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CAPÍTULO 3

CAPÍTULO

3
Como Ler
Artigos Científicos
Lúcia Campos Pellanda

• Indagação Científica
• Validade Interna
• Inferência Estatística
• Importância
• Significância Clínico-epidemiológica
• Validade Externa
• Aplicabilidade
• A Leitura de Ensaios Clínicos Randomizados

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COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS

O único conselho que realmente se trar algumas sugestões de perguntas inseridas nos
pode dar sobre leituras é o de não quadros. No entanto, esta é apenas uma sugestão
aceitar conselhos, seguir o próprio de roteiro, já que há inúmeros esquemas seme-
instinto, usar o próprio discernimen- lhantes de leitura que podem ser adaptados a dife-
to e chegar às suas próprias con- rentes situações (ver capítulo anterior).
clusões. Afinal, que regra pode-se
estabelecer sobre os livros? O Ensaio Clínico Randomizado (ECR) é uma
das principais fontes de evidências para apoiar a
Virginia Woolf prática clínica disponível atualmente. Assim, é fun-
“How should one read a book”, 1926 damental para o médico ginecologista familiarizar-
se com alguns dos aspectos metodológicos
No capítulo anterior (Aplicação da Medicina particulares deste tipo de estudo, que são discuti-
Baseada em Evidências na Ginecologia), foi dis- dos separadamente no final do capítulo.
cutido o processo de busca das evidências. Após
encontrar as evidências que procura, o médico se
vê diante de um novo desafio: interpretar os resul- INDAGAÇÃO CIENTÍFICA
tados de sua busca, ou seja, avaliar criticamente
os artigos científicos. Como já discutido, o médico O autor investigou o que realmente queria
ginecologista deve buscar evidências oriundas de investigar?
estudos clínico-epidemiológicos em seres huma-
Este ponto é importante, pois nem sempre o
nos, que valorizam desfechos de saúde-doença
modo como foi planejado ou conduzido o estudo
que realmente tenham significado para o pacien-
permite que se estabeleçam as conclusões que o
te e a sociedade.
autor pretendia no início.
Para gerar evidências válidas e que realmente
possam ser utilizadas pelo clínico, o estudo deve Aqui é importante avaliar:
preencher várias condições, como possuir um de- • Questão da pesquisa: dúvida a investigar
lineamento adequado para responder à questão a
• Objetivos: aspectos a abordar em determinado
que se propõe. Estudos bem desenhados, envol-
projeto
vendo um grande número de pacientes e livres de
vieses em geral produzem evidências considera- • Hipóteses a priori: posições prévias sobre o
das mais fortes. Assim, a força das evidências pode resultado do estudo
ser graduada de acordo com o seu peso científico, • Quadro teórico: conjunto de conhecimentos
dependendo do estudo que a gerou.
teóricos que norteiam o desenvolvimento de
É fundamental, assim, que o ginecologista se um estudo e a interpretação de seus resultados
transforme em um leitor atento, capaz de identifi-
car, entre tantas publicações da área, os artigos
potencialmente úteis para a sua prática, realizando Ler título, autores, periódico e institui-
uma avaliação crítica dos mesmos para julgar a ção, introdução e resumo
sua capacidade de produzir evidências fortes.
O assunto é relevante?
Ao iniciar a leitura de um artigo científico, o
Qual é o objetivo principal do estudo?
médico ginecologista deve avaliar a validade e a
importância do estudo. A validade refere-se aos Qual é o enfoque clínico?
aspectos metodológicos da pesquisa, avaliando Qual é o fator em estudo e qual é o desfe-
se ela foi bem planejada e bem conduzida, produ- cho clínico?
zindo resultados verdadeiros. A importância trata
do potencial impacto que os resultados da pes- O estudo envolve comparações para tes-
quisa teriam na prática. te de hipóteses?
Estes aspectos são desdobrados para formar Qual é a hipótese?
um esquema de leitura crítica, detalhado a seguir. Qual é o quadro teórico?
Para cada aspecto discutido, o leitor pode encon-

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VALIDADE INTERNA associam-se na causação de uma doença, difi-


cultando a avaliação de cada fator isoladamen-
Os resultados estão corretos para as pessoas te. Para isto, é necessário planejar bem o estudo,
da amostra? coletando dados sobre todos os possíveis fa-
tores de confusão, controlando-os depois du-
A validade depende de como o estudo é pla- rante a fase de análise estatística.
nejado, conduzido e analisado. É crucial neste
ponto avaliar a possibilidade de vieses que influ- Todos os vieses identificados pelo leitor de-
enciem os resultados do estudo. Vieses são dis- vem ser agora avaliados quanto às suas possí-
torções que não acontecem por acaso, mas por veis conseqüências sobre os resultados do
erros no planejamento, condução ou interpreta- estudo, ou seja: os vieses identificados agem em
ção do estudo, e que levam à alteração sistemática que direção? Qual é a magnitude destes proble-
dos resultados do estudo, e também são chama- mas? Em geral muitos potenciais vieses são iden-
dos de erros sistemáticos, vícios, tendenciosida- tificados, mas poucos permanecem nesta segunda
des ou “bias”. fase como realmente capazes de distorcer os
resultados do estudo.
Para facilitar sua identificação, os vieses po-
dem ser classificados em:
• Vieses de seleção – são erros que ocorrem du- Ler materiais e métodos
rante a seleção dos pacientes para o estudo, Qual é a população da pesquisa?
tornando a população selecionada não repre-
sentativa da população que realmente deveria Qual é o delineamento?
ser estudada. Quando são comparados dois Como foi feita a seleção da amostra?
grupos (um que utiliza uma droga e outro que Como as variáveis foram medidas?
recebe placebo, por exemplo), o viés de seleção
ocorre quando os pacientes são selecionados Há possíveis fatores de confusão?
de modo diferente em cada grupo (no exemplo Ler os resultados
acima, os pacientes que recebem a droga pode-
Quais são os achados principais?
riam estar internados em um hospital, enquanto
os do grupo placebo seriam selecionados entre Os autores controlaram o potencial para
voluntários menos doentes). Outro tipo de viés confundimento?
de seleção ocorre quando as perdas do estudo Formar uma opinião sobre a VALIDADE
são desparelhas entre os grupos, resultando INTERNA
em diferenças indesejadas.
(magnitude e direção dos vícios identifi-
• Viés de aferição – este viés ocorre durante a cados e não rejeitados na análise; con-
mensuração das variáveis em estudo. Se o pes- trole dos autores sobre os vícios de
quisador sabe a qual grupo o paciente perten- confusão)
ce, por exemplo, pode insistir mais em obter
respostas positivas em um grupo do que em
outro, resultando em um viés de aferição. Uma INFERÊNCIA ESTATÍSTICA
das maneiras de evitar este erro é o mascara-
mento ou cegamento, em que nem o paciente
Na tentativa de generalizar os dados para uma
nem o pesquisador sabem a que grupo o paci-
população maior, utiliza-se a inferência estatística.
ente pertence.
No entanto, durante este processo, existe um erro
• Viés de confusão – neste caso, outras variáveis inerente, denominado erro aleatório, que se deve
que produzem o desfecho clínico (chamadas de tão somente ao papel do acaso. A avaliação da
fatores de confusão) estão desigualmente dis- probabilidade deste tipo de erro é feita por testes
tribuídas entre os grupos. Este viés é favoreci- estatísticos. Quando a probabilidade de erro é bem
do pela vida real, em que vários fatores pequena, diz-se que os resultados são estatisti-

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COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS

camente significativos. Para isto, é necessário de- • O pesquisador encontra uma diferença, mas ela
cidir, antes de iniciar o estudo, qual a probabili- não existe na população, ocorreu somente pelo
dade máxima de erro que o pesquisador está papel do acaso. Este é o erro alfa ou tipo I.
disposto a tolerar. Este valor é chamado de alfa
• O pesquisador não encontra uma diferença que
crítico. Em medicina, geralmente utiliza-se um
alfa crítico de 5%, ou seja, aceita-se uma probabili- realmente existe. Este é o erro beta ou tipo II.
dade de até 5% de erro aleatório. • O pesquisador não encontra uma diferença que
Mas existe também um outro tipo de erro alea- realmente não existe.
tório: aquele que estima a probabilidade de o pes- Outra maneira de estimar o erro aleatório são
quisador não encontrar em seu estudo uma os Intervalos de Confiança (IC). Os IC incluem uma
diferença que realmente existe no mundo real. Este faixa de valores de cada lado do valor obtido pelo
é denominado erro beta, como é possível obser- estudo, que poderiam ainda ser esperados com
var na Fig. 3.1. base na variabilidade (ou imprecisão) da amostra
estudada em relação à populaçao original. Desta
maneira, é possível apresentar os resultados de
um estudo com seus valores originais e uma esti-
mativa de sua variabilidade através dos IC. Esta
abordagem oferece muito mais informação ao lei-
tor do que a simples classificação entre “estatisti-
camente significativo” e “não estatisticamente
significativo” fornecido pelo uso do valor de p
isoladamente. O IC mais comumente utilizado é o
de 95%, ou seja, equivalente a um alfa de 5%.

A escolha dos testes estatísticos foi ade-


Fig. 3.1 – Erro alfa e erro beta. quada?
Se os achados do estudo foram significa-
Quando se comparam os resultados obtidos tivos: qual o alfa ou IC?
no estudo com o que realmente ocorre na popula- Houve comparações múltiplas?
ção, quatro situações são possíveis (Tabela 3.1):
Se os achados não foram significativos: o
• O pesquisador encontra uma diferença que poder do estudo foi avaliado?
realmente existe.

TABELA 3.1
Comparação entre Erros Sistemáticos (Vieses) e Aleatórios (Acaso)

Viés Acaso

– sempre em uma direção – tem a mesma probabilidade de alterar os


– prevenido pelo planejamento e análise adequada resultados em uma ou outra direção
dos dados – não pode ser eliminado, mas minimizado pelo
– pode ser detectado por um leitor crítico planejamento adequado
– nenhum tratamento estatístico pode “consertar” – erro remanescente pode ser estimado pela
vieses não identificados estatística

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CAPÍTULO 3

IMPORTÂNCIA descrevem detalhadamente os benefícios de uma


intervenção, mas o relato dos efeitos adversos
Após a fase de avaliação da indagação cien- podem ser bem menos discutidos. O ideal seria
tífica, validade interna e inferência estatística, o que, alem do número que necessita tratamento
leitor pode chegar a uma conclusão sobre a vali- (NNT), os autores fornecessem também dados
dade geral do estudo, ou seja, julgando se os sobre o número de pacientes tratados para que
resultados estão corretos para aquelas pessoas ocorra um efeito adverso (NND de dano, ou NNH
que foram estudadas. Mas o objetivo de um tra- de Harm, no inglês). Também pode ocorrer a situa-
balho científico nunca se restringe àquelas pes- ção em que um tratamento é eficaz, mas seus cus-
soas que foram estudadas em determinada tos são proibitivos, ou as interações com outros
amostra. O pesquisador pretende generalizar os medicamentos utilizados pelos pacientes interfe-
resultados para uma população maior (e, geral- rem com os seus resultados na prática.
mente, mais abstrata) para que seu trabalho seja
útil a um grande número de pessoas. Assim, a A magnitude dos achados tem relevância
segunda etapa na leitura crítica de um artigo ci- clínico-epidemiológica?
entífico inclui a importância do assunto estuda-
do. Um estudo muito bem feito e, portanto, válido, Os resultados podem ser generalizados
teria pouca importância se não produzisse nenhum para os seus pacientes?
impacto real na prática. Os conhecimentos e técnicas necessários
para a sua aplicação são disponíveis em
nosso meio, com custos aceitáveis e efei-
SIGNIFICÂNCIA tos colaterais mínimos?
CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA

Refere-se ao impacto que os resultados pro- Ao finalizar a leitura do artigo, é necessá-


duziriam se aplicados na prática. Por exemplo: rio estabelecer as próprias conclusões, inte-
a doença é comum? Qual a redução de risco grando as informações presentes na publicação
com o tratamento? aos conhecimentos prévios do leitor e à sua
experiência pessoal.

VALIDADE EXTERNA
Você concorda com as conclusões dos au-
tores?
Capacidade de generalização: os resultados
do estudo podem ser verdadeiros em outras situa- De acordo com os objetivos com que você
ções? Por exemplo, os estudos feitos em pacien- iniciou a leitura deste artigo, quais são as
tes norte-americanos podem ser aplicados em suas conclusões?
pacientes brasileiros? Aqui o leitor deve julgar de
acordo com as características da amostra e suas
possíveis semelhanças e diferenças com seus pró-
A LEITURA DE ENSAIOS CLÍNICOS
prios pacientes. RANDOMIZADOS

Estima-se que mais de 300.000 ECRs tenham


APLICABILIDADE sido conduzidos desde 1948, quando foi publica-
do no British Medical Journal o estudo conside-
Aqui o leitor deve fazer algumas considera- rado precursor do moderno ensaio randomizado,
ções de ordem prática: as técnicas ou interven- “Streptomycin Treatment of Pulmonary Tuber-
ções descritas no estudo são disponíveis e culosis.” É praticamente impossível encontrar uma
aplicáveis no nosso meio? Quais seriam os cus- edição dos principais periódicos médicos que não
tos? E os riscos? Em geral, os ensaios clínicos contenha pelo menos um ECR, e estes estudos

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COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS

são considerados essenciais, hoje, no processo Qual é a Intervenção?


de aprovação de novas drogas.
Um Ensaio Clínico Randomizado é um estudo A intervenção é o tratamento novo estuda-
no qual os pacientes são designados aleatoria- do no ECR, e deve ser caracterizada detalhada-
mente para dois ou mais grupos. Um dos grupos – mente. No caso de fármacos, por exemplo, é
o grupo da intervenção ou tratamento – recebe o importante avaliar a dosagem utilizada, a forma
novo tratamento ou intervenção preventiva que de administração, a forma de acompanhamento
está sendo avaliado, enquanto o outro grupo é do tratamento e de avaliação da aderência dos
considerado o grupo controle, e recebe o trata- pacientes. Além disto, nesta etapa avalia-se tam-
mento usual ou placebo. Todos os pacientes são bém com o quê esta intervenção será compara-
seguidos ao longo do tempo para avaliar a inci- da: placebo, tratamento convencional ou outra
dência de eventos (desfechos) nos dois grupos, intervenção. Deve-se determinar se é apenas a
conforme demonstra a Fig. 3.2. droga que difere entre os grupos, ou se há ou-
O ECR é o delineamento menos sujeito a vie- tras co-intervenções dentro de um mesmo “pa-
ses, pois quando o investigador especifica a sele- cote” (acompanhamento mais intensivo com
ção dos grupos, as características da intervenção, consultas mais freqüentes, orientações sobre
o acompanhamento dos pacientes e a mensuração fatores de risco etc).
dos desfechos, a comparação entre os grupos
apresenta menos problemas do que em um estudo
observacional. Como os ECRs são mais controla- Quais são os Desfechos Avaliados?
dos do que os estudos observacionais, estando
mais próximos de experimentos realizados sob O benefício de uma intervenção geralmente é
as condições de laboratório, são também deno- medido em termos de redução de um desfecho.
minados de estudos experimentais ou de interven- Na Fig. 3.1, por exemplo, os desfechos conside-
ção. Todas as perguntas do roteiro geral de leitura rados são o AVC e a morte por causas cardiovas-
crítica aplicam-se à leitura de um ensaio clínico culares. Estas duas situações representam
randomizado. No entanto, alguns aspectos mere- desfechos clínicos, ou seja, eventos importantes
cem atenção particular. para o paciente.

Fig. 3.2 – Ensaio Clínico Randomizado.

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CAPÍTULO 3

Os Desfechos Considerados são hipoglicemiantes orais, ou aspirina com anticoa-


Clinicamente Significativos? gulantes orais).
O pesquisador pode também utilizar duplo pla-
Ver Capítulo 2. cebo (double dummy) para evitar que se descubra
que tratamento está sendo administrado. No estu-
do LIDO, por exemplo, todos os pacientes recebe-
Como foi Selecionada a População do
ram duas infusões: uma com droga ativa e outra
Estudo? com placebo. As drogas (levosimendan e dobuta-
mina) possuíam dois placebos correspondentes
As características dos pacientes incluídos no
com características de administração semelhantes.
ECR determinam a capacidade de generalização das
conclusões para outros pacientes. No entanto, os
pacientes finalmente incluídos tendem a ser uma Como foi Feita a Randomização?
amostra altamente selecionada (e viciada) de to-
dos os pacientes com a condição de interesse. Em No ECR, cada paciente tem uma chance igual
primeiro lugar, os pacientes que se recusam a par- (ou conhecida) de ser incluído em qualquer um
ticipar tendem a ser sistematicamente diferentes dos grupos. De forma correspondente, a randomi-
daqueles que concordam em entrar no estudo. zação é importante porque os pacientes de cada
Além disto, geralmente são selecionados pacien- grupo têm, em média, a mesma probabilidade de
tes considerados “confiáveis” pelos investigado- possuir uma determinada característica, o que as-
res, ou seja, capazes de aderir ao tratamento segura condições semelhantes entre os grupos no
designado e manter o acompanhamento durante o momento de comparar os efeitos dos tratamentos,
período do estudo, e são excluídos representan- reduzindo a possibilidade de vieses de confusão.
A única diferença entre os dois grupos deveria
tes de grupos étnicos menos numerosos ou com
ser, portanto, o próprio tratamento.
outras condições clínicas, o que dificulta a gene-
ralização de um ECR para a prática usual. É importante avaliar se o método de randomi-
zação do estudo está bem descrito, preferencial-
Assim, ao interpretar os resultados de um ECR,
mente realizado através de computador ou outra
é importante considerar que, na vida real, os efei-
forma de sorteio, evitando qualquer atitude cons-
tos do tratamento podem parecer menos promis- ciente ou inconsciente do investigador em sele-
sores do que os relatados no ECR, em parte por cionar desigualmente os dois grupos. Por exemplo,
causa dos efeitos da amostragem. se o pesquisador sabe qual é o próximo tratamen-
to a ser designado, isto pode prejudicar sua dis-
posição em incluir determinado paciente no estudo
O Estudo é Cego?
ou levá-lo a mudar a ordem de seleção.
Se o pesquisador sabe a qual grupo o pacien- Nos estudos cegos, um comitê especial é en-
te pertence, por exemplo, pode insistir mais em obter carregado da monitorização da condução do en-
respostas positivas em um grupo do que em ou- saio. Este comitê tem a prerrogativa de decidir-se
tro, resultando em um viés de aferição. Uma das pela interrupção do estudo assim que se torne cla-
maneiras de evitar este erro é o mascaramento ou ra uma conclusão a respeito do benefício ou au-
cegamento, em que nem o paciente nem o médico sência de benefício, mesmo que antes do prazo
sabem a que grupo o paciente pertence. Além dis- estimado pelos investigadores.
to, o pesquisador que avalia os desfechos em um
ECR também deve ser cego, pois isto pode influen-
Os Pacientes foram Analisados de Acordo
ciar sua aferição.
com o Grupo para o qual foram
Comumente, denomina-se estudo duplo-cego Randomizados?
aquele em que tanto o paciente quanto o médico
estão mascarados. No entanto, nem sempre isto é Durante um ECR, especialmente naqueles em
possível (por exemplo, ao comparar insulina com que o período de seguimento é longo, ocorrem

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COMO LER ARTIGOS CIENTÍFICOS

perdas, desistências ou mesmo troca de grupos. BIBLIOGRAFIA


Alguns pacientes alocados para receber o tratamen-
to podem não tolerar a droga, ou simplesmente não • Duncan BB, Schmidt MI. Medicina Embasada em Evi-
aderir ao tratamento. Por outro lado, pacientes que dências. In: Duncan BB, Schmidt MI, Giugliani E.
deveriam receber placebo podem acabar recebendo (eds.). Medicina Ambulatorial: Condutas Clínicas
uma prescrição de tratamento ativo de seu médico em Atenção Primária. 3. ed. Porto Alegre: Artes
assistente, sem relação com a sua participação no Médicas, 2004; p. 31-40.
estudo. O que fazer com estes pacientes? • Schmidt MI, Duncan BB. Aplicando Evidências Deci-
sões Clínicas: Conceitos de Epidemiologia Clíni-
Mesmo correndo o risco de contaminar os ca. In: Duncan BB, Schmidt MI, Giugliani E. (eds.).
resultados, diminuindo a diferença entre os dois Medicina Ambulatorial: Condutas Clínicas em
grupos, os pacientes devem ser analisados de Atenção Primária. 3. ed. Porto Alegre: Artes
acordo com o grupo para o qual foram designa- Médicas, 2004; p. 45-50.
dos, mesmo que tenham recebido outro tratamen- • Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiolo-
to. Este tipo de análise é denominado de análise gia Clínica: Elementos Essenciais. 4. ed. Porto
por intenção de tratar, ou por tratamento desig- Alegre: Artes Médicas, 2005.
nado. Por outro lado, a análise explanatória ou por • Huley S, Cummings S. Delineando a pesquisa clínica.
tratamento recebido minimiza a possibilidade de 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
• Sackett DL, et al. Medicina Baseada em Evidências.
erro alfa e poderia ser considerada mais próxima
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
da vida real, mas possui uma limitação que a invi- • Greenhalg T. Como Ler Artigos Científicos. Porto
abiliza no contexto de um ECR: os motivos pelos Alegre: Artmed, 2005.
quais os pacientes trocam de grupo não são alea- • Harrington D. Clinical Trial Conundrums. Harvard
tórios. Assim, uma análise por tratamento recebi- Public Health Review 2002, Harvard School of
do eliminaria o efeito da randomização no que se Public Health, Boston, Massachusetts http://
refere a controle de vieses de confusão. www.hsph.harvard.edu/review/index.html.

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