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04/01/2023 17:57 Brasil precisa de um SUS no transporte público 04/01/2023 17:57 Brasil precisa de um SUS no transporte público

de modo a servir ao interesse privado, têm evidenciada sua fragilidade enquanto serviço público essencial –
que deveria garantir o deslocamento da população com segurança e conforto.

Assine A desigualdade urbana brasileira fica escancarada. O vírus pode ser “democrático” na contaminação, mas
Assineas
possibilidades de proteção a ele não o são. As condições de vida nas periferias das cidades, a não
universalização do saneamento, a desigualdade econômica e a precariedade dos transportes cobram seu
preço: contribuem para que os impactos do novo coronavírus sejam maiores e mais graves entre a população
mais pobre, majoritariamente formada por pessoas negras.
O vírus chegou ao Brasil de avião, pelas elites. Infectou comitivas presidenciais e convivas de festas em
resorts, para então se disseminar. Hoje, alastra-se nas periferias. Ligando esses dois mundos tão desiguais
estão os sistemas de transporte coletivo: os ônibus, trens e metrôs que, no contexto de isolamento social,
passaram por ajustes operacionais que acabaram por agravar as condições já precárias de circulação.

questões urbanas  

BRASIL PRECISA DE UM SUS NO TRANSPORTE PÚBLICO


O transporte coletivo urbano por ônibus já enfrentava uma grave crise quanto à sua gestão e financiamento,
Ônibus e trens ficaram ainda mais cheios na pandemia; contágio entre os mais pobres escancara abismo social no país
que agora se acentuou. A forma de licitação – contratos de longa duração que concentram gestão, frota,
garagens e bilhetagem em poucos atores – e a fragilidade do controle público induzem à precarização do
serviço. As concessionárias obtêm seus ganhos a partir do pagamento da passagem, o que, na ausência de
Clarisse Cunha Linke e Roberto Andrés
subsídio público, induz ao aumento dos preços e à redução da oferta. Tudo isso resulta na evasão de
14 jul 2020_18h29
passageiros, que migram, muitas vezes se endividando, para carros e motocicletas, e na consequente
redução da receita dos sistemas de transporte, realimentando o círculo vicioso.
Esse esquema fez com que os ônibus urbanos brasileiros perdessem 25% de seus passageiros entre 2013 e
2017, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A utilização do
transporte coletivo tornou-se um mal necessário para aqueles impossibilitados de se deslocarem em outros
meios. Esses usuários cativos enfrentam serviços cada vez piores: veículos lotados e mal conservados, preços
altos, redução de horários. Uma pesquisa da FGV/DAPP de 2014 já apontava para os números alarmantes
de insatisfação com o serviço no Brasil: 73% dos passageiros estavam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com
o transporte público nas regiões metropolitanas brasileiras. Esse número chegava a 77% no Rio de Janeiro e
82% em Brasília. Essa precarização tornou-se elemento constituinte do sistema, que conta com ela para aferir
seus ganhos financeiros.
Com a pandemia, tudo isso se intensificou. A redução brusca de passageiros durante a quarentena fez
despencar a receita. A resposta, em praticamente todas as grandes cidades brasileiras, se deu pela suspensão
de linhas e serviços, redução de frotas, fechamento de estações e ajustes operacionais com aumento de
intervalos. Em muitas cidades, foram criados protocolos de lotação máxima dos ônibus e trens, mas há
diversos relatos de situações em que eles não vêm sendo respeitados.

O conflito entre os interesses públicos – qualidade, conforto, oferta ampla – e aqueles ligados à forma de
financiamento (e ao lucro das empresas) se explicitou. Gestores públicos e empresários do setor têm
A+ A- A denunciado desequilíbrio econômico financeiro com a proibição de aglomerações nos transportes, o que
deixa nítido que os sistemas de transporte coletivo urbano no Brasil contam com a lotação para garantir seus

U
ma situação extrema como a pandemia de Covid-19 põe lente de aumento na forma de organização ganhos financeiros e sua lucratividade.
das sociedades. Vem à tona o que temos de melhor e de pior. Um sistema nacional integrado e Esse modelo, que já era disfuncional e produtor de mal-estar, torna-se um perigo à saúde pública em um
público de saúde, como o SUS, mostra sua importância fundamental na proteção à saúde. Por outro
contexto como o da pandemia. Um estudo da Rede de Pesquisa Solidária mostra que os ajustes realizados no
lado, sistemas urbanos de transporte coletivo, que há décadas vêm sendo sucateados e estruturados transporte público aumentaram as lotações dos ônibus e trens. Uma pesquisa feita pelo LabCidade da USP,
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junto ao Instituto Pólis, correlacionou os bairros da cidade com mais casos de Covid-19 às viagens de ônibus protegida enquanto se desloca em automóveis, enquanto a população de baixa renda assume o risco de se
para o trabalho, concluindo que a população mais afetada foi a que saiu para trabalhar em transporte deslocar no transporte coletivo.
público durante a pandemia.
Assine Para que a economia seja retomada, é preciso que as pessoas possam sair de casa sem se exporem a riscos
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O sistema de transportes urbanos precisa mais do que nunca demonstrar capacidade adaptativa para se sanitários. Ou redesenhamos nossos sistemas de transportes, tornando-os de fato públicos, adaptáveis e
ajustar às crises que, sejam sanitárias ou ligadas a eventos climáticos, serão cada vez mais frequentes. Para baseados nos interesses coletivos, ou veremos acentuar a desigualdade urbana e social, e com ela a crise
isso, será necessário tratar o transporte como serviço público essencial, que, assim como o SUS, deve ter um econômica e das condições de vida da maioria.
modo de operação e financiamento que garantam seu acesso universal, em tempos “normais” mas também
A Constituição Federal Brasileira estabelece, em seu artigo sexto, o transporte como direito social a ser
em situações emergenciais. A ideia de um Sistema Único de Mobilidade (SUM) vem sendo proposta por
provido pelo Estado, assim como são saúde e educação. A infraestrutura e serviços de transporte são
entidades e deveria pautar as mudanças que o sistema demanda. Uma outra proposta nessa linha está
essenciais para garantir as condições de vida, o acesso a serviços públicos, ao emprego e aos equipamentos
divulgada no site Mobilidade Brasil, que lista os principais itens a serem enfrentados para uma efetiva
urbanos. A pandemia demanda um posicionamento da sociedade sobre o que é inegociável. Demanda que
política nacional de mobilidade urbana: fonte de financiamento público estável; gestão pública efetiva;
se revisite contrato social e acorde sobre o que é essencial para a vida democrática plena nas cidades.
estabelecimento de métricas de desempenho; além da necessidade de uma política industrial de mobilidade
urbana.

Clarisse Cunha Linke


Apesar da urgência do assunto, pouco se tem avançado no Brasil. Até o momento, o Programa Emergencial
Mestre pela London School of Economics and Political Science e diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte
Transporte Social, proposto pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, ANTP
e Desenvolvimento/Brasil.
e NTU, continua parado no Senado. Representantes do Ministério da Economia tem afirmado que esse é um
problema dos municípios, mas estes não têm, entretanto, condições financeiras para proverem
financiamento consistente do sistema.  Roberto Andrés
Não faltam exemplos internacionais de tratamento do transporte público como serviço essencial, inclusive É urbanista e professor da UFMG. Foi um dos fundadores da revista Piseagrama e da iniciativa Nossa
como parte das estratégias de contenção da Covid-19 em centros urbanos. Nos EUA, a Lei de Auxílio, Alívio América Verde
e Segurança Econômica de Coronavírus (CARES), um pacote emergencial de 2 trilhões de dólares,
divulgado no final de março, destinou 25 bilhões de dólares para agências de transporte público, de modo a
garantir a manutenção do serviço e dos empregos no setor.
Cidades estadunidenses, nos estados de Nevada, Ohio e Vermont, eliminaram a tarifa como medida para
evitar aglomerações no embarque e aliviar um peso financeiro para os passageiros de baixa renda, parte
significativa do contingente de trabalhadores nos serviços essenciais. Tal medida só é possível porque nestes
estados o transporte público é originalmente subsidiado e gerido pelo poder público, elementos

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fundamentais para que o serviço seja mantido em situação emergencial.
Em outros países, diversas cidades demonstraram que a adequação da rede para garantir a prestação do
serviço com segurança é viável. O redesenho da operação para garantir acesso à saúde para profissionais e
pacientes, por exemplo, foi feito em Madrid, Paris, Bruxelas e Buenos Aires, com aumento de oferta ou
criação de serviços especiais para o acesso a hospitais e equipamentos de saúde. No caso brasileiro, Curitiba
acaba de anunciar uma linha especial de ônibus para profissionais de saúde.
Há um olhar enviesado – quiçá esperançoso – de que o home office vá transformar a demanda por
transporte nos centros urbanos. Previsões do IPEA e do IBGE apontam possibilidade de trabalho remoto em
25% das ocupações no mercado de trabalho, sobre atividades intelectuais, técnicas, científicas e executivas.
No entanto, isso significa que ao menos 75% dos empregos, na retomada, ainda dependerão de sistemas de
mobilidade urbana para seus deslocamentos diários entre casa e trabalho. Esses empregos estão
majoritariamente alocados na base da pirâmide econômica, onde há maior percentual de utilização do
transporte público. questões urbanas questões urbanas

Um estudo recém-publicado pelo BID aponta que “no Brasil e nos países da região da América Latina, NÃO EXISTE INDÚSTRIA DA MULTA CIDADE SÃ, MENTE SÃ?
grande parte da população tem no transporte público seu único meio de deslocamento para o trabalho SEM INDÚSTRIA DA INFRAÇÃO NO Urbanização precária afeta saúde mental
durante a pandemia”. A equação aqui não é difícil de entender: a população de renda média e alta fica
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