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ConT1ccr111I o /11/ r . ·'" q11 clcs1>ertará nos estudiosos da
personalidade /11c·c111f111)(ff11,:/ t/11 /J11tr n d ste Museu, a publicação
do prescr1tc <f, c·111111•,1ttlr/11. rr1111!,11v 111 •:,(11 co/c(l.1nea depoimentos de
persooollc/r,d1•., l11f •/, ,·/11111., 11rf .~llrn.v, 11n lonois e cstz·an.g eiras,
escritos, :,p • ·/11/,11 11( 11 11,,.~~,, (I rli<f 1>11rn o programa sema11al
• da Rádio M/111.,t ri,, 1/11 J~1 /111•nt· o t• C.:11!t11rt1. <<Villa~Lobos, sua
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vida, s11a br11» •
A DrREÇÃO.
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MUSEU VILLA • LOBOS
BiBLIOTECA
REG . N t
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ABGAR RENAULT
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OLVIDOS vinte g11 1t1· 111 . , 111lnl1 memória guarda ainda
•
bem nítida a recorcl 1ç tlr 111 ti prlin Iro ncontro com Villa-
•
·Lobos. Era eu 11· t·o1· 11 1 n,11·t 1m nt Nocional de Educa•
ção, qtte funcionavn 11 l~cllí l lt1 1 , 11 qtt I nno de 1938, agora
enevoado de dlstâ11 l 1 · <111" 1. ·
Uma tarde, 011t111 i 11· 1111 11ll' 1111 Vlll . f.,obos se achava na
ante-sala e qt1erl I 111• 1111. l e<.< 11111,cl1 l q11 o fi zessem entrar e
pus-me logo a imn 11111· 111 · , íl 111· 1 {. 1111, pois embora lhe
admirasse, de longo t 1111 , 1 111 t' ri cl r nunca o vira, nem
lhe conhecia n nh11111 r Ir 11 ) ,
Tal com ti 0111 e1· r, ,·,r( 111 111, 11t , Jmaginava-o. pelo nome,
muito divcr 1
111 11111· < ,. , . 1 111• l qt1 Jria ver entrar em meu
gabinct t11n 11 111 111 , 1111 , 111,111 r1>, ' . guio, basta cabeleira negra,
bigode urt 1 n <>, 11111 . 11)101· gr< ve. suficiente, importante, de
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ar longt11 11
rão o 111 tl 11n 11c, t11t 11 ( to , cabeleira, que era realmente
• bast , 111. cl I t' r ,, ,. l 1 1 n 1cl, tinha) e o meu espanto ao de-
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parar di nt cl 111lt11 (Jg11 r, túo diferente da representada, quase
oposta oo 1· tr t CJll 11 J) lnta1·0 em meu espírito. .
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Antes b11l q11 1lt , 1. to é, de estatura média, nada de
magro ou esgt1i , t •ttd nd 1nais ao chamado tipo pícnico, seni
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bigode nenhum, slmpl s, lhano, jovial e próximo, com um riso
claro e fácil, em qu fulgurava um não sei que de ingênuo, pró-
prio do riso gratuito bom das crianças, Villa-Lobos tomou de •
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assalto o meu coração •
1 Temo sempre aproximar-me de gente de fama, sobretudo ar-
tistas, poetas, escritores. Quanto mais os admiro, tanto mais os
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VIL LA-LOBOS
VILLA-LOBOS
ANfSIO TEIXEIRA
ANDRÉ KOSTELAN1!1'Z
( Tradução de Manuel B nclt•lr,)
UITAS vêzes recordott Villa-Lobos o episódio do nosso pri.-
meiro encontro, no Teatro João Caetano, onde fõra para convidá-lo
a dirigir o setor de educação musical nas escolas públicas da ci-
dade do Rio de Janeiro. no ano já remoto de 1932.
a~ vezes, sendo que a última vez com a New York hill 1 ,...
mon1c completa. Entrando no teatro, pelos fundos, dirigia-me para o palco.
onde esperava encontrar o grande compositor e maestro, que
ainda não conhecia pessoalmente, quando alguém, recostado nun1
divã, gritou-me : «Alto lá ! onde vai ?>> Parei surprêso, para
saber que era o próprio Villa-Lobos que assim me detinha, jt1l-
gando~me um <<menino» que estivesse' a invadir o teatro. • • O
menino era o diretor do Departamento de Educação, sob cuja
refere se a ·· f o os jurisdição estava o próprio teatro, mas que realmente ali entrava
- u;111a v1s1ta que iz a êle e sua espôsa em um dia chu-
cheio de respeito e temor pelo grande maestro ...
Conhecimento, convite e amizade logo ali se estabeleceram
resfr1ados e o próprio mundo foram esquecidos. e por quatro anos tive a honra de ser o superior nominal do
nosso grande compositor.
Ao tomar posse do cargo de Diretor de Instrução, dissera
se u1da · · , literalmente : <<o diretor é o simples servidor do mestre». Se ja-
suas O ras. Foi uma noite m 1nor vel. mais cumpri êsse mandamento administrativo foi com Villa-Lobos.
Sentimos grande falta de Vill L0 b Nem um só momento perdi de vista o que significava, paré!
.. os, mas sua música viverá a educação musical das crianças da Capital do Brasil, contar com
para sempre.
o poder de criação e de inspiração de um dos maiores gênio~
musicais não só do Brasil mas de tôdas as Américas. De tudo
que estávamos tentando, no antigo Distrito Federal, nada me
parecia mais importante do que essa integração da arte na educa-
ção popular. E de tôdas as formas de arte, nenhuma me parecia
mais própria do que a da música. E era exatamente neste setor
•
que as circunstâncias haviam permitido, num verdadeiro milagre,
•
1\
as escolas do antigo Distrito Federal contarem com a liderança.
devotamente e O entusiasmo inexcedíveis da maior express~o
O
musical do povo e da terra brasileiras. Imagine-se Bach dirigindo
O
serviço musical das escolas da Alemanha ! Na~a menos. fôra
que O destino viera oferecer aos meninos e meninas do Rio de
O
Janeiro.
O que foram aquêles quatro anos não é fácil de contar. VILLA-LOBOS
Villa-Lobos fêz-se o educador de professôres e crianças. Na rea-
lidade, 0 educador do povo. Ensinou música e canto coral .ª ANNA STELLA ScHic
quem jamais tivera qualquer iniciação musical. Fêz-se êle pro .. •
prio O maestro e condutor de coros infantis, de co~os de adole~-
'
centes e de coros de professôres primários. Escrevia as compos,- oMo é difícil falar de Villa-Lobos ! Há tanto a dizer, áS
ções e êle próprio as ensinava e conduzia, com os arrebatamentos lembranças afluem em tumulto e cada uma delas parece ser a mai~
de um gênio e a paciência e humildade de um mestre-escola. importante. No fundo, tudo é importante quando se trata dessa
Quando começaram as grandes exibições públicas, o p~vo imensa criatura, dessa fôrça da natureza, dêsse ser, tão grande e
cantou com as crianças e O país assistiu maravilhado e comovido tão simples. Villa-Lobos foi o mestre exigente e o amigo de
às harmonias de suas florestas , dos grandes ventos dos seus de- todos os momentos ; foi i'ngênuo como uma criança e <<rusé>> ao
extremo na sua profunda intuição ao contato das pessoas. Que
sertos. as melodias dos seus rios e as dores e alegrias de suas di-
ninguém imaginasse que poderia conquistá-lo com mesuras, elogios
ferentes raças. tôda a epopéia enfim de um povo, misto e com-
plexo , mergulhado nas extensões tropicais de um continente, p_o~ta rasgados ou homenagens. :Sle sorria por trás do enorme charuto
em som, posta em ritmo,' posta em música, numa grande e liric;) e ficava flanando bem por cima de tudo , quando não arrasava,
explosão de afirmação e grandeza. O canto orfeônico e o ca1~to pura e simplesmente, qualquer atitude afetada·.
coral alcançaram nas plagas da América um dos seus# granct~s Lembro-me de um bandolinista que foi ao hotel, em Paris,
triunfos. Um compositor de primeira grandeza, expressao genu1- para se exibir diante de Villa-Lobos, e que executou, bastante ber.i.
na- de seu povo e seu continente, saíra das salas de concêrto e dos um programa de arranjos de Bach, Chopin e outros autores.
teatros e fôra para as escolas, para a rua, para ~s _Praças f_a~cr Villa-Lobos ouviu-o atentamente e disse-lhe : <<Ü senhor é ótim~.1
as crianças participarem do próprio trabalho de cr1açao .da mus1~a músico. Pena que tenha escolhido êsse instrumento. Meu con-
de tlm povo. Não sei de esfôrço maior para a nossa integraçao selho é : mude de instrumento>>.
Em outra ocasião estávamos em meu modesto apartamento em
em uma cultura própria e autóctone.
E não sei de iniciativa que jamais fôsse tão bem sucedida Paris, onde após uma feijoada bem brasileira e um café marca
tinta escaldante, Villa-Lobos foi ao piano a fim de compor, en-
quanto esta de confiar a um gênio da música a t~refa. apa:ente-
mente modesta de ensinar crianças a cantar. Se 1ama1s criança quanto sua espôsa e eu conversávamos a meia-voz, um tanto afas·
uderam ser compreendidas como os mais perfeitos instrumento. tadas. Ruminávamos alguns «patins» brasileiros de Paris enquanto
11os deliciávamos com o alto momento de criação que testemunháva-
les quatro anos da década de 30, em que a glória de Villo • mos : o genial compositor dedilhava, cantarolava e escrevia o que
\ Ili 1• mais tarde viria a ser o Quarto Concêrto para Piano e Orquestra.
r· Para nossa surprêsa, de quando em quando, saindo dos altos
nheceu para o Continente, nos grandes espetáculos d e, nt
feõnico do antigo Distrito Federal. pináculos onde se encontrava, entrava na nossa conversa que~
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rendo saber : <<Ô que é, hem? Quem foi que disse? E ai, o que Villa-Lobos, finalmente, dignou-se conceder-me um olhar mais
aconteceu ?» inter essa do.
Era impressionante a capacidade que possuía de compor onde Desde então, o contato diário e1n Paris, fêz-me aprender não
quer que estivesse e, ao mesmo tempo. perceber o que se passava só a sua música, n1as também conhecer sua personalidade absor.-
a seu redor. Muito se tem dito de Villa-Lobos e poder-se-ia vente, facultando-me, assim, a compreensão da interpretação de
dizer muito mais. Eu mesma poderia falar horas e horas ..• sua música, tão especial, tão à parte no repertório contemporâneo.
Tenho presente aos meus olhos a sua saudosa figura ; aquela
Minha filha, que então tinha cinco anos, veio especialmente
face bondosa que às vêzes fingia de má ; aquela cabeça marcante
ao Rio poucos meses antes do desaparecimento do Mestre, a fim
de vibração e fôrça que foi esculpida em medalha comemorativa na de conhecer os padrinhos, uma vez que, muito pequena, não
Casa da Moeda, em Paris. havia gravado impressões do seu primeiro contato. A meni-
Villa-Lobos possuía amigos em tôda parte. Todos o amavam na sentiu a importância da visita e do encontro com o padri-
e admiravam; tinham por êle o respeito que se deve ao gênio aos nho de quem tanto se orgulha. Sentou-se 110 seu colo sem ceri-
raros verdadeiros inspirados. Um dia comentando um certo pia- mônia , beijou-o repetidas vêzes e perguntou-lhe : <<Padrinho, você
nista, disse-me : <<~le é louco para tocar minha música e quer que está com dodói? Onde você tem dodói? Padrinho sara logo
eu componha para êle. É esperto, viu ? Vive dando presentes à que você precisa ir à minha casa pra ver meus brinquedos e brin-
Miudinha e tentando agradar-me. Mas comigo isso não pega
car comigo>>.
não !» Villa-Lobos amava a simplicidade, a naturalidade e a sin"'
~le, o grande Mestre, indignou-se comigo : <<Como é que você
ceridade. deixa a sua filha tão mal penteada ? Trate de mudar o penteado
Quando o encontrei pela primeira vez senti-me frustrada.
pois que era eu uma desconhecida para a personalidade de Vil- da menina>>.
Foi um encontro memorável. Ao despedir-se, abraçando-o,
la-Lobos.
Logo após nosso casamento, decidimos, meu espôso e eu, vir ela disse espontâneamente : <<Obrigada, viu Padrinho, da tua
••
ao Rio para conhecê-lo, No Conservatório Nacional de Canto musica~.
Orfeônico, Villa-Lobos se instalava atrás de uma escrivaninha Minha filha venera-o, beija seus retratos e já sabe, agor<1,
onde recebia e ditava suas ordens. Timidamente começamos a que êle foi para o céu. Durante muito tempo eu não quis que
conversar. Meu marido quieto, ao lado. Dezoito anos são ela o soubesse, com receio de que o choque marcasse demais a sua
passados e ainda guardo a sensação que tive quando, após ouvi: sensibilidade. Vivia a perguntar por êle, por que não vinha, ond~
meus ensaios de louvores, virou-se bruscamente para meu espôso, estava, etc. Um dia, finalmente, abordou-me : <<Mãe, é verdade
intimidado e mergulhado no anonimato do momento, e perguntou : que o Padrinho foi pr'o céu?>> Procurando conter a emoção,
<<E o senhor, o que faz?>> Bem, a partir dêsse instante os dois perguntei-lhe : <<Como é que você sabe ?» <<Sei, porque ouvi
entabularam uma grande prosa sôbre medicina, métodos de curn, as pessoas falarem >>.
etc., e eu me senti como intrusa. Vem daí a grande amizade qti Villa-Lobos, o imenso Villa-Lobos, o criador inesgotável, que
os unia. Dez minutos após, entrou Miudinha a quem fomos op1· •• em seus últimos dias ainda se preocupava com o penteado da afi-
sentados. Ela que sabe literalmente tudo o que se passa qtt ncl lhada, representa aos olhos do mundo o que o Brasil possui de
Villa-Lobos está em causa, mesmo que seja sàmente um sl1npl . autêntico e de pujante. Passou , assim, Villa-Lobos, a habitar o
menção de seu nome no Tibet, logo reconheceu o no111 , céu e a irradiar a beleza de sua art.e sôbre a terra.
dizendo que já ouvira comentários e lera artigos a 1
minha interpretação de obras de Villa-Lobos. 1
1
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Apesar de êle n1e ter oferecido st1a casa, nunca fui lá porque
tinha receio de perturbá-lo durante momentos de inspiração nos
quais êle compunha suas produções.
MAESTRO VILLA ... LOBOS Era um fino gotzcniet.
Um dia, na casa dos parentes de Arminda, nossa conversa
ANTENOR NASCENTES
versou sôbre determinado prato. Perguntou-n1e se eu o apre-
ciava. Ett disse que 11ão podia dizer nada, pois não conhecia o
tal prato. Convidou... me então para um almôço com minha mu-
ERALMENTE, como é natural, quando se trata do maestro
lher e Arminda no restaurante onde diàriamente fazia suas re-
Villa ... Lobos, o Villa ( era chamado assim na intimidade), ocupa...:::e
a gente mais com o compositor do que com o homem. feições.
Com o desaparecimento dêle, perdemos não só o compositcr
O homem foi uma criatura interessantíssima.
universalmente conhecido, mas tamhé1n um cavalheiro distinto,
Alegre, extrovertido, bem... humorado.
um amigo.
Criava simpatias por tôda parte onde andava.
Exigente nos ensaios, mas de uma severidade profissional de
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de resultado precário , como foi o caso da <<Sertaneja» de Brasílio As dt1as Proles de Vi/la-Lobos
ltiberê.
Que eu saiba, Villa-Lobos escreveu 3 <<Suites>> subordinadas
A transição dessa primeira etapa, dominada pelo vulto de
~ título de <<Prole do Bebê> >. Conhecem-se duas, que estão edi-
Alberto Nepomuceno, para a etapa seguinte, foi explosiva. O
taàas e gravadas. A terceira deve ter ficado em esbôço. Da-
despor:1.tar, na história da música brasileira, de um artista • d'.l
quelas duas, a p~imeira é a mais divulgada. Obra da juventude,
porte de Villa~f~ohos, precipita os acontecimentos, trazendo o na- composta em 1918, numa época em que o piano era revalorizado
•
cionalismo musical, no decurso de uma geração, apenas, a um por Debussy, em que os temas da infância, outrora vividos nas
plano estético muito mais elevado, no qual a afirmação do cará- páginas imortais de Schumann, ganl1avam sabor nôvo na suite
ter nacional toma sentido profundo, interioriza~se, transcendendo <<Coin d' enfants >> do mestre francês , a <<Prole do Bebê n9 1>>, se-
o aproveitainen"to do material folclórico, a transposição direta de qüência de bonecas, desde a de louça até a bruxa, passando pelo
constâncias rítmico-melódicas populares, o elemento pitoresco, su- <<Polichinelo_>> ( curta peça, de brilho e verve notáveis), apresenta
perficial, para expressar-se convincentemente num plano de u11i- lampejos pessoais, mas é obra ainda ancorada no ambiente fran~
versalidade. cês, o qual conservava, na ocasião, a auréola de vanguardista das
•
\\ Concentrou Villa~Lobos em sua personalidade o essencial Je escolas musicais, embora, na realidade, já houvesse cedido o bas~
uma corrente, para não dizer de uma época da música nacional. tão de comando aos bárbaros eslavos e magiares, representados
Tendo _§_enhoreadº-- os processos de improvisadores maliciosos, por Strawinsky, Prokofieff e Bartok.
como os chorões cariocas, .com os quais conviveu em sua moci- Em alguns dos fragmentos da <<Suite>>, dilui-se a impetuo5a
•
dade ; conhecendo o mundo precioso, embora limitado, de Ernes- afirmação pessoal e racial do compositor brasileiro nos efeitos
to N azareth e seus predecessores ; tomando contacto, direta ou in~ tímbricos das sutis sugestões impressionistas. .
diretamente, com o rico folclore das diversas regiões do país Já no <<Polichinelo>>, o sotaque nativo condiciona a expos"ção
- norte, nordeste, centro, st1l Villa-Lobos representa o Brasil pianística do cantar infantil. Nêle, as asperezas que retratam a
sonoro em sua totalidade. 11
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natureza e o homem do Brasil não usam disfarces. O criador Prole>>, no <<Boizinho de Chumbo>>, por exemplo. Quando digo,
identifica.. se telúrica e etnicamente com o seu torrão nalal. pois, que a <<Segi1nda Prole>> é uma afirmação, quero apenas res ..
A vitalidade tropical, evocada na percussão trepidante da saltar a evolução imensa cumprida nos três anos que a separam
ambientação instrumental, submete.. se à inocente voz da infância, da <<Primeira>>.
que -d esfere o vôo puro da sua ciranda, aparteada jocosamente Na <<Segunda>>. em que os bichos substituem as bonecas, a
pelo Zé.. Pereira remanescente do <<Carnaval das Crianças Cario .. música retrata bem a transição, assumindo catadura agressiva,
cas>>. Na sua trama simples e cerrada, de linhas bem definidas expressa em dissonâncias ásperas, em ataqttes de acordes secos,
e conteúdo homogêneo, o << Polichinelo>> é o instantâneo eficaz de sarcásticos. A linguagem moderniza.. se ainda mais, o ambiente
um ângulo da vida infantil exuberante que brota sob o estimt1.. •
sonoro afasta .. se definitivamente da sensualidade debussista e o
lante sol dos trópicos. compositor, mercê de uma rítmica estimulada por acentuações
Não sei até que ponto os títulos dos diversos nú1neros da imprevistas, de uma nitidez percussiva e de um atonalismo mais
<<Suite>> condicionam sua fisionomia musical. Não reconheço no ousado, enfileira .. se entre os vanguardistas contemporâneos, apro,.
<<Polichinelo>> de Villa .. Lobos a personagem da farsa napolitana, ximando .. se de Strawins.ky, Prokofieff e Ba,rtok, sem que êsse Pª'"
evidentemente metamorfoseada pela imaginação despótica do ex,. ralelismo incorra em perda da substância nacional e das caracte-
traordinário músico patrício, mais credenciado, por suas afinida- rísticas pessoais.
des naturais, a interpretar o mundo da petizada brasileira, que t( Villa ..Lobos não teve, no meio em que se fêz , os antecessores
tanto amou. que tiveram os mestres europeus, representantes de uma etapa
Dos títulos desta <<Suite >> , um parece, mais que todos, des .. conseqüente da . evolução histórica. O compositor patrício foi
cortinar desvãos irrevelados da al1na do Mestre : <<Boneca de obrigado a romper com tudo, porque, no meio acanhado em qtte
trapo>>. Com que ternt1ra comovida êle embala a <<Pobrezinha>>, viveu, Debussy era olhado como un1 demente e os ritmos brasi ..
a mais humilde boneca da série, num acalanto de cinco notas, em leiros, coisa de cabaret. 11 s_l'r-- ~~·-•- J.-• ·"'
A ,Lo ,;
<L
tom menor, sôbre as quais sôa plange11temente a cantilena «dor .. É preciso situar o compositor brasileiro no seu meio para
me neném, o bicho logo vem ... >>. aquilatar .. lhe a grandeza. Só um músico de gênio poder~a. emer..
A <<Segunda Suite>>, escrita três anos após, é já uma afirma- gindo do provincianismo artístico brasileiro, escrever em 1921
ção pessoal. Não se deve inferir destas palavras que a <<Primeira>> uma <<Suite» como a <<Segunda Prole>>, inventar ritmos e sonori,.
seja obra impessoal. Pelo contrário, nela já se notam traços for .. dades surpreendentes como os do <<Pássaro de pano>>.
temente característicos da personalidae do seu Autor : polirritmia A evolução do compositor. ocorrida entre uma e outra suite,
original, encadeamentos harmônicos insólitos, desenhos obstinados, patenteia.. se fàcilmente se compararmos as formas que tomam a
saltos bruscos de humor, melismas que anuncia1n à distância a expressão de sua: velada nostalgia. Na <<Primeira Prole>>, uma
flauta do « Uirapuru>>, uma certa nostalgia persistente, que con.. ternura que se debruça sôbre um brinquedo humilde, melancolia
duziria o grande artista à melancolia sublime dos Adágios dos docemente embalada em sonho ; na <<Segunda Prole>> ( veja.. se o
últimos quartetos de cordas. Até mesmo um exemplo de <<trou.. <<Boizinho de Chumbo>>), um aprofundamento que marca a soli..
vaille>> pianístico pode .. se apontar nesta <<Primeira Suite>> ve· dariedae do Artista. com o drama humano em sua dimensão uni-
ja.. se a <<Boneca de Pau>>, que encerra efeitos originais, embora versal, largo canto desolado, que um desenho obstinado enlaça
para sua realização não necessitem os pianistas de mais do que em discreta evocação da rítmica popular, e que se amplia no
a simples técnica dos cravistas. final, assumindo proporções sinfônicas.
O último número desta série, por sua vez, p1·enuncia certos Creio seja essa peça <<Ü Boizinho de Chumbo» uma
processos de ambientação instrumental utilizados na «Segunda das mais impressivas manifestações da parcela nostálgica da
24 25
personalidade de Villa*Lobos, a qual sublimou*se nos últimos nitidamente demarcadas, um todo homogêneo, sàlidámente argui~
quartetos, em cujos Adágios o artista se entrega sem reservas à teta do. ·
posteridade.
Apesar de obra da mocidade, esta <<Suite» permanece uma
Outro paralelo interessante a fazer é o que põe em con* das páginas centrais do repertório pianístico brasileiro. Nela,
fronto os processos técnico*instrumentais que prevalecem em cada Villa-Lobos liberta-se definitivamente da atmosfera francesa, ain~
uma das duas <<Suites >>. Reponta, flagrante , na <<Primeira Prole~. da perceptível, por exemplo , em alguns números da <<Prole do
o gôsto pela fórmula que Ravel emprega na sua <<Tocata>>, coin* Bebê>> n9 1. Nas <<Cirandas>>, a matéria torna~se mais incisiva,
cidentemente editada na mesma ocasião, vivendo os dois compo* o desenho recortado com nitidez, as dissonâncias desnudas, ás*
sitores em países longínquos, desconhecidos um do outro, o fran*
•
peras sem disfarces, as acentuações ríspidas, a d,ramaticidade
cês habitando um dos centros culturais mais avançados do mundo, despontando em lampejos de aguda intuição, feitos de um «nada»
o brasileiro mourejando num meio de cultura incipiente. Já na musical, como é o caso das <<apoggiaturas>> pungentes da 511- Ci*
<<Segunda Prole>>, se alguma aproximação se pode fazer é com a randa <<Pobre Cega».
técnica instrumental da <<Tocata>> de Prokofieff e da versão pia* Tenho por essa 5'l- Ciranda, assim como pela sóbria atmos*
nística da <<Petruchka>> de Strawinsky, o que situa, como já disse, fera da 7'1- <<Xô, xô, passarinho>>, especial predileção. Ambas
o grande compositor brasileiro na fila dos vanguardistas europeus são vestidas com extrema sobriedae instrumental e, em sua esseh*
seus contemporâneos e na posição de pioneiro nas Américas, des* cialidae, produzem forte impressão. Nelas está, de corpo inteiro, o
de os anos já recuados do primeiro quartel dêste século. Villa-Lobos que conheci , original, vigorsoo, sensível, extremado,
•
e cuja arte, no seu desdobramento complexo, representa uma gama
imensa de sentimentos humanos, que vai da selvageria de alguns
As Cirandas de Villa*Lobos
Choros e do Noneto à indefesa nostalgia dos Adágios dos últimos
As dezesseis peças que compõem as <<Cirandas>> foram es- Quartetos de Cordas.
critas em 1926. Villa*Lobos tinha 39 anos. Já figuravam, então, Essa representação do <<humano>>, que alcança dimensões
em sua bagagem, alguns ciclos importantes de obras para piano, heróicas em algumas partituras sinfônicas e sublima-se nos Quar-
entre os quais o <<Carnaval das Crianças>> e a <<Primeira Prole tetos pelos quais Villa*Lobos demonstrava nítida predileção
do Bebê>>, que Arthur Rubinstein internacionalizou, divulgando~a •
"' não pode ter a mesma integral realização nas <<Cirandas» para
em concertos e discos, e fazendo do <<Polichinelo >>, que a integra, piano. Pela circunstância de terem sido escritas para instrumen-
um dos seus grandes sucessos. to solista, assim cómo pela sua concepção sintética, as <<Cirandas»
As <<Cirandas>> situam*se entre as obras da mocidade de constituem <<apontamentos>>. Mas apontamentos que se bastam,
Villa~Lobos. Posteriores são as grandes páginas para o instru- que, na sua forma concentrada, expressam eloqüentemente o mun-
mento, entre as quais avultam o <<Rudepoema>> e a <<Prole do do sensível visionado pelo seu Autor.
1
Bebê» n9 2 (bem menos divulgada que a de n9 1 e, no entanto, Foram*me reveladas por Tomás Terán, um dos mais altos .
de superior envergadura e atraente originalidade). São peças intérpretes de Villa~Lobos. Digo que me foram reveladas, em-
curtas, incisivas, baseadas, por vêzes, numa fórmula pianística, bora já as conhecesse, porque nunca as ouvi melhor, nem antes
desenvolvida como se f ôsse pequeno Estudo instrumental, emol-
•
nem depois. Essa, aliás, não é opinião só minha. Villa~ b0s
durando uma canção de roda, acentuando*lhe o significado ex* desejou muito que Terán gravasse a série integral das 1randas»,
pressivo, ambientando*ª com propriedade. Sucedem-se, forman- porque era delas, o seu intérprete favorito. At' gora, porém. a
do, na sua série de 16 números bem contrastados, de fisionomias discografia do grande compositor não incl · sse disco. As <<Ci-
•
26 27
randas:i> foram gravadas, e1n vida de Villa-Lobos, por um pianist fontes da vida, portador i11falível de novas obras, de novas pa1·-
an1ericano, Joseph Battista, que as trabalhou com o Mestre. Suas tituras.
execuções refletem, dentro do âmbito de seu feitio pessoal, a von- Fiel às suas amizades, aos seus intérpretes, aos seus editôres,
à sua morada no Rio, ao seu hotel e ao seu restaurante em Paris,
tade expressa do Autor.
não conheci ninguém 1nais cioso da sua rotina de vida nem mais
contente de conservá-la.
Vílla-Lobos
Não sei como pôde produzir obra tão extensa. Porque des-
No concêrto i11augural da semana comemorativa do 29 ani- perdiçou tempo, e não pouco, 110 culto da amizade. Não se en-
versário da morte de Villa-Lobos, quando o Quarteto Rio de J a- caramujou. Não defendeu ( e ninguém mais do qtte êle teria •
neiro nos deu a primeira audição do admirável 159 Quarteto e direito de defender, com egoísmo feroz) o seu tempo, isolando-se.
reviveu o 179, último da série sem par na Música das Américas, Pelo contrário, se é fato que qttase não fazia visitas, se, nesse sen-
foram, por gentileza de Arminda Villa-Lobos, passados alguns tido, abria exceção raramente a poucos amigos, em compensação
filmes tirados na intimidade da vida do inolvidável artista, nos gostava de receber. No Clube Ginástico, ou no <<Grego>>, em
quais êle nos aparece afável, feliz que plenamente feliz êle o Paris, sua mesa reunia i11variàvelmente um grupo de amigos. É
que, se um dêles lhe telefonasse por um motivo qualquer, o con-
foi no último têrço de sua vida gloriosa.
vite vinl1a logo, direto, ou, na maioria das vêzes, pela voz de
:asse o ho1nem que conheci, muito diverso da idéia que dêle Ar1ninda, que rivalizava com êle no culto da amizade, convite
fizeram os que não o conheceram pessoalmente, ou o conheceran1 para o Ginástico e para o apartamento, aqui, para o restaurante
pouco. e o hotel, em Paris. .
Seu temperamento impulsivo explosivo, mesmo, por vêzes Essa facêta acoll1ed,o ra, hospitaleira, predominava no seu
seus paradoxos ( que, de resto, os repórteres, que o entrevis- temperamento. Vila-Lobos gostava de estar rodeado de amigos, •
taram, exageraram por dever profissional), seus arrebatamentos e estava-o sempre, porque sua personalidade extraordinária os
( quando estavam em jôgo suas convicções artísticas, sua consciên- atraía. •
cia de Artista e a dignidade da sua criação) , construíram para êle Uma ocasião, pouco tempo após a grave operação a que teve
uma ·r eputação, não generalizada é claro, de homem difícil, áspe- de sujeitar-se, aí por volta de 1949 em Paris, conversávamos no
ro, descontrolado. seu hotel. Falava-me êle uma vaga tristeza a humedecer-lhe
Nada mais falso. O artista foi intransigente. de fato foi-o ~voz dos seus planos frustrados de adquirir uma fazendola. •
com sinceridade, por exigência profunda de sua natureza. Mas Tinha sido, em dada ocasião, o seu pequeno sonho. A enfermi-
o homem nada tinha de áspero, nem de violento. Gastou tôda dade terrível, com suas implicações de tôda sorte, frustrara-o.
a violência represada em seu forte temperamento na obra qtte Havia planejado recolher-se à fazenda de regresso das tournées
produziu, de violência empolgante. O homem era lhano, de trato ao exterior e aí ficar trabalhando até o momento da nova partida.
encantador. Dizia-me êle que teria querido uma casa grande, co1n muitos
'
Revolucionário em sua obra, foi um conservador na vida, qua1·tos, para chamar os amigos e encafuá-los todos . ali. Nesse
apegado aos sêres, aos lugares, aos objetos, aos hábitos. Acumu- cantinho da conversa, revelou-se o íntimo de Villa-Lobos. A fa-
lou amigos ao longo do tempo e dos amplos espaços em que de- zendola seria para êle o repouso, rente à mãe-natura, à brava •
correu sua existência. E conservou-os por tôda parte, a êsses natureza da sua terra, semente da sua terra, mas 11ão o isolamento.
amigos que o ficavam esperando, na América e na Europa, aonde Não podia viver sem calor humano a dar e a receber, sem a pre-
êle voltava todos os anos, como volta a Primavera renovando as sença envolvente da amizade.
'
28 29
Por isso era s11sceptível, extremamente sensível a injustiças Em 1949, ao ensejo do centenário da morte de Chopin, no
,n lquerenças. Não as retribuía, mas amargurava-se. Conhe- quadro das comemorações internacionais, a UNESCO inseriu u1n
ndo a glória, a consagração do Ocidente ao Extremo-Oriente concêrto de obras encomendadas a grandes compositores contem-
- sofria com os aleives, as verrinas de um invejoso, de um n1ise- porâneos, in memoriam do Mestre Polonês ; Villa-Lobos foi um
rável qualquer, que em sua pátria o i'n juriasse. dêsses compositores. Coube-me dar, nesse concêrto, na Sala Ga-
Nunca lhe surpreendi, porém, um gesto de vingança, um ato veau, em Paris, a primeira audição mundial de duas das obras en-
mesquinho. Não caberia em sua natureza. Foi grande, sempre, . comendadas : <<Homenagem a Chopin>>, de Villa-Lobos, e «Sonata
não apenas em sua arte. Espanhola>>, de Oscar Espiá.
Sucessivamenté observei e senti a reação do público, dos
mais diferentes e distantes públicos, no Brasil, na Europa, no
Presença de Villa-Lobos
Norte da Africa, no Extremo-Oriente, diante da música de Villa-
-Lobos. Algumas obras deflagravam um entusiasmo ruidoso,
Neste mês de março, aos 5 dias do seu início, Villa-Lobos
' •
como a <<Dança do índio Branco>>. De outras vou-me desfazendo
teria feito 76 anos, se a morte não o tivesse levado, no esplendor •
dos meus exemplares, para atender a colegas, pianistas e professô-
dos seus 72 anos, em plena atividade criadora.
res, que mostram desejo de possuí-las o que lhes é, posso dizer,
•
Passados mais de 3 anos da sua morte, os primeiros de longa vedado pela insuficiente distribuição das edições de suas obras,
data vividos longe do seu convívio, sua presença tem sido cons- muitas das quais nem no Brasil se consegue adquirir.
tante, presença de seu espírito, de sua sensibilidade, de sua ima-
Recentemente, um convite honroso da direção do Conserv·a- •
calendário artístico do Rio de Janeiro, em concertos e recitais em condiam sua admiração pela obra do nosso genial compositor.
outras cidades brasileiras, em andanças pelo exterior, em minhas
' Talvez sejam ainda mais reveladoras da capacidade de pe-
classes, em minha atividade de magistério.
netração universal ela obra de Villa-Lobos, as reações do público
E essa presença é sempre, invariàvelmente, marcada pelas de cidades da Algéria, por exemplo, e não das maiores .
expressões coletivas da admiração e do entusiasmo. •
•
30 31
I ,· nço de Villa-Lobos em todos os continentes, nas gran- < por estas cantadas. Quatro delas pertencem à opulenta coleção
nos peqttenas cidades, perto e longe de nós, para nosso 111odestamente intitulada << Guia Prático >>. Denominam-se <<Besun-
org 11110 e para a compensação da sua humana ausência, neste tão da Lagoa>>, <<Bão-ba-lalão>>, <<Na Bahia tem >> e << 0 Pescador
m-:.s, em dia que tantas vêzes nos reuniu, no Brasil ott na Europn, <la Barquinha>>. Foram gravadas en1 1940. Sua história é sim-
dia que era pretexto para testemunhos de amizade e admiração, ples. Havia 11a ocasião uma festividade em Portugal. Do Pa-
oferecidos, tanto de corpo presente, quanto pelo telégrafo, em lácio do Catete veio o pedido, transmitido pelo General F. J.
manifestações que vinl1am até do Extremo-Oriente, de terras aon- Pinto, chefe do Gabinete Militar de Vargas, no sentido de serem
de êle jamais fôra, mas aonde chegara a sua Música. nviadas, à velha nação lusitana, alguns discos cantados pela in-
Presença de Villa-Lobos, que se perpetua em seus discos, em fância brasileira. A criançada estava de tal modo <<afiada >> que
sua extensa discografia, numa das mais ricas d·e11tre as dos con!- pôde, incontinênti, atender às encomendas. A grav-ação é de
positores contemporâneos. Alguns dêsses discos, gravados inclu- grupo selecionado na Escola Argentina pela P rofessôra Cacilda
sive por artistas e conjuntos internacionais dos mais famosos, uimarães Fróes, que o dirige.
integrarão a homenagem que êste programa presta a seu glorioso Outra canção gravada foi o <<Canto do Pajé», com letra de
patrono, na data comemorativa do septuagésin10 sexto aniversário C. Paula Barros, grande e querido amigo do saudoso compositor,
do seu nascimento. sôbre quem escreveu um livro << 0 Romance de Villa-Lobos >> ,
que retrata com ternura o homem qttotidiano, o homem simples
Villa-Lobos educador que há nos grandes homens.
:E:sse <<Canto do Pajé>> foi escolhido po1· Villa-Lobos em aten-
A personalidade de Villa-Lobos apresenta muitas facêtas. ção ao seu amigo, então Presidente da República, Getúlio Vargas.
'
Vamos focalizar, hoje, uma delas a do educador. ls a razão : · O velho estadista gaúcho não era de música.
Se não foi a que lhe deu maiores glórias, se não foi a que 11e êle não sabia nem assobiar , ouvi certa vêz Oswaldo Aranha
mais lhe projetou o nome universalmente, foi, no entanto, a que llzer, em tom de biague. E isso mesn10 êle o afirmou a Villa-
preponderou· em largo período de sua vida. A sua atividade, .r. bos, contando-lhe que ou,,ira Vargas, após uma das espeta.-
nesse setor, absorveu-o a tal ponto, que não l1esitou em sacrifi- ' t1lares concentrações orfeônicas, trautear o <<Canto do Pajé>>, sua
car-lhe, mon1e11tâneame11te, os seus interêsses de criador. Cito l lt[l ção preferida ... mas trautear desafinando a valer. As qua.-
um fato que o prova. Em 1937, rec-usou o '°nvite, que lhe fêz f ,·o vozes do côro, às quais foi confiado o < <Canto do Pajé >>, obe-
um seu antigo empresário, para dirigir concertos na Europa. O <lt• in à direção da 'Professôra Marília de Oliveira Araítjo.
pretexto que deu foi justamente o de não poder inte1·romper o Villa-Lobos costt1mava dizei· que, nessas canções, êle con-
trabalho que vinha realizando na antiga Prefeitura do Distrito 11·,11·( va o sentido natural do seu instinto criador. Procurava,
Fede1·al. No entanto, no ano de 1936 aceitou convite para par-
jl 11·, as dive1·sas vozes do côro infantil, melodias atraentes, capa-
ticipar do Congresso Internacional de Educadores em Praga ; o
,. ti <'.' despertar nas crianças o amor à Mí1sica.
processo orfeônico criado por êle e demonstrado em uma confe-
·rência com a colaboração de ttma escola local causou profunda e Crianças e Música dois focos de amor na vida do Mestre.
l l 111 J)isódio, que me foi referido pelo Professor Newton Pádua,
duradoura impressão.
' I t 1T1t1nl1a a ternura de Villa-Lobos pelas crianças.
Não é, portanto, descabida, a idéia de dedicar1nos o segundo
programa dêste ciclo a Villa-Lobos educador. l\ t~va êle, certa ocasião, em sítio de amigos. Brincava mui-
f 11 , 111 o criançada local, que se apegara a êle. Um garoto, êsse
Os discos, que apresentaremos hoje, são todos d ecanções
, 11 1 l 11 1 o la1·ga va. Em de.terminado momento achava-se Villa-
especialmente escritas, pelo Mestre, para as crianças brasileiras,
32
AYRES DE ANDRADE
•
34 35
•
do 7 de Setembro no Campo do Clube de Regatas Vasco da G ma vesse dito que era aluno de Henrique Oswald, Villa-Lobos jul...
e, através delas, o Conservatório Nacional de Canto Orfeõnico. gou-se na obrigação de encher, em minha intenção, com aquela
Depois de um exame feito ali mesmo, à minuta, pelo próprio sua escrita incisiva e nervosa, duas páginas de música para piano.
Villa-Lobos., foram selecionadas as vozes consideradas suficiente- :Ble próprio foi ao piano e tocou o que havia escrito, só para ver
mente afinadas e reboantes. Eu estava entre elas. E, por assim o efeito que fazia. Ainda hoje conservo essas páginas, a que o
ser, lá fui eu cantar em companhia dos colegas o nôvo cântico tempo conferiu aspecto de pergaminho, como das mais preciosas
de Villa-Lobos nas escadarias da Biblioteca Nacional, pois na- recordações de Villa-Lobos.
quele tempo não havia Campo do Vasco, nem Maracanã, nem Mas não terminava ali aquela minha primeira entrada na
nada semelhante. órbita de Villa-Lobos. Arthur Rubinstein, em seus concertos no
De tudo isso eu me lembro muito bem. Lembro-me ainda demolido Teatro Lírico, havia pôsto em circulação o <<Polichinelo>>.
mais dos ensaios. Aquêles dois ou três ensaios foram a primeira Só se tocava o <<Polichinelo>> de Villa~Lobos. Nas salas de aula
grande impressão que eu conservaria de Villa-Lobos. Sua gesti... do Instituto, quando os alunos não estavam empenhados em recon~~
culação era uma coisa nunca vista. Era como se êle quisesse tituir com sonoridaes lacrimejantes algum <<Noturno>> de Chopin,
plasmar em cada um de nós a sua vontade, arremessando-a de. era raro que não estivessem contribuindo para desafinar os instru~
longe para que ela pudesse ganhar fôrça com o impulso. Era mentas, procurando imitar o jôgo percutido de Rubinstein no <<Po~
como se Villa-Lobos quisesse nos transmitir seu pensamento, qui- lichinelo>>. O minúsculo <<Polichinelo>> fêz mais pela glória local
•
sesse nos contagiar com seu dinamismo, valendo-se de processos de Villa-Lobos que suas mais alentadas criações.
•
de eloqüência plástica que eram a imagem de sua própria perso- E foi justamente com o <<Polichinelo>> que eu me atrevia a
nalidade: vulcânica, magnética, irresistível.
•
afrontar Villa~Lobos e o demônio que, segundo se dizia, o habi-
Jamais aquela impressão se apagaria do meu espírito. Pos- tava e costumava despertar quando estava em jôgo o destino de
teriormente, era sempre o Villa-Lobos daqueles ensaios que me sua música, eu, com minhas muito humildes condições de pia~
surgia diante dos olhos quando, por intermédio de sua música, eu nista em plena fase de suar a camisa para domar convenientemente
tinha revelação de novos aspectos de sua portentosa constituição o Estudos de Clementi.
artística. Naquela mesma eicasião toquei para Villa~Lobos o seu <<Po-
Terminada a cantoria nos degraus da Biblioteca Nacional, lichinelo>>. Naturalmente, num estilo deplorável. Todo aluno do
voltamos todos para o Instituto. Villa-Lobos vinha eufórico, co- Instituto, naquela época, prezava-se de ser <<Chopiniano>>. Nin-
municativo. De sua fisionomia havia desaparecido aquela ex- guém queria ser <<Beethoveniano>>, nem <<Lisztiano>>, nem <<Bachia-
pressão tormentosa que raramente o abandonava e que o fazia. no>>. Muito menos, <<Modernista>>. Só servia ser <<Chopiniano>>.
parecer-se com Beethoven. Villa~Lobos foi muito gentil. Seu propalado demônio interior
•
Naquele momento Villa-Lobos era a quintessência da von ... se é que algum dia tenha existido nem deu sinal de si .
tade de agradar. Perguntou-nos se queríamos alguma coisa dêle. Como em nenhuma outra ocasião o vi despertar, embora muito te~
Que é que poderíamos querer ? Estávamos numa idade em que nha convivido com Villa~Lobos desde então. Villa-Lobos foi
faz parte do .ego do indivíduo ser colecionador de qualquer coisa : mais que gentil. Foi generoso. Tocou-me para fora do banco
de sêlos ou autógrafos. Villa-Lobos distribuiu autógrafos, como do piano e, tomando-me o lugar, mostrou~me o que era o <<Po~
lhe competia fazer. Não tinha retratos para rubricar, mas trazia lichinelo>>.
com êle papel de música. E foi um tal de escrever música, qt1e Como até hoje lhe sou grato por aquela lição ! Depois do
nunca vi alguém escrever tanta e tão depressa. Como eu lhe ti- «Polichinelo>>, foi um nunca mais acabar de fragmentos de outras
'
1
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36 l
*) Musicólbgo Argentino •
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or1g1na1s.
Nada criou que não tivesse vida emotiva e transmissão ime,..
•
diata. Alcançou o objetivo de sua obra o público.
Nada está morto nela, porque não são peças de museu; todo·
Brasil renasce e permanece vivo em cada uma de suas criações. '
Esta é uma meta difícil de ser atingida e constitui exemplo de: •
realização criadora. •
* Compositor Argentino.
·• . •
•
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Sua música é autêntica, vibrante, enternecedora. Como au- de seus s borosos e romátlcos frutos tropicais .
t êntica, vibrante e enternecedora é a terra que o embalou.
Seu idioma é um idioma simples, direto, mas seu vocabulário
,é rico em matizes, colorido em ritmos, ampliado, com variantes
•
melódicas da mais pura integridade. Seu estilo coerente, e seus
•
51
nos sonoros.
GRANDEZA DE VILLA.-LOBOS
CARLoS:'VEGA *
•
e absorveu sem prevenções o pós.-romantismo germânico, o veris.-
mo italiano é o impressionista francês , revestindo.-os à SllO 111a--
neira e traduzindo-os na linguagem brasileira de Villa.-Lobos.
Sua estada na Europa enriquece suas possibilidades, fortalece
seu impulso natural e, já com seus trinta anos, afirma.-se no pro.-
pósito de buscar elementos nas fontes próprias. O imenso Brasil
deu.-lhe tudo I
Ali os aborígenes primitivos do planalto e as tribos adiantadas
do Amazonas : ali os sertanejos, os caboclos ou gaúchos rio.-gran.-
denses do sul e tôda gama de fragmentos campesinos ; ali o afri ...
cano imune com a pátria distante com seu ritmo intacto ; ali as.
modinhas e o lundu dos suntuosos salões imperiais e burgueses ;
ali o canto das crianças e as cantilenas e os arrulhes, oriundos do • •
* Musicólogo Argentino.
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onvergiam na mesma
,.
musica e na mesma letra cantando sob o
ontãgio do maestro. -
De agora em diante, mais alguns ensaios. Todos têm
voz: a questão é colocã.lo no devido lugar.
Ignoro a razão pela qual a iniciativa não prosperou ali.
, Outra inteligência de escol, Anísio Teixeira, como diretor da Ins·
VILLA.LOBOS trução Pública no antigo Distrito Federal, convocaria Villa.Lobos
para a mais bela atividade, sob o ponto~de~vist,:i artístico e mu~i·
CELSO KELLY cal, que poderia estimular no meio da populaçao escolar do R~o.
Villa.Lobos não era apenas o músico de gênio. Era tambem
um mãgico de realizações maravilhosas.
ONHECI Villa.Lobos no Gabinete de Fernando Magall1ães
quando êsse eminente mestre da medicina e da oratória exercia
as funções de Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, hoje
Universidade do Brasil. O grande maestro levava ao Magnífico
Reitor a sugestão de organizar o canto orfeônico na Universidade. •
• •
VILLA-LOBOS
VILLA-LOBOS
CHARLES MuNcH *
CLOVIS SALGADO
(Tradução de Marcos Romero)
•
Heitor Villa-Lobos do Brasil não era apenas o grande mestre servadas e honradas no Museu Villa-Lobos, criado pe o overno
do seu país, mas também um dos maiores do mundo. A volta de para perpetuar a glória do mestre. . . , .
Villa-Lobos a Boston, para reger a primeira audição de sua << 11 ~ Em Brasília, a nova Capital, ergue-se, diante do M~n1ster10
Sinfonia>>, representou um grande acontecimento na história da d~ Educação e Cultura, como homenagem singular, a sua imagem,
Orquestra e de nossas relações pessoais. talhada no granito eterno, demonstração excepcional ao campo ...
Algumas semanas depois tive o privilégio de dirigir niJSsa or- sitor e à própria música.
questra, executando a << 11 ">> e êsse momento foi um dos mais
felizes e maiores em meus 50 anos de músico. .
* Regente Francês. _
•
'
DoNATELLO GruEco
-
'
EITOR VILLA~LoBos nome familiar a todos nós pianistas ONHECI Villa~Lobos em Nova York, em fins de 1944. Até
que vivemos sua música atraídos pelo colorido rítmico e o encanto então, não fôra êle para mim, no Brasil, mais que uma figura em
melódico de suas obras. tôrno da qual se travavam discussões e polêmicas. Em Nova
Inúmeras vêzes incluí em meus concertos suas composições : York, em dias difíceis do período final da guerra, quando eram
no início de minha carreira, suas obras transpareciam audácia relativamente escassas as notícias que vinham do Brasil, Villa~
~Lobos representou para quantos brasileiros ali então vivíamos
harmônica e fôrça técnica arrebatadora que hoje continua de~
monstrando uma presença rítmica de inegável atração. como que um precioso mensageiro com muitas lufadas de ar do
Brasil, o ar quente das noites cariocas, o bulício das ruas subur~
' É a obra de Villa~Lobos o clímax de um recital. Senti~ banas, o perfume dos jasmineiros, a mansidão das majestosas pai~
mo~nos pequeninos quando nos defrontamos com a dificuldade neiras, a côr e o som das perturbadoras cidades tropicais. Tudo
• das obras, mas nos agigantamos quando a interpretamos em de~ isso estava e está no seu <<Choros nc;, 6>> : a doçura das frases ner~
finitivo. Ê o autor que nos faz crescer paralelamente com a vosas da flauta dos seresteiros, a melancolia dos crepúsculos e o
obra e que nos afirma e nos dá a dimensão que emerge de sua irreprimível gôsto de viver, tôda a atmosfera preguiçosa e lân~
própria personalidade. \ guida das ruas estreitas do Andaraí Grande e das praças d.:,,
•
Quantas vêzes vibramos com suas vozes telúricas, tão primi~ carnaval. •
tivas e tão sábias ! Quantas vêzes admiramos, no caos aparente
Foi o próprio Villa~Lobos quem regeu, em Nova York, de~
de suas cascatas sonoras, a mão mestra do hábil instrumentista ! pois em Lisboa, em Havana e de nôvo em Nova York, êsse mesmo
Não se repetiu êsse milagre muitas vêzes no piano moderno; <<Choros nc;, 6 >>. Ofereceu~me dessa página tão rica um disco que
Villa~Lobos integra, assim, o reduzido número de compositores já fiz girar centenas de vêzes, sempre que a falta de novidades
pianistas contemporâneos e dá realce a uma época que, por st1a da terra, ou a saudade que rói remotamente o coração, me fêz
quase exclusiva preocupação pelas pesquisas sonoras, parecia pre-· ficar com fome e sêde do ambiente, do colorido, dos ruídos, das
destinado a esquecer o nobre instrumento. serenatas da minha cidade natal . . . Por ser essa a página de
minha especial predileção, muitas vêzes conversei com o grande:
mestre sôbre as coisas do ano de 1926, em que êle a compôs, pou~
•
•
58
• •
• . li p róp ria música. Ainda o vejo com a long.:t
casaca, cans do f liz, depois da execução, rodeado de amigos
,e mocionados. Compararam-no ao Amazonas pela impetuosidade
,e riqueza das suas melodias. Trazia o Brasil dentro da alma e
•
60
'
peitado e querido pelos músicos das orquestras que reg eu. Sua •
morte não é silêncio, pois que canta sempre e seguirá can tando, •
•
•
62
então lhe fizera quanto à elaboração da obra , recu ou~ e a em- ELEAZAR DE CARVALHO
preendê-Ia. de vez que sómente entendia fazer músi ro esta do., '
tados Unidos da América. teve ensejo de conhecer m lhor o ilus- Ão fui dos que se sentavam, diàriamente, à mesa de Villa-
tre violinista e de admirá~lo, qual o grande e digno r tl ta que é •. Lobos. Nem dos que colaboraram na sua obra de educação
Adveio-lhe, daí, sincero arrependimento de não h v r composto irtlstica da juventude brasileira. Aprendi a amá-lo, não pelo
o concêrto, a cuja encomenda, e reiterada , atend ri . com muito, onvívio diário, mas através de sua obra, como seu intérprete.
júbilo, mesmo sem qualquer remuneração e admitindo razoáveis. s amigos de tôdas as horas louvam seu bom-humor, o seu esp-
sugestões. rito sempre jovem, as inesgotáveis demonstrações de ter sabido
Do ocorrido, infor tunadamente. resultou ficarem desfa lcadas . r um verdadeiro amigo , a sua simplicidade, o seu repertório
as coleções dos apreciadores de grandes concertos para violino, d histórias ligadas à sua mocidade e às delícias dos <<bon temps >>
que perderam a oportunidade de terem reunidos, num disco , os . do Rio antigo.
•
nomes dêsses dois admiráveis artistas. que, por certo, serão para Eu louvo a sua genialidade, a sua originalidade, o seu pres-
sempre recordados, na história da música universal : o de Jascha, tigio de compositor internacionalmente conhecido, a sua contri-
Heifetz e o do nosso glorioso e imortal Villa-Lobos. · \ buição à existência da cultura musical brasileira, no Brasil e no
•
xterior. '
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Fui também sua auxiliar na fundação e organização do Or-- tude executava hinos e canções com grande beleza, entusiasmo
f eão de Professôres trabalho árduo de estudo, exort ção e. ... •
•
emoçao .
exemplo disciplinar, recebendo dêle o apelido de «M ãezinha do Era de assombrar o milagroso poder de concentração das
- Orfeão>>, que muito me sensibilizou. '
massas escolares e o sentimento patriótico, dificilmente igualável,
Tive a honra de ser convidada a exercer o cargo de <<Vogal» que se apoderava dêsse super-homem.
do Orfeão de Professôres, que corresponde a <<Spala>> da arques... Por ocasião da <<Semana Villa-Lobos>>, em homenagem aos
tra. A confiança que me inspirava sua batuta encorajou-me a seus 70 anos bem vividos, S. Paulo vibrou em seu progrâma. Foi •
aceitar tão grande responsabilidade, que exigia qualidade de lide .. uma consagração soberba e inigualável. Pude estar ao lado dês~
rança e tempo para estudo das peças musicais a executar. Resi ... te bop.doso amigo, como espectadora emocionada até as lagrimas.
dindo em Laranjeiras e dirigindo uma escola de difícil acesso em Sua morte física abalou-me a ponto de ficar doente. :Sle
Jacarepaguá, não me restava tempo para estudo. Muitas vêzes vive., porém, no coração de seus amigos e discípulos, que o vene-
estudava durante a viagem. Depois do trabalho exaustivo na ravam, no espírito de seus pares que o admiravam e acatavam
escola devia freqüentar os ensaios em determinados dias da se.. e na memória dos brasileiros e estrangeiros que conhecem sua
mana. Aí se dava o milagre após 1O ou 15 minutos de ensaio, ingente obra e gloriosa fama.
sentia-me refeita, alerta e entusiasta. E que de minúcias e· exi . .
Vive e viverá para o sempre na sua música que o embala e
gências nessas aulas... ensaio ! Para melhor atender ao seu co...
desafia as épocas.
mando retinha de cor tôdas as músicas. Nos concertos que du . .
rante o ano de 1933 o Maestro levou a efeito no Municipal, pude
melhor aquilatar das suas raras aptidões. Abriu essa temporada.
na Semana Santa, a Missa Solene de Beethoven, com coros e or-
questra. Essa grandiosa obra de grande dificuldade técnica dos
coros, cuja tessitura bastante aguda para os sopranos e rica or...
questração, foi dirigida por Villa . . Lobos com maestria incompará... •
•
•
69 •
PRA-2 do Ministério da Educação, em uma série de progra- tando essa matéria sonora em estado virgem como senhor abso-
mas, ergue merecido preito à memória e à obra do maior composi- luto, perscrutando-lhes a potencialidade e as magníficas conseqüên-
tor das Américas Heitor Villa-Lobos. Vários aspectos da suã cias artísticas que se encerram na expressiva vagueza da síncope,
grande bagagem estão sendo focalizados, nessas transmissões, que em um tema de Ciranda, ou na liberdade polifônica de um típico
têm, a coordená-las, quem foi a companheira de dedicação extre- conjunto instrumental. E tenhamos ou não a presença do influxo
ma, animadora e inspiradora do mestre, a Senhora Arminda Villa- folclórico na música de Villa-Lobos muitas de suas obras,
-Lobos. Hoje, versa êste programa sôbre composições das mais como as próprias <<Bachianas>>, demonstram uma superação do
famosas que brotaram da pena do Maestro as <<Bachianas Bra- folclorismo '- é certo que sua fôrça resulta de nos comunicar o
sileiras>>, que constituem, de fato, algo de surpreendentemente lirismo e os ímpetos ainda bárbaros do nosso psiquismo racial.
nôvo, não só na produção musical brasileira, mas na de todo o Villa-Lobos considerava Bach ttma fonte universal de música,
mundo moderno. Na impossibilidade de abarcar tôda a série de modo que achou possível estabelecer relações entre o instintivo
das <<Bachianas>>, terão nossos ouvintes a satisfação de ouvir pá- contraponto popular e a sábia polifonia do autor da <<Paixão se-
ginas das <<Bachianas Brasileiras>> ns. 1 e 5, em admiráveis gra- gundo São Mateus». Dêsse compromisso da música de caráter
vações recentes, vindas, há pouco, dos Estados Unidos ; inéditas, nacional, que é limitada no tempo, e no espaço, com a música sem
portanto, entre nós. fronteiras e eterna de Bach, originou-se o ciclo das <<Bachianas>>, •
. Com obras da envergadura das <<Bachianas>>, como, ante-' cujo ambiente de harmonia e de contraponto se identifica imedia-
riormente, da importância magnífica dos <<Choros>>, da significação tamente com a própria atmosfera brasileira. As <<Bacl1ianas>> são
das <<Cirandas>>, ou da expressividade das <<Serestas>>, afirma-se em número de nove, das quais a primeira é escrita para orquestra
Villa-Lobos o maior dos nossos compositores, destacando-se no de oito violoncelos.
panorama da música contemporânea, pela espontaneidade, pro- A originalidade da forma e concepção une-se aqui a prodigio-
fundeza e vigor das suas criações. Sua obra vem marcada de sa riqueza de idéias musicais, a <<allure>> rítmica flexível e fluente-,
uma grande fôrça de comunicaçãp, porque representa, essencial- a capacidade melódica inesgotável, e uma fôrça de acentos que
mente, um retrato musical do• Brasil. irresistivelmente nos envolve. Numerosas são hoje as gravações
•
Transcende, desde logo, no entanto, êsse aspecto .essencial da primeira e quinta <<B1;1chianas Brasileiras».
de nacionalismo e, animada daquele impulso inicial que lhe confe• •
Na série de nove partituras, que constituem o ciclo das <<Ba..
rem o ritmo, a melódica e a própria atmosfera da arte popular, vai
chianas», há lugar, também, para que se prodigalize a escritura
•
'
70
FELICIA BLUMENTAL
•
•
•
1 •
•
72
Heitor Villa~Lobos •
•
'
Ninguém melhor do que êle soube expressar o Amor, Paixão, ' FERNANDO TuoE DE SouzA
Alegria, Tristeza, Nostalgia, Pobreza e todos os estados d' alma.
Cada página de sua imensa obra traz uma idéia nova. Nunca
se repe : como todos os gênios tem seu estilo e linha melódica que cheguei da minha Bahia, por volta dos novecentos e
OGO
inconfundíveis. Criou novas formas e obras para orquestra como trinta e tantos, conl1eci Villa~Lobos. Ou melhor : vi Villa~Lobos
<<Choros>>, <<Bachianas Brasileiras>>. Adorava Bach, chamando~o regendo milhares de crianças. Espocava de energia, cabelos ao
«luz que ilumina tôda a música>>. vento e numa gesticulação impressionante. Admirei a obra gi~
Glorificando o gigantesco Bach glorificou a sua própria e gantesca, mas não simpatizei muito com o Homem. Depois, Ani~
monumental obra com as páginas imortais <<Bachianas Brasileiras>>. sio Teixeira, Venâncio Filho, Gustavo Capanema e outros amigos
Desde as mais inocentes cirandinhas até as sinfonias, tôda queridos, e amigos do grande Villa-Lobos aproximaram~me dêle.
obra de Villa~Lobos foi fruto de homem apaixonado. Conheci o outro lado de uma figura humana realmente inesque~
•
cível. A simplicidade, a maciez de atitudes, o contador de casos
Como todos os grandes. êle teve um grande amor em sua vida,
a sua adorada e dedicada companheira Arminda que tanto o e o escutador também de boas histórias.
inspirou e iluminou a sua obra, dando~lhe caráter jovem, cheio de Vim a conhecer, porém, Villa~Lobos, melhor, um pouco mais
entusiasmo e paixão. tarde. Em 1943, fui nomeado Diretor do Serviço de Radiodifu ...
Agradeço à Providência o privilégio de encontrar êsse ho~ são Educativa do Ministério da Educação. Villa era Diretor tam~
mem excepcional e de desfrutar de sua amizade. Agradeço tam~ bém do Ministério e começamos a ter mais contatos. E, aconte.-
bém ao inesquecível amigo, de me ter dado a oportunidade de cia que a sede da Rádio Ministério da Eucação ficava no mesmo
prédio do Instituto de Cinema Educativo, dirigido pelo mestre
executar as suas obras em diversas capitais do mundo, sob sua ' Roquette Pinto. Villa-Lobos e Roquette foram dois grandes ami.-
regência, bem como gravar o <<Concêrto de Piano e Orquestra>>
n9 5, escrito para mim. gos. Existia entre êles uma amizade sincera. Admiravam~se mu.-
tuamente. Roquette Pinto com a cultura fabulosa, sem dúvida,
:Ble não foi sàmente o compositor genial, mas também o ho~
uma das mais sólidas de todos os tempos do Brasil. Villa com
mem de grande espírito e coração.
seu gênio criador que o projetou como um dos maiores composito.-
'.e.le está e estará sempre vivo e presente em nossos co~ res do mundo também. ·
rações : o gênio que cantou as belezas do mundo será por êste Era um prazer reunir no meu Gabinete, o que acontecia mui...
sempre cantado. tas e muitas vêzes, Roquette Pinto, Villa, Taunay em conversas
•
•
77 -
tro vozes. Lá ouvimos <<P'ra frente, ó Brasil>>, a grande mara- temerosa de falar àquela platéia fui envolvida por benéfica in-
vilha. Logo depois a diretora da Escola, desejando preparar :1s fluência e pude cumprir o dever de gratidão para com aquêles
suas professôras de música (a Professôra Olga Behring Polmann · que mereceram o meu eterno agradecimento.
e eu) nessa especialização, dirigiu ... se ao então Diretor-Geral de
Foi uma linda festa ! Senti ... me feliz ! Quantas recordações !
Edu_cação e C.u ltura, Dr. Anisio Teixeira, que, reconhecendo o
Faltava, porém, o grande Maestro, Mestre que nos conduziu a
valor e a beleza do trabalho de Villa...Lobos, já o havia convidado
resultado tão auspicioso.
para orientar o magistério das escolas municipais. •
•
78
1
\
concur o, ntre as fa mílias das alunas, o r epertór < rf · 11 11 , , , .,
e I r·. •r sempre vencedora a marcha patriótl 11
«1 1 1 Ir 11f ,
Br si!», seg uindo~se o <<Canto do Pajé» e outra s.
VILLA~LOBOS
N ão o esquecendo nunca, como Mestre Anil >, , 1111 1111 11,
orações são sempre para que sua alma viva n 1 111 1, l 1111 1 1 1,1 GILBERTO AMADO
harmonia, feliz tanto quanto merece.
•
-
80 81
co que morreram jovens, um aos quarenta e seis oulr 10 vlt te Seu renome nos premia por onde nos achamos. <<0 Senhor
e quatro anos, Villa-Lobos trazia em si a robust z, 1 1· • f 11 l é do Brasil? Da tera de Villa-Lobos ?» Os sorrisos nos saú-
de um gigante ; no seu arcabouço pôde durar un1 , vl1l11 1111·n o.
dam, o aprêço nos envolve. Uma vez, em Nova York, há muitos
O continente agüentava o conteúdo. A tempesto<l • l11t1· 1 111• n• o anos, à. véspera de Natal, esperava eu acompanhado de um amigo
quebr va o invólucro animal. Villa teve est f li ·ltl 1,l : t1111 mesa livre no restaurante cheio. Era um restaurante francês.
corpo, uma quadratura capaz de abrigar os red m 111110. ti . tia Chega às oito da noite um sujeito carregado de embrulhos e lan-
alma. Certos sopros da sua inspiração varrem co1110 t·ttf : v ·m
çan olhos sôbre êles diz ao <<barman» : <<Ainda me faltam dois
do infinito mar, dos planaltos, das florestas indô1nit, ll, tl11 Íl111do:; e as lojas estão fechando !»
misteriosos do Brasil. Dentro dêle ai o milagr 11 1v s-
paço em que aquêles sopros puderam revolver-s , <li. t 11 1 r- e Vá ali defronte à casa de música e compre as últimas
condensar-se afinal em textos de beleza. Com e t s v 1. t· 111 · 1Ja- composições de Villa-Lobos saídas em <<records>> da Colúmbia.
Melhor presente não pode haver !
<las dentro dêle amanheciam também auroras povot1clt1 c.l 111ssa,
rinhos das nossas matas, das nossas beiras de rion. •
O homem atravessou a rua correndo e voltou com dois discos .
Oh, que prazer me tem dado na vida o meu gr.1,d , xtr or- Nem um nem outro sabiam que eu, testemunha da cena era
•
dinário patrício, animador de tantas horas de solidão feliz 1 1\!nda brasileiro. Não viram a minha comoção. Sentei-me à ~es,
ontem ouvi de nôvo aqui em Nova York no meu Philc .M. p la «ufano>>.
centésima vez sem dúvida o << Uirapuru>> cuja composiçt1 t ste" . Na interpretação da «Canção das águas clar s», Vill - Lob , ,
.munhei quase e que foi feito como Villa-Lobos fazia os 1.1s poe- ~1el ao seu feitio, ressaltou o fundo dramático d trol, 1Jh , , • s
mas sinfônicos ; quase sem os fazer, trasladando-os do âmago aguas virgens, as meninas brincalhonas ,, rd 11,Lo n m r. :
profuso, do humo fervilhante, da sua vasa íntima, habitáculo má- pondo o acento sôbre a implicação mor 1 1 t 11111, VIII -Iyo b ,
gico da música. Trasladava-os com facilidade, mas facilidade só revela sua acuidade, seu dom de v r 11) ·n1 d : 111 J,1vr : , sti pie-
àe aparência pois se elaboravam longamente dentro dêle até se dade, SUa Caridade Íntima. eJ t V fl 11 1 l 1• f)ll • ptlr !J que O
completarem e surgirem para a pauta como ondas oceânicas se abismo iria cor1·omper; cl,114 p<1l1r 11 • 111,1 ,11 , J 1111 s crificar O
estirando na praia. frescor montanhês, t lcv ,, , < 111111 · !111 11 1 v ,,. 1gc·in turva do
~ êle l1oje ponto de convergência em que se encontram sêres destino.
hum nos de tôdas as procedências ; milhões de indivíduos vivem 111 'll J) 111,1 1>,l !I tlll 1 111111 f111· 111i1.l 1v 1 fêz ressoar
tôd s as noites em Villa-Lobos. As Bachianas são tão populares cl g1·,111u ·z ,. 111 i< r ·,.
n s ntros culturais do universo como as sinfonias, as sonatas,
Vlll 1 1,obr> , 0111r11nhl 11 n• ôl , nl •vo de horas imensas '
·os onc rtos dos grandes criadores. O que representa para mim •
vínc t1l f)OU rt>'I r1l1 <> JJ,·,1 11 o. 11 us filhos I
v r nos programas dos conservatórios, dos rádios ao lado de
Be tl1ov n, de Mozart, de Bach o nosso Villa ! Em minhas
viog n n França, na Inglaterra, na Suíça, nos Estados Unidos
nos r 1.1nlrn10 e1n nos dizermos uns aos outros estrangeiros de
tôdas a orig ns para irmos com êle no seu ágil caminhar, no seu
portento o vonr pelas paragens multímodas da sua fantasia co- •
loridas, su v s, br1.1t i , amenas, esplêndidas, tôdas dizendo a
cada um de nós as nuanças da vida humana nas modulações do
•
verbo numeroso.
•
83
'
86
universal da música deve ser considerada como o guia, a p ran· HELI MENEGALE
ça e o exemplo às jovens gerações artísticas da A1nérica qu aspi•
ram alcançar plenamente seus desejos.
s que experime11taram o privilégio do conhecimento pessoal
de Villa·Lobos não têm, com a morte do grande compositor, à
sensação da sua completa ausência.
Tão forte era a personalidade do maestro, que deixava mar·
cas indestrutíveis no espírito de quantos a êle se afeiçoavam .
•
·'.s '.ca. ara mim, êle não é apenas o extraordinário múslco bru-
s1le1ro que o mundo inteiro consagrou, porque é, acima diss , 0 innis
profundo, o mais perfeito, o mais genuíno intérprete da t rt·, 1 ~ d.l
.:il1na do Brasil.
1
MEU FILME DE VILLA-LOBOS
HENRIQUE PüNGETTI
•
•
• ,J11 l 1 ·11 !,, 11 1111 1•1 11· 1, licc1 1 , ,1 Ílfflll',I de um brasileiro pa-
ifl t 1>,1t ific 111111· t 11) 1 1111 1nsr1v· m homens de tôdas
as r ·ll~J ()L'S, 1 l l,1 l i l ol\r l ,. l LÕLl,1s as ideologias. A idéia
111 1111Jolgot1 I< ~JC> : [1·,1 11 1> 1·ot1•lro.
Noqu 1 l 111pt1 111,l I vivi, 111t1lto velhinha, mas ainda lúcida,
a mãe de Vill, -T. h :;, l"'..!11 Arminda completavam o mundo
afetivo do musicil!tn, f 11 do num círculo de sons. Nada lhe
interessava fora da músi . St1 tremenda fôrça criadora residia
nesse entrincheiramento atrás da sua predestinação. Não se des-
viava, não se retalhava, não se distribuia.
•
Tudo quanto não se referisse à sua arte pareciarlhe uma in-
tromissão indébita e um furto do sett tempo.
•
92
nhas eram coloridas. Mas seu jôgo exigia muit 111 · 111 i ,
«shorts» a admiração do Brasil pelo con1positor e pelo pintor I c1 1 111 11 . l ,1 1 , 1111111 , ti u• 11 cl : que fluíssem aquelas
andari de mistura com o remorso ...
v,, · • • 111111!11 111 r tl.11,11,1 1111, l1,1 vl,1 1lguém que regia, no meio
c-1 11111 1 ·111,·111 · 11 11, t, 11111 11111 1 111tt•111 mns dezenas de milhares
1 • ri 111ç 1 11111 111 111111 ·111 111 11, 1.1vldo como uma lenda. (Na
inf n 1 , , r ,lltl li · v . e: p . Htti tantos requintes de fantasia
que r cus 1n lt 11). n1 poderia imaginar que uma
pessoa pud ss r t r n . ti tl . tontos mistérios que ll1e habilitas-
sem ordenar mill1ar , l o,: s, de diferentes registros, mil crian-
'
ças de diferentes vontod s 7 E como poderiam essas crianças
obedecê~lo? Haveria de s r grande a distância a separá~los. E
como irian1 divi ar, então, suas mãos no gesto de ordem? Não,
•
91 95
não poderia ser verdade. No campo do Vasco, nt1111 tl1 1 7 t!c brutal amor que tinha pela sua terra, que via coruscada de es·
Setembro ( e me lembro como se fôsse agora), apor , 11 1 f igt1r· trêlas.
do Maestro no n1eio do campo, sôbre um palanqu 11111 ,., vl. 11do.
Tracei o retrato de Villa, em linhas doces. Pena que, mesmo
Vi-o tão longe ! Eu era um entre milhares de t1tr<11 111 •11 11 s,
sendo poeta, eu não possa transmitir-lhes o muito mais que havia
e tôda aquela balbúrdia cessou como por encanto qu 111 lc, e, M,, :.· em sua figura, algo que não se poderia transpor para a tela, se-
tro erguett os braços. Não, eu ainda me recus,1 1 ,1 , c·llft,1 ,·.
quer para o papel, porque era o ser) interior que só os seus olhos,
êle não conseguiria, éramos muitos. Um côro 1n 1u11lf 11 ll>1110 1
em raros instantes, denunciava possuir ; aquela divindade diabó-
um estrondo, ecoou no estádio. Eu mesmo n1 • u1·111'l 11tll l' 111 ·
lica que transcendia de sua condição física e humana, algo qtte
tando, atônito, e para mim não havia mais nin911(•111 11 111,10
era totalmente subjetivo e que só os que amavam conseguiam
aquêle feiticeiro de tantas lendas, um Deus com 1. 1v1 l 111111 Jl'l
captar integralmente. Mas o feiticeiro soube manejar bem os seus
exposto e presenciado por milhares de criança' 11 111 1lc 111ln1.
bruxedos: a sua música, a terrível música de Villa~Lobos ( terrível
Lembro que meus olhos de menino ficaram turvoH · ,lc11111ttl i,. •
•
•
'
97
canto, sem saber se partia ou ficava ; de súbito, senti que era che-
gado o último momento. Já tinha estado no aposento do Mestre
que não mais reconhecia ninguém. Nesse momento voltei ao mes-
mo : os médicos se atarefavam em tôrno do corpo robusto do
•
mestre estendido na cama ; aplicaram injeções, trocaram sondas.
Cristina Maristany. Octacilio Braga, mais alguém que não me lem-
úLTIMOS MOMENTOS DE VIDA DO RANI I._ bro e eu, nos comprimimos na porta do quarto, na ânsia de assis-
VILLA-LOBOS tir ao grande momento. Eu nunca tinha visto alguém morrer.
Começou a grande luta do Mestre contra a morte. A respi-
HOMERO DE MAG 1 1 l I I\S ração se acelerou ; o grande homem arfava e nessa ocasião lem-
'
* Compositor Argentino .
•
' • 101
,
•
•
• •
• 103
•
das diretamente dos tubos. Um dêstes, Maurice de Vlaminck,
•
meu amigo, contou-me, que se indignara com Derain, quando lhe
1 anunciou pretender freqüentar a Academia de Belas-Artes. Gri-
tou-lhe, então, desesperado, com exagêro, que não aprenderia
VILLA-LOBOS nada e iria revelar aos «pompiers> a fôrça, o segrêdo de ambos.
E acrescentava ter sido o mal de Derain ir muito ao Louvre :
JAYME DE BAR O «Moi, j'y vais aussi. Mais, je n'entre pas>>. •
ouvld pur díssimo identificava as notas de tôda a escala, har- cons gr v qlt t d t nipo re9 r composições suas nos
mo11lz v e nto dos pássaros, os sons, os ruídos, até mesmo os Estados Unido n u p , u o vi, antes dos concertos n
n1 quf11 s, os de rodas sôbre trilhos de aço, atento aos ele- Carnegie lall no Tl1 1· d s h mps Elysées, abandon r
m ntos d u m lo, da vida circundante, numa curiosa antecipa~ regência, descer o qu tr , tom r mais diversos instrum nt •
ção do ntld , v nçado, revolucionàriamente atual, de sua mú- e mostrar, a músl os tõnlto , s onoridades, os efeitos
sica futu . S 1n h v r jamais freqüentado conservatórios, es- que desejava.
colas, acad mi s d 1núslc , ainda adolescente, num autodidatismo Não pude a sim d · 1x r d o rir ante a observ ç d 11111
peculiar os g nlos, d Jdiu compor, como aquêles pintores <<fau~ regente tcheco, ao ouvir qul, omigo, ,gravaçõe de Vill • l.<1hr1
•
104 - 105 -
com as orquestras sinfônicas de N ew-York, de Filadélfl de -Lobos identificado com o do Brasil. Está, realmente, tão identi..
Paris, que «evidentemente êle sabia o que era uma orqtte tra> ... ficado como, na pintura, o de Portinari, na poesia, o de Castro
'
Alves. Está identificado com o do Brasil como o de Bacl1,
Do piano, nunca vi nenhum pianista nem R!sl r, n ·m
Beethoven, Schumann, Wagner, com o da Alemanha ; Debussy
Cortot, nem Brailowsky, nem mesmo Rubinstein em cuj r per .. •• e Ravel com o da França ; Mozart com o da Austria : Chopin
tório sempre figura Villa-Lobos conseguir certos ef it mtt• com o da Polônia: Smetana com o da Tcheco-Eslováquia; Tchai-
sicais alcançados por êle, em suas famosas improvisac;õ s. Um kowsky, Prokofieff e • Stravinsky com o da Rússia .
•
crítico também observou serem absolutamente ilimitad ono- •
•
•
'
- •
VILLA.-LOBOS
LEMBRANÇA DE VILLA.-LOBOS
•
JoÃo DE SouzA LIMA
]ENNIE Tou
(Tradução de Mar o Ro,,i ro)
com alegria e saudade que, neste programa tão bem lembra.-
do, e com tanta sabedoria instituído pelo Ministério da Educação.
ALAR sôbre Villa.-Lobos é recordar vários momento f llzc:s evoco a figura ímpar do nosso grande Villa.-Lobos. Alegria, po.r.-
de minha vida artística. A primeira gravação que flz p r Co.- ·que só nos pode causar essa sensação a figura máxima da nossa
•
108
'
tísticos aos que se iniciavam no cultivo da arte dos on . Não
posso deixar de lembrar aqui, no convívio que tivemo d11r nte
anos, não só na Europa, onde em sua primeira viagem, 109 pós
a guerra de 18, em meu piano, preludiava, dando nasclm •nt t n-
tas obras-mestras de sua produção, tais como a «Prol do )3 bê»
n9 2, êsse «Rudepoema», dedicado a Rubinstein obra únic 11 r p r-
tório da Música Brasileira, como no Brasil, principalm nt m Sfio MAESTRO VILLA-LOBOS
Paulo, onde há 30 anos passados, empreendemos umn xcu 'O
artística em mais de 80 cidades do interior, para implant r gõsto JOAQUIM DA CRUZ *
pela música em locais, por vêzes, onde nunca havia sid r llz do
um concêrto. Pois bem, nesses lugares ·o nosso gr nd •
'
desempenhava uma missão que o Brasil nunca dev r qu cer tempo, que tudo tem destruído, ainda não teve o poder de
e à qual deverá ser sempre grato nesses lugares longínquo le delir-me da memória a figura simpática, simples e amiga de 11osso
pregava, tal qual um Anchieta, o gôsto pela música nt1· v · de querido e inesquecível Villa-Lobos. . Agora que se aproxima a
conferências elucidativas que eram realizadas não 6 til olões triste data de seu falecimento, mais me recordo do Maestro.
como em ginásios e escolas, atingindo assim tôdas as I da Eu que vivi na sua intimidade, por mais de vinte anos, acos--
mocidade. Como disse acima, não posso deixar de lembr r qui, tumei-me a querer bem ao casal Villa-Lobos. -
que numa dessas visitas a uma cidade do interior, num di em
que se achava êle terrivelmente contrariado, não querendo dirigir Não como um gênio, que êle era, mas c:omo um dos mais
a palavra a ninguém, saíamos juntos do hotel em demanda da dedicados amigos. E, para orgulho meu, era também assim
tratado. -.
sala de concêrto, quando deparamos na calçada com uma pobre
criança maltrapilha brincando com um cestinho o grande Villa- D. Arminda nunca se esqueceu de mim e me trata ainda como
-Lobos, transformado imediatamente com aquêle quadro, se pôs nos tempos de vida do Maestro.
'
n brincar durante algum tempo com aquela criaturinha, como se Por isso é que, nesta data triste para todos os amigos do
fõ da mesma idade e o resultado se produziu : o hom-humor Maestro, o meu coração transborda de saudade.
Jt LI orno que por encanto e daí continuamos nossas atividades
1n m i nte totalmente feliz. Quantos dêsses casos poderiam ser
.r l 1 d s I A vida daquele homem excepcional é tão cheia de
im ntos tão humanos e curiosos que seriam necessários vá-
ri V<l llt 111 para serem relatados.
l~ p r p d r voltar a êste programa para, com a mesma afei-
n t 1r <l t IJ1 s de sua vida, detalhes que se passaram . no
11vlvf11 111 Ju11tos tivemos, episódios artísticos que se pas-
1111 , 111 1ri por êsse Brasil afora. A figura inesque-
111 1 r rtl t b li iro nos enche de alegria, porque êle
1111 r 11 , 1nlm ndo-nos, fortalecendo-nos, entu ias-
] v , r 1!11 1 1n I vante os d lgnl d 1núsic::a
brasil Ir q11 r lt\ 1 11 vi lo. * Modesto An,111 ti· Vlll11 l,
•
VILLA-LOBOS VILLA-LOBOS
• •
ILLA--LOBOS foi um músico a quem dispensei grand r peito obra de Villa-Lobos aparece agora revelada nos mínimos
•
desde o ·primeiro instante que conheci sua música. detalhes por aquêles que tiveram a ventura de conhecer êsse
grande vulto genial que empregou a vida tôda a serviço da Pá·
Nesta hora em que há tão pouca música de verd d Ir, ln- tria. Foi, como Bilac, um artista de olhos abertos ao progresso
ceridade de intenção e espontânea capacidade de expr , foi dos brasileiros, servindo-os no terreno da cultura e da educação.
um prazer para mim encontrar um músico com tôdas es qu l!-
Sua arte teve um cunho nacionalista e elevado. Não era
dades e com a maestria técnica que permitiu-lhe exprimir ua
lícito, de minha parte, omitir o depoimento que presto, por ter
própria linguagem • . • apelado para o seu concurso a fim de melhorar a disciplina dos
Tive o privilégio de apresentar em primeira audição, em New marinheiros sob meu comando, no encouraçado «São Paulo>>, co-
York, com minha antiga orquestra, a Filarmônica, o seu esplêndi- mando que exerci cêrca de três anos. Acreditando na obra da
do «Descobrimento do Brasil», e está claro, desde então, continuo educação da juventude através do canto orfeônico, resolvi aceitar
dirigindo muitos de seus trabalhos. seus conselhos e criei, sob a direção do professor Salema, seu
Como colega violoncelista, despertou-me especial entusiasmo discípulo, o grupo orfeônico, com os resultados mais benéficos
•
• 11 b -1 obra para êste querido instrumento e o Brasil pode or- p r duc r marinheiros num alegre ambiente de disciplina e de
\}t1 ll1 - de haver possuído um filho musical que legou ao mundo · f rç ,1 onj\Jnto. A influência da música pelas vozes humanas
n,11• 1 1 <.l tanta originalidade e de tanta beleza. • 111 , t1 1 u1 nt ndimento, um espírito de companhe!.-
11 11111 c,11 l 11 d 1 1 Jll r fl p rdur nos grupamentos
111 11 11 11 l 11 • 1J11 l 111 1 tflltr r 111 gr u de Jnstru.çõo
1 1 11111111 f ,,, 1111, '.1111111 11 ·• 1 ,,111 11 l r d Bll e, cl
•
11,,· 1,11 1 1111 ,1111 1 /11\1 1111111 I , t li· 1 11c1 111or trl ·, o n S'lO
,,. 1111 V li t 11 1,, li 1 11,,1111111 li ti IIVl)IV Ili lll d. u l h
11 ·11111 11 1 111 1 n 111 1111 11 r, 11111 ·, f 11. 1 11 cl tlr1 d· 1J
t 11 1111, · 111 ~ , 111, 11 111, 1111111 11111 , 11 11 cl d 111 lt, 111 1l
(1 1 11 ·(1• 1111 11 1l11 li 11 1 Ili 11 , li tt•rtl J ffl
ijl'l\11111 1111'11( 1 1111 1 11 Jlll VII ' 1
1 111 1 11 r l 1 11111,·I 11 11111 1 ( 11 1
111 t 1,· t'lt , ,1 ,,, , ,, 1,,, 1 11 , 11 , r ,,11 ,.1,,
1
113
112
- «Meti velho, cu compo11ho erebralmente, sem auxílio de
com o resultado da disciplinação dos marinheiros, f lt · r om o
nada, e digo-lhe mais, í ço d f to partitura, isto é, a distribui~
meu depoimento neste instante.
ção no papel pautado, d todos o instrumentos, piano e or-
Quero reportar-me também ao fato da nossa on1!, 1 ma- questra>>.
radagem desde os tempos de mocidade. Isso, disse-lhe eu, nunc p n ei ser possível a um com~
Sou testemunha presencial das lutas para alcn nç 11· 1 ele- positor.
bridade. Por isso tínhamos o privilégio de confic.l n ·l 11· rtos 8le replica que Beethov 11, p r 1· • urd , desde algum tempo,
•
detalhes de sua carreira artística. Certa vez, e p n. q11 ste nunca ouviu suas última inf nl 11 •1n p r isso deixou de con-
episódio é pouco conhecido, revelou-me que, estando no, J~. t dos cebê-las maravilhosamente.
Unidos, na cidade de Nova Yorlc, foi procurado no hot 1 1 sua •
A história continua .. , M I t 1rcl •. ltn dois anos depois,
hospedagem por uma senhora que declarou ser pionl~t 1, c.l sc- Villa-Lobos recebe algum dinh Iro d c-u tr b lhos e escreve
java que êle lhe compusesse um concêrto para piano orq11 tra. a Miss Ballon que desejava readquirir u n rto pedia acei-
<<Senhor Villa-Lobos, gosto de sua música, t nl1 nt11. ias- tasse o reembôlso. Miss Ballon respond u d li 1d mente que o •
mo pelo seu estilo e talento de composição. Desejav p 11· 1 xe- concêrto não tinha mais preço e que viria o io d J n iro exe-
cutar, um concêrto seu, de piano e orquestra. r p nl1 -lhe, cutá-lo sob sua regência. Assim aconteceu mais t rd . no Tea-
como pagamento, a quantia de três mil dólares». tro Municipal, em audiência espetacular. Miss Ellen B llon gra-
<<Minha Senhora>>, respondeu êle, <<sinto não pod r con- vou em L.P. o Concêrto n9 1 de piano e orquestra, gravação
siderar sua proposta, pois devo retornar ao Brasil d ntr ele vinte London, ganhando muitas vêzes os cinco mil dólares do preço do
dias. Não há tempo para esta obra>>. custo •••
<<Mas, Senhor Villa-Lobos, vamos aumentar para quatro 8ste episódio da vida do grande Villa-Lobos ficou-me guar..
mil dólares>>. dado com carinho.
<<Minha Senhora>>, fêz êle, <<não se trata de dólares, mas Sinto-me feliz por poder, na oportunidade, revelá-lo. Tenho
para mim que as homenagens agora prestadas ao grande brasi-
de tempo>>.
l Ir , ao incomparável gênio da música de todos os tempos e de
A Senhora Ellen Ballon, que era a grande pianista em ques~ (O(I paíse , ainda estão aq11ém daquelas de que é merecedor :
o, não desanimou. De volta à casa telefonou para o hotel, in- 111,1 1 ,,,), t rld d far-lhe-á justiça à medida que se fôr melhor
til:;tlndo :
, 111111 'l' · 11 1 11 r de sua grande obra.
«Senhor Villa-Lobos, pense agora em cinco mil dólares:>. J.1111v1 ,. • rJ11t ll• qu gora glorificam a obra de Villa-Lobos
l1 1111 r•r ·111,11,· 1 d flnltlva I
]\ VJll -Lobos considerou e respondeu :
MJ11l1 1 Senhora, não quero negar-lhe mais e resolvo que
J, 1·,, 111· 1 f ln 1 dos vinte dias e será o que sair. Venha
tt 1r 11 on rt !»
" Critico Mu I •
•
,
117
JosÉ MARIA F N'I-OVA • ceta e vital personalidade de Villa--Lobos é definida, além de sua
obra fabt1losa, pela agudeza de seus conceitos, suas análises q11e
• ( Tradução de Marcos Ro11icro)
denotam responsabilidade e pela ironia humana de suas observa--
ções amadurecidas. Uma delas me foi confiada, num momento
em que nos isolamos da multidão que o cercava para expressar
rz--sE, biogràficamente, que Villa--Lobos nasceu e111 5 (.l mar--
admiração : «Sabe, Fontova ? O melhor modo para fazer com
ço de 1887. O que é um enorme êrro físico. Porque Villo--Lobos
que as pessoas despertem para a música, que é um passo para a
11asceu isento de frias e inamovíveis cifras ou rígidas d tn' que o
felicidade, é ensinar-lhes a cantar. É preciso fazer o mundo in-
possam precisar. :Ê.le já se encontrava nessa terra int r1nl11ável •
teiro cantar>>. .:Ê.ste foi um de seus ideais, que se converteu em
de sortilégio nas danças e canções que ritmaram o 11oscln1ento
idéia fixa. Aquêle seu afã de que o Brasi,l todo pudesse formar
aborígene do Brasil, no mistério verde--negro da selva, na arro--
um só côro que cantasse por necessidade, do mesmo modo coroo
gância pétrea das montanhas, no rotundo perfil de vales e que,..
êle compunha. Em meus ouvidos ainda ressoam suas cálida!'>
bradas e na eterna e luminosa canção do mar. Ble já estava 110
palavras, abertas e incansáveis : <<Escrevo música porque obedeço
espírito mesmo do Brasil quando, em anos do século XIX, os a um mandante imperioso. Escrevo tôda essa música porque tôda
músicos precursores de sua pátria iniciaram um tímido movimento,
ela está dentro de mim. Escrevo música brasileira porque me
para libertar-se de influências estrangeiras, em busca da arte n,1 ... 1 sinto possuído pela vida do Brasil, de seus cantos, suas histórias,
ional baseada nas expressões de seu rico e intenso folclore. :Ê.le
sonhos, esperanças e realizações. Isso é tudo !>> E era em ver,..
j 1 se encontrava e tão presente naquela substanciosa matéria
dnde, esta verdade, a razão de sua vida e a dinâmica de t1ma
fltt nte da musa e da imagi11ação populares que a sua genialidade
1>r ·rnência criadora que jamais conheceu desfalecimentos nem re,..
t 1·i 1n va aria em formas orgânicas, convertendo o espírito, a me ...
11{111 Essa mesma verdade que imortalizou o gênio de un1 ·1
ll11l,1 111 ·smu de seu povo, na elevada e imperdurável manifestação
tl,L figuras mais fecundas da arte musical de todos os temp .
I vlJ I int l ctual e de valorização musical e artística. Aí pre~
1111t 11 ,. slcle a genialidade indiscutível e indiscutida de Vil}a ...
l,11!11 ·, 11<>1 1 deu estado universal à cultura indígena de Stta
J) 1,,11. 1l11·l11cl n vos caminhos à música da América. Dessa •
•
•
'
123
•
• 125
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127
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~-1
• 1111,,, ' 111 1. 11 1,11 11 li \ li 11( 1111, •
129
·•,
••
VILLA . . LOBOS
VILLA. . LOBOS
LrA CrMAGLIA EsPINOSA *
LEOPOLDO ST l( W I l N
seu país natal, o Brasil. Além disso, sua música ompt• ndlda '
Não me é difícil, porém, recordar sua envolvente e luminosa
pelos povos de todos os p·a íses, porque é univers 1. /\ música
personalidade artística e humana, através das numerosas viagens
brotava nêle tão espontâneamente por ser um compositor 1'\ t ex·
do Maestro à Argentina, assim como das que fiz ao Brasil, quando
tremamente fértil. O mundo musical está enriqu cldo p 1 sua
tive oportunidade de conhecê. . lo pessoalmente.
. -
cr1açao.
Recordo . . me que fui ao Conservatório Nacional de Canto Ül'....
feônico, onde, ajudado por sua magnífica companheira, trabalhava
incessantemente ali. Sôbre sua mesa de trabalho, escrevia febril-
mente uma partitura. Ao mesmo tempo atendia visitas, tratava de
v ,rios assun·tos e ainda ouvia programa de rádio que lhe interes-
n , Sua mente possuía 11ma capacidade extraordinária, sôbr •
... J1u111 1n • Foi assim, com essa simpatia e cordialidade, dentro d
ll 111t111 l cl sonhos, que o vi pela última vez no Rio de Jon Ir ,
v rc.l 1cl l artista é simples. Villa-Lobos era enc nt cl r,
n1· 1 Vt>l d int llgência excepcional ; estar junto d VIII 1-
• o rn , ntl , ort , o entusiasmo, a vida e todo o ml11t ri ele
J11un o cl I f 1nt 1111 • Seu dinamismo contagiava vicl 1 11 11,1
I urt p r r ,lizarmosametadedoqu Villo· l 11r <111 . ,,
. p 1 • i1m X mplo para o artista qt1e n1n , ti
•
v,11 -Lob s s dutor para s pi nl t ,. : ()J' JII 11 1
' 111 11 1111 rlt1no • m 1 dia· ri o d 11 r 1)1• 1 11•1 rn, t 1 1 • 1
111 ,111 t , 11r11 1111,,,,
* Diretor d orq11rRtr t ,
•
•
132 -
'
grias. Tudo está em sua música, notas, muitas notas, cob rt de
gênio, de magia, de harmonias. De virtuosismo e d lttil zas !
Quer dizer : tudo o que faz das obras o interêsse de . t11 tl 1-l s e
ao ouvinte apreciá-las.
Quem poderá esquecer a emocionante «Alma Br 1sl l Ir 1», a
«Lenda do Caboclo>>; a pujança e a alegria do «Pol l1 !11t·lo» ; ·
deliciosa «Prole do Bebê>> ou a brilhantíssima e empo lo 111t l ·!e VILLA-LOBOS
do «Ciclo Brasileiro>> ?
Como pianista senti vibrar o público com ess . l,1· Louis JoxE *
executei com encantamento. Na minha humilde e sln r. Jll 11! " 0,
Villa-Lobos <<o mágico >>, como o chamavam, foi o Otll . lt r: da
América e por êle se teve a certeza de que se pod ri f 1z r boa ooos aqui se lembram de sua bondade, de sua personalidade,
música nesta América jovem e um pouco ignorad t . v ll1os de sua simplicidade. Para nós franceses, Heitor Villa- Lobos não
povos da Europa. foi sõmente o amigo de vida brilhante que, de 1923 a 1927, veio
impregnar seu gênio da lição e do fervor que a França confere •
Villa-Lobos viveu para dar ao Brasil sua v ida m 11 t nos
àqueles que vêm ao seu encontro. A cada um de seus retornos
de obras e, ao mundo inteiro, um pedaço de sua terra 1u r vl ll1osn.
a Paris nós lhe devemos a descoberta de um mundo musical des-
conhecido : nós ficamos diante dêle, diante de sua obra, como
outrora os navegadores partidos da velha Europa e que contem-
plaram estrêlas novas emergindo do oceano.
 alma popular de seu país, sua música deu uma expressão e
uma forma que nos fizeram melhor amar, se isto fôsse possível, e
certamente melhor compreendê-la •
•
,
•
•
•
135 ..-
•
A cara de Villa-Lobos se iluminou. A ópera tinha saldo <.lo
•
limbo e ia nascer.
Quanta coisa, entretanto, ainda faltava para que ela nascesse l
O libreto. Contei-lhe o entrecho da <<A Menina das Nu..
•
136
* Escultor Argentino,
•
•
110
Quanto bem fêz à Música da América êste exc Jl 1 111 1 111 11111, MAGDALENA TAGLIAFERRO
que abriu novos rumos à música moderna !
'
o evocar, hoje, a grandiosa e inesquecível figttra do nosso
tão querido Villa-Lobos, surge na minha memória uma das pri-
meiras e certamente das ma is vivas r ecordações do meu convívio
com aquêle que foi, e perm n , o m is prestigioso expoente da
arte musical brasileira !
Numa recepção que t v lugar m Paris, entre a primeira e a
segunda guerra mundial, qu.ul compareceram elementos entre
os mais representativos d 2n (1sl • ontemporânea internacional,
•
estive conversando com llu tt• com positor francês Florent
Schmitt. Quando vi m . { 1 · do Brasil e do nosso genial
Villa-Lobos, que est V 11t11n outra sala, e cuja obra já conquis-
tara o público e r. l <lo V elho Mundo, fêz-me o Florent
Schmitt a s.eguint Ol J 11• ç o : «Saiba, minha filha >>, disse êle
•
•
• em voz bastan te lt J') r 1 , r ouvido de todos os presentes, <<que l
•
movedoras expansões da sua obra monumental .
•
142 143
O que mais me impressionava nêle era aquêle lado, uin tan to comovidíssima e que ficará gravada para sempre na minha me..
visionário, de sua poderosa personalidade, que lhe permiti scutar mória. O seu aprêço logo se estendeu aos músicos da orquestra.
e penetrar muito além do pensamento humano e a té d J)r6pr1a que ficaram, juntamente comigo, aplaudindo durante muito tempo,
• vida. Atrás de seu olhar malicioso, envolto de aparcnt n dura não somente o genial talento do compositor e a mestria do regen ..
e quase sempre de bom humor, jorravam a cada in t nt • . im.. te, mas também o dinamismo e o vigor do homem que soupe, no
petos e as mais diversas expressões de sua extraord!n l'l origi.. decorrer dos últimos anos da sua fecunda existência, vencer tantos
•
nalidade. obstáculos que pareciam intransponíveis e afirmar sua esplêndida
Ao contrário de tantos outros que improvisam tltttd · oo vitória no cume da mais mila grosa carreira jamais alcançada por
desenvolverem esforços de tôda espécie. para se torn r 111 orlgi.. um músico brasileiro. -
nais, Villa.. Lobos só precisava ser êle mesmo para por e difc--
rente e impor com a maior naturalidade os traços tão p soais ,
singulares e sempre cativantes de sua realística e invulg r filo ..
sofia da existência. Êle possuía, no seu mais alto grau, fac ul..
dade de persuasão, mesmo quando usava idioma estrangeiro, con ..
forme pude verificar tantas vêzes, entre outras, nas memorâve!s
reuniões no Hotel, ao lado da Igreja da Madeleine, onde residic1
o casal Villa.. Lobos durante as temporadas parisienses do M estre. •
'
Naquelas ocasiões, a pitoresca linguagem que êle adotava em ..
prestava um cunho nitidamente humorístico e bastante peculia r à
conversa, a qual acabava geralmente tomando o rumo que êle
desejava.
Villa .. Lobos era, efetivamente, tão representativo de tudo o
•
que é essencialmente brasileiro, do autêntico folclore, bem como
do espírito e dos anseios do nosso povo, que bastava me aproxi ..
mar dêle quando eu tinha o coração cheio de saudades, para en..
contrar, seja em New York ou em Paris, a genuína atmosfera da
terra brasileira que êle, sõzinho, conseguia recriar.
•
Nunca esquecerei as horas encantadoras que marcaram a gra..
vação, no Teatro dos Campos Elíseos em Paris, que fizemos jun..
tos alguns anos apenas antes do seu desaparecimento, da sua
«Fantasia do Momoprecoce>>, para piano e orquestra, que êle fi .. •
-
zera a honra de me dedicar. Eu já tinha tocado essa obra com
várias orquestras, inclusive sob a regência do próprio autor. •
Desta vez. Villa ..Lobos dirigia a Orquestra Nacional da Radiodi ..
fusão Francesa e o ensaio correra tão bem que resolvemo s gravar
na mesma hora. Quando chegamos ao acorde final, iluminou.. se
a fisionomia do meu querido Maestro. Êle me externou seu con ..
tentamento numa expressão de profunda beatitude que me deixou
•
145 , · ,
•
' •
• •
1 •
146
•
«A verdadeira sonoridade do Quarteto>>, disse.. me ' le, <<é a
de Haydn. Beethoven é demasiado egocêntrico : é êle, le e mais
nada. Beethoven, sinfonia ; Haydn, quarteto>>.
«E na música sacra, quem é que é?>>, pergunl i 1 bendo
que êle estava trabalhando num <<Magníficat>> par
V 1ticano.
l-IEITOR VILLA-LOBOS
Villa sorriu: - <<Perosi>>, •
•
148
•
* Musicólogo Francês. •
•
150
'
Então, logo êles me reconheciam : um homem, um n!1n l raro, '
que todos nós fizemos o mesmo, mas não na florestn vl1·11 ·111. Lá
estão milhares de pássaros, cuja tagarelice gazil n o 111 Jl rrnit
DA VIDA E MORTE DE VILLA--LOBOS
ouvir--lhe a fala, mas nos deixa perceber clarament ·11 111t !
•
Velho mito, realidade inelutável do poeta : o páss ,, 111 f1· l 1 11 , (O Ciclo Terminado em Sonho)
•
sua árvore cósmica... Os adultos sacodem desd 1111 1111 ·11 • os
ombros. As crianças sabem que o mundo está pres 11t • 11,1 1r·v re MARcos RoMÉRO
•
cósmica, onde os pássaros murmuram reciprocament •
. 1111 t '•1·ios
fantásticos do mundo.
<<E sabes François? Sabes tu, Dominique ?>> (MI 11 1 . or- última visão que tiv d Villa-Lobos me veio através de um
ria incrédulo. Era um espírito forte.) sonho envolto em atmosf ro d irrealidade. Sonho que estava à
porta do Municipal à sr r de Mindinha e do Maestro que che.-
<<Sabes tu que os pássaros conversam entre si ? l c1l ll ·m.
gam em cima da hor d n êr to. Chegam apressados e vesti.-
vejamos: na floresta não há quase ninguem: índios . 0)11· ·t11,I
dos de prêto. O Ma Rlro rr111ito pálido, o rosto emaciado. Quan--
selvagens, pobres ou enfêrmos, êles são tão velhos, tão , 11, ,,1 a
do assomei ao cama t J porei com o palco banhado em luz
que se esqueceram de suas próprias histórias, suas lend 1 , u :i
amarelada e repleto d ,·i 11) em tremenda algazarra. Súbito
canções>>.
o Maestro entra em 'II 1, 1 crianças silenciam, êle levanta os
Em todos os países há sempre a recordação maravill1 de
• braços, o côro se ini ! 1 <> .s nl10 termina. Acordei no dia se.-
canções. Aqui não.
guinte sob a angustl c.l 1 11111,1· s ·ão de um pesadêlo. A fatal ca--
Felizmente ainda existiam papagaios. Aos milhares, em pro- deia dos acontecim nt • e 1111l·lntta com a repentina chegada de um
fusão de côres azul, verde e vermelho e como tempestade de gritos disco a «Flor stn d /\111 1::- na ». enviado por Bidu Sayão, o úl-·
e de risos. Sàmente êles se lembravam das histórias da floresta, tln10 gr v d J) l ·c1 1111ic1. lt r e sua maior intérprete. Intensa
dos ·animais e dos homens. Mil anos ainda e elas serão lembradas al g ·!ri, prof11n,l 1 11'1 1, ,1, Bldu, ao recusar vantajoso contrato
• pelos papagaios • que 1 v 11·11. 11c11· 111111!1.1 Jni !ativa, ao Japão e à ín.d ia, me anun.- •
E o sorriso do homem que, talvez, mais tivesse amado as ciav qu 1 ,J IJ,11 t I cl Amazonas>> era o ponto final de sua
crianças desfazia com a confiança da inspiração todo o quadro carreira. cll. o 111t· 11 gou a 18 de novembro de 1959 e eu
indelével. Entre elas e êle se postava solícita a figura generosa não sabia qu VIII 1, 1, morrera na véspera, pois me encor1--
do poeta. Um disco << Uirapuru>>, <<Erosão>> : e a floresta ressur.- trava em pôsto no f nclJ di3tante.
gia, grandiosa e verdadeira. • Assim se fechot1 , nt1· onho e realidade, o ciclo de meu co-
Hoje, no <<hall>> de nossa casa, há uma gaiola de pãss ros nhecimento de Villa~Lob s, que se iniciou em certo dia de 1931.
do Senegal. quando a figura fascinante do Mestre indelevelmente impressio,
Tôda vez que ouvem pelo disco a Floresta e o Sertão, eu nou o menino de 7 anos, aluno da primeira série primária da Es-
sou testemunha os pássaros desatam gorjeios incontidos de cola Pública Soares Pereira. Lembro--me muito bem daquele dia,
alegria. · há trinta anos passados, quando o Maestro veio inspecionéiC o
Como os pássaros do Amazonas ..• ensino de canto orfeônico. A presença de Villa--Lobos, o olhar
•
152
grafados, mas ainda a memória de uma convivência que passava Recebi o 1111 ·I, ( u rt to, manuscrito, levei-o para casa,
pelas cumiadas da glória nas noites das consagrações no Carnegie: passei lh . J 11·1 !t1r· ; tratava-se não prôpriamente de um
Hall, a <<Premiere>> mundial da 1111o Sinfonia, em Boston, o con- Qu rt·t 1111 I · 11111 1 t1lt » para Quarteto de Cordas. Mos-
cêrto com a Filarmônica de Nova York, quando êle completou trel- n1 u ) J1 • reação foi a mesma.
70 anos. AI t, o 11 1 v 1 violoncelista radicado nos Estados
Assisti Villa-Lobos ensaiando Segóvia, repassando com Jen- Unidos, qo r ,, loloncelista de então, recriminou-me o
nie Tourel, Bidu Sayão, Lily Pons, Mattwilda Dobbs, conversando modo porque tt fiz · o dído a Villa-Lobos:
sôbre teatro, música, dança, pintura e literatura com Gilb rt
Amado, Massine, Munch, 'Edward G. Robinson, Mary M rtin, «Mariucci • v e n~ o soube falar, devia ter pedido o
Brailowsky, Rubinstein, Kostelanetz, Howard Taubman para m n- 3Q Quarteto. Se voe tiv · dito ao Maestro que nós queríamos
cionar algumas das celebridades que o procuravam. Vil]a.-Lobos tocar o 39, êle teria emprestado a partitura~.
na intimidade do lar, aparteando a conversa, enquanto compunha O desejo dos meus colegas era êsse. Todos nós queríamos
ou corrigia os originais. Villa-Lobos enternecido, fazendo «bia- tocar o 311,
gue>, fumando charutos sem cessar, como não cessava de traba- Telefonei à Mindinha, e ela, com aquela amabilidade que lhe
lhar, de criar. Saudades, recordações para sempre .•. é peculiar, foi dizendo: vem jantar e conversa com Villa-Lobos .
•
154
155
Fui e disse ao Maestro que eu e meus colegas pr ·f ,. 1111, t ilr
9
o n" 4 ou o n 3. Villa-Lobos não gostou. · seu canto de despedida no gênero que êle mais prezava, pois, t
'
1
zê-las ouvir corretamente. ~sse problema impõe um gr 111d de· Lutou vigorosamente contr m 1. f ,· z d s enfermidades ;
ver a todos os estudantes de música no Brasil. trabalhou até o seu último I nt • N ll111ltou sua existência às
precárias fronteiras d . 11tllç 1111111 111 • A golpes de gênio,
cri ndo m mo no11 n, 111 nt l n1 lor ngústia e dor, Villa-
-Lob 011 t ' t1lu. 111!1 , Jlr [)1'1 monumento de sua glória.
Jam. 1 orr u 1t1• ,. 1 lt,ttv 1· gru lo os.
Ü :J in. t 1nt i cl 111 11. Jlt1r pr z r de seus últimos anos de
vida for~ 11 < 111 lJtl • 1 1 u s «tournées>> pelo mundo a
fora, pôde OltVlr • li , l,r 1, , r • olhendo das multidões o frêmito
afetuoso e entusl \ d 1pl11u o. Recebia consagrações e hon-
rarias com a simpll id cl do g nios e sentia-se feliz de ver sem-
pre ao seu redor os rulgo lnceros e verdadeiros.
Foi extremamente reconh cldo àqueles que, de qualquer modo,
procuraram ajudá-lo no inicio de sua carreira artística. Com êle
aprendemos a querer bem e a ser gratos a Gilberto _2\mado, áOS
Penteado, aos Guinle, a Santos Lôbo, a Paulo Prado, a Ru~·n-
•
•
158
tória <<A Miudinha>>. :.Ê.sse é o tesouro inestimáv 1 11 · 1111 í ,1 mam cara feia para o ,'1 1 t ltl . ; ,no qu obrem depois aos
legado e que guardaremos no fundo de nossa alm >111 11fl11lt I que lhes souberam 11c1 11 t 11• 1 ··111fl n 1, o d licado coração IC•
saudade. p1E to de bondade e 1 1111 r· 1,
Suas reações 1· 111 111•l111 IJ1l 1 11'1 b 1t ,d s · bruscas.
E eu bem senti ,1 ·, l 1 ,· 11 1tJll l t rd 1n que o en ..
contrei na ABI, int 11111 1 111 n111r 111 u . partida de bilhar.
Jáme fôra d d 1 1 ,1 l 111, l flg11 r com meus versos ao
lado de sua paut li 1 1t 1 · 1 ,,, 1,· : 11 . untro de suas composições.
d sd «Cttnç · 1, 11111 1 11 1 , d qu r s ultara o nosso conheci-
1n nt 111(1tu , 11 1111111 11 111 r Mos me confiara a missão de
e rvrll, 1l·t11 ,
J J' 1 1· 1111·• 11111 111 11r 11d músico muitas provas daquela
- generos . 1111 1 tJIII r, f) 1·.1 mim alegria tão rara como alta
•
glória .
•
Por isso n ql1 I · tll I llrl 1-me a êle cheio de esperança para
o favor que vinl1 1clt 1 -111 .
•
Maestro clJ s t nho tido a fortuna de, por mais de
uma vez, entrar com m u po mas em sua música. Queria ago1·a
•
que me fizesse honra maior, musicando uma canção que escrevi
há pouco.
Para surprêsa minha, Villa~Lobos suspendeu a tacada que ia
• desferir, com ar sério e frio .
•
161
160
E quando indaguei do encarregado, na Associação, se havia
É : mas eu já havia jurado que não compor! 111. 1. nada qualquer encomenda para mim, recebi, numa caprichosa cópia, ::i
no gênero depois das minl1as serestas respondeu. sua música da <<Canção de Cristal>> !
canção, além do mais, é para voz de homem. Pior aind 1 1
Dias depois fui chamado à casa do Maestro onde conheci a
Está bem. Fiz-lhe êsse pedido por saber com q11 cili- extraordinária artista Cristina Maristany que, com sua aprimorada
dade compõe : mas se é assim não falemos mais nisso •.• técnica e sua voz de ouro, interpretou pela primeira vez a nossa
E tratei logo de retirar-me. -
cançao.
Villa-Lobos, porém, falou-me disso no outro dia De regresso, finalmente, de um . d ti (1ltimas viagens à
zes depois, tôdas as vêzes em que nos encontrávamos. Europa, Villa-Lobos prc entcou-m on1 x mplares da <<Canção
Onde estão os versos ? dizia. de Cristal>>, que acabo1· ele er lind m nt ditada em Paris pela
E como eu lhe replicasse que o assunto estav ll tttltl do, Casa Max-Eschig.
•
• •
-
163
Quando o fiz finalmente, a rcspost v I
uando, ao terminar, perguntou-me ingênuamente se haviu
Quem está falando ? Que desej, 1 1t1!ltado, respondi com entusiasmo:
Maestro balbuciei é algu é111 q11c· fc • 1111111 :10 Ah, mas seria um crime deixarmos de utilizar uma mara-
incumbência de colaborar com o senhor nun1 t1• 11 111111 1 • • •
Jlha dessas. Terei mesmo é de procurar entrar em stta melodia.
- Mas quem é afinal? replicaram 11t1111 111111 1111 111 cl,·11 E você pode ? disse êle, abolindo já o antipático e ce-
ganas de desligar o fone e desistir ... rimonioso <<senhor>> inicial,
Sim; vou tentá-lo pelo menos, com o máximo empenhe.
Com decisão, todavia, al'ticulei corajosament 111 11 111,111 ,
Façamos já o monstro.
E, para surprêsa minha, tudo se transfo1·1111 11 1 ,, 111111
Começou então o compositor a ditar-me palavras sem nexo,
aquela voz doce de cordial bondade, que tinha p l' 1 ll1111 l11rl11 1), mas encaixadas exatamente na melodia a fim de serem depois
artistas, que Villa-Lobos me falou :
substituídas por versos meus de metro e ritmo perfeitamente
análogos.
·ó meu querido poeta disse. Mas hã 1 f tJtt
estou à sua espera. Onde poderei procurá-lo ? Num dado momento, a certo período que ditara, eu o in-
terrompi:
Apressei-me em dizer-lhe que eu é que iria ao li 11 111111 •
onde êle quisesse. Desculpe, mas esta frase não concorda com a prosódia
musical .•.
Ah, sim? Nesse caso estou à sua espera aqui n 'I MA . •
Está bem ? Venha logo. Villa-Lobos esfregou então as mãos de contente, satisfeito
com o resultado do seu ardil, e gritou para a devotada irmã de
Dirigi-me pouco depois àquele departamento da Prcf lt111· 1,
sua vida, que se achava presente :
destinado ao Canto Orfeônico e situado no Edifício Andorl11l1 1.
E nada vi de terrível no rosto sorridente, com a candur t;:le faz Mindinha ! Já vi que êle é capaz de fazer l
criança grande bem própria dos artistas puros, que me recebeu A d sp did , dls. - 111 nl gr :
com singeleza e cordura perfeitas.
• 1t1 nl1 t,· 11· 1 1 l tr 1
Pois é disse Villa-Lobos enquanto com um gesto,
- /\1111111!1 ,1 11 11111r111111· 1 1. u ·t do. Tremo ante a res-
me mandava assentar, o senhor não apareceu logo. E para nao
p 11 1b li l 1 1· 1· 11l 1l 1 ,. r ·0111 VJJlu-Lobos ...
perder tempo eu compus aqui uma coisinha para acertar a mão ...
N . 11 111f 1· f ,. 1 , 11111 • b do. E quando dois dias de-
Mas naturalmente não vai servir ; porque o senhor há de quer r
escrever primeiro a letra, que é mais fácil e é o que geralment pois, nn fJt111 l I f ·!1·1 1, 1111·1• < 11t j .. Jho poema acabado sentou-se
se faz. logo ao pJ 1110 ,l ·1>111 <l Jf j -lo, teve para comigo as mais
generosas p lavr, , :
•
Maestro falei eu gostaria de ouvir q11
campos. Está ótimo, x t I eu trabalho é magnífico !
~
Ah, quer ouvir? Então vou tocá-la. Dias depois convldou-m para a primeira execução do nosso
trabalho, pelo Orfeão de Professôres, no auditório do Instituto
Sentou-se ao piano e brota_ram de sua mãos m gfcas os.
• •
de Educação. A audição, com a presença de todo o Conselho
acordes heróicos da <<Canção da Imprensa». 1
Deliberativo da A.B.I. e de seu Presidente Herbert Moses, que
•
•
•
•
•
164
•
166
Desapar ciclo, 111,j r ·,1111 r1t • das vistas daqueles que ainda
per grin.im . OI,,· , '1', 1 1 1, Vil) -Lobos passou a viver para sem-
11 111l111 lc 111 1111 l,1 , 11 1 tidade dos que tiveram a felicidade
•
•
•
• '
•
168 169
o desejo de alcançar a maior beleza naquelas inesqueciv l tardes ciar o transporte, para o Brasil, daqueles móveis, que, hoje, fazem
da <<Semana da Pátria>>. parte do acervo do Museu I-listórico Nacional.
Revejo-me, depois, no Ministério da Educação e Cul tu co- Reputo patriótica e expressiva essa iniciativa de Villa-Lobos,
laborando com Villa- Lobos na Administração, quando êle dirigia pois teve o sentido de homenagear a memória de D. Pedro II.
,o seu Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. E con10 re- O tempo n ão permite que me ei,tenda sôbre a vid.-i de
conhecia, agradecido, o nosso desejo de ajudá-lo. Quando t - Villa-1,ol:os.
tornava do estrangeiro, de suas longas estadas, Villa-Lobos r -
Da sita genial obrn já se tem dito tudo o que, realmente,
servava a sua primeira visita para o nosso Departamento de
Administração Geral, o que fazia questão de afirmar. Nenhu111 ela merece.
outro motivo, que não o da grande afinidade e simpatia que exis- Tão grandiosa, r onh cida e aplaudida nos grandes cen-
tia entre nós, seria a razão dêsse proceder ! tros musicais da E urop ela América do Norte, que anul.Ju a
Depois, revejo-o em Paris, em fevereiro do ano de 1958. onda de incompreens li ni ,nosidade que se verificou, de início,
Não podemos esquecer, eu e minha mulher, as gentilezas de qtte na terra de seu berc; , nl , 11sência da crítica construtiva.
fomos alvo por parte de Villa-Lobos e Arminda. Nessa convi- • Ao concluir, v J fl r 1· nn minha n1emória, trazida pela
vência mais prolongada, Villa-Lobos que ali se encontrava para saudade, aquela tard !ri . f tJlt marcou a morte de Villa-Lobos.
trabalhar na gravação de sua Música e nas atividades liga das a Em razão do c .. r , 111 · 1·11 ttpava, no Ministér:.o da Edu-
instituições artísticas, nunca deixou de manifestar sua simpati· cação e Cultura, fui o l ·11111 1! ·d nador de tôclas as provi-
e o prazer que tinha da nossa companhia, procurando- no s, segu{... dências que o Gov 1·11 11 l ·1 1I ,. lv u do tar para l1omené1gear
damente. o ilustre morto, pr l l 1 11 1 • 1 J u o ov~rno Municipal.
1
Villa-Lobos e Arminda, eram os anfitriões. P aris e o seu Naquela hora t i 1 ·11 1111 11lr1 1, t>· vld •n ln, aquêle ensejo
povo os queriam muito e, ali, êles sentiam-se à vontade. Sua de poder tomar p rt t·tv 1 11 1 ,1 11 111 i 1· 1 J 1111 n m OLIC o Bra~il
•
casa era o Hotel Bedford, cujos proprietários, seus a migos e ad- prestava ao seu fillt 11111 1 l 1 111 1 ,lt 1 x1,r ssõ s da alma
• miradores, lhes destinavam, como deferência, os aposentos onde
brasil l1·a ttm <-l,1 111, 111 11 ,1tl1 c1 \ nosso povo e
morou D. Pedro II, durante o seu exílio naquela cidade.
•
O B O S V IL L A. . L O B O S , U M P R E C U R S O R
HOMENA G E M A V IL L A -L
P A S C II O .I \L C A R L O S M A G N O
p ABLO CASALS *
(T r a d u ç ã o d e M a n u e l B a n d e ir a )
tr in t a n o s q u a n d o n u m b a il e d e fi m d e
rN H A e u m e n o s d
J. ,o n d re s , b a il e d e a rt is ta s e m a s c a ra d o s ,
p re p a ra m p a ra p re s ta r h o . a n o no A lb e rt H a ll , c m
STOU s a b e n d o q u e o s s e n h o re s s e s to s la rg o s , c o m u m a
- r a lt o , d c a b e le ir a im e n s a e g e
n1 ó ria d e V il la -L o b o s , p o r o c a s iã o d e s e u p a s s a um s e n h o s e n . .
menag e m à m e d o s ô b re s u a c a s a c a im p e c á v e l, m e é a p re
s e n h o re s , p o r e s ta s p a la v ri :is, c a p a de d o m in ó c a in
m~nto. A p :e s s o -m e e m d i1 ·ig ir a o s is ta fa m o so , q u e a p la u d ir a
o b o s , a e ss a ta d o : M r. R u b in s te in . E ra o p ia n
s a o , c o m o a m ig o e a d m ir a d o r d e V il la -L s ta n te s .
• minha a d e si l e c u jo s d is c o s fi g u ra v a m n a s m in h a s e
e ri m ô n ia c o m e m o ra ti v a . ta n ta v e z n o B ra
re v e re n te c g o : C o m o
r in fo rm a d o q u e s o u b ra s il e ir o , a b re -s e lo
ã o s o m e n te q u e Ao s e
~ A m ú ~ ic a d e v e a ê s s e c o m p o s it o r g e n ia l n
a tj tu
O
d e d e v a i V il la . . L o b o s ?
ele ~o~ d u d e s u a o b ra , m a s a in d a a s u a c o ra jo s a
:1 x o < < F ui e u q u e m p ri m e ir o a p re s e n to u
b v e rs iv a s d e q u e c h a m a m in (t si ca m o - E m e d iz c o m o rg u lh o :
opos1çao a s c o rr e n te s su
de rn a . ' a o b ra d ê le n a E u ro p a » .. •
n is ta d e g ê n io , m u lh e r li n d a e c u lt a , c h a ...
o s p re c e it o s d a v e rd a d e ir a m ú s ic a e en ~ M a is ta rd e u m a p ia
V il la -L o b o s s e g u iu n h e c i o s m a is a lt o s v a -
g ra n d e p e rs o n a li d a e . n1 d a I-Iarrie t C o h e n em c u ja c a s a c o
riqu e c e u -a , m a rc a n d o -a c o m a s u a c o n -
i d a rt e d a In g la te rr a ta m b é m m e
c ia n ã o fo i. m u it o lo re d intc li g ~ n
e m p lo d e p ro b id a d e e d e c o n s c iê n U m a d a s g ló ri a s d a
S e u ex fc ss Oll, lo n n o . p ri m e ir o e n c o n tr o : <<
m a is p a ra o a d m ir a r e a m a r. la ..
s e g u id o ; ra z ã o a Íc )l t r • id u a p ri m e ir a p ia n is ta q u e re v e lo u V il
m ú si c a minl1 vlll,1
c a rá c o m o u m a d a s g ra n d e s fi g u ra s d a
V il la -L o b o s fi -Lobo s p · , .. ,
m a io re s g ló ri a s d o p a ís q u e v iu n a s c e r. e m d e fa to
do se u te m p o e u m a d a s O
I r1 ·! d o :i ta n to s a n o s p e rg u n to q u
I loj
o P e d ro A lv a re s C a b ra l d o a u to r d a s
e n tr e os d o i C l m 11 10
•
'
172
Freqüentemente aceitava o convite para almoçar con1 Vill:1- tudo reentrou no bom e 0·1p rt 1111 nto quotidiano. No dia se-
-Lobos e Arminda Villa-Lobos sua inteligente, inquieta e de- guinte dessa memorável nolt cl tiv de me ocupar, em meu fo-
votada espôsa no Restaurante do Ginástico. O brasileiro o lhetim musical da segunda-! ir , no jornal de arte <<Comédia>>
único de seu tempo de projeção mundial, era tão simples como daquelas duas obras, gtt 11 1vl 1n abalado tão fortemente a
o pão que mastigava ou como a água que enchia nossos copos. sensibilidae musical dos ouvl11t pr ntes naquele dia. E eio-
Queixava-se às vêzes de não ver o Brasil povoado de orquestras, glel-as abundant
auditórios, corais, de um Brasil cuja respiração fôsse compassada Noqu lc •p I li vi 1· 1 1 111 cer Villa-Lobos e ficara im-
pela música. pressl n d 11 ·I , ~111 ·: 1 <l t mperamento, pela extraordiná-
Referia-se com ternura fraterna, admiração comovida a 1es- ria puj nç 1 1 t1 1 11111 . 1 , qu punha uma nota nova no céu :nu-
peito dos autores de música popular como Ary Barroso, Paulino sical d l ri!!. C,to de cantar assim o seu país, de afirmar
Sacramento, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Eduardo Sou- com tanto e 11 r tJt• 1 música e a terra natal podiam apresentar-se
to, Donga, Adalberto de Carvalho, Sinhô, Almirante, Noel Rosa, unidas em lndl. l(1vcl mor, transportava o meu coração de
Henrique Vogeler, Sofonias Dornelas, Pixinguinha, Patrício Tei- bretão profund m nt fiel às velhas tradições célticas.
xeira e tantos outros. Lembro-me até que a respeito de Adal- Villa-Lobos e u 1 go nos tornamos amigos fraternais. Todos
berto de Carvalho hoje imerecidamente esquecido classifi- os an0s o revia, porqu n atmosfera de Paris, que o admirava, lhe
cava-o de <<compositor excepcionalmente original. Muitos dêsses era simpática. Era êlc de uma atividade incrível, sempre alerta,
elementos harmônicos musicais, tão em voga atualmente, que a sempre aberto às riquezas de sentimentos, e saltando com a sua
maioria os considera oriundos da América do Norte, foram cria- independência natural por cima dos hábitos e boas práticas da
dos por êle ..• ». E acentuava, com o melhor de si mesmo:
«.Ssse foi um precursor>> ... * Composito,· Franci:s.
•
174 •
•
•
•
178
•
180
vinte de novelas.
A sincerida.d e foi a marca registr d l
Não bastaria uma grande mulher de po. t I HEITOR VILLA-LOBOS, O CôRO. AS CRIANÇAS
talento e grandeza de alma. A companheir ,t E A CULTURA POPULAR •
que a alma e o coração do gênio se expandi 111 11 1'1 PEDRO V ALEN Tr CosTA *
vôos pelo infinito da sensibilidade.
Villa-Lobos teve essa mulher, que eu vi, a 1 11 lo
seus dramas e seus momentos amáveis e que v J > 1111 ~ , • 111 1, ILLA-LOBOS foi o mú lco-apóstolo que baseou sua obra· com
cuidando de sua memória e arrumando suas co i. 1 o pensamento na edu çiio das crianças, aprofundando-se no fol ...
como no passado, em que êle lhe podia dizer, como li clore do Brasil e lanç nd a bases mestras da música nacional
culta. .
Obrigado, M indinha . Você é um anjo ..•
A causa da cultux· ·, 1 p vo conquista-o inteira mente e tra ...
balhando sem desfal cJin 11t , multiplica a criação de orfeões e
bandas infantis e milit. 1• ·11, 1,.1 l111in ndo em 1935 com a Concen-
tração Orfeônica d 30. 0()0 1 . ol 1r s, qu.e cantam em um con-
junto impressionante, f1 1z 1•11,l11 r·l 1Jt ir uma das facêtas mais im-
portantes de sua obr ·t lui 1' ,.
ntr tonto, P, ri. 1cl, ,1 r 1 ,m . Crê nêle, nesse vital
sul- n1 1·l 11 : r · 11 /\ 111 1•f1· 1 I. tfn , nos seus homens e nas
•
su 1, r . li !llcl 1l , nq 11 r1t i so VilJa-Lobos em seu Brasil
n t 11 • 11 11! 1 , 1 ·,l1t1 o p vo, não só desde os mestres mais ca-
t gorl ,, 1 1111 , eh, Mozart e Beethovén, mas também as
(' •, t I li Jrn1 nado com seus orfeões. Sua sabedoria ,
seu amo1·, Jv que nutre!
Compr 11tl r oliza como ninguém o problema dêste con-
tinente, isto : r m v r as barreiras estranhas, mostrar a reali...
dade de seus hon1 n t1· vés a autenticidade da sua própria lin ...
guagem. Por isso V ill a-Lobos crê na cultura popular e um de
• seus veículos mais eficientes é aproximar ao homem do povo as
manifestações artísticas como ente ativo. Aí a obra do côro ;
aqui o pensa1r1ento de Villa-Lobos.
-- - --
* Compositor e Regente de Coros A r genti110 .
• •
,
•
182
feões populares.
LEMBRANÇA DE VILLA-LOBOS
O canto coral é a única possibilidade e não ( Ili li 1l
•
Foi sua magistral lição! terças-feiras, à noite, a casa fraternal de Ronald de Carvalho.
Eram encontros cordiais, além de informais, sem <<whisky>> e sem
chá, em que a única coisa que se oferecia, para nossa delícia, era
literatura. Tomávamos autênticas bebedeiras líricas de arte. Gra-
•
A serra de Rôla~Moça
•
Por u v z, Manuel Bandeira leu o u l.J 1·/111/, 111. J! o e11.. 111 Jlnjé >> e as <<Canções de Cordialidade». Deu-lhe uma nova
cantam nto tom va conta de nós • • • Suces o <l 1 !1· 11, tlca e 1llm nsão espiritual: a da alegria de cantar.
de a t d ulz r. E todos afinal o que ali fazi n1 1 J , , •t1tar,
•
com nt 1 po mas, ensaios, romances, literatura, ort ·. I~, , 11 1ló, so Lembrança n9 3. •
acho que naquele tempo êle nem sequer conhecia Mato r 1 11 , , , cionais, encontrei-o no aeroporto de Val-de-Cães, quando êle
mas adivinhava tudo, com sua aguda intuição), do povo 1l1111tl11 partia gravemente doente, para os Estados Unidos, a fim <:le
nado e lírico de todo o Brasil, da gente seresteira e alegre l 1 1 11 operar-se. Que sereno otimismo, confiante e grave, o daquele
Rio tão querido. É claro . que entendíamos mal as suas «t ri , homem condenado à morte ! Enfrentava o mais obscuro dos des-
filosóficas>>, mas quando lhe escutávamos as composições, 11t1· • tinos com a plácida segurança de um combatente inderrotável.
gávamos os pontos: como o homem sab' Brasil! Aquela voz E o seu adeus, para mim, naquele momento, cerrando-me o cora-
era realmente a das nossas florestas, a dos nossos rios, a da nossa ção, mal escondia uma sombria interrogação. Ainda teria eu a
gente dramática, poderosa e lírica. .1] gria de rever aquêle puro gênio da nossa terra e da nossa
•
g nt 7 Aqu lo fArça da natureza brasileira?
LembraRça n9 2. '
•
'
•
• •
18 , •
• •
Leml)1' 111 1 Ji11,1l.
•
• )
•
•
188
•
190
expandia em arquiteturas sempre mais amplas e mais nobres. Com o seu imenso poder criador, Villa-Lobos procurou em
tôda as formas, existentes ou por êle próprio estabelecidas, ex-
Permanecendo original, Villa-Lobos fingia ignorar a moda t1· 1v l s u gênio musical. numa experiência não raro atordoan-
para seguir, com firmeza, seu próprio rumo. Hoje, estamos mais te, 111 1, , 111pr l6Al , porqu se manteve integral1nente musical ,
do que nunca confiantes no fttturo da música dêste grande e digno scn1 111111 1 f1111!1· r (1lí lod busc r, m f6rn1ulas algébricas,
filho da terra brasileira. ab trnç • , 0110J· 1 • '/\ 111(1 Bl p rn ·l s t v na natureza. nas
col os, no 1111 ·,· e,. 111111 · 1 111 1rtlf l l lculo.
Nun1 rt!, l,1 cl , 11 e~t f >, 1· llltu.r 1 qu a música de câmara
fôsse ttm SU~Jc . t Ili 1111 •11. ,, lJ11 • 1pr v itou com excepcional en-
genho e multipll ti 1tl,· <l Jlt' s s. Não se trata, é preciso
realçar, da· pref 1· n 1 1 1· u111 g · nero, o que nunca aconteceu
com Villa-Lobos qu , 111 lt>d s, desdobrava, mas de nêle con-
seguir extraordinária gr, ncl z 1, não apenas, como observou Her-
bert Weinstock, pelo arranjo de melodias, ritmos e harmonias,
•
senão por obter a plena possibilidade dos instrumentos, com os
mais amplos efeitos sonoros e a realização translúcida da sua ins-
192 193
•
, n"'o para prodígio l vi 111 111 , 1111. para /1111 li<lade porém vai encontrar a·centos para as ressonâncias m
nte lírica da sua cri ç 10 11111 1 11. ,lt, e intensas. A voz do povo e a voz da criança.
Nesta <<suite» convergem as duas. Note ..se que Villa.. Lobo$
N 11 música camerista, o quart to foi ,1 11 111 11 l!leto,
revelou se1;1pre uma imensa ternura pela infância por essa in..
t 1 ,1 ril dezessete, dos quais sete no ultt1111 11 de
Íância que tanto fêz para que pudesse cantar e ter no canto uma
11 1 v J , que mostra preocupação cres nt J 1,, 11 1 11 , mo
das suas formas expressivas. Compreendeu que há mistérios no
1 11 l I f'I lo fato de procurar nela uma expr 1 1 , I 1 11, 111 [
folclore infantil. N êle se concentram talvez com maior intensi ..
111r t or musical. Talvez ainda por consld r 1 11• r 1
l
dade os ímpetos, as tendências, as fôrças essenciais de um povo.
111 11 r d.ificuldades, o que, para Villa-Lobo ·1111 1 1111 , 1 , ..
E nelas foi buscar, não apenas um halo de inspiração que cerca
f scinante. luminosa·mente muito de sua música, mas também motivo sôbre o
Entre o Primeiro, que se inspira tão de p rt< 111 1 ,, t f \.. qual construiu algumas obras maravilhosas.
clóricas, até o universalismo dos derradeiros, o 11 t l ·t
A função do canto e da dança infantis em Villa .. Lobos foi
1narcam pontos fundamentais em sua música, q t I
sempre de grande importância na ambientação que delas faz para
preocupações estéticas, quer 11as experiências . 111,, 1 , 111 J go
uso da juventude, aspecto didático do maior significado. Quero
sugestivo dos instrumentos, na prodigiosa inventlv 1. 1111 1 1 1 l'
realçar aqui o seu emprêgo celular em algumas de suas obras-pri..
dos achados, como as <<pipocas>> do segundo movJ1r1 ·11t 1 111, 'I' r-
mas, como <<Momoprecoce», a <<Prole do Bebê>>, as séries de <<Ci·
ceiro, pelo aproveitamento curioso do <<pizzicato», q1.1 ,. 11 1 1111!1 1
randas>> e <<Cirandinhas>>, o <<Carnaval das Crianças Brasileiras>>,
de intensa poesia, doces, alegres, violentas ou amar 1 , 11 1111 ,
inclusive nesta <<Suite>> para orquestra : <<Saudade da Juventude».
testemunho o terceiro movimento do 11 9 Quarteto qu ,1 l J'' 1 ..
Nela aproveita dez cantigas tradicionais do nosso folclore, dan·
prio comovia até às lágrimas, quer no prodigioso vlrttto. 11111 tlt,
do-nos uma transposição da alma brasileira brotando das nas..
Sétimo e do Nono, para referir apenas àqueles qu 111 • 1 11 1111
centes mais remotas, onde por certo encontrava as maiores sedu ..
dado conhecer. Sei que o 129, composto embora nu111 !111 . J)I! 1l
ções para a sua· fantasia criadora.
de Nova York, é cheio de vivacidade e a·l egria e que u pr fe-
Não se trata de um aproveitamento simples de temas para
c~ncias iam para o derradeiro, o 17", que não chegou a ouvir.
n mera caracterização que não passaria de recurso engenhoso mas
Em tôdas as formas Villa.-Lobos deixou peças substanciais a
L1p rí l 1, Vlll -Lobos utiliza essas vozes como lêvedo musical,
rem incluídas no quadro extenso de suas obras.-prima·s. Entre
d t 111 111 f 1·111 1 qu lnsplr nos mitos, nos rios, nas matas,
, , s estão os Quartetos de Cordas, onde realizou, numa escrita
n 11 : 11t[111 11to l1un1 nos t mesmo em fatos telúricos. O seu
r ttintada, numa inspiração abundante, na qualidade musical, no
g 11 t1· 111 J>Õ , s melodl humildes, os ritmos simples, as formas
, ()rov itamento dos mais variados temas, absorvidos em sínteses
rudint r1t Ir , . m lhes sacrificai· o conteúdo e o sentido, para
1111lv 11ais, e na emoção· transbordante, obra que, por si só, lhe
delas f 12: 1• l111cJ1sa estruturas sonoras, nas quais tudo é prodígio
n. gr ria o gênio. Disso é testemunho o Quarteto nQ 11 qtte
da sua inv 11c 10, de sua originalidade, da sua fantasia. E como
l,1 lt fala de tôda a grandeza de Villa.-Lobos, cujo música d
Villa .. Lobos rn uma verdadeira fôrça da natureza, portanto, de
1r1 r , n formosa imagem de Arnaldo Estrella, é uma cat1d,ll
uma realidade flagrante, nessas suas obras não desaparece a alma
c1t1 til u longamente a paisagem da nossa música. infantil, êsse tom de ingenuidade que as anima, êsse fascinante
* * * enlêvo que se encontra em tôda essa série de composições, onde
Nn magnitude da obra de Villa ..Lobos, na qual o s ntido da estão algumas de suas obras.. primas.
grand za ~ tão marcante, não apenas na construção musical, mas E a criança não é apenas um longínquo pretexto para forro.
na temática, erguem.-se sempre duas vozes modestas, em cuja pro.. enternecidas que lhe traduzam a realidade. Tudo isso stfl oi •
, •
194
propriedade sua, não direi que deforma, mas tran sf 111111 11 ll ntro ( Tradução de Manuel Bandeira)
das fôrças criadoras da sua música ; o sortilégio d11 11 1 11 l t• é a
sua presença constante, não simplesmente pelas r 11,1( 1 1l icas
do estilo, mas pelo sainete pessoal, próprio e inconf1111 ltv,·I, coe UANDO se perde um amigo tão querido, tão fraternal quanto
que realiza· a sua música, ao seu modo, ao seu jeito, à . 11 1 111 111 ira, foi para mim Heitor Vi!Ja ... Lobos, a única consolação que se pode
sempre diferente, sempre imprevista. razoàvelmente esperar é que, sobrevivendo êle pela sua obra, per ..
Esta <<Suite>> o comprova de forma admirável. 111los maneça bem presente junto de nós, no além ... túmulo. Há alguns
transmitidos imemorialmente de bôca em bôca, pela s i (>(I I ele dias, no festival de Lucerna, Arthur Rubinstein, dando um recital
nossas crianças, não nos são dados para revelar traço. <i t 11111 \ consagrado a Chopin, concluído o programa· e não cessando os
aplausos, acalmou o entusiasmo delirante dos ouvintes com uns
brasileira, embora isso consiga invariàvelmente . mas com v II ,. ·:
humanos que constituem a motivação da obra. Atrav . li , : :s <<extras>> ; tive então a alegria e a emoção profunda de ouvir uma
elementos transubstanciados no conjunto. Villa-Lobos ti, r uJi ... das peças mais populares de meu caro Heitor, o <<Polichinelo>>
(n 9 7 da série <<Prole do Bebê), que o virtuose criou em 1922 e
za a si mesmo, numa arte exuberante, de enternecedora sensibili... •
•
196
•
A amizade de meu pai com o pai do nosso Villa-Lobos (o
VIII cios no sos encantos, da nossa admiração, do nosso afeto
11 11 • t1dode) vinha de longe, quando ambos meninos cur.-
s~ r, m I glo Alberto Brandão, em Va·s souras. Belo, minu.-
cios 1 11 to é o retrato que dêle se lê numa das páginas de
«Minl1 M 1116rias dos Outros>>. Homem feito, Raul Villa-Lobos
«era u111 1·1 tt1ra de bondade e meiguice. Fisionomia plácida,
muito cl r 1 t z, cabelos raros e ba·r bas alouradas, olhar azul
e suave, tinho t1111 ·1 xpressão de tal candura que eu sempre que o
contemplava, diz Rodrigo Octavio lamentava não ser pintor
para aproveitar.-]h a figura numa tela em que tivesse de aparecer
• , um santo».
Bem diversos eram os temperamentos dos dois amigos. Exu-
berante, expansivo e poeta era meu pai. Tímido e retraído, o pai
de Heitor Vil]a ... Lobos. «Elevo-o, escreveu o amigo com
,
•
198 199
gáudio onsclência, a uma herma do meu b . <Jt11· 1 11 <>111l1rado e l r·ç de vontade, no trabalho sem descanso, na estrêla que lhe
calmo». 111iava a vida de predestinado, e no seu destino de artista. Ésse
•
Muitos anos passados da amizade escolar, 11 1111! 1 1 111 se os ·ra o Villa-Lobos que encontramos naquele quarto de hotel, no
mês de outubro de 1948.
doi s amigos, em situação bem diversa, ao tempo · 111 1111 1 11cl1·igo
Octavio era Procurador Seccional da Repúbli i1 l 1 111 Vllla- Embarcou para o Rio e aqui começou a labuta diária, acres-
-Lobos funcionário da Biblioteca Nacional. F ir, 11111 11 11111·0- centando novas páginas à sua obra amadurecida e grandiosa. E1n
cráticas interpretaram e desvirtuaram, torpement , l I f 1 111 11cl s seguida viajou o mundo, levando a tôda parte, pessoalmente, sua
do honestíssimo amanuense, acusa·n do-o de feio I • li l1111t:l • mensagem de artista genial.
nais. E o tímido Raul, inocente e puro, foi levado 111 11 l11111 l11l10 Vi-o em Paris, em 1956, na sala do <<Théâtre des Champs
de maldosas e escandalosas notícias de Imprenso . 11111 1111,I o Elysées>> regendo a sua grande obra <<Descobrimento do Brasil>>
inquérito, e enviado o processo por decisão do Sup1· 11111 ' I I ll111nal, para uma das grandes orquestras parisienses, que a gravava para
ao Juiz Federal, foi dêle aberta vista ao Procura cl111 , ,11 1>nal, uma seleção de discos. Parecia um· adolescente, um jovem e ágil
qt1e depois de requerer várias diligências, deu mint1 cic1 11 I' 11 e1·, maestro, exuberante de saúde. Com que entusiasmo e segurança
pedindo e obtendo em seguida o seu arquivamento. dirigiu aquêles músicos afeitos à regência de grandes mestres, e
Não me esqueço da emoção refletida na fisionom i 111 V li - que, ao término da execução, aplaudiram de pé o grande maestro
•
•
204 -
r t1ll , I , ,1, 11· 11y I de uma passagem da n1úsl , J>,11 I , 1 1111 nte •
111 1 I )li 11,t1 . '01npreendi, então, e creio qu ft.11,l 1111 1tl11 o
111 • 11111 , 1111 o Maestro havia vencido a enfermid tllt.
LEMBRANÇA DE VILLA-LOBOS
J t>11· 0 depois dessa tarde de domingo deixou 11 1 1l
ti ,. pa.ramo-nos amigos e continuamos sempr 1 1\1 I', SUZANNE DEMARQUEZ *
( Tcadttção de Manuel Bandeira)
cidade de Paris, que êle sempre amou tanto e que lhe retribuía
êsse amor. Agora as primaveras sem êle já não têm para mim
o mesmo encanto, mas, felizmente, resta~nos a sua obra. Graças
•
a ela não nos deixou êle completamente, pois o melhor dêle nos
ficou com ela. '
- - - --
* Compositora e Crítica Musical Francesa.
• • •
VILLA-LOBOS O VILLA-LOBOS QUE EU CONHECI
•
"\
o ano de 22 ou 24, em Buenos Aires, por lrit 1 111 1l l1 1 1 minl1a pri m ira impressão de V illa-Lobos foi colhida no Tea-
Rubinstein, tomei conhecimento da música de Vill a-Lo!,,1 , 1) t t (! tro Municipa l n1 1922 . C elebrávamos, então, o 19 Centenário
então toquei suas obras, muitas em primeira audiç~ , ti da nossa Independência . E lembro- me bem, da sala cheia, acla-
nha, Portugal, França, etc. mando não só o gra nde Maestro, o grande compositor, mas tam-
Mais tarde, conhecemo-nos em Paris. A par tir d 1 11 1(l • bém o então Presidente da República, Epitácio Pessoa, que gos-
menta nunca perdemos contato. Vi nascer várias d e s u 1, (l l 11 1 tava imensa mente de tôdas essas manifestações de arte e que
e colaborei como intérprete em algumas. <<Chôros n9 8, ( ,,,... presidia a Nação justamente naquela ocasião memorável do 19
questra e dois pianos), por exemplo, a obra colossa l qu l l11, Centenário da nossa Independência.
todavia, desconhece, foi a mim dedicada. Executei-a em p rl 11\ ·11, Fiquei impressionado com esta música moderna, cheia de
audição em Paris com a magnífica colaboração de Aline V on 13 .. vida, que dava do Brasil uma imagem musical diferente, pois.
rentzen , sob a regência do próprio Villa-Lobos. Vi também nas- que os compositores que o antecederam, embora tratassem de
cer os <<Estudos para violão>>, escritos durante umas férias que temas brasileiros, tratavam-nos à maneira , digamos européia, à
passamos juntos em Lussac les Châteaux, na França, e uma infi- mon ira clássica, sem na realidade encontrar meios nossos de-
nidade de outras obras dêsse infatigável trabalhador e criador •
r .s. o musical.
que foi Villa-Lobos.
l\11 :;, n.:-o é d e s urpreender que ês te fenômeno aparecesse
Em nossa última viagem à América vim com êle ao Brasil n qt1 l I r1 ião , pois que mais ou menos por aquela ocasião SE:!
para realizar concertos de suas obras no Rio, e, desde então, con- tinl1 rlfl do a famosa Semana de Arte Moderna, em São
tinuo tocando sua música, ensinando-a e admirando,a. · Paulo, , e 1t1 lcl depois da conferência de Graça Aranha, na Aca-
demia Br 1. 11 l r d e Letras, na qual se p1.::dia e se promovia a
renovaçã o d t < s a s nossas artes, desde a música e da poesia
até a pintura, ttltura e até mesmo a arquitetura que naquela
ocasião era aind t1m a cópia bastante servil da arquitetura eu-
' .
rope1a.
Passados anos em Buenos Aires, em 1935, quando da visita
de outro Presidente brasileiro, Getúlio Vargas, vi, no Teatro
Colón, o ballet do <<Uirapuru >>, outra· magnífica obra de Villa-
208
•
bailarino, emocionado, disse : <<Ê grandioso ! Di ghil ff tinha ra- 1111t 111uito bem, porque, em sua própria casa, muita .. 1
zão ! Posso interpretar essa obra 7>> Villa-Lobo. 11 c)rdou e
11,v ntada sôbre um grande homem, também chegava aos
adiantou que o libreto já estava pronto e que no IJ , ·guinte 11ltVJdos... Villa-Lobos durante todos os ensaios foi de uma
mandaria levá-lo ao Hotel Glória, o que fêz de fat . J> 1 iência e de uma bondade a tôda a prova, até mesmo na noite
Algum tempo depois, Lifar telefonou-me emba1• ti,; 11!1,. Não <la estréia que foi tempestuosa, mas, um triunfo para o maestro
gostara do libreto e não o entendera. Temia, entr t 11111,, ,1 s- • para Lifar. Isso, porém, é uma outra história que não cabe
gostar Villa-Lobos, principalmente sabendo-o temp r 111\ 11f 11. ( :· aqui. «Jurupary>> foi apresentada em Paris, na Salle Pleyel, não
dias iam passando, a temporada já estava no fim 11 11111 1111 11 11 · podendo isso ser feito na ópera, por se tratar de um «ballet»
lado brasileiro, já tão anunciado na imprensa. Llí 11• l 11111 f 1 , folclórico. Paul Valery foi quem o apresentou. Repetiu-se em
•
no Municipal em <<Prometeus>> de Beethoven ; no «.'J · 1, 1 ; n Paris o triunfo obtido no Rio, pois Villa-Lobos lá já era célebre .
Célebre, mas não temperamental, posso afiançar-vos . . . Pelo
<<Chopiniana» e nada de .bailado brasileiro... Na !111111 ·11
meçaram a aparecer comentários irônicos sôbre a r,1·1,1111· 1 de
co-
- . .
1nenos nao o v1 assim •..
•
depoimento, uma recordação, uma imagem de Villa-Lobos, do , 11 pre entremeadas de pilhérias, ironias e indiretas. Ali se prepara-
talento vigoroso e combativo, inconformado com a mediocrid d •, v am professôres de Canto Orfeônico.
sensível a tudo que tivesse um toque de beleza, mas implacáv J Villa- Lobos entregava-se a êsse empreendimento de que eril
com as contrafações da arte. Concordei em dar um testemunho, o responsável com todo o ardor de sua vontade poderosa.
embora insignificante, porque nunca me saiu da lembrança meu Man quando n1e era· dado ouvir o seu orfeão de professôres,
primeiro contato com o aspecto social da atividade artística de voltov sc.111pre à minha memória a imagem da menina da escola
Villa-Lobos. M ·ico, dirigindo as vozes de outras crianças que continuam can-
Estávamos em 1935, já se vão quase 30 anos. Eu escrevia tand J1 lo Brasil aforo, para todo o sempre, a glória de Villa-
para o <<Diário da Noite >>, por ordem de Austregesilo de Athaide, -Lob s.
uma série de reportagens sôbre a revolução pedagógica empreen-
dida por Anisio Teixeira, no Distrito Federal. Não se restringio
essa obra à construção de prédios escolares e play-grounds •
•
• - 215 -
tôda a gente atavaca a sua arte e todo mundo negava o seu gênio
musical.
Foi Villa--Lobos a primeira figura que me surgiu à lembrança
para escrever as músicas que eu necessitava.
E quando, aos meus amigos, eu comuniquei os meus desejos,
•
todos se levantaram :
Péssima lembrança! Villa--Lobos não é a criatura indi·
•
•
•
- 217 -
como foi que a morte de Wagner o impressionou. :81 , 111 111 , 1 A invenção e a originalidade na música de Villa-Lobos são
respondeu que Weingartner, que na época tinha 19 anos, 1,, ,111 111 surpreendentes. Suas inovações rítmicas, constituem uma eterna
trouxe a notícia dizendo: <<0 Mestre morreu>>. <<Nós, · 11111111 11 contribuição para a música. B.le estêve sempre e11cantado com a
Reznicek, tivemos a sensação de que o mundo i11teiro perspectiva de novas criações. Os males físicos nunca o abate~
Que tudo estava morto>>. ram. :Êle era um dínamo trabalhando de manhã à noite. Apenas •
•
iNDICE
Pãgs.
Abgar Renault • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 5
Alceu Bocchino • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
7
•
Aline Van Barentzen • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
9
Amarylio de Albuquerque • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 10
André Kostelaneti; • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
12
Ar11nl str 11 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 20
'
•
Carlos Guastavino • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • •• • • •• • • • • • • i6
Carlos O. Garde . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
220 221
•
Págs.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 100
Carlos ' • 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • . . . . . . . . . . . . .. .. . . ' 50
J,,lrnc Pahissa • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
e 1110 •
Jayme de Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . '102
J. •lly •••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 • • • • • • • • • • • • • . . . ' ... • • • • • .52
Jennie Tourel ................. . .. . . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 106
M1111 h
•
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 'i·l
João de Souza Lima • • • • • • • • • • • ••• • • ••••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • •• • 107
Stilgado • • • • • •• • • • • • •• • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
. . - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
1) 11·1 S cerdote de Beretervide • • • • • • • • • • . . . • . . . . .. . . . . . .. .. . .. .' .. Joaquim da Cru:,;
Eleazar de Carvalho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 63
- Jorge Oscar Pickenhayn • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • li6
Gilb rto Freire •spinosa .. .... .. .. . ... ........ . ... . ........... .. . . . 131
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 82
H nrlqL1 Po11octtl • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• f) 1
Luiz Perlotti . . . . . . . . . . . . .. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 139
•
222
Pflgs.
M,1rl1tl l l,1 lr1 ·ovl110 •••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••• 1 1 • Victor Nunes Leal • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • 212
Murlllo Araujo • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 J
Paulo Carneiro , , o o o o o o o , , , , o o o • • • • • • o o o , o , o • • • • o • • • • o • o o I o 1 1 1 1 17 7
•
~ Renato de Almeida • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
191
•
•
~ René Dumesnil • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • •• • • • • •
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