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1. VOLUME
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Muaeu Vil/a - Loboa, 1965



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ConT1ccr111I o /11/ r . ·'" q11 clcs1>ertará nos estudiosos da
personalidade /11c·c111f111)(ff11,:/ t/11 /J11tr n d ste Museu, a publicação
do prescr1tc <f, c·111111•,1ttlr/11. rr1111!,11v 111 •:,(11 co/c(l.1nea depoimentos de
persooollc/r,d1•., l11f •/, ,·/11111., 11rf .~llrn.v, 11n lonois e cstz·an.g eiras,
escritos, :,p • ·/11/,11 11( 11 11,,.~~,, (I rli<f 1>11rn o programa sema11al
• da Rádio M/111.,t ri,, 1/11 J~1 /111•nt· o t• C.:11!t11rt1. <<Villa~Lobos, sua

vida, s11a br11» •

A DrREÇÃO.

'



MUSEU VILLA • LOBOS
BiBLIOTECA
REG . N t
9 oy

-
ABGAR RENAULT


OLVIDOS vinte g11 1t1· 111 . , 111lnl1 memória guarda ainda

bem nítida a recorcl 1ç tlr 111 ti prlin Iro ncontro com Villa-

·Lobos. Era eu 11· t·o1· 11 1 n,11·t 1m nt Nocional de Educa•
ção, qtte funcionavn 11 l~cllí l lt1 1 , 11 qtt I nno de 1938, agora
enevoado de dlstâ11 l 1 · <111" 1. ·
Uma tarde, 011t111 i 11· 1111 11ll' 1111 Vlll . f.,obos se achava na
ante-sala e qt1erl I 111• 1111. l e<.< 11111,cl1 l q11 o fi zessem entrar e
pus-me logo a imn 11111· 111 · , íl 111· 1 {. 1111, pois embora lhe
admirasse, de longo t 1111 , 1 111 t' ri cl r nunca o vira, nem
lhe conhecia n nh11111 r Ir 11 ) ,
Tal com ti 0111 e1· r, ,·,r( 111 111, 11t , Jmaginava-o. pelo nome,
muito divcr 1
111 11111· < ,. , . 1 111• l qt1 Jria ver entrar em meu
gabinct t11n 11 111 111 , 1111 , 111,111 r1>, ' . guio, basta cabeleira negra,
bigode urt 1 n <>, 11111 . 11)101· gr< ve. suficiente, importante, de
111 r!t r . • . l\.c111 1 s que o conheceram, avalia-

ar longt11 11
rão o 111 tl 11n 11c, t11t 11 ( to , cabeleira, que era realmente
• bast , 111. cl I t' r ,, ,. l 1 1 n 1cl, tinha) e o meu espanto ao de-

parar di nt cl 111lt11 (Jg11 r, túo diferente da representada, quase
oposta oo 1· tr t CJll 11 J) lnta1·0 em meu espírito. .

Antes b11l q11 1lt , 1. to é, de estatura média, nada de
magro ou esgt1i , t •ttd nd 1nais ao chamado tipo pícnico, seni

bigode nenhum, slmpl s, lhano, jovial e próximo, com um riso
claro e fácil, em qu fulgurava um não sei que de ingênuo, pró-
prio do riso gratuito bom das crianças, Villa-Lobos tomou de •


assalto o meu coração •
1 Temo sempre aproximar-me de gente de fama, sobretudo ar-
tistas, poetas, escritores. Quanto mais os admiro, tanto mais os

• •
• •


6

evito: tenho mêdo de que o homem esteja estragado p I p 1,\ ,


pelo músico, pelo pintor, pelo romancista, pelo crítico : n1r 1 e!,
que qualquer dêstes tenha comprometido a autenticidad ,1 1111•

mem. Nada me horroriza tanto como o homem import 11t , I•


qual seja o motivo da sua importância, principalment q11 111 ltl

êsse motivo é literatura, poesia; música, pintura, quolqt1 r ti I
artes mais elevadas. Nada me parece tão idiota como lnv I ll
do homem, em seu ser quotidiano e essencial, pela sua 1rt , 11 ·l,1
sua ciência, pela importância a êle superposta por qua lq11 ·r 1111111 1 ALCEU BoccHINO
de fama ou glória, freqüentemente maior do que êle.
Villa-Lobos era simples e despretensioso. A glórl tlc1 ,11 t 1 1
ENTRE as notí l I t11111· 1cl lt 1l 11 , • (1ltimos dias que ante~
nunca me pareceu presente no homem, nunca o set1 fui 1· 11 l 11 1 111
cederam a morte d VJll I J,c,1,c • 1111111 tr zi m as côres da es~
a sua naturalidade, nem os vapôres do orgulho deriv·1c.lll ,1,, 1 1111 1
perança. Oir~se-lu 1i1 e, 1·11 tl ,·<,1 J 111111 1c.l p la enfermidade
lhe toldaram o olhar.
insólita, solerte, tr Jço Ir 1, t 1111• 1111 1·1 11 1ln I t ma v z mais, bur-

Estimei-o de coração, e penso que êle a min1, ti . 1, . 11111 1, lar a sanha ingent cl 1 1111 ,·t,· .
primeiro encontro em que fôra entender-se comigo él 1• ,1 ,1 11111
Em assim s n<lo, , 011 11 1 t t 11 11 t , a1n-se. Em
festa cívica, da qual participariam vários milhares 1 1 1
meio aos sorrisos ... 1 l 11111111.1 N111 li , 111pr nsa noticiava
adolescentes das escolas do antigo Distrito Federal.
o seu quase res t 1, 1 1111 11111, 11111111· ,, 111 1 grnvando. Num
Era êlc a vida daquelas festas, que ensaiava 1 1l r 1 , e 111 outro, ainda, u111, 11(1·1 vi t 1 , 111 11111· l1om m e agigantava e
o amor do seu coração e com o seu incomparável poc.lt·1• 11 11111 empunha . (i11 1'IV 1 ! ) f' 1111ll· 1,l.1110. 1 trabalho l
gregar, harmonizar e orqttestrar milhares de voze 1111111 ,,, 1
Aliá s, Vill - l .c,l 11 1111 r foi , . 1111, in spera do, ousado, des-
almas em tôrno de temas patrióticos.
concertante l 'I'( v <> 111 1 11 c1 ,to. g 11los, tão diferente do da
Não era necessário entregar-ll1e um poema de gu,1ll1l111l1 1111 1 maioria do. 111c,1·t11I , 11 1 11( · cl,, lt1 r omum, do terra-a-terra
musicar: dava-se-lhe o mais comum dos lugares co1111111 , 1 111.1 • quotid Jan . 111·1 fJI 11 1111 ., 11lt 111 1 cl,,li surprêsas com a notícia fria
-Lobos i11fundia-lhe imediatamente o hálito vivaz d 11 1 11111 1 ,1 e impJ 1v I tl,1 111 111111•(1 fl , I ·.,, qua11 ~0 julgávamos vê-lo resta-
e transfigurava a banalidade, prodigiosamente, e1n lílc1 1·11, 1111111 .. belecido.
cível. Foi o que aconteceu, por exemplo, com t1111, 1 1l 1v1 1 No cll 1cl1 l1<1J1· , o 1 ,. 1 li ho1·a a saudade paternal que r.i
vulgares, escritas como saudação a Getúlio Varo ii, 11 11111· 11 t l' morte tlS<>tt, 11·1· 1 1( 111tl I vid de um dos seus mais ilustres
para aquelas festividades: a fôrça e a emoção a l, s 11111111, 1111 •
filhos. Vltl·1 c,I J • lv 1, J or 111, porque Heitor Villa-Lobos incor-
por Villa-Lobos encheu~as de singular beleza , que íllt 11·tl1 11111 íl'l . ·-
1
porou~se I lt1111, nl 110 , 0 1no num milagre, renasceu ! E cres-
ainda hoje.
cerá num v l 1, ( ·u jetiva, na medida em que, cada vez
À distância de vinte e quatro anos, ainda 1) 111 1111 ·Jc1 ,l mais, sua fõ <.llfu1,cllcla, sentida e compreendida por todos
majestade da figura, de bltisão azul, a basta cab I Ir 1 ,. 11 11 os povos, nas sc11d d ternidade, pela consagração natural da
vento, a dominar a praça de esportes do Clube d.e l li 11 11 IS () sua imortalidade I
da Gama, e ouço-lhe a voz de comando a ecoar n , 1·c 1· 1 e,~ t No dia 18 de nov mbro de 1959, no edifício~sede do Minis~
movidamente, e tenho saudade dêsse grande ho111 111 . 1Ju
• tério da Educação e Cultura, o corpo sem vida de Villa-Lobos
bom, o simples, o ingênuo Villa-Lobos. •
aguardava o momento da derradeira viagem.

1
r

Homens de letras, músicos, artistas, políticos, estu 111!


povo que êle tanto amou em vida concentraram.-se num ,, l , -
espontânea e formidável homenagem !
Dentre os seus amigos, o redator destas notas t 11\I, 111 111, 1
sico, doente e acamado, acompanhava de longe, com ]. g,·1111 1
olhos, a partida do bom conselheiro e mestre, porq t1 l
e será, desta e de tôdas as gerações que. lhe sucedetc n,
,
ALINE VAN
'
BARENTZEN
• •

OMO feliz fiqt1 i 11, , 11 ·r <J tt estã organizando um


Museu Villa.-Lobo n l ln 1 /\.. 111 • u n me e suas criações

magistrais continuar 1 1 v v1 r Jl 1r 111 1I r f li Jdadc daqueles que
amam a bela músJ n, tl Ili' 1 <111 • ,1tl 111!1· 1·.111 amaram o grande
Mestre, e de todos . tt 11 1J' . 1·g11lho .. ,1, de haver perten~
ciclo às três categorf I
Foi sempr p ll' 1 111 111 111111 ,, r111 11 grl executar as obras
de Villa.-Lobo d -l 1. 1111 ·1 1 1 ·t.1d 1. po n1 u discípulos. Re ..
• corda.. se você d. 111lllr,,;,11i e 111 1e 7, n rvatório N acional da.-
qui de Paris, ql1 111 !e, 1111 , 11! · 111 todos o meus alunos as
obras compl t • l, t Jl111l cl,1 1\ 1 111' 1 n 11 2»? Foi uma noite
inesqu civ -,J 11,11· 1 11 J, 11 1111 tlv ,. 1n1, naquela audição, a pre·
senç d M . t,· 1
lnt<1 111 · 111· 1111 1111 1 11 v ,. toco.do as obras de Villa..Lobos
d 1 > ! 1111 1 (1 11 m 11 ntig as intérpretes !
• VI II ~J, l,o Í<1l 11111 1 ll lo o amigo e não o esquecerei jamais .
111' 2 r u t v · 1 ut r, 'Ob sua regência, o <<Noneto», os
Cl1or s n. , 8 11 > 1



11

bram lentamente, em seqüências penosas. Executam en1 surdi110,


com a gravidade dos grandes momentos, delimitando estados de
alma. Há compassos de espera 110 vazio das esperanças. As
cadências são interrompidas por longos silêncios angustiados. A
atmosfera é de apreensões, sitt1 ando os grandes momentos de uma
existência lum inosa, qtte se esvai em flutuaç ões de intensa mágoa.
SINFONIA D OS LIL TIM OS MOMENTOS Os ouvintes são mui tos na peqttena pla téia exterior. Traem si-
tuações angustiosas qtte se prolong am dias e noites sucessivas.
AMJ\ RYLIO DE A LB UQUERQ U E Alguém anuncia : aí vem M alraux, o grande Minist1·0 da Educa-
ção da França . V eio ao B1·asil e quer v isitar o músico imobili-
zado. Os dois grandes homens se aproximam com as almas uni-
RIMEIRO movi1n nlo Villa-Lobos chega ao Brasil. Vem n das pelos laços de recíprocos sentimentos. Artistas de duas artes
chamado do des tino <Ju nfi o queria longe da Pátria nos últimos diferentes. Alguns dias depoi s, o milagre enganoso restitui a<)
momentos. O motivo pn 1·11 o ,. gresso era, entretanto , outro, para gênio seu pequeno mundo de afetos o regresso ao lar.
que êle, talvez. n5o ompre 11d ssc a intenção. Vamos recebê-lo. Terceiro movimento A expec ta tiva é nota de uma harpa
O abraço, para nós, • f t1 . lv . Traz em si o sêlo de uma amizade angustiada. Traz em si as dúvida dos s ilêncios eternos nos com-
verdadeira . N ão nO:i p11 r . ao primeiro 1nomento, estar ferido passos perdidos em di stâncias alon ga das. As al1nas se abraçam
de n1orte. A al ÇJri,1 q 11 <' 111onif ta é comovente. Os acordes com a unção das uniões do! 1·idns, porque o << finale >> se aproxima.
são 1·ápidos e seg uidos, 11\111, n lnt nsa seqüência emocional. Que1· É a hora da meditação nas coí as obrenaturais. O músico dorme
. saber notíci a'' d t1 n ÓJ1t' 1'11 «Iza l1t» montada na sua ausência no ainda, quase despe1·c bido ,los rumôres ambientes. Dá a impres-
Teatr·o Muni cipa l. Co n{! 1111011 111- nossas impressões. :E:le as rece- são de que sonh 0 111 rq 11cstras da eternidade. Tem nos lábios
be con1 ag rado 111 J(1b!lo. S11 a casa volta a se movimentar. a doçu1·a das m r, s qu 111 deixa ram os pomares, sem dimen-
Chega m flôrcs vã stt1'íll11 l ,1111igos. Nos di as seguintes, o or- sõc , do S nl101·. N, 10 r la1na contra a quietude dos contrabai-
ganismo altera o rit ,110 d,1qu •111.s fusões . Reclama um pouco de ,·os. Qt1 ,·. 111 i1n1 , q11 êles se detenham na impassibilidade das
sossêgo o gigan te f 1·í lo. J 1·c1 ttr, r agir a todos os fracassos or- 0 1·d 1111, r 1r11 rt• ·l r n, melh or os eflúvios das inspirações divinas.
gânicos. Continua inJ11t r1· t11,t:1 < s qüência das visitas. Manda on1r 11,1 t r v•. d olhos fechados, de alma absorta e contem-
tocar gravações de p ça11 SU(l!i { lt, s nos Estados Unidos. Que- pl:1tlv,1, p 111 11 1·6ico das divinas ascensões. As notas de lon-

da-se absorto em profunda 111 dltaç s. Depois recai na imobi- íl 11 r l 11 !8111111 s vão despertar a atenção de um anjo que espreita
lidade, naquele esta do d.e gr. ça m as a urora s de out1·os mundos o. movi1n nt s sl ncopa dos daquele poderoso instrumento de cria-
que vão chegando vagarosa111 11t , l1·ozcndo-lhe as promessas das ção. Sõ q Ltatro horas da tarde. Os impulsos se precipitam.
bem-aventuranças celes tiais. Si ) ncia qu ase não reage. Parece Do1n ln a orq uestra muda dos sentimentos a em9ção transbor-
conformado com a subl ime esca la da q ue se a proxima. dante das cachoeiras da alma. De repente, há um transborda-
Segundo movimento Já não e encontra no seu pequeno mento orquestra l qu e se aproxima do paroxismo. Ninguém con-
mundo de afetos, de partitu1·as, de livros queridos. de retratos de segue encontrá-lo mais na estrada da vida, porque as asas brancas
outros artistas. Aquela do ce a quarela de re1niniscências adoradas. dos serafins, dominando arrebatamentos, levaram, para as regiõe,;
Acolhe-o o leito de um hospita l. O <<Adágio >> é doloroso, não dos eternos silêncios. o protegido de Deus.
para êle, que se agasalha nas primeiras sombras crepusculares.
Violinos e uma flauta mais além situam os temas que se desdo-

VIL LA-LOBOS
VILLA-LOBOS
ANfSIO TEIXEIRA
ANDRÉ KOSTELAN1!1'Z
( Tradução de Manuel B nclt•lr,)
UITAS vêzes recordott Villa-Lobos o episódio do nosso pri.-
meiro encontro, no Teatro João Caetano, onde fõra para convidá-lo
a dirigir o setor de educação musical nas escolas públicas da ci-
dade do Rio de Janeiro. no ano já remoto de 1932.
a~ vezes, sendo que a última vez com a New York hill 1 ,...
mon1c completa. Entrando no teatro, pelos fundos, dirigia-me para o palco.
onde esperava encontrar o grande compositor e maestro, que
ainda não conhecia pessoalmente, quando alguém, recostado nun1
divã, gritou-me : «Alto lá ! onde vai ?>> Parei surprêso, para
saber que era o próprio Villa-Lobos que assim me detinha, jt1l-
gando~me um <<menino» que estivesse' a invadir o teatro. • • O
menino era o diretor do Departamento de Educação, sob cuja
refere se a ·· f o os jurisdição estava o próprio teatro, mas que realmente ali entrava
- u;111a v1s1ta que iz a êle e sua espôsa em um dia chu-
cheio de respeito e temor pelo grande maestro ...
Conhecimento, convite e amizade logo ali se estabeleceram
resfr1ados e o próprio mundo foram esquecidos. e por quatro anos tive a honra de ser o superior nominal do
nosso grande compositor.
Ao tomar posse do cargo de Diretor de Instrução, dissera
se u1da · · , literalmente : <<o diretor é o simples servidor do mestre». Se ja-
suas O ras. Foi uma noite m 1nor vel. mais cumpri êsse mandamento administrativo foi com Villa-Lobos.
Sentimos grande falta de Vill L0 b Nem um só momento perdi de vista o que significava, paré!
.. os, mas sua música viverá a educação musical das crianças da Capital do Brasil, contar com
para sempre.
o poder de criação e de inspiração de um dos maiores gênio~
musicais não só do Brasil mas de tôdas as Américas. De tudo
que estávamos tentando, no antigo Distrito Federal, nada me
parecia mais importante do que essa integração da arte na educa-
ção popular. E de tôdas as formas de arte, nenhuma me parecia
mais própria do que a da música. E era exatamente neste setor

que as circunstâncias haviam permitido, num verdadeiro milagre,

1\
as escolas do antigo Distrito Federal contarem com a liderança.
devotamente e O entusiasmo inexcedíveis da maior express~o
O
musical do povo e da terra brasileiras. Imagine-se Bach dirigindo
O
serviço musical das escolas da Alemanha ! Na~a menos. fôra
que O destino viera oferecer aos meninos e meninas do Rio de
O
Janeiro.
O que foram aquêles quatro anos não é fácil de contar. VILLA-LOBOS
Villa-Lobos fêz-se o educador de professôres e crianças. Na rea-
lidade, 0 educador do povo. Ensinou música e canto coral .ª ANNA STELLA ScHic
quem jamais tivera qualquer iniciação musical. Fêz-se êle pro .. •
prio O maestro e condutor de coros infantis, de co~os de adole~-
'
centes e de coros de professôres primários. Escrevia as compos,- oMo é difícil falar de Villa-Lobos ! Há tanto a dizer, áS
ções e êle próprio as ensinava e conduzia, com os arrebatamentos lembranças afluem em tumulto e cada uma delas parece ser a mai~
de um gênio e a paciência e humildade de um mestre-escola. importante. No fundo, tudo é importante quando se trata dessa
Quando começaram as grandes exibições públicas, o p~vo imensa criatura, dessa fôrça da natureza, dêsse ser, tão grande e
cantou com as crianças e O país assistiu maravilhado e comovido tão simples. Villa-Lobos foi o mestre exigente e o amigo de
às harmonias de suas florestas , dos grandes ventos dos seus de- todos os momentos ; foi i'ngênuo como uma criança e <<rusé>> ao
extremo na sua profunda intuição ao contato das pessoas. Que
sertos. as melodias dos seus rios e as dores e alegrias de suas di-
ninguém imaginasse que poderia conquistá-lo com mesuras, elogios
ferentes raças. tôda a epopéia enfim de um povo, misto e com-
plexo , mergulhado nas extensões tropicais de um continente, p_o~ta rasgados ou homenagens. :Sle sorria por trás do enorme charuto
em som, posta em ritmo,' posta em música, numa grande e liric;) e ficava flanando bem por cima de tudo , quando não arrasava,
explosão de afirmação e grandeza. O canto orfeônico e o ca1~to pura e simplesmente, qualquer atitude afetada·.
coral alcançaram nas plagas da América um dos seus# granct~s Lembro-me de um bandolinista que foi ao hotel, em Paris,
triunfos. Um compositor de primeira grandeza, expressao genu1- para se exibir diante de Villa-Lobos, e que executou, bastante ber.i.
na- de seu povo e seu continente, saíra das salas de concêrto e dos um programa de arranjos de Bach, Chopin e outros autores.
teatros e fôra para as escolas, para a rua, para ~s _Praças f_a~cr Villa-Lobos ouviu-o atentamente e disse-lhe : <<Ü senhor é ótim~.1
as crianças participarem do próprio trabalho de cr1açao .da mus1~a músico. Pena que tenha escolhido êsse instrumento. Meu con-
de tlm povo. Não sei de esfôrço maior para a nossa integraçao selho é : mude de instrumento>>.
Em outra ocasião estávamos em meu modesto apartamento em
em uma cultura própria e autóctone.
E não sei de iniciativa que jamais fôsse tão bem sucedida Paris, onde após uma feijoada bem brasileira e um café marca
tinta escaldante, Villa-Lobos foi ao piano a fim de compor, en-
quanto esta de confiar a um gênio da música a t~refa. apa:ente-
mente modesta de ensinar crianças a cantar. Se 1ama1s criança quanto sua espôsa e eu conversávamos a meia-voz, um tanto afas·
uderam ser compreendidas como os mais perfeitos instrumento. tadas. Ruminávamos alguns «patins» brasileiros de Paris enquanto
11os deliciávamos com o alto momento de criação que testemunháva-
les quatro anos da década de 30, em que a glória de Villo • mos : o genial compositor dedilhava, cantarolava e escrevia o que
\ Ili 1• mais tarde viria a ser o Quarto Concêrto para Piano e Orquestra.
r· Para nossa surprêsa, de quando em quando, saindo dos altos
nheceu para o Continente, nos grandes espetáculos d e, nt
feõnico do antigo Distrito Federal. pináculos onde se encontrava, entrava na nossa conversa que~
16 17

rendo saber : <<Ô que é, hem? Quem foi que disse? E ai, o que Villa-Lobos, finalmente, dignou-se conceder-me um olhar mais
aconteceu ?» inter essa do.
Era impressionante a capacidade que possuía de compor onde Desde então, o contato diário e1n Paris, fêz-me aprender não
quer que estivesse e, ao mesmo tempo. perceber o que se passava só a sua música, n1as também conhecer sua personalidade absor.-
a seu redor. Muito se tem dito de Villa-Lobos e poder-se-ia vente, facultando-me, assim, a compreensão da interpretação de
dizer muito mais. Eu mesma poderia falar horas e horas ..• sua música, tão especial, tão à parte no repertório contemporâneo.
Tenho presente aos meus olhos a sua saudosa figura ; aquela
Minha filha, que então tinha cinco anos, veio especialmente
face bondosa que às vêzes fingia de má ; aquela cabeça marcante
ao Rio poucos meses antes do desaparecimento do Mestre, a fim
de vibração e fôrça que foi esculpida em medalha comemorativa na de conhecer os padrinhos, uma vez que, muito pequena, não
Casa da Moeda, em Paris. havia gravado impressões do seu primeiro contato. A meni-
Villa-Lobos possuía amigos em tôda parte. Todos o amavam na sentiu a importância da visita e do encontro com o padri-
e admiravam; tinham por êle o respeito que se deve ao gênio aos nho de quem tanto se orgulha. Sentou-se 110 seu colo sem ceri-
raros verdadeiros inspirados. Um dia comentando um certo pia- mônia , beijou-o repetidas vêzes e perguntou-lhe : <<Padrinho, você
nista, disse-me : <<~le é louco para tocar minha música e quer que está com dodói? Onde você tem dodói? Padrinho sara logo
eu componha para êle. É esperto, viu ? Vive dando presentes à que você precisa ir à minha casa pra ver meus brinquedos e brin-
Miudinha e tentando agradar-me. Mas comigo isso não pega
car comigo>>.
não !» Villa-Lobos amava a simplicidade, a naturalidade e a sin"'
~le, o grande Mestre, indignou-se comigo : <<Como é que você
ceridade. deixa a sua filha tão mal penteada ? Trate de mudar o penteado
Quando o encontrei pela primeira vez senti-me frustrada.
pois que era eu uma desconhecida para a personalidade de Vil- da menina>>.
Foi um encontro memorável. Ao despedir-se, abraçando-o,
la-Lobos.
Logo após nosso casamento, decidimos, meu espôso e eu, vir ela disse espontâneamente : <<Obrigada, viu Padrinho, da tua
••
ao Rio para conhecê-lo, No Conservatório Nacional de Canto musica~.
Orfeônico, Villa-Lobos se instalava atrás de uma escrivaninha Minha filha venera-o, beija seus retratos e já sabe, agor<1,
onde recebia e ditava suas ordens. Timidamente começamos a que êle foi para o céu. Durante muito tempo eu não quis que
conversar. Meu marido quieto, ao lado. Dezoito anos são ela o soubesse, com receio de que o choque marcasse demais a sua
passados e ainda guardo a sensação que tive quando, após ouvi: sensibilidade. Vivia a perguntar por êle, por que não vinha, ond~
meus ensaios de louvores, virou-se bruscamente para meu espôso, estava, etc. Um dia, finalmente, abordou-me : <<Mãe, é verdade
intimidado e mergulhado no anonimato do momento, e perguntou : que o Padrinho foi pr'o céu?>> Procurando conter a emoção,
<<E o senhor, o que faz?>> Bem, a partir dêsse instante os dois perguntei-lhe : <<Como é que você sabe ?» <<Sei, porque ouvi
entabularam uma grande prosa sôbre medicina, métodos de curn, as pessoas falarem >>.
etc., e eu me senti como intrusa. Vem daí a grande amizade qti Villa-Lobos, o imenso Villa-Lobos, o criador inesgotável, que
os unia. Dez minutos após, entrou Miudinha a quem fomos op1· •• em seus últimos dias ainda se preocupava com o penteado da afi-
sentados. Ela que sabe literalmente tudo o que se passa qtt ncl lhada, representa aos olhos do mundo o que o Brasil possui de
Villa-Lobos está em causa, mesmo que seja sàmente um sl1npl . autêntico e de pujante. Passou , assim, Villa-Lobos, a habitar o
menção de seu nome no Tibet, logo reconheceu o no111 , céu e a irradiar a beleza de sua art.e sôbre a terra.
dizendo que já ouvira comentários e lera artigos a 1
minha interpretação de obras de Villa-Lobos. 1

1
19

Comentávamos então as peças, a execução, o autor. Uma


vez discutimos a propósito das expressões orquestra de violoncelos
ou conjunto de violoticelos, relativas a uma das <<Bachianas>> .

Apesar de êle n1e ter oferecido st1a casa, nunca fui lá porque
tinha receio de perturbá-lo durante momentos de inspiração nos
quais êle compunha suas produções.
MAESTRO VILLA ... LOBOS Era um fino gotzcniet.
Um dia, na casa dos parentes de Arminda, nossa conversa
ANTENOR NASCENTES
versou sôbre determinado prato. Perguntou-n1e se eu o apre-
ciava. Ett disse que 11ão podia dizer nada, pois não conhecia o
tal prato. Convidou... me então para um almôço com minha mu-
ERALMENTE, como é natural, quando se trata do maestro
lher e Arminda no restaurante onde diàriamente fazia suas re-
Villa ... Lobos, o Villa ( era chamado assim na intimidade), ocupa...:::e
a gente mais com o compositor do que com o homem. feições.
Com o desaparecimento dêle, perdemos não só o compositcr
O homem foi uma criatura interessantíssima.
universalmente conhecido, mas tamhé1n um cavalheiro distinto,
Alegre, extrovertido, bem... humorado.
um amigo.
Criava simpatias por tôda parte onde andava.
Exigente nos ensaios, mas de uma severidade profissional de

quem preza a arte acima de tudo.


Era de vê ...lo nos estádios, co1n sua blusa colorida, dominando
as multidões de jovens e de adultos cantores, quando êle criou o
nosso canto orfeônico.
Tive uma impressão de sua passagem por Paris.
1

Hospedei-me uma vez no Hotel Bedford, aquêle em que


morreu D. Pedro II, na rue de l'Arcade. '
Ainda havia quem se lembrasse dêle e com saudade,
Na mesma rua, num pequeno restaurante pouco adiante do
hotel, havia nas paredes recordações do Villa. Villa ainda es- • •

tava presente. Em Nova York (ouvi dizer), seu apartamentc


era um ponto de encontro de artistas e jornalistas e de brasilei-
ros, que lá acorriam levados pela simpatia irradiante do maestro.
Habitualmente eu o encontrava aqui nos corredores do Tea ...
tro Municipal durante os concertos da Orquestra Sinfônica Bra-
sileira, ou então em festas familiares em casa de uns parentes
de Arminda.

-

21

Presentes na sua obra estão o Amazonas e o Nordeste ; as


canções populares e as de roda ; as danças populares e as valsas
• de origem ·européia, o negro e o nativo. Perlustrott todos os gê~
neros m(1sica religiosa e música profana, ópera, oratório, mú~

sica sinfônica, coral e coral-sinfônica, música de câmara ( tanto
para o clássico quarteto de cordas como para as mais variadas e
inéditas combinações instrumentais) , concertos, música instru~
VILLA-LOBOS mental solista, não só para os instrumentos tradicionalmente con~
siderados de concêrto, cotno para o violão, cujo repertório os seus
ARNALDO EsTRELLJ\
<<Prelúdios >> e <<Estudos >> vieram enriquecer substancialmente.
Por um largo período a história da música brasileira identi-
fica-se com a história da evolução do gênio criador de Villa-Lo-
MBORA fôsse no alvorecer dêste século que o compositor bra-
• bos, a tal ponto que seria possível ao historiador fazer um estudo
sileiro tivesse criado a música de caráter nitidamente nacion al, 1
aprofundado dêsse período sem se afastar do convívio com a ob1·a
a fase precursora data elos últin1os dez anos do século passa do, do imortal compositor.
desprezando~se, num apanhado sumário, tentativas mais antigas,

de resultado precário , como foi o caso da <<Sertaneja» de Brasílio As dt1as Proles de Vi/la-Lobos
ltiberê.
Que eu saiba, Villa-Lobos escreveu 3 <<Suites>> subordinadas
A transição dessa primeira etapa, dominada pelo vulto de
~ título de <<Prole do Bebê> >. Conhecem-se duas, que estão edi-
Alberto Nepomuceno, para a etapa seguinte, foi explosiva. O
taàas e gravadas. A terceira deve ter ficado em esbôço. Da-
despor:1.tar, na história da música brasileira, de um artista • d'.l
quelas duas, a p~imeira é a mais divulgada. Obra da juventude,
porte de Villa~f~ohos, precipita os acontecimentos, trazendo o na- composta em 1918, numa época em que o piano era revalorizado

cionalismo musical, no decurso de uma geração, apenas, a um por Debussy, em que os temas da infância, outrora vividos nas
plano estético muito mais elevado, no qual a afirmação do cará- páginas imortais de Schumann, ganl1avam sabor nôvo na suite
ter nacional toma sentido profundo, interioriza~se, transcendendo <<Coin d' enfants >> do mestre francês , a <<Prole do Bebê n9 1>>, se-
o aproveitainen"to do material folclórico, a transposição direta de qüência de bonecas, desde a de louça até a bruxa, passando pelo
constâncias rítmico-melódicas populares, o elemento pitoresco, su- <<Polichinelo_>> ( curta peça, de brilho e verve notáveis), apresenta
perficial, para expressar-se convincentemente num plano de u11i- lampejos pessoais, mas é obra ainda ancorada no ambiente fran~
versalidade. cês, o qual conservava, na ocasião, a auréola de vanguardista das

\\ Concentrou Villa~Lobos em sua personalidade o essencial Je escolas musicais, embora, na realidade, já houvesse cedido o bas~
uma corrente, para não dizer de uma época da música nacional. tão de comando aos bárbaros eslavos e magiares, representados
Tendo _§_enhoreadº-- os processos de improvisadores maliciosos, por Strawinsky, Prokofieff e Bartok.
como os chorões cariocas, .com os quais conviveu em sua moci- Em alguns dos fragmentos da <<Suite>>, dilui-se a impetuo5a

dade ; conhecendo o mundo precioso, embora limitado, de Ernes- afirmação pessoal e racial do compositor brasileiro nos efeitos
to N azareth e seus predecessores ; tomando contacto, direta ou in~ tímbricos das sutis sugestões impressionistas. .
diretamente, com o rico folclore das diversas regiões do país Já no <<Polichinelo>>, o sotaque nativo condiciona a expos"ção
- norte, nordeste, centro, st1l Villa-Lobos representa o Brasil pianística do cantar infantil. Nêle, as asperezas que retratam a
sonoro em sua totalidade. 11

'
22 23 •

natureza e o homem do Brasil não usam disfarces. O criador Prole>>, no <<Boizinho de Chumbo>>, por exemplo. Quando digo,
identifica.. se telúrica e etnicamente com o seu torrão nalal. pois, que a <<Segi1nda Prole>> é uma afirmação, quero apenas res ..
A vitalidade tropical, evocada na percussão trepidante da saltar a evolução imensa cumprida nos três anos que a separam
ambientação instrumental, submete.. se à inocente voz da infância, da <<Primeira>>.
que -d esfere o vôo puro da sua ciranda, aparteada jocosamente Na <<Segunda>>. em que os bichos substituem as bonecas, a
pelo Zé.. Pereira remanescente do <<Carnaval das Crianças Cario .. música retrata bem a transição, assumindo catadura agressiva,
cas>>. Na sua trama simples e cerrada, de linhas bem definidas expressa em dissonâncias ásperas, em ataqttes de acordes secos,
e conteúdo homogêneo, o << Polichinelo>> é o instantâneo eficaz de sarcásticos. A linguagem moderniza.. se ainda mais, o ambiente
um ângulo da vida infantil exuberante que brota sob o estimt1.. •
sonoro afasta .. se definitivamente da sensualidade debussista e o
lante sol dos trópicos. compositor, mercê de uma rítmica estimulada por acentuações
Não sei até que ponto os títulos dos diversos nú1neros da imprevistas, de uma nitidez percussiva e de um atonalismo mais
<<Suite>> condicionam sua fisionomia musical. Não reconheço no ousado, enfileira .. se entre os vanguardistas contemporâneos, apro,.
<<Polichinelo>> de Villa .. Lobos a personagem da farsa napolitana, ximando .. se de Strawins.ky, Prokofieff e Ba,rtok, sem que êsse Pª'"
evidentemente metamorfoseada pela imaginação despótica do ex,. ralelismo incorra em perda da substância nacional e das caracte-
traordinário músico patrício, mais credenciado, por suas afinida- rísticas pessoais.
des naturais, a interpretar o mundo da petizada brasileira, que t( Villa ..Lobos não teve, no meio em que se fêz , os antecessores
tanto amou. que tiveram os mestres europeus, representantes de uma etapa
Dos títulos desta <<Suite >> , um parece, mais que todos, des .. conseqüente da . evolução histórica. O compositor patrício foi
cortinar desvãos irrevelados da al1na do Mestre : <<Boneca de obrigado a romper com tudo, porque, no meio acanhado em qtte
trapo>>. Com que ternt1ra comovida êle embala a <<Pobrezinha>>, viveu, Debussy era olhado como un1 demente e os ritmos brasi ..
a mais humilde boneca da série, num acalanto de cinco notas, em leiros, coisa de cabaret. 11 s_l'r-- ~~·-•- J.-• ·"'
A ,Lo ,;
<L

tom menor, sôbre as quais sôa plange11temente a cantilena «dor .. É preciso situar o compositor brasileiro no seu meio para
me neném, o bicho logo vem ... >>. aquilatar .. lhe a grandeza. Só um músico de gênio poder~a. emer..
A <<Segunda Suite>>, escrita três anos após, é já uma afirma- gindo do provincianismo artístico brasileiro, escrever em 1921
ção pessoal. Não se deve inferir destas palavras que a <<Primeira>> uma <<Suite» como a <<Segunda Prole>>, inventar ritmos e sonori,.
seja obra impessoal. Pelo contrário, nela já se notam traços for .. dades surpreendentes como os do <<Pássaro de pano>>.
temente característicos da personalidae do seu Autor : polirritmia A evolução do compositor. ocorrida entre uma e outra suite,
original, encadeamentos harmônicos insólitos, desenhos obstinados, patenteia.. se fàcilmente se compararmos as formas que tomam a
saltos bruscos de humor, melismas que anuncia1n à distância a expressão de sua: velada nostalgia. Na <<Primeira Prole>>, uma
flauta do « Uirapuru>>, uma certa nostalgia persistente, que con.. ternura que se debruça sôbre um brinquedo humilde, melancolia
duziria o grande artista à melancolia sublime dos Adágios dos docemente embalada em sonho ; na <<Segunda Prole>> ( veja.. se o
últimos quartetos de cordas. Até mesmo um exemplo de <<trou.. <<Boizinho de Chumbo>>), um aprofundamento que marca a soli..
vaille>> pianístico pode .. se apontar nesta <<Primeira Suite>> ve· dariedae do Artista. com o drama humano em sua dimensão uni-
ja.. se a <<Boneca de Pau>>, que encerra efeitos originais, embora versal, largo canto desolado, que um desenho obstinado enlaça
para sua realização não necessitem os pianistas de mais do que em discreta evocação da rítmica popular, e que se amplia no
a simples técnica dos cravistas. final, assumindo proporções sinfônicas.
O último número desta série, por sua vez, p1·enuncia certos Creio seja essa peça <<Ü Boizinho de Chumbo» uma
processos de ambientação instrumental utilizados na «Segunda das mais impressivas manifestações da parcela nostálgica da
24 25

personalidade de Villa*Lobos, a qual sublimou*se nos últimos nitidamente demarcadas, um todo homogêneo, sàlidámente argui~
quartetos, em cujos Adágios o artista se entrega sem reservas à teta do. ·
posteridade.
Apesar de obra da mocidade, esta <<Suite» permanece uma
Outro paralelo interessante a fazer é o que põe em con* das páginas centrais do repertório pianístico brasileiro. Nela,
fronto os processos técnico*instrumentais que prevalecem em cada Villa-Lobos liberta-se definitivamente da atmosfera francesa, ain~
uma das duas <<Suites >>. Reponta, flagrante , na <<Primeira Prole~. da perceptível, por exemplo , em alguns números da <<Prole do
o gôsto pela fórmula que Ravel emprega na sua <<Tocata>>, coin* Bebê>> n9 1. Nas <<Cirandas>>, a matéria torna~se mais incisiva,
cidentemente editada na mesma ocasião, vivendo os dois compo* o desenho recortado com nitidez, as dissonâncias desnudas, ás*
sitores em países longínquos, desconhecidos um do outro, o fran*

peras sem disfarces, as acentuações ríspidas, a d,ramaticidade
cês habitando um dos centros culturais mais avançados do mundo, despontando em lampejos de aguda intuição, feitos de um «nada»
o brasileiro mourejando num meio de cultura incipiente. Já na musical, como é o caso das <<apoggiaturas>> pungentes da 511- Ci*
<<Segunda Prole>>, se alguma aproximação se pode fazer é com a randa <<Pobre Cega».
técnica instrumental da <<Tocata>> de Prokofieff e da versão pia* Tenho por essa 5'l- Ciranda, assim como pela sóbria atmos*
nística da <<Petruchka>> de Strawinsky, o que situa, como já disse, fera da 7'1- <<Xô, xô, passarinho>>, especial predileção. Ambas
o grande compositor brasileiro na fila dos vanguardistas europeus são vestidas com extrema sobriedae instrumental e, em sua esseh*
seus contemporâneos e na posição de pioneiro nas Américas, des* cialidae, produzem forte impressão. Nelas está, de corpo inteiro, o
de os anos já recuados do primeiro quartel dêste século. Villa-Lobos que conheci , original, vigorsoo, sensível, extremado,

e cuja arte, no seu desdobramento complexo, representa uma gama
imensa de sentimentos humanos, que vai da selvageria de alguns
As Cirandas de Villa*Lobos
Choros e do Noneto à indefesa nostalgia dos Adágios dos últimos
As dezesseis peças que compõem as <<Cirandas>> foram es- Quartetos de Cordas.
critas em 1926. Villa*Lobos tinha 39 anos. Já figuravam, então, Essa representação do <<humano>>, que alcança dimensões
em sua bagagem, alguns ciclos importantes de obras para piano, heróicas em algumas partituras sinfônicas e sublima-se nos Quar-
entre os quais o <<Carnaval das Crianças>> e a <<Primeira Prole tetos pelos quais Villa*Lobos demonstrava nítida predileção
do Bebê>>, que Arthur Rubinstein internacionalizou, divulgando~a •
"' não pode ter a mesma integral realização nas <<Cirandas» para
em concertos e discos, e fazendo do <<Polichinelo >>, que a integra, piano. Pela circunstância de terem sido escritas para instrumen-
um dos seus grandes sucessos. to solista, assim cómo pela sua concepção sintética, as <<Cirandas»
As <<Cirandas>> situam*se entre as obras da mocidade de constituem <<apontamentos>>. Mas apontamentos que se bastam,
Villa~Lobos. Posteriores são as grandes páginas para o instru- que, na sua forma concentrada, expressam eloqüentemente o mun-
mento, entre as quais avultam o <<Rudepoema>> e a <<Prole do do sensível visionado pelo seu Autor.
1
Bebê» n9 2 (bem menos divulgada que a de n9 1 e, no entanto, Foram*me reveladas por Tomás Terán, um dos mais altos .
de superior envergadura e atraente originalidade). São peças intérpretes de Villa~Lobos. Digo que me foram reveladas, em-
curtas, incisivas, baseadas, por vêzes, numa fórmula pianística, bora já as conhecesse, porque nunca as ouvi melhor, nem antes
desenvolvida como se f ôsse pequeno Estudo instrumental, emol-

nem depois. Essa, aliás, não é opinião só minha. Villa~ b0s
durando uma canção de roda, acentuando*lhe o significado ex* desejou muito que Terán gravasse a série integral das 1randas»,
pressivo, ambientando*ª com propriedade. Sucedem-se, forman- porque era delas, o seu intérprete favorito. At' gora, porém. a
do, na sua série de 16 números bem contrastados, de fisionomias discografia do grande compositor não incl · sse disco. As <<Ci-


26 27

randas:i> foram gravadas, e1n vida de Villa-Lobos, por um pianist fontes da vida, portador i11falível de novas obras, de novas pa1·-
an1ericano, Joseph Battista, que as trabalhou com o Mestre. Suas tituras.
execuções refletem, dentro do âmbito de seu feitio pessoal, a von- Fiel às suas amizades, aos seus intérpretes, aos seus editôres,
à sua morada no Rio, ao seu hotel e ao seu restaurante em Paris,
tade expressa do Autor.
não conheci ninguém 1nais cioso da sua rotina de vida nem mais
contente de conservá-la.
Vílla-Lobos
Não sei como pôde produzir obra tão extensa. Porque des-
No concêrto i11augural da semana comemorativa do 29 ani- perdiçou tempo, e não pouco, 110 culto da amizade. Não se en-
versário da morte de Villa-Lobos, quando o Quarteto Rio de J a- caramujou. Não defendeu ( e ninguém mais do qtte êle teria •

neiro nos deu a primeira audição do admirável 159 Quarteto e direito de defender, com egoísmo feroz) o seu tempo, isolando-se.
reviveu o 179, último da série sem par na Música das Américas, Pelo contrário, se é fato que qttase não fazia visitas, se, nesse sen-
foram, por gentileza de Arminda Villa-Lobos, passados alguns tido, abria exceção raramente a poucos amigos, em compensação
filmes tirados na intimidade da vida do inolvidável artista, nos gostava de receber. No Clube Ginástico, ou no <<Grego>>, em
quais êle nos aparece afável, feliz que plenamente feliz êle o Paris, sua mesa reunia i11variàvelmente um grupo de amigos. É
que, se um dêles lhe telefonasse por um motivo qualquer, o con-
foi no último têrço de sua vida gloriosa.
vite vinl1a logo, direto, ou, na maioria das vêzes, pela voz de
:asse o ho1nem que conheci, muito diverso da idéia que dêle Ar1ninda, que rivalizava com êle no culto da amizade, convite
fizeram os que não o conheceram pessoalmente, ou o conheceran1 para o Ginástico e para o apartamento, aqui, para o restaurante
pouco. e o hotel, em Paris. .
Seu temperamento impulsivo explosivo, mesmo, por vêzes Essa facêta acoll1ed,o ra, hospitaleira, predominava no seu
seus paradoxos ( que, de resto, os repórteres, que o entrevis- temperamento. Vila-Lobos gostava de estar rodeado de amigos, •

taram, exageraram por dever profissional), seus arrebatamentos e estava-o sempre, porque sua personalidade extraordinária os
( quando estavam em jôgo suas convicções artísticas, sua consciên- atraía. •
cia de Artista e a dignidade da sua criação) , construíram para êle Uma ocasião, pouco tempo após a grave operação a que teve
uma ·r eputação, não generalizada é claro, de homem difícil, áspe- de sujeitar-se, aí por volta de 1949 em Paris, conversávamos no
ro, descontrolado. seu hotel. Falava-me êle uma vaga tristeza a humedecer-lhe
Nada mais falso. O artista foi intransigente. de fato foi-o ~voz dos seus planos frustrados de adquirir uma fazendola. •

com sinceridade, por exigência profunda de sua natureza. Mas Tinha sido, em dada ocasião, o seu pequeno sonho. A enfermi-
o homem nada tinha de áspero, nem de violento. Gastou tôda dade terrível, com suas implicações de tôda sorte, frustrara-o.
a violência represada em seu forte temperamento na obra qtte Havia planejado recolher-se à fazenda de regresso das tournées
produziu, de violência empolgante. O homem era lhano, de trato ao exterior e aí ficar trabalhando até o momento da nova partida.
encantador. Dizia-me êle que teria querido uma casa grande, co1n muitos
'

Revolucionário em sua obra, foi um conservador na vida, qua1·tos, para chamar os amigos e encafuá-los todos . ali. Nesse
apegado aos sêres, aos lugares, aos objetos, aos hábitos. Acumu- cantinho da conversa, revelou-se o íntimo de Villa-Lobos. A fa-
lou amigos ao longo do tempo e dos amplos espaços em que de- zendola seria para êle o repouso, rente à mãe-natura, à brava •

correu sua existência. E conservou-os por tôda parte, a êsses natureza da sua terra, semente da sua terra, mas 11ão o isolamento.
amigos que o ficavam esperando, na América e na Europa, aonde Não podia viver sem calor humano a dar e a receber, sem a pre-
êle voltava todos os anos, como volta a Primavera renovando as sença envolvente da amizade.
'
28 29
Por isso era s11sceptível, extremamente sensível a injustiças Em 1949, ao ensejo do centenário da morte de Chopin, no
,n lquerenças. Não as retribuía, mas amargurava-se. Conhe- quadro das comemorações internacionais, a UNESCO inseriu u1n
ndo a glória, a consagração do Ocidente ao Extremo-Oriente concêrto de obras encomendadas a grandes compositores contem-
- sofria com os aleives, as verrinas de um invejoso, de um n1ise- porâneos, in memoriam do Mestre Polonês ; Villa-Lobos foi um
rável qualquer, que em sua pátria o i'n juriasse. dêsses compositores. Coube-me dar, nesse concêrto, na Sala Ga-
Nunca lhe surpreendi, porém, um gesto de vingança, um ato veau, em Paris, a primeira audição mundial de duas das obras en-
mesquinho. Não caberia em sua natureza. Foi grande, sempre, . comendadas : <<Homenagem a Chopin>>, de Villa-Lobos, e «Sonata
não apenas em sua arte. Espanhola>>, de Oscar Espiá.
Sucessivamenté observei e senti a reação do público, dos
mais diferentes e distantes públicos, no Brasil, na Europa, no
Presença de Villa-Lobos
Norte da Africa, no Extremo-Oriente, diante da música de Villa-
-Lobos. Algumas obras deflagravam um entusiasmo ruidoso,
Neste mês de março, aos 5 dias do seu início, Villa-Lobos
' •
como a <<Dança do índio Branco>>. De outras vou-me desfazendo
teria feito 76 anos, se a morte não o tivesse levado, no esplendor •
dos meus exemplares, para atender a colegas, pianistas e professô-
dos seus 72 anos, em plena atividade criadora.
res, que mostram desejo de possuí-las o que lhes é, posso dizer,

Passados mais de 3 anos da sua morte, os primeiros de longa vedado pela insuficiente distribuição das edições de suas obras,
data vividos longe do seu convívio, sua presença tem sido cons- muitas das quais nem no Brasil se consegue adquirir.
tante, presença de seu espírito, de sua sensibilidade, de sua ima-
Recentemente, um convite honroso da direção do Conserv·a- •

ginação, de seu imenso talento, de seu gênio fecundo, em uma só


tório de Moscou, reuniu-me a professóres e alunos daquele famoso
palavra, presença de sua obra.
estabelecimento. Tive, então, a oportunidade, raramente concedi-
Essa presença me acompanl1a, quer no Brasil, quer fora do da, de revelar a músicos da estirpe de Gilels, Flier, Nenhaus
Brasil. Nesta cidade, em programas de rádio de que participo, ( mestre de Richter), Nocalaeva, Dorensky e outros, algumas pá-
em meus concertos e recitais, nos Festivais Villa-Lobos, anual-
• ginas de Villa-Lobos. Com grande satisfação recolhi as opiniões,
mente promovidos pelo Museu Villa-Lobos e já incorporados ao extremamente lisonjeiras, daqueles artistas eminentes, que não es- •

calendário artístico do Rio de Janeiro, em concertos e recitais em condiam sua admiração pela obra do nosso genial compositor.
outras cidades brasileiras, em andanças pelo exterior, em minhas
' Talvez sejam ainda mais reveladoras da capacidade de pe-
classes, em minha atividade de magistério.
netração universal ela obra de Villa-Lobos, as reações do público
E essa presença é sempre, invariàvelmente, marcada pelas de cidades da Algéria, por exemplo, e não das maiores .
expressões coletivas da admiração e do entusiasmo. •

Lembro-me que, numa delas, após o recital, um jovem est11-


Essa presença foi e continua sendo uma constante de minha dante, 20 anos presumíveis, veio perguntar-me o nome de uma
vida profissional. No primeiro concêrto público de que partici- peça de Villa-Lobos, que eu havia dado em bis, nome que não
pei, toquei Chopin e Villa-Lobos, dois autores de que nunca mais entendera quando eu o havia anunciado. Repeti-o e comecei,
me desliguei, duas permanências em meus concertos. Os dois animado pela admiração que o jovem externava, a expor quem
assim, de par, vão bem. Polonês. exilado, internacional, Chopin era Villa-Lobos. Mas o rapaz cortou-me a palavra : «Villa-
carregou em suas raízes artísticas, pela vida afora, terra da Po,, -Lobos, eu sei muito bem quem é. Queria só saber o nome desta
lônia: as longas ausências, a glória internacional, as voltas ao música>>. A revelou-me, então, que costumava adquirir os discos
mundo, arraigavam Villa-Lobos profundamente ao seu Brasil. de Villa-Lobos que apareciam no comércio local.


30 31

I ,· nço de Villa-Lobos em todos os continentes, nas gran- < por estas cantadas. Quatro delas pertencem à opulenta coleção
nos peqttenas cidades, perto e longe de nós, para nosso 111odestamente intitulada << Guia Prático >>. Denominam-se <<Besun-
org 11110 e para a compensação da sua humana ausência, neste tão da Lagoa>>, <<Bão-ba-lalão>>, <<Na Bahia tem >> e << 0 Pescador
m-:.s, em dia que tantas vêzes nos reuniu, no Brasil ott na Europn, <la Barquinha>>. Foram gravadas en1 1940. Sua história é sim-
dia que era pretexto para testemunhos de amizade e admiração, ples. Havia 11a ocasião uma festividade em Portugal. Do Pa-
oferecidos, tanto de corpo presente, quanto pelo telégrafo, em lácio do Catete veio o pedido, transmitido pelo General F. J.
manifestações que vinl1am até do Extremo-Oriente, de terras aon- Pinto, chefe do Gabinete Militar de Vargas, no sentido de serem
de êle jamais fôra, mas aonde chegara a sua Música. nviadas, à velha nação lusitana, alguns discos cantados pela in-
Presença de Villa-Lobos, que se perpetua em seus discos, em fância brasileira. A criançada estava de tal modo <<afiada >> que
sua extensa discografia, numa das mais ricas d·e11tre as dos con!- pôde, incontinênti, atender às encomendas. A grav-ação é de
positores contemporâneos. Alguns dêsses discos, gravados inclu- grupo selecionado na Escola Argentina pela P rofessôra Cacilda
sive por artistas e conjuntos internacionais dos mais famosos, uimarães Fróes, que o dirige.
integrarão a homenagem que êste programa presta a seu glorioso Outra canção gravada foi o <<Canto do Pajé», com letra de
patrono, na data comemorativa do septuagésin10 sexto aniversário C. Paula Barros, grande e querido amigo do saudoso compositor,
do seu nascimento. sôbre quem escreveu um livro << 0 Romance de Villa-Lobos >> ,
que retrata com ternura o homem qttotidiano, o homem simples
Villa-Lobos educador que há nos grandes homens.
:E:sse <<Canto do Pajé>> foi escolhido po1· Villa-Lobos em aten-
A personalidade de Villa-Lobos apresenta muitas facêtas. ção ao seu amigo, então Presidente da República, Getúlio Vargas.
'
Vamos focalizar, hoje, uma delas a do educador. ls a razão : · O velho estadista gaúcho não era de música.
Se não foi a que lhe deu maiores glórias, se não foi a que 11e êle não sabia nem assobiar , ouvi certa vêz Oswaldo Aranha
mais lhe projetou o nome universalmente, foi, no entanto, a que llzer, em tom de biague. E isso mesn10 êle o afirmou a Villa-
preponderou· em largo período de sua vida. A sua atividade, .r. bos, contando-lhe que ou,,ira Vargas, após uma das espeta.-
nesse setor, absorveu-o a tal ponto, que não l1esitou em sacrifi- ' t1lares concentrações orfeônicas, trautear o <<Canto do Pajé>>, sua
car-lhe, mon1e11tâneame11te, os seus interêsses de criador. Cito l lt[l ção preferida ... mas trautear desafinando a valer. As qua.-
um fato que o prova. Em 1937, rec-usou o '°nvite, que lhe fêz f ,·o vozes do côro, às quais foi confiado o < <Canto do Pajé >>, obe-
um seu antigo empresário, para dirigir concertos na Europa. O <lt• in à direção da 'Professôra Marília de Oliveira Araítjo.
pretexto que deu foi justamente o de não poder inte1·romper o Villa-Lobos costt1mava dizei· que, nessas canções, êle con-
trabalho que vinha realizando na antiga Prefeitura do Distrito 11·,11·( va o sentido natural do seu instinto criador. Procurava,
Fede1·al. No entanto, no ano de 1936 aceitou convite para par-
jl 11·, as dive1·sas vozes do côro infantil, melodias atraentes, capa-
ticipar do Congresso Internacional de Educadores em Praga ; o
,. ti <'.' despertar nas crianças o amor à Mí1sica.
processo orfeônico criado por êle e demonstrado em uma confe-
·rência com a colaboração de ttma escola local causou profunda e Crianças e Música dois focos de amor na vida do Mestre.
l l 111 J)isódio, que me foi referido pelo Professor Newton Pádua,
duradoura impressão.
' I t 1T1t1nl1a a ternura de Villa-Lobos pelas crianças.
Não é, portanto, descabida, a idéia de dedicar1nos o segundo
programa dêste ciclo a Villa-Lobos educador. l\ t~va êle, certa ocasião, em sítio de amigos. Brincava mui-
f 11 , 111 o criançada local, que se apegara a êle. Um garoto, êsse
Os discos, que apresentaremos hoje, são todos d ecanções
, 11 1 l 11 1 o la1·ga va. Em de.terminado momento achava-se Villa-
especialmente escritas, pelo Mestre, para as crianças brasileiras,
32

içao sua. garoto numa tra ·

d esceu-o mansamente e di"se Ih . - o os e11ou o garote)


,
a o - . , " - e sem a menor irritação : «Você
h; ra nao_ ~ode ficar mais no colo porque estragou todo o tra-
lho do t1t10>>. E recomeçou, com naturalidade, o trabalho. VILLA-LOBOS

AYRES DE ANDRADE

ÃO quero exaltar em Villa-Lobos o extraordinário artista


criador que êle foi. Outros o têm feito com brilho e erudição

de que eu não seria capaz. Não quero celebrar Villa-Lobos
como glória nacional, tão celebrado êle tem sido sob êsse aspecto.
Quero é lembrar o Villa-Lobos que eu conheci e aprendi a esti-
mar, recordando as circunstâncias em que o conheci.
Conheci Villa-Lobos em 1922. Eu era aluno do Instituto
Nacional de Música. A aula de solfejo arrastava-se já nos seus
últimos minutos. Eis que se abre a porta da sala e deixa passar
o diretor em pessoa, trazendo alguém de reboque. A notícia sen-
.sacional logo se espalha. Era Villa-Lobos quem o diretor trazia .

Fôi um alvorôço em nossos jovens espíritos. Ali estava Villa-


-Lobos, o terrível, o iconoclasta, o verdugo impiedoso das sacros-
santas tradições que diàriamente absorvíamos pelo compêndio
traduzido de Mestre Durand, aquêle jupiteriano senhor da ciência
• ,d e combinar os acordes entre si, de tal modo que não ofendam
os ouvidos bem farmados.

Pouco tempo teríamos para digerir em tôda a sua extensão a

insólita ocorrência. Logo ficávamos sabendo que o que Villa-
- Lobos queria era arrebanhar entre os alunos da casa vozes mas-
c ulinas suficientemente afinadas e reboantes, para integrarem um
• côro destinado a cantar ao ar livre um :nôvo cântico de sua inven··

ção em cerimônia oficial, fazendo parte das comemorações do
'
Centenário da Independência.
Como se vê, já naqueles dias Villa-Lobos era assim. Já na-
q ueles dias se profetizavam as pioneiras concentrações orfeônicas


34 35

do 7 de Setembro no Campo do Clube de Regatas Vasco da G ma vesse dito que era aluno de Henrique Oswald, Villa-Lobos jul...
e, através delas, o Conservatório Nacional de Canto Orfeõnico. gou-se na obrigação de encher, em minha intenção, com aquela
Depois de um exame feito ali mesmo, à minuta, pelo próprio sua escrita incisiva e nervosa, duas páginas de música para piano.
Villa-Lobos., foram selecionadas as vozes consideradas suficiente- :Ble próprio foi ao piano e tocou o que havia escrito, só para ver
mente afinadas e reboantes. Eu estava entre elas. E, por assim o efeito que fazia. Ainda hoje conservo essas páginas, a que o
ser, lá fui eu cantar em companhia dos colegas o nôvo cântico tempo conferiu aspecto de pergaminho, como das mais preciosas
de Villa-Lobos nas escadarias da Biblioteca Nacional, pois na- recordações de Villa-Lobos.
quele tempo não havia Campo do Vasco, nem Maracanã, nem Mas não terminava ali aquela minha primeira entrada na
nada semelhante. órbita de Villa-Lobos. Arthur Rubinstein, em seus concertos no
De tudo isso eu me lembro muito bem. Lembro-me ainda demolido Teatro Lírico, havia pôsto em circulação o <<Polichinelo>>.
mais dos ensaios. Aquêles dois ou três ensaios foram a primeira Só se tocava o <<Polichinelo>> de Villa~Lobos. Nas salas de aula
grande impressão que eu conservaria de Villa-Lobos. Sua gesti... do Instituto, quando os alunos não estavam empenhados em recon~~
culação era uma coisa nunca vista. Era como se êle quisesse tituir com sonoridaes lacrimejantes algum <<Noturno>> de Chopin,
plasmar em cada um de nós a sua vontade, arremessando-a de. era raro que não estivessem contribuindo para desafinar os instru~
longe para que ela pudesse ganhar fôrça com o impulso. Era mentas, procurando imitar o jôgo percutido de Rubinstein no <<Po~
como se Villa-Lobos quisesse nos transmitir seu pensamento, qui- lichinelo>>. O minúsculo <<Polichinelo>> fêz mais pela glória local

sesse nos contagiar com seu dinamismo, valendo-se de processos de Villa-Lobos que suas mais alentadas criações.

de eloqüência plástica que eram a imagem de sua própria perso- E foi justamente com o <<Polichinelo>> que eu me atrevia a
nalidade: vulcânica, magnética, irresistível.

afrontar Villa~Lobos e o demônio que, segundo se dizia, o habi-
Jamais aquela impressão se apagaria do meu espírito. Pos- tava e costumava despertar quando estava em jôgo o destino de
teriormente, era sempre o Villa-Lobos daqueles ensaios que me sua música, eu, com minhas muito humildes condições de pia~
surgia diante dos olhos quando, por intermédio de sua música, eu nista em plena fase de suar a camisa para domar convenientemente
tinha revelação de novos aspectos de sua portentosa constituição o Estudos de Clementi.
artística. Naquela mesma eicasião toquei para Villa~Lobos o seu <<Po-
Terminada a cantoria nos degraus da Biblioteca Nacional, lichinelo>>. Naturalmente, num estilo deplorável. Todo aluno do
voltamos todos para o Instituto. Villa-Lobos vinha eufórico, co- Instituto, naquela época, prezava-se de ser <<Chopiniano>>. Nin-
municativo. De sua fisionomia havia desaparecido aquela ex- guém queria ser <<Beethoveniano>>, nem <<Lisztiano>>, nem <<Bachia-
pressão tormentosa que raramente o abandonava e que o fazia. no>>. Muito menos, <<Modernista>>. Só servia ser <<Chopiniano>>.
parecer-se com Beethoven. Villa~Lobos foi muito gentil. Seu propalado demônio interior

Naquele momento Villa-Lobos era a quintessência da von ... se é que algum dia tenha existido nem deu sinal de si .
tade de agradar. Perguntou-nos se queríamos alguma coisa dêle. Como em nenhuma outra ocasião o vi despertar, embora muito te~
Que é que poderíamos querer ? Estávamos numa idade em que nha convivido com Villa~Lobos desde então. Villa-Lobos foi
faz parte do .ego do indivíduo ser colecionador de qualquer coisa : mais que gentil. Foi generoso. Tocou-me para fora do banco
de sêlos ou autógrafos. Villa-Lobos distribuiu autógrafos, como do piano e, tomando-me o lugar, mostrou~me o que era o <<Po~
lhe competia fazer. Não tinha retratos para rubricar, mas trazia lichinelo>>.
com êle papel de música. E foi um tal de escrever música, qt1e Como até hoje lhe sou grato por aquela lição ! Depois do
nunca vi alguém escrever tanta e tão depressa. Como eu lhe ti- «Polichinelo>>, foi um nunca mais acabar de fragmentos de outras

'

1

36 l

oni.posições suas. Tudo executado à sua maneira, à maneira de


quem concebia o piano, não como um agente convencional de ex- •

pressão, mas como um instrumento cujas conquistas passadas o


compositor deve esquecer para lhe comunicar uma personalidade
feita à sua própria imagem. Villa-Lobos ao piano ! . . . :8le, qtte
não era pianista, criou um piano nôvo para seu próprio uso. Pois
bem, quem ganhou com isso foram os pianistas, foi a Música de VILLA-LOBOS, O MúSICO PINTOR
nosso tempo.
BENITO QurNQUELA MARTÍN
( Tradução de Marcos Romero)

IVE a honra de conhecer Villa-Lobos no comêço de sua bri-


lhante e gloriosa carreira artística e da consagração universal de
sua genialidade criadora.
Assisti às grandes etapas da evolução de suas concepções,
quando lutava para desprender-se do lastro das influências estran-
geiras e encontrar seu próprio meio de expressão : êsse que decorre
da fôrça telúrica da maravilhosa terra brasileira, vozes e sentir da
nova América que levou triunfante à Europa em um movimento
' oposto ao estabelecido então pela exclusiva fluência das correntes
artísticas européias em relação ao continente americano.
Sempre me senti plenamente identificado, do meu ponto-de-
-vista plástico, com a fabulosa obra musical de Villa-Lobos, por-
que nela está sempré presente a plasmação vivida e pujante d«
côr, a chave base que estabelece o nexo ideal Villalobiano entre
a música e a pintura.
Recordo-o, como se f ôsse hoje, absorto ante as côres intensas
de uma de minhas telas, representando chamejante crepúsculo por
entre velhos barcos do Riachuelo, efeito pictórico ê:Sse cuja gran-
diosidade natural captou no piano de meu estúdio na Boca, trans-
vasando em magníficas sonoridades seu colorido e plasticidade !
Pouco tempo depois êle faria transcender, para a órbita universal,
a pujança rítmica e a riqueza melódica do acervo musical bra-
sileiro.
Era, pois, Villa-Lobos, segundo meu modesto juízo, o músico-
-pintor por antonomásia que, com potente personalidade e trabalh<)
38

, 911 f -:z de sua capacidade criadora uma rica e intens p -



111 t qu passou genialmente das tonalidádes intimistas dos gên -
mais sutis à grandiosidade dos vastos frescos sonoros e corais.
Por outro lado a personalidade humana do grande músico
amigo é indelével em minha recordação e emoção. Pletórica e
abundante, exuberante e vital, êle era a reincarnação física da
selva e das montanhas brasileiras. Tôda a fôrça telúrica de sua HEITOR VILLA-LOBOS
amada terra estava consubstanciada na amplitude de seu gesto,
na vigilância do julgamento, na espontaneidade da palavra fluente BENJAMIN JORGE CHAMORRO *
que era ao mesmo tempo cativante, penetrante e serena. E11 •

poderia escrever muitas páginas sôbre Villa-Lobos. Porém, cLt


só sei pintar. Então sim, eu poderia pintar, com tôdas as côres Villa-Lobos um dos maiores compositores do continente ame-
da <<Boca>> que são minha obsessão "' como a alma e a paisagem, ricano. Nascido no Rio de Janeiro, no Estado da Guanabara, a
os sonhos e as realizações do Brasil foram a sua pintar o seu 5 de março de 1887, iniciou com seu pai os estudos musicais, co-
retrato ideal; êsse que de uma maneira definitiva e precisa figura meçando pelo violoncelo e, mais tarde, o clarinete, familiarizan-
imperduràvelmente entre os grandes da história da música de do-se, posteriormente, com todos os instrumentos de orquestra.
todos os tempos. Em sua juventude aperfeiçoou seus estudos com Breno Nieden-
- berg, Agnelo França e Francisco Braga. Viajou inúmeras vêzes
pelo interior do Brasil, de onde extraiu tôda sua beleza folclórica
e atuou como violoncelista e diretor de orquestra. Sua vida foi
• devotada ao estudo ; sua música transcende o amor da terra ele-
vada ao plano erudito, como demonstra seu profícuo trabalho de
compositor. Sua carreira, porém, não termina aí : junta-se a ela
intensa atividade pedagógica, consagrando grande parte de sua
vida à educação popular e coral e implantando nova orientação ao
ensino nos colégios de seu país.
E\ reconhecimentp a tão imenso esfôrço, foi então designado
supervisor e diretor da educação musical no Brasil.
A obra do insigne Maestro é extraordinàriamente vasta : seu
repertório abrange óperas, oratórios, sinfonias, poemas sinfônicos,
, . .
concertos, quartetos, trios, sonatas e numerosas paginas vocais e

para piano. Entre as principais, cito <<Danças Africanas>>, <<Len-
..
.,,;•
)!ó•'. da do Caboclo>>, <<Bachianas Brasileiras>>, <<Choros>>, <<Descobri-
mento do Brasil>>, óperas, etc ...
Villa-Lobo~ foi um criador inspirado nos ritmos populares do
Brasil, cuja música traz o sabor dessa natureza imponente da

*) Musicólbgo Argentino •



40

selva, da bacia do Amazonas. do clima carioca calcado no e no.-


nes da composição erudita, que. por seu valor excepcional, ultra-
passou as fronteiras de sua pátria para incluir-se no repertório d s
orquestras e instrumentistas de tôda a parte do mundo.
Dão o testemunho da magnificência de sua obra Renato de
Almeida, em seu livro <<História da Música Brasileira>> (Rio de
Janeiro, 1942) e o extinto crítico de <<La Prensa>>, Gastón O. Ta.- GLóRIA DE NOSSA TERRA
lamón, em seu manual intitulado <<Heitor Villa-Lobos, sua vida, •

sua obra>> (Indoamérica, Buenos Aires, 1948). B1oú SAYÃo •

Ao escrever sôbre Villa-Lobos não posso deixar de reviver


uma lembrança inesquecível de minha vida : há dois anos, em
férias, visitei o Brasil e, como músico, interessei-me, particular.- E longe e de perto, nós brasileiros estamos continuamente em
mente, pelas suas Instituições Musicais e Culturais : entre elas, no grande luto, com a perda do nosso inesquecível Villa-Lobos : gló.-
Rio de Janeiro, visitei a Rádio Ministério da Educação e Cultura, ria da nossa terra, glória de tôdas as Américas, glória de um
sendo recebido, nessa ocasião, por várias personalidades musicais mundo civilizado que, consternado, sente sempre a falta da sua
do Brasil : Maestros Hekel Tavares. Alceu Bocchino e outros. gigantesca personalidade !
Foi, então, que conheci a espôsa do Maestro que dirigia um pro- Seu espírito, porém, não morrerá nunca ; seu nome e seu
grama sôbre Villa-Lobos, inteirando-me de que esta senhora fôra trabalho ficarão eternamente na história da civilização humana.
a grande companheira espiritual e colaboradora do M aestro. Minha alma saudosa chora pelo amigo que perdi e pelo
Realizei naquela oportunidade duas conferências sôbre a mú- Maestro que venerava,
sica argentina e a possibilidade de se estabelecer um intercâmbio
musical com o país irmão.
O mais importante, porém , foi apertar a mão da companheira
do grande Maestro, de quem guardo a mais profunda admiração.



-


43

;tecimento. Qualquer personalidade francesa se sentia honrada


,em conhecê..lo e o espírito do maestro fascinava e atraía. Sua
irreverência mesmo de que êle usava às vêzes, com a malícia d~

uma criança alegre, era desarmante, nunca, nem de longe, ofensiva
• ,ou chocante. ·
Nem mesmo a doença o abatia. Nos últimos tempos, quando
VILLA .. LOBOS •
-os médicos lhe recomendavam regime severo que a dedicação
• de Arminda Villa.. Lobos procurava aplicar com um carinho de
CARLOS CALERO RODRIGUES ,enternecer o mestre zombava de si mesmo e não deixava trans ..

:parecer nenhuma premunição que tivesse de que as fôrças lhe


·pudessem em breve falhar.
IZIA Villa .. Lobos, brincando, que não seria bom diplomata Péricles Madureira de Pinho lembrou há tempos, neste pro ..
quem gostasse muito de música. :8le, Villa-Lobos, era, onde quer · ,grama, uma reunião em que estivemos juntos, em nosso aparta..
,que fôsse, nosso melhor Embaixador. Nos Estados Unidos, como menta de Paris. Víamos lá fora o Sena, Montmartre na distân.,
na Europa, pude sentir de que modo completo Villa-Lobos era o -eia. êsse Paris que Villa... Lobos tanto amava. Ouvíamos discos
próprio Brasil, para quantos conheciam sua música e vinham a de sua música, êle comentava, fumava seu infalível charuto, sor . .
conhecê.. lo. ria, brincava, sentia.. se feliz, entre a amizade e o carinho que o
Nas noites de Paris, quando Villa.. Lobos sacudia todo um
,cercavam. Assim me lembrarei sempre dêle, gigante generoso, -
:brasileiro universal, gênio criador e figura humana incomparável.
vasto auditório no Théâtre des Champs Elysées, era 11m vendaval
de Brasil que soprava. E o Brasil continuava, depois, quando
com êle uns poucos amigos se reuniam para cear e conversar, num
pequeno restaurante da Rue de l'Arcade. Villa... Lobos vibrava
permanentemente. Sua vitalidade imensa, sua essencial e pode..
rosa humanidade refletiam-se em tudo o que dizia, em seu inte.- ,
rêsse pelas coisas, pelos homens, pelos fatos, do mesmo modo •
que em sua criação artística. A universalidade de seu gênio não
impedia fôsse êle sempre profundamente brasileiro, e não só na -
música. Vi-o em Paris preocupado com problemas que a rigor
não eram seus. Assim, o do transporte, para o Brasil, dos mó--

veis do quarto em que morreu D. Pedro II o mesmo quarto
que no Hotel Bedford ocupava Villa... Lobos. Assim, o da criação
de um Conselho Cultural, integrado por artistas e intelectuais
brasileiros radicados na França ou que ali fôssem com freqüência,
que pudesse assessorar os serviços culturais de nossa Embaixada.
Em Paris, como em qualquer outro grande centro, Villa-Lobos
era uma preciosidade para os diplomatas brasileiros. Uma recep-
ção, um jantar em que se contasse com sua presença era um acon ...

'
45

,uma audição informal, que o autor da música proporcionava ao



..autor da letra, sem outro qualquer ouvinte. Não sei que absurda

inibição de tímido me impediu de atender ao chamado. Para meu
remorso, deixei de ouvir a criação de Villa-Lobos. Fui punido.
Sle compôs uma terceira e admirável peça musical com base em
,minha poesia: o <<Poema de ltabira>>, para canto e orquestra, exe-
VILLA-LOBOS -cutado sob sua própria regência, no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, no dia 30 de dezembro de 1948, às 5 horas da tarde.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Nesse dia, e nessa hora, eu estava em ltabira, acompanhando o
,entêrro de minha mãe.

Passam-se os tempos e, voltando de uma viagem à Europa,
M 1925, eu morava em Belo Horizonte e recebi uma carta de· 'Villa-Lobos me convoca ao seu apartamento na rua Araújo Pôrto
Manuel Bandeira, que dizia assim : <<Ü Villa, que anda numa fase Alegre. Trouxera de Paris para mim um disco não comercial: a
folclórica interessantíssima, está escrevendo uma série de serestas ,. gravação do <<Poema de ltabira>>, feita de uma audição na Radio-

sôbre versos nossos ( ... ) A Cantiga de viúvo também está feita- ,difusão Francesa, na voz de uma cantora cujo nome não consta
e ficou deliciosa. Sobretudo o me beijou, me consolou e o final, do disco. Desta vez compareci. B.le botou o disco na vitrola,
acabou, que acaba da maneira mais acabada que já acabou neste. nós nos sentamos e, na penumbra da sala, em meio aos chiados,
mundo». »estalos e outros rumores confusos da estática, a música pungente,
Não me lembro se caí duro, de surprêsa, ou se pulei de ale- mas profundamente consoladora em sua dramaticidade domada,
gria, de felicidade mesmo. A Cantiga de viúvo era um poeminha, a música itabirana, cheia de emoções da familia e da terra, intuída
que eu fizera e, com a sofreguidão dos 22 anos de ldade, remetera ipelo gênio de Villa-Lobos à margem de um texto de que êle não
a amigos do Rio. Eu não conhecia Villa-Lobos senão de nome e .se apossara como intérprete, mas como recriador mágico, espa-
renome : êle voltara da Europa já com fama de compositor ex-· ' 1
lhou-se e penetrou no mais fundo de miro mesmo, até onde eu não
traordinário, e como poderia eu supor que os meus versinl1os 1 ousava mergulhar. V illa sorria a um canto: <<Você gostou?»
mineiros interessassem aquêle artista fora do comum? Fiquei as- 'Não sei roais o que , lhe r pondi. Sei que êsse instante ficou
sanhadíssimo, e pedi a Manuel que me arranjasse cópia da seresta. guardado em mim para sempre, e me restitui a imagem mais afe-
1
B.le me respondeu que era impossível : o original fôra entregue· •tiva, mais delicada e mais alta que tenho de Villa-Lobos . .
à Casa Artur Napoleão, para ser impresso. E lá fiquei na minha 1

província, cultivando em segrêdo a glória de ter sido musicado·


por Villa-Lobos. Na <<Revista do Brasil>>, do Rio, o mesmo Ba11- •

deira comentou um recital de Germana Bittencourt, em que ela·
cantou a peça de Villa. Só pude escutá-la em imaginação.
Muito tempo depois, mudando-me para o Rio, tive a fortuna
de conhecer Villa-Lobos e de conviver com êle Pºf longos anos,
no dia-a-dia do Ministério da Educação. Em 1944, o composi-
tor me concede outra honra: musicara o meu poema <<José», e
convidava-me a ouvir a execução de seu trabalho por um côro -
masculino do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Era
47

Nada fêz por moda, nem para copiar o que, no momento,.


teria êxito na Europa. Muito ao contrário, mostrou o nôvo ca,.
minho inclinado humildemente para o povo, sábio povo, relicário,
das p~tencialidades e da razão de tudo. :E:ste dramático divórcio,
observa-se em certa música atual, inerte e petrificada.
Não teve mêdo de ser êle mesmo, simples e emocionar~se:
ASSIM VEJO VILLA~LOBOS com O ingênuo e puro, recolhendo e harmonizando canções Pº"'
• pulares •
, CARLOS .GUASTAVINO * E nessa simplicidade reside a grandeza dos seus <<Poemas
Sinfônicos>> e das «Bachianas>>. •

A presença do Mestre falta~nos agora para indicar o _verda-


primeiro contato que tive com a música de Villa-Lobos foi deiro caminho de escrever música. Sua obra permanecera como,
através de suas canções. Recordo a impressão que me produziu exemplo e testemunho vivo do que muito se pode aprender.
a maestria como estavam elas tratadas, e sobretudo, uma delas • •
Assim vejo Villa,.Lobos e assim amo sua musica.
pelo genial emprêgo da tonalidade. Não me lembro de seu título,.
sei apenas que falava de <<chuva no campo>>; aproximadamente 12
compassos no início da canção divagavam em tôrno da cadência
sôbre a tônica, causando um efeito surpreendente pelo seu ines,.
perado. Conheci outras canções de exuberante imaginação , onde
a linha vocal era apenas um acidente e a fôrça melódica caracte,.
rística em seu nacionalismo se perdiam em concepção subjetiva,.
porém sempre escritas com grande sentido expressivo e musical.
A mesma impressão causou~me a música de Villa-Lobos que
ouvi : facilidade de idéias, mestria na construção com sábio apro,.
veitamento de todos os elementos e honestidade de pensamento, -
que tornará sua música duradoura.
Villa-Lobos sentiu os sons de sua terra, as vozes de seu povo,-
sendo-lhes fiel nas suas pesquisas sonoras e nas criações mais.
• • • •

or1g1na1s.
Nada criou que não tivesse vida emotiva e transmissão ime,..

diata. Alcançou o objetivo de sua obra o público.
Nada está morto nela, porque não são peças de museu; todo·
Brasil renasce e permanece vivo em cada uma de suas criações. '
Esta é uma meta difícil de ser atingida e constitui exemplo de: •

realização criadora. •

* Compositor Argentino.
·• . •


49

meios expressivos, equilibrados. Criou a música de sua pátrl


• com profundo amor e conhecimento. Não foi o primeiro a ~es...
cobri~Ja, é certo, porém há algo muito difícil de negar. V1l~a~
.-Lobos não foi sàmente seu maior representante, mas tambem
VILLA... LOBOS, VIBRAÇÃO DO BRASIL levou-a a alturas imprevisíveis.
Assim a cativante música de seu povo enveredou por um
CARLOS o. GARDE * caminho u~iversal ao modelá-la com uma consistência dramática
sem limites, ao manejá-la, com suas mãos virtuosas e íntegras,
obedientes a um espírito refinado, fértil em idéias.
IZER que Villa... Lobos é um produto típico da terra que o viu Realmente não só os ritmos e os movimentos típicos do
nascer é pouco. Dizer que em sua exuberância pletórica de luz
, ..
Brasil configuram a arte de Villa-Lobos, poré~ sua mus1c~ se
o Brasil criou Villa ...Lobos, à sua semelhança, também é pouco. define sempre em direção ao autênticamente nacional. As vezes,
Não obstante, precisamente por essas duas premissas, a música de sujeito às exigências de um tratamento formal, aparece menospre~
Heitor Villa-Lobos logrou atrair no solo o âmbito cerrado das zado, porém continua latente até exprimi-lo com todo o poder de
fronteiras de sua pátria, mas que , rompendo as limitadas fronteiras sua magia.· Por isso , tôda sua música tem um elevado poderf · ·de
da América, soube do respeito e da admiração da altiva Europa ... se d uçao...
.. O ouvinte é impelido inexplicàvelmente
. ao . e1tiço
_
Porque Villa-Lobos deixou de ser uma instituição americana para ,d e suas melodias, na fascinação de suas harmonias, na an1maçao
converter.se não em um fator de momento, mas atrarnte e impor.. de seus ritmos ..• grande, sua capacidade de evocaç~o ; enor~es,
tante na música do nosso século. suas possibilidades para pintar uma paisagem. Por isso, em toda
Quem já sentiu vibrar o povo do Brasil, quem já viu sua sua música há uma infinidade de elementos que podem despertar

O interêsse do simples ouvinte e o estudo do especializado. Des~e
vegetação vigorosa, quem já avaliou a extensão de suas rochas
majestosas, quem já se deslumbrou com a luz melancólica de seus logo, para entrar em s u mundo, Villa-Lobos propõ~ uma con(li-
dias e a cálida paz de suas noites, quem já sentiu penetrar nos ção prévia bâ ica ! aceitar 'Uas figuras temperamentais, suas brus-
seus poros seu mar transparente, conheceu também uma parte a pincelad , u f nt l lirica. 8Ie que não é capaz de com-
dêsse músico que se chamou Villa-Lobos. pr nd r O mi! gr mpr renovado eterno de se~ povo,
Porque Villa... Lobos vibra, com comovedora fôrça nà impo·
' múslc eh i de vigor e brilho, cheia de luz deslum...
nência de cada um dos maravilhosos dons que o Criador, genero-
.samente, espargiu pelo Brasil .. n poe i de uma noite no Rio junto ao mar, a

Sua música é autêntica, vibrante, enternecedora. Como au- de seus s borosos e romátlcos frutos tropicais .
t êntica, vibrante e enternecedora é a terra que o embalou.
Seu idioma é um idioma simples, direto, mas seu vocabulário
,é rico em matizes, colorido em ritmos, ampliado, com variantes


melódicas da mais pura integridade. Seu estilo coerente, e seus

* Crítico Musical Argentino.


51

nos sonoros.
GRANDEZA DE VILLA.-LOBOS

CARLoS:'VEGA *

EITOR VILLA.-LOBOS grandeza inexcedível marcou o seu


tempo. Seu tempo mostrou.-lhe as realizações e possibilidades •

estéticas vigentes e êle se fêz reflexo de tudo e exprimiu, na sua


própria linguagern. todos os rumos, seguro e fi,·.r.ae em suas bases
de audácia e genialidade. Villa.-Lobos era, além disso, <<simples.-
mente músico>>, isto é, músico livre de condições e limitações.
Sem imperativo de escola, prevendo a difusão do exemplo e as
exigências dos mais avançados centros europeus, ouviu e sentiu •

as expressões tradicionais de seu povo, do qJal recolheu canções


'
na sua mocidade. Era <<simplesmente criador>>, por isso respirou •


e absorveu sem prevenções o pós.-romantismo germânico, o veris.-
mo italiano é o impressionista francês , revestindo.-os à SllO 111a--
neira e traduzindo-os na linguagem brasileira de Villa.-Lobos.
Sua estada na Europa enriquece suas possibilidades, fortalece
seu impulso natural e, já com seus trinta anos, afirma.-se no pro.-
pósito de buscar elementos nas fontes próprias. O imenso Brasil
deu.-lhe tudo I
Ali os aborígenes primitivos do planalto e as tribos adiantadas
do Amazonas : ali os sertanejos, os caboclos ou gaúchos rio.-gran.-
denses do sul e tôda gama de fragmentos campesinos ; ali o afri ...
cano imune com a pátria distante com seu ritmo intacto ; ali as.
modinhas e o lundu dos suntuosos salões imperiais e burgueses ;
ali o canto das crianças e as cantilenas e os arrulhes, oriundos do • •

mundo medieval. Tudo se resumia em música para o eminente:


f

* Musicólogo Argentino.
53

onvergiam na mesma
,.
musica e na mesma letra cantando sob o
ontãgio do maestro. -
De agora em diante, mais alguns ensaios. Todos têm
voz: a questão é colocã.lo no devido lugar.
Ignoro a razão pela qual a iniciativa não prosperou ali.
, Outra inteligência de escol, Anísio Teixeira, como diretor da Ins·
VILLA.LOBOS trução Pública no antigo Distrito Federal, convocaria Villa.Lobos
para a mais bela atividade, sob o ponto~de~vist,:i artístico e mu~i·
CELSO KELLY cal, que poderia estimular no meio da populaçao escolar do R~o.
Villa.Lobos não era apenas o músico de gênio. Era tambem
um mãgico de realizações maravilhosas.
ONHECI Villa.Lobos no Gabinete de Fernando Magall1ães
quando êsse eminente mestre da medicina e da oratória exercia
as funções de Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, hoje
Universidade do Brasil. O grande maestro levava ao Magnífico
Reitor a sugestão de organizar o canto orfeônico na Universidade. •

Que bela idéia ! Fernando Magalhães, cuja inteligência era sem.


pre aberta a tôdas as iniciativas culturais, ouvia deslumbrado a
palavra, cheia de entusiasmo, de Villa.
Sobretudo, diante da promessa de que, em poucos dias, a
Universidade inteira estaria cantando ..•
Mas, pondera o Reitor, os rapazes não sabem música ..•
Saberão cantar l retrucou Villa. '

\
E, passando das palavras ao planejamento, propôs sem de ..
mora:

Dê.me o salão do Instituto Nacional de Música, convoque


duas ou três dezenas de estudantes de diversas escolas da Uni. '
versidade e alguns elementos do Corpo de Bombeiros. Transfor·
marei, na sua vista, êsse aglomerado humano, sem antecedentes •

musicais, num côro em poucos minutos ••.


Os belos olhos de Fernando Magalhães se iluminaram mais.
O Reitor fêz de mim seu visitante eventual o prim~iro con ..
vidado para a prova.
De fato , dias após, assistíamos ao <<milagre>>. Villa gesti·
culava, dava ordens, deitava energia ... e aquelas oitenta pessoas

• •
VILLA-LOBOS
VILLA-LOBOS
CHARLES MuNcH *
CLOVIS SALGADO
(Tradução de Marcos Romero)

EVERENCIAMOS em Heitor Villa-Lobos o gênio musical mais


OMO eu gostaria de reviver para vocês o intenso calor hu-
mano, a grande amizade e o grande músico que encontrei no poderoso dos músicos, em todos os tempos.
Villa-Lobos que conheci em Paris quando era jovem I Há treze Sua vibrante sensibilidae foi beber inspiração na fonte pro-
anos que vivo em Boston e posso testemunhar que aqui também digiosa da tradição popular e buscava fôr~a _na ~ssomb.rosa
Villa-Lobos é conhecido como um grande compositor e uma fi- fertilidade da terra virgem. Por isso, suas cr1açoes tem o vigor,
gura universal. Conhecemos o homem e sua obra : as <<Bachia- a solidez e o sabor das peças autênticas.
nas Brasileiras>>, os <<Choros>> como também a música de câmara, Em suas melodias canta a própria alma da nossa gente.
para coral e orquestra. Villa-Lobos visitou Boston várias vêzes Em suas harmonias vibram os clamores da terra, das florestas,
e antes da minha vinda para cá êle dirigira a Orquestra Sinfônica, das cachoeiras, dos mares e dos céus do Brasil.
executando «Bachianas n9 7», «Chôros n.., 12>> e <<Rudepoema>>. Foi
Por ser genuinamente brasileira, por ser autênt!c~mente na-
um esplêndido regente, dotado da técnica, da autoridade e da cional, sua música se impõe como coisa à parte, d1st1nta,. nova,
sensibilidade de grande músico que nêle realmente existiu. O com personalidade própria, vindo, por isso mesmo, a enriquecer
mais alto momento de minhas relações com Heitor Villa-Lobos
O patrimônio comum da .humanidade.
se passou em 1955 e 1956. Em comemoração ao 759 aniversário
Suas composições transpuseram as fronteiras da pátria, le-
da Orquestra Sinfônica de Boston, pudemos oferecer encomendas

vando a todos os povos a mensagem da nossa sensib!lidade e de
a compositores de várias partes do mundo. Alguns eram jovens
nossos 1·deai·s Acervo precioso de nossa cultura, estao elas
1 G ~ con-
dos Estados Unidos e outros eram velhos mestres da Europa. •

Heitor Villa-Lobos do Brasil não era apenas o grande mestre servadas e honradas no Museu Villa-Lobos, criado pe o overno
do seu país, mas também um dos maiores do mundo. A volta de para perpetuar a glória do mestre. . . , .
Villa-Lobos a Boston, para reger a primeira audição de sua << 11 ~ Em Brasília, a nova Capital, ergue-se, diante do M~n1ster10
Sinfonia>>, representou um grande acontecimento na história da d~ Educação e Cultura, como homenagem singular, a sua imagem,
Orquestra e de nossas relações pessoais. talhada no granito eterno, demonstração excepcional ao campo ...
Algumas semanas depois tive o privilégio de dirigir niJSsa or- sitor e à própria música.
questra, executando a << 11 ">> e êsse momento foi um dos mais
felizes e maiores em meus 50 anos de músico. .

* Regente Francês. _


'

HEITOR VILLA~LOBOS VILLA~LOBOS •

DoNATELLO GruEco
-
'
EITOR VILLA~LoBos nome familiar a todos nós pianistas ONHECI Villa~Lobos em Nova York, em fins de 1944. Até
que vivemos sua música atraídos pelo colorido rítmico e o encanto então, não fôra êle para mim, no Brasil, mais que uma figura em
melódico de suas obras. tôrno da qual se travavam discussões e polêmicas. Em Nova
Inúmeras vêzes incluí em meus concertos suas composições : York, em dias difíceis do período final da guerra, quando eram
no início de minha carreira, suas obras transpareciam audácia relativamente escassas as notícias que vinham do Brasil, Villa~
~Lobos representou para quantos brasileiros ali então vivíamos
harmônica e fôrça técnica arrebatadora que hoje continua de~
monstrando uma presença rítmica de inegável atração. como que um precioso mensageiro com muitas lufadas de ar do
Brasil, o ar quente das noites cariocas, o bulício das ruas subur~
' É a obra de Villa~Lobos o clímax de um recital. Senti~ banas, o perfume dos jasmineiros, a mansidão das majestosas pai~
mo~nos pequeninos quando nos defrontamos com a dificuldade neiras, a côr e o som das perturbadoras cidades tropicais. Tudo
• das obras, mas nos agigantamos quando a interpretamos em de~ isso estava e está no seu <<Choros nc;, 6>> : a doçura das frases ner~
finitivo. Ê o autor que nos faz crescer paralelamente com a vosas da flauta dos seresteiros, a melancolia dos crepúsculos e o
obra e que nos afirma e nos dá a dimensão que emerge de sua irreprimível gôsto de viver, tôda a atmosfera preguiçosa e lân~
própria personalidade. \ guida das ruas estreitas do Andaraí Grande e das praças d.:,,

Quantas vêzes vibramos com suas vozes telúricas, tão primi~ carnaval. •
tivas e tão sábias ! Quantas vêzes admiramos, no caos aparente
Foi o próprio Villa~Lobos quem regeu, em Nova York, de~
de suas cascatas sonoras, a mão mestra do hábil instrumentista ! pois em Lisboa, em Havana e de nôvo em Nova York, êsse mesmo
Não se repetiu êsse milagre muitas vêzes no piano moderno; <<Choros nc;, 6 >>. Ofereceu~me dessa página tão rica um disco que
Villa~Lobos integra, assim, o reduzido número de compositores já fiz girar centenas de vêzes, sempre que a falta de novidades
pianistas contemporâneos e dá realce a uma época que, por st1a da terra, ou a saudade que rói remotamente o coração, me fêz
quase exclusiva preocupação pelas pesquisas sonoras, parecia pre-· ficar com fome e sêde do ambiente, do colorido, dos ruídos, das
destinado a esquecer o nobre instrumento. serenatas da minha cidade natal . . . Por ser essa a página de
minha especial predileção, muitas vêzes conversei com o grande:
mestre sôbre as coisas do ano de 1926, em que êle a compôs, pou~

cos anos depois do lançamento do movimento modernista. Suas



recordações. pessoais da Semana de Arte Moderna traziam, vivas,
* Pianista Argentina. as imagens de alguns revolucionários que também já se foram des~


58

t terra, o patriarcado quase hierático de Graça Aranha, a fi11ura •

ateniense de Ronald de Carvalho, e também algumas evocações


de sua vida em Paris, de suas esperanças e de seus desenganos,
das controvérsias em que se envolvera e em que se vir envol-
vido. Não posso esquecer~me da emoção com que vi, naquelas
cidades de dois continentes, a torrente de aplausos com que <)
povo, cheio de entusiasmo, também partilhava do gôzo dessa es- VILLA-LOBOS
pécie de visita ao passado de uma terra longínqua : porque, acom-
panhando numa comoção quase mística o <<Choros n9 6», os no- DORA VASCONCELLOS
vaiorquinos, os cubanos e os lisboetas acabava mpor integrar-se
na alma e no sentimento da gente de subúrbio do Rio de Janei1·0
como se fôssem outros tantos chorões, pelo poder criador de uma
EJO-o ainda sorrindo para mim enquanto eu lhe contava his-
arte superior colocada a serviço de uma sensibilidade brasileirís-
tórias do consulado. Lá fora as árvores cintilavam com a bran-
sima. As perspectivas do tempo já superaram as polêmicas de
•cura da neve. Villa-Lobos e Mindinha costumavam chegar a
que Villa-Lobos, em sua vida, foi objeto, controvérsias que talvez
Nova York em outubro e seguiam para a Europa depois do ani-
êle mesmo, aos poucos, tivesse deixado de suscitar nos últimos
versário dêle, a 5 de março. Relembro a sala com a mesa de
anos de sua existência, quando a consciência de inexoráveis fata -
·trabalho a um canto, preparada pela dedicada companheira para
lidades físicas o levou a dedicar-se exclusivamente à criação ar-
,•que êle se sentisse em casa e tivesse confôrto necessário para
tística, infatigável, isolado do mundo em qÚartos de hotel, ao lado
,escrever. Encontrava-o sempre à 1nesa de trabalho e sómente
de um piano, escrevendo música sem cessar, sem tomar conheci-
.abandonada para as llg lr< s r f içõ . Ch gavam as visitas do-
mento de que, em derredor, havia cidades de muitos milhões d·~
mingueiras : Andrés S govl , Jos Li1non, Horzowsky, críticos de
habitantes, cheias de progresso e de luxo. Como o pássaro da
músicas e jovens < rtlst . p r pr nd 1· m dêle a inspiração para
página antológica, voltou ao Brasil para morrer, junto de suas '
,as uas int rpr t çõ , . Vlnh 111 ntor s qu artetos ensaiar com
raízes , sob a luz do trópico, por entre as próprias sinfonias do
\ . 1 , A li r o ttlt <111 111 t, 1 111 stt 1nnls séria e compenetrada
mundo nôvo que êle levara por tantos países terra em fora, e que
« ~11 • 11 11111 r,1· f J•• Jon l», dizia com severidade ao
hoje são páginas do patrimônio universal. Sua inspiração con- '
tinua a ser ouvida em tôdas as latitudes: nela canta um Brasil
v l' 11 11 · 1111• Jllc, , li nt , l cobrindo as pautas com as
vigoroso e cheio de energia criadora, numa mensagem artística
1111f 1 11 1111 1 111 1 111 1111 <101 cl s dando expressão às páginas,
palpitante de originalidade e de beleza. Feliz quem pode conti-
111 111 1,1f11 1 11 11 , ,. ,v 1111 ~, ~ 111 J voz, respeitando o silêncio do
nuar a ser assim ouvido depois de haver transposto os exíguos
l\·I f 1 1 , 1· 11I J 1 · l 1 111 ti t 1· , quêle rumor de vozes perto qtte
limites da nossa vida efêmera !
11 111 ,, 11111 1 t 1v 1111 1 111 111 t l • O u eram dias em que artistas vi-
1111 111 11 f1 t 11· c1 11 11111 r p 11· obcr a opinião do Maestro.
A rl l ! 111 t·I n l1amou-o dínamo, quando sacudiu de
• 1 . 1. t .n ! no C arnegie Hall em um dos concertos

• •
• . li p róp ria música. Ainda o vejo com a long.:t
casaca, cans do f liz, depois da execução, rodeado de amigos
,e mocionados. Compararam-no ao Amazonas pela impetuosidade
,e riqueza das suas melodias. Trazia o Brasil dentro da alma e


60

o exaltava em suas composições. Humano foi e generoso. Res-· •

'
peitado e querido pelos músicos das orquestras que reg eu. Sua •

morte não é silêncio, pois que canta sempre e seguirá can tando, •

cada vez mais alto. O tempo não o cobrirá. •

O <<Trenzinho do Caipira» estará sempre nos levando a êle


e o << Uirapuru>> nos chamará para os momentos de aguda recor-
dação. E dentro de nós viverá a alma cabocla, nossa alma pro- •

funda e melancólica nas florestas , no mar e no canto alto dos VILLA-LOBOS


pássaros da nossa terra. Deus te prolongue, meu querido Maes-
tro, nas vozes de tua música imorredoura. EDEGARD GOMES

semelhança do que ocorreu, provàvelmente, com todos os meus


-contemporâneos, que, nesta cidade do Rio de Janeiro, realizaram o
-curso secundário, conheci Heitor Villa-Lobos como o primeiro
professor a ministrar, entre nós, ensinamentos de Canto Orfeônico.
Sob sua empolgante e enérgica direção, participamos de me-
·m oráveis reuniões cívicas, comemorativas de efem rides nacionais.
• Foi-me dado o privilégio, posteriorm nt , d onh cê-lo, de
,perto, quando, em 1942, p s. 1 11 d s 1n p nl1 1r fun çõ s com quen1
\ ,ocupava, na época, a p • t d • lu ç , , • ilu tre brasileiro
!Dr. Gustavo C p 11 111 ,

• R e ul t u, d 1 , 110 li li 1,J · ti 1 brir, om encantamento
'P· r , 111 !111 , c111 , 11 ' 111(1• 1 l 1 11111 •• nt riormente recolhida.,
111 'l vl1l 1 ·t MI Jr 11 11 111 li · 1· 1 , , m 1
1 111 1n essencialmente bom
'
' 1Ít·l111, l i ,

( ' 11 111 11 Jl 11 ,1,, ~l gria de receber, de sua


1 1111111 , l lv 1
l 111 ·11· 1 11,l 11, 111 111! (1 t 1 1 !l d nfeto, que me encorajaram a
11111 1 11 11 · 1• 11• 1 1 · 1 li' cl 111úsica, sem •molestá-lo com as
111 (1111 1 111 1111 1·11 1 1 J IO • E como sempre tive marcada
111 ( 1 11 1 l 1 1111 1· 1111 rio rnx· violino, nos últimos anos de sua
111 11 ( 1 li, , v 1·! 1. z s, levasse a efeito a composição de
ro11c 1't Jl 11• 1 t 11 ln. trt11n nto. );: que não podia conceber fal-
,
to s 111 1nln 1 ol ç , p · ça dêss e gênero, e, justamente, de um
gr nde campo ito migo meu.
O meu escas o prestígio, infelizmente, junto ao genial brasi-
leiro, n ão consegui fazê-lo preencher a lacuna .


62

A propósito do pormenor, ficou-me, entretanto, a lembrança,


de episódio por êle descrito e que julgo de interêsse divulgar, de·. '

vez que revela aspecto bastante expressivo da personalida de do ,


insigne mestre.
Contou-me que. na oportunidade de uma das poucas vindas,_
ao Rio de Janeiro, do famoso violinista Jascha H eifetz. foi êste
procurá-lo para encomendar-lhe, por alta soma, a composição de VILLA-LOBOS
um concêrto. Desagradado , com as recomendações que o virtuose · •

então lhe fizera quanto à elaboração da obra , recu ou~ e a em- ELEAZAR DE CARVALHO
preendê-Ia. de vez que sómente entendia fazer músi ro esta do., '

de inteira liberdade. Transcorridos alguns anos, visitando os E s- •

tados Unidos da América. teve ensejo de conhecer m lhor o ilus- Ão fui dos que se sentavam, diàriamente, à mesa de Villa-
tre violinista e de admirá~lo, qual o grande e digno r tl ta que é •. Lobos. Nem dos que colaboraram na sua obra de educação
Adveio-lhe, daí, sincero arrependimento de não h v r composto irtlstica da juventude brasileira. Aprendi a amá-lo, não pelo
o concêrto, a cuja encomenda, e reiterada , atend ri . com muito, onvívio diário, mas através de sua obra, como seu intérprete.
júbilo, mesmo sem qualquer remuneração e admitindo razoáveis. s amigos de tôdas as horas louvam seu bom-humor, o seu esp-
sugestões. rito sempre jovem, as inesgotáveis demonstrações de ter sabido
Do ocorrido, infor tunadamente. resultou ficarem desfa lcadas . r um verdadeiro amigo , a sua simplicidade, o seu repertório
as coleções dos apreciadores de grandes concertos para violino, d histórias ligadas à sua mocidade e às delícias dos <<bon temps >>
que perderam a oportunidade de terem reunidos, num disco , os . do Rio antigo.

nomes dêsses dois admiráveis artistas. que, por certo, serão para Eu louvo a sua genialidade, a sua originalidade, o seu pres-
sempre recordados, na história da música universal : o de Jascha, tigio de compositor internacionalmente conhecido, a sua contri-
Heifetz e o do nosso glorioso e imortal Villa-Lobos. · \ buição à existência da cultura musical brasileira, no Brasil e no

xterior. '

Como seu intérprete talvez o que mais dirige a sua obra



- venho, há 15 anos, estudando Villa-Lobos, diàriamente, e, por
Isso, a prendendo., sinceramente, a respeitar sua memória.
• Foi nos Estados Unidos, à frente da Orquestra Sinfônica de
13 ton onde, pela primeira vez, fora do Brasil, regi Villa-Lobos.
J.s o foi em 1946. A obra já era conhecida dos bostonianos.
S l'ge Koussevitzky já a havia regido. Era o << Choros nQ 10>>. O
p t'1 blico delirou e a crítica repetiu o que já escrevera em 1940.
l nl lei, com ela, o meu repertório Villalobiano. Depois de Bos-
• t n, as principais orquestras dos Estados Unidos aplaudiram e
J' i1pl udiram o Mestre brasileiro. Do mesmo modo, tôda a Eu~
, r p . a Africa e o Oriente Médio.
Como eu hoje lamento não ter sido, ontem, um íntimo de.
VJ II -Lobos 1. . . D e Cape Town a O slo e de Tokyo a New


64

York, ainda não ouvi ninguém falar mal do caráter de Vil]a,...



-Lobos ; mesmo aquêles que se julgavam atingidos pela su apa·
rente rispidez, sentiam o sabor do arrependimento ao conhecê.-lo
,de perto. •

Nas suas partituras, verifico tudo isso.. . Vejo uma gran-


,.diosidade de idéias, unidas à simplicidade dos gênios. Vejo o VILLA·LOBOS
vanguardista da «Semana de Arte Moderna>>, há 40 anos passa.-
dos, profetizando um tipo de arte que o tribunal internacional de
EULALIA DOS SANTOS TAVARES
duas gerações vem aceitando e consagrando.
este é o Villa. Lobos que eu conheço. este é o meu Villa·
.Lobos. O Villa·Lobos que eu interpreto nos cinco continentes e ALARem Villa-Lobos, como sua auxiliar no ensino de Música
.que, pelo sucesso alcançado, anualmente, o venho repetindo. É e Canto Orfeônico da Prefeitura do Distrito Federal, atual Es-
-0 Villa..-Lobos criador e que, como homem, teria sido capaz de hu· tado da Guanabara, é sempre motivo de enternecimento para mim.
milhar um rei, mas, também, de repartir o seu prato de comida
Conheci·o em uma reunião em casa dos amigos Newton p ã ...
,com um necessitado.
dua, violoncelista, e Marina, minha colega, hoje embaixatriz em
Pouco antes, um mês talvez, de sua morte, regi com a Filar· Praga. Tive então oportunidade de ouvi-lo tocar piano, violon,...
mônica de New York um concêrto,, nas Nações Unidas, onde foi
ceio e violão, e discorrer sôbre as belezas dos sons musicais e
executada sua obra «Descobrimento do Brasil», tendo sido êle
todos os elementos que emanam de nossas florestas.
ovacionado pelos represe11tantes de tôdas as nações do mundo

que ali se achavam reunidos : no dia seguinte à sua morte, em Mais tarde, quando aluna de canto de Nícia Silva, tive nôvo
,Oslo, com o embaixador Louzada, prestávamos a nossa homena- contato com o Maestro, to mando parte num coral por êle farmado,
gem póstuma ao homem que o Brasil e os brasileiros choram irre· composto de cantores da ocf dade carioca, para homenagear O
mediàvelmente, um homem que se agigantou no mundo inteiro Presidente W ashington Luís com um concêrto no Teatro Mu·
levando consigo o nome de sua pátria. nicipal.

Quando V ílla-Lobos dirigi u a Superintendência de Educação


Musical e Arti ti d. Prefeitura a convite do talentoso Anísio
Teixclr , fiz 0 111 1 o curso necessário ao ensino de Canto Or,...

feônico nas scolas. Fui nessa época designada para O referido
ensino no 39 Distrito E ducacional. ·
Acompanh ei de perto o valioso e interessante trabalho de
Villa-Lobos, procurando aprender e envidar esforços para auxi-
I

liá-lo o máximo, sentindo. me como sua irmã por eleição.


Empolgada pelo seu saber, pelo seu método eficientíssimo,
por sua capacidade de trabalho e por sua competência na direção
·d a Superintendência de Educação Musical e Artística, segui-o
mesmo depois de nomeada Diretora de Escola .


66 67

Fui também sua auxiliar na fundação e organização do Or-- tude executava hinos e canções com grande beleza, entusiasmo
f eão de Professôres trabalho árduo de estudo, exort ção e. ... •


emoçao .
exemplo disciplinar, recebendo dêle o apelido de «M ãezinha do Era de assombrar o milagroso poder de concentração das
- Orfeão>>, que muito me sensibilizou. '
massas escolares e o sentimento patriótico, dificilmente igualável,
Tive a honra de ser convidada a exercer o cargo de <<Vogal» que se apoderava dêsse super-homem.
do Orfeão de Professôres, que corresponde a <<Spala>> da arques... Por ocasião da <<Semana Villa-Lobos>>, em homenagem aos
tra. A confiança que me inspirava sua batuta encorajou-me a seus 70 anos bem vividos, S. Paulo vibrou em seu progrâma. Foi •
aceitar tão grande responsabilidade, que exigia qualidade de lide .. uma consagração soberba e inigualável. Pude estar ao lado dês~
rança e tempo para estudo das peças musicais a executar. Resi ... te bop.doso amigo, como espectadora emocionada até as lagrimas.
dindo em Laranjeiras e dirigindo uma escola de difícil acesso em Sua morte física abalou-me a ponto de ficar doente. :Sle
Jacarepaguá, não me restava tempo para estudo. Muitas vêzes vive., porém, no coração de seus amigos e discípulos, que o vene-
estudava durante a viagem. Depois do trabalho exaustivo na ravam, no espírito de seus pares que o admiravam e acatavam
escola devia freqüentar os ensaios em determinados dias da se.. e na memória dos brasileiros e estrangeiros que conhecem sua
mana. Aí se dava o milagre após 1O ou 15 minutos de ensaio, ingente obra e gloriosa fama.
sentia-me refeita, alerta e entusiasta. E que de minúcias e· exi . .
Vive e viverá para o sempre na sua música que o embala e
gências nessas aulas... ensaio ! Para melhor atender ao seu co...
desafia as épocas.
mando retinha de cor tôdas as músicas. Nos concertos que du . .
rante o ano de 1933 o Maestro levou a efeito no Municipal, pude
melhor aquilatar das suas raras aptidões. Abriu essa temporada.
na Semana Santa, a Missa Solene de Beethoven, com coros e or-
questra. Essa grandiosa obra de grande dificuldade técnica dos
coros, cuja tessitura bastante aguda para os sopranos e rica or...
questração, foi dirigida por Villa . . Lobos com maestria incompará... •

vel e execução brilhante.


Nos concertos que se seguiram eram-nos gratas as vocaliza...
ções de obras de Mozart, Bach, com suas fugas, e Chopin, com

seus prelúdios e valsas•
Não menos importantes foram as concentrações nos estádios
do Fluminense e Vasco da Gama, onde 25. 000 colegiais da tq uni-
cipalidade se apresentaram ao Brasil para comemorar as datas na-
cionais e consagrar seu dirigente. Villa-Lobos era o primeiro
a chegar ao local, auxiliando a arrumação das bancadas suplemen- ,
tares, e só deixava o campo após a retirada do último aluno. A
criançada estimava seu grande Maestro e vibrava com sua presença.
Sle animava os alunos dizendo-lhes que o maior não era o que
mandava, mas sim o que sabia obedecer, e que a glória també1n
era dos que auxiliavam e nunca dos que pensavam. E a juven--




69 •

projetar-se prestigiosamente no quadro da música moderna. É


evidente que Villa-Lobos parte da música popular, do folclore e,

pela transfiguração sucessiva dos seus elementos, chega à grande
obra de arte musical. Mas isso, por outro lado, só se torna pos-
sível quando o artista é êle próprio um manancial de música, ca-
AS <<BACHIANAS» DE VILLA-LOBOS paz de reagir vantajosamente às sugestões musicais gratuitas que
a arte do povo lhe oferece, dando em troca muito mais do que
EURICO NOGUEIRA FRANÇA recebe : não apenas vestindo, harmonizando, para voz ou para o
instrumento solista, ou orquestrando, o complexo e característico
idioma musical qÚe se canta pelo Brasil a fora, mas, de fato, tra ..

PRA-2 do Ministério da Educação, em uma série de progra- tando essa matéria sonora em estado virgem como senhor abso-
mas, ergue merecido preito à memória e à obra do maior composi- luto, perscrutando-lhes a potencialidade e as magníficas conseqüên-
tor das Américas Heitor Villa-Lobos. Vários aspectos da suã cias artísticas que se encerram na expressiva vagueza da síncope,
grande bagagem estão sendo focalizados, nessas transmissões, que em um tema de Ciranda, ou na liberdade polifônica de um típico
têm, a coordená-las, quem foi a companheira de dedicação extre- conjunto instrumental. E tenhamos ou não a presença do influxo
ma, animadora e inspiradora do mestre, a Senhora Arminda Villa- folclórico na música de Villa-Lobos muitas de suas obras,
-Lobos. Hoje, versa êste programa sôbre composições das mais como as próprias <<Bachianas>>, demonstram uma superação do
famosas que brotaram da pena do Maestro as <<Bachianas Bra- folclorismo '- é certo que sua fôrça resulta de nos comunicar o
sileiras>>, que constituem, de fato, algo de surpreendentemente lirismo e os ímpetos ainda bárbaros do nosso psiquismo racial.
nôvo, não só na produção musical brasileira, mas na de todo o Villa-Lobos considerava Bach ttma fonte universal de música,
mundo moderno. Na impossibilidade de abarcar tôda a série de modo que achou possível estabelecer relações entre o instintivo
das <<Bachianas>>, terão nossos ouvintes a satisfação de ouvir pá- contraponto popular e a sábia polifonia do autor da <<Paixão se-
ginas das <<Bachianas Brasileiras>> ns. 1 e 5, em admiráveis gra- gundo São Mateus». Dêsse compromisso da música de caráter
vações recentes, vindas, há pouco, dos Estados Unidos ; inéditas, nacional, que é limitada no tempo, e no espaço, com a música sem
portanto, entre nós. fronteiras e eterna de Bach, originou-se o ciclo das <<Bachianas>>, •

. Com obras da envergadura das <<Bachianas>>, como, ante-' cujo ambiente de harmonia e de contraponto se identifica imedia-
riormente, da importância magnífica dos <<Choros>>, da significação tamente com a própria atmosfera brasileira. As <<Bacl1ianas>> são
das <<Cirandas>>, ou da expressividade das <<Serestas>>, afirma-se em número de nove, das quais a primeira é escrita para orquestra
Villa-Lobos o maior dos nossos compositores, destacando-se no de oito violoncelos.
panorama da música contemporânea, pela espontaneidade, pro- A originalidade da forma e concepção une-se aqui a prodigio-
fundeza e vigor das suas criações. Sua obra vem marcada de sa riqueza de idéias musicais, a <<allure>> rítmica flexível e fluente-,
uma grande fôrça de comunicaçãp, porque representa, essencial- a capacidade melódica inesgotável, e uma fôrça de acentos que
mente, um retrato musical do• Brasil. irresistivelmente nos envolve. Numerosas são hoje as gravações

Transcende, desde logo, no entanto, êsse aspecto .essencial da primeira e quinta <<B1;1chianas Brasileiras».
de nacionalismo e, animada daquele impulso inicial que lhe confe• •
Na série de nove partituras, que constituem o ciclo das <<Ba..
rem o ritmo, a melódica e a própria atmosfera da arte popular, vai
chianas», há lugar, também, para que se prodigalize a escritura


'
70

vocal do Maestro, o que ocorre na quinta, para oito violoncelos


e soprano. A célebre <<Ária>>, que dá início à quinta «Bachiana» •

foi composta em 1938. Só nove anos mais tarde escreveu Villa,..


... Lobos a <<Dança>>, que completa a obra, e cuja primeira audição
se verificou em Paris.
-

O FESTIVAL DE EDIMBURGO

FELICIA BLUMENTAL

SSISTIaos dois concertos com as obras do Mestre Villa-Lobos


nos programas que alcançaram enorme sucesso e intermináveis
aplausos, calorosíssimos apelos para a volta dos artistas à cena.
As <<Bachianas Brasileiras>> n9 1 pelos 7 violoncelos da <<Lon-
don Symphony Orchestra>>, sob a extrao.çdinária liderança do
genial Rostropovich, constituíram na opinião reinante do público
e músicos o ponto mais alto do Festival de Edimburgo.
9
A Vishnevskaya na <<Bachianas Brasileiras>> n 5 também al-
cançou enorme sucesso, embora nunca nos esqueçamos de Bidu •

Sayão na mesma obra.


9
A segunda parte da <<Bachianas Brasileiras>> n 1 fêz-nos
chorar, tão comovente foi a interpretação de Rostropovich, que
tocou com calor e uma sonoridade aveludada sem igual.
O público aplaudiu com grande entusiasmo uma das maiores
obras do século, na execução genial de Rostropovich. Além dis-
so, Rostropovich executou tudo de cor e a nosso pedido escreveu
no programa uma dedicatória para você : <<Querida Mindinha !
Estou felicíssimo em tocar e tocar sempre o nosso grande e ines-
quecível Villa-Lobos». •

Maria Tereza Berganza, meio-soprano, obteve 'também enor-
mes aplausos nas três <<Canções Típicas Brasileiras» de Villa-
-Lobos e nos diz na sua dedicatória : <<Cantei estas maravilhosas
• ' .
canções com grande êxito. Gostaria de poder possuir mais obras
'
no meu repertório, porém encontro dificuldade em obtê-las. Agra-
• • decer-lhe-ia muitíssimo se me pudesse mandar novas partituras» .



1 •

72

Heitor Villa~Lobos •

'

A obra maravilhosa de Villa Lobos glorifica o nome do Brasil


e da música em geral. A riqueza e variedade dos seus t m , a
'
facilidade prolífica são verdadeiras torrentes e fontes inesgotáveis
e salutares, lembrando os tesouros de sua amada terra, o Brasil.
O valor _d e sua obra é por isso mais significativo para a música UMA FIGURA INESQUEC1VEL: HEITOR VILLA~LOBOS
contemporânea e para as gerações futuras.

Ninguém melhor do que êle soube expressar o Amor, Paixão, ' FERNANDO TuoE DE SouzA
Alegria, Tristeza, Nostalgia, Pobreza e todos os estados d' alma.
Cada página de sua imensa obra traz uma idéia nova. Nunca
se repe : como todos os gênios tem seu estilo e linha melódica que cheguei da minha Bahia, por volta dos novecentos e
OGO

inconfundíveis. Criou novas formas e obras para orquestra como trinta e tantos, conl1eci Villa~Lobos. Ou melhor : vi Villa~Lobos
<<Choros>>, <<Bachianas Brasileiras>>. Adorava Bach, chamando~o regendo milhares de crianças. Espocava de energia, cabelos ao
«luz que ilumina tôda a música>>. vento e numa gesticulação impressionante. Admirei a obra gi~
Glorificando o gigantesco Bach glorificou a sua própria e gantesca, mas não simpatizei muito com o Homem. Depois, Ani~
monumental obra com as páginas imortais <<Bachianas Brasileiras>>. sio Teixeira, Venâncio Filho, Gustavo Capanema e outros amigos
Desde as mais inocentes cirandinhas até as sinfonias, tôda queridos, e amigos do grande Villa-Lobos aproximaram~me dêle.
obra de Villa~Lobos foi fruto de homem apaixonado. Conheci o outro lado de uma figura humana realmente inesque~

cível. A simplicidade, a maciez de atitudes, o contador de casos
Como todos os grandes. êle teve um grande amor em sua vida,
a sua adorada e dedicada companheira Arminda que tanto o e o escutador também de boas histórias.
inspirou e iluminou a sua obra, dando~lhe caráter jovem, cheio de Vim a conhecer, porém, Villa~Lobos, melhor, um pouco mais
entusiasmo e paixão. tarde. Em 1943, fui nomeado Diretor do Serviço de Radiodifu ...
Agradeço à Providência o privilégio de encontrar êsse ho~ são Educativa do Ministério da Educação. Villa era Diretor tam~
mem excepcional e de desfrutar de sua amizade. Agradeço tam~ bém do Ministério e começamos a ter mais contatos. E, aconte.-
bém ao inesquecível amigo, de me ter dado a oportunidade de cia que a sede da Rádio Ministério da Eucação ficava no mesmo
prédio do Instituto de Cinema Educativo, dirigido pelo mestre
executar as suas obras em diversas capitais do mundo, sob sua ' Roquette Pinto. Villa-Lobos e Roquette foram dois grandes ami.-
regência, bem como gravar o <<Concêrto de Piano e Orquestra>>
n9 5, escrito para mim. gos. Existia entre êles uma amizade sincera. Admiravam~se mu.-
tuamente. Roquette Pinto com a cultura fabulosa, sem dúvida,
:Ble não foi sàmente o compositor genial, mas também o ho~
uma das mais sólidas de todos os tempos do Brasil. Villa com
mem de grande espírito e coração.
seu gênio criador que o projetou como um dos maiores composito.-
'.e.le está e estará sempre vivo e presente em nossos co~ res do mundo também. ·
rações : o gênio que cantou as belezas do mundo será por êste Era um prazer reunir no meu Gabinete, o que acontecia mui...
sempre cantado. tas e muitas vêzes, Roquette Pinto, Villa, Taunay em conversas

e discussões deliciosas. Era uma delícia, um prazer, um fustigar o



outro. As saídas de Villa~Lobos eram sempre geniais. os ·argu..



74

mentos filosóficos e científicos encontravam sempre uma xpllca-


ção do Villa-Lobos que os outros acabavam a'c eitando entr risos.
Roquette Pinto e Taunay atrapalhavam Villa-Lobos com p rgun- •

tas sôbre o Uirapuru. Villa aproveitara a lenda bonitn Obr o


pá saro, mas parece que Roquette assegurava que o m s1110 não
canta à noite, e que Villa colocara talento e beleza dem i n um
passarinho que não faz mais que um <<piu-piu». Roqu tte consJ ... HEITOR VILLA-LOBOS
derava a música citada uma coisa genial.
FLORO M. UGARTE '*
Repito sempre : um dos prazeres que experimentei na Ródio
Ministério, durante dez anos , foi a convivência com o M estre Ro-
quette Pinto, e, através dêle, com seus amigos. Entre êstes desta-
para mim muito grato colaborar na importante audição radio-
co o grande Villa-Lobos.
fônica <<Vil/a-Lobos, sua vida, sua obra>>, que procura seguir o no-
Encontramo-nos várias vêzes no exterior em missõe cultu- bre propósito de realçar a personalidade do músico ilustre que foi
rais. Com orgulho eu ouvia o que se dizia sôbre Villa-Lobos.
Heitor Villa-Lobos.
Poucas figuras já elevaram tanto o nome do nosso Brasil lá fo ra.
Porém, ensaiar um esbôço dêste Mestre, não é tarefa fácil,
Mas, ainda aí, eu podia ver o lado humano daquele grande artista .
porque sua personalidade possui muita s facêtas que se destacam
Vivia sempre me pedindo para trazer encomendas par a amigos.
na sua abundante e vasta produção. Sabemos que escreveu para
Lembro-me t,1ma vez em que eu trouxe tintas para um seu amigo,
todos os gêneros musicais. desde a canção infantil até as obras
um magistrado que gostava de pintar nas horas vag as. De outra
maiores destinadas a grandes conjuntos sinfônicos e corais aos
feita , nem me lembro o que foi, mas era a repetição de um pe-
que se agregam a miúdo variados instrumentos de percussão.
queno cuidado para servir a outro amigo.
Se somarmos a isso as múltiplas características da exuberante
Com o inseparável charuto e a mão no ombro da gente Villa- imaginação de Villa-Lobos, compreenderemos que, para concreA
-Lobos era, na intimidade, um homem diferente daquele que muita tizar um juízo mais ou menos aproximado de sua personalidade,
gente via no exercício da sua atividade de Maestro. Quem co- corresponderia a uma análise detalhada e extensa.
nheceu Villa-Lobos de perto, conviveu com êle, pesou defeitos e
Limitar-me-ei, no entanto, a declarar que sempre admirei êsse
qualidades, tem que concluir como eu : é uma figura inesquecível,
• ilustre colega e amigo. Sua música me impressiona profunda-
não apenas pela sua Música um autêntico legado à Humani-
mente. Sua fôrça rítmica, suas audácias harmônicas, a singular
dade, mas, pelo calor da sua amizade.
maestria com que desenvolve os temas folclóricos ou populares
e os contrastes sonoros e dinâmicos que prodigaliza, imprimem às
suas composições uma fôrça tropical e impetuosa, que situa êsse
autor num lugar proeminente entre os autênticos valôres da múA
sica culta universal
Façamos votos para que a magnífica obra, legada por Villa-
-Lobos, sirva de exemplo e de estímulo às novas gerações da
América Latina.
* Compositor Argentino .


77 -

Encantava... me conseguir das alunas a execução do repertório,



que não era pequeno, escolhido pelo nosso Maestro ! Encanta-

va-me, m~ ainda, o entusiasmo das meninas com a realização da
beleza do Canto Orfeônico, reproduzindo os ruídos da Natureza .
Consegui gravar um disco que tinha no início um trecho descre-
vendo o canto dos pássaros, ventos, rios e cachoeiras com resulta-
MAESTRO VILLA-LOBOS dos surpreendentes. Lembro ... me, ainda, de uma <<frase mágica>>
que ouvi do Maestro em maio de 1940, ao determinar o ensaio
FRANCISCA MIRANDA FREITAS de suas músicas a quatro vozes: <<Hino ao Trabalho>> de Duque
Bicalho e <<Costureiras>> de sua autoria, esta aliás dificílima. Sur-
preendida disse ... lhe: <<Impossível Maestro, em apenas quinze dias,
realizar êste trabalho». Respondeu ... me, então, com a frase mági-
• ENHO dizer do meu testemunho pelo genial compositor Maes...
ca: <<Você pode fazê ...lo, não fará se não quiser>>. Calei... me e sob
tro Villa ... Lobos, criador e realizador do Canto Orfeônico no Bra-
o influxo daquela frase ( querer é poder), quis e consegui.
sil. Como o conheci ? Ensinava em 1928, na Escola Profissional
Paulo de Frontin, música e canto dos hinos patrióticos e canções Passados 12 anos, afastada do convívio escolar e social, sou
folclóricas, em uníssono. convidada pelo Serviço de Educação Musical e Artística (SEMA)
para receber a medalha comemorativa do 30 9 aniversário do Or-
Em 1932, sabendo que o Maestro Villa-Lobos apresentaria
feão dos Professôres e uma outra como homenagem do Orfeão
um côro orfeônico, composto dos <<Bombeiros do Rio de Janeiro »,
Alberto Nepon1uceno, que também completava trinta anos. Quero
minha diretora de então, D. Andréa Borges, e eu, pressurosas · e
salientar o brilho dêsse conjunto que empolgou o público e a gran-
interessadas, fomos assisti1· à audição que se realizava no auditório
de emoção e saudade que senti do meu tempo de professôra e

do Teatro João Caetano, pois que desejávamos transmitir às no.s- regente. Mais uma vez a tal <<frase mágica>> que ficou no meu
sas alunas o grande segrêdo de fazê ... Ias cantar a duas, três; e qua~ subconsciente comprovou o auxílio do Maestro. Eu que estava

tro vozes. Lá ouvimos <<P'ra frente, ó Brasil>>, a grande mara- temerosa de falar àquela platéia fui envolvida por benéfica in-
vilha. Logo depois a diretora da Escola, desejando preparar :1s fluência e pude cumprir o dever de gratidão para com aquêles
suas professôras de música (a Professôra Olga Behring Polmann · que mereceram o meu eterno agradecimento.
e eu) nessa especialização, dirigiu ... se ao então Diretor-Geral de
Foi uma linda festa ! Senti ... me feliz ! Quantas recordações !
Edu_cação e C.u ltura, Dr. Anisio Teixeira, que, reconhecendo o
Faltava, porém, o grande Maestro, Mestre que nos conduziu a
valor e a beleza do trabalho de Villa...Lobos, já o havia convidado
resultado tão auspicioso.
para orientar o magistério das escolas municipais. •

Quanto ao disco <<Hino ao Trabalho>> e <<Costureiras>> foi,


Seguindo, como sempre, o hábito de me dedicar até com exa ...
entre outros, classificado, pelo Maestro, em primeiro lugar. Esta
gêro, ao que tenho de realizar, adotei imediatamente a orientação
gravação foi feita como contribuição da Secretaria... Geral de Edu-
do Maestro, selecionando das turmas sob mi11ha responsabilidade
cação e Cultura, aos festejos do Centenário de Portugal, em 1940.
um conjunto de noventa alunas, formando assim o Orfeão ao quul
dei o nome do saudoso compositor Alberto Nepomuceno. ll:ste O Maestro, plenamente satisfeito com a gravação de <<Cos-
Orfeão, por mim orientado durante dezoito anos ficou, ao deixá ... lo, tureiras>>, levou o disco em sua viagem pela Europa, dando ... me a
sob a proficiente direção da dedicada colega Elza Wyllie. honra de enviar de lá um postal em que dizia : <<Costureiras tem


78

feito su o !» Co m que interêsse o M aestro ll l JI 11111 IV I Ili \1


trabalho l
Foi p v da pelo Maestro minha idéia d r 11) 1111 1· 11< 1, 1
1

1
\
concur o, ntre as fa mílias das alunas, o r epertór < rf · 11 11 , , , .,
e I r·. •r sempre vencedora a marcha patriótl 11
«1 1 1 Ir 11f ,
Br si!», seg uindo~se o <<Canto do Pajé» e outra s.
VILLA~LOBOS
N ão o esquecendo nunca, como Mestre Anil >, , 1111 1111 11,
orações são sempre para que sua alma viva n 1 111 1, l 1111 1 1 1,1 GILBERTO AMADO
harmonia, feliz tanto quanto merece.

NTRE os atos da minha vida de que me desvaneço destaca~se


o discurso com que na Câmara dos Deputados em 1922 obtive de
um plenário já decidido à recusa o auxílio qtie permitiu a Villa~
- •
~Lobos ir à Europa dar concertos.
A Comissão de Finanças havia dado parecer . contrário à
• emenda que <<autorizava o Poder Executivo a despender até a
importância de quarenta contos com o compositor Villa~Lobos
para dentro de um ano exibir até doze concertos nas capitais da
• França, Alemanha e Itália, e, se possível, ainda nas da Inglaterra
I e da Espanha.>> A história está narrada no quarto volume das
Minhas Memórias intitulado Presença na Política, páginas 88, 89.
90, 91 . O plenário ia votar em favor do parecer, isto é, negar o
auxílio. Orador sôbre orador protestava contra o <<escândalo»,
<<o malbarato dos dinheiros públicos>>. A bancada do Distrito
F edera l tomava a frente do combate. Como disse no livro : «Eu
• tinha assistido à discussão torcendo~me na cadeira. Oh, miséria
- diss d mim p ra mim». Tomei então a palavra e abri o peito
d izendo C m r qt1 n1 r V illa~Lobos. Aquele tempo eu não o
conheci p s, ln1 nt , nu n o ncontrara, nunca o vira traba ...
lhar. M s j ouvir • tl m . içõ s. E t1 tinh a tido a intu içã<>
de que tr t ,v I d 111 11 • r p lon 1, de uma fôrça da n •
tureza , de um g n l n , ,cp 1·, , m l. 1 .t da palavra.
Hoje eu o 011 1 r tio 1clcl1' 111 1 lm de glórias ao B , 1. Jl.
Nenhum brasileiro s1.1blt1 t 1 1)r c1 110 t n lt do mundo. N l1u r r
deu idéia tão grand l )O,, 11 cl r d cri r . V lll ~ b
para a música no Br , li 0 1111, Jt:1 . d 1\1 n C , tr,1 J\l v
para as letras. Ap nu nl r l 11 rói E g 1• cl f •

-
80 81

co que morreram jovens, um aos quarenta e seis oulr 10 vlt te Seu renome nos premia por onde nos achamos. <<0 Senhor
e quatro anos, Villa-Lobos trazia em si a robust z, 1 1· • f 11 l é do Brasil? Da tera de Villa-Lobos ?» Os sorrisos nos saú-
de um gigante ; no seu arcabouço pôde durar un1 , vl1l11 1111·n o.
dam, o aprêço nos envolve. Uma vez, em Nova York, há muitos
O continente agüentava o conteúdo. A tempesto<l • l11t1· 1 111• n• o anos, à. véspera de Natal, esperava eu acompanhado de um amigo
quebr va o invólucro animal. Villa teve est f li ·ltl 1,l : t1111 mesa livre no restaurante cheio. Era um restaurante francês.
corpo, uma quadratura capaz de abrigar os red m 111110. ti . tia Chega às oito da noite um sujeito carregado de embrulhos e lan-
alma. Certos sopros da sua inspiração varrem co1110 t·ttf : v ·m
çan olhos sôbre êles diz ao <<barman» : <<Ainda me faltam dois
do infinito mar, dos planaltos, das florestas indô1nit, ll, tl11 Íl111do:; e as lojas estão fechando !»
misteriosos do Brasil. Dentro dêle ai o milagr 11 1v s-
paço em que aquêles sopros puderam revolver-s , <li. t 11 1 r- e Vá ali defronte à casa de música e compre as últimas
condensar-se afinal em textos de beleza. Com e t s v 1. t· 111 · 1Ja- composições de Villa-Lobos saídas em <<records>> da Colúmbia.
Melhor presente não pode haver !
<las dentro dêle amanheciam também auroras povot1clt1 c.l 111ssa,
rinhos das nossas matas, das nossas beiras de rion. •
O homem atravessou a rua correndo e voltou com dois discos .
Oh, que prazer me tem dado na vida o meu gr.1,d , xtr or- Nem um nem outro sabiam que eu, testemunha da cena era

dinário patrício, animador de tantas horas de solidão feliz 1 1\!nda brasileiro. Não viram a minha comoção. Sentei-me à ~es,
ontem ouvi de nôvo aqui em Nova York no meu Philc .M. p la «ufano>>.
centésima vez sem dúvida o << Uirapuru>> cuja composiçt1 t ste" . Na interpretação da «Canção das águas clar s», Vill - Lob , ,
.munhei quase e que foi feito como Villa-Lobos fazia os 1.1s poe- ~1el ao seu feitio, ressaltou o fundo dramático d trol, 1Jh , , • s
mas sinfônicos ; quase sem os fazer, trasladando-os do âmago aguas virgens, as meninas brincalhonas ,, rd 11,Lo n m r. :
profuso, do humo fervilhante, da sua vasa íntima, habitáculo má- pondo o acento sôbre a implicação mor 1 1 t 11111, VIII -Iyo b ,
gico da música. Trasladava-os com facilidade, mas facilidade só revela sua acuidade, seu dom de v r 11) ·n1 d : 111 J,1vr : , sti pie-
àe aparência pois se elaboravam longamente dentro dêle até se dade, SUa Caridade Íntima. eJ t V fl 11 1 l 1• f)ll • ptlr !J que O
completarem e surgirem para a pauta como ondas oceânicas se abismo iria cor1·omper; cl,114 p<1l1r 11 • 111,1 ,11 , J 1111 s crificar O
estirando na praia. frescor montanhês, t lcv ,, , < 111111 · !111 11 1 v ,,. 1gc·in turva do
~ êle l1oje ponto de convergência em que se encontram sêres destino.
hum nos de tôdas as procedências ; milhões de indivíduos vivem 111 'll J) 111,1 1>,l !I tlll 1 111111 f111· 111i1.l 1v 1 fêz ressoar
tôd s as noites em Villa-Lobos. As Bachianas são tão populares cl g1·,111u ·z ,. 111 i< r ·,.
n s ntros culturais do universo como as sinfonias, as sonatas,
Vlll 1 1,obr> , 0111r11nhl 11 n• ôl , nl •vo de horas imensas '
·os onc rtos dos grandes criadores. O que representa para mim •
vínc t1l f)OU rt>'I r1l1 <> JJ,·,1 11 o. 11 us filhos I
v r nos programas dos conservatórios, dos rádios ao lado de
Be tl1ov n, de Mozart, de Bach o nosso Villa ! Em minhas
viog n n França, na Inglaterra, na Suíça, nos Estados Unidos
nos r 1.1nlrn10 e1n nos dizermos uns aos outros estrangeiros de
tôdas a orig ns para irmos com êle no seu ágil caminhar, no seu
portento o vonr pelas paragens multímodas da sua fantasia co- •
loridas, su v s, br1.1t i , amenas, esplêndidas, tôdas dizendo a
cada um de nós as nuanças da vida humana nas modulações do

verbo numeroso.


83

que brasileira : brasileiríssima. Compreende-se que nela se sen-


j tisse bem, como se sentia u.m Heitor Villa-Lobos. Foi lá que o
• conheci .
Não me parece qu e ·sejam serião exceção, no Rio de Janeiro

d.e hoje, os redutos de brasileirismo autêntico e até de bom pro-
vincianismo, tempera dos por uma graça de que, no Brasil, o cario-
SAUDADE DE VILLA -LOBOS ca é o único a possuir o segrêdo. Uma graça metropolitana a
que não falta o respeito pelos valôres provincianos. Precisamente
a graça que animou de alguma coisa de inconfundível, pelo que
nela era ao mesmo tempo subtileza e quase selvageria, o gênio
criador de Heitor Villa-Lobos. Não só o seu gênio especializado
EMBRO-ME de um Rio de Janeir o que sendo j 11 11 l 11t OS• em criar música : tôda a sua personalidade de brasileiríssimo ca-
mopolita era uma delícia de cidade autênticam 1, t hr sil ira. rioca, capaz de interpretar o Brasil para o mundo todo .
Brasileiríssima, até. De gente muito alegre; de ru :, 11111i to lim.- Creio ser dos poucos que o conheceram de perto ; e que nêle
pas ; e com tanta água que certos cafés · tinham pos s • nprr. •
encontraram uma amizade que chegou a ser fraterna. Várias
cheios d'água água sempre ca rioca que qualqu r t11n p di,1 vêzes estivemos juntos : êle, sua q11erida Arminda, Magdalena e
beber como se bebesse v inho na França: impr gnondo·s do eu. E era sempre como se fôssemos uma espécie de colegiais em
espírito da terra. férias.
Meu amigo A ssis Cl1a teaubriand iniciou-se em vários brasi- É um Villa-Lobos de quem sempre terei saudade: êsse que n a
leirismos cariocas e Estácio Coimbra, noutr os. Atê que, con1 in timidade era um homem com. alguma cousa de adolescente.
Prttdente de Moraes Neto, Sérgio Buarque de H olanda e Jaime Também um carioca guloso do s vários Brasis regionais.
O valle, me iniciei noutra espécie dêsses brasileirismos : no R io Nunca um metropolitano fechado na sua metrópole nem um
por assim dizer afro-carioca e noturno. O Rio de Pinxinguinh ô a dt1lto artificializado pela glória.
Patr ício·. O Rio ainda de violões, de serenatas. de mulatas
quos oloniais que à autenticidade brasileira acrescentavam, como
,is i{ti, s brancas de Botafogo e as sinhás de Santa Teresa, uma
flt'ílÇíl qtte eu n ão vira nunca nem nas mulatas nem nas iáiás bran·
co · l Norte. Era a graça carioca . Era o Rio de Villa-Lobos.
l ... HS I g1·oç;o carioca e essa autenticidade brasileira é que me
pt1r e ·s(, r 111 o desaparecer do Rio. Ainda existem. Mas já o
p1·ovi11ci,1n 011 strangeiro precisa procurá-la s, quando outrora
elos 11v lvl 111 strangeiro ou o provinciano qu ase sem .ser pro-
curac.l,1s.
111 S(}lt
N t 111 ,1 ,. i d.i ta1·de em que conl1eci Do11a Laurindél
Santos Lõbo : ;.1 111 sn10 tctnpo tão parisiense e tão brasileira .

Sua cas.i d Santa Ter ·.s, 1·n o n1nis carioca das casas. Tinha
a lgttma cousa de cosm pollt, 111 is r,1 ao 1nesmo ten1po mais do

85

Brasil, tôda sua capacidade de fabricar música, de criar beleza, :.
serviço do Brasil. Não esqueceu o Nordeste abandonado, avido
das populações de trabalho no Brasil, êsse Brasil ignorado, desco-
• nhecido, que êle captou, no seu canto, na sua ressonância, na

fôrça de. sua música. Fala-se de Villa-Lobos como um gênio .
ele o foi, sem dúvida alguma, mas há que assinalar um aspecto
VILLA-LOBOS específico no seu exemplo. O gênio sempre se afasta da planície,
- .
o gen10 procura os píncaros, o gênio se isola na magnitude da st1a
grandeza. Villa-Lobos, entretanto, não teve dúvida . de descer
dos acordes magníficos do grande criador das Bachianas, das suas
admiráveis obras eruditas, para criar as Canções de Cordialidade.
para mim um motivo de comovida emoção evocnr , 1 fig ur, O <<Parabens para você», o <<Benvindo Companheiro>>, as Cançõe5
lendária de Villa-Lobos. • e o Cântico de Natal.
Ainda me recordo, no Ministério da Educação , qttrtntu e Foi um homem do povo, palpitando pelo povo, o homem que
quantas vêzes eu o encontrei na sala de espera, e fiquei a me - desceu das montanhas, como Zaratrusta, para cantar com o povo
ditar como era possível a um homem como Villa-Lobo , ao co11- nas horas de alegria e de festa.
tacto permanente com as grandes coisas do mundo , da arte e da Em seu coração, nem um ressentimento, êlc que teria amplos
cultura, ao mesmo tempo interessado na disciplina e na organiza- motivos para ressentimentos.
ção do seu Conservatório, sua nobre máquina de música, as espe-
A sua alma foi sempre cândia e bondosa. Quero louvá-lo,
ras nas ante-salas, num humilde reconhecimento de que a técnica
sobretudo como educador, pois podendo apenas havei· plantad o •
e a burocracia exigiam dêle tão penoso sacrifício pessoal.
seu canteiro de rosas, cuidado da sua chácara de beleza, quis ser
Aquela labareda humana de música, a ca.b eleira colo.rida, os uma expressão do coleti·vo, um doador de riquezas afetivas.
olhos lançados sempre para um amanhã cheio de sons, que não
O Conservatório de Canto Orfeônico é obra dêle.
seri possível a nós , leigos, divisar.
ilberto Amado o assistiu com lágrimas nos olhos, regendo Canto Orfeônico no Brasil é Villa-Lobos. :9:le contribuiu
rqu tras de todo o mundo. Na hora em que o Brasil ainda não. para a formação de nosso povo, dando acústica cívica à sinfonia
ti11l1 a preparado o pedestal a que êle tinha direito , já o mundo o do Gênese verde-amarelo. Ê sabido que a arte, não raro , uni-
r v n Jov , cobrindo-o de aplausos, ao calor da • ressonância v ersaliza, a arte desnacio.naliza e, de certo modo, fa z do artli;t I
s i1 t ar te imensa nas salas de música, nos auditórios : Villa- •
ttn:1 exegeta da mensagem universal. Villa-Lobos, à medido q l tt•
-Lob s I Vil! -Lobos I fo1 crescendo, à medida que foi se relacionando com o 11111n1l<l,
• através da sua grande música , linguagem universal t 1, 11 1
.<,ntrctonto, Villa-Lobos representa, não apenas aquilo que •
va-se cada vez mais brasileiro. ,Foi a floresta, o s p s r , 1
em outro pois s n ag ra o patrimônio de uma vida. :9:le não
á guas, a multidão, a natureza e o espirita cabo l c.l pu 11, 11 ,
foi um g nl pls clico, individual. Villa.-Lobos não quis ser êle
ca sa brasileira.
s6, o sett pr bl 1rtn l l 1n1 no , a sua saudade, o seu amor, a sua
Arminda, enfin1, o 11t\1nd do seu apartamento· entre quatro pare- Disse um dos eu s qu , t1m dir1, lncl , r 11' 1 1 , 1,1111
des, não quis cr ap nas o solit. r io m contacto com a natureza, d participação d V íllo.-J., b Jl \ tor ·f \, d . l11r •1ç Ili li 1 1111 1,
com o panora1n , co1n o mundo , co1n o c u. Villa-Lobos ,quis ser t1 gu rol 1nJ,,r r . 11lllo ti r,,· ,111 z , llll ·!, l 11 , 1 1111 1 11

'
86

trações escolares, orfeônicas, o sentido cívico da sua oi bor çfio


na formação da nossa adolescência.
Eu o vejo regendo as orquestras filarmônicas d Londres,
Nova York, da Alemanha, de tôda parte. Eu vejo liberto
Amado, na platéia, com os olhos úmidos de lágrima , t1nl1ndo
de orgulho brasileiro, ao vê~lo assim tão alto, como uma strêla.
HEITOR VILLA~LOBOS
Eu o vejo abrindo a porta do seu coração para dar [IS «bo s
vindas companheiro >>.
HECTOR lGLESIAS VILLOUD "
Nessas improvisadas palavras, fica meu muito ob1·l9ado ,
Dona Arminda Villa~Lobos pela oportunidade que 1n d u de
evocar a bondosa, a humana, a missionária figura de Vill,1-Lobos, ESTA hora em que músicos, críticos e público observam, com
a quem devo minutos altíssimos da minha integração urtlstica. assombro, como a ciência invade os domínios seculares da arte
Gratíssimo Dona Arminda. musical, a arte que domina a ciência, terra sujeita ao espaço, a
figura gigantesca de Villa~Lobos surge como visão espetacular ela
selva amazônica, lembrando~nos o canto nativo e nossa condiçfi~-,
humana.
Heitor Villa-Lobos foi o vulto culminante das três Américas,
,
que conquistou o interêsse dos auditórios cultos e seletos da E·t·
ropa, hoje como ontem, tão inacessíveis.
Se Carlos Gomes cantou a selva brasileira com a voz do ro-
mantismo italiano, Heitor Villa-Lobos deu a êsse canto o ace11to
inconfundível de sua própria terra, realizando obra tão vasta
quanto original, tão rica quanto profunda.
· Quando conheci Villa~Lobos, na sua última visita a Buenos
Aires, impressionou-me sua vasta cultura humanística, que podin
abranger qualquer tema filosófico, científico ou artístico, tanto d
passado como do presente; seu gênio que parecia irradiar cente-
lhas; sua vontade indomável para vencer obstáculos e, sobretudo.
sua alta categoria de músico, artista nato, com maravilhoso c:q11i
líbrio de cérebro e coração.
Sabemos que a república irmã do Brasil tem por 1-leítor Vill 1-
-Lobos grande veneração e, com justiça, o considera um gl rl ,
nacional que sua pátria proclama com orgulho qtt .t\111 rlt 1
o elege também sua.
,
• Co111positllr Aro 11tl11 .

88 -.
I
Villa·Lobos extraiu das profundezas da selva, nas sut, fre-
' qüentes excursões folclóricas, os acentos vernáculos dês e primi-
tivismo musical indígena, que o levou aos domínios dn gt•ttnclc
arte, com todos os requisitos da técnica e a riqueza d motiva
sensibilidade. Pela primeira vez, na Europa, a Amérl st
corporada à grande tradição musical universal com st1.
VILLA·LOBOS
inflexão sonora. )
-- A revelação surpreendente de Heitor Villa·Lobos n· hl tórla •

universal da música deve ser considerada como o guia, a p ran· HELI MENEGALE
ça e o exemplo às jovens gerações artísticas da A1nérica qu aspi•
ram alcançar plenamente seus desejos.
s que experime11taram o privilégio do conhecimento pessoal
de Villa·Lobos não têm, com a morte do grande compositor, à
sensação da sua completa ausência.
Tão forte era a personalidade do maestro, que deixava mar·
cas indestrutíveis no espírito de quantos a êle se afeiçoavam .

É fácil recordá.lo, sentir a sua presença, ter a impressão de


que nos fala e gesticula diante de nós. Temperamento indócil,
inquieto, impulsivo, ao sett redor a vid.a trepidava, ao contato de
tanta vibratilidade.
• Todos sabemos que a manifesta · personalidade dos artista s
quase sempre forma com a sua obra um indecifrável contraste.
Nunca se viu, porém, como em Villa·Lobos, tão perfeita
identidade o homem, na sua relação com a vida exterior, con·
firmava a fôrça e a espontaneidade da sua música ~
Quando, em horas de repouso, o pensamento me traz a lem-
brança do grande amigo, costumo pôr a rodar um disco de VJll, •
• -Lobos .
E enquanto ressurgem os sons que a inspiração do g nl
, combinou, a sua figura reaparece viva à minha frente, v l<) .. )!1
1
a cabeleira, o gesto, o amado charuto, ottço·lhe a voz, iilgo-1111• c1
movimentos.
Nenhuma prova n1.1ior da sinccridad d t1 ·1 111(1 ll· ,, ti 1 111

ciência de sua arte .



90

_ Outra constante do meu espírito em relação a Villa-Lobos : •

nao posso dissociar do sentido de brasileirismo a sua criaçã .. '


t' t· p o ar •

·'.s '.ca. ara mim, êle não é apenas o extraordinário múslco bru-
s1le1ro que o mundo inteiro consagrou, porque é, acima diss , 0 innis
profundo, o mais perfeito, o mais genuíno intérprete da t rt·, 1 ~ d.l
.:il1na do Brasil.
1
MEU FILME DE VILLA-LOBOS

HENRIQUE PüNGETTI

UI\1 certo momento difícil de minha vida resolvi p1·oduzi.c


• <<sl1orts>> cinematográficos para agüentar o 1·epuxo. Compliquei
ainda mais minl1as finanças, mas tive satisfações 1norais. ~ qt1c
os dois únicos curta-metragem produzidos tiver, n1, c.01no pr·ot -
gonistas, Villa-Lobos e Portinari filmados n, lntln1J l ,,1 lc> 11 ll

• lar, em plena produção artística. E tão n111l10 11,1 fllr11 te· ,1 til>
Institt1to Nacional de Cinema Educativ< . ) cl 111,1·t·i11 11•! foi 1· •
produzido na televisão logo d poi:, cl•1 • t1,1 111< 1I . I • Vill,1-
-Lobos não foi <1i11dt1, 111ns l'rt·11111·11t 11 ~ r 11 1111i J1 -;t,, 1 m-
L1ra11ça.
M,11 t 111 •l 111 ··., 1l.1 1 111 1,1 l t 11111,11! 1 1 11111 1·cpó1·te1· nor•
t ,11n ric11110 cl 1 • ' 1111ncl <,11 11 t M1111 11 11 11 11s J n1 fazer o

cio 11111c11t,11·i {1,111 •> l' 111tl 1111111 •1t11r Al11cl ncontrei no
e l1,1:-1•1l11 11111 11 I· t l 11 t 11111 11,I« l111 111 11:, !,, l11vasão da Sicília
• J 1, Ali 11, • '1111 l\111 fl ,1! 11 ,l.11 llll l 1 1 nte, àquêle ôlho
1

• ,J11 l 1 ·11 !,, 11 1111 1•1 11· 1, licc1 1 , ,1 Ílfflll',I de um brasileiro pa-
ifl t 1>,1t ific 111111· t 11) 1 1111 1nsr1v· m homens de tôdas
as r ·ll~J ()L'S, 1 l l,1 l i l ol\r l ,. l LÕLl,1s as ideologias. A idéia
111 1111Jolgot1 I< ~JC> : [1·,1 11 1> 1·ot1•lro.
Noqu 1 l 111pt1 111,l I vivi, 111t1lto velhinha, mas ainda lúcida,
a mãe de Vill, -T. h :;, l"'..!11 Arminda completavam o mundo
afetivo do musicil!tn, f 11 do num círculo de sons. Nada lhe
interessava fora da músi . St1 tremenda fôrça criadora residia
nesse entrincheiramento atrás da sua predestinação. Não se des-
viava, não se retalhava, não se distribuia.

Tudo quanto não se referisse à sua arte pareciarlhe uma in-
tromissão indébita e um furto do sett tempo.


92

Descansava. de um dia de canseiras mentol J ll 111 1 h ll1nr


no mesmo salão em que eu jogava depois de fr t ,. 111lc,lc, nl.)
trivial de um vespertino. :8le jogava bilhar franc s, ( 11 11111 t 1111 -
ricano o <<snooker». Suas bolas eram côr d 1111,, Ji,11 , 1 111i- •

nhas eram coloridas. Mas seu jôgo exigia muit 111 · 111 i ,

mais cálculos, mais virtuosismo. Um dia pergunt •l 1111· 11111· c1t1


não aderia ao <<snooker>> e êle sorriu : •
O MILAGRE VILLA~LOBOS
É fácil demais. É como a música acadêml ~ 111,·,
-
carambolando, e deixando cair no pano verde o e t)t1 ·!111 ti 111 ll HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO

do seu permanente charuto.


Na Sociedade Brasileira de Autores Teatrnis, ti,, 1111 11 • r11
conselheiro comigo, tomava parte nos debates d u111 11111111, t 1> 1- E vocês não conheceram Heitor Villa~Lobos pessoalmente
camente seu. Se o tema discutido referia~se ao teotr <I l 1111 ,,.Ir,, poderei traçar~lhes o retrato, se quiserem. Havia em sua fig tc.i
pedia um aparte e discorria sôbre problemas da mú. J • ,. 'l'1i1I ,. a surprêsa do anjo maldito e a dimensão do demônio abenc;oado.
os caminhos o conduziam à música. Viveu no l0Llrlr1tc> 1!,1 111 • O resultado dessa dualidade era a figura magnifica e Jmpon nt
S!Ca com a 'f elicidade dos que não nasceram para d 1 e· 1r1 1r • de Villa, seus olho·s incendiados, seus cab los cl õ1• l11tl flniv 1.
tresmalhar~se em oportunismos. mescla de nuvem ·prateada con1 · spttm L d 1 1,, .. nt , AI'. 1111
jamais consegui explicar a su e . i•1t~11 111 11 <>111< t1m fot
Um dia dêsses quero pedir ao Humberto Maur p rr1 111
deixar rever o <<short>> de Villa~Lobos feito por mim qtt t\d 111
milagroso, porque tudo o q11 11 01111'( 1 , 111 VJIJ 1 1 ,c,u :1 !,rz! su-
iludi de poder ser algo na vida mais, ou menos, do qttc . crlt ,. por milagre, e cm todo. 11 111 111 111 ~ 1 111 tJtt,· <l vi, 1> 11· l,1 , ur o -
do quotidiano. lado de magi Jsn1 . . 1 111 J ,. ·· 1 1111 • <> f ,J 1,· 111 s d talha-
dam nt • r u 11 • t 111t 111 11l1tt1, 1l11cl t11111 1111lfo1·111 de escola
:81e, sua vell1inha, Arminda, o seu pequeno mundo encerr ,,lo p(1blic 1 11 J~. t<>l 1 1 1 1>1111111 • /\ 11111 lt· 1 c·o111ci; va a enrai-
entre as muralhas gigantescas da sua música. Hoje me orgttll1 11 1· !i 111 111111111 I, 111111 11 1 1 <11 t·c,111'!1·, 11 cola, o en-
de l1aver perpetuado tais imagens da vida de tamanho a1·tist,1. 1,1 J 1 '111f11 C >, J 11 11 , 1111 111 1>l 111f ttl no Brasil pelas
A vida foi boa comigo mesmo nos momentos de pouco dinl1eiro. 111 111 11 V 11,,. J,,,I 11 , I! 1 ti , 111 111c tra Maria Att-
Com dinheiro eu não teria feito os dois <<shorts>>, e sem êsse 111 11 1 ÍJ 11,l,1 ,, 1111(111 111111 1111•, tl11!111 n ,·, rr1im um tanto de

«shorts» a admiração do Brasil pelo con1positor e pelo pintor I c1 1 111 11 . l ,1 1 , 1111111 , ti u• 11 cl : que fluíssem aquelas
andari de mistura com o remorso ...
v,, · • • 111111!11 111 r tl.11,11,1 1111, l1,1 vl,1 1lguém que regia, no meio
c-1 11111 1 ·111,·111 · 11 11, t, 11111 11111 1 111tt•111 mns dezenas de milhares
1 • ri 111ç 1 11111 111 111111 ·111 111 11, 1.1vldo como uma lenda. (Na
inf n 1 , , r ,lltl li · v . e: p . Htti tantos requintes de fantasia
que r cus 1n lt 11). n1 poderia imaginar que uma
pessoa pud ss r t r n . ti tl . tontos mistérios que ll1e habilitas-
sem ordenar mill1ar , l o,: s, de diferentes registros, mil crian-
'
ças de diferentes vontod s 7 E como poderiam essas crianças
obedecê~lo? Haveria de s r grande a distância a separá~los. E
como irian1 divi ar, então, suas mãos no gesto de ordem? Não,

91 95

não poderia ser verdade. No campo do Vasco, nt1111 tl1 1 7 t!c brutal amor que tinha pela sua terra, que via coruscada de es·
Setembro ( e me lembro como se fôsse agora), apor , 11 1 f igt1r· trêlas.
do Maestro no n1eio do campo, sôbre um palanqu 11111 ,., vl. 11do.
Tracei o retrato de Villa, em linhas doces. Pena que, mesmo
Vi-o tão longe ! Eu era um entre milhares de t1tr<11 111 •11 11 s,
sendo poeta, eu não possa transmitir-lhes o muito mais que havia
e tôda aquela balbúrdia cessou como por encanto qu 111 lc, e, M,, :.· em sua figura, algo que não se poderia transpor para a tela, se-
tro erguett os braços. Não, eu ainda me recus,1 1 ,1 , c·llft,1 ,·.
quer para o papel, porque era o ser) interior que só os seus olhos,
êle não conseguiria, éramos muitos. Um côro 1n 1u11lf 11 ll>1110 1
em raros instantes, denunciava possuir ; aquela divindade diabó-
um estrondo, ecoou no estádio. Eu mesmo n1 • u1·111'l 11tll l' 111 ·
lica que transcendia de sua condição física e humana, algo qtte
tando, atônito, e para mim não havia mais nin911(•111 11 111,10
era totalmente subjetivo e que só os que amavam conseguiam
aquêle feiticeiro de tantas lendas, um Deus com 1. 1v1 l 111111 Jl'l
captar integralmente. Mas o feiticeiro soube manejar bem os seus
exposto e presenciado por milhares de criança' 11 111 1lc 111ln1.
bruxedos: a sua música, a terrível música de Villa~Lobos ( terrível
Lembro que meus olhos de menino ficaram turvoH · ,lc11111ttl i,. •

no sentido de criação artística), atesta-lhe a santidade endemo-


Outra vez o milagre se repetiu- e ainda n11m 7 ele , ~t,·111l)rc1. niada. Anjo sim, com asas de fogo. Santo sim, con1 vestigio~
O lugar era diferente, o pátio do Ministério da ,l11c 11,;,111, l ~t1 de demônio. Assim foi quando eu soube. Soub • •, r in111 po1·
já estava familiarizado com a música do Maestro, 1111•1111111 <Jttr. favor, não existe nenhuma lenda ou fantnsin 11 q11 ll1 ·:,i C>tl
eu fôra transformara-se num rapazinho a quem a fig111·11 11· Vlll,1 - contar. Talvez por ser u p la Hs11s cols,1:-1 11,.011! ,1111 (V ll,1
~Lobos continuava exercendo a n1esma estranha sens i o tlc 111111- também era poeta à sun n11111 lr11). M11 )11 11v · 11111 . 11 111•rc> rlc
tidade diabólica. Os uniformes do Instituto de Edu ç,10 {' .,. fõlhas, nã h 1vi,1 v 11tn , 11' 1 11111 1111 111 111 ·11. c111viclc>:1,
vestimentas de gala dos componentes das bandas formov 1111 u111 <" mois nlngu n1 1 t'. ct1 l1111 11111 11 ,·11 1111 ,, ,1 1 1 , vc1c • • s 111
cenário grandioso, e em cada rosto de menino de escol pt1IJ!Jr.1 11 111111111 111 clt1 111· 111· 11 1111,, 11 1111 1 11 1.1111 VIII, l .111111 vt·Jo 1nc
eu me via integrado. Ao olhqr a grande linha sinuosa elo 'I' r- 11 11' o , •11 1cl,·11•,
raço do Ministério, divisei todo o corpo diplomático , o Pr sidcnt~.
os militares em trajes de grande gala, os ministros. No qu n1 11:
olhos desceram daquele grupo, embarraram na figura de ttm ho-
n1e1n de terno comum, contrastando com as vestimentas das ou-
trns figuras, camisa esporte listrada, gravata displicentemente dis·
J)O lo, o charuto fumegando na cara espetacular. Sim, estava ali
I J itor Vi lia-Lobos, para quem as figuras do terraço se curvava n1,
,1pont,1nd acenando. Confesso que meus olhos não se perde- •

ram mais de ua figura, que era para mim a mais emocionante, :i


1nais i111portante de todo aquêle espetáculo. Vi-o muitas vêzes,
ainda. fJ n1bro-me agora quando o abracei em seu apartamento,
volt< L' há potl o de uma de suas viagens ao exterior. Não men·
tirei dizc11do q11 ft1i set1 amigo íntimo. Penso até que foi melhor
assim, te1· . id qttc fui, alguém que o amava à distâ11cia, que o
tinha como um mito, un1 deus, mas um deus palpável, que sorria

e ficava zangnd , ttm cl tis orporizado e que explicava seus mila-


gres através os . n qt1 filtrava de seu coração lancetado pelo


'
97

canto, sem saber se partia ou ficava ; de súbito, senti que era che-
gado o último momento. Já tinha estado no aposento do Mestre
que não mais reconhecia ninguém. Nesse momento voltei ao mes-
mo : os médicos se atarefavam em tôrno do corpo robusto do

mestre estendido na cama ; aplicaram injeções, trocaram sondas.
Cristina Maristany. Octacilio Braga, mais alguém que não me lem-
úLTIMOS MOMENTOS DE VIDA DO RANI I._ bro e eu, nos comprimimos na porta do quarto, na ânsia de assis-
VILLA-LOBOS tir ao grande momento. Eu nunca tinha visto alguém morrer.
Começou a grande luta do Mestre contra a morte. A respi-
HOMERO DE MAG 1 1 l I I\S ração se acelerou ; o grande homem arfava e nessa ocasião lem-
'

bro-me que tudo era profundo silêncio. Tinha a sensação nítida


de que o ar estava carregado de luz, de eletricidade, sensaçã'.:>
NTRE os meus títulos, considero o mais honroso t ·r lei i11di- muito estranha. Sentia que todos nós morríamos com êle, vibrã..
cado pela Providência Divina para assistir, com algum . J' , sons, vamos com êle. participávamos com Villa-Lobos daquele mom n ..
os últimos momentos de vida do grande Heitor Villa-Lobo . on- to, assim como participávamos de sua música ao sern1os .si1npl s
tarei como isso se passou : público. Estávamos todos imóveis e de olhos fixos no M str ,
então, começou um grande crescendo em su.a r splr ,ç qt1 f i
Voltava da cidade e passava a pé diante da Associoç Br:1- aumentando, aumentando, até atingir o pont 111 l111c,, 111111 g,· 11-
sileira de Imprensa (ABI) quando me lembrei que ali cm fr nt • de suspiro finai que, repito, não era 6 d 1 , tn , d t d 11 116s,
na própria rua Araújo Pôrto Alegre, em seu pequeno aparta1ncnto ali reunidos. Houve então uma gr nd 1111 , 11111 gr ,n I p z.
todo decorado com retratos de tôdas as suas <<tournées» e triunfos um grande alívio : a luz e ut· qtr 11.v lvl 111 • foram
pelo mundo, estava o compositor, acamado, gravemente doenl'<'. e tudo voltou ao norm l. r st 1n I o 11 piras dos que
Pensei comigo : virei amanhã visitá-lo. Fui ao ponto de ônibus, choravam por êle. Vlll -T, 111c, r ,. 1.
na Praça Marecl1al Floriano e em lá chegando, resolvi voltar,
co1no se uma fôrça desconhecida me puxasse. Voltei, subi a:>
ap rtamento do velho amigo e lá, então, encontrei algumas pes-
so s desconsoladas diante do i11evitável que se aproxin1ava. Se-
rla m duas ho1·as da tarde. Dois médicos, poucos amigos; o mo-
m nto não admitia afl11xo de gente. Fui recebido pela amiga •

Mindi11h que, com sua irmã Julieta e alguns familiares o velavam.


O M . tr resistia violentamente à morte. Chegaram pessoas, fo~
ram~s ot1tros, chegou Viriato Corrêa, já lá estavam Octacilio •
'
Braga fl ·is amigo . Cl1egou Cristina Maristany. Fiquei algum
tempo, t !vez pud ss s r útil em alguma coisa. O ambiente era
relativament !mo, mb ra todos sentissem que a ituação não
se prolongaria mal do qu dois dias.

De repente, lgo passou-se no ar • . . Vi ram chamar Min-

• dinha, passaram pessoas correndo. médico e eu, encostado a um

99

Era inimigo de todos aquêles que, sem se aprofundarem nos


estudos, sem adquirirem técnica sólida na composição musical,
expandem-se no campo artístico na conquista de posições e glórias
fáceis.
~ muito difícil, para mim, escrever, em uma só pági-n a, sôbre
a magnitude e: importância, em nossa vida artística, de um mestre
PENSAMENTO SôBRE VILLA-LO como foi Villa-Lobos.

Um grande artista I Um grande homem !


JACOB F1

EITOR V1LLA-LOBOS era, o que nós músicos eh mo , um •


autêntico compositor. Criador de uma fôrça extraordl11 rl , im-


petuosa, que se inspirara no folclore e na índole do s u p ! , po-

rém nunca fazia cópia fotográfica dos cantos e d nç , do eu
povo .

Era brasileiro pelo espírito, como Verdi italiano e Debussy
/
francês. Sua música é o reflexo do seu estado psíquico. mpre
turburlento, inquieto, que não se contentava com o vulgar. Paro
êle composição era profissão. Como qualquer empregado público
ou particular tem obrigação de se apresentar diàriamente ao seu
trabalho, assim Villa-Lobos sentava cada dia à sua mesa para
cumprir seu horário na composição. Trabalhava sem descanso,
esquecendo-se do mundo, esquecendo-se de comer, de beber, mas
não do seu «charuto». Passeava, conversava, trabalhava, com ..
punha, empre com seu charuto na bôca.
u! muito amigo de Villa-Lobos. No primeiro Festival de
Músic L tino-Americano em Caracas, em 1954, aproximamo-nos
muito m i e suas opiniões sôbre criação musical em geral e mú-
sica mod r.n . em particular, eram sempre valiosas. Como eu, ·

não lhe lnt r sav m os «ismos>> nem as correntes estéticas mais.
avançada : p6s-impr s ionistas ou pós-expressionistas, atonais ou
dodecafõnicas, m sim o conteúdo, a forma. a estrutura e: a cons-
trução da obra artistlca. Para Villa-Lobos, compor era a razão
de sua existência,

* Compositor Argentino .


' • 101

são realizada em sua homenagem, então transmitida pela Rádio


do Estado, hoje a LBA Rádio Nacional os assistentes foram
convidados para um jantar pelo Dr. Bramanti Jauregui e sua es-
' pôsa Berta, destacada pianista. Quando cheguei convidado

ao café estavam na sobremesa e Villa-Lobos revolvia, com
atenção, uma salada de frutas, separando, cuidadosamente, com uma
VILLA-LOBOS EM BARCELONA colherzinha, um dos outros, os pequenos pedaços das diferentes
frutas ... sem provar nenhum dêles. Até que, afastando o prato
. ]AYME PAIIISSJ\ 1t
com desdém disse: <<Não gosto de misturas» ..•
Tôda uma definição estética do genial músico das «Bachia-
nas» e dos «Choros». E que ficou como experiência entre nós
IVE a honra de conhecer Heitor Villa-Lobos e1n B r lona,
para casos de misturas pouco agradáveis . • • musicalmente fa-
por ocasião dos Festivais Sinfônicos Ibero-Amerlc no qu se
lando ! ...
!' celebraram na cidade condal, pelo motivo da Exposlç ~o Int rna-
cional de 1929. Villa-Lobos estava, naquele tempo, n1 Poris,
onde havia conquistado um real prestígio. Fôra convJd d di- •

rigir suas obras em Barcelona. Do concêrto das m 1n atuei


como crítico musical do <<Diário de Notícias>>, recordondo-mc,
ainda hoje, passadas três décadas, de alguns fragmentos do co-
mentário aparecido na edição de 26 de outubro do ano citado.
<<0 último dêstes Festivais realizou-se ontem à noite. Todo
o programa era formado de obras de autores brasileiros e, se é
certo que foram interpretadas músicas de compositores do Brasil,
as composições de Villa-Lobos tiveram maior relêvo, não só nesse
concêrto mas nos quatro Festivais Sinfônicos Ibero-Americanos,
realizados anteriormente.
Na música dêsse jovem compositor há um poderoso instinto •

mu ical, uma fôrça rítmica extraordinária, um grande vigor e ui.n


positivo dom de orquestração.
As obras de Villa-Lobos estão repletas de fantasias harmô-
nlc s, senslbilidae e gênio artístico. Ocorre nelas uma torrente
de vJd e vibra nelas um alento musical que se impõe.
VJ!la-Lobos, que dirigiu muito bem suas composições, foi ca-
lorosamente plaudido e recebeu uma bela coroa de louros !»
Muitos ano depois voltamos a encontrar-nos em Buenos
Aires em uma de su s triunfais visitas ao Plata. Após uma ses-
* Compositor ArgcntJ110. •

,


• •
• 103

• ves», do princípio do século, que mudaram o curso da plntur


francesa, ao começarem a pintar com tintas vivas e puras, tír ..


das diretamente dos tubos. Um dêstes, Maurice de Vlaminck,

meu amigo, contou-me, que se indignara com Derain, quando lhe
1 anunciou pretender freqüentar a Academia de Belas-Artes. Gri-
tou-lhe, então, desesperado, com exagêro, que não aprenderia
VILLA-LOBOS nada e iria revelar aos «pompiers> a fôrça, o segrêdo de ambos.
E acrescentava ter sido o mal de Derain ir muito ao Louvre :
JAYME DE BAR O «Moi, j'y vais aussi. Mais, je n'entre pas>>. •

Villa-Lobos não chegou ao extremo dêsse mêdo do passado.


Prova-o sua admiração por Bach. Constrangido, pelas contin-
UANDO falamos em Villa-Lobos, não estamos ap n s di nte gências do meio pequeno, de limitadas perspectivas artísticas, a
do maior compositor brasileiro e das duas Américas : d f ront mos abrir caminho sozinho, forçado, pela pobreza de suas origens,
uma das mais fortes personalidades do mundo musical lt 1npo- pelas dificuldades de uma vida humilde, a escolher uma profissão,
râneo. Não somos nós, movidos por inocente sentlm nt llsmo fêz-se violoncelista, e não foi tocar, como Chopin e Mozart, nos
patriótico, que pretendemos forçar essa classificação. El fi aria salões requintados, mas nas salas de espera dos cinemas, nos res-
sem sentido, se não procedesse do julgamento de críticos, maes- taurantes de luxo. Felizmente para êle, já havia, nessa época,
tros, intérpretes famosos. Foram êles que, na Europ nos Es- no Rio de Janeiro, paixão pelos compositores clássicos e essas
tados Unidos, nos centros de insolente e agressiva cultura musi- ... orquestras, algumas excelentes, executavam Bach, Beethoven, Cho-
cal, o colocaram ao lado de Tchaikowsky, Prokofieff, Stravinsk)•, p.in e Mozart.
Não por haver dêles recebido qualquer influência, mas porque,
como êles, construiu obra nitidamente pessoal, ca·r acterística, nas- Villa-Lobos, quando se evadia dêsses ambientes e mesmo
cida de poderosa inspiração artística, ao encontrar no seu próprio nêles, nos intervalos, para aproveitar o tempo, as peças musicais
meio seiva telúrica para a livre expansão de seu gênio música!. já arquitetadas no cérebro, compunha com a facilidade de quem
A consagração de sua obra não foi feita por nós, brasileiros, mas escreve cartas. Mas sua mensagem era outra : trazia a marca
m Paris, Londres e Nova York. da t rnídad . :e1 r uma fôrça da natureza. Sabia que o
A exemplo do que se disse de Balzac, Villa-Lobos sabia, des- aglt d J dn it 1 vld ·ri par o mar. Suas águas iriam
d n,ulto cedo, que viera para ser grande. Desde menino, reve- busc: r s d l rgo o n . P ou toe: r todos os instrumentos,
lou urpr cndente instinto musical, estranha intuição artística. O emborc .s6 hot1v Rtud ,do J 1 n lo e, mais tarde, quando

ouvld pur díssimo identificava as notas de tôda a escala, har- cons gr v qlt t d t nipo re9 r composições suas nos
mo11lz v e nto dos pássaros, os sons, os ruídos, até mesmo os Estados Unido n u p , u o vi, antes dos concertos n
n1 quf11 s, os de rodas sôbre trilhos de aço, atento aos ele- Carnegie lall no Tl1 1· d s h mps Elysées, abandon r
m ntos d u m lo, da vida circundante, numa curiosa antecipa~ regência, descer o qu tr , tom r mais diversos instrum nt •
ção do ntld , v nçado, revolucionàriamente atual, de sua mú- e mostrar, a músl os tõnlto , s onoridades, os efeitos
sica futu . S 1n h v r jamais freqüentado conservatórios, es- que desejava.
colas, acad mi s d 1núslc , ainda adolescente, num autodidatismo Não pude a sim d · 1x r d o rir ante a observ ç d 11111
peculiar os g nlos, d Jdiu compor, como aquêles pintores <<fau~ regente tcheco, ao ouvir qul, omigo, ,gravaçõe de Vill • l.<1hr1

104 - 105 -

com as orquestras sinfônicas de N ew-York, de Filadélfl de -Lobos identificado com o do Brasil. Está, realmente, tão identi..
Paris, que «evidentemente êle sabia o que era uma orqtte tra> ... ficado como, na pintura, o de Portinari, na poesia, o de Castro
'
Alves. Está identificado com o do Brasil como o de Bacl1,
Do piano, nunca vi nenhum pianista nem R!sl r, n ·m
Beethoven, Schumann, Wagner, com o da Alemanha ; Debussy
Cortot, nem Brailowsky, nem mesmo Rubinstein em cuj r per .. •• e Ravel com o da França ; Mozart com o da Austria : Chopin
tório sempre figura Villa-Lobos conseguir certos ef it mtt• com o da Polônia: Smetana com o da Tcheco-Eslováquia; Tchai-
sicais alcançados por êle, em suas famosas improvisac;õ s. Um kowsky, Prokofieff e • Stravinsky com o da Rússia .

crítico também observou serem absolutamente ilimitad ono- •

ridades que obtinha das orquestras.



A obra musical que Villa-Lobos deixou é imen • d om.- •

plexidade e variedade surpreendentes. Vai das orquestr c;õ d s


«Bachianas Brasileiras», das «Sonatas», dos «Choros», d « ro.-
são>>, do <<Descobrimento do Brasil», de <<Sumé Patei: P trium»,

da «Floresta do Amazonas», das diversas sinfonias e quint -
composições para piano, violoncelo, violino, flauta e às d violüo,
de que Andrés Segovia tira efeitos admiráveis. Se cont rmos, •

nessas composições, apenas as mais importantes, ver mos qu


vão além de mil. •

Da música brasileira, da <<música de três raças tri t ) de


que fala Bilac, Villa-Lobos fêz um canto universal. Suas raizes
mergulham fundo na terra, na· poesia, na história do Bra li. Em-
bebem;.se no húmus das florestas amazônicas, florestas que per.-
correu sõzinho, abrindo nelas, como o poeta Raul Bopp, «caminho
com a planta do pé>>, enriquecendo-se de ritmos e de instrumen-
tos selvagens, de imprevistas melodias, que irrompem, bárbaras
gr ssivas, de suas orquestrações. É assim que ouvimos, em
«Ero ão», não apenas o nascimento do grande rio, largo e belo
001 o oc ano, mas as cósmicas cadências de todo um mundo em
forro çio.
tn111 êm o Brasil romântico das serestas, das serenatas, dos
choro. , vaquinhos, das flautas, das violas, dos violões,
d nc; , 11t hora na música de Villa-Lobos. Dela também
se el v o r . 11 d Anchieta, do «Cavaleiro da mística aventura»,
a ublr d pl nl l Serra do Mar, apoiado no seu bordão, para
apontar-no , do lto, o caminho do nosso destino.
Não foi . n1 r z 1 qt1 o critico musical do «New York World •

Telegram and Sun,, ui Biancoli, disse estar o nome de Villa..


'
- •

VILLA.-LOBOS
LEMBRANÇA DE VILLA.-LOBOS

JoÃo DE SouzA LIMA
]ENNIE Tou
(Tradução de Mar o Ro,,i ro)
com alegria e saudade que, neste programa tão bem lembra.-
do, e com tanta sabedoria instituído pelo Ministério da Educação.
ALAR sôbre Villa.-Lobos é recordar vários momento f llzc:s evoco a figura ímpar do nosso grande Villa.-Lobos. Alegria, po.r.-
de minha vida artística. A primeira gravação que flz p r Co.- ·que só nos pode causar essa sensação a figura máxima da nossa

lúmbia incluiu as <<Serestas>> do Mestre, logo ap6 l us pri.-



música em todos os tempos, figura essa que é e será sempre o
meiros sucessos no Town Hall. Aquêle disco até hoj m vem exemplo do artista batalhador em prol da imposição da nossa mú.-
proporcionando cartas de afetuosa admiração. Trab lh mos jun.- sica, de pesquisador dos problemas da composição musical ba.-
tos com estusiasmo e constante interêsse e sua aprov çr.o, em seada no nosso folclore, da educação musical e artística da nossa
vários empreendimentos relacionados com minha carreir , sempre 9ente, da implantação do ensino da música nas nossas escolas,
constituiu para mim um motivo de alegria. Villa.-Lobos perma-- na preservação de tudo o que tinha qualquer ligação com a nossa
necerá em minha memória como um amigo todo especial, porqtte expansão musical (haja vista o prestígio que dava à . boa música
~1e era um criador, sensitivo e grandemente impressivo. O prazer popular e a seus intérpretes), sem falar na consideração que dava
d o ter conhecido significa trazer para sempre no coração um •
'ao artista brasileiro, defendendo.-o, impondo.-o, encorajando.-o e
11timento indelével. · admirando.-o. Não é isso um motivo de alegria ? Recordar o
homem possuidor de tais características, aquêle homem de aspecto
v ro, xlgente e rigoroso e que no fundo não passava de um
b r1tl o, , 11siv 1 a todo o sofrimento alheio, maleável a todo
111 11 Jll 1· b. t 1 1110 u pr cnt ssc quando devia atingir uma
r
r ll z, 1<; 1 ,,. ,, 1! 111 lqlt r d lm lt m nt ignificativo par
no .. 1 li 111 li 1 11 11111 !( 11. A 111 • 111 t 1np , ntrlstecemo-nos po

t rm • Jl rtl ,Ir, [) r., 1111,r 1q111 11 11,p nhl única, interessant1•,
tip e I r111 1l1·lll 1v,, 1 111 1 11 ,. , t nç o quem o procur s 1,
g n 1 . ti ll 1 1 1 , J<lV1 11 , · 11 ! 1 i; • A todos d v 1 1 u ,
palavr d n 1111 11lt> , 1 1 1111 , d ntu l smo.
As cri nç • ti 13, 1 1 1 rei ,. 1111 rn Vil) - obo 11 111 1 111
amigo. Qu m d 11 r I r·o111 t 1t1lo rfnho t 1r1t ti\, 1
aos pequenln 1 J) ,, , t • o mlg qu ,
* 111t r 1. J\111 •rl1 111 ,, , obra dedicad , p1·1, n u prlm

108
'
tísticos aos que se iniciavam no cultivo da arte dos on . Não
posso deixar de lembrar aqui, no convívio que tivemo d11r nte
anos, não só na Europa, onde em sua primeira viagem, 109 pós
a guerra de 18, em meu piano, preludiava, dando nasclm •nt t n-
tas obras-mestras de sua produção, tais como a «Prol do )3 bê»
n9 2, êsse «Rudepoema», dedicado a Rubinstein obra únic 11 r p r-
tório da Música Brasileira, como no Brasil, principalm nt m Sfio MAESTRO VILLA-LOBOS
Paulo, onde há 30 anos passados, empreendemos umn xcu 'O
artística em mais de 80 cidades do interior, para implant r gõsto JOAQUIM DA CRUZ *
pela música em locais, por vêzes, onde nunca havia sid r llz do
um concêrto. Pois bem, nesses lugares ·o nosso gr nd •
'
desempenhava uma missão que o Brasil nunca dev r qu cer tempo, que tudo tem destruído, ainda não teve o poder de
e à qual deverá ser sempre grato nesses lugares longínquo le delir-me da memória a figura simpática, simples e amiga de 11osso
pregava, tal qual um Anchieta, o gôsto pela música nt1· v · de querido e inesquecível Villa-Lobos. . Agora que se aproxima a
conferências elucidativas que eram realizadas não 6 til olões triste data de seu falecimento, mais me recordo do Maestro.
como em ginásios e escolas, atingindo assim tôdas as I da Eu que vivi na sua intimidade, por mais de vinte anos, acos--
mocidade. Como disse acima, não posso deixar de lembr r qui, tumei-me a querer bem ao casal Villa-Lobos. -
que numa dessas visitas a uma cidade do interior, num di em
que se achava êle terrivelmente contrariado, não querendo dirigir Não como um gênio, que êle era, mas c:omo um dos mais
a palavra a ninguém, saíamos juntos do hotel em demanda da dedicados amigos. E, para orgulho meu, era também assim
tratado. -.
sala de concêrto, quando deparamos na calçada com uma pobre
criança maltrapilha brincando com um cestinho o grande Villa- D. Arminda nunca se esqueceu de mim e me trata ainda como
-Lobos, transformado imediatamente com aquêle quadro, se pôs nos tempos de vida do Maestro.
'
n brincar durante algum tempo com aquela criaturinha, como se Por isso é que, nesta data triste para todos os amigos do
fõ da mesma idade e o resultado se produziu : o hom-humor Maestro, o meu coração transborda de saudade.
Jt LI orno que por encanto e daí continuamos nossas atividades
1n m i nte totalmente feliz. Quantos dêsses casos poderiam ser
.r l 1 d s I A vida daquele homem excepcional é tão cheia de
im ntos tão humanos e curiosos que seriam necessários vá-
ri V<l llt 111 para serem relatados.
l~ p r p d r voltar a êste programa para, com a mesma afei-
n t 1r <l t IJ1 s de sua vida, detalhes que se passaram . no
11vlvf11 111 Ju11tos tivemos, episódios artísticos que se pas-
1111 , 111 1ri por êsse Brasil afora. A figura inesque-
111 1 r rtl t b li iro nos enche de alegria, porque êle
1111 r 11 , 1nlm ndo-nos, fortalecendo-nos, entu ias-
] v , r 1!11 1 1n I vante os d lgnl d 1núsic::a
brasil Ir q11 r lt\ 1 11 vi lo. * Modesto An,111 ti· Vlll11 l,

VILLA-LOBOS VILLA-LOBOS
• •

JoRGE DooswORTH MARTINS

ILLA--LOBOS foi um músico a quem dispensei grand r peito obra de Villa-Lobos aparece agora revelada nos mínimos

desde o ·primeiro instante que conheci sua música. detalhes por aquêles que tiveram a ventura de conhecer êsse
grande vulto genial que empregou a vida tôda a serviço da Pá·
Nesta hora em que há tão pouca música de verd d Ir, ln- tria. Foi, como Bilac, um artista de olhos abertos ao progresso
ceridade de intenção e espontânea capacidade de expr , foi dos brasileiros, servindo-os no terreno da cultura e da educação.
um prazer para mim encontrar um músico com tôdas es qu l!-
Sua arte teve um cunho nacionalista e elevado. Não era
dades e com a maestria técnica que permitiu-lhe exprimir ua
lícito, de minha parte, omitir o depoimento que presto, por ter
própria linguagem • . • apelado para o seu concurso a fim de melhorar a disciplina dos
Tive o privilégio de apresentar em primeira audição, em New marinheiros sob meu comando, no encouraçado «São Paulo>>, co-
York, com minha antiga orquestra, a Filarmônica, o seu esplêndi- mando que exerci cêrca de três anos. Acreditando na obra da
do «Descobrimento do Brasil», e está claro, desde então, continuo educação da juventude através do canto orfeônico, resolvi aceitar
dirigindo muitos de seus trabalhos. seus conselhos e criei, sob a direção do professor Salema, seu
Como colega violoncelista, despertou-me especial entusiasmo discípulo, o grupo orfeônico, com os resultados mais benéficos

• 11 b -1 obra para êste querido instrumento e o Brasil pode or- p r duc r marinheiros num alegre ambiente de disciplina e de
\}t1 ll1 - de haver possuído um filho musical que legou ao mundo · f rç ,1 onj\Jnto. A influência da música pelas vozes humanas
n,11• 1 1 <.l tanta originalidade e de tanta beleza. • 111 , t1 1 u1 nt ndimento, um espírito de companhe!.-
11 11111 c,11 l 11 d 1 1 Jll r fl p rdur nos grupamentos
111 11 11 11 l 11 • 1J11 l 111 1 tflltr r 111 gr u de Jnstru.çõo
1 1 11111111 f ,,, 1111, '.1111111 11 ·• 1 ,,111 11 l r d Bll e, cl

11,,· 1,11 1 1111 ,1111 1 /11\1 1111111 I , t li· 1 11c1 111or trl ·, o n S'lO
,,. 1111 V li t 11 1,, li 1 11,,1111111 li ti IIVl)IV Ili lll d. u l h
11 ·11111 11 1 111 1 n 111 1111 11 r, 11111 ·, f 11. 1 11 cl tlr1 d· 1J
t 11 1111, · 111 ~ , 111, 11 111, 1111111 11111 , 11 11 cl d 111 lt, 111 1l
(1 1 11 ·(1• 1111 11 1l11 li 11 1 Ili 11 , li tt•rtl J ffl
ijl'l\11111 1111'11( 1 1111 1 11 Jlll VII ' 1
1 111 1 11 r l 1 11111,·I 11 11111 1 ( 11 1
111 t 1,· t'lt , ,1 ,,, , ,, 1,,, 1 11 , 11 , r ,,11 ,.1,,

1
113
112
- «Meti velho, cu compo11ho erebralmente, sem auxílio de
com o resultado da disciplinação dos marinheiros, f lt · r om o
nada, e digo-lhe mais, í ço d f to partitura, isto é, a distribui~
meu depoimento neste instante.
ção no papel pautado, d todos o instrumentos, piano e or-
Quero reportar-me também ao fato da nossa on1!, 1 ma- questra>>.
radagem desde os tempos de mocidade. Isso, disse-lhe eu, nunc p n ei ser possível a um com~
Sou testemunha presencial das lutas para alcn nç 11· 1 ele- positor.
bridade. Por isso tínhamos o privilégio de confic.l n ·l 11· rtos 8le replica que Beethov 11, p r 1· • urd , desde algum tempo,

detalhes de sua carreira artística. Certa vez, e p n. q11 ste nunca ouviu suas última inf nl 11 •1n p r isso deixou de con-
episódio é pouco conhecido, revelou-me que, estando no, J~. t dos cebê-las maravilhosamente.
Unidos, na cidade de Nova Yorlc, foi procurado no hot 1 1 sua •
A história continua .. , M I t 1rcl •. ltn dois anos depois,
hospedagem por uma senhora que declarou ser pionl~t 1, c.l sc- Villa-Lobos recebe algum dinh Iro d c-u tr b lhos e escreve
java que êle lhe compusesse um concêrto para piano orq11 tra. a Miss Ballon que desejava readquirir u n rto pedia acei-
<<Senhor Villa-Lobos, gosto de sua música, t nl1 nt11. ias- tasse o reembôlso. Miss Ballon respond u d li 1d mente que o •

mo pelo seu estilo e talento de composição. Desejav p 11· 1 xe- concêrto não tinha mais preço e que viria o io d J n iro exe-
cutar, um concêrto seu, de piano e orquestra. r p nl1 -lhe, cutá-lo sob sua regência. Assim aconteceu mais t rd . no Tea-
como pagamento, a quantia de três mil dólares». tro Municipal, em audiência espetacular. Miss Ellen B llon gra-
<<Minha Senhora>>, respondeu êle, <<sinto não pod r con- vou em L.P. o Concêrto n9 1 de piano e orquestra, gravação
siderar sua proposta, pois devo retornar ao Brasil d ntr ele vinte London, ganhando muitas vêzes os cinco mil dólares do preço do
dias. Não há tempo para esta obra>>. custo •••
<<Mas, Senhor Villa-Lobos, vamos aumentar para quatro 8ste episódio da vida do grande Villa-Lobos ficou-me guar..
mil dólares>>. dado com carinho.
<<Minha Senhora>>, fêz êle, <<não se trata de dólares, mas Sinto-me feliz por poder, na oportunidade, revelá-lo. Tenho
para mim que as homenagens agora prestadas ao grande brasi-
de tempo>>.
l Ir , ao incomparável gênio da música de todos os tempos e de
A Senhora Ellen Ballon, que era a grande pianista em ques~ (O(I paíse , ainda estão aq11ém daquelas de que é merecedor :
o, não desanimou. De volta à casa telefonou para o hotel, in- 111,1 1 ,,,), t rld d far-lhe-á justiça à medida que se fôr melhor
til:;tlndo :
, 111111 'l' · 11 1 11 r de sua grande obra.

«Senhor Villa-Lobos, pense agora em cinco mil dólares:>. J.1111v1 ,. • rJ11t ll• qu gora glorificam a obra de Villa-Lobos
l1 1111 r•r ·111,11,· 1 d flnltlva I
]\ VJll -Lobos considerou e respondeu :
MJ11l1 1 Senhora, não quero negar-lhe mais e resolvo que
J, 1·,, 111· 1 f ln 1 dos vinte dias e será o que sair. Venha
tt 1r 11 on rt !»

J11t l' I llljl )(1 t 11 rrativa e perguntei :


M V l' 1 t nd plano à dl posição 01n põde tra~
balhor 1
'
115

tradições, de inconfundív l r s onância : as <<Serestas>> e as can-


ções de câmara suav m nte canta das por Bidu Sayão reve-
laram tôdas uma int ns v ieda de de tonalidade e idéias origi..
nais sôbre o emprêgo d el in ento orquestrais e vocais. A men..
sagem de Heitor Vi!Jo... Lobos estava já definida, bem como sua
• categoria de músico, inte1· so do pelas correntes renovadoras que
IMPRESSÕES SôBRE HEITOR VILLA- impulsionaram a arte mus ical a a dotar as fórmulas modernas,
acrescentando maior eloqüência e riqueza tonal às possibilidades
JORGE N1N V 111 /\ •
que oferece o pentagrama. «Sa uda des das Selvas Brasileiras>> ou
as famosas <<Bachianas» confirmarão esta impressão, no futuro,
marcando a mais perfeita e autêntica característica do músico
que, em tão pouco tempo, se tornou o mais influente e o mais
d Ar·tl ur Ru-
à muitos anos, em uma das periódicas visitas
célebre da América Latina.
binstein ao nosso país, ouvi êste eminente pianist ut r três
peças breves, muito originais : <<Moreninha>>, «Pobrezl1)l ,:. «Po- Poderosa fôrça comunicativ a e dominante impulso rítmico ,
lichinelo>>, assinalando meu primeiro contato com ,1 r11í1. l de expressados através da intensa variedade de tonalidades e har-
Heitor Villa-Lobos. monias, são agora as qualidades que melhor definem o estilo do
• talentoso compositor brasileiro, que, pouco depois de seu desapa-
Essas deliciosas miniaturas musicais não repre · nt l V 1111 I mu ...
recimento, a posteridade o situou no nível dos grandes gênios da
sica folclórica do Brasil, mas revelavam, no entant , um e bor
1núsica e que, no meu conceito pessoal, continua como um dos
exótico, modulações imprevistas, apresentando um estll 1nple-
a utores preferidos.
tamente inédito, além da presença do músico que pron1 tl n1uito

mais. Villa-Lobos foi hóspede da Argentina em diferentes ocasiões,
diriglnp o suas próprias obras, no Teatro Colón, em noites memo-
Essas três obras gravaram-se na minha men te, despertan-
ráveis, qu e v iverão imperecíveis na lembrança dos que venera1n
do-me interêsse pelo belo e original. Senti nelas alguma influên-
b lo, o profundo, o a utêntico que a música traduz quando é
ia d e «Stravinsky» e, ao mesmo tempo, algo de «impreciso» e
I c111 hl,ln 0111 J-in ia e escrita com o coração.
dutor que predomina nos sugestivos <<Prelúdios >> de Debussy.
Com o desenvolvimento musical da América no ambiente
('U lturll l, , e pecialmente, a importância das obras de Villa-Lobos,
profL1nd 1..n,e detalhadamente na produção dêste compositor, que,
J11splr 111cl -. n rico e exuberante folclore de sua terra , eliminou
popt1l111· l vou-o, por meio de trabalhos de sólida enverga ..
d11r 1, 111 11j 1 • s 11 la melódica se combinam o sabor da sa udade
nost{1lgl r1 vo it-l rn com as rítmicas e envolventes sonoridades
qu s . 1v ~) '11. do primitivo e racial.
Em 11 11. o 111 111 u , 1 ), a pareceram, m a is tard , ln ompa-
ráveis «Ch 1· ~». l 111pt1l lt1 111dos por t1t6t n d velhas

" Critico Mu I •

,

117

Canto Orfeônico como <<fator de civismo e de disciplina coletiva


e social».
Vimo-lo dirigindo, em 1940, no estádio do Vasco da Gama,
conjuntos corais de 40. 000 escolares e conhecemos sua fecunda
atividade como organizador da Superintendência da Educação
Musical e Artística do Distrito Federal, criando, então, os Cursos
VILLA-LOBOS, EDUCADOR
de Orientação e Aperfeiçoamento na Pedagogia Musical iniciados
em 1933.
JORGE 0SCAR PICI<ENit YN
· Ao criar-se, em novembro de 1942, o Conservatório Nacional
de Canto Orfeônico, pôde orientar ali outros núcleos de professô·
res especializados que, além de aprenderem as noções básicas da
ALAR sôbre Villa-Lobos compositor, destacar Lt 111 ritos
Técnica Vocal e Fisiologia da Voz, estudavam Teoria Aplicada,
como criador de tantas partituras de valor imorredout·o r car- Solfejo, Harmonia, Ritmo, História da Música, Etnografia, Esté ...
dar suas atuações como diretor de orquestra, é enver d r p r um tica Musical e Folclore. Quando os integrantes dêsses cursos
temática que, apesar de conhecida, não é menos lnt r nte. passaram a exercer a função de professor nas escolas primárias,
Compete, porém, dizer que, acima dêsse trabalho cri dor inter- 11os liceus e cursos pré~u11iversitários, a semente caiu em terra fértil
pretativo no caso do grande músico brasileiro, 'bã 011tr, f cêt,1 e a boa sementeira estendeu~se cada vez mais.
atraente em sua personalidade : a de educador, a d p d gogo.
Foi a obra de Villa-Lobos no trabalho pedagógico realmente
O govêrno de seu país nomeou-o, em 1932, superviso1· e di~ progressista, importante e inverossímil em seu esfôrço de ampli~
retor da Educacão
• Musical no Brasil, e, nessa elevada fu11ção, tude e realização. Por tudo isso deve-se destacar entusiàstica-
implantou uma nova diretriz ao ensino, orientando-o por novos mente essas suas criações no terreno da educação musical, tão va ..
-
rumos e, realmente, construtivos. liosas, como intérprete e compositor de primeira categoria.
Villa-Lobos lutou por uma reforma completa da didática
i11uslcal e pretendia que o aluno tomasse contato vivo com a arte :
«Antes de ser tolhido pelas regras dizia deve familiarizar-se
om os ons». Para isso aconselhava estudar cada som indivi-
dtt lm nte e, em seguida, através de suas relações recíprocas,
e pt r, m ls tarde, o valor expressivo dessas relações sonoras,
pr j t nd -ns em função estética, visando a uma manifestação
d 11tldo l1um no, onde o sentimento, quer dizer, a alma, o es-
pí1·ito, pr v I s cima do material. .
ttp ofttnd ntldo social a suas doutrinas pedagógicas e
tratou de orJ 11t . J 1, m direção ao povo, a um agrupamento
maciço 01nu11ll 1rl , 11 g nd -lhes, n1 troca, tôda possibilidade
como ext ri rlz ç ltt. i isto. P ru lsso i1npõs o ensino de

* Musicólogo Aro 11tl 110 .


' •
119

gência que desbordava de u111a imperiosa necessidade de criar .



Sim ! A multiforme e palpita11te América sonora da qual, com--
preendendo agudamente sua futura função estética, Villa--Lobos
soube amalgamar o estranho ritualismo da vida indígena, a me,..
lancolia cheia de nostalgia do negro, a dominante altivez do mes,..
tiço e a refinada cultura do branco, dando assim origem a uma
fôrça nova, que à tumultt1osa selva virgem, que acudiria em aju,..
VILLA--LOBOS, O GENIAL da, e vitalização de uma arte declinante e oxidada. A plurifa,..

JosÉ MARIA F N'I-OVA • ceta e vital personalidade de Villa--Lobos é definida, além de sua
obra fabt1losa, pela agudeza de seus conceitos, suas análises q11e
• ( Tradução de Marcos Ro11icro)
denotam responsabilidade e pela ironia humana de suas observa--
ções amadurecidas. Uma delas me foi confiada, num momento
em que nos isolamos da multidão que o cercava para expressar
rz--sE, biogràficamente, que Villa--Lobos nasceu e111 5 (.l mar--
admiração : «Sabe, Fontova ? O melhor modo para fazer com
ço de 1887. O que é um enorme êrro físico. Porque Villo--Lobos
que as pessoas despertem para a música, que é um passo para a
11asceu isento de frias e inamovíveis cifras ou rígidas d tn' que o
felicidade, é ensinar-lhes a cantar. É preciso fazer o mundo in-
possam precisar. :Ê.le já se encontrava nessa terra int r1nl11ável •
teiro cantar>>. .:Ê.ste foi um de seus ideais, que se converteu em
de sortilégio nas danças e canções que ritmaram o 11oscln1ento
idéia fixa. Aquêle seu afã de que o Brasi,l todo pudesse formar
aborígene do Brasil, no mistério verde--negro da selva, na arro--
um só côro que cantasse por necessidade, do mesmo modo coroo
gância pétrea das montanhas, no rotundo perfil de vales e que,..
êle compunha. Em meus ouvidos ainda ressoam suas cálida!'>
bradas e na eterna e luminosa canção do mar. Ble já estava 110
palavras, abertas e incansáveis : <<Escrevo música porque obedeço
espírito mesmo do Brasil quando, em anos do século XIX, os a um mandante imperioso. Escrevo tôda essa música porque tôda
músicos precursores de sua pátria iniciaram um tímido movimento,
ela está dentro de mim. Escrevo música brasileira porque me
para libertar-se de influências estrangeiras, em busca da arte n,1 ... 1 sinto possuído pela vida do Brasil, de seus cantos, suas histórias,
ional baseada nas expressões de seu rico e intenso folclore. :Ê.le
sonhos, esperanças e realizações. Isso é tudo !>> E era em ver,..
j 1 se encontrava e tão presente naquela substanciosa matéria
dnde, esta verdade, a razão de sua vida e a dinâmica de t1ma
fltt nte da musa e da imagi11ação populares que a sua genialidade
1>r ·rnência criadora que jamais conheceu desfalecimentos nem re,..
t 1·i 1n va aria em formas orgânicas, convertendo o espírito, a me ...
11{111 Essa mesma verdade que imortalizou o gênio de un1 ·1
ll11l,1 111 ·smu de seu povo, na elevada e imperdurável manifestação
tl,L figuras mais fecundas da arte musical de todos os temp .
I vlJ I int l ctual e de valorização musical e artística. Aí pre~
1111t 11 ,. slcle a genialidade indiscutível e indiscutida de Vil}a ...
l,11!11 ·, 11<>1 1 deu estado universal à cultura indígena de Stta
J) 1,,11. 1l11·l11cl n vos caminhos à música da América. Dessa •

/\111 1ll , cJt11 !L· r z sua, sonora e espiritualmente graças ao seu


111 ·, 111111v ·l 1lt 111 1·i 1<lo1·. a uma capacidade inventiva que tocava
o• 1 111 11· 1 l11v1 r ,. 11!1r1ll, a uma olímpica despreocupaçã pelo
J)t>ll111 ·11111 1 1 · <111 1'1 l{jt• 1 pormenor que resultavo 1nals e.lo exi ...
4
• M11 Nl,, ,l,11t•• /\1 1111111111 1 111·l·1111tlt1 II011or.il'lo e.lo lvT11 ·11 Vlll I f,l>bos c111
/\ lt I
121

mava de ouvir. Pois exclamava logo em seguida, todo feliz :


<<Mi11dinha, ouviu o que disse o Paulo 7>> E me obrigava a rc-

peti::lo. Nos nossos encontros o consagrado compositor revela.-


va-se-me sempre dono de uma inteligência genial. Mas o qt1c
mais me prendia a êle era a bondade que lhe apreciei em muitas
VILLA-LOBOS ocasiões. Vivia momento de intensa felicidade sempre que podia
conseguir algo de útil para quem quer que fôsse, mesmo que se

tratasse de quem antes o molestara. Era então um gigante que


JosÉ PAULO DA SILVA
ainda mais se agigantava pela suprema , irtude de ser bom.
1

ERTA vez pediu-me Villa-Lobos a colaboração n tarefa, e1n


.,._
que tão carinhosamente se empenhava, de formar prof ·sôres n:> -
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Aquiesci satisfeito.
Gosto de ensinar, e a oportunidade de trabalhar com VJlla-Lobo::;
1ne agrada,ra sobremodo. Nossas relações, antes animadas sõ-
mente por um respeito mútuo, passaram, com o conhecimento mais
íntimo, a ser envôltas por uma simpatia que crescia sempre e •

sempre. :f:le via com muito entusiasmo minl1a atividade profis-



ional e fêz-se um animador dela : Deu-me seu valioso concurso
na publicação de minha <<Linguagem da Música», influiu decisi-
vnmente para que eu compusesse alguns trabalhos por cuja exe-
cução se interessou, e me recomendava a quantos desejavam es-
tud música, como professor. emprestando-me qualidades as mais
alt s ra1·as. Já éramos amigos. E eu, amigo grato. Visita-
v -o • n1iú.do. Foi quando tive a alegria de conhecer várias de
suas m lhor s produções. a respeito das quais lhe ouvi comentá-
rio•· pr io ·os multo curiosos. Muitas vêzes no aceso dessas
cxplicnçõ lnt r ompi-lhc a fala para êste aparte por êle ouvido
gostosam nt : « udo isso espelho de sua excepcional per·.,
sonalidade nüo xi ti1·i não fõs e ê se Anjo A1nigo que o
acompanl1a coin d v çú on1p t ncia e amor inexcedíveis !">> •
Sempre tive a imp cssüo e! e pnrtc o de qtte êle mais esti-



'
123

Ufano,.me de h ver sido seu constante amigo, seu obscuro


d ·rador e de haver participado da suavidade e do encanto d~
a m1 d . ·1 · . e fot
seu convívio e 1nais me ufano ainda o pr1v1 egio. que m
ocasionalmente propiciado, em 22 de junho de 1960,,. de apo~ melt
48 37 9 através do qual o entao Presidente
nome no D ecre t o n 9
· , . . , . a
da República instituiu o Museu Villa~Lobos, no M1nisterio d

Educação e Cultura, com a principal finalidade de cultu~r, como
VILLA-LOBOS o fazemos religiosamente, a memória do insigne compositor bra-
sileiro.
JosÉ PEDRO FERREIRA DA ) J1',

EITOR VILLA-LOBOS fruiu a rara e suprema ventur,l d v1v r


sua própria glória. Não o envolveram ou apoucaram :, 011tro #
vérsias de opinião que suscitou, nem as confusões e in t·1biliu, ll i;
• •

do julgamento co11temporâneo e, assim, não lhe foi totaln1 11t 1111 ·


prescindível, para a imortalidade do nome e perpetuidade d, ol1r E1
musical que nos legou, o sereno e justo veredito do fittur .
consenso mundial da crítica e da admiração, ainda rt\ i<l,1 e
1nediante as mais prestigiosas e autorizadas manifestaçõ s c.1 ,1·;-
so1nbro e aplauso, já o colocara entre os maiores compositore · d
set1 tempo, assegurando para a perenidade do seu gênio cri dor ·
preeminência a que somente atingem os predestinados o traduzir,
1tr v ·s das modalidades da Arte, de que se tornaram expressão
lv·,, p r vocação espontânea e inspiração divina, os sentimentos, •

,1 Jl ilr>it ções , as angústias e os anseios da nossa alma. Fonte •

11 . 1111 Jv 1 d emoções, a música é a terna e fiel companheirt1


ti I l . , 111omentos e situações da nossa vida, tendo para cada
1Jlt ,1 1 : . Jnst, ntes uma sonoridade apropriada, uma tonalidade
•• Jl ·< ,1, t1111 1 on onância consoladora.

J\1111 ,. 11 111 l11 d seiscentas composições de tôdas as varie-


tl,111, cll111 11 1r1usicais, da ópera às canções, dos estudos do
J)c11·1 1l 1 «tl.1 111111.1" Br sileiras>> às exaltações patrióticas da
tilt 111tl1 111111 lc 1111 <I «C nto do Pajé», o Maestro Vil)a,.Lol)o 1•

vlv r, 1·t1 r111111 11 ,. 11, 110 • •1 • , udosa recordação, na no.s, • ti,11 .



1111 1r11, 1 «1« 111 • J p 1 esplendor da sua cri ç, o t•f ti .
• J>l l,1 <I 11 lcl 1 1· 11 1111 1 t 11cl tõda con o r 1cl11 Ill Jl' •
' < 'íl ti 1 1, ·I ,, 1, 111 111 ,


• 125

dessa estatura, conduzem os países novos e garantem a voz da


América Latina, no progresso da Arte Universal.
Com o correr dos anos e ante o desfile incessante de fatos
que foram plasmando minha personalidade, algumas lembranças
permanecem nítidas. Entre elas a do prestigioso músico brasi~
leiro que evoco. Em 1950 tive meu primeiro contato com o pú~
RECORDAÇÃO DE VILLA~LOBOS
blico do Rio de Janeiro, regendo a orquestra, na temporada lírica
oficial do Teatro Municipal. Villa~Lobos teve a gentileza, real~
JuAN E. MA, 'INI •
mente sensibilizante, de augttrar~me êxito e reafirmar aquêle seu •

Aesejo de lutar pela i11tensificação dos vínc11los que asseguram o


• Intercâmbio artístico inteligentemente organizado. Cumpre~se
EMEMORANDO os primeiros meses de 1935, ressurg 111 lguns
êsse desejo ?
fatos decisivos de minha carreira artística. lniciav u on10
11:aestro substituto, no Teatro Colón de Buenos Ai1· , o ujo Na noite de Natal de 1959, pouco depois de sua morte, no
elenco de diretores ainda pertenço, quando conheci VIII -Lobos. concêrto coral dirigindo com a <<Schola Cantorum», da Universi~
Ensaiava o Maestro o programa do espetáculo de gal d 25 de dade de Buenos Aires, seu << Canto de Natal>>, página inspirada,
n1aio em comemoração à data pátria em que flguruv u de simplicidade encantadora, v ieram à minha memória tôdas ess,:s
estréia do «Uirapuru>>, dirigido por essa. extraordinária flgura, reminiscências que acabo de escrever a pedido do bom amigo
autêntica, cheia de vida, evidente triunfador. José Maria Fontova, escoll1ido com justiça delegado do Museu
Villa~Lobos, em nosso país, pois é êle também um lutador incan~
Villa~Lobos revelava em cada gesto, em cada palavra, essa
sável nesta árdua batalha em defesa das coisas do espírito.
cg urança admirável do artista, dono absoluto do segrêdo de sua
Arte. Pela primeira vez observava um chefe de orquestra dirig ir
ilua p1·ópria obra. E se Villa~Lobos em sua música refletia clara,
in onfundível, magnificamente o maravilhoso colorido de seu país.
1n seu falar não ocultava sua procedência, havia em sua m;1~
ttc·lr I de ser a típica característica do homem internacional, so~
li r ·t 11d Ltropeu, particularmente francês.
N pr tendia ser elegante, porém tinha consciência de ser
11111 l1111t1t 111 interessante. Além disso, sabia fumar seu enorme e
11,I • 111·1 11v l ltol·uto, con1 a rara virtude de não in1portunar se11s
t. 111!1( •

11 ·1 1111! ti,• 1 t.l flnidas co1no a de Villa~Lobos, artistas co111


,r 1 111 111 • · 11 10 1
missão e da 1nensagem que devc111 trans-
:i11.
111 rl,·. < 1 1 1111 • 111 11111' e: ram o reconhcimento univcrsnl f·1l n lo
l<I 11111 , tl1 11 111 111 111 nt ·, levando às form os mni:-i pur is d,
1\1•[ • tJ tt 11•111 111 11 1 1) · b r essência do trJ , 11 m ·ns,
__ ,
• } l\JI ,11 ' e IIIIJI 1 11••1 111r11tl11 •

'



127

revelam suas <<Bachianas>>, qual a fluência dos vasos sanguíneos


d.e um organismo humano, assim como suas mais avançadas e in1-
• ponentes criações sinfônicas, nos demonstra a absoluta perfeição
quase diríamo's genial com que se produziu neste conjunto
de obras e integração dos elementos populares, coloridos, nacio~
nalistas, tão caros a Villa-Lobos músico brasileiro se houve
HEITOR VILLA-LOBOS - no marco definitivo da grande música. E indo-se mais além.
é tão apaixonante como também habilita a descobrir, no texto de
JUAN MANUEL Ptll \N'l'l t * aparência confusa sem prejuízo da clareza expositiva, como o
estilo e o idioma de Villa-Lobos nasceram em harmonia com ns
necessidades expressivas de sua mensagem telúrica. Sua origina-
UEMpoderia agora duvidar sequer de que a p r. n 1lidncie lidade deslumbra e emociona em um grau que duvidamos jamais
marcante em vida de Heitor Villa-Lobos era a mais int 11. , do- logrem outras tendências de origem mais intelectual, que se auto-
minante e original em todo o panorama da 1núsic, d Ih ro· consideram a última palavra no sentido de originalidade, porén1,
que se deslizam sôbre nossa sensibilidae sem sequer atingi-la. ,
-América?
Se é verdade que a música nasceu da expansão do sentimento
A transcendê11cia de sua obra, que se manif ·t ·1 • 1n f r111a religioso nos sêres humanos, bem se pode afirmar que a de Villa~
definitiva fora das fronteiras de sua pátria, afirn1 a nd - 01110
-Lobos se enquadra perfeitamente nesse esquema original. E é,

nenhuma outra da mesma procedência no repertórl d n]én1 por isso, música autêntica, grande música de verdade, que as ge-
d.o s oceanos, nos está dizendo e repetindo , sem c ' 1·, mo é rações do futuro ouvirão, dentro e fora do Bra~il, com essa como·
apreciado e duradouro o fecundo legado do gra11de co1nposittlr
vida unção que é o privilégio de que dispomos, nós as criaturas
brasileiro. Seu nome co11quistou para o Brasil um lugar de l1on-
J1t1ma11as, para nos aproximarmos dêsse fenômeno, não pelo abstrato
J a cm tôdas as enciclopédias e nomenclaturas musicais. O nome
,n nos ta11gível, que é o milagre da beleza em quaisquer dos cam~
Vllla -Lobos não é um nome a mais, uma simples citação geográ-
J1llS da estética. Oxalá, esta gra11de lição estética, que na minha
f ic11, i11cluido nela como o de outros criadores de menor trans-
.... 1111i11l úo de homem ibero-americano enamorado de sua terra
111, d ncin. senão o primeiro pa.sso de uma referência que falará
11111 -, (itui a obra de Villa-Lobos, seja compreendida e aproveitada
1 ·1 t 1111 nt da originalidade do artista, de suas lutas para impor
11 l, 11 li rnções de hoje e amanhã !
11111 1 e um estilo que , discutidos na sua época como são
111111· ( 1 s os influências positivas e renovadoras, encontraram
Ir 1111 11 , 1 11 11t s tãvel afirmação no conjunto da obra do autor
,1,, «I ,,· 11 1 111 1. ». E serão ainda necessárias muitas linhas para
111 1 11 1111111 1 l111p rtância da obra criadora do compositor C'

111111111! 111111 1 ti r·ganizador, de fôrça incontida, a quem o


l\1· , 1 11 ,,, 1 111ifl o p egresso alcançado pelo canto ornl
11 11 1111 111111 , 111 1 11 111 1 l I ist ~ncia dêsse grande b1· si! 11·0 . '

/\ 111 11 , J, 11 1· 111110 d st, as composiçõ :;, 1·.,,11·c1 11 1 f 1:-i •


1111111 111 111 11 11 11 , , 111111 111· 1v ·1-1 dn s r na f 111 111c1c l1,11 11 tJlt • ·

~-1
• 1111,,, ' 111 1. 11 1,11 11 li \ li 11( 1111, •
129

profundamente americanista em sua essência, a arte do músic


'
brasileiro contém valôres imanentes de universalidade. É absolu~
to e inigualável. O perfeito equilíbrio, a fôrça da linguagem, o
transbordamento das idéias, sua complexidade orquestral conferem
a Villa-Lobos uma extraordinária ressonância de eterno. Há,
porém, algo mais é que sôbre tôdas as perfeições de estrutura
e inspiração, de técnica e justeza, na obra de Villa-Lobos está
VILLA-LOBOS E AMÉRICA
vibrando, sem cessar, o sangue vigoroso de seu povo, a confluên-
cia das grandes fôrças naturais, a sugestão racial e a eterna e
JuL10 V1A1.1\ r "z * mágica atração de homens e paisagens, de cidades e campos, de
passado e futuro, que será sempre nossa América.

nome de Heitor Villa-Lobos esparge sôbre o c '•u <l I América


o fulgor resplendente de sua personalidade e de su br . Não
se poderá ficar indiferente ante sua magnífica f igur d ompo-
sitor, apegado às mais puras fontes de Americanismo, que i1u-
pulsionou vida e enriqueceu com a fôrça de eu g nlo o rico
material nativo que jazia nas entranhas de sua pátri • sta m.1-
• nifestação de Villa-Lobos não foi, como a que adotam muitos de
seus colegas, para destacar-se no meio europeizado d poca de
suas primeiras obras. Era uma necessidade imperiosa de seu es-
pírito e de seu temperamento. Sentia a tradição de stta Amé1·ica ,
de seu Brasil, com fervoroso amor e o transbordava em suas cria-
ções com a amplitude de seus conhecimentos e a moderna concep-
ç'." o das fórmulas musicais. Se a sua cultura e a sua inquietude
11 viam estado atentas à evolução da arte dos sons no Velho Mun-
do, jamais deixou que isso influísse em detrimento de sua sinceri-
cl,,cl de expressão e de sua fidelidade à própria terra. Por isso,
p r be-se em suas obras essa voz milagrosa e misteriosa da raça,
nto embrionário, seu vigoroso e exaltado primitivismo. A
'

vi I tl I ll lva brasileira, de seu céu tropical, de suas tribos fre-


n ti 1 n ulto das danças rituais, os pássaros raros, as canções
q11 n 11trnn1 no ar dos bosques e transcendem as sombras
<ln n ft p 11· um 1 omunhão pagã com as estrêlas, surg m nas
crl,1i;õ . l Vill 1-T l1os om tôda sua potência rítmico, sl1 s íncons-
t n I g nl 111, • ,11 pt1J.1ncia sonora sem pnc n . hlstórl da mu-
ict1 1111 rll' 111 1, Ai s ,r d xtrr, rdinc ri m nt, d scritiva e

" r til· 1111111 ,11 1r11 ·11tl1111 ,




·•,

••

VILLA . . LOBOS
VILLA. . LOBOS
LrA CrMAGLIA EsPINOSA *
LEOPOLDO ST l( W I l N

r ma· ÔBRE a fascinante personalidade do Maestro Villa.:.Lobos, ar-


GRADEÇO a oportunidade que me foi proporclo11 1tl I
tista e homem, teria muito que dizer, embora não me sinta capaz
nifestar o meu sentimento a respeito de Villa . . Lobo .•
de fazê-lo como merece êsse genial músico. Posso apenas ma . .
Êle foi um dos maiores compositores do sé ui XX p que l nifestar-me como intérprete de muitas de suas obras pianísticas,
expressou, através de sua música a imensa varied d d vld de algumas das quais tive a honra de estrear em meu país.
1

seu país natal, o Brasil. Além disso, sua música ompt• ndlda '
Não me é difícil, porém, recordar sua envolvente e luminosa
pelos povos de todos os p·a íses, porque é univers 1. /\ música
personalidade artística e humana, através das numerosas viagens
brotava nêle tão espontâneamente por ser um compositor 1'\ t ex·
do Maestro à Argentina, assim como das que fiz ao Brasil, quando
tremamente fértil. O mundo musical está enriqu cldo p 1 sua
tive oportunidade de conhecê. . lo pessoalmente.
. -
cr1açao.
Recordo . . me que fui ao Conservatório Nacional de Canto Ül'....
feônico, onde, ajudado por sua magnífica companheira, trabalhava
incessantemente ali. Sôbre sua mesa de trabalho, escrevia febril-
mente uma partitura. Ao mesmo tempo atendia visitas, tratava de
v ,rios assun·tos e ainda ouvia programa de rádio que lhe interes-
n , Sua mente possuía 11ma capacidade extraordinária, sôbr •
... J1u111 1n • Foi assim, com essa simpatia e cordialidade, dentro d
ll 111t111 l cl sonhos, que o vi pela última vez no Rio de Jon Ir ,
v rc.l 1cl l artista é simples. Villa-Lobos era enc nt cl r,
n1· 1 Vt>l d int llgência excepcional ; estar junto d VIII 1-
• o rn , ntl , ort , o entusiasmo, a vida e todo o ml11t ri ele
J11un o cl I f 1nt 1111 • Seu dinamismo contagiava vicl 1 11 11,1
I urt p r r ,lizarmosametadedoqu Villo· l 11r <111 . ,,
. p 1 • i1m X mplo para o artista qt1e n1n , ti


v,11 -Lob s s dutor para s pi nl t ,. : ()J' JII 11 1
' 111 11 1111 rlt1no • m 1 dia· ri o d 11 r 1)1• 1 11•1 rn, t 1 1 • 1
111 ,111 t , 11r11 1111,,,,
* Diretor d orq11rRtr t ,


132 -
'
grias. Tudo está em sua música, notas, muitas notas, cob rt de
gênio, de magia, de harmonias. De virtuosismo e d lttil zas !
Quer dizer : tudo o que faz das obras o interêsse de . t11 tl 1-l s e
ao ouvinte apreciá-las.
Quem poderá esquecer a emocionante «Alma Br 1sl l Ir 1», a
«Lenda do Caboclo>>; a pujança e a alegria do «Pol l1 !11t·lo» ; ·
deliciosa «Prole do Bebê>> ou a brilhantíssima e empo lo 111t l ·!e VILLA-LOBOS
do «Ciclo Brasileiro>> ?
Como pianista senti vibrar o público com ess . l,1· Louis JoxE *
executei com encantamento. Na minha humilde e sln r. Jll 11! " 0,
Villa-Lobos <<o mágico >>, como o chamavam, foi o Otll . lt r: da
América e por êle se teve a certeza de que se pod ri f 1z r boa ooos aqui se lembram de sua bondade, de sua personalidade,
música nesta América jovem e um pouco ignorad t . v ll1os de sua simplicidade. Para nós franceses, Heitor Villa- Lobos não
povos da Europa. foi sõmente o amigo de vida brilhante que, de 1923 a 1927, veio
impregnar seu gênio da lição e do fervor que a França confere •
Villa-Lobos viveu para dar ao Brasil sua v ida m 11 t nos
àqueles que vêm ao seu encontro. A cada um de seus retornos
de obras e, ao mundo inteiro, um pedaço de sua terra 1u r vl ll1osn.
a Paris nós lhe devemos a descoberta de um mundo musical des-
conhecido : nós ficamos diante dêle, diante de sua obra, como
outrora os navegadores partidos da velha Europa e que contem-
plaram estrêlas novas emergindo do oceano.
 alma popular de seu país, sua música deu uma expressão e
uma forma que nos fizeram melhor amar, se isto fôsse possível, e
certamente melhor compreendê-la •

Nas suas óperas, nos seus oratórios, na sua música de câma-


r n s suas peças para piano, as melodias brasileiras surgem dos
t 111 • nc stra is. Seu estilo, porém, revelou o que Villa-Lobos
d vi 'ttrop . a o Velho Mundo, ao classicismo mais puro. à
font 1 111 l. E cln nte. A ssim, do que era antes folclore, Vil}a ..
- Lobo I z h1· 1 111lv r 1, exprimindo a linguagem sonora de um
nôvo mund .

,

* Ministro de Estado n Prnnc; ,



135 ..-

A cara de Villa-Lobos se iluminou. A ópera tinha saldo <.lo

limbo e ia nascer.
Quanta coisa, entretanto, ainda faltava para que ela nascesse l
O libreto. Contei-lhe o entrecho da <<A Menina das Nu..

vens». :Sle seguia a história com olhos e ouvidos de crianças.


A MENINA DAS NUVENS Num determinado instante, afirmou:

Essas nuvens, êsse sambinha, essas marchinhas . • • tudo


LUCIA B I N J!l 1 'I l'I
é música... Tudo é balé ! ...
E depois que leu a história, no caso uma peça para crianças,
UTRO dia, ouvindo em gravação a voz de Villa-L firmou o propósito de escrevê-la. Mas ai das óperas para
uma enorme comoção. Tornei a ver, diante de mim crianças ! Tanto custam a nascer, tanto que lutam contra elas !
amigo e sua figura pareceu-me de nôvo viva, tal como I vi 1, 110 No caso, havia vários gigantes trabalhando contra o nascimento
seu lar, o modesto lar do nosso incomparável Villa-Lob . L L de <<A Menina das Nuvens». Um dos gigantes era o dólar. Um
estava êle, sentado à mesa de trabalho, fumando um chart1t 1u gigantão medonho, importante. Vinha atrás de grandes encomen.-
jamais acabava, sorrindo, conversando, ouvindo mú$ica e ...... das de sonatas, cantatas , concertos e balés. E com êle, podia-se
gente desse uma folguinha, até compu11ha uma ou dua s fr, ll pagar o hotel, o doutor e os remédios pois o Maestro já andava
musicais, no intervalo. Em tôrno dêle, os familiares. A espõ , precisando de médicos.
a sogra e alguns amigos. Quase sempre, eu e meu marido lá g.. Quem é que pode contra um gigante assim? Foi preciso
távamos. Foi numa dessas reuniões assim íntimas que êle revelou que houvesse uma conspiração. Houve. Chefiou o movimento
que desejava fazer uma ópera. pró-<<A Menina das Nuvens>> a nossa amiga Hermenegilda d'Al-
Apenas uma ópera. Queria um libreto. Qualquer coisa com meida. Era nada mais, nada menos, que a sogra do Maestro.
índio, lenda amazônica, ou um pouco de prêto. Era ainda uma Formou-se o eixo Hermenegilda-Lúcia-Arminda. O correio fun ..
ópera que estava no limbo e que precisava nascer. cionou muito e o telefone também. Um belo dia, o general-em-
Eu não estava convocada para o nascimento. Era ópero. ~chefe ...- Dona Hermenegilda, deu a notícia :
para gente grande, e meu marido deveria estudar um assunto ope- <<A M enina das Nuvens» já está sendo escrita !~ Daí por
rístico. diante, parecia vida de criança. Já tem dois dentinhos, já sabe
Então, assim de fora, eu comecei a pensar que o Maestro rir, já fica de pé, falou papai e mamãe ..•
tinha feito tanta coisa para crianças, tinha escrito tanta roúsica, Virou óp,..ra, mesmo. Um belo dia, fizeram uma experiência
tinha ensinado, tinha regido. E sobretudo, êle sempre tinha ama- em Nova Iorque. Foi uma surprêsa muito grande. Queriam a
do tanto as crianças ! . . . E assim pensando, assim falei : ópera na televisão. Por essa altura o Maestro já estava cheio
Por que não faz uma ópera para crianças? de amôres pela sua obra, e desejava para ela um destino de rainha.

136

Não a viu representada, naquela noite em que, por fim, posta


nas galas do Municipal com cenário e balé, <<A Men1n tl Nu·
vens» entrou oficialmente para o rol das óperas qu t 111 vida
própria. Eu me lembro daquela noite. E também d r t de
Arminda Villa-Lobos, da nossa saudade e dos bons ti i11•lc1 CJue
lizerr.os. CATARATAS

C1·eio que o Maestro teria ficado muito satisfeit , , n 1 111,1•
LUIZ HEITOR CORRÊA DE AZEVEDO
nhã seguinte, na representação dada às crianças, tiv . : i~I o
maravilhamento, a alegria, a feliz reação das criança. , 'l'l·rl Íi·
cado fe-li;.:, t5o feliz quanto eu fiquei ! OI-ME pedida uma página, de caráter pessoal, sôbre Villa-
-Lobos, se possível evocando impressões e recordações.
Com prazer, com um melancólico prazer, sabendo a saudade
recordar é sempre bom prometi o que me pediam.
Outro dia, no Hotel das Cataratas de Iguaçu, lembrei-me da
promessa. Era pelo fim da tarde, à hora dos <<drinks>>. Meu

sobrinho Fernando Luiz sentara-se ao piano um piano nôvo,
mas de sonoridade duvidosa e pusera-se a tocar a <<Ária>> d.a
<<Bachiana nQ 4>>. O ronco surdo das grandes quedas, engrossa-
das pelas chuvas torrenciais dos últimos dias, ouvia-se ao longe,
fazendo um estranho ruído de fundo, sôbre o qual deslizava a
singelíssima melodia, que tantas lembranças me trazia. Tive um

p rto no coração. Mais de uma vez, m minh casa, ouvira o
• M • tr on Ih r jov ns piani ta qu h viam abordado essa
J i., vl11l1 1111 11h111 ·t r . 11 . i11t rp1· t çõ . < o compositor. :e:Ie
,11, v 1 111 111,t • 1 pi ,, tit nclo d uma maneira ini•
011 11 v 1, J l 1 1111l 1 !ti , 1 ,. t111l , 1 , v ro. economia de co•
l rl<.l 111 1 , 1 1111· l 1111! 111 1 lll d modinha e de ária, tão
pur ,. l, 1111 , f 1 11 1 r . A m nor afetação pode tut·
bâ-1 . ; 1n ,t 1 v <l · 1 t1I c'\I 1lln mico. Mas os dedos desaj l·
tados d Vil! ,. , q11 11 r ttm pianista, obedeciam como
um pelotão d gu r l r l lll r, r d , o comando de sua int •
ligência interp t tlv , ; tt rv . d ço transmitindo êsse comond .
Nenhuma preclplt ç . N l u1n d qullíbrio. O pêso do uin•
to dedo sempre lgut1l l prl 1 Iro.
Villa-Lobos er um !nt .rpr t maravilhoso de suas prõ11rl
obras. Às vêzes, no pi n , f 1 clam-lhe recursos t cnf o p r,
138,......
e
dominá-las. Mas à frente da orquestra era incomparáv J, ue
outro regente jamais exteriorizou de maneira mais p rf t lt
<<Choros n9 10>>, tal como se acha gravado no disco «Ano 1, r 1
Orques tra Nacional Francesa e o Côro das Juventud M11 : 1 ,l
de F rança 1 Isto para citar um exemplo. Mas ot1vJ .. t, ,1 1 l1JIC
multas orquestras. Dirigia~as em muitos países. Ao 01111· 1r !
do que alguns podem pensar, êle era, na interpretac;; tl ti , MINHAS IMPRESSõES SôBRE O MAESTRO
obras , um regente que sabia o que queria, queria sempr t) 11\ ... HEITOR VILLA-LOBOS
lhor, e sabia comandar.
Na tarde das Cataratas, seu bordonejo longínquo, d 111, 11\. Lurs PERLOTTI *
do massas apocalípticas no leito de granito do Iguaçu , n !'l1111 v,1
a acompanhar o canto que o piano de armário, de teclad 111 11 J' •
gulado, espalhava, concentrando a atenção de todos. ONHECI o genial Maestro em suas primeiras viagens a Buenos
Tantas lembranças ! Durante mais de dez anos eu ti11!1 l tt.. Aires, nos belos tempos em que um grupo de artistas, músicos e
vido sua prosa, seguido seus improvisos, conhecido su n vI críticos de arte, como Quinquela Martín, Juán de Díos Filiberto,
partituras, a muitos milhares de quilômetros dali, no qu rt 1111· Agustín Riganelli, Gastón Talamón, Germán, Elizalde e muitos
perial do Hotel Bedford ( onde morrera Dom Pedro II) ou n outros, nos reuníamos nos sótãos do café Tortoni, essa primeira
queno apartamento da Rua Galilée, que êle visitava, em dJ e querida <<Peiía>>, Associação de Arte e Letras, onde podíamos
muita gente, ou sõzinho, para trabalhar, utilizando a chu V ter nossas reuniões artísticas e por onde passaram tão ilustres
porta que eu lhe emprestava. Hoje só há o seu retra to, m ima poetas, músicos e cantores.
d o piano. Naqueles tempos felizes havia a sua algazarra , as suas Entre êles a figura do grande Maestro Villa-Lobos era esti-
«l1istórias>> e os seus <<casos>>, o odor dos seus charutos. mada e admirada por todos nós pelo seu saber musical, seu ta-
Ima parte de minha vida ficou indelevelmente marcada pela lento de criador e de intérprete, destacando-se sua personalidade
r . nc;a de Villa-Lobos. Admirei~o durante 35 anos ; quis-lhe exuberante de verdadeiro artista, de temperamento simples e de
11111lt 1) 111 1 de a no em ano mais, durante êsse último período em xtraordinária capacidade.
l lttt· • t,111tl eu longe do Brasil êle ~e trazia regularmente, com a • E assim pude vê--lo aqui e em sua pátria, admirando seu
11 1 11r1• • 11 c;; 1 1n P aris, na Primavera de Paris, um pouco do que gênio crlador e incentivador de mov imentos culturais-musicais,
· 11 111· l 11· 1 : f I tos, jeito, idiossincrasias, inteligência e sensibilidade com v isão de mes tre.
ti I t 11•1 t 111t ,1. Após os meus conta tos com êle em Buenos Aires, fui conv i-

Jl I' (111 tJ II li me lembro de Villa-Lobos. :É assim que eu dado, no ano de 1936, para expor minhas obras no Rio de Janeiro.
(l I f ( 11 111 1111 () li, . , no bar do Hotel das Cataratas, enquanto Foi nessa ocasião que o conh eci mais profundamente, verificanclo
l' · ,·111 11 1111 l . 11 (. t t1t 1v «Bachiana:I), e o Iguaçu se preciplt v, as suas diretrizes folclóricas na música e que tanto me entusl •
<>l tl 1· Ir 11111, 111 1111 1 <l Poraná. maram.
Concedendo~me a honra de posar para mim, pude, ,,
realizar sua bela cabeça de artista.. Em 1937 conclui m

* Escultor Argentino,


110

ll1 • m bronze, para ser inaugurado no T tr· M 11 11 11 1 1, 11ci r '


cnsJão da grande homenagem que, ainda cm viu , li, 1 1 1111 .,~
tod por alunos e admiradores que recebera m o ínfl11 11 1 111 1 l 1• •
g nial.
Dia nte de mim, aquela cabeleira revôlta e s tt p · 1 f 1 " 111111• o

inspiravam~me a dar à matéria inerte tôda a exprc 1 1111 • 1 111


HOMENAGEM A VILLA-LOBOS
parte, penso haver transmitido àquele busto. •

Quanto bem fêz à Música da América êste exc Jl 1 111 1 111 11111, MAGDALENA TAGLIAFERRO
que abriu novos rumos à música moderna !

'
o evocar, hoje, a grandiosa e inesquecível figttra do nosso
tão querido Villa-Lobos, surge na minha memória uma das pri-
meiras e certamente das ma is vivas r ecordações do meu convívio
com aquêle que foi, e perm n , o m is prestigioso expoente da
arte musical brasileira !
Numa recepção que t v lugar m Paris, entre a primeira e a
segunda guerra mundial, qu.ul compareceram elementos entre
os mais representativos d 2n (1sl • ontemporânea internacional,

estive conversando com llu tt• com positor francês Florent
Schmitt. Quando vi m . { 1 · do Brasil e do nosso genial
Villa-Lobos, que est V 11t11n outra sala, e cuja obra já conquis-
tara o público e r. l <lo V elho Mundo, fêz-me o Florent
Schmitt a s.eguint Ol J 11• ç o : «Saiba, minha filha >>, disse êle


• em voz bastan te lt J') r 1 , r ouvido de todos os presentes, <<que l

daria minh br l11 t Ir n troca de uma só página da música


do seu cont r,· 11 V!ll ~Lobos».
P are -m . up rflu on1entar frase tão eloqüente, que con-
• cretiza m rnvJ lho m nt os sentimentos de humildade de um
compositor qu j lc nçara o auge da celebridade e, ao mesmo

tempo, a profund dmiração que ostentava pelo incomparável •

• • valor do seu colega br sileiro .


Tendo sido evocadas, em outras oportunidades, as múltiplas
e prodigiosas facêta s do talento de Villa-Lobos, músico, limitar-
-me-ei em falar do homem, daquela natureza tão generosa e
atraente que se impunha a todos os que tiveram a sorte de pri-
var de sua amizade, natureza esta que se reflete em tantas co-


movedoras expansões da sua obra monumental .

142 143

O que mais me impressionava nêle era aquêle lado, uin tan to comovidíssima e que ficará gravada para sempre na minha me..
visionário, de sua poderosa personalidade, que lhe permiti scutar mória. O seu aprêço logo se estendeu aos músicos da orquestra.
e penetrar muito além do pensamento humano e a té d J)r6pr1a que ficaram, juntamente comigo, aplaudindo durante muito tempo,
• vida. Atrás de seu olhar malicioso, envolto de aparcnt n dura não somente o genial talento do compositor e a mestria do regen ..
e quase sempre de bom humor, jorravam a cada in t nt • . im.. te, mas também o dinamismo e o vigor do homem que soupe, no
petos e as mais diversas expressões de sua extraord!n l'l origi.. decorrer dos últimos anos da sua fecunda existência, vencer tantos

nalidade. obstáculos que pareciam intransponíveis e afirmar sua esplêndida
Ao contrário de tantos outros que improvisam tltttd · oo vitória no cume da mais mila grosa carreira jamais alcançada por
desenvolverem esforços de tôda espécie. para se torn r 111 orlgi.. um músico brasileiro. -
nais, Villa.. Lobos só precisava ser êle mesmo para por e difc--
rente e impor com a maior naturalidade os traços tão p soais ,
singulares e sempre cativantes de sua realística e invulg r filo ..
sofia da existência. Êle possuía, no seu mais alto grau, fac ul..
dade de persuasão, mesmo quando usava idioma estrangeiro, con ..
forme pude verificar tantas vêzes, entre outras, nas memorâve!s
reuniões no Hotel, ao lado da Igreja da Madeleine, onde residic1
o casal Villa.. Lobos durante as temporadas parisienses do M estre. •

'
Naquelas ocasiões, a pitoresca linguagem que êle adotava em ..
prestava um cunho nitidamente humorístico e bastante peculia r à
conversa, a qual acabava geralmente tomando o rumo que êle
desejava.
Villa .. Lobos era, efetivamente, tão representativo de tudo o

que é essencialmente brasileiro, do autêntico folclore, bem como
do espírito e dos anseios do nosso povo, que bastava me aproxi ..
mar dêle quando eu tinha o coração cheio de saudades, para en..
contrar, seja em New York ou em Paris, a genuína atmosfera da
terra brasileira que êle, sõzinho, conseguia recriar.

Nunca esquecerei as horas encantadoras que marcaram a gra..
vação, no Teatro dos Campos Elíseos em Paris, que fizemos jun..
tos alguns anos apenas antes do seu desaparecimento, da sua
«Fantasia do Momoprecoce>>, para piano e orquestra, que êle fi .. •
-
zera a honra de me dedicar. Eu já tinha tocado essa obra com
várias orquestras, inclusive sob a regência do próprio autor. •
Desta vez. Villa ..Lobos dirigia a Orquestra Nacional da Radiodi ..
fusão Francesa e o ensaio correra tão bem que resolvemo s gravar
na mesma hora. Quando chegamos ao acorde final, iluminou.. se
a fisionomia do meu querido Maestro. Êle me externou seu con ..
tentamento numa expressão de profunda beatitude que me deixou


145 , · ,

1ll o ntão impressa, com capa desenhada por Roberto Bt11·l


M 11· • •
• Alguns anos depois, em 1951, por ocasião das festas da Inde-
ri ndência, realizou Villa-Lobos uma audição pública e oficial de
,111to orfeônico, a que compareceu a missão naval norte-americana

que vinha representar o seu país nas solenidades de 7 de setembro.
AS CANÇõES DE CORDIALIDA E Villa, como fazia em tais ocasiões para divulgar as suas can-

ções, executou com o seu orfeão a canção <<Boas Vindas». Não
vos conto nada : no dia seguinte fomos acusados de <<lacaios de
MANUE 1\/\Nlll li
W ali Street>> e outros chavões do papaguear comunista. Era
preciso desconhecer por completo a imensa alma brasileira de
• Villa-Lobos para admitir que o nosso maestro fôsse capaz da
ILLA-LOBOS, um belo dia, para reagir, como boJ1J 1,, , baixeza de oferecer a estrangeiros o recesso da pátria como casa
contra a popularidade que vinha ganhando entre nós l 1 1 da mãe Joana. Villa, todo absorvido que estava sempre na sua
do <<Happy birthday to you>>, importada dos Estados U11! 11 , 11 - música, não refletiu que as palavras da canção <<Boas Vindas»
tada a princípio na letra inglêsa, traduzida depois est J Ir- <> ditas a norte-americanos poderiam dar aos comunas um comedís-
português ( <<Parabens a você»), resolveu compor uma canç 1 1, 11 simo pretexto para as suas explorações nacionalistas.
substituí-la, a que intitulou <<Feliz aniversário>>. Logo a u 1 1 l ! ,
E foi assim que a nossa amorável cançãozinha, feita para os
se ampliou a outras canções de caráter convivia}, e foi a 1111 111t•
irmãozinhos brasileiros, como diria o saudoso Ovalle, nascida de
• escreveu as toadas <<Boas Festas>>, <<Feliz Natal>>, «Feliz A11
Nôvo>> e <<Boas Vindas». Deu-me a honra de me pedir letra p 11· , uma iniciativa de Villa para prevenir o nosso povo contra o es-
essas melodias, o que fiz com grande prazer de colaborar na Sll pírito de imitação do estilo de vida norte.-americano, andou crisma-
patriótica tarefa. Como sempre, em casos tais, forneceu-me Villa d de «Hino aos norte-americanos» !
o chamado <<monstro>>, coisa que ainda não vem definida no dicio- A verdade é que nas <<Canções de Cordialidade>>, como em
nário de Aurélio Buarque de Holanda e é uma letra formada dl t lI ua obra, tantas vêzes genial, Villa-Lobos foi sempre e

palavras que podem não apresentar nenhum sentido, contanto que 1111 d tudo brasileiro bom brasileiro, grande brasileiro !
se ajustem perfeitamente à linha da melodia. Mas os <<monstros»
de Villa nunca eram precisamente monstros : tinham sentido e
Vil la-Lobos

traziam sempre a marca de sua sensibilidae forte e generosa.
Por isso, na minha tarefa de poeta, procurava eu sempre ajei:-
tar-me ao sentimento de Villa e aproveitar o mais possível o seu De l lt r V 111 1. l Jz r que. ainda morrendo
texto. A tal ponto que hoje, nas letras das <<Canções de Cordia- depois dos set nt n , 11 r li p 111 tur m nte. Porque fechou
lidade>>, já não saberei dizer o que é meu, o que é de Villa. Lem.- para sempre os o1h qu n I n d(\ 111 u música prenunciava
bro-me que a letra que me saiu melhor foi a de <<Boas Vindas:->, qualquer declínio, em qu li d tt qt1 1ntid .de, da sua imensa fôrça
porque nela me esforcei em me servir da linguagem coloquial que criadora. Basta lembrar qu 6 om es enta e muitos anos êle
nós brasileiros usamos quando somos visitados por algum amigo : ' <<acertou a mão» no gênero do qu rteto de cordas. A expressão
·<<Seja benvindo ! A casa é sua ! Não faça cerimônia, vá pedin.- «acertou a mão>> é dêle próprl.o em conversa que teve comigo ao
·do, vá mandando, etc.>>. Foi isso em 1945, e as <<Canções de tempo em que compunha o Oitavo Quarteto .
.Cordialidade>> foram publicadas em 1946, datas que figuram na


' •

• •

1 •
146

«A verdadeira sonoridade do Quarteto>>, disse.. me ' le, <<é a
de Haydn. Beethoven é demasiado egocêntrico : é êle, le e mais
nada. Beethoven, sinfonia ; Haydn, quarteto>>.
«E na música sacra, quem é que é?>>, pergunl i 1 bendo
que êle estava trabalhando num <<Magníficat>> par
V 1ticano.
l-IEITOR VILLA-LOBOS
Villa sorriu: - <<Perosi>>, •

E eu: <<Perosi ? E Palestrina ?>>


MANUEL GOMES CARRILLO *
<<Palestrina, Vitória são muito rigorosos, 111lt ll 1·1 Idos.
Sahes que eu sou pecador: tenho pecado muito ».
Atrás do Oitavo Quarteto vieram ainda oito, s 11 e 111 ,i , não ERSONALIDADE, talento, inspiração, imaginação, técnica, s.a be·
estou a par da produção verdadeiramente torr n 111 \e· Vil}a .. doria, raça, tudo isso se reúne em Heitor Villa-Lobos e o engran~
..Lobos. Torrencial, genial. Porque êle foi um g tl l{ 1 I<, os os. dece no panorama da música universal.
aspectos em que se considere a palavra: inovac; - , 11 tlt\tl ncia,
Sua mensagem singularíssima expandiu... se com o vigor do
personalidade, profundidade, identificação com a al1n 1· 11 povo
autêntico. Sentiu e amou o folclore de seu país e inspirou .. se em
e a alma mais vasta da espécie. Falando cert l Villa,
suas mais primitivas fontes. Daí a música de Villa... Lobos, po~
confidenciou .. me Mário de Andrade que o colo t LV tl111 nio
tente, rica e generosa como sua pátria, belo exemplo de quem
criador acima de Stravinsky. E explicot1 : • o r 1 ge-
soube se expressar com a linguagem nativa, Villa-Lobos chegou
nial mas apóia .. se numa cultura im n s ; p . . q I Vill I ha ..
a ser universal, porque cantou o Brasil .• ,
va tudo por intuição, u oluçO s r 111\ rtl 1,I Ir 11, nt golpes
Além disso marcou sua excepcional capacidade criadora e téc.-
de gênio.
nlca. O que mais admirar em suas célebres <<Bachianas>>: o do-
· Todavia, por e tranho qu p r ça, nunca foi o Villa pode-
mlnio das formas contrapontísticas que exaltam o espírito de B:ich
roso e desmedido como uma fôrça da natureza, o Villa que para o
u o t nto para transmitir a atmosfera e o perfume cativante da
estrangeiro representava a grandeza e o mistério d_as n~ssa~ sei..
r il 1,: 7
vas dos nossos rios. O que mais me surpreendia nele e que
tan~as vêzes pudesse dominar a sua perene, tumultuosa violênci.a V 11. • obo foi um criador incansável e fecundo. Escreveu
criadora para se exprimir suavemente, docemente em algumas m_1.. 111ulto bem. Proclamava como sua máxima : «Para
niaturas perfeitas pelo equilíbrio, pelo bom gôsto, pela graça ,as escreve -s b m d v -se escrever sempre e jamais crer que já se
vêzes quase infantil. Penso em certas serestas, em certos choros. escreveu o b stant :t. A riqueza de sua obra está assinalada pela
autoridade e sabcdori de mestre •
Era um gênio mesmo, o mais autêntico que já tivemos, •

O Brasil e o mundo choram, hoje, a ausência física do mú~


se é que algum dia tivemos outro.
sico, porém em sua pátria se chora também a perda do incenti-
Falei em certos choros de gracioso dengue brasileiro. Pois
vador inigualável da evolução artística dêsse grande país. São
nesse gênero, que foi, na música erudita, criação sua, deixou êle
inesquecíveis as concentrações orfeônicas realizadas por Villa-Lo-
• algumas páginas da mais alta inspiração, como é o estupendo bos. Coros grandiosos de até 40. 000 escolares, dirigidos pelo
«Choros nQ 10>>. '
' * Compositor e Folclorista Argentino .


148

Mestre, se constituíram na expressão viva da cultur 1 r 11 Ira e


da alta capacidade organizadora do ilustre músico. M 1ll1 1r s de
crianças, vindas de todos os rincões da pátria, ex per iro 11 t , 1• 1m a \

beleza do canto polifônico multitudinário como muito p u, , v zes


na história de qualquer país. Também disso foi cap 1z Vt ll 1· o~ VILLA.. LOBOS
bos, o homem exuberante, ativo, vital.
Nós argentinos saudamos em Heitor Villa..Lobo. , M11 l · MARCEL BEAUFILS *
da América. Desejamos que nossos irmãos do conti I l 11t
o testemunhem, em um momento digno de tudo que r1·111•1 1·11t
s gênios, em mú sl I n10 m pintura, são sempre, e sobre ..
para nossa cultura o querido e grande desaparecido. , 1 11 1
tudo, poetas ; porqu t 111 a i11tuição através da qual nem o dia,
que se erija êsse monumento o quanto antes.
nem a noite, nem o 1n r , 11 111 t 1·r foram vistas antes. E,
assim, assemelham-s 11 1·l 1nç ; não por serem infantis, mas
porque conservarain •n• o d ssencial. A ssim, Villa.. Lobos
dialogou com o Mt111 1 , , 110 Mundo com os pássaros e as

crianças.
Se tivesse qu ti· 1~ 1r , ·u perfil no que há de mais profundo
na nossa lembr nç i, 1111· · 1 11t 1•]0.. ia a devassar com olhar pene-
trante de profet 1 111 1 11 , horizontes : para além mesmo do
• dos pensadores, por~111 l 1,111 1 crianças, Villa-Lobos não se ilu..
dia consigo mesn1 . N11 111t1r1do que êle admirava e que tanto o
seduzia, não ex! ti 1 11 1 ,,,. p1·ia pessoa. E isso se passava as ..
sim : como as ri 1n1,1 1, l i f ,zia o esbôço da criação artística e
qt1 b r v co m g t 11 111!) t iro ou gracejo caprichoso a forma
qu p rs til 11 11111·111 r1tava e que vazaria em moldes defini ..
tiv • ln. t, 11t • 11·1 111 •
m ri 111~ 1 ·I f stava ·na expectativa de melhor inspi..

• •
raça 1n 11 . 1 1111 cirt11 n , •
Os n1 •t111 t 1v 1111 j uns entre a infância e a idade em que
1. as coisas · ri I d vl <l n 1. rcam para a existência as fantasias
de uma certa ul tttr 1 lnr,
Os outro r n11 1lncl , modeladores de fantasmagorias ina ..
pagáveis. E Vlll • b · lhes narrava .•. <<vê Elizabeth>> e o
olhar da criança clntllav ante a história que ia nascer e que re ..
viveria depois. •
«Na floresta virgem, eu tagarelava com os pássaros. Tinha
eu um flautim e cantava as mesmas canções dos passarinhos .


* Musicólogo Francês. •

150
'
Então, logo êles me reconheciam : um homem, um n!1n l raro, '

que conhecia sua própria linguagem>>.


<<Sles me respondiam, e eu também lhes respondi 1 1
Qual a criança que não o compreendia imediatn111 1 1 · I Por.-
• •

que todos nós fizemos o mesmo, mas não na florestn vl1·11 ·111. Lá
estão milhares de pássaros, cuja tagarelice gazil n o 111 Jl rrnit
DA VIDA E MORTE DE VILLA--LOBOS
ouvir--lhe a fala, mas nos deixa perceber clarament ·11 111t !

Velho mito, realidade inelutável do poeta : o páss ,, 111 f1· l 1 11 , (O Ciclo Terminado em Sonho)

sua árvore cósmica... Os adultos sacodem desd 1111 1111 ·11 • os
ombros. As crianças sabem que o mundo está pres 11t • 11,1 1r·v re MARcos RoMÉRO

cósmica, onde os pássaros murmuram reciprocament •
. 1111 t '•1·ios
fantásticos do mundo.
<<E sabes François? Sabes tu, Dominique ?>> (MI 11 1 . or- última visão que tiv d Villa-Lobos me veio através de um
ria incrédulo. Era um espírito forte.) sonho envolto em atmosf ro d irrealidade. Sonho que estava à
porta do Municipal à sr r de Mindinha e do Maestro que che.-
<<Sabes tu que os pássaros conversam entre si ? l c1l ll ·m.
gam em cima da hor d n êr to. Chegam apressados e vesti.-
vejamos: na floresta não há quase ninguem: índios . 0)11· ·t11,I
dos de prêto. O Ma Rlro rr111ito pálido, o rosto emaciado. Quan--
selvagens, pobres ou enfêrmos, êles são tão velhos, tão , 11, ,,1 a
do assomei ao cama t J porei com o palco banhado em luz
que se esqueceram de suas próprias histórias, suas lend 1 , u :i
amarelada e repleto d ,·i 11) em tremenda algazarra. Súbito
canções>>.
o Maestro entra em 'II 1, 1 crianças silenciam, êle levanta os
Em todos os países há sempre a recordação maravill1 de
• braços, o côro se ini ! 1 <> .s nl10 termina. Acordei no dia se.-
canções. Aqui não.
guinte sob a angustl c.l 1 11111,1· s ·ão de um pesadêlo. A fatal ca--
Felizmente ainda existiam papagaios. Aos milhares, em pro- deia dos acontecim nt • e 1111l·lntta com a repentina chegada de um
fusão de côres azul, verde e vermelho e como tempestade de gritos disco a «Flor stn d /\111 1::- na ». enviado por Bidu Sayão, o úl-·
e de risos. Sàmente êles se lembravam das histórias da floresta, tln10 gr v d J) l ·c1 1111ic1. lt r e sua maior intérprete. Intensa
dos ·animais e dos homens. Mil anos ainda e elas serão lembradas al g ·!ri, prof11n,l 1 11'1 1, ,1, Bldu, ao recusar vantajoso contrato
• pelos papagaios • que 1 v 11·11. 11c11· 111111!1.1 Jni !ativa, ao Japão e à ín.d ia, me anun.- •

E o sorriso do homem que, talvez, mais tivesse amado as ciav qu 1 ,J IJ,11 t I cl Amazonas>> era o ponto final de sua
crianças desfazia com a confiança da inspiração todo o quadro carreira. cll. o 111t· 11 gou a 18 de novembro de 1959 e eu
indelével. Entre elas e êle se postava solícita a figura generosa não sabia qu VIII 1, 1, morrera na véspera, pois me encor1--
do poeta. Um disco << Uirapuru>>, <<Erosão>> : e a floresta ressur.- trava em pôsto no f nclJ di3tante.
gia, grandiosa e verdadeira. • Assim se fechot1 , nt1· onho e realidade, o ciclo de meu co-
Hoje, no <<hall>> de nossa casa, há uma gaiola de pãss ros nhecimento de Villa~Lob s, que se iniciou em certo dia de 1931.
do Senegal. quando a figura fascinante do Mestre indelevelmente impressio,
Tôda vez que ouvem pelo disco a Floresta e o Sertão, eu nou o menino de 7 anos, aluno da primeira série primária da Es-
sou testemunha os pássaros desatam gorjeios incontidos de cola Pública Soares Pereira. Lembro--me muito bem daquele dia,
alegria. · há trinta anos passados, quando o Maestro veio inspecionéiC o
Como os pássaros do Amazonas ..• ensino de canto orfeônico. A presença de Villa--Lobos, o olhar


152

magnético, o gesto firme, a cabeça leonina, tudo 1 11 l11ft1ndia


respeito, impunha o silêncio e concentrava· as at 11,_ , , ~ i.tou
vendo Villa-Lobos com o diapasão, aquêle apito qu , 1 1ll1' eia
um brinquedo, a mão levantada e os alunos cantando , 11111 Na-
cional. Ciclo aberto e fechado estranha coincld 11 1 om
Villa-Lobos dirigindo um côro de crianças.
Nelson Roméro em 1941 levou-me ao Conserv t 11 c1 N 11 <)~ O QUARTETO .D E VILLA-LOBOS
nal de Canto Orfeônico para apresentar-me ao M t1·
os originais das canções folclóricas que Sylvio Rc,111 11 MARIUCCIA lACOVINO
para Nepomuceno colocar em pauta. Recordo-me qlt ·
bos longamente falou sôbre o papel da educação atrav · 1111
coral, uma de suas preocupações fundamentais, a sua ]ui , f f 111 o ano de 1943, x 111 I ttr, 1 c.l Sociedade do Quarteto, man·
de tantos e tantos anos. Foi naquela ocasião que p 1 J , 111 ir , tenedora do nosso li 11·t to d Cordas, que na ocasião se cha-
vez eu vi a figura loura de Mindinha Villa-Lobos. N mava Quarteto Iacovl11 , Íll J>rocurar o Maestro Villa-Lobos para
dizer e creio mesmo que os estudiosos terão dificuldad 111 ,v ,. dizer-lhe que querí 1111 • l rr um quarteto seu em um dos con-
liar se as composições serão mais importantes do que 111 , 1 certos que oferecíarn . , 111 .11 lmente, aos nossos associados.
Villa-Lobos no terreno da educação musical. Aspecto 11 111 11 Pedi-lhe que n n ll s e qual desejaria que tocássemos.
curado, antes pelo contrário, no magnífico editorial em 1111·, Para minha grand , 11,·pr . ,1, indicou-me o Quarteto n 9 1, obra
meu pedido, o <<New York Times» celebrou o 70Q aniver 1 .lt
da mocidade, não I t 1 11, inteiramente desconhecida entre nós
Maestro. naquela ocasião; obr l I qufll não ouvira referências. Fiquei
Quando Cônsul do Brasil em Nova York fui encontr I lo desapontada, pois . ,, r v· que Villa-Lobos me desse uma obra
repetidas, inúmeras vêzes, de 1955 a 1957. Desta fase gu I mais importante, o ti 1rt to n9 3 ou o Sexto Quarteto, por
como tesouro inapreciável não só cartas, fotografias, · discos uto ... exemplo. •

grafados, mas ainda a memória de uma convivência que passava Recebi o 1111 ·I, ( u rt to, manuscrito, levei-o para casa,
pelas cumiadas da glória nas noites das consagrações no Carnegie: passei lh . J 11·1 !t1r· ; tratava-se não prôpriamente de um
Hall, a <<Premiere>> mundial da 1111o Sinfonia, em Boston, o con- Qu rt·t 1111 I · 11111 1 t1lt » para Quarteto de Cordas. Mos-
cêrto com a Filarmônica de Nova York, quando êle completou trel- n1 u ) J1 • reação foi a mesma.
70 anos. AI t, o 11 1 v 1 violoncelista radicado nos Estados
Assisti Villa-Lobos ensaiando Segóvia, repassando com Jen- Unidos, qo r ,, loloncelista de então, recriminou-me o
nie Tourel, Bidu Sayão, Lily Pons, Mattwilda Dobbs, conversando modo porque tt fiz · o dído a Villa-Lobos:
sôbre teatro, música, dança, pintura e literatura com Gilb rt
Amado, Massine, Munch, 'Edward G. Robinson, Mary M rtin, «Mariucci • v e n~ o soube falar, devia ter pedido o
Brailowsky, Rubinstein, Kostelanetz, Howard Taubman para m n- 3Q Quarteto. Se voe tiv · dito ao Maestro que nós queríamos
cionar algumas das celebridades que o procuravam. Vil]a.-Lobos tocar o 39, êle teria emprestado a partitura~.
na intimidade do lar, aparteando a conversa, enquanto compunha O desejo dos meus colegas era êsse. Todos nós queríamos
ou corrigia os originais. Villa-Lobos enternecido, fazendo «bia- tocar o 311,
gue>, fumando charutos sem cessar, como não cessava de traba- Telefonei à Mindinha, e ela, com aquela amabilidade que lhe
lhar, de criar. Saudades, recordações para sempre .•. é peculiar, foi dizendo: vem jantar e conversa com Villa-Lobos .


154
155
Fui e disse ao Maestro que eu e meus colegas pr ·f ,. 1111, t ilr
9
o n" 4 ou o n 3. Villa-Lobos não gostou. · seu canto de despedida no gênero que êle mais prezava, pois, t

forme mais de uma vez o ouvi dizer, os seus Quartetos con ti


<<Como?>> disse-me êle. <<Vocês estão acha11,I 1111111,1 f.1 ·i] tuíam, em sua própria opinião, o que de mais importante compô .
ou muito simples, o meu primeiro Quarteto ? Poi f J1J11 111
Deu~me Vlla-Lobos o 179 Quarteto ( que é, como a maior
do que um pai não repudia nenhum dos seus filho. J.1111 J() ltl
parte de sua obra, dedicado à Arminda, Mindinha, como êle a
20; gosto de todos igualmente, nascidos carecas 11 1 1!1 1111111• •
Bem, voltei para casa, estudamos e tocamos o Prim ·lrt 11 11 t t ,
chamava), exprimindo-me o desejo que tinha de ouvi-lo quanto
que foi muito bem recebido pelo público e pela 1·1( 1 1, 1 111 ,1 antes. Faltavam as partes. Arminda afastou logo os óbices.
disso, tocamos muitos Quartetos de Villa-Lobos. V 1 t 111
Copiaria, como de fato opiou, as 4 partes instrumentais, para que
primeira audição, o Oitavo, por exemplo, que nos · 1 li , 1,,,
1
o nosso <<Quarteto do Rl d J neiro» pudesse satisfazer a vontad2
o 119, 12'1 e 169. do grande compositor, con10 m outras ocasiões já tivera tido a
alegria de poder faz r. (C n10 é público, o meu Quarteto deu
Aliás, a respeito do 11 Quarteto, divulgou-se h t 1111111 11111
9
várias primeiras audiç . d s ttS quartetos.)
informação errada, que aproveito para retificar. D 1111, , 111 J-
Vim para o Br • li. VJll --Lobos regressou à América do
meira audição mundial dêsse Quarteto em 1953. Alr l 1 ,,,,.,
Norte, onde entreg u tttn 1 pia da partitura a um amigo, que
em carta, Vasco Mariz, que está preparando uma nov 1·11 111 ,1
lhe pedira para da u1n Quarteto de Cordas, cujo nome não
um seu livro, alude ao fato com a data precisa. Por 11111 ,1111,
revelou no momento.
o Dr. Andrade Muricy, posteriormente, atribuiu a prim Ir· 1 11111
ção dêsse Quarteto a Uni outro conjunto. Escrevi ao Jlu. (1 1 1 • •
Quando, afinal, lt u ~ o Rio, foi logo me perguntando :
tico, restabelecendo a verdade e pedindo-lhe que retificass 1 11
11 <<Cadê o t u 11 11·(' to, Mariuccia, quero ouvir o 17º>>.
tícia, mas penso que minha carta não chegou ao destino.
<<1'>.1:eu violon 111 t I tá na Itália, Maestro>>.
Voltando ao Primeiro Quarteto, como já disse, temos toc,,,11> <<Dá um j l . l r I o ouvir o 179 >>.
quase todos os Quartetos de Villa-Lobos no Rio, em São 1i1J ,
Curitiba, Belo Horizonte e tantas outras cidades do país e no x- Estive a plqu cl l 1· 111n violoncelista francês, mas, no último
terior, como, por exemplo, no <<Festival Latino-Americano de momento, sobr vi 1· 1r11 ,llfi uldades. Voltei à estaca zero.
Montevidéu>>. E quando tocamos pela primeira vez o Primeiro Pot· 1, e,, VIIJ ,,~Lobos estava já inquietadoramente
Quarteto, não poderíamos imaginar que, após tocar tantas vêzes cnf r1n , VI 1 <) c111 1 e l riamente na Casa de Saúde e, em se-
os últimos Quartetos (o 171' principalmente), voltaríamos a tocar ,,t ,
guid,1, tt 1 • ·11 JJ) 11·!,1111 aonde voltou para morrer.
repetidas vêzes e com tanto agrado o primeiro da série de Qt1ar- No. 111 111 ·11t1> 1 JII lhora, voltava a falar no 179, Era o
tetos, que talvez seja o filho mais belo do Mestre.
seu coo t 11 t 11 11• 111 nto. O violoncelista do nosso Quarteto
não cheg u it t 111 , p la primeira vez, não pude atender ao
O último Quarteto de Villa-Lobos Mestre. Villu--1, 1, 11 r cu sem ouvir o seu 179 Quarteto que
só pudemos ex cut r, n1 primeira audição no Brasil, meses após.
Li, num recente artigo da Seção de Música da <<Última II r . , No entanto, viemos a i b r que, ainda em vida do compositor, o
evocador da figura de Villa-Lobos, a afirmativa seguinte : «Não famoso Quarteto de Budop t ( evidentemente aquêle para o qual
conseguiu parar. Não parou de compor até morrer». fôra pedida a Vil]a-Lobos, na América do Norte, uma segunda
Essas frases transportaram-se a Paris, onde recebi das mãos via da partitura) já havia executado o 171' Quarteto, obra na qual
de ViJla-Lohos o manuscrito original do 179 Quarteto de Cordas, Villa-Lobos se renova buscando maior simplificação de estilo,
• motivo, sem dúvida, da sua ânsia de ouvi-la,

'
1

VILLA-LOBOS MEU DEPOIMENTO


'

MIECZYSLAW 11< Ili 11 MINDINHA


( Tradução de Man11 I J 11 I Ir )

Ão poderia faltar a nossa palavra simples, emocionada e


a música de Villa-Lobos eu reconheço o Brasil. l , 111 111 111 Iro cheia de grandes recordações, no programa que, com todo o ardor
lugar a paisagem, vasta, variada- ~m seus mil asp t 11 l 11111 s vimos coordenando com a valiosa cooperação de amigos lea;s e
em seguida a alma brasileira, que vibra de mil 111 111 · 11 111 n- devotados do nosso saudoso homenageado.
peradas, a cada apêlo do coração.
Villa-Lobos, o incompreendido de muito qu não privaram
Que felicidade única para um povo ter dado n,,. < J,111 ,1111 1 de sua intimidade, foi a figura humana m is . tr ordinária que
um gênio que o representa tão admiràvelmente 1 conhecemos. Amigo leal, companheiro d clJ d . m(1sico intransi-
Algumas obras de Villa-Lobos são dificílimas. A t1· , 1 1 ( 1 gente mas reconhecido aos seus fi · is intt rpr t . • for m as facêtas
execução terá que fazer muito progresso antes de 11 g 1r admiráveis de seu caráter.
l - •

zê-las ouvir corretamente. ~sse problema impõe um gr 111d de· Lutou vigorosamente contr m 1. f ,· z d s enfermidades ;
ver a todos os estudantes de música no Brasil. trabalhou até o seu último I nt • N ll111ltou sua existência às
precárias fronteiras d . 11tllç 1111111 111 • A golpes de gênio,
cri ndo m mo no11 n, 111 nt l n1 lor ngústia e dor, Villa-
-Lob 011 t ' t1lu. 111!1 , Jlr [)1'1 monumento de sua glória.
Jam. 1 orr u 1t1• ,. 1 lt,ttv 1· gru lo os.
Ü :J in. t 1nt i cl 111 11. Jlt1r pr z r de seus últimos anos de
vida for~ 11 < 111 lJtl • 1 1 u s «tournées>> pelo mundo a
fora, pôde OltVlr • li , l,r 1, , r • olhendo das multidões o frêmito
afetuoso e entusl \ d 1pl11u o. Recebia consagrações e hon-
rarias com a simpll id cl do g nios e sentia-se feliz de ver sem-
pre ao seu redor os rulgo lnceros e verdadeiros.
Foi extremamente reconh cldo àqueles que, de qualquer modo,
procuraram ajudá-lo no inicio de sua carreira artística. Com êle
aprendemos a querer bem e a ser gratos a Gilberto _2\mado, áOS
Penteado, aos Guinle, a Santos Lôbo, a Paulo Prado, a Ru~·n-

* Pianista Polonl!s . stein, ao Bouças e muitos outros.




158

Sem o calor de sua presença ir1·adi~ nt 1111!11 1, 1 11! 111 l 11os,


• no entanto, haver concorrido com uma p qt1 111 1111 1 1 11 1 1 ele

nossa dedicação, nosso profundo respeito e ad111Jr tç 1cl , l111·f11do,
nosso amor puro e sincero, para a sua tranqüllltl 1111 11 111 1l11zlr
e ser feliz. ·
Não fomos a sua Musa Inspiradora. VJ!l11 l .111111 1•11 11! 1
dentro dêle mesmo a fonte inesgotável de inspi ' 1ç 11. COMO SURGIU A CANÇÃO DE CRISTAL
/

Estamos convencidos, isso sim, de ter sido , 111 1 11111111!1 1,· 1


MURILLO ARAUJO
e colaboradora de tôdas as horas ; que não te111 11 , 11 1 •
humanas e enfrentou, sem esmorecimentos, tôd s 1 11 111 1• ti

incompreensões, visando sempre a sua f elicidad J'> , 11 1l


ILLA-LOBOS, o gr'111 1 o tc1. dos sons, tinha, como todos os
Com que emoção nos recordamos, vê~lo escrev 11 111 111111r1 r,rr .. poetas, uma alma ilu111!11. 1 1 ·ri nça. ,u
meiras notas de uma nova criação musical, a ca1·11,l 11 lc· 11 , .. Era, porém, umo d· 1 1·11 11 ç d início esquivas, que ar~

tória <<A Miudinha>>. :.Ê.sse é o tesouro inestimáv 1 11 · 1111 í ,1 mam cara feia para o ,'1 1 t ltl . ; ,no qu obrem depois aos
legado e que guardaremos no fundo de nossa alm >111 11fl11lt I que lhes souberam 11c1 11 t 11• 1 ··111fl n 1, o d licado coração IC•
saudade. p1E to de bondade e 1 1111 r· 1,
Suas reações 1· 111 111•l111 IJ1l 1 11'1 b 1t ,d s · bruscas.
E eu bem senti ,1 ·, l 1 ,· 11 1tJll l t rd 1n que o en ..
contrei na ABI, int 11111 1 111 n111r 111 u . partida de bilhar.
Jáme fôra d d 1 1 ,1 l 111, l flg11 r com meus versos ao
lado de sua paut li 1 1t 1 · 1 ,,, 1,· : 11 . untro de suas composições.
d sd «Cttnç · 1, 11111 1 11 1 , d qu r s ultara o nosso conheci-
1n nt 111(1tu , 11 1111111 11 111 r Mos me confiara a missão de
e rvrll, 1l·t11 ,
J J' 1 1· 1111·• 11111 111 11r 11d músico muitas provas daquela
- generos . 1111 1 tJIII r, f) 1·.1 mim alegria tão rara como alta

glória .

Por isso n ql1 I · tll I llrl 1-me a êle cheio de esperança para
o favor que vinl1 1clt 1 -111 .

Maestro clJ s t nho tido a fortuna de, por mais de
uma vez, entrar com m u po mas em sua música. Queria ago1·a

que me fizesse honra maior, musicando uma canção que escrevi
há pouco.
Para surprêsa minha, Villa~Lobos suspendeu a tacada que ia
• desferir, com ar sério e frio .


161
160
E quando indaguei do encarregado, na Associação, se havia
É : mas eu já havia jurado que não compor! 111. 1. nada qualquer encomenda para mim, recebi, numa caprichosa cópia, ::i
no gênero depois das minl1as serestas respondeu. sua música da <<Canção de Cristal>> !
canção, além do mais, é para voz de homem. Pior aind 1 1
Dias depois fui chamado à casa do Maestro onde conheci a
Está bem. Fiz-lhe êsse pedido por saber com q11 cili- extraordinária artista Cristina Maristany que, com sua aprimorada
dade compõe : mas se é assim não falemos mais nisso •.• técnica e sua voz de ouro, interpretou pela primeira vez a nossa
E tratei logo de retirar-me. -
cançao.
Villa-Lobos, porém, falou-me disso no outro dia De regresso, finalmente, de um . d ti (1ltimas viagens à
zes depois, tôdas as vêzes em que nos encontrávamos. Europa, Villa-Lobos prc entcou-m on1 x mplares da <<Canção
Onde estão os versos ? dizia. de Cristal>>, que acabo1· ele er lind m nt ditada em Paris pela
E como eu lhe replicasse que o assunto estav ll tttltl do, Casa Max-Eschig.

insistia : Depois de amuo p ssageiro, a criança, que era no íntimo a


alma do gênio, sorria enfim . . . sorria com aquela alta luz de
Mas eu quero ver o poema. Eu também go t 1 11. os
• bondade total .
coisas.
Não. Aqui não. Empreste-me o papel para eu l r •
casa. O Papão Carinhoso
E, na primeira ocasião em que me viu depois, foi me diz ntlo
Admirei Villa-Lobos desde os dias de minha adolescênciél
logo com um franco sorriso :

insubmissa . • • Mas eu o admirava e o temia .
Ah ! mas aquilo é muito bonito ! Aquilo eu não lh d • Por sabê-lo para o vulgo <<meio louco em sua música auda-
volvo já porque quero musicar !
ciosa>> eu, fervoroso, o admirava : e por o julgarem <<áspero, ar.-
i Sucedeu, porém, que a seguir enfermou gravemente. rogante, orgulhoso e intratável>>, eu, retraído o temia. ·
1 •
Pensei que, em meio das mais graves apreensões, lutando
Inquieto, evitei até várias vêzes ser-lhe apresentado por ami-
com a morte, não se lembraria mais, é claro, de meu modesto
g s comuns.
pedido.
Alisim, não foi muito tranqüilo que, num dia de abril de 1940,
Quando voltou da América, onde fôra operado com êxito,
li, num rt que me endereçara Herbert Moses, estas imperio-
felizmente, fui visitá-lo. E recebeu-me, ainda muito pálido e es-
sas p lt)v r· M : «Meu caro Murilo. Eu não costumo dar ordens,
tendido em seu sofá, com estas palavras amigas :
mas dest v z vou dar. Você está intimado a ajustar sua poé-
Oh <<coração dos outros>> ! Foi preciso que eu quase tica com p util <.lo Maestro Villa-Lobos, para juntos comporem
morresse para você vir aqui me ver ? a canção da n 8 1 · e».
Conversamos sôbre muitas coisas, mas não lhe toquei, como E esta ! pu - m pensar. Como o Júpiter trovejante dos
era natural, na canção. • sons, o Senhor dos rolos d harmonia iria receber o simples mor-
Passaram-se meses. E já nem me lembrava mais do caso tal'. fiel de Apolo, que er u1
quando fui chamado ao telefone. Era Villa-Lobos.
Hesitei dois dias antes de, por telefone, dirigir-me ao grande
Passe logo mais pela ABI disse êle qu hã lá qual- homem,
. -
quer coisa para voce. •

• •

-
163
Quando o fiz finalmente, a rcspost v I
uando, ao terminar, perguntou-me ingênuamente se haviu
Quem está falando ? Que desej, 1 1t1!ltado, respondi com entusiasmo:

Maestro balbuciei é algu é111 q11c· fc • 1111111 :10 Ah, mas seria um crime deixarmos de utilizar uma mara-
incumbência de colaborar com o senhor nun1 t1• 11 111111 1 • • •
Jlha dessas. Terei mesmo é de procurar entrar em stta melodia.
- Mas quem é afinal? replicaram 11t1111 111111 1111 111 cl,·11 E você pode ? disse êle, abolindo já o antipático e ce-
ganas de desligar o fone e desistir ... rimonioso <<senhor>> inicial,
Sim; vou tentá-lo pelo menos, com o máximo empenhe.
Com decisão, todavia, al'ticulei corajosament 111 11 111,111 ,
Façamos já o monstro.
E, para surprêsa minha, tudo se transfo1·1111 11 1 ,, 111111
Começou então o compositor a ditar-me palavras sem nexo,
aquela voz doce de cordial bondade, que tinha p l' 1 ll1111 l11rl11 1), mas encaixadas exatamente na melodia a fim de serem depois
artistas, que Villa-Lobos me falou :
substituídas por versos meus de metro e ritmo perfeitamente
análogos.
·ó meu querido poeta disse. Mas hã 1 f tJtt
estou à sua espera. Onde poderei procurá-lo ? Num dado momento, a certo período que ditara, eu o in-
terrompi:
Apressei-me em dizer-lhe que eu é que iria ao li 11 111111 •
onde êle quisesse. Desculpe, mas esta frase não concorda com a prosódia
musical .•.
Ah, sim? Nesse caso estou à sua espera aqui n 'I MA . •
Está bem ? Venha logo. Villa-Lobos esfregou então as mãos de contente, satisfeito
com o resultado do seu ardil, e gritou para a devotada irmã de
Dirigi-me pouco depois àquele departamento da Prcf lt111· 1,
sua vida, que se achava presente :
destinado ao Canto Orfeônico e situado no Edifício Andorl11l1 1.
E nada vi de terrível no rosto sorridente, com a candur t;:le faz Mindinha ! Já vi que êle é capaz de fazer l
criança grande bem própria dos artistas puros, que me recebeu A d sp did , dls. - 111 nl gr :
com singeleza e cordura perfeitas.
• 1t1 nl1 t,· 11· 1 1 l tr 1
Pois é disse Villa-Lobos enquanto com um gesto,
- /\1111111!1 ,1 11 11111r111111· 1 1. u ·t do. Tremo ante a res-
me mandava assentar, o senhor não apareceu logo. E para nao
p 11 1b li l 1 1· 1· 11l 1l 1 ,. r ·0111 VJJlu-Lobos ...
perder tempo eu compus aqui uma coisinha para acertar a mão ...
N . 11 111f 1· f ,. 1 , 11111 • b do. E quando dois dias de-
Mas naturalmente não vai servir ; porque o senhor há de quer r
escrever primeiro a letra, que é mais fácil e é o que geralment pois, nn fJt111 l I f ·!1·1 1, 1111·1• < 11t j .. Jho poema acabado sentou-se
se faz. logo ao pJ 1110 ,l ·1>111 <l Jf j -lo, teve para comigo as mais
generosas p lavr, , :

Maestro falei eu gostaria de ouvir q11
campos. Está ótimo, x t I eu trabalho é magnífico !
~

Ah, quer ouvir? Então vou tocá-la. Dias depois convldou-m para a primeira execução do nosso
trabalho, pelo Orfeão de Professôres, no auditório do Instituto
Sentou-se ao piano e brota_ram de sua mãos m gfcas os.
• •
de Educação. A audição, com a presença de todo o Conselho
acordes heróicos da <<Canção da Imprensa». 1
Deliberativo da A.B.I. e de seu Presidente Herbert Moses, que




164

disse uma de suas breves e cordiais alocuções, foi r )lz, d no


dia 25 de abril de 1940, às onze horas de uma linda 1u 111!1 l, A
canção foi calorosamente aplaudida e várias vêzes rep tltl 1. E o
bom Villa-Lobos fêz questão de dividir comigo um pou o 1 ·u;.1
glória, pedindo <<salvas de palmas para o poet,a>>. E em t g11id,:1
veio buscar-me pela mão para que recitasse sem música o po 111 1,
que <<considerava esplêndido>>, o que eu fiz, ovacionado pelos 111· ·-
sentes, contagiados pela liberalidade daquela grande e nobre al1n11. VILLA-LOBOS
E nasceu assim a alta e sincera estima que desde então m
ÜCTJ\CILIO DE SOUZA BRAGA
uniu a Villa-Lobos, estima que foi uma das grandes festas da
minha vida, e agora a morte muda em meus olhos num orvalho
de mágoa.
ILLA-Lonos, o maior músico das Américas, o conhecido, aplatt-
A <<Canção da Imprensa>> seguiram-se para mim 19 anos de dido e querido em todo o mundo, deu inequívoca demonstração da
afetuoso convívio com o Maestro Villa-Lobos. Dezenove anos sua vocação de grande educador, implantando no Brasil o Canto
de uma amizade que contou em minha vida como pura alegria Orfeônico, como elemento de real valor na formação duma cons-
e como alta glória. Compusemos juntos outras árias. E ainda, ciência musical capaz de despertar nas juventudes escolares, atra-
recentemente, apareceu em Paris, numa bela edição a <<Cançã vés da música o verdadeiro sentido da educação cívica e social
de Cristal>>, magnífica melodia com que o gênio quis honrar nt... como fatôres influentes na integração do homem na realidade
guns versos simgelos de um dos meus últimos livros. Tôdas estil!! brasileira.

lembranças enevoam minha alma agora que se extinguiu aquél •


.Êsse movimento surgiu publicamente em São Paulo pelos
que era uma de suas luzes. E quando ainda temos os olho~
idos de 1931, com uma concentração orfeônica que reuniu apro-
graves por sua morte, com emoção releio numa de suas cartas
• ximadamente 12. 000 vozes representativas de quase tôdas as ca-
estas carinhosas palavras : •
madas sociais. :E:sse espetáculo empolgou instituições e autorida-
<<Meu caro Murilo : Tu sempre foste, és e serás um estado d s ducativas do E stado. Foi a alvorada da grande e trabalhosa
no país do meu coração>>. jor11 d Qll 11 vi d · percorrer o canto orfeônico que em 1932
E pela feliz circunstância de ter sido um dia parte de tão r t 111b 11 r! d no então Distrito Federal, no Departamento
alto e luminoso país, não terá sido totalmente perdida a minha d • l11c l d r f itttra, o Serviço de Música e Canto Orfeô--
vida no dia em que eu me fôr. nico, ntr lt rg niz c;;ão e direção do grande Mestre. Nessa
fase de tr 111 Villn-Lobos desenvolveu uma atividade intensa,
atraindo a ot nt; o d ducadores, despertando o interêsse dos
professôres da Pr f Jtur o entusiasmo dos escolares. As me-
moráveis concent1·açõ · orfeônicas realizadas nesse período, reu-
• niam de 15 a 18. 000 Jov ns, constituíram espetáculos de reper-
cussão e marcaram a magnitude dêsses empreendimentos. Final-
mente. em 1942 o Govêrno de Getúlio Vargas convoca Villa.-
-Lobos para criar o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico,
órgão do Ministério da Educação e Saúde, com a finalidade de

difundir pelo Brasil essa atividade de conteúdo pedagógico tão


166

relevante. Desde êsse momento vimos nest 1• ,1 11111111 11s


humildes companheiros e modestos colaboradores 1111, 1111 1 li 111
• •

corresponder a confiança com que nos honrou.


O que desejamos realçar neste despretensioso t t 1111111!1
sôbre a contribuição que Villa-Lobos deu como educador 11 111
refere especialmente ao aspecto técnico da sua obra mas . l'lt
poder de iniciativa, a grandeza e a fôrç.a da sua idéia criad r \ rr , s
e seu interêsse profundamente humano pelos problemas educativos
da sua pátria. E, finalmente, sua bravura e a sua fidelidade
unti\NOO CALAZA
inquebrantáveis na defesa do nosso patrimônio moral e cívico.
Havemos de h~je e sempre, como nos cumpre, honrar e ena} ..
tecer O nome e a obra de Villa-Lobos, glória · autêntica da nossa
nacionalidade que tanto como os melhores serviu e amou o Brasil. • ENHUMA outr 111< 11111(1 11 1 ·ri 1 111 Js g ata ao meu coração

que a de trazer à r,11! 1, 1 1\1 11 1 ,. <.! 1 • ducação e Cultura, minl1a
despretenciosa pai 1 , 1 111 1 11• ·J ti passagem do 50Q programa
<< Villa-L0bos, ti t 11 1, 11 l,,. :i».
A ventura q111 111 f,,f 1 011 d ida de conviver largo tempo
com Villa-Lobo. 11 · 111 • 11 li intimidae, oferece-me a feliz
oportunidade d 1·1111· 11 , tt111 ·n1oção, os caminhos que, juntos,
percorremos, e, r 1 ·11 l,1 p sado, ainda bem perto, poder
• • manifestar impr ss1 l 1 1 • 11111 ·le bom amigo .

Desapar ciclo, 111,j r ·,1111 r1t • das vistas daqueles que ainda
per grin.im . OI,,· , '1', 1 1 1, Vil) -Lobos passou a viver para sem-
11 111l111 lc 111 1111 l,1 , 11 1 tidade dos que tiveram a felicidade

11111 · 1 1· 11 1 M 11 1 ua Música brasileira, que sempre


s r . ·11 11 1111 ,1 111111 lfll 1r na imortalidade.

111lr1l1 1 111 111 1t 11,l 1n, neste instante, tantas recordações!


V ll 1 1. ,l,ci , 1Inda moço, nos campos esportivos de
nossa cidod , (111111 1111 11,11 t multidão de estudantes para os .::n-
saios das Con nt, 11,; t . ti Canto Orfeônico que êle, com entu-
siasmo, criou e org 1nl z li nus escolas da antiga Prefeitura do

então Distrito Fed r 1 no Estado de São Paulo. Cabeleira es-
voaçante, em traje sJn1pl . , braços erguidos, dinâmico, impetuoso,

Villa-Lobos conseguia dls lplinar centenas de vozes para obter o
milagre dos mais lindos efeitos ! Por vêzes irritava-se, gritava,
melindrando mesmo elementos que com êle colaboravam; mas,
tudo era logo esquecido. Todos compreendiam que o dominava


• '

168 169

o desejo de alcançar a maior beleza naquelas inesqueciv l tardes ciar o transporte, para o Brasil, daqueles móveis, que, hoje, fazem
da <<Semana da Pátria>>. parte do acervo do Museu I-listórico Nacional.
Revejo-me, depois, no Ministério da Educação e Cul tu co- Reputo patriótica e expressiva essa iniciativa de Villa-Lobos,
laborando com Villa- Lobos na Administração, quando êle dirigia pois teve o sentido de homenagear a memória de D. Pedro II.
,o seu Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. E con10 re- O tempo n ão permite que me ei,tenda sôbre a vid.-i de
conhecia, agradecido, o nosso desejo de ajudá-lo. Quando t - Villa-1,ol:os.
tornava do estrangeiro, de suas longas estadas, Villa-Lobos r -
Da sita genial obrn já se tem dito tudo o que, realmente,
servava a sua primeira visita para o nosso Departamento de
Administração Geral, o que fazia questão de afirmar. Nenhu111 ela merece.
outro motivo, que não o da grande afinidade e simpatia que exis- Tão grandiosa, r onh cida e aplaudida nos grandes cen-
tia entre nós, seria a razão dêsse proceder ! tros musicais da E urop ela América do Norte, que anul.Ju a
Depois, revejo-o em Paris, em fevereiro do ano de 1958. onda de incompreens li ni ,nosidade que se verificou, de início,
Não podemos esquecer, eu e minha mulher, as gentilezas de qtte na terra de seu berc; , nl , 11sência da crítica construtiva.
fomos alvo por parte de Villa-Lobos e Arminda. Nessa convi- • Ao concluir, v J fl r 1· nn minha n1emória, trazida pela
vência mais prolongada, Villa-Lobos que ali se encontrava para saudade, aquela tard !ri . f tJlt marcou a morte de Villa-Lobos.
trabalhar na gravação de sua Música e nas atividades liga das a Em razão do c .. r , 111 · 1·11 ttpava, no Ministér:.o da Edu-
instituições artísticas, nunca deixou de manifestar sua simpati· cação e Cultura, fui o l ·11111 1! ·d nador de tôclas as provi-
e o prazer que tinha da nossa companhia, procurando- no s, segu{... dências que o Gov 1·11 11 l ·1 1I ,. lv u do tar para l1omené1gear
damente. o ilustre morto, pr l l 1 11 1 • 1 J u o ov~rno Municipal.
1
Villa-Lobos e Arminda, eram os anfitriões. P aris e o seu Naquela hora t i 1 ·11 1111 11lr1 1, t>· vld •n ln, aquêle ensejo
povo os queriam muito e, ali, êles sentiam-se à vontade. Sua de poder tomar p rt t·tv 1 11 1 ,1 11 111 i 1· 1 J 1111 n m OLIC o Bra~il

casa era o Hotel Bedford, cujos proprietários, seus a migos e ad- prestava ao seu fillt 11111 1 l 1 111 1 ,lt 1 x1,r ssõ s da alma
• miradores, lhes destinavam, como deferência, os aposentos onde
brasil l1·a ttm <-l,1 111, 111 11 ,1tl1 c1 \ nosso povo e
morou D. Pedro II, durante o seu exílio naquela cidade.

Por mais de uma vez Villa-Lobos me falara numa providên ...


eia que visasse a obter, para o Brasil, os móveis que foram us"ldos
por D. Pedro II, nos seus últimos anos de vida, fora de seu país.
Aproveitando o nosso encontro e considerando a oportunida-
de, Villa-Lobos conseguiu realizar o que tanto desejava, obtendo
dos propriet.ários do Hotel a gentileza do oferecimento daquele
mobiliário, ao Govêrno do Brasil.

Isso feito, ped iu-me que tomasse as providências ad mlni -


trativas necessárin. , r omendando-me, porén1, <<que n üo fiz sse
qualquer referênci 1 u nome». •

Trocada cor.r · p,, n l ncia com o então Ministro n d ucação


e Cultura , D r. C I v 8 lg do, o Embaixador Alv s d So1!za e
os dignos propri I r t ti I-lotel Bedford, foi posslv l providen...

O B O S V IL L A. . L O B O S , U M P R E C U R S O R
HOMENA G E M A V IL L A -L

P A S C II O .I \L C A R L O S M A G N O
p ABLO CASALS *

(T r a d u ç ã o d e M a n u e l B a n d e ir a )

tr in t a n o s q u a n d o n u m b a il e d e fi m d e
rN H A e u m e n o s d
J. ,o n d re s , b a il e d e a rt is ta s e m a s c a ra d o s ,
p re p a ra m p a ra p re s ta r h o . a n o no A lb e rt H a ll , c m
STOU s a b e n d o q u e o s s e n h o re s s e s to s la rg o s , c o m u m a
- r a lt o , d c a b e le ir a im e n s a e g e
n1 ó ria d e V il la -L o b o s , p o r o c a s iã o d e s e u p a s s a um s e n h o s e n . .
menag e m à m e d o s ô b re s u a c a s a c a im p e c á v e l, m e é a p re
s e n h o re s , p o r e s ta s p a la v ri :is, c a p a de d o m in ó c a in
m~nto. A p :e s s o -m e e m d i1 ·ig ir a o s is ta fa m o so , q u e a p la u d ir a
o b o s , a e ss a ta d o : M r. R u b in s te in . E ra o p ia n
s a o , c o m o a m ig o e a d m ir a d o r d e V il la -L s ta n te s .
• minha a d e si l e c u jo s d is c o s fi g u ra v a m n a s m in h a s e
e ri m ô n ia c o m e m o ra ti v a . ta n ta v e z n o B ra
re v e re n te c g o : C o m o
r in fo rm a d o q u e s o u b ra s il e ir o , a b re -s e lo
ã o s o m e n te q u e Ao s e
~ A m ú ~ ic a d e v e a ê s s e c o m p o s it o r g e n ia l n
a tj tu
O
d e d e v a i V il la . . L o b o s ?
ele ~o~ d u d e s u a o b ra , m a s a in d a a s u a c o ra jo s a
:1 x o < < F ui e u q u e m p ri m e ir o a p re s e n to u
b v e rs iv a s d e q u e c h a m a m in (t si ca m o - E m e d iz c o m o rg u lh o :
opos1çao a s c o rr e n te s su
de rn a . ' a o b ra d ê le n a E u ro p a » .. •
n is ta d e g ê n io , m u lh e r li n d a e c u lt a , c h a ...
o s p re c e it o s d a v e rd a d e ir a m ú s ic a e en ~ M a is ta rd e u m a p ia
V il la -L o b o s s e g u iu n h e c i o s m a is a lt o s v a -
g ra n d e p e rs o n a li d a e . n1 d a I-Iarrie t C o h e n em c u ja c a s a c o
riqu e c e u -a , m a rc a n d o -a c o m a s u a c o n -
i d a rt e d a In g la te rr a ta m b é m m e
c ia n ã o fo i. m u it o lo re d intc li g ~ n
e m p lo d e p ro b id a d e e d e c o n s c iê n U m a d a s g ló ri a s d a
S e u ex fc ss Oll, lo n n o . p ri m e ir o e n c o n tr o : <<
m a is p a ra o a d m ir a r e a m a r. la ..
s e g u id o ; ra z ã o a Íc )l t r • id u a p ri m e ir a p ia n is ta q u e re v e lo u V il
m ú si c a minl1 vlll,1
c a rá c o m o u m a d a s g ra n d e s fi g u ra s d a
V il la -L o b o s fi -Lobo s p · , .. ,
m a io re s g ló ri a s d o p a ís q u e v iu n a s c e r. e m d e fa to
do se u te m p o e u m a d a s O
I r1 ·! d o :i ta n to s a n o s p e rg u n to q u
I loj
o P e d ro A lv a re s C a b ra l d o a u to r d a s
e n tr e os d o i C l m 11 10

• <<Ba ch ian a s» n o m un c.1 u ro p e u .


d p e rg u n ta r a o p ró p ri o V il la -L o b o s c o m
Nunca m e le 1 n b r i
~ fa lv e z n e m o s o u b e s s e . N e m o p re o ,. .
quem e s ta v a a v e rd d e .
ia n is ta s . P re o c u p a v a -o m a is q u e s u a o b ra
c u p a v a êsse d u e lo d e p
u n iv e rs a l, a b e la ta re fa a q u e se im p ô s
c ri a d o ra e s u a e x p a n s ã o
n ta r. U m B ra s il c h e io d e o rf e õ e s , c o ro s
de e n s in a r o B ra s il a c a
s u a m e m ó ri a s o fr e u a tr a iç ã o d o c a n to
e corais . R e c e n te m e n te
is p a rt e d o n o s s o c u rr íc u lo e s c o la r. S e

p o si to r E sp an h o l . orfeônic o n ã o fa z e r m a
* Violbn ce li st a e C o m


'
172

fôsse vivo, diante dêsse atentado, sua voz de 1 11lc 11 • nicos


protestaria alto, com aquêle ardor de adolescente qt1 11 1 <1 1,,rgou
• •
1ama1s.
:Êle não conheceu a velhice. Sempre teve vint t tl<lll 11 ln
sua renovad:1 capacidade criadora : pelo fervor com qu · 11 ,. •

tregava às belas causas, particularmente àquelas relacionado 111


, . NA LEMBRANÇA DE VILLA-LOBOS
a musica.
Harriet Cohen e Rubinstein ainda hoje afirmam que fororu
os primeiros a lançá-lo na Europa. ( O segundo me repetia essa
PAUL LE FLEM *
afirmação, no comêço de 1960, quando o encontrei em Cracóvia, ( Tradução de Manuel Bandeira)
depois de haver inaugurado o <<Festival Chopin>>, em Varsóvia ... )
Enganavam-se ambos. Andam ainda muito enganados. Pois em
cada um de seus trabalhos Villa-Lobos era um autor que se apre- MA noite, faz agor uns trinta anos, a Sala Gaveau, em Paris,
sentava. estava em grande alvorõço. Encontravam-se ali duas obras si-
Tôda vez que uma de suas composições fõr e,cecutada seja tuadas na extrema vangu rd da audácia daquele tempo. Tra-
por pianista, quarteto, quinteto, orquestra de câmara ott sinfunica tava-se de <<América», cl Eclgnr Varese, e de «Amazonas>>, de
dá-se o milagre, a revelação de um autor sem tempo de nas- Villa-Lobos. O públi o, n1ulto dividido, manifestou o seu enttt-
cimento ott criação. siasmo ou se expandiu n1 111v · livas contra os autores. Depois,

Freqüentemente aceitava o convite para almoçar con1 Vill:1- tudo reentrou no bom e 0·1p rt 1111 nto quotidiano. No dia se-
-Lobos e Arminda Villa-Lobos sua inteligente, inquieta e de- guinte dessa memorável nolt cl tiv de me ocupar, em meu fo-
votada espôsa no Restaurante do Ginástico. O brasileiro o lhetim musical da segunda-! ir , no jornal de arte <<Comédia>>
único de seu tempo de projeção mundial, era tão simples como daquelas duas obras, gtt 11 1vl 1n abalado tão fortemente a
o pão que mastigava ou como a água que enchia nossos copos. sensibilidae musical dos ouvl11t pr ntes naquele dia. E eio-
Queixava-se às vêzes de não ver o Brasil povoado de orquestras, glel-as abundant
auditórios, corais, de um Brasil cuja respiração fôsse compassada Noqu lc •p I li vi 1· 1 1 111 cer Villa-Lobos e ficara im-
pela música. pressl n d 11 ·I , ~111 ·: 1 <l t mperamento, pela extraordiná-
Referia-se com ternura fraterna, admiração comovida a 1es- ria puj nç 1 1 t1 1 11111 . 1 , qu punha uma nota nova no céu :nu-
peito dos autores de música popular como Ary Barroso, Paulino sical d l ri!!. C,to de cantar assim o seu país, de afirmar
Sacramento, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Eduardo Sou- com tanto e 11 r tJt• 1 música e a terra natal podiam apresentar-se
to, Donga, Adalberto de Carvalho, Sinhô, Almirante, Noel Rosa, unidas em lndl. l(1vcl mor, transportava o meu coração de
Henrique Vogeler, Sofonias Dornelas, Pixinguinha, Patrício Tei- bretão profund m nt fiel às velhas tradições célticas.
xeira e tantos outros. Lembro-me até que a respeito de Adal- Villa-Lobos e u 1 go nos tornamos amigos fraternais. Todos
berto de Carvalho hoje imerecidamente esquecido classifi- os an0s o revia, porqu n atmosfera de Paris, que o admirava, lhe
cava-o de <<compositor excepcionalmente original. Muitos dêsses era simpática. Era êlc de uma atividade incrível, sempre alerta,
elementos harmônicos musicais, tão em voga atualmente, que a sempre aberto às riquezas de sentimentos, e saltando com a sua
maioria os considera oriundos da América do Norte, foram cria- independência natural por cima dos hábitos e boas práticas da
dos por êle ..• ». E acentuava, com o melhor de si mesmo:
«.Ssse foi um precursor>> ... * Composito,· Franci:s.

174 •

música. Lançava-se com jovial segurança nos tt111111ltc da au.-


dácia sem receio de temeridade, ainda que isso 111 pu 11· custar
'
algumas patadas d.a parte de aristarcos medrosos d I r·<l r uma '

tranqüilidade musical penosamente adquirida.



:Êsse amor fraterno não existe mais. Penso com ír tJ(l 11cia
nessa criatura encantadora, sobretudo neste dia reservad 1 11 ua
SEMANA DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO
lembrança. Se êle cantou a sua terra, se lhe celebrou a grtlt'I 1 %,
e lhe exaltou a beleza, com acentos de uma nobreza natural, não
• PAULINA o'AMBRoz10
terá sido apenas O poeta, o rapsodo em que fremiu a alma bra-
sileira : ficará também como um músico de todos os tempos. O
que se dedicou à sua arte, a uma arte em que a vida interior se
ONVIDADA a focalizar alguns aspectos pitorescos da <<Semana
casa ao sentimento natal, permanece presença e animador de uma
de Arte Moderna>> de São Paulo, em 1922, desejo antes frisar,
imperiosa mensagem. que muitos dos detalhes, evidentemente, já se distanciam no tempo,
outros todavia se mantêm imperecíveis e frescos na minha me.-
- .
mor1a.
Recebi o convite para participar da <<Semana de Arte Mo.-
derna>> com alegria imensa, pela oportunidae de uma vivência

mais íntima e pura com minha amada Arte, fora de meu ambiente
quotidiano e ciente da missão de divulgar as obras do nosso gran.-
de compositor. Essa tarefa, na época, foi das mais difíceis, dada

a reação da parte mais conservadora do público, embriagada pelo
empedernido tradicionalismo •

Fazíamos ensaios diários, executando sonatas, trios, quarte-


tos e outros conjuntos num abrir e fechar de olhos.
Al m dos músicos executantes, havia poetas, pintores, escul-

tores ut,· s rtistas, muitos dos quais prematuramente desapa-
recidos qu I r unidos na casa de Villa--Lobos, penetravam pela
noite em sor tl l'I ln squecíveis. Em São Paulo o grupo era sem--
pre o mesmo Jn!l parável.

Os ditos eng ç do e pitorescos que adiante relatarei e que


tiveram lugar no T , tro Municipal de São Paulo, motivaram mo-
mentos jocosos em no s reuniões. Cumpre assinalar que as rea-
lizações, no referido Teatro, foram tumultuosas : metade da pla-
téia delirava aplaudindo e a 1·estante vaiava. Lembro-me que
o saudoso Ronald de Carvalho ao recitar ttma de suas poesias
modernas, alguém <<zurrou>> nas galerias e Ronald, imperturbável,
17

olh,\ndo para cima, disse : <<Cada um f l 1 111 1 Detts


lhe deu>> e continuou a sua poesia.
Quanto a mim, antes de começar a tocar u1 11, 1111 11 1 (, llâs
muito aplaudida) ao levantar a alça do meu ves tiu ti 111 ·11 t ·1va
fora do lugar, gritaram : <<Quem tem um alfinete 1 7, 11 11111· 111e
fêz chorar de nervosismo, sendo acalmada pelas boa.• J> 1l 1v 1· 1:i
e olhares de advertência do querido Villa. VILLA-LOBOS
Achava-se êle nessa ocasião atacado de ácido úrico no!I J)
e tendo um dêles enfaixado, apoiado em um guarda-chuva, entrou PAULO CARNEIRO
em cena. Nessa mesma ocasião o insuperável artista Nasciment,::, •

Filho ( vulgo Pequenino) começou a cantar e, então, um gaiato


nas galerias gritou : <<Ridi Pagliaccio>> e o Nascimento replicott : IRRADIAÇÃO da obra de Villa-Lobos fora do Brasil e a fama
<<Desce para eu lhe ensinar como se canta>> e o Villa, com a mundial que adquiriu o grande compositor asseguraram ao nosso
ponta do guarda-chuva espetou-o para que se calasse. No dia país um lugar privileg ia do no cenário cultural contemporâneo.
seguinte, Nascimento apareceu com um dos olhos arroxeado, pro- A forte e sedutora personalidade do nosso Maestro contribuiu
dttto de sua singular lição de canto. tanto quanto o seu gênio criador para afirmá-lo como uma figura
de excepcional significação. Poeta da Música, chamou-o um dos
:Êstes pequenos incidentes, são apenas o meu tcste111unho de
seus biógrafos franc s s, profundo conhecedor de suas admiráveis
uma das fases mais decisivas da Arte Moderna Brasileira e que
composições. Em todo o seu prodigioso repertório há, de fato ,
• projetou inúmeros e l1oje imortais Artistas .
acima das técnicas musicais que êle sabia como ninguém manejar,
Resta-me agora agradecer sensibilizada a oportunida de de uma inspiração cósmica e humana nascida de seu amor à terra
poder, neste pequeno relato , recordar aquêles saudosos momentos e à gente, de sua pern1 nente comunhão com tudo o que o cer-
e particularmente a profunda honra de ter sido intérprete do cava, florestas e mar, bo1·borinho febril das cidades em marcha.,
inigualável Villa-Lobos. ba ndos de crianças o. d, nç r em roda, camponeses a lavrar a ter-
1·, , Jndlo. rr nt . p 1 :-i sertões bravios, cantigas de pescadores,
pr cl • 111 !11 1 11 11·Jc,1,, prantos de ternura, ecos remotos de ou-
t1·, s 1• , , tr 1<llç stumes do seu torrão natal, juras e con-
fid ê11 l 1, l 111ull 1 • 1• •• , Através da sua música vivem, respiram,
traba ll1 n 1, :; 1· •111, 1111 rn, sêres imaginários ou reais aos quais
transfundia I ltb rll11cia do seu próprio temperamente. Ora
atormentado e r b l<l , or ro1nântico e plangente. Villa-Lobos
criou em sua obra u1n mundo à sua imagem. A criatura e o cria-
dor integram-se a cada passo no r itmo de suas composições e tan~
to se confundem que se não pode dissociá-los.
Tive a ventura de conhecê-lo e admirá-lo. Ouvi-o dirigir,
em salas ofegantes de emoção e trepidantes de entusiasmo, :1,
1nelhores orquestras de Paris e Nova York. Assisti na Sorb nn '
I nferência que pronunciou sôbre a sua experiência m u.1lt 11



178

e a . . u Ili t . nl tis renovadoras. Particip !, . ·u ll1d1>, d ínti~as



r tini 1 • cl rtl tas, homens de letras, prof s 1· : 1111 v r itár1os,
111 • 11 lt nr . Vi-o entre grandes e humild li, 1• J 111 t il, parte
11 \ t d s as circunstâncias, no apogeu do • 11 t1·l1111I orno
e 111 , 11 1, J1oras de recolhimento e solitude, transp ri· 1, 11 lt r ,vel

11 11, smo homem, na autêntica pureza de s ua v it 11 11 1111.1 1 o
• po ta. VILLA-LOBOS
Em sua pujante magnificência a sua obro 1· ( r 1t t 1 1 1 li.
mas a própria seiva da terra que o nutriu deu 11 1 • • tç,t(l o PAULO ROBERTO
sentido universal que o i1nortalizou.

IVE a felicidade de conhecer Villa-Lobos na grandeza de st1a


genialidade e na impressionante intimidade de sua vida.

Primeiro o via de longe. E êle me parecia um Júpiter To-
nante trovejando a maravilha de sua música para o mundo dos
homens comuns.
Mais tarde, quando, pela graça de Deus e do destino, me
aproximei do Mestre e o vi de perto, tive a surprêsa de encon-
trar um homem de extrema simplicidade que me distinguiu com
uma enternecida amizade que foi das melhores e mais reconfor-
tadoras de minha vida.
Estar ao lado de Villa-Lobos, na intimidade de seu lar, entre

Jivros, partituras e gravações, ouvindo sua fala espontânea e lar-
íl I l 1, f I, s m dúvida, uma grata e profunda emoção para mim.
Vill ,.. b s n • o tinh aquêle sentimento de <<respeito hu-
Jll 1111 1111 1 f)J' J ndena. Manifestava-se, tanto na música
·011111 11,1 ( 11,1, 1·11111 t1mn absoluta sinceridade sem, de maneira al-
9t1111 1, · 111·1111·1111 11· om uma possível reação contrária ou mesmo
cond 1111 ri 1 ,l,· 1111 •m o estivesse ouvindo.
A ont • l'l t , • l111plesmente aconteceu, que o mundo soube sen.-

ti-lo e co11 p ncl - l .

Foi, aindn n1 vi ln, J:>roclamado gênio da música. Mas se
o tivessem conden d crucificado como um rebelde sem valor,
teria continuado a fazer o que fêz, dizendo o que disse e caml~
nhando para o seu ideal, indiferente, firme e absolutamente se~
gt1ro de si. ·
Gostava, por exemplo, de ouvir pelo rádio as novelas que '

1, tt) condenadas pelos chamados intelêctuais de alta classe como


180

subliteratura. E, de público, procl n1 1v I ll 111 Oll- •

vinte de novelas.
A sincerida.d e foi a marca registr d l

Para um homem de tão marcante p r


surgir uma companheira de vida que o CQmpl f ,1 •

de estranha criatura, porque genial e compl · t 111, 1


Não bastaria uma grande mulher de po. t I HEITOR VILLA-LOBOS, O CôRO. AS CRIANÇAS
talento e grandeza de alma. A companheir ,t E A CULTURA POPULAR •

que ser, ainda mais do que isso, suas pernas •

que a alma e o coração do gênio se expandi 111 11 1'1 PEDRO V ALEN Tr CosTA *
vôos pelo infinito da sensibilidade.
Villa-Lobos teve essa mulher, que eu vi, a 1 11 lo
seus dramas e seus momentos amáveis e que v J > 1111 ~ , • 111 1, ILLA-LOBOS foi o mú lco-apóstolo que baseou sua obra· com
cuidando de sua memória e arrumando suas co i. 1 o pensamento na edu çiio das crianças, aprofundando-se no fol ...
como no passado, em que êle lhe podia dizer, como li clore do Brasil e lanç nd a bases mestras da música nacional
culta. .
Obrigado, M indinha . Você é um anjo ..•
A causa da cultux· ·, 1 p vo conquista-o inteira mente e tra ...
balhando sem desfal cJin 11t , multiplica a criação de orfeões e
bandas infantis e milit. 1• ·11, 1,.1 l111in ndo em 1935 com a Concen-
tração Orfeônica d 30. 0()0 1 . ol 1r s, qu.e cantam em um con-
junto impressionante, f1 1z 1•11,l11 r·l 1Jt ir uma das facêtas mais im-
portantes de sua obr ·t lui 1' ,.
ntr tonto, P, ri. 1cl, ,1 r 1 ,m . Crê nêle, nesse vital
sul- n1 1·l 11 : r · 11 /\ 111 1•f1· 1 I. tfn , nos seus homens e nas

su 1, r . li !llcl 1l , nq 11 r1t i so VilJa-Lobos em seu Brasil
n t 11 • 11 11! 1 , 1 ·,l1t1 o p vo, não só desde os mestres mais ca-
t gorl ,, 1 1111 , eh, Mozart e Beethovén, mas também as
(' •, t I li Jrn1 nado com seus orfeões. Sua sabedoria ,
seu amo1·, Jv que nutre!
Compr 11tl r oliza como ninguém o problema dêste con-
tinente, isto : r m v r as barreiras estranhas, mostrar a reali...
dade de seus hon1 n t1· vés a autenticidade da sua própria lin ...
guagem. Por isso V ill a-Lobos crê na cultura popular e um de
• seus veículos mais eficientes é aproximar ao homem do povo as
manifestações artísticas como ente ativo. Aí a obra do côro ;
aqui o pensa1r1ento de Villa-Lobos.
-- - --
* Compositor e Regente de Coros A r genti110 .

• •
,


182

O genial músico brasileiro estava conv n l<l 1• qu o gê-


nero da cultura do povo está na criança, cou1 11r{1j ·i.i •., de ho-
roem-família, do povo-govêrno.
Na arte a confusão é sinônimo de caos; a { J, ,1 11f111 Ili lÇáO,
n1ais perniciosa que a ausência dela. E. assim, 1 11111· 1 ,1,, ?:•

feões populares.
LEMBRANÇA DE VILLA-LOBOS
O canto coral é a única possibilidade e não ( Ili li 1l

pressão artística coletiva do povo medianamente 11lt11 , Jl() 1),


PEREGRINO JUNIOR
majestosa rocha de granito, é propenso à inércia, 111 1 111111 lll •
busca da perfeição. •

O axioma da «torre de marfim>> não conta p r 1 1 , 11 obr,1 EMBRANÇA n 9 1.


de elites e Villa-Lobos, que possuía sua <<torre d 111111 I 111 pela
natural atração do seu gênio universalmente conh l 111,, ,1 m- Villa-Lobos, conheci-o de perto. Nosso encontro inicial, aí
preendeu assim. assim pelos meados de 22, foi na casa de Ronald de Carvalho,
Sua linguagem musical impregnada de sutileza~ e/ 1 1 s •ti na rua Humaitá.
povo e se irtnana aos orfeões. • Freqüentávamos ambos, com pontual assiduidade, tôdas 3S '

Foi sua magistral lição! terças-feiras, à noite, a casa fraternal de Ronald de Carvalho.
Eram encontros cordiais, além de informais, sem <<whisky>> e sem
chá, em que a única coisa que se oferecia, para nossa delícia, era
literatura. Tomávamos autênticas bebedeiras líricas de arte. Gra-

ça Aranha, Guilherme de Almeida, Agripino Grieco, Paulo da


Silveira, Ribeiro Couto , Alvaro Moreyra, Felipe de Oliveira, Re-
n t d Almeida e Vill(1-Lobos eram as celebridades que centra-
11 .. ,lv 1111 , 1t n ;i t111 n!1n • V z por outra, surgiam nomes de
J 1111 1 111 •rr, ( 011,11 : M,1rl11 ·tl , P ttorutti, De Garo, Montenegro ,
Alíc,n. e 1 y • , J1>. 1 tlc Vos oncelos.
l), r111v I li •r,1çfi os mais assíduos a essas reuniões eran,
Af nso /\1·11111: S brJnho ( assim se assinava naquele tempo o
senador ./\í nsc> 1\rlnos de Melo Franco). Prudente de Morais
Neto, Sérgi J311nrque de Holanda, Teixeira Soares, Onestaldo
Pennaforte, al(!n1 d muitos outros. Mário de Andrade uma noite
declamou para todos nós ( declamou, não ! representou ! ) os seus
belos poemas: <<Notu1·no de Belo Horizonte>> e <<Dança>>. Que
vida e fôrça emprestava êle à sua própria poesia !

A serra de Rôla~Moça

Não tinha êsse nome não ...


--- --------- -- ________ _______....::.._____........__


181 185

Por u v z, Manuel Bandeira leu o u l.J 1·/111/, 111. J! o e11.. 111 Jlnjé >> e as <<Canções de Cordialidade». Deu-lhe uma nova
cantam nto tom va conta de nós • • • Suces o <l 1 !1· 11, tlca e 1llm nsão espiritual: a da alegria de cantar.
de a t d ulz r. E todos afinal o que ali fazi n1 1 J , , •t1tar,

com nt 1 po mas, ensaios, romances, literatura, ort ·. I~, , 11 1ló, so Lembrança n9 3. •

di logo manal com a literatura, com a arte 1 11111 ,1 1 1r-


qolt tura, a escultura. Villa-Lobos situava-se 11(1 · 1 11 1111 ,s Vi-o, a seguir, e saudei-o, ao lado de Tancredo Neves, mais
ntrais do grupo ilustre. Embora ainda não fO. 11111 1 1 1 l , .. tarde, já êle completamente célebre, tranqüilo e repousado, na
dade mundial, e os passadistas costumassem negf1.1· 11 I' j11111~,. Academia de Música Lorenzo Fernández : era a consagração unâ-
a sua música ( quando podiam vaiá-la, vaiavam, s i11 , 111 111 , , · nime de seus pares. Ninguém tinha mais coragem de negá-lo e
rimônia ... ) nós o admirávamos sem restrições. '.11111 11111 .1!<11· os que o combatiam ocultavam então a maledicência mesquinha
de adivinhação que era mais amor que compr 11 11,, 1 111· •, de sua inveja e frustração nos bastidores subterrâneos da sub-arte
desabusado, sem papas na língua, era um comentadc11• , , · 11·11t e da subliteratura coitados ! Villa-Lobos era um nome mun-
de pessoas e coisas do modernismo. 'Encerradas a t I t 1111 1 , v,1J .. dial e era uma glória autêntica do Brasil.
távamos para casa de bonde (bons velhos tempos!) , 1 VIII,,
durante a viagem lerda e sacolejante do bondinho d · 1111111 t 1 , • Lembrança n9 4.
ia desenvolvendo, interminável, sua filosofia de músíc11 : 11 1 11111 ~
sica era a sua mensagem : a voz da floresta de Mato • 11 ( 1 11 Muito depois, ao acaso de u.m cruzamento de aviões interna- •

acho que naquele tempo êle nem sequer conhecia Mato r 1 11 , , , cionais, encontrei-o no aeroporto de Val-de-Cães, quando êle
mas adivinhava tudo, com sua aguda intuição), do povo 1l1111tl11 partia gravemente doente, para os Estados Unidos, a fim <:le
nado e lírico de todo o Brasil, da gente seresteira e alegre l 1 1 11 operar-se. Que sereno otimismo, confiante e grave, o daquele
Rio tão querido. É claro . que entendíamos mal as suas «t ri , homem condenado à morte ! Enfrentava o mais obscuro dos des-
filosóficas>>, mas quando lhe escutávamos as composições, 11t1· • tinos com a plácida segurança de um combatente inderrotável.
gávamos os pontos: como o homem sab' Brasil! Aquela voz E o seu adeus, para mim, naquele momento, cerrando-me o cora-
era realmente a das nossas florestas, a dos nossos rios, a da nossa ção, mal escondia uma sombria interrogação. Ainda teria eu a
gente dramática, poderosa e lírica. .1] gria de rever aquêle puro gênio da nossa terra e da nossa

g nt 7 Aqu lo fArça da natureza brasileira?
LembraRça n9 2. '

Depois êle apoderou-se repentinamente de uma universal ce..


lebridade: viajou, regeu orquestras na América e na Europa, criou l u <, tlr1>11I:, J , 1·1• llJ> 11 , 11 r , robusto, jogando o seu
'
a obra mais grave, mais bela e mais profunda da música brasileira. bilhar, f um , 1 l u 11 ut • 1opondo a sua música, regendo
E eu o contemplei de perto, novamente, num dos seus instante. orquestras onvr1·i.ti11tl 1) •gr n1 nte, tivemos muitos encontros
solares: quando o Ministro Capanema o encarregou de implant
cordiais, que me n )11 111 d 1·gulho e contentamento. Eu me
o canto orfeônico no Brasil ! Oh ! os inesquecíveis éspetã t1l<J:i
orgulhava de conhe ·~lo, d s r do seu tempo, de sua terra, t1e
daquelas vozes matinais, daquelas coloridas e álacres multi<l •s
de crianças cantando no estádio do Vasco ! Um espetá ui m~ sua gente ! E em Paris lo v r oh ! surprêsa das surpresas o
polgante. Aurora sonora de um Brasil que amanhe i ,. Villa seu retrato na parede de tlm ,afé, cuja vitrola me permitia ou-
comandava o mundo do canto e da juventude. Ensinott crian- vir-lhe as composições mais queridas : as «Bachianas» e as «Se~
ça brasileira a cantar a cantar coisas nossas, como o «Canto restas» ...


'

• •
18 , •

• •
Leml)1' 111 1 Ji11,1l.

e 1- . por fim, já morto, \)l',11111 111,111 1 ' li'


11t 111pl ·n-
dari do Mtinicipal marcando-lhe com o r 111111 ,1 11111, ,,, ,, 1·1 1,1
fún b,· , itinerário da viagem sem regr s 1,, 11 1111 1 1111111 ·! 1l11
acomp nl1 ndo-lhe o caixão coberto de flõr ·. , 1 11,11 11 .

le11 , aminhando tranqüilo para a eternidad 11· 11 1 1,


VILLA-LOBOS
Estranho, poderoso, desmedido Villa-Lob 1 1 1 1
se convencionou chamar um <<ser telúrico». N1111, ,1 1, 1 •
P É R!C. l .F.S MADUJ{E!RA DE PINHO
tudo a naturalidade e a graça um pouco zomb t 11 1 111, 1 111
ca que jamais deixou de ser. Foi a voz mais ult I
mais bela· e mais autêntica da música brasileira d f11 t,,
pos, uma voz nítida e inesquecível a voz mlstlc,, 1 11111 osso último encontro com Villa-Lobos foi no apartamento
dos Callero Rodrigues, em Paris, no início do Boulevard Saint
sagem universal. E nessa grande voz captamos ;1 ,
Germain, dominando a Concórdia, as Tulhérias, ao fundo a colina
de tôdas as vozes brasileiras seus ritmos, sua qu 11(
de Montmartre e o Sacré-Coeur. Já estava doente e alquebrado,
seus mistérios, suas profundas angústias e contradiçõ 11
mas da janela do apartamento, o Sena correndo em baixo, diante
amando, sofrendo e crescendo nó mistério do seu des t!11 1,
daquela paisagem das mais belas e evocativas do mundo, êle se

reanimou.
Teve ai11da momentos de exaltação pela beleza do cenário
que estava diante de nós. Falava de tudo aquilo com a intimi-
• dade de velho parisiense, com a sensibilidade do artista e homen1
de coração qtte se reuniam nêle. Callero Rocl1·igues foi dos seus
n1ais fiéis admiradores e a ol ção de discos que retiniu com a
br d Villn -I.ob . · d s m is 1npl ta . :Ble e.stava assim
1111111 ,t I i11tl111lti I l s <Jt1 111 • 'r11i11 m i · a ·as.

A s ·1111111• 1 1ll ·r1 l1 uu,·lfJU 8 pr parara, com o requinte de


ex l 11t • 1lc,11 1 ti • (' ,I . 1, 11111 1 n1l1qucca 'b aiana em homenagem ao
gra11<l • 11 , Jlt J · 1 111~ cl ,,róprlo desejara. Dona Arminda, a
,
co1npanl1 Ir· 1 1·<.li ,,ti . !! IJ1111 <lo nrtista, receiosa da· saúde dêle, já
• tão delicad,1, tltJ . 1 ,1 IM i ttn1·ias com prudência tão feminina .
Villa-Lobos não e 1·,1 \Jttl s que à mesa se destacasse pela abun-
dância, mas apreclav 0111 Jnlnúcias de homem de espírito tudo
do famoso prato baian . 1"ivemos de lhe explicar o pouco que
sabíamos da culinária f1·0-bn!ana e todo o almôço foi um delicio-
so conversar em que, os anfitriões e nós, os poucos convivas, es-
távamos bem conscientes de vivermos os últimos tempos daquele
extráordinário criador, autêntico l1omern de gênio.

• )


188

Não nos abalançaremos a dizer nada sôbre a rt d Villa-


·Lobos, mas podemos depor, pelos contactos que t m , ti lo com
os meios culturais estrangeiros, que se fôsse organiz d I t1111 1 lista
de cinco nomes brasileiros conhecidos do resto do mi1ntlt1 0 d ~le·
não faltaria·. E não se limitava apenas a ser comp li r I re-
gente sua universalidade de espírito fazia-o int 1· • 11!1 or
tudo que significasse cultura. Ainda, naquele nosso 11 v v 11 i, ·- HEITOR VILLA-LOBOS, NO CLUB DES TROIS CENTRES
dia-nos minuciosas informações sôbre a Casa do Br 111 111 ll11l-
' versidade de Paris que então dirigíamos. O históric ti , t1l 11 , . ,1-1 PIERRE VroAL e GERAR WrLDENSTEIN *
vicissitudes da realização, o plano de seleção dos b 1 t , l1r ,..
sileiros e estagiários acolhidos pela Casa, tudo inter , , , ·I .
E nos prometera uma visita demorada à nova in tlttt l 11 <111e ano de 1958 ficou marcado por um acontecimento importante
afinal seus últimos dias de Paris não permitiram reo ll 11 . no <<Club des Trois Centres>>. Pela primeira vez, êste clube de
Grande e inesquecível Villa-Lobos, que deixou n . discos parisiense recebia um grande músico em uma de suas
uma tão suave recordação e nos seus admiradores d : 1111 1trn
. -
reun1oes.
cantos do mundo o toque de fervor que só as criatur Aureolado de um halo de lenda, o prestigioso Embaixador
• •
crona1s conseguem provocar. musical da A m érica Latina, Heitor · Villa-Lobos, êle próprio, pe-
nétrava em nosso pequeno círculo para prodigalizar sua música

e os tesouros de sua personalidade repleta de contrastes •
• •

Choros, Bachianas Brasileiras, Descobrimento do Brasil, tan-


tas portas que se abriam sôbre um mundo nôvo, diante do jovem
auditório que aceitou imediatamente o universo generoso do gran-
de músico. O ambiente de calorosa simpatia que devia envolver
o M estre, na nossa pequena sala, o encantou a tal ponto que êle
n1 sn10 propôs voltar ao nosso convívio. E assim foram novas
audiçõ que êle comentava com seu humor, sua malícia ou sua
fra nqu z por vêzes rude. O interrogatório ao Mestre era sem
cessar renov do, estimula do pela bonomia sorridente dêste hós-
pede infatlgáv 1. .

Nós r epartimos então ªli inesgotáveis conquistas de sua longa
carreira, algumas v ~zes liga das por outro lado aos nossos gran-
des músicos, os Ravel, os Schmitt, Milhaud e outros que êle tanto
amou e que os fêz conhecidos no Brasil. Por sua própria for-
mação, Villa-Lobos era um símbolo vivo da amizade . e da afiní..
dade entre nossos dois países, um traço de união diante do qu, 1
as distâncias eram nulas.

* Do C!ub Des Trois Centres de Paris.



190

A 1rl1 1· , 11 1 l1avia proporcionad v ,·tl\J 11• • Vlll 1-Lobos,


ta1np 11 1 1 1·1 11 marfim para evocá-lo. p11. • t,1 111111 l ti de, a
notu,· 1IIJ 1u1 <Jll o levava a sentar-se mod . 11111 11lc· J1111t de
11 1 1111v 11t •s : o que reunia entre nosso 1nt1rt1 1 11111111 õ~s •

J) rf c·!t 1 (! ttma forma completamente nova ti 11111 11 11 e 11tre


· i1111 11•ll. t 1 seu público, sem a barreira d.o f 111 ,1 111 lfl J ,.
J1111t1> d Villa-Lobos permanecia sua querid MJn1ll11l1 11 1 1,.. VILLA-LOBOS
d• ·n guardiã de sua vida e de sua obra, Stt ·01 ·111111 1 111
gttrança. RENATO DE ALMEIDA
Nós não esquecemos e meditamos ainda na últ 111 , 111 11 •11 111
que êle devia nos legar, após sua última atu 1 1 J 11111 1 t n1
Paris, em nosso clube, a 28 de maio de 1959. «/\ e • 111111 <.lo A complexa variação de sua obra, pôde Villa-Lobos desdo-
que tenho feito no Brasil, é preciso desenvolver n, 11· 111 1 11 1111or brar a personalidade, ru1nando sempre, mar alto e céu aberto,
à música no seio das grandes massas pela criação 1• , 11111 J>O· para horizontes desconhecidos. Embora tivesse tido inspirações
pulares. organização de concertos gratuitos e o ac , . 11 11 111 1lot' múltiplas, que iam do canto das crianças às fôrças telúricas, do
número aos <<conservatórios de musicalização>> onde . · 1111 11111 1 11 risco das montanhas ou dos edifícios aos pontos de macumba ou
a amar a música e não sõmente a técnica>>. às vozes do folclore, dos aspectos da natureza aos mistérios ,1a
A morte de Villa-Lobos rudemente interrompeu unt I fltl I alma humana, a sua preocupação era única: o som. A êle só
amizade no momento em que delineávamos outros plano., 1 111 ,1 .. preocupava a música·, não como expressão, mas como realidade
dando as novas gravações que êle deveria realizar. em si. A sua volúpia e a sua alegria era encontrar, nas melodias,
Pela primeira vez 11ós tínhamos ao nosso lado t1n1 ·ri <l ,. nos ritmos, nas construções harmônicas . ou no timbre dos instru-
autêntico cuja arte às infinitas riquezas melódicas e ritml s :e mentos, uma revelação sonora diferente.

expandia em arquiteturas sempre mais amplas e mais nobres. Com o seu imenso poder criador, Villa-Lobos procurou em
tôda as formas, existentes ou por êle próprio estabelecidas, ex-
Permanecendo original, Villa-Lobos fingia ignorar a moda t1· 1v l s u gênio musical. numa experiência não raro atordoan-
para seguir, com firmeza, seu próprio rumo. Hoje, estamos mais te, 111 1, , 111pr l6Al , porqu se manteve integral1nente musical ,
do que nunca confiantes no fttturo da música dêste grande e digno scn1 111111 1 f1111!1· r (1lí lod busc r, m f6rn1ulas algébricas,
filho da terra brasileira. ab trnç • , 0110J· 1 • '/\ 111(1 Bl p rn ·l s t v na natureza. nas
col os, no 1111 ·,· e,. 111111 · 1 111 1rtlf l l lculo.
Nun1 rt!, l,1 cl , 11 e~t f >, 1· llltu.r 1 qu a música de câmara
fôsse ttm SU~Jc . t Ili 1111 •11. ,, lJ11 • 1pr v itou com excepcional en-
genho e multipll ti 1tl,· <l Jlt' s s. Não se trata, é preciso
realçar, da· pref 1· n 1 1 1· u111 g · nero, o que nunca aconteceu
com Villa-Lobos qu , 111 lt>d s, desdobrava, mas de nêle con-
seguir extraordinária gr, ncl z 1, não apenas, como observou Her-
bert Weinstock, pelo arranjo de melodias, ritmos e harmonias,

senão por obter a plena possibilidade dos instrumentos, com os
mais amplos efeitos sonoros e a realização translúcida da sua ins-
192 193

, n"'o para prodígio l vi 111 111 , 1111. para /1111 li<lade porém vai encontrar a·centos para as ressonâncias m
nte lírica da sua cri ç 10 11111 1 11. ,lt, e intensas. A voz do povo e a voz da criança.
Nesta <<suite» convergem as duas. Note ..se que Villa.. Lobo$
N 11 música camerista, o quart to foi ,1 11 111 11 l!leto,
revelou se1;1pre uma imensa ternura pela infância por essa in..
t 1 ,1 ril dezessete, dos quais sete no ultt1111 11 de
Íância que tanto fêz para que pudesse cantar e ter no canto uma
11 1 v J , que mostra preocupação cres nt J 1,, 11 1 11 , mo
das suas formas expressivas. Compreendeu que há mistérios no
1 11 l I f'I lo fato de procurar nela uma expr 1 1 , I 1 11, 111 [
folclore infantil. N êle se concentram talvez com maior intensi ..
111r t or musical. Talvez ainda por consld r 1 11• r 1
l
dade os ímpetos, as tendências, as fôrças essenciais de um povo.
111 11 r d.ificuldades, o que, para Villa-Lobo ·1111 1 1111 , 1 , ..
E nelas foi buscar, não apenas um halo de inspiração que cerca
f scinante. luminosa·mente muito de sua música, mas também motivo sôbre o
Entre o Primeiro, que se inspira tão de p rt< 111 1 ,, t f \.. qual construiu algumas obras maravilhosas.
clóricas, até o universalismo dos derradeiros, o 11 t l ·t
A função do canto e da dança infantis em Villa .. Lobos foi
1narcam pontos fundamentais em sua música, q t I
sempre de grande importância na ambientação que delas faz para
preocupações estéticas, quer 11as experiências . 111,, 1 , 111 J go
uso da juventude, aspecto didático do maior significado. Quero
sugestivo dos instrumentos, na prodigiosa inventlv 1. 1111 1 1 1 l'
realçar aqui o seu emprêgo celular em algumas de suas obras-pri..
dos achados, como as <<pipocas>> do segundo movJ1r1 ·11t 1 111, 'I' r-
mas, como <<Momoprecoce», a <<Prole do Bebê>>, as séries de <<Ci·
ceiro, pelo aproveitamento curioso do <<pizzicato», q1.1 ,. 11 1 1111!1 1
randas>> e <<Cirandinhas>>, o <<Carnaval das Crianças Brasileiras>>,
de intensa poesia, doces, alegres, violentas ou amar 1 , 11 1111 ,
inclusive nesta <<Suite>> para orquestra : <<Saudade da Juventude».
testemunho o terceiro movimento do 11 9 Quarteto qu ,1 l J'' 1 ..
Nela aproveita dez cantigas tradicionais do nosso folclore, dan·
prio comovia até às lágrimas, quer no prodigioso vlrttto. 11111 tlt,
do-nos uma transposição da alma brasileira brotando das nas..
Sétimo e do Nono, para referir apenas àqueles qu 111 • 1 11 1111
centes mais remotas, onde por certo encontrava as maiores sedu ..
dado conhecer. Sei que o 129, composto embora nu111 !111 . J)I! 1l
ções para a sua· fantasia criadora.
de Nova York, é cheio de vivacidade e a·l egria e que u pr fe-
Não se trata de um aproveitamento simples de temas para
c~ncias iam para o derradeiro, o 17", que não chegou a ouvir.
n mera caracterização que não passaria de recurso engenhoso mas
Em tôdas as formas Villa.-Lobos deixou peças substanciais a
L1p rí l 1, Vlll -Lobos utiliza essas vozes como lêvedo musical,
rem incluídas no quadro extenso de suas obras.-prima·s. Entre
d t 111 111 f 1·111 1 qu lnsplr nos mitos, nos rios, nas matas,
, , s estão os Quartetos de Cordas, onde realizou, numa escrita
n 11 : 11t[111 11to l1un1 nos t mesmo em fatos telúricos. O seu
r ttintada, numa inspiração abundante, na qualidade musical, no
g 11 t1· 111 J>Õ , s melodl humildes, os ritmos simples, as formas
, ()rov itamento dos mais variados temas, absorvidos em sínteses
rudint r1t Ir , . m lhes sacrificai· o conteúdo e o sentido, para
1111lv 11ais, e na emoção· transbordante, obra que, por si só, lhe
delas f 12: 1• l111cJ1sa estruturas sonoras, nas quais tudo é prodígio
n. gr ria o gênio. Disso é testemunho o Quarteto nQ 11 qtte
da sua inv 11c 10, de sua originalidade, da sua fantasia. E como
l,1 lt fala de tôda a grandeza de Villa.-Lobos, cujo música d
Villa .. Lobos rn uma verdadeira fôrça da natureza, portanto, de
1r1 r , n formosa imagem de Arnaldo Estrella, é uma cat1d,ll
uma realidade flagrante, nessas suas obras não desaparece a alma
c1t1 til u longamente a paisagem da nossa música. infantil, êsse tom de ingenuidade que as anima, êsse fascinante
* * * enlêvo que se encontra em tôda essa série de composições, onde
Nn magnitude da obra de Villa ..Lobos, na qual o s ntido da estão algumas de suas obras.. primas.
grand za ~ tão marcante, não apenas na construção musical, mas E a criança não é apenas um longínquo pretexto para forro.
na temática, erguem.-se sempre duas vozes modestas, em cuja pro.. enternecidas que lhe traduzam a realidade. Tudo isso stfl oi •

, •
194

jetivnd 111. xpressões da sua cantiga, da sun <l 11ç.1, da sua


rod , 1 u brinquedo. É uma transfiguração 0111 1111 1cln, tão
eh i ,1 1rt! térios na sua pureza ingênua, que hoj t 1nf(l J)J' ocupa
inv tlgnção psicológica, e tão densa de sugestõ s n 1. 111t~ntes
tr,1cli lonais que encerra, por serem formas legítin1 1 1· r,,1 tore.

VilJa ... Lobos não se limita porém nessas ou em CJ11,1l !ftl di ...
mensões. É sempre exorbitante. Por mais que e tl1111· 1 1 tio HEITOR VILLA-LOBOS
'
povo, donde extrai valôres imprevistos, e a nadn 1 11111 1 1111 •
A matéria que modela, ou a paisagem que o inspl r 1 11 111 1111 11e RENÉ DUMESNIL *

propriedade sua, não direi que deforma, mas tran sf 111111 11 ll ntro ( Tradução de Manuel Bandeira)
das fôrças criadoras da sua música ; o sortilégio d11 11 1 11 l t• é a
sua presença constante, não simplesmente pelas r 11,1( 1 1l icas
do estilo, mas pelo sainete pessoal, próprio e inconf1111 ltv,·I, coe UANDO se perde um amigo tão querido, tão fraternal quanto
que realiza· a sua música, ao seu modo, ao seu jeito, à . 11 1 111 111 ira, foi para mim Heitor Vi!Ja ... Lobos, a única consolação que se pode
sempre diferente, sempre imprevista. razoàvelmente esperar é que, sobrevivendo êle pela sua obra, per ..
Esta <<Suite>> o comprova de forma admirável. 111los maneça bem presente junto de nós, no além ... túmulo. Há alguns
transmitidos imemorialmente de bôca em bôca, pela s i (>(I I ele dias, no festival de Lucerna, Arthur Rubinstein, dando um recital
nossas crianças, não nos são dados para revelar traço. <i t 11111 \ consagrado a Chopin, concluído o programa· e não cessando os
aplausos, acalmou o entusiasmo delirante dos ouvintes com uns
brasileira, embora isso consiga invariàvelmente . mas com v II ,. ·:
humanos que constituem a motivação da obra. Atrav . li , : :s <<extras>> ; tive então a alegria e a emoção profunda de ouvir uma
elementos transubstanciados no conjunto. Villa-Lobos ti, r uJi ... das peças mais populares de meu caro Heitor, o <<Polichinelo>>
(n 9 7 da série <<Prole do Bebê), que o virtuose criou em 1922 e
za a si mesmo, numa arte exuberante, de enternecedora sensibili... •

tão freqüentemente tem tocado depois, interpretando-o com tanta


dade, de intensa poesia. E essa poesia, a poesia da criança, ar ..
nimação e tanto espírito. Dias antes a Radiodifusão Francesa
dente e singela ao mesmo tempo, é uma das mais poderosas es"'
flz r,, ouvir um dos «Chôros». Assim, a intervalos mais ou me-
sências líricas que animam e imortalizam a música de VilJa ... Lobos. •
no l' ltn d , nunca porém longos, deparamos nos programas
on1 110111 cl Villr1. obo . A obra que êle nos deixou é o efeito
de u111 r·iq11 z, d un1 div rsld d infinitas .

TOJ I t 111,trc 1<.l I p 1 ·ua personalidade, revelada na



• trama d ti, 111(1 1 , tn11t n . m lodl como na harmonização e
na orquestrac; 10. z I p lo renome artístico de sua pátria, de
seu país admirável. o que não foi permitido senão a um peque.-
níssimo número de eleitos.

Lembro-me bem de seus primeiros tempos em PaTis : Mme .
Marguerite Long, Paul Le Flem e eu conhecemo...Jo então e cada
vez que nos encontramos falamos dêle como se sua ausência não

" Musicólogo Francês.


196

tivesse d r definitiva e pudéssemo li1 1 11 •,· 11 1 : 110 volta·,


com a volt da primavera, quando rcnp 11· 111 , tl arri.-
baç5o : ·eu canto próprio, as vozes de s u 1'< 1111 .f 1 1 1 f 111-nos
ouvir m Paris o eco da floresta brasileira. < 1111,111 11111 ntt·e
nós reuniões íntimas cujo sinal seria a sua vlncl 1. 1•111 1 1 l1111itt,

cm casa de quem o encontrei pela primeira v : , 1 1 11 111 1 fl 1.


Precedeu.-o na morte; e precisamente na vé~pt•r 1 1111 11 ,f 111,1- VILLA-LOBOS
recimento falamos de Villa.-Lobos, pois o nos11t1 t 1111 11 11111 , 1· -
para nós não só um compatriota mas verdad 11· 1111 111 11111 11111 10,
RODRIGO ÜCTAVIO FILHO
Sua música conserva as qualidades de seu 'lll , 11· 11c.-

rosa : possui aquela virtude suprema que torna clt11 1 111,rns •

de arte como os sentimentos: permite-lhes env ·111 ·1 1 1,1 11 da


perder de sua fôrça; chama-se ela sinceridade. 111 1 ,1, 11 ·ltor, E Raul Villa-Lobos, de quem era amigo, meu pai ouviu, certa
vez, surpreendentes revelações sôbre as tendências musicais do
que falta nos faz ! :8le chegava a Paris cheio d 1111 , t 1 111 •• 1$ ;
filho Heitor. Mais tarde foi de meu pai que ouvi os primeiros
deixou-nos um tesouro que a morte mesma, ao separ li' 1111 ,1 U,t
louvores ao filho mais velho de Raul Villa-Lobos, menino de
pessoa, não conseguiu tirar-nos e não nos tirará ja1n 1J •
menos de 1O anos, que outro não era, senão o que se tornou <<o
afamado Heitor Villa-Lobos, que soube fazer glorioso o nome que
o pai lhe legou pobre mas honrado>>.
Foi pois, por meu pai, que ouvi, pela primeira vez o nome
daquele, cujo talento musical e originalidade criadora· ensaiava os
• '
primeiros passos no caminho de uma glória que iria aumentar o
própria glória do Brasil.


A amizade de meu pai com o pai do nosso Villa-Lobos (o
VIII cios no sos encantos, da nossa admiração, do nosso afeto
11 11 • t1dode) vinha de longe, quando ambos meninos cur.-
s~ r, m I glo Alberto Brandão, em Va·s souras. Belo, minu.-
cios 1 11 to é o retrato que dêle se lê numa das páginas de
«Minl1 M 1116rias dos Outros>>. Homem feito, Raul Villa-Lobos
«era u111 1·1 tt1ra de bondade e meiguice. Fisionomia plácida,
muito cl r 1 t z, cabelos raros e ba·r bas alouradas, olhar azul
e suave, tinho t1111 ·1 xpressão de tal candura que eu sempre que o
contemplava, diz Rodrigo Octavio lamentava não ser pintor
para aproveitar.-]h a figura numa tela em que tivesse de aparecer
• , um santo».
Bem diversos eram os temperamentos dos dois amigos. Exu-
berante, expansivo e poeta era meu pai. Tímido e retraído, o pai
de Heitor Vil]a ... Lobos. «Elevo-o, escreveu o amigo com
,

198 199

gáudio onsclência, a uma herma do meu b . <Jt11· 1 11 <>111l1rado e l r·ç de vontade, no trabalho sem descanso, na estrêla que lhe
calmo». 111iava a vida de predestinado, e no seu destino de artista. Ésse

Muitos anos passados da amizade escolar, 11 1111! 1 1 111 se os ·ra o Villa-Lobos que encontramos naquele quarto de hotel, no
mês de outubro de 1948.
doi s amigos, em situação bem diversa, ao tempo · 111 1111 1 11cl1·igo
Octavio era Procurador Seccional da Repúbli i1 l 1 111 Vllla- Embarcou para o Rio e aqui começou a labuta diária, acres-
-Lobos funcionário da Biblioteca Nacional. F ir, 11111 11 11111·0- centando novas páginas à sua obra amadurecida e grandiosa. E1n
cráticas interpretaram e desvirtuaram, torpement , l I f 1 111 11cl s seguida viajou o mundo, levando a tôda parte, pessoalmente, sua
do honestíssimo amanuense, acusa·n do-o de feio I • li l1111t:l • mensagem de artista genial.
nais. E o tímido Raul, inocente e puro, foi levado 111 11 l11111 l11l10 Vi-o em Paris, em 1956, na sala do <<Théâtre des Champs
de maldosas e escandalosas notícias de Imprenso . 11111 1111,I o Elysées>> regendo a sua grande obra <<Descobrimento do Brasil>>
inquérito, e enviado o processo por decisão do Sup1· 11111 ' I I ll111nal, para uma das grandes orquestras parisienses, que a gravava para
ao Juiz Federal, foi dêle aberta vista ao Procura cl111 , ,11 1>nal, uma seleção de discos. Parecia um· adolescente, um jovem e ágil
qt1e depois de requerer várias diligências, deu mint1 cic1 11 I' 11 e1·, maestro, exuberante de saúde. Com que entusiasmo e segurança
pedindo e obtendo em seguida o seu arquivamento. dirigiu aquêles músicos afeitos à regência de grandes mestres, e
Não me esqueço da emoção refletida na fisionom i 111 V li - que, ao término da execução, aplaudiram de pé o grande maestro

-Lobos quando, alguns anos depois de publicadas em p li 11,1 ,le brasileiro .


Rodrigo Octavio, relembrei~lhe, num casual encontro nr1 111,l,11: Foi êsse mesmo Villa-Lobos que eu encontrara na A.B.I.,
dos bilhares da A.B.I., a origem e a intensidade da amiz 111 · 1111 depois de gravíssima operação, fumando inseparável charuto, com
unira nossos pais. :Êsse meu encontro com Villa~Lobos, 111 J ,. uma das pernas sôbre a borda do bilhar, taco em vertical, ten-
neiro ou fevereiro de 1949, foi para minha sensibilidade, pelo tJll tando o bom êxito de uma carambolada difícil !
me proporcionou de espanto. ante a incalculàvelmente fort J)l'I' • Henrique Oswald o tinha, desde cedo, em alta conta. Minha
sonalidade do grande compositor, un1 momento inesquecível. 1'r .'> mulher, que foi aluna de Oswald, escreveu em um de seus cader-
meses antes, em Nova York, eu fôra com o saudoso Berengucr nos de recordações, o seguinte : << ... durante uma das aulas vi,
Cesar visitar Villa-Lobos no hotel em que se l1ospedava. Na 11m dia, uma cara apa·r ecer na porta entreaberta>>.
véspera saíra do hospital onde se submetera a uma gravíssima «M riit1·0 CJll1·1~ umo palavra sua>>. Ao voltar da con-
operação. De nós três era êle o único animado, sorridente e • v rs 1 li. 1-lC· 111 011w, ld : «É um rapaz de talento e futuro, cha-
falante. Sempre o mesmo. Fazia planos de trabalho. Dedilhou n1 •11 VIII 1- L b ». Assim vislumbrei Villa-Lobos, pela primei-
ao piano motivos de composições imaginadas e em perspectiva. r v z».
Falou eufórico, sôbre o sucesso de sua <<Madalena>> que estavam
1·õlogo francês Marcel Beaufils, que reuniu precioso
Jllll
representando em um dos teatros da grande cidade. Bestificados
material pnr~ screver um livro sôbre Villa-Lobos e que não 'lei
e constrangidos, Berenguer Cesar e eu, sem sabermos como oc11l-
se foi publi do nos disse, quando visitou o Brasil, que ao pene~
tar a pena que nos ia n'alma, olhávamos aquêle homem ext1•1101•.-
trar-lhe as selva o intrincado cipoal das florestas, ao ouvir-lhe
dinário, que mal podia se suster em pé, bastante curvo JlllJ'i \
as vozes misteriosas dos pássaros, sentindo-lhe tôda a extensão e a
frente, sorrindo para nós e sorrindo para a vida !
grandeza, é que pôde compreender a majestade orquestral e o iné-
No entanto êle sabia que os médicos que o op r 1111, rde- dito que o gênio de Villa-Lobos incorporara à música moderna.
naram que o embarcassem, o qua·nto antes, para qu vl mor-
Quanto a mim, acontece que, devido à minha displicência
rer em sua terra, em sua casa ! Mas isso em nad 111 i111portava,
( ou a trabalhos árduos em outros setores) por não ter atendido
pois o Villa só acreditava no seu poder de amn1· \ vida·, na sua
200

convite h nro, o de Villa,..Lobos deixei 111 to11111 11111 l1omem


célebr , . . rta tarde nos encontramos 11 ·,, !' 11 l 1·. Artes.
Éran10 · multo moços. Villa disse~me : l~ (011 1·1 111J ,,11 111 um
boll,1do. Faça você o entrecho. Encontre u111 1111111 1 1111111 1, Pl
br sil iro. Vamos ficar célebres, os dois . . . N ,111 , 111, 1 11 ·l o
as1;unto. Contento~me, hoje, em ficar extasi do 1111 1 , 11 l11·i- •
dade de meu amigo Villa,..Lobos. PLANTAO NO MEMORIAL HOSPITAL EM NEW YORI<
'
STUART QuAN '*

( Tradução de Adelaide Tapajós)

EMBRO,..ME claramente. Como cirurgião interno no hospital, ·


era nosso dever, além do trabalho diário, fazer <<plantão>> de três
em três ou de quatro em quatro noites,
Foi sorte minha estar de plantão em uma noite, há muitos
anos, quando o Maestro foi admitido, pela primeira vez, no hos ...
pital. Antes de nosso primeiro encontro, minha preferência pela
música clássica estava muito de acôrdo com as linhas usuais :
Mozart, Beethoven, Bach, Brahms, Tchaikowsky etc. O nome de
Vi!Ja,..Lobos lembrava,..me algumas peças brasileiras e um musical
de curta duração na Broadway. Como era chamado ? «Mada...
lena»? :Bsses pensamentos a respeito de compositores musicais
p s aran1 pela minha mente enquanto estudava a ficha hospitalar
do Ma st1·0 antes d encontrá,..Jo em seu quarto de hospital. Villa ...
-Lo o , nt , r pnr mim rn is um p, ciente com uma moléstia
d • 1fl dor . d qLt O Ompo itor famoso, de inteli~
• gência b1·lll1 nt gr nd nlor nmor. Tõdas essas qualidades
foram por 111i111 cll, !J rt !, d sfrut das mais ta·r de. Não sabia,
então, qu todo11 11. s m, r, vJ]hosos dons me seriam revelados.
Sabia a pen s qu li , t va um homem doente, e que estava des-
tinado a tornar- e ainda muito mais doente, se o grupo de médi...
cos e enfermeiras do hospital não pudessem ajudá~lo. Senti~me
privilegiado por ser um dos membros dêsse grupo.
Era hábito meu visitar todos os novos pacientes admitidos
no hospital, no meu dia de plantão, a fim de verificar se estavam

'* Médico de Villa-Lobos em New-York .



-202- 203

confort v 1111 nt instalados e, depois de ex 1nin lc) , Jlt'<>vid nc1ar t I no empresário de ópera. Tudo isso provocou no Maest1· ,, .
para qu a o dens dos médicos fôssem cumpt•ltl ,. 111 1, nfer- •
I Jóvel curiosidade. Uma situação paradoxal ! O paciente int r·
rclgava o médico e não vice-versa ! Proclamou seu grande intc-
l ois de ouvir um animador <<Entre» d . 1 11 1,, ,1 rêsse pela filosofia e pela música orienta·}. A influência exercida
p s que soube, mais tarde, ser a Senhor Vil), . J ,1l 11 , por êsse interêsse em suas próprias composições foi ilustrada por
11 quarto encontrando meu paciente recosto d 11 1 , ,1111 , , alguns assobios de passagens <<Orientais>>.
olhos, sua face e sua cabeça imediatamente atr i·1111. 11 1111
Apesar da diferença de idade, da profissão e de antepassados,
1110 provérbio chinês que diz : <<Sete pés de um 11<, 111 111 11 • 1
lam tanto quando um pé de sua face ; um pé d • 11 1 1 ficamos grandes amigos, devido às inúmeras afinidades em comum,
tão revelador quanto uma polegada de seus oll1os , l 11 1 especialmente as duas mais importantes : o amor pela humanidade
mente compreendi como era certa essa velha citaç.1 > t 11 11 , e o amor pela música. .
olhos do Maestro eram grandes e castanhos, penctr 1111 li, .. Gostaria de pensar, e espero confirmação da Senhora Villa-
ves e bondosos e pareciam compreender imediatam 11! ..Lobos, que esta amizade ajudou um pouco a minorar o sofrimento
Sua cabeça era magnífica, forte, coberta com long . I I • do Maestro durante sua permanência no hospital. Muito sofreu,
tanhos qt1e caíam sôbre sua grossa nuca. Seu ro te, na verdade. Primeiramente a grave operação em que atuei como
moreno, com altas maçãs, maxilares poderosos e {11 <<primeiro assistente de cirurgião>> e, depois, os longos dias e as
coroava um corpo forte, de sólidos e largos ombros ;
longas semanas de lenta e dolorosa convalescença. O Maestro
figura maravilhosa· para o cinzel de um escultor.
suportou êsses dias que pareceram intermináveis com bravura e
Apesar de ser um paciente, o Maestro demonstro u . 11 1 111 I • o mínimo de queixas. Felizmente, o progresso era visível. Seu-
neiras sociais, quase saltando do leito para saudt1t·-111·. tou .. se novamente, começou a andar, a comer e, principalmente,
olhos brilharam, sorriu calorosamente e pa-recia mais on. 1 !,11 11 1 r I a compor outra vez.
encontrar um nôvo amigo do que um jovem médico <l • 111 111t,1c>
naquela noite. Instou para que me sentasse ( coisa que r u1·,11n nte Pouco tempo depois, recebia em seu quarto de hospital alguns
faço quando visito meus clientes) e depois êle e a Senhora Villa- d seus inúmeros amigos e admiradores. Recordo-me de uma
.. Lobos também se senta·r am. Nós três sentamo .. nos como um tard d domingo numa de minhas múltiplas visitas diárias ao
triunvirato, encarando..nos mutuamente ; um triunvirato que esta• M ,1 t1· • Fazia frio na rua mas o quarto estava animado pela
v d estinado a durar muitos anos, partilhando alegrias e tristezas. co nv ,·s cl a migos íntimos do Maestro e pela fragância de café
bra ·J l< i1·0 <JLI • Sra. Vil}a ..Lobos pessoalmente preparava para todos.
O Maestro preferiu falar em francês e desculpou.. se de não Um e.li co to , v, o Quarteto de Corda s n 9 6. Naquela oportunida-
pod r conversar em inglês, embora eu acredite que compreendia de pe11sf\v,11110. ~1 t1ir ouvindo o <<Quarteto>> composto no hospital,
11l c i inglês do qtte deixava transparecer. Procurei lembrar , s o de nQ 12. Mo s(ro parecia um rei, recostado no leito, ainda
pou pa lavras do meu francês de colégio e aquelas que n.11 vestido com a roupl d 11 pital. Segurava na sua mão esquerda
pocli r c ordar ou não entendia eram hàbilmente traduzidas J1 l. uma pequena xícarn d f · e na direita um grande charuto que

VIV O: e bonita Senhora Villa-Lobos. A gesticulação foi t,11111> ·11 entre duas baforadas, tt sava como batuta, dirigindo sua própria
um au. ílio n ssa nossa primeira conversa. música. Que visão feliz para todos nós que o amávamos e qtte
O Maestro ficou fascinado da minha ascendên l,1 (J1i • tivemos a felicidade de estar juntos nzque]e quarto ! O Maestro
quis saber tt1do sõbre minha vida. Meu pai era, t 11\l1 111, médico estava bem novamente I Subitamente, porém, lágrimas encheram
e descendia de uma longa· linhagem de médico 111 u vô ma ... seus olhos; todos nós pensamos que êle não estivesse bem. E.n#


204 -

quanto /1,1 ,,/ 1111 , 11 l11!1osamente, enxugnv,1 • u 1. 1, 11 111 , 1 nfas-


tott nll ~,11 1 1 11,. liz ndo-nos que sua ln :p 1· tcl., 1111 ~ 1 •

r t1ll , I , ,1, 11· 11y I de uma passagem da n1úsl , J>,11 I , 1 1111 nte •
111 1 I )li 11,t1 . '01npreendi, então, e creio qu ft.11,l 1111 1tl11 o
111 • 11111 , 1111 o Maestro havia vencido a enfermid tllt.
LEMBRANÇA DE VILLA-LOBOS
J t>11· 0 depois dessa tarde de domingo deixou 11 1 1l
ti ,. pa.ramo-nos amigos e continuamos sempr 1 1\1 I', SUZANNE DEMARQUEZ *
( Tcadttção de Manuel Bandeira)

Ão me consolarei nunca do desaparecimento do meu grande


e querido amigo Villa-Lobos, o ilustre compositor que enriqueceu

a música de obras tão belas, de tão rara pujança. Vê-lo~ei sem~
pre, ao piano, olhando uma das minhas obras de jovem composi-
tora, dando-me seus preciosos conselhos, de outra vez ensaiando
com um dos seus intérpretes, ou ainda, no estrado de concêrto,
regendo um dos seus afrescos grandiosos, <<Amazonas>>, os «Chô~
\
ros>>, <<Bachianas Brasileiras>>, a <<Descoberta do Brasil>>, os quais

evocavam o seu país de maneira tão maravilhosa, que era de a •

gente se sentir transportada ao coração da floresta virgem, à beira


do Amazonas, ou ainda em sua cara cidade do Rio, durante o
Carnaval carioca, que êle soube pintar de modo tão vívido, tão
• colorido. E revejo~o também, pela última vez, desgraçadamente •

tt m sa de trabalho, que êle não aba·ndonava nunca, mesmo
po r e b r o migas. pois êsse grande trabalhador nunca ces-
ou d tr b, Ih, r nt tõd ·1 . su vida. Ao mesmo tempo que or-
qu ·tr v ·, f 1 v <l 1n(1 . l , , inter ssava.-se pelos trabalhos de
seu nm!gos co11fr d . d mú lca. por tudo o que tinha um valor
na vidu. nolt d e bava num dêsses restaurantes aonde êle
não cessav, d e nvidar os amigos com tão encantadora simpatia
e generosidade. Cada primavera trazia-o novamente à sua cara •

cidade de Paris, que êle sempre amou tanto e que lhe retribuía
êsse amor. Agora as primaveras sem êle já não têm para mim
o mesmo encanto, mas, felizmente, resta~nos a sua obra. Graças

a ela não nos deixou êle completamente, pois o melhor dêle nos
ficou com ela. '
- - - --
* Compositora e Crítica Musical Francesa.

• • •
VILLA-LOBOS O VILLA-LOBOS QUE EU CONHECI

T oMA. 'J' 1 VASCO LEITÃO DA CUNHA


"\
o ano de 22 ou 24, em Buenos Aires, por lrit 1 111 1l l1 1 1 minl1a pri m ira impressão de V illa-Lobos foi colhida no Tea-
Rubinstein, tomei conhecimento da música de Vill a-Lo!,,1 , 1) t t (! tro Municipa l n1 1922 . C elebrávamos, então, o 19 Centenário
então toquei suas obras, muitas em primeira audiç~ , ti da nossa Independência . E lembro- me bem, da sala cheia, acla-
nha, Portugal, França, etc. mando não só o gra nde Maestro, o grande compositor, mas tam-
Mais tarde, conhecemo-nos em Paris. A par tir d 1 11 1(l • bém o então Presidente da República, Epitácio Pessoa, que gos-
menta nunca perdemos contato. Vi nascer várias d e s u 1, (l l 11 1 tava imensa mente de tôdas essas manifestações de arte e que
e colaborei como intérprete em algumas. <<Chôros n9 8, ( ,,,... presidia a Nação justamente naquela ocasião memorável do 19
questra e dois pianos), por exemplo, a obra colossa l qu l l11, Centenário da nossa Independência.
todavia, desconhece, foi a mim dedicada. Executei-a em p rl 11\ ·11, Fiquei impressionado com esta música moderna, cheia de
audição em Paris com a magnífica colaboração de Aline V on 13 .. vida, que dava do Brasil uma imagem musical diferente, pois.
rentzen , sob a regência do próprio Villa-Lobos. Vi também nas- que os compositores que o antecederam, embora tratassem de
cer os <<Estudos para violão>>, escritos durante umas férias que temas brasileiros, tratavam-nos à maneira , digamos européia, à
passamos juntos em Lussac les Châteaux, na França, e uma infi- mon ira clássica, sem na realidade encontrar meios nossos de-
nidade de outras obras dêsse infatigável trabalhador e criador •
r .s. o musical.
que foi Villa-Lobos.
l\11 :;, n.:-o é d e s urpreender que ês te fenômeno aparecesse
Em nossa última viagem à América vim com êle ao Brasil n qt1 l I r1 ião , pois que mais ou menos por aquela ocasião SE:!
para realizar concertos de suas obras no Rio, e, desde então, con- tinl1 rlfl do a famosa Semana de Arte Moderna, em São
tinuo tocando sua música, ensinando-a e admirando,a. · Paulo, , e 1t1 lcl depois da conferência de Graça Aranha, na Aca-
demia Br 1. 11 l r d e Letras, na qual se p1.::dia e se promovia a
renovaçã o d t < s a s nossas artes, desde a música e da poesia
até a pintura, ttltura e até mesmo a arquitetura que naquela
ocasião era aind t1m a cópia bastante servil da arquitetura eu-
' .
rope1a.
Passados anos em Buenos Aires, em 1935, quando da visita
de outro Presidente brasileiro, Getúlio Vargas, vi, no Teatro
Colón, o ballet do <<Uirapuru >>, outra· magnífica obra de Villa-
208

-Lobos, , 11•. !111 , 1s minhas impressõ s f 1· 1111 1·


v és dos t· •111110!!,
J,m 19'10 poucos tive a fortun a cl uvl1·, 11 • 1 1111lJ1 , o
prl111 l1· d isco da <<Bachiana n 9 5>> canta d JJ l t 1111 ,, ,1 11, 1,111 pa-
r lV l Biclu Sayão, e mais adiante, em 195 1, n I JIJ 11I 11111,1, tive
oc siiio de comparecer com o Presidente da PJ 11I 11 li 1, ,, li' 11 1,lt~
p ssiquivi, a um concêrto dirigido por Vil)a .. Lol10 , ti 111 111 1 1 O «TEMPERAMENTAL» VILLA-LOBOS
e das obras de Lorenzo Fernandes. Foi um u L', ,1 11 111 1111111"
rio. Era a primeira vez que um grande músico b1•, 1 f11J,,•, 1 > 111 1, 11• VICTOR DE CARVALHO
dêles, provàvelmente, comparecia· àquelas plag I J I f I J 1 , 1 1 11
acolhimento por parte de um povo, extr·emam 11 1 11111 11 11, 111 ª
extremamente reservado, foi assim uma explosão 11 ti r• Ir,, de EMPRE ouvi1·a dizer que o grande Villa-Lobos era um tem-
admiração e de entusiasmo. peramental. Talvez fôsse . .8 isso quase natural nos grandes
Anos mais tarde, no ano de sua morte, em 195 , l,111 I, ·u maestros e compositores. V i, uma vez, em New York, Tosca-
em Havana, procurei várias vêzes conseguir que Vt ll 1 1 11!10 nini, num ensaio, jogar, irritado, a ba tuta sôbre a orquestra.
viesse dirigir as suas obras naquela Capital. lnfellz ,11 111 , 11 o Porém, não foi assim que conheci o a utor das <<Bachianas». Es-
foi possível ; já a doença que o levou minava-lhe a 111 I · ,l távamos no comêço da década dos trin ta. Serge Lifar, então no
não pôde atender ao convite de várias instituições n,11. IL ti• apogeu e sôbre cujos ombros caíra o manto de Nijinski, chegava
penhadas em ouvi-lo, novamente, em Havana. D epois tl11 11 ao Rio com um grupo de bailarinas, p ara uma série de espetá··
falecimento, uma sociedade cubana de artistas dedlc lo. 11 1 cuias. Como eu já o conhecia de Paris e porque. nesse tempo,
obra, organizou uma sessão em sua memória, e confes . qt1 lo! era eu crítico de arte de <<Ü Globo >>, fui recebê.. lo com o maestro
uma das cerimônias mais comoventes ouvir uma· série de d iscos Piergile. O grande bailarino foi logo dizendo-me : «Desejo ver
da música incomparável de Villa-Lobos, escutada em silêncio por imediatamente Villa-Lobos>>. <<Já o conhece?>> perguntei.
jovens cubanos que nunca o tinham visto, mas que o tinham ou .. «N ão » r espondeu-me êle. <<Mas, é o meu primeiro devei
vida de longe, e que quereriam ter ouvido de perto se êle tivesse oo pi nr n ste país». Pensei que êsse dever fôsse por causa da
podido atender ao nosso convite insistente. Tudo isso, hoje em cre c nt · c lebrida de do nosso maestro. Lifar explicou : << Dias

dia , parece muito longe no tempo : mas, na· realidade, a presença a ntes d morr r, Diaghileff ainda me falou nêle, no seu talento
d e Villa-Lobos continua na vida de cada um de nós, não só atra- e no s u d sejo de criar um bailado com sua música>>. Com-
vés de sua música, mas através da lembrança que guardamos da preendi porque Lifar, herdeiro e filho dileto do inovador do
sua fulgurante personalidade, do seu entusiasmo natural, do set1 << Ballet r usse», desejava avistar-se com o nosso compositor. Pier-
otimismo pelas causas do Brasil, da· sua convicção profunda t.l gile disse então que V illa-Lobos, naquele momento devia estar
que o Brasil ia ser grande e vai ser grande, com todos os n , !lo ensaiando no Teatro Fênix. Do cais, rumamos para lá antes mes-
esforços e malgrado tôdas as nossas deficiências. mo de insta·l armos Lifar no Hotel Glória. No Fênix, Villa-Lobos
ensaiava com a orquestra e coros, o << Chôros n9 10>>. Lifar p:,
Quero deixar aqui um preito de saudade, conver om
recia extasiado, transfigurado, depois de cinco minutos. P el.i 11111
Mindinha, sua: incomparável companheira, e nossa nmlg tnn-
sica ou porque estava obedecendo a um grande desejo de DI •11111
tos anos.
Jeff? O caso é que parecia mesmo transfigurado, xt 1 111(11
• Assim que terminou o ensaio, apresentei Lifar a V illn-I., 11 11

- 210 - 211

bailarino, emocionado, disse : <<Ê grandioso ! Di ghil ff tinha ra- 1111t 111uito bem, porque, em sua própria casa, muita .. 1
zão ! Posso interpretar essa obra 7>> Villa-Lobo. 11 c)rdou e
11,v ntada sôbre um grande homem, também chegava aos
adiantou que o libreto já estava pronto e que no IJ , ·guinte 11ltVJdos... Villa-Lobos durante todos os ensaios foi de uma
mandaria levá-lo ao Hotel Glória, o que fêz de fat . J> 1 iência e de uma bondade a tôda a prova, até mesmo na noite
Algum tempo depois, Lifar telefonou-me emba1• ti,; 11!1,. Não <la estréia que foi tempestuosa, mas, um triunfo para o maestro
gostara do libreto e não o entendera. Temia, entr t 11111,, ,1 s- • para Lifar. Isso, porém, é uma outra história que não cabe
gostar Villa-Lobos, principalmente sabendo-o temp r 111\ 11f 11. ( :· aqui. «Jurupary>> foi apresentada em Paris, na Salle Pleyel, não
dias iam passando, a temporada já estava no fim 11 11111 1111 11 11 · podendo isso ser feito na ópera, por se tratar de um «ballet»
lado brasileiro, já tão anunciado na imprensa. Llí 11• l 11111 f 1 , folclórico. Paul Valery foi quem o apresentou. Repetiu-se em

no Municipal em <<Prometeus>> de Beethoven ; no «.'J · 1, 1 ; n Paris o triunfo obtido no Rio, pois Villa-Lobos lá já era célebre .
Célebre, mas não temperamental, posso afiançar-vos . . . Pelo
<<Chopiniana» e nada de .bailado brasileiro... Na !111111 ·11
meçaram a aparecer comentários irônicos sôbre a r,1·1,1111· 1 de
co-
- . .
1nenos nao o v1 assim •..

Lifar... Um dia, Lifar, sabendo dêsses comentários, 11· 1111-me


que fôsse, urgentemente, falar com êle. Encontrei-o ,l · 111 cl e
receioso. <<Não gostei e não entendo o libreto:,,, di . 1· !,·. E •

pensando no que se dizia sôbre o temperamento de V il) 1, 1 ol- •

vemos então ir juntos. E, com muitos rodeios, atac 1no 1 , •


sunto, esperando uma tempestade. Para nossa grand t11111
Villa-Lobos sorriu, amável, compreensivo e disse: «M l11l1· 111. 11
libreto>>. E. depois de uma pausa, virou-se para mim : «V<>< •
Victor de Carvalho, porque não faz êsse libreto 7:i> «E11 7 N,1 •

entendo de folclore». Mas, Villa e Lifar insistiam. N ss n1es-



ma noite telefonei a Raymundo de Castro Maya que deveria saber •

de alguma coisa bem brasileira para me servir de ponto de par-


tida. Castro Maya enviou-me um livro de Roquette Pinto e nêle
encontrei o significado da palavra «jurupary» máscara dos
guerreiros que as mulheres não podem tocar. Trabalhei tôda a

noite e, ao amanhecer, entreguei o libreto a Lifar. Aí, fiquei te-
mendo uma pequena represália do maestro. :8le não iria a·cei-
tá-lo . . . Qual a minha surprêsa quando cheguei ao Municipal, •

ao meio dia, encontrei o meu libreto já coreografado em pl nc1 -


ensaio, interpretado por Lifar e a orquestra dirigida· pelo pr61,r ic1
Villa-Lobos l Numa pausa, disse-me o maestro : <<Esplê11cl ,lc, 11
seu libreto ! Bravos !» Fiquei emocionado e feliz ! Est v 1 • -
truída, ao menos para mim e Lifar, a fama de que V li 1 1. bos •
'
era um impossível temperamental l Disse à Alzlr V 1·11 t!l 1 en-
tão uma mocinha, e que assistia ao ensaio : «Q11 nt I se ln·
venta sôbre os grandes homens!>> Ela sorriu, nl1 ndo êsse

213 -

il Ilhares de vozes que extravazavam dos estádios e conduzian1


11
111·1 mundo o nome dêste país desconhecido.
Uma das minhas visitas de repórter fôra à escola México.
na lagoa Rodrigo de Freitas, que Dona Juracy Silveira dirigia.
E pela primeira vez eu pude ver e ouvir, deslumbrado, um côro
VILLA-LOBOS de crianças regido por uma criança, que repetia os gestos mági~
cos de Villa~Lobos, num tocante espetáculo de beleza e disciplina.
V1cTOR NuN1!. J,, ,. Compreendi então todo o alcance social da gigantesca iniciativa
que haveria de se difundir pelo país sob a égide dêsse verdadeiro
gênio que não separava a arte do amor da Pátria, mas que a
'· punha a serviço do Brasil e da sua gente, vivificada e engrande-
ONA Arminda na sua devoção à memória de VJll I I, bos,
cida com a inspiração que êle hauria das nossas fontes mais at1~
pede-me algumas palavras sôbre êsse grande, êsse in1 t1 rt I bra-
tênticas.
sileiro que foi seu marido. Tentei recusar, porque n u · 111 ndo
de arte e nada portanto poderia dizer sôbre aquela 1, 1·c,,lliJI a Muitos ano s depois minha mulher, p1·ofessôra de piano, viria
fôrça interior, que o projetou à altura dos maiores com1)t1 11111· s a ser aluna de V illa-Lobos, no Conservatório N a cional de Canto
de nosso tempo. Orfeônico.
Mas o que me pede D. Arminda, na sua tolerância pai· 111 Tive então muitas oportunidades de v ê-lo, de falar com êle,
os não tocados pela magia da vocação artística, é apeno. 1111, de assistir às suas preleções, algumas vêzes improvisadas e sem~ •

depoimento, uma recordação, uma imagem de Villa-Lobos, do , 11 pre entremeadas de pilhérias, ironias e indiretas. Ali se prepara-
talento vigoroso e combativo, inconformado com a mediocrid d •, v am professôres de Canto Orfeônico.
sensível a tudo que tivesse um toque de beleza, mas implacáv J Villa- Lobos entregava-se a êsse empreendimento de que eril
com as contrafações da arte. Concordei em dar um testemunho, o responsável com todo o ardor de sua vontade poderosa.
embora insignificante, porque nunca me saiu da lembrança meu Man quando n1e era· dado ouvir o seu orfeão de professôres,
primeiro contato com o aspecto social da atividade artística de voltov sc.111pre à minha memória a imagem da menina da escola
Villa-Lobos. M ·ico, dirigindo as vozes de outras crianças que continuam can-
Estávamos em 1935, já se vão quase 30 anos. Eu escrevia tand J1 lo Brasil aforo, para todo o sempre, a glória de Villa-
para o <<Diário da Noite >>, por ordem de Austregesilo de Athaide, -Lob s.
uma série de reportagens sôbre a revolução pedagógica empreen-
dida por Anisio Teixeira, no Distrito Federal. Não se restringio
essa obra à construção de prédios escolares e play-grounds •

implantação da chamada escola nova.


Anisio dedicava um carinho especial às artes. N i'l ,·e (· 111- •

f undada Universidade do Distrito Federal, havia r eunitlt>, nt1·e

outros, o escultor Celso Antonio e o pintor Portinari, scolas
públicas se encheram da vibração do Canto Orfeônl . , pessoal-
mente comandadas por Villa-Lobos nas grandes d monstrações ,


• - 215 -

a música, com que o grande compositor honrou a mlnl1


foi uma surprêsa para tôda a gente.
• O «lundu» cantado por Dulcina, aí está para todo o mun~o
ouvir : é um primor de graça, de ternura, de sentimento amoroso
e de profundo cunho romântico, com a ternura, com a graça e
com o romantismo dos «lundus>> cantados pelas damas dos tem-
VILLA--LOBOS pos de Pedro I.
Vários anos já são passados depois que Dulcina o cantou no
VIRIA1' palco. E êle continua a ser cantado de norte a sul do país, nos

salões festivos .
Mais tarde, quando escrevi «Tiradentes>>, tive necessidade
os últimos dias de dezembro de 1937 eu conclt1l I Mar.- de um hino para ser cantado pelos inconfidentes. Foi ainda a

quesa de Santos>>, peça que a grande atriz Dulcin ti· M ais Villa.-Lobos que recorri. E o hino dos inconfidentes aí está for·
me encomendara para abrir a temporada de 1938. moso, ardente, emocionante e simples. Tão simples que é can-
Na peça eu escrevi versos para a composição de u111 l,111dt1» tado por crianças nas festas escolares em homenagem a Tira.-
que eu desejava ser cantada por Dulcina. dentes.
Havia mais dois outros números de música forma11d l1111ll
de cena.
A quem eu devia entregar a composição dessas 1n(1 J,.1 I
Pelo maestro Villa.-Lobos eu tive sempre uma alta admir çã •
admiração sólida e candente que vinha desde os tempos em que •

tôda a gente atavaca a sua arte e todo mundo negava o seu gênio
musical.
Foi Villa--Lobos a primeira figura que me surgiu à lembrança
para escrever as músicas que eu necessitava.
E quando, aos meus amigos, eu comuniquei os meus desejos,

todos se levantaram :
Péssima lembrança! Villa--Lobos não é a criatura indi·

cada para o que queres. O que te serve é música leve, gracl


profundamente romântica, como eram os <<lundus>> do prl111 Iro
império. A música de Villa.-Lobos é arrebatada, ruido o, ·om--
plexa. Não música que toque a alma do povo. Pro u1· outro
maestro.
Mas a mlnh dmiração por Villa.-Lobos, 111,1 profunda,
fêz.-me entregar--111 o encargo das músicas qt1' u necessitava .



- 217 -

j\ verdade é, porém, que êle estudou composição sàzinho.


, ti único estudo consistente foi o de cela, com Breno Niedenberg,
1· 11lre 1902 e 1903.

• Um gênio não é medido pelos seus traball1os fracos, porén1


pelos mais fortes : alguns dos setts Choros, as Bachianas Brasi-
leiras, muitos de seus trabalhos de câmera , peças para piano, al-
NA MORTE DE VILLA-LOBO
guns trabalhos religiosos, o <<Guia Prático». Foi impossível, até
hoje, enumerar cuidadosamente todos os seus trabalhos. O último
WALTER Btllll .JI M I catálogo foi publicado pelo Boletim lnteramericano de Música.
(Tradução de M11·c·11 /',1111c1c,) Há na realidade dezenas de grandes trabalhos nunca executadc,s,
em nenhum lugar, como o «Chôros XIII» e o <<Chôros XIV>>, es~
critos há trinta anos. Há trabalhos para espetáculos que nunca
foram levados à cena.
1928 eu pergttntei a Reznicek, autor de «0011. J) 11 ,»,
'tl1:

como foi que a morte de Wagner o impressionou. :81 , 111 111 , 1 A invenção e a originalidade na música de Villa-Lobos são
respondeu que Weingartner, que na época tinha 19 anos, 1,, ,111 111 surpreendentes. Suas inovações rítmicas, constituem uma eterna
trouxe a notícia dizendo: <<0 Mestre morreu>>. <<Nós, · 11111111 11 contribuição para a música. B.le estêve sempre e11cantado com a
Reznicek, tivemos a sensação de que o mundo i11teiro perspectiva de novas criações. Os males físicos nunca o abate~
Que tudo estava morto>>. ram. :Êle era um dínamo trabalhando de manhã à noite. Apenas •

tinha terminado um trabalho e já estava projetando e produzindo


Assim me senti ao ser tomado de surprêsa pela notl • i11 1l · outros em torrente.
que Villa-Lobos morrera no Rio de Janeiro a 17 de n v 1nbr<
Sua espôsa, Arminda, a quem tantos de seus trabalhos foram
de 1959.
dedicados, não era sàmente uma inspiração, mas trabalhou com
Ainda não nos é possível perceber a grandeza do gênio qt1l'. élc, copiando incansàvelmente, estudando línguas, até mesmo o
l1á pouco estava e11trc nós. Serão necessárias, talvez, de uma o ..: 1·usso, para ficar a par de sua correspondência que recebia tio
duas gera~ões para atingir-se à perspectiva total do que êsse ho- 1nt1nd int iro. A ela caberá a gigantesca tarefa de completar o
in m realizou. Pode-se afirmar desde já qtte êle revolucionou as alálogo d . 11 ns obrns.
onc pções musicais, não só do Brasil, mas influenciou a geração Cl1 g11 1 11 v r o. J"r j tos pc11·a n Fnntasia para Solo de Sete
111otl rn< em todo o mundo. Vil]a,..Lobos era ttm fenômeno curio- C ·lo p111·0 t1111r1 ,. 1t1 'llt1·i1 tl tios. Seria em três movimentos,
:10 u,n fabricante de música antes de iniciar a escrever na f? cada, i1111 , 111 ~1 t • tem . . n. s s projetos se perderam em algum
l11c Jinh s da pauta. Êle improvisava nos vários instrumentos lugar ent1· ·t,,do Unido a Europa. Tentava êle recons-
at1t s d ter ouvido os clássicos. :Êle começou a formar sua pró tituir essa P·1nt:1.-i·1. T ·l< conseguido? Rostropovich pergun~
p1·iu Jd l, d mais altas fo1·mas da música a11tes de ser infltt 11 tou-me sôbre ê ·" trnb lho há algum tempo.
iado p los · 11ios do passado.
Qt1ond ntrou em contato com os clássicos, tinha c1t·!,·: tt111ü
visão muit 111 i.• objetiva que qualquer um de nó . • nele> um
autocrítico, ~ 1 1n d at1 todidata, não podia submeter-~i ,l 11sina-
mento pedant ilógi o.


iNDICE

Pãgs.

Abgar Renault • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 5

Alceu Bocchino • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
7


Aline Van Barentzen • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
9

Amarylio de Albuquerque • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 10

André Kostelaneti; • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
12

Anísio Teixeira • •' • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 13

Anna Stella Schic • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 15

Ant nor Nascentes • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1S

Ar11nl str 11 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 20
'

Ayr s dl' Andrtlde • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 33

B alto t1l11,111 •la Martin • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 37

• Benjamin J r11 h, n,orro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Bidú Sayão . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ~ 41

Carlos Cafero RodrlOlt s ••••••• • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 42

• Carlos Drt1mmond de Andr.,d • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •


Carlos Guastavino • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • •• • • •• • • • • • • i6

Carlos O. Garde . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
220 221

Págs.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 100
Carlos ' • 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • . . . . . . . . . . . . .. .. . . ' 50
J,,lrnc Pahissa • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

e 1110 •
Jayme de Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . '102
J. •lly •••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 • • • • • • • • • • • • • . . . ' ... • • • • • .52
Jennie Tourel ................. . .. . . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 106
M1111 h

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 'i·l
João de Souza Lima • • • • • • • • • • • ••• • • ••••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • •• • 107
Stilgado • • • • • •• • • • • • •• • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

. . - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
1) 11·1 S cerdote de Beretervide • • • • • • • • • • . . . • . . . . .. . . . . . .. .. . .. .' .. Joaquim da Cru:,;

John Barbiroli • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 110


Donatello Grieco • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ' '/
Jorqe Dodsworth Martins • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 111
Dora Vasconcellos • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 59
Jorge Niõo Vela ................ ~ .. . ....... , .. . . ... . ............. . 114
.Edgard Gomes •••• • • • • • • •• • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 61

Eleazar de Carvalho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 63
- Jorge Oscar Pickenhayn • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • li6

José Maria Fontova • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 118


Eulalia dos Santos Tavares • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 65
':I José Paulo da Silva • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 120
. .. ... . .
• • • •
Eurico Nogueira França • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ' 68
José Pedro Ferreira da Costa . . . .... . ...... . .......... . ... . ..... . 122
Felicia Blumental • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • .. .. ' • • 71

Fernando Tude de Souza ...... . • • • Juan E. Mar tini • • • • • • • • •• • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • ••• • • •• • 124


• • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • 7

Floro M. Ugarte ............. . .. . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 75


• Juan Manuel Puente

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 126

l:<rancisca Miranda Freitas Júlio Viale P az • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 128


• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 76 • • • •

liberto Leopoldo Stokowski • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • íl30


• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 79 • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Gilb rto Freire •spinosa .. .... .. .. . ... ........ . ... . ........... .. . . . 131
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 82

,llso11 An1ado Loul11 Jox • + • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 133


• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • •• • • • • • • • • • •• • • • • • • 84
Lúcia B 11t· ·ttl ••••• • •• • •• • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • 131
IIc tor Inl ~ias V illouà ............ ... . . . . . . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 87 • • •

Luiz Heitor Corr d Azevedo . . . . .... . .. .. ... . . . ........... . . . . 137


I Icll • • •• • • • • . . . . . . ' . . . . . . . . .. . . . . . . . ... . . . . . . .. . . . . ..

H nrlqL1 Po11octtl • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• f) 1
Luiz Perlotti . . . . . . . . . . . . .. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 139

Hermínlo J Magdalena Tagliaferro • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 141


dr nrvalho ' ' ' ' ' • ' ' ' ' ' • • • • • • • • • • • • • • • o • , o * o t 1 1 f
f)
• • • • •

Homero e! Manuel Bandeira •• • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .


' 141
M ······ ········· · ···· · ·· · ···· ·••• 1 1 1111111 6 • • •

Manuel · Gomes Carrilo • • •• • • • • • • • • • • •• • •• • • 147


~ Jacob Fichcr • • • 1 • • ' • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
• • • ••• , ,,,1111 •
··· - 98 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •


222

Pflgs.

,, ..... ........................ ........ . • 1~ • Vasco Leitão da Cunha .. . . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ' 207


t • o o • o o o • • o O o • o t O • O o • O o • o O I f + O f I f I I
• • • 151 - Victor de Carvalho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ." 209

M,1rl1tl l l,1 lr1 ·ovl110 •••••••••••••••••••••• •••••••••••••••••• 1 1 • Victor Nunes Leal • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • 212

MI ~ .. y low Horszowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ' ...' ..... • 1 \,'iriato Corrêa ••• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 214

• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •••••••• • Walter Burle Marx • • • • • • • • • • • •• • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 216

Murlllo Araujo • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 J

Octacilio de Souza Braga • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •••• 1,' ,


Orlando Calaza • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 167


Pablo Casais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . ' . . '170

Paschoal Carlos Magno • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• 171

Paul Le Fiem • • • • • • • • • • • •• •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 173

Paulina d'Ambrozio o o o , o o o o o o o o o o , o o o o o o o o o o • • • o • o o o o • , o , o o t 1 1 1 • I 17,

Paulo Carneiro , , o o o o o o o , , , , o o o • • • • • • o o o , o , o • • • • o • • • • o • o o I o 1 1 1 1 17 7

Paulo Roberto • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 17()



Pedro Valenti Costa • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 181 •

Peregrino Junior . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . .. . .. . 183

Pericies Madureira de Pinho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • • • • • • • • 187

Pierre Vida! e Gerard Wildeostein • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • 189

~ Renato de Almeida • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
191

~ René Dumesnil • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •• • • • • • • • •• • • • • •

Rodrigo Octavio Filho ............... · · · ....... · . · · · · · · · · · · · , · · ·

Stuart Quan .................. . · · .... · · ....... , · .. · · · · · · · · · , · • • 111

Suzanoe Demarquez ···································· ····-··· 205

Tomás Terán ......................................... ...... ,,. 206


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