Você está na página 1de 103

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

ANÁLISE MUSICAL III

APOSTILA

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS


***
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

ANÁLISE MUSICAL III


[ART 03165]

– APOSTILA –

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

Porto Alegre, agosto de 2006


***
SUMÁRIO

1. ANÁLISE SCHENKERIANA ............................................................................................... 1


1.1. Análise de J. S. Bach por Heinrich Schenker..................................................................1
1.2. Terminologia da análise schenkeriana.............................................................................5
1.3. Análise de Debussy e Brahms por Felix Salzer.............................................................12
1.4. Bibliografia sobre análise schenkeriana ........................................................................17
2. FORMA SONATA...............................................................................................................18
2.1. Considerações sobre a forma sonata por Nicholas Cook .............................................. 18
2.1.1. Algumas questões para a análise de música em forma sonata ...............................18
2.1.2. Análise da Sinfonia N.º 5 de Beethoven por Cook................................................. 18
2.2. As formas de sonata conforme Charles Rosen .............................................................. 25
2.3. Análise gráfica do Quarteto de Cordas KV 465, de Mozart ......................................... 29
3. O CONCEITO DE VARIAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO .......................................... 32
3.1. Definição ....................................................................................................................... 32
3.2. O conceito conforme elaborado por Schoenberg ..........................................................33
3.3. A contribuição de Walter Frisch....................................................................................34
3.4. A análise da Terceira Sinfonia de Brahms, por Walter Frisch...................................... 36
3.5. Bibliografia sobre variação em desenvolvimento ......................................................... 48
4. O PROCESSO TEMÁTICO NA MÚSICA ......................................................................... 49
4.1. Várias categorias de transformação...................................................................................49
4.1.1. Inversões, reversões, interversões ..............................................................................50
4.1.2. Mudança de tempo, ritmo, acento ..............................................................................57
4.1.3. Rarefação, preenchimento de estruturas temáticas..................................................... 65
4.1.4. Supressão de partes temáticas ....................................................................................68
4.1.5. A concepção de um contorno temático ......................................................................72
4.1.6. Compressão temática.................................................................................................. 73
4.1.7. Mudança de harmonia ................................................................................................ 78
4.1.8. Altura idêntica e mudança de acidentes .....................................................................79
4.2. Bibliografia sobre processo temático ............................................................................83
5. A ANÁLISE DA SONATA PATÉTICA DE BEETHOVEN POR RÉTI..............................84
5.1. Primeiro movimento – Allegro......................................................................................84
5.1.1. Introdução - Grave.................................................................................................. 84
5.1.2. A seção do primeiro tema do Allegro.....................................................................85
5.1.3. A seção do segundo tema do Allegro ..................................................................... 88
5.1.4. A terceira seção do Allegro e a repetição do primeiro tema ..................................89
5.1.5. Desenvolvimento e recapitulação...........................................................................91
5.2. O segundo movimento – Adagio ................................................................................... 92
5.2.1. O motivo específico do Adagio .............................................................................. 92
5.2.2. O padrão do Adagio................................................................................................ 93
5.2.3. A arquitetura das tonalidades .................................................................................93
5.3. O terceiro movimento – Rondó ..................................................................................... 94
5.3.1. O padrão temático do Rondó .................................................................................. 94
5.3.2. As estruturas temáticas entrelaçadas no tema do Rondó........................................ 95
5.3.3. O motivo do Rondó ................................................................................................ 95
5.3.4. Intervalos extremos ................................................................................................96
5.3.5. A arquitetura das tonalidades .................................................................................96
5.4. A história da Patética em dois acordes ......................................................................... 97
6. BIBLIOGRAFIA GERAL....................................................................................................98
***
1
1. ANÁLISE SCHENKERIANA1

1.1. Análise de J. S. Bach por Heinrich Schenker

1
In: SCHENKER, Heinrich. Five graphic analyses. New York, Dover, 1969.
2
3
4
5
1.2. Terminologia da análise schenkeriana

Abwärts (Abw.) descendente.


Anstieg preparação; movimento preparatório. Na análise schenkeriana, é o método de
prolongamento que consiste de um movimento ascendente preliminar de uma nota
pertencente à tríade de tônica em direção à primeira nota da linha fundamental (v. Urlinie).
Visto que o movimento ascendente é somente uma preparação para a linha fundamental, e não
faz parte dela, não necessita ser diatônico, nem movimentar-se por grau conjunto.

Aufwärts (Aufw.) ascendente.


Ausfaltung (Ausf.) desdobramento horizontal de intervalos. É um método de
prolongação (v. Dehnung) no qual vozes diferentes são combinadas em uma linha única (v.
Übergreifen).

Ausführung realização. Termo utilizado geralmente para designar a elaboração do


plano de composição de uma obra ou de determinada passagem musical, podendo ser tanto os
esboços do próprio compositor quanto a redução efetivada pelo analista. A realização foi
considerada por Schenker como o último estágio do processo compositivo.
Auskomponierung, desdobramento; elaboração. Termo utilizado por Schenker para
descrever a articulação e a elaboração da base estrutural de uma peça tonal, ou seja, sua tríade
de tônica. A peça pode ser considerada como o resultado do desdobramento deste acorde. O
primeiro passo neste processo resulta na estrutura fundamental (v. Ursatz), na qual a voz
superior, ou linha fundamental (v. Urlinie), é composta sobre o arpejamento do baixo (v.
Bassbrechung). O desdobramento é alcançado no próximo nível estrutural (v. Schicht) por
meio da aplicação de vários métodos de prolongação (v. Dehnung).
Auswicklung desdobramento gradual de intervalos.
Bassbrechung baixo quebrado, arpejamento

do baixo. É o movimento que ocorre na voz mais grave do plano contrapontístico básico da
peça (v. Ursatz), consistindo do movimento que parte da tônica em direção à dominante e
retorna à tônica (I -V - I), representando o suporte de toda a progressão harmônica de uma
obra tonal.
6

Brechung arpejamento (de um acorde ou intervalo).

Dehnung prolongação. É a construção do material de uma peça tonal por meio da


elaboração linear de sua estrutura fundamental (v. Ursatz). Os métodos de prolongação
podem ser aplicados tanto à parte superior ou ao baixo, quanto a alguma das vozes
intermediárias elevando-se a partir dos primeiros estágios de desdobramento (v.
Auskomponierung). Estes métodos podem também ligar uma voz intermediária a uma voz
externa, ou as vozes externas entre si. Os métodos mais comuns de prolongação são:
7
interrupção (v. Unterbrechung), transferência de registro (v. Höherlegung; Tieferlegung),
progressão linear (v. Zug) e arpejamento (v. Brechung; Bassbrechung).

Durchgang nota de passagem, movimento de passagem.


Hintergrund plano de fundo; estrutura básica. É o ponto de partida de uma peça
musical, sendo representado pela estrutura fundamental (v. Ursatz). Compreende o
movimento descendente em direção à nota fundamental da tríade de tônica, na linha
fundamental (v. Urlinie), com o suporte da progressão harmônica partindo da tônica em
direção à dominante e retornando à tônica (I -V - I), no arpejamento do baixo (v.
Bassbrechung).
Höherlegung transferência de registro para cima. É a transferência de registro de
uma linha para uma ou várias oitavas acima, tanto por salto direto como por conexão com
outras vozes por meio de algum método de prolongação (v. Dehnung). A transferência de
registro é geralmente utilizada para separar as seções de uma peça musical.

Koppelung (Kopp.) acoplamento. Na análise schenkeriana, um método de


prolongação (v. Dehnung) que envolve a ligação entre dois registros de altura separados entre
si por uma ou mais oitavas. Os registros não soam simultaneamente, mas são ‘acoplados’ pelo
movimento de um em direção ao outro, retornando novamente. Em um primeiro nível
estrutural (v. Schicht), o acoplamento reforça o movimento no registro obrigatório (v.
Obligate Lage) tanto da linha superior, quanto (mesmo que raramente) do baixo da estrutura
fundamental (v. Ursatz). O acoplamento da linha superior é ilustrado por Schenker na análise
do Prelúdio 1, do primeiro livro de O Cravo Bem Temperado. Em níveis estruturais
posteriores, ou seja, em direção ao primeiro plano (v. Vordergrund) , o acoplamento permite
8
ao compositor abandonar um determinado registro enquanto alguma outra função é
preenchida em algum ponto.
Kopp. abw. transferência de registro de altura para baixo.
Kopp. aufw. transferência de registro de altura para cima.
Mittelgrund (Mtg.) plano intermediário. É a camada que aparece entre o primeiro
plano (v. Vordergrund) e o plano de fundo (v. Hintergrund). O plano intermediário pode ser
construído por um ou vários níveis estruturais (v. Schicht), que são geralmente numeradas no
gráfico: “1. Schicht” (primeira camada), “2. Schicht” (segunda camada), etc. O número de
camadas que aparecem no nível intermediário depende da complexidade da peça e da
quantidade de detalhes indicados na análise.
Nebennote (Nbn.) bordadura.
Oberdezimen intervalo de décima sobre o baixo.
Obligate Lage registro obrigatório. É o registro no qual a linha fundamental (v.
Urlinie) realiza seu movimento descendente em direção à tônica, partindo da 3ª, da 5ª ou da 8ª
superior. Às vezes o termo é também aplicado à parte inferior da estrutura fundamental (v.
Ursatz), o arpejamento do baixo (v. Bassbrechung). O conceito de registro obrigatório é
geralmente utilizado por Schenker em conexão com um princípio geral que liga toda a
elaboração básica (v. Dehnung) da linha fundamental e do arpejamento do baixo ao registro
habitual onde estes se desdobram, assim como qualquer prolongação (v. Dehnung)
subseqüente ou secundária em direção ao respectivo registro de onde são derivados. As
técnicas mais freqüentemente encontradas de ‘libertação’ da linha fundamental e do
arpejamento do baixo de seu registro obrigatório são: transferência de registro (v.
Höherlegung; Tieferlegung), acoplamento de registros (v. Koppelung).

Quartzug progressão linear através de um intervalo de quarta.


Quintzug progressão linear através de um intervalo de quinta.
Redução O termo é utilizado em análise schenkeriana para descrever o processo pelo
qual uma peça musical é compreendida em estruturas cada vez mais simples, representadas
por diversas camadas (ou níveis estruturais, v. Schicht): uma peça é inicialmente reduzida ao
seu primeiro plano (v. Vordergrund), logo passando ao plano intermediário (v. Mittelgrund),
completando-se a análise no plano de fundo (v. Hintergrund). Para a corrente de análise
schenkeriana, o analista estaria perfazendo o caminho inverso ao do compositor por meio do
processo de redução, isto é, parte da música aparente na partitura em direção à sua estrutura
fundamental (v. Ursatz), enquanto que o compositor parte de uma estrutura básica em direção
à partitura final.
9
Schicht nível estrutural, camada. Na análise schenkeriana, uma das representações
polifônicas de uma peça ou movimento tonal na qual somente alguns dos conteúdos
harmônicos e/ou contrapontísticos são dados. Os níveis estruturais são hierárquicos, assim
cada camada inclui e elabora os elementos existentes na camada anterior até alcançar a
camada final - representada pela própria partitura da peça. (v. Hintergrund, Mittelgrund e
Vordergrund).
Stufe grau. É um acorde ou passagem harmônica com importância estrutural, o grau
da escala de onde a harmonia se origina; o termo grau é utilizado na análise schenkeriana
para diferenciar a harmonia básica de acordes com importância secundária. Os graus são
organizados em diversos níveis estruturais (v. Schicht) como desdobramentos (v.
Auskomponierung) de uma mesma tonalidade, assim como podem ser expandidos em
diferentes regiões harmônicas. Esta abordagem sobre tonalidade e modulação pode tanto ser
aplicada a obras de longa duração como a peças curtas.

Takt (T) compasso.


Teiler (Tl.) divisor (de um acorde de V grau). Schenker utiliza esta expressão para
designar acordes de V grau com várias funções. É geralmente utilizada para identificar a
dominante que precede uma interrupção (v. Unterbrechung). Às vezes, contudo, pode indicar
acordes de V grau que prolongam o campo harmônico de tônica. Desta forma, o termo Teiler
é utilizado para acordes de V grau em diversos níveis estruturais.
Tieferlegung transferência de registro para baixo. É a transferência de uma linha
para baixo, à distância de uma ou mais oitavas, que pode ocorrer tanto por salto direto como
por qualquer outro método de prolongação (v. Dehnung).

Übergreifen extensão. É um método de prolongação (v. Dehnung) no qual duas vozes


simultâneas são disposta em sucessão pela justaposição de duas ou mais linhas descendentes,
10
de tal forma que a linha resultante aparece como um salto de uma das vozes intermediárias
para outra voz mais aguda (v. Übergreifzug).

Übergreifzug É o modo como se chama cada uma das linhas de uma extensão (v.
Übergreifen).
Unterbrechung interrupção. Indicado no gráfico por barra dupla ( || ). É o método
principal de prolongação (v. Dehnung) aplicado à estrutura fundamental (v. Ursatz) de uma
peça tonal, alcançado pela interrupção de sua progressão após a primeira chagada na
dominante. A interrupção requer o retorno ao ponto de partida da estrutura fundamental. A
dominante que precede imediatamente a interrupção chama-se divisor (v. Teiler). Como um
método de prolongação (v. Dehnung), a interrupção tem importância fundamental na forma
musical, pois proporciona a base estrutural para a separação em partes de peças em forma
binária, ternária e rondó, assim como a extensão da forma sonata em direção ao
desenvolvimento (sendo que o retorno ao ponto inicial da estrutura fundamental corresponde
ao início da reexposição).

Untergreifen pegar por baixo; movimento ascendente de voz intermediária em


direção à voz superior. É um método de prolongação (v. Dehnung) no qual o movimento da
voz superior é temporariamente suspenso para dar lugar ao movimento de uma voz
intermediária, que se completa em sentido ascendente (v. Untergreifzug) em direção a uma
das notas da linha fundamental (v. Urlinie).
11

Untergreifzug É o modo como se chama a linha ascendente da voz intermediária em


um movimento de voz intermediária (v. Untergreifen).
Urlinie linha fundamental. É o movimento diatônico descendente por grau conjunto
em direção à tônica, podendo partir tanto da terça, da quinta ou da oitava. A linha
fundamental representa a extensão da voz superior de toda uma peça musical. O intervalo
abarcado pela linha fundamental (3ª, 5ª ou 8ª) depende da análise da obra. Por ser a voz
superior do plano contrapontístico básico da peça (v. Ursatz), a linha fundamental pode ser
considerada como sendo a síntese de toda a melodia tonal.
Urlinie Tafel aspecto gráfico que mostra a linha fundamental.
Ursatz estrutura fundamental. É o plano contrapontístico básico que sintetiza toda a
estrutura de uma peça tonal - o resultado final de uma série de reduções das diversas camadas,
ou níveis estruturais (v. Schicht), na análise de uma peça tonal, sendo assim a representação
da estrutura básica (v. Hintergrund) da peça.

Vergrösserung aumentação.
Vordergrund plano imediato; primeiro plano; plano superficial. É o nível estrutural
(v. Schicht) em que a representação gráfica mais se assemelha à partitura da peça, faltando-
lhe somente alguns detalhes. Esta é a última camada antes da própria partitura.
Zug (Zg.) progressão; progressão linear. É uma progressão diatônica por graus
conjuntos que abrange determinado intervalo, pelo qual se estabelece o movimento de uma
nota, de um registro ou de uma voz em direção a outra. Este é um dos principais métodos de
prolongação (v. Dehnung) de uma estrutura musical básica. Na identificação das progressões,
o intervalo abarcado geralmente faz parte do nome: Terzug (progressão de 3ª), Quartzug
(progressão de 4ª), Quitzug (progressão de 5ª), etc. No nível estrutural (v. Schicht) mais
básico, a função de uma progressão linear é conectar a linha fundamental (v. Urlinie) a uma
parte intermediária.
12

1.3. Análise de Debussy e Brahms por Felix Salzer2

Abreviaturas utilizadas por F. Salzer

|| Interrupção. Separação entre seções.


A B; A B A’. Indicação da forma da peça analisada.
CS. Acorde estrutural contrapontístico.
D. Divisor. Dominante com função estrutural de dividir seções.
DF. Acorde com dupla função.
Em. Acorde com função ornamental.
IN. Bordadura incompleta.
LN. Bordadura inferior.
M. Mistura.
N. Bordadura; ou Acorde bordadura.
P. Nota de passagem; ou Acorde de passagem.
UN. Bordadura superior.

2
In: SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover, 1982.
13
14
15
16
17
1.4. Bibliografia sobre análise schenkeriana

BENT, Ian. Analysis. London: Norton, 1987, [principal fonte de referência: A glossary of
analytical terms; por William Drabkin, p. 109-142 ].
COOK, Nicholas. A guide to musical analysis. London: Norton, 1987, p. 27-66.
DUNSBY, Jonathan; WHITALL, Arnold. Music analysis in theory and practice. New Haven:
YUP, 1988, p. 23-61.
FORTE, Allen; GILBERT, Stephen. Introduction to Schenkerian analysis. New York: , 1982.
GERLING, Cristina C. A contribuição de H. Schenker para a interpretação musical. Porto
Alegre: Opus 1, ano I, n. 1, dez. 1989, p. 24-31.
__________________. A teoria de Heinrich Schenker - uma breve introdução. Porto Alegre:
Em Pauta, vol. 1, n. 1, dez. 1989, p. 22-34.
KATZ, Adele. Challenge to musical tradition. New York: A. Knopf, 1945.
SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover, 1982.
SCHENKER, Heinrich. Five graphic analyses. New York: Dover, 1969.
___________________. Free Composition. New York: Longman, 1979.
___________________. Harmony. Cambridge: MIT, 1973.
18

2. FORMA SONATA

2.1. Considerações sobre a forma sonata por Nicholas Cook3

2.1.1. Algumas questões para a análise de música em forma sonata


Cook (1987, p. 266-276) apresenta uma lista de “questões mais ou menos
padronizadas que lidam com problemas analíticos gerais de um modo adaptado
especificamente à forma sonata. Eis aqui tal lista:
Questão 1. Como está unificado o material apresentado na exposição? Há contrastes
explícitos entre materiais temáticos e não-temáticos? São os temas fortemente contrastantes
entre si? (...)
Questão 2. Como é a realizada a transição entre as áreas estruturalmente opostas da
exposição? A modulação serve mais para ligar ou para separar as tonalidades estruturais? A
segunda área temática simplesmente coincide com o movimento em direção à nova tonalidade
ou serve para encerrar um movimento que já se realizou? (...)
Questão 3. Como se dá o plano tonal e temático do Desenvolvimento? O
Desenvolvimento divide-se em seções claramente definidas? Em que ponto começa a ser
claramente retomada a tonalidade principal? A tônica é utilizada no Desenvolvimento, se sim
- como isto ocorre? Há novos materiais no Desenvolvimento? (...)
Questão 4. Há uma cesura nítida marcando o inicio da Recapitulação? A Reexposição
está projetada como um ponto de resolução [harmônica e temática]? Qual é o ponto de maior
tensão na peça [seu clímax]? (...)
Questão 5. Como e porque é modificada a Reexposição em comparação à Exposição?
Há algum material importante que não aparece reexposto na tônica? (...)
Questão 6. Se há uma Coda, como e com que materiais está construída? A Coda afeta
de modo profundo a estrutura de tensões do movimento? (...)
Questão 7. Como a extensão das frases liga-se ao plano geral da sonata? Quais são as
proporções gerais do movimento?”.

2.1.2. Análise da Sinfonia N.º 5 de Beethoven por Cook

Após definir quais seriam as questões a serem levantadas para a análise de uma peça
em forma de sonata, Cook realiza a análise da 5ª Sinfonia de Ludwig van Beethoven e da
Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz, com base nessas questões. Abaixo, está a análise
realizada por Cook da Sinfonia N.º 5 de Beethoven.
“Q 1. (...) A distinção entre as duas áreas estruturais da exposição [primeiro e segundo
temas] está projetada menos claramente do que se poderia esperar. Na Sinfonia de Beethoven
todos os materiais com função cadencial e de transição são tão fortemente ligados ao primeiro
tema, com seu padrão anacrúsico de três colcheias, que a segunda área temática está projetada
como uma passagem fechada, na qual este padrão está menos presente (c. 63-109) do que na
segunda metade da Exposição como um todo: os compassos 110-124 são quase um retorno ao

3
In: COOK, Nicholas. A Guide to Musical Analysis. London: Norton, 1987, p. 260-293 [capítulo: Analysing
music in sonata form].
19
material do primeiro tema. Os mottos4 que introduzem cada área temática (c. 1-5; c. 59-62
[tema das trompas]) também criam confusão com relação a este problema. Os mottos são
obviamente similares uns aos outros, mas ao mesmo tempo cada qual sintetiza o tema que está
precedendo [ex. 1], o resultado disto é que a continuidade - mais do que o contraste - entre os
temas é enfatizada. Como poderíamos classificar isto? Não parece correto considerar os
primeiros 21 compassos como um único tema, visto que as fermatas destacam claramente os 5
primeiros compassos como uma unidade isolada Por outro lado, não se pode chamar os
compassos 1-5 como sendo um tema e os compassos 6-21 como sendo outro, porque o motto
não é exatamente um tema, ele é, antes de mais nada, uma espécie de símbolo do tema. Por
sua vez, o segundo motto (c. 59-62 [tema das trompas]) está mais integrado àquilo que é
geralmente chamado de segundo tema (c. 63) - que funciona como uma espécie de
conseqüente deste motto e tomado por si só seria muito pouco importante na estrutura do
movimento. Não há porque cair em complicações terminológicas sobre este assunto: o fato é
que há algo de não-clássico nestes mottos. Assim, o mais adequado a fazer é encontrar um
modo de classificar os mottos que admita o que foi dito acima. É preferível chamar os mottos
de MA e MB e os temas principais de 1A, 1B (assim torna-se possível utilizar 2A, 2B para
disposições sucessivas em cada área temática, e 1A1/1B1 para suas variantes). Quando, como
é o caso do Desenvolvimento e da Coda, há variantes dos mottos que poderiam tanto ser
derivadas de MA ou de MB, é melhor chamá-las simplesmente de M.

Ex. 2.1: inter-relações temática no primiero movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

Q 2. A progressão harmônica da Exposição da 5ª Sinfonia desenvolve-se


principalmente com base no baixo, sendo de uma simplicidade surpreendente [ex. 2]. A nota
Dó é convertida de consonante em nota de tensão por meio de um longo pedal (c. 33-47)
culminando em um acorde de sétima diminuta (c. 52-56); embora Dó deve claramente
resolver, a direção desta resolução ainda não está definida, simplesmente ‘desliza’ através de
Ré para Mib. Tonalmente, este fato é secundário, sendo que toda a seção baseada em 1B (c.

63-93) repete o processo de intensificação levando a outro ponto, desta vez de maior
importância estrutural - acorde de V grau de Mib no c. 94. Este momento é marcado por uma

idéia melódica característica (deve-se considerá-la como cadencial ou temática?) que resolve
no acorde de I grau, no c. 110. O mesmo tipo de postergação tonal também ocorre no trecho
inicial em Dó menor. O motto de abertura do movimento é simplesmente ambíguo; Dó menor
emerge no decorrer do primeiro tema, mas seu primeiro acorde enfático de tônica não aparece
antes do compasso 33 - o início do pedal que conduz à nova tonalidade. O resultado disto é
que nem os temas principais (nem seus mottos) realmente coincidem com a exposição

4
motto: motivo que retorna em vários pontos de uma obra; uma idéia musical que, aparecendo no início de cada
parte de uma série de peças ou movimentos, estabelece uma relação entre elas” (DICIONÁRIO GROVE de
Música - Edição Concisa, p. 420, 624). É bastante comum a utilização do termo motivo como sinônimo de
motto.
20
estrutural das tonalidades. Os colchetes no ex. 2 mostram a defasagem entre o ponto de apoio
temático e o ponto de apoio tonal.

Ex. 2.2: plano tonal e temático da exposição do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

O fato de que a tonalidade de Dó menor nunca é apresentada como uma forte


consonância estrutural significa que o centro de gravidade da Exposição é Mib.

Q 3-5. O plano tonal do Desenvolvimento da 5ª Sinfonia é, também, muito simples,


consistindo de um padrão simétrico de tonalidades em distância de 5ªJ (ex. 3)5. A tônica
ocorre duas vezes, porém é apresentada como parte de um movimento em direção a algo e não
como um ponto de chegada, de modo que sua função como tonalidade de resolução não é
afetada. Embora o plano tonal do Desenvolvimento seja simétrico, o seu efeito é fortemente
direcional.

Nota: materiais apresentados com minúsculas indicam exposições não estruturais.


Tonalidadaes apresentadas com letras minúsculas indicam modo menor.
Ex. 2.3: plano tonal e temático do desenvolvimento do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

O Desenvolvimento divide-se em duas metades, cada uma delas se movimentando em


direção a um clímax. Contudo, enquanto o primeiro clímax (c. 168-179) dirige-se claramente
ao acorde de Sol Maior do compasso 180, o segundo clímax apresenta uma completa falta de

5
Porque o ex. 3 mostra simplesmente as fórmulas temática e tonal enquanto o ex. 2 apresenta uma redução
harmônica e linear completa? Porque o Desenvolvimento é construído por amplos blocos tonais, em vez de estar
composto por progressões harmônicas ou lineares.
21
direcionalidade tonal. O ex. 4 é uma redução desta passagem, que leva de Fá menor (c. 196) a
Ré Maior (c. 221-232), através de uma sucessão de acordes paralelos em primeira inversão.
Porque, então, há uma perda da direção tonal? Não seria o acorde de Ré Maior simplesmente
a dominante da dominante de Dó menor (a dominante de Dó menor aparecendo como um
acorde de nona menor sem a fundamental, nos compassos 233-240)? Este trecho pode parecer
composto desta forma, mas este não é o efeito quando se ouve a música. O acorde do
compasso 233 não soa como uma dominante incompleta com nona menor, mas como uma
sétima diminuta sem nenhuma relação concreta com qualquer tonalidade. Assim, quando o
motto de abertura - em sua forma Láb-Fá (como ocorre nos c. 22-23) - irrompe a partir do

acorde de sétima diminuta e alcança a Recapitulação, o efeito resultante tem a aparência de


um choque violento. O resultado imediato é de uma cesura estrutural logo após o início da
Reexposição, neste caso na forma de uma longa cadenza de oboé6 que prolonga a nota Sol,
curiosamente sustentada pelos violinos no compasso 21, e substitui a semi-exposição original
do motto nos compassos 22-23. (Porque este trecho é substituído? Visto que o motto já foi
utilizado nos compassos 240-247, sua reapresentação soaria extremamente insípida neste
momento).
A cadenza de oboé é, obviamente, um ponto de intensificação estrutural. Porém, de
modo algum poderia ser considerada o clímax do movimento. Em vez disto, o resultado a
longo prazo da irrupção repentina da Recapitulação é empurrar o centro de gravidade desta
seção ainda mais para o final, em comparação com o que ocorreu na Exposição. As alterações
estruturais da Recapitulação também se ligam a este fato. Assim, aquilo que era o ponto de
transição tonal na Exposição, sofre poucas alterações na Reexposição (a principal diferença
está em que o acorde de sétima diminuta dos compassos 296-300 é re-orquestrado nas
madeiras de modo que a sua nota mais aguda passa a ser um Fá# que resolve em Sol: compare-

se este fato com o Solb da flauta que permanece suspenso na Exposição, no compasso 56).

Há, contudo, extensas modificações nos c. 315-346 (em comparação com os c. 71-
93), que prolongam e intensificam o segundo tema. As quatro repetições que ocorrem nos
compassos 307-322 estão organizadas com base em variações no registro e na orquestração:
dois grupos de dois instrumentos da Reexposição, contra o grupo de três do trecho original.
Os compassos 323-345 contém re-orquestrações semelhantes, tanto quanto transposições que
realçam a dissonância harmônica desta passagem. Tudo isto reforça a dominante estrutural do
compasso 346, confirmando a interpretação de que o acorde de maior importância da
Exposição aparece no compasso 94 (e não no compasso 58, como poderia parecer). As
modificações após este ponto restringem-se a enfatizar o ritmo (comparem-se os metais no c.
365 em relação ao c. 113).

Ex. 2.4: perda da direcionalidade tonal no segundo clímax do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

6
Esta cadenza parece breve na partitura, mas soa longa ao ouvido.
22
Q 6. Se fosse realizada uma analogia com relação à Exposição, o primeiro movimento
da 5ª Sinfonia de Beethoven finalizaria no compasso 374. Porém, neste ponto encontram-se
apenas três quartos do movimento completo. Aquilo que seria o acorde final de tônica é
expandido em uma Coda de 129 compassos com base na tonalidade principal (agora
retornando ao modo menor). O material no início e no final da Coda é bastante familiar: os
compassos 374-395 consistem de acordes relacionados ao clímax, “tematizados” com o
motivo de colcheias; os últimos compassos retomam o final do Desenvolvimento. Há, como
anteriormente, uma irrupção do motto de abertura7 e o início de uma segunda Recapitulação
que é abandonada após alguns compassos, sendo concluída com base no mesmo modelo dos
compassos 369-3748. Contudo, o corpo principal da Coda não é, de modo algum, familiar.
Reconhecidamente, a Coda pode ser vista como a liquidação do motto, que aparece na parte
principal da Coda9 reduzido a um padrão escalar em graus conjuntos nas cordas graves nos
compassos 407-408. Enquanto isto, o contracanto nas cordas agudas, nos mesmos compassos,
reaparecem como melodia principal no compasso 423 - agora em movimento contrário e por
aumentação rítmica. O que isto demonstra não é tanto a complexidade da técnica
composicional de Beethoven quanto o fato de que todos os elementos foram reduzidos a
padrões escalares elementares, os quais, neste estágio do primeiro movimento, adquiriram
fortes associações temáticas ou motívicas. De modo semelhante, a sucessão de notas Láb-Sol,

que se torna pouco a pouco proeminente deste o compasso 455 até o compasso 466, ao
mesmo tempo que tem o propósito imediato de reforçar o Sol cadencial, está repleto de
associações temáticas significativas10.

Ex. 2.5: início do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

Porém, o corpo principal da Coda não soa como algo que já tivesse sido ouvido
anteriormente; o caráter de marcha com figuração tética solidifica-se nos compassos 423 e
439, trecho que somente pode ser chamado de ‘novo tema’. Talvez faça sentido a existência
de um novo tema (de aparência nada clássica) neste ponto, porque a Coda não é a resolução
do processo estrutural do movimento, mas seu clímax. Embora esta não seja o tipo de idéia
que se possa provar ou refutar, parece apropriado pensar na Coda como uma conseqüência da
postergação tonal mencionada acima. O centro de gravidade tonal, deslocado cada vez mais
para o final, expande-se para além do que seria, em termos clássicos, o final da peça. A
simetria básica que sublinha a concepção clássica da forma sonata já desapareceu aqui. Em

7
O motto de abertura é ainda mais potente neste momento porque o motivo de colcheias é, agora, completamente
liquidado: nos compassos 477-478 a orquestra completa toca, pela primeira vez, colcheias repetidas com a
mesma nota.
8
Porque a frase repetida de quatro compassos no c. 483 funciona tão bem como uma conclusão? O ex. 5 sugere
uma solução.
9
A manifestação do motto de abertura na Coda (c. 398) relaciona-se, por sua organização das alturas aos
compassos 1-5 e, em termos de ritmo, aos compassos 59-62.
10
O oboé, nos compassos 486-487, liga explicitamente a sucessão de notas Láb-Sol com o primeiro tema,

havendo, talvez, um vínculo implícito com a sucessão Lán-Sol do segundo tema na Reexposição
23
seu lugar existe um simples movimento em direção ao clímax final - característica muito mais
típica da sonata romântica do que da sonata clássica.

Q 7. A primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven organiza-se em quatro


seções quase iguais quanto às suas dimensões:
Exposição - 126 compassos;
Desenvolvimento - 124 compassos;
Reexposição - 123 compassos;
Coda - 129 compassos.
Estas relações poderiam ser interpretadas como esboçando uma forma simétrica,
mesmo que não convencional: a repetição da Exposição alcançaria um equilíbrio com relação
a uma unidade Reexposição-Coda (as quais são normalmente tomadas como uma unidade
estrutural na forma sonata clássica). Desta maneira, seria alcançada uma construção em três
partes:
Exposição - 248 compassos;
Desenvolvimento - 123 compassos;
Reexposição-Coda - 255 compassos.
A música, porém, não esboça esta forma de disposição. Mesmo sendo repetida, a
Exposição não parece equilibrar com a combinação Reexposição-Coda (a repetição literal não
dobra o peso estrutural!). De qualquer forma, poder-se-ia realmente ouvir a Recapitulação e a
Coda como uma unidade? Com sua longa intensificação do motto, a Coda funciona como uma
espécie de segundo desenvolvimento, e a sugestão de uma segunda recapitulação um pouco
antes do final reforça a analogia entre a Coda e o Desenvolvimento. Assim, poder-se-ia
representar a forma do movimento como: A B A B1 (A), sendo que o (A) final seria somente
insinuado na música. Obviamente, não é o caso de uma representação simbólica da peça estar
correta e as outras estarem equivocadas: esta música é muito complexa, extremamente
multifacetada em suas implicações, para ser rotulada de forma tão simples. Porém, parece
razoável afirmar que aqui a forma sonata - o primeiro A B A, com todas as suas
complexidades - tornou-se parte da ampliação formal de uma estrutura com o caráter de um
Rondó bastante simples. Na realidade, há um princípio geral em questão aqui: quanto maior a
forma musical, maior a necessidade de sua estrutura geral básica ser diretamente ordenada.

Embora este movimento esteja repleto de frases claramente articuladas em quatro e


oito compassos [formando uma estrutura em quadratura], a disposição dos pontos de apoio
fraseológicos é persistentemente ambígua. Se as três colcheias do motto de abertura forem
tomadas como uma preparação frasal, deve-se ler o compasso 7, tanto quanto o compasso 26,
como pontos de apoio. Como todos os acontecimentos têm a extensão fraseológica de quatro
ou oito compassos, o compasso 34 deveria ser interpretado como um ponto de apoio. Mas,
será isto mesmo o que ocorre? As madeiras e as cordas graves não marcariam o compasso 33
como um ponto de apoio? Seria certo considerar que no compasso 44 o padrão iâmbico ( _
∪ ) da abertura transformou-se em um padrão trocaico ( ∪ _ )? Onde ocorreria tal mudança,
então? Com a entrada do segundo tema cresce a ambigüidade. Em alinhamento com a
organização frasal em oito compassos do trecho precedente, poder-se-ia interpretar o
compasso 60 como um ponto de apoio frasal, sendo o Mib é uma nota subentendida na

cadência; mas é bastante difícil reconhecer o que se segue a partir de então com base neste
princípio11. Outra alternativa seria tomar toda a seção, desde os compassos 60-93, como uma

11
De qualquer forma, é tentador - já que o resultado é um esquema simples que coincide com muitos pontos
estruturais da Exposição. Se forem ignoradas as apresentações do motto nos compassos 1-5 e 22-25, que são
interpolações métricas, e desconsiderando o compasso 6 como uma preparação, a exposição incide em grupos de
(34 + 16) + (34 + 16) + 16 compassos
24

prolongação do V grau e não do I grau de Mib. Desta maneira, pode-se interpretar o compasso

62 como um ponto de apoio, resultando em uma seção de trinta e dois compassos até o c. 93.
Assim, este trecho está precisamente organizado em frases de quatro compassos até o c. 81,
porém após este ponto a organização fraseológica do movimento contradiz qualquer padrão
regular. Além disso, em todo o caso, pode-se suspeitar que muitos ouvintes, se fossem
escrever a passagem somente a partir da audição, escreveriam algo como o ex. 6, ou seja,
como uma seqüência de semínimas. Se isto está correto, pode explicar o choque métrico que
ocorre no compasso 94 (que serve para sublinhar o acorde estrutural de V grau de Mib Maior):

um choque semelhante, porém que excede aquele encontrado no c. 44, que enfatizava a tônica
como função estrutural.

Ex. 2.6: transição e segundo tema do primeiro movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

Nestes casos há uma noção de metro, por mínima que seja. Porém na passagem
prolongada que precede a Reexposição não há nenhuma organização métrica preponderante.
Mesmo a apresentação do motto, nos compassos 228-232, com cinco compassos de extensão -
sendo, na melhor das hipóteses, ambígua - não se apresenta metricamente porque aparece em
um contexto não-métrico. A falta de uma métrica preponderante encontra seu paralelo na falta
de direcionalidade harmônica que ocorre na mesma passagem: ambas preparam a irrupção da
Recapitulação, projetando, assim, uma forma seccional: a ausência de metro e a ausência de
direção harmônica são, de fato, a mesma coisa. A estrutura frasal pode ser o resultado de
padrões de repetição, mudanças de textura e outros aspectos da mesma natureza, porém o fato
mais importante na constituição de pontos de apoio fraseológicos (e, por conseqüência, de
organização métrica) é a progressão harmônica. Em qualquer nível da estrutura musical,
movimento em direção a um objetivo constitui uma preparação, do mesmo modo que
alcançar um objetivo constitui um ponto de apoio. Nos compassos 196-239 do primeiro
movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven (a passagem está sintetizada no ex. 4) não há nenhum
objetivo perceptível, ou seja, não existe metro definido”.

cada grupo destes coincide: com a primeira tônica estrutural (c. 44), com o início da segunda área temática (c.
60), com o acorde estrutural de V grau de Mib Maior (c. 94) e com o acorde estrutural de I grau de Mib Maior (c.

110 - onde o motivo de três colcheias emerge em uma espécie de codetta). Em outras palavras, o primeiro e o
segundo grupos de (34 + 16) compassos são a primeira e segunda áreas temáticas e o grupo final de 16
compassos é a Codetta. Porém, obviamente, ninguém ouve este plano, o que também torna duvidoso se
Beethoven teria planejado o movimento desta forma. Assim, é possível que tudo isso não passe de mera
coincidência.
25

2.2. As formas de sonata conforme Charles Rosen12

Esquema geral da forma sonata de primeiro movimento

EXPOSIÇÃO DESENVOLVIMENTO REEXPOSIÇÃO CODA


1° Grupo transição 2° Grupo codetta fragmentação temática retransição 1° Grupo desenvolvimento 2° Grupo
Temático* Temático seqüenciação Temático secundário Temático
contraposição
intensificação**
I __________ modulante V*** _____________ modulante ___________ [para I] I ________ modulante ______ I ______________
[para V] [sem direcionalidade fixa] [sem direção**** ]

12
In: ROSEN, Charles. Formas de sonata. Barcelona: Labor, 1987, p. 111-143 [capítulo 6: Las formas de sonata].
*
Costuma-se, também, chamar o Primeiro Grupo Temático de: Primeiro Tema, Primeira Região Temática, Primeira Região Harmônica, Primeira Área Temática, Primeira Área
Harmônica, Primeiro Campo Temático, Primeiro Campo Harmônico, Campo Harmônico de Tônica, etc. O mesmo vale para o Segundo Grupo Temático.
**
A intensificação pode ocorrer na harmonia, na textura, no ritmo, no contraponto, ou em qualquer outro aspecto da composição.
***
Em tonalidades menores, geralmente o V grau (dominante) é substituído pelo III grau (relativa). Desta forma, o esquema harmônico ficaria:
i _____ | mod. para III | III ______ || modulante | mod. para i | i _____ | mod. | i _______ ||
****
É bastante comum ocorrer modulação para o campo de Subdominante no Desenvolvimento Secundário. Tematicamente, geralmente são utilizados materiais de alguma transição
ou de algum trecho de caráter modulante já apresentado anteriormente.
26

Forma sonata de segundo movimento

Sonata Binária de movimento lento:

Exposição A1 Reexposição A2
A B
a b a b
I V I ________________

Rondó-sonata de movimento lento:

Exposição Reexposição
A B A B A
I V I ___________________

Características:

- expressão mais lírica (menos dramática), por isto não possui desenvolvimento
(característica principal da forma sonata de primeiro movimento)
- cadência autêntica na tônica no final do primeiro grupo
- dominante introduzida sem preparação (transição, modulação)
- qualquer referência aos pontos estruturais de dramatização podem ser facilmente
omitidos
- não confundir a retransição entre a Exposição e a Reexposição com
desenvolvimento, ou desenvolvimento secundário
- um pequeno desenvolvimento (desenvolvimento secundário) aparece depois do
início da Reexposição (evita que a segunda parte seja uma repetição demasiadamente literal
da primeira)
- Conforme Rosen, há três tipos de reexposição: 1. retorno imediato ao primeiro tema
na tônica; 2. retorno do primeiro tema somente após ter sido tocado na dominante; 3. retorno
da tônica no decorrer do primeiro tema já em andamento
- no final da segunda parte ocorre maior elaboração no que no final da primeira
- geralmente existe uma coda para completar o movimento
- esta forma originou-se da ária de ópera barroca
27

Forma sonata de terceiro movimento

Minueto-sonata:

Minueto:

Exposição Reexposição
A B A
I V I

Trio:

Exposição Reexposição
A B A
[harmonia diferenciada do Minueto]

Minueto e Trio:

Minueto Trio
A B A C D C
I V I Menuetto D.C.

Características:

- a oposição entre tônica e dominante é criada somente a partir a barra dupla


(característica principal)
- a primeira seção pode tanto finalizar na tônica como na dominante
- a segunda seção intensifica a polaridade tônica-dominante: 1. estabelece a
dominante, 2. estende a dominante, ou 3. produz modulações secundárias que afastam da
tônica, podendo funcionar como um desenvolvimento, gerando um aumento de tensão
harmônica que exige a volta à tônica
- a terceira seção inicia na tônica, resolve e recapitula
- quando a estrutura se torna mais ampla, pode haver semelhança com a forma sonata
de primeiro movimento (sem desenvolvimento e com uma estrutura de três seções bem
definidas)
- é a forma mais rígida e mais curta dos movimentos de sonata: cada parte (minueto e
trio) tem três seções (A||BA||), sendo que as duas últimas estão ligadas em um mesmo
segmento
- a estrutura pode ser expandida por uma coda
- esta forma tem sua origem nas danças em forma binária da suíte barroca (em
especial, o Minueto).
28

Forma sonata de movimento final

Rondó-sonata:

Exposição Desenvolvimento Reexposição coda


A B A C A B A

I V I [modulante] I

Características:

- o rondó-sonata é uma forma de primeiro movimento na qual o primeiro tema é


completamente restabelecido entre a exposição do segundo tema e a seção de
desenvolvimento, para voltar a fazê-lo no final. Por esta razão, um tema de rondó deve
constituir-se, em si mesmo, uma forma completa: pode aparecer como uma forma binária ou
em uma estrutura de três frases. O tema do rondó não é somente completo em si mesmo,
como também apresenta elementos distintos que aparecem separados e repetidos
constantemente. O rondó se define tanto pela sua estrutura quanto pelo caráter de seus temas
- a forma rondó-sonata possui uma estrutura mais livre e mais ampla que se encaminha
para a resolução de todas as tensões dramáticas e harmônicas apresentadas pelos movimentos
anteriores; a repetição do primeiro tema (como refrão do rondó) entre as diferentes partes
caracteriza a reafirmação constante da tônica principal, reforçando o caráter de resolução
característico do movimento final
- o essencial no rondó-sonata é a maior clareza e maior ajuste do ritmo e das frases
(que se tornam mais simétricas e regulares do que na forma de primeiro movimento), assim
como a utilização ampla da tônica (com cadências perfeitas em abundância) que eqüivale à
ênfase de uma recapitulação
- a forma sonata de último movimento tem como característica a ênfase na
subdominante, procedimento típico de reexposições e finais em geral (em muitos casos,
ocorre modulação para a tônica menor, o que se constitui em movimento para o lado dos
bemóis, ou seja, para a região da subdominante)

⇒ para que se compreenda a estrutura da forma sonata (de qualquer uma das formas
de sonata), deve-se observar onde ocorrem as diferenças na textura e como estas diferenças
estão relacionadas à organização harmônica e à ordem temática. Sob determinado ponto de
vista, a ordem temática é um aspecto da textura: o aparecimento de um novo tema marca uma
quebra clara na textura, quando os temas apresentam contornos claramente definidos. A
chegada de um tema realiza um ponto estrutural, marca um evento, um momento de
articulação. A coordenação dos três elementos (harmonia, padrão temático e textura) define
cada ponto estrutural como uma interrupção dramática do fluxo musical contínuo. Deste
modo, a análise da sonata se dá por meio da diferenciação dos materiais temáticos, das
diferentes texturas e do movimento tonal harmônico.
29

2.3. Análise gráfica do Quarteto de Cordas em Dó Maior, KV 465 (Quarteto das Dissonâncias), de W. A. Mozart

Primeiro Movimento: Adagio-Allegro.

INTRODUÇÃO EXPOSIÇÃO DESENVOLVIMENTO REEXPOSIÇÃO CODA

1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta Retransição 1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta

DóM: cromático I _______________ I → V/V V ____________________________ modulante V → I I _______________ falsa I __________________________________


(V-IV-bIII-V)13 (IV-vi-ii-V) modulação
c. 1 c. 23 c. 44 c. 56 c. 84 c. 107 c. 147 c. 155 c. 172 c. 176 c. 204 c. 227

Segundo Movimento: Andante cantabile.

EXPOSIÇÃO Retransição REEXPOSIÇÃO CODA

1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Codetta 1º Grupo Temático Pequeno 2º Grupo Temático Expansão Codetta
Desenv.

FáM: I __________ I → V/V V ________________________ V (pedal) I ______________ IV → V I ______________ cromático I _________


(rima c/ introdução
do 1º mov.)
c. 1 c. 13 c. 26 c. 32 c. 39 c. 45 c. 58 c. 75 c. 85 c. 94 c. 101

13
A utilização do bIII como empréstimo modal (MibM é a relativa de Dóm), nos compassos 9-12, antecipa a modulação do Trio do terceiro movimento, que está em Dóm e
se encaminha para a relativa (MibM). Por seu lado, a digressão harmônica que ocorre nos compassos 89-102 do último movimento também faz rima com a parte B do Trio.
30

Terceiro Movimento: Menuetto (Allegro).

MINUETO TRIO MINUETO

A B A C [A] D [B] A B A

DóM.: I → V V → I Dóm.: i → III III → i DóM.: I → V V → I

c. 1 c. 21 c. 40 c. 64 c. 80 c. 1 c. 21 c. 40

Quarto Movimento: Allegro.

EXPOSIÇÃO DESENVOLVIMENTO REEXPOSIÇÃO CODA

1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Digressão Codetta Retransição 1º Grupo Temático Transição 2º Grupo Temático Digressão Codetta
(harmonia
parentética)
DóM.: I ___________ I → V/V V ______________ bIII ___________ V _____ I _______________ I _______________ bVI _____ I _________________
(rima c/ 2º mov.) (rima c/
bIII, c. 89)
c. 1 c. 35 c. 55 c. 88 c. 103 c. 137 c. 182 c. 200 c. 216 c. 258 c. 291 c. 326 c. 372
32

3. O CONCEITO DE VARIAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO

3.1. Definição

O termo variação em desenvolvimento14 foi cunhado por Arnold Schoenberg para


explicar os processos de elaboração musical dos séculos XVIII e XIX, encontrados em
especial na música de Johannes Brahms. A definição mais precisa deste conceito é dada por
William Drabkin (in: BENT, 1987, p. 114):

“Variação em desenvolvimento. Um termo utilizado por Schoenberg para descrever a gênese


de material a partir de uma única idéia ou ‘estrutura básica’15, especialmente na música tonal
após o período da polifonia barroca. Neste período, o desenvolvimento musical era alcançado
não tanto por meio da reelaboração de idéias quanto pela sua colocação em novos contextos
(tais como transposição ou inversão de vozes na textura contrapontística). Porém, entre
aproximadamente 1750 e 1900, um período no qual a polifonia era menos concebida em
termos estritamente contrapontístico, os compositores foram obrigados a desenvolver o
material musical a partir de suas idéias básicas através da adição ou subtração de material,
assim como por meio de alterações no ritmo, intervalos, contorno melódico e harmonia.
Embora Schoenberg não tenha afirmado especificamente que as mudanças de dinâmica,
articulação e orquestração tenham um papel a cumprir neste processo, é possível que estes
parâmetros também pudessem interferir.
O princípio da variação em desenvolvimento é freqüentemente utilizado por
Schoenberg e outros autores em conexão com a música de Brahms, na qual o desenvolvimento
de material musical é mais livre e menos simétrico do que, por exemplo, na obra de Wagner, a
qual Schoenberg via como baseada mais fortemente em repetições literais e seqüências. As
definições e ilustrações clássicas de Schoenberg sobre a variação em desenvolvimento em
Brahms apareceram nos ensaios Criteria for the evaluation of music (1946) – Critérios para a
Valoração da Música – e Brahms the progressive (1946) – Brahms, o Progressista16. Estes
ensaios forneceram a base para os trabalhos posteriores nesta área de investigação analítica –
em especial, a obra de Walter Frisch (1984).”

14
Há várias formas de tradução do termo developing variation (inglês) para a língua portuguesa: variação em
desenvolvimento (por Álvaro Cabral, in: KERMAN, 1987), variação progressiva (por Eduardo Seicman, in:
SCHOENBERG, 1991) e variação desenvolvida (por Herbert Caro, in: MANN, 1992) são as mais usuais.
15
“Estrutura básica. O termo estrutura básica (ou: configuração de fundo) (do alemão grundgestalt) apareceu
originalmente com Schoenberg – tendo sido utilizado por outros analistas, como Epstein (1979) e Frisch (1984)
– para denotar a idéia musical básica de uma peça, podendo ser a frase que contém seus materiais musicais
essenciais; seria também o ‘primeiro pensamento criativo’ a partir do qual todos os aspectos de uma peça são
derivados. Esta estrutura básica, normalmente com a duração de dois ou três compassos, é construída a partir de
elementos menores chamados ‘motivos’, cada qual contendo características intervalares e rítmicas que ‘são
combinadas de modo a produzir uma estrutura ou um contorno memorizável, o qual geralmente implica em uma
harmonia inerente’ (SCHOENBERG, 1967, p. 8). Todos os outros motivos da peça são, em última análise,
referenciáveis a estes da estrutura básica. Do outro lado está o ‘tema’; uma extensão maior de material musical
construído a partir da combinação da estrutura básica com suas repetições, variantes ou variações” (Drabkin in
BENT, 1987 p. 117).
16
Além destes dois ensaios, encontram-se referências ao conceito de variação em desenvolvimento nos
seguintes textos de Schoenberg: Twelve-tone composition (1923), National music (1931), Linear counterpoint
(1931), A self-analysis (1948), My evolution (1949), New music, Outmoded music, Style and idea (1946),
Compositions with twelve tones (1948), Bach (1950). Todos estes ensaios estão reunidos na coletânea Style and
Idea – selected writings of Arnold Schoenberg (editada por Leonard Stein). Berkeley : University of California
Press, 1975.
33

3.2. O conceito conforme elaborado por Schoenberg

Abaixo, estão citados os trechos em que Schoenberg se refere ao conceito de variação


em desenvolvimento na coletânea de seus ensaios Style and Idea:
“Em formas homofônicas, devido do desenvolvimento da parte principal, uma certa
economia governa a harmonia, graças à qual esta está em uma posição que exerce influência
decisiva no desenvolvimento das estruturas (contraste, clímax, pontos de articulação,
intensificações, variações). Na música polifônica, estruturas motívicas, temas, frases e outros
elementos nunca são elaborados além de certa medida (é como o mesmo tipo de economia se
aplica aqui), não são nunca desenvolvidos, nunca geram novas estruturas e raramente são
variados: pois todo (ou quase todo) o desenvolvimento é realizado através da alteração entre
os vários componentes de uma idéia (...). Na composição com doze sons não é necessário
questionar sobre o caráter mais ou menos dissonante de uma combinação de sons, desde que a
combinação como tal (ignorando se seu efeito cria um afeto ou não) está completamente fora
de discussão como um elemento no processo da composição. Esta combinação não irá se
desenvolver, ou, melhor, não é isto que desenvolve, mas é a relação dos doze sons entre si que
se desenvolve sobre a base de uma ordem particular previamente prescrita (o motivo),
determinada pela inspiração (a idéia!)” (SCHOENBERG, 1975, p. 208).
“O que quer que aconteça em uma peça de música não é nada além da reestruturação
infinita de uma mesma idéia básica. Ou, em outras palavras, não há nada em uma peça
musical que não venha do tema, não emirja dele ou não possa ser conduzido de volta a ele.
Para ser mais preciso: não há nada além do próprio tema. Ou: todas as estruturas que
aparecem em uma peça musical estão pressupostas no tema. (Eu digo que uma peça de música
é um livro de gravuras que consiste de uma série de figuras nas quais toda a variedade ainda
(a) mantém a coerência de uma forma com a outra, (b) é apresentada como variações (sempre
mantendo a idéia) de uma estrutura básica, os vários caracteres emotivos e formais emergem
do fato de que a variação é conduzida de diferentes maneiras; o método de apresentação tanto
pode estender-se, desdobrar-se ou desenvolver)” (ibid., p. 290).
“A música do estilo homofônico-melódico de composição, ou seja, a música com um
tema principal acompanhado e baseado na harmonia, produz seu material por variação em
desenvolvimento, conforme chamo este processo. Isto significa que os elementos
característicos de uma unidade básica produzem todas as formulações temáticas que
proporcionam, de um lado, fluência, contraste, variedade, lógica e, de outro lado, unidade de
caráter, afeto, expressão e toda a diferenciação necessária – assim é elaborada a idéia de uma
peça” (ibid., p. 397).
“No auge da arte contrapontística de J. S. Bach surgiu algo novo, simultaneamente a
esta arte – a arte de desenvolvimento através da variação motívica” (ibid., p. 171).
“Como todos sabem, enquanto Bach ainda estava vivo, surgiu um novo estilo musical
do qual posteriormente derivou-se o estilo dos clássicos vienenses – o estilo de composição
homofônico-melódica, ou conforme eu mesmo o denomino, o estilo da variação em
desenvolvimento” (ibid., p. 115).
“Mesmo as seções subordinadas e de transição de Bach estão repletas de caráter,
inventividade, imaginação e expressão. Embora suas vozes subordinadas nunca degenerem
em inferioridade, J. S. Bach é capaz de escrever melodias mais fluentes, bem equilibradas e
de maior beleza, riqueza e expressividade do que todos aqueles Keiser, Telemann, C. P. E.
Bach que o chamavam de superado. Estes últimos não eram capazes, evidentemente, de
reconhecer que J. S. Bach foi também o primeiro a introduzir aquela técnica tão necessária ao
progresso da sua ‘nova música’: a técnica da variação em desenvolvimento, que tornou
possível o estilo dos grandes clássicos vienenses” (ibid., p. 118).
34

“Para ambos [Mozart e Beethoven], ele [C. P. E. Bach] ainda parecia um iniciador
mesmo depois que eles próprios tinham adicionado, ao princípio negativo inicial da ‘Nova
Música’, aqueles princípios positivos como a variação em desenvolvimento, além de diversas
formas estruturais ainda desconhecidas, tais como transição com caráter de liquidação,
recapitulação dramática, elaborações múltiplas, derivações de temas secundários, matizes
dinâmicos altamente diferenciados e, especialmente, a nova técnica de passagens em legato e
staccato, accelerando e ritardando, além da designação de tempo e caráter mediante termos
específicos” (ibid., p. 116).
“Enquanto os compositores precedentes, e mesmo seu contemporâneo J. Brahms,
repetiam frases, motivos e outros elementos estruturais dos temas somente em formas
variadas, se possível também na forma daquilo que chamo de variação em desenvolvimento,
Wagner, em função de tornar seus temas facilmente memorizáveis, tinha de utilizar
seqüências e semi-seqüências” (ibid., p. 129).
“Na minha linguagem de estúdio, quando eu falava comigo mesmo, chamava este
procedimento de ‘elaboração com os sons dos motivos’. Este era, obviamente, um exercício
indispensável para a aquisição de uma técnica necessária para superar os obstáculos nos quais
uma série de doze sons se opõe a uma produção livre de escrita fluente. Da mesma forma,
como no caso de Die Jakobsleiter, também neste caso os temas principais tinham que ser
transformações da primeira frase. Já aqui o motivo básico não era somente produtivo em
fornecer novas formas motívicas por meio de variação em desenvolvimento, mas também em
produzir formulações mais remotas com base no efeito da unificação de um fator comum: a
repetição de relações tonais17 e intervalares” (ibid., p. 248).
“Em minha Noite Transfigurada, a construção temática é baseada, por um lado, nos
conceitos wagnerianos de ‘modelo e seqüência’ sobre uma harmonia errante e, por outro lado,
na ‘técnica de variação em desenvolvimento’ – assim como a chamo – de Brahms” (ibid., p.
80).
“Na variação em desenvolvimento repousa um mérito estético muito maior do que em
seqüências sem variação” (ibid., p. 78).
“Infelizmente, muitos compositores atuais, em vez de conectarem idéias por meio de
variações em desenvolvimento, assim apresentando conseqüências derivadas da idéia básica e
permanecendo nas fronteiras do pensamento humano e suas necessidades lógicas, produzem
composições que se tornam maiores e mais extensas somente por meio de inúmeras repetições
sem variação de poucas frases” (ibid., p. 130).

3.3. A contribuição de Walter Frisch

Frisch considera o conceito de variação em desenvolvimento como sendo um dos mais


importantes no pensamento schoenberguiano: “embora Schoenberg tenha discutido o conceito
de variação em desenvolvimento em seus escritos somente esporadicamente, e geralmente de
modo aforístico, ele claramente considerava este um dos princípios estruturais mais
importantes da música artística ocidental desde aproximadamente 1750” (FRISCH, 1990, p.
1).
Frisch discute, no prólogo de seu livro, as várias acepções de Schoenberg para o
conceito de variação em desenvolvimento. Faz um estudo detalhado de vários ensaios e
palestras em que o compositor se referiu a este processo, considerando que este termo
“representa um princípio amplo de composição temática” (ibid., p. 2).

17
A expressão ‘relações tonais’ significa, neste caso, relações entre tons, entre notas.
35

“As características de desenvolvimento que Schoenberg admira relacionam-se ao intervalos,


ritmos, metros e agrupamentos de notas dos temas de Brahms (...). Brahms constrói um tema
por meio de re-interpretações muito livres, porém ainda reconhecíveis, dos intervalos e ritmos
de um motivo breve. Embora o processo possa resultar em ambigüidade rítmica, a estrutura
frásica permanece essencialmente convencional e simétrica em um nível mais elevado da
estrutura” (ibid., p. 5).

Segundo Frisch, as definições mais pragmáticas e didáticas de variação em


desenvolvimento são elaboradas por Schoenberg em seu livro Fundamentals of Musical
Composition18, no qual Schoenberg considera (no capítulo O motivo, p. 25-42) que a
ferramenta básica do compositor é o trabalho motívico, enfatizando que a coerência de uma
composição musical depende menos das formas iniciais dos motivos do que de seu tratamento
e elaboração posteriores. Neste livro, Schoenberg fornece vários exemplos de variação em
desenvolvimento na obra de Beethoven e outros compositores clássicos e românticos,
chegando a demonstrar (no capítulo Construção de temas simples, p. 47-105) como Brahms
modificou os modelos clássicos através da ampliação das técnicas de variação em
desenvolvimento, comparando a construção de um tema a partir de um acorde quebrado por
parte de Beethoven (Sonata para Piano, Op. 2, nº 1) e Brahms (Sonata para Violoncelo, Op.
38).
Segundo Frisch, “a técnica na qual novas idéias evoluem espontaneamente a partir de
uma idéia precedente é caracteristicamente brahmsiana, a qual Schenker chamava de
Knüpftechnik, ou técnica de acoplamento” (ibid., p. 15). “A conexão entre frases não
demonstra somente a técnica de acoplamento, mas também um momento tipicamente
brahmsiano de ambigüidade”(ibid., p. 16). Este processo de conectar idéias musicais por
derivação constante de materiais precedentes e a ambigüidade, tanto tonal quanto frasal, são
características distintivas da música de Brahms que com o conceito de variação em
desenvolvimento influenciou tanto o pensamento musical quanto a obra artística de
Schoenberg e de vários outros compositores do século XX. Conforme afirma Frisch,

“Schoenberg havia demonstrado efetivamente como os métodos de variação em


desenvolvimento de Brahms evoluem e estendem os processos dos compositores clássicos. Em
Brahms, os motivos tornam-se mais livres e fluidos. Onde um compositor anterior teria
repetido uma forma motívica exatamente igual, Brahms evita a repetição. A variação e o
desenvolvimento motívicos permeiam todas as partes da textura na música de Brahms,
incluindo o acompanhamento; estes procedimentos ainda começam a quebrar ou obscurecer a
estrutura frásica, tanto quanto a ambigüidade criada na conjunção de duas metades da mesma
sentença. O desenvolvimento motívico pode também afetar a estrutura métrica (...)” (ibid., p.
17).

Frisch ainda demonstra como “um grande número de comentaristas foram atraídos
pelas idéias de Schoenberg sobre a construção temática – especialmente pelo procedimento
chamado de variação em desenvolvimento” (ibid., p. 18). Entre os principais críticos e
analistas musicais que se dedicaram ao estudo do princípio schoenberguiano de construção
motívico-temática estão Hans Keller, René Leibowitz (Introduction à la musique de douze
sons; Schoenberg and his school, 1949), Rudolph Réti (The thematic process in music, 1951;
Thematic patterns in sonatas of Beethoven, 1967), Erwin Ratz (Einführung in die
musikalische formenlehre, 1951), Josef Rufer (Composition with twelve notes, 1952) e
Theodor Adorno (Philosophie der neuen musik19, 1958). Frisch apresenta breves comentários
18
Tradução para o português, por Eduardo Seicman:
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. São Paulo: Edusp, 1991.
19
Tradução para o português, por Magda França:
36

sobre os principais trabalhos destes autores, contextualizando-os no que diz respeito à obra de
Brahms e ao conceito de variação em desenvolvimento. Frisch realiza, ele próprio, a análise
da obra de Brahms, dividindo-a em fases de maturidade e gêneros. Abaixo encontra-se a sua
análise da Terceira Sinfonia, retirado do capítulo que aborda as sinfonias de Brahms.

3.4. A análise da Terceira Sinfonia de Brahms, por Walter Frisch20

Embora a Terceira Sinfonia (1883) seja a mais curta de Brahms, é, talvez, a sua
sinfonia mais ambiciosa, esforçando-se mais do que em qualquer outra por uma coerência que
se estende além dos movimentos individuais. A retomada do tema de abertura do primeiro
movimento no extremo final do último movimento tem sido sempre percebido e apreciado
pelos ouvintes. O que talvez não tenha sido suficientemente reconhecido, contudo, é que este
extraordinário retorno é apenas mais uma manifestação da densa rede de processos temáticos,
harmônicos e formais que se espalham por toda a obra. O retorno é satisfatório precisamente
porque representa a combinação e resolução supremas destes diferentes fluxos. Como se
poderia esperar, Brahms continua contando fortemente com os princípios da sonata e com os
vários métodos de variação em desenvolvimento. Na Terceira Sinfonia, contudo, estas
técnicas não somente estruturam cada movimento em si, mas amalgamam a obra como um
todo.
Para sintetizar: as relações tonais entre os movimentos projetam o plano tonal
característico da forma sonata ‘ortodoxa’ (para utilizar terminologia de Tovey) em um nível
superior. Os dois movimentos externos estão em Fá maior e Fá menor, os dois movimentos
internos estão em Dó maior e Dó menor. Ao mesmo tempo, Brahms explora, na grande
escala, uma relação tonal específica entre as notas Lá e Láb, assim como entre algumas das
tonalidades ligadas a estas notas (Fá maior, Fá menor, Lá maior e Láb maior). As duas notas
chocam-se logo no início; seu conflito espalha-se em diversos níveis estruturais e é resolvido
somente na coda do movimento final.
Em um nível mais local, os três movimentos da Terceira Sinfonia em forma-sonata são
construídos com base nos mesmos métodos de variação em desenvolvimento existentes no
Quarteto em Dó Menor, na Sonata para Violino em Sol Maior e no Adagio da Segunda
Sinfonia. Especialmente ligados a este ponto de vista, estão a exposição do primeiro
movimento e os momentos de recapitulação dos dois primeiros movimentos. Na Terceira
Sinfonia, estes procedimentos são suplementados em um nível superior não somente pelo
plano tonal, mas também pelo processo temático-formal que envolve o segundo tema do
Andante. A Figura 1 ajuda a esclarecer os processos de larga escala encontrados nesta
sinfonia.
Vamos, inicialmente, examinar as características tonais de larga escala. Ambos os
movimentos centrais estão na tonalidade da dominante, em Dó maior e Dó menor,
respectivamente. Não há precedentes deste tipo de disposição tonal nem em outras obras de
Brahms em quatro movimentos, nem na obra de seus predecessores clássicos e românticos.
Em peças em estilo-sonata mais clássico no modo maior, a subdominante serve como a
tonalidade de pelo menos um dos movimentos internos, quase invariavelmente o movimento
lento. Embora na obra do último Beethoven e dos primeiros românticos geralmente haja

ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 1989.


20
Este texto é uma tradução do capítulo Symphony, do livro de Walter Frisch: Brahms and the principle of
developing variation, 1990, p. 129-142.
37

desvios deste esquema, especialmente pela substituição de tonalidades que se encontram


relacionadas por terças ou na região da Napolitana, nenhum deles escreveu uma obra de
quatro movimentos com o plano da Terceira de Brahms.
Brahms está claramente buscando algo especial. De fato, ao colocar os dois
movimentos centrais em Dó, Brahms está procurando criar, nas grandes dimensões de uma
sinfonia inteira, uma analogia com o segundo grupo temático (ou segunda área tonal) do estilo
clássico. É provavelmente por esta razão – para realizar um direcionamento tonal no nível
mais elevado da estrutura – que Brahms evita uma dominante forte onde poderíamos esperar
no primeiro movimento: como uma tonalidade do segundo grupo temático e como uma
harmonia na retransição. O segundo grupo temático está firmemente em Lá (maior ou menor);
da mesma forma, na retransição, a tônica Fá é alcançada diretamente a partir de um acorde de
sexta aumentada. Dó maior aparece, contudo, na coda, a partir do compasso 183. Neste ponto,
Brahms apresenta o tema principal na dominante (o motto21 da sinfonia também aparece em
Dó pela primeira vez, como Dó-Mib-Dó). Isto é seguido (a partir do compasso 195) por uma
passagem com repetidos acordes de V7.
O primeiro movimento obviamente termina na tônica, porém pode ser dito que o
Andante subseqüente, em Dó maior, sustenta as potentes sonoridades de dominante da coda
precedente. O Allegretto, em Dó menor, prolonga e projeta o Dó maior do Andante, ligando-
se, então, com o movimento final ainda mais claramente do que o Andante com o primeiro
movimento. Pois o último movimento inicia na nota Dó com um tema inescrutável sem
acompanhamento, que se encontra incomodamente entre o Dó menor precedente e a nova
tônica, Fá maior. Devido ao Si natural e o Mi bemol proeminentes, Dó menor poderia ainda
ser percebido como a tônica neste ponto (de uma perspectiva auditiva, o Ré bemol poderia ser
tomado como inflexões no campo da Napolitana). Somente quando a textura se expande em
partes reais no compasso 5, torna-se claro que a função do Dó menor seria de uma dominante
menor em Fá menor (embora não haja nenhuma cadência firme em Fá). A tônica menor
governa a maior parte do movimento final. A verdadeira tônica da Sinfonia, Fá maior,
realmente emerge somente no final do movimento, inicialmente na recapitulação do segundo
grupo temático e, posteriormente, de modo mais enfático, na coda (c. 267). Com estes
procedimentos tonais de larga escala, Brahms efetivamente mantém as tensões harmônicas
características de um único movimento de uma sonata tradicional permeando toda a sinfonia.

21
motto – motivo condutor, estrutura básica que serve de matriz para todos, ou vários, eventos de uma obra.
38

MOVIMENTO I II III IV

PLANO FORMAL Exp. Des. Rec. Coda Exp. Rec. Coda Alleg. Trio Allegr. Exp. Des. Rec. Coda

(‘Segundo Grupo’)

PLANO TONAL FáM FáM (DóM) DóM Dóm Dóm (Dóm) Fám (FáM) Fám FáM

CONFLITO: Lá / Láb Fá Lá Fá Ré tríades: cad. cad. Láb cad. Fám FáM Fám FáM
(Lá-Láb-Lá) (Lá) (Lá) F, Db plagal plagal plagal (Láb) (Lá) (Láb) (Lá)

TEMA ‘AUSENTE’ X ? X X X
(Láb) (Lá) (Lá)

Figura 3.1: Brahms, Sinfonia No. 3, Op. 90.


39

Fá menor cumpre um papel significativo não somente neste plano típico de sonata,
como também nos outros processos tonais da sinfonia, centrados na relação entre Lá e Láb.
Como tem sido observado freqüentemente, principalmente por Roger Sessions, Brahms
coloca estes dois sons em conflito já no início da sinfonia22. As harmonias que servem de
suporte para o encadeamento do motto (Fá-Láb-Fá) movimentam-se de Fá maior para um
acorde de sétima diminuta construído sobre a tônica como fundamental, voltando para Fá
maior. O tema principal entra no último destes acordes; o motto está, agora, no baixo. As
notas Lá e Láb chocam-se mais violentamente: a terça menor do motto do compasso 4 opõe-
se ao Lá natural precedente da melodia e consegue desviar a harmonia em direção à tônica
menor. O problemático Láb não será facilmente deslocado. Permanece fazendo parte da
harmonia quando o motto do baixo retorna a Fá no compasso 5, conduzindo audaciosamente à
sua quinta inferior, Réb. Láb e Réb afastam-se gradualmente nos doze compassos seguintes, e
o primeiro grupo temático finalmente repousa em uma cadência em Fá maior – a primeira –
no compasso 15.
Conforme coloca Sessions, a transição e chegada subseqüentes na segunda área tonal
(c. 15-35) estendem a influência de Lá/Láb sobre uma área mais ampla, expandindo os
processos tonais, que são tão comprimidos no início. Nos compassos 19-21, o motto aparece
firmemente em Fá maior como Lá-Dó-Lá, porém uma exposição em Fá-Láb-Fá superpõe-se à
última nota. Aqui, a contraposição Lá/Láb torna-se ainda mais proeminente por afetar a
condução de vozes: o baixo Lá do compasso 21 desce diretamente para Láb no compasso 22,
o qual resolve agora como uma dominante para Réb maior. A digressão tonal é ainda maior
do que nos compassos de abertura do movimento, pois o Réb aparece no baixo e governa não
somente um único compasso mas uma frase inteira de oito compassos (c. 23-30).
A matriz Láb-Réb começa novamente a se dissolver, enquanto Brahms introduz a
segunda área tonal com mais duas exposições sobrepostas do motto. Sobre a última nota de
Fá-Láb-Fá nos contrabaixos (c. 29), as madeiras iniciam a exposição em Dó#-Mi-Dó#: o Réb
anterior é re-escrito e re-harmonizado como a terça de Lá maior, mas o Láb desaparece. Logo
(no c. 49) o Dó#/Réb é também removido, descendo para Dó natural enquanto o modo menor
permanece no restante da exposição.
Brahms reacende o conflito entre Lá e Láb no início da recapitulação, sempre um
importante foco de re-interpretação dramática em suas estruturas em forma-sonata. Nos
compassos 120-124, os acordes de abertura são enriquecidos ou expandidos. O Láb do motto
é harmonizado não com o acorde de sétima diminuta original, mas com um abrupto acorde de
Ab7; a última nota do motto – Fá – aparece, então, como parte da resolução – a terça do
acorde de Db.
O Andante, em Dó maior, não se relaciona diretamente com a dualidade Lá-Láb. Sua
exposição apresenta um plano tonal ortodoxo – I-V; a recapitulação permanece na tônica.
Contudo, a arrojada justaposição das tríades de F e Db nos compassos 75-76 (a extensão em
desenvolvimento do segundo grupo temático) traz o conflito entre as notas de volta à nossa
consciência. A série de cadências plagais que encerra o movimento realiza este processo de
modo ainda mais enfático. Na primeira cadência (c. 128-129), a tônica alterna com um
simples IV grau – tríade de F. Na segunda cadência, (c. 130), Brahms substitui a
subdominante por um cálido acorde sobre o sexto grau abemolado – Ab. Nos compassos 132-
134, esta harmonia sobre Ab é transformada em uma subdominante menor, que resolve
novamente na tônica. Desta forma, nos compassos finais deste movimento, Brahms
suavemente nos relembra (na altura original) da importante relação entre Lá e Láb.
22
Ver Roger Sessions, The musical experience of composer, performer, listener, p. 47. Veja também a discussão
de Schoenberg sobre as relações entre o motto e o movimento entre as áreas tonais, em seu Theory of harmony,
p. 164 (tradução para o espanhol: SCHOENBERG, Arnold. Armonia, Barcelona: Real Musical, 1974).
40

O Allegretto parece recolocar estas sonoridades plagais nos compassos 24 e


subseqüentes. Sobre um pedal de tônica em Dó, que inicialmente serve de base a um acorde
de tônica e logo (c. 29) se torna um acorde de Fá maior, Brahms introduz uma subdominante
menor prenunciando a nova apresentação do conflito central de alturas da peça. A seção Trio
deste movimento está construída sobre o sexto grau bemol – Láb maior, uma área tonal que
serve para manter o conflito crucial Lá/Láb em nossos ouvidos, mesmo que seja no ‘reino’ da
dominante da sinfonia – Dó maior.
O drama tonal retorna ao centro do palco no movimento final. O Láb domina,
naturalmente, o primeiro grupo temático em Fá menor e, especialmente, o misterioso coral em
Láb maior que interrompe o primeiro grupo, nos compassos 18-19, quase como se fosse para
chamar solenemente a nossa atenção para o fato de que ainda estamos lidando com a
antinomia entre os dois sons (e suas respectivas áreas tonais). E é no retorno deste tema coral
na seção de desenvolvimento (c. 149) que Brahms traz a disputa entre Lá e Láb ao seu clímax.
O tema aparece na dominante de Lá menor, movendo-se ascendentemente, em uma notável
série de transformações harmônicas, através das regiões de Dó menor (c. 155), Réb/Dó#
menor (c. 159) e Mi menor (c. 163). Nos compassos 167-168, há um deslocamento para mais
um semitom superior, indo para Fá maior, sendo que a nota Lá natural é alcançada
triunfantemente sobre um acorde de quarta e sexta nos compassos 169-170. Porém, esta
vitória do Lá natural tem vida curta, pois já no compasso seguinte, a terça maior desce
novamente para Láb, e a recapitulação está sob o domínio da tônica menor.
Somente na coda o problema Lá/Láb é, finalmente, resolvido. No poco sostenuto do
compasso 267, a armadura perde três de seus bemóis e aquele tema sem repouso do finale
move-se para o modo maior em uma aumentação magistral. O Lá natural agudo do tema
transformado (c. 269) é apropriadamente colocado em relevo, por sua intensidade forte e sua
colocação no início de uma ligadura. No compasso 297, somente um tênue resquício do
conflito entre Lá e Láb permanece: sobre um fragmento do tema, um acorde de tônica alterna
com um acorde de Réb maior (sexto grau abemolado), recordando as cadências plagais do
Andante e permitindo que o conflito Lá/Láb vibre pela última vez.

II

O desenvolvimento métrico cumpre um papel importante na Terceira Sinfonia,


especialmente nos dois primeiros movimentos. Os compassos iniciais do primeiro movimento
colocam uma espécie de ‘problema métrico’. A menos que tenha seus olhos no regente ou na
partitura, o ouvinte não está apto a perceber qualquer compasso definido nos dois acordes
iniciais, cada um durando um compasso inteiro. O tema principal, que entra no terceiro
compasso, começa a projetar um perfil métrico. Mas qual é o metro que ouvimos? Os violinos
parecem estar articulando 3/2, ou seja, uma divisão de compasso em três e não em dois; o
quarto tempo, normalmente forte em 6/4, permanece visivelmente vazio. Os violoncelos e as
violas não tomam uma posição firme na definição do metro: sua harmonia muda somente a
cada seis tempos, oferecendo poucos indícios para a percepção da articulação rítmico-métrica
interna ao compasso. Nem há qualquer definição métrica por parte do motto, anunciado pelos
contrafagotes e contrabaixos em notas longas. A única sugestão sonora para a notação 6/4 da
partitura – e isto é muito menos do que uma sugestão – vem dos tímpanos e trombones, que
cortam seus rufos e acordes (respectivamente) no quarto tempo do compasso. Somente no
compasso 7, a divisão binária do metro se torna explícita em todas as partes: o tema, o motto e
as vozes harmônicas agora se movimentam a cada meio compasso.
Embora relativamente menos informativo do que o processo compositivo em si, o
autógrafo da Terceira Sinfonia (que está na Biblioteca do Congresso Americano) derrama
uma tênue luz sobre estas ambigüidades métricas. Todas as notas sustentadas por um
41

compasso inteiro foram escritas por Brahms não como semibreves pontuadas, como aparece
na edição Sämtliche Werke de Brahms, mas como duas mínimas pontuadas ligadas (Figura 2).
A primeira edição da partitura também apresenta as mínimas pontuadas ligadas. Os dois
métodos de notação são teoricamente equivalentes, obviamente. Porém a Terceira Sinfonia é,
no melhor do meu conhecimento, o único autógrafo de Brahms escrito desta forma. Em outras
partituras em 6/4 (por exemplo, os dois primeiros movimentos do Concerto para Piano em Ré
Menor) ou em 3/2 (o primeiro movimento do Quarteto de Cordas em Dó Menor), todas as
notas que permanecem por um compasso inteiro são escritas como semibreves pontuadas.
Porque Brahms alterou sua notação somente para esta sinfonia? Um regente iria, com quase
toda certeza, marcar os dois primeiros compasso em dois, independentemente da notação.
Brahms provavelmente escolheu as mínimas pontuadas ligadas para proporcionar um reforço
escrito do metro latente e para assegurar que tanto o regente quanto os instrumentistas iriam
projetar algo da tensão latente entre as articulações binária e ternária (assim como a marcação
‘em um’) do compasso.

Figura 3.2: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90. Fac-símile da primeira página do manuscrito autógrafo.

O segundo grupo temático da exposição mantém a tensão entre a divisão binária e


ternária de uma maneira diferente. O novo tema em Lá maior (c. 36) está escrito em 9/4, o
qual é percebido como uma expansão, ou uma ampliação, do metro original em compasso
ternário (e não como uma reordenação interna do compasso, como no início). No compasso
49, o metro é mais uma vez contraído para 6/4.
Estes elementos são colocados em um clímax desconcertante no final do
desenvolvimento, onde poder-se-ia dizer que a recapitulação é gerada fora de uma contração
métrica (Exemplo 1.1a). No compasso 112, o tema principal aparece na tonalidade sombria de
42

Mib menor, seguindo agora sua tendência natural de desdobrar-se em 3/2 (a divisão ternária
também foi preparada pelos três compassos precedentes). Não há trombones ou tímpanos para
palpitar no quarto tempo; de qualquer forma, no início não há acompanhamento algum. As
escalas descendentes em ritmo pontuado, dos compassos 115-119, tornam a divisão ternária
explícita.
Os dois últimos compassos desta passagem (c. 118-119) são marcados por um
ritardando. Então, no compasso 120, a recapitulação inicia abruptamente no tempo original
(Tempo Iº). Sendo que, agora, a divisão binária do compasso 6/4 é articulada claramente: as
cordas, que não estavam presentes no início do movimento, dividem firmemente cada
compasso em dois tempos. As indicações de tempo de Brahms asseguram que ouviremos o
retorno não somente como uma reestruturação interna do compasso – não como uma mudança
de 3/2 para 6/4 – mas como uma mutilação ou compressão real. O compositor não especificou
quão rápida deve ser a recapitulação em proporção à retransição, porém qualquer regente ou
músico que esteja lendo a partitura deve (ou deveria) tomar uma decisão a este respeito. Uma
solução seria tomar uma mínima do ritardando (c. 118-119) como equivalente à mínima
pontuada do Tempo Iº; do ponto de vista do ouvinte, o compasso 3/2 seria reduzido em um
terço – para 2/2 (Exemplo 1.1b). A maior parte das gravações desta sinfonia seguem
aproximadamente esta prática, embora poucos regentes permanecem o tempo suficiente nos
compassos 118-119 para permitir que esta compressão seja sentida. Outra solução, mais
dramática – uma solução que é realmente mais fiel às indicações de Brahms (mas que eu
nunca experimentei ouvir) – seria diminuir o andamento no primeiro ritardando (c. 110-111),
manter este tempo durante o poco sostenuto e, então, diminuir ainda mais o tempo no segundo
ritardando (c. 118-119). O grau de compressão poderia, então, ser dobrado ao tornar a
semínima dos compassos 118-119 igual à mínima pontuada no Tempo Iº; o resultado auditivo
seria uma contração métrica de 3/2 para 2/4 (Exemplo 1.1c).
Qualquer que seja o meio de retornar, a recapitulação deveria ser percebida como que
emergindo de um tipo de paroxismo métrico, o qual Brahms reforça com uma compressão (ou
elisão) harmônica igualmente repentina. Nos compassos 117-119, a tonalidade predominante
– Mib menor – move-se em direção à sua própria dominante – Sib; um pedal em Fá,
percebido como dominante da dominante de Mib menor, está presente o tempo inteiro. Este
Fá é originado como uma nota temática – o ponto final das escalas descendentes; porém no
compasso 118 esta nota começa a funcionar como parte da harmonia do acorde de F7. No
último tempo do compasso 119, a harmonia de dominante da dominante é intensificada por
meio de um acorde de sexta aumentada italiana, Solb-Sib-Mi, que resolve no tempo forte do
compasso 120 em uma tríade de Fá maior. Ainda tomamos este acorde como uma dominante
de Sib; porém o Fá toma, repentinamente, a si mesmo como tônica, sendo a primeira nota do
tema principal! Na violenta mudança que segue para os acordes de Ab7 e Db, a estrutura
harmônica parece rebelar-se contra a arrojada usurpação do Fá maior. A tônica é confirmada
definitivamente somente no início da transição para o segundo grupo temático (c. 136).
43

Exemplo 3.1: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90, I.


44

III

Uma poderosa conjunção entre os processos métricos e harmônicos também geram a


recapitulação do Andante da Terceira Sinfonia. Sendo explosivo no primeiro movimento, este
processo torna-se agora lírico e fluente. Mais uma vez, o tema principal coloca o ‘problema’,
aqui envolvendo o quarto (ou último) tempo do compasso, sobre o qual a melodia e o
acompanhamento divergem (Exemplo 1.2). A melodia, com o fraseado indicado por ligaduras
internas ao compasso, interpreta o quarto tempo como um elemento de conclusão; porém nas
partes de acompanhamento, o quarto tempo inicia um novo grupo ligado que leva em direção
ao compasso seguinte. Há um corolário harmônico para este conflito rítmico. A tríade de
tônica em estado fundamental, articulada (como é de se esperar) no primeiro tempo do
compasso 1, reaparece no segundo e no último tempos do compasso 2, alternando com uma
tríade sobre o IV grau. Nós, ouvintes, nos tornamos conscientes da ambigüidade potencial da
harmonia de tônica: esta pode ser forte (como I grau) ou fraca (como dominante do IV grau).

Exemplo 3.2: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90, II.

No decorrer da exposição, o quarto tempo do compasso ameaça afastar-se da estrutura


métrica, como acontece no Quinteto em Fá Menor, no Quarteto em Dó Menor e – mais
significativamente – no primeiro movimento desta sinfonia, onde o último tempo do
compasso 6/4 se afirma nos compassos 51-77. No compasso 29 do Andante, na transição para
o segundo grupo temático, a ênfase sobre o segundo e quarto tempos passa a perturbar nossa
orientação métrica; por volta do compasso 34, o quarto tempo escrito passa a soar como se
fosse um tempo forte. Como nas outras peças que examinamos, as partes de acompanhamento
sustentam completamente o deslocamento métrico por serem tocadas somente no segundo e
quarto tempos. No tempo forte do compasso 40, a organização métrica original foi restaurada,
somente para ser novamente obscurecida (embora não deslocada) pelo marcante segundo
tema (c. 41 em diante). Este tema não soa nada parecido com o primeiro, porém explora os
mesmos tipos de ambigüidade rítmica: sobre as opacas harmonias de sétima, o quarto tempo é
tratado tanto como anacruse (tempo fraco com propensão a preparar o tempo forte seguinte –
c. 40 e 41), quanto como elemento de fechamento (c. 42).
Como no primeiro movimento, estes processos são levados a um clímax durante a
retransição (c. 80; o Andante não possui uma seção de desenvolvimento propriamente dita, há
somente uma extensão em desenvolvimento do segundo grupo a partir do compasso 71). No
segundo tempo do compasso 80 (Exemplo 1.3) a extensão em desenvolvimento chega a uma
parada em um acorde de sétima diminuta construído sobre a fundamental Dó, sobre o qual o
clarinete introduz suavemente um fragmento do tema principal (suas primeiras três notas). O
45

perfil métrico do tema agora é tão nebuloso quanto a harmonia subjacente: o fragmento inicia
no quarto tempo (escrito) e sua primeira nota está ligada sobre a barra de compasso. A flauta,
o oboé e o fagote assumem sucessivamente esta figura sobre harmonias que mudam
incessantemente, porém sempre sobre o pedal Dó. Na quarta apresentação deste fragmento do
tema (c. 84) a figura em colcheias Ré-Si é aumentada para duas semínimas; esta aumentação
dilata o Dó final (do fragmento) até o quarto tempo. Simultaneamente a este Dó, a flauta e o
oboé iniciam outra reexposição, que é modificada ainda mais: Brahms retém a aumentação de
Ré-Si, mas remove a ligadura que atravessa o compasso, colocando, assim, a nota Ré no
tempo forte do compasso 85. Quando o fragmento do tema aumentado é seguido pela segunda
figura do tema principal (Sol-Lá-Sol-Lá), repentinamente compreendemos que o fragmento
em aumentação está conduzindo ao motivo inicial do movimento – ou, em outras palavras, a
recapitulação já iniciou. Contudo, o fraseado ainda apresenta a influência da retransição
precedente, pois tanto a voz melódica quando o acompanhamento estão ligados através da
barra de compasso. Originalmente, somente o acompanhamento apresentava esta ligadura
anômala: o fraseado da melodia estava indicado normalmente (Exemplo 1.2); agora melodia e
acompanhamento estão deslocados conjuntamente. Somente no compasso seguinte (c. 87) são
restaurados o tempo forte apropriado e o fraseado original.

Exemplo 3.3: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90, II.

Vamos retomar brevemente nossos passos para examinar o componente harmônico


desta massagem notável, onde Brahms realiza a melhor das potencialidades existentes nos
compassos iniciais, explorando as ambigüidades do acorde de tônica. Toda a retransição é
construída sobre o sólido pedal de Dó. Como no primeiro movimento, o pedal de tônica
entrou antes da recapitulação temática, embora penso que também aqui não estamos prontos
para reconhecer este baixo como sendo a tônica. Nos compasso 81-84, as cordas e os metais
mudam a harmonia no segundo tempo de cada compasso, movendo-se, assim, na estrutura
deslocada (ou sincopada) do fragmento do tema. No compasso 84, o compasso com
aumentação, a harmonia chega a um acorde de D7. Então, da mesma forma que o fragmento
do tema completa sua evolução em direção ao tema principal, o acorde de D7 (ainda com o
baixo em Dó) encaminha-se subitamente para Dó Maior no segundo tempo do compasso 85.
Brahms, desta forma, passou completamente por cima da dominante de Dó; como no
primeiro movimento, a nota pedal simplesmente se coloca como tônica quando o tema
46

retorna. Nossa surpresa é intensificada porque a melodia e a harmonia não estão


sincronizadas; a última continua se movimentando no padrão métrico deslocado da
retransição. O acorde de tônica se choca com a nota melódica Si natural no segundo tempo do
compasso 85.
Todo o processo pelo qual a recapitulação emerge é tão sutil, tão cuidadosamente
conduzido, que não podemos demarcar precisamente um único ponto onde a recapitulação
inicia. Nela, literalmente, evolui elemento por elemento; tema, metro e harmonia amalgamam-
se naquilo que finalmente compreendemos como sendo a recapitulação. Esta passagem
representa, talvez, o maior refinamento das técnicas de variação em desenvolvimento
adotadas por Brahms.

IV

A recapitulação do Andante nos leva a considerar, neste ponto, o alto nível de drama
temático-formal da Terceira Sinfonia, pois o tema misterioso da exposição (c. 41-50) não
aparece na recapitulação. Em seu lugar (c. 108) vem uma melodia lírica, que Brahms criou
por meio de uma de suas utilizações mais inspiradas das técnicas de acoplamento. O final da
discreta figura cadencial das trompas no compasso 107, é tomado pelos violinos no compasso
108 como sendo o início do novo tema (Exemplo 1.4). Na exposição (c. 22-23), esta figura
cadencial aparece duas vezes em sucessão (clarinete, cordas) para então dar lugar a uma
reapresentação ornamentada do tema principal. Na recapitulação, Brahms abrevia a cadência,
extraindo uma nova idéia temática de suas últimas notas.

Exemplo 3.4: Brahms, Sinfonia Nº 3, Op. 90, I.

Após este tema ter percorrido seu curso lírico, a cabeça do motivo de duas notas do
segundo tema original é ouvida, tanto quanto foi ouvida na exposição (c. 56-62 e 115-121);
porém o tema do qual este motivo é um eco parece ter desaparecido. Temos visto
freqüentemente Brahms utilizando as técnicas de acoplamento como um método elegante de
gerar novas idéias. Aqui, entretanto, esta técnica está a serviço do grande plano da sinfonia,
pois substitui um tema anterior e, então, impulsiona uma dramaticidade que se resolve
somente no movimento final.
O ‘tema ausente’ é retomado três vezes no último movimento. A primeira vez ocorre,
de modo inesperado, proximamente ao início. O tema principal chega a uma semi-cadência no
acorde de Dó maior, no compasso 18, fazendo com que esperemos um desenvolvimento
conseqüente na dominante ou na tônica. Em vez disto, os trombones (que não eram ouvidos
desde a coda do Andante) entoam solenemente em Mib a cabeça de duas notas do motivo do
segundo tema do Andante; em seguida, as cordas e as madeiras entram com o mesmo tema
em Láb. Este tema aparece em sua completitude, com uma exposição extra do motivo de duas
47

notas inserido entre as frases nos compasso 22-23. Porém, o caráter foi modificado: o
original, com suas harmonias de sétima sombrias, fica claro tornando-se mais plano por meio
de tríades escritas em estilo coral. O tema original tinha primorosas cadências evitadas; a
versão transformada termina justamente onde iniciou, em Láb.
Porém, este tema desaparece. Nos compassos 29-30 os trombones apresentam pela
última vez o motivo de duas notas em Mib; esta nota é, então, elevada para Mi natural com a
explosão de toda a orquestra na dominante de Fá menor, juntamente com uma variante do
tema inicial. O tema do Andante tem sido, desta forma, uma digressão impenetrável dentro do
primeiro grupo temático do último movimento. De fato, poder-se-ia facilmente retirar o coral
e seguir diretamente da semi-cadência na dominante do compasso 18 à volta do mesmo
acorde nos compasso 29-30; o primeiro grupo ainda assim apresentaria lógica e continuidade
eminentemente brahmsianas. O movimento final continua a se desdobrar (em uma forma
rondó-sonata) como se fosse imperturbável com relação a esta interrupção. Um
desenvolvimento posterior do tema principal é levado a cabo no compasso 51, na ‘ortodoxa’
dominante, onde Brahms apresenta um amplo e ‘correto’ segundo tema. Extremamente
correto, na verdade. Suspeita-se que Brahms poderia ter realizado este tema intencionalmente
quadrado e pesado para nos manter pensando no outro ‘segundo tema’, mais marcante – o
coral do Andante.
A seção de desenvolvimento traz de volta o coral e, a partir deste, Brahms agora
constrói um enorme clímax. O desenvolvimento inicia-se bastante inocentemente, explorando
uma escala descendente de quatro notas derivada do tema principal (clarinetes, c. 129-131).
Brahms inicia um cânone com base nesta figura no compasso 141; porém, sete compassos
após seu início, o cânone é interrompido abruptamente. Após meio compasso de um terrível
silêncio, os motivos familiares de duas e três notas do tema do Andante aparecem com a
indicação forte, bem marcato, tratados com imitação à distância de um compasso. No
compasso 159, as entradas passam a ser realizadas à distância de somente meio compasso,
fazendo com que o stretto alcance um clímax, enquanto todas as partes executam
simultaneamente a figura em tercinas nos compasso 167-168.
Porém aqui nenhuma história está concluída. Como já vimos anteriormente, a nota Lá
natural movimenta-se descendentemente para Láb (Fá maior torna-se Fá menor) no início da
recapitulação (c. 170-171). O tema do Andante também parece carecer de preenchimento e
resolução, pois não aparece na recapitulação (que inicia com o material que tinha seguido a
digressão do compasso 30, na exposição). Sua resolução vem somente na coda, onde aparece
pela última vez (c. 280) em uma nova forma cadencial, primeiro em Fá maior, para então
mover-se para Ré maior (c. 288) e voltando à tônica maior. O radiante Ré maior efetivamente
neutraliza o eixo Réb-Láb que vinha dominando boa parte da sinfonia e, por voltar no círculo
das quintas, é integrado à tônica, em vez de ser colocado contra esta (como seria o caso de
Réb/Láb).
A volta ao tema de abertura da sinfonia no compasso 301, não somente nos conduz de
volta ao ponto em que iniciamos, como também demonstra o quão longe havíamos chegado.
Da mesma maneira que o tema coral, o tema inicial está, agora, em completo repouso. Os
paroxismos harmônicos iniciais – as inflexões em direção a Fá menor e Réb maior –
acalmaram-se em um puro Fá maior. As ambigüidades rítmicas e métricas estão dissipadas
nos trêmulos pouco luminosos das cordas, cujos seccionamento do compasso em dois (c. 301,
303, etc.) e delicada sincopação (c. 302, 304) projetam fácil e confortavelmente o metro
binário escrito (agora 2/2, naturalmente). Embora a coda do primeiro movimento tenha
antecipado este momento, provou ser somente uma calmaria temporária antes de
desenvolvimentos subseqüentes. Agora, a promessa daquela primeira coda está plenamente
realizada.
48

Os procedimentos específicos de variação em desenvolvimento que encontramos na


Terceira Sinfonia – as técnicas de acoplamento, as recapitulações suprimidas ou obscurecidas,
a consistência motívica, a exploração contínua de conflitos entre notas específicas, os
deslocamentos métricos – não são novos na música de Brahms. Encontramos estes
procedimentos na maior parte de sua obra madura, desde o Quinteto com Piano Op. 34 em
diante. Porém o que é peculiar nesta sinfonia, eu creio, é o modo como estes procedimentos
são colocados a serviço de uma estrutura coerente mais ampla em quatro movimentos. Em
suas ocorrências locais, estes processos criam expectações e tensões que são preenchidas (ou
resolvidas) somente no final da peça. De fato, é isto que faz com que o retorno do tema inicial
da sinfonia como um elemento conclusivo apareça de modo tão satisfatório no final. Este
retorno constitui-se em uma das transformações temáticas mais persuasivas de Brahms – é
precisamente isto o que ocorre: mudanças de humor e caráter enquanto as relações de altura
são mantidas – porque parece realmente englobar todos os processos temáticos, harmônicos,
métricos e formais que se estenderam por toda a sinfonia, desde a primeira aparição do tema
inicial.

3.5. Bibliografia sobre variação em desenvolvimento

ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 1989.


BENT, Ian. Analysis. New York: Norton, 1987.
DUNSBY, Jonathan; WHITTHALL, Arnold. Music analysis in theory and practice. New
Haven: Yale University, 1988.
FRISCH, Walter. Brahms and the principle of developing variation. Berkeley: University of
California, 1990.
KERMAN, Joseph. Musicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
LEIBOWITZ, René. Introduction à la musique de douze sons. Paris: L’Arche, s.d.
________________. Schoenberg and his school. New York: Philosophical Library, 1949.
MANN. Thomas. Doutor Fausto. São Paulo: Círculo do Livro, 1992.
RÉTI, Rudolph. The thematic process in music. Westport: Greenwood Press, 1978.
____________. Thematic patterns in sonatas of Beethoven. New York: Da Capo, 1992.
RUFER, Josef. Composition with twelve notes. London: Barrie & Rockliff, 1961.
SCHOENBERG, Arnold. Style and Idea. Berkeley, University of California, 1975.
____________________. Fundamentos da composição musical. São Paulo, Edusp, 1991.
49

4. O PROCESSO TEMÁTICO NA MÚSICA

4.1. Várias categorias de transformação23

Quando os clássicos substituíram o princípio de imitação e variação contrapontística


pela transformação temática, não inventaram algo inteiramente novo. Uma parte do
mecanismo estrutural através do qual o princípio temático se manifesta já estava em pleno uso
na era contrapontística.
Em particular, havia um conjunto específico de características que a técnica temática
poderia ter tomado diretamente, já pronto, por assim dizer, da esfera contrapontística. Estas
características eram os tão conhecidos procedimentos de inversão e aumentação, além de
tantos outros. A técnica temática, na realidade, ao tomar todos estes dispositivos, adaptou-os
aos seus próprios propósitos e espírito. Enquanto que no reino contrapontístico estes
procedimentos eram aplicados literalmente, a técnica temática os utilizou de uma forma livre
e flexível.
A inversão, por exemplo, em uma missa de Okeghem ou Palestrina ou em uma fuga de
Bach, é uma estrutura na qual ocorre a repetição, nota por nota, em movimento contrário, ou
seja, ‘inverte’ a frase original. Da mesma maneira, uma aumentação ‘aumenta’ uma estrutura
precedente, isto é, a reitera ‘textualmente’ em suas notas, com duração mais longa.
Porém em uma sinfonia de Beethoven, como a Nona, por exemplo, uma inversão não é
nem mesmo reconhecível como tal sob um lançar de olhos superficial, visto que pode
aparecer com um novo ritmo ou uma acentuação diferente, podendo ir ainda além com
mudanças consideráveis na própria estrutura melódica.
Além destes procedimentos padronizados, a técnica contrapontística fez amplo uso de
grande quantidade de outros recursos como, por exemplo, a tão mencionada alteração de
ritmo e acento ou a mudança de função harmônica de uma estrutura melódica, além de muitos
outros. Além disso, estes artifícios não foram somente tomados pelo estilo temático, mas
foram ampliados e intensificados em seu sentido e modo de aplicação.
É necessário compreender que estes recursos, e muitos outros que foram adicionados a
estes, raramente foram utilizados isoladamente no estilo temático, mas geralmente em
combinação de dois, três ou mais. Uma estrutura, por exemplo, que era um tema em um
movimento apareceria no próximo movimento em sua inversão, simultaneamente com
mudanças na acentuação, em um novo andamento, e assim por diante. Na realidade, esta
tendência de combinar e intensificar os procedimentos tornou-se a principal idéia de
estruturação na era temática. Este é o verdadeiro fenômeno que chamamos de transformação
temática. Assim, a transformação temática, em seu sentido extremo, não é mais realizada de
acordo com qualquer procedimento específico, antigo ou novo, que possa ser formulado, mas
é operado livremente, em qualquer forma que a inspiração compositiva tenha pressentido. As
possibilidades são inumeráveis e todo o compositor genial inventa novos métodos. Em
resumo, a técnica temática não mais inverte, aumenta, ou simplesmente varia as estruturas,
mas as transforma no pleno sentido desta palavra.
Por esta razão, nenhuma lista genuína de diferentes tipos de transformação temática
pode ser realizada, como foi feito com relação aos procedimentos contrapontísticos; sendo
assim, a enumeração seguinte certamente não pode ser tomada como sendo mais do que uma
tentativa de adicionar mais exemplos característicos ao conhecimento do princípio temático e
da técnica temática através da qual se expressa. De fato, são acima de tudo os exemplos, mais
do que as definições, que contam na seguinte demonstração.
23
Texto traduzido do capítulo: Various categories of transformation, in: RETI, 1978, p. 66-105.
50

Entre estes exemplos, uma grande parte foi escolhida das obras de Beethoven. Isto foi
realizado porque, para o autor, a técnica temática, embora inquestionavelmente tenha se
tornado a base para todo o esforço compositivo de nossa época, nunca foi manejada de uma
forma mais intensa, concentrada e consciente do que na música de Beethoven, de tal forma
que a maior parte de seus fenômenos podem ser descritos com base em citações de sua obra.
Contudo, uma vez que a idéia como tal foi entendida, pode provar ser mais reveladora e
agradável observar como este princípio é aplicado de diferentes modos por outros
compositores de acordo com seus próprios estilos e individualidades, tendendo a diferentes
efeitos e diferentes espíritos.

4.1.1. Inversões, reversões, interversões

Podemos iniciar com o mais comum de todos os recursos, a inversão24. Tais inversões,
conforme foi dito anteriormente, eram meros aspectos técnicos no estilo especificamente
24
Para esclarecer a terminologia, o seguinte deve ser entendido. Em um sentido estritamente técnico inversão,
movimento contrário e retrogradação (para este último, em função de simplificação, o termo reversão pode ser
doravante utilizado) são três concepções diferentes. A inversão de uma quarta, por exemplo, é uma quinta, de
uma terça é uma sexta, e assim por diante. Porém o movimento contrário de uma quarta ascendente Dó-Fá é
simplesmente a quarta descendente Fá-Dó. Entretanto, na prática musical estas concepções podem ser
geralmente misturadas. Chamaríamos de inversão se, como ocorre no exemplo seguinte de uma suíte de Bach, a
frase a aparece como em b:

muito embora, se falarmos estritamente, somente o primeiro intervalo aparece em inversão, enquanto que o
restante deveria ser classificado como movimento contrário. Porém, como o termo ‘inversão’ é quase
universalmente aceito para designar o movimento contrário, esta utilização será geralmente mantida em nossa
análise.
Uma reversão, então, é uma transformação na qual a última nota de uma estrutura é utilizada como o
início de outra, seguida pela penúltima nota, e assim por diante, até que a primeira nota seja alcançada. De modo
interessante, entretanto, este processo pode não diferir do movimento contrário, desde que aplicado somente a
estruturas que consistem de escalas em graus conjuntos e acordes. Por exemplo, as partículas dadas abaixo em a
iriam aparecer, tanto em movimento contrário como em reversão, nas formas apresentadas em b:

Porém, assim que estruturas menos uniformes são concebidas, torna-se inteiramente diferente. Por
exemplo, a estrutura apresentada abaixo como a poderia aparecer em movimento contrário como visto em b e
em reversão como aparece em c:
51

contrapontístico, repetindo literalmente uma estrutura dada na direção oposta (cf. exemplo na
nota de rodapé). Em contraste a isto, a idéia de inversão em uma obra de Beethoven pode
produzir uma nova estrutura – uma estrutura realizada por meio de algumas variantes da
inversão literal. O compositor efetua estas mudanças livremente, de modo que elas pareçam
se ajustar à parte da composição na qual deseja incluir a estrutura invertida.
No Rondó em Sol Maior de Beethoven (‘Avidez Pelo Níquel Perdido’) dois dos temas
principais aparecem da seguinte forma:

Ex. 4.1

Não pode haver dúvida de que o tema b foi concebido como uma inversão do tema a.
Ambos os temas consistem de duas metades simétricas que, em sua essência, repetem uma à
outra. Cada primeira metade contém duas partículas motívicas (marcadas com I e II).
A partícula I, no primeiro tema uma tríade ascendente (a), aparece no segundo tema
como uma tríade descendente (b); enquanto que a partícula II, que no primeiro tema forma
uma quarta descendente (c), torna-se, no segundo tema, uma quarta ascendente (d):

Assim, quando os motivos são de natureza curta e sem complicação, às vezes não se diferenciam
reversões, movimentos contrários e inversões.
52

Ex. 4.2

Com relação ao material básico, portanto, a clara existência de uma inversão não pode
ser questionada. Contudo, em sua aparência externa, como expressões musicais, os dois temas
são francamente diferentes, principalmente porque o primeiro tema possui figurações
características que faltam ao segundo tema. Além disso, no primeiro tema, a partícula I é
repetida literalmente (a no exemplo seguinte), enquanto que no segundo tema a repetição é
transposta (b):

Ex. 4.3

através da qual finalmente emerge uma estrutura inteiramente diferente.


O que pretendemos demonstrar é que uma estrutura pode ser construída como uma
inversão e ainda assim admitir uma superfície completamente nova. Pois o compositor,
naturalmente, não produz tal característica ‘teoricamente’, primeiro decidindo utilizar uma
‘inversão’ e então tentando encontrar como escrevê-la. Não, quando quer que um tema aflore
ao ouvido de um compositor treinado estruturalmente, todas as formas de possíveis
transformações irão, de uma só vez, lançar uma luz repentina em sua mente. Se entre estas
formas, como neste exemplo em particular, a inversão parecer ser a mais apropriada, o
compositor a aceitará como uma base, porém irá estruturar o novo tema tão livremente quanto
sua imaginação exigir, não se preocupando, não desejando que os detalhes do segundo tema
devessem corresponder estritamente ao primeiro.
O funcionamento do mesmo fenômeno pode ser observado muito transparentemente
em um belo exemplo retirado das Duas Rapsódias, Op. 79 de Brahms. Assim sendo, pode-se
supor que, em geral, quando um compositor de consciência estrutural inclui duas ou mais
peças em um mesmo número de opus deveria significar, e freqüentemente significa, que estes
itens constituem uma unidade artística, que representam um todo arquitetônico mais elevado
formado por material temático comum. De fato, examinando a abertura destas duas rapsódias,
descobriremos que em essência, independente de como parecem, uma finalmente se torna a
inversão da outra.
Podemos colocar um grupo principal de cada tema abaixo do outro para facilitar a
comparação (algumas questões que o leitor pode levantar serão respondidas imediatamente):
53

Ex. 4.4

Dificilmente seriam necessárias explanações extensas para fazer alguém compreender


a afinidade que une estes dois temas. Um deve ter sido produzido com a idéia de formar uma
nova estrutura que espelharia o outro em direção contrária. Comparando as partes
correspondentes (I e II em ambos exemplos), poderíamos dizer que as partes marcadas com I
talvez formem uma reversão (ou movimento contrário) mais do que uma inversão estrita –
embora esta questão de terminologia é de pequena importância para o problema em si – e o
motivo II na Segunda Rapsódia não é a inversão literal, mas levemente modificada. Contudo,
a idéia de uma inversão não pode estar equivocada. O leitor pode ter notado também que o
compasso inicial do segundo tema (Ia no exemplo seguinte) foi omitido na citação anterior.
Isto foi feito porque Brahms não incluiu este compasso (o qual é, acima de tudo, uma
transposição do seguinte) quando construiu a inversão. Entretanto, a que grau de lógica e
simetria até mesmo estas ‘liberdades’ podem ser conduzidas por um compositor com um
senso de forma altamente desenvolvido pode ser visto ao compararmos os dois temas em sua
completitude:

Ex. 4.5

Vimos que o compasso inicial da Rapsódia II (marcado com Ia) não tem um compasso
correspondente na Rapsódia I. Esta ‘omissão’, porém, é equilibrada no final do tema da
Rapsódia I por um compasso adicional (marcado com Ia), o qual, por sua vez, também não
possui compasso correspondente na Rapsódia II. Além disso, da mesma forma que o motivo
Ia é aproximadamente uma transposição de I, o motivo IIa é somente uma transposição de II.
Desnecessário dizer, aqui o compositor certamente não construiu esta simetria
‘geometricamente’. Um impulso musical deve ter-lhe dito que uma inversão iria satisfazer sua
visão do tema da Rapsódia II. Ele, então, trabalhou musical e estruturalmente em sua forma
final.
54

Nos voltamos a um aspecto novo e particular. Este se origina do fato de que, além
destas inversões, movimentos contrários e reversões, os clássicos introduziram um dispositivo
adicional nunca antes mencionado em qualquer livro texto – um procedimento que, embora
relacionado de alguma forma a estas inversões e reversões, é diferente destas. Consiste em
mudar a ordem das notas de uma estrutura temática de forma a produzir uma nova estrutura.
Visto que a teoria corrente é tão inconsciente deste tipo de transformação que nem mesmo
tenha designado um nome para isto, somos compelidos a inventar um novo termo e podemos
chamar este procedimento de interversão25.
As composições clássicas em geral, e as últimas obras de Beethoven em particular,
estão cheias destas interversões. O movimento inicial (Adagio) do Quarteto, Op. 131, em Dó#
Menor de Beethoven, por exemplo, inicia com uma configuração (a, no exemplo abaixo) que
no último movimento (Allegro) aparece transformada como b:

Ex. 4.6

As segundas partes destes temas (marcadas com II) formam, entre si, claras inversões.
Porém, se olharmos para as primeiras quatro notas (marcadas com I),

Ex. 4.7

devemos admitir que não é nem inversão, nem movimento contrário, nem qualquer um dos
procedimentos conhecidos. Contudo, nenhuma mente musical que descubra estas duas figuras
como sendo os temas principais de uma obra duvidaria que existe uma afinidade entre ambas.
Conseqüentemente, devemos adicionar estas ‘interversões’ à lista dos recursos estruturais de
transformação temática.
Além do que, esta concepção de afinidade entre os dois movimentos é, como em todas
as obras de Beethoven, confirmada pelos outros movimentos, que fornecem outros exemplos
de interversões características. O ritmo pulsante do quinto movimento, Presto, que em caráter
parece um mundo distante da melancolia do Adagio inicial, revela-se, em um exame mais
detalhado, como sendo gerado pela mesma raiz. Isto é provado pelo seguinte exemplo, no
qual o tema do Presto é citado em transposição (a). Ao compararmos o contorno (b) deste
tema com o tema do primeiro movimento (c), a analogia torna-se evidente:

25
Atualmente, o vocábulo ‘interversão’ é pouco utilizado, sendo preferível o termo ‘permutação’ (N. do T.).
55

Ex. 4.8

Também aqui, como em vários exemplos anteriores, é aplicada uma ‘livre’


estruturação: três notas do tema do Adágio têm uma contrapartida no Presto. Por outro lado, a
perfeita analogia é óbvia.
Não menos aparente é a identidade básica do segundo movimento, Allegro molto
vivace. Transpondo seu tema (a, no exemplo abaixo) para a tonalidade do primeiro
movimento e comparando-o ao tema do primeiro (b, no exemplo abaixo), a analogia entre os
elementos principais não pode gerar dúvidas:

Ex. 4.9

A mesma idéia estrutural que aparece nestas interversões vêm à luz em uma escala
intensificada quando, como ocorre algumas vezes, não somente as notas isoladas de um
motivo, mas partes inteiras de temas são alternadas e fundidas para criar um novo tema.
Novamente exemplos particularmente impressionantes podem ser escolhidos do misticismo
estrutural de um dos últimos quartetos de Beethoven, o Opus 130.
Os três temas de seu primeiro movimento: (a) o tema do Adagio, (b) o tema do Allegro
e (c) o segundo tema do Allegro, aparecem da seguinte maneira:
56

Ex. 4.10

O segundo tema do Allegro (c, no exemplo acima) não é outra coisa que uma
reiteração ritmicamente modificada do seu primeiro tema (b). Entretanto, este é somente o
início do segundo tema. Sua configuração completa (dividida entre violoncelo e violino) está
citada no exemplo 4.11a. Ao examiná-lo detalhadamente, percebemos que não somente o
primeiro tema do Allegro, como também o tema do Adagio (citado em transposição no
exemplo 4.11b) torna-se audível no curso do segundo tema.

Ex. 4.11

Devemos captar o impacto completo deste fenômeno: Beethoven constrói o segundo


tema forjando, em um único plano, o primeiro tema e o tema da Introdução. O ritmo é
variado, algumas notas ornamentais são modificadas, porém a totalidade do percurso
melódico do novo tema é, claramente, o resultado da combinação dos dois temas precedentes
– clara e conscientemente, visto que esta estruturação é muito complexa e específica para ser
gerada instintivamente. Assim, como denominamos de interversão o recurso de alternar notas
isoladas dentro de um motivo, podemos designar este fenômeno paralelo, porém ampliado, de
interversão de temas.
57

4.1.2. Mudança de tempo, ritmo, acento

Outro modo pelo qual uma configuração temática pode ser transformada em uma nova
apresentação é modificando seu tempo, ritmo ou acentuação.
Naturalmente, uma mudança de tempo foi um recurso já em uso abundante no período
contrapontístico, formando as chamadas ‘aumentações’ (que é um alargamento do tempo) ou
‘diminuições’ (aceleração do tempo). O fato de que existe diferença entre tal aumentação no
estilo contrapontístico e uma transformação representando a mesma idéia na técnica temática
pode ser demonstrado no seguinte exemplo da Sonata em Sol Maior, Op. 14, N.º 2, de
Beethoven. Nesta obra, deve ter ocorrido ao compositor formar o tema do segundo
movimento, o andante, como uma variante mais lenta da figura inicial do primeiro
movimento, ou, para ser preciso, da interversão desta figura. Esta aparece como:

Ex. 4.12

Visto que para ser a base para um tema esta figura parece ser muito curta, o
compositor a prolonga repetindo duas de suas notas:

Ex. 4.13

Omitindo a primeira nota, por ser idêntica à segunda, a inversão (transposta) desta
frase, dada como a no próximo exemplo, é, com alguma licença melódica, o tema do segundo
movimento (b), se o tempo for muito diminuído.

Ex. 4.14

Chocados, alguns leitores poderiam, talvez, observar: “Não seria mera coincidência?
O plano estrutural está realmente incluído aqui?” Entretanto, se ampliarmos a comparação em
direção à continuação desta configuração, todas as dúvidas deverão desaparecer. Pois no
primeiro movimento, após algumas repetições da figura inicial citada acima, segue-se um
grupo (exemplo 4.15b) com o qual o exemplo 4.15a do segundo movimento forma claramente
a estrutura correspondente:
58

Ex. 4.15

Se o grupo b do exemplo acima for escrito em um tempo quatro vezes mais rápido,

Ex. 4.16

percebemos que, com exceção das primeiras notas, é idêntico ao grupo do Allegro anterior
(Ex. 4.15a), literalmente idêntico em seus mínimos detalhes. Ora, duas afinidades
surpreendentes como estas em sucessão, ambas com base na mesma mudança de tempo, são
coincidentes demais para terem sido realizadas ao acaso. Os grupos do Andante são, de fato,
‘aumentações’, inicialmente da inversão do grupo do Allegro, posteriormente de sua forma
direta.
Não menos incisivas do que as mudanças de tempo são as alterações rítmicas. É
interessante como mesmo uma frase curta pode, através de uma pequena mudança de acento
ou ritmo, assumir uma aparência geral inteiramente diferente.
A introdução Grave da Sonata Op. 13, chamada ‘Patética’, de Beethoven, inicia com
a estrutura dada abaixo como a, seguida por sua transposição (b), e, posteriormente, por uma
versão em modo maior (c):

Ex. 4.17

Porém as seguintes figuras emergem:


59

Ex. 4.18

E aqui pode-se pensar, à primeira vista, que a cena mudou e isto é algo novo. Na
realidade, contudo, estas são ainda as mesmas frases melódicas, com o ritmo e acento
meramente modificados.
Se for escrito sem ritmo ou repetições rítmicas, a estrutura inicial da sonata (exemplo
4.17a) e a estrutura citada como exemplo 4.18a são idênticas. O fato de que o ouvido está
inclinado a ignorar a identidade, a menos que a atenção esteja voltada para este aspecto, deve-
se simplesmente à mudança de ritmo. Isto deve-se especialmente ao fato de que a última nota
da frase inicial está no tempo fraco, enquanto que na segunda versão está no tempo forte.
Assim, a frase seguinte (exemplo 4.18b) não necessita de maiores comentários. Sem
levar em conta seu ritmo estendido e sua acentuação inteiramente diferente, volta a ser mais
uma vez, em seu percurso melódico, a abertura da sonata (com uma nota cromática incluída).
O procedimento de mudança de acentuação foi demonstrado deliberadamente em uma frase
motívica curta, e não em um tema completo, porque sua natureza poderia ser assim descrita
mais transparentemente. Além disso, como logo será reconhecido, tais mudanças rítmicas de
pequenas partículas temáticas elevaram-se a uma função soberana na música dos clássicos
tardios, particularmente em Brahms.
O mecanismo da técnica orquestral de Brahms é amplamente baseado nesta arte de
remover partículas de um tema, modificando seu tempo e ritmo, integrando-as e ligando-as a
outros temas. Brahms, quase que regularmente, delineia as partes secundárias com as quais
cria o acompanhamento para os segundos temas de suas sinfonias com figurações que são
partículas diferentemente acentuadas do primeiro tema da mesma obra.
Podemos seguir o início do processo temático da Segunda Sinfonia de Brahms um
pouco mais detalhadamente do que seria necessário neste ponto específico, visto que com isto
não somente será ampliada nossa lista de transformações rítmicas, como também nossa
compreensão do plano compositivo de uma sinfonia inteira será enriquecido.
A sinfonia inicia com a seguinte estrutura:

Ex. 4.19

Conforme pode ser visto pelas chaves, este grupo é construído com base em duas
figuras motívicas (I e II). Este primeiro grupo é seguido por outro,

Ex. 4.20
60

que representa uma reiteração levemente variada dos últimos três compassos do grupo
precedente. Os dois grupos juntos (exemplo 4.19 mais exemplo 4.20) formam a primeira
metade do período inicial. Na construção deste tema, um recurso encantador genuinamente
brahmsiano torna-se aparente; durante o último compasso do primeiro grupo supracitado, um
baixo correspondente ao compasso inicial do mesmo grupo está soando, representando o
início do grupo seguinte. Através deste artifício, a conexão entre os dois grupos torna-se mais
íntima, produzindo dois grupos sobrepostos simetricamente, cada um com cinco compassos
(A e B):

Ex. 4.21

Esta parte, formando a primeira metade do tema completo, é seguida por uma metade
que lhe é correspondente (prolongada), e que novamente principia no baixo durante o último
compasso da primeira metade (indicada como Aa no exemplo acima). Além disso, durante os
últimos compassos do período inicial começa um novo grupo (novamente construído a partir
dos motivos de abertura), desta vez pelos violinos; este grupo de ligação leva à tônica Ré,
tocada em pianíssimo pelos tímpanos. Deste ponto em diante, a conclusão da primeira parte
inteira compreende:

Ex. 4.22

Os dois últimos compassos são utilizados para começar um novo tema – e aqui inicia o
principal ponto de nossa demonstração. Pode-se conjeturar que este novo tema seja o segundo
campo temático. Entretanto, conforme prova toda a trajetória do movimento, este tema, de
acordo com tudo o que este termo implica, ainda não pode ser classificado como sendo o
segundo tema, mas forma um novo grupo dentro da primeira seção temática. Assim sendo, é
notável e extremamente impressionante, do ponto de vista da arquitetura, que um exame deste
‘tema intermediário’ revela, desde que o plano estrutural seja levado em conta, que este tema
se encontre precisamente entre o primeiro e o segundo temas. Este tema intermediário
apresenta, justamente, uma semelhança espantosa tanto com o primeiro tema, por um lado,
quanto com o segundo tema, por outro.
Vamos testar a validade desta afirmação. Este novo tema (intermediário) apresenta-se
da seguinte maneira:
61

Ex. 4.23

Tomando-se a segunda metade (marcada com II) deste tema, uma simples comparação
demonstra que sua estrutura é formada por um tipo de réplica do primeiro tema.

Ex. 4.24

A analogia entre estes dois temas não pode estar equivocada. O motivo a é transposto,
enquanto os motivos b e c aparecem em sua altura original; o motivo b é simplesmente
expandido no novo tema por meio de uma figuração.
Entretanto, de forma surpreendente, o segundo tema é quase um espelho da primeira
metade do novo tema (marcado com I no exemplo 4.23):

Ex. 4.25

Isto deve nos impressionar vigorosamente. Estamos olhando as mais íntimas


ramificações do planejamento compositivo. O compositor apresenta seu primeiro tema, que é
seguido por um tema intermediário que reitera a essência do primeiro. Porém este tema
intermediário é, por outro lado e ao mesmo tempo, o anunciador do segundo tema.
Deveríamos estar conscientes da estruturação intrincada através da qual este fenômeno
é efetuado. Em alguns compassos do grupo intermediário soam contornos de ambos, primeiro
e segundo temas. Se destacarmos certas notas, o primeiro tema vem à tona; se destacarmos
outras notas, o segundo tema aparece.
Com isto, voltamos ao nosso primeiro ponto de discussão. Pois a diferença de
aparência e caráter destes três temas (sem levar em consideração a identidade em seu âmago)
é causada, em grande parte, por meio de deslocamentos de acentos e ritmos em seus motivos
básicos.
A este respeito, um aspecto adicional, impressionante, também é notado; a saber, que
o segundo tema, enquanto é introduzido por violas e violoncelos, é acompanhado pelos
violinos com figurações que são claras elocuções do motivo II do primeiro tema. Para
62

resumir, podemos dizer: o segundo tema é acompanhado por partes do primeiro. E, olhando
este acompanhamento mais detalhadamente, também se revela um espantoso campo de
transformações por meio de variedade rítmica:

Ex. 4.26

Ao conectar diferentes vozes (conforme indicado pelos colchetes) uma coleção inteira
de versões ritmicamente diferenciadas do motivo II, sucedendo, ou mesmo superpondo umas
a outras, torna-se audível.
Esta técnica foi zelosamente tomada e inclusive ampliada pelos compositores
modernos. Como ilustração, podemos pegar exemplos do Quarteto de Cordas N.º 4 de Béla
Bartók. Antes de nos referirmos, entretanto, aos processos específicos em questão aqui (mais
uma vez aquelas mudanças de ritmo e acento), antes devemos desenhar, em um breve esboço,
uma parte da pintura temática do quarteto. Pode nos dar uma concepção mais lúcida para
iniciarmos, se partirmos do Finale, seu quinto movimento.
O Finale inicia com um grupo introdutório que é, virtualmente, a repetição de uma
harmonia prolongada por onze compassos, após à qual se transforma em uma típica figura de
acompanhamento (c. 12 e seguintes):

Ex. 4.27

Ë significante observar que, com exceção da nota ornamental (Láb), as notas que
fazem parte da figura de acompanhamento são as mesmas que formam os acordes do grupo
introdutório precedente. Então, após poucos compassos, um tema emerge acima da figura de
acompanhamento, a qual permanece durante todo o tema (exemplo 4.28). Também a linha
melódica do próprio tema é construída com base nas mesmas notas dos acordes do grupo
63

introdutório (com a mera introdução de um acidente). Todo este processo é uma ilustração
instrutiva de como, na técnica temática, até mesmo a esfera harmônica é, em geral, permeada
pelo princípio temático. Estas harmonias são, claramente, expressões da idéia temática do
movimento comprimida em acordes.
O tema é o seguinte:

Ex. 4.28

Como podemos ver, este tema constitui-se de quatro grupos (sempre interrompidos por
alguns compassos de acompanhamento), dos quais o segundo grupo (marcado com Ia) é uma
inversão do primeiro (marcado com I), enquanto que o quarto grupo (Ia) é uma inversão
(transposta) do terceiro (II). Todos os grupos são construídos a partir da mesma essência
motívica. No entanto, os guapos I e Ia (exemplo 4.29a) se caracterizam por uma quinta
diminuta, enquanto que os grupos II e IIa (exemplo 4.29b), são compostos por uma oitava
diminuta (às vezes escrita como sétima maior):

Ex. 4.29
64

Deste ponto, podemos voltar ao primeiro movimento. Este inicia com uma introdução
de quinze compassos, após a qual entra o grupo de temas. No exemplo a seguir, colocamos
somente as vozes decisivas tematicamente, para deixar a idéia mais transparente:

Ex. 4.30

Reconhecemos, também aqui, um esboço do tema do Finale: inicialmente uma série


de motivos com quintas diminutas (I), que posteriormente são intensificados com oitavas
diminutas (II).
Entretanto, apesar da identidade interna entre estes grupos temáticos dos dois
movimentos, dificilmente poderíamos considerar todo este processo como sendo uma
verdadeira ‘transformação’. Seria melhor considerá-lo como sendo um tipo de variação
temática, pois as similaridades são tão óbvias, com os inícios sendo, inclusive, idênticos.
Condições similares podem ser observadas no segundo movimento, onde a estrutura temática
(II) emerge, também em repetições ‘textuais’, na seguinte passagem canônica:

Ex. 4.31

Contudo, sendo transformação ou variação, o que é de particular interesse para nós


neste ponto é a constante mudança de ritmo e acento de notas idênticas. No primeiro
movimento, por exemplo (exemplo 4.30), as primeiras quatro ocorrências do pensamento
temático aparecem, cada uma, com acentuação diferente: com a primeira entrada na oitava
colcheia, em seguida na sétima, na primeira e na terceira colcheias, sucessivamente. No
último movimento, devido ao caráter jubilante do Finale, o próprio tema (exemplo 4.28) soa
65

em um ritmo claro e direto. Não obstante, na passagem final deste movimento, o jogo de
alterações de acentuação e ritmo é também retomado para levar ao clímax:

Ex. 4.32

Contudo, uma pintura como esta, embora tenha representado na época em que foi
escrita um ápice de refinamento e estruturação audaciosa, tornou-se hoje uma questão de
rotina. Os nossos jovens compositores talentosos freqüentemente demonstram notável
habilidade nesta técnica de detalhamento motívico, através da qual as diversas partes de suas
partituras adquirem a atraente aparência de um bordado temático altamente elaborado. No
entanto, tais aspectos são menos freqüentemente combinados com uma compreensão similar
da formação temática em larga escala – técnica e função pelas quais estas conexões, relações
e transformações constróem o todo arquitetônico de uma obra musical.

4.1.3. Rarefação, preenchimento de estruturas temáticas

Considerando-se que uma das partículas motívicas básicas a partir da qual os temas de
uma obra são construídos seria:

Ex. 4.33
66

Seria lógico que o compositor, desejando alcançar variedade, às vezes utilizasse, no


curso posterior da mesma composição, as seguintes versões do motivo:

Ex. 4.34

A primeira representa uma ‘rarefação’ do original, enquanto que a segunda pode ser
chamada de uma versão ‘preenchida’.
Estes exemplos, a propósito, não são exemplos fictícios ou abstratos, mas indicam
literalmente a pintura motívica da Terceira Sinfonia de Beethoven. O início de cada um dos
três primeiros movimentos apresenta:

Ex. 4.35

Todos os outros temas desta obra contém, da mesma forma, proeminentes variantes da
mesma figura motívica:

Ex. 4.36

O segundo tema do Finale, por exemplo (a, no exemplo acima), é uma interversão do
original, enquanto que o segundo tema do primeiro movimento (b) combina uma inversão
‘rarefeita’ com uma inversão ‘preenchida’. Mesmo o início de toda a obra, os famosos
acordes com os quais o Adagio introdutório inicia (c, no exemplo anterior), são também
manifestações do mesmo motivo comprimido em acordes26. A mesma idéia é expressa de um
modo mais delicado no tema do Trio do Minueto (d).
Assim, ainda falta o primeiro tema do último movimento, do qual, no entanto,
meramente seu início,
26
Esta abertura com uma ‘dissonância’ salientou-se na época de Beethoven, questionada como sendo um
aspecto revolucionário. Muito mais revolucionário, contudo, do que esta ‘meiga’ dominante com sétima, era a
idéia, então nova, de expressar motivos, ou seja, o pensamento temático, através da harmonia.
67

Ex. 4.37

é formado pelo motivo familiar, enquanto que o curso principal do tema do Finale não está
centrado neste motivo, mas é derivado de outra estrutura motívica do primeiro grupo do
Allegro – do qual o tema do Finale é, de fato, uma reversão:

Ex. 4.38

Voltando, porém, à nossa discussão sobre ‘procedimentos’. O tema do segundo


movimento não apenas abre, como foi mostrado acima (exemplo 4.35b), com a versão
rarefeita do motivo, mas também continua assim:

Ex. 4.39

o que é melodicamente o motivo literal, modificado ritmicamente, obviamente. De fato, esta é


uma ilustração clássica, por assim dizer, de como uma simples mudança de acento pode
alterar todo o sentido e aparência de uma estrutura musical. Pois as figuras:

Ex. 4.40

são, em seu curso concreto, literalmente idênticas. Contudo, cada uma delas expressa, em
caráter e afeto, algo inteiramente diferente, principalmente porque a segunda nota, que na
primeira versão é a menos acentuada, torna-se um tempo forte na segunda versão.
Naturalmente, a mudança de andamento de Allegro para Andante também cumpre uma função
importante.
Assim, havendo destacado a prevalência deste pequeno motivo básico em todos os
temas da sinfonia, parece ser somente uma conseqüência natural que as tonalidades de seus
movimentos expressem a mesma idéia. De fato, as tonalidades da Primeira Sinfonia de
Beethoven são: Dó, Fá, Dó, Dó.
Naturalmente, nossos últimos exemplos referem-se mais a partículas motívicas do que
a estruturas temáticas concretas. Porém, em todas estas relações, há uma total intenção
68

arquitetônica, conforme pode ser visto na próxima citação. Ao compararmos o tema do


Andante com o segundo tema do Allegro, e assim não mais lidando com partículas mas com
temas reais, a analogia com o plano completo torna-se evidente:

Ex. 4.41

Os exemplos falam por si mesmos.

4.1.4. Supressão de partes temáticas

O fato de que partes de um tema são utilizadas para criar um novo tema foi
demonstrado em diversos exemplos acima. Algumas vezes, contudo, este processo é realizado
de uma forma peculiar, na qual podemos trabalhar em certo detalhe, já que isto irá enriquecer
nosso discernimento sobre os métodos de formação temática.
Na Sonata Op. 81a, ‘Les Adieux’, de Beethoven, o início da introdução Adagio, o
famoso ‘Lebewohl’, e o início do primeiro tema do Allegro são apresentados da seguinte
forma:

Ex. 4.42

Há alguma relação entre estes temas? Na verdade, as notas Sol, Fá e Mib do primeiro
tema estão estruturadas conforme o percurso melódico da última parte do segundo grupo.
Contudo, se as duas estruturas fossem tocadas para nós independentemente (ou seja, sem nos
ser dito que iniciam duas seções do mesmo movimento), certamente não as consideraríamos
como sendo relacionadas entre si. Deixando de lado todas as diferenças de caráter e fraseado,
poderíamos, mesmo como uma questão de princípio, recusar a aceitar a idéia melódica
expressa por

Ex. 4.43
69

O último aparece-nos, de acordo com todos os conceitos musicais com os quais


estamos acostumados, como uma entidade musical em si mesma, da qual nenhuma nota pode
ser ‘suprimida’.
No entanto, Beethoven prova que esta não é uma conclusão convincente. Visto que ele
escolheu as duas estruturas como sendo as elocuções temáticas alternadas deste movimento,
devemos, de acordo com todos os princípios estruturais manifestos em todas as suas obras,
tomar por certo que uma é um ‘derivativo’ da outra. Este é um fato que se torna mais certo
pela comparação de todo o contorno da figura do Adagio com o tema do Allegro:

Ex. 4.44

A analogia entre ambos é inquestionável.


Outro aspecto do mesmo tipo, talvez ainda mais marcante, apresenta-se na Sonata
para Piano Op. 110, que abre com este tema:

Ex. 4.45

Conforme o modo usual de ouvir e compreender esta estrutura melódica, muitos de


nós julgariam, de fato, impossível e inteiramente anti-natural, do ponto de vista musical,
simplesmente ‘suprimir’ a primeira, e mais importante, nota deste tema, o Dó, para
desenvolver uma variação temática ou uma transformação do ‘fragmento’ restante.
Não obstante, é exatamente isto o que Beethoven faz. Pois o tema da fuga que forma
parte do último movimento desta sonata apresenta-se:

Ex. 4.46
70

É óbvio que este tema é formado como uma imagem perfeita do tema do primeiro
movimento, após ter descartado a sua primeira nota.
Há uma revelação impressionante que deve ser tomada destes exemplos. O ponto de
vista habitual de que as estruturas musicais que formam uma composição são entes firmes e
‘estáticos’, que não podem ser mexidos, não se sustenta como verdadeiro no processo interno
da criação musical. No processo real de criação, figuras e temas não são rígidos, mas estão
em um estado de mudança e flutuação constantes.
Um exemplo ainda mais meticuloso, retirado da sonata Op. 27, N.º 2, de Beethoven, a
chamada ‘Sonata ao Luar’, pode adicionar um testemunho ainda mais convincente a este
respeito. O primeiro tema aparece como:

Ex. 4.47

Este tema, ainda vivo na mente do compositor após a conclusão do movimento, cresce
gradualmente em fluência e velocidade, modifica-se de um ritmo ternário para um ritmo
quaternário. Assim a melodia original, transposta para uma altura superior, inicia:

Ex. 4.48

a qual ainda, apesar da mudança de tempo e ritmo, mantém literalmente o desenho melódico
original. De fato, mesmo algo do ritmo original ecoa como:

Ex. 4.49

Em um estágio posterior, a linha, ainda girando no ouvido do compositor, pode


aparecer desta forma reduzida:

Ex. 4.50

que é quase uma estrutura pequena demais para ser um tema. Desta forma, o compositor
finalmente interpola, por assim dizer, o Dó perdido do início no meio da frase. O resultado é:
71

Ex. 4.51

o tema do Allegretto da Sonata ao Luar.


Ora, pode ter sido notado que o final do tema do Adagio, de acordo com o texto
original que aparece conforme apresentado abaixo em a, foi citado na forma de b:

Ex. 4.52

ou seja, pela inserção do Ré# na linha superior do acompanhamento. Este é o ponto onde, de
acordo com nossas explanações precedentes, poderiam ser levantadas objeções. “Não é
permissível de modo algum’, alguém poderia argüir, “inserir o Ré# do acompanhamento na
linha temática do soprano”. Tais objeções poderiam se justificar enquanto se estivesse
levando em conta somente o primeiro movimento. Visto que no tema do Adagio, seu final
deveria indubitavelmente ser escrito como Fá#, Si, Mi, e inserir o Ré# do acompanhamento
não seria apenas uma falsificação, mas completamente anti-musical.
Contudo, no momento em que o movimento é concluído e o compositor busca pelo
segundo e terceiro movimentos (ou, neste caso, mesmo depois que o tema está completo e o
compositor está perto de formar o tema seguinte), todas estas ‘leis’ se tornam inválidas. Pois
neste estágio, o compositor ouve apenas aquilo que soa, e se preocupa muito pouco se aquilo
que circula em sua mente foi escrito no soprano ou no contralto. Ele utiliza as estruturas
emergentes para construir um novo tema, inteiramente de acordo com sua vontade criativa e
livre imaginação.
Que Beethoven desejava formar o tema do movimento seguinte a partir do precedente
– tanto na Sonata ao Luar como em todas as outras obras – é comprovado pela continuação; a
saber, o terceiro movimento. Pois, ao extrairmos de um dos temas do Finale (a no exemplo
seguinte) o seu o contorno melódico (b), e comparando-o com o tema (transposto) do Adagio
(c),

Ex. 4.53
72

a espantosa identidade torna-se tão óbvia que dissipa todas as dúvidas – como se estas fossem
provas quando a estrutura é mais livre.

4.1.5. A concepção de um contorno temático

O último exemplo, do Opus 27, N.º 2 de Beethoven, traz à luz uma espantosa
similaridade interna entre o tema de abertura de seu primeiro movimento e um dos temas
principais do movimento final. Estes dois temas provam, em um exame mais detalhado, serem
quase idênticos, embora sejam, em caráter e aparência externa, elocuções inteiramente
diferentes e, à primeira vista, não pareçam ter nada em comum. Como podemos lembrar, é a
mesma idéia apresentada como sendo o aspecto estrutural salientado em inúmeros exemplos
anteriores. Por esta razão, poderia ser valioso enquanto tentamos chegar ao cerne deste
fenômeno. “O que exatamente”, poderíamos perguntar, “constitui o denominador comum que
liga estes dois temas entre si?”.
A resposta é que a linha melódica de um dos temas é expressa na linha do outro,
embora não seguindo o método melódico concreto anterior, mas indiretamente, por meio da
conexão de algumas de suas notas extremas. Em outras palavras: o tema do Adagio soa a
partir do contorno do tema do Finale.
Tal ‘contorno temático’, repetidamente indicado em nossa demonstração precedente, é
uma das concepções centrais no reino estrutural dos compositores clássicos. Daí, conforme já
foi suficientemente descrito, as estruturas não são repetidas literalmente na técnica temática,
mas são sempre variadas de alguma forma. Este fenômeno de contorno, ou pelo menos um
vestígio dele, tornar-se-á, em um grau maior ou menor, audível em quase toda a
transformação. Desta forma, é demonstrado, em última análise, o arquétipo da metamorfose
temática. Pois seja uma inversão, aumentação, mudança de tempo ou ritmo, ou qualquer outro
recurso especial, de um modo ou de outro a estrutura original irá invariavelmente soar com
base no contorno da estrutura dentro da qual foi transformada, ou vice-versa.
Para ilustrar o princípio geral deste fenômeno, poderíamos, por conseguinte, nos
referir a quase qualquer exemplo de transformação temática. Para nosso propósito imediato,
entretanto, podemos destacar um exemplo específico, um caso no qual a idéia de contorno
vem à tona de uma forma mais direta e concreta. Este é, mais uma vez, um exemplo de
Beethoven; a saber, sua última sonata para piano – a sonata Op. 111.
Esta composição sustenta, em sua grandeza e misticismo, todas as características do
último período, tão discutido, de Beethoven. Em seu plano geral, com seus dois movimentos
tão diferentes, representa uma estrutura particular, senão única, de sonata. O plano dramático
da obra, por assim dizer, parece inteiramente concentrado na paixão e tensão de seu primeiro
movimento, na conclusão do qual tem-se a sensação de que a emoção alcançou seu pico e
nada mais poderia ser adicionado. Conseqüentemente, o segundo movimento – tema com
variações – aparece, inicialmente, mais como um anexo, como se fosse uma canção folclórica
despretensiosa, cantada para acalmar a tempestade quando o verdadeiro drama já foi
concluído. Posteriormente a próprias variações, em renovadas figurações, conduz ao cume de
um mundo transcendente. Em qualquer medida, os dois movimentos parecem tão
contrastantes que dificilmente alguém se sentiria apto a descobrir qualquer ligação estrutural
entre eles. É quase um milagre que o tema do Adagio (exemplo 4.54b) possa revelar uma
similaridade impressionante com o tema do primeiro movimento, o Allegro, apresentado no
exemplo abaixo como c:
73

Ex. 4.54

A afinidade é inequívoca: o Allegro, modificado para modo maior, soa a partir do


contorno do Adagio. A única nota que falta no tema do Adagio, o Láb, é meramente uma nota
de passagem dissonante que não se ajustaria ao caráter e estrutura do movimento.
Deveria ser adicionado que a introdução, Maestoso, do primeiro movimento,

Ex. 4.55

complementa este esquema de unidade. O início do tema do Adagio – Dó, Mib, Si – aparece
nos três primeiros compassos em interversão – como Mib, Dó, Si (marcado com I), enquanto
que o restante é expresso no decorrer do grupo seguinte (II) (neste exemplo, o Láb é
realmente incluído).

4.1.6. Compressão temática

Algumas vezes o tema de um movimento transforma-se no tema de outro pela


compressão da estrutura inicial em uma espécie de versão abreviada, ou, se olharmos o
procedimento pelo ângulo oposto, pela expansão do corpo de um tema em direção a uma
estrutura mais ampla.
Vamos comparar os temas do primeiro e último movimentos da Fantasia-Sonata Op.
15, de Schubert, a ‘Wanderer Fantasie’27. O tema do movimento final, (b, no exemplo
abaixo) obviamente não é outra coisa do que uma versão muito comprimida da seção inicial
do primeiro movimento (a):
27
‘Fantasia do Viajante’.
74

Ex. 4.56

Os dois grupos do tema do Allegro (marcados como I e II) claramente reaparecem no


último movimento, agora, porém, com apresentações abreviadas.
Outro belo exemplo de tal compressão temática é encontrado no Concerto para Piano
Op. 54, de Schumann. O primeiro tema de seu primeiro movimento (Allegro affetuoso) e seu
último movimento (Allegro vivace) aparecem da seguinte forma:
75

Ex. 4.57

e é evidente que o último não é outra coisa do que uma expressão abreviada do anterior,
transformado para modo maior. Um esquema comparativo torna mais claro:

Ex. 4.58

Ainda mais intensa é a idéia da redução temática adotada no tema do segundo


movimento, Andante. O tema deste movimento, que é o seguinte,
76

Ex. 4.59

é construído, na realidade, a partir de somente duas pequenas frases do tema do Allegro,


porém suas frases mais importantes, a saber:

Ex. 4.60

O compasso inicial do Andante soa claramente como uma recordação da primeira


destas frases, a qual, após ter sido repetida diversas vezes de uma maneira improvisatória,
conduz a uma segunda frase, um salto de oitava. O crescendo que conduz à oitava formava o
clímax do tema do Allegro. Agora, como um salto duplo, representa a essência do tema do
Andante.
Além do mais, o fato de que os temas do primeiro e último movimentos estavam
plenamente na consciência arquitetônica do compositor, concebidos como duas diferentes
versões de uma mesma idéia temática, é comprovado por um aspecto interessante, que pode
ser descrito neste momento.
O concerto, anunciando o tema principal, inicia-se com um pequeno grupo em estilo
de tocata:

Ex. 4.61
77

Este grupo é retomado surpreendentemente (com uma leve variação) no final do


segundo movimento. Para compreender o significado deste processo, devemos observar a
seção na qual o reaparecimento é encaixado. Próximo ao final do segundo movimento,
algumas poucas frases do início do mesmo movimento são reiteradas pela orquestra, da
seguinte forma:

Ex. 4.62

Então, de repente, segue-se um compasso que é uma réplica do primeiro compasso do


tema do Allegro, somente modificado para o modo maior:

Ex. 4.63

Obviamente, a mágica influência das partículas precedentes, que são as frases iniciais
do tema do Andante e, ao mesmo tempo, uma parte do tema do Allegro, foram tão potentes
que o compositor não poderia evitar de retornar ao próprio tema Allegro em si mesmo.
Entretanto, ele cita este tema, conforme foi visto, em modo maior, dirigido, por assim dizer,
por uma visão subconsciente daquilo que estava por vir. Esta recordação mágica de uma
estrutura do primeiro movimento é seguida, imediatamente, por uma surpresa ainda maior.
Pois agora o solista chega àqueles compassos em estilo de tocata, relembrando o início do
concerto:

Ex. 4.64

A orquestra, por sua vez, responde com a repetição do primeiro compasso, porém
agora em modo menor, na forma original:
78

Ex. 4.65

Novamente o solista segue com a figura em estilo de tocata. Tudo isto tem lugar em
um caráter improvisatório com aspecto de procura. Porém, então, a improvisação está em seu
fim; pela terceira vez, o compasso decisivo soa na orquestra, desta vez novamente em modo
maior; e agora, por meio de um attacca, entra o tema do último movimento.
Como poderia tudo isto ter ocorrido, se o compositor não estivesse consciente de sua
intenção de formar o tema do movimento final como se fosse, por assim dizer, uma segunda
apresentação do tema do primeiro movimento? Inserir alguns compassos da abertura do
concerto, particularmente esta introdução em estilo tocata, no meio do Andante (de caráter
lírico) seria uma idéia sem sentido, infantil, a menos que tivesse o propósito de, por meio
deste recurso, anunciar a retomada do primeiro tema, agora em sua forma transformada,
concentrada, como sendo o tema do último movimento.

4.1.7. Mudança de harmonia

Visto que, no processo de transformação, um tema geralmente passa por uma


transformação completa, tornando-se uma estrutura inteiramente nova, faz parte da natureza
mais íntima deste processo que a linha temática original possa, geralmente, em sua nova
ocorrência, emergir com uma base harmônica inteiramente nova. Tal mudança da idéia
harmônica é, naturalmente, uma alteração extremamente incisiva.
Tomando-se, por exemplo, o tema do último movimento da Sonata para Piano Op. 53,
‘Waldstein’, de Beethoven (citada a seguir em transposição como a) e comparando-o com o
segundo tema do primeiro movimento (b):

Ex. 4.66

deve-se admitir que a similaridade entre as duas linhas melódicas é notável. Se, de alguma
forma, a semelhança passou despercebida, deve-se, indubitavelmente, à formulação
harmônica inteiramente diferente na qual estas linhas melódicas quase idênticas aparecem na
obra.
Pode ser interessante investigar mais especificamente esta diferença. Ignorando o
sentido harmônico, se fôssemos comparar somente as duas linhas melódicas (o tema do
último movimento transposto e o segundo tema do Allegro), diríamos simplesmente que a
linha foi modificada de modo maior para menor pela substituição do Mib pelo Mi natural.
Entretanto, a nova linha, tendo sido supostamente modificada para o modo menor, aparece
79

agora harmonizada em Mi maior. Assim, em adição às mudanças de tempo, fraseado e outras,


os dois temas tornaram-se dois enunciados musicais inteiramente diferentes. Contudo, a base
comum não pode ser negada.
A essência comum não é menos aparente no tema inicial da sonata, que está escrito
conforme o exemplo (no qual o contorno está adicionado na pauta de baixo):

Ex. 4.67

Comparando este tema com o tema do movimento final (exemplo 4.65a), torna-se
óbvio que o último é, em essência, uma inversão da idéia do tema do último movimento,
embora sua figuração o torne um enunciado diferente.

4.1.8. Altura idêntica e mudança de acidentes

Os dois últimos aspectos a serem descritos como dispositivos importantes na técnica


de transformação temática são a idéia de altura idêntica e a mudança de acidentes.
Do ponto de vista lógico, é de enorme efeito se, no decorrer de uma composição, a
essência de um tema é ouvida em uma transformação posterior na mesma altura de antes,
embora não somente o tempo, o ritmo e a aparência geral, mas inclusive a tonalidade e a
harmonização são modificados. Tal simultaneidade de altura idêntica e diferente tonalidade
ocorre em muitas das principais obras da literatura musical, um fenômeno central ao qual o
enfoque teórico atual tem falhado em dirigir sua atenção.
Em nossa análise prévia, muitos exemplos de alturas idênticas foram citados. Agora
iremos tentar demonstrar que o próprio plano arquitetônico de uma obra pode estar centrado
em tal identidade de altura, unindo diferentes transformações de uma única configuração
temática.
A Wanderer Fantasie de Schubert, à qual já foi feita referência neste texto, abre com
um tema citado no exemplo 4.56. O segundo tema do mesmo movimento inicia com uma
figura quase idêntica ao tema de abertura; sendo meramente transposta para a tonalidade de
Mi maior. Devido a isto, a linha melódica que no primeiro tema estava centrada em Mi,
aparece em Sol# no segundo:
80

Ex. 4.68

Porém, agora, devemos nos voltar ao movimento seguinte, o Adagio, onde o mesmo
tema (aqui como a mensagem principal da obra, a ‘Canção do Viajante’) soa, novamente, na
altura de Sol#, embora seja agora harmonizado na tonalidade de Dó#:

Ex. 4.69

Assim, a tonalidade global dos dois primeiros movimentos da Wanderer Fantasie são
Dó e Dó#, o que certamente representa uma relação incomum entre os movimentos no
período clássico. Contudo, esta relação torna-se uma realização orgânica e completamente
natural devido, especialmente, ao fenômeno das alturas temáticas idênticas que liga tão
efetivamente os dois movimentos.
Vamos repetir os procedimentos compositivos que estão envolvidos aqui. O tema de
abertura do Allegro em Dó é retomado como segundo tema do mesmo Allegro em uma nova
altura, centrada melodicamente em Sol#. Este Sol# é tomado como a altura melódica central
no tema do segundo movimento, porém agora na tonalidade de Dó# (exemplo 4.69). Assim, a
altura idêntica (Sol#) que une os dois temas dos diferentes movimentos, é, na realidade, o
vínculo estrutural que liga ambos os movimentos.
O movimento subseqüente, o Scherzo, está em Láb. Seu tema, novamente uma
variante da mesma figura, é o seguinte:

Ex. 4.70

Vimos que, também neste movimento, a nota Sol# (embora escrita enarmonicamente
como Láb) é mantida como a altura unificadora, desta forma, assegurando novamente a
conexão com os movimentos precedentes. Ao mesmo tempo, a tonalidade de Láb (além disso,
com Sol como nota inicial) conduz a obra gradativamente de volta a Dó, tonalidade da qual
foi afastada no Adagio. Porém há, ainda, mais uma característica que coloca este tema do
Scherzo em conexão cerrada com o tema de abertura da obra. As figuras temáticas básicas da
obra aparecem no tema do Scherzo nos compassos 3-4 e 9-10. Aparecem na altura que,
comparada com sua ocorrência no primeiro tema do Allegro, é ‘idêntica’, salvo pela mudança
de acidentes. (Naturalmente o ritmo 4/4 do tema do Allegro é alterado para o ritmo 3/4 do
Scherzo):
81

Ex. 4.71

Poderíamos chamar este traço de ‘alturas idênticas abemoladas’, da mesma forma com
que poderíamos falar de ‘alturas idênticas sustenizadas’28. Estas concepções não são, de
forma alguma, construções analíticas artificiais. No escopo da técnica temática, estas
concepções expressam um procedimento fundamental amplamente utilizado em toda a
literatura musical. Em uma aplicação específica, na mudança de modo de um tema de maior
para menor, ou vice-versa, a existência deste princípio é, obviamente, de conhecimento
comum. Entretanto, da mesma forma que uma terça ou sexta maior podem ser alteradas para
menor sem modificação da essência da estrutura envolvida, outras notas, em geral, também
podem ser alteradas; contudo, o tema no qual estas modificações foram aplicadas
permanecerá intacto. Inúmeros exemplos comprovam a validade deste fato, que pode ser
percorrido historicamente como um princípio inerente de formação estrutural.
Conforme foi demonstrado nos últimos exemplos, tais mudanças de acidentes
combinadas com a manutenção de alturas idênticas produzem efeitos específicos e, em certos
momentos, constituem até mesmo um elemento decisivo na construção da forma. Os
compassos conclusivos do tema inicial do Scherzo da Wanderer Fantasie formam uma
ilustração extremamente notável. Estes compassos são essencialmente idênticos – mesmo nas
notas, salvo por alguns acidentes – com relação aos compassos finais do tema de abertura do
primeiro movimento:

28
Em português, este jogo de palavras não fica preciso devido ao fato de que em nossa língua existe uma
diferença essencial entre os conceitos de nota (note, em inglês) e altura (pitch, em inglês): a nota Dó, por
exemplo, pode ser realizada em várias alturas, ou seja, em qualquer registro de oitava (como Dó1, Dó2, Dó3,
etc.); já a altura é a freqüência precisa em que soa determinada nota. Por esta razão, a expressão ‘mesma altura
abemolada’ soa como um paradoxo, sendo preferível substituí-la por ‘mesma nota abemolada’, ou seja, podem
haver as notas Si e Sib, mas estas são alturas de som diferentes. Foi mantido o jogo de palavras no corpo do
texto para deixar claro o princípio de Réti de que as técnicas de transformação temática por meio de ‘alturas
idênticas’ (identical pitch) e de ‘notas idênticas com alteração’ (identical pitch changed by accidentals)
pertencem a um mesmo campo conceptual [N. do T.].
82

Ex. 4.72

Em ambos os movimentos, estes compassos anunciam a retomada do tema principal.


No Scherzo, além disso, a mesma passagem reaparece diversas vezes, sendo finalmente
ouvida perto do final do movimento, imediatamente antes da entrada do tema do último
movimento. De fato, estes compassos formam a grande modulação pela qual o Scherzo
conduz de volta ao Dó maior do último movimento, que é a tonalidade original da obra.
Porém esta re-introdução de um trecho de um movimento no decorrer de outro deveria ser
considerada, por si mesma, como sendo um procedimento de certa forma estranho – um
procedimento ao qual os grandes compositores não freqüentariam, a não ser por razões
específicas. De fato, aqui encontramos um dispositivo arquitetônico similar, em alguns
aspectos, àquele encontrado no Concerto para Piano de Schumann, citado acima. Pois
somente se o compositor concebeu os temas do Allegro, do Scherzo e do Finale (as entradas
dos quais foram anunciadas por esta passagem) como sendo idênticos em sua essência mais
íntima, este todo faz sentido e aparece como um procedimento lógico. Desta forma, por meio
do efeito de alturas idênticas mais as mudanças de acidente, a arquitetura da obra torna-se um
ciclo sem interrupção.
83

Isto nos leva, para uma consideração final, de volta ao Opus 53 de Beethoven, a
Sonata Waldstein. Pois agora podemos explicar as transformações temáticas dos dois temas
decisivos citados anteriormente de modo mais simples. O primeiro tema do Finale e o
segundo tema do Allegro da Waldstein,

Ex. 4.73

são, na realidade, duas elocuções temáticas de notas idênticas com mudança de acidentes.
Os fenômenos recém descritos, em conexão com vários outros recursos que emergem
de nossa análise precedente, devem ter suscitado uma esfera completa de especulações. Pode-
se imaginar se nossos esquematismos teóricos correntes, dividindo as composições em todos
os tipos de seções, temas, pontes e assim por diante, podem realmente dar conta de tudo o que
constitui a forma musical. Mesmo que estes esquematismos provassem estar certos – ou seja,
se eles mantém alguma semelhança com a realidade das principais práticas compositivas –
podem somente descrever os atributos mais exteriores e efêmeros do processo complexo e
misterioso por meio do qual a ‘forma’ se manifesta na música. Devem haver forças mais
poderosas em jogo, estruturando o conteúdo de uma composição, determinando porque uma
seção segue a outra, influenciando suas proporções e inter-relações, estabelecendo que o todo
não é somente quantitativamente, mas também qualitativamente um efeito diferente do
resultado das partes isoladas.

4.2. Bibliografia sobre processo temático

BENT, Ian. Analysis. New York: Norton, 1987.


COOK, Nicholas. A guide to musical analysis. New York, Norton, 1987.
DUNSBY, Jonathan; WHITTHALL, Arnold. Music analysis in theory and practice. New
Haven: Yale University, 1988.
FRISCH, Walter. Brahms and the principle of developing variation. Berkeley: University of
California, 1990.
KERMAN, Joseph. Musicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
RÉTI, Rudolph. The thematic process in music. Westport: Greenwood Press, 1978.
____________. Thematic patterns in sonatas of Beethoven. New York: Da Capo, 1992.
SCHOENBERG, Arnold. Style and Idea. Berkeley, University of California, 1975.
____________________. Fundamentos da composição musical. São Paulo, Edusp, 1991.
84

5. A ANÁLISE DA SONATA PATÉTICA DE BEETHOVEN POR RÉTI29

5.1. Primeiro movimento – Allegro

5.1.1. Introdução - Grave


Células básicas

(a) Célula básica: (b) Motivo de conclusão:

Ex. 5.1

Lista de motivos

Os motivos fundamentais da sonata são os seguintes, estão indicadas as suas


primeiras apresentações no Grave:

Ex. 5.2

Unidade motívica

Para Réti, cada nota da introdução está incluída no esquema motívico da peça,
conforme indicado no seguinte excerto:

29
In: RÉTI, Rudolph. Thematic patterns in sonatas of Beethoven. New York: Da Capo, 1992.
85

Ex. 5.3

Idéia arquitetônica da Introdução - Grave

Primeira parte: combinação entre motivo básico e motivo de conclusão.


Segunda parte: combinação entre diferentes formas do motivo básico e séries de
motivos de conclusão.
Terceira parte: combinação entre motivo básico (inversão em maior) e motivo de
conclusão estruturado com base no material do motivo básico.

5.1.2. A seção do primeiro tema do Allegro

Elementos comuns entre o Grave e o Allegro

O primeiro tema do Allegro é construído com base nas notas extremas do Grave em
combinação com o motivo de conclusão:
86

Ex. 5.4

Se reduzirmos à sua essência estrutural, a linha básica apresenta-se como segue:

Ex. 5.5

O início do tema do Allegro apresenta-se como uma transformação do período inicial


do Grave, por meio de compressão temática e aceleração do andamento:

Ex. 5.6

A partitura de Beethoven ‘reconstruída’

Ao rescrevermos a partitura em partes separadas, e não conforme aparece na escrita


pianística, temos:
87

Ex. 5.7

Réti, neste exemplo, esforça-se para demonstrar a gênese de todos os elementos


melódicos, harmônicos e contrapontísticos com base nos motivos fundamentais da obra.

O ritmo como motivo

O ritmo básico do Grave

levemente modificado

e com o tempo acelerado, resulta no ritmo do primeiro tema do Allegro:

A construção motívica

A construção motívica do primeiro tema do Allegro pode ser resumida nos seguinte
exemplos:
88

Ex. 5.8

Nestes exemplos, se analisados detalhadamente, aparecem claramente os


entrelaçamentos entre os motivos da sonata.

5.1.3. A seção do segundo tema do Allegro

O motivo melódico

O primeiro grupo do segundo tema é o seguinte:

Ex. 5.9
89

O efeito de alturas idênticas

O motivo melódico e o motivo de conclusão aparecem em sua altura original sempre


que o clímax é alcançado neste segundo tema:

Ex. 5.10

5.1.4. A terceira seção do Allegro e a repetição do primeiro tema

O padrão temático

O esquema motívico do tema da terceira seção pode ser sintetizado da seguinte forma:

Ex. 5.11

Se olharmos os três temas do Allegro conjuntamente, perceberemos que estão


construídos com base no mesmo padrão motívico:

Motivo básico mais motivo de finalização em Dó;


Motivo básico mais motivo de finalização em Fá;
Motivo de conclusão.
90

Ex. 5.12

Ex. 5.13

A idéia arquitetônica em grande escala

O seguinte esquema demonstra como o padrão temático de cada seção do Allegro


relaciona-se à seção correspondente do Grave:

Ex. 5.14
91

Ex. 5.15

5.1.5. Desenvolvimento e recapitulação

Combinação de todas as seções

Na parte do desenvolvimento do Allegro apresentada abaixo, todo o material temático


é amalgamado em uma única estrutura:

Ex. 5.16

Os dois primeiros compassos relacionam-se à primeira seção do Allegro. O restante


combina o ritmo da segunda seção do Allegro com a linha melódica do Grave.
A mesma estrutura oriunda do Grave aparece poucos compassos depois:

Ex. 5.17

A seguinte passagem é um espelho (movimento contrário) da terceira seção do


Allegro:

Ex. 5.18
92

O contorno temático geral do desenvolvimento pode ser reduzido à sua unidade estrutural se

forem omitidas as figuras secundárias, mantendo-se somente o essencial:


Ex. 5.19

Pilares arquitetônicos

Os pilares arquitetônicos aparecem como sendo a expressão dos motivos básicos,


formados através dos arcos harmônicos da obra:

Ex. 5.20

5.2. O segundo movimento – Adagio

5.2.1. O motivo específico do Adagio

Os compassos iniciais do Adagio são gerados a partir da primeira frase do Grave, por
meio da combinação entre a célula básica e o motivo de conclusão:
93

Ex. 5.21

5.2.2. O padrão do Adagio

O período inicial do Grave é o modelo arquitetônico para a construção dos diversos


grupos do Adagio:

Ex. 5.22

5.2.3. A arquitetura das tonalidades

Primeiro tema em Láb


célula básica em movimento contrário
Segundo tema em Fá.
célula básica
Terceiro tema
inicia em Láb,
célula básica em movimento contrário
progredindo para Fáb (escrito Mi)

Ex. 5.23
94

Ex. 5.24

Ex. 5.25

5.3. O terceiro movimento – Rondó

5.3.1. O padrão temático do Rondó

A idéia básica para a construção do tema do Rondó é o motivo básico da peça em


inversão:

Ex. 5.26
95

5.3.2. As estruturas temáticas entrelaçadas no tema do Rondó

A ligação estrutural entre o Rondó e os movimentos precedentes não tem por base
somente o ‘padrão’ motívico-temático. Naturalmente, o padrão motívico como tal produz a
derivação do tema do Rondó a partir do material do Grave, porém há outras ligações
específicas do Rondó com relação aos outros movimentos:
As três notas iniciais são uma transposição do início do segundo tema do Allegro:

Ex. 5.27

Outra conexão entre estes dois temas aparece se reconhecermos que o contorno
seguinte é derivado do mordente característico do segundo tema do Allegro:

Ex. 5.28

Assim, vemos uma repetição deste padrão como sendo um dos elementos motívicos do
primeiro tema do Rondó:

Ex. 5.29

5.3.3. O motivo do Rondó

A origem do motivo do Rondó dá-se a partir do contorno temático do Adágio:

Ex. 5.30
96

5.3.4. Intervalos extremos

O intervalo extremo do tema do Rondó (intervalo de 9ª: Sol-Lá) aparece na repetição


do mesmo grupo com uma única diferença ocorrendo nos intervalos extremos:

Ex. 5.31

Ex. 5.32

No próximo exemplo aparecem simultaneamente três motivos: a célula básica, o


motivo do Rondó e o motivo de conclusão na construção do seguinte trecho:

Ex. 5.33

5.3.5. A arquitetura das tonalidades

Seção do primeiro tema, início Dó


Célula básica
Seção do primeiro tema, final Mib
5ªJ
Segundo tema, início Sib
4ªJ
Segundo tema, final Mib
4ªJ
Terceiro tema, início Láb
5ªJ
97

Terceiro tema, final Mib

5.4. A história da Patética em dois acordes

Para Réti, a ‘história’ da Sonata Patética pode ser resumida nos dois acordes
seguintes:

Ex. 5.35

Este segmento é evidenciado logo após a interrupção de um episódio do Rondó, de


modo que toda a história do drama estrutural da Patética é comprimida nestes dois acordes
em pianissimo. Ambos contém a célula básica da obra: Dó-Mib. O primeiro acorde, porém,
acrescenta a esta célula a nota Fá#, trazendo à tona a idéia de tensões não resolvidas dos
movimentos precedentes. Então, quando no compasso seguinte o Fá# é conduzido a sol, a
resolução é alcançada por meio do fenômeno característico do Rondó, a célula básica
dobrada.

Uma passagem conclusiva finaliza a peça. Neste trecho de um compasso e meio, estão
incluídos todos os elementos básicos da sonata: a célula básica, o motivo de conclusão, o
motivo melódico, os intervalos de 4ªJ e 5ªJ, um conflito entre estes intervalos e as terças, além
do motivo do Rondó:

Ex. 5.36
98

6. BIBLIOGRAFIA GERAL

ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 1989.


BENT, Ian. Analysis. London: Norton, 1987.
COOK, Nicholas. A guide to musical analysis. London: Norton, 1987.
DUNSBY, Jonathan; WHITALL, Arnold. Music analysis in theory and practice. New Haven:
YUP, 1988.
FORTE, Allen; GILBERT, Stephen. Introduction to Schenkerian analysis. New York: , 1982.
FRISCH, Walter. Brahms and the principle of developing variation. Berkeley: University of
California, 1990.
GERLING, Cristina C. A contribuição de H. Schenker para a interpretação musical. Porto
Alegre: Opus 1, ano I, n. 1, dez. 1989, p. 24-31.
__________________. A teoria de Heinrich Schenker - uma breve introdução. Porto Alegre:
Em Pauta, vol. 1, n. 1, dez. 1989, p. 22-34.
KATZ, Adele. Challenge to musical tradition. New York: A. Knopf, 1945.
KERMAN, Joseph. Musicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
LEIBOWITZ, René. Introduction à la musique de douze sons. Paris: L’Arche, s.d.
________________. Schoenberg and his school. New York: Philosophical Library, 1949.
MANN. Thomas. Doutor Fausto. São Paulo: Círculo do Livro, 1992.
RÉTI, Rudolph. The thematic process in music. Westport: Greenwood Press, 1978.
____________. Thematic patterns in sonatas of Beethoven. New York: Da Capo, 1992.
ROSEN, Charles. Formas de sonata. Barcelona: Labor, 1987.
_____________. El estilo classico. Madrid: Alianza, 1986.
RUFER, Josef. Composition with twelve notes. London: Barrie & Rockliff, 1961.
SALZER, Felix. Structural hearing. New York: Dover, 1982.
SCHENKER, Heinrich. Five graphic analyses. New York: Dover, 1969.
___________________. Free Composition. New York: Longman, 1979.
___________________. Harmony. Cambridge: MIT, 1973.
SCHOENBERG, Arnold. Style and Idea. Berkeley: University of California, 1975.
____________________. Fundamentos da composição musical. São Paulo: Edusp, 1991.

Você também pode gostar