
que nós estabelecemos. Antigamente, quando se escrevia em dó
maior, nos sentíamos “amarrados” a essa tonalidade, caso con-
trário, o resultado final seria desastroso. Era-se obrigado a retor-
nar à tônica, estava-se vinculado à natureza dessa escala.
Atualmente, criamos tendo por base uma escala, não de sete, mas
de doze sons, cuja ordenação é determinada. Essa é a “composi-
ção com doze sons relacionados somente entre si”.
Como é natural, houve estágios preliminares; nada surgiu rapi-
damente. Assim, Schoenberg, numa obra ainda inacabada e to-
talmente desconhecida, a “Escada de Jacob” 6, baseou-se, não em
doze, mas em sete sons apenas. Mesmo na sua Serenata (Op. 24)
a utilização da série é somente parcial.7 No entanto Schoenberg

6
“Die Jakobsleiter”, oratório para solistas, coros e orquestra; sua com-
posição — inicialmente realizada entre 1917 e 1922, depois retomada
em 1944 e novamente abandonada — permaneceu, assim como i-
númeras outras composições, inacabada (ndt).
7
A ‘’Serenata’’ foi publicada em 1923. “No terceiro movimento, o tema
consiste numa sucessão de quatorze sons, dos quais onze apenas são
diferentes, e esses quatorze sons se encontram constantemente uti-
70 ANTON WEBERN

E o que essa vis o p e em evid ncia? Que tudo o


mesmo: raiz, caule, or. E, segundo Goethe, algo a n lo
ocorre com as v rtebras do corpo humano. O homem
possui uma s rie de v rtebras, cada uma dife rente das
outras e no entanto semelhantes entre si. V rtebra
? ar
quet pica? ?planta arquet pica. A opini o de Goethe a
de que se poderia inventar plantas in ni tamente. Eis
tamb m o sentido de nosso estilo de com posi o. E n o
se deve temer que a obra no seu geral incorra numa cert
monotonia, pelo fato da seq ncia das notas na s rie
manter?se sempre xa.
Ent o me perguntam: como chego a essa serie? N o de
forma arbitr ria, mas segundo determinadas leis se cret
(Uma liga o dessa esp cie muito r gida, e deve?se
portanto re etir muito bem e seriamente como quando
decidimos casar? ?a escolha dif cil?!) Como se realiz
isso? Seria imagin vel: atrav s de um ca minho purament
construtivo, tendo como crit rio, por exemplo,
? a obten
o do maior n mero poss vel de in tervalos. Mas, falan
pela minha pr pria experi n cia, muitas vezes cheguei a
isso por meio do que or dinariamente se denomina
? ins
pira o. a lei, o que n s estabelecemos. Antigamente,

(ndt).
7
A foi publicada em 1923. No terceiro movimento,
o tema consiste numa sucess o de qua torze sons, dos quais
onze apenas s o diferentes, e esses quatorze sons? se en
contram constantemente utilizados ao longo de toda a pe a.
[...] O quarto movimento, , uma verdadeira compo
?
si o com doze sons. A t cnica aqui relativamente
? primi
tiva, porque essa foi uma das primeiras pe as es critas
estritamente segundo esse m todo. (Extra tos de uma carta
de Schoenberg a Nicolas Slonims ky, 3 de junho de 1937.)
(ndtf).
8
Na verdade, na , ltima das , opus
O CAMINHO PARA A MÚSICA NOVA 71

quando se escrevia em d maior, nos sent amos? amar


rados a essa tonali dade, caso contr rio, o resultado
seria desas troso. Era?se obrigado a retornar? t nica,
tava?se vinculado natureza dessa escala. Atualmente,
cria mos tendo por base uma escala, n o de sete, mas d
doze sons, cuja ordena o determinada. Essa? a com
posi o com doze sons relacionados somente entre si .
Como natural, houve est gios preliminares; nada surgi
rapidamente. Assim, Schoenberg, numa obra ain? da ina
6
cabada e totalmente desconhecida, a ,
baseou?se, n o em doze, mas em sete sons apenas.
Mesmo na sua (Op. 24) a utiliza o da s ?rie so
7
mente parcial.No entanto Schoenberg formulou clara
?
8
Des de essa poca, ele
mente a lei por volta de 1921.
pr prio pratica esta t cnica de composi o, salvo pouca
exce es, e n s, os mais jo vens, nos tornamos ? seus dis
9
c pulos.
Agora ampliemos a analogia com a t cnica dos ?neerlan
deses. A partir da estrutura b sica, da seq ncia de do
sons, poss vel construir for mas derivadas: os doze s
podem ser realizados de tr s para a frente? ?esse
? o
tr grado; depois na invers o? ?assim como quando
? olha

23, publicadas em 1923, que apare ce a primeira ?obra dode


caf nica. Entretanto, as demais pe as desse opus,
? compos
tas a partir de ju lho de 1920? ?assim como a maioria
72 ANTON WEBERN

daquelas do op. 24 escritas nesse mesmo per odo?? ?envol


vem proce dimentos seriais (ndt).
9
A primeira utiliza o sistem tica da s rie, como? princ pio
n o meu, de Schoenberg.
Como nesse ano eu deveria falar sobre o tema em
Mondsee, mantive ent o uma breve correspond ncia com
Schoenberg para saber como se poderia intitular
? uma pa
1
lestra de tal natureza. Ele sugeriu
: O caminho para a
composi o com doze sons .
Antes de mais nada, devemos saber o que signi ca
composi o com doze sons . Voc s j viram de perto
uma obra escrita dessa maneira? Acredito que, desde que
se comp e m sica, todos os grandes mestres tiveram
instintivamente essa meta em vista. No entanto,
? n o gos
taria de revelar esses segredos j ? ?e s o segredos
mesmo?! Chaves secretas. Muito provavelmente ?tais cha
ves secretas existiram em todas as pocas, e ?inconscien
temente delas se compreendeu mais ou menos alguma
coisa.

1
Acho excelente teu plano para Mondsee. Gostaria somente
de recomendar que, se poss vel, ordene as an lises de tal
maneira que pela escolha das obras o desenvolvimento
? l
gico em dire o composi o com doze sons seja ?eviden
ciado. Por exemplo, os franco? amengos e Bach para o
contraponto; Mozart para o fraseado e tamb m para
? o tra
balho mot vico; Beethoven, mas tamb m Bach, para? o desen
volvimento; Brahms, e, eventualmente Mahler, para o
tratamento da complexidade e da varia o. Creio que essas
73
74 ANTON WEBERN

Hoje pretendo me ocupar desse tema de maneira geral.


O que se conquistou de fato com esse m todo de
? com
posi o? Qual dom nio ou quais portas essa chave
? se
creta nos abriu? De uma forma muito geral, visa?se a
criar um meio que permita expressar em m sica a maior
coer ncia poss vel. Acabo de pronunciar uma palavra
sobre a qual poder amos discutir dias inteiros. Talvez
seja mesmo importante falarmos disso, de coisas
? de na
tureza t o geral, que possam ser entendidas por todos,
mesmo pelos ouvintes que est o aqui sentados ?por sim
ples curiosidade. Pois n o sei o que nos reserva o futu
A coer ncia certamente indispens vel para que
? o sen
tido exista. Para falar de maneira mais ampla, a coer n
resulta do estabelecimento de rela es, as mais estreit
poss veis, entre partes componentes. Assim, tanto em
m sica como em qualquer outro meio de express? o hu
mana, a inten o fazer aparecerem, o mais claramente
poss vel, as rela es entre as partes; em uma palavra:
mostrar como um elemento se encaminha a outro.
Retornando agora m sica, isso e at certo ponto
? his
t rico. O que ent o essa composi o com doze sons ?
O que a precedeu? A essa m sica tem sido dado o terr ve
nome de m sica atonal . Schoenberg ca oa desse termo,
pois atonal signi ca privado de2 ; isso
som ? por m,
n o faz o menor sentido. O que se pretende caracterizar
uma m sica que n o est ligada a nenhuma tonalidade
de nida. A que se renunciou? ¸ tonalidade.

grandes linhas s o essenciais. O t tulo poderia


.. (ndt).
ser: .

2
Tom se traduz por som . Portanto, literalmente, atonal
privado de som . Atonal acabou sendo usado corrente
?
mente, mas Schoenberg na verdade nunca aceitou esse
termo, que sempre lhe pareceu impr prio, preferindo
? a ex
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 75

Tentemos veri car a coer ncia?! A tonalidade ?foi, at n


sos dias, um dos meios mais importantes de criar
? coe
r ncia. uma das nicas aquisi es do passado que
desapareceu; todo o resto existe ainda. Examinemos
agora mais profundamente essa hist ria.
A nal, o que a m sica? A m sica uma linguagem. o
homem quer, atrav s dessa linguagem, expressar id ias,
n o id ias transform veis em conceitos, mas id ias
. Schoenberg consultou numerosos dicion rios para
encontrar a de ni o da palavra id ia , mas ?n o a en
controu. O que ?3
uma id ia musical
(Ele assobia: )4.
Eis uma id ia musical?! Na verdade, o homem s pode
existir se expressando. A m sica O faz pelas ?id ias mu
sicais. Quero dizer algo e, obviamente, procuro faz ?lo
de forma que os outros me compreendam. Schoenberg
utiliza a maravilhosa palavra apreensibilidade
? (que e
contramos t o abundantemente em Goethe?!). A ?apreen

press o tonalidade suspensa (ndtf), ou pantonal (ndt).

3
justamente a id ia que Schoenberg considera essencial na
arte. No texto , ele ?co
loca: .. .toda a terminologia musical imprecisa,? e a maio
ria de suas palavras utilizada em v rios sentidos. Na su
acep o mais corrente, id ia sin nimo de tema, melodia,
frase ou motivo. Mas, na minha opini o, a totalidade de
uma pe a que constitui uma id ia, a id ia que seu autor qu
trazer luz . Tenta precisar sua de ni o: Cada vez que
uma nota qualquer acrescentamos outra, lan a?se ?uma d
vida sobre o signi cado da nota inicial.
..] e a[.adi o de
notas seguintes ajudar ou n o a solu o desse problema.
Provocou?se assim uma impress o de incerteza, de? dese
quil brio, que vai se acentuar com a seq ncia..da O pe a .
m todo pelo qual ser restabelecido o equil brio? compro
metido , a meu ver, a verdadeira id ia de uma composi o.
76 ANTON WEBERN

sibilidade a lei suprema. E a que deve estar a coer


Necessita?se de meios para resguard ?la. Tudo? que co
nhecemos da vida simples deve tamb m ser utilizado na
obra de arte. Procuraram?se meios de exprimir uma id ia
musical sob a forma mais apreens vel poss vel. Durante
muitos s culos, mais precisamente desde o s culo XVII,
um desses meios foi a tonalidade. Desde Bach, faz?se
distin o entre maior e menor. Anteriormente, existam
os modos eclesi sticos, sete modos, dos quais? nal
mente apenas dois subsistiram como g nero. Deles
? sur
giu algo que extrapolou os tipos existentes: nosso novo
sistema de doze sons.
Retornando tonalidade: ela era um meio extraordin rio
de estabelecer coer ncia entre as partes. Em ?que consis
tia essa coer ncia? No fato de que uma pe a era
? com
posta numa dada tonalidade, a tonalidade principal; era
natural que o compositor buscasse colocar essa? tonali
dade, escolhida por ele, em evid ncia, de maneira
? expl
cita. Uma obra possu a uma t nica, que era mantida,
depois abandonada e qual se retornava. Ela reaparecia
continuamente, o que assegurava sua predomin ncia.
Tinha?se uma tonalidade principal na exposi ?o, no de
senvolvimento, na reexposi o,..etc?.
Para evidenciar de
forma especial essa tonalidade, existiam 5as
, nas
codas
quais ela reaparecia sempre. Devo freq entemente
? re
lembrar tais coisas, pois estamos tratando de algo que
j desapareceu. Uma vez sem a tonalidade, foi necess r
que algo surgisse, algo capaz de reordenar o material
musical.
Dois caminhos levaram incontestavelmente composi o
com doze sons; ela n o nasceu unicamente do desapa
?
recimento da tonalidade e da necessidade de se apegar
(ndt).
4
... ; para sua melodia, ver Exemplo
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 77

a outra coisa. N o?! Ao lado disso, houve um ?outro cami


nho, tamb m de grande import ncia?! Mas qual , n o
posso agora dizer numa s palavra. As formas can nicas,
contrapont sticas, o tratamento tem tico podem
? estabe
lecer muitas rela es entre as partes, e a que se te
de buscar, voltando?se em dire o ao passado, o que a
composi o com doze sons acrescenta.
Nesse sentido, o exemplo mais extraordin rio Johann
Sebastian Bach, que no nal de sua vida escreveu a
. Essa obra contem um enorme espectro de
? rela
es de natureza totalmente abstrata; a m sica mais
abstrata que conhecemos. (Talvez estejamos todos
? ten
dendo a escrever de forma igualmente abstrata.) Mesmo
que a tonalidade ainda exista nela, encontram?se coisa
que se dirigem quilo que mais importante ?na compo
si o com doze sons: um substituto para a tonalidade.

8, p. 45 (ndt).

5
Ou frases cadenciais (ndt).

6
Webern iniciou seus estudos com Schoenberg no outono de
1904. Em 1908 comp e a para orquestra, opus 1
de seu catalogo: obra escrita ainda enquanto aluno de
Schoenberg, mas que este considera como marco do nal da
aprendizagem de seu disc pulo (ndtf).
7
Mais precisamente: escritas em fevereiro e agosto de 1909,
elas foram publicadas nesse mesmo ano (ndtf) .
8
A produ o musical de Schoenberg pode ser dividida em
quatro fases. A primeira, caracterizada pelas refer
? ncias
nais, dura at 1908. A partir dessa data desenvolve?se
? a s
gunda, conhecida por atonal , e que corresponde
suspens o da tonalidade. A fase serial ou dodecaf
? nica pro
priamente dita estende?se de 1920 a 1936. de 1920
? o pri
meiro uso consistente do princ pio serialista, e
78 ANTON WEBERN

O que estou contando aqui , de fato, a minha vida. Tod


essa revolu o teve in cio na poca em que comecei a
compor. A quest o se tornou muito atual no per odo em
6
que fui aluno de Schoenberg.
Desde ent o, no entanto,
um quarto de s culo se passou.
Se quisermos constatar historicamente o que causou o
brusco desaparecimento da tonalidade, e como ?esse pro
cesso come ou, at que um dia Schoenberg descobriu,
Por pura intui o, como restabelecer a ordem,? retorne
mos a 1908, aproximadamente, quando foram publica
?
7
das suas , op.11. Essas fo ram as
primeiras pe as 11 atonais . A primeira obra escrita po
Schoenberg segundo a t cnica de composi o com doze
8
sons apareceu em 1922.De 1908 a 1922 houve um ?in
terregno que durou quatorze anos,quase uma d cada e
meia. Mas, j na primavera de 1917? ?Schoenberg? mo
provavelmente de 1921 a composi o de sua, quinta e
ltima pe a de seu opus 23, editado em 1923. Nessa pe a
que podemos encontrar pela primeira vez o emprego
? siste
m tico da disciplina serial. A quarta fase inicia?se em 193
e compreende obras de grande diversidade estil stica,
? in
cluindo ocasionais retornos composi o tonal (ndt).

9
A respeito do que foi dito nesse encontro, e sobre a rela
entre ambos nessa poca, Schoenberg se manifesta mais
tarde, em 1951 : No
que me diz respeito, ao contr rio (de Webern), eu
? tinha o h
bito de lhe expor imediatamente e integralmente minhas
novas id ias. A nica exce o se refere ao meu m todo de
composi o com doze sons, que por muito tempo mantive
secreto, porque Webern se apressava imediatamente em tirar
partido de tudo que eu pudesse escrever, dizer ou projetar.
Lembro?me mesmo de lhe ter dito na poca: Neste? mo
mento, estou absolutamente desorientado . , in:
(ndt).
10
Cf. nota 6 (da confer ncia anterior), p. 81 . Uma
? outra pas
sagem da carta, j citada, de Schoen berg dirigida
? a N. Slo
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 79

rava na Gloriettegasse e eu n o muito distante de l ? ,


fui v ?lo numa bela manh para lhe dizer que tinha lido
num jornal onde se poderiam encontrar alguns alimentos.
Na realidade eu o atrapalhei, e ele me explicou
? que es
9
N o me
tava a caminho de algo absoluta mente novo .
disse mais nada nessa oca si o, e eu quebrava a cabe a:
Meu Deus, o que que pode ser isso? (Na m sica de su
, encontram?se as primeiras manifesta es
10
dessa t cnica.)
Acredito ser muito oportuno discutirmos o ltimo est gi
da m sica tonal. Encontramos a primeira brecha desse
sistema nos movimentos de sonata, onde algumas vezes
se introduziu uma outra tonalidade, como uma cunha, no
interior da tonalidade principal, com a nalidade
? de co
loc ?la momentaneamente de lado. Em seguida, ?esse fe
n meno se reproduziu na cad ncia. O que uma
cad ncia? O esfor o de proteger a tonalidade de tudo qu
pudesse prejudic ?la. Mas quis dar?se s cad ncias uma
forma sempre mais singular, e isso acabou por levar a
tonalidade principal explos o. Inicialmente terminav
se ainda no tom principal, mas aos poucos, foi?se t o
longe que, nalmente, n o pareceu mais necess? rio re
tornar de fato a ele.
Primeiro se pensou: Aqui estou em casa? ?agora saio?
olho aqui, ali? ?posso vagar t o longe quanto queira?
at que, por m, estou de novo em casa?! Pelo fato de

nimsky, em 3 de junho de 1937, esclarece as inten es de


Webern: O m todo de composi o com doze sons teve
? mui
tas tentativas preparat rias. O primeiro passo foi dado ma
ou menos em dezembro de 1914, ou in cio de 1915, quando
eu esbo ava urna sinfonia cuja ltima parte foi reutilizad
depois na . O dessa sinfonia estava
? ba
80 ANTON WEBERN

ter composto cad ncias cada vez mais ricas, substitu do


progressivamente os acordes de subdominante, ?domi
nante e t nica por outros, e depois alterado ainda este
ltimos, a tonalidade acabou sendo levada explos o.
Os acordes substitutos tornaram?se cada vez mais
? au
t nomos. Foi poss vel atingir, aqui e ali, uma
? outra to
nalidade. (Quando se passava das teclas brancas s tecl
pretas, perguntava?se: Sim, e agora, devo realmente
descer de novo? ) Os acordes substitutos tornaram?se
t o predominantes que n o houve mais necessidade de
retornar tonalidade principal. a esse est? gio da to
lidade que pertencem todas as obras que Schoenberg,
11
Berg e eu mesmo escrevemos antes de 1908.
Por onde se deve caminhar? Devemos realmente retornar
s rela es da harmonia tradicional? Foi re etindo sobr
essas quest es que adquirimos a certeza: N s n o temos
mais necessidade dessas rela es, nosso ouvido est
seado num tema que continha os doze sons. Mas era
? so
mente um dos temas. Eu estava ainda longe da id ia de me
servir de um tema fundamental corno meio de uni car toda
uma obra. (ndtf).

11
Principalmente, de Schoenberg: op. 4, os
, op. 5,
op. 7 e a op. 9; de A. Be
e a op. 1; de Webern: a
op. 1 e o coral a capela
op. 2 (ndtf).

12
Re exos n tidos destes protestos podem ser observados em
toda a Europa a partir da d cada de 30. No Brasil
? eles ocor
reram no nal da d cada de 40, particularmente atrav s das
rea es da escola nacionalista, como se pode observar
? nes
tes curtos trechos da
(S o Paulo, 1950), assinada por Camargo Guarnieri:
? Dode
cafonismo m sica cerebrina e falaciosa
..] [.
corres
?
ponde ao Abstracionismo em Pintura, ao Hermetismo em
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 81

tamb m satisfeito sem tonalidade?! A poca estava


? sim
plesmente madura para o desaparecimento da tonalidade.
Foi naturalmente um combate muito duro; tinha?se que
superar os mais terr veis obst culos e o medo: Isso
realmente poss vel? Ocorreu ent o que, aos poucos,
compusemos freq ente e conscientemente pe as sem
tonalidade de nida.
Este que lhes fala viveu todas essas coisas e participo
de tal combate. Os eventos se precipitaram e ?n s os vi
vemos de maneira natural e intuitiva. E nunca antes se
protestou tanto como contra estes12fatos.
Sem d vida, n o tem sentido opor?nos a contesta es
sociais . Por que as pessoas n o entendem isso? Era, d
nossa parte, um passo frente que devia ser dado, um
avan o como jamais se observou anteriormente. De fato,
t nhamos que abrir novos caminhos a cada obra; cada
obra algo diferente, algo novo. Vejam Schoenberg?! Ma
Reger certamente desenvolveu?se tamb m, como um
homem desenvolve?se entre os 15 e os 40 anos de idade,
mas do ponto de vista estil stico n o houve transforma
?
es; comp s 50 obras no mesmo estilo. Para n? s, to
talmente imposs vel repetir alguma coisa. Schoenberg
exprime isso de maneira muito elucidativa: E? se eu ti
vesse composto uma opera no estilo dos ??13
Como o p blico pode conseguir acompanhar? Natural
?
mente, isso muito dif cil. Beethoven e Wagner tamb m
foram importantes revolucion rios, tamb m foram
? in
compreendidos, pois trouxeram enormes transforma es
estil sticas.
Procurei tornar esse est gio bem claro e convencer voc
de que, assim como o fruto maduro cai da rvore,
? o prin
c pio formal da tonalidade simplesmente caducou para a
m sica.
( )

82
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 83

o que causou o desaparecimento


da tonalidade. Existem ainda hoje pessoas que
? com
p em com base nela, embora, depois de um quarto de
s culo, fa a parte do passado.
A tend ncia de opor elementos harm nicos contrastantes
tonalidade escolhida para uma pe a? ?isto ?, de res
tringir o campo de a o do tom principal e em seguida
introduzir cunhas? ?se manifestou especial mente
? no mo
mento da cad ncia, pois era precisamente nela que se
queria fazer aparecer esses contrastes sob uma
? luz par
ticular. Esse era o ponto onde tamb m os cl ssicos com
freq ncia se afastaram muito da tonalidade empre
?
gando meios que a prejudicaram, e exatamente, onde
mais se havia esfor ado para deix ?la transparecer de
maneira evidente. Certos acordes e rela es harm nicas
tiveram um efeito radical e radicalizante; por exemplo,
subdominante menor (em d maior: f menor) e, a partir

1
Provavelmente h um engano nesse exemplo: v rias? possi
bilidades desse acorde podem ocorrer aqui por enarmonia;
por m, uma vez que se indica d como refer ncia, o f deve
ser bequadro, resultando assim no acorde de subdominante
menor com as caracter sticas mencionadas (ndt).
2
(texto tirado
de , de
Goethe ), para vozes e orquestra, opus 89 (1882) (ndt).
84 ANTON WEBERN

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π ma ben marcato dim.3
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˙ ˙ Œ ˙. Œ ˙.
u
da , o sexto grau da subdominante menor (em d maior:
o acorde f ?? l be mol? r bemol, a sexta napolitana?
segundo grau rebaixado de d maior).
Esse exemplo j mostra claramente o caminho que
? po
deria levar ao trabalho com doze sons. (Voc s j sabem
que a estrutura de todo o sistema repousa no fato de qu
se consideram os diversos sons da gama como graus, e
que se podem interpretar de v rias maneiras as rela es
citar Brahms como exemplo, do
que Wagner. Em Wagner a harmonia possui um ?signi
cado muito abrangente, mas, no que se refere? s rela
es harm nicas, Brahms mais rico.
Um estado de tonalidade suspensa tinha sido criado.
Ao nal, o ouvido n o teve mais necessidade de ? uma t
nica. Os doze sons foram postos num n vel de igualdade.
A escala de tons inteiros: um absurdo a creditar que
tem origem na m sica oriental ou do Extremo Oriente?!
Origina?se unicamente da necessidade de express o.
1
( Hojotohoh?! na , de Wagner.) A gama de tons
inteiros compreende seis sons apenas. De novo? algo cor
rosivo para a velha tonalidade?! Sua primeira utiliza
sob forma de acordes de seis vozes, encontra?se em
, de Debussy, e na pe a para orquestra de
Schoenberg, que tem o mesmo t tulo. Tais acordes
? pu
deram ser empregados sem preparo e sem resolu o.
Sua origem de natureza mel dica.
Schoenberg a rma: Todas as rela es s o poss veis?!
Essa maneira de explorar as coisas, de jamais nome ?la
pelo verdadeiro nome, de substituir incessante mente o
acordes de base por outros, preferindo deixar em aberto

1
Trata?se do motivo chamado grito de apelo das Walqu rias
e que se ouve desde o in cio do 2… ato, cantado por Brunni

85
86 ANTON WEBERN

tudo o que se quer expressar eis o que caracteriza a


composi o com doze sons?!
A t tulo de exemplo ou amos a obra de Schoenberg:
2
M sica de acompanhamento para uma cena. de .lme

Uma editora de Magdebourg convidou v rios composi


?
tores de renome para escrever uma m sica de acompa
?
nhamento para uma cena de lme, entre eles Richard
3
e tamb m Schoenberg. O con
Strauss, Franz Schreker ?
te do mais ou menos o seguinte: perigo amea ador,
ang stia e cat strofe. Assim, todos os recursos musica
se desenvolvem na obra de acordo com esse programa .
( )

(ndtf).

2
, para orquestra, opus 34,
composta em 1929?30 (ndt).
3
Franz Schreker (1878?1934), compositor e regente austr aco,
foi respons vel pela audi o de muitas obras contempor
?
neas, como os de Schoenberg, por exemplo. Sua
produ o, enquanto compositor, orientou?se fundamental
?
mente m sica de cena, onde se destacam tr s peras de
grande import ncia: (1913?15),
(1915?18) e especialmente (1901?10).
Esta ltima possui um signi cado particular devido? in u n
cia exercida na concep o formal da pera, de Alban
a situa o na qual se
? en
contrava a tonalidade durante o nal de sua? exist n
cia. Quero apresentar?lhes a prova de que ela realmente
morreu. Quando tivermos provado isso, tornar?se?
? in
til ocuparmo?nos de uma coisa que n o existe mais.
Falamos na ultima vez dos acordes constru dos sobre a
gama de tons inteiros e chegamos em seguida a um
acorde de seis sons numa passagem crom tica (f ???l ??
d sustenido???sol???si???r sustenido, ou: mi bemol???
si???l ???r bemol???f ). A simples adi o de tal acord
outro constru do de maneira an loga produz j um
acorde de doze sons.
Com tudo isso nos aproximamos de uma cat strofe: l906,
1
a );
de Schoenberg (acordes de quarta?!
em 1908, Schoenberg escreve uma m sica que n ?o per
tence mais a nenhuma tonalidade. As rela es ?com a to
nalidade principal tornaram?se cada vez mais frouxas.
Isso gerou uma situa o que permitia nal mente ? dispen
sar a pr pria tonalidade. A possibilidade de ?uma modu
la o r pida nada tem a ver com esse processo. Mas foi
porque quisemos assegurar o tom fundamental, ?am
pliando assim a tonalidade precisamente porque nos

1
Para quinze instrumentos, opus 9. A s rie de cin co quarta
ascendentes consecutivas (r ?sol?d ?f ?si bemol?mi bemol)
exposta desde o in cio pela trompa, constitui um? dos fun
87
88 ANTON WEBERN

esfor amos em mant ?la , que lhe torcemos o pesco o


!
Vou at a ante?sala de meu apartamento para pegar algo.
Enquanto caminho, me vem ao pensamento que na? ver
dade eu preferiria sair. Sigo meu impu1so,subo num
bonde, vou esta o ferrovi ria, tomo um trem, parto,
nalmente chego ..
. aos Estados Unidos?! isto? a modu
la o?!
Eu e Berg vivenciamos tudo isso pessoalmente. N o falo
com o intuito de fornecer material para minha biogra a,
mas sim porque quero mostrar que esse desenvolvi
?
mento o resultado de combates ardentes e que
? era ab
solutamente necess rio.
Em 1906, Schoenberg voltou de uma estada no campo,
trazendo sua . Ela causou uma impres
?
s o colossal. Eu era ent o, h tr s anos j , seu aluno,
imediatamente fui assaltado por um desejo: Voc ? tam
2
b m deve fazer algo assim?!
Sob a in u ncia dessa obra,
escrevi no dia seguinte um .3 Nesse
movimento atingi as fronteiras extremas da tonalidade.
Nessa poca Schoenberg estava imensamente criativo.
Cada vez que n s, seus alunos, amos encontr ?lo, havia
algo novo. Sua atividade como professor era extrema
?
mente dif cil: a teoria pura estava caduca. trilhando o
caminhos de sua intui o e ao pre o de terr veis
? comba
tes, ele percebeu o que n o funcionava gra as ao seu
sentido apurado da forma.
damentos da partitura (ndtf).

2
A respeito da postura de Webern quanto s id ias, projetos
e produ es de seu mestre, ver nota 9 (confer ncia I), p.82
(ndt).
3
Trata?se certamente de (Rond ) para piano,? es
crito em 1906, publicado sem n mero de opus e reperto
?
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 89

N s dois sent amos que nesse eu


havia aberto um caminho para o qual a situa ?o n o es
tava ainda madura. Escrevi esse movimento at o nal;
referia?se ainda a uma tonalidade, mas de maneira muito
singular. Tive que escrever em seguida um movimento
em forma varia o, mas o tema n o estava realmente em
nenhuma tonalidade. Schoenberg pediu o aux lio de
Zemlinsky, que decidiu a quest o num sentido ?desfavo
4
r vel.
Voc s t m agora uma id ia do que foi a nossa aventura
nesse dom nio. N o se podia mais voltar atr s. Cheguei
mesmo a escrever em seguida um quarteto em d 5,maior
mas foi somente uma etapa provis ria. A tonalidade
? es
colhida era, por assim dizer, invis vel, tonalidade
? sus
pensa ?! No entanto, tudo tinha ainda rela o com a
tonalidade, especialmente no nal, de forma a? estabele
cer a t nica. Todavia, ela pr pria n o estava l , paira
riado por Hans Moldenhauer, na sua lista cronol gica das
obras de Webern, sob o n mero 114 (ndtf).

4
Alexander von Zemlinsky (1872?1942), regente de orquestra
e compositor. De 1897 a 1900 Schoenberg estuda com ele
harmonia e contraponto, e em 1901 casa com sua irm
? Mat
hilde. Foi o nico professor regular que Schoenberg teve.
Embora seja dif cil precisar a in u ncia de Zemlinsky, sab
se que Schoenberg tinha por ele um grande respeito
? e cre
ditou?lhe, no nal da vida, a maioria de seu conhecimento
sobre problemas e t cnicas composicionais (ndt).
5
Na lista cronol gica das obras de Webern, estabelecida por
H. Moldenhauer, encontra?se em 1906 um
de Cordas, em d maior (mas que recebe o n… 107;
sua composi o , portanto, anterior quela do
de que We bern fala mais acima) e, em 1907, um
, em d maior?d menor (n mero
122). Essas s o as duas nicas partituras que poderiam
? cor
responder descri o feita por We bern de sua obra (ndt
90 ANTON WEBERN

no espa o, invis vel, in til. Nesse est gio, teria sido


mesmo um inc modo apegar?se real mente a ela.
Agora, vejam o que aconteceu em seguida?! opus
Os
14, de Schoenberg:
(o ltimo compasso em si menor, a can o tem dois
sustenidos na armadura?!); (d
6
maior). Vejam, muito claro: a liga o com o passado
est totalmente evidente. Aqui tamb m temos uma
? to
nalidade, mas sem conclus o. Finalmente nos dissemos:
mesmo que no nal se tivesse estabelecido uma rela o
com a t nica, seria praticamente desnecess rio enfatiza
este o nal?! ?pois, de todo jeito, percebe?se muito
bem que a pe a acabou.

Nicht zu rasch {q = c 80}

n œ œ rb œ œ r n œ n œr b œrb œ b œ Rœ r 2 r #œ. nœ œ.
& 68 Rb œ Rb œ R bœ 4 ‰ r rn œrn œrn œ n Rœ J R J #œ
r
4
R #œ nœ
Angstund hof - fen wech selnd mich be-klem - men, mei - ne Wor - te sich in Seuf - zer deh - nen;
≤ ≤ 3


& 42 b b œœ b bb œœœ n n œœ b b œœ n b œœ# n œœ b œ bœ bœ #œ
- n n œœ b b œœ œ- # n œœ
b œ n œ n n n b œœœ b bn œœœ n œ- b œ- n œ-
f p
Sehr langsam
r r
& Œ b œ n œj b œ b œ œ œr 42 b œ . j
nœ nœ bœ ∑ ∑ ∑
J R
daß ich kei - nes Freun - des Trost be - geh - re
j ≤ ˘ ˘
3
& 4 b n œœ œœ n n œœ # b œœ n œj ‰ b n œœ 42 œœ n n œœ b n b œœœ œœ .. b n œœj b œœ n œ b b n ˙˙˙ b bb ˙˙˙
nœ œ # œ. n œ- b b œœ nœ œ # œ. - œ . b œ n n œ b b œœ
p > π
Ex.15 — Arnold Schoenberg: opus 15, nº VII.

Portanto, nada de novo se revela aqui: tudo tem liga


n o se pode delimitar nitidamente onde acaba uma coisa
6
A primeira dessas duas can es e escrita sobre texto de S.
George e a segunda de K. Henckell. Fo ram compostas
? res
pectivamente em 1907 e 1908 (ndt).
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 91

e come a outra.
Observemos agora os opus 15, de Schoen
?
berg?! N meros II e V: nenhum retorno t nica; mesmo
assim, qualquer pessoa percebe quando o m. N mero
VII [o acompanhamento tocado com uma s m ?o]: ob
servem como no nal Schoenberg retorna ao que foi
apresentado no in cio (Ex.15)?!
S os meios utilizados que s o diferentes. A can o
volta ao seu in cio. Para quem tem um senso de forma
mais re nado, a pe a est bem acabada, e para quem
tem sensibilidade, uma repeti o teria sido uma
? trivial
dade.
( )

7
, opus 15, texto de S. George,
1908?9 (ndt).
que foram os opus 15 que inau
?
1
guraram esse novo per odo da m sica.Voc s ainda
se recordam da primeira can o do opus 14 de ?Schoen
berg ( ... ), que tem dois? sus
tenidos na armadura e termina em si menor. No n mero
II dos tamb m seria poss vel determinar
uma tonalidade, especialmente na parte nal; ?poder a
mos considerar que est na tonalidade de sol maior e
acrescentar no m o acorde de sol 2maior.

1
No programa do concerto Schoenberg escreveu: Com essas
melodias sobre poemas de Stefan George consegui ?pela pri
meira vez me aproximar de um ideal expressivo e formal que
eu vislumbrava depois de anos. Escritas na sua maior parte
antes das , op. 11, elas se situam, de fato,
entre as primeiras obras atonais . Pode?se relacionar a
aten o extrema dada por Webern ao opus 15 de Schoen
?
berg com aquilo que Adorno diz sobre a d cima quarta
? me
lodia da cole o:.. .a mais audaciosa e avan ada, sem
nenhuma refer ncia a uma arquitetura tradicional,
? comple
tamente re colhida nela mesma, imaterial na sua escrita. Su
import ncia para o futuro n o poderia ser subestimada: tudo
em Webern partiu dela. (ndtf).
2
Essa coloca o de Webern ca mais clara quando se ? consi
dera especialmente a linha vocal: embora em toda? sua ex

92
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 93
molto rit.
3 3 3
3
π
j j j
&‰ #œ œ
nœ œ œ œ œ œ Œ
und die gold - nen Bin - sen säu - seln,
espress.
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π bleiben, aber etwas steigern S
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espress.
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doch mein Traum ver - folgt nur ei - nes. molto rit.
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w
j p- π U
n œ
& gggg n # œœ ‰ Œ bœ w w
gg n˙ ˙.
S n˙ ˙. b œ- w w
Ex.16 — Arnold Schoenberg: opus 15, nº II

Por que no primeiro caso ainda assim, e aqui n o mai


Como podemos entender isto? Com essa quest o, na
verdade, atingimos o mist rio mais profundo da m sica
de doze sons.
N o pretendo fornecer uma resposta imediatamente, mas
propor outros exemplos a m de explicar como ?gradati
vamente se operou essa transforma o, e mostrar que de
fato n o poss vel determinar de forma precisa onde s
encontra a fronteira entre o antigo e o novo.? Compreen
dam bem: praticamente n o existia mais acorde? conso
nante, mas todas essas transforma es ocorriam ainda
nos limites do conceito de progress o harm nica. Ainda
que se tenha ampliado tanto, encontramos sempre esse
fator important ssimo que reinou na m sica durante
? s
culos: a explora o da rela o tonal.
94 ANTON WEBERN

Opus 11, de Schoenberg: (compostas


aproximadamente em 1908):
N mero 1: conclui com mi bemol? ?aparentemente, n o
termina em nenhuma tonalidade. Todavia, a ltima nota
do baixo a fundamental. Como que se chegou a isto,
ou seja, ao mi bemol como t nica? Observemos o in cio
com aten o?! At o compasso 13 aparecem todos os
3
sons da gama crom tica, com exce o do mi bemol?!
N mero 2: volto a repetir a quest o: o que leva
? Schoen
berg a concluir com um mi bemol no baixo? O que tudo
que antecede tem a ver com esse mi bemol?
Deve?se procurar abordar a coisa de todos os ngulos
poss veis, e me parece bastante razo vel a seguinte
? ex
plica o: r ???f ???r , no in cio? ?poder?se?ia estar e
menor (o som fundamental poderia ser si bemol, mas o
si bemol n o aparece em momento algum).
Em seguida, no compasso 16, ocorre uma segunda id ia,
que na verdade n o est em mi bemol, mas se aproxima
dessa tonalidade; o si bemol do baixo (acorde perfeito
de si bemol?!) est de fato presente e permanece por tr
compassos. Durante o decurso da pe a percebe?se com
clareza que tudo se refere ao mi bemol; mas ele n o
nunca apresentado enquanto t nica. O que isso nos
mostra mais uma vez? A sensa o tonal despertada.
Essa rela o estava l at agora. N o f cil falar de
por que passamos?! Antes ainda t nhamos uma dada
? to
nalidade aqui n o a temos mais.

.
tens o possamos notar uma relativa polariza o sobre sol,
nos ltimos nove compassos ela mais acentuada (ndt).
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 95

Tudo se tornou ent o amb guo. As coisas


? se im
puseram de tal maneira que essa tonalidade resultou
imposs vel. Percebemos que a repeti o freq ente de um
som, seja imediata mente, seja ao longo da obra,
? se vi
gava , impondo esse som. Tinha?se que satisfaz ?lo.
Nesse est gio, isso era ainda poss vel, mas, durante a
apresenta o de uma s rie de doze sons, por exemplo, a
repeti o freq ente de um som logo se revelou inc moda.
O encaminhamento das vozes, num movimento polif
?
nico, se fez na dire o do cromatismo, e n o mais na do
modos maior e menor. (Schoenberg disse: A borracha
o instrumento mais importante do compositor?! Sempre
v lido veri car: estas combina es de acordes est o
corretas? este o resultado que desejo? A forma
? ade
quada est emergindo?)
O que ocorreu ent o? S posso falar da minha pr pria
experi ncia. Por volta de 1911, compus
Bagatelas
as
4
, opus 9, uma s rie de pe as
para quarteto de cordas
curtas, que duram dois minutos cada uma, talvez as
pe as musicais mais curtas escritas at hoje.? Tive a se
sa o de que, uma vez enunciados os doze sons, a pe a
estava terminada. So muito mais tarde conclu que tudo
isso era um momento de uma evolu o necess ria. No
meu caderno de rascunhos, anotei a gama crom tica e
progressivamente fui barrando as notas. Por qu ? Porqu
3
Na verdade at o compasso 11; no 12, onde se inicia
? a tran
si o, temos uma nica apresenta o do mi bemol, e no 13
sua presen a estrutural e marcante de fato (ndt).

4
, opus 9, compostas entre
1911 e 1913 (ndt).
5
Josef Matthias Hauer (1883?1959) foi um m sico, te rico e
compositor austr aco, que de maneira in dependente
? desen
volveu pesquisas sobre a t cnica dodecaf nica, e em 1919
96 ANTON WEBERN

eu estava convencido de uma coisa: o som barrado


? j es
tava presente. Isso pode soar estranho, incompreens vel
mas era extremamente dif cil. A escuta interior decidiu
perfeitamente que o homem que anotava as notas da
gama crom tica e depois as barrava uma a uma n o era
nenhum louco. (Josef Matthias Hauer tamb m viveu e
5
) Numa palavra: a
descobriu essas coisas a seu modo.
partir da surgiu uma lei: nenhum som deve se repetir
enquanto todos os outros n o forem apresentados. O
mais importante que a enuncia o in dita dos doze
sons estabele a uma divis o na pe a, id ia ou tema.
Minha can o sobre o poema de Goethe,
6
( opus 12, n… 4, composto em 1917)
come a
assim: sol sustenido???l ???r sustenido???sol, em segu
o acorde mi???d ???si bemol???r , depois f sustenido??
f ???d sustenido. s o doze sons, sem nenhuma repeti o
Naquela poca n o t nhamos ainda consci ncia dessa lei,
mas j a hav amos pressentido muito tempo antes. Certo
dia, Schoenberg descobriu intuitivamente a lei que serv
de base para a composi o com doze sons. Devia?se
? im
primir na sucess o dos doze sons uma ordem particular.
Imaginem o seguinte: doze vozes, sessenta vozes, e,
cada uma delas come ando a enunciar a s rie?!? (As repe
ti es desses sons n o s o proibidas, mas no interior

descobriu a lei dos doze sons em suas pr prias obras. Num


de seus v rios trabalhos te ricos,
, publicado em Viena, em 1920, ele colocava ..
j que: .
a lei imut vel da m sica, sua se o urea, a de que os do
semitons da gama crom tica devem aparecer e reaparecer
todos de maneira constante. Houve uma certa disputa entre
Hauer e Schoen berg pela paternidade da descoberta serial.
No entanto, embora pare a incontest vel que Hauer tenha
sido de fato pioneiro nessa linha de trabalho sob
? o plano f
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 97

da s rie de doze sons, elaborada por mim, que nenhum


deles deve ser repetido?!)
Hoje chegamos j ao nal desse caminho, isto ? , ao ob
jetivo: os doze sons tomaram o poder e a necessidade
pr tica dessa lei agora absolutamente evidente para
n s. Podemos ter uma vis o completa de toda essa
? evo
lu o, sem presenciarmos nenhuma lacuna.
( )
mesmo antes de t ?la enunciado
claramente. Isto mostra que tudo aconteceu de maneira
realmente muito natural. A t nica n o existe mais. Todo
os doze sons est o em n vel de igualdade. Se acaso um
deles fosse repetido antes do decurso dos outros onze,
isso lhe conferiria um certo privil gio. Os doze
? sons o
denados numa seq ncia de nida constituem a base da
obra inteira. A composi o com doze sons n o nenhum
substituto da tonalidade , muito mais do que isso.
Os mestres da m sica se esfor aram sempre em ?mani
festar a coer ncia, da maneira mais clara poss
? vel. A t
nalidade foi um dos meios utilizados para esse m. Outr
foi a polifonia. Uma das primeiras pe as preservada
? a v
rias vozes um c non um ingl s do? s
culo XIII. O que um c non? Uma pe a musical na qual
v rias vozes cantam a mesma coisa, mas em momentos
diferentes; s vezes tamb m numa outra ordem ?de de
senvolvimento (c non por retrograda o, c non? por in
vers o). A m sica polif nica atingiu seu apogeu com a
fuga, baseada em temas pr prios (resposta, stretto, etc
Mas por que surge isso novamente? O que reaparecia,
por um lado, era a mesma coisa, e no entanto diferente?
A coer ncia tem tica veio da m sica homof nica; mas, na
verdade, a fuga tem tica tamb m. Ent o veri cou?se
algo muito curioso. Tentou?se rapidamente estabelecer

98
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 99

urna certa rela o tem tica entre o acompanhamento e


a voz principal. A necessidade de refor ar a coer ncia,
de torn ?la mais n tida, levou recupera o ?de procedi
mentos da polifonia pela m sica homof nica.

Tema:
&b c œ. œ. œ. œ. ˙ ˙ ˙- .
œ.

Ex. 17 — “ ”, de Beethoven.

e em seguida seu retr grado?! Voc s n o o percebem


quando executado por algu m, o que n o tem nenhuma
import ncia: mas a est a .
Brahms, Mahler, Schoenberg desenvolveram ainda mais
a coer ncia. No , de Schoen
?
1
berg, (em r menor) , a gura de acompanha mento? te
2
m tica?!Esse esfor o de obter coer ncia, de estabelecer
rela es, conduz por si s a uma forma que os cl ssicos
cultivaram com freq ncia, e que na verdade predominou
em Beethoven: a forma varia o. D ?se um tema. Vari ?
mo?lo. Sob esse ponto de vista, a forma varia? o pre
cursora da composi o com doze sons. Por exemplo, o

1
n… 1, opus 7, 1904?5 (ndt).
2
Percebe?se isso desde a reentrada do tema inicial. Ele par
primeiramente estar concebido sob a forma de uma melodia
(no 1… violino) acompanhada (pela viola e violoncelo); mas
quando reaparece no compasso 30, a linha mel dica?
? ?ex
posta no come o da obra pelo violoncelo como um simples
baixo retomada pelos dois violinos, enquanto que a
melodia do 1… violino passa ao violoncelo. Essas mudan as
de registro p em em evid ncia a verdadeira estrutura do
tema: trata?se de fato de um contraponto a tr s vozes. Uma
an lise muito penetrante do projeto contrapont stica posto
em obra nesse pode ser encontrada consul
?
tando?se o proveitoso ensaio de Berg,
(ndtf).
100 ANTON WEBERN

nal da , de Beethoven: o tema exposto em


un ssono; tudo o que se segue tem por base essa id ia,
que a forma original. Acontecem coisas extraordin ria
e no entanto sempre a mesma coisa?!
Voc s percebem agora onde quero chegar. Na planta
? ar
quet pica de Goethe, a raiz nada mais do que o caule,
que nada mais do que a folha, que por sua vez n o
deixa de ser a or: varia es de uma mesma id ia.
(19 de fevereiro de 1932
)
evocamos o conceito da planta arquet pica
de Goethe e nos ocupamos do outro caminho . A
mesma lei v lida para tudo que possui vida: varia
sobre um tema essa a forma original que est na
base de tudo. Algo que na apar ncia totalmente distin
mas que de fato o mesmo na ess ncia. Disso resulta a
forma mais abrangente de coer ncia.
Esse esfor o de se estabelecer unidade tamb m estava
presente na obra de todos os mestres do passado.
? Lem
brem ?se da forma em c non que citei na ultima vez:
todas as vozes cantam a mesma coisa. Quando repito
? va
rias vezes: Fe che a porta?! , ou ainda, como Schoenbe
referindo ?se a um compositor duvidoso: Sou um asno?!
,tamb m j a se estabelece uma certa coer ncia.
? Um cin
zeiro, de qualquer ngulo que se possa v ?lo, sempre
o mesmo; no entanto, cada vez diferente. Assim, uma
id ia deve ser ex pressa de todas as formas poss veis.
Uma delas o movimento recorrente: a ;
1
uma outra forma o espelho: a . Com o desen?

1
A palavra espelho empregada aqui apenas para a rela o
de invers o de maneira geral tamb m aplicada a todas
as outras O RO
formas, que na realidade s o deriva es
por espelhamento da s rie original: IO RI

101
102 ANTON WEBERN

volvimento da tonalidade essas velhas formas ?de apre


senta o foram rejeitadas, embora tivessem se a rmado
de certa maneira no trabalho tem tico , mesmo? no pe
r odo cl ssico. Esse caminho conduziu a um re namento
cada vez maior da textura tem tica.
Como que um grau de coer ncia t o abrangente pode
ser alcan ado na m sica de doze sons? Pelo fato de n o
ser poss vel repetir?se nenhum som, antes da incid ncia
de todos os outros, durante a exposi o da s ?rie esco
lhida como base da composi o. Essa lei estabeleceu?se
gradualmente e por si s , o que teria sido imposs vel s
a utiliza o de ambos os caminhos que descrevemos. A
se achava a concretiza o do esfor o de se estabelecer
coer ncia m xima. Quanto ao resto, diga?se de? passa
gem, comp e?se como antes, mas baseando?se numa
s rie xa, que dever ser criada. (Aqui tamb ?m o resul
tado pode ser uma droga? ?mas isso j acontecia nas
composi es tonais, e ningu m responsabilizava os
modos maior e menor?!)
O fato de um ouvido desabituado n o poder seguir
? sem
pre a evolu o da s rie n o tem muita import ncia; na
tonalidade, a coer ncia s era sentida, na maioria dos
casos, de maneira inconsciente. A evolu o da s rie pod
se repetir v rias vezes, mesmo de forma absolutamente
2
id ntica, como no da , de A. Schoenberg.
Mesmo o esp rito mais simples reter sempre alguma
coisa. Haver ent o uma multiplica o de tudo aquilo qu

(ndt).
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 103

se ambicionava no segundo caminho, vinculado ?ao es


for o de se fazer um trabalho tem tico.
Todas as obras compostas entre o desaparecimento da
tonalidade e a formula o da nova lei dos doze sons
foram curtas, notavelmente curtas. As obras mais longas
escritas naquela poca estavam fundadas num texto de
3
base ( e , de Schoenberg, ,
4
de Berg), em rela o, assim, com algo extra?musical. Ao
se renunciar tonalidade, perdeu?se o meio mais
? impor
tante utilizado na constru o de obras de longa dura o
pois a tonalidade era o fator principal quando se trata
de conferir coes o formal. Era como se a luz tivesse se
apagado?! Era essa a nossa impress o. (Ao menos o que
nos parece hoje.) Na poca, as coisas estavam? mergu
lhadas numa correnteza incerta e obscura. Tudo era
muito estimulante e emocionante, de maneira que n o
t nhamos tempo de prestar aten o quilo que ?perd a

2
Para sete instrumentos, aos quais se acrescenta uma voz de
baixo que canta o n… 217, de Pe trarca. A linha vocal
exp e continuamente a forma original de uma s rie de doze
sons; cf. nota 7, confer ncia 8, p. 74 (ndtf).

3
, op. 17, com
?
posto em tr s semanas do ver o de 1909,so bre texto de
Marie Pappenheim.
quadros, op. 18, escrito entre outubro de 1908
? e no
vembro de 1913. O libreto e do pr prio Schoenberg (ndtf).
4
, op. 7, composta entre 1917 e 1922,
a partir do drama (inacabado) de Georg B chner. Cada uma
de suas quinze cenas est constru da ainda sobre uma forma
musical tradicional: su te, raps dia, passacale,? rond , fa
sia, fuga, etc. (ndt).
5
A s rie inicial da , de Alban Berg, por exemplo,
? con
t m os intervalos poss veis, da segunda menor s tima
104 ANTON WEBERN

mos. Foi somente quando Schoenberg enunciou a lei que


formas maiores tornaram?se poss veis.
Ela n o fruto do acaso nem do
arbitr rio, mas organizada a partir de certas re e x e
Nos propomos determinadas quest es formais. Por
exemplo, tentamos obter o maior n mero poss vel
? de in
5
, ou certas correspond ncias no
tervalos distintos ? inte
rior da s rie: simetria, analogia, agrupamentos (tr s
vezes quatro, ou quatro vezes tr s sons, por 6exemplo.
Nossas s ries as de Schoenberg, Berg e minhas s o
na sua maioria o resultado de uma id ia relacionada a
uma vis o intuitiva da obra concebida como um todo; em
seguida, essa id ia foi submetida a uma re ex? o cuida
dosa, da mesma maneira como se pode observar ?o nas
cimento dos temas de Beethoven, consultando?se seus
cadernos de rascunho. a inspira o, se voc s quisere
O v nculo r gido, freq entemente inc modo, mas a
! Nos n o pudemos fazer nada para evitar
? a dis
solu o da tonalidade e n o fomos nos que criamos a
nova lei: foi ela quem se imp s. A imposi o, o v n cul
t o intenso que preciso re etir bastante antes
? de as

maior:
nw nw bw bw bw
& nw nw nw nw bw bw bw

(ndtf) .
6
Nesse sentido, as s ries mais remarc veis de We bern s o
aquelas do , op. 24 e do
, op. 28. A pri meira constitu da de quatro formas
diferentes de uma mesma gura de tr s sons:
nw nw #w nw
& nw bw bw nw #w #w nw nw
figura inicial RI RO IO
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 105

sumi?lo de nitivamente, mais ou menos como quando


se decide casar; um momento dif cil?! a con an a que
nos permite dar o salto?! Nada mais?!
Agora, a s rie est aqui. Imediatamente come ?a a trans
forma o, o desenvolvimento. Como esse sistema foi
constru do? A fantasia encontrou as seguintes formas de
combina o: retr grado, invers o, invers o do? retr
grado. Quatro formas, portanto. N o existem outras.
Apesar de todo o empenho dos te ricos.
Qualquer uma dessas quatro formas pode ser estabele
?
cida a partir de cada um dos doze graus da escala
? cro
m tica. Com base nessas doze transposi es, a s rie
pode aparecer de quarenta e oito formas diferentes.
Em primeiro plano s o enfatizadas as considera es de
simetria, de regularidade, que prevalecem agora sobre
os intervalos at ent o dominantes quinta, quarta,
ter a, etc. Por isto, a da oitava a quinta dimi
?
nuta adquire aqui um signi cado muito grande. No
mais, trabalha?se como antigamente. A s rie, na forma
e transposi o originais, desempenha um papel an logo
ao da tonalidade principal na m sica anterior; essa
ocorrer naturalmente na reexposi o . Terminamos na
7
Mantemos essa analogia com as
mesma tonalidade ?! ? es
truturas anteriores de maneira muito consciente, o que
possibilitar novamente o re torno s formas ?mais exten
sas.

A segunda apresenta a transcri o musical das le tras do


nome de BACH, seguida de duas transforma es desta
? pri
meira gura de quatro sons:

nw #w nw bw nw bw nw
& bw nw nw nw #w
B A C H
figura inicial inversão transposição

(ndtf) .
s minhas ltimas exposi es,? gos
taria hoje de falar sobre a utiliza o pr tica da nov
t cnica. Inicialmente, por m, desejo responder
? per
gunta que me foi feita: Como poss vel a liberdade de
cria o se estamos sujeitos prescri o da s rie que
base de toda a composi o?
Formulada de maneira incisiva, a resposta seria:
? n o po
der amos fazer a mesma pergunta a prop sito da es cala
de sete sons? Na base temos hoje doze sons onde antes
existiam sete; na verdade, o compromisso com a s rie
extremamente r gido, mas tais compromissos sempre
existiram, em particular nas formas polif nicas rigoros
como o c non e a fuga, que est o vinculadas a? um de
terminado tema. A , de J.S.Bach, composta
com base num nico tema:

&b c ˙ ˙ ˙ ˙ #˙ œ œ ˙ œœœœ
Ex.18

O que essa obra sen o uma resposta quest o: o que


posso fazer com essas poucas notas? o tempo todo
diferente, e no entanto sempre a mesma coisa. Bach
queria mostrar tudo o que pode ser tirado de uma se
id ia. Nos detalhes a m sica de doze sons tem? uma pr
tica diferente, mas no geral baseia?se na mesma forma
de pensar. Assim, a e o que escrevemos por
106
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 107

meio da composi o com doze sons s o na ess ncia


equivalentes. A obra de Bach est fundada na ?velha es
cala de sete sons, a composi o com doze sons na gama
crom tica. sobre esta nova base que se comp e agora.
Vejamos, como exemplo, o , opus 26, de
1
Schoenberg. A s rie a seguinte:
bw
& nw nw #w bw bw
nw nw #w bw
nw
nw
Ex. 19

Percebe?se de imediato que ela se divide em duas partes


com estruturas intervalares paralelas; a segunda parte
situa?se uma quarta abaixo? ?ou, se preferirmos, uma
quinta acima, constituindo?se, portanto, num ?certo sen
tido, na dominante da primeira ( t nica ). No compasso
7, a auta toca o retr grado da s rie; o segundo
? movi
mento come a igualmente com o retr grado. No terceiro
movimento, a s rie de inicio dividida entre a trompa
o fagote: com uma certa regularidade a trompa escolhe
alguns sons da s rie para constituir sua melodia,
? en
quanto que os restantes s o tocados pelo fagote. A par
do compasso 8, os sons est o distribu dos de outra
forma entre os instrumentos. A constatamos que? as re
peti es de um mesmo som, maneira de um pedal, n o
constituem qualquer viola o da lei fundamental.
? (Natu
ralmente, sempre poss vel que cada som apare a, como
se queira, em qualquer oitava.)
Eis portanto a planta arquet pica que mencionamos
? an
teriormente?! Sempre diferente, e no entanto sempre a
mesma ! Em qualquer momento da pe a, deve?se poder
sempre observar o curso da s rie. Com isso garantida

1
, op. 26, composto entre 1923 e 1924 (ndt).
108 ANTON WEBERN

a coer ncia; o ouvido ret m alguma coisa, mesmo de


maneira inconsciente. Pudemos constatar com freq ncia
que os cantores continuavam a realizar involuntaria
?
mente a s rie, mesmo quando ela se interrompia, por
uma raz o qualquer, na parte vocal.
Em regra, a s rie de doze sons n o um tema . Mas,
uma vez que ela me garante a unidade de uma outra
? ma
neira, posso trabalhar tamb m sem tem tica e,? por con
seq ncia, muito mais livremente: a s rie me assegura a
coer ncia. Enquanto renunci vamos gradualmente
? to
nalidade, nos ocorreu: Nada de repeti es, deve surgir
sempre algo novo
! bvio, no entanto, que isso
? im
poss vel, pois a aus ncia total de repeti es destr i
apreensibilidade. No m nimo, impede a composi o de
obras mais longas. S depois de formulada a lei que s
tornou poss vel compor outra vez obras mais extensas.
Queremos dizer de forma totalmente nova aquilo que
foi dito antigamente. Por m agora posso criar? mais livr
mente, tudo tem uma coer ncia mais profunda. S agora
poss vel compor liberando a fantasia, tendo a s rie
como nico vinculo. Eis o paradoxo: somente em virtude
dessas algemas invenc veis uma liberdade plena tornou?
se poss vel?!
Quanto a isso eu s posso balbuciar. Tudo est ainda em
curso. Nem os velhos neerlandeses estavam absoluta
?
mente seguros do caminho que percorriam, e essa
? evo
lu o conduziu, por m, ao , de
2
Schoenberg?!Existe a certamente uma lei sub jacente.
Estamos convencidos de que esse o caminho que pode

2
, Viena, 1910?11; revisado em 1921. Possui
? tra
du o em espanhol, de Ramon Barce; (Ma?
drid: Real Musical Editores, 1974). (ndt)
O CAMINHO PARA A COMPOSIÇÃO COM DOZE SONS 109

nos levar cria o de uma verdadeira obra de arte. Cab


ao futuro a miss o de descobrir as rela es mais
? profun
das que regem j as obras atuais. Se chegamos a essa
concep o leg tima de arte, n o poder mais haver
? dis
tin o entre ci ncia e cria o inspirada. Quanto mais
longe se caminha, mais id nticas se revelam as coisas e
no nal, temos a impress o de nos encontrar, n o diante
da cria o humana, mas diante da natureza. Como que
ordenamos as quarenta e oito formas na cabe a? O que
faz com que tomemos inicialmente a forma n mero 7 e
em seguida a n mero 45, agora um retr grado, depois
uma invers o? Isso naturalmente objeto de re ex o e
considera o. Sei como compor uma id ia e como devo
desenvolv ?la; ent o procuro as formas adequadas para
isso.
Exemplo: o segundo movimento da minha (Opus
3
21, composta em 1928).Sua s rie a seguinte:

bw nw nw nw
& nw bw #w bw nw nw # w
nw
Ex. 20

3
Essa sinfonia uma das obras mais representati ?vas do pen
samento weberniano. Comp e?se de dois movimentos. O
primeiro tem a forma de c non duplo por movimento
? con
tr rio, e estruturado de ma neira sim trica em raz o dos
v rios espelhamentos no eixo vertical. O segundo em
forma varia o: tema seguido de sete varia es e coda. Ve
an lise detalhada em anexo, pp. 131?153 (ndt) .
4
Isto , metade das transposi es da forma origi nal (O) e
retr grado (RO) coincidem. O mes mo ocorre entre a invers
(IO) e seu retr gra do (RI). Ver p. 153 o repert? rio dessa
mas (ndt).
5
Essa varia o realizada somente pelas cordas. O c non
duplo, em movimento contr rio, se estrutu ra da ?maneira se
110 ANTON WEBERN

Uma das particularidades que ela apresenta ?que sua se


gunda parte o retr grado da primeira, expressando
assim uma coer ncia essencial. Existem aqui apenas
vinte e quatro formas, pois elas s o id nticas duas a
duas.4 Ao in cio, no acompanhamento do tema, aparece
o retr grado. A primeira varia o uma transposi o
mel dica da s rie a partir de d . O acompanhamento
5
um c non duplo. Coer ncia maior n o poss vel. Nem
os neerlandeses conseguiram isso. Na quarta varia o
surge uma quantidade de guras espelhadas. Essa ? varia
o representa em si o ponto central de todo ?o movi
mento e a partir da tudo retorna ao ponto de6 partida.
Portanto, o movimento inteiro propriamente um duplo
c non por retrograda o?!
Agora, uma coisa ainda me preocupa: isso que voc s
v em aqui retr grado, c non, etc. sempre a mesma
coisa , n o deve ser considerado como fragmentos de
arte ; isso seria rid culo?! Eu tinha que criar
? o maior
mero poss vel de rela es, e voc s devem convir
? que efe
tivamente elas s o aqui muito numerosas?!
Para nalizar, gostaria de chamar a aten o para o fato
de que isso n o pr prio s da m sica. Encontramos
uma analogia na linguagem. Fiquei muito entusiasmado
quando constatei tais rela es em Shakespeare,
? na es
colha de sonoridades e de numerosas alitera es. Ocorr
mesmo a retrograda o de uma frase. nisso que se

guinte: 1… violino violoncelo e depois 2… violino viola


(ndt).

6
As se es se correspondem na rela o retr grada, cujo eixo
representado pela 4». varia o. Uma an lise apurada da
Sator Arepo Tenet Opera Ro tas ,
com a qual Webern encerra sua confer ncia de 2 de
mar o de 1932, admite, entre outras, a seguinte ? tradu
1
o: O semeador Arepo mant m a obra num mo vimento
circular . Este quadrado m gico, no qual We bern disp s
a f rmula, ilustra claramente o princ pio fundamental d
t cnica de doze sons a equival ncia entre
fundas? rie
mental, invers retr
o, gradoe in vers do
o retr grado
!?
Complementando essas confer ncias, gostaria inicial
?
mente de acrescentar algumas anota es feitas? entre se
tembro de 1936 e fevereiro de 1938, per odo em que fui
um dos alunos particulares de Webern e estudei
? morfo
logia sob sua orienta o. Eu ia ent o uma vez por seman
sua casa, em Maria Enzersdorf, perto de M dling,
? e du
rante o retorno, no trem, apressava?me em anotar
? mi
nhas experi ncias com ele. N s analis vamos quase que
exclusivamente obras cl ssicas. Duas vezes apenas, ele
falou detalhadamente de sua pr pria cria o: da
2
op. 21 e do op. 22. A prop sito desta ltima
obra, ele observou enquanto analis vamos o
da Sonata para piano Op. 14 n… 2 de Beethoven , que
acabava de constatar a absoluta analogia entre a forma

1
Nome pr prio de origem ignorada (ndt).
2
Para clarinete, saxofone tenor, piano e violino, composta
entre 1928 e 1930 (ndt).
111
112 ANTON WEBERN

de seu segundo movimento e a do de Beethoven.


De todo meu caderno de apontamentos, reproduzo aqui
apenas algumas notas, de signi cado bem geral.
A tarefa b sica da an lise consiste em mostrar as fun
das partes isoladas; o aspecto tem tico secund rio.
Na m sica tonal, uma simples modi ca o da posi o do
acorde su ciente para fornecer possibilidades
? de va
ria o. O que a t cnica de composi o com doze sons
tem a opor a isto?
Desenvolver signi ca conduzir atrav s de vastos espa os
Mozart e Haydn t m uma menor precis o tem tica que
Beethoven. Mas eles criam j a ambienta o para tudo
que vai ocorrer na forma sonata, assim como o jardineir
cava o solo onde plantara suas mudas.
A apresenta o horizontal de id ias musicais somente
atinge sua plenitude em Beethoven; depois se produz um
recuo, especialmente em Brahms. Nele, as vozes
? secun
d rias, desenvolvidas de forma independente, ?determi
nam o car ter do tema; em Schoenberg, elas servem pa ra
estabelecer rela es de conte do.
Uma frase importante de Schoenberg: Concentra
? o sig
ni ca sempre extens o?! Diferen a entre desdobra
?
mento e desenvolvimento de temas (Bach e Beethoven)
.
A oposi o entre consistente e distendido fundamental
Mas a consist ncia da id ia principal (exposi o do tem
!) n o a mesma da coda. Essa oposi o j reconhec v
nos epis dios das fugas de Bach. Exemplo: o a
seis vozes da .
A prop sito da forma rond : a evolu o mostra? uma ten
d ncia de tirar do rond seu car ter original? de movi
mento conclusivo. Em Brahms e Bruckner, isso se d pela
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 113

introdu o de elementos de desenvolvimento (contra


?
pont sticos); em Mahler, novas id ias se desenvolvem no
temas secund rios; da a utiliza o da forma ?rond tam
b m nos movimentos centrais.
Em morfologia, dever?se?ia abordar a varia o o mais
cedo poss vel. Essa era tamb m a opini o de Schoenberg.
O estudo da evolu o da t cnica de varia o permite um
acesso direto t cnica serial. As rela es com o tema
com a s rie s o totalmente an logas. Mas Schoenberg
disse uma vez: a s rie , ao mesmo tempo, mais e
menos que um tema de varia o . Mais: porque ?a totali
dade da obra est mais estreitamente ligada s rie.
Menos: porque a s rie oferece possibilidades de varia
mais reduzidas do que o tema.
Em mem ria de meu caro mestre e amigo, cito algumas
passagens tiradas das trinta e uma cartas que recebi de
entre 29 de abril de 1938 e 6 de julho 3de 1944.

Pe o?lhe que me envie not cias e escreva?me com


? fre
q ncia. Agora mais do que nunca, tem?se necessidade
de not cias dos amigos. Assim, tenho esperado as suas
... Nessas ltimas semanas trabalhei bastante e ter min
4
meu (op. 28).Ele segue agora para a

3
As palavras sublinhadas est o conforme o original (W.R.).
4
Sua composi o foi iniciada em 1936 e conclu da em 26 de
mar o de 1938 (ndt)Æ
5
Rudolf Kolish (1896?1978), violinista austr aco e cunhado
Schoenberg. Foi aluno de Schreker e Schoenberg (teoria e
composi o), e em 1922 formou o Quarteto Kolish,? respon
s vel por primeiras audi es de m sica nova, especialmente
de Schoen berg, Berg e Webern (ndt).
114 ANTON WEBERN

Am rica, quero dizer, enviei as partes ao 5,Kolisch


em
Londres. Eu esperava poder trabalh ?lo aqui com .. ele .
A redu o para piano da minha pe a para coro
foi publicada recentemente (pela Universal Edition).
Estou curioso para saber se o coral da B.B.C. conseguir
realiz ?la. Scherchen deve dirigi?la. A execu o ser e
17 de junho, no primeiro concerto do festival (Festival
6
O Sr. ir ? Certa vez o Sr. externou
S.I.M.C., em Londres).
esse desejo. Ningu m daqui poder ir. Eu at recebi um
convite, mas, di cilmente poderei comparecer. Desta vez
n o haver um delegado da se o local. Seu destino,
bem como o da Associa o, , por enquanto, ainda ? in
certo. Em todo caso, de hoje em diante ela n o pode mai
(conforme a lei) se chamar austr aca . Pelo momento,
sou seu nico respons vel.. O.Sr. ouviu falar do? lamen
t vel incidente que ocorreu durante a execu o do meu
, em Londres? O violoncelista levantou?se
dizendo: I cannot play this ! ,
thing?
e em seguida
! Isso nunca havia ocorrido! antes?
..
. Que outras not
?
cias o Sr. tem do resto do mundo, dos amigos?
Escreva?me logo outra vez. As aulas particulares s o
tamb m um caso: atualmente, tenho somente um aluno.
preciso ter paci ncia?!

Posso ser?lhe til em alguma coisa? O Sr. sabe que pode


contar comigo, na medida de minhas debilitadas for as?

6
( A luz dos olhos ), opus 26, para coro misto
e orquestra, sobre texto de Hil degard Jone, foi composta e
1935 e, apresentada pela primeira vez neste festival
? da So
ciedade In ternacional de M sica Contempor nea (SIMC) sob
a dire o de H. Scherchen. Esta uma das poucas obras cujo
sucesso de p blico Webern presenciou (ndt).
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 115

Espero que permane a ainda muito tempo a onde o Sr.


est (quer dizer, at que encontre algo mais convenient
Fique seguro de que todos esses graves problemas t m
me preocupado muito, absorvem?me sem cessar, ?e a i
gem?me enormemente?! Mas, ao menos, temos um
abrigo , e, na minha opini o, ele inexpugn vel; tamb
n o desanimei um s instante (nem quando me inquieto
pelos outros). Sim, caro amigo, isso mesmo tudo?! vis
deste abrigo , esses dos quais o Sr. fala? ?devemos
cham ?los j de donos do poder ? ?surgem?me sempre
como fantasmas ?!

Sim, tamb m penso que, nas atuais circunst ncias, seria


prefer vel para o Sr. e para os seus permanecerem onde
est o neste momento. Talvez seja mesmo uma sorte que
suas inten es de ent o n o tenham podido se ?concre
tizar. Desejo?lhes assim a perman ncia mais longa
? pos
s vel. Mas talvez a situa o mude em breve. Esperemos
que sim, caro amigo?!
Muito me alegrou a not cia de que minha ser
executada em 7 de fevereiro sob a reg ncia de Erich
Schmid (em Winterthur)?.
.. Caso pudesse ser convidado,
caria muito contente, e compareceria !
7
!?!... Nas circunst ncias atuais, minha visita poderia t

7
O convite foi realizado pelo Dr. Werner Reinhart. Passamos
belas horas com Webern em fevereiro de 1940, em ?Wintert
hur e Basel (W.R.).
8
Subentendido: na Europa. De fato, (Op. 4,
n… 4) apenas havia sido cantada em New York, em ?18 de ja
neiro de 1925 por Greta Torpadie (ndtf).
9
Entretanto, no concerto, organizado pela SIMC, de
? 10 de fe
vereiro de 1940, em Basel, foi apresentada a vers o integr
116 ANTON WEBERN

u para mim?! Seria


se isto acontecesse?!?!?! Estou muito contente que
Sr. tenha pensado . Muito bem, caro Reich?! Muito
obrigado?! Eu j n o acreditava mais que uma coisa como
essa fosse poss vel?! Isso me parece um bom sinal?!
Falemos agora do concerto planejado pela SIMC (em
Basel). No que me diz respeito, em quais can es se
pensa? Como seria importante uma boa escolha?! Por
exemplo: do op. 3, , ;
do op. 4, (que foi cantada antes?!
8
!?!) ou ; do op. 12, e
. Isto faria um conjunto de cinco can es,
que deveriam ser interpretadas !9 Quanto
s obras instrumentais: se houvesse umpara exe ?
cutar, se n o o total dos (op. 5), ao
menos os n meros 2, 4 e 5?! Isto seria poss vel. E car
bom?! De resto as pe as para 10
violino
seriam mais apro ?
11
Estas, pre ro
priadas do que aquelas para violoncelo.
mesmo que ! N o porque n o as consi ?
dere boas, mas s poderiam ser incompreendidas. Os
executantes e os ouvintes di cilmente poderiam ? apreen
der algo delas. !?!?! Devemos criar ? con
di es favor veis para a execu o da !?!?!
Veja, veja, tudo que mencionei tem j ! E devo
ainda me preocupar, como se fossem primeiras? audi
es ! Ah?! ser nalmente um pouco compreendido?! Mas
o que os senhores fazem excelente?! Agora, levem em
considera o minhas sugest es. Com respeito ? sua pa
lestra: ! Diga de prefer ncia
! Nisto, as pessoas acredita r o, e assim se

do opus 4, em sua primeira audi o mundial (ndt).

10
para violino e piano op. 7 (1910) (ndtf).
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 117

obter um efeito satisfat..rio .


Imagine, devo agora trabalhar para a Universal Edi tion
fazer uma transcri o para piano muito volumosa. (Por
ora, n o digo mais?
!) Sim, em setembro, perdi meu
? em
prego na r dio; o cargo foi abolido. Eu me vi sem nada?
Tive ent o que aproveitar rapidamente a oportunidade?
!?!
! realmente uma situa o desagrad vel. Neste? mo
mento, n o tenho um !
Infelizmente, tive assim que adiar um pouco meu
? traba
lho na (op. 29), se n o talvez j estives se pro
Mas espero que seja para breve, muito breve. Falarei ma
sobre ela na pr xima vez. J h muito o que contar
? a re
peito.

Fiquei novamente muito feliz de receber sua carta (de 2


de novembro), pelo fato de que me tenha escrito e pelo
conte do. Queria responder?lhe imediatamente,mas
? es
tive totalmente absorvido por meu trabalho:(op.
a
29) est pronta
... Do ponto de vista da constru o, est
12
Mas o
concebida como uma fuga dupla a quatro vozes.
sujeito e o contra?sujeito comportam?se como ?o ante
cedente e o conseq ente (de uma frase peri dica), de ta
forma que os elementos do outro tipo de apresenta o
(horizontal) desempenham tamb m uma fun o. Poder?
se?ia falar igualmente de um , igualmente de? va
ria es?! No entanto, uma fuga estrita; para coro,
soprano?solo e orquestra. Agora estou redigindo? a par
titura.
11
para violoncelo e piano opus 11 (1914)
(ndtf).

12
Webern se refere ao terceiro movimento da(ndt).
118 ANTON WEBERN

H muito, muito n o lhe escrevo, mas tinha motivos.


? Ne
cessitei de todo esse tempo para terminar a partitura d
13
minhas varia es para orquestra.
Mas agora est pronta.
E durante este tempo, n o quis e nem pude fazer outra
coisa a n o ser o absolutamente inadi vel. Pressentia q
seria dif cil, e creio mesmo lhe haver dito, ?mas n o im
ginava que isso me tornaria tanto tempo. Passei
? nela se
manas e semanas. E agora, penso que resultou em algo
muito simples e talvez totalmente evidente.
A obra dura aproximadamente uns bons quinze minutos,
em andamento muito r pido quase todo o tempo, mas
algumas vezes moderado. No que se refere ao aspecto
for mal, resultou num tipo de abertura, mas baseada em
varia es, de onde, o t tulo: (op.
30). A orquestra reduzida: auta, obo , clarinete,
? cl
rinete?baixo, trompa, trompete, trombone, tuba?baixo,
celesta, harpa, t mpanos, cordas (com contrabaixos). A
s ntese est novamente presente: apresenta o? horizon
tal quanto forma, vertical para todo o resto. No f
minha abertura em forma de ; mas a reexpo
?
si o do tema principal ocorre na forma de um? desen
volvimento, e assim este elemento est tamb m presente.
O de Beethoven e a de Brahms s o
tamb m aberturas em forma de e n o em forma?
sonata !?!?!
.. N. o h ainda c pia pronta, mas certamente
a Universal Edition vai preparar uma o mais r? pido pos
s vel. Agora, caro amigo, d sua opini o e fa a valer s

13
, para orquestra, opus 30; composi o terminada em
ns de 1940 (ndt).

14
A estr ia das ocorreu em Winterthur, no dia 3 de
mar o de 1943, sob a dire o do Dr. Her mann Scherchen.
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 119

in u ncia, eu lhe pe o. Se pelo menos meu trabalho


fosse levado em considera14 o?!

A c pia de minhas est pronta? ? uma ?foto


c pia muito bem realizada; algumas coisas sa ram mais
n tidas do que no meu manuscrito e, esta noite, o pr pr
Schlee a levar para a Su a? ?o que vem a calhar
? por m
tivos de seguran a. O primeiro ponto de toda a hist ria
est assim em vias de ser conclu do, espero que seja o
mesmo para todo o resto?!
Gostaria agora de lhe dizer, muito sucintamente, certas
coisas a respeito da obra; isto poder ajud ?lo talvez
responder a eventuais obje es e, de toda forma, trar
algum esclarecimento. Portanto compreenda?me bem: ao
Sr., pessoalmente, pretendo falar de maneira totalmente
diferente, quando tivermos oportunidade.
prov vel que primeira vista a partitura provoque a
rea o: mas n o existe nada, aqui dentro ?!?!?! De fat
para muitos faltar o as quantidades de notas s quais
eles se habituaram, como em Richard Strauss, etc. Isso
verdade?! Mas toca?se aqui no ponto mais importante:
seria fundamental dizer que, precisamente (com a minha
partitura), surge um novo . Sim, mas qual? N o se
parece com uma partitura anterior a Wagner ?de Beet
hoven, por exemplo nem com uma de Bach. Deve?se
retornar ainda mais longe? Sim. Mas, naquela poca, n o
havia ainda partituras para !
No entanto, seria poss vel notar um certo parentesco co
o modo de apresenta o que se observa nos neerlan
?
deses. Algo arcaico , ent o? Por exemplo, um Josquin
120 ANTON WEBERN

orquestrado? A resposta deveria ser um n o categ ric


! Mas o qu , portanto? Nada disso?!
Seria decisivo dizer o seguinte: essa m sica (a minha)
baseia em leis s quais a express o musical
? che
gou depois dos neerlandeses. Uma m sica que n? o re
nega absolutamente a evolu o que se seguiu, mas,
muito ao contr rio, quer prolong ?la no futuro
? e n o re
tornar em dire o ao passado. Que, ent o? Um novo,
eu creio. No que se refere ao material, segue exatament
as leis da natureza, da mesma maneira que as ?formas an
teriores seguiam a tonalidade. Por m,
que utiliza diferentemente as possibilidades
oferecidas pela natureza do som: baseada assim num
sistema que (como o estabeleceu Arnold Schoenberg)
relaciona somente um ao outro os doze sons utilizados
at aqui na m sica ocidental, sem ignorar, no entanto,
leis inerentes natureza do som notadamente
? a rela
o dos harm nicos e da fundamental. De todo jeito,
imposs vel ignor ?las se que remos continuar a exprimi
pelos sons algo que ! E ningu m pode
a rmar que n s n o queremos isto. Um estilo, ent o, que
por seu material e sua estrutura formal,
.
Gostaria agora de lhe explicar a pe a com o apoio da
partitura. Eis alguns elementos importantes, ainda de
maneira breve.
O tema das varia es dura at a primeira barra dupla;
concebido como um per odo, mas tem o car ter
? de in
trodu o . Seguem?se seis varia es (indicadas pelas
barras duplas). A primeira traz, por assim dizer,
? o des
brochar pleno do tema principal da abertura (forma de
andante); a segunda serve de transi o, a terceira
? apre
senta o tema secund rio, a quarta a re exposi o do tem
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 121

principal pois uma forma de andante?! mas


? ma
neira de um desenvolvimento ; a quinta, esp ?cie de re
peti o da introdu o e da transi o, conduz :
sexta varia o.
Ent o: tudo o que ocorre na pe a repousa nas duas id ia
expostas no primeiro e no segundo compasso (contra
?
baixo e obo )?! Mas ainda mais reduzido, porque
? a se
gunda gura (obo ) , em si mesma, retr grada: os dois
ltimos sons constituem a recorr ncia dos dois,
? primei
ros, por m com aumenta o r tmica. Em seguida, temos
de novo a primeira gura (contrabaixo), na parte do
trombone, mas em diminui o?! Os motivos e intervalos
est o transformados por retrograda o. Eis como minha
s rie est constru da: ela resulta de tr s vezes quatr
sons.
O desenvolvimento dos motivos acompanha esse ?movi
mento retr grado, utilizando contudo a aumenta o e a
diminui o?! As diferentes id ias de varia o procedem
quase exclusivamente desses dois tipos de transforma
?
o, isto , a transforma o de um motivo, quando
ocorre, feita somente desta forma. Mas os numerosos
deslocamentos do centro de gravidade no interior dessa
duas guras criam alguma coisa constantemente nova do
ponto de vista da m trica, do car ter, etc. Compare
? ap
nas a primeira repeti o da primeira gura com a sua
apresenta o inicial (trombone ou mesmo contrabaixo)?!
Webern foi convidado para a apresenta o. Essa foi
? sua l
tima viagem ao exterior (W.R.).

15
Essa a ltima obra composta por Webern. Durante
algum tempo ele hesitara em determinar a ordem nal das
seis partes que a constituem, como se pode observar nesta
e nas cartas seguintes (ndt).
16
Essa primeira pe a , terminada em 31 de julho de 1941,
122 ANTON WEBERN

a mesma coisa durante toda a pe a, on de o conte do


inteiro se encontra j no n cleo constitu do ?pelos prim
ros doze sons: na s rie?! Esse conte do est ?j preconc
bido?!?!?! bem como os dois anda mentos, nos compassos
um e dois (aten o s indica es metron micas?!)?!?!?!
Pronto, isto foi um pequeno resumo. Devo agora
? termi
nar, mas falarei de novo com prazer numa outra ocasi o.

Sinto muit ssimo ter demorado tanto para responder sua


longa e am vel carta. N o me leve a mal: meu trabalho
( op. 3115 ), exigiu?me e exige ainda? dedi
ca o total. A primeira pe a de uma nova obra para coro
(com solos e orquestra), que ultrapassar , sem d vida,
propor es de uma cantata. Esse , ao menos, o meu
plano. Esta primeira pe a, portanto, est terminada, e
16
partitura j est redigida. Desejo agora lhe falar um
pouco sobre ela: do ponto de vista formal, trata?se de
uma introdu o, um recitativo?! Mas a constru o que
est na base tal que, talvez, nenhum neerland s a
tenha jamais concebido; provavelmente esta foi a tarefa
mais rdua (desse ponto de vista) que realizei em toda
minha vida?!
Sua estrutura, na verdade, a de um c non a quatro
vozes, de enorme complexidade. Mas a maneira pela qual
conduzido s foi poss vel, creio eu, com o recurso da
lei serial, que se manifesta aqui de forma especial e
nunca foi assim, talvez, t o e caz.

est escrita para soprano?solo e orquestra; ocupar


? nal
mente a quarta posi o (ndtf).
17
Weise que signi ca ainda: maneira, modo e, tamb
? m, me
lodia (ndt).
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 123

Li em Plat o que (lei), denominava tamb m


17
forma (melodia). Ent o, que essa melodia, que? a so
prano?solo canta na minha pe a como introdu ?o (reci
tativo), seja (a ) para tudo que se segue?!
No sentido da planta arquet pica de Goethe: Com este
modelo e sua chave, pode?se em seguida inventar
? plan
tas in nitamente
.. .A mesma lei se aplicar a todos os
outros seres vivos .

No que se refere ao meu trabalho, posso anunciar que


dei de novo um passo muito importante. Dediquei?me
inteiramente a ele nestes ltimos tempos: uma nova
parte do orat rio que projeto j est terminada e pos
em partitura. Trata?se de uma ria para soprano com
18
coro e orquestra.Uma voz exp e a lei, isto , a
? melo
19
dia (no caso, o soprano?solo).
Os gregos utilizavam a mesma palavra para esses dois
termos: . Por isso, a melodia deve estabelecer a
lei?!
Sempre foi assim na m sica dos mestres?! Conseguirei
realiz ?lo t o bem quanto eles? S Deus sabe, mas pelo
menos compreendi de que se tratava?!
No meu caso, n o existe nada que n o tenha sido
? pri
meiramente de nido por essa melodia?! Ela a? ,lei, po
tanto realmente o ?! Mas de nida de in cio sobre
18
Terminada em 2 de julho de 1942, esta ria constitui a
quinta parte da op. 31 (ndtf).
19
No texto Weise , assim como as seguintes, indicadas entre
aspas. Ver nota 17 (ndt).

20
A primeira apresenta o das , op. 30,
124 ANTON WEBERN

um fundamento can nico?! Naturalmente, a s rie em si,


representa j uma lei, mas, em princ pio, n o? necess
rio que ela seja igualmente a melodia . Como no meu
caso ela , a s rie se reveste ent o de um signi cado
muito especial, num n vel de express o mais elevado, po
assim dizer, como nas melodias de coral trabalhadas por
Bach, por exemplo. No conjunto, os fundamentos de
nossa t cnica est o a , mas estou desenvolvendo?os,
creio eu, num sentido totalmente particular.

Agora podemos prever um sucesso totalmente positivo.


Gostaria muito de acreditar que o que Scherchen
? lhe co
municou ocorrera de fato, e que minhas (op. 30)
ser o, com efeito, interpretadas no dia 9 de dezembro.
O Sr. pode imaginar a que ponto a not cia me alegrou?!?
!20 ... Que tudo possa se passar t o bem e amigavel
?
mente como na ltima vez. Este pensamento reconforta?
me enormemente, caro, car ssimo amigo?!?!?!
A Universal Edition j mandou preparar o material;
? o Co
legium Musicum deve agora solicit ?lo. Quando se est
assim s v speras de uma estr ia, sobretudo de? uma es
tr ia orquestral, ingenuamente pensamos, antes de mais
nada: como soar ? E nos satisfazemos de ante ?m o, tam
b m ingenuamente?! Mas quando executamos real mente
programada para Winterthur, s ocorreu nalmente em 3 de
mar o de 1943 (. .).
21
Conclu da em 26 de agosto de 1942, esta pe a se tornar a
sexta (e ltima) parte do opus 31 (ndtf).

22
A composi o estava terminada h exatamente um m s. Ela
se tornar nalmente a segunda parte daquilo que Webern
chama ainda orat rio . No dia 21 de janeiro de ?1943, We
bern tinha tamb m ter minado uma outra ria para baixo?
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 125

a obra, devemos ainda faz ?lo de maneira a que a forma


sob a qual ela se oferece a nossos sentidos seja a form
justa?! Embriaguem?se de sonoridades, maestros, assim
que voc s lhe far o justi
.. a?! .
Nesse nterim, terminei de escrever uma nova pe a. Ela
deve formar, com as duas precedentes, por assim dizer,
a primeira parte do orat rio planejado. Ela concebi
21
mais ou menos como um coral , para coro e orquestra.
Mas vejamos agora as rela es internas: a segunda voz
(contralto), canta o retr grado da primeira (tenor),
? a
ceira (soprano) realiza a invers o da segunda e a quart
(baixo), a invers o da primeira, que ainda o retr gra
da terceira?! Portanto, uma dupla rela o interna:
? a pr
meira e a quarta vozes est o na mesma rela o? que a se
gunda e a terceira (invers o); a primeira e a segunda
est o na mesma rela o que a terceira e a quarta
? (retro
grada o). Acre dito que o Sr. se surpreender com esta
partitura. Os valores das notas s o geralmente longos,
mas o andamento muito uente.

Estou chateado por tamanho atraso. Desejava lhe


? escre
ver logo ap s meu retorno de Winterthur, mas, uma vez
ainda, mal pude tirar os o lhos de meu trabalho.
? No m
bito do projeto do qual por v rias vezes j lhe fa lei
22
Tudo
uma nova pe a terminada: uma ria para baixo.
tornou?se mais estrito e, por esse motivo, ainda mais
solo e orquestra, que devia se tornar a primeira parte do
Orat rio , rebatizado mais tarde (ndtf).
23
Eis o in cio do texto de Hildegard Jane utilizado aqui: A
interior canta na colm ia na calma da meia noite (ndt).

24
Ela ser terminada no dia 3 de novembro de 1943 ?e consti
tuir nalmente a terceira parte do op. 31 (ndtf) .
126 ANTON WEBERN

livre. Isto , trabalho com base num duplo c? non per


p tuo por invers o e componho com plena liberdade.
Por meio de varia o, diminui o, etc., procedo mais ou
menos da mesma maneira que Bach com seu tema na
. Mas, do ponto de vista formal, a ria tem
tr s partes, com um tema de trinta e dois compassos
constru do periodicamente; uma vez mais, portanto,
combina o estreita dos dois modos de apresenta o. No
que diz respeito ao car ter, tem?se uma esp cie de hino
( a calma em
23
torno da colm ia, no pa s natal ).
Mas retornemos um pouco a Winterthur: estou ainda
chateado que naquela ocasi o quase n o tenhamos
? po
dido falar a s s?! Fiquei muito satisfeito de poder ouv
minha obra, pois foi muito importante para mim
? contro
lar pessoalmente o efeito que ela produz e acre dito
ouvido o que desejava. Estou absolutamente convicto de
que quando a estrutura possui tamanha coer ncia,
? qual
quer som, mesmo o mais isolado, deve dar a impress o
de se integrar num todo perfeitamente coeso, a m de
que praticamente nada mais deixe a desejar quanto
apreensibilidade . N o verdade? Penso que o efeito
produzido sobre o p blico foi tamb m uma prova disso?!

25
As , op. 23, para voz e piano foram de ?fato apre
sentadas em primeira audi o no concerto programado, em
5 de dezembro de 1943. As can es do op. 25 (1934), no
entanto, s tiveram sua estr ia em 16 de mar o de 1952, em
New York (ndt).

26
Dia 3 de dezembro de 1943, comemora o dos sessenta
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 127

Realmente n o desejava que esperasse tanto pela


? res
posta de sua carta de 30 de agosto, a qual agrade o
muito, caro amigo?! No entanto, aconteceu o seguinte:
meu trabalho, como o Sr. pode imaginar, tem me? absor
vido muito?! Em breve estar pronta mais uma pe a: um
coral feminino a tr s vozes, com soprano?solo? e orques
24
tra. Ela me cria, atualmente, problemas di c limos de
resolver.
O que o Sr. disse sobre minhas ,
sinceramente me agradou muit ssimo, assim como o que
planeja para apresentar minha m sica
.. .
Os , op. 23, publicados depois de muito tempo
Gradmann
(impressos), estavam j na posse da Sra.
quando a visitei em mar o. Estou de pleno acordo que
essas seis can es, portanto, (tr s do op. 23 e tr s do
25), sejam interpretadas pela primeira vez em Basel, na
noite programada pelo25Sr.elas completar o em breve
dez anos de exist ncia. Penso que seria melhor coloc ?
las no meio do programa e tocar, entre elas, as
(op. 27). Antes e ap s este conjunto, dever?se?
ia fazer uma escolha entre as com piano op. 3, 4
e 12. Isso o que mais agrada Sra. Gradmann. Do op.
anos de Webern (. .). O concerto ocorreu dois dias ap s
(ndtf).
27
Eu havia proposto um concerto matinal da se o de Basel da
SIMC, com a primeira audi o das op. 23, as
op. 7, as op. 11,
as op. 27 e uma breve explana o ?reali
zada por mim (. .).

28
Erwin Ratz (1898?1973) music logo austr aco. A partir de
1917 teve aulas particulares com Schoen berg, assumindo um
papel importante na divulga o da obra de seu mestre. Foi
128 ANTON WEBERN

3, por exemplo, a primeira, a quarta e a quinta


? (eu pre
feriria estas, mas creio que a Sra. Gradmann nunca as
cantou antes). Come ar assim e, em seguida, o que ela
preferir do op. 4 e do op. 12, talvez um, dois e quatro
Dois grupos, ent o, de quatro a cinco can es.? Isto po
deria, assim, completar todo o concerto: ele duraria em
torno de uma hora, o que j seria su ciente, !caro Reich
Nada mais?!
Quanto ao dia da apresenta o, n o se prendam? absolu
26
Nada de festa de anivers rio,
tamente quela velha data?!
n o, n o: um concerto?! N o falar absoluta mente
.., de?.
como isso desimportante, como isso secund rio, meu
Deus?! N o deixe de realizar esse meu desejo?!

Meu caro amigo, j tempo de agradecer de todo cora


por tudo: seu agrad vel telegrama, sua carta ?que me pro
porcionou tanta alegria, porque ela me mostrou, no mais
belo sentido, aquilo por que gostaria de agradecer muit
particularmente: sua delidade constan te, corajosa
? e a
negada?!
27
Este 5 de dezembro em Basel?este sucesso foi de
sua parte, novamente, um ato t o bom, t o rico
? em con
amigo ntimo de Webern, com quem continuou seus estudos
de composi o a partir de 1925 (ndt).
29
Hans Erich AposteI (1901?1972) compositor aus tr? aco, nas
cido na Alemanha, estudou com Schoen berg de 1921 a 25,
e com Alban Berg de 1925 a 35 (ndt).
30
Ou, autenticidade (ndt).
31
Ou, modos de c lculo leg timos (ndt).
nw nw bw nw bw
32 & #w nw bw w nw #w w
para quarteto de cordas, de 1909, arranja
?
dos para orquestra de cordas em 1930
. .).
(
CORRESPONDÊNCIA COM WILLI REICH 129

seq ncias, t o maravilhoso e, viu?se de maneira


? evi
dente, um engajamento t o fundamental, que n o tenho
palavras para expressar tudo o que sinto?! Portanto, ac
um grande abra o com meus mais nobres sentimentos,
caro amigo?!
E gostaria de expressar esses sentimentos, pedindo que
me permita trat ?lo por voc : passo a fazer isso
? imedia
tamente, pois assim muito mais amig vel.
Voc gostaria de saber o que ocorreu aqui no dia 3 de
dezembro: pois bem, era justamente o dia do curso .
Nos reunimos noite na casa do28,Ratz
os participantes
29
do curso, os Apostele o que me alegrou em parti
?
cular? ?a Sra. Helene (a vi va de Alban Berg)?!? Minha m
lher e eu j hav amos estado com ela tarde em Hietzin
e depois seguimos juntos at a casa do Ratz, ?que nos re
cebeu com um suntuoso buffet. Houve assim, numa
sexta?feira noite (noite do curso), al go mais facilm
diger vel do que os habituais ali mentos eruditos . Fo
isso o que aconteceu?!

33
Opus 31, ltima obra conclu da de Webern
. ) .
(
34
Pode?se ler, nos esbo os datados de 26 de janei ro de 1944
o t tulo , seguido da in dica o: 1
. Encontra ?se em seguida a s rie da obra:

Krenek a comenta assim: Ela simplesmente composta de


quatro fragmentos da gama crom tica. We bern toca aqui os
limites extremos do sistema dodecaf nico. (ndtf).
35
De fato Webern devia estar come ando a se deparar com os
problemas de correspond ncia formal, pois o que j havia
130 ANTON WEBERN

Sua carta de 1… de fevereiro deixou?me muito contente?!


Mostrou?me, outra vez, como voc est cheio de belos
projetos e que sua iniciativa n o se enfraquece nunca?!
Mas , sobretudo, que isto me alegra: viver
? sig
ni ca defender uma forma mais ou menos assim que
Holderlin o exprimiu. Eu lhe digo com prazer: esse poe
atrai?me intensamente, j h longo tempo. Imagine
minha impress o quando encontrei, nas anota es da
tradu o de , o seguinte trecho: Tamb m, s outras
obras de arte, comparadas com aquelas dos gregos, falta
30
a ; pelo menos, at agora, foram julgadas
mais pela impress o que produzem, do que segundo as
31
e outros procedimentos
. Preciso lhe dizer por que esta passagem
me sensibilizou tanto?
A partitura do arranjo para orquestra de cordas do meu
32
op. 5, ser enviada a voc em primeiro . lugar.
Ela deve
ser tocada por um conjunto de cordas, o maior poss vel,
a m de que as cont nuas divis es (tutti, divisi,? soli)
sultem bem do ponto de vista da so noridade. Surgiu alg
absolutamente novo no plano so!noro?
Eu s posso dizer:
o que os senhores maestros est o perdendo
! Muito me
alegra que voc queira tomar a iniciativa no que se re

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