Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
APOSTILA
– APOSTILA –
1
In: SCHENKER, Heinrich. Five graphic analyses. New York, Dover, 1969.
2
3
4
5
1.2. Terminologia da análise schenkeriana
do baixo. É o movimento que ocorre na voz mais grave do plano contrapontístico básico da
peça (v. Ursatz), consistindo do movimento que parte da tônica em direção à dominante e
retorna à tônica (I -V - I), representando o suporte de toda a progressão harmônica de uma
obra tonal.
6
Übergreifzug É o modo como se chama cada uma das linhas de uma extensão (v.
Übergreifen).
Unterbrechung interrupção. Indicado no gráfico por barra dupla ( || ). É o método
principal de prolongação (v. Dehnung) aplicado à estrutura fundamental (v. Ursatz) de uma
peça tonal, alcançado pela interrupção de sua progressão após a primeira chagada na
dominante. A interrupção requer o retorno ao ponto de partida da estrutura fundamental. A
dominante que precede imediatamente a interrupção chama-se divisor (v. Teiler). Como um
método de prolongação (v. Dehnung), a interrupção tem importância fundamental na forma
musical, pois proporciona a base estrutural para a separação em partes de peças em forma
binária, ternária e rondó, assim como a extensão da forma sonata em direção ao
desenvolvimento (sendo que o retorno ao ponto inicial da estrutura fundamental corresponde
ao início da reexposição).
Vergrösserung aumentação.
Vordergrund plano imediato; primeiro plano; plano superficial. É o nível estrutural
(v. Schicht) em que a representação gráfica mais se assemelha à partitura da peça, faltando-
lhe somente alguns detalhes. Esta é a última camada antes da própria partitura.
Zug (Zg.) progressão; progressão linear. É uma progressão diatônica por graus
conjuntos que abrange determinado intervalo, pelo qual se estabelece o movimento de uma
nota, de um registro ou de uma voz em direção a outra. Este é um dos principais métodos de
prolongação (v. Dehnung) de uma estrutura musical básica. Na identificação das progressões,
o intervalo abarcado geralmente faz parte do nome: Terzug (progressão de 3ª), Quartzug
(progressão de 4ª), Quitzug (progressão de 5ª), etc. No nível estrutural (v. Schicht) mais
básico, a função de uma progressão linear é conectar a linha fundamental (v. Urlinie) a uma
parte intermediária.
12
2
In: SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover, 1982.
13
14
15
16
17
1.4. Bibliografia sobre análise schenkeriana
BENT, Ian. Analysis. London: Norton, 1987, [principal fonte de referência: A glossary of
analytical terms; por William Drabkin, p. 109-142 ].
COOK, Nicholas. A guide to musical analysis. London: Norton, 1987, p. 27-66.
DUNSBY, Jonathan; WHITALL, Arnold. Music analysis in theory and practice. New Haven:
YUP, 1988, p. 23-61.
FORTE, Allen; GILBERT, Stephen. Introduction to Schenkerian analysis. New York: , 1982.
GERLING, Cristina C. A contribuição de H. Schenker para a interpretação musical. Porto
Alegre: Opus 1, ano I, n. 1, dez. 1989, p. 24-31.
__________________. A teoria de Heinrich Schenker - uma breve introdução. Porto Alegre:
Em Pauta, vol. 1, n. 1, dez. 1989, p. 22-34.
KATZ, Adele. Challenge to musical tradition. New York: A. Knopf, 1945.
SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover, 1982.
SCHENKER, Heinrich. Five graphic analyses. New York: Dover, 1969.
___________________. Free Composition. New York: Longman, 1979.
___________________. Harmony. Cambridge: MIT, 1973.
18
2. FORMA SONATA
Após definir quais seriam as questões a serem levantadas para a análise de uma peça
em forma de sonata, Cook realiza a análise da 5ª Sinfonia de Ludwig van Beethoven e da
Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz, com base nessas questões. Abaixo, está a análise
realizada por Cook da Sinfonia N.º 5 de Beethoven.
“Q 1. (...) A distinção entre as duas áreas estruturais da exposição [primeiro e segundo
temas] está projetada menos claramente do que se poderia esperar. Na Sinfonia de Beethoven
todos os materiais com função cadencial e de transição são tão fortemente ligados ao primeiro
tema, com seu padrão anacrúsico de três colcheias, que a segunda área temática está projetada
como uma passagem fechada, na qual este padrão está menos presente (c. 63-109) do que na
segunda metade da Exposição como um todo: os compassos 110-124 são quase um retorno ao
3
In: COOK, Nicholas. A Guide to Musical Analysis. London: Norton, 1987, p. 260-293 [capítulo: Analysing
music in sonata form].
19
material do primeiro tema. Os mottos4 que introduzem cada área temática (c. 1-5; c. 59-62
[tema das trompas]) também criam confusão com relação a este problema. Os mottos são
obviamente similares uns aos outros, mas ao mesmo tempo cada qual sintetiza o tema que está
precedendo [ex. 1], o resultado disto é que a continuidade - mais do que o contraste - entre os
temas é enfatizada. Como poderíamos classificar isto? Não parece correto considerar os
primeiros 21 compassos como um único tema, visto que as fermatas destacam claramente os 5
primeiros compassos como uma unidade isolada Por outro lado, não se pode chamar os
compassos 1-5 como sendo um tema e os compassos 6-21 como sendo outro, porque o motto
não é exatamente um tema, ele é, antes de mais nada, uma espécie de símbolo do tema. Por
sua vez, o segundo motto (c. 59-62 [tema das trompas]) está mais integrado àquilo que é
geralmente chamado de segundo tema (c. 63) - que funciona como uma espécie de
conseqüente deste motto e tomado por si só seria muito pouco importante na estrutura do
movimento. Não há porque cair em complicações terminológicas sobre este assunto: o fato é
que há algo de não-clássico nestes mottos. Assim, o mais adequado a fazer é encontrar um
modo de classificar os mottos que admita o que foi dito acima. É preferível chamar os mottos
de MA e MB e os temas principais de 1A, 1B (assim torna-se possível utilizar 2A, 2B para
disposições sucessivas em cada área temática, e 1A1/1B1 para suas variantes). Quando, como
é o caso do Desenvolvimento e da Coda, há variantes dos mottos que poderiam tanto ser
derivadas de MA ou de MB, é melhor chamá-las simplesmente de M.
63-93) repete o processo de intensificação levando a outro ponto, desta vez de maior
importância estrutural - acorde de V grau de Mib no c. 94. Este momento é marcado por uma
idéia melódica característica (deve-se considerá-la como cadencial ou temática?) que resolve
no acorde de I grau, no c. 110. O mesmo tipo de postergação tonal também ocorre no trecho
inicial em Dó menor. O motto de abertura do movimento é simplesmente ambíguo; Dó menor
emerge no decorrer do primeiro tema, mas seu primeiro acorde enfático de tônica não aparece
antes do compasso 33 - o início do pedal que conduz à nova tonalidade. O resultado disto é
que nem os temas principais (nem seus mottos) realmente coincidem com a exposição
4
motto: motivo que retorna em vários pontos de uma obra; uma idéia musical que, aparecendo no início de cada
parte de uma série de peças ou movimentos, estabelece uma relação entre elas” (DICIONÁRIO GROVE de
Música - Edição Concisa, p. 420, 624). É bastante comum a utilização do termo motivo como sinônimo de
motto.
20
estrutural das tonalidades. Os colchetes no ex. 2 mostram a defasagem entre o ponto de apoio
temático e o ponto de apoio tonal.
Ex. 2.2: plano tonal e temático da exposição do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.
5
Porque o ex. 3 mostra simplesmente as fórmulas temática e tonal enquanto o ex. 2 apresenta uma redução
harmônica e linear completa? Porque o Desenvolvimento é construído por amplos blocos tonais, em vez de estar
composto por progressões harmônicas ou lineares.
21
direcionalidade tonal. O ex. 4 é uma redução desta passagem, que leva de Fá menor (c. 196) a
Ré Maior (c. 221-232), através de uma sucessão de acordes paralelos em primeira inversão.
Porque, então, há uma perda da direção tonal? Não seria o acorde de Ré Maior simplesmente
a dominante da dominante de Dó menor (a dominante de Dó menor aparecendo como um
acorde de nona menor sem a fundamental, nos compassos 233-240)? Este trecho pode parecer
composto desta forma, mas este não é o efeito quando se ouve a música. O acorde do
compasso 233 não soa como uma dominante incompleta com nona menor, mas como uma
sétima diminuta sem nenhuma relação concreta com qualquer tonalidade. Assim, quando o
motto de abertura - em sua forma Láb-Fá (como ocorre nos c. 22-23) - irrompe a partir do
se este fato com o Solb da flauta que permanece suspenso na Exposição, no compasso 56).
Há, contudo, extensas modificações nos c. 315-346 (em comparação com os c. 71-
93), que prolongam e intensificam o segundo tema. As quatro repetições que ocorrem nos
compassos 307-322 estão organizadas com base em variações no registro e na orquestração:
dois grupos de dois instrumentos da Reexposição, contra o grupo de três do trecho original.
Os compassos 323-345 contém re-orquestrações semelhantes, tanto quanto transposições que
realçam a dissonância harmônica desta passagem. Tudo isto reforça a dominante estrutural do
compasso 346, confirmando a interpretação de que o acorde de maior importância da
Exposição aparece no compasso 94 (e não no compasso 58, como poderia parecer). As
modificações após este ponto restringem-se a enfatizar o ritmo (comparem-se os metais no c.
365 em relação ao c. 113).
Ex. 2.4: perda da direcionalidade tonal no segundo clímax do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.
6
Esta cadenza parece breve na partitura, mas soa longa ao ouvido.
22
Q 6. Se fosse realizada uma analogia com relação à Exposição, o primeiro movimento
da 5ª Sinfonia de Beethoven finalizaria no compasso 374. Porém, neste ponto encontram-se
apenas três quartos do movimento completo. Aquilo que seria o acorde final de tônica é
expandido em uma Coda de 129 compassos com base na tonalidade principal (agora
retornando ao modo menor). O material no início e no final da Coda é bastante familiar: os
compassos 374-395 consistem de acordes relacionados ao clímax, “tematizados” com o
motivo de colcheias; os últimos compassos retomam o final do Desenvolvimento. Há, como
anteriormente, uma irrupção do motto de abertura7 e o início de uma segunda Recapitulação
que é abandonada após alguns compassos, sendo concluída com base no mesmo modelo dos
compassos 369-3748. Contudo, o corpo principal da Coda não é, de modo algum, familiar.
Reconhecidamente, a Coda pode ser vista como a liquidação do motto, que aparece na parte
principal da Coda9 reduzido a um padrão escalar em graus conjuntos nas cordas graves nos
compassos 407-408. Enquanto isto, o contracanto nas cordas agudas, nos mesmos compassos,
reaparecem como melodia principal no compasso 423 - agora em movimento contrário e por
aumentação rítmica. O que isto demonstra não é tanto a complexidade da técnica
composicional de Beethoven quanto o fato de que todos os elementos foram reduzidos a
padrões escalares elementares, os quais, neste estágio do primeiro movimento, adquiriram
fortes associações temáticas ou motívicas. De modo semelhante, a sucessão de notas Láb-Sol,
que se torna pouco a pouco proeminente deste o compasso 455 até o compasso 466, ao
mesmo tempo que tem o propósito imediato de reforçar o Sol cadencial, está repleto de
associações temáticas significativas10.
Porém, o corpo principal da Coda não soa como algo que já tivesse sido ouvido
anteriormente; o caráter de marcha com figuração tética solidifica-se nos compassos 423 e
439, trecho que somente pode ser chamado de ‘novo tema’. Talvez faça sentido a existência
de um novo tema (de aparência nada clássica) neste ponto, porque a Coda não é a resolução
do processo estrutural do movimento, mas seu clímax. Embora esta não seja o tipo de idéia
que se possa provar ou refutar, parece apropriado pensar na Coda como uma conseqüência da
postergação tonal mencionada acima. O centro de gravidade tonal, deslocado cada vez mais
para o final, expande-se para além do que seria, em termos clássicos, o final da peça. A
simetria básica que sublinha a concepção clássica da forma sonata já desapareceu aqui. Em
7
O motto de abertura é ainda mais potente neste momento porque o motivo de colcheias é, agora, completamente
liquidado: nos compassos 477-478 a orquestra completa toca, pela primeira vez, colcheias repetidas com a
mesma nota.
8
Porque a frase repetida de quatro compassos no c. 483 funciona tão bem como uma conclusão? O ex. 5 sugere
uma solução.
9
A manifestação do motto de abertura na Coda (c. 398) relaciona-se, por sua organização das alturas aos
compassos 1-5 e, em termos de ritmo, aos compassos 59-62.
10
O oboé, nos compassos 486-487, liga explicitamente a sucessão de notas Láb-Sol com o primeiro tema,
havendo, talvez, um vínculo implícito com a sucessão Lán-Sol do segundo tema na Reexposição
23
seu lugar existe um simples movimento em direção ao clímax final - característica muito mais
típica da sonata romântica do que da sonata clássica.
cadência; mas é bastante difícil reconhecer o que se segue a partir de então com base neste
princípio11. Outra alternativa seria tomar toda a seção, desde os compassos 60-93, como uma
11
De qualquer forma, é tentador - já que o resultado é um esquema simples que coincide com muitos pontos
estruturais da Exposição. Se forem ignoradas as apresentações do motto nos compassos 1-5 e 22-25, que são
interpolações métricas, e desconsiderando o compasso 6 como uma preparação, a exposição incide em grupos de
(34 + 16) + (34 + 16) + 16 compassos
24
prolongação do V grau e não do I grau de Mib. Desta maneira, pode-se interpretar o compasso
62 como um ponto de apoio, resultando em uma seção de trinta e dois compassos até o c. 93.
Assim, este trecho está precisamente organizado em frases de quatro compassos até o c. 81,
porém após este ponto a organização fraseológica do movimento contradiz qualquer padrão
regular. Além disso, em todo o caso, pode-se suspeitar que muitos ouvintes, se fossem
escrever a passagem somente a partir da audição, escreveriam algo como o ex. 6, ou seja,
como uma seqüência de semínimas. Se isto está correto, pode explicar o choque métrico que
ocorre no compasso 94 (que serve para sublinhar o acorde estrutural de V grau de Mib Maior):
um choque semelhante, porém que excede aquele encontrado no c. 44, que enfatizava a tônica
como função estrutural.
Nestes casos há uma noção de metro, por mínima que seja. Porém na passagem
prolongada que precede a Reexposição não há nenhuma organização métrica preponderante.
Mesmo a apresentação do motto, nos compassos 228-232, com cinco compassos de extensão -
sendo, na melhor das hipóteses, ambígua - não se apresenta metricamente porque aparece em
um contexto não-métrico. A falta de uma métrica preponderante encontra seu paralelo na falta
de direcionalidade harmônica que ocorre na mesma passagem: ambas preparam a irrupção da
Recapitulação, projetando, assim, uma forma seccional: a ausência de metro e a ausência de
direção harmônica são, de fato, a mesma coisa. A estrutura frasal pode ser o resultado de
padrões de repetição, mudanças de textura e outros aspectos da mesma natureza, porém o fato
mais importante na constituição de pontos de apoio fraseológicos (e, por conseqüência, de
organização métrica) é a progressão harmônica. Em qualquer nível da estrutura musical,
movimento em direção a um objetivo constitui uma preparação, do mesmo modo que
alcançar um objetivo constitui um ponto de apoio. Nos compassos 196-239 do primeiro
movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven (a passagem está sintetizada no ex. 4) não há nenhum
objetivo perceptível, ou seja, não existe metro definido”.
cada grupo destes coincide: com a primeira tônica estrutural (c. 44), com o início da segunda área temática (c.
60), com o acorde estrutural de V grau de Mib Maior (c. 94) e com o acorde estrutural de I grau de Mib Maior (c.
110 - onde o motivo de três colcheias emerge em uma espécie de codetta). Em outras palavras, o primeiro e o
segundo grupos de (34 + 16) compassos são a primeira e segunda áreas temáticas e o grupo final de 16
compassos é a Codetta. Porém, obviamente, ninguém ouve este plano, o que também torna duvidoso se
Beethoven teria planejado o movimento desta forma. Assim, é possível que tudo isso não passe de mera
coincidência.
25
12
In: ROSEN, Charles. Formas de sonata. Barcelona: Labor, 1987, p. 111-143 [capítulo 6: Las formas de sonata].
*
Costuma-se, também, chamar o Primeiro Grupo Temático de: Primeiro Tema, Primeira Região Temática, Primeira Região Harmônica, Primeira Área Temática, Primeira Área
Harmônica, Primeiro Campo Temático, Primeiro Campo Harmônico, Campo Harmônico de Tônica, etc. O mesmo vale para o Segundo Grupo Temático.
**
A intensificação pode ocorrer na harmonia, na textura, no ritmo, no contraponto, ou em qualquer outro aspecto da composição.
***
Em tonalidades menores, geralmente o V grau (dominante) é substituído pelo III grau (relativa). Desta forma, o esquema harmônico ficaria:
i _____ | mod. para III | III ______ || modulante | mod. para i | i _____ | mod. | i _______ ||
****
É bastante comum ocorrer modulação para o campo de Subdominante no Desenvolvimento Secundário. Tematicamente, geralmente são utilizados materiais de alguma transição
ou de algum trecho de caráter modulante já apresentado anteriormente.
26
Exposição A1 Reexposição A2
A B
a b a b
I V I ________________
Exposição Reexposição
A B A B A
I V I ___________________
Características:
- expressão mais lírica (menos dramática), por isto não possui desenvolvimento
(característica principal da forma sonata de primeiro movimento)
- cadência autêntica na tônica no final do primeiro grupo
- dominante introduzida sem preparação (transição, modulação)
- qualquer referência aos pontos estruturais de dramatização podem ser facilmente
omitidos
- não confundir a retransição entre a Exposição e a Reexposição com
desenvolvimento, ou desenvolvimento secundário
- um pequeno desenvolvimento (desenvolvimento secundário) aparece depois do
início da Reexposição (evita que a segunda parte seja uma repetição demasiadamente literal
da primeira)
- Conforme Rosen, há três tipos de reexposição: 1. retorno imediato ao primeiro tema
na tônica; 2. retorno do primeiro tema somente após ter sido tocado na dominante; 3. retorno
da tônica no decorrer do primeiro tema já em andamento
- no final da segunda parte ocorre maior elaboração no que no final da primeira
- geralmente existe uma coda para completar o movimento
- esta forma originou-se da ária de ópera barroca
27
Minueto-sonata:
Minueto:
Exposição Reexposição
A B A
I V I
Trio:
Exposição Reexposição
A B A
[harmonia diferenciada do Minueto]
Minueto e Trio:
Minueto Trio
A B A C D C
I V I Menuetto D.C.
Características:
Rondó-sonata:
I V I [modulante] I
Características:
⇒ para que se compreenda a estrutura da forma sonata (de qualquer uma das formas
de sonata), deve-se observar onde ocorrem as diferenças na textura e como estas diferenças
estão relacionadas à organização harmônica e à ordem temática. Sob determinado ponto de
vista, a ordem temática é um aspecto da textura: o aparecimento de um novo tema marca uma
quebra clara na textura, quando os temas apresentam contornos claramente definidos. A
chegada de um tema realiza um ponto estrutural, marca um evento, um momento de
articulação. A coordenação dos três elementos (harmonia, padrão temático e textura) define
cada ponto estrutural como uma interrupção dramática do fluxo musical contínuo. Deste
modo, a análise da sonata se dá por meio da diferenciação dos materiais temáticos, das
diferentes texturas e do movimento tonal harmônico.
29
2.3. Análise gráfica do Quarteto de Cordas em Dó Maior, KV 465 (Quarteto das Dissonâncias), de W. A. Mozart
1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta Retransição 1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta
1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta 1º Grupo Temático Pequeno 2º Grupo Temático Expansão Codetta
Desenv.
13
A utilização do bIII como empréstimo modal (MibM é a relativa de Dóm), nos compassos 9-12, antecipa a modulação do Trio do terceiro movimento, que está em Dóm e
se encaminha para a relativa (MibM). Por seu lado, a digressão harmônica que ocorre nos compassos 89-102 do último movimento também faz rima com a parte B do Trio.
30
A B A C [A] D [B] A B A
c. 1 c. 21 c. 40 c. 64 c. 80 c. 1 c. 21 c. 40
1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Digressão Codetta Retransição 1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Digressão Codetta
(harmonia
parentética)
DóM.: I ___________ I → V/V V ______________ bIII ___________ V _____ I _______________ I _______________ bVI _____ I _________________
(rima c/ 2º mov.) (rima c/
bIII, c. 89)
c. 1 c. 35 c. 55 c. 88 c. 103 c. 137 c. 182 c. 200 c. 216 c. 258 c. 291 c. 326 c. 372
32
3.1. Definição
14
Há várias formas de tradução do termo developing variation (inglês) para a língua portuguesa: variação em
desenvolvimento (por Álvaro Cabral, in: KERMAN, 1987), variação progressiva (por Eduardo Seicman, in:
SCHOENBERG, 1991) e variação desenvolvida (por Herbert Caro, in: MANN, 1992) são as mais usuais.
15
“Estrutura básica. O termo estrutura básica (ou: configuração de fundo) (do alemão grundgestalt) apareceu
originalmente com Schoenberg – tendo sido utilizado por outros analistas, como Epstein (1979) e Frisch (1984)
– para denotar a idéia musical básica de uma peça, podendo ser a frase que contém seus materiais musicais
essenciais; seria também o ‘primeiro pensamento criativo’ a partir do qual todos os aspectos de uma peça são
derivados. Esta estrutura básica, normalmente com a duração de dois ou três compassos, é construída a partir de
elementos menores chamados ‘motivos’, cada qual contendo características intervalares e rítmicas que ‘são
combinadas de modo a produzir uma estrutura ou um contorno memorizável, o qual geralmente implica em uma
harmonia inerente’ (SCHOENBERG, 1967, p. 8). Todos os outros motivos da peça são, em última análise,
referenciáveis a estes da estrutura básica. Do outro lado está o ‘tema’; uma extensão maior de material musical
construído a partir da combinação da estrutura básica com suas repetições, variantes ou variações” (Drabkin in
BENT, 1987 p. 117).
16
Além destes dois ensaios, encontram-se referências ao conceito de variação em desenvolvimento nos
seguintes textos de Schoenberg: Twelve-tone composition (1923), National music (1931), Linear counterpoint
(1931), A self-analysis (1948), My evolution (1949), New music, Outmoded music, Style and idea (1946),
Compositions with twelve tones (1948), Bach (1950). Todos estes ensaios estão reunidos na coletânea Style and
Idea – selected writings of Arnold Schoenberg (editada por Leonard Stein). Berkeley : University of California
Press, 1975.
33
“Para ambos [Mozart e Beethoven], ele [C. P. E. Bach] ainda parecia um iniciador
mesmo depois que eles próprios tinham adicionado, ao princípio negativo inicial da ‘Nova
Música’, aqueles princípios positivos como a variação em desenvolvimento, além de diversas
formas estruturais ainda desconhecidas, tais como transição com caráter de liquidação,
recapitulação dramática, elaborações múltiplas, derivações de temas secundários, matizes
dinâmicos altamente diferenciados e, especialmente, a nova técnica de passagens em legato e
staccato, accelerando e ritardando, além da designação de tempo e caráter mediante termos
específicos” (ibid., p. 116).
“Enquanto os compositores precedentes, e mesmo seu contemporâneo J. Brahms,
repetiam frases, motivos e outros elementos estruturais dos temas somente em formas
variadas, se possível também na forma daquilo que chamo de variação em desenvolvimento,
Wagner, em função de tornar seus temas facilmente memorizáveis, tinha de utilizar
seqüências e semi-seqüências” (ibid., p. 129).
“Na minha linguagem de estúdio, quando eu falava comigo mesmo, chamava este
procedimento de ‘elaboração com os sons dos motivos’. Este era, obviamente, um exercício
indispensável para a aquisição de uma técnica necessária para superar os obstáculos nos quais
uma série de doze sons se opõe a uma produção livre de escrita fluente. Da mesma forma,
como no caso de Die Jakobsleiter, também neste caso os temas principais tinham que ser
transformações da primeira frase. Já aqui o motivo básico não era somente produtivo em
fornecer novas formas motívicas por meio de variação em desenvolvimento, mas também em
produzir formulações mais remotas com base no efeito da unificação de um fator comum: a
repetição de relações tonais17 e intervalares” (ibid., p. 248).
“Em minha Noite Transfigurada, a construção temática é baseada, por um lado, nos
conceitos wagnerianos de ‘modelo e seqüência’ sobre uma harmonia errante e, por outro lado,
na ‘técnica de variação em desenvolvimento’ – assim como a chamo – de Brahms” (ibid., p.
80).
“Na variação em desenvolvimento repousa um mérito estético muito maior do que em
seqüências sem variação” (ibid., p. 78).
“Infelizmente, muitos compositores atuais, em vez de conectarem idéias por meio de
variações em desenvolvimento, assim apresentando conseqüências derivadas da idéia básica e
permanecendo nas fronteiras do pensamento humano e suas necessidades lógicas, produzem
composições que se tornam maiores e mais extensas somente por meio de inúmeras repetições
sem variação de poucas frases” (ibid., p. 130).
17
A expressão ‘relações tonais’ significa, neste caso, relações entre tons, entre notas.
35
Frisch ainda demonstra como “um grande número de comentaristas foram atraídos
pelas idéias de Schoenberg sobre a construção temática – especialmente pelo procedimento
chamado de variação em desenvolvimento” (ibid., p. 18). Entre os principais críticos e
analistas musicais que se dedicaram ao estudo do princípio schoenberguiano de construção
motívico-temática estão Hans Keller, René Leibowitz (Introduction à la musique de douze
sons; Schoenberg and his school, 1949), Rudolph Réti (The thematic process in music, 1951;
Thematic patterns in sonatas of Beethoven, 1967), Erwin Ratz (Einführung in die
musikalische formenlehre, 1951), Josef Rufer (Composition with twelve notes, 1952) e
Theodor Adorno (Philosophie der neuen musik19, 1958). Frisch apresenta breves comentários
18
Tradução para o português, por Eduardo Seicman:
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. São Paulo: Edusp, 1991.
19
Tradução para o português, por Magda França:
36
sobre os principais trabalhos destes autores, contextualizando-os no que diz respeito à obra de
Brahms e ao conceito de variação em desenvolvimento. Frisch realiza, ele próprio, a análise
da obra de Brahms, dividindo-a em fases de maturidade e gêneros. Abaixo encontra-se a sua
análise da Terceira Sinfonia, retirado do capítulo que aborda as sinfonias de Brahms.
Embora a Terceira Sinfonia (1883) seja a mais curta de Brahms, é, talvez, a sua
sinfonia mais ambiciosa, esforçando-se mais do que em qualquer outra por uma coerência que
se estende além dos movimentos individuais. A retomada do tema de abertura do primeiro
movimento no extremo final do último movimento tem sido sempre percebido e apreciado
pelos ouvintes. O que talvez não tenha sido suficientemente reconhecido, contudo, é que este
extraordinário retorno é apenas mais uma manifestação da densa rede de processos temáticos,
harmônicos e formais que se espalham por toda a obra. O retorno é satisfatório precisamente
porque representa a combinação e resolução supremas destes diferentes fluxos. Como se
poderia esperar, Brahms continua contando fortemente com os princípios da sonata e com os
vários métodos de variação em desenvolvimento. Na Terceira Sinfonia, contudo, estas
técnicas não somente estruturam cada movimento em si, mas amalgamam a obra como um
todo.
Para sintetizar: as relações tonais entre os movimentos projetam o plano tonal
característico da forma sonata ‘ortodoxa’ (para utilizar terminologia de Tovey) em um nível
superior. Os dois movimentos externos estão em Fá maior e Fá menor, os dois movimentos
internos estão em Dó maior e Dó menor. Ao mesmo tempo, Brahms explora, na grande
escala, uma relação tonal específica entre as notas Lá e Láb, assim como entre algumas das
tonalidades ligadas a estas notas (Fá maior, Fá menor, Lá maior e Láb maior). As duas notas
chocam-se logo no início; seu conflito espalha-se em diversos níveis estruturais e é resolvido
somente na coda do movimento final.
Em um nível mais local, os três movimentos da Terceira Sinfonia em forma-sonata são
construídos com base nos mesmos métodos de variação em desenvolvimento existentes no
Quarteto em Dó Menor, na Sonata para Violino em Sol Maior e no Adagio da Segunda
Sinfonia. Especialmente ligados a este ponto de vista, estão a exposição do primeiro
movimento e os momentos de recapitulação dos dois primeiros movimentos. Na Terceira
Sinfonia, estes procedimentos são suplementados em um nível superior não somente pelo
plano tonal, mas também pelo processo temático-formal que envolve o segundo tema do
Andante. A Figura 1 ajuda a esclarecer os processos de larga escala encontrados nesta
sinfonia.
Vamos, inicialmente, examinar as características tonais de larga escala. Ambos os
movimentos centrais estão na tonalidade da dominante, em Dó maior e Dó menor,
respectivamente. Não há precedentes deste tipo de disposição tonal nem em outras obras de
Brahms em quatro movimentos, nem na obra de seus predecessores clássicos e românticos.
Em peças em estilo-sonata mais clássico no modo maior, a subdominante serve como a
tonalidade de pelo menos um dos movimentos internos, quase invariavelmente o movimento
lento. Embora na obra do último Beethoven e dos primeiros românticos geralmente haja
21
motto – motivo condutor, estrutura básica que serve de matriz para todos, ou vários, eventos de uma obra.
38
MOVIMENTO I II III IV
PLANO FORMAL Exp. Des. Rec. Coda Exp. Rec. Coda Alleg. Trio Allegr. Exp. Des. Rec. Coda
(‘Segundo Grupo’)
PLANO TONAL FáM FáM (DóM) DóM Dóm Dóm (Dóm) Fám (FáM) Fám FáM
CONFLITO: Lá / Láb Fá Lá Fá Ré tríades: cad. cad. Láb cad. Fám FáM Fám FáM
(Lá-Láb-Lá) (Lá) (Lá) F, Db plagal plagal plagal (Láb) (Lá) (Láb) (Lá)
TEMA ‘AUSENTE’ X ? X X X
(Láb) (Lá) (Lá)
Fá menor cumpre um papel significativo não somente neste plano típico de sonata,
como também nos outros processos tonais da sinfonia, centrados na relação entre Lá e Láb.
Como tem sido observado freqüentemente, principalmente por Roger Sessions, Brahms
coloca estes dois sons em conflito já no início da sinfonia22. As harmonias que servem de
suporte para o encadeamento do motto (Fá-Láb-Fá) movimentam-se de Fá maior para um
acorde de sétima diminuta construído sobre a tônica como fundamental, voltando para Fá
maior. O tema principal entra no último destes acordes; o motto está, agora, no baixo. As
notas Lá e Láb chocam-se mais violentamente: a terça menor do motto do compasso 4 opõe-
se ao Lá natural precedente da melodia e consegue desviar a harmonia em direção à tônica
menor. O problemático Láb não será facilmente deslocado. Permanece fazendo parte da
harmonia quando o motto do baixo retorna a Fá no compasso 5, conduzindo audaciosamente à
sua quinta inferior, Réb. Láb e Réb afastam-se gradualmente nos doze compassos seguintes, e
o primeiro grupo temático finalmente repousa em uma cadência em Fá maior – a primeira –
no compasso 15.
Conforme coloca Sessions, a transição e chegada subseqüentes na segunda área tonal
(c. 15-35) estendem a influência de Lá/Láb sobre uma área mais ampla, expandindo os
processos tonais, que são tão comprimidos no início. Nos compassos 19-21, o motto aparece
firmemente em Fá maior como Lá-Dó-Lá, porém uma exposição em Fá-Láb-Fá superpõe-se à
última nota. Aqui, a contraposição Lá/Láb torna-se ainda mais proeminente por afetar a
condução de vozes: o baixo Lá do compasso 21 desce diretamente para Láb no compasso 22,
o qual resolve agora como uma dominante para Réb maior. A digressão tonal é ainda maior
do que nos compassos de abertura do movimento, pois o Réb aparece no baixo e governa não
somente um único compasso mas uma frase inteira de oito compassos (c. 23-30).
A matriz Láb-Réb começa novamente a se dissolver, enquanto Brahms introduz a
segunda área tonal com mais duas exposições sobrepostas do motto. Sobre a última nota de
Fá-Láb-Fá nos contrabaixos (c. 29), as madeiras iniciam a exposição em Dó#-Mi-Dó#: o Réb
anterior é re-escrito e re-harmonizado como a terça de Lá maior, mas o Láb desaparece. Logo
(no c. 49) o Dó#/Réb é também removido, descendo para Dó natural enquanto o modo menor
permanece no restante da exposição.
Brahms reacende o conflito entre Lá e Láb no início da recapitulação, sempre um
importante foco de re-interpretação dramática em suas estruturas em forma-sonata. Nos
compassos 120-124, os acordes de abertura são enriquecidos ou expandidos. O Láb do motto
é harmonizado não com o acorde de sétima diminuta original, mas com um abrupto acorde de
Ab7; a última nota do motto – Fá – aparece, então, como parte da resolução – a terça do
acorde de Db.
O Andante, em Dó maior, não se relaciona diretamente com a dualidade Lá-Láb. Sua
exposição apresenta um plano tonal ortodoxo – I-V; a recapitulação permanece na tônica.
Contudo, a arrojada justaposição das tríades de F e Db nos compassos 75-76 (a extensão em
desenvolvimento do segundo grupo temático) traz o conflito entre as notas de volta à nossa
consciência. A série de cadências plagais que encerra o movimento realiza este processo de
modo ainda mais enfático. Na primeira cadência (c. 128-129), a tônica alterna com um
simples IV grau – tríade de F. Na segunda cadência, (c. 130), Brahms substitui a
subdominante por um cálido acorde sobre o sexto grau abemolado – Ab. Nos compassos 132-
134, esta harmonia sobre Ab é transformada em uma subdominante menor, que resolve
novamente na tônica. Desta forma, nos compassos finais deste movimento, Brahms
suavemente nos relembra (na altura original) da importante relação entre Lá e Láb.
22
Ver Roger Sessions, The musical experience of composer, performer, listener, p. 47. Veja também a discussão
de Schoenberg sobre as relações entre o motto e o movimento entre as áreas tonais, em seu Theory of harmony,
p. 164 (tradução para o espanhol: SCHOENBERG, Arnold. Armonia, Barcelona: Real Musical, 1974).
40
II
compasso inteiro foram escritas por Brahms não como semibreves pontuadas, como aparece
na edição Sämtliche Werke de Brahms, mas como duas mínimas pontuadas ligadas (Figura 2).
A primeira edição da partitura também apresenta as mínimas pontuadas ligadas. Os dois
métodos de notação são teoricamente equivalentes, obviamente. Porém a Terceira Sinfonia é,
no melhor do meu conhecimento, o único autógrafo de Brahms escrito desta forma. Em outras
partituras em 6/4 (por exemplo, os dois primeiros movimentos do Concerto para Piano em Ré
Menor) ou em 3/2 (o primeiro movimento do Quarteto de Cordas em Dó Menor), todas as
notas que permanecem por um compasso inteiro são escritas como semibreves pontuadas.
Porque Brahms alterou sua notação somente para esta sinfonia? Um regente iria, com quase
toda certeza, marcar os dois primeiros compasso em dois, independentemente da notação.
Brahms provavelmente escolheu as mínimas pontuadas ligadas para proporcionar um reforço
escrito do metro latente e para assegurar que tanto o regente quanto os instrumentistas iriam
projetar algo da tensão latente entre as articulações binária e ternária (assim como a marcação
‘em um’) do compasso.
Figura 3.2: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90. Fac-símile da primeira página do manuscrito autógrafo.
Mib menor, seguindo agora sua tendência natural de desdobrar-se em 3/2 (a divisão ternária
também foi preparada pelos três compassos precedentes). Não há trombones ou tímpanos para
palpitar no quarto tempo; de qualquer forma, no início não há acompanhamento algum. As
escalas descendentes em ritmo pontuado, dos compassos 115-119, tornam a divisão ternária
explícita.
Os dois últimos compassos desta passagem (c. 118-119) são marcados por um
ritardando. Então, no compasso 120, a recapitulação inicia abruptamente no tempo original
(Tempo Iº). Sendo que, agora, a divisão binária do compasso 6/4 é articulada claramente: as
cordas, que não estavam presentes no início do movimento, dividem firmemente cada
compasso em dois tempos. As indicações de tempo de Brahms asseguram que ouviremos o
retorno não somente como uma reestruturação interna do compasso – não como uma mudança
de 3/2 para 6/4 – mas como uma mutilação ou compressão real. O compositor não especificou
quão rápida deve ser a recapitulação em proporção à retransição, porém qualquer regente ou
músico que esteja lendo a partitura deve (ou deveria) tomar uma decisão a este respeito. Uma
solução seria tomar uma mínima do ritardando (c. 118-119) como equivalente à mínima
pontuada do Tempo Iº; do ponto de vista do ouvinte, o compasso 3/2 seria reduzido em um
terço – para 2/2 (Exemplo 1.1b). A maior parte das gravações desta sinfonia seguem
aproximadamente esta prática, embora poucos regentes permanecem o tempo suficiente nos
compassos 118-119 para permitir que esta compressão seja sentida. Outra solução, mais
dramática – uma solução que é realmente mais fiel às indicações de Brahms (mas que eu
nunca experimentei ouvir) – seria diminuir o andamento no primeiro ritardando (c. 110-111),
manter este tempo durante o poco sostenuto e, então, diminuir ainda mais o tempo no segundo
ritardando (c. 118-119). O grau de compressão poderia, então, ser dobrado ao tornar a
semínima dos compassos 118-119 igual à mínima pontuada no Tempo Iº; o resultado auditivo
seria uma contração métrica de 3/2 para 2/4 (Exemplo 1.1c).
Qualquer que seja o meio de retornar, a recapitulação deveria ser percebida como que
emergindo de um tipo de paroxismo métrico, o qual Brahms reforça com uma compressão (ou
elisão) harmônica igualmente repentina. Nos compassos 117-119, a tonalidade predominante
– Mib menor – move-se em direção à sua própria dominante – Sib; um pedal em Fá,
percebido como dominante da dominante de Mib menor, está presente o tempo inteiro. Este
Fá é originado como uma nota temática – o ponto final das escalas descendentes; porém no
compasso 118 esta nota começa a funcionar como parte da harmonia do acorde de F7. No
último tempo do compasso 119, a harmonia de dominante da dominante é intensificada por
meio de um acorde de sexta aumentada italiana, Solb-Sib-Mi, que resolve no tempo forte do
compasso 120 em uma tríade de Fá maior. Ainda tomamos este acorde como uma dominante
de Sib; porém o Fá toma, repentinamente, a si mesmo como tônica, sendo a primeira nota do
tema principal! Na violenta mudança que segue para os acordes de Ab7 e Db, a estrutura
harmônica parece rebelar-se contra a arrojada usurpação do Fá maior. A tônica é confirmada
definitivamente somente no início da transição para o segundo grupo temático (c. 136).
43
III
perfil métrico do tema agora é tão nebuloso quanto a harmonia subjacente: o fragmento inicia
no quarto tempo (escrito) e sua primeira nota está ligada sobre a barra de compasso. A flauta,
o oboé e o fagote assumem sucessivamente esta figura sobre harmonias que mudam
incessantemente, porém sempre sobre o pedal Dó. Na quarta apresentação deste fragmento do
tema (c. 84) a figura em colcheias Ré-Si é aumentada para duas semínimas; esta aumentação
dilata o Dó final (do fragmento) até o quarto tempo. Simultaneamente a este Dó, a flauta e o
oboé iniciam outra reexposição, que é modificada ainda mais: Brahms retém a aumentação de
Ré-Si, mas remove a ligadura que atravessa o compasso, colocando, assim, a nota Ré no
tempo forte do compasso 85. Quando o fragmento do tema aumentado é seguido pela segunda
figura do tema principal (Sol-Lá-Sol-Lá), repentinamente compreendemos que o fragmento
em aumentação está conduzindo ao motivo inicial do movimento – ou, em outras palavras, a
recapitulação já iniciou. Contudo, o fraseado ainda apresenta a influência da retransição
precedente, pois tanto a voz melódica quando o acompanhamento estão ligados através da
barra de compasso. Originalmente, somente o acompanhamento apresentava esta ligadura
anômala: o fraseado da melodia estava indicado normalmente (Exemplo 1.2); agora melodia e
acompanhamento estão deslocados conjuntamente. Somente no compasso seguinte (c. 87) são
restaurados o tempo forte apropriado e o fraseado original.
IV
A recapitulação do Andante nos leva a considerar, neste ponto, o alto nível de drama
temático-formal da Terceira Sinfonia, pois o tema misterioso da exposição (c. 41-50) não
aparece na recapitulação. Em seu lugar (c. 108) vem uma melodia lírica, que Brahms criou
por meio de uma de suas utilizações mais inspiradas das técnicas de acoplamento. O final da
discreta figura cadencial das trompas no compasso 107, é tomado pelos violinos no compasso
108 como sendo o início do novo tema (Exemplo 1.4). Na exposição (c. 22-23), esta figura
cadencial aparece duas vezes em sucessão (clarinete, cordas) para então dar lugar a uma
reapresentação ornamentada do tema principal. Na recapitulação, Brahms abrevia a cadência,
extraindo uma nova idéia temática de suas últimas notas.
Após este tema ter percorrido seu curso lírico, a cabeça do motivo de duas notas do
segundo tema original é ouvida, tanto quanto foi ouvida na exposição (c. 56-62 e 115-121);
porém o tema do qual este motivo é um eco parece ter desaparecido. Temos visto
freqüentemente Brahms utilizando as técnicas de acoplamento como um método elegante de
gerar novas idéias. Aqui, entretanto, esta técnica está a serviço do grande plano da sinfonia,
pois substitui um tema anterior e, então, impulsiona uma dramaticidade que se resolve
somente no movimento final.
O ‘tema ausente’ é retomado três vezes no último movimento. A primeira vez ocorre,
de modo inesperado, proximamente ao início. O tema principal chega a uma semi-cadência no
acorde de Dó maior, no compasso 18, fazendo com que esperemos um desenvolvimento
conseqüente na dominante ou na tônica. Em vez disto, os trombones (que não eram ouvidos
desde a coda do Andante) entoam solenemente em Mib a cabeça de duas notas do motivo do
segundo tema do Andante; em seguida, as cordas e as madeiras entram com o mesmo tema
em Láb. Este tema aparece em sua completitude, com uma exposição extra do motivo de duas
47
notas inserido entre as frases nos compasso 22-23. Porém, o caráter foi modificado: o
original, com suas harmonias de sétima sombrias, fica claro tornando-se mais plano por meio
de tríades escritas em estilo coral. O tema original tinha primorosas cadências evitadas; a
versão transformada termina justamente onde iniciou, em Láb.
Porém, este tema desaparece. Nos compassos 29-30 os trombones apresentam pela
última vez o motivo de duas notas em Mib; esta nota é, então, elevada para Mi natural com a
explosão de toda a orquestra na dominante de Fá menor, juntamente com uma variante do
tema inicial. O tema do Andante tem sido, desta forma, uma digressão impenetrável dentro do
primeiro grupo temático do último movimento. De fato, poder-se-ia facilmente retirar o coral
e seguir diretamente da semi-cadência na dominante do compasso 18 à volta do mesmo
acorde nos compasso 29-30; o primeiro grupo ainda assim apresentaria lógica e continuidade
eminentemente brahmsianas. O movimento final continua a se desdobrar (em uma forma
rondó-sonata) como se fosse imperturbável com relação a esta interrupção. Um
desenvolvimento posterior do tema principal é levado a cabo no compasso 51, na ‘ortodoxa’
dominante, onde Brahms apresenta um amplo e ‘correto’ segundo tema. Extremamente
correto, na verdade. Suspeita-se que Brahms poderia ter realizado este tema intencionalmente
quadrado e pesado para nos manter pensando no outro ‘segundo tema’, mais marcante – o
coral do Andante.
A seção de desenvolvimento traz de volta o coral e, a partir deste, Brahms agora
constrói um enorme clímax. O desenvolvimento inicia-se bastante inocentemente, explorando
uma escala descendente de quatro notas derivada do tema principal (clarinetes, c. 129-131).
Brahms inicia um cânone com base nesta figura no compasso 141; porém, sete compassos
após seu início, o cânone é interrompido abruptamente. Após meio compasso de um terrível
silêncio, os motivos familiares de duas e três notas do tema do Andante aparecem com a
indicação forte, bem marcato, tratados com imitação à distância de um compasso. No
compasso 159, as entradas passam a ser realizadas à distância de somente meio compasso,
fazendo com que o stretto alcance um clímax, enquanto todas as partes executam
simultaneamente a figura em tercinas nos compasso 167-168.
Porém aqui nenhuma história está concluída. Como já vimos anteriormente, a nota Lá
natural movimenta-se descendentemente para Láb (Fá maior torna-se Fá menor) no início da
recapitulação (c. 170-171). O tema do Andante também parece carecer de preenchimento e
resolução, pois não aparece na recapitulação (que inicia com o material que tinha seguido a
digressão do compasso 30, na exposição). Sua resolução vem somente na coda, onde aparece
pela última vez (c. 280) em uma nova forma cadencial, primeiro em Fá maior, para então
mover-se para Ré maior (c. 288) e voltando à tônica maior. O radiante Ré maior efetivamente
neutraliza o eixo Réb-Láb que vinha dominando boa parte da sinfonia e, por voltar no círculo
das quintas, é integrado à tônica, em vez de ser colocado contra esta (como seria o caso de
Réb/Láb).
A volta ao tema de abertura da sinfonia no compasso 301, não somente nos conduz de
volta ao ponto em que iniciamos, como também demonstra o quão longe havíamos chegado.
Da mesma maneira que o tema coral, o tema inicial está, agora, em completo repouso. Os
paroxismos harmônicos iniciais – as inflexões em direção a Fá menor e Réb maior –
acalmaram-se em um puro Fá maior. As ambigüidades rítmicas e métricas estão dissipadas
nos trêmulos pouco luminosos das cordas, cujos seccionamento do compasso em dois (c. 301,
303, etc.) e delicada sincopação (c. 302, 304) projetam fácil e confortavelmente o metro
binário escrito (agora 2/2, naturalmente). Embora a coda do primeiro movimento tenha
antecipado este momento, provou ser somente uma calmaria temporária antes de
desenvolvimentos subseqüentes. Agora, a promessa daquela primeira coda está plenamente
realizada.
48
Entre estes exemplos, uma grande parte foi escolhida das obras de Beethoven. Isto foi
realizado porque, para o autor, a técnica temática, embora inquestionavelmente tenha se
tornado a base para todo o esforço compositivo de nossa época, nunca foi manejada de uma
forma mais intensa, concentrada e consciente do que na música de Beethoven, de tal forma
que a maior parte de seus fenômenos podem ser descritos com base em citações de sua obra.
Contudo, uma vez que a idéia como tal foi entendida, pode provar ser mais reveladora e
agradável observar como este princípio é aplicado de diferentes modos por outros
compositores de acordo com seus próprios estilos e individualidades, tendendo a diferentes
efeitos e diferentes espíritos.
Podemos iniciar com o mais comum de todos os recursos, a inversão24. Tais inversões,
conforme foi dito anteriormente, eram meros aspectos técnicos no estilo especificamente
24
Para esclarecer a terminologia, o seguinte deve ser entendido. Em um sentido estritamente técnico inversão,
movimento contrário e retrogradação (para este último, em função de simplificação, o termo reversão pode ser
doravante utilizado) são três concepções diferentes. A inversão de uma quarta, por exemplo, é uma quinta, de
uma terça é uma sexta, e assim por diante. Porém o movimento contrário de uma quarta ascendente Dó-Fá é
simplesmente a quarta descendente Fá-Dó. Entretanto, na prática musical estas concepções podem ser
geralmente misturadas. Chamaríamos de inversão se, como ocorre no exemplo seguinte de uma suíte de Bach, a
frase a aparece como em b:
muito embora, se falarmos estritamente, somente o primeiro intervalo aparece em inversão, enquanto que o
restante deveria ser classificado como movimento contrário. Porém, como o termo ‘inversão’ é quase
universalmente aceito para designar o movimento contrário, esta utilização será geralmente mantida em nossa
análise.
Uma reversão, então, é uma transformação na qual a última nota de uma estrutura é utilizada como o
início de outra, seguida pela penúltima nota, e assim por diante, até que a primeira nota seja alcançada. De modo
interessante, entretanto, este processo pode não diferir do movimento contrário, desde que aplicado somente a
estruturas que consistem de escalas em graus conjuntos e acordes. Por exemplo, as partículas dadas abaixo em a
iriam aparecer, tanto em movimento contrário como em reversão, nas formas apresentadas em b:
Porém, assim que estruturas menos uniformes são concebidas, torna-se inteiramente diferente. Por
exemplo, a estrutura apresentada abaixo como a poderia aparecer em movimento contrário como visto em b e
em reversão como aparece em c:
51
contrapontístico, repetindo literalmente uma estrutura dada na direção oposta (cf. exemplo na
nota de rodapé). Em contraste a isto, a idéia de inversão em uma obra de Beethoven pode
produzir uma nova estrutura – uma estrutura realizada por meio de algumas variantes da
inversão literal. O compositor efetua estas mudanças livremente, de modo que elas pareçam
se ajustar à parte da composição na qual deseja incluir a estrutura invertida.
No Rondó em Sol Maior de Beethoven (‘Avidez Pelo Níquel Perdido’) dois dos temas
principais aparecem da seguinte forma:
Ex. 4.1
Não pode haver dúvida de que o tema b foi concebido como uma inversão do tema a.
Ambos os temas consistem de duas metades simétricas que, em sua essência, repetem uma à
outra. Cada primeira metade contém duas partículas motívicas (marcadas com I e II).
A partícula I, no primeiro tema uma tríade ascendente (a), aparece no segundo tema
como uma tríade descendente (b); enquanto que a partícula II, que no primeiro tema forma
uma quarta descendente (c), torna-se, no segundo tema, uma quarta ascendente (d):
Assim, quando os motivos são de natureza curta e sem complicação, às vezes não se diferenciam
reversões, movimentos contrários e inversões.
52
Ex. 4.2
Com relação ao material básico, portanto, a clara existência de uma inversão não pode
ser questionada. Contudo, em sua aparência externa, como expressões musicais, os dois temas
são francamente diferentes, principalmente porque o primeiro tema possui figurações
características que faltam ao segundo tema. Além disso, no primeiro tema, a partícula I é
repetida literalmente (a no exemplo seguinte), enquanto que no segundo tema a repetição é
transposta (b):
Ex. 4.3
Ex. 4.4
Ex. 4.5
Vimos que o compasso inicial da Rapsódia II (marcado com Ia) não tem um compasso
correspondente na Rapsódia I. Esta ‘omissão’, porém, é equilibrada no final do tema da
Rapsódia I por um compasso adicional (marcado com Ia), o qual, por sua vez, também não
possui compasso correspondente na Rapsódia II. Além disso, da mesma forma que o motivo
Ia é aproximadamente uma transposição de I, o motivo IIa é somente uma transposição de II.
Desnecessário dizer, aqui o compositor certamente não construiu esta simetria
‘geometricamente’. Um impulso musical deve ter-lhe dito que uma inversão iria satisfazer sua
visão do tema da Rapsódia II. Ele, então, trabalhou musical e estruturalmente em sua forma
final.
54
Nos voltamos a um aspecto novo e particular. Este se origina do fato de que, além
destas inversões, movimentos contrários e reversões, os clássicos introduziram um dispositivo
adicional nunca antes mencionado em qualquer livro texto – um procedimento que, embora
relacionado de alguma forma a estas inversões e reversões, é diferente destas. Consiste em
mudar a ordem das notas de uma estrutura temática de forma a produzir uma nova estrutura.
Visto que a teoria corrente é tão inconsciente deste tipo de transformação que nem mesmo
tenha designado um nome para isto, somos compelidos a inventar um novo termo e podemos
chamar este procedimento de interversão25.
As composições clássicas em geral, e as últimas obras de Beethoven em particular,
estão cheias destas interversões. O movimento inicial (Adagio) do Quarteto, Op. 131, em Dó#
Menor de Beethoven, por exemplo, inicia com uma configuração (a, no exemplo abaixo) que
no último movimento (Allegro) aparece transformada como b:
Ex. 4.6
As segundas partes destes temas (marcadas com II) formam, entre si, claras inversões.
Porém, se olharmos para as primeiras quatro notas (marcadas com I),
Ex. 4.7
devemos admitir que não é nem inversão, nem movimento contrário, nem qualquer um dos
procedimentos conhecidos. Contudo, nenhuma mente musical que descubra estas duas figuras
como sendo os temas principais de uma obra duvidaria que existe uma afinidade entre ambas.
Conseqüentemente, devemos adicionar estas ‘interversões’ à lista dos recursos estruturais de
transformação temática.
Além do que, esta concepção de afinidade entre os dois movimentos é, como em todas
as obras de Beethoven, confirmada pelos outros movimentos, que fornecem outros exemplos
de interversões características. O ritmo pulsante do quinto movimento, Presto, que em caráter
parece um mundo distante da melancolia do Adagio inicial, revela-se, em um exame mais
detalhado, como sendo gerado pela mesma raiz. Isto é provado pelo seguinte exemplo, no
qual o tema do Presto é citado em transposição (a). Ao compararmos o contorno (b) deste
tema com o tema do primeiro movimento (c), a analogia torna-se evidente:
25
Atualmente, o vocábulo ‘interversão’ é pouco utilizado, sendo preferível o termo ‘permutação’ (N. do T.).
55
Ex. 4.8
Ex. 4.9
A mesma idéia estrutural que aparece nestas interversões vêm à luz em uma escala
intensificada quando, como ocorre algumas vezes, não somente as notas isoladas de um
motivo, mas partes inteiras de temas são alternadas e fundidas para criar um novo tema.
Novamente exemplos particularmente impressionantes podem ser escolhidos do misticismo
estrutural de um dos últimos quartetos de Beethoven, o Opus 130.
Os três temas de seu primeiro movimento: (a) o tema do Adagio, (b) o tema do Allegro
e (c) o segundo tema do Allegro, aparecem da seguinte maneira:
56
Ex. 4.10
O segundo tema do Allegro (c, no exemplo acima) não é outra coisa que uma
reiteração ritmicamente modificada do seu primeiro tema (b). Entretanto, este é somente o
início do segundo tema. Sua configuração completa (dividida entre violoncelo e violino) está
citada no exemplo 4.11a. Ao examiná-lo detalhadamente, percebemos que não somente o
primeiro tema do Allegro, como também o tema do Adagio (citado em transposição no
exemplo 4.11b) torna-se audível no curso do segundo tema.
Ex. 4.11
Outro modo pelo qual uma configuração temática pode ser transformada em uma nova
apresentação é modificando seu tempo, ritmo ou acentuação.
Naturalmente, uma mudança de tempo foi um recurso já em uso abundante no período
contrapontístico, formando as chamadas ‘aumentações’ (que é um alargamento do tempo) ou
‘diminuições’ (aceleração do tempo). O fato de que existe diferença entre tal aumentação no
estilo contrapontístico e uma transformação representando a mesma idéia na técnica temática
pode ser demonstrado no seguinte exemplo da Sonata em Sol Maior, Op. 14, N.º 2, de
Beethoven. Nesta obra, deve ter ocorrido ao compositor formar o tema do segundo
movimento, o andante, como uma variante mais lenta da figura inicial do primeiro
movimento, ou, para ser preciso, da interversão desta figura. Esta aparece como:
Ex. 4.12
Visto que para ser a base para um tema esta figura parece ser muito curta, o
compositor a prolonga repetindo duas de suas notas:
Ex. 4.13
Omitindo a primeira nota, por ser idêntica à segunda, a inversão (transposta) desta
frase, dada como a no próximo exemplo, é, com alguma licença melódica, o tema do segundo
movimento (b), se o tempo for muito diminuído.
Ex. 4.14
Chocados, alguns leitores poderiam, talvez, observar: “Não seria mera coincidência?
O plano estrutural está realmente incluído aqui?” Entretanto, se ampliarmos a comparação em
direção à continuação desta configuração, todas as dúvidas deverão desaparecer. Pois no
primeiro movimento, após algumas repetições da figura inicial citada acima, segue-se um
grupo (exemplo 4.15b) com o qual o exemplo 4.15a do segundo movimento forma claramente
a estrutura correspondente:
58
Ex. 4.15
Se o grupo b do exemplo acima for escrito em um tempo quatro vezes mais rápido,
Ex. 4.16
percebemos que, com exceção das primeiras notas, é idêntico ao grupo do Allegro anterior
(Ex. 4.15a), literalmente idêntico em seus mínimos detalhes. Ora, duas afinidades
surpreendentes como estas em sucessão, ambas com base na mesma mudança de tempo, são
coincidentes demais para terem sido realizadas ao acaso. Os grupos do Andante são, de fato,
‘aumentações’, inicialmente da inversão do grupo do Allegro, posteriormente de sua forma
direta.
Não menos incisivas do que as mudanças de tempo são as alterações rítmicas. É
interessante como mesmo uma frase curta pode, através de uma pequena mudança de acento
ou ritmo, assumir uma aparência geral inteiramente diferente.
A introdução Grave da Sonata Op. 13, chamada ‘Patética’, de Beethoven, inicia com
a estrutura dada abaixo como a, seguida por sua transposição (b), e, posteriormente, por uma
versão em modo maior (c):
Ex. 4.17
Ex. 4.18
E aqui pode-se pensar, à primeira vista, que a cena mudou e isto é algo novo. Na
realidade, contudo, estas são ainda as mesmas frases melódicas, com o ritmo e acento
meramente modificados.
Se for escrito sem ritmo ou repetições rítmicas, a estrutura inicial da sonata (exemplo
4.17a) e a estrutura citada como exemplo 4.18a são idênticas. O fato de que o ouvido está
inclinado a ignorar a identidade, a menos que a atenção esteja voltada para este aspecto, deve-
se simplesmente à mudança de ritmo. Isto deve-se especialmente ao fato de que a última nota
da frase inicial está no tempo fraco, enquanto que na segunda versão está no tempo forte.
Assim, a frase seguinte (exemplo 4.18b) não necessita de maiores comentários. Sem
levar em conta seu ritmo estendido e sua acentuação inteiramente diferente, volta a ser mais
uma vez, em seu percurso melódico, a abertura da sonata (com uma nota cromática incluída).
O procedimento de mudança de acentuação foi demonstrado deliberadamente em uma frase
motívica curta, e não em um tema completo, porque sua natureza poderia ser assim descrita
mais transparentemente. Além disso, como logo será reconhecido, tais mudanças rítmicas de
pequenas partículas temáticas elevaram-se a uma função soberana na música dos clássicos
tardios, particularmente em Brahms.
O mecanismo da técnica orquestral de Brahms é amplamente baseado nesta arte de
remover partículas de um tema, modificando seu tempo e ritmo, integrando-as e ligando-as a
outros temas. Brahms, quase que regularmente, delineia as partes secundárias com as quais
cria o acompanhamento para os segundos temas de suas sinfonias com figurações que são
partículas diferentemente acentuadas do primeiro tema da mesma obra.
Podemos seguir o início do processo temático da Segunda Sinfonia de Brahms um
pouco mais detalhadamente do que seria necessário neste ponto específico, visto que com isto
não somente será ampliada nossa lista de transformações rítmicas, como também nossa
compreensão do plano compositivo de uma sinfonia inteira será enriquecido.
A sinfonia inicia com a seguinte estrutura:
Ex. 4.19
Conforme pode ser visto pelas chaves, este grupo é construído com base em duas
figuras motívicas (I e II). Este primeiro grupo é seguido por outro,
Ex. 4.20
60
que representa uma reiteração levemente variada dos últimos três compassos do grupo
precedente. Os dois grupos juntos (exemplo 4.19 mais exemplo 4.20) formam a primeira
metade do período inicial. Na construção deste tema, um recurso encantador genuinamente
brahmsiano torna-se aparente; durante o último compasso do primeiro grupo supracitado, um
baixo correspondente ao compasso inicial do mesmo grupo está soando, representando o
início do grupo seguinte. Através deste artifício, a conexão entre os dois grupos torna-se mais
íntima, produzindo dois grupos sobrepostos simetricamente, cada um com cinco compassos
(A e B):
Ex. 4.21
Esta parte, formando a primeira metade do tema completo, é seguida por uma metade
que lhe é correspondente (prolongada), e que novamente principia no baixo durante o último
compasso da primeira metade (indicada como Aa no exemplo acima). Além disso, durante os
últimos compassos do período inicial começa um novo grupo (novamente construído a partir
dos motivos de abertura), desta vez pelos violinos; este grupo de ligação leva à tônica Ré,
tocada em pianíssimo pelos tímpanos. Deste ponto em diante, a conclusão da primeira parte
inteira compreende:
Ex. 4.22
Os dois últimos compassos são utilizados para começar um novo tema – e aqui inicia o
principal ponto de nossa demonstração. Pode-se conjeturar que este novo tema seja o segundo
campo temático. Entretanto, conforme prova toda a trajetória do movimento, este tema, de
acordo com tudo o que este termo implica, ainda não pode ser classificado como sendo o
segundo tema, mas forma um novo grupo dentro da primeira seção temática. Assim sendo, é
notável e extremamente impressionante, do ponto de vista da arquitetura, que um exame deste
‘tema intermediário’ revela, desde que o plano estrutural seja levado em conta, que este tema
se encontre precisamente entre o primeiro e o segundo temas. Este tema intermediário
apresenta, justamente, uma semelhança espantosa tanto com o primeiro tema, por um lado,
quanto com o segundo tema, por outro.
Vamos testar a validade desta afirmação. Este novo tema (intermediário) apresenta-se
da seguinte maneira:
61
Ex. 4.23
Tomando-se a segunda metade (marcada com II) deste tema, uma simples comparação
demonstra que sua estrutura é formada por um tipo de réplica do primeiro tema.
Ex. 4.24
A analogia entre estes dois temas não pode estar equivocada. O motivo a é transposto,
enquanto os motivos b e c aparecem em sua altura original; o motivo b é simplesmente
expandido no novo tema por meio de uma figuração.
Entretanto, de forma surpreendente, o segundo tema é quase um espelho da primeira
metade do novo tema (marcado com I no exemplo 4.23):
Ex. 4.25
resumir, podemos dizer: o segundo tema é acompanhado por partes do primeiro. E, olhando
este acompanhamento mais detalhadamente, também se revela um espantoso campo de
transformações por meio de variedade rítmica:
Ex. 4.26
Ao conectar diferentes vozes (conforme indicado pelos colchetes) uma coleção inteira
de versões ritmicamente diferenciadas do motivo II, sucedendo, ou mesmo superpondo umas
a outras, torna-se audível.
Esta técnica foi zelosamente tomada e inclusive ampliada pelos compositores
modernos. Como ilustração, podemos pegar exemplos do Quarteto de Cordas N.º 4 de Béla
Bartók. Antes de nos referirmos, entretanto, aos processos específicos em questão aqui (mais
uma vez aquelas mudanças de ritmo e acento), antes devemos desenhar, em um breve esboço,
uma parte da pintura temática do quarteto. Pode nos dar uma concepção mais lúcida para
iniciarmos, se partirmos do Finale, seu quinto movimento.
O Finale inicia com um grupo introdutório que é, virtualmente, a repetição de uma
harmonia prolongada por onze compassos, após à qual se transforma em uma típica figura de
acompanhamento (c. 12 e seguintes):
Ex. 4.27
Ë significante observar que, com exceção da nota ornamental (Láb), as notas que
fazem parte da figura de acompanhamento são as mesmas que formam os acordes do grupo
introdutório precedente. Então, após poucos compassos, um tema emerge acima da figura de
acompanhamento, a qual permanece durante todo o tema (exemplo 4.28). Também a linha
melódica do próprio tema é construída com base nas mesmas notas dos acordes do grupo
63
introdutório (com a mera introdução de um acidente). Todo este processo é uma ilustração
instrutiva de como, na técnica temática, até mesmo a esfera harmônica é, em geral, permeada
pelo princípio temático. Estas harmonias são, claramente, expressões da idéia temática do
movimento comprimida em acordes.
O tema é o seguinte:
Ex. 4.28
Como podemos ver, este tema constitui-se de quatro grupos (sempre interrompidos por
alguns compassos de acompanhamento), dos quais o segundo grupo (marcado com Ia) é uma
inversão do primeiro (marcado com I), enquanto que o quarto grupo (Ia) é uma inversão
(transposta) do terceiro (II). Todos os grupos são construídos a partir da mesma essência
motívica. No entanto, os guapos I e Ia (exemplo 4.29a) se caracterizam por uma quinta
diminuta, enquanto que os grupos II e IIa (exemplo 4.29b), são compostos por uma oitava
diminuta (às vezes escrita como sétima maior):
Ex. 4.29
64
Deste ponto, podemos voltar ao primeiro movimento. Este inicia com uma introdução
de quinze compassos, após a qual entra o grupo de temas. No exemplo a seguir, colocamos
somente as vozes decisivas tematicamente, para deixar a idéia mais transparente:
Ex. 4.30
Ex. 4.31
em um ritmo claro e direto. Não obstante, na passagem final deste movimento, o jogo de
alterações de acentuação e ritmo é também retomado para levar ao clímax:
Ex. 4.32
Contudo, uma pintura como esta, embora tenha representado na época em que foi
escrita um ápice de refinamento e estruturação audaciosa, tornou-se hoje uma questão de
rotina. Os nossos jovens compositores talentosos freqüentemente demonstram notável
habilidade nesta técnica de detalhamento motívico, através da qual as diversas partes de suas
partituras adquirem a atraente aparência de um bordado temático altamente elaborado. No
entanto, tais aspectos são menos freqüentemente combinados com uma compreensão similar
da formação temática em larga escala – técnica e função pelas quais estas conexões, relações
e transformações constróem o todo arquitetônico de uma obra musical.
Considerando-se que uma das partículas motívicas básicas a partir da qual os temas de
uma obra são construídos seria:
Ex. 4.33
66
Ex. 4.34
A primeira representa uma ‘rarefação’ do original, enquanto que a segunda pode ser
chamada de uma versão ‘preenchida’.
Estes exemplos, a propósito, não são exemplos fictícios ou abstratos, mas indicam
literalmente a pintura motívica da Terceira Sinfonia de Beethoven. O início de cada um dos
três primeiros movimentos apresenta:
Ex. 4.35
Todos os outros temas desta obra contém, da mesma forma, proeminentes variantes da
mesma figura motívica:
Ex. 4.36
O segundo tema do Finale, por exemplo (a, no exemplo acima), é uma interversão do
original, enquanto que o segundo tema do primeiro movimento (b) combina uma inversão
‘rarefeita’ com uma inversão ‘preenchida’. Mesmo o início de toda a obra, os famosos
acordes com os quais o Adagio introdutório inicia (c, no exemplo anterior), são também
manifestações do mesmo motivo comprimido em acordes26. A mesma idéia é expressa de um
modo mais delicado no tema do Trio do Minueto (d).
Assim, ainda falta o primeiro tema do último movimento, do qual, no entanto,
meramente seu início,
26
Esta abertura com uma ‘dissonância’ salientou-se na época de Beethoven, questionada como sendo um
aspecto revolucionário. Muito mais revolucionário, contudo, do que esta ‘meiga’ dominante com sétima, era a
idéia, então nova, de expressar motivos, ou seja, o pensamento temático, através da harmonia.
67
Ex. 4.37
é formado pelo motivo familiar, enquanto que o curso principal do tema do Finale não está
centrado neste motivo, mas é derivado de outra estrutura motívica do primeiro grupo do
Allegro – do qual o tema do Finale é, de fato, uma reversão:
Ex. 4.38
Ex. 4.39
Ex. 4.40
são, em seu curso concreto, literalmente idênticas. Contudo, cada uma delas expressa, em
caráter e afeto, algo inteiramente diferente, principalmente porque a segunda nota, que na
primeira versão é a menos acentuada, torna-se um tempo forte na segunda versão.
Naturalmente, a mudança de andamento de Allegro para Andante também cumpre uma função
importante.
Assim, havendo destacado a prevalência deste pequeno motivo básico em todos os
temas da sinfonia, parece ser somente uma conseqüência natural que as tonalidades de seus
movimentos expressem a mesma idéia. De fato, as tonalidades da Primeira Sinfonia de
Beethoven são: Dó, Fá, Dó, Dó.
Naturalmente, nossos últimos exemplos referem-se mais a partículas motívicas do que
a estruturas temáticas concretas. Porém, em todas estas relações, há uma total intenção
68
Ex. 4.41
O fato de que partes de um tema são utilizadas para criar um novo tema foi
demonstrado em diversos exemplos acima. Algumas vezes, contudo, este processo é realizado
de uma forma peculiar, na qual podemos trabalhar em certo detalhe, já que isto irá enriquecer
nosso discernimento sobre os métodos de formação temática.
Na Sonata Op. 81a, ‘Les Adieux’, de Beethoven, o início da introdução Adagio, o
famoso ‘Lebewohl’, e o início do primeiro tema do Allegro são apresentados da seguinte
forma:
Ex. 4.42
Há alguma relação entre estes temas? Na verdade, as notas Sol, Fá e Mib do primeiro
tema estão estruturadas conforme o percurso melódico da última parte do segundo grupo.
Contudo, se as duas estruturas fossem tocadas para nós independentemente (ou seja, sem nos
ser dito que iniciam duas seções do mesmo movimento), certamente não as consideraríamos
como sendo relacionadas entre si. Deixando de lado todas as diferenças de caráter e fraseado,
poderíamos, mesmo como uma questão de princípio, recusar a aceitar a idéia melódica
expressa por
Ex. 4.43
69
Ex. 4.44
Ex. 4.45
Ex. 4.46
70
É óbvio que este tema é formado como uma imagem perfeita do tema do primeiro
movimento, após ter descartado a sua primeira nota.
Há uma revelação impressionante que deve ser tomada destes exemplos. O ponto de
vista habitual de que as estruturas musicais que formam uma composição são entes firmes e
‘estáticos’, que não podem ser mexidos, não se sustenta como verdadeiro no processo interno
da criação musical. No processo real de criação, figuras e temas não são rígidos, mas estão
em um estado de mudança e flutuação constantes.
Um exemplo ainda mais meticuloso, retirado da sonata Op. 27, N.º 2, de Beethoven, a
chamada ‘Sonata ao Luar’, pode adicionar um testemunho ainda mais convincente a este
respeito. O primeiro tema aparece como:
Ex. 4.47
Este tema, ainda vivo na mente do compositor após a conclusão do movimento, cresce
gradualmente em fluência e velocidade, modifica-se de um ritmo ternário para um ritmo
quaternário. Assim a melodia original, transposta para uma altura superior, inicia:
Ex. 4.48
a qual ainda, apesar da mudança de tempo e ritmo, mantém literalmente o desenho melódico
original. De fato, mesmo algo do ritmo original ecoa como:
Ex. 4.49
Ex. 4.50
que é quase uma estrutura pequena demais para ser um tema. Desta forma, o compositor
finalmente interpola, por assim dizer, o Dó perdido do início no meio da frase. O resultado é:
71
Ex. 4.51
Ex. 4.52
ou seja, pela inserção do Ré# na linha superior do acompanhamento. Este é o ponto onde, de
acordo com nossas explanações precedentes, poderiam ser levantadas objeções. “Não é
permissível de modo algum’, alguém poderia argüir, “inserir o Ré# do acompanhamento na
linha temática do soprano”. Tais objeções poderiam se justificar enquanto se estivesse
levando em conta somente o primeiro movimento. Visto que no tema do Adagio, seu final
deveria indubitavelmente ser escrito como Fá#, Si, Mi, e inserir o Ré# do acompanhamento
não seria apenas uma falsificação, mas completamente anti-musical.
Contudo, no momento em que o movimento é concluído e o compositor busca pelo
segundo e terceiro movimentos (ou, neste caso, mesmo depois que o tema está completo e o
compositor está perto de formar o tema seguinte), todas estas ‘leis’ se tornam inválidas. Pois
neste estágio, o compositor ouve apenas aquilo que soa, e se preocupa muito pouco se aquilo
que circula em sua mente foi escrito no soprano ou no contralto. Ele utiliza as estruturas
emergentes para construir um novo tema, inteiramente de acordo com sua vontade criativa e
livre imaginação.
Que Beethoven desejava formar o tema do movimento seguinte a partir do precedente
– tanto na Sonata ao Luar como em todas as outras obras – é comprovado pela continuação; a
saber, o terceiro movimento. Pois, ao extrairmos de um dos temas do Finale (a no exemplo
seguinte) o seu o contorno melódico (b), e comparando-o com o tema (transposto) do Adagio
(c),
Ex. 4.53
72
a espantosa identidade torna-se tão óbvia que dissipa todas as dúvidas – como se estas fossem
provas quando a estrutura é mais livre.
O último exemplo, do Opus 27, N.º 2 de Beethoven, traz à luz uma espantosa
similaridade interna entre o tema de abertura de seu primeiro movimento e um dos temas
principais do movimento final. Estes dois temas provam, em um exame mais detalhado, serem
quase idênticos, embora sejam, em caráter e aparência externa, elocuções inteiramente
diferentes e, à primeira vista, não pareçam ter nada em comum. Como podemos lembrar, é a
mesma idéia apresentada como sendo o aspecto estrutural salientado em inúmeros exemplos
anteriores. Por esta razão, poderia ser valioso enquanto tentamos chegar ao cerne deste
fenômeno. “O que exatamente”, poderíamos perguntar, “constitui o denominador comum que
liga estes dois temas entre si?”.
A resposta é que a linha melódica de um dos temas é expressa na linha do outro,
embora não seguindo o método melódico concreto anterior, mas indiretamente, por meio da
conexão de algumas de suas notas extremas. Em outras palavras: o tema do Adagio soa a
partir do contorno do tema do Finale.
Tal ‘contorno temático’, repetidamente indicado em nossa demonstração precedente, é
uma das concepções centrais no reino estrutural dos compositores clássicos. Daí, conforme já
foi suficientemente descrito, as estruturas não são repetidas literalmente na técnica temática,
mas são sempre variadas de alguma forma. Este fenômeno de contorno, ou pelo menos um
vestígio dele, tornar-se-á, em um grau maior ou menor, audível em quase toda a
transformação. Desta forma, é demonstrado, em última análise, o arquétipo da metamorfose
temática. Pois seja uma inversão, aumentação, mudança de tempo ou ritmo, ou qualquer outro
recurso especial, de um modo ou de outro a estrutura original irá invariavelmente soar com
base no contorno da estrutura dentro da qual foi transformada, ou vice-versa.
Para ilustrar o princípio geral deste fenômeno, poderíamos, por conseguinte, nos
referir a quase qualquer exemplo de transformação temática. Para nosso propósito imediato,
entretanto, podemos destacar um exemplo específico, um caso no qual a idéia de contorno
vem à tona de uma forma mais direta e concreta. Este é, mais uma vez, um exemplo de
Beethoven; a saber, sua última sonata para piano – a sonata Op. 111.
Esta composição sustenta, em sua grandeza e misticismo, todas as características do
último período, tão discutido, de Beethoven. Em seu plano geral, com seus dois movimentos
tão diferentes, representa uma estrutura particular, senão única, de sonata. O plano dramático
da obra, por assim dizer, parece inteiramente concentrado na paixão e tensão de seu primeiro
movimento, na conclusão do qual tem-se a sensação de que a emoção alcançou seu pico e
nada mais poderia ser adicionado. Conseqüentemente, o segundo movimento – tema com
variações – aparece, inicialmente, mais como um anexo, como se fosse uma canção folclórica
despretensiosa, cantada para acalmar a tempestade quando o verdadeiro drama já foi
concluído. Posteriormente a próprias variações, em renovadas figurações, conduz ao cume de
um mundo transcendente. Em qualquer medida, os dois movimentos parecem tão
contrastantes que dificilmente alguém se sentiria apto a descobrir qualquer ligação estrutural
entre eles. É quase um milagre que o tema do Adagio (exemplo 4.54b) possa revelar uma
similaridade impressionante com o tema do primeiro movimento, o Allegro, apresentado no
exemplo abaixo como c:
73
Ex. 4.54
Ex. 4.55
complementa este esquema de unidade. O início do tema do Adagio – Dó, Mib, Si – aparece
nos três primeiros compassos em interversão – como Mib, Dó, Si (marcado com I), enquanto
que o restante é expresso no decorrer do grupo seguinte (II) (neste exemplo, o Láb é
realmente incluído).
Ex. 4.56
Ex. 4.57
e é evidente que o último não é outra coisa do que uma expressão abreviada do anterior,
transformado para modo maior. Um esquema comparativo torna mais claro:
Ex. 4.58
Ex. 4.59
Ex. 4.60
Ex. 4.61
77
Ex. 4.62
Ex. 4.63
Obviamente, a mágica influência das partículas precedentes, que são as frases iniciais
do tema do Andante e, ao mesmo tempo, uma parte do tema do Allegro, foram tão potentes
que o compositor não poderia evitar de retornar ao próprio tema Allegro em si mesmo.
Entretanto, ele cita este tema, conforme foi visto, em modo maior, dirigido, por assim dizer,
por uma visão subconsciente daquilo que estava por vir. Esta recordação mágica de uma
estrutura do primeiro movimento é seguida, imediatamente, por uma surpresa ainda maior.
Pois agora o solista chega àqueles compassos em estilo de tocata, relembrando o início do
concerto:
Ex. 4.64
A orquestra, por sua vez, responde com a repetição do primeiro compasso, porém
agora em modo menor, na forma original:
78
Ex. 4.65
Novamente o solista segue com a figura em estilo de tocata. Tudo isto tem lugar em
um caráter improvisatório com aspecto de procura. Porém, então, a improvisação está em seu
fim; pela terceira vez, o compasso decisivo soa na orquestra, desta vez novamente em modo
maior; e agora, por meio de um attacca, entra o tema do último movimento.
Como poderia tudo isto ter ocorrido, se o compositor não estivesse consciente de sua
intenção de formar o tema do movimento final como se fosse, por assim dizer, uma segunda
apresentação do tema do primeiro movimento? Inserir alguns compassos da abertura do
concerto, particularmente esta introdução em estilo tocata, no meio do Andante (de caráter
lírico) seria uma idéia sem sentido, infantil, a menos que tivesse o propósito de, por meio
deste recurso, anunciar a retomada do primeiro tema, agora em sua forma transformada,
concentrada, como sendo o tema do último movimento.
Ex. 4.66
deve-se admitir que a similaridade entre as duas linhas melódicas é notável. Se, de alguma
forma, a semelhança passou despercebida, deve-se, indubitavelmente, à formulação
harmônica inteiramente diferente na qual estas linhas melódicas quase idênticas aparecem na
obra.
Pode ser interessante investigar mais especificamente esta diferença. Ignorando o
sentido harmônico, se fôssemos comparar somente as duas linhas melódicas (o tema do
último movimento transposto e o segundo tema do Allegro), diríamos simplesmente que a
linha foi modificada de modo maior para menor pela substituição do Mib pelo Mi natural.
Entretanto, a nova linha, tendo sido supostamente modificada para o modo menor, aparece
79
Ex. 4.67
Comparando este tema com o tema do movimento final (exemplo 4.65a), torna-se
óbvio que o último é, em essência, uma inversão da idéia do tema do último movimento,
embora sua figuração o torne um enunciado diferente.
Ex. 4.68
Porém, agora, devemos nos voltar ao movimento seguinte, o Adagio, onde o mesmo
tema (aqui como a mensagem principal da obra, a ‘Canção do Viajante’) soa, novamente, na
altura de Sol#, embora seja agora harmonizado na tonalidade de Dó#:
Ex. 4.69
Assim, a tonalidade global dos dois primeiros movimentos da Wanderer Fantasie são
Dó e Dó#, o que certamente representa uma relação incomum entre os movimentos no
período clássico. Contudo, esta relação torna-se uma realização orgânica e completamente
natural devido, especialmente, ao fenômeno das alturas temáticas idênticas que liga tão
efetivamente os dois movimentos.
Vamos repetir os procedimentos compositivos que estão envolvidos aqui. O tema de
abertura do Allegro em Dó é retomado como segundo tema do mesmo Allegro em uma nova
altura, centrada melodicamente em Sol#. Este Sol# é tomado como a altura melódica central
no tema do segundo movimento, porém agora na tonalidade de Dó# (exemplo 4.69). Assim, a
altura idêntica (Sol#) que une os dois temas dos diferentes movimentos, é, na realidade, o
vínculo estrutural que liga ambos os movimentos.
O movimento subseqüente, o Scherzo, está em Láb. Seu tema, novamente uma
variante da mesma figura, é o seguinte:
Ex. 4.70
Vimos que, também neste movimento, a nota Sol# (embora escrita enarmonicamente
como Láb) é mantida como a altura unificadora, desta forma, assegurando novamente a
conexão com os movimentos precedentes. Ao mesmo tempo, a tonalidade de Láb (além disso,
com Sol como nota inicial) conduz a obra gradativamente de volta a Dó, tonalidade da qual
foi afastada no Adagio. Porém há, ainda, mais uma característica que coloca este tema do
Scherzo em conexão cerrada com o tema de abertura da obra. As figuras temáticas básicas da
obra aparecem no tema do Scherzo nos compassos 3-4 e 9-10. Aparecem na altura que,
comparada com sua ocorrência no primeiro tema do Allegro, é ‘idêntica’, salvo pela mudança
de acidentes. (Naturalmente o ritmo 4/4 do tema do Allegro é alterado para o ritmo 3/4 do
Scherzo):
81
Ex. 4.71
Poderíamos chamar este traço de ‘alturas idênticas abemoladas’, da mesma forma com
que poderíamos falar de ‘alturas idênticas sustenizadas’28. Estas concepções não são, de
forma alguma, construções analíticas artificiais. No escopo da técnica temática, estas
concepções expressam um procedimento fundamental amplamente utilizado em toda a
literatura musical. Em uma aplicação específica, na mudança de modo de um tema de maior
para menor, ou vice-versa, a existência deste princípio é, obviamente, de conhecimento
comum. Entretanto, da mesma forma que uma terça ou sexta maior podem ser alteradas para
menor sem modificação da essência da estrutura envolvida, outras notas, em geral, também
podem ser alteradas; contudo, o tema no qual estas modificações foram aplicadas
permanecerá intacto. Inúmeros exemplos comprovam a validade deste fato, que pode ser
percorrido historicamente como um princípio inerente de formação estrutural.
Conforme foi demonstrado nos últimos exemplos, tais mudanças de acidentes
combinadas com a manutenção de alturas idênticas produzem efeitos específicos e, em certos
momentos, constituem até mesmo um elemento decisivo na construção da forma. Os
compassos conclusivos do tema inicial do Scherzo da Wanderer Fantasie formam uma
ilustração extremamente notável. Estes compassos são essencialmente idênticos – mesmo nas
notas, salvo por alguns acidentes – com relação aos compassos finais do tema de abertura do
primeiro movimento:
28
Em português, este jogo de palavras não fica preciso devido ao fato de que em nossa língua existe uma
diferença essencial entre os conceitos de nota (note, em inglês) e altura (pitch, em inglês): a nota Dó, por
exemplo, pode ser realizada em várias alturas, ou seja, em qualquer registro de oitava (como Dó1, Dó2, Dó3,
etc.); já a altura é a freqüência precisa em que soa determinada nota. Por esta razão, a expressão ‘mesma altura
abemolada’ soa como um paradoxo, sendo preferível substituí-la por ‘mesma nota abemolada’, ou seja, podem
haver as notas Si e Sib, mas estas são alturas de som diferentes. Foi mantido o jogo de palavras no corpo do
texto para deixar claro o princípio de Réti de que as técnicas de transformação temática por meio de ‘alturas
idênticas’ (identical pitch) e de ‘notas idênticas com alteração’ (identical pitch changed by accidentals)
pertencem a um mesmo campo conceptual [N. do T.].
82
Ex. 4.72
Isto nos leva, para uma consideração final, de volta ao Opus 53 de Beethoven, a
Sonata Waldstein. Pois agora podemos explicar as transformações temáticas dos dois temas
decisivos citados anteriormente de modo mais simples. O primeiro tema do Finale e o
segundo tema do Allegro da Waldstein,
Ex. 4.73
são, na realidade, duas elocuções temáticas de notas idênticas com mudança de acidentes.
Os fenômenos recém descritos, em conexão com vários outros recursos que emergem
de nossa análise precedente, devem ter suscitado uma esfera completa de especulações. Pode-
se imaginar se nossos esquematismos teóricos correntes, dividindo as composições em todos
os tipos de seções, temas, pontes e assim por diante, podem realmente dar conta de tudo o que
constitui a forma musical. Mesmo que estes esquematismos provassem estar certos – ou seja,
se eles mantém alguma semelhança com a realidade das principais práticas compositivas –
podem somente descrever os atributos mais exteriores e efêmeros do processo complexo e
misterioso por meio do qual a ‘forma’ se manifesta na música. Devem haver forças mais
poderosas em jogo, estruturando o conteúdo de uma composição, determinando porque uma
seção segue a outra, influenciando suas proporções e inter-relações, estabelecendo que o todo
não é somente quantitativamente, mas também qualitativamente um efeito diferente do
resultado das partes isoladas.
Ex. 5.1
Lista de motivos
Ex. 5.2
Unidade motívica
Para Réti, cada nota da introdução está incluída no esquema motívico da peça,
conforme indicado no seguinte excerto:
29
In: RÉTI, Rudolph. Thematic patterns in sonatas of Beethoven. New York: Da Capo, 1992.
85
Ex. 5.3
O primeiro tema do Allegro é construído com base nas notas extremas do Grave em
combinação com o motivo de conclusão:
86
Ex. 5.4
Ex. 5.5
Ex. 5.6
Ex. 5.7
levemente modificado
A construção motívica
A construção motívica do primeiro tema do Allegro pode ser resumida nos seguinte
exemplos:
88
Ex. 5.8
O motivo melódico
Ex. 5.9
89
Ex. 5.10
O padrão temático
O esquema motívico do tema da terceira seção pode ser sintetizado da seguinte forma:
Ex. 5.11
Ex. 5.12
Ex. 5.13
Ex. 5.14
91
Ex. 5.15
Ex. 5.16
Ex. 5.17
Ex. 5.18
92
O contorno temático geral do desenvolvimento pode ser reduzido à sua unidade estrutural se
Pilares arquitetônicos
Ex. 5.20
Os compassos iniciais do Adagio são gerados a partir da primeira frase do Grave, por
meio da combinação entre a célula básica e o motivo de conclusão:
93
Ex. 5.21
Ex. 5.22
Ex. 5.23
94
Ex. 5.24
Ex. 5.25
Ex. 5.26
95
A ligação estrutural entre o Rondó e os movimentos precedentes não tem por base
somente o ‘padrão’ motívico-temático. Naturalmente, o padrão motívico como tal produz a
derivação do tema do Rondó a partir do material do Grave, porém há outras ligações
específicas do Rondó com relação aos outros movimentos:
As três notas iniciais são uma transposição do início do segundo tema do Allegro:
Ex. 5.27
Outra conexão entre estes dois temas aparece se reconhecermos que o contorno
seguinte é derivado do mordente característico do segundo tema do Allegro:
Ex. 5.28
Assim, vemos uma repetição deste padrão como sendo um dos elementos motívicos do
primeiro tema do Rondó:
Ex. 5.29
Ex. 5.30
96
Ex. 5.31
Ex. 5.32
Ex. 5.33
Para Réti, a ‘história’ da Sonata Patética pode ser resumida nos dois acordes
seguintes:
Ex. 5.35
Uma passagem conclusiva finaliza a peça. Neste trecho de um compasso e meio, estão
incluídos todos os elementos básicos da sonata: a célula básica, o motivo de conclusão, o
motivo melódico, os intervalos de 4ªJ e 5ªJ, um conflito entre estes intervalos e as terças, além
do motivo do Rondó:
Ex. 5.36
98
6. BIBLIOGRAFIA GERAL