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JOSÉ MANUEL ANES

O ESOTERISMO OCIDENTAL
E SUAS INICIAÇÕES

INCLUINDO

O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA

Seguido de uma

Breve Cronologia da Maçonaria em Portugal

ARRANHA CÉUS/EL CORTE INGLÊS

LISBOA, 2013
À Carla,

pela amizade e pelo apoio constantes

que dela recebi ao longo destes últimos e já longos anos


INTRODUÇÃO

Este livro resulta de um pedido da Drª. Susana Santos - enquanto responsável


pelas actividades culturais do El Corte Inglês, me convidou já lá vão alguns anos para dar
cursos sobre religiosidades e espiritualidades esotéricas, que hoje se denominam
também de “alternativas”, no contexto do chamado “Âmbito Cultural” daquela empresa
-, pedido que consistiu em eu passar a escrito as aulas desses cursos que tenho dado em
9 sessões de 2 horas cada, cursos esses que já vão em 11 edições (com duas sessões em
cada ano). Tivemos sempre o cuidado de não explicitar o nome de “esoterismo” no título
destes cursos, pois para muitos isto podia ser confundido com um “ocultismo” de má
fama ou com uns quaisquer sulfurosos “pós de perlim-pimpim”. Ora, na verdade e pelo
contrário, o Esoterismo interessou, no seu tempo, espíritos como Giordano Bruno, Isaac
Newton, Yeats ou Fernando Pessoa. É pois importante saber o que é e quais são as suas
diversas vertentes.

Comecei a interessar-me por este universo quando, ainda jovem na primeira


metade dos anos 60, frequentava a Licenciatura de Físico-Químicas na Faculdade de
Ciências de Lisboa no vetusto edifício da rua da Escola Politécnica. Aí ao estudar a
História da Química deparei-me com esse mundo fascinante da Alquimia e com o seu
exuberante simbolismo que contrastava com a frieza das fórmulas da química moderna,
exuberância essa que fascinou muita gente, entre os quais os surrealistas e que me
fascinou também.

Mais tarde, depois de ter exercido uma actividade, durante cerca de 20 anos, de
criminalista químico no Laboratório de Polícia Científica da P.J., e de ter continuado uma
actividade docente, durante 18 anos, no Departamento de Antropologia da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL) – tendo
leccionado durante dois anos, no final desse período, a cadeira de Antropologia da
Religião e do Ritual -, acabei, já depois de deixar a docência na FCSH/UNL, por me
Doutorar nessa mesma Faculdade e Universidade em Antropologia (Social e Cultural) da
Religião, particularmente no domínio dos Novos Movimentos Religiosos e das
Espiritualidades Alternativas e concretamente estudando os grupos que praticam a
alquimia em finais do século XX e princípios do século XXI – Tese que foi publicada em
2009 na Ed. Ésquilo com o título “A Alquimia, os alquimistas contemporâneos e as novas
espiritualidades”. Devo dizer, neste contexto, que sou membro (desde praticamente a
sua fundação) da ESSWE – European Society for the Study os Western Esotericism,
criada pelo Prof. Wouter J. Hannegraaff da Universidade de Amsterdão e por outros
académicos como o veterano destes estudos, o Prof. Antoine Faivre da parisiense EPHE
(Sorbonne).

O presente livro segue o formato dos diversos cursos que dei, dedicados a estes
temas, de entre os quais saliento os primeiros, de 1989 a 2008 no ex-ISER (Instituto de
Sociologia e Etnologia das Religiões) da FD/UNL, fundado e dirigido pelo Professor
Moisés Espírito Santo, e alguns desde 2000 no Centro Nacional de Cultura presidido pelo
Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, mas foram estes cursos no Âmbito Cultural do El Corte
Inglês que atingiram uma audiência maior, com um total de cerca de 1000 alunos ao
longo destes últimos 6 anos, dando-me ainda uma maior experiência para atingir um
público mais alargado, grande parte do qual sem grande preparação e sintonia com
estas áreas. No entanto, devo dizer que a exposição oral destes temas pode ser mais
fácil de digerir que a leitura de um livro, por menos “universitário” que ele pretenda ser,
com este. Mesmo assim procurei, neste livro, dar um tom coloquial possível e ao mesmo
tempo apresentar a minha visão do esoterismo que decorre não só dos meus estudos
académicos, como também dos meus interesses e da minha vivência pessoal nestes
mundos – cada vez mais a aproximação “reflexiva” e autobiográfica está presente nos
estudos actuais das Ciências Sociais e Humanas.

Paralelamente à actividade docente tenho publicado diversos livros sobre estes


temas – ensaios reunidos em livros sobre Hermetismo e Esoterismo, quer na antiga
Editora Hugin (“Re-criações herméticas I e II”, entre outros), quer mais recentemente na
Editorial Ésquilo, de entre os quais os meus livros “Fernando Pessoa e os Mundos
Esotérios”, “Os Jardins Iniciáticos da quinta da Regaleira”, “Um outro olhar” e em
colaboração, “Mozart e os Mistérios Iniciáticos”, “O Inferno decifrado” de David
Kingsley, etc.

Agradeço por fim à Editorial Arranha Céus a publicação deste livro e a paciência
com que esperaram por ele, mas não só continuo a ter uma vida muito ocupada como
os anos vão cada vez mais pesando… Felizmente que tive a possibilidade de ter livre o
mês de Agosto deste ano e dediquei as minhas “férias” a escrever este livro, grande
parte de memória, já que o conteúdo destas aulas, com dois cursos por ano nos últimos
5 ou 6 anos, estão bem presentes no meu espírito.

Notas:

1 - Este livro não é um tratado de esoterismo nem um livro de texto universitário


sobre o assunto – para facilidade de leitura não introduzi as “notas de roda-pé” - mas é
sim uma introdução às correntes esotéricas e às contribuições dos esoteristas e ao
mesmo tempo uma espécie de guião dos cursos que tenho dado sobre estes temas,
particularmente no El Corte Inglês, faltando no entanto, mais leituras comentadas de
trechos de obras esotéricas para ilustração desses mesmos temas – o que fazemos nas
aulas.

2 - Incluo neste domínio do esoterismo as suas vias iniciáticas e os temas míticos


e simbólicos que têm tido prolongamentos e vivências esotéricas, como é o caso dos
rituais maçónicos, por um lado e das filosofias do Sebastianismo e do Quinto Império
portugueses, por outro.

3 – Uma vez que estão esgotados os meus livros sobre a Quinta da Regaleira (em
2ª. Edição) e sobre o Esoterismo de Fernando Pessoa (em 3ª. Edição) decidi incluir as
ideias essenciais do primeiro, tendo dado mais espaço ao esoterirmo pessoano pois
Fernando Pessoa foi um profundo conhecedor e entusiasta das diversas correntes do
esoterismo, sendo interessante fazer uma revisitação a estes temas pela visão genial –
ao mesmo tempo histórica e mítica - do Poeta; sobre o esoterismo pessoano daremos
conta da nossa perspectiva actualizada, ultrapassando algumas dúvidas iniciais, face às
importantes descobertas de jovens investigadores da “arca de Pessoa”, especialmente
Jeronimo Pizarro e Stephan Dix.

4 – Apresento no final do livro, em anexo, uma beve cronologia da história dessa


sociedade iniciática que é a Maçonaria a qual tem e vive rituais simbólicos e míticos,
muitos dos quais com claras referências esotéricas, centrando no entanto essa
cronologia apenas em Portugal.

Caparica, Setembro de 2013


INDICE

- Introdução

PARTE I – INTRODUÇÃO AO ESOTERISMO OCIDENTAL E ÀS SUAS INICIAÇÕES

- Iº. CAPÍTULO: O Esoterismo ocidental e as iniciações

- IIº. CAPÍTULO: As raízes do esoterismo ocidental. As Religiões de Mistérios

- IIIº. CAPÍTULO: As duas colunas do esoterismo ocidental: Gnosticismo e Hermetismo

- IVº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – I. O esoterismo judaico e a


Cabala

- Vº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – 2. A Gnose cristã.

- VIº. CAPÍTULO: Os esoterismos das três religiões do Livro – 3. O Sufismo islâmico

- VIIº. CAPÍTULO: O esoterismo medieval

-VIIIº. CAPÍTULO: O Esoterismo do Renascimento ao século XVII

-IXº. CAPÍTULO: O século XVIII, o “século das iniciações” e dos rituais.

- Xº. CAPÍTULO: Ocultismo e esoterismo do século XIX:

- XIº. CAPÍTULO: Séculos XX e XXI

PARTE II – O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA

- Notas para a história do Esoterismo em Portugal

- O “Fecho da Abóboda”: Fernando Pessoa e o Esoterismo

- Anexo - Breve cronologia da Maçonaria portuguesa

Bibliografia

Bio-bibliografia do autor
Iª. P A R T E

INTRODUÇÃO AO ESOTERISMO OCIDENTAL E ÀS SUAS INICIAÇÕES


Iº. CAPÍTULO

O ESOTERISMO OCIDENTAL E AS INICIAÇÔES

- O que é o esoterismo?

Esoterismo é uma palavra que indica “interior”, por contraste com exoterismo
que remete para o exterior, logo doutrina interna, reservada a alguns, os “iniciados”,
por oposição aos “profanos”, comunicada, discreta ou secretamente – “sub rosa”, sob o
silêncio iniciático, que transcende o silêncio profano -, aos membros ou discípulos dessa
organização ou corrente, através de uma linguagem simbólica e mítica.

Podemos avançar, desde já, com a aproximação de Jean-Pierre Laurent (cf. “Le
regard ésotérique”), para o qual o esoterismo é uma doutrina interior acerca da
constituição oculta do Homem, da Natureza e do Cosmos, nos diversos planos da
realidade.

Mas, vejamos de seguida as definições mais estruturadas, que têm feito carreira
na abordagem académica do tema – a chamada esoterologia. No que diz respeito à
doutrina, temos duas definições principais, a de Faivre e a de Riffard:

Definição de Antoine Faivre (cf. “L’Ésotérisme”, 1ª. Edição, 1992, 5ª. Edição,
2012; já foi publicada uma edição em português).

Este académico (agora jubilado) da École Pratique des Hautes Études/ Section de
Sciences Réligieuses (Sorbonne) – meu amigo e mestre que já tive a oportunidade de
convidar para dois colóqiuios em Portugal, ambos sobre o Esoterimo em Fernando
Pessos, um no ano de 2000, em Cascais e o outro na Casa Fernando Pessoa, em 2008 -
,estruturou o conceito de esoterismo assentando-o em quatro componentes principais,
a saber:

- A Ideia de “correspondências universais”: tudo está em correspondência com


tudo, o homem com o universo, o microcosmo com o macrocosmo, diversas partes do
corpo humano com planetas, etc. Esta doutrina das correspondências – actuando sobre
uma das partes em correspondência, actua-se sobre a outra - está na base do universo
da magia e também da alquimia. Escreveu Fernando Pessoa que “há um ferro-matéria
e ao mesmo tempo um ferro-simbolo, por isso o chymico ao operar sobre o ferro-
matéria, opera sobre o símbolo…” o que antecipa o que René Alleau escreveu vinte anos
mais tarde: “tudo o que é observável é simbólico, tudo o que é simbólico é observável…”

- A ideia de “natureza viva”: a natureza é um “organismo vivo”, percorrido por


“forças invisíveis, mas activas”. Esta ideia existe, no plano erudito desde o hermetismo
de Alexandria – “Deus existe na matéria, Oh Pai?... – e vai até à “hipótese Gaia” do New
Age.

- O papel das “mediações” e da “imaginação”: rituais, símbolos, mitos e espíritos


intermédios (anjos, por exemplo), povoam ou ajudam a povoar o espaço que existe
entre a matéria e o espírito, entre o mundo de baixo e o mundo de cima, mas tudo isso
só pode ser acedido através da imaginação (criadora) que tem faculdades “noéticas”
(que acede a esses mundos) e “poéticas” (que cria esses mundos). Esta dupla qualidade
da Imaginação criadora leva a que alguns esoteristas digam que ela acede a esses
mundos pré-existentes, enquanto que outros, numa perspectiva prometeica, afirmem a
sua capacidade de criação desses mundos.

- A “experiência da transmutação”: a experiência de uma transformação


profunda, de uma revelação transformadora radical. Aqui não se trata apenas de uma
vivência mística, nocturna, onde o homem se funde com os planos superiores,
espirituais, mas sim de uma vivência sintética em que o esoterista está e faz a ponte
entre o plano diurno e o nocturno.

Para além das quatro características principais, a definição de Faivre apresenta mais
duas características acessórias:

- a “prática da concordância”: existem denominadores comuns entre as diversas


tradições religiosas e espirituais – Faivre chama a isto “concordantismo” -, o que leva
alguns a proporem uma “tradição primordial” como fonte de todo o conhecimento
sagrado – tese a que chama de “perenialismo”;

- a ideia de “transmissão”: de mestre a discípulo, de iniciador a iniciado, esta


ideia assentando numa regularidade de transmissão da “filiação”.
Para Faivre esta definição, assim estruturada, aplica-se ao conceito de
“esoterismo ocidental”, não fazendo sentido, para ele, falar-se em “esoterimo oriental”,
uma vez que muito daquilo que chamamos “esotérico” não está fora, mas pelo
contrário, está ainda dentro das religiões orientais como o Hinduísmo, o Budismo, o
Taoismo, etc. Pelo contrário no Ocidente o “campo esotérico” foi constituindo-se
autonomamente das religiões à medida que esses temas iam sendo “expulsos” por elas,
por demasiado mágico e “ocultos” – fenómeno de rejeição por parte das religiões
ocidentais, cada vez mais tomadas, ao longo dpos séculos, pela dimensão racional da
teologia (e da liturgia, como no protestantismo), o que levou a que alguns estudiosos
denominassem o esoterismo de “conhecimento rejeitado” (“neglejected knowledge”).

Já para de Pierre Riffard (cf. “l’Ésotérisme” – Laffont), o conceito de esoterismo


é mais lato e apresenta mais características – as 9 “invariantes do esoterismo” -, o que
lhe permite estabelecer conceitos como esoterismo africano, asiático, etc. – que Faivre
rejeita:

- A Disciplina do arcano; a disciplina do segredo na aprendizagem, na vivência e


na comunicação dos Mistérios

- A impessoalidade do autor: o conhecimento vem de fontes ocultas, anónimas


– os Mestres desconhecidos, os Superiores incógnitos, etc, - que podem dispensa-los a
“instrutores” para que os divulguem a discípulos escolhidos

- Afastamentos e ocultações; oposição exotérico/esotérico, profanos/iniciados;


isto tem a ver com a natureza e qualidade dos conhecimentos e das pessoas que os
possuem

- O “subtil”; subtil é a fonte desses conhecimentos, subtil é a qualidade de quem


os ministra e de quem os recebe, subtil é o grupo onde eles se conservam

- As analogias e as correspondências; isto é idêntico ao que Faivre mencionou na


sua definição (vide supra)

- O número e a sua simbólica; a simbólica dos números e das letras não existe
apenas na cabala hebraica e é um processo cifrado para conservar e comunicar
conhecimento
- As artes e as ciências ocultas e a hermenêutica; desde logo a hermenêutica, a
interpretação das coisas – hermenêutica, de Hermes, o instrutor e o mensageiro dos
deuses – e artes e ciências ocultas para ocultar os conhecimentos àqueles que não estão
preparados para os receberem

- A iniciação; processo de (re)nascimento, crescimento e aprendizagem que


simbolicamente tem a ver com a morte iniciática, a que vai da morte para a vida – ao
contrario do processo natural que vai da vida para a morte…

- Sintonia. Trata-se da sintonia entre o cerne de todos os conhecimentos, entre


os mestres, instrutores e discípulos e de todos eles com a Fonte Suprema – trata-se de
uma posição que A. Faivre chama de “concordantismo” e que tem frequentemente a
ver com a aceitação da existência de uma “tradição primordial”, o “perenialismo” como
Faivre denomina.

No que diz respeito, já não à doutrina (de que ocupam as doutrinas anteriores),
mas sim à estrutura do grupo esotérico, há que considerar a definição (estrutural) de
Olaf Hammer (“Claiming Knowledge. Strategies of Epistemology from Theosophy to the
New Age”, 2001), para o qual o esoterismo, com as partições iniciados/profanos,
conhecimento reservado/conhecimento aberto, etc., assegura um poder simbólico ao
grupo, ao seu líder e seus membros, reforçando ao mesmo tempo a coesão do grupo
face à sociedade exterior - comportamento que poderíamos denominar de “sectário” e
que não é, na sua forma extrema, típico de todos os grupos esotéricos.

Não posso deixar de dizer que a definição de esoterismo mais aceite pelo mundo
universitário, a de Faivre, está muito centrada na perspectiva hermetista e alquímica do
esoterismo. E – porque sou discípulo que o respeita e o admira muito, mas que guarda
a sua independência intelectual - ouso incluir e explicitar nela, sem a contradizer, mas
em homenagem ao Mestre, a dimensão gnóstica, a outra coluna do esoterismo
ocidental, particularmente no que diz respeito a dois temas fundamentais:

- a importância do Conhecimento espiritual (a Sofia) face à Fé (a Pistis), mais


característica da Mística,, no domínio da Salvação;
- a interioridade divina do homem – o gérmen de luz, o gérmen da divindade -
que ele tem de desenvolver e que conduzirá á “transmutação” de que fala Faivre e que
é retomado por correntes esotéricas mais tardias (como veremos) até ao New Age.

É claro que Hermetismo e Gnosticismo são parentes não muito longínquos,


sendo o primeiro mais optimista que o outro, mas creio que faltará à definição de Faivre
o acentuar da dimensão gnóstica do esoterismo – que aliás é salientada por autores
como Jean Vernette no seu livro “New Age” e por Wouter Hanegraaff (“New Age
Religion and Western Culture: Esotericism in the Mirror of Secular Thouight”).

Por outro lado, faremos ainda referência a símbolos e mitos, pois se é verdade
que nem todos os mitos e símbolos são esotéricos, também é verdade é que alguns o
são explicita ou implicitamente, tendo havido ao longo dos séculos interpretações
esotéricas deles – darei como exemplo as obras setencentistas “Fables égypciennes et
grecqes” e “Dictionnaire mytho-hermétique” do Abade Dom Pernety, dando apenas
dois exemplos portugueses: os mitos do Sebastianismo e o Quinto Império que em
Portrugal tiveram leituras esotéricas, alquímicas, como veremos.

As iniciações

Iniciação é o começo de um caminho e ao mesmo tempo a mudança de estado


que marca esse começo – as iniciações situam-se naquilo a que a Antropologia
denomina de Ritos de Passagem. Por exemplo o baptismo, a primeira comunhão e a
confirmação ou crisma são iniciações na vida de um cristão, enquanto que o casamento,
civil ou religioso, marca a separação da vida de solteiro e a aquisição da condição de
casado. A entrada para o serviço militar e a entrada para a Universidade são outras
iniciações, de entre as muitas que marcam a vida de uma pessoa.

No domínio do esoterismo, as iniciações – por exemplo maçónicas,


rosacrucianas, teosóficas, etc. - são veiculadas através de rituais que marcam a entrada
do iniciado e a sua progressão por etapas numa determinada via esotérica.

Este caminho das iniciações através de símbolos e mitos foi o que Dionísio o
Aeropagita denominou de via positiva – por contraste com a via negativa, a via da
transcendência absoluta. A primeira, como salienta Arthur Versluis (op. cit., p. 11) está
ptesente nas tradições dos mistérios egípcios e os greco-romanos que lhe sucederam. A
“via positiva”, acrescentaremos, está ainda presente nas iniciações esotéricas ocidentais
e nos respectivos rituais elaborados ao longo dos séculos – rosacrucianos, maçónicos,
etc.

Neste sentido, também é importante, como já vimos, não confundir esoterismo


com mística, já que aquele pertence à “via positiva”, pois é uma aproximação iniciática,
progressiva, gradual – sem ritual ou com ritual – das dimensões espirituais, pertencendo
a segunda à “via negativa”, pois é uma fusão nocturna com esses planos. Isto não quer
dizer, por um lado que não haja aspectos místicos dentro do eoterismo – mas eles são
minoritários – e que, por outro lado, que não seja necessário em algum esoterismo
subalternizar a conceptualização racional das coisas (o “regime diurnoi” proposto por
Bachalard e Durand) privilegiando a percepção directa delas, mas mesmo assim não
estamos no puro campo da mística.

Nota:

Convém fazer uma distinção entre “esoterismo e “ocultismo, estando o


primeiro mais ligado a uma filosofia espiritual ou religiosa, enquanto que o
segundo está mais claramente associado à obtenção de resultados práticos. Mas,
deve dizer-se que esta dicotomia não é absoluta, uma vez que não existe teoria
sem prática nem prática sem teoria. Além disso, há períodos em que a palavra
“ocultismo” é utilizada em vez de “esoterismo” como é o caso do século XIX.
IIº. CAPÍTULO

AS RAÍZES DO SOTERISMO OCIDENTAL:

do sagrado selvagem ao sagrado filosófico.

Nem todos os livros académicos sobre esoterismo (como de A. Faivre, por


exemplo) referem as suas raízes arcaicas – que pertencem quer a um “sagrado
selvagem”, longínquo, quer a espiritualidades filosóficas e religiosas antigas -, mas,
apesar do nosso não ter pretensões a manual universitário (embora não rejeite o rigor)
opto por fazê-lo – numa outra divergência/complementaridade com o Mestre - pois elas
vão influenciar correntes esotéricas posteriores.

Sigo assim Arthur Versluis (in Magic and Mysticism – an Introduction to Western
Esotericism, cap. I) – autor que Faivre me apresentou na Cidade do México em 1996, no
Coingresso da Academia Internacional das Religiões, que pela primeira vez incluiu uma
secção sobre esoterismo - o qual considera que as mais remotas “raízes das tradições
esotéricas ocidentais” são:

(1) “as antigas tradições mistéricas”, isto é as religiões (pré-cristãs) de


Mistérios, quer egípcias (Mistérios de Osiris e de Isis), quer médio-
orientais (Mistérios de Attis, de Adonis, etc.), quer greco-romanas
(Mistérios de Deméter/Ceres, de Dionísio/Baco, de Mitra, etc.)”
(2) “as antigas tradições mágicas greco-romanas”

Falemos sobretudo das primeiras, mas em nosso entender é preciso referir que
existe uma ainda tradição anterior a esses Mistérios que os influencia, assim como
influenciará mais tarde, num plano simbólico, os “mistérios” das fraternidades
iniciáticas, tradição essa que é o Xamanismo.

O Xamanismo é, de facto, uma “técnica arcaica do êxtase” (Mircea Eliade) ou


uma “religião extática” (Ian Lewis) em que o corpo – corridas, saltos, danças, gritos, os
trajes, as máscaras, o tocar o tambor, etc. - e as substâncias ingeridas – cogumelos como
o “peyotl” (América Central) e a “amanita muscaria” (Sibéria) e por outro lado o vinho
(Mediterrâneo) - desempenham um pepel importante no desencadear do êxtase - se
bem que uma corrente de psicologia moderna, “alternativa” (a psicologia transpessoal)
sustente que o êxtase pode ser atingido pelo intenso trabalho com o corpo – como o faz
o xamanismo -, e por meditações e exercícios diversos (respirações, etc.).

O escolhido para ser iniciado no xamanismo é um indivíduo a quem sucedeu algo


de extraordinário, por exemplo alguém que foi atingido por um raio e sobreviveu ou um
jovem que caiu de uma árvore e não morreu. A iniciação dessa pessoa fora do comum
consiste numa cerimónia complexa conduzida pelo xamane e que provoca no iniciado
uma experiência de morte e ressurreição, de transmutação, que o leva a sentir renovado
o seu corpo (ossos, carne e sangue), isto é, ele sente-se renascer num novo corpo.

Muitos deuses das Religiões de Mistérios passavam, no mito, pelo processo de


morte e ressurreição – Osiris, Attis, Adonis, Dionísio, etc, - e o próprio Jesus Cristo, que
para o cristão, viveu entre nós a paixão, a morte e a ressurreição - “morreu, desceu aos
infernos, ressuscitou ao terceiro dia e ascendeu aos céus onde está sentado à direita de
Deus-Pai todo-poderoso” (era este o Credo que me ensinaram, embora hoje a palavra
infernos esteja substituída pela expressão “morada dos mortos”). Mais tarde as
fraternidades iniciáticas no Ocidente centraram os seus rituais de iniciação num
processo elaborado de morte e ressurreição já não real mas simbólico, mas que tem
quanto a nós uma origem no sagrado “selvagem” do xamanismo,

Não posso deixar de referir, neste ontexto, a profunda e inteligente análise do


antropólogo contemporâneo Maurice Bloch que - no livro La violence du réligieux 1997,
pp. 9-20 - sustenta que este esquema de morte e ressurreição constitui a «estrutura
irredutível mínima fundamental […]» de todos os rituais, e não apenas dos
iniciáticos, mas dos religiosos em geral. Esta «quase-universalidade» assenta na
«relação entre o processo religioso e as noções de vida e de morte biológicas», pelo que,
segundo Bloch, o processo iniciático pretende inverter o processo natural que vai da
vida para a morte, estabelecendo um processo cultural que vai da morte para a vida.
Sobre a dimensão sacrificial das origens do sagrado e do religioso e a sua
simbolização posterior, recomendo a leitura indispensável de René Girard, La violence et
le sacré.
Mas para além da iniciação xamânica – desmembramento e recomposição,
“morte e ressurreição” - existe o “voo xamânico”, feito pelo especialista do sagrado já
iniciado, que é o xamane, realizado para resolver algum problema da comunidade (seca,
doenças, etc.) ou para obter iluminação e respostas a determinadas questões, “vôo”
esse que é desencadeado pelo trabalho com o corpo e sobre o corpo e também com o
auxílio de substâncias coadjuvantes de natureza químico-biológica (cogumelos, bebidas
alcoólicas, etc.), que provocam uma sensação de viagem: para cima, como uma águia,
ou um condor – para obter iluminação – e para baixo, como um jaguar, penetrando nas
fendas da terra - para obter poder.

RELIGIÕES DE MISTÉRIOS

Vejamos agora, sucintamente, numa perspectiva do esoterismo e das iniciações,


algumas das religiões mistéricas ou de Mistérios

- Mistérios de Osiris

Osiris é raptado pelo seu irmão Seth – no final de um banquete em que este se
propunha oferecer uma caixão finamente decorado a quem nele coubesse, sendo Osiris
o verdadeiro destinatário, pois Seth já lhe tinha tirado as medidas…Osiris- acaba por ser
morto pelos esbirros de Seth e o seu corpo dividido em 14 pedaços os quais foram
espalhados pelo Egipto – tema de decomposição que remete para o xamanismo das
origens. Foi Isis, irmã e esposa de Osiris que andou a recolher os 13 pedaços do seu
corpo, reintegrando-o de certa maneira – o Feminino integrador - mas faltando o 14º.,
o falo de Osiris, que simboliza a virilidade iniciática e também a fecundidade da “terra
negra” (Chem), o Egipto e as suas margens banhadas pelo Nilo.

- Eleusis/Demeter

Proserpina ou Perséfone, filha de Deméter, andava pelos campos colhento lírios


quando Hadés, o rei dos mundos subterrâneos, a raptou sequestrando-a nessas regiões
inferiores. Isto tinha sido combinado com Zeus o rei dos deuses, mas perante o
espectáculo do sofrimento de Deméter que, numa gruta – onde mais tarde seriam
celebrados os mistérios – chorou durante largo tempo a perda da sua filha, ele comove-
se e propõe um acordo a ambos, Deméter e Hadés, acordo que consistiu na condição da
Proserpina ter de ficar durante uma parte do ano debaixo da terra e outra parte à sua
superfície. Trata-se de uma referência clara à vida de uma planta que começa quando a
semente que se coloca debaixo de terra apodrece, “morre”, para dar origem às raízes
mas também ao caule que surge à superfície progressivamente com folhas, flores e
frutos. Trata-se de uma religião de mistérios baseada na meditação sobre os mistérios
da Natureza e na maravilha que estes causavam no Homem antigo. O seguidor dessa
religião, o iniciado nos mistérios (o “mixto”), era convidado a imitar a vida da semente
e, portanto da Perséfone, num processo sacrifciial simbólico de morte e ressurreição, de
descida e ascensão. Os mistérios de Eleusis, celebrados na Grécia, tinham duas
festividades, uma no Equinócio da Primavera – os Mistérios Menores – onde aos
candidatos à iniciação era ministrada oralmente uma instrução e outra no Equinócio de
Outono – os Mistérios Maiores – onde se vivia através do ritual uma experiência
radicalmente transformadora do iniciado.

Não sabemos exactamente o que se passava nos mistérios de Eleusis mas há um


trecho do “Asno de Ouro” de Apuleio em que ele, através de Lucius, diz que embora
tendo sido iniciado nos mistérios não pode no entanto revela-los pois jurou guardar
segredo sobre o seu conteúdo, afirmando que eles eram uma experiência que perdurava
para o resto da vida. Mas – contrariando, em parte, o seu juramento – diz-nos que
depois de um jejum de dez dias, se dava entrada no templo para uma cerimónia secreta
em que se ele aproximou do reino da morte, o reino de Proserpina, no qual ele viu o sol
brilhar à meia-noite – sinal de ressurreição, de iluminação -, após o que,
simbolicamente, se aproximou dos deuses e permaneceu entre eles.

- Dionísio

Dionísio – equivalente grego do romano Baco - foi morto pelos Titans que o
cortaram em 14 pedaços, conseguindo reintegrar o seu corpo, ressuscitando – outra vez
uma clara referência ao desmembramento xamânico e à
recomposição/reintegração/”ressurreição”. De notar o desmembramento em 14
pedaços em Osíris e em Dionísio e também, significativamente, que o processo sacrificial
do Deus-Filho Jesus o Cristo se desenrola em 14 estações da Via Sacra.
Os mistérios dionisíacos – celebrados nas montanhas, à noite e com archotes -
tinham uma clara raíz xamânica, e utilizavam o vinho para atingir os estados extáticos,
mas a importância dos tambores e do ritmo, dos canticos e dos gritos, da dança, das
corridas e dos saltos era decisiva para atingir esses mesmos estados. De salientar a
presença de um falo gigante que desfilava nesses mistérios numa carruagem e a
presença maioritária de mulheres, sendo conhecida a domensão orgiástica de alguns
mistérios, não numa dimensão profana (em que mais tarde caíram), mas num contexto
de evocação da força e da energia de Dionísio/Baco.

- Os esoterismos das origens: Magia, Alquimia, Astrologia

Magia: técnica de modificação da realidade pela invocação de uma energia ou


um ser sobrenatural por meio de uma fórmula ou discurso, oração, etc., com ou sem
suporte de um objecto que possa assegurar esse fim. Segundo o sociólogo das religiões
Massimo Introvigne (“Le New Age des origines à nos jours”, 2005) – que tive a honra de
ter no meu Juri de Doutoramento - há duas espécies de magia, a descendente que é a
rural, primitiva, ancestral – da qual se ocupa tradicionalmente a antropologia e a
etnologia – e a ascendente, aurbana, erudita e mais moderna – que é sobretudo, mas
não exclusivamente, estudada pela sociologia.

É evidente que a Magia pela qual o esoterismo se interessa não é essa magia das
sociedades primitivas e longínquas no tempo, no espaço e na cultura – estudada por
célebres antropólogos como Malinowski, Evans-Pritchard ou Griaule, entre outros, mas
sim a mais recente e com uma dimensão filosófica. Há, no entanto, uma zona de
transição entre esses dois universos, a qual merece a atenção do Esoterismo e dos seus
estudos (esoterologia), como por exemplo a magia caldaica e mesopotâmica, a magia
egípcia, a magia grega, a magia do hermetismo de Alexandria, a magia cristã copta, etc..

Ao longo dos séculos e sobretudo a partir do Renascimento, vão merecer a


atenção dos estudiosos do esoterismo contribuições como a de H. Cornelius Agrippa, no
século XVI, com a sua “De Philosophia Oculta”, no século XVII John Dee e a sua “Monada
Hierogliphica”, a magia ritual de um Martinez de Pasqually, no século XVIII e já no século
XX a magia telemita de Aleister Crowley, a que ele deu o nome de Magick.
Alquimia: prática iniciática e espiritual em que se trabalha com e sobre a matéria,
“sacrificando-a”, fazendo-a passar por um processo sacrificial de “morte e ressurreição”
– do “Solve” ao Coagula”, desde o “nigredo” ou Obra ao Negro, a destruturação, ao
“albedo” ou Obra ao Branco, a purificação e por último ao “rubedo” ou Obra ao Rubro,
a fase última de exaltação e espiritualização da matéria, que a conduz a uma derradeira
modificação de “estado”, uma verdadeira transmutação. Salientemos a analogia da
Alquimia com o Xamanismo, no que toca à “morte” e decomposição da matéria nos seus
princípios – “solve”, “separatio”, “obra ao negro” – seguida da sua integração, purificação e
exaltação – “coagula”, “conjunctio”, “obras ao branco e ao rubro”, processo fim do qual a
matéria atinge um “estado extático”, isto é, tem um “novo corpo”.

Este novo estado da matéria, em que os alquimistas acreditam ser possível de


atingir, inclui a Pedra dos Filósofos e por fim a Pedra Filosofal, com propriedades
medicinais – o Elixir da Longa Vida - e transmutatórias – quer na Argiropeia (fabricação
da prata), quer na Crisopeia (fabricação do ouro). Estas aplicações da Pedra Filosofal são
apenas demonstrações do seu poder mas, segundo o preceito tradicional – e para os
que acreditam na Arte transmutatória -, não devem constituir o fim último do alquimista
sob pena de ele se transformar num “assoprador de carvões”, um homem obcecado
pela “aura sacra fames”.

Na Alquimia verdadeira tem de haver uma íntima associação entre o operador,


o alquimista e a matéria, desde a fase de preparação até às fases de evolução da mesma.
O alquimista é assim modificado, espiritualizado, num processo evolutivo que
acompanha o da matéria. Esse processo alquímico poderá recorrer à captação do um
“espírito universal” e/ou a excitação de um “fogo secreto” interior à materia.

Teoria e Filosofia alquímicas; imaginário, símbolo, mito e rito


Como dissemos, a Alquimia é, em grande parte, uma aplicação do Hermetismo
alexandrino, exemplarmente simbolizado pela Tábua de Esmeralda, atribuída a Hermes
Trismegisto - que é um modelo de muita literatura alquímica posterior e mesmo da
prática alquímica até aos nossos dias -, a qual passamos a transcrever:
É verdade, certo e sem nenhuma dúvida. Tudo o que está em baixo é como o que
está em cima e o que está em cima é como o que está em baixo, para realizar os milagres
de uma só coisa. Da mesma maneira que todas as coisas procedem dum Único, do
mesmo modo, por adaptação, elas nasceram dessa coisa única. O seu pai é o Sol e a sua
mãe a Lua. O vento trouxe-o no seu ventre e a Terra é a sua ama. (o Único) É o pai de
todos os milagres do mundo. O seu poder é perfeito, se ela (essa coisa única) é convertida
em terra. Separa a terra do fogo e o subtil do grosseiro, suavemente e com grande
prudência. Ele eleva-se da terra ao céu e torna a descer sobre a terra, recebendo assim
a potência das realidades superiores e inferiores Deste modo, tu ganharás a glória do
mundo inteiro e toda a obscuridade se afastará de ti. É a potência das potências, que
estende a sua vitória sobre todas as coisas subtis e penetra todas as coisas sólidas. Assim
foi criado o microcosmo, segundo o modelo do macrocosmo. Assim e deste modo se
fazem as aplicações maravilhosas. Eis porque eu
sou chamado de Hermes Trismegisto, pois eu possuo as três partes da sabedoria do
mundo inteiro. Perfeito é o que eu disse da obra solar.

Como se vê o projecto do alquimista é prometeico, convidando-o a realizar no


seu laboratório - no microcosmo -, a utopia alquímica, assumindo um papel demiúrgico
de re-criação. Este mito alquímico fundador – que lembra outros mitos familiares à
Antropologia, como o dos Dogon estudado por Griaule (“Dieu d’eau”) - vai repercutir-se
ao longo da história da Alquimia, com algumas pequenas variações.
Baseada num claro “dualismo sexual”, - ver os capítulos “Le monder sexualisé” e
“Terra mater. Petra genitrix”, da clássica obra de Mircea Eliade, Forgerons et alchimistes
(com tradução portuguesa “Ferreiros e alquimistas”), onde ele refere a “embriologia
mineral” dos alquimistas -, o simbolismo da Alquimia parte das oposições binárias:
Sol/Lua, Pai/Mãe, Enxofre/Mercúrio, Ouro/Prata, Fogo/Água, masculino/feminino,
esperma/menstruo, activo/passivo, etc. A Grande Obra alquímica é a união do elemento
masculino, o Enxofre, com o elemento feminino, o Mercúrio, falando os diversos autores
em “união” e “geração”. Esta dimensão sexual da Alquimia foi explorada por Jung na sua
célebre obra Psicologia e Alquimia, tendo Bachelard feito, antes, algo semelhante em A
Psicanálise do fogo.
Sistematizemos, então os conceitos - que não designam corpos químicos
(elementos, compostos ou substâncias), entenda-se, mas que designam qualidades - nos
quais assenta a teoria alquímica:
- Dimensão estática:
- duas “naturezas”: pai/mãe, masculino/feminino, fixo/volátil, activo/passivo,
quente/frio, Sol/Lua, Enxofre/Mercúrio;
- três “princípios”: Enxofre, Mercúrio e Sal; este terceiro princípio, mediador
entre os dois primeiros – e por vezes simbolizado pelo Bispo que casa o Rei e a Raínha -
, embora implícito desde cedo, foi explicitado por Roger Bacon, Basílio Valentim e
Paracelso.
- quatro “elementos”: Terra, Água, Ar e Fogo, da velha teoria grega associada a
Anaximandro, Aristóteles, entre outros;
- a “quinta essência”, que pode fazer correspondência com o Sal e que se
denomina por vezes o quinto elemento, o Éter, ou a Quinta Essência.
Saliente-se a importância estrutural da binaridade e da ternaridade no
simbolismo alquímico.
- Dimensão dinâmica:
- em dois momentos: Solve e Coagula, Separar e Reunir, Morte e Ressurreição;
como vimos, há uma clara raíz xamânica neste “desmembramento”, nesta “morte”, à
qual se segue uma “ressurreição num novo corpo;
- em três momentos: Obra ao Negro (Nigredo) – a morte sacrificial da matéria - »
Obra ao Branco (Albedo) – a purificação da matéria - » Obra ao Rubro (Rubedo) – a
exaltação da nova matéria, ressurgida, renascida -, isto é, as três cores da Grande Obra
alquímica.
Uma vez mais a binaridade e a ternaridade, desta vez não na dimensão estática,
mas na dimensão dinâmica do processo alquímico

Astrologia

Técnica de previsão – astrologia “judiciária” - baseada no estudo dos signos, das


posições e dos movimentos dos astros no zodíaco. Para se elaborar a “carta astral” de
uma pessoa ou de um país importa a posição dos planetas no momento do nascimento
da pessoa, de uma organização ou de uma nação – signo, ascendente, etc, - mas é
importante igualmente os “trânsitos”, as posições e movimentos num determinado
período da vida.
A Astrologia de antanho – e ainda muito da de hoje pois as pessoas querem saber
o que vai passar com elas - era uma aastrologia “judiciária”, elaborava juízos previsionais
para acontecimentos presentes e futuros. Mais modernamente - a partir da segunda
metade do século XIX e sobretudo a partir de meados do século XX, com nomes como
lan Leo e Dane Rudyar -, a astrologia é “psicológica” ou “psico-espiritual”, integrando-se
como uma componente importante das novas espiritualidades e do “new age”. Nesta
nova astrologia interessa mais sconhecer-se a si próprio para nos poidermos modificar
+positivamente e assim alterar e ultrapassar as nossas limitações

Segundo A. Faivre, a Astrologia estava presente na “Ars Magna” de Raymond Lull

IIIº. CAPÍTULO
AS DUAS CULUNAS DO ESOTERISMO OCIDENTAL: Gnosticismo e hermetismo

- Duas filosofias esotéricas: Orfismo, Pitagorismo, Neo-platonismo

- Orfeu

Orfeu é um herói que ama Eurídice a qual morre, “desce aos infernos”. Armado
de coragem espiritual e física, desencadeada pelo amor, Orfeu desceu aos infernos em
demanda da sua amada e conseguiu resgata-la parcialmente, mas não totalmente pois
ela olhando para trás, sofre uma segunda morte. Lembremo-nos o que sucedeu à
mulher de Lot que, por isso, ficou transformada numa estátua de sal. Lição: quando se
sai dos infernos devemos olhar para a Luz e abandonar as Trevas….

O Orfismo tinha uma teogonia e uma cosmologia complexas, com entidades


como Chaos, Chronos, Hylê, Gaia, Éther, Uranos, Ether, etc..

Os mistérios órficos juntaram-se mais tarde aos dionisíacos.

- Pitágoras – para além do matemático e geómetra insigne que foi – lembremo-


nos que descobriu, o célebre Teorema “de Pitágoras” -, o Filósofo de Samos foi um
mestre espiritual. Tendo vivido vários anos no Egipto – segundo “A vida de Pitágoras”
do seu discípulo Jâmblico – Pitágoras trouxe para a sua Grécia natal não só os
conhecimentos científicos mas também os conhecimentos espirituais alguns dos quais
estão presentes nessa obra extraordinária que a ele lhe é atribuída, que são os “Versos
de Ouro” (publicado pelos seus discípulos), onde ele, entre outras coisas propõe o
exame de consciência diário, para evitar “acumular trabalho” para quando morrermos,
mas em que ele nos aconselha a concentrarmo-nos e a valorizarmos sobretudo aquilo
que fizemos de positivo, como estímulo para as jornadas seguintes!

Os Versos de Ouro de Pitágoras têm notáveis trachos sobre a “interioridade


divina do Homem” – oh deuses se mostrasseis aos Homens o génio de que são
habitados” – interioridade que, uma vez purificada e desenvolvida trará a imortalidade:

“Oh Zeus, nosso Pai, tu libertarias os homens de numerosos males

Se tu lhes mostrasses a todos o “daimon” (espírito”) que está ao seu serviço


(…) Mas tu, ganha coragem, pois os mortais são uma raça divina (…)

E tendo curado a tua alma, tu a libertarás de tais males (…)

E na libertação da alma medita sobre cada coisa exercendo o teu juízo (…)

Então sim, abandonando o teu corpo tu chegarás ao livre éter

E serás imortal, deus incorruptível e para sempre liberto da morte”

- Platão e os neo-platónicos

O princípio platónico de que as coisas existem em potência no mundo das ideias


e só depois se podem actualizar neste mundo é seguido pelas colunas do esoterismo
ocidental, particularmente pela Gnose e pelos gnosticismos e também pelo
Hermetismo, mas ainda pelos esoterismos das três religiões do Livro, particularmente
pelo esoterismo judaico, a Kabbalah (ou Cabala) e pelo esoterismo islâmico, o Sufismo.

- GNOSE E GNOSTICISMOS

- Princípios gerais: “Gnose” quer dizer em grego, Conhecimento, Sabedoria e


nesse sentido a corrente espiritual e religiosa assim denominada, privilegia a aquisição
do Saber espiritual sobre a Fé, isto é, da Sofia sobre a Pistis.

Os Gnosticismos são o conjunto de correntes diversas assentes na Gnose mas


que, embora diversificado, apresenta algumas características comuns, de entre as quais
poderemos salientar, numa perspectiva neo-platónica, a ideia de que o Homem é na
origem, no princípio (“in principio”, “arche”) um ser espiritual, próximo de Deus e a
partir dessa proximidade cai na matéria – a Queda – ficando “agrilhoado”, prisioneiro
nesta nossa dimensão material – guardado por “guardas” denominados, por alguns
gnósticos, os Arcontes – da qual tem de se libertar, para “regressar à Casa do Pai”. Para
tal, o gnóstico terá de desenvolver em si o germe da divindade, passando da Queda à
Reintegração na proximidade divina.

O Gnosticismo não se concebe sem o feminino. Desde o não manifestado que se


manifestam éons (seres espirituais e períodos de tempo) aos pares – as “sizígias” -,
masculino e feminino, tendo a mulher um papel igual ao homem nas comunidades
gnósticas e sendo uma mulher companheira do Mestre, como por exemplo Simão o
Mago e Helena, que ele conheceu num bordel em Tiro e a escolheu como seu par
espiritual pois “Helena era o Primeiro Pensamento de Deus agrilhoado na Matéria, da
qual ele a libertou” – a lenda da proximidade entre Cristo e Maria Madalena, ou da sua
exploração, parece ser uma contaminação ou uma resposta a essa situação.

A importância do feminino no gnosticismo é notória:

“Pois eu sou a primeira e a última/ eu sou a venerada e a desprezada

Sou a meretriz e a santa/ sou a esposa e a virgem…

Sou a estéril e a que tem muitos filhos…

Sou o silêncio incompreensível…/sou a voz cujos sons são tão numerosos…

Eu sou forte e tenho medo/ eu sou guerra e paz…

(O Trovão Intelecto Perfeito)

Há matizes mais ou menos radicais, mais ou menos mitigadas, mais ou menos


pessimistas, mais ou menos optimistas face a essa Queda, a essa incarnação, a essa
condição de “exílio” neste mundo material, sendo a sensibilidade mais radical, que é
minoritária, o gnosticismo radical, extremamente pessimista em relação ao mundo
material que despreza, ansiando pela libertação dele, no entanto, o gnosticismo
mitigado, maioritário, é menos pessimista relativamente às consequências da Queda e
da incarnação. Os gnósticos radicais escolhem uma de duas vias: a da ascese rigorosa,
ou a da orgia sexual, gastronómica, etc., pois para eles só há dois caminhos: o da rejeição
e do afastamento do mundo ou o do mergulho no mundo até à sua dimensão mais baixa
e mais material, para assim sairem dele. O gnóstico cristão St. Ireneu de Lyon, acusava
estes “gnósticos licenciosos” de pertencerem à “falsa gnose” – face à “verdadeira”
gnose que seria a Gnose cristã.

As correntes gnósticas são diversas e os seus principais nomes vão desde Simão
de Samaria – gnóstico não cristão -, a Valentino – gnóstico cristão.

A Gnose não cristã


Simão de Samaria, ou Simão o Mago, vem mencionado no Novo Testamento
como um rival ou inimigo do Cristianismo. É evidente que havia, na época em que surgiu
o Cristianismo, várias correntes espirituais e religiosas em competição umas com as
outras, cada qual pretendendo estar mais próxima da verdade que as outras e
pretendendo também angariar mais adeptos. Como a História é escrita pelos
vencedores, Simão de Samaria aparece como tendo protagonizado um pecado que foi
denominado de “simonismo”: em Roma ele terá proposto a Pedro oferecer-lhe dinheiro
para, em troca, este lhe revelar como se fazem milagres. Ora, a verdade é que Simão o
Mago foi autor de um Tratado gnóstico que chegou até aos nossos dias, “Apophasis
Mégalé”, pelo que se ele não sabia fazer “milagres” (segundo os seus adversários
cristãos) era no “mínimo” um Mestre espiritual, filosófico (no sentido antigo da palavra)
e religioso.

Contra os gnósticos

Foi Justiniano quem escreveu o maior ataque contra os gnósticos não cristãos,
concretamente contra os “gnósticos licenciosos”. Os Padres da Igreja viam com maus
olhos as correntes gnósticas não cristãs e denunciavam as práticas orgiásticas dos
grupos radicais minoritários, fazendo-as passar por toda a Gnose não cristã. No célebre
texto de Justiniano ele refere que para além das orgias sexuais estes pequenos grupos
gnósticos extremos, tentando não trazer a este mundo mau mais seres humanos,
comiam os fetos.

Veremos como em finais do século XIX, princípios do século XX, um pequeno


grupo como a O.T.O. (depois liderado por A. Crowley)) tinha instituído na sua liturgia
uma “missa gnóstica” em que a “eucaristia” assentava no consumo de “duas espécies”:
o esperma e o sangue menstrual.

Tipologia antropológica gnóstica

Alguns gnósticos dividiam os Homens em 3 categorias:

- Os Hílicos: os materiais – matéria é “hyle” em grego -, os que nem alma tinham ou se


a tinham era rudimentar e perante a morte não sobrevivia;
- Os Psíquicos: os que tinham uma alma (“psiche”) suficientemente consistente para que
fosse eventualmente desenvolvida e pudesse ser habitada pelo espírito;

- Os Pneumáticos: os que já tinham o espírito o qual era a certeza da sobrevivência da


parte subtil do Homem, após a morte física e anímica.

A GNOSE CRISTÃ

Sobre ela falaremos no capítulo V, que lhe é dedicada, no contexto dos


Esoterismos das três religiões do Livro.

HERMETISMO DE ALEXANDRIA

Alexandria porto egípcio do Mediterrâeo, no delta do Nilo, foi, segundo René


Alleau, a capital cultural do mundo antigo na sua época fazendo a síntese da religião
egípcia, da filosofia helénica, da religião judaica, das tradições mágicas da Mesopotâmia,
etc. Hermes grego é o equivalente ao deus Thot egípcio, um deus mediador e instrutor
dos homens, um deus iniciador que ensina as técnicas e a escrita e sobretudo que traz
as mensagens dos deuses e leva mensagens aos deuses – tem muitas das características
que encontramos no Mercúrio romano. Chamado de “Trismegisto”, ou “três vezes
grande”, Hermes era um deus que interpretava ou ajudava a interpretar os mistérios –
daí a palavra “hermenêutica” que tem a ver com a interpretação dos símbolos e dos
textos – mas essa característica luminosa, esclarecedora cedeu o passo à sua dimensão
“hermética”, fechada, quando mais tarde os alquimistas medievais e renascentistas ao
descobrirem uma técnica para fechar os seus vasos – de modo a que não entrasse neles
nenhum ar, nem saísse nenhum vapor – disseram: “encontramos o Selo de Hermes”! E
daí o Hermes de luminoso e aberto, passou a fechado e obscuro…

O Reverendo Padre Festugière (já falecido) traduziu em 4 volumes o conjunto


dos livros atribuídos a Hermes Trismegisto – o “Corpus Hermeticum”, de que já
apresentamos anteriormente a Tábua de Esmeralda – e comentou-os em outros 4
volumes – “La Révélation d’Hermés Trismégiste”. Este notável especialista dividiu os
textos “herméticos” em dois grupos:
- o hermetismo “popular”, um conjunto de receitas mágico-alquímicas;

- o hermetismo “erudito”, textos com uma dimensão filosófico-religiosa e


espiritual – são estes que nos interessam.

Trechos do CORPUS HERMETICUM (Livro 1º.)

- referentes à interioridade divina do Homem.

“Eis porquê, único de entre todos os seres que vivem na terra, o homem é duplo, mortal
pelo corpo, imortal pela sua própria essência. Imortal e soberano sobre todas as
coisas….”

“Porquê, oh homens nascidos da terra, vos abandonais à morte, quando vos é permitido
obter a imortalidade?... Afastai-vos da luz tenebrosa, tomai parte da imortalidade,
renunciando à corrupção”

“Pois o homem é um animal divino que deve ser comparado, não aos outros animais
terrestres, mas aos do céu que nós chamamos deuses. Ou melhor, não receemos dizer
a verdade, o homem verdadeiro está acima deles, ou pelo menos igual a eles….Assim,
ousamos dizer que o homem é um deus mortal e um deus celeste é um homem imortal”

“Todo o vivente é imortal pelo intelecto (inteligência espiritual).Mas o mais imortal de


todos é o homem pois é capaz de receber Deus e de entrar em união com Deus”

“ A grande doença da alma é o afastamento de Deus”

“O vício da alma é a ignorância”

“Não há nada mais divino e mais activo que o intelecto, nada de mais apto para unir os
homens aos deuses e os deuses aos homens. Feliz a alma que está plena deste intelecto,
infortunada a que está totalmente desprovida dele”.

“Deus está no intelecto, o intelecto na alma, a alma na matéria.”

- referente à energia que existe na matéria

“(Deus) está pois na matéria, meu pai? pergunta Tat a Hermes, ao que este responde: A
matéria, meu filho, está fora de Deus, se tu quiseres atribuir-lhe um lugar especial; mas
a matéria que não está posta em acção não será apenas uma massa confusa? E se ela
está posta em acção não será por meio das energias, e nós dissemos que essas energias
são partes de Deus. De quem recebem os vivos a vida e os imortais a imortalidade? O
que produz as transformações? Quer seja a matéria, corpo ou essência, essas são as
energias de Deus… Todo este conjunto é Deus e no universo não existe nada que não
seja Deus.”

- Louis Ménard no seu livro “Hermès Trsmégiste” salienta dois temas


importantes:

- a semelhança entre o “Pimandro” hermético e o Evangelho de S. João, notando que


entre eles existe, contudo, uma diferença profunda, pois em S. João vem: “E o Verbo se
fez carne e habitou entre nós”.

- a crítica dos herméticos, optimistas, aos gnósticos, pessimistas, pois para estes o
mundo é uma obra má, ao mesmo que distinguem o Criador do Deus supremo.

IVº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – I


O ESOTERISMO JUDAICO E A CABALA

Temas do Esoterismo Judaico.

- O Nome de Deus/YHWH

O Sumo Sacerdote de Jerusalém só podia pronunciar o Nome de Deus, uma vez


por ano e no Santo dos Santos do Templo, coisa que era proibida aos outros judeus –
“não invocarás o Santo Nome de Deus em vão”… O Nome de Deus Criador, é pois
extraordinariamente poderoso e só pode ser pronunciado por quem está purificado e
tem qualidades ímpares. Recordemos que uma das características do Sagrado é o
afastamento e a diferença radical, o que está ou deve estar afastado, o que é
“totalmente outro”, ao mesmo tempo “tremendo e fascinante” (Rudolf Otto), daí o
“tabu do sagrado”, pois ele acarreta riscos para quem dele se aproximar ou tocar.

- Bereschit/Génese

Meditação sobre o significado oculto do primeiro versículo/capítulo do Génese:


“No princípio Deus criou os céus e a terra…” – Bereshit. Os mistérios da Criação.

- O Carro de Fogo de Ezequiel

Ezequiel tal como Enoch e Elias transcendem a morte, ascendendo aos céus sem
passar por ela. A ascensão de Ezequiel aos céus num carro de fogo é tema de meditação
para uma imitação da ascensão luminosa, “em glória”, de cada um – a palavra “glória”
neste contexto, veio da Pérsia.

- Os Hekhaloth ou Palácios

É uma técnica de meditação do esoterismo judaico sobre a ascensão da alma


para regiões cada vez mais luminosas, utilizando a visualização de palácios ou de quartos
dentro de um mesmo palácio, fazendo uma meditação dirigida em que se pretende fazer
a passagem sucessiva por palácios (ou quartos) cada vez mais luminosos. Curiosamente
encontramos este tipo de visualização em Santa Teresa de Ávila no seu livro “Castillo
interior o moradas”, o que pode ter a ver com um ambiente familiar cristão-novo,
comum em Ávila.
- Os Essénios e os Manuscritos do Mar Morto

Junto ao Mar Morto, em Qumram, foram descobertos logo a seguir à 2º. Grande
Guerra (por um pastor que perseguia cabras que se haviam perdido dentro de uma
gruta), rolos de cobre e em outros materiais, dentro de âmforas de barro, onde estavam
descritos as regras da comunidade essénia de homens e mulheres e os textos entre os
quais os do seu Mestre da Justiça. Os textos essénios são profundamente apocalípticos
e messiânicos e a regra da comunidade era ascética. Estes textos estão publicados e os
rolos podem ver-se no Santuário do Livro no Museu de Israel em Jerusalém. Note-se que
a Biblioteca gnóstica de Nag-Hammadi (Alto Egipto) também foi encontrada em
circunstâncias semelhantes no mesmo período (1945-46).

Foram vários os que, antes de Cristo e durante e depois da sua vida, fugiram das
cidades e foram para os campos, para o deserto. João Baptista foi um deles, mas não o
único. Coberto de pelas de cordeiro, alimentando-se de gafanhotos e de mel, este primo
de Cristo foi quem o baptizou, anunciando que “ele teria de diminuir para quo o outro
(Cristo) crescesse”. Alguns grupos religiosos – os primitivos baptistas, os mandeanos e
sabeanos do Iraque, Síria, etc. – consideram que o Baptista é que era o Mestre e que
Cristo era apenas um discípulo.

- Os Terapeutas de Alexandria

Trata-se de uma comunidade judaica esotérica instalada em Alexandria e que se


dedicava à cura espiritual, com consequências positivas no domínio da cura física – ler
sobre este tema o livro de Jean-Yves Leloup sobre “Les Theurapeutes” na editora Albin
Michel.

A Cabala hebraica

A Cabala hebraica passa a escrito tradições seculares atribuídas a Abraão,


Moisés, etc., embora elas tenham sido passadas a esrito sobretudo a partir do século V-
VIº. D.C.. Os seus textos principais são o Sefer Yetzirah, o Sepher Zohar e o Sefer Bahir
de que falremos brevemente.
- O Sepher Yetzirah ou Livro da Formação (sécs. III-VI, Israel) é atribuído ao Rabi
Siméon Bar Yochai e ao seu filho Eléazar. Naturalmente, a Cabala hebraica nasce em
Israel e a tradição aponta uma localização mais precisa, a cidade de Safed (ou Sefad), na
Galileia, onde se encontram os túmulos de Siméon e de seu filho , sendo ainda hoje
considerada a cidade dos cabalistas - e que por isso tem recebido a visita de diversos
grupos cabalistas, entre os quais os de new-age como o Kaballah Center de Los Angeles
a que pertence Madonna.

Trecho do S. Yetzirah

“Segundo trinta e dois misteriosos caminhos da Sabedoria, Yah, Senhor dos


Exércitos, Deus vivo e Rei do Mundo (…) gravou e criou o seu mundo (…) Dez sefitoth
belima e vinte e duas letras de fundamento”

Note-se, desde já, a referência à ciência das letras dos números e as


correspondências entre aquelas e estes.

- Sepher Bahir, o Livro da Claridade (séc. XII, Provença)

Trecho do Bahir

“Quais são as dez palavras (os dez “sefirot” de que fala o “Sepher Yetzirah”))? A
primeira é a Coroa (Kether) suprema, Bendita e Glorificada seja o Seu Nom (YHWH)
assim como o seu povo (Israel)… A segunda palavra é a Sabedoria (Hockmah)….

Continua o desenvolvimento desta reflexão sobre letras e números e suas


correspondências mútuas.

- Sepher Zohar, o Livro do Esplendor (séc. XIII, Espanha) – Moshe de Léon

Trecho do Zohar

“A alma (“nephesh”) está intimamente ligada ao corpo que sutenta e mantem; é


em baixo o primeiro impulso. Quando digna dele, torna-se o trono onde se encontra o
espírito (“ruah”)… E quando ambos, a alma e o espírito, se preparam devidamente., são
dignos de receber a “alma superior” (“neshamah”) que reside, ela própria, no trono do
espírito (“ruah”)… Aprofundando estes graus da alma, consegue-se penetrar na
suprema sabedoria; e só a sabedoria permite assim ligar certos mistérios.”

A Árvore da Vida e os seus Sefirot

(desenho da Árvore da Vida cabalística?)

Basicamente o tema mais comum da Cabbalah hebraica é a Árvore da Vida, com


os seus 10 Sefiroth (plural de Sefirah ou Sefira, esfera) divididos em 4 Mundos que
provêm de regiões do não manifestado absoluto (o Nada, o Vazio de Luz), Ain, Ain Sof e
Ain Sof Aur:

- o Mundo de Atziluih, Mundo supra-celestial, com os 3 Sefiroth superiores, num


triangulo com a ponta virada para cima: 1) Kether, a Coroa; 2) Chockmah, Sabedoria, 3)
Binah, Inteligência;

- o Mundo de Briah, Mundo Celestial, com os 3 Sefiroth seguintes: 4) Chesed,


Misericórdia, 5) Geburah, Julgamento, Força, 6) Tifreth, Beleza, o Coração crístico, numa
leitura cristã esotérica, correspondente ao Chakra cardíaco;

- o Mundo de Yetzirah, Mundo espiritual: 7) Netzach, Eternidade, Vitória, 8) Hod,


Esplendor, Glória, 9) Yesod, Fundamento

- o Mundo de Assiah, Mundo material: 10) Malkuth, Reino

A Cabala tem vários exercícios de meditação, de entre os quais:

- um, harmonizador das dimensões masculina, neutra e feminina, com as 3


letras-mãe, Shin, Aleph, Mem e que inclui o que se pode denominar um “mantra”, com
a emissão de sons (sussurrados) com cada uma delas: sibila-se Shin (o Fogo), depois
sopra-se Aleph (o Ar) e por último vibra-se Mem (a Água), tudo suavemente.
.- o exercício de visualização criadora – proposto por Isaac Luria - denominado
“tikkun”, de regeneração e de reintegração das partículas de luz caídas no interior da
matéria.

Há dois exercícios de meditação mais recentes, sobre a Árvore da Vida, mas


mesmo assim com raízes antigas, propostos numa forma actual em finais do século XIX,
pela organização cabalística inglesa, fundada em 1888, The Hermetic Order of the
Golden Dawn (“A Ordem Hermética da Aurora Dourada”) – que nada tem a ver com uma
organização política grega neo-nazi, dos dias de hoje.

O primeiro deles é o:

- “Raio Flamejante” (Lightening Flash) que se centra na visualização de um raio que


desce repentinamente do vazio luminoso, passando pelos Sefiroth superiores e
percorrendo toda a Árvore da Vida até à Sefira mais baixa, Malkuth.

- “O Caminho da Serpente da Sabedoria” (The Way of the Serpent of Wisdom), caminho


ascensional, lento, que parte de Malkuth e vai até Kether, passando por todos os
Sefiroth e meditando sobre todos eles e sobre os 4 mundos cabalísticos. E como diz
Fernando Pessoa no seu magnífico texto “O Caminho da Serpente – certamente
influenciado, como veremos, pela versão de Aleister Crowley da Golden Dawn, a A. A. ,
“a Serpente quando chega a Deus não para”, “vai além Deus” – frase (aparentemente)
provocadora cujo significado e lógica veremos mais tarde..

Notarikon, Guemátria, Themurah

As equivalências numéricas das letras hebraicas – a Guematria -, a permutação


das letras/consoantes dando significados equivalentes às respectivas palavras –
Temurah - e as letras inciais (e finais) – Notarikon - são métodos cabalísticos para
interpretação dos textos sgrados.

Por exemplo, Cabala é formada por 3 consoantes CBL – em hebraico cabalístico


são as consoantes que interessam – logo é equivalente, por permutação, a CLB, ora Calb
é coração, logo a Cabala – conhecimento tradicional - é um conhecimento que se recebe
no coração, não na mente, sendo por isso um conhecimento espiritual.
Ainda outro exemplo:

Os quatro sentidos das Escrituras são: Peshet, o literal, cuja inicial é P; Remetz, o
sentio alegórico, com inicial R; Derasha, sentido talmúdico, moral, com inicial D; Sod,
sentido secreto, cuja inicial é D. Ora PRDS são as iniciais de Pardés, Paraíso, o que quer
dizer que quando lermos os textos sagrados unindo todos eles no último, no mais
profundo deles, atingiremos o Paraíso.
Vº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – 2 - A GNOSE CRISTÃ

- Gnose cristã

Veremos a seguir alguns dos trechos contidos nos Evangelhos Gnósticos ou


Apócrifos, mas desde já referiremos que no contexto do Novo Testamento poderemos
destacar como grande gnóstico S. Paulo – e o seu “Cristo em nós” – e no dos Padres da
Igreja, S. Clemente de Alexandria e Sto. Ireneu de Lyon – que distingue a “verdadeira”
(a cristã) da “falsa” Gnose (a não cristã), em relação à qual é impiedoso. S. Paulo é, de
facto, o grande teólogo que primeiro valorizou a divindade de Cristo e nos convida a
imitarmos a divindade do Filho, a recriarmos a sua divindade dentro de nós, tema
gmóstico por excelência.

Um exemplo de gnóstico cristão do século IVª., heterodoxo – tendo pago por isso
com a vida, como veremos adiante no capítulo sobre o esoterismo em Portugal - foi
Prisciliano, Bispo de Ávila que toinha sido iniciado por uma mulher Agapê, que por sua
vez tinha sido iniciada por um gnóstico do Egipto, Marcos de Menfis. O prestígio de
Prisciliano como mestre cristão atingiu todo o Noroeste peninsular (incluindo o norte do
futuro Portugal), tendo proposto, entre outras coisas que adienante veremos, que a
leitura dos Evangelhos Gnósticos era tão importante como a dos Canónicos.

Vejamos então algumas passagens dos Evangelhos Gnósticos cristãos (da escola
valentiniana), descobertos a seguir à 2ª. Guerra Mundial, no Alto Egipto, em Nag-
Hammadi, tudo indicando que pertencesse à biblioteca de um antigo mosteiro copta da
região:

- Evangelho segundo Filipe

- Adquire a ressurreição em vida, tema maior dos gnosticismos

“Aqueles que dizem que o Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou estão
enganados, pois ele primeiro ressuscitou, depois morreu. Se a pessoa primeiro obtem
ressurreição não morrerá…”
“Enquanto existirmos neste mundo devemos adquirir ressurreição, a fim de que ao
despirmos a carne nos encontremos em repouso e não entremos no ponto do meio,
pois muitos se perdem ao longo do caminho”

- Outro tema, Maria Madalena, a sua companheira (?), e - independente da


relação de afectividade que tinha com ela -, a maior, melhor, talvez o maior dos
discípulos:

“Três mulheres costumavam andar sempre com o Senhor - Maria, sua mãe, sua irmã, e
a Madalena, que é chamada sua companheira. Pois Maria é o nome de sua irmã e de
sua mãe e é o nome de sua parceira”

“A Sabedoria que é chamada de sabedoria estéril é a mãe (dos) anjos. E a companheira


de (…) Maria Madalena. O (…amou) a mais do que (todos) os discípulos, (e ele
costumava) beija-la na sua (…mais) vezes do que o resto dos (discípulos)… Eles lhe
disseram: “Porque a amas mais do que a todos nós?”, O Salvador respondeu, dizendo-
lhes: “Porque não amo vocês como a ela? Se uma pessoa cega e uma que enxerga estão
ambas nas trevas, elas não são diferentes uma da outra. Quando vier a luz, então a
pessoa que enxerga verá a luz, e a cega permanecerá nas trevas”

Evangelho segundo Tomé

- Crítica à ansiosa espera do Reino dos Céus no tempo linear e a potencialidade


do Reino aqui e agora, pois “o Reino já está dentro de nós”:

“Mas o Reino está dentro de vós. E está fora de vós. Qundo vos tornardes conhecidos
de vós mesmos então sereis reconhecidos. E compreendereis que vós é que sois filhos
do Pai vivente”

”Seus discípulos disseram-lhe: Quando virá o Reino? (Jesus disse): Não é por ser
esperado que ele virá. (…) O Reino do Pai está espalhado pela terra e as pessoas não o
vêm”

- A unificação, a integração indispensável à Salvação:


“Quando de dois fizerdes um, e fizerdes o interior como o exterior e o exterior como o
interior, e o acima como o em baixo, e fizerdes o macho o a fêmea serem um e o mesmo
(…) então entrareis em (o Reino)”

“ Quando fizerdes dos dois um, vos tornareis filhos do Homem”

Alguma Gnose cristã considera que Jesus só em determinado momento da sua


vida recebeu o Cristo, o Espírito do Filho de Deus que sobre ele desceu, passando a ser
Jesus o Cristo:

“Além disso, Jesus tendo sido gerado de uma virgem mediante intervenção de Deus, era
mais sábio, mais puro e mais justo que todos os outros seres humanos. O ungido (Cristo),
combinado com a Sabedoria (Sofia) desceu nele e assim foi feito Jesus Cristo

- Sto. Irineu e Epifanio

Embora gnóstico cristão, adepto da “verdadeira Gnose”, Sto. Ireneu de Lyon


(“Contra as Heresias”) combateu os outros gnosticismos mesmo os cristãos, que
pertenciam à “falsa Gnose” como eram denominadas essas correntes pelos Padres da
Igreja Ocidental. Por seu turno, Epifanio deu um testemunho - que não sabemos se foi
objectivo, provavelmente foi parcial - de certas doutrinas gnósticas, particularmente as
que eram chamadas de “licenciosas” pelos Padres da Igreja.

Mas a maior parte das correntes gnósticas eram cristãs e não tinham esse tipo
de comportamentos “licenciosos” dessas correntes minoritárias que – Ofitas,
Carpocratianos, etc. Pelo contrário, as comunidades gnósticas cristãs, maioritárias a
partir do 3º. século, eram ascéticas.

Os Evangelhos Gnósticos (Apócrifos)

Estes Evangelhos foram encontrados em grande número a seguir à 2ªª. Grande


Guerra em Nag-Hammadi no Alto Egipto, quando um pastor procurava encontrar umas
cabras tresmalhadas, tendo-se deparado com uma verdadeira biblioteca que deveria
pertencer a uma mosteiro cristão gnóstico. Hoje admite-se que a comunidade era
valentinina, que reunia seguidores do gnóstico cristão Valentino.

Evangelho de Filipe

É este Evangelho que refere que “Jesus costumava beijar Maria…” (alguns
perguntam-se se na boca) o que dará pretexto a muita especulação – desde a mais
feliz à menos feliz… - sobre a relação entre Jesus Cristo e Maria de Magdala (localidade
junto ao Lago Tiberíades ou Mar da Galileia). Maria Magdalena, era sem dúvida uma
mulher extraordinária que Jesus admirava – ela foi a primeira testemunha da
ressurreição de Cristo, o que é altamente significativo da sua qualidade espiritual e da
sua proximidade com Cristo - e amava. Sabemos pelo Credo cristão que Jesus era
“verdadeiro Deus e verdadeiro Homem”, pelo que pessoalmente admitimos, sem
escândalo, que o Filho de Deus pudesse amar Maria também fisicamente.

Um tema muito presente nos Evangelhos Gnósticos“ – e muito mais importante


do que a relação entre Jesua e Madalena – é a necessidade imperiosa da aquisição da
resurreição espiritual ainda em vida, antes de morrermos:

“Se não ressuscitardes (espiritualmente) primeiro, depois de morto já será


tarde”

Ev. Tomé

É talvez o mais belos dos Evangelhos Apócrifos, pois contem as palavras do


Salvador (como os Gnósticos lhe chamavam), não mencionando o enredo, isto é,
despojadas da história – o que se compreende já que para os gnósticos o que se passava
neste mundo material era menos importante do que a mensagem espiritual. É de
salientar que essas palavras de Jesus se encontram também nos Evangelhos Canónicos
e nas boas edições dos Evangelhos Gnósticos, nomeadamente as do Evangelho de Tomé
(por exemplo a de Bentley Landon e a de Jean-Yves Leloup), encontramos anotadas à
margem os capítulos e versículos dos Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus onde se
encontram as mesmas frases.

Desde logo a necessidade de nos “unificarmos”, de nos integrarmos na nossa


dimensão espiritual que abarcará as outras.
“Se não vos fizerdes um (como as criancinhas), não entrareis no Reino
dos Céus”

Para além da passagem do Evangelho de Filipe com refrências a Maria


Madalena – Maria de Magdala - e à relação de Jesus com ela, é muito interessante
considerar um outro Evangelho que a ela se refere e que não fazia parte da Biblioteca
de Nag Hammadi, o Evangelho de Maria

Trecho do Ev. De Maria

Maria Madalena dá conta nesse Evangelho apócrifo (escondido) dos


ensinamentos que Jesus Cristo lhe confiou e que têm a ver com a visão transcendente
das regiões supra-celestiais que ele teve durante a sua morte e ressurreição. Os
discípulos, particularmente Pedro desconfiaram do que ela lhes disse dizendo “então o
Salvador nunca nos disse nada disto e ia confiar-lhos a ela, uma mulher?”, ao que Maria
Madalena disse, a chorar “Julgam que eu inventei tudo isto e que vos estou a mentir?”.
Apenas Levi saiu em socorro dela criticando Pedro e dizendo “se o Salvador lhe disse
estas coisas é porque a julgou digna de tal”.

- Prisciliano de Ávila e o Cristianismo do século IV no Nordeste Peninsular

O Cristianismo do século IVº. No Noroeste peninsular era centrado na figura e


na prática do Bispo de Ávila, Prisciliano. Iniciado por uma mulher, Âgapé, a qual por
sua vez tinha recebido iniciação de um gnóstico do Egipto, Prisciliano faz uma síntese
entre um cristianismo gnóstico e cultos estelares peninsulares. Os seus seguidores,
homens e mulheres reuniam-se nos campos e nas montanhas e a eucaristia podia ser
levada para casa e aí consumida. É condenado no <Concílio de Toledo pelos outros
bispos mas vai a Roma – num percurso que, segundo alguns, deitou as sementes para
um catarismo posterior – e aí o Papa ilibou-o da acusação. Regressou `Península e
voltou a ser condenado, desta vez à morte juntamente com alguns dos seus mais
próximos colaboradores. Os seus textos estão publicados – em Portugal, na Imprensa
Nacional/Casa da Moeda - e um deles, sobre a Fé – De Fide – afirma que é tão útil
para o cristão a leitura dos Evangelhos gnósticos, “apócrifos”, como a leitura dos
Evangelhos canónicos…e isto no séc. IV! De qualquer modo diz a tradição que os
priscilianistas tinham um lema: ”Jura, jura e perjura, mas não digas a verdade!”.
Segundo alguns, é Prisciliano que está enterrado em Compostela e não São Tiago que
nunca saiu da Palestina.
VIº. CAPÍTULO

OS ESOTERISMOS DAS TRÊS RELIGIÕES DO LIVRO – 3 - O SUFISMO

O ISLÃO e os 5 pilares

Os 5 pilares do Islão são: as 5 orações diárias o jejum pelo Ramadão, a esmola, a


peregrinação a Meca (pelo menos uma vez na vida) e a Unicidade: só existe um Deus e
esse Deus é Allah.

- Os Califados, o Sunismo e o Xiismo

Quando o Profeta morreu, sucedeu-lhe Abu Bakr e depois Omar, Osman e por
fim Ali que deveria ter sido o primeiro – era casado com a filha de Maomeh, Fátima –
mas foi preterido perante a indignação dos seus partidários, os “shia”. Ainda maiores
motivos de indignação foram dados aos “xiitas” quando Ali assumiu o califado e foi
morto, pouco depois, juntamente com o seu filho Hussein. Todos estes acontecimentos
para além da indignação que geraram, provocaram uma cisão que perdura até hoje
entre os Sunitas (maioritários) e os Xiitas (minoritários); além disso anualmente nas
cidades iraquianas, santuários dos xiitas, já que contêm os túmulos de Ali e seu filho,
são celebradas até hoje o seus martírios, com procissões de fiéis flagelando-se com
objectos metálicos e deitando sangue das feridas neles próprios assim povocadas.

Os califados foram, sucessivamente, os seguintes: Omeíada, Abássida e Fatimida


(xiita/ismaelita), sendo o último dos quais o Otomano (turco).

O Sunismo assenta na “Suna”, ou lei, que se restringe ao sagrado Corão e aos


ditos, “hadith”, proferidos pelo Profeta.

O Xiismo já admite uma interpretação das escrituras sagradas, isto é, para ele a
revelação corânica não está fechada. O Xiismo tem dois temas importantes: o imame
escondido, ocultado e o mahdi (uma espécie de messias)

Há dois ramos principais do Xiismo:

- O xiismo duodecimaniano, maioritário – com uma forte imamologia que


é a doutrina do Imam, o Mahdi, que virá no final dos tempos;
- O Xiismo septimaniano (aceita apenas 7 Imames) do qual a corrente
mais importante é o Ismaelismo; o ismaelismo fatimida teve o Califado com seu nome e
sede no Cairo e grande esplendor intelectual e espiritual; o ismaelismo reformado de
Alamut – “A Grande Ressurreição de Alamut” - tem a ver com uma confraria iniciática,
assim denominada “dos Assassinos” (de “Assass”, Guardião, ou de Hashish?), que era
comandada pelo “Velho da Montanha”, sendio o mais célebre Issam i-Sabah que
governava a confraria a partir da sua sede em Alamut, a norte de Teerão. Os fiéis não
tinham medo de morrer pois acreditavam que já tinham atingido a ressurreição em vida
(perspectiva gnóstica).

O Sufismo do Norte e o Sufismo do Sul

O Sufismo é o esoterismo do Islão e existe tanto no Sunismo (Ibn’Arabi, por


exemplo) como no Xiismo (por exemplo, Sohravardi de Alepo).

O Sufismo do Sul desenvolveu-se em zonas onde tinha havido uma expansão do


cristianismo, logo privilegia o Amor e o apagamento (“fanã”) progressivo e suave do ego,
enquanto que o Sufismo do Norte se desenvolveu em zonas mais orientais, onde em
algumas delas quais havia influência do Hinduísmo e do Budismo, como na Ásia Central,
privilegiando o trabalho intenso sobre o ego e assumindo por vezes uma grande
exigência e dureza com as dimensões física e psicológica da personalidade.

Os grandes Mestres: Hallaj, Ibn’Arabi, Rumi, Attar,Al-Ghazali, Sohrawardi

- Al-Hallaj: proclamou a sua interioridade divina, “eu sou Deus” e por isso foi morto pela
ortodoxia muçulmana.

- Ibn’Arabi (natural de Murcia) foi considerado o Sheik Al-Akbar, o “maior dos Cheiques”
e deixou uma obra considerável que foi estudada magistralmente por Henry Corbin (cf.
“L’Imagination créatrice dans le Soufisme d’Ibn Arabi”). Arabi refere que aprendeu com
um livro do silvense Ibn’Cassi – que adiante referiremos.

No domínio da filosofia sufi deveremos mencionar Jabir (Geber) e a Alquimia e


ainda a Enciclopédia dos Irmãos da Pureza. Avicena e o seu “relato visionário” (cf. O
estudo de Henry Corbin “Avicenne et le récit visionaire”) é um nome interessante que
se opõe de certa maneira ao aristotelismo de Averroés.
Falemos agora desse grande nome da política e da espiritualidade que foi Ibn’
Qassi de Silves que podemos filiar no sufismo da Andaluzia particularmente na escola
de Ibn’ Massarrah (cf. Histoire de la Philosophie islamique” de Henry Corbin). Rei do
Baixo-Alentejo e do Algarve (o Garb do Al-Andalus), de 1141 a 1151, nasceu em Silves,
reinou em Silves e morreu assassinado em Silves. Foi um destemido adversário dos
Almorávidas e sobretudo dos Almoadas, berberes tiranos que seguiam a versão mais
rigorista do Islão e que se opunham às outras correntes muçulmanas e também à
exuberância das formas culturais que se desenvolveram no Al-Andalus.

Fatimida – não esqueçamos o Califado Fatimida, ismaelita, com sede no Cairo e


com grande esplendor cultural, como as “Epístolas dos Irmãos da Sinceridade (séc. IX) -
,logo um xiita septimaniano, Ibn’Cassi foi chefe da Confraria de Cavaria espiritual
(equivalente muçulmano dos Templários), os Muridines, os “discípulos” ou “adeptos”,
que tinham a sede, o “Ribat”, em Jila – agora identificada, pelos arqueólogos Varela
Gomes, em Arrifana (Aljazur), sobre o mar. Deixou um notável tratado de sufismo, o
“Descalçar das Sandálias” (que Adalberto Alves comentou em “As Sandálias do Mestre”,
obra que eu tive o prazer de apresentar quando foi editada pela extinta Ed. Hugin e que
posteriormente foi editada pela Ésquilo), obra que Ibn’Arabi cita como o tendo
influenciado.

Breve trecho do Descalçar das Sandálias de Ib’Cassi de Silves

“ Quem observa com o olhar da Beleza (que é o dos) gnósticos contempla a


totalidade da árvore da sabedoria e da religião bem como o fruto autêntico e a crença
firme que das alturas desce até ao véu espesso e tenaz da existência mundanal. A raíz
(dos gnósticos) é sólida, o seu ramo alcança o céu e o seu alimento chega a toda a
parte…” (in Adalberto Alves, op. cit., p. 393). Nota: gnósticos em árabe é “maruf”.

Ibn´Cassi foi um herói libertador do povo do Sul daquilo que seria Portugal,
lutando contra os tiranos Almoadas, acabando por ser morto no Castelo de Silves com a
acusação de que era o “mahdi dos cristãos”, ele que segundo a tradição promovia o
chamamento para a oração de 6ª. F Santa do Islão, numa dimensão ecuménica, através
de duas personagens no minarete, Jesus e João Baptista. A sua morte trágica e
extremamente injusta para os seus seguidores deve ter deixado nestes a esperança de
que ele regressasse não como o mahdi do fim dos tempos mas como um mahdi
intercalar. Em nossa opinião a morte de Ibn’Cassi e a esperança do seu regresso é uma
das raízes do nosso sebastianismo – mas uma raíz histórica, ao contrário das raízes
céltica e judaica que também devem ser consideradas.

Há um enigma histórico em torno deste grande rei e sufi pois enquanto que os
livros muçulmanos coevos afirmam que D. Afonso Henriques, o “Ibn’ Anrique”, lhe
ofereceu um cavalo, uma lança e um escudo, nenhum dos livros cristãos menciona esse
eventual e subtil gesto de oferta de uma aliança entre o rei de Portugal e o rei de Silves
contra um inimigo comum, os Almoadas.

- Rumi e os Mawlanyia

Rumi – conhecido como o Mawlana - nasceu no Afeganistão mas veio com o seu
pai para ocidente instalando-se por fim na Turquia onde fundou a confraria dos
Mawlanyia. Esta confraria tem uma vertente de música e dança sagradas que é praticada
pelos Derviches rodopiantes, a qual pretende simular a dança das esferas cósmicas e a
harmonia e a energia do Cosmos com a qual devemos estar em sintonia. A sede da
Confraria é em Konya, na Turquia central.

Atribuem a Rumi a seguinte história: quando ele era jovem apaixonara-se por
uma bela rapariga, mas sendo ele muito tímido, não tinha coragem para lhe dirigir a
palavra, até que um dia transcendendo a sua timidez bateu à porta da casa da jovem na
esperança de a ver e de lhe falar. Bateu e logo ouviu a sua voz feminina que perguntou
“Quem bate?” ao que ele respondeu: “Eu sou Ibn’Arabi e gostaria de falar um pouco
contigo”, mas a porta não se abriu. Anos mais tarde e tendo crescido espiritualmente,
ele regressa e decide saber se ela ainda estava viva pois gostaria de a rever. Bateu,
então, à porta e uma voz feminina perguntou “Quem é?”, ao que ele respondeu “Eu,
que sou tu” e a porta abriu-se finalmente ao fim de tantos anos de aprendizagem
espiritual.

- Sohravardi e o Oriente das Luzes e os Ishraqyn

Sohravardi de Alepo é o grande nome da “teosofia oriental” e dos “ishraqyn” –


“ishraq” é o oriente.
- Os Bekthashis e O Livro da Lucidez Implacável

Confraria sufi turca, os Bekhtasis promovem como prática iniciática a “lucidez


implacável”, muito próxima do Budismo e da sua “Presença consciente”,

- Nashroddin

Os contos de Nashrodin são de um humor notável e constituem ensinamentos


preciosos de natureza espiritual e iniciática. Eis um deles: um dia um homem regressava
a casa de um encontro com amigos e perto da entrada tentou encontrar nos bolsos a
chave da porta da casa, mas em vão. Chegou um outro homem que lhe perguntou o que
se passava e desde logo começou a ajuda-lo nas buscas não fosse ele ter deixado cair a
chave em algum sítio próximo. Mais um outro homem chegou e prestável ajudou nas
buscas até que um último que acabara de chegar perguntou: “o senhor tem a certeza
de que terá deixado cair a chave aqui? Não meu amigo, mas é aqui que está um
candeeiro”. De facto nós só procuramos encontrar as coisas em zonas iluminadas e
raramente nos aventuramos a busca-las em zonas sombrias…

- Os Naqshabandiys da Ásia Central (Afeganistão, Tadjiquistão, etc.)

É uma confraria sufi que, pertencendo ao Sufismo do Norte é extremamente


rigorosa com o ego, seguindo práticas muito próximas do Budismo que atingiu a Ásia
Central. A vigilância sobre os pensamentos, a Presença Consciente, o “estar só entre a
multidão”, são alguns dos preceitos desta via. Conheci, em França, a sua corrente do
Ouaysis.

O Dihkr (Zihkr)

É uma prática espiritual que os sufis utilizam frequentemente e que consiste em


meditações com mantras. Como não faz parte da tradição corânica, os fundamentalistas
radicais – wahabistas e deobandistas - atacaram-na, atacando assim o sufismo que eles
detestam.
VIIº. CAPÍTULO

A IDADE MÉDIA ALQUIMIA,MAGIA E ASTROLOGIIA. OS TEMPLÁRIOS E OS


CONSTRUTORES DE CATEDRAIS. CÁTAROS E FIÉIS DO AMOR. A DEMANDA DO GRAAL E
A CAVALARIA.
Na Idade Média desenvolvem-se as três disciplinas do esoterismo ocidental
tradicional, a Magia, a Alquimia e a Astrologia

- Magia

Tem uma vertente, que á a sua origem, popular, rural e arcaica que é estudada
pela antropologia e a etnologia e outra, erudita mas também antiga, mais ligada ao
universo das religiões e da filosofia. Pode ser individual ou colectiva, benéfica ou
maléfica.

A etnologia costuma distinguir a Bruxaria, que não é maléfica em si mesma e a


Feitiçaria, essa sim destinada em geral a provocar dano físico ou metafísico nos outros.

- Alquimia

As origens arcaicas parecem residir no trabalho dos ferreiros – ver “Ferreiros e


alquimistas” de Mircea Eliade) – os quais na forja, transformam aos metais, como um
demiurgo. Daí o carácter sagrado dos ferreiros que nas civilizações tradicionais eram
temidos pelo poder que tinham sobre a matéria.

A origem da Alquimia no contexto ocidental parece ser babilónica (cf. “LÁlchimie


babylonique” de Mircea Eliade), tendo-se desenvolvido no Egipto e posteriormente
passado aos árabes invasores que a desenvolveram na sua dimensão química – Geber
ou Djabir e a sua “Ciência das Balanças”. Passou depois à Europa cristã tendo sido
traduzidos para o latim muitos tratados alquímicos árabes.

Trecho de Aurora Consurgens

Não se pode ignorar, no entanto, a importância das alquimias orientais, a indiana


– tântrica, quer hinduísta, quer budista - e a chinesa, taoista. Estas alquimias situam-se
também, para além da sua dimensão física, no plano do trabalho com as energias do
corpo, desencadeadas e potenciadas por práticas diversas, entre as quais as
respiratórias, de meditação e sexuais. A questão é saber se elas terão influenciado as
alquimias ocidentais pois na verdade não é visível, nestas – mas poderia estar oculta –
uma leitura alquímico-sexual, a não ser a partir do século XIX.
Costuma propor-se uma classificação das diversas alquimias em:

- físicas, laboratoriais (onde se “labora” e ora”), embora o objectivo não seja


apenas físico, mas sim espiritual

- psicológicas, ou psico-espirituais, muito em voga a partir do século XIX e


particularmente com as novas espiritualidades da segunda metade do século XX (new
age, etc.)

- “internas”, ou “das substâncias”, na qual as práticas atrás mencionadas nas


alquimias orientai conduzem à elaboração das substâncias, segregadas pelo próprio
organismo que é, assim, um verdadeiro Athanor ou forno alquímico.

Na Idade Média a maior parte dos textos alquímicos referem-se a uma prática
laboratorial de evolução da matéria através do despertar do “fogo secreto” contido no
seu interior. Para isso alguns sais serão adicionados à matéria primeira da Obra, a fim
de captarem o Espírito Universal.

Continuaremos a falar da Alquimia em Capítulos posteriores

- Astrologia

A Astrologia medieval é “judiciária”, procurando saber o que vai acontecer com


pessoas, soberanos e nações. Só mais tarde a partir do século XIX é que se estabelece
uma astrologia de interpretação psicológica. Também veremos mais tarde os seus
desenvolvimentos.

- Os Companheiros construtores medievais

Os companheiros construtores medievais associavam-se em corporações cujas


reuniões se desenrolavam num contexto cristão – a Corporação dos Construtores de
Estrasburgo (séc. >XIV-XV) começava as suas reuniões com a invocação da Santíssima
Trintde e uma oração à Virgem Maria. Depois tratavam-se as questões do ofício.
Aprendizes e Companheiros eram os dois graus da maior parte dos Construtores,
os “maçons” (pedreiros em francês) medievais. Os Mestres deviam fazer prova da sua
maestria, através da elaboração de uma “obra-prima”.

Há quem afirme (p.e., Robert Ambelain) que estas corporações cristãs medievais
de construtores tinham como antecedentes os Collegia Fabrorum romanos e as
Confrarias de ferreiros do Monte Sinai.

- Os Templários

Os Templários foram criados na Terra santa – em Jerusalém, onde nove


cavaleiros, comandados por Hughes de Payns, estiveram nove anos alojados nas antigas
cavalariças do Templo de Salomão, preparando a criação da Ordem dos Pobres
Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão – cujo fim era assegurar as rotas dos
peregrinos que se dirigiam para a Terra Santa e aí proteger os lugares santos do
Cristianismo - , cuja Regra foi dada por S. Bernardo de Claraval

De notar que entre os novos cavaleiros que acompanhavam Hughes de Payns,


em Jerusalém, havia um Arnaldo da Rocha e um outro Gondemar, o que leva alguns a
supor que seriam portugueses. De qualquer modo esteve na Palestina um ilustre
templário português que, regressado a Portugal é eleito Mestre da Ordem do Templo
em Portugal. Foi ele Gualdim Pais, que começará a construir o Castelo de Tomar, em
1160, o qual resistirá a alguns cercos dos muçulmanos, entre os quais o do “Almançor”,
de que foi testemunho a Porta do Sangue. Outros Mestres dos Templários lhe
sucederam, entre os quais Pedro Anes e Lourenço Martins.

Bernardo de Claraval escreveu também o “elogio da nova milícia”, De Laude


Novae Militia, e, sendo ele um devoto de Maria, determinou que a mãe de Jesus fosse
a Chefe da Ordem dos Templários, sendo João Baptista o seu Patrono.

Esta questão do Patrono pode explicar a acusação de idolatria que o Rei de


França, em princípio do século XIV, lançou contra os Templários e que levou à sua prisão
em França, na Sexta-feira 13 de Outubro de 1307 e à sua posterior condenação papal,
depois de um processo iníquo que levou à extinção da Ordem do Templo, até hoje. De
facto, entre as acusações diversas que eram feitas aos templários, estava a de magia, a
de homossexualidade, a de cuspirem e pisarem a cruz, etc. e a de adorarem um ídolo, o
“Bafomet, que parecia a cara do demónio. Ora – para além de outras interpretações que
o interpretam como Mahomé, ou como “Bios-fos-metis” – parece provável a muitos que
fosse a imagem da cabeça de S. João Baptista – o seu patrono! – decapitado por ordem
de Salomé, segundo reza a Bíblia; de notar que no calendário católico existe uma festa
anual que é a Degolação de S. João Baptista.

É de referir que a ordem papal – e nessa altura havia dois papas, o de Roma que
o rei de França declarou como herético (!), e o de Avignon que era seu familiar e que
por isso o rei controlava, apesar dos esforços deste papa -, ordem de proibição dos
Templários, não foi cumprida pelo rei de Portugal, D. Diniz, esse grande Rei, nem em
Castela nem em Aragão. Os três reis da Península decidiram não acatar a ordem do Papa
e pedir a constituição de novas Ordens que substituíssem a do Templo. Em Portugal foi
a Ordem de Cristo que se constituiu em 1318 e que teve sede nos seus primeiros
quarenta anos, não em Tomar mas em Castro Marim, regressando sim a Tomar
posteriormente.

De notar que D. Diniz, para além de ter mandado plantar o Pinhal de Leiria – que,
para além de fixar as areias, daria madeira para a construção naval – contratou um
almirante genovês, Pessanha, ainda nós não tínhamos uma frota naval. A tradição diz
que vieram, na noite da prisão dos templários em França, alguns barcos templários da
frota que estava fundeada em La Rochelle, uns para Portugal, outros para a Escócia. Uns
dizem que o tesouro dos templários – outra tradição que não deixa de estar presente
em Tomar com a história de uma certa “louca”, referida por Maurice Guingand em “O
Tesouro dos Templários – Tomar ou Gisors?” - que mais provavelmente veio para
Portugal terão sido as cartas de marear da frota templária que navegava no Atlântico
norte e no Mediterraneo.…

De notar ainda que a Ordem de Cristo – que contou como Mestres como Rodrigo
Anes, Gil Martins, entre outros - teve um período de ouro em Tomar com a
administração do Infante D. Henrique que, congregando as competências técnico-
científicas e financeiras das outras comunidades, a judaica - em Tomar havia a Judiaria
e ainda há a Sinagoga, a mais antiga de Portugal - e a muçulmana, ambas com os seus
cartógrafos, navegadores e financeiros, planeou a empresa dos Descobrimentos. Cada
caravela era capitaneada por um Cavaleiro da Ordem de Cristo (nunca houve muitos, o
seu número nunca ultrapassou os cem).

Infelizmente no começo do século XVI, D. João III (que sucedeu a D. Manuel I),
ordenou a Frei António de Lisboa que procedesse a uma reforma da Ordem de Cristo,
que consistiu numa “castração” da mesma (a expressão é de António Quadros em
“Portugal, Razão e Mistério”), passando os monges-guerreiros a serem apenas monges,
rejeitando a acção e centrando-se exclusivamente na comtemplação e na oração. Além
disso, na senda de um Filipe o Belo, dando corpo a um indisfarçável ódio pela Ordem do
Templo, mandou retirar os túmulos dos Mestres dos Templários portugueses que
estavam sepultados na Igreja de Santa Maria do Olival (ou dos Olivais), ainda em Tomar,
do outro lado do rio Nabão., que era um verdadeiro panteão templário. A única lápide
tumular que subsiste é é a de Gualdim Pais, mas entretanto e recentemente, uma
organização templária, a Templanima, numa bela homenagem, decidiu colocar nesta
Igreja uma placa metálica com os nomes dos Mestres templários que lá estavam
sepultados

É de notar a importância que a Ordem do Templo teve na expansão para sul do


Reino de Portugal, acompanhando as batalhas que os sobranos travavam. Do mesmo
modo, a Ordem de Cristo esteve associada à expansão marítima, verdadeira Gesta, dos
portugueses.

Os construtores de catedrais medievais

Segundo Robert Ambelain, as corporações medievais de pedreiros podiam ter


antepassados artesanais, quer nas loggia romanas de pedreiros, quer nas corporações
de ferreiros do Monte Sinai. Mas, é claro, que foram as corporações de construtores
medievais que adquiriram um enorme prestígio pela imponência e beleza das suas obras
arquitectónicas nas quais eram utilizados os segredos da geometria e da arquitectura
sagradas que os antigos, como Vitrúvio, ainda possuíam - o número de ouro, a divina
proporção, etc. Os artesãos tinham antigamente uma dimensão sagrada: o vidreiro a
fazer o vidro e a dar-lhe formas, marceneiro escolhendo e trabalhando a madeira, o
ferreiro, mestre da forja dando forma aos metais e ligas metálica e o pedreiro
escolhendo e talhando a pedra de modo a que ela se pudesse encaixar
harmoniosamente num conjunto de outras pedras de molde a construir a obra traçada
pelo arquitexto, todos eles são de algum modo demiurgos, criadores de uma obra no
microcosmo – como o serão num plano ainda mais ambicioso os alquimistas.

As corporações de pedreiros – em francês, os maçons – medievais reuniam-se


para tratar de defesa da sua profissão e dos seus interesses profissionais. As reuniões
abriam e terminavam com uma oração cristã e esta norma durou pelo menosi até ao
século XV – como o demonstram as actas das reuniões da Corporação dos pedreiros de
Estrasburgo onde eram rezadas orações à Santíssima Trindade e à Virgem Maria.

As marcas de pedreiros das catedrais e igrejas são para muitos um enigma


simbólico, já que podemos ver nelas patas de ganços, “chifre de catre”, suásticas,
espirais, cruzes, etc. A versão mais divulgada é a de que cada pedreiro tinha a sua marca
que colocava nas pedras que trabalhava, para poder receber o seu salário do mestre de
obras. São célebres as grande catedrais europeias pelas suas siglas de pedreiros e
Portugal também as tem na Batalha, nos Jerónimos, etc. No entanto existe uma igreja
datada do começo da nacionalidade ou mesmo antes, a “capela das siglas”, perto de
Castro d’Aire, que segundo Fernando Teixeira que a estudou e publicou uma monografia
sobre ela, deve ser das que mais siglas apresenta.

A maçonaria moderna – dos pedreiros livres, dos “freemasons”, dos “franc-


maçons”, dos “franco-masones”, dos “freimaurer” - refere-se à medieval como a sua
antepassada – a dos pedreiros, dos “masons”, dos “maçons”, dos “masones”, dos
“maurer” -, mas na verdade não se pode estabelecer uma continuidade global entre
uma e outra. Como veremos, houve lojas operativas que receberam maçons não-
operativos – em meados do século XVII temos, atestadamente, a entrada de um maçon
“aceite”, o rosa-cruz Elias Ashmole, numa Loja inglesa – mas houve lojas modernas sem
raíz operativa, a não ser a de desejarem ser construtores, não de catedrais, mas num
plano simbólico, construtores de homens e da sociedade.
- Os Cátaros

Os Cátaros e os Albignses desenvolvem uma florescente civilização no Sul de


França, mais propriamente no Languedoc e são seguidores de uma heresia que se
espalhou, vinda do Médio Oriente, pelo sul da Europa: na Bulgária, os Bogomilos, na
Itália, os Patarinos – recordemos o romance de Humberto Eco, “O nome da rosa”.

Esta heresia tem como origem longínqua o gnosticismo radical e mais


concretamente o Maniqueísmo – a primeira religião global, que se estendeu até à Chin
-, no qual existe uma dualidade absoluta entre dois princípios opostos, o Bem e o Mal.
Tinham uma liturgia própria com a imposição das mãos, o Consolamentum que
simbolizava a descida o Espírito Santo sobre o fiel, o “puro” (cátaro). Criticavam
violentamente o poder dos bispos e papas e as suas riquezas e rejeitavam que Cristo
pudesse ter incarnado neste mundo material o que para eles constituiria uma
verdadeira ofensa. Ao mesmo tempo criticavam fortemente o poder e a ostentação de
alguns bispos e do próprio papa, o que originou, juntamente com as suas posições
teológicas e litúrgicas, a perseguição da Igreja.

A primeira Cruzada é contra os Cátaros, desencadeada após terem falhado os


esforços de conversão de S. Domingos de Gusmão. Este está ainda associado à criação
da temida Inquisição, dura realidade que se exerceu desde logo contra os Cátaros e os
Albigenses.

Há uma anedota histórica que é referida amiúde e que nos conta que um cruzado
ao chegar a uma vila ou cidade cátara terá perguntado ao Bispo que acompanhava a
tropa: “Eminência dizei-nos, de entre a população, quais são os cátaros para que
podermos prendê-los ou mata-los? Ao que o bispo respondeu: Mata-os todos, Deus
reconhecerá os seus!”.

- Os Fiéis do Amor

O amor como Demanda inciática, instrumento de revelação da nossa dimensão


espiritual, através do amor do outro, é um tema universal, de oriente a ocidente. No que
diz respeito ao Ocidente referiremos o importante estudo de Denis de Rougemont, “O
Amor e o Ocidente” e no que diz respeito ao Oriente é de referir, numa dimensão mais
sexual, o livro de Julius Evola, .

As Cantigas de Amigo têm a ver com este universos e dentre elas lembremos
uma de D. Dinis, com o seguinte trecho:

“Leonoreta fin roseta bela sobre toda a flor/ fin roseta não me meta em tal coi
vossa amor…”

Leonor de Aquitânia era uma Fiel do Amor e organizava na sua corte saraus de
poesia trovadoresca e Cortes do Amor, provas de amor em que os amantes eram
julgados e condenados, se não amavam devidamente as/os suas/seus amadas/os.

- A Demanda do Graal

O Graal é um objecto simbólico e mítico representado, na tradição cristã, pela


Taça em que José de Arimateia – homem rico, em cujo túmulo o corpo de Jesus foi
depositado - recolheu o sangue de Cristo, sangue sacrificial, derramado para salvar a
humanidade, logo sangue regenerador. A Demanda do Graal simboliza a busca de um
objecto religioso e mágico que muitos localizam aqui e acolá (os nossos vizinhos
espanhóis pediram ao Vaticano que confirme que le está na Catedral de Valência…), indo
outros – como “O Código de Da Vinci” - ao ponto de dizer que o Graal é o útero e o
ventre de Maria Madalena que estaria grávida de Cristo, tendo dado à luz um filho o
Salvador…

VIIIº. CAPÍTULO

DO RENASCIMENTO AO SÉCULO XVII

- O Hermetismo Renascentista; Cosme de Medici e a tradução do “Corpus Hermeticum”


por Marcillo Ficcino; Giordano Bruno e a tradição hermética (cf. Frances Yates)
O Hermetismo teve uma segunda vida – depois da primeira, em Alexandria – no
Renascimento, concretamente e sobretudo na Corte de Cosme de Médicis que mandou
Marcilo Ficcino traduzir o Corpus Hermeticum.

Como hermetistas do Renascimento podemos citar eminentes nomes como


Picco dela Mirandula e Giordano Bruno. O primeiro com as suas “Conclusões mágicas e
cabalísticas” e o “Discurso sobre a dignidade do Homem” que muitos interpretam como
um discurso anti-religioso mas que trata de uma dignidade que provem da dimensão
sagrada do Homem – daquele germe da divindade de que fala o hermetismo e o
gnosticismo. Quanto a Giordano Bruno não é demais aconselhar a leitura do livro da já
falecida Profª. Frances Yates “Giordano Bruno e a tradição hermética” (Ed.
Pensamento).

No contexto da Cabala Cristã que emerge no Renascimento – e que pretende


provar os dogmas do Cristianismo através da Cabala -, para além de Pico della
Mirandola, teremos de citar Knorr von Rosenroth. Exemplo: a letra hebraica “shin” ao
descer no centro do Tetragrama divino YHWH dá Yeshouah, logo Jesus o Cristo é Filho
de Deus.

- A Teosofia Cristã, de “O peregrino Querubínico” de Angelus Silesius

Este autor retoma o tema do Deus interior, tão caro à Gnose toda ela e ao
Cristianismo gnóstico em particular, e que S. Paulo foi o primeiro a afirma-lo no Novo
Testamento, “o Cristo em nós”, promessa da ressurreição espiritual que está acessível
ao Cristão.

Assim, Ângelus Silesius proclama (ver versão portuguesa intitulada “A Rosa sem
porquê”, traduzida, entre outros por José Augusto Mourão), numa grande e salutar
provocação:

“Que te importa a ti que Cristo nasça mil vezes em Belém, se ele não nascer uma
vez que seja no tu coração?”
- Jacob Boheme,

Em Jacob Boehme encontramos um claro exemplo da Alquimia mística ou


espiritual, em que os nomes da alquimia operativo-laboratorial ignificam estados da
evolução da alma espiritual.

A Rosa-cruz histórica

Os Manifestos da Rosa-Cruz foram escritos e publicados no começo do séc. XVII,


em 1614, 1615, 1616, respectivamente, “Fama Fraternitatis”, “Confessio Fraternitatis”
e “As Bodas Químicas de Christian Rosencreutz”. O seu autor terá sido o pastor
protestante Johan Valentin Andrea o qual se rodeava de um pequeno grupo de amigos
e seguidores, não havendo nessa altura aquilo a que poderia chamar de uma Ordem
Rosa-cruz, mas sim de uma operção de propaganda e divulgação dos seus ideais.

“Não tínhamos ainda visto o cadáver de nosso Pai prudente e sábio. Por isso
afastamos para um lado o altar. Então pudemos levantar uma chapa forte de metal
amarelo, e ali estava um belo corpo célebre inteiro e incorrupto (…), e tinha na mão um
pequeno livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que é, depois da Bíblia, o
nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido à censura do mundo”

(Fama Fraternitatis Roseae Cruci – trecho posto por Fernando Pessoa em


exergue ao seu poema “No Túmulo de Christian Rosencreutz”)

Os Manifestos encerram os temas relativos a um cristianismo esotérico,


estabelecido no quadro da Reforma protestante, com forte tonalidade alquímica. O
objectivo é lançar as bases de uma Aliança Evangélica – anti-papista, anti-Habsburgos –
para a criação de uma “sociedade ideal” (cf. Roland Edhigoffer, “Les Rose-croix et la crise
de la concience européenne” e “Les Rose-croix et la societé idéale” e ainda Robert
Vanloo “L’Utopie Rose-Croix”). Tratava-se de transformar, no quadro da Reforma,
transmutar a sociedade no sentido da pureza do ideal cristão, procurando unir os
Estados protestantes da Europa contra o Sacro-Império Romano-germanico. Após um
período de uma certa abertura a essa ideia de uma aliança entre os estados
protestantes, as rivalidades entre eles acabam por comprometer o projecto que, no fim,
não passou de uma ideia entusiástica e generosa (por mais sectária que fosse).

Podemos resumir alguns temas e ideais da Rosa-cruz:

- os Rosa-cruz deviam reunir-se pelo menos uma vez por ano, na Quinta-feira Santa, na
Casa do Espírito Santo – expressão que revela a importância que a Terceira Pessoa da
Trindade cristã tinha para eles;

- tinham, além disso, a obrigação de curar gratuitamente os doentes – o que implicaria


da parte deles, conhecimentos de medicina, incluindo a espagíria paracelsiana e talvez
mesmo de alquimia;

- tinham, ainda, de se adaptar e respeitar a religião do país onde estavam ou passavam,


o que uma tolerância activa, mais do que simples oportunismo, a qual se aplicava a
outras religiões cristãs como o catolicismo ou não cristãs coo o judaísmo e o islão.

- os seus textos referiam por vezes a esperada vinda de Elias Artista, uma espécie de
Paracleto que viria tutelar a transmutação da sociedade, da natureza e do Cosmos.

Lema da Rosa-Cruz:

“Em Deus nascemos, em Cristo morremos, pelo Espírito Santo ressuscitaremos”


(Ex Deo nascitur, in Jesu morrimur, in Spirito Sancto reviviscimur”)

Este lema afirma o carácter cristão da Rosa-Cruz e a esperança da transmutação


por Obra e Graça do Espírito Santo. Uma vez mais, encontramos a valorização
transformadora da Terceira Pessoa da Trindade, numa corrente esotérica cristã.

- A expansão das ideias da Rosa-Cruz

Sem que existisse uma organização mas apenas pessoas que aderiram ao seu
ideal, a Rosa-Cruz expandiu-se muito por acção de uma inteligente, mitificadora e subtil
propaganda. Essa expansão desenvolveu-se sobretudo nos meios intelectuais
protestantes mais ligados ao esoterismo. Em Paris surgiram cartazes afixados nas ruas
que diziam; “Nós, o Colégio invisível da Rosa-Cruz…”. Na Alemanha temos um grande
nome como o médico e alquimista Michael Maier, médico do Imperador Rudolfo II, de
Praga. Em Inglaterra Robert Fludd foi um dos eminentes seguidores desta corrente, mas
devemos destacar um “antiquário” inglês – pois estudava as tradições antigas, havendo
mesmo a Sociedade dos Antiquários -, Elias Ashmole de seu nome, que foi um dos
primeiros maçons aceites em Lojas operativas (as do pedreiros).

A entrada progressiva de intelectuais, burgueses e aristocratas – alguns deles


rosa-cruzes - para Lojas operativas ou para novas Lojas que já pouco tinham a ver com
o ofício dos construtores, parece ter sido uma estratégia da Rosa-Cruz para realizar a
transformação social que falhara por projecto próprio. A criação da Maçonaria moderna,
a “especulativa” ou simbólica, terá sido, indirectamente, um projecto remoto da Rosa-
Cruz.

- Emanuel Swedenborg

É outro exemplo, mas já no século XVIII, do esoterismo e da mística cristãs, neste


caso afirmando as realidades angélicas como elemento de aproximação ao mundo
divino (ver a sua obra “Sabedoria angélica”). O sueco Emmanuel Swedenborg não foi
maçon mas discípulos seus fundaram um Rito Swedenborgiano de que foi um dos
responsáveis recentemente o esoterista francês e meu amigo Rémy Boyer.

Karl von Eckartshaiusen

A sua obra “A nuvem sobre o Santuário” (17…) afirma a existência de uma Igreja Interior,
no seio do Cristianismo e a possibilidade de desenvolvimento de um órgão de visão
espiritual interior ao homem, o “sensorium”, para acesso a realidades espirituais.
IXº. CAPÍTULO

O SÉCULO XVIII DAS INICIAÇÕES E A MAÇONARIA ESPECULATIVA

- As origens da Maçonaria especulativa

Quando de fala em “maçonaria especulativa” refere-se aquela corrente iniciática


(e por vezes esotérica) que já não se dedica à construção de edifícios religiosos ou
outros, como a dos construtores medievais, mas sim a que deseja construir quer o
homem, quer a sociedade, segundo um plano espiritual de eficácia no mundo. Mas quer
os maçons medievais, quer os maçons dos séculos XVII e seguintes pretendem construir,
ambos, “à Glória de Deus, “à Glória do Grande Arquitecto do Universo”, expressão
simbólica que se refere a esse plano em que a ordem divina se projecta no mundo.

Há várias hipóteses propostas para explicar as origens da maçonaria moderna, a


que reside na maçonaria operativa medieval, a que tem a ver com as suas pretensas
origens templárias e, por último, a que propõe a Rosa-Cruz como sendo o motor dessa
criação.

- Origem na maçonaria medieval - pode estabelecer.se claramente uma


inspiração mas só em alguns casos – por exemplo na Inglaterra, com o célebre caso de
Elias Ashmole, em 1644 – é possível estabelecer uma transição real entre a maçonaria
operativa de origem medieval e a maçonaria moderna, especulativa ou simbólica.

- Origem templária – aqui ainda é mais difícil estabelecer uma ligação histórica
entre estes e os maçons modernos. No entanto é de referir que por vezes em tempos
medievais os templários foram patrocinadores de obras sagradas e outras construídas
por corporações de pedreiros. Mas a única pista que se encontrou, segundo temos
conhecimento, foi a presença do esquadro e compasso (para além da cruz templária e
da espada) em túmulos templários no cemitério de Kilmartin na Escócia. De resto
quando o Cavaleiro Ramsay afirma que os “cruzados” são os “antepassados” dos
maçons modernos, trata-se apenas do desejo de filiação espiritual com uma instituição
tão prestigiada como foi a Ordem do Templo. E o facto de os templários terem sido
extintos pela Igreja Católica não trazia nenhum problema para os criadores da
maçonaria, em grande parte protestantes – só a partir de meados do século XVIII é que
muitos maçons tiveram cuidado com esse problema, devido à entrada de muitos
católicos (alguns dos quais sascerdotes), como por exemplo a Estrita Observância
Templária do Barão Carl von Hund e o Regime Escocês Rectificado dos alemães Duque
de Brunswick e Príncipe Carlos de Hasse-Cassel e os católicos franceses Jean-Baptiste
Willermoz e Joseph de Maistre que incluíam muitos católicos nas suas fileiras. O Prof.
Ferrer-Benimelli, jesuíta e historiador refere, na sua obra “Les archives secrets du
Vatican et de la Franc-Maçonnerie”, a existência de milhares nomes de padres e monges
católicos, maçons, desde meados do século XVIII até à Revolução francesa, incluindo em
Abadias como a de Citeaux (França) e a de Melk (Áustria)

- Os rosa-cruzes – esta parece ser a mais directa influência nas origens da


maçonaria moderna, embora não forneça uma explicação para todo o fenómeno –
recordemos que Elias Ashmole, rosa-cruz, foi dos primeiros maçons aceites a entrar para
lojas operativas, ainda em meados do século XVII. De facto, falhado o projecto de
transformação social cristã no quadro da Europa protestante, alguns rosa-cruzes terão
decidido entrar para as lojas maçónicas já existentes. Tratava-se de manter o imbolismo
da construção de uma nova sociedade, velado pelo simbolismo da construção “à Glória
de Deus”, ou “à Glória do Grande Arquitecto do Universo” como será dito em finais do
século XVII e no começo do século XVIII.

- A Maçonaria dos “antigos” tradicionalistas e a dos “modernos” iluministas

Duas correntes estabelecem-se ainda em meados do século XVII, a dos “antigos”


que defendiam – e praticavam – que a maçonaria implicava a crença num Deus de uma
religião revelada – Teísmo -, devendo ser, desde logo e no caso deles, estritamente
cristã, e a dos “modernos”, iluministas, que queriam abrir as lojas maçónicas a um
ecumenismo, em primeiro lugar no seio do cristianismo, juntando católicos e cristãos, e
depois abrindo a outras religiões, a começar pelo judaísmo. Mas para estes iluministas
não era obrigatório ser-se seguidor de uma religião, bastava ser-se crente, acreditar-se
em Deus – Deísmo - num “deus em relação ao qual todos os homens estão de acordo”,
como escreve o Pastor Anderson nas suas Constituições, documento fundador da
maçonaria moderna. A essa imagem de um deus ecuménico, universal, os maçons
deram o nome de “Grande Arquitecto do Universo” – ver o livro “Mês bien-aimées
frères” de Pierre Marion, ilustre maçon e ex-chefe dos Serviços secretos franceses
(DGSE) na época de Miterrand, que começou a sua vida maçónica no Grande Oriente de
França, depois passou para a Grande Loja Nacional Francesa, terminando asuacarreira
maçónica na Grande Loja Unida de Inglaterra.

- O Iluminismo britânico e a Royal Society


É clara a influência do iluminismo britânico – inglês em particular, mas não
apenas, pois é preciso considerar também o escocês – no nascimento da maçonaria
moderna e no surgimento da Grande Loja de Londres – veja-se o excelente livro de Alain
Bauer, meu amigo, Irmão (ex-Grão Mestre do Grande Oriente de França) e colega (já
que foi Presidente do Observatório Francês da Delinquência), “Les origines de la Franc-
maçonnerie: Isac Newton et les Newtoniens”.

Isaac Newton, fundador da ciência moderna, quer na matemática, quer na física


- mas ao mesmo tempo um demandador das antigas tradições, particularmente da
alquimia, área que dominava (ver “Les fondements de l’alchimie de Newton”, tradução
de “The Green Lion’s hunt”, da Profª Betty Dobbs) tendo na sua grande biblioteca, vários
textos de comentários a livros de alquimia, que possuía, escritos por ele próprio –
revelendo um profundo conhecimento da Arte de Hermes - e ainda um laboratório
alquímico num anexo da sua casa em Cambridge, onde era um eminente professor.;
nesse laboratório ocorreu uma explosão que afectou a saúde de Newton.

Os discípulos de Newton, os Newtonianos, estiveram na origem do Iluminismo


britânico – e na criação da Royal Society, a primeira Academia das Ciências do mundo -
e posteriormente, também, na origem da Maçonaria moderna e da criação da Grande
Loja de Londres. Estas características definiam os rosa-cruzes e os newtonianos que
como vanguarda social, política, científica e espiritual que, ao mesmo tempo se
interessavam pelas tradições antigas, preoocupação que vamos encontrar em membros
de outras vanguardas, como veremos adiante.

- As Constituições de Anderson (1723)

Trecho das Constituições

A dimensão social do iluminismo inglês assenta quer nos “Bill of Rights” quer no
“Acto de Tolerância”, documentos que asseguravam os direitos dos cidadãos e dos seus
representantes no Parlamento – e isto em 1691, cem anos antes da Revolução francesa!
Portanto, promovendo a “virtude social” e a crença em Deus – qualquer que fosse a
ideia que tivéssemos dele – a maçonaria nascente em começos do século XVIII foi um
factor de progresso social e da democracia, de tal modo que Voltaire e Montesquieu
viveram refugiados vários anos em Inglaterra, na altura país do “progresso e das luzes”,
pois pelo contrário a grande França da cultura não o era no domínio político-social, com
a sua monarquia absoluta, era pelo contrário e simbolicamente um país das “trevas”.

- A Grande Loja de Londres (1717) versus a Grande Loja de York.

Nasce assim, em 24 de Junho - dia de S. João Baptista, ou de S. João de Verão -


de 1717 a Grande Loja de Londres, associando 3 e depois 4 lojas que se reuniam em
restaurantes e “pubs” que eram os locais onde os advogados e os solicitadores davam
consultas, entre outras actividades. Muito cedo os máximos responsáveis pela Grande
Loja de Londres foram membros da família real britânica pois, após anos de lutas
fratricidas em séculos anteriores, era bastante conveniente para a Coroa juntar católicos
e protestantes em lojas maçónicas onde, para além dos aspectos espirituais e
simbólicos, eles podiam confraternizar num espírito de concórdia

Paralelamente esta “Grande Loja dos “modernos”, existia as dos “antigos”,


tradicionalistas, que constituíram em meados do século XVIII a Grande Loja de York e
publicaram um livro com as suas constituições, o Ariman Rezon

A maçonaria nascida em Inglaterra em 1717 – embora com raízes iluministas


também na Escócia – teve um papel muito importante nas Ilhas Britânicas mas também
na expansão e valorização dos ideais democráticos e de convivência tolerante entre
diversas posturas filosóficas, políticas e religiosas, nos países para onde cedo se
expandiu, ainda no século XVIII: França, Países Baixos, Alemanha, Países Escandinavos,
Suiça, Itália, Áustria, Espanha, Portugal, etc., e também para as colónias no Novo
Mundo, Estados Unidos em particular – onde encontramos maçons nos dois lados da
barricada na guerra da Independência

- Da Grã-Bretanha, para a Europa e para o Novo Mundo

Desde logo em França, onde se constituiu a Grande Loja de França que nas
vésperas da Revolução Francesa tinha como Grão Mestre o Duque Philippe de Orléans,
o “Filipe Égalité” que será uma das primeiras vítimas da guilhotina. É importante dizer
que a primeira Revolução Francesa, a de 1789, corresponde aos ideais da maçonaria e
nela se empenharam os maçons. Já a época do Terror, também chamada de segunda
Revolução Francesa, a qual começa em 1791, a maçonaria é perseguida e dizimada por
ultra-revolucionários radicais e intolerantes.

Em começos do século XIX a situação de normalidade, embora num quadro


imperial, é restabelecida com Napoleão e os seus irmãos, alguns dos quais maçons, tal
como são maçons alguns dos seus oficiais e generais – incluindo portugueses da Legião,
entre os quais o General Gomes Freire de Andrade, que tinha sido iniciado em Viena,
sua terra natal (o pai era Embaixador de Portugal), na Loja de Mozart. A maçonaria em
França teve até aos nossos dias uma grande importância social, e política, registando
nomes como Renault, Citroen, etc.

Também encontramos portugueses nos primórdios da expansão da maçonaria


para o continente europeu, a começar pelo Conde de Tarouca, Telles da Silva, oficial
que pertencia a uma Loja militar prussiana em ocupação dos Países Baixos (vide Ars
Quatuor Coronatur). De destacar que na Alemanha, Frederico II, Rei da Prússia (o
“Frederico o Grande) teve um papel muito grande na expansão dos ideais maçónicos já
que foi maçon e protector da maçonaria. Existe uma canção, “Friedrich Koenig”, que era
cantada nas lojas prussianas, em louvor deste soberano e cuja autoria era atribuída a
Ludwig van Beethoven – o qual não sabemos se, de facto, foi iniciado mas que os
testemunhos referem que ele queria dar pública nota da sua condição de maçon, ou
pelo menos da sua simpatia pelos valores da maçonaria, o que está patente em algumas
das suas obras.

Maçon foi sem dúvida Wolfgang Amadeus Mozart que foi iniciado numa Loja de
Viena de Àustria – a mesma a que pertencia o nosso Gomes Freire (que no registo ou
quadro de loja aparece com o nome de Gomes Freire de “Entrada” e também com a
denominação de Conde e de Comendador da Ordem de Cristo, enquanto que Mozart
aparece como “Capelmeister!). Em Viena aparece depois um segundo Telles da Silva,
Duque de Tarouca, filho do primeiro que já referimos e que sendo amigo do Marquês
de Pombal, este o vai visitar na sua Loja. Ora o Marquês parece ter sido iniciado quando
era Embaixador em Londres numa Loja da City (onde estavam homens da indústria, com
os quais ele terá aprendido algo de útil para o desenvolvimento da indústria portuguesa,
quando foi primeiro ministro de D. José I) e iniciado pelo próprio Príncipe de Gales da
época, segundo refere Daniel Ligou no seu “Diccionaire de Franc-Maçonnerie”.

Em Portugal a maçonaria entrou nos anos 20 do século XVIII através de duas lojas de
estrangeiros (ingleses, escoceses, irlandeses, franceses…), a Casa Real dos Pedreiros
Livres da Lusitânia, que reunia os católicos nos fundos de um restaurante na Rua dos
Remolares, ao Largo de S. Paulo, junto ao Cais do Sodré, em Lisboa. Os protestantes
reuniam-se numa outra loja, para os lados da Cruz-Quebrada, perto de Algés, cuja
denominação se desconhece mas que era chamada pela Inquisição a “Loja dos hereges
mercadores”. Eram sobretudo comerciantes, padres e monges que integravam esses
lojas, mas também e progressivamente oficiais dos regimentos ingleses estacionados
em Portugal. Em diversas alturas a repressão exerceu-se sobre os maçons que viviam
em Portugal, tendo havido um caso célebre e dramático acontecido com Jean Coustos
que foi preso e condenado pela Inquisição tendo dado relato do seu sofrimento num
livro publicado em Londres – de que existe um exemplar da edição original no Museu
do Grémio Lusitano, no Bairro Alto, em Lisboa. No domínio das lojas militares, saliência
ainda para as lojas que o oficial prussiano e maçon, o Conde de Lippe – que veio a
Portugal reformar o exército português e dar-lhe um regulamento disciplinar –
estabeleceu dedsde Caminha até Elvas. Para além dos Tarouca, pai e filho, do Marquês
de Pombal e de General Gomes Freire de Andrade, foram tantos os nomes ilustres de
maçons portugueses que, no século XIX se perguntava quem é que não era maçon (assim
com hoje se pergunta quem é…). Destacaremos desde logo o Abade Correia da Serra,
natural de Serpa, secretário da Academia das Ciências e Embaixador nos EUA, tendo sido
iniciado em Filadélfia, e amigo e conselheiro científico (minas e florestas) do segundo
Presidente norte-americano, Thomas Jefferson – que não sendo maçon tinha grande
apreço pela Ordem – sendo visita de casa dele em Monticello na Virgínia, onde existe o
quarto onde ficava o “Abée Correia” (como era conhecido em França e noutros países).
Referência também para Hipólito José da Costa que figura na história do esoterismo do
século XIX – ver o segundo capítulo do livro de Joselyn Godwin, “The Theosophical
Enlightenment” – em virtude do seu livro, publicado em Inglaterra, “Sketches for the
History of the Dionysian Arttificers” (“Esboço para a História dos Artífices Dionisíacos”)
que se egastava da “egiptofilia”, quase uma “egiptomania”, do século XVIII e seguintes
– que considerava (e bem) o Egipto como origem de muita da nossa tradição religiosa,
mas não toda; exemplo desta “egiptofilia” é a sublime ópera iniciática A Flauta Mágica
dos Irmãos da mesma Loja de Viena, Mozart e Shikaneder, Da Costa sustenta no seu
livro que as nossas tradições filosóficas, religiosas e iniciáticas se radicam na Antiga
Grécia, particularmente nos mistérios dionisíacos – recordemos que segundo o mito
Dionísio morreu e ressuscitou.

Hipólito José da Costa, natural de Colónia de Sacramento, na altura Rio Grande


do Sul, hoje Uruguai – que tinha sido iniciado em Filadélfia, como o Abade Correia da
Serra, quando teve um cargo de representação diplomática nos EUA -, foi encarregado
pelos maçons portugueses, que entretanto em finais do século XVII já tinham
constituído Lojas, para se dirigir a Londres a fim de obter, segundo se crê junto dos
“antigos”, a carta-patente para constituição da primeira obediência maçónica
portuguesa, independente e reconhecida, cuja denominação – segundo o historiador A.
H. Oliveira Marques (“História da Maçonaria em Portugal” – 1º. Vol.) -, seria denominada
Grande Loja de Lisboa ou Grande Loja de Portugal. Chegado a Portugal, em 1802,
Hipólito é preso pela polícia de Pina Manique e depois começa a ser interrogado pela
Inquisição. Passado algum tempo é libertado pela intercessão, junto das autoridades
portuguesas, do maçon Duque de Sussex – que será o primeiro Grão Mestre da
unificação da maçonaria inglesa, entre os antigos e os modernos,em 1813 - que estava
viver em Lisboa num semi-exílio, por ter sido um grande boémio (segundo diziam).
Hipólito, magoado, nunca mais regressará a Portugal e fundará, na Grande Loja de
Inglaterra, a Loja Lusitânia. Em Londres, Da Costa escreverá, para além do livro sobre os
Artífices Dionisíacos, um outro relatando as suas desgraças decorrentes da prisão e dos
interrogatórios da Inquisição e será também o fundador da imprensa brasileira, ao
enviar regularmente para o Brasil o “Correio Brasiliense”, por ele escrito e publicado.
Continuaremos no capítulo seguinte e em Anexo estas referências históricas relativas à
Maçonaria, quer relativas a Portugal, quer no plano internacional.

Esoterismo e espiritualidade maçónicos

Para além do seu aspecto filosófico – iluminista e ecuménico na versão triunfante


dos “modernos” – e social – a “virtude social”, comum aos “modernos” e aos “antigos”
e consubstanciada no comportamento dos cidadãos respeitadores das leis do Estado e
das normas éticas (insistimos no livro de Pierre Marion que desenvolve este aspecto) –
a maçonaria tem uma vertente espiritual baseada na vivência de rituais com clara uma
dimensão simbólica e mítica que assenta na tradição dos construtores medievais. Trata-
se agora, não de construir edifícios físicos (igrejas, catedrais, etc,) à Glória de Deus, mas
sim de construir edifícios simbólicos à Glória de Deus, Grande Arquitecto do Universo,
um homem melhor do que quando entrou para a maçonaria, um maçon na via
incessante do aperfeiçoamento, mas também uma sociedade melhor em que os valores
da liberdade, da tolerância e da solidariedade fraterna estejam sempre presentes. Como
diz a Flauta Mágica dos Irmãos maçons Mozart e Shikaneder, “e assim os homens serão
como deuses e a terra um paraíso…”. A propósito desta obra-prima de Mozart
permitam-me aconselhar-vos a leitura da obra “Mozart e os Mistérios Iniciáticos, de que
sou um dos autores, a qual tem o libreto da ópera, em versão bilingue, alemão e
português.

Mas os rituais maçónicos contêm um esoterismo implícito, que os ingleses não


acompanham, pelo menos nos seus primeiros graus, ou simbólicos, de Aprendiz, de
Companheiro e de Mestre e mesmo esoterismo explícito, sobretudo no Altos graus
maçónicos, escritos no século XVIII por gente que ainda dominava muito bem o
simbolismo, o mito e o esoterismo – como por exemplo o Barão de Tchoudy com o seu
grau de Cavaleiro do Sol, que passou a ser o grau 28 do R.E.A.A e Jean-Baptiste
Willermoz, comerciante de sedas em Lyon, que escreveu os rituais para o Rito ou Regime
Escocês Rectificado e outros que foram incorporados no Rito Escocês Antigo e Aceite,
como o Cavaleiro da Águia de Ouro e do Pelicno. De salientar que talvez o mais antigo
sistema de Altos graus seja, A Royal Order of Scotland., a Ordem Real da Escócia - que,
perdoe-se-me o orgulho, fui o primeiro português a receber nos seus dois graus, o de
Heredom de Kilwining e o de Rose-Croix, no seu templo histórico, junto à Royal Mile, em
Edimburgo.

Rémi Boyer, num livro que eu tive o prazer e a honra de prefaciar – “La Franc-
Maçonnerie comme voie d’éveil” -, afirma a necessidade de uma vivência iniciática em todos os
graus e em todos os ritos maçónicos. Nesta perspectiva é indispensável a aquisição de um
estado de Presença, de presença consciente aquando da prática ritualística em Loja, sem
o qual o rito não é transformador do maçon.

Os rituais maçónicos têm um evidente simbolismo sagrado que é aberto desde o


seu começo, estabelecendo um corte com o espaço e o tempo profanos. Entre a
Abertura e o Fecho da Loja vive-se pois, no Templo, num espaço e num tempo sagrados
onde o ritual dá vida e sentido à reunião dos maçons. Aí as conversas e assuntos
profanos são evitados – devem deixar-se preferentemente para o ágape fraterno e
convivial que se segue à reunião de Loja –, dando lugar a discussões filosóficas,
simbólicas e outras que tenham, por exemplo, a ver com as obrigações de fraternidade
dos maçons.

Os rituais dos 3 primeiros graus simbólicos centram-se essencial e


respectivamente na recepção da Luz maçónica, na descoberta de um Astro interior e na
cerimónia da morte sacrificial do Mestre Hiram supliciado por se ter recusado a revelar
os segredos do grau de Mestre a três maus companheiros gananciosos de poder, sem
estarem preparados para tal.

É costume dividirem-se os tiros maçónicos em ritos “dos antigos” e ritos “dos


modernos” - ver o excelente livro de Jean Solis, “Guide pratique de la Franc-
Maçonnerie” livro que ele dedica a vários maçons entre os quais, eu próprio.

Rituais “dos antigos”, de uma maçonaria estritamente cristã são:

- a Estrita Observância Templária do Barão de Hund criado cerca de 1750 por iniciação
– segundo reza a tradição – transmitida pelos Stuarts, escoceses refugiados em França.
Trata-se de um rito maçónico templário. Embora extinta influenciou a criação de outros
ritos, de entre os quais o Regime Escocês Rectificado.

- O Rito Sueco

O Rito Sueco deriva da Estrita Observância Templária alemã e foi desde cedo protegido
pela Coroa, quer na Suécia, quer na Noruega, sendo o Rei também Grão-Mestre como
Carlos XIII da Suécia ou então alto protector da maçonaria, sendo Grão Mestre um
membro da família real. O rito sueco é estritamente cristão e templário, sendo o seu
último grau (11º.) apenas conferido ao rei.

- Rito de York

O rito de York espalhou-se com grande êxito pelos futuros E.U.A. sendo actualmente o
segundo rito em número de praticantes.

- Rito de Zinnendorf

É o rito que existe na Grosse Landslodge des Freimaurer von Deustchland (Grande Loja
National alemã) que é uma das cinco Grandes Lojas da Grande Loja Federal Alemã.

Os Ritos dos “modernos” são:

- o Rito de Emulação, inglês, descristianizado, muito centrado no simbolismo dos


construtores e da construção

- O Rito Escocês Antigo e Aceite (“Scotish Rite”) que é o mais divulgado no muno, sendo
o primeiro mundial em efectivos e também nos EUA.,

Para além destes temos:

- o Rito Francês que tem uma versão mais antiga, rosa-cruz, cristã e outra mais moderna,
descristianizada, mesmo dessacralizada;

- o Rito “egípcio” de Cagliostro (que esteve em Lisboa onde foi recebido na residência
do Conde de Sobral, ao Calhariz, tendo partido apressadamente pois arriscava-se a ser
preso por Pina Manique), rito mágico-alquímico, não cristão, mas sagrado no contexto
o Hermetismo e do Gnosticismo, o qual dará origem a dois ritos “egípcios” no século XIX
nas versões:

- Rito de Menfis e Misraim, de Marconis de Nègre e dos irmãos Bédarride

- Rito de Misraim de que saliento a versão sob a jurisdição do Grande Santuário do


Adriático (GSA) e de Misraim e Menfis, de Sebastiano Caracciolo, a saber o Antigo e
Primitivo Rito Oriental de Misraim e Menfis (APROMM).
Interessante é referir outros ritos, como o Rito Primitivo de Narbonne, o Rito dos
Arquitectos Africanos de Ecker und Eckofen, o Crata Repoa,

- Ordens Rosacruzes e Neo-templárias

- Da Rosa-cruz de Ouro do Antigo sistema à Societas Rosacruciana

Em finais do século XVIII constitui-se na Alemanha a Ordem da Rosa-Cruz de Ouro do


Antigo Sistema que teve enorme importância política e iniciática. A sua reunião magna
de 1777 decidiu publicar os manuscritos rosacrucianos que a Ordem possuía, os
Manuscritos de Altona - que foram publicados em finais do século XX em ediçõ fac-
smilada pela Ordem Rosa-cruz AMORC. A Rosa-Cruz de Ouro extinguiu-se pouco depois.

O Martinismo do século XVIII: de Martinez de Pasqually e a sua Ordem dos Cavaleiros


Maçon, Eleitos Cohen do Universo com o seu último grau de Réaux-Croix– na verdade
um “martinezismo” -,, até Louis-Claude de Saint-Martin, que foi secretário de Martinez
na OCMECU e foi iniciado no Regime Escocês Rectificado, tendo depois enveredado pela
via cardíaca, a teurgia do coração. De St. Martin destacamos os seguintes livros
“L’Homme de Désir”, “Le Filosophe Inconnu”,

- O Magnetismo de Mesmer - que faz a transição entre o esoterismo do século XVIII e o


ocultismo do século XX - lançou as bases do hipnotismo e daquilo a que se chamava
“magnetismo animal”, sendo seu seguidor o Abade de Faria, que sendo natural de Goa,
não gostava dos colonizadores portugueses. Faria fez carreira nos salões de Paris como
excelente hipnotizador – desta sua actividade e dos seus conhecimentos dá conta Egas
Moniz no seu livro sobre o Abade de Faria.

Xº. CAPÍTULO

ESOTERISMO E OCULTISMO NO SÉCULO XIX


Comrçaremos por dar continuidfade às referências históricas sobre a Maçonaria,
iniciadas no capítulo anterior, quer no contexto internacional, quer nacional

Grande Oriente Lusitano

Devido à pisão de Hipólito José da Costa e à apreensão, por Pina Manique, dos
documentos que ele trouxera de Inglaterra, os maçons portugueses voltaram-se para o
Grande oriente de frança, outra fonte de regularidade maçónica, e constituiram uma
obediência denominada de Grande Oriente Lusitano, cujo primeiro Grão mestre foi o
neto do Marquês de Pombal, o Juiz Sebastião Sampaio de Melo e Castro Lusignan.
Depois assumiu o Grão mestrado o General Gomes Freire de Andrade, o qual tendo sido
iniciado na Loja da Estrita Observância Templária de Mozart em Viena e recebido o 4º.
Grau de Mestre Escocês de Santo André na Loja de Lyon de Jean-Bptiste Willermoz,
fundador do Rito Escocês Rectificado, aparece depois como membro da loja militar
napoleónica dos Cavaleiros da Cruz – ele que era oficial do exército de Napoleão, no
contexto da Legião portuguesa – o que leva a supor que ele tivesse acedido ao 6º. Grau
do R.E.R., o de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (o 5º. Seria apenas um grau de
passagem, o de Escudeiro Noviço). O conflito entre franceses invasores do território
português, entre os quais havia vários maçons como por exemplo Soult e os ingleses
que estavam em Portugal auxiliando a Coroa portuguesa - de entre os quais havia
também mitos maçons ,entre os quais Beresford -,, mas que para alguns eram vistos
como tropa de ocupação, atinge a maçonaria portuguesa já que esta fica dilacerada
entre os dois partidos, a maior parte dos quais empenhados na resistência contra o
invasor, mas Gomes Freire está no epicentro desse conflito, sendo acusado de
conspiração e traição e em consequência disso é condenado e morto, juntamente com
outros oficiais. Refere a tradição que Beresford terá oferecido ao seu Irmão Gomes
Freire a possibilidade de fuga para escapar à morte, mas este recusou com aquele
espírito de honra e de militar que o caracterizava.
Nota: Referiremos em anexo uma cronologia da história da maçonaria em Portugal
continuando com o que aqui escrevemos e entrando nos séculos XIX e XX.

A Maçonaria no Brasil contribui para a independência do território face aos


colonizadores – assim como aconteceu nos outros países da América central e do sul,
como o México, a Argentina, o Uruguai, o Chile, etc. – sendo testemunho disso a acção
independentista do maçon Tiradentes, contra Portugal. Algumas notas têm de ser ditas,
mesmo no contexto rápido de uma introdução como esta. Assim referiremos que D.
Pedro foi iniciado no Grande Oriente do Brasil – potência maçónica regular desde 1823,
ano do seu reconhecimento pela Grande Loja Unida de Inglaterra - , no Palácio do
Lavradio, no Rio de Janeiro (num cadeirão onde os Irmãos brasileiros tiveram a simpatia
de me sentar quando fui, em 2003, na minha visita como Grão Mestre português). Para
além da obediência histórica que é o GOB, desde há cerca de 90 anos para cá que foram
constituídas Grandes Lojas Estaduais, reconhecidas pelos EUA e que uma boa parte
delas tem uma boa relação com o GOB. De notar ainda que a Maçonaria brasileira é
actualmente a terceira em efectivos, com mais de 300 mil membros, depois dos EUA
com cerca de 3 milhões de maçons, da Grã-Bretanha com cerca de meio milhão, tendo
ultrapassado a França que deve contar um total de 250 mil membros nas suas diversas
obediências. De referir ainda a importância política que a Maçonaria teve no Brasil com
quase 13 Presidentes da República e Primeiros ministro.

Para terminar esta breve ronda (necessariamente curta numa introdução),


referiremos em último lugar – “last but not least”! – os Estados Unidos da América,
nação que nasceu sob signo da Maçonaria, desde a Declaração de Independência à
Constituição, sem deixar de referir que o eu primeiro Presidente da República, George
Washington era maçon e lançou a primeira pedra do Capitólio, devidamente
paramentado tal como os seus Irmãos de Loja, que o acompanhavam – este facto está
documentado numa pintura da época. Além disso, é de referir também que cerca de 20
Presidentes da República norte-americanos foram maçons, de entre os quais citamos,
Thomas Jackson, Franklin Delano Roosevelt, Harry Truman – que foi eleito presidente
depois de ter sido Grão Mestre do Illinois, já que nos EUA não existe maçonaria federal,
mas sim maçonarias estaduais -, havendo indicações de que Bill Clinton e Barak Obama
terão sido iniciados e que Ronald Reagan e George Bush pai receberam o título
honorífico de 33º. Grau. Para além disso a influência da Maçonaria nos EUA é notável
sobr, quer a nível de nomes da sociedade civil, como Gillette, Astor, Cecil B. de Mille,
Ford, Chrysler, Louis Armstrong, Count Basie, etc., quer do universo militar como o
General MacArthur.

- Os ritos do século XIX

Os ritos “egípcios” de Misraim e de Menfis e o de Manfis Misraim

Decorrentes do rito “egípcio” de Cagliostro, o “grande copta”, estabeleceram-se no


começo do século XIX dois ritos, o Rito de Menfis e Misraim, m 88 graus e o Rito de
Menfis em 95 graus, ambos bastante esotéricos quer na sua dimensão hermetista, quer
na dimensão cabalista. No topo da estrutura existe uma classe secreta que só é
dispensada a alguns membros dos últimos graus “visíveis”, classe essa que contem os
Arcana Arcanorum, “segredo dos segredos” decorrentes de Cagliostro e de outras
tradições mediterrânicas” e que têm a ver com a teurgia – magia divina – e com as
“alquimias internas” - ver a este respeito o livro de Jean-Pierre Giudiccelli Cressac de
Bachelerie, “Pour la Rose-Rouge et la Croi d’Or” e os de …..

Não pode deixar de referis-se um rito português criado por Miguel António Dias,
o Rito Lusitano ou da Maçonaria Eclética, que celebrava ritualmente, nos seus mais altos
graus – Português e Perfeito Português –, o martírio de Gomes Freire.

- A Ordem do Templo de Fabré-Palaprat

Fundada no começo do século XIX por maçons do Grande Oriente de França esta Ordem
promoveu, logo no seu começo, cerimónias espectaculares em Igrejas em Paris, mas
para além destas características que a situam como uma “ordem de aparato” – que
permanece até hoje sob a denominação de OSMTJ, Ordem Soberana e Militar do
Templo de Jerusalém, ordem de grande dimensão internacional cujo Grão Mestre actual
é um português, D. Fernando Campelo de Sousa Fontes – estava associada a este
templarismo um joanismo, a Igreja Joanica dos Cristãos Primitivos, isto é uma Igreja
gnóstica que, cremos, terá desaparecido muito cedo, abandonando assim a Ordem de
Palaprat a sua dimensão esotérica.

Esoterismo ocultista
- Espelhos e bolas de cristal

Na primeira metade do século XIX, talvez por um complexo de inferioridade em relação


à ciência triunfante, o esoterismo – mais ocultismo do que esoterismo – precisa de
objectos materiais para exercer o contacto com espíritos e outras realidades

- O Espiritismo, das irmãs Fox a Alan Kardec

Decorrente desse complexo de inferioridade, o Espiritismo chama-se a si próprio, com


Alan Kardec, a Ciência do Espírito – título de um livro seu. Nascido em 1844 com as irmãs
Fox, em Hydesville (E.U.A.), o espiritismo moderno procurava nessa primeira fase o
contacto com os espíritos dos defuntos, mas com Kardec ele pretende atingir outros
espíritos e outros mundos mais elevados, adquirindo assim uma dimensão espiritual e
filosófica mais profunda. Interessante também a penetração do Espiritismo no
movimento operário e do socialismo utópico, devido à democratização das
reincarnações. França, Inglaterra, EUA e Brasil são países de grande penetração espírita.

- Os grandes esoteristas do século XIX

- Rosacruciano do século: Hardgrave Jennings

O Rosacrucianismo tem no século XIX um livro de grande projecção, o “The Rosicrucians,


their rites and mysteris”, de Hardgrave Jennings que curiosamente apresenta o
rosicruanismo como decorrente de cultos fálicos e de fecundidade, com clara natureza
sexual.

Algum preferem chamar de “ocultismo” a este esoterismo do século XIX. Mas nomes
como Fabe d«Olivet – “La langue hébraique restituée” – , Eliphas Lévi (“A Chave dos
grandes mistérios”, “A Hisória da magia”, etc. - Saint-Yves d’Alveydre – com “La
Synarchie”, “L’Archéometre”, “Mission des Indes”, “Mision des ouvriers”, etc. – Stanislas
de Guaita – com “A Serpente da Génese” e a sua “Ordem Kabalística da Rosa-Cruz”
sendo típicos de uma tentativa de visão global do esoterismo que é mais sincrética do
que sintética, não deixam de ter uma presença destacada na história do esoterismo. No
final do sélo XIX tremos de acrescentar Papus (Dr. Gérard d’Encausse) que animou o
Martinismo nessa mesma perspectiva, formando a Ordem Martinista.
- A Sociedade teosófica de Helena Petrovna Blavatsky

Em 1877, a russa Helena Petrovna Blavatksky fundou em Nova Iorque, com o seu
companheiro, o Coronel Olcott, a Sociedade Teosófica, com o objectivo de estabelecer
um núcleo comum de todas as religiões e de todas as raças, desenvolver as
potencialidades ocultas do homem e aproximar a Ciência da Religião.

Madame Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), russa de nascimento, foi uma

grande viajante (Europa, Egipto, Índia, Tibet e América do Norte) e uma incansável

estudiosa das Tradições espirituais da Humanidade. Em 1875 ela funda em Nova Iorque,

juntamente com H.S.Olcott e W.Q. Judge, a Sociedade Teosófica (S.T.) que, mais tarde,

mudará a sua sede para Adyar (Madras), na Índia, em 1883 e cujos objectivos (traçados

em 1886) são:

- formar o núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de

raça, credo, sexo ou cor;

- encorajar o estudo comparado das religiões, das filosofia e das ciências;

- estudar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes do Homem.

A doutrina de Blavatsky, após uma fase “hermetista”, ocidental, personificada

pela sua obra “Isis sem véu” (1877), vai dar origem a uma doutrina orientalizante,

fortemente influenciada pelo Hinduísmo (e depois pelo Budismo), sobretudo depois da

viagem à Índia de H.P.B. e Olcott, em 1878. Desta segunda e última fase da doutrina

blavatskiana, a obra em seis volumes “A Doutrina Secreta” (1888) é o seu expoente

máximo.

Poderemos salientar como aspectos importantes das ideias e da acção de Helena

Petrovna, desde logo, a chamada de atenção, a nível de um grande público, para as

espiritualidades orientais, num clima de grande tolerância e ecumenismo (por vezes


sincrético, é certo 1), valorizando (mesmo na Índia, face à cultura e religião ocidental) as

tradições do Hinduísmo e também, desenvolvendo uma luta política no campo anti-

colonial particularmente na Índia 2. No século XX, algumas correntes das novas

espiritualidades “new age” foram influenciadas pela Teosofia, mito em particular o tema

da “Grande Fraternidade Branca”, formada pelos Mestres ou Mahatmas que guiam e

instruem a Humanidade.

Aventureira física e espiritual, mulher de grande coragem e capacidade, HPB


percorreu meio mundo em demanda das tradições espirituais, ilosóficas e religiosas.
Depois de uma viagem ao Egipto escreve “Isis sem véu” que representa a primeira etapa
da teosofia de Blavatsky, ocidental e hermetista. Cedo começa a segunda etapa, oriental
– hinduísta e budista – de tal modo que a sede da S.T. se muda para a Índia, para Adyar
no Estado de Madras. Nesta perspectiva ela publicará um resumo da sua doutrina
teosofista – os puristas preferem esta denominação à de Teosofia, no ocidente mais
aplicável à teosofia cristã – na monumental obra “A Doutrina secreta” - em diversos
volumes, 4 ou 6, consoante a edição. Há uma obra – que Fernando Pessoa traduzirá –
“A Voz do Silêncio” que ela reclama ter recebido dos Mestres Morya e Kut- u-Mi e que
começa com a solene advertência da doutrina do hinduísmo e do budismo: “O mental é
o grande inimigo do discípulo. Que o discípulo mate o inimigo!”.

A teosofia teve, na Índia, um papel de estímulo e de encorajamento para que os indianos


privilegiassem as suas tradições culturais e religiosas e não se deixassem oprimir pelas
dos ingleses. Esta acção anti-colonialista, embora pacífica, exasperou os colonizadores
que através das acusações de fraude por parte de um casal, Coulomb de seu nome, que
frequentava na Índia as reuniões teosóficas, lançaram uma campanha destinada a
denegrir a imagem de H.P.B. e dos seus seguidores.

O caso Coulomb afectou Blavatsky pela injustiça e pelo vexame e teve nefastos ecos no
ocidente, de que salientaremos René Guénon, com o seu livro “La Théosophie, histoire

1
Sincretismo esse que iremos encontrar em correntes do “new age”, algumas fortemente influenciadas
pela teosofia de Blavatsky.
2
Não só Gandhi foi fortemente influenciado pela S.T., como a discípula e continuadora de Blavatsky,
Annie Besant, deu um importante contributo a esta luta, assim como à da emancipação da mulher.
d’une pseudo-religion” – preferido a denominação “teosofismo” à de Teposofia - e
Fernando Pessoa com textos do espólio – que se seguem ao seu grande fascínio inicial -
de reserva e de crítica face a Blavatksky, embora deixando escapar uma indisfarçável
admiração, como este: “Madame Blavatsky era um espírito fraldoso mas também é
verdade que recebera uma missão dos Suiperiores Incógnitos”.

A acção política e Anie Besant

O português Visconde de Figanière – autor de “Submundo, mundo e supramundo” – é,


segundo a própria Blavatsky, um percurtsos de alguns temas da sua Teosofia.

- A H.O.G.D. – Ordem Hermética da Aurora Dourada

Fundada em 1888, por esoteristas maçons britânicos – e nada tendo a ver com um actual
partido político grego neo-nazi com igual nome, “Aurora Dourada”- , esta Ordem
rosacruciana – pois pretende descender de documentos rosacruzes alemães de um
século antes – baseia-se na Cabala hebraica. De facto, esta rosacruciana e cabalística
Ordem Hermética da Aurora Dourada (“Golden Dawn”) foi criada por W.W. Wescott, W.
R. Woodman e S.L. Mc Gregor Mathers, tendo sido, mais tarde dirigida pelo célebre
escritor W. Yeats (1865-1939), mas veremos adiante quem foi A. Crowley (1875-1947)
que, neste domínio, mais influência terá tido em Pessoa - muio provavelmente, através
da sua organização a A.A..

Os seus Graus correspondem aos 10 sefirot da Árvore da Vida cabalística, um por cada
sefira, os 4 mundos

Exercícios de meditação e visualização – o “raio flamejante”, Lightening Flash e “o


caminho da serpente da sabedoria, The Way of the Serpent of Wisdom.:

- O Raio flamejante é um exercício em que se visualiza um raio de luz e energia que vem
rapidamente das regiões superiores, não manifestadas, da Árvore da Vida, o qual desce
por todos os Sefirot até chegar ao mais baixo, Malkuth. Assim as partículas de luz
espalham-se na matéria obscura, permitindo a sua reintegração – Tikkun – posterior.
- O Caminho da Serpente da Sabedoria é um caminho inverso e mais lento do que o
anterior que parte de Malkut e ascende por todos os Sefirot até Kether, passando além
dele – como escreveu Fernando Pessoa, que recebeu esta tradição via a A.A. de Crowley,
no seu texto “O Caminho da Serpente”, “ (ela) quando chega a Deus não para, vai além
Deus…”. Esclareça-se que Pessoa não assenta o seu caminho serpentino na Árvore da
Vida, como a Aurora Dourada, mas sim num losango, embora com uma função simbólica
equivalente.

Será interessante referir uma das várias guerras entre ocultistas, ocorrida na
circunstância entre o grande poeta e futuro Prémio Nobel irlandês Yeats, que encabeçou
a resistência dos membros da HOGD contra a tentativa de Crowley – que eles não
achavam digno de pertencer e muito menos dirigi-la, devido às suas posturas
provocatórias, com incursões pela magia sexual - para tomar de assalto a Ordem.
Crowley, vai formar outra Ordem, a AA – Astrum Argenteum ou Silver Star (SS), com
ensinamentos semelhantes, embora num espírito diferente, de que Pessoa receberá
pelo menos um exemplar das circulares que eram enviadas aos seus membros (vide o
interessantíssimo “Um Encontro Magick – Fernando Pessoa/Aleister Crowley”, de Luís
Roza, na verdade Luís Miguel Rosa Dias, sobrinho do poeta). Isto prova que Crowley
iniciou Pessoa na AA.

XIº. CAPÍTULO

ESOTERISMO NO SÉCULO XX

Ordens neo-rosacrucianas
Correspondendo àquilo que os especialistas de esoterismo denominam de “3ª.
Rosa-Cruz” – depois da “1ª.”, com os Manifestos do começo do século XVII e da “2ª”.
Com a Ordem Rosa-Cruz de Ouro de finais do século XVIII – o começo do século XX
apresenta uma bo presença deste tipo de Ordens.

Dentro dessas Ordens neo-rosacrucianas citaremos a Ordem da Rosa-Cruz do


Templo e do Graal de Sar Péladan, que surgiu como cisão da Ordem Kabalística da
Rosa-Cruz de Stanislas de Guaita, a que Péladan pertenceu e que co-dirigiu. Também
chamada de “Rosa-Cruz Católica”, ela organizou os célebres “Salões da Rosa-Cruz” onde
participaram Eric Satie e Gustav Moreaux, entre outros intelectuais e artistas. De
salientar que Sampaio Bruno dá nota, num dos capítulos do seu livro “Os Cavaleiros do
Amor ou a Religião da Razão”, da figura de Sar Péladan, que ele encontrava em Paris.

Aleister Crowley após ter falhado o seu plano de tomar de assalto a HOGD, com
a cumplicidade de McGregor Mathers, funda a A.A. – uma GD “thelemita”, já que a
Abadia de thelema de Rabelais era um dos seus modelos de comunidade livre – e
também uma ordem que se dizia neo-templária, a OTO – Ordo Templi Orientis que
conferia graus maçónicos de base, Aprendiz, Companheiro e Mestre e depois o de Arco
Real, Holy Royal Arch (o Sacro Real Arco de que fala Pessoa que o terá recebido de
Crowley), seguido de Rosa-Cruz e Templário. Este edifício iniciático – até aqui um
exemplo típico de uma “fringe freemasonry”, uma “maçonaria lateral”, como qualificam
os ingleses – era encimado por graus de magia sexual heterossexual, mas depois de
Crowley ter tomado conta da Ordem ele criou, segundo ele, um “nec plus ultra”
iniciático, um último grau de magia homossexual.

Papel de destaque para a A.M.O.R.C. – Antiga a Mística Ordem Rosa-Cruz, do


norte-americano Spencer Lewis (a que sucedeu o seu filho Ralph Lewis), que ele cria
após ter sido iniciado em França (Toulouse e Paris) num ramo da Maçonaria egípcia – a
expressão “saudações em todos os pontos do triângulo”, comum às duas ordens é prova
disso. Apresentando o Egipto como origem mítica da Ordem, a AMORC, com sede em S.
José da California, vai ter uma grande expansão internacional (América do Norte e do
Sul, Europa, África, etc.) chegando a contar com alguns milhões de membros e grande
influência política, sobretudo em África. Criou uma ordem neo-templária a O.S.T.I. –
Ordem Soberana do Templo Iniciático, animada pelo responsável da AMORC francesa,
Raymond Bernard (autor do livro “As Mansões secretas da Rosa-Cruz”, entre outros).

Jollivet Castelot, autor do livro “Comment on devient-on alchimiste” (“Como nos


tornamos alquimistas”), cria a Sociedade Alquímica de França e publica a revista “La
Rose-Croix”. O dramaturgo sueco Augusto Stringberg escreve na revista a dedica-se a
experiências alquímicas no seio da SAF. Jollivet-Castelot defende um “comunismo
espiritualista” num congresso do Partido Comunista Francês e é logo expulso do partido.

Rudolf Steiner afasta-se da Teosofia blavatskiana, pssa pela OTO de A. Crowley


e funda a Antroposofia, uma teosofia cristã. A sua sede na Alemanha é logo atacada e
incendiada pelos nazis, o que o obriga a fugir para a Suiça onde funda, em Dornach, o
Gottehanum que se dedica à educação pelas Arte. A sua pedagogia singular é posta em
prática pala Associação Waldorf, com delegações em vários países entre os quais
Portugal. Puseram em prática a agricultura biológica e no contexto do seu cristianismo
esotérico fazem uma interessante leitura das principais festas do ciclo anual.

A Rosicrucian Fellowship (“Fraternidade Rosa-Cruz”) de Max Heindel, com sede


em Oceanside, Ca., dedica-se à astrologia e à cura à distância através de orações e de
meditações. Em Portugal o seu responsável, Francisco Rodrigues publica e dirige a
revista “Rosa-Cruz” onde ele próprio púbica uma longa série de artigos sobre o
esoterismo dos Lusíadas. Um membro destacado desta Ordem é António de Macedo
cujo valor como autor de livros esotéricos transcende em muito a dimensão da Ordem.

A Rosa-Cruz de Ouro de Harlem (Holanda) é uma corrente rosacruciana que


associa a tradição dos Cátaros à da Rosa-cruz. Deodat Rocher, com o qual a Ordem
estabelece contacto nos anos 40, procede na Occitania à restauração da tradição dos
“puros”. Os seus membros são vegetarianos.

Ordens neo-templárias

Temos alguma dificuldade em classificar a Ordem dos Templários do Oriente –


O.T.O. como ordem neo-templária, uma vez que ela, apresenta desde o seu começo –
com Theodor Reuss e Carl Gelner – uma vertente clara mágico-sexual. A razão desta
característica radica no facto de no século XIX ter aparecido um livro de Pugstall – ver
Peter Partner, “The knghts templar and their myth” - que atribuía aos templários a posse
e a prática de segredos mágicos. Curiosamente aquilo que os amigos dos templários
sempre criticaram como uma acusação injusta e falsa – por exemplo Dante na Divina
Comédia - e que foi tema de acusação do Papa e do rei de frança contra eles, foi agora
afirmado como sendo verdadeiro, como aliás já Agrippa afirmara no seu livro “A filosofia
oculta”, “os templários esses magos…”.

- A Ordem do Tempo Renovada de René Guénon;

- A O.S.M.T.J. – Ordem Soberana e Militar do Templo de Jerusalem,


descendente da Ordem do Templo da Fabré-Palaprat, matem-se até hoje, sendo o seu
Grão Mestre internacional o Dr. Campelo de Sousa Fontes, embora tenham surgido
ultimamente algumas cisões, uma delas patrocinada por um português com colaboração
espanhola.

A “ressurgência de Arginy” verificada nos anos 50 em França que dá origem


directa ou indirecta a um conjunto de ordens neo-templárias:

- a Ordre Rénovée du Temple – que dará origem à funesta OTS – Ordem do


Templo Solar (de que falaremos adiante), a FJRT – Fraternité Joannite pour la
Résurgence Templière que deu origem à OCTCNT – Ordre des Chevaliers du Temple,
du Christ et de Notre Dame, ODVT – ordre des Veilleurs du Temple, etc., etc.

- Os três grandes intelectuais do esoterismo: René Guénon, Carl Gustav Jung e Julius
Evola.

GUÉNON

O francês René Guénon é um intelectual do Esoterismo que passou por várias


correntes iniciáticas. Publicou diversas obras tais como “A crise do mundo moderno”,
“O Reino da quantidade e o sinal dos tempos”, “O Rei do Mundo”, “O Esoterimo de
Dante”, etc. Depois de passar pelo neo-templarismo, maçonaria, etc. terminou os seus
dias no Cairo, convertido ao Islão e pertencendo a uma “tariqa” sufi (o esoterismo do
ialão).

JUNG

Carl-Gustav Jung, “o psicólogo de Zurich”, foi discípulo de Freud e depois


renegou o mestre seguindo o seu próprio caminho, não na dimensão positivista de Freud
mas sim numa abordagem psico-espiritual, onde a psicoterapia conduziria à
“individuação”. Grande especialista de gnosticismo e de alquimia, escreveu, entre
outros, os seguintes livros; “Aion” e “Os sete sermões aos mortos”, no domínio da Gnose
e “Psicologia e Alquimia” e “Mysterium conjunctionis” no que respeita à Alquimia.,.

EVOLA

O italiano Julius Evola é tão conhecido pela sua dimensão de grande especialista
de esoterismo, como de adepto militante da extrema-direita (fascismo e cripto-
nazismo). Tendo escrito obras notáveis como “A tradição hermética”, “O Mistério do
Graal e a tradição imperial gibelina”, “A Metafísica do sexo”, “O Yoga tântrico”, Evola
escreveu também “Revolta contra o mundo moderno” e “Um homem entre ruínas” que
dão conta da sua postura ao mesmo tempo militante e angustiada de homem de
extrema-direita que o levou a Berlim, por solidariedade com Hitler, numa altura onde
era iminente a queda do nazismo, tendo Evola sido atingido por um bombardeamento
aliado que lhe provocou uma paralisia de que nunca mais recuperou

NEW AGE E NOVAS ESPIRITUALIDADES

- Os percursores do New Age: Paul LeCour e Alice Bailey

Paul LeCour foi o fundador, nos anos 30, da revista francesa “Atlantis” – “revista
de arqueologia tradicional” – que dura até aos nossos dias. Escreveu um livro que um
estudioso como o padre Jean Vernette (in “New Age”, Ed. Eiropa América) considera
que é um livro percursor do New Age, ao considerar – e a provar - que estamos a entrar
na Era do Aquário – recordemos a música do musical Hair (do começo dos anos 70), this
is the dawning of the Age of Aquarius, “esta é a alvorada da era do Aquário”.

Alice Bailey é uma teósofa na linha de Blavatsky que pretende fazer a síntese do
hinduísmo e do cristianismo. Anuncia no seu livro “O retorno de Cristo” que está para
breve esse acontecimento, assim como o regresso do Buda Maitreya. Propôs ainda a
criação de Tríades de oração para que esses “avatares” possam vir até nós e
manifestarem-se. Criou ainda a “Boa Vontade Mundial” para o mesmo efeito.

NEW AGE

O New Age – que nasce da contra-cultura dos anos 60 com a recusa e a crítica da
sociedade capitalista vigente e as suas dimensões militaristas (a guerra do Vietnam),
“Make love nt war”, “Peace and Love” -. não é uma corrente mas sim um conjunto muito
diversificado de espiritualidades, religiões e filosofias. O começo do New Age deu-se em
dois locais diferentes: em Esalen na Califórnia Nova Ciência defendendo e promovendo
a síntese da Ciência e Religião, o estabelecimento de uma Nova Psicologia que
favorecesse a “expansão da consciência” e em Findhorn na Escócia. Com o tema, posto
em prática, do regresso à Natureza, uma ecologia sagrada que vai ter desenvolvimento
futuroa como a Hipótese Gaia.

Estes dois movimentos cedo entraram em contacto entre s, sendo uma das
características do New Age, a formação de pequenas comunidades e o trabalho em
redes, pelo que para além da dimensão de psicologia e de ciência alternativas, o retorno
à natureza marcou profundamente esta(s) nova(s) corrente(s).

O New Age, embora multifacetado, apresentou, no entanto algumas


características comuns, a saber:

- a rejeição dos dogmas e o primado da experiência pessoal;

- a síntese do Oriente e do Ocidente (que já Blavatsky havia proposto na sua


Teosofia)

- tudo é energia, afirmação que participa da equivalência entre matéria e energia


de Einstein, mas sobretudo da faceta “tântrica” do New Age
- a terra é um ser vivo, sagrado

- o desenvolvimento das potencialidades psico-espirituais do Homem

Juntamente com estas características podemos apontar outras que também


estão presentes naquilo que se denomina de Novas religiosidades e espiritualidades

- o “bricolage” e o “nomadismo” espirituais

- “Beleiving without belonging”

É importante referir neste contexto a denominaçõo audience cults¸ proposta (tal


como as outras categorias de client cults e movement cults) por Rodney Stark e William
S. Bainbridge, no seu livro The Future of Religion: Secularization, Revival and Cult
Formation, University of California Press, 1985, uma vez que muito do que se psssa nas
novas espiritualidades tem eco e é vivido por pessoas que não pertencem a organizações
– as pessoas que pertencem a organizações de novas espiritualidades são uma minoria -,
mas que são clientes de astrólogos, tarólogos (“cultos de clientes”), ou simplesmente
leitores Cds, filmes ou de livros de autores como Paulo Colho, Osho, Deepak Chopra,
etc. (“cultos de audiência”) – e estas duas categorias são largamente maioritárias no
New Age e nas Novas Espiritualidades.

- Novos Movimentos Religiosos, “seitas” e Espiritualidades Alternativas

A expressão Novos Movimentos Religiosos (N.M.R.) é preferida pelos


especialistas face à de “seita” por esta apresentar um carácter discriminador e
perjorativo. De qualquer modo há características “sectárias” em algumas destas
correntes, como por exemplo a oposição e por vezes tensão face à sociedade. Como
dizem os sociólogos das religiões, “nasce-se numa religião, mas opta-se por uma seita”.

A Expressão Espiritualidades Alternativas caracteriza muito do que o New Age


defende e inclui pois grande parte dessas correntes não são religiões mas sim
espiritualidades.

Poderemos enumerar algumas correntes do New Age:


- de inspiração oriental e médio-oriental: Hare Krishna, Meditação Transcendental,
Yogas diversos incluindo tântricos, Budismos tibetanos, Ananda Marga, espiritismo
“channeling”, baseado nos Oráculos Caldaicos

- de inspiração ocidental: ordens de tipo rosacruciano e templário, cristianismos


esotéricos de tipo gnóstico, neo-xamanismo, neo-paganismo de entre os quais avultam
as ordens druídicas e neo-célticas,, neo-bruxarias como a Wicca,

- de inspiração moderna, embora com elementos tradicionais: P.N.L. – Programação


Neuro-linguística, Cientologia/Dianética, cultos de ETs e de OVNIS

- Do New Age comunalista e milenarista ao Next Age individualista e desencantado


colectivamente.

Posteriormente à fase comunalista em rede e milenarista daquilo a que se


convencionou chamar de New Age e face à desilusão que constituiu a continuação da
mesma sociedade e da mesma espiritualidade, com características ainda mais negativas
do que as que informaram os anos 60 e 70, os “new agers” já não acreditam que esteja
para chegar, colectivamente, uma Nova Era pelo que assumem que o caminho a fazer é
sobretudo individual. Este “salve-se quem puder” espiritual começa em finais dos anos
80 e princípios dos anos 90 do século XX e tem nomes destacados como por exemplo
Paulo Coelho, Deepak Chopra.

(quadro)

Tipologias dos NMR

De todas as tipologias que pretendem fazer uma distinção mais fina no interior dos NMR,
i.e., entre as suas diversas manifestações, parece-nos que a apresentada na excelente obra
de Christopher Partridge, Encyclopedia of New Religions, – com prefácio de J. Gordon
Melton, da Universidade de Santa Barbara, EUA, que também esteve em 2000, em
Cascais, no Congresso sobre o esoterismo de Fernando Pessoa que eu organizei -, é a
mais adequada à descrição deste fenómeno complexo que são os NMR. Assim, nesta
tipologia proposta, teremos as seguintes divisões (seguida dos exemplos mais
significativos):
- NMR com raízes no Cristianismo: Mormonismo, Testemunhas de Jeová, Ciência
Cristã, Pentecostalismo da Unicidade, Igreja Universal de Deus, Igreja da
Unificação/”Moonies” (Coreia do Sul), Rastafarianismo, Igrejas Africanas Independentes
(África sub-sariana), Kimbanguismo (Congo ex-Zaire), Igreja do Senhor/Aladura
(Nigéria), Igreja Celestial de Cristo/Aladura (Benin), Igreja Cristã de Sião (África do Sul),
Templo do Povo do Ver. Jim Jones (EUA/Guiana), Ramo dos Davidianos (waco, Texas),
A Família/Meninos de Deus, Espiritualidade da Criação de Matthew Fox, Igrejas
Internacionais de Cristo/ICOC, Fraternidade de Jesus/Exército de Jesus, etc.
- NMR com raízes no Judaísmo: Movimento Lubavitch, Cabalismo (The Kabbalah
Learning Center, de Rav Berg, etc.), Aleph/Aliança para a Renovação do Judaísmo,
Judaísmo Reconstrucionista, Judaísmo Humanístico, Gush Emunim, Meshihistim, etc.
- NMR com raízes no Islão: Ordem Sufi Turca/ Odem dos Derviches Halveti-Jerrahi,
Ordem Sufi dos Naqshbandis Haqqani, Fé Baha’i, Movimento Internacional Sufi, A
Nação do Islão (de Louis Farrakhan, EUA), Subud, etc. 260
- NMR com raízes no Zoroastrismo: Mazdeísmo reformado, Filosofia Parsi, etc.
- NMR com raízes nas Religiões Indianas: Missão Ramakrishna, Brahma Kumaris,
Movimento Meher Baba, Sociedade Satya Sai Baba, Ananda Marga, MT/Meditação
Transcendental (de Maharishi Mahesh Yogi), ISKCON/Movimento Hare Krishna, Yogas
e Tantrismos diversos, Movimento Osho (ex-Rajneesh), Fundação Krishnamurti, Elan
Vital, do Guru Maharaji, NKT/Tradição do Kadampa, Shambala International, etc.
- NMR com raízes no Extremo Oriente: Tenrikyo (Japão), Soka Gakkai (Japão), Reiki
(Japão), Aum Shinrikyo (Japão), Taoismo moderno (Mantak Chia, etc.), Kyodan/Perfeita
Liberdade (Japão), Cao Daí (Vietnam), Falun Gong (China), Tai Chi (China), Artes
Marciais diversas, Meditação budista Chan/Zen, Feng Shui (China), etc.
- NMR com raízes nas Tradições indígenas e Pagãs: Cultos “cargo” (Melanesia,
Polinesia), Druidismo/Celtismo, Santeria/Regla de Ocha (Cuba), Umbanda (Brasil),
Candomblé (Brasil), Vudu (Haiti), Brujeria (México), Palo Maiombe (México), Igreja
dos Nativos Americanos (EUA), Xamanismos diversos (Castaneda, Michael Harner,
etc.), Wicca, Eco-paganismo, Heathenismo e Tradição Norse/ Paganismo germânico e
nórdico/Federação pagã, etc.
- NMR com raízes no Esoterismo Ocidental (EO) e nas Tradições “New Age”(NA):
a) EO: Teosofia cristã (Swedenborg, Jacob Boheme, etc.), Rosacricianismo (AMORC,
Rosicrucian Fellowship, Lectorium Rosacrucianum, etc.), Neo-templarismo (OSTS,
OTS, ORT, OCTCND, OVDT, OSMTJ, etc.), (Franco-) Maçonaria (Judaico-cristã,
Cristã, “egípcia”, etc., de Ofício, de Altos graus, Regular, liberal, etc.), Teosofismo
(Sociedade Teosófica de H.P. 261
Blavatksky, Antroposofia de Rudolf Steiner, Escola Arcana de Alice Bailey, etc.), outras
escolas: HOGD/Hermetic Order of the Golden Dawn, de W. Wynn Wescott, AA, de
Aleister Crowley, OTO/Ordo Templi Orientis, de Karl Kellner, Theodor Reuss e A
Crowley, Grupos Gurdjieff e Ouspensky, Igrejas Gnósticas, Satanismo (Igreja de Satã, de
LaVey, Templo de Set, de M. Aquino), Vampirismo (Templo do Vampiro), etc.
b) NA: Instituto Esalen (California), Fundação Findhorn (Escócia), Summit
Lighthouse/Igreja Universal e Triunfante, “O Curso de Milagres”, “A Profecia
Celestina”400, etc.
- NMR com raízes em Culturas Ocidentais Modernas: Espiritualidade centrada nas
Celebridades (Elvis Presley, Princesa Diana, etc.), Psicologias transpessoais (Stanislav
Grof, Pierre Weil, etc.), URANTIA, Ufologia (Raelianos, Heaven’s Gate, etc.), Controle
Mental de Silva, Igreja de Cientologia/Dianética de Ron Hubbard, Espiritualidades
Feministas, Movimento do Potencial Humano (Abraham Maslow), NLP/Programação
Neuro-linguística, Doofs e Raves, etc.

(fim do quadro)
Iiª. P A R T E

O ESOTERISMO EM PORTUGAL E EM FERNANDO PESSOA


NOTAS PARA A HISTÓRIA DO ESOTERISMO EM PORTUGAL

Preferimos a expressão Esoterismo em Portugal à de esoterismo português pois


no território que depois foi Portugal eclodiram formas de esoterismo e além disso há,
para além de algumas variações locais, uma clara característica internacional no
esoterismo ocidental.

Assim, temos de considerar como uma das primeiras manifestações esotéricas


no território que depois foi o norte de Portugal e nas suas mediações (futura Galiza e
futuro Léon), um nosso já conhecido, o gnóstico Prisciliano que chegou a ser Bispo de
Ávila – ver “Patrologia Lusitana” de Pinharanda Gomes. Iniciado no Gnosticismo cristão
por uma notável mulher peninsular, de seu nome Agapê – a qual teria recebido, por seu
turno, a iniciação de um gnóstico do Egipto, um tal Marcos de Menfis – Prisciliano junta
essa iniciação aos cultos estelares e da natureza, de origem celta, que existiam no
noroeste peninsular e leva-os para junto do catolicismo. Difícil – na época – sincretismo
que será causa da sua condenação e consequente morte decretados pelos outros bispos
num Concílio. Mas Prisciliano vai a Roma e convence o Papa a iliba-lo, voltando à
Península. Dizem que esse percurso pelo sul de França lançará a semente de futuras
heterodoxias, mesmo heresias (como a dos Cátaros). Muitos dos seus textos estão
publicados e traduzidos – em Portugal, pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda. No seu
livro “De Fide” – sobre a Fé - Prisciliano afirma que tão importante é a leitura dos
Evangelhos Gnósticos ou Apócrifos como a dos Canónicos. Multidões de homens e
mulheres – em que syas teriam um papel importante na comunidade - seguiam este
homem extraordinário pelos campos e pelas montanhas onde se reuniam amiúde. A
Comunhão era distribuída pelos fiéis que a podiam guardar e levar para casa para ser
consumida depois. A comunidade, mista, era ascética como o era o gnosticismo cristão
do Egipto. No entanto não se sabe tudo sobre o priscilianismo pois a tradição refere que
o lema da comunidade era “jura, jura e perjura, mas não digas a verdade”.

Ibn’ Cassi é o segundo grande nome da tradição esotérica no espaço que depois
foi Portugal. Nascido em Silves, descendente dos Cassius romanos peninsulares que,
sendo arianos, estavam em boas condições para aceitar a unicidade de Deus que a
conversão ao islão exigia. Convertido ao fatimismo ismaelita – não esqueçamos que o
Cairo foi sede do ilustrado Califado fatimida que se espalhou pelo Norte de África. Rei
do Sul do Alentejo e do Algarve de 1141 a 1151, Ibn’ Cassi foi também chefe de uma
confraria de monges-cavaleiros, os Muridines, os “discípulos” ou “adeptos” cuja sede
em Djilla, foi localizada recentemente em Arrifana, Aljezur, procedendo-se actualmente
a explorações arqueológicas pelo casal Varela Gomes.

O Mestre Ananias é referido por Pinharanda Gomes (Filosofia hebraico-


portuguesa) como estando à frente de uma escola de “Arte Magna” m Lisboa, no séc
XIV. Esta “Arte” é a denominação dada à doutrina do heterodoxo maiorquino Raymond
Lull (Raimundo Lúlio) e refere-se à sua técnica de argumentação lógica para converter
os muçulmanos –uma espécie de percursora da “inteligência artificial”.

No domínio da Alquimia, é de referir o alquimista padre António de Gouveia –


que chegou a sofrer pelo seu interesse pela Arte de Hermes e o extraordinário Tratado
de Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmão de Castelo Branco, o “Ennoea –
tratado de aplicação do entendimento sobre a Pedra Filosofal”, editado em Lisboa,
1733, com todas as licenças do Santo Ofício. Este facto singular - já que se tratava de um
livro de Alquimia – deve-se ao facto de haver na época um sacerdote entusiasta da Arte
de Hermes, o padre Rafael Bluteau, autor de um conhecido Dicionário, além de que o
autor do Tratado elogia o Conde da Ericeira, seu patrono, e também D. João V, segundo
ele “o Monarca do Quinto império Português”. Anselmo Caetano defende a equivalência
entre o Sebastianismo e a Alquimia: “assim como os filósofos de grande entendimento
são alquimistas assim todos os sebastianistas são crysopeios….”.

ENNOEA é um dos mais importantes tratados europeus de alquimia -


infelizmente pouco conhecido dos especialistas europeus, embora Paulo Pereira tenha
publicado na revista francesa de estudos alquímicos “La Tourbe des Philosophes” um
artigo sobre ele – que demonstra um profundo conhecimento da melhor tratadística,
Basílio Valentim, Filaleto, etc., quer no domínio da teoria, quer no domínio da prática
(materiais, regimes, etc.). Mantem a disciplina tradicional quanto ao segredo, utilizando
exemplarmente a simbólica alquímica. Darei dois exemplos apenas tirados do ENNOEA,
um em português e outro em castelhano:
Do casamento hermético do Leão e da Águia.
(...). Tomai a Virgem com asas, lavada, limpa e prenhada, da Seminal e espiritual matéria
do primeiro contacto masculino, ficando ilesa a glória da sua virgindade, com as faces tintas
de roxo; ajuntai-a com o segundo sujeito masculino, sem suspeita, nem perigo de adultério;
e por fim parirá um venerável fruto de ambos os sexos, do qual sairá uma imortal prosápia
de poderosíssimos Reis. (...) Ajuntai pois a Águia com o Leão, e escondei-os no seu claustro
diáfano, com a porta bem tapada, para que não saia por ela a sua respiração, ou lhe entre o
ar estranho. A Águia acometendo o Leão, o despedaçará de comerá. E logo adormecerá com
um profundo e dilatado sono, inchando-lhe tanto o estômago que feita hidrópica, se
converterá com admirável metamorfose em um Corvo muito negro, este perdendo
paulatinamente as penas, principiará a voar e com o seu voo remontará tanto que sacudirá
sobre si mesmo água das nuvens, até que, ficando molhada, dispa de boa vontade as asas e
descendo por falta delas, se convertam num branquíssimo cisne.

Si en Mercúrio no alterado,/ Dissuelves Oro nativo,


El Rebis has conseguido,/ Y el fermento deseado: Ponle en vaso sigilado,/En fogo lento a
coser, Advertiendo, que ha de ser/ Tan suave el movimiento, Que solo elentendimiento,/Pueda
llegarlo a entender. (…) En dos alas solamente,/ Consiste toda la Obra, Y lo de más todo
sobra,/ Porque és engaño patente: Toma un cuerpo permanente,/ Y aun te custe disuelo,
Abate el Águia al suelo,/ Y no la dexes bolar; Porque el intento es hallar,/ Modo de unir
Tierra y Cielo.

Manuel Rosales “Bocarro Francês”, alquimista e defensor de uma visão


esotérica o Quinto império. Autor do livro “Anacephaleosis da Monarquia Lusitana”.

A este propósito cite-se a acção dos monges de Alcobaça – Frei Bernardo de Brito
à cabeça - em torno de uma escola de (diremos hoje) propagando de muita qualidade,
em torno dos temas do Sebastianismo e do Quinto Império que deu à luz
sucessivamente ao longo de anos os volumes da “Monarquia Lusitana”..

D. Francisco Manuel de Melo, autor do “Tratado de Ciência Cabala”, também


editado em começos do século XVIII (como o ENNOEA)) também com as licenças do
Santo Ofício.

O Visconde de Figanière, natural do Porto, autor de “Submundo, mundo e


suprmundo”, foi considerado pela própria Blavatsky como sendo percursor de alguns
temas da sua teosofia.

(caixa)
A QUINTA DA REGALEIRA, OS MISTÉRIOS E AS INICIAÇÕES

A Quinta da Regaleira, com os seus jardins, poços, grutas e capela, sugere, através
da sua arquitectura nos jardins, fortemente, um percurso iniciático (simbólico ou real) que
une, de um modo coerente e evolutivo, os diversos locais simbólicos e míticos nela
presentes, na perspectiva da Iniciação aos Mistérios em geral e de diversas iniciações
esotéricas em particular: todas as que seguem esse «arquétipo», isto é, o de o caminho
que vai das Trevas à Luz.
Sendo a inspiração literária principal dos jardins a da Divina Comédia de Dante,
isto não exclui outras tradições religiosas, literárias e iniciáticas, também presentes - e de
que maneira! - na obra de Carvalho Monteiro e de Luigi Manini. A solução arquitectónica
dos jardins da Regaleira oferece uma estrutura universal onde assentam todas as outras
referências, como referi anteriormente no meu livro Os jardins iniciáticos da Quinta da
Regaleira (Ésquilo, 2ª. Ed. , 2006, cuja 3ª. Edição revista. sairá em breve), fazendo a
síntese do Cristianismo e do Paganismo e de diversas tradições esotéricas e inciáticas.
A Quinta da Regaleira em Sintra foi mandada construir na sua forma actual, de
1900 a 1910, por António Augusto Carvalho Monteiro (Rio de Janeiro, 1848 - Sintra,
1920) tendo tido como arquitecto o italiano Luigi Manini, natural de Cremona e cenógrafo
em S. Carlos, o Teatro lisboeta de ópera. Manini foi também o arquitecto do Palace Hotel
do Buçaco, mas se existe alguma semelhança entre o neo-manuelino de ambos os
Palácios, já nos jardins a diferença é notória quanto à dimensão simbólica e religiosa, a
saber, cristã-católica no Buçaco – com destaque para a sua interessantíssima Via Sacra,
infelizmente em muito mau estado - e ecuménica na Regaleira, onde o Cristianismo e o
Paganismo convivem harmoniosamente, de tal modo que os seus dois santuários, o pagão,
a Gruta de Leda e o cristão, a Capela “templária”, dizem por linguagens diferentes a
mesma verdade simbólica e mítica, isto é, que o Espírito divino fecunda a matéria e esta
vai gerar filhos: na Gruta de Leda, uma mulher, esta é fecundada por Zeus, disfarçado de
cisne - Zeus é o maior dos deuses do paganismo grego e é equivalente ao Júpiter romano
. e dará à luz os Gémeos, Castor e Pollux, De igual modo simbólico, o Espírito Santo – o
Espírito do Deus Pai – desce, sob a forma de pomba, sobre Maria, a Mater, a Matriz, a
Matéria que recebe o Espírito e dará à luz Jesus o Cristo, Filho de Deus. Uma diferença
é de assinalar entre ambas as tradições religiosas, pois enquanto que os deuses das
mitologias viviam na lenda e no mito, para o cristão Cristo encarnou e viveu entre nós
num história e numa geografia determinadas.
Ora, sendo o arquitecto dos Palácios do Buçaco e da Regaleira o mesmo e se no
primeiro caso há apenas revivalismo nacionalista e cristianismo católico, no segundo há
a registar elementos esotéricos e míticos quie passamos a enumerar:
- o hermético uroboros (serpente que morde a cauda) à entrada do Palácio da
Regaleira;
- um medalhão com o Pelicano alimentando os filhos, utilizado por fraternidades
iniciáticas cristãs, como os rosa-cruzes, também à entrada do Palácio;
- o gibelino e paraclético “515” de Dante, na sala da caça, encimando a figuração
do Milagre de Santo Huberto – e no centro do 515 , il messo di dio, está um monteiro
com uma arma e dois cães de caça, provavelmente dizendo que Carvalho Monteiro quis
deixar na Regaleira a sua mensagem, o seu testamento espiritual -, e nesta mesma sala a
Oriente está uma figura feminina, o Feminino iluminador, iniciador;
- as três Graças maçónicas, Força Sabedoria e Beleza no tecto do escritório do
proprietátrio no 2º. Andar;
- a referência simbólica ao culto popular do Espírito Santo numa varanda virada a
sul, no Palácio da Regaleira,
- a referência ao Encoberto que estava num grande cadeirão numa das salas do
rés-do-chão do Palácio e que o sebastianista Carvalho Monteiro reservava para o Rei que
há-de vir.
- o facto de na Sala dos Reis as efígies dos sobreranos portuguses terminarem em
D. João V, poderá significar que este seria o último a quem se poderia dizer que era o
Monarca do Quinto Império português – como aliás refere Anselmo Caetano Castelo
Branco no seu Tratado de Alquimia, ENNOEA.
- a presença de um forno no terraço do palácio que – omo asinali no meu primeiro
artigo sobre a Regaleira – poderia ser para secar as peças (conchas, borboletas, etc.) desse
grande coleccionador que foi Carvalho Monteiro, como para actividades espagíricas e
alquímicas.
A quinta da Regaleira tem pois duas componentes essenciais, o palácio neo-
manuelino – celebração da grande dimensão histórica e mítica de Portugal – e os jardins
– celebração das tradições religiosas, espirituais e iniciáticas que informaram, e informam
muito da cultura ocidental e que foram inspiradas por tradições anteriores vindas da
margem sul e oriental do Mediterrâneo, tradições essas que passamos a referir:
- Religiões de Mistérios, em que os deuses morriam e ressuscitavam: Osiris –
morto e cortado em 14 pedaços pelo seu irmão Seth -, Attis, Adonis, Dionísio – também
morto pelos Titans e dortado em 14 pedaços. De referir que o chamado Patamar dos
Deuses da Regaleira tem vários deuses da mitologia greco-romana: Mercúrio/Hermes,
Vulcano, Baco/Dionísio, etc. mas com referência também uma deusa Ceres/Deméter -
cuja filha foi arrastada pela os mundos inferiores pelo rei dessas regiões, Hadés, mas que
finalmente acabou por passar uma parte do ano debaixo de terra e a outra à superfície - e
um herói e semi-deus, Orfeu, que também desceu aos infernos em demanda da sua amada
Euridice.
- O próprio Cristianismo – a Quinta da Regaleira tem nos jardins uma Capela cristã
- em que Cristo, depois da Paixão – em 14 estações da Via Sacra -, “morreu, desceu aos
infernos, ressuscitou ascendeu aos céus onde está sentado à direita de Deus-Pai todo-
poderoso…”.
- Este arquétipo de descida e ascensão e de morte e ressurreição vai estar presente
na grande literatura de antanho, como as Metamorfoses de Ovídio, a Eneida de Virgílio e
a já referida Divina Comédia de Dante.
- Por fim, as sociedades iniciáticas – rosacrucianas, templárias, maçónicas, etc. -
criaram rituais de iniciação em que os neófitos viviam, simbolicamente, um processo de
morte e ressurreição. Dessas sociedades iniciáticas mencionaremos a presença
iconográfica, na Regaleira, de:
- Athanor (forno) alquímico nas traseiras da capela – uma torre com guela, “tour
de gueles”, torres rubra, torre ao rubro, sendo o Athanor o forno onde a matéria se
espiritualiza e o espírito se corporifica.
- Logo à entrada da Capela, por debaixo do coro, o Delta Radiante ou Triângulo
Luminoso maçónico, com a cruz templária (na versão da Ordem de Cristo), provável
referência a uma corrente maçónico-templária portuguesa. Em torno Delta encontramos
uma corda contornando o rectângulo, provável referência à corda que contorna o tecto
dos templos maçónicos e que simboliza a Cadeia de União universal, a fraternidade
universal.
- Cruzes templária, cruzes da Ordem de Cristo e pentagramas no chão da capela,
refeencia à tradição templária – note.se que a Igreja de Santa Maria do Olival em Tomar,
que foi panteão dos Mestres templários, tem um pentagrama à entrada e outro no interior
sob o altar. A cripta da Capela tem quadro janelas para a superfície com cruzes templárias
(na variante teutónica, referência à Estrita Observância Templária?) e o seu chão é o
ladrilhado branco o preto – o “xadrez do cjão ritual”, como escreve Pessoa num seu
poema -, o “ladrilhado maçónico” inspirado no estandarte templário, o Beaucéant.
- Para além do maior Poço iniciático ter nove níveis, simbolizando os nove círculos do
Inferno da Divina Comédia de Dante, não deixa de ser curiosa a coincidência de o grau maçónico
(13º. do REAA) de Cavaleiro do Arco Real de Enoch mencionar um conjunto de 9 câmaras
sucessivas, horizontais ou verticais (consoante os rituais), onde se desenrola a iniciação.

Para terminar esta breve incursão pelos mistérios simbólicos e míticos da Regaleira deve
referir-se que estas descobertas e indentificações que fiz nos primeiros trabalhoa partir de 1990
(inclusive) e que revelavam um enorme interesse por parte do proprietário e construtor (com
Manini) da Quinta, foram confirmadas quando me foi oferecido (por Paulo Pereira) o catálogo
da Biblioteca do Congresso, em Washington, sobre os manuscritos de Carvalho Monteiro, e onde
estão listados manuscritos sobre Alquimia, Sebastinismo, Quinto Império, Templários,
Maçonaris, etc.

Mas, não estaria completa uma referência à Quinta da Regaleira sem mencionarmos o
facto de nos poemas explicitamente esotéricos que Fernando Pessoa escreveu de 1930 até
1935, estarem referências, em nosso entender, explícitas à Regaleira - “Estalagem do
assombro”, “o muro da estrada”, “o xadrez do chão ritual” (a que asiste…) na cripta da capela,
o “atro poço”, os “degraus” do mesmo, etc. etc. E os poemas “Na Sombra do Monte Abiegno” e
“Do vale à montanha”, ambos de 1932 e o poema “O último sortilégio”, publicado na revista
coimbrã “Presença” nº. 29, de 1930, são em qualquer caso uma bela descrição da geografia e
da atmosfera simbólica e mítica da Regaleira, podendo ser também referências à sua dimensão
iniciática e mesmo ritualistica. Vejamos o poema “Eros e Psique” publicado na revista
“Presença”, n~.41/42 de Maio de 1934, em que o Poeta apresenta em exergue um trecho do
que ele nos diz ser o “Ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal”:

…E assim vedes, meu Irmão, que as verdades

Que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas

Que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são,

Ainda que opostas, a mesma verdade

“Conta a lenda que dormia/Uma Princesa encantada/

A quem só despertaria/Um Infante que viria/De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,/ Vencer o mal e o bem,/


Antes que, já libertado,/Deixasse o caminho errado/Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida, Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,/E orna-lhe a fonte esquecida,/Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,/Sem saber que intuito tem,/

Rompe o caminho fadado./Ele dela é ignorado./Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -/Ela dormindo encantada,/Ele buscando-a sem tino/

Pelo processo divino/Que faz existir a estrada.

E se bem que seja obscuro/Tudo pela estrada fora,/

E falso, ele vem seguro,/E, vencendo estrada e muro,/Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,/Á cabeça, em maresia,/Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era/A Princesa que dormia”

Vejamos ainda estes trechos:

“A Montanha por achar/Há-de ter, quando a encontrar,/

Um templo aberto na pedra/da encosta onde nada medra.

O santuário que tiver,/Quando o encontrar, há-de ser/

Na montanha procurada/E na gruta ali achada…

(poema de F.P. datado de 1934)

“…Ou em êxtase mágico perdida,/Ao luar, à boca da caverna funda.

…”E as longínquas deidades do atro poço,/

(trechos do poema “O Último Sortilégio”, publicado na revista “Presença” em Dezembro


de 1930)

…”Deixar atrás, descendo, passo a passo,/A escadaria cujos degraus são/

Sucessivos aumentos de negrume,/Até ao extremo solo e noite inteira”


(poema de F.P. datado de 1932)

E ainda o poema Iniciação:

“Não dormes entre os ciprestes,/ pois não há sono no mundo (…)

Mas na Estalagem do Assombro/Tiram-te os Anjos a capa:/

Segues sem capa no ombro,/Com o pouco que te tapa,

Então Arcanjos da Estrada/Despem-te e deixam-te nu.

Não tens vestes, não tens nada: tens só teu corpo que és tu,

Por fim na funda Caverna,/Os Deuses despem-te mais,

Teu corpo cessa, alma externa,/Mas vês que são teus iguais (…)

A sombra das tuas vestes/Ficou entre nós na Sorte.

Não ‘stás morto, ntre ciprestes. (…)

Neófito, não há morte.”

(poema sem data publicado na revista “Presença”, nº. 35, em Maio de 1935)

De referir ainda que os mundos subterrâneos da Regaleira poderiam estar presentes


simbolicamente e como inspiração no manuscrito esotérico e mítico de Pessoa ititulado o
“Subsolo”.

Salientemos que António Augusto Carvalho Monteiro morreu em 1920 e que em 1930
o seu filho Pedro já era proprietário da Quinta (embora com muitas dificuldades financeiras, de
tal modo que depois vende a Waldemar D’Orey) onde que provavelmente acolhia um pequeno
cenáculo iniciático, a “Ordem Templária de Portugal”, eventualmente maçónico-templária,
cenáculo que incluiria, além de Pedro Monteiro, Pessoa e o seu companheiro de andanças
esotéricas Augusto Ferreira Gomes (jornalista e autor do livro “Quinto Império” que o Poeta
prefaciou) e ainda Álvaro Ribeiro, nome importante da Filosofia portuguesa – que António
Telmo refere, em entrevista à revista “Ler”, aquele lhe ter dito que A. Ferreira Gomes era “o
companheiro de Pessoa da Loja do Arco Real”.
Mas, repito, a Quinta da Regaleira é fruto de dois espírito universais, o proprietário
Carvalho Monteiro e o arquitecto Luigi Manini, que souberam oferecer-no um verdadeiro
testamento filosófico, espiritual e iniciático, numa dimensão ecuménica onde convivem o
Paganismo e o Cristianismo e onde florescem diversas – não uma, mas várias - referências a
tradições literárias e iniciáticas.

(fim da caixa)

O esoterismo português no século XX destaca-se pela sua vertente literária e artística.


Desde logo pelo seu percursor, Sampaio Bruno –o portuense José Maria de Sampaio (Bruno) –
que no seu livro (póstumo, mas incluindo diversos artigos publicados em vida), “Os Cavaleiros
do Amor ou a Religião da Razão”, disserta sobre alguns dos temas que serão retomados por
outros autores da segunda metade do século XX (Lima de Freitas, António Telmo, Manuel J.
Gandra, etc.), numa dimensão mítica e esoterisante, a qual têm a ver com os Fiéis do Amor, os
Templários e as sobrevivências da Ordem de Cristo (“A Lusitania transformada” de Fernão
Álvares do Oriente); Bruno também refere o eu contacto com os esoteristas do Paris do começo
do século, particularmente o rosacruciano Sar Peladan.

Almada Negreiros é um neo-pitagórico que dá testemunho disso, desde logo no painel “O


Começar” que está no átrio da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, onde encontramos em posição
central, a Estrela pentagonal dos pitagóricos e ainda o traçado do Ponto da Bahute dos
construtores alemães – o ponto que está no centro do triângulo, do quadrado e do círculo (“se
encontrares esse ponto estarás salvo, se não o encontrares estás perdido”, cantavam eles) – e
também em vários artigos e entrevistas(uma dada a António Valdemar e publicada no Diário de
Notícias) que Lima de Freitas publicou e estudou nos livros “Almada e o Número” e “Ver” e
que têm a ver com os segredos da Geometria e da Aritmética sagradas, dando primazia à figura
e depois ao número – “Ao princípio Deus geometrizou, diziam os pitagóricos – dissertando sobre
o Número de Ouro, a Divina Proporção, a Relação 9/10, os Painéis de S. Vicente, etc.

FERNANDO PESSOA

Mas é em Fernando Pessoa que o esoterismo atinge uma grande dimensão espiritual e
filosófica não só em muitos dos seus poemas (exiplicitamente naqueles escritos de 30 a 35, mas
implicitamente em outros anteriores), como também em vários textos do espólio – publicados,
entre outros, por Ivette Centeno e António Quadros. Este último, ensaiou uma periodização da
sua obra ensaística m três “estádios”: após um estádio filosófico que durará, segundo este
estudioso, de 1905/6 a 1915/6, começa, para Pessoa um estádio neo-pagão que durará até
1920, findo a qual começará um estádio gnóstico que acompanhará o poeta até ao fim da sua
vida, em 1935. (cf. António Quadros, Obras de Fernando Pessoa). A dimensão esotérica do Poeta
da “Mensagem” é tão grande, variada e profunda que ele merece neste livro um capítulo inteiro
– como mereceu da minha parte um livro, “Fernando Pessoa e os Mundos esotéricos” (Ésquilo,
Lisboa, 3ª. Edição, 2006) que espero reeditar brevemente, numa edição revista e aumentada.

Outros nomes que já “da lei da morte se libertaram”

AGOSTINHO DA SILVA

Não sendo propriamente um esoterista stricto senso a sua actividade intelectual e


espiritual situa-se em zonas fonteiras onde o símbolo e o mito tocam o esoterismo e não apenas
o ocidental. Desde logo, as suas referências franciscanas e joaquimitas no que toca à Terceira
Idade e ao Quinto Império do Espírito Santo. A sua valorização do culto popular do Espírito
Santo, centra-se no simbolismo espiritual das suas três componentes rituais, começando logo
pela Coroação do Imperador do Espírito, um homem qualquer (tirado à sorte, pois o Espírito
Santo sopra onde bem quer) ou mais recentemente uma criança, simbolizando a coroação da
simplicidade de coração e de espírito – o espírito desce mais facilmente sobre os simples, os
parvulli, os que têm menos ideias feitas, menos pre-conceitos. Segue-se o Bodo do Espírito
Santo, onde pobres e ricos partilhavam uma refeição comum, símbolo da fraternidade entre os
homens; as festas do E.S. foram introduzidas ou valorizadas pela Raínha Isabel de Aragão, futura
Rainha Santa (que embora vindo de um universo heterodoxo, acaba comom Santa da ortodoxia
católica), começando por Alenquer e depois em Sintra, onde no Palácio Real existe uma capela
vermelha com as pombas brancas pintadas esvoaçando e diz a tradição que este notável casal
real, ela e D. Diniz seu esposo, serviam à mesa durante o Bodo do ES, em Sintra. A terceira
componente deste Culto Popular – que hoje só está presente no Continente, de quando em vez,
na Aldeia do Penedo, na Serra de Sintra e apenas com referências simbólicas na Festa dos
Tabuleuros em Tomar, mas que está presente nas Ilhas dos Açores e por onde os Açoreanos
chegaram, E.U.A. e Canadá - só existe no Brasil, concretamente em Paraty, cidade colonial do
Estado do Rio de Janeiro e consiste na Libertação dos presos, normalmente de um preso ou
presos em fim de pena, pós a coroação do Imperador e do Bodo. De onde provirá esta terceira
componente? A origem deste culto popular reside na teoria do Abade calabrês Joaquim de Fiore,
a doutrina das Três Idades, a qual consistia na seguinte sequência: 1) houve primeiro a Idade do
Pai, a idade da Justiça, a idade do Antigo Testamento; 2) depois chegou a Idade do Filho, a Idade
do Amor, a Idade do Novo Testamento, 3) mas estava a chegar a Idade do Espírito Santo, a idade
da Liberdade, a idade do Evangelho Eterno, que é o título de um livro de um discípulo do Abade
Joaquim, publicado no século XIV. A esta ideia aderiram os franciscanos mendicantes e os
espirituais, os fraticelli que erravam pelos campos e criticavam os dos conventos pelo seu
conforto (demasiado, segundo eles) e também uma parte da cristandade, entre a qual estava o
pai de Isabel de Aragão, correspondendo-se ela própria com os heterodoxos espanhóis das
catalães e das baleares, Arnaldo de Villanova e Raimund Lull, o que não deixa de ser
interessante, pois vinda da hetedoxia, ela acaba como santa da ortodoxia católica.

Também a ideia de Quinto Império cativou Agostinho da Silva que reviu e a desenvolveu
num plano espiritual, pois se para o Padre António Vieira - e também para o autor do Tratado
alquímico ENNOEA, Anselmo Caetano - esse Império era “imperial”, português e ctólico e não
poderia deixar de o ser na época, já para Fernando Pessoa o Quinto Império, uma vez perdido o
Brasil, era um império da Lingua portuguesa, “a nossa pátria é a língua portuguesa”. Ora
regressado do Brasil, para onde fora mandado por Salazar por motivos políticos – e onde foi
Professor universitário, ajudando a fundar universidades – depois da Revolução de 25 de Abril e
da Descolonização, o Quinto Império de Agostimnho da Silva é não imperialista, pois como ele
diz: “agora que já não temos Império material, podemos enfimconstruir o Quinto Império do
Espírito Santo”!

Não posso deixar de referir o que António Telmo refere em entrevista, relativamente à
ocupação do Mundo pelo Quinto Império português, projecto – financiado por um capitalista -
que levou alguns portugueses a Brasília para receberem a “ordem de marcha” dada pelo
Professor. Perante um mapa-mundi, Agostinho distribuiu as áreas geográficas a cada um, após
o que António Telmo (que iria segundo me lembro patra Granada) perguntou: “e o que teremos
de fazer?”. “Nada, absolutamente nada!” disse o “coordenador” do Quinto Império português.
“Basta estar nesses diversos pontos do globo e assim procederemos à ocupação quinto-imperial
do mundo”. Ora esta é outra clara referência ao esoterismo chinês, concretamente ao Taoismo,
pois a sua doutrina do Wu Wei, diz que “a mais eficaz das acções é a não-acção”. SE por um lado,
na Inglaterra de Cromwell os ultra-puritanos “Men of the Fifth Monarchy” andavam aos tiros,
mais tarde em Portugal planeava-se uma ocupação do mundo, pacífica, diremos mesmo,
poética…
Obras de Agostinho da Silva: “Um Fernando Pessoa”, “Sete cartas a uk jovem filósofo” e diversos
volumes de Ensaios.

NATÁLIA CORREIA

Poetisa, melhor, poeta, muito voltada para os temas simbólicos e míticos, numa
perspectiva heterodoxa, ela assume uma dimensão expressamente esotérica no seu magnífico
livro de poesia “Sonetos Românticos” e com as “Núpcias”, ambos claramente inspirados pela
alquimia.

LIMA DE FREITAS

Lima de Freitas – que é um grande ensaísta muito apreciado por especialistas

estrangeiros de nomeada, alguns deles universitários como Gilbert Durand – para além dos seus

quadros exemplares da uma visão estética simbólica e mítica, incluindo temas como “O 515”, o

Prestes João, O Encoberto, O Jardim das Hespérides, etc., fez o resumo dos temas míticos,

simbólicos e esotéricos que estão presentes na tradição portuguesa, nos seus painéís “da

Estação do Rossio” (13 dentro da estação e mais 1 no acesso ao Metro), cujo conjunto é visita

de estudo indispensável para os que se interessam por estas dimensões. De entre estes temas

destacamos os que tem a ver com o culto do Espírito Santo, o Quinto Império e o Sebastianismo

e dois painéis de grande valor eotérico, um sobre o neo-pitagorismo de Almada e outro sobre

“o Caminho da Serpente” de Fernando Pessoa.

Outras obras: “515, o lugar do espelho” (tradução da edição francesa “515, le lieu du

miroir”), “Ver”, “Almada e o número”, “Porto do Graal” e “50 anos de pintura”.

ANTÓNIO TELMO

António Telmo ganhou notoriedade, merecida, pelo seu trabalho pioneiro, logo
a seguir ao 25 de Abril, o seu livro “A História Secreta em Portugal” – reeditado como
título de “O Horóscopo de Portugal”. Mas outros livros se seguiram, de entre os quais
“O Desembarque dos maniqueus na ilha de Camões”, “O Bateleur”, “A gramática secreta
da língua portuguesa”, “Filosofia e Kabalah”, “O Mistério de Portugal na História e n’Os
Lusíadas”, “Congeminações de um neo-pitagórico”, “A Aventura maçónica”.

DALILA PREIRA DA COSTA

- Dalila Pereira da Costa, mística portuense, destacou-se com vários livros que
aliam o mito e o símbolo ao esoterismo, dos quais destaco, para além do já citado
“Introdução à Saudade” (com Pinharanda Gomes), “O Esoterismo de Fernando Pessoa”
– o primeiro livro sobre este tema publicado ainda antes do 25 de Abril -, “A Nau e o
Graal”, “Da Serpente à Imaculada”

Outros nomes dos ainda vivos

Referimos acima nomes daqueles que em Portugal deram um contributo no


domínio do esoterismo, quer através de estudos, quer através de textos esotéricos, mas
que somente os que “da lei da morte já se libertaram” – como vimos, no século XX,
Sampaio Bruno, Almada, Pessoa, António Quadros, Dalila Pereira da Costa, Lima de
Freitas, António Telmo, etc. –, mas é forçoso não nos restringirmos apenas a esses, pelo
que referiremos também nomes dos que ainda estão entre nós, seja de esoterólogos (os
que estudam o esoterismo) seja de esoteristas (os que também e sobretudo o praticam),
como:

- a Professora Yvette Centeno, desde logo com a sua Tese de Doutoramento


(anos 70, na FCSH/UNL) sobre A Alquimia e o Fausto de Goethe e outro estudo sobre a
simbólica do Conto da Serpente Verde, mas é a publicação de ensaios sobre o
esoterismo de Fernando Pessoa que atingem um público maior, interessado nestes
assuntos: “Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética”, “Fernando Pessoa, Amor, Morte,
Iniciação”, etc.

- o notável estudioso Pinharanda Gomes, com o livro “Introdução à saudade” –


com Dalila Pereira da Costa -, mas sobretudo com “Diccionário de Filosofia Portuguesa”
e a obra em três volumes “Patrologia lusitana”, Filosofia hebraico- portuguesa” e
“Filosofia arábigo-portuguesa”, refere nomes de grande importância no domínio do
esoterismo
- António de Macedo, arquitecto, cineasta, autor de livros de ficção científica,
tem escrito livros sobre esoterismo, de entre os quais “O Esoterismo da Bíblia” – Tese
de Doutoramento na FCSH/UNL, orientada pelo Prof. Moisés Espírito Santo e de que tive
a honra de ser co-arguente. Outros textos: “Instruções iniciáticas”, “Laboratório
mágico”, “O Neo-Profetismo e a Nova Gnose”, “Textos neo-gnósticos”, etc.

- Manuel J. Gandra que começou na Eubiose em Sintra, tendo-se radicado mais


tarde em Mafra, cujo Convento estudou sob o ponto de vista simbólico e mítico.
Publicou vários ensaios e livros sobretudo sobre o Sebastianismo e o Quinto Império e
em geral sobre a História Mítica de Portugal – “A face oculta do rosto da Europa”, “
Portugal sobrenatural”, “O projecto templário e o Evangelho português”, “ A Astrologia
em Portugal”, “Diccionário do milénio lusíada”, “Cadernos da Tradição”, etc. Foi o
organizador de uma exposição de material alquímico do grupo “Filiation Solazaref”, e de
uma conferência e performance musical de música gurdjeviana deste grupo, ambos em
Mafra

Adalberto Alves é um estudioso arabista que publicou vários livros sobre esta
tradição portuguesa, de entre os quais “O meu coração é árabe”, “Al-Mutamid: poeta
do destino”, “Portugal e o Islão iniciático”, etc. e o notável estudo sobre o sufi Ibn’Cassi
de Silves, com o título “As sandálias do Mestre”, publicado primeiro na Hugin e depois
na Ésquilo.

Paulo Pereira, Mestre em História de Arte, foi Vice-Presidente do IPPAR e tem


escrito muito sobre o simbolismo de monumentos e lugares sagrados de Portugal,
começando pela Simbolismo dos Jerónimos (com Ana Cristina Leite), passando pelo “A
Quinta da Regaleira, história, mito e símbolo”, com Denise Pereira da Silva e eu próprio
e terminando na monumental e utilíssima obra (em diversos volumes ou num só,
consoante a edição) “A História da Arte em Portugal”.

Paulo Cardoso, químico e astrólogo, estudou desde há muito os textos


astrológicos e horóscopos da “arca” de Fernando Pessoa, tendo publicado
recentemente um livro sobre o assunto, “Fernando Pessoa: cartas astrológicas”, mas
antes já havia publicado outro sobre o mesmo tema e simultaneamente outro sobre a
simbólica da Torre de Belém.
Carlos Calvet, arquitecto e pintor de nomeada, é também especialista da
geometria e da aritmética sagradas, tendo publicado vários artigo na revista de Arte da
Gulbenkian que depois reuniu em livro, “Mito-geometria de Portugal”, editado na
Hugin.

Pedro Teixeira da Mota, publicou vários livros com textos esotéricos de


Fernando Pessoa, por ele comentados, dos quais “Rosea Cruz”.

Vitor Adrião, tendo começado na Eubiose cedo formou a Comunidade Teúrgica


portuguesa, com ensinamentos semelhantes aos da Sociedade liderada muito tempo
por Olímpio Gonçalves. Publicou muitos e diversos livros sobre a história mítica de Sintra
e sua simbólica e sobre Portugal em geral. Interessante o seu precioso livrinho sobre os
lugares mágicos de Lisboa, “Lisboa insólita secreta”.

Paulo Loução, dirige a Editora Ésquilo, onde publiquei vários dos meus livros – e
é responsável também pela associação “Nova Acrópole”. Mais recentemente criou
ainda a Editorial Eranos. De entre a sua obra destacam-se livros sobre as raízes arcaicas
de Portugal e sobre os templários e os descobrimentos: “A Alma secreta de Portugal”,
“Os templários na formação de Portugal”, “Dos templários à Nova Demanda do Graal”,
“Portugal terra de mistérios”, etc.

Na linhagem dos ensinamentos da Nova Acrópole é de citar ainda José Carlos


Fernandez e ainda um dos seus antigos responsáveis portugueses, Eduardo Amarante
que tem publicado livros sobre as raízes arcaicas de Portugal e os descobrimentos.

Rainher Darnhart, alemão radicado em Portugal, tem na sua Quinta em Belas


um centro de animação da tradição celta em Portugal e sobre este tema publicou vários
livros. Ficou célebre uma entrevista que deu a Vitor Mendanha sobre a descoberta de
documentos coptas numa gruta da açoriana ilha do Pico

Jorge de Matos, começou também na sintrense Eubiose e é autor de vários


ensaios e do livro “O pensamento maçónico de Fernando Pessoa”, com prefácio meu.

Maria Flávia Monsaraz é a decanba dos estudos astrológicos em Portugal, uma


Astrologia principalmente de auto-conhecimento psicol-espiritual, baseada nos escritos
de ….. Publicou diversos livros entre os quais…Urano…, com prefácio meu
José Medeiros, ceramista de qualidade, é autor de livros sobre a interpretação
das mãos e sobre o Tarot. Foi mecenas de uma edição fac-similada, com prefácio de
Manuel Gandra, do tratado português de Alquimia de Anselmo Caetano Castelo Branco,
ENNOEA (1733). Depois de uma visita a Portugal da Associação alquímica “Les
Philosophes de la Nature”, de Jean Dubuis, José Medeiros dedicou-se à Espagíria,
seguindo os seus ensinamentos.

Vitor Mendanha celebrizou-se nestas áreas quando, enquanto jornalista do


Correio da Manhã publicou regularmente diversas entrevistas com personalidades
esotéricas ou que estudavam o esoterismo (entre as quais eu póprio) e ainda com
trabalhos sobre segredos e mistérios dos lugares sagrados de Portugal. Nesta sequência
publicou vários livros, -………, um dos quais é uma entrevista comigo sobre a quinta da
Regaleira, seguido de um ensaio meu sobre “A linguagem dos pássaros”.

Antónia de Sousa teve um papel equivalente nas páginas do Diário de Notícias


numa época e com um papel equivalentes à de Vitor Mendanha – anos 80 e 90.

Fiama Hasse Pais Brandão, destcada escritora e poetisa publicou nas páginas da
revista “História” alguns textos sobre história mítica portuguesa, dos quais destaco um
sobre a interpretação simbólica e esotérica das Capelas Imperfeitas da Batalha.

Paulo Borges, Professor universitário (FLL), é Presidente da União Budista e


anima o grupo de protecção dos amimais….. É autor de livros importantes sobre
Agostinho da Silva.

Luís Carlos Matos, co-fundador (com Jorge Matos) da revista Quinto Império é
autor de um livro sobre Maçonaria regular cristã.

Luís Resina, escreveu recentemente sobre a Astrologia de Fernando Pessoa e


tinha anteriormente publicado um livro sobre o Tarot, com prefácio meu.

Pedro Silva, etc.

Não podemos elencar aqui todas as sociedades e organizações iniciáticas e


esotéricas em Portugal, mas referindo-nos às principais teremos, para além da
Maçonaria nas suas diversas correntes, as mais antigas: a Sociedade Espírita que
sobreviveu à repressão que lhe moveu a Ditadura e a Sociedade Teosófica que perdura
até hoje e que tanto influenciou Fernando Pessoa; nela havia, segundo ele, um grupo
hermético – com uma Loja Martinista - dirigido pelo Dr. José Antunes que publicou um
livro A Filosofia hermética. De referir também no contexto teosófico, o Professor da FLL,
Délio Nobre Santos, que foi Bispo de Igreja Gnóstica. Também de destacar na Sintra dos
anos 50 a Ordem Esotérica e Iniciática, de Costa Cabral – cujo espólio foi oferecido à
Câmara de Sintra.

Já no último quartel do século XX é de referir a Sociedade Portuguesa de


Eubiose, decorrente dos ensinamentos teosóficos do brasileiro Henrique José de Sousa
e que foi dirigida durante muito tempo por Olímpio Gonçalves, um Licenciado em
Filosofia que se dedicou também à Alquimia. Publicava a revista “O Graal” com diversos
artigos esotéricos – por exemplo a simbólica do Terreiro do Paço e da Baixa Pombalina
- que fizeram escola entre os esoteristas portugueses mais jovens; lembremos que
passaram por ela, entre outros, Manuel J. Gandra, Vitor Adrião, Jorge Matos, Luís Carlos
Matos e ido para a Sociedade Brasileira de eubioso, Alberto Vieira da Silva.

Relevo também para a Antropososofia (de Rudolf Steiner) e a Associação


Waldorf – com a sua pedagogia singular - , a associação Quiron de Flávia Monsaraz que
tem tido um grande papel na divulgação e ensino da Astrologia, sendo bem secundada
pelas organizações de Paulo Cardoso e Luís Resina. Apareceu em começos dos anos 90
o Projecto Uno, animado pelo psicólogo Pedro Veiguinha que reuniu algumas
tendências esotéricas portuguesas (teosóficas, maçónicas, rosa-cruzes, etc.). O jornal
Biosofia do CLUC – Centro Lusitanmo para a Unificação Cultural, de tendência teosófica
mas com relevo para a vida espiritual de Portugal, tem tido uma publicação constante
ao longo de anos. Já em pleno século XX, a Casa do Fauno na Quinta dos Lobos, em
Sintra (perto da Regaleira), animada por Alexandre Gabriel, desenvolveu um conjunto
de actividades ligadas ao esoterismo, às novas espiritualidades, às terapias alternativas
(Conferências, workshops, estágios, etc.). Por seu turno o MIL – Movimento
Internacional Lusófono, dirigido por Renato Epifânio, com referência à figura de
Agostinho da Silva, tenta fazer a síntese entre o Político e o Mítico, com a revista “Nova
Águia”. Quanto a editoras, teremos a Ésquilo e a novel Eranos e a Zéfiro
Estas referências não são exaustivas, pois há um conjunto de pequenos grupos
das mais diversas tendências – Wicca, neo-pagãos, Reiki, regressão - que se situam em
torno as Novas Espiritualidades, do New Age e mesmo do Esoterismo Tradicional e que
seria difícil de enumerar, tal como é difícil enumerar um conjunto de personalidades que
fazem da Astrologia, do Tarot, das cartas, dos búzios, dos cristais, da bruxaria afro-
americana, do Umbanda e do Candomblé, etc. a sua actividade e modo de vida.

O “Fecho da Abóbada”:

O ESOTERISMO EM PERNANDO PESSOA

Como chamou a atenção Jorge de Sena (no “Diário de Notícias” de Março de 1957 e
depois no “Estado de S. Paulo” de Março de 1963 e no “Comércio do Porto” de Janeiro de 1964)
“O capítulo das relações e convicções esotéricas de Fernando Pessoa é, ainda hoje, com ser
fundamental, um dos menos compreendidos. Não é possível compreender-se aquilo que não se
toma a sério (…) É porém, indispensável tomarmos a sério, criticamente, aquilo que Pessoa
assim tomava. Porque grande equívoco é (…) não situar no seu contexto europeu um interesse
pelo Oculto que Pessoa partilhou com quase todos os grandes pares do post-simbolismo. Ele,
Yeats, George, Rilke, Milosz, e tantos outros, não podem ser compreendidos e valorizados, se
forem pudicamente amputados do que, com características várias, foi parte integrante das suas
visões do muindo” (citado por Vítor Belém in “O Mistério da Boca do Inferno”, p. 43). De facto,
é conhecido o interesse de vários escritores e artistas pelo esoterismo, Referiremos, de
passagem, Goethe, com o conto da “Serpente Verde” e o “Fausto”, Edward Bullwer-Lytton e os
seus livros “Zanoni” e a “Raça Futura, Yeats e a sua pertrença à H.O. Golden Dawn, os já
mencionados “ Salons de la Rose Croix” de Sâr Péladan com Èric Satie e Gustave Moreaux, a “Ars
Magna” de Oscar Milosz e ainda o interesse de nomes como Rimbaud, Baudelaire e Gérard de
Nerval (este com Voyage en Orient, Les initiés), os Surrealistas (Breton, Max Ernst. Kandinski,
etc.) e ainda obras como o “Golem” de Gustav Meyerink, “O Mago” de Sommerset Maugham,
“Aleph” de Jorge Luís Borges. etc., etc.

O próprio Poeta-esoterista dá conta, com entusiasmo, deste seu interesse – um


interesse e uma vivência sofridos -, no “Livro do Desassossego”: “Do estudo da metafísica, das
ciências, passei a ocupações do espírito mais violentas para o equilíbrio dos meus nervos. Gastei
apavoradas noites debruçado sobre volumes de místicos e de cabalistas que nunca tinha
paciência de ler de todo, de outra maneira que não intermitente trémulo (…). Os ritos e as razões
dos Rosa-Cruz, a simbólica (…) da Cabala e dos Templários (…) – sofri durante tempos a
aproximação de tudo isso. E encheram a febre dos meus dias especulações venenosas, da razão
demoníaca da metafísica – a magia, (…) a alquimia – extraindo um falso estímulo vital da
sensação dolorosa e presciente de estar como que sempre à beira de saber o (ou um) mistério
supremo (…)”

Esta importante faceta de Pessoa que dura quase a sua vida toda, de jovem adulto até
à sua morte, mereceu a atenção de livros de estudiosos como Dalila Pereira da Costa, António
Quadros e Yvette Centeno e de outros académicos como Teresa Rita Lopes, Robert Bréchon,
Manuela Parreira da Silva, Richard Zenith, Jeronimo Pizarro, Stephen Dix, etc. que publicaram e
estudaram os diversos temas que mereceram sucessivamente a atenção do Poeta: Espiritismo,
Astrologia, Teosofia, Gnosticismo, Hermetismo, Magia, Alquimia, Cabala, Rosacrucianismo,
Templarismo e Maçonaria, dando também atenção a mitos nacionais com ressonância esotérica
como o Sebastianismo e o Quinto Império. Para além dos poemas o Poeta escreveu trechos e
obras esotéricas, de grande interesse (mesmo que incompletas), como o “Ensaio sobre a
Iniciação”, “Átrio”, “Subsolo” e o notável “O Caminho da Serpente” – “o livro que não o é”… -
mas os poemas explicitamente esotéricos – onde a literatura se cruza com o esoterismo -
escritos entre 1930 (ano da visita do mago inglês Aleister Crowley a Lisboa, para o conhecer e
iniciar) e 1935 (ano da sua morte), como “O último sortilégio”, “Na sombra do Monte Abiegno”,
“Eros e psique” - -apresentanto em exergue um trecho do “ritual do grau de Mestre do Átrio na
Ordem Templária de Portugal” -, “No túmulo de Christian Rosencreutz”, “Iniciação” e “S. João”.

A TEOSOFIA EM PESSOA

Fernando Pessoa passa por várias correntes esotéricas, desde o Espiritismo e a


Astrologia – neste domínio particular, recomendamos desde logo os livros de Paulo
Cardoso e também de Luís Resina - mas a dimensão propriamente “esotérica” começa
com o seu interesse pelas doutrinas da russa Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891).
Pessoa teve contacto estreito com a teosofia – ou “teosofismo”, para não se confundir com a
teosofia cristã - de Blavastsky (que ele descobre em 1915, com 27 anos), tendo traduzido, para
português, nesse período, vários livros dessa corrente esotérica - segundo José Galvão (in Fontes
Impressas da Obra de Fernando Pessoa), os seguintes: o Compêndio de Teosofia, de C.W.
Leadbeater, os Auxiliares Invisíveis, A Clarividência e Os Ideais da Teosofia , estes de Annie
Besant, e a Luz sobre o Caminho, o Carma e A Voz do Silêncio de H.P. Blavatsky – editado mais
recentemente na Assírio e Alvim com prefácio meu - cf. Arnaldo Saraiva, Fernando Pessoa –
Poeta tradutor de poetas. Ssob o pseudónimo de Fernando Castro, traduziu O Mundo de
Amanhã, Conferências Teosóficas e Introdução ao Yoga, de Annie Besant, e Os Servidores da
Raça Humana, de C.W. Leadbeater. Todos estes livros foram editados na “Colecção Teosófica e
Esotérica da Livraria Clássica Editora, de Lisboa (cf. prefácio de Murilho Nunes de Azevedo à
edição brasileira de A Voz do Silêncio, editada por Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1969, p.
27-28)

A teosofia criada por HPB em 1875 (ver o nosso capítulo sobre o esoterismo no século
XIX) desempenha em Pessoa um papel de grande importância, pois é ela que - com a sua
concepção de um Tradição Primordial, núcleo comum a todas as tradições religiosas e iniciáticas
- vem sustentar, de algum modo, o neo-paganismo essencial de Pessoa, pois todos os deuses
são iguais quanto à sua dignidade espiritual, visto que têm um tronco comum. Por outro lado,
ao poder ser lida como um sistema ultra-cristão (como ele diz), é ela que curiosamente vai
permitir a Pessoa, a passagem do estádio neo-pagão para o estádio gnóstico, que começará em
1920 (utilizando as denominações de António Quadros - cf. Obra de Frnando Pessoa, Vol III).
Numa carta a Mário de Sá Carneiro, datada de 6 de Dezembro de 1915, escreve o Poeta,
em plena fase de fascínio pela doutrina blavatskiano: ”A (crise intelectual) que apareceu agora
deriva da circunstância de eu ter tomado conhecimento das doutrinas teosóficas (...) conheço a
essência desse sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível (...) O carácter
extremamente vasto desta religião-filosofia (...) perturbou-me muito (...)”. E depois de ter
confessado que “cousa idêntica” lhe acontecera “há muito tempo com a leitura de um livro
inglês sobre “Os Ritos e os Mistérios da Rosa-Cruz”, Pessoa afirma que está perturbado ou
mesmo assustado (“hanté”) pela “possibilidade de que ali, na Teosofia, esteja a verdade real”.
Nessa mesma carta, Pessoa explicita a razão da sua perturbação ou “crise”, pois ao considerar a
Teosofia como um “sistema ultracristão - no sentido de conter os princípios cristãos elevados a
um ponto onde se fundem não sei em que além-Deus”, ela estaria em contradição com o seu
“neo paganismo essencial”. Mas, por outro lado, ao admitir “todas as religiões”, a Teosofia teria
“um carácter inteiramente parecido com o do paganismo que admite no seu panteão todos os
deuses”, o que constituiria “o segundo elemento” da “grave crise de alma” de Pessoa (ibidem).

É sabido que Pessoa critica posteriormente a Teosofia, mas deixemos esse tema para os
interessados que poderão encontrar elementos no meu livro “Fernando Pessoa e os Mundos
Esotéricos” (3ª. Ed.) e no meu prefácio à “Voz do Silêncio” de Blavatsky, traduzido por Pessoa e
publicado em Portugal prla Assírio e Alvim. Após essa crítica da Teosofia – e também da
mediunidade e do Espiritismo, quer numa quer noutra, com argumentos semelhantes aos que
Guénon expressa nos seus livros – Pessoa entra em peno estádio gnóstico, claramente o mais
interessante e fecundo sob o ponto de vista esotérico, “empenhando-se”, como escreve A.
Quadros, “a fundo, no estudo das chamadas ciências ocultas ocidentais” (ibid.), ito é esotéricas,
chegando ao ponto de se afirmar como cristão gnóstico.
No entanto, e apesar das reservas formuladas pelo Poeta-esoterista, muito do
pensamento doutrinário de Blavatsky persistirá em Pessoa, aflorando aqui e além nas suas
reflexões esotéricas posteriores. Desde logo, nos poemas “O Guardador de Rebanhos” e mais
tarde, por exemplo, no seu Ensaio sobre a Iniciação, onde o Poeta escreve que «o significado
real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e um sombra, que esta
vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que
o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar – um dissipar gradual e parcial – desa ilusão
(in Y. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit, pp 60-61; o sublinhado é nosso).
Ora, esta doutrina do desvendar dos véus, que se encontra, é certo, no Ocidente, quer na Cabala,
quer na Gnose, em muito a ver, ate pelo modo como é exposta por Pessoa, com a afirmação do
Hinduísmo de que o mundo é maya (“ilusão”) – Hinduismo veiculado até ao Poeta pela teosofia
blavatskiana. Então poderemos dizer que, em Pessoa, apesar de Blavatsky, ainda Blavatsky, o
que se poderá aplicar também a muitos dos que, no campo do esoterismo, criticam e
distanciam-se desta mulher ímpar, não deixando, no entanto, de ser fortemente influenciados
por ela e pelas suas ideia, apesar de contraditória e polémica.

Decorrente desta postura orientalista – hinduísta e budista - que FP recebe de HPB e da


sua teosofia, é – em nosso entender o longo poema “O Guardador de Rebanhos” (escrito em
1915), atribuído por ele ao Mestre Caeiro.

Passagens do Guardador de Rebanhos com ressonâncias claramente hindo-budistas

“Não tenho ambições nem desejos,…” – o “desapego” hindo-budista, que não significa
indiferença, é um dever, uma via do discípulo, um método iniciático.

“Creio no mundo como num malmequer,/ porque o vejo. Mas não penso nele/ porque
pensar é não compreender…/ O Mundo não se fez para pensarmos nele (…)/Mas paranolharmos
para ele e estarmos de acordo… - pensar, conceptualizar as coisas é não as compreender, pois
só a percepção directa delas nos dá esse entendimento.

“Pensar em Deus é desobedecer a Deus,/Porque Deus quis que o não


conhecessemos,/Por isso se nos não mostrou…” – como escreve Pessoa por diversas vezes (por
exemplo nopoema Além Deus e no Caminho da Serpente) é preciso ir-se “além Deus”, isto é
irmos além das concepções que temos de Deus, que são limitadas, estando Deus muito mais do
que conceptualizamos.

GNOSTICIMO E HERMETISMO EM PESSOA

Gnose e gnosticismo
A Gnose é um movimento religioso e iniciático do começo da nossa era, que
preconiza a salvação pelo Conhecimento. Não se trata de um Conhecimento intelectual
ou especulativo, mas sim de um Conhecimento espiritual que libertará o Homem e o
conduzirá aos planos divinos. Por vezes, utiliza-se (indevidamente) o termo gnóstico
para qualificar toda a corrente esotérica ou oculta, mas na realidade não se pode aceitar
essa denominação para identificar uma corrente hermética ou alquímica - o Hermetismo
e a Gnose são duas correntes contemporâneas mas distintas, mantendo, no entanto
algumas características comuns, sendo a primeira mais optimista que a segunda já que
admite a salvação do mundo através da sua espiritualização enquanto que a Gnose é
pessimista em relação ao mundo, já que só admite a salvação fora dele.
Fernando Pessoa afirmou o postulado gnóstico da Queda do Homem - Ser
espiritual, caído na Matéria e, portanto, estando nesse estado, dividido, separado,
exilado, afastado da “casa do Pai”, do mundo celestial de onde proveio e no qual ele era
Inteiro, mas para onde deve regressar -, quer em textos, como por exemplo, «O homem
não estava destinado a ser o que é: foi pela Queda que se tornou tal.» (in Teresa Rita
Lopes, Pessoa por conhecer, II, op. cit., p. 97). Mas Pessoa abordou também a temática
gnóstica em poemas como No Túmulo de Christian Rosencreutz: «Quando, despertos
deste sono, a vida, / Soubermos o que somos, e o que foi/ essa queda até Corpo, essa
descida/ Até à Noite que nos a Alma obstrui.» (F. Pessoa, op. cit., Vol.I, p. 1131), mas
ainda do poema sem data “Iniciação” mas publicado na revista “Presença” nº. 35, em
Maio de 1935: “O corpo é a sombra das vestes/Que encobrem teu ser profundo”. Clara
referência ao tema gnóstico da interioridade divina do homem é ainda o poema de
Pessoa datado de 1932 em que ele refere esse “germe da divindade”: “A Presença Real
sob o disfarce da minha alma presente sem intento”, “presença que pode ser
descoberta e revelada com a “técnica dos intervalos” (divisão da consciência, por
exemplo, mas também técnicas de meditação), como diz o Poeta (poema também de
1932): “Sou entre mim e mim o intervalo…”.
Além disso, ele declarou, no final da sua vida, num texto em tom anti-clerical
muito típico da época, que era «Cristão gnóstico, e portanto oposto a todas as igrejas
organizadas e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão
implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a
Tradição Secreta em Israel (a Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria»
(in Quadros, op. cit. Vol. III, p. 461). Além disso, como refere Yvette Centeno, «Nos
documentos do espólio (ele) alude muitas vezes à via hermética que através da chamada
Igreja Gnóstica é transmitida aos Templários (Esp. 54-10). Esta é, para ele, a verdadeira
Igreja, e a via hermética, a verdadeira via». Mas esta estudiosa do esoterismo pessoano
acrescenta que «já na documentação publicada em Páginas Íntimas e de Auto-
Interpretação e Sobre Portugal, existem referências à Gnose e aos gnósticos» (Y.K.
Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, p.12), sendo um exemplo destes
textos, o seguinte: «Esta heresia não desapareceu nunca. Opressa, esmagada
exteriormente, essa seita de ocultistas tornou-se secreta, desapareceu da evidência
histórica, mas não da vida. Não é impossível encontrar, aqui e ali, evidência da sua
permanência secreta. E essa permanência oferece aspectos de conflito com o
cristianismo oficial e sobretudo com o católico. A par do cristianismo oficial, com os
seus vários misticismos e ascetismos e as suas magias várias, nós notamos,
episodicamente vindo à superfície, uma corrente que data sem dúvida da Gnose (isto
é da junção da Cabala judaica com o neoplatonismo) e que ora nos aparece com o
aspecto dos cavaleiros de Malta, ou dos Templários, ora, desaparecendo, nos torna a
surgir nos Rosa-Cruz, para, finalmente, surgir à plena superfície na Maçonaria (...)». -
aqui, Pessoa utiliza claramente a designação Gnose, quer para a Gnose antiga quer para
as suas manifestações tardias (gnosticismos diversos).

Alquimia e Hermetismo
A Alquimia é, como vimos, uma sabedoria tradicional (ciência ou arte sagrada) que
aspira à transmutação dos corpos por meio da sua espiritualização, com a concomitante
corporificação do espírito. Tem uma faceta laboratorial - a histórica - em que se pretende a
transmutação dos metais “imperfeitos” em ouro, por meio do pó transmutatório, e a elaboração
do Elixir da Longa Vida, ambos resultantes da Pedra Filosofal, a meta suprema da Obra
Alquímica. A Alquimia, mesmo na sua dimensão física, laboratorial, tem, pelas suas técnicas e
pelo seu simbolismo, uma dimensão sagrada, “espiritual”, que parece difícil separar da sua
dimensão “material”. O psicólogo Carl-Gustav Jung acentuou no entanto, na sua vasta obra, a
dimensão psíquica e espiritual da alquimia.
É muito rica a reflexão de Pessoa sobre a Alquimia (dada a conhecer em grande
parte por Yvette Centeno). A partir dos livros existentes na sua biblioteca, na sua maioria
de origem inglesa (Waite, Mathers) esperar-se-ia uma interpretação exclusivamente
“espiritual” ou “psíquica” da alquimia, aliás de acordo com as concepções da “Golden
Dawn” – e da sua equivalente Cowleiana A.A. criada por Crowley e mesmo da O.T.O.,
“Ordo Templi Orientis” que Crowley chefiou e transfomou e para a qual a alquimia seria
de cariz sexual.
De facto, esta interpretação da alquimia, claramente na perpectiva do
rosacrucianismo da Golden Dawn, existe em Pessoa. Por exemplo, ao referir os quatro
estados da Grande Obra alquímica - na qual, segundo ele, se verifica «a transmutação
do inferior no Superior, sem alteração...» (Esp.54-95), Pessoa refere que: «Os quatro
processos da Obra (são): 1) Putrefacção (...); 2) Branqueamento, a purificação do eu
inferior que se segue à putrefacção (...) branqueamento (que) significa a emergência do
eu superior e verdadeiro, depois de se ter afastado pela putrefacção o eu inferior e
falso; 3) gradação (...) conhecimento gradual do Eu superior. Esta é a verdadeira
iniciação, a obtenção gradual do conhecimento e da Conversação do Santo Anjo da
Guarda; 4) Rubificação, realização completa.» (Esp. 54A- 56). Reforçando esta
interpretação, ele refere noutro texto que na putrefacção, «o iniciado tem que morrer
para si mesmo, ou, antes, que morrer-se» (Esp. 53B-83). Então, para o Poeta, a alquimia
é, nesta perpectiva, «a transmutação do próprio homem», mas a essência e o segredo
desta operação realiza-se «por meio do contacto com os símbolos magicamente
carregados» (Esp. 53-13). E em consonância com isto – o “contacto” íntimo com os
símbolos e os mitos -, voltemos ao fragmento do espólio 53 A-25, onde escreve Pessoa:
«Um mito pode não ser verdade, mas ser verdadeiro (…) Nisto – em que um mito pode
ser Verdade – está uma das chaves da Alta M.(agia) A “alquimia” está nisto» (in P.
Teixeira da Mota, Rósea Cruz, op cit., p. 181).
Ora, este último parágrafo – que refere o “contacto com os símbolos
magicamente carregados” e, com os mitos, quer sejam verdadeiros, ou Verdade - vai
estabelecer a ponte para a interpretação, por parte de Pessoa, da alquimia laboratorial
- que ele conhecia, pelo menos, através do Tratado português do século XVIII, Ennoea,
ou a Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal, de Anselmo Caetano de Abreu
Munhoz e Castelo Branco, livro que pertencia à sua biblioteca. Yvette Centeno - que
patrocinou e apresentou a reedição do “Ennoea” na Gulbenkian, em 1987, ano em que
sai, em Mafra, uma outra reedição, com prefácio de Manuel Gandra - é responsável pela
publicação (entre muitas outras valiosas peças) de um interessantíssimo fragmento do
espólio pessoano, justificativo da alquimia laboratorial: «os elementos que compõem a
matéria têm um outro sentido; existem não só como matéria, mas também como
símbolo. Há, por exemplo um ferro-matéria; há porém, e ao mesmo tempo, e o mesmo
ferro, um ferro-símbolo. Cada elemento simboliza determinada linha de força super-
material e pode, portanto, ser realizada sobre ele uma operação ou acção, que o atinja
e o altere, não só no que elemento, mas também no que simbolo (...) assim o alchimico,
ao operar, materialmente quanto aos processos, mas transcendentemente quanto às
operações, sobre a matéria, visa transformar o que a matéria symboliza, e a dominar
o que a matéria symboliza para fins que não são materiais.» (Esp. 54-84). René Alleau,
no seu livro Aspects de l’Alchimie Traditionelle (1953), afirmará mais tarde - em notável
acordo com a tese pessoana - que a alquimia, ao constatar que tudo o que é observável
é simbólico, afirma que tudo o que é simbólico é observável.
Alguns textos de Pessoa, parecem estar de acordo com a afirmação dos
rosacrucianos de que a Alquimia espiritual e a alquimia material são respectivamente, o
Ergon e o Parergon. Por exemplo, aquele excerto que tem a ver com as proximidades
divina e satânica das duas alquimias:«a alquimia material é satânica, a espiritual é
divina». Neste contexto, cite-se Álvaro de Campos que , na Ode Marítima, irá evocar o
«Deus dum culto ao contrário, /Um Deus monstruoso e satânico, um Deus dum
panteísmo de sangue» (in Álvaro de Campos - Livro de versos, introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 116). Mas
ao mesmo tempo Pessoa escreve que «Tudo é um. O satânico é tamsómente a
materialização do divino» (Esp. 54B-19). Esta perspectica global e integradora dos
diversos planos da realidade - bem característica da alquimia - está bem clara no poema
que Dalila Pereira da Costa cita no seu livro pioneiro: «”Sursum Corda” Erguei as almas!
Toda a matéria é espírito,/ Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos/
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho/ E funde em Noite e Mistério
o Universo excessivo!», como o está no texto anteriormente citado e que atribui como
«verdadeira criação da Pedra Filosofal», o «fazer dentro de si mesmo a união os dois
princípios», o material e o espiritual, o masculino e o feminino, o racional e o emocional,
etc., etc.
Magia, Cabala e vias tântricas
São diversos os livros sobre estes assuntos, que Pessoa possuía na sua biblioteca
(para além dos de A. Crowley, como veremos adiante) dos quais citaremos, a título de
exemplo, os seguintes: (The) Kabbalah unveiled, de Knorr von Rosenroth, traduzido por
Mac Gregor Mathers (um dos cisionistas da “Golden Dawn”, contra o poeta e Prémio
Nobel, W.Yeats, tendo sido acompanhado na sua rebelião por A. Crowley), Magic white
and blak, de Franz Hartman (teósofo e rosacruciano alemão, fundador em 1888, da
“Rosa-Cruz Esotérica”) e Le Kama soutra, de Vatsyayana (o popular tratado de
divulgação de técnicas tântricas).
São de referir as reflexões pessoanas sobre a Magia – sobretudo através dos
textos publicados por Yvette Centeno (in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética), para
o “Ensaio sobre a iniciação”, dos quais destacámos o seguinte: O Misticismo busca
transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o intelecto pelo poder; a
Gnose a transcender o intelecto por um intelecto superior mas, continua Pessoa, para
transcender uma coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa coisa (Esp. 54A-
51). No mesmo “Essay on the Initiation”, podemos ler Há três tipos distintos de iniciação
– simbólica ou exterior, intelectual (exterior à interior) e vital (interior)….Nas iniciações
vitais, que reforçam a emoção e, portanto, conduzem à Alquimia como realização, o
candidato vive aquilo que sente e sabe (Esp. 54A – 52).
Temos aqui que Fernando Pessoa considera uma Magia “vital”, que passa pela
sensação, e além disso, reconhece que “para se transcender uma coisa devidamente, é
preciso primeiro passar por essa coisa” – estes são princípios básicos do Tantrismo
(oriental ou ocidental, gnóstico ou hermético). No entanto, no mesmo Ensaio, mas
noutro fragmento, o Poeta escreve: A primeira tentação a ser vencida, para que sejam
evitados os Erros do Caminho, é o Mundo. A segunda tentação a ser vencida, para que
sejam evitados os Erros da Pousada é a Carne. A terceira tentação a ser vencida, para
que sejam evitados os Erros da Cripta, é o Diabo. As tentações são comuns a todos os
caminhos, mas o místico está mais sujeito à tentação do Mundo, o mágico à tentação
da Carne, o gnóstico à tentação do Diabo. (Esp. 54A – 62) – o dizer-se que o mágico está
mais sujeito à tentação da carne, implica seguramente que ele utilize pelo menos um
tantrismo da mão direita. E, no mesmo fragmento – revelando um bom conhecimento
da história de uma das personalidades fundadoras da “Golden Dawn” – refere Pessoa:
Dificilmente haverá um mágico que não sucumba a coisas que revelam a fraqueza da
vontade. O fim terrível de MacGregor Mathers embrutecido pelo álcool é um caso
pungente. Ele poderia talvez controlar os diabos de Abremalin; não foi capaz de controlar
os seus (- fossem eles a luxúria, a bebida ou a desonestidade).
Portanto, Fernando Pessoa reconhece a Carne como uma “tentação” a ser
“vencida” pelo Mago (a “carne” está perto do mago…), mas – segundo ele próprio afirma
no mesmo Essay - não a evitando, no entanto, mas “passando por ela”, “vencendo-a”,
de modo a transcendê-la, pois, como ele diz, «quem sabe, por exemplo, o significado
místico e transcendente da cópula?(…) isto é mais sério que quanto de sério ´há na
vida aparente» (Hermetic Philosopher – Esp. 27 19 M3 (dt), in P. Teixeira da Mora, op.
cit., p. 30). Ao mesmo tempo reflecte criticamente (e quem sabe com que dor) sobre o
caminho de Mathers que não conseguiu “controlar os seus demónios … a luxúria, a
bebida…”.
No entanto, numa “página solta, sem data”, citada por António Quadros (“A
procura da verdade oculta”), revela uma reflexão complementar – um esclarecimento a
posteriore ou a priori, não sabemos - a esta compreensão de uma Magia integradora do
plano material: Tudo é um. O satânico é tão-somente a materialização do divino. A
magia é uma só; a magia negra não é mais que a magia branca feita materialmente. (O
culto fálico, quando entendido como símbolo, é divino; quando tomado literalmente é
orgíaco, e portanto satânico.) Se conhecermos os processos da magia negra e os
interpretarmos como símbolo, chegaremos ao conhecimento dos processos da magia
branca.
Deus é um espírito, diz a Bíblia: e o divino é (em relação a este mundo) espiritual.
O Diabo é a matéria (corpo) e a Trindade Satânica: o Mundo, a Carne e o Diabo. O Diabo
(Saturno) é a Limitação. . (Note-se que na biblioteca de Pessoa existia um livro de Franz
Hartman, intutilado Magic, white and black). Então, para Pessoa, a Magia “material”,
satânica, é apenas a materialização da Magia divina. Ela é “satânica”, apenas porque
material.
Escreveu Pessoa, num dos fragmentos para o Ensaio sobre a Iniciação, que «O
Misticismo busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o
intelecto pelo poder; a Gnose, a transcender o intelecto por um intelecto superior.» (in
Y.K.Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit., p.59). Quem se
distinguiu, na época de Pessoa, pelo poder mágico que possuía e desenvolvia, foi
Aleister Crowley - o Mago Therion, a “Besta 666”, como se denominava a si próprio -
que, vindo da “Golden Dawn” (para onde entrou em 1898), fundou a “Astrum
Argentum” (ou “Stella Matutina”) em 1903 e foi o máximo responsável pela “O.T.O. -
Ordo Templi Orientis”, organização pseudo-templária (criada por Carl Kellner em 1901)
que, na realidade praticava uma magia sexual (particularmente desenvolvida por
Theodor Reuss e depois por A. Crowley).

FERNANDO PESSOA E ALEISTER CROWLEY

Pessoa conheceu Crowley, através da sua obra, tendo traduzido o seu poema O
Hino a Pan e citado várias vezes o lema crowleyiano «Faz o que quizeres, é a única Lei»
(Esp. 54 A -38) - o que o levou a dissertar, a propósito e com maior profundidade do que
o Mago: «Descobre aquilo que és; descobre o que aquilo que és deseja; faz o que
desejas enquanto aquilo que és» (ibidem, publicado por Y.K. Centeno). Além disso,
Crowley decidiu vir a Lisboa conhecê-lo pessoalmente, em 1930, acompanhado de (uma
das suas várias) Mulher Escarlate, a sua parceira tântrica, na época, Hanni Jaegger.
Quem descreve todo este enredo à volta da visita do Mago a Lisboa, é Vitor Belém na
sua obra O Mistério da Boca do Inferno - o encontro entre o poeta Fernando Pessoa e o
Mago Aleister Crowley (publicada pela Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, em 1995) onde
faz uma síntese das informações disponíveis até ao momento.
De facto, terá sido uma correcção do horóscopo de Crowley, feita por Pessoa e a
ele comunicada por carta, que parece ter motivado a curiosidade do Mago de conhecer
o poeta-astrólogo (talvez também, uma “mensagem” - a Mensagem ?- que Crowley
refere numa das suas cartas a Pessoa- in Vitor Belem, op. cit., p.19). Crowley esteve em
Lisboa, presumívelmente 23 dias - de 2 a 25 de Setembro de 1930 - durante os quais se
encontra com Pessoa, eventualmente também com o poeta Raul Leal, talvez também
com Augusto Ferreira Gomes, jornalista, amigo e companheiro do poeta no mundo do
ocultismo, e com um “amigo” que Crowley (ou Pessoa) tinha em Sintra. Qual será a
identidade dessa “amigo” que ele parece ter ido visitar várias vezes a Sintra (cf. A.
Quadros, Obra de Fernando Pessoa, Vol. II, p. 1294 e Vitor Belém, O Mistério da Boca do
Inferno, op. cit., pp. 21, 26 e 48)? Terá ele a ver com a Quinta da Regaleira e com o seu
proprietário (de 1920 a 1945), Pedro Carvalho Monteiro, filho de António Augusto
Carvalho Monteiro? E quando é dito que Crowley foi a Sintra “jogar xadrez” isso não terá
a ver com alguma cerimónia realizada no “xadrez do chão ritual” da cripta da Capela
(templária) da Regaleira, denominação que Pessoa usa num seu poema posterior a 30 e
referente a uma cerimónia rtitual?
“Oscila o incensório antigo/Em fendas e ouro ornamental.
Sem atenção, absorto sigo/Os passos lentos do ritual.
Mas são os braços invisíveis/E são os cantos que não são/
E os incensórios de outros níveis/Que vê e ouve o coração.
Ah, sempre que o ritual acerta/Seus passos e seus ritmos bem,
O ritual que não há desperta E a alma é o que é, não o que tem.
Oscila o incensório visto,/Ouvidos cantos stão no ar,/
Mas o ritual a que eu assisto/É um ritual de relembrar.
No grande Templo antenatal,/ Antes da vida e alma e Deus…
E o xadrez do chão ritual/É o que é hoje a terra e os céus…
(poema de F.P. datado de 1932)
De qualquer forma, o acontecimento mais mediatizado (em Portugal, em
Inglaterra e em França) dessa visita, foi o desaparecimento do Mago, ocorrido
simultaneamente com uma simulação do suicídio de Crowley na Boca do Inferno, em
Cascais e no qual parecem ter desempenhado um papel de alguma cumplicidade,
Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes - o qual, “por acaso”, encontra um bilhete
de Crowley dirigido à mulher escarlate, no local do suposto suicídio: «Não posso viver
sem ti. A outra “Boca do Inferno” apanhar-me-à - não será tão quente como a tua» (in
Vitor Belem, O Mistério da Boca do Inferno, op. cit., p. 26) e que, também parece ter
“preparado” a notícia sobre este caso, no Notícias Ilustrado, de 5 de Outubro de 1930.
Penso, de facto, que a dimensão mágica em Pessoa assenta, mais
estruturadamente, em reflexões baseadas no esquema iniciático da “Golden Dawn”, e
também, em nossa opinião, na versão “crowleyana” do “A. A. - Argenteum Astrum”,
atingindo a sua máxima dimensão nesse «Livro que não o é», «O Caminho da S.
(Serpente)» (in Yvette Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, op. cit, p. 27),
que estudaremos adiante.
Durante a sua vinda a Portugal, em Setembro de 1930 (Crowley e a sua
companheira chegaram a Portugal a 2 desse mês), para além de dois almoços a 7 e a 8,
com a Besta 666 e a sua Mulher Escarlate, e da muito provável iniciação a 9 – com Raul
Leal - Pessoa teria tido, segundo as suas declarações à Polícia, encontros mais
frequentes com Crowley, a partir de 17 de Setembro, data em que Hanni Jaeger terá
fugido para a Alemanha. Sobretudo, participou – juntamente com o seu companheiro
iniciático Ferreira Gomes, que aliás tem palavras muito elogiosas para Crowley na notícia
do “Notícias Ilustrado” que sai em 5 de Outubro do mesmo ano - na simulação do
suicídio de Crowley em relação ao qual é interessante referir, para além dos detalhes da
história já bem conhecida, o que Crowley escreveu no seu diário: Sept 21. I decide to do
a suicide stunt to annoy Hanni. Arrange details with Pessoa (21 de Setembro. Decidi
fazer um suicídio acrobático para aborrecer a Hanni. Arranjar detalhes com Pessoa). E
o seu biógrafo John Symonds comenta, a propósito: Fernando Pessoa did his part of the
job well (Fernando Pessoa fez bem a sua parte do tabalho). Tratou-se, na verdade de
uma cumplicidade solidária que se expressa no triângulo Crowley-Pessoa-Gomes.
É importante referir que Pessoa, tinha na sua Biblioteca três livros de Crowley,
não só o The Confessions of Aleister Crowley (As Confissões de Aleister Crowley) – como
quase todos os pessoanos indicam e que já, por si só revelaria um interesse pela vida e
pela obra do Mago Crowley – mas também outros dois – que ninguém pôs em evidência,
até hoje - que vêm, no entanto, mencionados na mesma lista de livros pertencentes à
Biblioteca pessoal de Fernando Pessoa e que são:
- Magick in theory and practice, being part III of Book 4 (Magia em Teoria e em
Prática, sendo a prte III do Livro 4), de Master Therion, um pseudónimo iniciático
de A. Crowley, numa edição de Paris (Lecram) que só pode ter sido ou a de 1929
ou a de 1930 – referido com a cota 1-151 e incluido na rubrica “Filosofia”;
- 777: Vel Prolegomena symbolica ad systemam sceptico-mysticae viae
explicandae, fundamentum hieroglyphicum sanctissimorum scientiae summae,
London: The Walter Scott Publishing Co., 1910 – referido com a cota 2-1 e
incluido na rubrica “Religião, Teologia”.
Tratam-se de dois livros importantes da doutrina e da prática “telemita” –
denominação que Crowley vai buscar à liberal Abadia de Thelema do Gargantua e
Pantagruel de Rabelais -– revelando um interesse ainda mais profundo, da parte de
Pessoa, quanto mais não fosse para se informar mais detalhadamente sobre o tema em
questão - pois o primeiro aborda os aspectos práticos da Magia do “novo aeon” –
incluindo a sexual, “vermelha”, no seu capítulo XX, On the Eucharist, on the Art of
Alchemy (Sobre a Eucaristia, sobre a Arte da Alquimia) -, e o segundo é uma exposição
da doutrina cabalística de Crowley, adaptada a partir da que ele aprendeu na Golden
Dawn - e onde estão referidas, sob a forma de um “diccionário mágico e filosófico” as
diversas correspondências simbólicas (entre as quais as sefiróticas) e iniciáticas dos
graus desta organização rosacruciana, que Crowley transpôs para a sua Ordem, criada
em 1907, a A:.A:. (Argenteum Astrum, Estrela de Prata, em inglês, Silver Star, S.S.).

E pois inquestionável o interesse de Pessoa por Crowley, primeiro porque


adquiriu três livros de Crowley (um dos quais, pelo menos, antes de o conhecer, o
Confessions), em segundo lugar porque resolveu corigir o seu horóscopo dando-lhe
conta do facto (através da Mandrake Press, editora de Confessions) e depois porque
começou a corresponder-se com ele – they had been corresponding for a year (eles
correponderam-se durante um ano, escreve J. Symonds) -, a partir do momento em que
Crowley lhe respondeu a agradecer-lhe. Além disso para além da posterior (em 1931)
tradução e publicação na revista Presença, do poema crowleiano Hyno a Pan, há outra
anotação no Diário de Crowley, referente a Pessoa – trazida a público por Marco Pasi e
que Vitor Belém cita no seu livro – a qual nos deixa uma pista séria quanto à verdadeira
natureza da viagem do Mestre Therion a Portugal: … I was obliged to leave immediately
for Lisboa in order to establish there a headquarter for the Order under Don Fernando
Pessoa. (Eu fui obrigado a partir imediatamente para Lisboa a fim de estabelecer uma
delegação da Ordem sob a responsabilidade de Dom Fernando Pessoa). Esta Ordem
seroa, segundo Marco Pasi seria a Ordo Templi Orientis - com o que concordo, face às
últimas descobertas dos pessoanos que estudam a “arca de Pessoa”, como adiante
veremos, a “Ordem dos Templários Orientais” de que Crowley foi o responsável da
secção inglesa, a Mystica Maxima Mysteria, tendo sido o dirigente máximo da O.T.O., a
seguir à morte do fundador Theodor Reuss, em 1923.
Deste projecto de Crowley referente a Pessoa decorrerá a designação com que
aquele o distingue, isto é, de “Caro Frater” – e a que corresponde com “Caro Frater” e
mesmo “Carissimo Frater” – acompanhada da máxima “telemita”, Do what thou wilt
shall be the whole of the Law (Faz o que queres, será toda a Lei) e Love is the Law, Love
under the Will (O Amor é a Lei, Amor sob a Vontade)?. Veremos que essa fraternidade
que entre ambos cedo se estabeleceu, vai assumir mais tarde, uma dimensão iniciática
formal quando, tudo o indica, Pessoa aceita ser membro da A.: A.: (vde circular aos
membros, na posse do Poeta) e mesmo muito provavelmente aceita ser iniciado na OTO
por Crowley para cumprir o projecto confessado por este – mas, mesmo após uma
eventual iniciação, parece não ter tido grande realização posterior.
A A:.A:. foi fundada em 1907 por Crowley e George Cecil Jones. Baseada no
clássico sistema de graus rosacruciano da Golden Dawn, a A:.A:. requere que o Mágico
atinja realmente o stados de consciência e poderes contidos em cada um dos dez
Sefirots, i.e. o Mágico só é um Adeptus Minor quando alcançou realmente o
Conhecimento e a Conversação com o Santo Anjo da Guarda – expressão de que fala
Pessoa várias vezes nos seus textos do espólio. Note-se que a A:.A:.não é um sistema
em Loja, sendo inteiramene discreta. É uma ordem de teste, não um ordem de ensino.
O Aspirante só conhece oficialmente uma pessoa na Ordem, a que lhe é sua superior.
Cada Mágico é,durante a maior parte o tempo, deixado sózinho como o seu trabalho.
Esta hipótese A:.A:., permitiria o conhecimento (também bebido no 777, p.e.)
que Pessoa tinha da estrutura iniciática da Golden Dawn - e sobre a qual reflete em
muitos dos seus textos – que a Ordem de Crowley retoma apenas com o acrescento do
grau de “Probacionista” 0º = 0º - e do seu profundo simbolismo iniciático e mágico
relacionado com cada um dos Sefiroth da Árvore da Vida Cabalística (a partir de baixo e
ascendendo):
1ª. Ordem, exterior, da Golden Dawn (que nela era denominada Stella Matutina):
1º = 10º Neophyte; 2º = 9º Zelator; 3º = 8º Practicus; 4º = 7º Philosophus
2ª. Ordem, interior, denominada Rosae Rubeae et Aureae Crucis (na G.D.):
5º = 6º Adeptus Minor; 6º = 5º Adeptus Major ; 7º = 4º Adeptus Exemptus
3ª. Ordem, suprema (denominada de Aurora Aurea, na G.D. e Argenteum Astrum (Silver
Star, na A:.A:.):
8º = 3º Magister Templi; 9º = 2º Magus; 10º = 1º Ipsissimus.
Note-se, como exemplo desta exigência de interiorização, ou vivência prática, na
A:.A:., que o grau de Neófito exigia a “aquisição do perfeito controle do plano astral”,
o de Zelator, o “estudo da fórmula da Rosa-Cruz”, o de Prático, o estudo da Cabala,
para além do já citado exemplo do Adepto Menor, com o “Conhecimento e Conversação
com o Santo Anjo da Guarda” – temas, repito, sobre os quais Fernando Pessoa reflectiu
e dissertou nos seus textos -, e que as vias especificamente sexuais da “versão Crowley”
só começavam no grau de Adepto Exempto, em que se poderia tornar num “Irmão no
Caminho da Mão Esquerda”.
E temos de concordar com Marco Pasi, pois presentemente - face às descobertas
mais recentes dos estudiosos da “arca de Pessoa” - parece cada vez mais possível que
tivesse sido realizada a intenção de Crowley, isto é, para além da iniciação na AA, a
transmissão a Pessoa de alguns rituais e respectivos graus da O.T.O. – também
governada por Crowley -, de uma maneira eventualmente simplificada, mas que tudo
indica terá tido tido lugar, ritualmente, em 9 de Setembro na casa de Raul Leal - segundo
afirma Stephen Dix no capítulo que escreve para a obra “Pessoa Guardador de papéis”,
cooordenada pelo seu colega Jeronimo Pizarro. Recordemos que esta Ordem é
constituida por um sistema de graus maçónicos (sobretudo do Rito Escoçês Antigo e
Aceite) encimados por graus de magia sexual (tanto nos rituais de Reuss como nos de
Crowley, embora o primeiro não tenha utilizado a homosexualidade, contrariamente a
Crowley). Eis a estrutura dos graus da OTO:

0º Minerval; Iº Man; IIº Magician; IIIº Perfect Magician; IVº Holy Royal Arch
(correspondendo os graus 1, 2, 3 e 4, aos três primeiros graus da Maçonaria azul,
acrescidos do grau de Maçon do Royal Arch – que Pessoa denominava de Sacro Real
Arco – correspondendo também à Loja de Perfeição – 4º - 14º - do R.E.A.A.)
Vº Soberano Príncipe Rosa-Cruz (18º); VIº Cavaleiro Kadosh (Templário) 30º;
VIIº Soberano Grande Inspector Geral (33º); VIIIº Perfeito Pontífice dos
Illuminati;
IXº Iniciado no Santuário da Gnose; Xº Rex Summus Sanctissimos.
É de notar, em primeiro lugar, que Pessoa, num dos seus textos sobre a iniciação
maçónica e a progressão através dos seus altos graus, refere uma parte importante
desta estrutura da O.T.O. quando diz: «A FM tem essencialmente, ou 3 pontos, ou 5
pontos – 3 se considerarmos os 3 tempos essenciais (Mestre, Real Arco, e Rosa Cruz)
– 5 se incluirmos os dois primeiros graus que são necessários mas só preparatórios»,
ficando aqui de fora (no que diz respeito à componente maçónica) o grau de Cavaleiro
Templário (6º. Na OTO, 3º., no REAA). É de referir que a magia sexual da O.T.O. (presente
a partir do IXº grau) - incluia um tipo de espermofagia, particularmente na “Santa Missa
Gnóstica” – eles próprios se denominavam de “espermo-gnósticos”, admitindo como o
faziam alguns dos gnósticos antigos, que o esperma era o veículo do Logos (cf. o Logos
spermatikos) - e que Crowley introduziu um grau XIº “em vários sistemas da O.T.O”, do
qual existe uma versão “lunar” (usando sangue menstrual) e outra “mercurial”
(homosexual). Já no que diz respeito à sexualidade mágica proposta e realizada por
Crowley é de salientar que ela incluía, para além de práticas homoeróticas, práticas
auto-eróticas e que o onanismo, esse sim (tal como a homossexualidade, pelo menos
em potência e pacialmente), poderia esta em sintonia com o mundo sexual do Poeta -
«és um homem que se masturba e que sonha com as mulheres à maneira dos
masturbadores», Fernando Pessoa, Escritos autobiográficos, automáticos e de reflexão
pessoal, editados por Richard Zenith, p. 227.
Portanto, sendo possível ter havido uma transmissão de Mestre (Crowley) a
Discípulo (Pessoa) pelo menos dos graus maçónicos da O.T.O., incluindo o de Arco Real,
de rosa-Cruz e de Cavaleiro Templário, ou Cavaleiro Kadosh, sem excluir uma eventual
transmissão de magia sexual, que era apenas dispensada aos titulares dos VIIº, IXº e Xº
graus da O.T.O. (e ao grau 7º= 4º da A:.A:., como vimos).
Vamos agora observar o que passou do lado de Pessoa, a fim de descortinarmos
alguma zona comum entre ambos. Quanto a saber se a doutrina “telemita” terá
eventualmente influenciado Pessoa, é importante estudar os textos esotéricos de
Pessoa, tentando encontrar neles reflexos das teorias e práticas de Crowley – apesar de
muitos deles não se encontrarem datados, o que por vezes dificulta a elaboração de
uma sequência evolutiva no seu pensamento. Yvette Centeno escreveu: Na biblioteca
de Fernando Pessoa, encontram-se As Confissões do mago inglês Aleister Crowley, por
quem o poeta se interessou ao ponto de trocar correspondência com ele, lhe traduzir um
longo poema mágico, o Hino a Pã, de escrever outros, como o ùltimo Sortilégio, de nítida
marca ritual e sob sua influência, tudo isto culmina no encontro lisboeta e na farsa do
desaparecimento do mago na Boca do Inferno, a que o nosso poeta deu também
cobertura. Por intermédio de Crowley e da Ordem rosicrucista da Golden Dawn, a que
este pertenceu, juntamente com S.L. MacGregor Mathers (a tradução da Kaballa de
Knorr von Rosenroth encontra-se na biblioteca de Pessoa), se abre a porta da alta magia
para Pessoa. (para nós, a Golden Dawn a que Y. Centeno alude é a A:.A:., como já
referimos).
Para sistematizarmos (embora de um modo não exaustivo) possíveis influências
de Crowley sobre os textos ensaísticos de Pessoa, iremos agrupá-los em três classes:
a) - textos influenciados pela estrutura em graus e pelo conteudo iniciático,
cabalístico a mágico, da Golden Dawn (provavelmente veiculados por
Crowley, via A:.A:.) –são vários e referem à exaustão o gaus da G.D./A.A.:
Adeptus Major, Adeptus Exemptus, Philosophus, etc., etc. ;
b) – textos que revelam a influência do lema “telemita”, “Faz o que queres essa
é a única Lei”, “O Amor é a Lei, o Amor sob a Vontade”; refira-se, desde já que
Vitor Belém foi o primeiro a identificar o lema do Livro da Lei, num texto
pessoano: A principal regra da Ordem Astrum Argentinum era “Do what thou wilt
shall be the whole of the Law”, máxima que está na origem de uma das
considerações esotéricas de Fernando Pessoa;

b) – textos que denotem algum tipo de tantrismo (em Pessoa, mais da “mão
direita”, do que da “mão esquerda”), particularmente os que se intitulam “O
Caminho da Serpente” (que referiremos em detalhe no capítulo final sobre a
Iniciação em Pesoa), introduzido por Yvette Centeno, tendo Lima de Freitas
chamado a atenção para a analogia com a serpente Kundalini do Yoga
tântrico hindu.
Na página 390 do livro de Miguel Roza (Luis Miguel Rosa Dias, sobrinho do
Poeta), initulado Encontro Magick (Hugin, 2001), pode ver-se uma circular dessa mesma
organização, a A.A. (ostentando o carimbo da organização), dirigida aos seus membros
– com a palavra de passe e os exercícios – e que Fernando Pessoa terá recebido
(naturalmente como membro, pois estas instruções confidenciais são restritas aos
membros). Então o Poeta não só estava muito interessado nas doutrinas “telemitas” de
Crowley, como pertenceu (não sabemos durante quanto tempo) »as suas organizações
iniciáticas.

O Caminho da Serpente, ensaio maior do esoterismo pessoano

De todos os textos de Pessoa sobre as vias esotéricas que estudou, sentiu, ou


viveu, pelo menos interiormente, o conjunto intitulado O Caminho da Serpente– o Livro
que o não é - é aquele onde o Poeta se eleva a uma altura espiritual ímpar, filosófica e
inciática, conduzindo, segundo ele próprio à Alta Magia, à Alta Alquimia e à Identidade
suprema, e que faz adivinhar não ter sido apenas fruto de uma reflexão intelectual
distanciada, mas antes constituírem testemunhos de etapas vividas interiormente , onde
o Poeta/Serpente deixou a “pele”, sentida e intensamente. Claramente influenciado por
Crowley, mas transcendendo este, esta via é ultrapassada em Pessoa nos últimos anos da
sua vida por uma perspectiva cristã gnóstica.
Para compreendermos correctamente este percurso serpentino é importante
vermos o esboço que dele traçou Fernando Pessoa, num documento do espólio, 54 A – 4,
que Lima de Freitas divulgou pela primeira vez, incluindo-o no seu importante trabalho
Fernando Pessoa e o paradigma hermético, publicado em 1991 na obra colectiva
Fernando Pessoa e a Europa do século XX e qual mostramos nesta edição (juntamente
com outro diagrama, com o qual eu pretendo explicitar o de Pessoa). O diagrama contem
como estrutura principal um losango, tendo inscritas três segmentos de recta horizontais
que o seccionam em três partes – dando quatro níveis de leitura o literal, o alegórico (e
ritual), o mágico (‘) e o anagógico -, as quais juntamente com o segmento de recta vertical
que une os dois vértices, superior e inferior, determinam segundo Pessoa, os seguintes 11
pontos que a Serpente irá percorrer, a saber (ver documento do espólio):
1 – Instinto; 2 – Desejo (Ânsia); 3 – Inteligência; 4 – Arte (… Ciência);
5 – Magia; 6 – Imaginação; 7 – Alquimia; 8 – Magna Magia;
9 – Intuição; 10 – Alta Alquimia; 11 – Identidade (1+1, 10+1).
Escutemos Pessoa – seguindo o texto estabelecido e organizado por Ivette
Centeno (in Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, pp. 27-35) - na descrição desse
percurso fantástico que tudo atravessa e engloba e que convoca, provocando («É preciso,
quando se é Serpente, passar em Satan, para chegar a Deus»- Esp. 54 A - 1), os que
não receiam, quer os abismos, quer, muito menos, as alturas, pois «A Serpente, retida
pela Vesica…No vértice nada a retem…» (ibid.). - Dizia Lima de Freitas que o
conhecimento da Vesica Piscis era determinante para o conhecimento do segredo da construção
sagrada; essa geometria sagrada tem a ver também com o conhecimento das “alquimias
internas”, Arcano Arcanorum da Iniciação – ver as obras do Mestre (este artigo sobre O Caminho
da Serpente, os livros 515-o lugar do espelho , Hugin, Almada e o Número, Soctip, etc.e o painel
de azulejos da gare do Rossio, onde está representado Pessoa e o Caminho da
Serpente…).Olhemos, pois, o diagrama de Pessoa – em alguns aspectos mais eloquente
que seus textos correspondentes - , para melhor nos orientarmos nesse “caminho que não
é nenhum”: «A Serpente coleante (…) liga os contrários verdadeiros (…) ela segue
um caminho que passa por todos e não é nenhum. Ela parte, como o caminho direito
e o esquerdo, do Instinto para Deus, mas não sofre a quebra onde os triângulos se
unem (…). Nem ascende sem quebra, como o caminho médio, do Instinto a Deus.
Conhecendo que há outros caminhos, que não o médio, ela reconhece-os, pois se
desvia do médio, e repudia-os, pois não segue nenhum deles. Ao sair do vértice
instintivo, ao sair para o vértice divino, ela roça a curva produzida da vesica
envolvente, e assim mostra que sabe dela; mas roça-a e passa-a, e não segue a sua
curva (…). Ela não conhece os mistérios mas os envolve, desvia-se dos caminhos e ds
iniciações; deixa a ciência por onde passa; nega a magia que atravessa; e quando
chega a Deus não para.» (Esp. 54 A – 9).

Mas continuemos a ouvir a fascinante descrição do Poeta: «Ela (a serpente)


atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a
ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem
rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a
Cobra do Éden como a pele largada, deixa Saturno e Satan como pele largada, as
formas que assume nõ são mis que peles que larga. E quando, sem ter caminho,
chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali
de fora.», já que «a sua fuga é o seu mistério, e o seu caminho a chave de todos os
mistérios. Mas ela não sabe nem do seu mistério nem de todos os mistérios, porque
conhece tudo, e conhecer é não existir» (Esp. 54 – A 3). Parece evidente que aqui,
“passar para além de Deus” é, sobretudo e desde já (o que não impede posteriores
interpretações), passar para além do conceito humano de Deus; como escreve o Poeta:
«O caminho da Serpente é a evasão dos caminhos, porque é (…) a Evasão Abstracta,
o reconhecimento da verdade essencial, que pode exprimir-se, poeticamente, na
frase de que Deus é o cadáver de si mesmo». (Esp. 54 A -12). Notem-se ainda as
ressonâncias orientais (hinduístas e budistas) da frase que comentávamos, no que toca à
necessidade de ultrapassar e abandonar os conceitos que são (segundo essas doutrinas e
outras ocidentais) véus que se interpõem entre nós e a Realidade – e que a fazem tornar-
se como “ilusão” («a ilusão é a substância do mundo», dirá o Poeta em Esp. 54 A – 4),
maya, no hinduísmo -, impedindo-nos a percepção directa da mesma, único modo de
acesso a ela; como escreve Pessoa, «A magia e a alquimia são caminhos de ilusão. A
verdade está só no instinto directo (…) na linha directa da sua ascenção ao instinto
supremo; no instinto directo, cuja forma activa é a sexualidade, cuja forma
intemédia é a imaginação, fantasia, ou criação pelo espírito, cuja forma final é a
criação de Deus, a união com Deus, a identificação abstracta e absoluta consigo
mesmo, a verdade» (…) Só a Serpente, contornando os infinitos abertos (…) dos dois
mundos, foge à ilusão e conhece o princípio da verdade» . (Esp. 54 A – 4). Para Pessoa,
as verdadeiras Alquimia e Magia são a criação de Deus no Homem, a auto-criação do
Homem como Deus: «Existir, no sentido real da palavra, é ser Deus – isto é, ter-se
criado a si mesmo (…). A G.O. (Grande Obra) é a libertação no homem, de Deus
(…). A G.O. (Grande Obra), em outras palavras, é a criação de Deus.» (ibid.). Ligado
com este texto, de verdadeiro impacto sobre determinadas almas assentes apenas na fé (a
qual pode ser profundamente abalada por ele), está outro, não menos forte na sua
“provocação”, intitulado O Desconhecido (Esp. 138-15 Dt): «Os espíritos, os deuses, as
Vidas Supremas de que os símbolos falam, os demiurgos, os demónios, os espíritos
todos – nunca existiram. São criação dos Herméticos para uso ilusório dos
Esotéricos…».
Sendo a “serpente” um evidente símbolo do iniciado – Pessoa incluído que
percorre estes “caminhos sem caminho” – vindo, na perspectiva gnóstica, de uma
“altura” que é a “sua origem” (vide infra) e retornando a ela -, cremos que estamos em
presença de um conjunto e textos de uma reflexão iniciática, filosófico-espiritual, que
atinge e supera os níveis terminais que a palavra pode sugerir e que só poderão ser
acedidos depois daquela “inversão dos candelabros”(ou “das luzes”) de que nos falava
Gustav Meyrink (outro iniciado) no seu livro O Olhar verde. Como diz Pessoa, «A
Serpente é o entendimento de todas as coisas e a comprensão intelectual da
vacuidade delas. Seguindo o caminho que não é o de nenhuma ordem nem destino,
ela ergue-se à Altura que é a sua origem e evita os lugares por onde os homens
passam. O entendimento de tudo, a fusão dos opostos, a ciênca da indiferença do
bem e do mal, a ciência da valia da emoção como emoção e da vontade como vontade,
a igual ironia para com os saios com para com os néscios. No seu culto adutaram os
últimos magos no seu nome adolesceram os primeiros. (Esp. 54 A – 2).
Note-se uma outra referência budista, agora relativa à vacuidade das “coisas”, que aliás
também encontramos em outras tradições incluindo as ocidentais (embora mais
veladamente). Note-se ainda a proclamação antinómica (que não é indiferentismo moral,
mas postura filosófica, com ressonâncias nietzchianas, e iniciática, de origem gnóstica)
da “indiferença do bem e do mal”, que poderá chocar muitos, mas que deve ser entendida
apenas nessa dimensão. Como diz Pessoa noutro texto, «No absoluto não há nem bem
nem mal» (Esp. 54-5 t)
Esta dissertação de Pessoa, profundamente vivida, sobre o entendimento das
coisas, leva-nos a outro fragmento com a maior importância, que nos parece, não só estar
relacionado com a enigmática operação de “inversão das luzes” de que Meyrink nos fala,
como também, constituir um programa de vida, iniciático e espiritual (ou numa releitura
da vida do Poeta, numa fase mais adiantada dela): «Considerar todas as coisas como
acidentes de uma ilusão irracional, embora cada uma se apresente racional para si
mesma – nisto reside o princípio da sabedoria. Mas esse princípio da sabedoria não
é mais que metade do entendimento das mesmas. A outra parte do entendimento
consiste no conhecimento dessas coisas, na participação íntima delas. Temos que
viver intimamente aquilo que repudiamos. Nada custa a quem não é capaz de sentir
o Cristianismo o repudiar o Cristianismo; o que custa é repudia-lo, como a tudo,
depois de verdadeirament o sentir, o viver, o ser. O que custa é repudia-lo, ou saber
repudia-lo, não como formade mentira, senão como forma de verdade. Reconhecer
a verdade como verdade, e o mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os
aceitando; sentir tudo de toda as maneiras, não ser nada, no fim, senão o
entendmento de tudo – quando o homem se ergue a este píncaro, está livre, como em
todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros, está unido ao céu, a que nunca
está unido, como em todos os píncaros». (Esp. 54 A -9).
Não pode deixar de se referir, lendo este texto-testemunho de Pessoa, que este
“caminho da Serpente” , conduz a altos cumes, “píncaros”, “onde o ar está rarefeito” (já
que citámos Nietzche…) e onde o filósofo-iniciado se encontra só, “livre”, mas “só, tendo
apenas por companhia a sua própria solidão. Nestas “alturas” vertiginosas, o Poeta Pessoa
muito provavelmente não tinha nem acompanhiade Augusto Ferreira Gomes (seu
companheiro de “andanças iniciáticas” e Ordens, reais ou imaginárias), nem de Ofélia
Queirós, sua namorada (que por vezes se queixava da companhia frequente que Pessoa
mantinha com o autor de Quinto Império). Estes, se algum dia lá chegaram, fizeram-no
sozinhos, tal como Pessoa o terá feito (mas muito mais provavelmente que eles, estou
certo disso, embora por razões diversas).
Relativamente a esta liberdade-solidão que o iniciado enfenta nos “altos cumes” ela
transcende a da própria Lei de Telema, de Crowley, que terá, de algum modo, influenciado
o Poeta, e portanto transcende uma “liberdade” proposta por uma qualquer organização
iniciática, por mais interessante e avançada que ela seja. Escreve Pessoa: «A fórmula da
Fraternidade é esta: cada homem é ele só; qualquer caminho que siga, tem de buscá-
lo em si mesmo. Não pode pertencer a Ordem nenhuma, nem a outra de qualquer
modo. A fórmula da RC (Rosa-Cruz) é esta: liberdade, igualdade e fraternidade.
Mas não é como a entendem os místicos que a recebem sem a entender. Liberdade,
quer dizer não se subordinar a nada, nem ao próprio ideal nem à própria
peronalidade, nem à Lei de Thelema que nos dá a nossa liberdade como nossa
limitação.» (Esp. 26 C – 52).

Maçonismo, rosacrucianismo e templarismo


Para Pessoa, embora sejam vias distintas, existe uma perfeita articulação de
complementaridade entre o Rosacrucianismo, o Templarismo e a Maçonaria. Embora
mitificando, ele escreve que: «A Ordem Templária da Escócia havia criado a M.
(Maçonaria) como Ordem Mística. Os Rosicrúcios recrearam-na como ordem Mágica.
À Ordem de Cristo competiu o fazer que houvesse nela uma Ordem Alquímica.
Podemos dizer, na mesma linguagem maçónica, que a Maçonaria foi entrada pela
Ordem do Templo, passada pelos rosicrúcios, erguida pela Ordem de Cristo. Desde que
cumpriu a sua missão o Emissário Português, ficaram na Ordem Maçónica os elementos
espirituais e transmutação. Quem quiser e souber buscá-los, os encontrará. A M.
(Maçonaria) continuou, na sua aparência secreta, sempre a mesma; mas um novo
espírito havia penetrado nela desde que Ramsay falara; um espírito ainda mais alto se
despertara nela desde que ela falou o Emissário do Ocidente» (Esp. 54 – 45). Está claro
que esta afirmação é mais do que uma constatação histórica (pois a Ordem de Cristo
existiu como sucessora da Ordem do Templo), é um verdadeiro programa iniciático no
qual Pessoa parece estar empenhado e determinado a contribuir para o seu êxito. Neste
sentido vale a pena referir o resto deste fragmento do espólio do Poeta: «Doravante
referir-me-ei no termo Ordem do Templo à Ordem Templária da Escócia, para que não
confunda com a ordem maçónica que tem este último nome; no termo Ordem de Cristo
à Ordem Templária de Portugal, que é a parte interior da outra, hoje extinta». (ibid.).
Fernando Pessoa refere-se aqui à tradição do templarismo esotérico, segundoa qual a
Ordem o Templo teria um núcleo central, secreto, detentor de uma doutrina espiritual
oculta, de natureza gnóstica. Parece ter com isso a frase do Poeta: «..veio a forma-se,
com certos fins místicos e secretos, a dentro do seio visível da Igreja de Roma, uma
Ordem que foi designada por Ordem Militar do Templo de Salomão. Os seus servos,
iniciados o não, são os que designamos pela abreviação de Templários. A esta Ordem
Mística foram confiados os segredos e a tradição da Igreja Gnóstica (…) possuidora das
chaves dos íntimos mistérios; foi a ela a que mais tarde se haveria de chamar, na
linguagem dos Rosicrúcios, a Igreja Mística». (in P. Teixeira da Mota, op. cit., p. 76 - Esp.
54 A – 18).
É interessante constatar duas notas que Pessoa dá sobre a Ordem de Cristo e
ambas referentes ao século XIX: uma, do começo do século - que podemos encontrar
em Miguel António Dias (1853), Anais e Código da Francomaçonaria em Portugal -,
sobre um tal Nunes, português, ao que parece pouco recomendável, que foi a França
vender o sonho de uma Ordem de Cristo ressurgida numa perspectiva iniciática («Nunes
quis fundar uma O.C. dentro da M.. Isso estava de antemão conenado…» - Esp. 54 – 87);
a outra, basante enigmática e que levanta algumas dúvidas sobre a sua autenticidade -
«As provas da O.C. Sob elas ficou esmagado Antero de Quental, que nunca passou de
escudeiro. (A sua associação com elementos maçónicos e semelhantes, em parte
contibuiu para sua derrota astral)» (ibid.). Registe-se a tradição de que, em meados do
século XIX, haveria uma corrente dentro da Maçonaria portuguesa que desejava que
esta fosse a continuadora da Ordem de Cristo e à qual não seria estranha a figura do
Grão Mestre Costa Cabral, Conde de Tomar, que comprou parte do Convento de Cristo
para sua residência (e não sabemos se para outros fins…); testemunhos indirects dessa
corrente vêm pela mão dos seus críticos, como por exemplo, Borges Grainha (in História
da Franco-Maçonaria em Portugal).

O Poeta tinha na sua interessantíssima e valiosa biblioteca, vários livros sobre


Rosacrucianismo: The rosicrucians, their rites and mysteries, de Hargrave Jennings – que
o Poeta cita abundantement nos seus textos do espólio -, Our ancient brethren the
originators of Freemasonry: an introduction to the history o rosicrucianism, F. de P.
Castells – também citado por Pessoa -, Histoire des Rose-Croix, de Fr. Witemans, The
Brotherhood of the Rosycross de Arthur E.Waite (um dos “chefes” da “Golden Dawn”,
que também Pessoa cita várias vezes), etc.
“Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peitoi posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala”
(do poema s.d. de F.P., “No túmulo de Christian Rosencreutz”, que estava
previsto ser publicado no nº. 3 da revista “Sudoeste” de 1935)
Para Pessoa, a «doutrina rosicruciana» - que lhe interessou profundamente por
ser esotérica cristã, sobretudo, na parte final da sua vida, após o “choque” crowleyano
de que já falámos - e o correspondente «influxo da Ordem-mãe» na Maçonaria é
«manifesto no Segundo Grau Simbólico (quem aparte isso, o esperaria), No Real Arco
inglês (o Real Arco de Zerobabel, não o de Enoch, hoje Grau 13 do Rito Escocês) e,
possivelmente, na Ordem de Heredom de Kilwinning. (…) Na sua segunda fase, influiu
também a Ordem Rosicruciana na Maçonaria (na) formação dos Altos Graus, e alguns
deles, e com certeza o grau 18 do Rito de Perfeição (…18 do Rito Escocês e ..7 do Rito
Francês), são de origem roscruciana…» (op. it., p. 92).
Não podemos deixar de dizer que Pessoa refere amiúde o Martinismo, salientando
a doutrina teúrgica de Martinez de Pasqually e teosófica cristã de Louis-Claude de Saint-
Martin, mas ao mesmo tempo criticando o neo-martinismo do ocultista Papus. O poeta
parece ter conhecido esta via iniciática, via João Antunes, autor do livro História e
Filosofia do Hermetismo - que Yvette Centeno refere como tendo pertencido à sua
biblioteca (cf. O pensamento esotérico de Fernando Pessoa, op. cit., p.8) - que terá
animado um grupo martinista na Sociedade Teosófica. Vem a propósito mencionar que
Pessoa deu, a propósito da defesa da Maçonaria, uma indicação preciosa acerca de uma
eventual filiação martinista em Portugal: «(...) no nosso país, caída há muito em
dormência a Ordem Templária de Portugal (...) não existem, suponho, à parte uma outra
possível Loja Martinista ou semelhante, mais do que duas associações “secretas”(a
Maçonaria e a Companhia de Jesus)» (in Petrus, Antologia - A Maçonaria vista por
Fernando Pessoa, p. 4).

A MAÇONARIA EM PESSOA

Para se ter uma ideia do interesse que Pessoa tinha pela Maçonaria, vejam-se os
títulos de alguns dos livros da sus biblioteca: The Emblematic Freemasonry, de Arthur E.
Waite, The lost keys of Feemasonry, de Manly P. Hall, Manual do Franc-Maçon do
Rit(ual) Francês ou Moderno por um Cavaleiro Rosa Cruz (editado pelo Grande Oriente
Lusitano), (The) scotish workings of craft masonry, sem autor (mas editado pela “Lewis
masonic”, próxima da G.L.U. de Inglaterra), (An) Introduction to Royal Arch Freemasonry
(não indica o autor, mas é da iniciativa da Grande Loja Unida de Inglatera), Les origines
du rituel dans l’Église et dans la Franc-Maçonnerie, de H.P. Blavatsy, Builders of the man:
the doctrine and history of masonry or the romance of the craft, de John G. Gibson, etc.
Com a proliferação de textos pessoanos sobre as mais diversas correntes
esotéricas, parece ser de admitir, como o faz Yvette Centeno, que Pessoa não terá
pertencido a nenhuma delas. Relativamente ao universo maçónico-templário, se ele
afirma, por um lado, que não pertenceu a nenhuma Ordem, a verdade é que não
poderemos esquecer declarações de, no mínimo profunda simpatia - mesmo que
apenas “poéticas” - como a do seu poema dedicado a S. João, publicado por Alfredo
Margarido: «Meu Irmão, se tu és maçon, eu sou mais do que maçon, eu sou
templário(...). Meu Irmão eu dou-te o meu abraço fraternal» mas também, não só
aquela citada por João Gaspar Simões na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa: «Iniciado
por comunicação directa de Mestre a discípulo, nos três graus menores da
(aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.», mas sobretudo a que mais
adiante referiremos e que constitui uma explicação do célebre artigo publicado no
Diário de Lisboa em Fevereiro de 35.
Não é “poética” (nem é fantasia) a sua defesa da Maçonaria (feita nesse artigo),
a propósito do projecto-lei de proibição das “sociedades secretas” da autoria de Costa
Cabral. Pelo contrário, ela constitui um acto de coragem cívica exemplar, mas também
revela uma indisfarçável simpatia por essa Ordem Iniciática, apesar de ele a considerar
como uma Ordem preparatória, ou introdutória, uma Ordem do Átrio («Há duas Ordens
do Átrio, e só duas. Uma delas é a Maçonaria. Não direi qual é a outra» - Esp. 54A-
88/90), ou por uma Baixa Ordem: «A Maçonaria é formada pelas Baixas Ordens todas,
ou, se se preferir, as Baixas Ordens são formadas pela Maçonaria. Baixos ou Altos
Graus que seja, todos são das Baixas Ordens, e para todos é preciso ser maçon. As Altas
Ordens não necessitam todas que se seja ou houvesse sido maçon: em algumas (como
foi a Soc. Ros.) tem que se ser mestre-maçon para ser admitido ou iniciado; em outras
como a G.D. não e exige essa qualificação…» (Esp. 54-94).

- O artigo do Diário de Lisboa, de 1935


Vejamos então quais as linhas essenciais do artigo do Diário de Lisboa de 35, que
constitui uma defesa corajosa, por parte de Pessoa, da Ordem Maçónica, que
transcende, sem negar, as diversas Obediências maçójicas - num período histórico
pouco favorável e receptivo a intervenções deste tipo -, face ao decreto que visava
proibir as “associações secretas”. Começa ele por dizer que «no nosso país, caída há
muito em dormência a Ordem Templária de Portugal, desaparecida a Carbonária (…)
não existem, suponho, à parte uma outra possível loja martinista ou semelhante, mais
do que duas “associações secretas” dessa espécie. Uma é a Maçonaria, a outra essa
curiosa organização que, em um dos seus ramos, usa o nome profano de Companhia de
Jesus, exactamente como, na Maçonaria a Ordem de Hereon de Kilwining usa o nome
profano de Ordem Real da Escócia.» (in A. Quadros, Obras de Fernando Pessoa, vol. III,
p. cit., p. 472 e seguintes). Registe-se o conhecimento que Pessoa revela quanto às
correntes esotéricas do seu tempo, em Portugal – a “loja martinista ou semelhante” -, e
também o conhecimento profundo dos ritos maçónicos – muito particularmente, o mais
antigo sistema de altos graus maçónicos estabelecido cerca de 1740 na Escócia, a Royal
Order of Scotland, com os seus dois graus de Heredom de Kilwining e de Rosa-Cruz -, tal
como, mais adiante no artigo, demonstra o conhecimento da mais importante Loja de
Investigação (histórica e filosofia), a inglesa Ars Quatuor Coronatorum (tal como refere)
e, também, a existência das «três Grandes Lojas cristãs da Prússia» que Hitler terá
manipulado – concretamente, acrescento eu, a Grande Loja Nacional da Alemanha (Gosse
Landsloge der Freimaurer von Deutschland) – do rito (maçónico-templário) de Zinnendorf – que
conheci e a Grande Loja-Mãe da Alemanha (Grosse Mutterloge….), ainda existentes.. A
argumentação de Pessoa centra-se, a partir dessa asserção inicial, na afirmação de que
a Maçonaria não é uma “associação secreta”, mas «uma Ordem secreta, ou, com plena
propriedade, uma Ordem Iniciática.» De facto, continua ele, «A Ordem Maçónica é
secreta por uma razão indirecta e derivada – a mesma razão por que eram secretos os
Mistérios antigos, incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo, para louvar
a Deus, em o que hoje se chamariam Lojas e Capítulos, e que, para se distinguir dos
profanos, tinham fórmulas de reconhecimento – toques ou palavras de passe, (…)»
(ibid.). Por essa razão, a Maçonaria, como “Ordem Iniciática”, não pode ser destruída,
mesmo que proibida por um decreto: «Se o Sr. José Cabral cuida que ele, ou Assembleia
Nacional, ou o Governo, ou quem quer que seja pode extinguir o Grande Oriente
Lusitano, fique desde já desenganado. As Ordens Iniciáticas estão defendidas, ab
origine symboli, por condições e forças muito especiais que as tornam indestrutíveis
de fora.» (ibid.) e qualquer acção contra elas («como o camartelo do Duce», em Itália),
«Não tem força para abater colunas simbólicas, vazadas num metal que procede da
Alquimia»(ibid.) –o que deve ser lido simbolicamente.
É neste artigo que o Poeta insere (também) célebre declaração: «Não sou
maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante o diferente. Não sou
porém anti-maçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma opinião absolutamente
favorável da Ordem Maçónica. (…) por virtude de certos estudos meus, cuja natureza
confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem de político ou social -,
fui necessariamente levado a estudar também esse assunto – assunto muito belo, mas
muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa
preparação, cuja natureza me não proponho indicar, pude ir, embora lentamente,
compreendendo o que lia e sabendo meditar o que compreendia. Posso hoje dizer,
sem que use de excesso de vaidade, que pouca gente haverá, fora da Maçonaria, aqui
ou em qualquer parte, que tanto tenha conseguido entranhar-se na alma daquela
vida, e portanto, e derivadamente, os seus aspectos por assim dizer externos.»
Mas, como já vimos no artigo de 1935, interessante e importante é verificar, nos
textos pessoanos sobre a Maçonaria um profundo conhecimento da sua história, da
complexidade e natureza dos seus ritos, rituais e simbolismo iniciático e, mesmo um
elogio da grandeza da sua espiritualidade, primeiramente da Maçonaria que ele
chamava de esotérica e que reclamava ser um magno mistério cristão, mas também e
sobretudo da Maçonaria em geral, pois como ele escreveu no célebre artigo de Diário
de Lisboa, «A Maçonaria compõe-se de três elementos: o elemento iniciático, pelo
qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano. (…) Nos
primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçónico, a Ordem
é a mesma sempre e em todo o mundo.» (ver. A. Quadros, op. cit., p. 481). Ainda
elogioso para a Maçonaria iniciática é o seguinte texto da obra Átrio, referente à Loja
maçónica: « No ultimo e excelso sentido, a Loja é o arcano ou arca da Verdade. O
Mestre e os Dois que estão com ele no governo da Loja são o símbolo das Três Verdades
fundamentais ou cabalísticas. Os dois que, com estes três, formam os Cinco que
completam a Loja, são símbolo dos Dois princípios externos ou de Relação, por meio dos
quais a Verdade não é erro…». Ou ainda, do mesmo Átrio, Fernando Pessoa refere uma
estrutura de progressão iniciática maçónica, sincrética (já que vai unir o “Arco Real” do
rito inglês de Emulação, com o grau de Rosa-Cruz do Rito Escocês Antigo e Aceite ou do
Rito Francês), perfeitamente igual à parte central, maçónica, da estrutura iniciática da
O.T.O. de Theodor Reuss, que Aleister Crowley tomou “de assalto”: «A FM (Franco-
Maçonaria) tem essencialmente, ou 3 pontos, ou 5 pontos – 3 se considerarmos os 3
tempos essenciais (Mestre, Real Arco, e Rosa Cruz) – 5 se incluirmos os dois primeiros
graus que são necessários mas só preparatórios. (…) No 1º. tempo trata-se da
construção do 1º. Templo, que é o de Salomão; no 2º., do 2. T. que é o do Zorobabel; no
3º. Tempo, da do 3º. T. que é o de Cristo – ou, alternativamente, do Padre, do Filho e do
Espírito Santo. No 1º. tempo revela-se o símbolo da Palavra Perdida; no 2º. revela-se o
símbolo da maneira de a encontrar; no 3º. O símbolo da Palavra ela mesma; ou antes, a
sua natureza e essência (…) Não são precisos, úteis ou .. mais de que 5 graus na FM –
os dois preparatórios, o do Mestre, o de R.A., e o R.C.. Todos os outros são divagações
ou erros – são supérfluos ou fúteis. A M. acaba onde o indica a oração daquele grau
críptico (Perfeito Mestre de Santo André) onde Hiram é erguido como Cristo – “porém
no sentido mais alto da palavra”…» (doc. Esp. 53 A – 39, in Pedro Teixeira da Mota,
Fernando Pessoa – Rosea Cuz, op. cit., p. 158). Estes textos, em particular o último,
revelam também (como outros) – para além de uim aonhecimento da “fringe
freemasonry” da OTO - um profundo conhecimento, por parte do Poeta, da Maçonaria
e outras vias iniciáticas com ela (ou não) relacionadas.
Apesar de Fernando Pessoa ter defendido generosamente (e não sectariamente)
a Maçonaria como um todo, isto é, toda a Maçonaria, vemos, pelos seus textos que ele
estava mais próximo, pelo menos espiritualmente – e é claro, na “fase gnóstica”, pós-
pagã e talvez depois da perturbação causada pelas doutrinas de Crowley por volta de
1930 - da Maçonaria iniciática, muito em particular da Maçonaria cristã. Desde logo, por
que, segundo Pessoa «Na Pedra Cúbica, que é o modelo do Maçon, deve estar o Volume
da Lei Sagrada, que é o seu guia.» (esp. 53 B – 23, op. cit., p. 158), isto é, Bíblia (para os
cristãos, mas também a Tora para os Judeus, o Corão para os muçulmanos, etc.). E
também porque o modelo estrutural da Maçonaria, para o Poeta assenta nesses “três
tempos” fundamentais (ou cinco, se incluirmos os preparatórios) do universo da
Maçonaria cristã: o (básico) de Mestre maçon (que é universal), o do Sacro Real Arco
(como escrevia Pessoa, traduzindo o Holy Royal Arch do rito (simbólico) inglês de
Emulação, o Emulation) – e que é, segundo ele, «o desenvolvimento de certas linhas»
do grau de Mestre – e o grau de inspiração cristã (crístico, mas que para alguns
Supremos Conselhos, como o inglês, é exclusivamente para cristãos), o de Rosa Cruz qe,
como é sabido inclui uma Ceia Mística, com partilha do pão e do vinho (o sacerdócio de
Meiquitsedeque), celebrada obrigatoriamente na Quinta-feira Santa. Esta Maçonaria
cristã teve origem próxima (já que tem origem remota na Maçonaria medieval cristã,
católica), segundo Pessoa (e segundo alguns estudiosos) na acção do Rosacrucianos,
pois como ele diz, a Rosa Cruz «Na sua primeira fase criou ou transformou a Maçonaria
– a “Ordem Externa” (…)», embora «Na sua fase presente, a Ordem Rosacruciana nada
tem que ver, creio, com a Maçonaria, continuando, porém a estender a mão àqueles
maçons (…) que julga dignos de serem chamados ao seu Templo.» (esp. 53 B- 36, op.
cit., p. 92).
Pessoa é conhecedor dessa variedade quando diz: «Se há altos graus que são
nitidamente cabalísticos e até anti-cristãos, também os há que são espirituais ou
cristãos, desde o sobregrau do Sacro Real Arco até àquele grau críptico em que Hiram é
erguido como Cristo…» (op. cit., p. 100 e 101). Em suma, essa Maçonaria – iniciática,
rosacruciana, templária, cristã gnóstica - tão do agrado de Pessoa (pelo menos segundo
cremos, na parte final da sua vida), é, como na Maçonaria inglesa, cristã: «a Maçonaria,
não sendo já católica, é todavia, ou tem que ser, cristã e trinitária» (esp. 53 A – 4, op.
cit., p. 92).
É impotante citar, neste contexto, que no final da sua vida Pessoa estava a escrever
“rituais iniciáticos” - com imaginação criadora, assente numa sólida cultura iniciática de
raíz maçónico-templária, e não com fantasia, gratuita e delirante -, os quais Teresa Rita
Lopes publicou, em Pessoa por conhecer II (op. cit., pp. 98 - 104). Trata-se, tudo indica,
de rituais maçónicos ou maçonizantes, pois neles figuram alguns elementos maçónicos
habituais: “entre (as duas) colunas”, o “sinal da Ordem”, o Neófito “cego, nu e pobre”
que pede “a luz, o calor e a vida”, o “pavimento mosaico”, “as três colunas”, o “Supremo
Arquitecto dos Universos”, etc. mas em que o “Venerável Mestre” e os “Vigilantes”
maçónicos são substituidos por pelo Mestre do Átrio e pelo Mestre do Claustro, e em
que as três colunetas da Sabedoria, da Beleza e da Força, são neste caso substituidas
pela Verdade, pelo Bem e pela Beleza. Destes rituais, citaremos um exemplo (op. cit., p.
98):
«P - Abri o atrio, Mestre do Atrio, e que o neofhyto apareça entre as duas colunas,
e fareis o signal da Ordem. Falareis quando vos fôr correspondido.
P - Que trazes, Mestre do Atrio?
R - Um neophyto, cego, nu e pobre.
P - Que quere elle?
R - A luz, o calor e a vida.
P - Onde quere ele a luz, o calor e a vida?
R - Nesta Ordem.
P - Que o neophyto se adeante.
R - Está adeantado.»
Este excerto ritual parece ter a ver com os dois “Fragmento do discurso do
Iniciador no Grau de Mestre do Átrio” que António Quadros inclui nas pp. 536 e 537 do
Vol. III das Obras de Fernando Pessoa (op. cit.) - publicados, respectivamente, pela
primeira vez por Yvette Centeno no livro Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética(op.
cit.) - texto sem data - e por Teresa Rita Lopes no seu livro Fernando Pessoa et le drame
symboliste ( ) - datado de 3-9-34:
I -«Pela Lei do Cristo (de Deus ou do Cristo), que é a Vida Eterna, nos podemos
libertar dele (Satã ou Inferno) nos podemos libertar dele para sempre, (e) para não
regressar nunca. Tudo isto sabeis vós, meus Irmãos, e eu convosco, e sabemos também
como haveremos, se pudermos, resistir aos três assassinos e guardar connosco, ainda
que mortos para os outros, a Palavra Divina (...). E como sabeis tudo idto, deixarei o que
isto é e significa; passarei de novo, voltando sobre os antigos passos, a átrio e a porta do
Templo e, olhando para fora, dir-vos-ei o que vejo.»
II - «Meu irmão, recebeste a Palavra. O que a vida te esconde, porque é a morte,
revela-te a morte, porque é a vida. (Meu irmão) tudo neste mundo é símbolo e sonho.
Símbolo tudo quanto temos, sonho, tudo quanto desejamos. O universo inteiro, de que
somos parte por castigo e erro, é uma alegoria cujo sentido já conheces visto que teus
olhos, por fechados, estão abertos, e teus ouvidos, por oclusos, podem enfim ouvir. Sabes
já , meu irmão, visto que estás disperto que o sol é negro e a terra vazia; que o que
amámos é o que desconhecemos, que o que sonhámos é o que conhecíamos. Teu
caminho agora é outro onde cessam os astros e a luz do sol não é lei nem dia. Que o
Supremo Arquitecto do Universo te dê a luz...»

No entanto, repetimos, e apesar desta visão particular da Maçonaria, Pessoa


defende toda a Maçonaria com respeito pelos outros ritos, isto é, defende a “Ordem
Maçónica” (todos os ritos e todas as Obediências de todos os países), pois como ele diz:
«Conquanto, porém, a Maçonaria esteja assim materialmente dividida, pode
considerar-se como unida espiritualmente. O espírito dos rituais, e sobretudo o dos
Graus Simbólicos (nos quais, e sobretudo no Grau de Mestre, está já, para quem saiba
ver ou sentir, a Maçonaria inteira), é o mesmo em toda a parte (…) quem tive as chaves
herméticas, em qualquer forma de um ritual encontrará sob mais ou menos véus, as
mesmas fechaduras. Resulta desta comunidade de espírito profundo, deste íntimo e
secreto laço fraternal, que ninguém quebrou nem pode quebrar, que uma Obediência,
ainda que tenha poucas ou nenhumas relações com outra, não vê todavia com
indiferença o ser esta atacada por profanos».
Esta perspectiva englobante de toda a Maçonaria – independentemente da sua
perspectiva particular que o leva a privilegiar certos ritos, graus e Ordens maçónicas –
leva-o ainda – para além do fundo comum da iniciação maçónica os três primeiros graus,
que ele salienta – a pôr em evidência os grandes temas da Ética maçónica e dos grande
valores que a Ordem, em geral, proclama para a sociedade. Assim, no mesmo artigo do
Diário de Lisboa, ele escreve a propósito da ausência de uma doutrina maçónica: «
…toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só ideia – a tolerância; isto é, o não
impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender», o que acarreta
uma necessária defesa da Liberdade como estando intimamente associada à vivência da
Tolerância – que não é indiferença, como Pssoa bem salienta -, o que constitui uma clara
e forte crítica ao Estado Novo, então vigente: «A Maçonaria nada, pois, tem que ver
com qualquer regimen ou partido político, excepto se ou quando esse regímen ou
partido atacam a tolerância ou oprimem a liberdade. Nada tem que ver, por igual, com
qualquer religião ou doutrina excepto se essa religião ou doutrina está nas condições
indicadas. (…) Nesse caso é dever de todo o maçon combater quanto possa esse
inimigo da liberdade, e é seu dever natural de maçon, independente de indicação
directa da oficina de que seja obreiro, o da obediência a que, ele e ela, pertençam.
Tolerantes, o antes indiferentes, de mais têm sido a M(açonaria) e os maçons para
com tais dutrinas, imprevidentes de mais para com elas quando ainda no início e mais
fáceis portanto de combater.» (Fragmentos de um texto de réplica, in A. Quadros, op.
cit., p. 498)
É importante referir que Pessoa afirma não ter pertencido a nenhuma Ordem,
embora revele um conhecimento iniciático de natureza esotérica que parece ultrapassar
a mera informação livresca. Terá pertencido ele a um círculo iniciático restrito, ou
mesmo a uma Loja ou Capítulo “selvagem” de natureza maçónico-templária ou
rosacruciana, fazendo com que ele fosse «um irregular do transepto» (expressão com
que assina, em Janeiro de 1934, uma carta em defesa da Maçonaria, dirigida ao Jornal
A Voz, incluida no livro Pessoa Inédito, coord. Teresa Rita Lopes, Lisboa, 1993, p. 328)?
No entanto, as referências de Pessoa ao templarismo enquadram-se, grande
parte delas, num universo maçónico, como por exemplo a frase esclarecedora meu
Irmão, se tu és maçon, eu sou mais do que maçon, eu sou templário que está no seu
poema S. João – pois se o seu templarismo não fosse maçónico, ele não diria que era
mais do que maçon, mas que não era maçon. De acordo com esta perspectiva em que a
iniciação cavaleiresca sucede e completa a iniciação artesanal, assim como a iniciação
sacerdotal, completará a cavaleiresca, está também a seguinte afirmação que pode ser
fantasiosa, mas também pode ter algum fundamento quanto a um projecto iniciático
que Pessoa gostaria ou pensaria desenvolver (pelo menos “imaginalmente”), e que
correspondesse à Ordem Templária de Portugal: «Temos espadas porque somos
cavaleiros, veste de rito porque somos sacerdotes, capuzes de velar porque somos
ocultos...» (cf. Yvette Centeno, Esp. 54A/53).

António Telmo, que no seu livro A História Secreta de Portugal, se refere a ele
como o “rectificador da Maçonaria” - expressão que lançou alguma perturbação em
estudiosos como Jorge Matos, autor do muito interessante livro O Pensamento
maçónico de Fernando Pessoa - esclareceu-nos recentemente a razão desta sua
expressão. De facto, estando ele no Café Palladium (onde se reunia a tertúlia da
“Filosofia Portuguesa”), entrou alguém que fez uma saudação críptica a Álvaro Ribeiro.
Tendo-lhe António Telmo perguntado quem era, ele respondeu que era Ferreira Gomes,
“companheiro do Pessoa na Loja do Real Arco” (inglês, refira-se, pois também existe o
americano). Acresce o facto de Álvaro Ribeiro (“homem de segredos”) ser maçon e,
segundo António Telmo, “muitos da Filosofia Portuguesa, com excepção de alguns como
António Sardinha, também o eram”.
Tuido indica que essa mesma Loja ou Capítulo seriam “selvagens” (isto é, livre do
toda a Obediência e, pelo menos administrativamente irregular), incluindo o Sacro Real
Arco (Holy Royal Arch) e eventualmente um prolongamento templário (como a Ordem
de Crowley)? E a transm,issão dses graus maçónicos teria vindo de Crowley. O
conhecimento de Pessoa destes graus é sólido. Num texto escrito no último ano da sua
vida, em que ele diz que a Maçonaria inglesa entregou o «Sacro Rial Arco» a «um
Supremo Grande Conselho dos Maçons (?) do Rial Arco - se me perguntarem isso,
estou apto a responder, embora guarde silêncio. Todas estas coisas são da alma e da
essência da Maçonaria e, muito embora haja que colher em livros a indicação dos
factos, não é com uma ciência derivada de livros, que esses factos podem ser
coordenados e devidamente entendida e interpretada a sua coordenação» (in Pessoa
Inédito, op.cit., p.333). Ao mesmo tempo, no mesmo texto Pessoa refere que «Não lhes
ocorreu que houvesse alguém que, não sendo maçon (isto é, não pertencendo a
nenhuma Ordem Maçónica), tivesse todavia motivos para ter com os maçons um
sentimento deveras fraternal, que o movesse a defendel-os; que não sendo presa de
qualquer compromisso de sigilo, pudesse fazel-o; que tendo os conhecimentos
necessários pudesse fazel-o competentemente» (ibidem). Quem poderia ter para com
a Maçonaria uma solidariedade tão “fraternal” que o levasse - com alguns riscos e
incómodos - a defender essa Ordem, num período politicmente tão difícil. Na minha
opiniõ, uma resposta óbvia é a seguinte: quem tivesse recebido graus maçónicos,
mesmo que fosse numa ordem não-maçónica.
Não escreveu Pessoa, num texto datado de 1935, que «é à luz dos
conhecimentos que recebi pelos trez Graus Menores da Ordem Templária que pude ler
com entendimento livros e rituaes maçonicos.» (in Pessoa Inédito, op. cit., p. 334)? De
que Ordem se trata? Num importante e esclarecedor texto - mesmo tendo em conta o
fingimento de um poeta - escrito no último ano da sua vida, publicado por Teresa Rita
Lopes, este explicita a afirmação incluída no seu artigo do Diário de Lisboa, de 4-2-1935
(Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente):
«(1) Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem só quando está em
actividade - isto é quando tem abertos os seus templos (...) e realiza sessões e iniciações
em ritual vivido. Quando em dormência, e vida latente e simplesmente transmissa, não
é propriamente uma Ordem, mas tão somente um sistema de iniciação, avanço e
completamento. São os três termos que competem à conferição, por exemplo, dos
três Graus Menores da Ordem Templária de Portugal.
(2) Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma. Não
podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem
pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de «uma preparação especial,
cuja natureza me não proponho indicar». Essa frase escapou, e ainda mais o seu sentido
possível, aos iledores anti-maçónicos. Só posso pois dizer que pertenço à Ordem
Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário portuguez. Digo-o
devidamente autorizado. E, dito, fica dito. Ora é á luz dos conhecimentos que recebi
pelos três Graus Menores da Ordem Templária que pude ler com entendimento livros
e rituais maçónicos. Ausentes esses conhecimentos, estaria lendo às escuras (...) »
(texto, “posterior a 2 de Fevereiro de 1935”, in Pessoa Inédito, op. cit. P. 334, os
sublinhados são nossos).
Fernando Pessoa revela num dos “fragmentos de um texto de réplica” às
reacções críticas ao célebre artigo do Diário de Lisboa, ter não só “uma preparação
especial” - «os meus conhecimentos maçónicos derivam-se, não da simples leitura de
livros, mas de certa “preparação especial” cuja natureza me não propunha, nem agora
me proponho divulgar» (in A. Quadros, op. cit., p. 488) – de natureza “cristã gnóstica”,
assente na «Tradição Secreta de Cristianismo (com) laços apertados e ocultos que
ligam essa tradição ao mais íntimo do espírito maçónico» (ibid., p. 492), como “ter
recebido noutro Templo a mesma Luz (maçónica): «Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria
aos maçons e aos que, embora o não sejam, viram, ainda que noutro Templo, a mesma
Luz.» (op. cit., p. 483). É caso para nos intrrogarmos: queTemplo? que Luz?

Mas parece-nos ser impossível elaborar essa reflexão, sem ter em conta os textos
tardios de Pessoa, em particular este que, alás, confirma a declaração biográfica de
Pessoa a João Gaspar Simões: «Iniciado por comunicação directa de Mestre a discípulo,
nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.»
(acima citada).

E UMA VEZ MAIS CROWLEY… E O ESCLARECIMENTO DA QUESTÃO MAÇÓNICA

No que diz respeito à relação de Fernando Pessoa com a Maçonaria, para além do
notável e corajoso artigo do “Diário de Lisboa” de 1935, de defesa da Ordem maçónica contra o
Decreto de proibição da “sociedades secretas” que o Deputado José Cabral preparava da
Assembleia Nacional, é de referir um “texto de réplica” publicado por António Quadros e que é
extremamente revelador do que terá levado o Poeta (um não maçon, como ele diz) a defender
a Maçonaria:

“Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria aos maçons e aos que, embora o não sejam, viram,
ainda que noutro Templo, a mesma Luz”.

Ora, “receber a mesma luz noutro templo” é ter recebido graus maçónicos, não numa
organização maçónica mas numa organização não maçónica – que as houve várias, aquilo a que
os maçons ingleses chamamde “fringe freemasonry”, maçonaria lateral. Tudo indica que foram
os graus maçónicos, dispensados a Pessoa por Crowley, no contexto da sua Ordem dos
Templários do Oriente – que tinha três níveis iniciáticos, o maçónico, o cavaleiresco e o mágico
– que determinaram da parte do Poeta uma expressão pública da sua solidariedade em relação
à Ordem maçónica, ele que no final da sua vida estava a escrever rituais maçónico-cristãos (que
já reproduzimos em parte neste livro).

De facto, cerca de um ano antes da sua vinda a Portugal, em 1930, Fernando Pessoa e o
poeta “luciferino” Raul Leal estabeleceram correspondência com o mago inglês Aleister
Crowley. Pessoa escrevera a Crowley no sentido de o informar de que o seu horóscopo inserido
na obra Confessions of Aleister Crowley (que o Poeta possuía na sua biblioteca), estava errado.
Esta demonstração de competência numa área do esoterismo terá impressionado o mago que
de seguida pensou expandir a sua “ordem” a Portugal e ao mesmo tempo entregar-lhe a sua
direcção: I was obliged to leave immediately for Lisboa in order to establish there a
headquarter for the Order under Don Fernando Pessoa (eu fui obrigado a partir imediatamente
para Lisboa para estabelecer aí uma sede da Ordem sob a autoridade de Fernando Pessoa).

Relativamente a Raul Leal a opinião de Crowley não era tão favorável já que no seu
Diário ele escreve em 9/9/30: To Lisbon: Lunch with 4.000 esc. Met Leal; don’t like him. There’s
something very definitively wrong about him. At night initiation. (Marco Pasi, 2006, 223-231) –
“”para Lisboa: almoço com 4.000 Escudos. Encontrar Raul Leal; não gosto dele. Há qualquer
coisa de definitivamente errado nele. À noite iniciação”.

Como refere o investigador pessoano Stephen Dix – no Capítulo I Vida/Obra do livro


coordenado pelo seu colega Jeronimo Pizarro, Fernando Pessoa, o guardador de papéis , Texto,
Lisboa, …-, “Marco Pasi encontrou uma extensa carta de Raul Leal , escrita no dia 15 de janeiro
de 1930 e dirigida directamente a Crowley, onde o antigo poeta de Orpheu explica, de uma
forma algo confusa o seu sistema esotérico, terminando com o pedido de uma iniciação pessoal
com o mestre inglês de ocultismo. É muito provável que esta iniciação tenha acontecido em
Lisboa no dia 9 de Setembro de 1930. – local provável da iniciação: a residência de Raul Leal na
Travessa das Salgadeiras ao Bairro Alto.

É pois muito provável que Pessoa tenha estado presente nessa iniciação pois:

- ele escreveu, a propósito da sua relação om a Maçonaria – relativamente à qual ele afirma
“não ser maçon”, isto é não pertencer a nenhuma Ordem Maçónica – que, no entanto, tinha
“uma preparação especial cuja natureza me não proponho indicar” e, além disso, que ”recebeu
a mesma luz noutro templo”, o que quer dizer que foi iniciado em graus maçónicos;
- Ctrowley – que escreve no seu diário “à noite iniciação” - não iria perder o seu tempo fazendo
uma iniciação apenas para Raul Leal, relativamente ao qual ele não tinha boa opinião – “não
gosto dele” - ao contrário de Pessoa que ele considerava;

- Crowley escreveu que, em Lisboa, ele ia “estabelecer uma sede da (sua) Ordem sob a
autoridade de Fernando Pessoa”; ora isso só seria possível se Pessoa fosse iniciado; logo a
intenção da vinda a Lisboa do mago inglês era clara e a sua concretização muito provável.

- de que Ordem fala Crowley? Uma vez que ele tinha duas, e sendo uma delas a A. A., uma Ordem
cabalística decorrente da Golden Dawn e cujos ensinamentos eram, em grande parte, dados
directamente por ele, por correspondência, aos seus discípulos, membros da AA – vide a circular
iniciática que Pessoa tinha no seu espólio e que o seu sobrinho Luis Roza (na verdade Luís Miguel
Rosa Dias) publicou em “Um encontro Magick” -, tudo indica que a Ordem de que Crowley fala
seria a OTO-Ordo Templi Orientis que tinha graus maçónicos, graus cavaleirescos e graus
mágicos e que necessitava de uma iniciação para a transmissão desses graus (por mais curta que
fosse).

- A determinação com que Pessoa escreve o artigo do Diário de Lisboa, em defesa da Maçonaria
e de crítica dos que a querem proibir, revela que ele, embora não pertencendo a nenhuma
ordem maçónica, se sente solidário com a Ordem; uma hipótese muito provável reside no facto
da OTO ter graus maçónicos e de Passoa, ao tê-los recebidos – mesmo que em transmissão
resumida – se sentir na obrigação de manifestar publicamente a sua solidariedade com a Ordem
maçónica.

- como refere Stephen Dix, no seu texto, Raul Leal escreveu um carta a João Gaspar Simões em
que ele acusa Crowley de ter realizado “uma certa vingança mágica”, “arrastando porfim o
Fernando para a Morte que poucos anos depois surgiu para ele subitamente (…) e apanhando-
me de ricochete de modo a provocar em mim uma horrível doença que também quase foi
mortal…”; seria mais provável, no dicurso de Leal, que essa influência “negativa” resultasse de
uma iniciação ou transmissão iniciática.

Mas após ter recebido a visita (com uma muito provável iniciação) do mago inglês
Aleister Crowley, em Setembro de 1930, ele – que não foi discípulo de Crowley mas recebeu
dele um impulso para tratar outros temas - e escreve o lema crowleiano “Faz o que queres” e
outro textos como “O Caminho da Serpente” –“o livro que não o é” - , e tratar poéticamente
temas esotéricos como “No túmulo de Christian Rosencreutz”, “Eros e Psique”, etc.
ANEXO

BREVE CRONOLOGIA DA MAÇONARIA EM PORTUGAL

1733 – Introdução da Maçonaria em Portugal pelo escocês Gordon

1738 – Bula “In Eminenti” do Papa Clemente XII contra a Maçonaria, invocando razões
seculares.

Processo da Inquisição contra o dominicano O’Kelly da Loja católica de Lisboa, a “Casa


Real dos Pedreiros-livres da Lusitania”, que era dirigida pelo Coronel Hugh O’Kelly e se
reunia nos fundos de um restaurante de um irlandês, Rice de seu nome, na Rua dos
Remolares, ao Cais do Sodré; outros membros da Loja: Capitão Brown, Tenente Hogan,
Charles Mardel, Engenheiro Militar, diversos comerciantes, etc.

1743 – Jean Coustos, suíço, Venerável da Loja protestante de Lisboa (que se reunia na Cruz
Quebrada) – cujo nome desconhecemos mas que era deominda pela Inquisição como a “Loja
dos Herejes protestantes” – foi preso juntamente com outro Irmão dessa Loja, Jacques
Mouton, tendo ambos sido torturados. Coustos era comerciante de pedras preciosas e
consegue ser libertado mas escreve depois um livro contando a hoistória da sua prisão e da
sua tortura.

1744 – Primeiro Auto-da-Fé contra maçons, o mencionado Mouton e Jean-Bapriste Richard,


Capitão da Guarde Real

1762 – O Conde de Lipppe, maçon alemão, vem reformar o Exército português e cria Lojas
militares, de Caminha a Elvas. O seu Regulamento de Disciplina sobreviveu até ao século XX.

O Reinado de D. José (1750-1777) é favorável à Maçonaria, por acção do Marquês de Pombal,


seu Prmeiro Minitro que teria sido iniciado em Londres, numa Loja da City, pelo próprio
Príncipe de Gales da altura – segundo refere Daniel Ligou no eu Diccionaire de Franc-
Maçonnerie. A rconsrução de Lisboa após o Terramoto de 1755 é confiada a maçons, Carlos
Mardel, Eugénio dos Santos, etc

No Reinado de D. Maria (1777-1799) o Intendente da Polícia Pina Manique persegue a


Maçonaria, havendo em 1788 um Auto-da-Fé contra maçons. A Ordem conta já nessa altura
com nomes de iniciados da dimensão de Avelar Brotero, Filino Elísio, Ribeiro Sanches, José
Anastácio da Cunha, et.

1793 – Jack Gordon, talvez descendente ou parente do introdutor da maçonaria em Portugal


foi a LÇondres obter autorização para a constituição de uma Loja que integrasse os militares
ingleses e irlandeses; foi preso juntamnente com outros maçons, entre os qusis portugueses e
ingleses naturalizados.

1797 – as reuniões maçónicas eram feitas a bordo de barcos ancorados no Tejo; a Loja
“Regeneração” - núcleo de cinco outras lojas – reunia-se a bordo da fragata “Fénix”.

1801 – A Maçonaria em Portugal vai crescendo e neste ano há 5 Lojas maçónicas britânicas em
Lisboia – com oficiais do exército, comerciantes, sacerdotes, professores, etc. -, uma das quais
no Regimento dos Dragões Ligeiros ingleses .

Devido ao crescimento do número de maçons portigueses, começam nesse ano, no Palácio de


Gomes Freire de Andrade, as reuniões preparatórias para a constituição de uma Obediência
maçónica portuguesa regular.

1802 - Hipólito José da Costa é enviado a Londres para obter – junto da Maçonaria inglesa,
tendo-se dirigido, não sabemos porquê, à Grande Loja dos Antigos - a carta patente de
constituição da Grande Loja de Portugal (ou da Grande Loja de Lisboa), mas ao chegar a Lisboa
é preso por Pina Manique e depois interrogado pela Inquisição.Desta situação dramática ele
dará conta num livro que publicará em Londres para onde conseguirá fugir, por influência do
Duque de Sussex - então radicado em Lisboa -, futuro Grão Mestre da Maçonaria inglesa.

1804 – Consagração da Grande Loja de Portuglal que em 1806 passará a denominar-se de


Grande Oriente Lusitano (G.O.L.), tendo recebido a carta patente do Grande Oriente de França,
uma vez falhada a transmissão inglesa. O 1º. Grão Mestre seráo neto do Marquês de Pombal, o
Juiz Sebastião José de Sampio de Melo e Castro Lusignan,

807 – Primeira Invsão francesa comandada pelo maçon Junot. Embarque da família real
portuguesa para o Brasil, deixando o Comité de Regência em Lisboa. Algumas Lojas reagem
contra a invasão encorajadas pelo maçon Duique de Sussex. O exército francês é derrotado e
expulso pelasopas anglo-portuguesas.

1809 – Segunda Invasão francesa comandada por Soult. Procissão maçónica dos maçons
ingleses em Lisboa. Continua a perseguiçãpo de Pina Manique e em 1810 dá-se a prisão de 30
maçons que logo são libertados por acção do Duque de Sussex. O General Beresford era o
Governador do Exército inglês.

1812 – Em Lisboa há 13 Lojas, tendo a Loja-mãe a sede em S. Vicente de Fora.

1814 – O General Gomes Freire de Andrade – então oficial das tropas napoleónicas, tendo
constituído nesse contexto, a Loja Militar dos Cavaleiros da Cruz, do Grande Oriente de França
- regressa a Portugal e em 1816 é eleito 3º. Grão Mestre do Grande POriente Lusitano.

1817 – O mais dramático incidente da Maçonaria portuguesa: 11 maçons pró-franceses são


acusados de tecerem uma conspiração (falhada). São presos, ondenados e xecutados., de
entre os quais o Grão Mestre Gomes Freire de Andrade. Este rejeita a possibilidade de fugir,
oferecida pelos militares ingleses maçons e com grande dignidade pessoal e militar prefere a
execução, que ocorre em S. Julião da Barra. Outros maçons acusados da conspiração são
executados no Campo de Sant’Aana, que por isso se denominará Campo dos Mártires da
Pátria.

1818 – Apesar deste acontecimento a maçonaria portuguesa expande-se, existindo Lojas em


Lisboa, Porto, Coimbra, Satarém, Elvas.

1820 – Reolução liberal e constituição do “Sinédrio” maioritariamente constiuido por maçons,


de entre os quais dois futuros Grão Mestres: Cunha SoutoMaior (1821) e Silva Carvalho
(1827).
1822 – Constituição e Assembleia Constituinte liberais, de inspiração maçónica. A Maçonaria
está presente através de monárquicos, sacerdotes, intelectuais, políticos, etc.

Em 1822 D. Pedro IV, Iº. do Brasil é iniciado na Maçonaria no Rio deJaneiro e será o primeiro
Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, que se constitui regularmente em 1823, sendo logo
reconhecido pela Inglaterra – recorde-se que nesse ano o Duque de Sussex, que tinha vivido
em Portugal, procede à unificação dos “modernos” e dos “antigos”, sendo o primeiro Grão
Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra.

1823/4 – Reacção absolutista de D. Miguiel, D. Carlota Joaquina e seus partidários, dando-se


uma perseguição contra a maçonaria e os maçons.

1826 – A Carta Constitucional é aprovada por imposição do Duque de Saldanha, futuro Grõ
Mestre do “Grande Oriente do Porto”, exilado em França. Em Inglaterra estará exilado Silva
Carvalho, futuro Grão Mestre do “Grande Oriente de Passos Manuel”.

1834 – Após 10 anos de Governo miguelista – e de perseguição dos maçons – os liberais


impõem a Convenção de Évora Monte, sendo expulso D. Miguel e os Jesuítas. Extinção das
Ordens religiosas.

1836 – Revulução Setembrista de Passoa Manuel. Divisões na Maçonaria portughuesa entre os


Grandes Orientes e os seus Grão Mestres.

1842 – Revolução Cartista - restauração da Carta Constitucional que os “setembristas” de


Passos Manuel tinham substiuido pela de 1822. Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano,
Costa Cabral, Conde de Tomar que, com a extinção das Ordens Religiosas, adquire parte dos
anexos do Convento de Cristo para sua residência – alguns dizem que seria sua intenção aí
colocar a sede da Maçonaria, já que para a visão conservadora de Costa Cabral e amigos
maçons, a Maçonaria portuguesa devia ser a continuadora da Ordem os Templários e da
Ordem de Cristo. Costa Cabral foi Primeiro- Ministro e Grão Mestre num total de sete anos e o
seu Supremo Conselho do Grau 33º. Incluía como membro, o Arcebispo de Évora D. Frei
Francisco Anes de Carvalho – o qual, sendo liberal, tinha estado com residência fixa na Beira,
por ordem dos miguelistas.

1846/7 – Revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, “contra os Cabrais”, na verdade uma


exploração populista dos sentimentos populares e tradicionais, da parte dos miguelistas.
Exemplo, a dterminação de Costa Cabral em proibir os enterramentos nos adros das igrejas,
criando cemitérios para o efeito, o que constituiu uma medida higiénica e moderna.
1834/1869 – Cisões e criação de Obediências diversas (da direita à esquerda) no seio da
Maçonaria portuguesa: Grande Loja Provincial do Rito Irlandês (Grão Mestre: Silva Pereira),
Grande Oriente de Portugal (Grão Mestre Moura Coutinho), Grande Oriente do Rito Escocês
(Grão Mestre: Silva Carvalho), Confederação Maçónica (Grão Mestre José Estêvão), Grande
Oriente templário (Grão Mestre: Rodrigo da Fonseca), Maçonaria Eclética/Rito Lusitano (Grão
Mestre: Miguel António Dias), Grande Loja Portuguesa (Grão Mestre: Cónego Castelo Branco),
Federação Maçónica (Grão Mestre: Pina Cabral), Grande Oriente Português (Grão Mestre:
Mendes Leal). O Grande Oriente Lusitano teve por seu turno como Grão Mestre o já citado
Costa Cabral, a que sucedeu o Conde de Paraty.

1869 – O Conde de Paraty, Grão Mestre do G.O.L. procede à unificação da Maçonaria


portuguesa, formando-se o Grande Oriente Lusitano Unido (G.O.L.U.), o qual por volta de 1870
regista 34 Lojas, às quais se somam 21 Lojas espanholas que deviso a problemas políticos na
nação vizinha, se colocam sob a autoridade do GOLU.

1871 – São criadas duas Constituições: a Maçónica (de Lisboa) e a Constituição do Norte
(Coimbra e Porto) o que constituiu nova dissidência. Também o Tratado entre o GOLU e o
Grande Oriente de Espanha, acarretou a chamada dissidência patriótica.

1882 – Criação da Grande Loja de Portugal do rito Simbólico, de tendência britânica, que integra
6 Lojas vindas do GOLU. Os seus Grão Mestres foram Dias Ferreira e França Neto. Esta G.L., em
1884, terá 18 Lojas.

1897 – Depois do Ultimato inglês em 1890 e da revolução de 31 de Jneiro no Porto, começa em


1896 a Ditadura de João Franco. No ano seguinte dá-se a criação do Grande Oriente de Portugal
do Grão Mestre Peito de Carvalho que durará poucos anos. Também em 1897 é criado o Grémio
Português, a partir da Loja “Comércio e Indústria” do GOLU e integrará a Loja “Montanha” que
acolherá carbonários que também eram maçons.

1908 – Morte do rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe. De 1860 a 1910 em pleno
desenvolvimento a acção republicana dentro da Maçonaria, com algumas características de
anti-clericalismo – respondendo segundo alguns ao demasido clericalismo vigente – e uma
afirmação política que conduziu a algumas divisões.

1910 – Revolução republicana de 5 de Outubro, com Machado dos Santos na Rotunda, em


Lisboa, em que a Carbonária (a que ele pertence), tem um papel decisivo, tendo nessa altura
cerca de 40 mil homens em armas.
1912 – Nova Constituição do GOLU informada pelos princípios de igualdade social.

1913 – No ano do seu Congreso nacional, o GOLU – Grande Oriente Lusitano Unido conta 4300
membros com: 156 Lojas do REAA – Rito Escocês Antigo e Aceite, 69 do Rito Francês, 1 do Rito
Simbólico (Emulação?) e 1 do Rio de York.

1914 – O Supremo Conselho do Grau 33º. – organismo que tem a jurisdição dos altos gras do
REAA, proclama a sua independência e defende a Cosntituição de 1871 (face à nova Constituição
demasiado socializante, segundo ele). O Grão Mestre do GOLU é irradiado do SCG33.

1915 – O Grão Mestre Magalhães Lima defnde o princípio “nem reacção, nem revolução”.
Grande actividade maçónica nos domínios da instrução publica e do Registo Civil.

1916 – Criação do Grémio Luso-Escvocês, como cisão do GOLU. O GOLU esteve representado no
Congresso das Maçonarias aliadas e neutrais (16 países).

1918 – O emblema do GOLU perde o “olho de Deus” no centro do triângulo, sendo aquele
substituído por um sol. O número de membros baixa para 2226. Os maçons são acusados de
terem organizado o atentado contra Sidónio Pais (que havia sido iniciado maçon).

1919/20 – Lutas internas não impedem o crescimento do GOLU: 2369 membros e 105 Lojas e
Triângulos.

1921 - Nova Constituição do GOLU que conta com 1826 membros. Nela se afirma que “A
Maçonaria é progressista e que embora possam ser maçons “indivíduios de ambos os sexos”,
“não são permitidas Lojas mistas”. O GOLU está presente no Congresso Internacional de
Genebra, juntamente com 17 países europeus e sul-americanos, grande parte dos quais latinos
e latino-americanos.

1923 – Tentativa de reunificação do GOLU-Grande oriente Lusitano Unido com o GLE-Grémio


Luso-Escocês, isto é, das duas tendências maçónicas portuguesas, a primeira mais progressista
e a segunda mais conservadora..

1924 – O Grão Mestre Magalhães Lima refere-se às diferenºas entre as duas tendências
maçónicas, a anglo-saxónica – que é “ritualística e crente no Grande Arquitecto do Universo” –
e a latina – que é “política e pouco ritualística”. O G.M. Magalhães Lima está presente em
Bruxelas no 3º. Congreso Internacional Internacional.
1925 – O GOLU tem 2528 membros dos quais mais de 50 membros do Parlamento. Não é esse
facto que levanta reservas à maçonaria anglo-saxónica mas sim o facto de a Maçonaria
portuguesa ser atravessada desde o século XIX por lutas político-partidárias.

1926 – Finalmente dá-se a união do GOLU com grande parte do GLE (alguns ainda ficam de fora).
O relatório do Conselho da Ordem diz que não foi possível restabelecer as relações – “troca de
Garantes de Amizade” – com as Grandes Lojas Estaduais dos EUA e com a Grande Loja Unida de
Inglaterra, “com as quais desde há muitos anos não temos relações”

1926 – Revolução de 28 de Maio. Um a no depois começa a perseguição da Maçonaria e dos


maçons – sobretudo dos que não estão com o Estado Novo.Lembremos, entre outros, que o
Marechal Carmon, futuro Presidente da República, foi maçon e que um nome como Bissaia
Barreto também o foi (e fazia a ponte do Estado Novo com IInglaterra).

1929 - Depois da morte do GM Magalhães Lima em 1928, é eleito o novo Grao Mestre,
António José de Almeida. Persiguição e crise na Maçonaria portuguesa. O maçon General
Norton de Matos critica o Estado Novo.

1935 – Depois de uma campanha anti-maçónica na imprensa portuguesa, de 1930 a 1934,


prepara-se na Assembleia Nacional um Decreto-Lei. De proibição das “socirdades secretas”,
isto é, da Maçonaria. Fernando Pessoa – que tinha recebido graus maçónicos da OTO-Ordo
Templi Orientis de Aleister Crowley – sente-se na obrigação moral de reagir de imediato com
um longo e corajoso artigo no Diário de Lisboa, poucos meses antes da sua morte.

- 1937 – É eleito Grão-Mestre o Dr. Luís Rebordão. As reuniões dos maçons continuam na
clandestinidade.

- Revolução de 25 de Abril de 1974 – Criam-se condições para o ressurgimento da Ordem e sua


expansão. Sucessivos Grão-Mestres do Grande Oriente Lusitano: Dias Amado (1975), Adão e
Silva (1981), Comandante Simões Coimbra (1984), Raul Rego (1988), Ramon de La Féria (1990),
Rosado Correia (1994), Coronel Eugénio Oliveira (1996), António Arnaut (2000), António Reis
(2005), Fernando Lim ( ).

- Anos 80 – Criação da Grande Loja de Portugal, com membros vindos do GOL: Vitor Marques,
Fernando Teixeira, etc, Este projecto não dura muito tempo. É criada em França (Bretanha), no
âmbito da GLNF-Grande Loja Nacional Francesa, a Loja Fernando Pessoa,maioritariamente
constituída por portugueses (Nuno Nazaré Fernandes, entre outros). Em 1989 é criado o
Distrito Portiguês da GLNF, reunindo três Lojas.
- 1991 – Criação da GLRP-Grande Loja Regular de Portugal, sendo o seu Grão Mestre, Fernando
Teixeira, ao qual sucede em 1996, Luís Nandin de Carvalho que é consagrado numa reunião no
então Hotel Estoril-Sol na presença de mais de uma dezena de Grão Mestres do Obediências
regulares de diversos continentes.

1996/7 – Em 1996 dá-se uma cisão na GLRP ficando o grup+o minoritário com essa denominação
– tendo José Medeiros como Grão Mestre - e constituindo-se a GLLP-Grande Loja Legal de
Portugal, continuando Luis Nandin de Carvalho como Grão Mestre. É esta Grande Loja que vai
receber, em poucos anos, os reconhecimentos da esmagadora maioria das Obediências
estrangeiras regulares.

Anos 2000 – sucedem-se os Grão-Mestres na GLLP: José M. Anes (2001), Trovão do Rosário
(2004), Mário Martin Guia (2007) e José Moreno (2010, reeleito em 2012). Aconteceram
algumas cisões no seio do campo da “regularidade”: a GLNP-Grande Loja Nacional Portuguesa
(vinda da GLRP), a Grande Loja Tradicional Portuguesa, mista, vinda da GLLP -– a qual depois
sofre sua vez uma cisão, formamndo-se o GOI-Grande Oriente Ibérico -. De salientar a criação
recente da Grande Loja Simbólica do Rito de Menfis e Misrim, cujo Grão Mestre é Pedro Rangel.

“Last but not least”, é de registar a criação pela Grande Loja Feminina de França, já depois do
25 de Abril, da Grande Loja Feminina de Portugal, única Obediência Maçónica Feminina em
Portugal – com Grão Mestras como Maria Belo, Júlia Maranha, Feliciana Ferreira, etc.. Já houve,
entretanto, uma cisão protagonizada por uma sua ex-Grã-Mestra, a Prof. Maria Helena Carvalho
dos Santos, tendo criado uma Obediencia mista.

Saliência, ainda, também para uma Obediência histórica mista que existe em França desde 1900,
criada por Marie Desraimes e que é o Direito Humano e que se estabeleceu em Portugal também
depois do 25 de Abril.
Bibliografia:

- L’Ésotérisme – Antoine Faivre – Paris, P.U.F. (Presses Universitaires de France), 1ª. Ed.,
1992, 5ª. Edição acualizada, 2012 – existe tradução em português (que está esgotada)

- L´´Esotérisme – Pierre A. Riffard – Paris, Laffont, 1ª. Ed., 1990 – já existe tradução em
português.

- L’Histoire de l’Ésotérisme et des Sciences Occultes – Jean-Paul Corsetti – Paris,


Larousse, 1ª.ed., 1992

- Le regard ésotérique – Jean-Piere Laurent - Paris, Bayard, 1ª. Ed., 2001

- Magic and Mysticism – An Introduction to Western Esotericism – Arthur Versluis –


Maryland, Rowman &Littlefield, 2007

- The Western Esoteric Traditions – Nicholas Goodrick-Clarke – Oxford University Press,


2008

- Nouveau Dictionnaire de l´Ésotérisme – Piere Fiffard – Paris, Payot, 1ª. Ed., 2008

- The Theosophical Enlightenment – Joselyn Goodwin


E ainda:

- o Xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase – Miscea Eliade

- Mystery religions - Buirke

- Os Evangelhos Gnósticos -…………… - Ésquilo

- As Escrituras Gnósticas – Tradução, introdução e notas de Bentley Layton – Edições


Loyola, São Paulo, Brasil, 2002 (Tradução de The Gnostic Scriptures, 1987).

- Hermés Trismégiste – trad. Louis Ménard – Ed. De la Maisnie/Guy Trédaniel, Paris, s.d.
(anos 70)

- Zohar, o Livro do Esplendor - Ed. Estampa, Lisboa, 1994

- A Cabala explicada – Janet Berenson-Perkins, Livros e Livros, Lisboa, 2002

- Sefrer Yetzirah (bilingue) – Ed. Obelisco, Barcelona, 1983

- O Sufismo - - Ed. Eurolpa-América

- Antologia do Sufismo - - Al Furqan

- Histoire de la Philosophie Islamique – Henry Corbin – Gallimard

- Le Soufisme - - L’Originel

- Giordano Bruno e a tradição hermética – Frances Yates – ed. Pensamento

- “La Rose-croix” – Bernard Gorceix - PUF

- “Le Rose-croix et la crise de la conscience européenne”

- “L’utopie Rose-croix”

- “Les Rose-croix et la société idéale”

Do autor:

- Fernando Pessoa e os Mundos esotéricos, Ésquilo, 3ª. Ed. 2007

- Os Jardins iniciáticos da Quinta da regaleira, Ésquilo, 2ª. Ed. 2006


- Um outro olhar, a face esotérica da cultura portuguesa – Ésquilo, 2008

- A Alquimia, o novos alquimistas e as novas espiritualidads – Ésquilo, 2009

BIO-BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

José Manuel de Morais Anes, nascido em Lisboa a 21/6/44, licenciou-se - depois de ter
regressado do Serviço Militar Obrigatório em Angola - em Química, em 1974, pela Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa, tendo-se Doutorado, em 2009, em Antropologia Social e
Cultural pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi
Assistente de Biomatemática na Faculdade de Medicina de Lisboa (H.S.M.) e estagiou em Madrid
no Instituto de Química-Física Rocasolano do C.S.I.C. Foi Perito Superior de Criminalística do
Laboratório de Polícia Científica, durante 19 anos (1978-1997) e Assistente convidado da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nos Departamentos de Antropologia e de Ciência
Política, durante 18 anos (1986/7-2004/5).

É membro da ESSWE – European Society for the Study of Western Esotericism (fundada
pelos Profs. Wouter Hannegraaf e da Universidade de Amsterdão e Antoine Faivre da
EPHESS/SSR, Sorbonne. Publicou nestes domínios do Esoterismo os seguintes livros: Re-criações
herméticas e “Recreações herméticas II (Hugin, respectivamente, 1995, 1996), Maçonaria
regular (Hugin, 2003), “Fernando Pessoa e os Mundos esotéricos (Ésquilo, 3ª. Ed, 2008), “Os
Jardins iniciáticos da Quinta da Regaleira” (Ésquilo, 2ª. Ed., 2006), “Um outro olhar, a face
esotérica da cultura portuguesa” (Ésquilo, 2008), “A Alquimia, os novos alquimistas e as novas
espiritualidades (Ésquilo, 2009) e, com outros autores, “Portugal misterioso” (Seleccções
Reader’s Digest , 2004), “A Flauta mágica e os mistérios iniciáticos” (Ésquilo, 2007), “O Inferno
de Dante” (Ésquilo, 2013), etc.
Dirigiu na Ed. Hugin a colecção Biblioteca hermética tendo aí publicado livros de autores
como Lima de Freitas, Adalberto Alves, Manuel J. Gandra, Carlos Calvet, etc. Leccionou vários
cursos livres sobre temas esotéricos na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, na Universidade
Lusófona, no Centro Nacional de Cultura, no Âmbito Cultural do El Corte Inglês, etc.

No domínio da Segurança foi co-fundador e depois Presidente do OSCOT – Observatório


de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo e é Director, desde a sua fundação em
2006 da revista trimestral “Segurança e Defesa” (Ed. Diário de bordo). É Professor Auxiliar na
Universidade Lusíada de Lisboa das cadeiras de Organizações criminais e de Terrorismo da
Licenciatura de Políticas de Segurança, sendo também Professor Auxiliar na Universidade
Lusíada do Porto, onde lecciona a cadeira de Criminalística e Metodologia de Investigação
Criminal da Licenciatura em Criminologia. É também Professor Auxiliar no ISCSEM – Instituto
Superior de Ciências da Saúde “Egas Moniz”, onde lecciona as cadeiras de Introdução às Ciências
Forenses e de Metodologia de Investigação Criminal e Análise de Informações criminais (opção)
da Licenciatura de Ciências Forenses e Criminais. É Professor do Mestrado em Direito e
Segurança na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e no IESM – Instituto de
Estudos superiores Militares. Neste domínio, foi co-autor do livro “As teias do terror” (Ésquilo,
2006), autor de 5 artigos sobre violência religiosa pulicados na revista Janus 2007 (Público/Univ.
Autónoma) e coordenador do livro colectivo “Organizações criminais – uma introdução ao crime
organizado” (Edições Lusíadas, 2ª. Ed., 2013).

Bibliografia (outras publicações)

- “As Tentações de Bosh e o Eterno Retorno”, Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1994;
- “Poesia e Ciência”, Lisboa, Cosmos/GUELF, 1994;
- “Caos e Meta-Psicologia”, Lisboa, Fenda/ISPA, 1994;
- “Religião e ideal maçónico”, Lisboa, ISER, 1995;
- “Seminário sobre Newton”, Évora, Universidade de Évora/CEHFC, 1995;
- "Masoneria y religión", Madrid, Ed. Complutense, 1996;
- “A Vivência do Sagrado”, Lisboa, Hugin, 1998,
- “A Quinta da Regaleira: história, símbolo e mito”, Fundação Cultursintra, 1998;
- “Portugal Misterioso”, Lisboa, SRD, 1998;
- "L'Âme secrète du Portugal", Paris, L'Originel, nº 9, 2000;
- “L’Homme à venir - Mémoire du XXe.siècle – nº.2”, Paris, Rocher, 2000;
- “Discursos e práticas alquímicas - I”, Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2001;
- “Esoterismo e Humanidades” –Colibri/Faculdade de Letras de Lisboa, 2001;
- “Discursos e práticas alquímicas – II” – Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2002;
- “O Homem do futuro – um ser em construção” – São Paulo –Br., Triom/USP,
2002;
- “A Creação – La Création” – Lisboa, Atalaia/Intermundos, 2003;
- “O Esoterismo da Quinta da Regaleira“ (entrevista conduzida por Vitor
Mendanha), Hugin, Lisboa, 1e éd.1998, 2e éd. 2000; 3ª. Ed., 2002; 4ª. Ed. 2003.
-"Templiers: les yeux du baphomet" - Monts, Rafael de Surtis/Éditinter, 2004
- Préfacio ao livro de Rémi Boyer "La Franc-Maçonnerie comme Voie d'Éveil",Ed.
Rafael de Surtis/Editinter,Monts,França, 2006.

-Prefácio ao livro de Jorge Matos "O pensamento maçónico de Fernando Pessoa",


Editora "Sete Caminhos", Lisboa, 2006.

- "Arte, História e Arqueologia - Homenagem a J. Pais da Silva"


Diversos autores, coordenação de Pedro G.Barbosa, Ésquilo, Dezembro de 2006,
inclui o meu artigo "O Sagrado, a religião e a violência". (pp.297-304)

- Participação no opúsculo "Messianismo"


Com Helena Longrouva, Paulo Brito e Abreu José Manuel Fernandes, publicado em
Fevereiro de 2006, pela Editora "Apenas", Lisboa

- "Inquisição Portuguesa: Tempo, Razão e Circunstância". Autores diversos,


coordenação de Luís Filipe Barreto, José Augusto Mourão, Paulo de Assunção, Ana
Cristina da Costa Gomes, José Eduardo Franco, Ed. Prefácio, Lisboa - São Paulo,
Janeiro de 2007. Inclui o meu artigo "As atribulações do Hipólito José da Costa
(1774-1823): um grande nome da Maçonaria portuguesa e da imprensa brasileira,
preso por Pena Manique e interrogado pela Inquisição" (pp. 45-55)

- "Os Evangelhos 2007 Comentados"


Diversos autores, editores José Calos Calazns, José Sousa Machado (autor e
introdução), Paulo Mendes Pinto, Prefácio de Adel Yussef Sidarus, Posfácio de
Carlota Mantero, Edições O Firmamento, Novembro de 2006. Inclui o meu
comentário ao Evangelho de Lucas, 14, 25-33, para o Domingo 9 de Setembro de
2008 (ano C)

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