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dossiê temático

MULHERES
E MENINAS
NA CIÊNCIA
ORGANIZADORAS
Cristina Araripe Ferreira
Cristiani Vieira Machado
1
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

D724d Dossiê temático: mulheres e meninas na ciência / organizado por


Cristina Araripe Ferreira e Cristiani Vieira Machado – Rio de Janeiro :
FIOCRUZ, SUS, MS, 2022. 264 p. : il. color.

ISBN: 978-65-87063-12-6
Inclui Bibliografia.

1. Ocupações em Saúde. 2. Mulheres. 3. Grupo com Ancestrais do


Continente Africano. 4. Ciência. 5. Fatores Socioeconômicos. 6. Equidade de
Gênero. 7. Estratégias de Saúde. 8. Promoção da Saúde. 9. Institutos
Governamentais de Pesquisa. I. Machado, Cristiani Vieira (Org.). II. Ferreira,
Cristina Araripe (Org.). III. Título.

CDD - 23.ed. – 331.11913621


dossiê temático
MULHERES
E MENINAS
NA CIÊNCIA
ORGANIZADORAS

Cristina Araripe Ferreira


Cristiani Vieira Machado
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Coordenação de Comunicação Social
Elisa Andries
Presidência
Nísia Trindade Lima Coordenação Geral de Administração (Cogead)
Flávia Silva
Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e
Promoção da Saúde (VPAAPS) Coordenação Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe)
Patrícia Canto Ribeiro Andrea da Luz

Vice-Presidência de Educação, Informação Coordenação Geral de Infraestrutura dos Campi (Cogic)


e Comunicação (VPEIC) Ana Beatriz Alves Cuzzatti
Cristiani Vieira Machado
Coordenação Geral de Planejamento Estratégico (Cogeplan)
Vice-Presidência de Gestão e Ricardo de Godoi Mattos Ferreira
Desenvolvimento Institucional (VPGDI)
Mario Santos Moreira Coordenação Geral de Tecnologia de Informação (Cogetic)
Geraldo Sorte
Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB)
Rodrigo Correa de Oliveira Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos)
Mauricio Zuma Medeiros
Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS)
Marco Aurélio Krieger Casa de Oswaldo Cruz (COC)
Paulo Roberto Elian dos Santos (2017 - 2021)
Chefia de Gabinete Marcos José Pinheiro (2021 - 2025)
Valcler Rangel Fernandes
Juliano Lima Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)
Hermano Albuquerque de Castro (2017 - 2021)
Coordenação de Estratégias de Integração Regional e Nacional Marco Antônio Carneiro Menezes (2021 - 2025)
Wilson Savino
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)
Coordenação de Vigilância em Saúde Anakeila de Barros Stauffer (2017 - 2021)
e Laboratórios de Referência Anamaria D’Andrea Corbo (2021 - 2025)
Rivaldo Venâncio da Cunha
Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos)
Coordenação das Ações de Prospecção Jorge Souza Mendonça
Carlos Gadelha
Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco)
Coordenação Executiva do Complexo dos Institutos Sinval Pinto Brandão Filho (2017 - 2021)
Nacionais de Saúde da Fundação Oswaldo Cruz Pedro Miguel dos Santos Neto (2021 - 2025)
Carlos Maurício de Paulo Maciel
Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) Fiocruz Brasília
Bruno Dallagiovanna Muñiz (2017 - 2021) Maria Fabiana Damásio Passos
Stênio Fragoso (2021 - 2025)
Fiocruz Ceará
Instituto de Comunicação e Informação Científica Antônio Carlile Holanda Lavor
e Tecnológica em Saúde (Icict)
Rodrigo Murtinho de Martinez Torres Fiocruz Mato Grosso do Sul
Jislane de Fátima Guilhermino
Instituto de Ciências e Tecnologias em Biomodelos (ICTB)
Carla de Freitas Campos (2017 - 2021) Fiocruz Piauí
Christoph Milewski (2021 - 2025) Jacenir Reis dos Santos Mallet

Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Fiocruz Rondônia


Adolescente Fernandes Figueira (IFF) Jansen Fernandes de Medeiros
Fábio Bastos Russomano (2017 - 2021)
Antônio Flávio Meirelles (2021 - 2025)

Instituto Gonçalo Muniz (Fiocruz Bahia)


Marilda de Souza Gonçalves

Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia)


Sérgio Luiz Bessa Luz (2017 - 2021)
Adele Benzaken (2021 - 2025)

Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS)


Antônio Eugênio Castro Cardoso de Almeida

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI)


Valdiléa Gonçalves Veloso dos Santos

Instituto Oswaldo Cruz (IOC)


José Paulo Gagliardi Leite (2017 - 2021)
Tânia Araújo-Jorge (2021 - 2025)

Instituto René Rachou (Fiocruz Minas)


Zélia Maria Profeta da Luz (2017 - 2021)
Roberto Sena (2021 - 2025)
VICE-PRESIDÊNCIA DE EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas na Ciência
E COMUNICAÇÃO (Portaria nº 5506/2019-PR)
Ana Carolina de Souza Gonzalez
Vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação Cristiane Nogueira Braga
Cristiani Vieira Machado Cristina Araripe Ferreira
Érika Guedes Farias
Coordenação Geral de Educação Hilda da Silva Gomes
Maria Cristina Rodrigues Guilam Leticia Batista da Silva
Eduarda Cesse Maria Inês Rodrigues
Rosicler da Silva Neves
Coordenação de Informação e Comunicação
Vanessa Arruda Grupo de Trabalho Mulheres e Meninas na Ciência /
Ana Beatriz Aguiar Slaibi Lopes Fórum de Divulgação Científica da Fiocruz
Alexsandra Favacho
Coordenação de Gestão e Planejamento Ana Beatriz Ayres.
Beatriz Velho Ana Helena Gigliotti de Luna Freire
Beatris Duqueviz Beatris Camila Duqueviz
Beatriz Alves Velho
Coordenação de Divulgação Científica Claudia Teresa Vieira de Souza
Cristina Araripe Ferreira Corina Helena Figueira Mendes
Cristiane Nogueira Braga Percini
PROGRAMA MULHERES E MENINAS NA CIÊNCIA Cristina Araripe Ferreira
Elaine Ferreira do Nascimento
Coordenação Fabiane Vinente dos Santos
Cristina Araripe Ferreira Fernanda de Oliveira Bottino
Genimar Rebouças Julião
Equipe técnica Hilda da Silva Gomes
João Marcello Boueri Rossigneux Isabela Soares Santos
Sabrina Behar Jorge Isadora Cristina de Siqueira
Valentina dos Santos Leite Juliana Krapp Guimarães
Thatiana Victoria dos Santos Machado Klena Sarges Marruaz da Silva
Luciana Pereira Lindenmeyer
Jornalista Marcia Muchagata
Simone Kabarite Maria das Graças Rojas Soto
Maria Ines Rodrigues Fernandes
Suporte Administrativo Mariana Conceição de Souza
Maria Emília Boueri Rossigneux Patricia Constantino
Rafaela Vieira Bruno
Renata Monteiro Maia
Rita de Cassia Prazeres de Vasconcelos
Rosicler da Silva Neves
Valeria Cristina Gomes de Castro
Vanira Matos Pessoa
Zélia Maria Profeta da Luz
Esta publicação foi editada pela Equipe do Programa Mulheres
e Meninas na Ciência, vinculado à Coordenação de Divulgação
Científica da Vice-Presidência de Educação, Informação e
Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz.

Este livro foi publicado de acordo com a Política de Acesso


Aberto ao Conhecimento da Fiocruz. Os textos constantes nesta
publicação podem ser copiados e compartilhados, desde que não
sejam utilizados para fins comerciais e que seja citada a fonte e
atribuídos os devidos créditos. Distribuição gratuita.

Apoio: Fiocruz 120 anos: os novos desafios da Saúde Pública e


da Ciência, Tecnologia e Inovação no cenário Nacional e Global.

Endereço:
Av. Brasil 4.036, sala 1016A · Maré,
Rio de Janeiro · RJ, Brasil · CEP 21040-361
e-mail: mulheres.ciencia@fiocruz.br
FICHA TÉCNICA Agradecimento especial às equipes da Vídeo
Saúde Distribuidora/Icict e Canal Saúde/
Organizadoras Fiocruz
Cristina Araripe Ferreira
Cristiani Vieria Machado Autores
Alexsandra Rodrigues de Mendonça Favacho
Pesquisa Aline Lopes Lacerda
Cristina Araripe Ferreira Aline Pessoa
Sabrina Behar Jorge Amanda Forte Ferreira
Amanda Reyes
Edição de textos Ana Lucia de M. Pontes
Jefferson de Matos Campos Anakeila Stauffer
João Marcello Boueri Rossigneux Ananda Santana Mateus
Sabrina Behar Jorge André de Faria Pereira Neto
Thatiana Victoria dos Santos Machado André Luiz da Silva Lima
Valentina dos Santos Leite Andrea da Luz Carvalho
Aryella Maryah Couto Correa
Revisão de textos Beatriz Grinsztejn
Jefferson de Matos Campos Camily Evangelista de Almeida
Marcus Marconi Palmeira Guimarães Carolina Cunha Monteiro
Beth Nardelli Claudilene Silva Gonçalves
Constância Ayres
Transcrição de áudios Corina Helena Figueira Mendes
Ana Lecticia Angelotti Cristiana Ferreira Alves de Brito
Cristiana Grumbach
Projeto gráfico e diagramação Cristiane Nogueira Braga
dorotéia design Cristiani Vieira Machado
Adriana Campos Cristina Araripe Ferreira
B. Benedicto Daiana Galdino Pinto da Silva
Daiane Rossi
Colaboração Dalia Romero
Beatris Duqueviz Delaine Costa
Beatriz Velho Denise Nacif Pimenta
Gabriel Rosa Deusilene Souza Vieira Dall’acqua
Inez Sodré Eduardo de Castro Ferreira
Luciene Moraes Elaine Ferreira do Nascimento
Marcelo Garcia Elisa Urbano Ramos
Pedro Henrique Nunes Jorge Elizabeth Leite
Rita de Cássia Duarte Emilly Yorio Camargo Barbosa
Sabrina Amâncio Estephane Gonçalves Santos
Wagner Nagib Fabiana Damasio
Fabiane Vinente dos Santos
Geisa Paulino Caprini Evaristo
Genimar Rebouças Julião
Gláucia Elisete Barbosa Marcon
Hilda Gomes
Hipamaallhe – Braulina Aurora
Inara do Nascimento Tavares
Isabela Soares Santos
Isadora Cristina de Siqueira
Jaqueline Goes
Jislaine de Fátima Guilhermino
João Marcello Boueri Rossigneux
José Gadelha da Silva Junior
Joziléia Daniza Jagso Kaingang
Juliana Machado Santos
Karine Araújo Damasceno
Lenira Zancan
Leticia Lucas Mattos
Letícia Nunes Barros Rodrigues
Luana Linda da Silva
Luciana Pereira Lindenmeyer
Luciana Quillet Heymann
Luiz Otávio Ferreira
Manuella Vitória Alves da Silva
Marcia Correa e Castro
Margareth Dalcolmo
Margareth Portela
Maria Cecilia de Souza Minayo
Maria das Graças Rojas Soto
Maria Eduarda Bento Sampaio
Maria Eduarda Monteiro da Silva Marques
Maria Inês Carsalade Martins
Maria Lúcia Cardoso
Maria Luiza Moreira dos Santos
Mariella Silva de Oliveira-Costa
Marilda de Souza Gonçalves
Marilda Siqueira
Marina Maria
Martha Cristina Nunes Moreira
Milena Mota da Silva Rodrigues
Mychelle Alves
Nara Azevedo
Natalia Machado Tavares
Nísia Trindade Lima
Paloma Ferreira Coelho Silva
Paula Dias Bevilacqua
Roberta Gondim
Rosana Magalhães
Rosane Cuber Guimarães
Roseane Corrêa
Simone Petraglia Kropf
Stephanie dos Santos Cabral
Valdiléa Veloso
Valentina dos Santos Leite
Vanira Matos Pessoa
Zélia Maria Profeta da Luz
Zoraida Del Carmen Fernandez Grillo
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................................................. 16

PARTE 1: MULHERES E MENINAS NA FIOCRUZ

1. MULHERES E CIÊNCIA · Nísia Trindade Lima......................................................................................................................... 20

2. TODA MENINA PODE SER CIENTISTA · Cristiani Vieira Machado................................................................................... 24

3. “TUDO TEM UMA LINHA E CRUZÁ-LA É PERIGOSO; UMA VEZ CRUZADA,


É IMPOSSÍVEL VOLTAR ATRÁS.” (FIÓDOR DOSTOIÉVSKI) · Cristina Araripe Ferreira.................................................... 28

4. É POSSÍVEL, SIM, SER UMA CIENTISTA · Mychelle Alves.................................................................................................. 34


COMITÊ PRÓ-EQUIDADE DE GÊNERO E RAÇA DA FIOCRUZ

5. UMA FIOCRUZ QUE SEJA INCLUSIVA E DIVERSA É O CAMINHO:


ENTREVISTA COM ANDREA DA LUZ CARVALHO................................................................................................................... 38

6. UMA DIVERSIDADE DE MULHERES MARCADAS PELA DESIGUALDADE · Marina Maria........................................ 44

PÓS-GRADUANDAS

7. UMA INSTITUIÇÃO COM MULHERES FORTES E ADMIRÁVEIS · Elizabeth Leite......................................................... 48

MULHERES, COMUNICAÇÃO E SAÚDE

8. IGUALDADE DE GÊNERO NA CIÊNCIA:


O QUE A COMUNICAÇÃO TEM A VER COM ISSO? · Marcia Correa e Castro..................................................................52

MEMÓRIA INSTITUCIONAL

9. HISTÓRIA DA PRESENÇA FEMININA NA FIOCRUZ -


Linha do tempo baseada nas pesquisas de Nara Azevedo....................................................................................................... 56

10. MULHERES NA FIOCRUZ: TRAJETÓRIAS · Luiz Otávio Ferreira, com a participação das pesquisadoras
Nara Azevedo, Simone Petraglia Kropf, Luciana Quillet Heymann e Aline Lopes Lacerda, dos bolsistas
recém-doutores André Lima e Daiane Rossi, e da documentarista Cristiana Grumbach................................................. 58

11. COMPROMISSO E DEDICAÇÃO: A CONTRIBUIÇÃO DE


MARIA CECILIA DE SOUZA MINAYO NO CAMPO DA SAÚDE COLETIVA....................................................................... 62
PARTE 2: FIOCRUZ EM AÇÃO - ENCONTRO DE GERAÇÕES

1. NUNCA PODEMOS ADMITIR QUALQUER ATITUDE DE SILENCIAMENTO · Beatriz Grinsztejn ..............................72

2. A MULHER AINDA TEM QUE LUTAR CADA DIA


PARA PROVAR A SUA COMPETÊNCIA - Marilda de Souza Gonçalves................................................................................ 76

3. SEM POLÍTICAS PÚBLICAS NÓS VAMOS CONTINUAR PERPETUANDO A EDUCAÇÃO


E A CIÊNCIA SÓ PARA OS RICOS, ELITIZADA E BRANCA - Zélia Profeta da Luz............................................................. 80

4. DORORIDADE, A SORORIDADE APLICADA A NÓS, MULHERES PRETAS – Jaqueline Goes.................................... 84

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA FIOCRUZ

5. PROGRAMA DE VOCAÇÃO CIENTÍFICA:


UMA EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA · Cristiane Nogueira Braga......................................................................................... 88

DEPOIMENTOS DE ESTUDANTES

6. PARTICIPAR DO PROVOC TORNOU POSSÍVEL


SONHAR EM SER CIENTISTA · Aryella Maryah Couto Correa................................................................................................ 92

7. O ESPAÇO QUE EU MEREÇO É O ESPAÇO QUE EU QUISER · Amanda Reyes............................................................... 96

MAIS MENINAS NA FIOCRUZ - PROJETOS ESTRATÉGICOS EM TODO O BRASIL

8. FIOCRUZ AMAZÔNIA - NUMIÔ MOMÔRO:


MENINAS CIENTISTAS DA AMAZÔNIA.................................................................................................................................. 102

9. FIOCRUZ BAHIA - MENINAS BAIANAS NA CIÊNCIA:


CONECTANDO PASSADO, PRESENTE E FUTURO................................................................................................................. 106

10. FIOCRUZ BRASÍLIA - #MAIS MENINAS............................................................................................................................. 110

11. FIOCRUZ CEARÁ - MENINAS NA CIÊNCIA EM EUSÉBIO:


DIÁLOGOS PARA A PROMOÇÃO DO PENSAMENTO
E DA AÇÃO CIENTÍFICA DA MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA.................................................................114

12. FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL - MULHERES NA CIÊNCIA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO ..................... 118

13. FIOCRUZ MINAS GERAIS - INICIATIVAS DA FIOCRUZ MINAS


PARA FORTALECER DIFERENTES TERRITÓRIOS
A PARTIR DA ATRAÇÃO DE MAIS MENINAS E MULHERES NA CIÊNCIA....................................................................... 124

14. FIOCRUZ PARANÁ - NO RASTRO DE MERIT.................................................................................................................... 128

15. FIOCRUZ PERNAMBUCO - MEU VERÃO NA FIOCRUZ.................................................................................................. 132


16. FIOCRUZ PIAUÍ - INSERIDAS NA CIÊNCIA NÓS MUDAMOS O MUNDO:
MULHERES E MENINAS NA CIÊNCIA JÁ!................................................................................................................................. 136

17. FIOCRUZ RONDÔNIA - MULHERES E MENINAS NA CIÊNCIA DE RONDÔNIA:


UM ELO ENTRE O PASSADO E O FUTURO.............................................................................................................................. 140

AÇÕES EDUCATIVAS

INSTITUTO NACIONAL DE SAÚDE DA MULHER,


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE FERNANDES FIGUEIRA

18. AGENDA LARANJA E O PROTAGONISMO JUVENIL


NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 · Corina Helena Figueira Mendes......................................................... 144

CASA DE OSWALDO CRUZ

19. MENINAS NEGRAS NA CIÊNCIA: A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA


COMO ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE,
DA CIDADANIA E DO EMPODERAMENTO · Hilda Gomes e Aline Pessoa..................................................................... 148

VICE-PRESIDÊNCIA DE EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

20. OLIMPÍADA BRASILEIRA DE SAÚDE E MEIO AMBIENTE:


MENINA HOJE, CIENTISTA AMANHÃ · Cristina Araripe Ferreira,
João Marcello Boueri Rossigneux e Valentina dos Santos Leite............................................................................................ 152

21. VOZES DO FUTURO:


NARRATIVAS SOBRE MAIS MENINAS NA CIÊNCIA · Amanda Forte Ferreira,
Ananda Santana Mateus, Camily Evangelista de Almeida, Claudilene Silva Gonçalves,
Corina Helena Figueira Mendes, Daiana Galdino Pinto da Silva, Emilly Yorio Camargo Barbosa,
Estephane Gonçalves Santos, Juliana Machado Santos, Leticia Lucas Mattos,
Letícia Nunes Barros Rodrigues, Luana Linda da Silva, Manuella Vitória Alves da Silva,
Maria Eduarda Bento Sampaio, Maria Eduarda Monteiro da Silva Marques,
Maria Luiza Moreira dos Santos, Milena Mota da Silva Rodrigues...................................................................................... 156
PARTE 3: MULHERES NO ENFRENTAMENTO À COVID-19 NA FIOCRUZ

1. PARA O COMBATE À DESINFORMAÇÃO,


O DIÁLOGO COM A SOCIEDADE · Margareth Dalcolmo...................................................................................................... 174

2. A EXPERIÊNCIA DA EDUCAÇÃO ON-LINE COMO PROMOÇÃO


DE CUIDADO DA POPULAÇÃO DURANTE O ENFRENTAMENTO
DA PANDEMIA DE COVID-19 · Fabiana Damásio.................................................................................................................... 178

3. COMPROMISSO DA PESQUISA COM A INFORMAÇÃO EM SAÚDE · Margareth Portela....................................... 182

4. PANDEMIA DO LADO DE LÁ:


VENCENDO DESAFIOS NA BANCADA DO LABORATÓRIO · Marilda Siqueira............................................................. 186

5. PRODUZINDO A VACINA, SALVANDO VIDAS · Rosane Cuber Guimarães................................................................ 190

6. UM CENTRO HOSPITALAR DEDICADO À COVID · Valdiléa G. Veloso....................................................................... 194

7. HOMENS E MULHERES SÃO AFETADOS DE FORMA DIFERENTE POR EPIDEMIAS?


O CASO DA COVID-19 NO BRASIL · Denise Nacif Pimenta................................................................................................. 198
PARTE 4:
DESIGUALDADES E GÊNERO: INTERSECÇÕES
DESIGUALDADES DE GÊNERO:
BREVES DENÚNCIAS E PÍLULAS DE ANÚNCIOS · Anakeila Stauffer............................................................................... 206

ENVELHECIMENTO, MORTE, SOBREVIVÊNCIA E VIDA · Dalia Romero.......................................................................... 210

NO BRASIL, O DEBATE SOBRE A MULHER


É UMA DUPLA CILADA · Isabela Soares Santos..................................................................................................................... 214

ONDE A MULHER ESTÁ E COMO ESTÁ NESSES LUGARES


QUE CONQUISTA OU QUE SE PROPÕE A ESTAR · Paula Bevilacqua.................................................................................218

TRAJETÓRIA, EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA NA CIRCULAÇÃO


DE BENS E DESIGUALDADES NO CUIDADO · Martha Cristina Nunes Moreira............................................................. 222

QUAL O LUGAR DE MULHERES NEGRAS NA CIÊNCIA,


NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO? · Roberta Gondim................................................................................................ 226

AS DESIGUALDADES DE ACESSO À CIÊNCIA ENCONTRADAS


PELOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM · Roseane Correa............................................................................................ 230

MULHERES INDÍGENAS, CIÊNCIA E SAÚDE NA FIOCRUZ · Ana Lucia Pontes............................................................. 234



CIÊNCIA E SAÚDE DESDE AS INDÍGENAS MULHERES · Elisa Urbano Ramos,
Braulina Aurora-Hipamaallhe, Inara do Nascimento Tavares e Joziléia Daniza Jagso Kaingang.................................. 238

MINIBIOGRAFIAS
16

APRESENTAÇÃO A Fundação Oswaldo Cruz é uma instituição do seu tempo.


A partir de uma trajetória única no país, com mais de 121 anos de pesquisas, educação, serviços e
inovações no campo da saúde pública, a Fiocruz está presente em todo o território nacional com
ações, programas e projetos que buscam contribuir para transformações sociais, como aquelas que
envolvem a participação e o protagonismo de mulheres na ciência. Nós temos nos dedicado à superação
de iniquidades estruturais, em seus sentidos sociais e históricos, como forma de garantia do direito
fundamental à saúde.

O Dossiê Temático: Fiocruz Mulheres e transformação da sociedade, e nesse sentido


Meninas na Ciência é registro manifesto amparamos nossas ações nos debates e
dessas ações, temporalmente demarcado nos alinhamentos definidos nos diversos fóruns
últimos quatro anos (2019-2022). Aqui seguem institucionais, entre eles, o Comitê Pró-Equidade
registrados nossa memória institucional e o de Gênero e Raça da Fiocruz.
processo de institucionalização de uma política
interna dedicada a incentivar que maismeninas Como será possível perceber ao longo deste
possam fazer ciência. Dossiê, alcançamos internamente níveis de
participação significativos de mulheres em
Com a finalidade de combater ainda mais a espaços de liderança e atividades de pesquisa.
desigualdade de gênero no campo científico, Avançamos agora no sentido de aprofundar
a Organização das Nações Unidas (ONU) e institucionalizar nossas ações, para que no
instituiu em 2015 o Dia Internacional das longo prazo possamos contemplar, por exemplo,
Mulheres e Meninas na Ciência: 11 de fevereiro. grupos de mulheres que convivem com outros
A Resolução A/RES/70/212 das Nações Unidas, tipos de opressão e ainda enfrentam dificuldades
de 22 de dezembro de 2015, visa dar acesso e para seguir carreiras científicas, especialmente
assegurar a participação plena e igualitária de mulheres negras e indígenas.
mulheres e meninas na ciência e tecnologia.
Em 2019, o 11 de fevereiro passou a integrar o Em 2020, o Dia Internacional das Mulheres e
calendário de eventos da Fiocruz. No mesmo Meninas na Ciência na instituição foi marcado pelo
ano, foi criado o Grupo de Trabalho Mulheres e lançamento do primeiro edital Mais Meninas na
Meninas na Ciência, com o objetivo de propor Fiocruz. Nesse mesmo ano, o Grupo de Trabalho
e coordenar ações de incentivo à participação Mulheres e Meninas na Ciência, em virtude
delas na instituição. da ampliação dos projetos da Fiocruz ligados à
temática, foi incorporado ao Fórum de Divulgação
Para garantir discussões inclusivas, é necessário Científica, vinculado à Vice-Presidência de
também dialogar com todos os setores da Educação, Informação e Comunicação (Vpeic).
população, especialmente com aqueles A presente publicação reforça uma das diretrizes
sistematicamente privados de direitos sociais do Fórum: estimular a interiorização das ações
fundamentados na carta constitucional brasileira de divulgação científica como parte da estratégia
de 1988. Iniciativas que promovem a igualdade nacional da Fiocruz, com foco na redução das
de gênero são essenciais para o processo de iniquidades regionais brasileiras.
17

A Fiocruz cumpre aqui e nas suas diversas frentes A emergência sanitária acarretada pela Covid-19
de atuação seu papel enquanto instituição de nos trouxe desafios que procuramos abordar com
referência em nível nacional e global. Com as uma seção dedicada ao tema. Vimos novamente
suas unidades espalhadas pelo país, promovemos o papel fundamental de cada uma das servidoras
e lideramos o debate, impactando positivamente da instituição no enfrentamento da pandemia em
as comunidades nas quais estamos inseridas. suas diversas frentes de atuação – seja na gestão,
Mobilizamos os serviços de saúde, escolas e toda nos serviços de saúde, em nossas pesquisas e
a rede de Ciência e Tecnologia, com agentes de no desenvolvimento tecnológico. Uma rápida
saúde, estudantes e professores, além de alunos resposta, antes mesmo de o vírus chegar ao Brasil,
de pós-graduação e universidades. planejada e executada por muitas mulheres.

O Dossiê se constitui em mais um espaço de Ainda que observemos um quadro relativamente


reafirmação da importância da CT&I para a otimista, não podemos ter os exemplos de quebra
inclusão de mais mulheres em áreas estratégicas de paradigma como vitória definitiva. Pensando
ao desenvolvimento do país: além da visibilidade, nisso, este Dossiê Temático aborda em cada
fortalece o papel da ciência na redução de uma das suas seções as seguintes vertentes
desigualdades sociais, políticas e econômicas. do Programa Mulheres e Meninas na Ciência:
Reforça a necessidade de um ambiente 1) Eixos da política institucional de equidade
institucional cada vez mais diverso e plural na de gênero, em todos os entrelaçamentos
área científica, estimula a participação de mais de desigualdade: gênero, raça, classe, renda
mulheres e meninas, enriquece todos os campos etc.; 2) Encontro de Gerações, em que são
do conhecimento, em um ciclo virtuoso. narradas trajetórias de cientistas em diálogo
com as de jovens alunas, somado aos projetos
O Programa Fiocruz Mulheres e Meninas na da instituição de inclusão de mais meninas
Ciência tem um início promissor, trabalhado na ciência; 3) Mulheres no Enfrentamento da
por muitas mãos e, agora, apresentado também Covid-19, com relatos de algumas das principais
por textos extraídos de vivências, depoimentos frentes estratégicas para a contenção do maior
e entrevistas. Pela frente, um árduo trabalho problema de saúde pública confrontado nos
que só pôde e poderá existir devido à qualidade últimos tempos, mostrando a força do trabalho
do conjunto de contribuições e inserções que de nossas pesquisadoras; 4) Desigualdades e
são aportadas todos os dias ao fazer científico Gênero, em que são apresentados alguns desafios
pelas mulheres e meninas da Fiocruz. Uma parte e problemas que precisam ser aprofundados.
considerável desses textos foi transcrita de
conferências, seminários e debates institucionais Visamos dar voz a violências, silenciamentos,
realizados nesse período, atividades que têm sido discriminações, subalternizações e
fundamentais para avançarmos na consolidação epistemicídios, permitindo trazer à tona as
deste Programa. O aprofundamento dos nossos potências e os subterfúgios de resistências. Com
rumos institucionais nessa direção é sem dúvida isso, queremos motivar e dar protagonismo às
resultado de um esforço coletivo e cotidiano meninas e mulheres nas ciências, sejam negras,
empreendido nas práticas de cada uma das indígenas, trans, lésbicas, e com deficiências.
mulheres que atuam e representam a Fiocruz.
18
19

PARTE 1
MULHERES
E MENINAS
NA FIOCRUZ
20

CRIAR CONDIÇÕES,
ESTIMULAR E
VALORIZAR QUE
MAIS MULHERES
ESTEJAM NAS
POSIÇÕES
DE LIDERANÇA
21

MULHERES E CIÊNCIA
NÍSIA TRINDADE LIMA

As mulheres são historicamente marcadas por desigualdades; isso


aconteceu de diferentes formas nas sociedades e ao longo do tempo.

É muito significativo que eu tenha Isso tem sido discutido não só no


sido criada pela minha avó materna, Brasil, mas em todo o mundo, e
uma mulher inteligentíssima, porém também tem sido debatido o papel da
analfabeta, e que, na mesma família, pandemia nesses retrocessos.
minha mãe tenha cursado apenas
até o ginásio, enquanto meu tio A desigualdade traz um impacto para
tenha completado a faculdade de a forma como essa doença nos atinge,
Engenharia na UFRJ, uma carreira inclusive, emocionalmente, com a
muito bem-sucedida. perda de tantas pessoas, com a crise
social e econômica. Se a desigualdade
Para minha geração, mesmo para é um fator fundamental para entender
aquelas jovens sonhadoras do sua transmissão, ela é então um
movimento estudantil, conciliar fato biológico e social ao mesmo
uma carreira com o casamento e a tempo. É também notório que, se não
maternidade não era opção fácil. Eu houver políticas públicas adequadas,
acho que sou de uma geração de classe a situação que vivemos vai resultar
média cujas mulheres começaram em mais desigualdades. Temos visto
a superar esses obstáculos. Não essa dificuldade no trabalho das
podemos esquecer, então, que isso mulheres, com o aumento da violência
é muito recente no Brasil. Por isso, doméstica em 25% em todo o mundo.
eu faço essa referência pessoal, que Esses são fatos graves que precisam
naturalmente marcou também a minha de nossa atenção.
busca por mais espaços, sem contar
todas as dificuldades da sobrecarga de No campo científico, vemos maior
compromissos, de tarefas domésticas... participação das mulheres no nosso
Trata-se assim de uma luta histórica, é país, inclusive, em grupos de pesquisa,
preciso mencionar, que teve avanços mas sabemos que isso está muito
nos últimos tempos com muita aquém do que é desejável e do que é
dificuldade, mas que também vive um possível. Sabemos que nós, mulheres,
período de retrocessos. por exemplo, ainda somos apenas um
terço na alta gestão da Fiocruz.
22

É preciso haver uma política institucional, A agenda da Fiocruz, no âmbito desse


criar condições, estimular e valorizar que mais programa Mulheres e Meninas na Ciência,
mulheres estejam nas posições de liderança. revela claramente a força dessa presença. Ao
Assumimos compromissos na conferência de mesmo tempo, como vem sendo discutido em
Nairobi, conferência dedicada aos direitos das todo o mundo, há dificuldades para conciliar as
mulheres no âmbito do Fórum de Populações da atividades muitas vezes feitas a distância com
Organização das Nações Unidas. a pesquisa científica e com o mundo doméstico
cotidiano, os encargos dentro de casa. É
importante então marcar o protagonismo, mas
NESSA LINHA, EU PRETENDO também lembrar as dificuldades e os obstáculos
CONTINUAR ESSE TRABALHO COM que tanto as meninas, que poderiam ter a ciência
A PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS como opção, quanto as mulheres, pesquisadoras
NOSSOS INSTITUTOS. É IMPORTANTE como eu, temos encontrado no engajamento com
SITUARMOS O PAPEL DAS MULHERES os grandes desafios da ciência e da tecnologia na
NAS ATIVIDADES CIENTÍFICAS. nossa sociedade.

Gosto deste mote: a mulher pode ser aquilo que


Entendemos que houve um avanço em muitas ela quiser. Inclusive, cientista. Precisamos mostrar
áreas do conhecimento, mas sabemos que esse que o caminho científico é um caminho possível e
avanço é pequeno diante do que precisamos importante de profissionalização.
em nossa sociedade para que ela possa ser
efetivamente mais justa. Na Fiocruz, desde 2019,
realizamos ações com o objetivo de propor
medidas de incentivo ao protagonismo das
mulheres na ciência. Esse protagonismo existe
em algumas áreas, mas ele não é correspondido
com sua devida valorização. Em 120 anos,
completados no ano passado, sou a primeira
mulher a dirigir a instituição, e esse é um fato
ilustrativo dessas dificuldades.

Nosso propósito é abrir oportunidades em prol


da equidade de gênero também na ciência.
Por essa razão, realizamos o programa Mais
Meninas na Fiocruz, que permitiu o contato de
jovens meninas com pesquisadoras da nossa
instituição, em um caminho de aprendizado. Essa
atividade se dá dentro de uma visão integrada da
instituição, que está em todas as regiões do país.
Em tempos de Covid-19, a participação da mulher
na ciência se faz mais forte e muito visível.
FOTO: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
23
24

ASSEGURAR O
DIREITO DE TODAS
CONHECEREM
POSSIBILIDADES,
TEREM
OPORTUNIDADES
E ESCOLHEREM
SEUS PRÓPRIOS
CAMINHOS
25

TODA MENINA PODE SER CIENTISTA


CRISTIANI VIEIRA MACHADO

Em que pesem as transformações sociais nas últimas décadas, em muitos


países, inclusive no Brasil, persistem acentuadas desigualdades de
gênero que se manifestam em diferentes planos da vida cotidiana. Dados
internacionais mostram, em diversas sociedades, sub-representação
das mulheres em espaços de maior poder e prestígio, seja na política,
no Parlamento, no Judiciário, na alta administração pública, na área
empresarial e na ciência (UN WOMEN, 2020).

O Brasil é uma das nações mais desiguais No campo científico, o desequilíbrio


do mundo, onde várias dimensões de quantitativo entre homens e
desigualdades se entrelaçam – de classe, mulheres é mais evidente em
de renda, de raça, de gênero, de território áreas tecnológicas, engenharias,
–, assim como observado em outros matemática e física. Porém, as
países da América Latina (JELIN, 2018). desigualdades de gênero presentes
Condicionantes histórico-estruturais, na sociedade brasileira interferem
institucionais e culturais, incluindo a nas oportunidades de inserção
persistência do machismo, explicam em das meninas e afetam, de diversas
parte as iniquidades de gênero em nossa formas, as possibilidades de ascensão
sociedade, que incluem: disparidades profissional de mulheres cientistas.
no mundo do trabalho, assimetrias
na divisão de responsabilidades entre Alguns exemplos são atitudes
homens e mulheres nas famílias, discriminatórias ou exigências
violências, preconceitos, estereótipos de produtividade acadêmica,
e barreiras impostas às meninas e que desconsideram a sobrecarga
mulheres. Tais dificuldades constrangem relacionada à maternidade.
as opções das meninas e repercutem na O enfrentamento desse cenário requer
trajetória profissional das mulheres em tanto políticas públicas abrangentes
vários campos. como políticas institucionais
específicas. A Fiocruz, como uma
instituição estatal de ciência e
tecnologia em saúde, vem debatendo
essa questão há bastante tempo e
26

conta com a atuação do Comitê Pró- Em uma segunda vertente, situa-


Equidade de Gênero e Raça desde se o Mais Meninas na Ciência,
2009. Com maioria de trabalhadoras que compreende experiências
mulheres, em 2017 a Fiocruz elegeu relevantes e inovadoras das várias
pela primeira vez uma mulher como unidades da Fiocruz em todo o país,
presidente e expandiu o compromisso tais como: Verão das Meninas na
com a promoção da equidade de Ciência, Meninas Baianas na Ciência,
gênero nas diretrizes do seu VIII Agenda Laranja Mais Meninas,
Congresso Interno. trabalhos nas escolas, ações junto às
populações indígenas na Amazônia,
desenvolvimento de jogos e de blogs
da Ciência, com participação de
É EMOCIONANTE VER A EXPANSÃO estudantes, promoção de concursos
DE ATIVIDADES NOS TRÊS EIXOS DO de desenho, visitas e oficinas. É
PROGRAMA, DESDE ENTÃO. comovente ver o envolvimento e
a dedicação das pesquisadoras da
Fiocruz a essas atividades, bem
O Programa Mulheres e Meninas na como a mobilização de professoras e
Ciência foi lançado em 2019, como professores das escolas parceiras.
prioridade da Presidência e com
grande envolvimento das diretoras Por fim, uma terceira vertente se
de unidades, as “Mulheres do relaciona ao incentivo a estudos
Conselho Deliberativo” da Fiocruz. e publicações que valorizem a
É emocionante ver a expansão de dimensão de gênero nas análises
atividades nos três eixos do Programa, sobre ciência e saúde, sob variados
desde então. Uma primeira vertente é enfoques e recortes.
a valorização das mulheres cientistas,
que tem se expressado em uma série A nossa mensagem central tem sido
de iniciativas de memória institucional, de que toda menina pode ser cientista,
com participação importante da mas sobretudo toda menina pode ser
Casa de Oswaldo Cruz, incluindo a o que ela quiser. Precisamos defender
elaboração de documentários e vídeos que ninguém pode impor o que uma
com depoimentos de pesquisadoras. menina ou mulher deve ou não deve
fazer. É necessário assegurar o direito
de todas conhecerem possibilidades,
terem oportunidades e escolherem
seus próprios caminhos.
27

FOTO: VINICIUS MARINHO | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ


Concluo com trechos de um poema muito
significativo de Cora Coralina, um diálogo entre
gerações. O poema intitula-se “Ofertas de
Aninha (aos moços)” e começa assim: “Eu sou
aquela mulher a quem o tempo muito ensinou,
ensinou a amar a vida, não desistir da luta,
recomeçar na derrota.” Ela prossegue, de forma
bela, dialogando com os (e as) jovens, e termina
de maneira bastante atual: “Creio nos milagres
da ciência e na descoberta de uma profilaxia
futura dos erros e violências do presente.
Aprendi que mais vale lutar do que recolher
dinheiro fácil. Antes acreditar do que duvidar”.

SIGAMOS JUNTAS, ACREDITANDO.


AFINAL, DE QUE VALEM A EDUCAÇÃO E
A CIÊNCIA, SE NÃO PARA PROMOVER O
BEM-ESTAR DAS PESSOAS E CONSTRUIR
UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA?

REFERÊNCIAS
CORALINA, C. Ofertas de Aninha (aos moços). In:
CORALINA, C. Vintém de cobre: meias confissões de
Aninha. 6. ed. São Paulo: Global Editora, 1997. p. 145.
JELIN, E. Unequal differences. Gender, ethinicity/
race and citizenship in class societies (historical
realities, analytical approaches). In: JELIN, E.; MOTTA,
R.; COSTA, S. (ed.). Global Entangled Inequalities.
Conceptual debates and evidence from Latin America.
London; New York: Routeledge, 2018.
UN WOMAN. Visualizing the data: women’s
representation in society. Disponível em: https://www.
unwomen.org/en/digital-library/multimedia/2020/2/
infographic-visualizing-the-data-womens-
representation. Acesso em: ago. 2021.
28

ESTAMOS FAZENDO
HISTÓRIA E VAMOS
MOSTRAR QUE AS
MULHERES PODEM,
SIM, TRABALHAR
COM CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
29

“TUDO TEM UMA LINHA E CRUZÁ-LA


É PERIGOSO; UMA VEZ CRUZADA,
É IMPOSSÍVEL VOLTAR ATRÁS”
(FIÓDOR DOSTOIÉVSKI)
CRISTINA ARARIPE FERREIRA

Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE), publicado em 2018, mostra que 1/3 das meninas no mundo não têm
acesso à educação básica completa. No Brasil, os números são igualmente
desalentadores. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), esse percentual varia bastante nos diferentes estados e municípios,
mas, ao final, o que pesa é que uma em cada quatro meninas não conclui o
ensino fundamental. Apesar dos progressos ocorridos nos primeiros anos do
século XXI, com o aumento do número de alunos e alunas concluintes dos
ensinos fundamental, médio e superior, observa-se que as desigualdades de
oportunidades persistem e, em alguns casos, são extremamente preocupantes
porque demonstram que nas regiões mais pobres do país taxas baixíssimas
de escolaridade ainda permanecem. E estão muito aquém das metas,
mundialmente, formuladas por organismos internacionais. As análises mais
contundentes referem-se à falta de perspectivas animadoras em relação ao
cumprimento das metas estabelecidas pela Agenda 2030 das Nações Unidas
1. A Agenda 2030 é
(ONU)1. No que tange, especificamente, ao Objetivo do Desenvolvimento
um plano adotado por
Sustentável nº 5 (ODS 5), que previa o acesso de todos e todas à educação representantes dos 193
básica de qualidade, como sabemos, não será alcançado. Isso é muito grave Estados-membros da
e nos impõe uma reflexão inicial mais cautelosa. Quando nos referimos à ONU. Indica 17 Objetivos
de Desenvolvimento
educação de meninas, do que estamos precisamente tratando? Se falamos de
Sustentável, os ODS, e
meninas na ciência, o que estamos visando? Por quê? 169 metas, para erradicar
a pobreza e promover
vida digna para todos,
dentro dos limites do
Estudos da OCDE mostram que Artificial, somente 22% dos
planeta. Orienta as
mulheres representam 33,3% da força pesquisadores são mulheres. escolhas necessárias
de trabalho na pesquisa científica Dados divulgados pelo British Council para melhorar a vida
no mundo. Mas somente 12% das no Brasil, em 2021, apontam para das pessoas, agora e no
futuro. Disponível em:
mulheres cientistas participam uma situação ainda mais inquietante.
de academias nacionais. Se nós Apesar de as mulheres serem maioria
examinarmos, por exemplo, uma nos cursos de pós-graduação avaliados
área que é atualmente considerada pela Coordenação de Aperfeiçoamento
de prestígio, como a de Inteligência de Pessoal de Nível Superior (Capes)
30

e representarem 51% dos autores de artigos países, para a conquista do direito ao voto.
científicos, de acordo com dados do Conselho Essa vitória histórica no Brasil se deu em 1932,
Nacional de Desenvolvimento Científico e e envolveu inúmeros desafios, entre eles, o do
Tecnológico (CNPq), elas ocupam apenas 2% dos direito de ter acesso à educação. Sem letramento,
cargos de liderança política na área da ciência, não haveria como avançar. Grande parte das
tecnologia e inovação (CT&I). sufragistas brasileiras eram professoras. Talvez
o direito à educação seja, ainda hoje, uma das
A Organização das Nações Unidas para a nossas principais batalhas no campo da conquista
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou, da cidadania plena.
recentemente, uma campanha cujo mote é: Para
ser inteligente, a revolução digital precisará ser Depois de tantas lutas importantes, ao olharmos
inclusiva. E isso abrange fundamentalmente as para trás, nós ainda percebemos que existem
meninas. Estudos ligados ao crescimento do lacunas a serem preenchidas com fatos
mercado de trabalho para mulheres, por exemplo, (cronologias), biografias e objetos de estudo e,
nas engenharias e áreas tecnológicas como a assim, mais do que nunca, queremos também
da informação/informática, de um modo geral, buscar novas inspirações para continuarmos
apontam para a necessidade imperiosa de revisão lutando. O acesso das mulheres e meninas
de critérios de seleção que sejam mais inclusivos. aos direitos humanos, políticos, à saúde não
De maneira mais ampla, a história da inclusão existirá no Brasil sem o acesso à educação e aos
das mulheres na vida pública, compreendendo espaços de poder para as decisões necessárias
também o mundo da ciência e tecnologia, é no tempo presente.
marcada por muitos senões. Nas universidades
e sociedades científicas, os empecilhos NA MINHA PERSPECTIVA DE
históricos disfarçados com meras formalidades PESQUISADORA QUE ATUA NA
administrativas e burocráticas foram constantes INTERFACE EDUCAÇÃO E DIVULGAÇÃO
– das convicções políticas pautadas pela CIENTÍFICA EM SAÚDE, ESSE DUPLO
misoginia à falta de autorização do marido para OBJETIVO É FUNDAMENTAL E TEM
estudar e trabalhar – e marcarão para sempre QUE ACONTECER SE QUISERMOS
os numerosos preconceitos e tabus. Ao mesmo TRANSFORMAR A REALIDADE ATUAL.
tempo, provocaram a lentidão do processo
político-social, que visa ampliar a participação
das mulheres na esfera pública e, especialmente, A Fundação Oswaldo Cruz, instituição centenária
nas posições de poder que podem contribuir para de pesquisa em saúde pública, não é diferente
a conquista da cidadania plena, emancipatória e de nenhuma outra instituição no mundo que
democrática por definição. atua, concomitantemente, em muitas áreas
do conhecimento científico e tecnológico.
Em pleno ano de 2021, no século XXI, depois Existem especificidades de áreas e diferenças
de mais de um século de lutas pela defesa dos socioculturais que marcam a sua trajetória e
direitos das mulheres, que começaram no início reforçam a percepção de que estamos fazendo
do século XX e atingiram o seu ápice com o progressos no tocante às políticas afirmativas
movimento internacional sufragista, mobilizando e de igualdade de gênero, mas, ao mesmo
milhares e milhares de mulheres, em diferentes tempo, enfrentamos disputas que atravessam os
31

diversos campos de sua atuação institucional. fortalecer e ampliar as iniciativas voltadas para
Dos estudos em políticas de saúde ao cotidiano as jovens estudantes que querem seguir carreiras
na área dos cuidados em saúde, observa-se científicas. E pluralistas porque entendemos
uma grande e óbvia diferença de gênero. É que precisamos atrair a atenção de múltiplos e
evidente que existem importantes avanços na diversos atores sociais independentemente de
construção de discursos e práticas profissionais suas convicções religiosas, interesses político-
menos desiguais, mas, a despeito de conquistas econômicos ou filiações político-partidárias.
históricas, ainda temos uma tendência a
esbarrar no “teto de vidro”, como batizado por Temos que nos preocupar com o futuro da
cientistas que estudam carreiras científicas de ciência, que se mostra muito mais feminino,
mulheres. Existem obstáculos persistentes que tanto na perspectiva das discussões sobre
impedem pesquisadoras com alta qualificação gênero quanto das etnias/raças, que precisam de
e performance acadêmicas de alcançarem políticas para se somar ao conjunto dos esforços
postos elevados de direção dentro de grupos, voltados para afirmação da CT&I como um
laboratórios, universidades e centros de pesquisa. requisito essencial para o desenvolvimento social
Este “teto” implica com frequência assumirem e econômico das nações que pleiteiam um lugar
posições subalternas dentro de equipes de de destaque na história contemporânea.
trabalho. Alguns mecanismos de subordinação ao
chefe de laboratório do gênero masculino passam No meu microuniverso cultural e profissional,
pela ausência de políticas para que levem em algumas ideias-força têm sido valiosas. Uma certa
consideração o papel das mulheres como mães, clareza em relação às finalidades de uma política
cônjuges, cuidadoras, entre outros. institucional que privilegie as relações entre
ciência, gênero, raça e educação foi determinante
Na Fiocruz, o Programa Mulheres e Meninas no início das minhas reflexões. Atualmente,
na Ciência, criado na gestão da professora e muitas perspectivas têm sido abertas com a
socióloga Nísia Trindade Lima, primeira mulher intenção de compreender melhor o que está em
a dirigir nacionalmente a instituição, é resultado jogo ao nos debruçarmos sobre a necessidade de
de uma articulação que tem características aceleração do trabalho voltado para as políticas
plurais e pluralistas. Sem perder de vista as institucionais afirmativas. Além do imperativo de
políticas estruturantes de saúde, de CT&I e, em inclusão das mulheres e meninas no debate sobre
particular, de igualdade de gênero e raça, as o futuro da CT&I no Brasil e no mundo, podemos
quais são essenciais para dar maior envergadura ponderar que existe urgência em termos do
ao processo de construção democrática empoderamento feminino. Voltamos ao ODS 5 da
da sociedade brasileira. Por que plurais? Agenda 2030 da ONU, que prevê a eliminação de
Por que pluralistas? Plurais porque temos a desigualdades extremamente básicas.
ambição de envolver todos os trabalhadores
e as trabalhadoras, os alunos e as alunas, os
colaboradores e as colaboradoras, de todas OS DIREITOS UNIVERSAIS SÃO
as categoriais profissionais, nessa empreitada FUNDAMENTAIS, MAS HÁ TAMBÉM
de grande amplitude que envolve dar maior QUESTÕES DE PODER ENVOLVIDAS.
visibilidade ao trabalho das mulheres cientistas
e suas colaboradoras diretas e, com isso,
32

Para terminar esta apresentação, vou citar a Hirata (2014) nos advertiu, assumimos que o
experiência da Olimpíada Brasileira de Saúde conceito de interseccionalidade nos faz “avançar no
e Meio Ambiente da Fiocruz, que vem abrindo conhecimento da dinâmica e da interdependência
espaço para esse debate junto às escolas, das relações sociais e na luta contra as múltiplas
professores e alunos da educação básica e formas conjugadas de opressão”.
homenageou com um prêmio especial, na sua
10ª. edição, a cientista Bertha Lutz. Para juntas À guisa de conclusão, vou fazer uma avaliação
buscarmos inspirações, criamos, em 2019, o geral do quadro de percepções que se me
Prêmio Menina Hoje, Cientista Amanhã para avizinha. No nosso mundo da CT&I ainda
que tentássemos fazer com que chegassem ouvimos piadas machistas e convivemos com a
aos ensinos fundamental e médio as políticas misoginia nas mais diversas situações. Apesar
e estratégias de apoio e incentivo às mulheres de mudanças estarem ocorrendo em várias
e meninas na ciência. As lutas iniciadas por instâncias e áreas ligadas ao mundo do trabalho
Bertha Lutz, que organizou e mobilizou outras e da ética em pesquisa, muitas percepções
mulheres para que ocorressem mudanças de negativas em relação aos problemas contumazes
comportamento em relação ao papel de todas aparecem bem claramente nas falas públicas das
na sociedade, ainda estão presentes e nos mulheres e meninas que atuam nas instituições
guiam em momentos decisivos. Suas lutas nos científicas, incluindo o período em que estão
movem! Passadas décadas e décadas, mulheres iniciando os estudos universitários. Tanto em
sofrem com discriminações de diferentes termos da ausência de avanços significativos no
origens, dos preconceitos machistas às lutas contexto de adversidades políticas enfrentadas
pelo poder, passando pela falta de incentivos. atualmente no Brasil quanto no que diz respeito
Muitas de nós vivem a realidade do patriarcado às necessárias críticas e reflexões que precisam
enraizado há séculos em todas as regiões do acontecer para que mudanças possam mais
país e/ou territórios de vulnerabilidade social facilmente ocorrer. Se uma mulher precisa
manifestamente conhecidos. A grande maioria não acompanhar crianças, idosos, familiares em
tem a menor chance de se contrapor aos desígnios momentos especiais da vida privada, de
que lhe impõe a cultura macho-ocidental, que usa vulnerabilidade ligada a doenças ou agravos
com frequência a violência para se impor. (intercorrentes ou de longa duração), nada mais
óbvio do que garantir regras específicas para
E, assim, uma multidão de mulheres e meninas ela no mundo do trabalho. Desde o início da
enfrentam no seu dia a dia o peso das iniquidades pandemia de Covid-19, as mulheres têm falado
de gênero, sem terem acesso a oportunidades bastante sobre esse acúmulo de funções e tarefas
que poderiam transformar a vida de muitas delas, domésticas ligadas aos cuidados com a família,
em todos os setores da vida social, econômica, portanto, trata-se de levarmos em consideração
política, profissional e, até mesmo, acadêmica! Não as condições materiais e psicossociais que
entraremos em detalhes, porém, é imprescindível envolvem cada indivíduo. Se alguém tinha dúvida
assinalar que essas discussões passam pelo tema em relação a essas questões básicas do cotidiano,
do empoderamento feminino. Tampouco trataremos não podemos mais titubear: família, saúde e
aqui dos problemas decorrentes do conceito de doença ainda são “coisas de mulheres”.
interseccionalidade de gênero e sua aplicação
no campo das pesquisas sociais. Como Helena
33

Na Fiocruz, outro elemento de grande interesse para educação e às oportunidades de estudo são
definições estratégicas do nosso Programa Mulheres majoritariamente as meninas negras e pobres.
e Meninas na Ciência refere-se às prioridades Com tantas desigualdades persistentes, não
que estão sendo elencadas pelo conjunto dos são poucas as tarefas que se apresentam com
atores sociais e institucionais presentes na arena o propósito de mudarmos a realidade das
pública. No que tange a políticas que incentivam meninas excluídas das escolas, universidades,
meninas a seguir carreiras científicas e conferem instituições de pesquisa. Iniciativas como a
visibilidade a mulheres que atuam na pesquisa, é nossa, que visam estimular e apoiar a inserção de
inegável que existem conjunturas e circunstâncias mais meninas na ciência, precisam partir dessas
a serem assumidas e tratadas coletivamente. muitas desigualdades sociais. Ao propormos a
Entre esses atores, algumas cientistas e entidades estruturação de um programa institucional, temos
têm desempenhado o papel de porta-vozes de como orientação básica as diretrizes político-
movimentos que envolvem mulheres na luta por institucionais aprovadas no VIII Congresso
direitos e contra as iniquidades. Muitas dificuldades Interno da Fiocruz com o objetivo de ampliar o
práticas referem-se à consolidação de suas carreiras, acesso da sociedade à saúde, à educação e aos
as quais são construídas a partir de índices e conhecimentos científicos e tecnológicos.
avaliações da produtividade científica atrelados Eu citarei, para concluir, um texto muito curto que
a um conjunto de critérios que não levam em está no Portal Geledés em defesa de mulheres
consideração os diferentes papéis sociais atribuídos e negros, escrito por uma jovem mulher negra,
às mulheres, que envolvem a maternidade, os Tatiane Souza, que diz assim:
cuidados, entre outros. Além do aprisionamento
social ligado aos papéis específicos de mãe, avó e Se você estuda demais, você é arrogante. Se não
esposa, que está fartamente descrito na literatura estuda, você é preguiçosa. Se trabalha demais, é
clássica dos estudos de gênero, temos que lidar, egoísta. Se fala algo ou tem uma opinião, é metida.
cada vez mais, com controvérsias relativas ao Se temos qualidade, não consideram. Se temos
cuidado que, de uma maneira geral, não estão defeito, somos julgadas. Se somos persistentes, somos
estabilizadas. Como uma categoria de análise que apenas suficientes. Não podemos ser humanas? Por
traz dimensões pouco exploradas no que se refere que o nosso esforço tem que ser sempre melhor e
às mulheres cientistas, vale a pena registrar que com maior do que o dos outros? (SOUZA, 2020, [S./p.])
a pandemia de Covid-19 aumentou, enormemente,
o número de inquéritos e pesquisas a respeito do Estamos fazendo história e vamos mostrar
assunto, incluindo em muitos deles as imposições que as mulheres podem, sim, trabalhar com
profissionais da própria área da saúde. Que o ciência e tecnologia. E a última frase não poderia
acúmulo de atividades/papéis está sendo pesado ser outra: lugar de mulher é onde ela quiser,
para as mulheres cientistas e meninas que estudam, inclusive na ciência!
não é em si uma novidade, mas apresenta um
problema persistente que traz questionamentos REFERÊNCIAS
históricos acerca da divisão sexual do trabalho nas HIRATA, H. Gênero, classe e raça. Tempo Social, São Paulo, vol.
26, n. 1, p. 61-73, 2014
sociedades contemporâneas.
SOUZA, Tatiane. Quando fere minha existência, serei
resistência. Portal Geledés, 18 fev. 2020. Disponível em:
E, por fim, não vamos nos esquecer de que
https://www.geledes.org.br/quando-fere-minha-existencia-
as meninas ainda privadas de acesso pleno à serei-resistencia/.
34

CRIAR ESPAÇO DE
REPRESENTATIVIDADE,
PORQUE AS
MULHERES NEGRAS
PRECISAM SABER
QUE PODEM
ESTAR EM TODOS
OS ESPAÇOS
35

É POSSÍVEL, SIM, SER UMA CIENTISTA


MYCHELLE ALVES

Eu me emociono muito com o projeto “Mais Meninas na Ciência”, criado


em 2019, porque não tive essa oportunidade no início de minha trajetória.
E saber que hoje as meninas oriundas de escola pública, como eu, tiveram
essa oportunidade de estar em contato conosco, mulheres cientistas, é
muito gratificante. Recebi três delas no projeto.

Sou pesquisadora do Instituto Nacional saudar também o movimento negro


de Controle de Qualidade em Saúde e o feminismo negro por essa luta
e, mesmo sendo hoje presidente pela representatividade, pelo fato
do Sindicato, também tenho a de tornarem possível sermos o que
minha atuação profissional como nós quisermos ser, porque durante
pesquisadora. Essa oportunidade tantos anos não nos permitiram
para as meninas foi muito importante estar nesses locais, nesses lugares de
porque, às vezes, nós, que temos liderança. Ainda falta muito para nós
pouco acesso, pouco recurso, caminharmos, para ocuparmos mais
não sonhamos em ser cientistas. espaços. Eu falo que, na questão de
Não passa pela nossa cabeça ser gênero, o machismo ainda predomina
cientista, principalmente por falta e, em relação à raça, também sofremos
de representatividade. E vivendo um muito racismo. O racismo está atrelado
momento de pandemia, percebemos fortemente ao fato de que não tivemos
a importância de romper essa barreira políticas públicas que permitissem
por meio da educação. Projetos a inserção do negro e da negra na
como esse impulsionam as meninas sociedade, e que o melhor caminho
a sonharem ser cientistas e a se ainda é ampliar a educação pública
enxergarem capazes. e de qualidade, ampliar o acesso e
promover condições de os negros se
Na minha época, mesmo sem haver manterem na universidade.
muita representatividade nessa área,
tive oportunidade de fazer um curso Nós, mulheres negras, somos a maioria
técnico de química e fiz. Por isso digo da população, mas infelizmente
que não fui eu que escolhi a química, estamos na base da pirâmide.
a química é que me escolheu. A Mulheres negras cientistas são poucas.
ciência transformou a minha vida e Além de sermos poucas, vivemos
hoje fico feliz de ver que as meninas muito na invisibilidade. Precisamos
têm mais oportunidades. Tenho que criar espaço de representatividade,
36

porque as negras precisam saber que podem inserção na universidade. Então, eu acho que
estar em todos os espaços. Não ocupar somente a Fiocruz, com o compromisso que tem com
os espaços que reservaram para a gente, mas a população brasileira, precisará dar sequência
conquistar espaços nos quais somos capazes de aos estudos de políticas públicas porque vamos
estar. Ainda há bastante a avançar. ver futuramente o impacto disso na educação
– principalmente, na população mais pobre
desse país, que engloba a população negra. A
NO BRASIL, O RACISMO É MUITO desigualdade social vai ser um empecilho. Nós
VELADO. CAPACIDADE E INTELIGÊNCIA sabemos a grande evasão que está ocorrendo, mas
NÓS TEMOS, MAS SOMOS PRETOS. é importante não desanimarmos, com certeza.

Então, já percebi que, quando as pessoas me Acho importante também pontuarmos que
veem pessoalmente, elas têm um olhar de daqui a quatro, cinco anos vai aumentar esse
espanto, de que não era o que esperavam como cenário de mulheres cientistas aqui no Brasil.
uma pesquisadora ou gestora. Nós, mulheres Não desanimem. É possível, sim, ser uma
negras, nos cobramos demais. Por mais que eu cientista. Claro que é preciso muita dedicação,
esteja trabalhando muito, acho que não posso estudo e apoio.
errar. Isso porque, se errarmos, como mulheres
negras vamos ser cobradas imediatamente por Eu tenho muita gratidão à Fundação Oswaldo
conta do racismo. E com a mulher não negra, Cruz. Ingressei aqui como terceirizada, como
isso é diferente. Quando falo da minha trajetória, técnica em Química, e a Fundação me deu a
sempre relato um episódio de racismo que sofri, oportunidade de fazer o mestrado e o doutorado.
pois participei de uma seleção de estágio em Aqui passei primeiro para técnica de Saúde
uma multinacional e, de acordo com a seleção, Pública; depois, no último concurso, passei
os primeiros três colocados iriam para a próxima como pesquisadora, então eu sou uma mulher
fase. Eu fiquei em terceiro, mas chamaram a negra cientista. A minha instituição me deu essa
pessoa que ficou em quarto lugar, que era uma oportunidade de ser pesquisadora e eu sei desse
mulher branca. Mas isso só me deu forças papel transformador, social e comprometido com
para conquistar cada vez mais meus sonhos e a ciência que a Fiocruz desempenha.
contrariar as estatísticas.

Eu sei do papel importante que a Vice-Presidência EU TENHO MUITO ORGULHO DE SER


de Educação, Informação e Comunicação A PRIMEIRA PRESIDENTA NEGRA
(Vpeic) da Fiocruz e a Escola Politécnica Joaquim DO SINDICATO NACIONAL DOS
Venâncio, da mesma instituição, desempenham SERVIDORES DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA,
para dar acesso aos nossos estudantes, às PRODUÇÃO E INOVAÇÃO EM SAÚDE
nossas estudantes, mas isso, infelizmente, PÚBLICA (ASFOC-SN), SOB O NOME
não é a realidade da população brasileira. Nós, DE ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA
trabalhadores e trabalhadoras da Fiocruz, sabemos FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (ASFOC).
também que essa exclusão fez com que milhões
de alunos não tivessem acesso ao ensino de
qualidade e eles serão prejudicados também na
37

Fundado em agosto de 1976, o sindicato E para finalizar, trago uma reflexão sobre a
nacional das trabalhadoras e trabalhadores da minha vida:
Fiocruz atua como entidade sindical desde 1986
e tem entre os principais objetivos defender “Desde menina eu tinha um sonho de fazer uma
os direitos dos associados, representá-los em faculdade e, à medida que o tempo passava, fui
ações judiciais coletivas, organizar movimentos tendo mais oportunidades que me levaram para
políticos e sindicais. área da ciência, me formei em Química Industrial, e
não fiquei satisfeita com apenas esse título, fui em
Mais do que isso, defende políticas que protejam busca de novos sonhos e desafios, me tornei mestre
a saúde do trabalhador, dos ambientes e das em tecnologia de processos químicos e bioquímicos,
condições saudáveis de trabalho; participa das professora universitária e doutora em tecnologia
macrodecisões institucionais da Fiocruz em nome de processos químicos e bioquímicos. Só que me
dos servidores, integrando as instâncias coletivas faltava algo para me realizar no campo da ciência,
de decisão; representa também o interesse deles e fui em busca de um novo sonho, que foi me tornar
diante das demais entidades sindicais, instâncias pesquisadora em saúde pública da Fiocruz”.
governamentais e da sociedade; promove a
circulação de informação e comunicação, bem
como realiza atividades culturais, esportivas e REFERÊNCIAS
sociais que levem ao congraçamento, à união e ao SINDICATO DOS SERVIDORES DE CIÊNCIA,
bem-estar dos associados. TECNOLOGIA, PRODUÇÃO E INOVAÇÃO EM SAÚDE
PÚBLICA – ASFOC. Portal. Disponível em: http://www.
asfoc.fiocruz.br/portal/.
38

DAR PROTAGONISMO
ÀS PESSOAS QUE
HISTORICAMENTE
ESTIVERAM OU
ESTÃO NA
BASE SOCIAL
39

COMITÊ PRÓ-EQUIDADE DE GÊNERO E RAÇA DA FIOCRUZ

UMA FIOCRUZ QUE SEJA INCLUSIVA


E DIVERSA É O CAMINHO
ENTREVISTA COM ANDREA DA LUZ CARVALHO

Valentina Leite: Andrea, quando Por muito tempo, o Comitê Pró-


foi criado o Comitê Pró-Equidade? Equidade se dedicou às pautas
Você poderia falar um pouco sobre o relacionadas à violência contra a mulher
contexto dessa criação? e ao assédio moral e sexual. Nessa linha,
o Comitê participou da elaboração da
Andrea da Luz: O Comitê Pró- primeira cartilha de combate ao assédio
Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz moral e sexual na Fiocruz, lançada em
foi criado em 2009. Havia na Fiocruz 2014. Publicou também o Dicionário
um grupo que vocalizava a necessidade Feminino da Infâmia, por Beth Fleury e
de discutir a violência contra a mulher, Stela Meneghel.
liderado por Maria Helena Barros,
que hoje coordena o Departamento O Comitê assume as pautas mais
de Direitos Humanos, Saúde e relacionadas aos temas de gênero
Diversidade Cultural (DIHS) da Escola e raça a partir de 2018. Gênero
Nacional de Saúde Pública Sérgio compreendido no sentido mais amplo –
Arouca (ENSP). Faziam parte Elizabeth não só mulher, mas todo o universo que
Fleury, do Instituto René Rachou, de envolve LGBTQIA+ –, e a questão racial,
Minas Gerais; a diretora de Recursos principalmente voltada para os negros.
Humanos da Fiocruz, Leila Mello;
Roseli Rocha (IFF)– que ainda hoje faz
parte do Comitê –, Marcia Agostini, da
ENSP... Não me lembro agora de todo
mundo! Esse primeiro grupo, do qual A INSERÇÃO DE CELEBRAÇÕES
depois fiz parte, fundou o Comitê. Na DE DATAS SIGNIFICATIVAS NO
época, houve a passagem na Diretoria CALENDÁRIO ANUAL DA FIOCRUZ É
de Recursos Humanos da Leila Melo MARCO IGUALMENTE IMPORTANTE DO
para o Juliano Lima, e eu era chefe de COMITÊ, COMO A COMEMORAÇÃO DO
Departamento de Desenvolvimento de DIA DA CULTURA AFRICANA E DO DIA
Recursos Humanos da Direh. INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA.
40

COMEÇAMOS A OFERECER FORMAÇÕES E essas pessoas não têm total acesso


DEBATES RELACIONADOS ÀS QUESTÕES DE aos nossos serviços. A partir de
GÊNERO E RAÇA E PASSAMOS A CELEBRAR 2018, começaram a ser promovidos
O DIA DO ORGULHO LGBTQI+ (28 DE treinamentos sobre esta questão
JUNHO), DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE junto aos porteiros e recepcionistas
TRANS (29 DE JANEIRO), DIA NACIONAL DA da Fiocruz do Rio de Janeiro por Bruno
CONSCIÊNCIA NEGRA (20 DE NOVEMBRO), DIA Vantini e Nilo Martinez Fernandez,
INTERNACIONAL DAS MULHERES (8 DE MARÇO). integrantes do Comitê, em parceria
com a Coordenação-Geral de
Infraestrutura dos Campi (Cogic).
Outra ação importante foi a campanha
Valentina: Quais foram os principais “Liberdade de ser” realizada pela
desafios no momento de implantação jornalista Erika Farias, da Coordenação
do Comitê? Fale um pouco sobre as de Comunicação Social (CCS) da
questões que permearam os debates Fiocruz, em que foram espalhados
no início. Seria possível fazer um cartazes em toda a instituição com
paralelo das questões e desafios fotos de integrantes do Comitê e
iniciais com os de hoje? mensagens de respeito às diferenças
de raça, gênero e religião.
Andrea: A partir da gestão de Nísia
Trindade, presidente da Fundação O Comitê atuou recentemente na
desde 2017, a nossa instituição adquire expansão da política de cotas. As cotas
maior sensibilidade para as questões para os cursos de pós-graduação da
de gênero e raça. Afinal, Nísia é a Fiocruz eram 20% das vagas em sua
primeira mulher a assumir o cargo após totalidade, incluindo negros, pessoas
100 anos de homens no poder. com deficiência e indígenas. Agora,
as cotas contemplam 20% das vagas
A partir de 2018, o Comitê passa a ter para negros, 7% para pessoas com
uma gestão colegiada, constituída de deficiências, e 2% para indígenas.
quatro mulheres: uma branca e três
negras. Com isso, fazemos o exercício Valentina: Quais pautas e projetos
de maior representatividade de negras foram implementados no Comitê
na gestão. após a aprovação da Tese 11 do VIII
Congresso Interno de dezembro de
No campo das discussões LGBTQIA+, 20171, que se posiciona na “luta por
o que está em pauta é permitir a uma sociedade mais justa e equânime,
liberdade desse grupo de ser, existir comprometida com a diversidade”?
e ter o direito de livre circulação.
Infelizmente, existem denúncias de
pessoas trans que foram proibidas de
entrar no campus da Fiocruz do Rio
de Janeiro. Por conta do preconceito,
41

Andrea: Quando conseguimos incluir Andrea: Em 2018, foi implantado um 1. O texto da Tese 11
a Tese 11 no Congresso Interno, Sistema de Gestão de Integridade pode ser lido, na íntegra,
no Relatório Final do
chamamos atenção da comunidade na Fiocruz composto por Ouvidoria,
VIII Congresso Interno
Fiocruz para o fato de que não existe Comitê de Ética, Corregedoria, Fiocruz, disponível em:
separação entre uma ética interna e Controladoria, Auditoria Interna, Comitê
externa. Portanto, o compromisso e Gestor da Lei de Acesso à Informação,
a posição ética institucional devem Comissão Permanente de Acesso à
ser coerentes com os nossos valores Informação, Comissão de Integridade
e lutas, seja por mulheres, negros ou Científica e Agentes de Integridade. 2. É possível conhecer
pelo grupo LGBTQIA+. As discussões O Sistema apura as denúncias2, que mais sobre o Sistema de
Gestão de Integridade
possibilitaram ao Comitê incluir essas podem ser feitas por qualquer pessoa
na Fiocruz por meio do
questões na agenda das unidades. a partir da Ouvidoria, via internet3. documento síntese do
A Ouvidoria analisa e encaminha Programa de Integridade
O “Trajetórias Negras” foi um a denúncia. Ela pode propor uma Pública Fiocruz,
disponível em:
projeto muito bonito do Comitê, mediação, se for um conflito entre as
abordando a trajetória de servidores partes; encaminhar para a apuração do
públicos negros da Fiocruz. Um dos Comitê de Ética da Fiocruz, se envolver
focos da iniciativa é evidenciar as desvios éticos, ou para a Corregedoria,
dificuldades que se entrecruzam nas se for uma suspeita de assédio (moral
jornadas individual e institucional no ou sexual) ou uma outra forma de 3.
enfrentamento do racismo. violência. Se a denúncia se constitui
em algo que já tenha uma previsão
Ainda hoje temos um mar de legal, como no caso de assédio e
denúncias de assédios sexuais e importunação sexual, ela deve também
morais. Por isso, estamos revisando ser encaminhada para a delegacia. 4. Já é possível visualizar
e atualizando nossa cartilha sobre o Regimento de Pós-
Graduação Stricto Sensu,
assédio, incluindo outras violências Valentina: Muitas mudanças ocorreram
Especialização Lato Sensu
no trabalho, como racismo, xenofobia, na Fiocruz, no país e no mundo no que e Cursos de Qualificação
LGBTfobia e as questões geracionais. diz respeito às relações de trabalho. da Fundação Oswaldo
Você gostaria de destacar alguma Cruz de 2021 por
meio do documento
Valentina: De que forma as pessoas conquista política dos últimos anos?
disponível abaixo
podem realizar essas denúncias
(trabalhadores e comunidade Fiocruz)? Andrea: No nosso contexto, a
conquista política é resistir, não deixar
que essas questões, raciais e de
gênero, fiquem invisibilizadas.

Eu queria destacar a importância


do projeto “Mulheres e Meninas na
Ciência” por visibilizar a necessidade
de formação das meninas em
ciências – e, particularmente, a
42

formação das meninas negras. É uma Os Estados Nacionais Modernos


iniciativa que podemos chamar de foram constituídos no final do século
estruturante, envolvendo uma rede de XVIII, fundados sob a bandeira liberal,
fortalecimento de mulheres, para que e emergiram junto ao capitalismo.
essas meninas não sejam submetidas Quando consideramos essa formação,
ao que é dado por seu contexto social. é inaceitável um Estado que elimine
Várias pessoas na instituição estão as alteridades. Mas enfrentamos,
mobilizadas nessa empreitada. no Brasil, um certo apagamento das
diferenças. O conceito de maioria e de
Valentina: Para o futuro, quais são as democracia implicam ampliação das
ações pela valorização étnico-racial e ações existentes, acrescendo o espaço
de gênero projetadas pelo Comitê? disponível para que mais pessoas
tenham acesso ao que é público e ao
Andrea: Continuar a incluir ações que é responsabilidade do Estado.
na agenda das unidades é um
desafio. Além da regulamentação Apesar de o artigo 5º da Constituição
das políticas afirmativas voltadas declarar todos iguais, a cidadania não
aos estudantes da pós-graduação é evidente para todos. Os sujeitos
em vias de publicação pela são sujeitos históricos, têm posições
Vpeic4, precisamos acompanhar históricas e tal historicidade deve ser o
a implementação das comissões ponto de partida: não existindo a priori, a
de heteroidentificação racial e democracia precisa ser estimulada para
da verificação da documentação alguns grupos.
de pessoas com deficiências nos
processos seletivos para os cursos Gosto da noção de equidade –
de pós-graduação nas unidades. igualdade considerando a diferença
Precisamos zelar por essas políticas – para pensar a maioria não como
e ampliar a inclusão de outros grupos habitada apenas pelo que é padrão,
vulneráveis. Sabemos da dificuldade mas pelo que é desigual e dissensual.
de acesso de mulheres a cargos mais O combate da desigualdade significa
elevados e precisamos pensar em uma dar protagonismo às pessoas que
política de cotas para mulheres em historicamente estiveram ou estão na
cargos de gestão. É pertinente pensar base social. A mulher, em especial a
em espaços de inclusão e combate negra, trabalha na base do sistema, no
ao preconceito LGBTQIA+. Além do cuidado dos lares como empregada
suporte financeiro (com bolsas), esses doméstica, por exemplo. E além de
estudantes muitas vezes precisam ganhar muito pouco, é mais abusada e
de assistência psicológica. Existem violentada. São desafios da sociedade
grandes desafios com relação a coisas brasileira cujos problemas também
mínimas, como o banheiro a ser atravessam a nossa instituição.
utilizado pelas pessoas trans.
43

É necessário reforçar o papel BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Documento
institucional de eliminar as barreiras síntese do Programa de Integridade Pública. Fundação Oswaldo Cruz.
que impedem o acesso dos indivíduos. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/
Uma Fiocruz inclusiva e diversa é documentos/programa_de_integridade_fiocruz_pagina_da_fiocruz.pdf.
um caminho que estamos ainda
trilhando. Para que o direito seja FLEURY-TEIXEIRA, Elizabeth; MENEGHEL, Stela Nazareth.
ampliado de forma evidente, para que Dicionário Feminino da Infâmia. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015.
as pessoas possam ter a liberdade
de ser, combatendo toda a violência
que naturalizamos, minimizamos e
reproduzimos no nosso cotidiano. REFORÇAR O PAPEL INSTITUCIONAL DE
ELIMINAR AS BARREIRAS QUE IMPEDEM
O ACESSO DOS INDIVÍDUOS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação

FOTO: VINICIUS MARINHO | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ


Oswaldo Cruz. Assédio moral e sexual no
trabalho: prevenção e enfrentamento na
Fiocruz. [S./l.]: Fiocruz, 2014. Disponível
em: http://www.asfoc.fiocruz.br/portal/
sites/default/files/2cartilha_assedio_
moral_e_sexual.pdf.

BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação


Oswaldo Cruz. Relatório Final do VIII
Congresso Interno Fiocruz. A Fiocruz e o
futuro do SUS e da democracia. jun. 2018.
Disponível em: https://portal.fiocruz.br/
sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/
viii_congresso_interno_-_relatorio_final.pdf.
44

NÓS DEFENDEMOS
A EQUIDADE
COMO UM VALOR
45

UMA DIVERSIDADE DE MULHERES


MARCADAS PELA DESIGUALDADE
MARINA MARIA

Eu represento o Icict, o Instituto de Comunicação e Informação Científica


e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, no Comitê Pró-Equidade de Gênero
e Raça da Fundação, e integro a coordenação colegiada desse coletivo
juntamente com as minhas companheiras e inspirações de vida, Hilda
Gomes, do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC); Roseli
Rocha, do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); Andreia da Luz, da
Coordenação Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe/Fiocruz). E eu estou aqui
em nome dessas minhas companheiras para falar de toda disponibilidade
e carinho do nosso comitê por essa mobilização do projeto “Mulheres e
Meninas na Ciência”, vinculado à Vice-Presidência de Educação, Informação
e Comunicação (Vpeic).

Para quem ainda não conhece o nosso O nosso comitê tem o objetivo de
comitê, acho que vale aproveitarmos colaborar para que a diversidade de
este momento para compartilhar meninas e mulheres seja garantida e
algumas informações. Somos um seja, sobretudo, reconhecida como um
coletivo vibrante e potente que vem valor, como uma potência, pela nossa
atuando desde 2009 na Fiocruz, em instituição. Temos buscado formas de
sua diversidade. Reunimos pessoas de ampliar essas possibilidades na prática,
diferentes unidades e o nosso objetivo cientes do quanto essas desigualdades
é consolidar uma agenda institucional e desafios para o desenvolvimento da
pelo fortalecimento da equidade de carreira de cientista são atravessados
gênero e das relações étnico-raciais na pelas questões de gênero e raça.
nossa instituição, no cotidiano. Temos
buscado colaborar constantemente
para atualização e reorientação das É IMPORTANTE PENSARMOS NAS
nossas políticas, das nossas ações, POSSIBILIDADES TAMBÉM DE
seja nas relações de trabalho, seja no ENFRENTAR ESSAS SITUAÇÕES DE
atendimento ao público e na produção VULNERABILIDADE QUE FAZEM PARTE
e popularização do conhecimento DO NOSSO PAÍS E QUE IMPACTAM O
científico. E na pluralidade de áreas que PROCESSO DE DIREITO À EDUCAÇÃO,
a ciência apresenta neste processo de À SAÚDE E À DIGNIDADE HUMANA.
desenvolvimento do conhecimento.
46

Nesse sentido, temos tentado buscar formas Acho que termos a nossa presidenta Nísia
de elaborar estratégias para garantir que Trindade à frente da Fiocruz, assim como
mais meninas e mulheres negras, trans, toda essa mobilização do projeto “Meninas e
com deficiências – ou seja, essas meninas e Mulheres”, nos dá uma sensação de inspiração,
mulheres, nas suas diversidades – tenham alento e esperança de que temos, sim, a
o direito de sonhar, de se desenvolver, de se possibilidade de seguir adiante com a nossa força.
tornar cientistas a partir da nossa Fiocruz. Nós
defendemos a equidade como um valor. E a E para encerrar, gostaria de compartilhar o
equidade está no nome do nosso comitê. Vale papel determinante que a Fiocruz teve na minha
lembrar, neste momento de abertura dessa vida como instituição catalisadora de sonhos e
programação tão potente, que temos a tese 11, destacar esse papel catalisador da Fundação,
aprovada no 8º Congresso Interno da Fiocruz, no capaz de fazer meninas sonharem, crescerem e se
final de 2017, que reafirma o nosso compromisso tornarem cientistas. Este castelo da Fiocruz, com
institucional na luta por uma sociedade todo seu encantamento, sua luta, sua resistência,
mais justa, mais equânime, comprometida me inspirou, me fazia sair diariamente, com 14
com o reconhecimento da diversidade do anos, de Duque de Caxias (RJ), encarar trem,
povo brasileiro, das suas demandas e do ônibus cheio, nos anos em que eu estudei na
enfrentamento das formas de discriminação. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Esse referencial é muito importante para a e entender que eu poderia ser uma cientista.
atuação do comitê e para o comprometimento E não tinha um dia que eu não visse, na minha
da Fiocruz com a defesa dessa diversidade. escola Politécnica, o saudoso professor Jairo nos
perguntar “o que era ciência”. Era engraçado que
Essas realidades de violência e desigualdade eu tinha a sensação de que eu e meus colegas
que temos visto sendo denunciadas e de turma nunca sabíamos como responder à
relatadas, sobremaneira neste contexto de pergunta “o que era ciência”. E a cada dia, a
pandemia, é a realidade de muitas mulheres cada ano, aquela resposta ficava mais difícil. Eu
para além da pandemia. desconstruí também esse imaginário de que
cientista tem que ser aquela pessoa das Ciências
ACHO MUITO IMPORTANTE Biomédicas, da bancada do laboratório, com as
ENTENDERMOS QUE ESTAMOS pipetas, buretas, enfim... Eu sou uma cientista das
FALANDO DE UMA DIVERSIDADE DE ciências humanas, da comunicação, tecnologista
MULHERES, MARCADAS POR ESSA em saúde pública da Fiocruz e estou no Comitê
DESIGUALDADE, QUE ESTÃO NO Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. Sou
NOSSO PAÍS. servidora da casa colaborando para que a Fiocruz
não seja privilégio, mas condição fundamental e
direito para que tantas meninas e mulheres de
origem periférica também sonhem e se tornem o
que desejarem ser como cientistas.
47

ESTE CASTELO DA FIOCRUZ, COM TODO


SEU ENCANTAMENTO, SUA LUTA, SUA
RESISTÊNCIA, ME INSPIROU

FOTO: RAUL SANTANA | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ


48

NÓS TEMOS
FORTALECIDO
ESSES ESPAÇOS
CHEGANDO ATÉ ELES
E MOSTRANDO QUE
TAMBÉM PODEMOS
OCUPÁ-LOS
49

PÓS-GRADUANDAS

UMA INSTITUIÇÃO COM MULHERES


FORTES E ADMIRÁVEIS
ELIZABETH LEITE

Em nome da Associação de Pós-Graduandos da Fiocruz do Rio de Janeiro


(APG-RJ), gostaria de agradecer o convite para compor este Dossiê
Temático Mulheres e Meninas na Ciência. É uma honra para mim, pós-
graduanda, estar ao lado de mulheres que representam tanto para a Fiocruz
e para o Brasil. Nós sabemos que existem muitos desafios para as mulheres,
mesmo antes da pandemia, e alguns se intensificaram nesse período. Eu vou
trazer alguns dados que foram apresentados na última aula da disciplina
da qual participei – Ciência e Saúde em Tempos de Pandemia – sobre os
desafios das mulheres na ciência, abordados pela professora Letícia de
Oliveira, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Esses dados me trouxeram várias Informação e Comunicação (Vpeic),


reflexões para mostrarmos o e do sindicato dos trabalhadores da
quanto eles ainda são importantes e Fiocruz. Então, nós temos fortalecido
impactantes. Por exemplo, segundo esses espaços chegando até eles e
dados do IBGE (2015), os homens mostrando que também podemos
ganham em média 30% a mais que ocupá-los.
as mulheres para ocupar o mesmo
cargo e as mulheres dedicam o dobro Já em relação à graduação e pós-
de horas às atividades domésticas graduação vemos que existem hoje
em relação aos homens1. Além disso, mais meninas e mulheres nesses
ainda existe uma baixa representação espaços, contudo esse número cai para
de mulheres em posição de destaque cargos de docência. E é ainda menor 1. Estudo Estatísticas de
e liderança na ciência e na academia, para mulheres negras, com menos de Gênero – Indicadores
como nas universidades, nas reitorias, 3% de docentes doutoras negras na sociais das mulheres
no Brasil, do IBGE:
na Coordenação de Pessoal de Nível pós-graduação. E, então, começamos
Superior (Capes), no Conselho Nacional a refletir sobre esses dados mais
de Desenvolvimento Científico e impactantes. Sabemos que temos
Tecnológico (CNPq) e nos espaços menos espaços, mas quando colocamos
de presidência. E, nesse ponto, eu fico isso em números, conseguimos ter uma
muito feliz em termos hoje na Fiocruz visualização melhor.
mulheres à frente da Presidência,
da Vice-Presidência de Educação,
50

ÀS VEZES, MUITOS JULGAM A Eu fico muito feliz em ter várias mulheres


CAPACIDADE DE UMA MULHER fortes e admiráveis à minha volta, desde a
JUSTAMENTE POR ELA SER MULHER, minha graduação até a minha pós-graduação.
ACREDITANDO QUE O FATO DE SER Gostaria de finalizar parabenizando a todas as
MÃE OU TER QUE CUIDAR DA CASA meninas e mulheres que estão transformando e
IRÁ IMPEDI-LA DE PRODUZIR OU TER ressignificando o espaço do meio científico.
CAPACIDADE DE ESTAR EM ESPAÇOS
DE DEDICAÇÃO E TEMPO PARA O
ESTUDO OU TRABALHO.

Isso mostra como ainda somos cobradas na


sociedade. Ademais, nós, pós-graduandas,
e também as pesquisadoras, podem adiar a
maternidade por causa desse julgamento, ou
as que já são mães têm mais dificuldade em
ser aceitas e valorizadas. Dados da literatura
mostram que um dos fatores mais importantes
para que uma pessoa se torne investigadora
principal em um grupo de pesquisa é
justamente o gênero, ou seja, com o mesmo
registro de publicações, os homens têm mais
probabilidade que as mulheres de se tornarem
os pesquisadores principais. Essas são algumas
reflexões e dados que precisamos mostrar e
discutir para mudarmos e transformarmos essa REFERÊNCIAS
realidade. Este espaço para valorizar meninas INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
e mulheres na ciência é um movimento ESTATÍSTICA – IBGE. Estatísticas de Gênero:
importante da Fiocruz, é um movimento que Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Disponível
tem crescido mundialmente. em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/
genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-
Finalizo ao trazer uma frase de uma poetisa, sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=o-que-e.
Rupi Kaur:
VELHO, L. Prefácio. In: SANTOS, L. W.; ICHIKAWA,
“Todas nós seguimos em frente quando E. Y.; CARGANO, D. F. (org.). Ciência, Tecnologia e
percebemos como são fortes e admiráveis as Gênero: desvelando o feminino na construção do
mulheres em nossa volta”. conhecimento. Londrina: IAPAR, 2006.
51
52

CONTAR COM
ESSA DIVERSIDADE
SÓ PODERIA
SER POSITIVO
53

MULHERES, COMUNICAÇÃO E SAÚDE

IGUALDADE DE GÊNERO NA
CIÊNCIA: O QUE A COMUNICAÇÃO
TEM A VER COM ISSO?
MARCIA CORREA E CASTRO

Não foi à toa que, em 2015, a Organização das Nações Unidas declarou o Dia
Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. O campo científico reproduz o
machismo que estrutura a sociedade. No Brasil, apenas 40% dos pesquisadores
cadastrados na plataforma Lattes são mulheres. E ainda há as desigualdades
por área. Nas engenharias, por exemplo, as mulheres são apenas 26% dos
pesquisadores. Os dados são do Open Box da Ciência, um levantamento da
empresa Gênero e Número, financiada pelo Instituto Serrapilheira.

O cenário – como não poderia deixar Em outras áreas da comunicação, a


de ser, já que o machismo é estrutural desigualdade de gênero também se
– se repete na comunicação. Em expressa. De acordo com matéria
2019, a plataforma de comunicação publicada em 2015, no site G1, apenas
corporativa Work, desenvolvida 7% dos diretores dos principais filmes
pelo portal Comunique-se1, apontou produzidos por Hollywood no ano
que existem 15.654 mulheres anterior eram mulheres2. E em 2017,
jornalistas empregadas em veículos de acordo com um levantamento
de comunicação no país. O número da San Diego State University, eram
corresponde a somente 37% do do sexo feminino apenas 42% dos
mercado da imprensa nacional. Nos personagens com fala na dramaturgia 1.
cargos de comando dos veículos de para a televisão estadunidense3. No
comunicação (incluindo as diretoras de Brasil, analogamente, quase 73% das
redação, editoras-executivas, editoras- obras nacionais de literatura publicadas
chefes, presidentes e vice-presidentes), entre 1965 e 2014 foram escritas
as mulheres não chegam a um terço, por homens (PEREIRA; COUTINHO, 2.

de acordo com a mesma pesquisa. 2021). E na indústria nacional


São resultados que não deixam de ser do entretenimento, as mulheres
surpreendentes, considerando que as correspondem a menos de 28% dos
mulheres costumam ser maioria nos postos de trabalho atrás das câmeras.
3.
cursos de comunicação social. Em
pesquisa de 2008, Guedes apontava
que elas correspondiam a 64% dos
estudantes desse campo.
54

4. A autora desafiou
Sabemos que a situação da podemos citar o “Doutor Brow” da
padrões da época, mas na
primeira metade do século desigualdade de gênero se repete trilogia “De Volta para o Futuro”,
XIX ia ser pedir demais uma nos dois campos (científico e da nos anos 1980, e na TV o químico
protagonista feminina no comunicação) porque o machismo Walter White, da série Breaking
papel de cientista.
é estrutural na sociedade. Mas nos Bad, de 2008. Para as crianças, os
interessa olhar especificamente como desenhos animados entregam o “Dr
as duas áreas dialogam, Duffer Smith”, de “Phineas e Ferb” e
ao retroalimentar esse problema. “Dexter” do “Laboratório de Dexter”.
Todos homens: o gênero masculino
SOMOS O QUE OUVIMOS, integra o conjunto de características do
LEMOS E ESCUTAMOS. É A profissional de ciência estereotipado
PARTIR DAS MENSAGENS pelo campo da comunicação.
DISSEMINADAS
COLETIVAMENTE, QUE Em artigo de 2017, Carvalho
CONSTRUÍMOS OS SENTIDOS e Massarani apresentaram os
PARA O QUE NOS CERCA. resultados de uma pesquisa a partir
da grade de programação de duas
O American Way of Life foi difundido emissoras de TV aberta no Brasil (TV
mundialmente pelo cinema; a princesa Globo e TV Record). Elas analisaram
Isabel tornou-se a “salvadora dos 672 horas de programação, somando
negros” graças à linguagem empregada as duas emissoras. Em 0,8% desse
nos livros didáticos. Viver em um total (cinco horas, 39 minutos e 45
mundo em que os homens escrevem segundos), apareceram 137 cientistas,
e comandam a mídia e as produções em matérias jornalísticas e em
artísticas significa moldar e enxergar propagandas: 109 eram homens e
o mundo através do homem. É essa apenas 28 eram mulheres.
mídia e essa indústria cultural que nos
legaram “o cientista” (no masculino), Diante dessa avalanche de
excluindo as mulheres desse campo. representações, o mais provável é que
uma menina, ao idealizar seu futuro,
Temos Victor Frankenstein, do não vislumbre a possibilidade de uma
romance publicado por Mary Shelley4 carreira científica, o que contribui para a
em 1818. As revistas em quadrinhos manutenção de uma presença feminina
nos apresentaram o vilão Lex Luthor reduzida nesse campo. Com menos
(1940), os heróis cientistas “Senhor mulheres fazendo ciência, a chance de
Fantástico” (1961) e “Tony Stark” um jornalista entrevistar uma mulher,
(1963), além dos vários inimigos quando decidir fazer uma reportagem
do Homem Aranha (todos homens, sobre ciência, será menor. E assim
quase todos cientistas). No cinema alimentamos o ciclo vicioso que, por sua
vez, alimenta o machismo estrutural.
55

5. Para ver mais


No Canal Saúde buscamos, REFERÊNCIAS
sobre mulheres na
cotidianamente, encarar essa situação CARVALHO, Vanessa Brasil de. comunicação da Fiocruz,
e contribuir para o enfrentamento da MASSARANI, Luisa. Homens e Mulheres acesse o Boletim Ciência
desigualdade de gênero. Somos uma Cientistas: questões de gênero nas duas – Mulheres Comunicando
Ciência. Disponível em:
equipe coordenada por uma mulher. principais emissoras televisivas do Brasil.
Das dez gerências, seis também Intercom, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 213-232,
são ocupadas por mulheres. As jan./abr. 2017.
mulheres também são quatro de sete
apresentadores. E apenas 2% das peças GUEDES, Moema de Castro. A Presença
jornalísticas produzidas não trazem pelo Feminina nos Cursos Universitários e nas
menos uma mulher entrevistada. Na Pós-Graduações: desmistificando a ideia
direção contrária, 52% das produções da universidade como espaço masculino.
contam com a participação exclusiva História, Ciência, Saúde – Manguinhos, v.
de mulheres. Isso é um feito e tanto, 15, suplemento, p. 117-132, jun. 2008.
considerando que o Canal Saúde trata
basicamente de divulgação científica, e PEREIRA, Maria do Rosario A.; COUTINHO,
que as mulheres – como já vimos – são Samara Mirian. Padê Editoria e Nega Lilu:
minoria na ciência. Representatividade Feminina no Mercado
Editorial Independente. Estudos de Literatura
Essas vitórias construídas com esforço Brasileira Contemporânea, n. 62, e.621, 2021.
ao longo de 27 anos de história (nem
sempre foi assim) permitem que,
hoje, consigamos uma atenção maior
aos aspectos de gênero na escolha e
na abordagem dos temas. Mas não
estamos livres de contradições. Por
exemplo, a equipe de 72 pessoas tem
uma maioria de homens (57%). Eles
estão em maior número principalmente
nas áreas técnicas (operação de
câmera, edição, controle mestre,
manutenção etc.). Pode parecer
preciosismo rumo ao “politicamente
correto”, mas, na verdade, uma
operadora de câmera do sexo feminino
teria formas diferentes de enquadrar
cenas e personagens, uma diretora de
imagens pode estar atenta a detalhes
que passariam despercebidos por um
homem. Contar com essa diversidade
só poderia ser positivo5.
56

MEMÓRIA INSTITUCIONAL

HISTÓRIA DA PRESENÇA FEMININA NA FIOCRUZ1


LINHA DO TEMPO BASEADA NAS PESQUISAS DE NARA AZEVEDO

Ampliação da
escolarização feminina em
nível secundário e superior, no
Brasil, que abre possibilidades
de ingresso de mulheres nas
ciências e nas instituições
científicas e universidades.

1920
A Fundação começa a receber
as primeiras mulheres.
Muitas ingressam por
1930/40
cursos oferecidos pelo
Instituto Oswaldo Cruz.
Mas elas só passam a ter mais
oportunidades profissionais,
depois da Segunda Guerra,
com a maior valorização
dos cientistas.

1. Dados retirados do
e-book “Menina Hoje,
Cientista amanhã”
editado pela Olimpíada
Brasileira de Saúde e
Meio Ambiente.
57

Incentivadas por seus Com o passar dos anos, a


professores, mulheres presença feminina
chegam para atuar em na instituição foi
laboratórios. Assim como aumentando e se
acontecia com os alunos equiparando a dos
homens, vinham como homens. Em 2018, a
estagiárias, na maioria das Fundação elege Nísia
vezes sem remuneração. Trindade Lima como a sua
Na década de 1960, com primeira presidente. Em
a abertura de concurso 2019, dos 4.689 servidores
público, várias são da Fundação, 2.626 eram
aprovadas e começam mulheres (56%).
a receber salário.

1960 1990
1970 até hoje

Com o aumento no número de


vagas nas universidades, esse
período é marcado por mais
oportunidades de formação em
nível superior para ambos os
sexos. Em 1974, faziam parte do
quadro de pessoal 70 cientistas,
sendo 18 mulheres (ou seja, cerca
de 25%). Em 1975, um projeto
de reconstrução da Fiocruz, após
momentos turbulentos durante
a Ditadura Militar, possibilita que
Para ver mais: profissionais de ambos os sexos
Dossiê temático: sejam reconhecidos por seus
Mulheres no acervo de trabalhos e pesquisas em outras
uma instituição científica
universidades e organizações.
– O Instituto Oswaldo
Cruz (1930-1970)
Autores: Nara Azevedo;
Luiz Otavio Ferreira;
Daiane Rossi
58

É POSSÍVEL CONHECER
SUAS HISTÓRIAS
DE VIDA, SUAS
CAMINHADAS DENTRO
DA INSTITUIÇÃO,
REFLETIR GÊNERO, RAÇA,
LUGARES DE FALA, ENTRE
OUTRAS POTENCIAIS
ANÁLISES QUE PODEM
SER FEITAS, GERANDO
FRUTOS A PARTIR
DESSAS PRODUÇÕES
59

MULHERES NA FIOCRUZ: TRAJETÓRIAS


LUIZ OTÁVIO FERREIRA, COM A PARTICIPAÇÃO DAS PESQUISADORAS
NARA AZEVEDO, SIMONE PETRAGLIA KROPF, LUCIANA QUILLET HEYMANN
E ALINE LOPES LACERDA, DOS BOLSISTAS RECÉM-DOUTORES ANDRÉ LIMA
E DAIANE ROSSI, E DA DOCUMENTARISTA CRISTIANA GRUMBACH

Em 2019 teve início na Casa de Oswaldo Cruz (COC), no Departamento de


Pesquisa em História das Ciências e da Saúde (Depes), o projeto “Memória
Institucional: mulheres na Fiocruz”, vinculado ao Programa de Desenvolvimento
Institucional (PIDI).

O projeto objetivou a produção A produção de registros sobre


de registros audiovisuais visando a presença feminina na Fiocruz
documentar, preservar e divulgar contemplou duas linhas de ação: 1) a
a memória coletiva da instituição, produção de um documentário sobre
especialmente tendo em vista as as mulheres “pioneiras” envolvidas
comemorações dos seus 120 anos em atividades de pesquisa/ensino
de fundação, em 2020. Foram (1940-1980); 2) a gravação de
privilegiadas as trajetórias de depoimentos sobre a trajetória pessoal
mulheres, buscando, por meio delas, e profissional de pesquisadoras, que se
revelar aspectos da organização e constituem como registros da memória
dinâmica institucionais e, de forma institucional e fonte documental para
mais abrangente, das próprias a história das ciências e da saúde no
condições de emergência de Brasil, e que serão incorporados ao
profissionais dedicadas aos campos acervo de história oral da COC; e a
da saúde e da ciência no Brasil. produção de vídeos sobre a trajetória
Em uma instituição marcada pela de 21 mulheres representativas dos
trajetória e pelos feitos de cientistas campos do ensino, pesquisa, produção
do gênero masculino – Oswaldo Cruz e assistência (1980-2020), cada
sendo o mais emblemático desses uma delas com atuação em uma das
personagens –, nada mais oportuno do unidades da Fiocruz.
que apresentar trajetórias de mulheres
que, histórica e contemporaneamente,
tenham contribuído para o
fortalecimento da missão institucional
em suas várias dimensões.
60

1. Para Mulheres
A série de vídeos “Mulheres na Já o documentário “Mulheres na
na Fiocruz
Fiocruz: trajetórias” e o documentário Fiocruz: pioneiras”1 foi integralmente
“Mulheres na Fiocruz: pioneiras” estão produzido a partir de fontes
disponíveis no canal do YouTube da arquivísticas, sobretudo do vasto
Casa de Oswaldo Cruz. Os primeiros acervo documental sob a guarda
vídeos, lançados em junho de 2020, do Departamento de Arquivo de
contam as trajetórias das pesquisadoras Documentação (DAD) da COC que
Yara Traub-Cseko (IOC), Maria da Luz contempla, além das mais de 3.000
Fernandes Leal (Bio-Manguinhos) e horas de entrevistas já realizadas com
Lileia Diotaiuti (IRR/Fiocruz Minas). pesquisadoras da Fiocruz, um vasto
A produção foi elaborada a partir de conjunto de documentos: currículos,
depoimentos gravados, realizados notícias de jornal, publicações,
presencialmente em 2019, que foram fotografias, documentos textuais,
agregados ao acervo de história oral da diários de viagens e de laboratório,
COC e futuramente estarão disponíveis entre outros. Para produção do
para pesquisa e acesso na íntegra. documentário, utilizamos sete
entrevistas gravadas oriundas dos
projetos “Memória das Coleções
Científicas do Instituto Oswaldo
Cruz da Fiocruz”, liderado por Magali
Romero de Sá, e “Gênero e ciência:
61

AUTOR: ACERVO ONU

carreira e profissionalização no
IOC, Museu Nacional e Instituto de
Biofísica”, liderado por Nara Azevedo.
Por meio de um intenso trabalho de
escuta, elaboração de roteiro, pesquisa
histórica e edição, o filme contempla
a trajetória das pesquisadoras Anna
Kohn, Delir Correa Gomes Maués da
Serra Freire, Dyrce Lacombe, Luiza
Krau, Monika Barth e Ottilia Affonso
Mitidieri, que ingressaram na instituição
entre as décadas de 1950 e 1960.

Durante 2020 e 2021 o projeto seguiu,


adaptando-se à realidade pandêmica,
e a partir de então os depoimentos
foram gravados remotamente pela
plataforma Zoom, através da mesma
dinâmica, com a presença de dois
entrevistadores, da documentarista e
da depoente. Com isso, finalizamos o
trabalho com a produção de mais sete
vídeos, tendo como personagens as
pesquisadoras: Alzira Maria de Paiva de mulheres na ciência brasileira,
Almeida (IAM/Fiocruz Pernambuco), principalmente em uma perspectiva
Keyla Belizia Feldman Marzochi histórica, ressaltando o potencial da
(INI), Marilda de Souza Gonçalves pesquisa para dar visibilidade a essas
(IGM/Fiocruz Bahia), Maria Cecilia trajetórias até então, na maioria das
de Souza Minayo (ENSP), Nubia vezes, desconhecidas. É possível
Boechat Andrade (Far-Manguinhos), conhecer suas histórias de vida, suas
Rachel Niskier Sanchez (IFF) e Tizuko caminhadas dentro da instituição,
Shiraiwa (Centro de Saúde/ENSP). Há refletir gênero, raça, lugares de fala,
expectativa de que os filmes sejam entre outras potenciais análises que
lançados até o final de 2021, ficando podem ser feitas, gerando frutos a
disponíveis também no canal do partir dessas produções.
YouTube da Casa de Oswaldo Cruz.

Além de serem importantes FICA O CONVITE PARA QUE


elementos de preservação da memória MENINAS E MULHERES SE
institucional da Fiocruz, os audiovisuais INSPIREM NESSAS HISTÓRIAS!
são meios de divulgação para o
público ampliado sobre a presença
62

NÓS
TEMOS FORTALECIDO
ESSES ESPAÇOS
CHEGANDO ATÉ
ELES E MOSTRANDO
QUE TAMBÉM
PODEMOS
OCUPÁ-LOS
63

COMPROMISSO E DEDICAÇÃO:
A CONTRIBUIÇÃO DE MARIA CECILIA
DE SOUZA MINAYO NO CAMPO
DA SAÚDE COLETIVA
Entrevista1 concedida para o projeto “Memórias e Práticas”, do Departamento
de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz),
realizada em 4 de dezembro de 2019, com a presença das pesquisadoras Lenira
Zancan, Maria Inês Carsalade Martins e Rosana Magalhães. A redação deste
texto síntese da entrevista é de autoria de Lenira Zancan, com a colaboração
de Delaine Costa e Maria Lúcia Cardoso. O projeto “Meninas e Mulheres na
Ciência” apoiou a edição da entrevista em formato audiovisual.

Entrevistadoras: Cecília, como foi a a área de saúde, fui para o exterior


sua aproximação com o campo da em função da instauração da ditadura
saúde e inserção no Departamento de militar. Quando voltei, já não tinha
Ciências Sociais da ENSP/Fiocruz? emprego e fiquei vários anos “vivendo
de bico”. De 1981 até 1984, trabalhei
Cecília: A aproximação com o campo na PUC do Rio de Janeiro, numa grande
da saúde foi ocasional. Victor Valla, que pesquisa chamada “Configuração de
tinha entrado para o Departamento de situação de pobreza” e fui convidada
Ciências Sociais da ENSP, era muito para organizar o material de uma
amigo do meu marido, Carlos Minayo, discussão sobre a fome, que culminou
e comentou que havia uma vaga no na publicação do livro “Raízes da
departamento. Eu me apresentei e fui Fome” (MINAYO, 1989). No mestrado,
aceita como professora visitante. Fiquei na UFRJ, orientada pelo José Sérgio
com esse status até 1989, quando fiz o Leite Lopes, fiz um trabalho que
concurso público e passei em primeiro depois se transformou no livro “Os
lugar. No Departamento, encontrei Homens de Ferro” (MINAYO, 1985).
1. O vídeo da
um grupo querendo fazer pesquisa de Foi tudo pesquisa empírica. Então, entrevista está
campo, mas com pouca tradição de quando entrei para o Departamento disponível neste
pesquisa empírica, o que era “minha de Ciências Sociais (DCS), trouxe endereço e no
QRCode abaixo:
praia”. Eu tinha terminado, à época, o essa contribuição. A gente começou
mestrado em antropologia social. O a aceitar pessoas de iniciação
eixo da minha vivência, tanto pessoal científica para uma grande pesquisa
como acadêmica, é e sempre foi a de conhecimento sobre a saúde da
questão social. Antes de entrar para população carioca, que originou artigos
64

de duas coletâneas: “Demandas Populares e aula e depois corrigia a mim mesma, tentando
Políticas de Saúde” (MINAYO; COSTA; LEITÃO; melhorar o texto com as questões que eles
STOTZ, 1989) e “Saúde em Estado de Choque” traziam, com as dificuldades que eles traziam. O
(MINAYO, 1987). Coordenei esse trabalho de livro “O Desafio de Conhecimento” (MINAYO,
campo, por exemplo, nas favelas da Penha, que 2000), de certa forma, é uma memória desse
para mim foram a primeira entrada nas questões esforço como professora e, ao mesmo tempo,
de saúde. Quando entrei na ENSP, percebi que a como pesquisadora.
preocupação social como condição de saúde era
o foco da Fiocruz. Essa articulação da pesquisa Entrevistadoras: Qualquer projeto que a gente
com a questão social, com a população, com o pegue, a referência é Cecília Minayo.
comprometimento com a política de saúde, com
o comprometimento com a sociedade foi nicho Cecília: O Abel Parker diz que eu sou a autora
de trabalho com o qual sempre sonhei. O que eu brasileira mais citada nas ciências sociais – não
queria fazer, o que eu poderia contribuir era com a é na área de saúde, não, é nas ciências sociais.
pesquisa empírica, com a pesquisa qualitativa que, Isso é possível porque eu fiz um livro para ser
de certa forma, eu trouxe para o departamento. utilizado, para ser lido, para servir.

Entrevistadoras: E ao mesmo tempo com rigor…


ACHO QUE ESSA FOI MINHA
GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA O Cecília: Com rigor, não é um livro tão fácil assim.
DEPARTAMENTO, DO PONTO DE VISTA O “livrinho azul” (MINAYO; DELANDES; GOMES,
INTELECTUAL. ENTÃO, DECIDI FAZER 2012) chegou à trigésima oitava edição e é mais
UM DOUTORADO SOBRE ISSO. fácil porque foi escrito para a graduação. Já o da
tese tem uma forte fundamentação teórica, mas
não traz uma linguagem complicada, porque eu
Ao mesmo tempo começou o mestrado do conversei muito com os médicos, e todos saímos
Instituto Fernandes Figueiras (IFF) e o Paulo ganhando. Eu devo muito a eles.
Buss, diretor da ENSP, me chamou para ajudar.
Eu dava uma aula de metodologia qualitativa Entrevistadoras: Você desempenhou um papel
na ENSP da qual participavam os mestrandos crucial na estruturação da pós-graduação
do primeiro curso do IFF. Eu me lembro muito stricto sensu da ENSP e em toda a Fiocruz,
deles porque eram todos médicos, e falar em além da atuação junto aos programas em todo
pesquisa qualitativa para médicos era um grande o Brasil através da Abrasco. Conte-nos como
desafio. Da mesma forma que tentava passar os foi esse processo.
fundamentos e discutir a utilidade da pesquisa
qualitativa para a medicina, tentava passar Cecília: Em 1990, Paulo Buss chamou um grupo
os conceitos sociológicos condizentes com o para fazer uma avaliação da pós-graduação
campo da saúde, como o positivismo, as teorias da ENSP. Éramos Joaquim Alberto Cardoso de
compreensivas, a fenomenologia e o marxismo, Melo, Cristina Possas, Marco Antônio Barbieri,
numa linguagem o mais acessível possível para Marília Bernardes Marques, e eu fiquei com
um médico. Então, essa experiência me ajudou a a coordenação. À época havia 31 alunos no
escrever a tese, porque eu preparava a aula, dava mestrado e doutorado e nós descobrimos que a
65

ENSP tinha apenas cinco doutores. Só que esses e eles contribuíram conosco porque passei
cinco doutores não orientavam, quem orientava a ser chamada pelo coordenador de área na
eram os mestres. Acho que só o Victor Valla Capes. Assim, após quatro anos, o mestrado e o
orientava. Era imensa a tarefa de reestruturação. doutorado estavam com nota 5, que era a maior
O conceito do doutorado era D, o do mestrado à época. Acho que o Paulo [Buss] tem um mérito
era C, além do curso ser avaliado dentro da muito grande nisso, porque era um chefe que
área de medicina. Comecei a trabalhar com os dava apoio. Ele bancou o projeto, ficava bravo,
doutores para fazermos a proposta das subáreas exigia, e não transigiu, e eu também não transigi.
de concentração e grupos de pesquisa. Tinha Todas eram pessoas muito queridas, mas havia as
muita gente relutante em mudar, e os mestres se normas, havia regras às quais nos submetíamos.
sentiram meio ameaçados. Ao mesmo tempo,
comecei a atuar em Brasília, porque na época Quando terminei meu período na pós-graduação,
não era a Capes que aprovava os cursos, era o em 1995, Paulo Buss, escolhido para ser vice-
Conselho Federal de Educação, e cada curso tinha presidente de ensino, me convidou para coordenar
um conselheiro-mor. Nós tínhamos o nosso, só a pós-graduação da instituição como um todo. Aí
que ninguém sabia quem era. Uma pessoa da eu comecei aquele trabalho de formiguinha com
Capes me ajudou a identificá-lo e fui conversar cada programa existente, e os reuni pela primeira
com ele; levei um projeto, falei que estávamos vez, porque nunca tinham se reunido. Vinha o
em pleno processo de reestruturação, e consegui pessoal do Instituto Fernandes Figueiras (IFF),
iniciar uma interlocução. Afinal, não dá para fazer da ENSP e dos programas do Instituto Oswaldo
as coisas sem entrar na política institucional e Cruz (IOC). Depois fomos criando programas
acadêmica. Enquanto isso, eu conversei com em Recife e Belo Horizonte. Aí redigimos, juntos,
Paulo Buss e falei o seguinte: “– Paulo, nós vamos um regulamento geral dos Programas de Pós-
arrumar orientador para todos, mas nós vamos Graduação da Fundação Oswaldo Cruz. Essa
dar um prazo para conclusão das dissertações, transversalidade não existia, porque cada um
particularmente”. Um prazo de um ano para os respondia independentemente por si.
mestres se titularem. Todos já estavam com as
matérias concluídas, era só escrever o trabalho. Acho que dei algumas contribuições também
Isso aconteceu e todos defenderam antes de quando fui vice-presidente de Comunicação,
31 de dezembro. Em seguida, retomamos o Informação e Ambiente da Fiocruz na gestão
doutorado com um currículo estabelecido pela do Eloi Garcia, de 1997 a 2000, e eu não sabia
Comissão de Pós-Graduação, com ênfase nos nada de informação e comunicação. Fui aprender.
mestres da casa. Ou seja, as duas primeiras Começamos por organizar cursos com o próprio
turmas de doutorado foram para qualificar o pessoal do Icict, para aqueles funcionários
pessoal interno. Foi maravilhoso! Nós temos que ficavam na biblioteca e nunca haviam tido
grandes teses dessa época com discussões oportunidade de estudar. Ao mesmo tempo,
excelentes. Isso porque tínhamos pessoas muito mandamos gente fazer mestrado e doutorado,
bem formadas, pessoas com muita capacidade. qualificamos. Até que se abriu o mestrado e
Faltava-lhes um complemento e escrever a doutorado lá. Minha contribuição foi colocar a
tese. Foi uma intensificação da formação em área de comunicação e informação como uma
saúde pública da própria ENSP. Sinto que área científica respeitável na Fiocruz, o que
contribuí também na avaliação da medicina continua cada vez mais. E a outra era ambiente.
66

O que era ambiente, quando eu entrei? O pessoal projeto de avaliação. Os resultados desse projeto
do IOC trabalhava com a ecologia dos bichos, de avaliação estão publicados na segunda e
o saneamento trabalhava com saneamento e o terceira edições da Revista Ciência e Saúde
pessoal do Cesteh (Centro de Estudos de Saúde Coletiva (MINAYO, 1997). Foi um projeto de
do Trabalhador e Ecologia Humana – Fiocruz) dois anos, nós fazíamos reuniões periódicas
já estava mais atinado, tinha uma visão mais com o grupo composto pelos mais importantes
ampla de ambiente. Muitos pesquisadores pesquisadores e pensadores das áreas, cujos
tinham participado da Rio-92. Então, comecei a nomes estão nos artigos. Foi um grupo grande.
juntar gente que quisesse discutir ambiente. Tem Ao mesmo tempo, a gente decidiu que ia fazer
um artigo sobre isso na Revista da Academia um congresso de ciências sociais, porque só
Brasileira de Ciência, sobre esse processo a Comissão de Epidemiologia até então fazia
na Fiocruz, que publiquei junto com Carlos congresso. As ciências sociais trabalhavam
Machado (MINAYO, 1999). Enfim, começamos com seminários e simpósios. Na minha gestão,
a fazer grupos de discussão de abrangência fizemos um simpósio em Belo Horizonte, que foi
interinstitucional e nacional e fizemos dois sobre o ensino das ciências sociais na saúde, e o
eventos. Um seminário dentro da Fiocruz com 1º Congresso de Ciências Sociais e Humanas em
a contribuição dos oito grupos de trabalho e Saúde, em 1995, em Curitiba. Foi na minha gestão
regado com a “comida viva” do projeto “Terrapia”, também o primeiro congresso dos conselhos
do Centro de Saúde Escola. Depois fizemos um municipais de saúde, uma coisa belíssima,
grande seminário nacional com mais de 300 concomitantemente ao Congresso Internacional
pessoas, no Hotel Glória. Também criei aqui na de Epidemiologia. Depois de dois anos de
Fiocruz algo que continua a existir, coordenado iniciado meu mandato, realizamos um grande
por Ana Luzia do IOC: o “Fiocruz saudável”, seminário para apresentar os resultados da
que é o cuidado com o ambiente aqui dentro. pesquisa avaliativa das pós-graduações em saúde
Descobrimos internamente vários problemas nos coletiva. Tivemos dois ouvidores externos que
laboratórios e no campus e passamos a atuar. nos ajudaram: Dr. Sherman, da Carolina do Norte,
EUA, e Claudine Herzlich, da França. Convidamos
Entrevistadoras: E foi nesse mesmo período CNPq, Capes e Opas, e os resultados foram
que, entre a reestruturação da pós-graduação apresentados nesse seminário. Descobrimos
na ENSP e na Fiocruz, você esteve à frente da que a área de saúde coletiva não estava atrás de
Abrasco consolidando o campo da chamada área nenhuma. Os problemas existentes eram os
Saúde Coletiva. mesmos que outras áreas tinham. Houve várias
recomendações a partir do estudo e elas estão na
Cecília: O Arlindo Fabio, que presidia a edição que publicou os resultados da pesquisa.
Abrasco, me convidou para compor a nova Bem, o resultado desse movimento foi a criação
gestão para o período 1993 a 1997. Ele queria do Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação
que o substituísse na presidência, alguém que em Saúde Coletiva – à época, eram 31 e hoje são
trabalhasse para levantar o conceito da área mais de 50.
de saúde coletiva, naquele momento muito
desacreditado tanto no CNPq quanto na Capes. Depois de 10 anos, quando o Cavalheiro foi
Eu fui eleita. Então, comecei a trabalhar como presidente da Abrasco, ele me pediu outra vez
eu sei trabalhar, juntando gente para fazer um para replicar a avaliação. Então a gente analisou
67

o percurso nessa etapa e outra vez a avaliação Cecília: Acho que há duas coisas combinadas,
também foi publicada na revista Ciência e Saúde e isso também vem desde a graduação. A
Coletiva (SOUZA; MINAYO; FRANCO, 2007). primeira é que eu escrevo para as pessoas
Junto com João Canossa, incrementamos mais a lerem. Quando estou escrevendo alguma coisa,
livraria. Fizemos muitas coisas, as que a diretoria estou conversando o tempo todo com o leitor.
considerou necessárias. Faltou uma avaliação Ele está na minha cabeça. Por exemplo, voltando
dos cursos de pós-graduação lato sensu, que para a questão da metodologia. Quando entrei
prometemos e não conseguimos realizar. Tudo aqui na Fiocruz, falava em metodologia e o
isso ocorreu com uma diretoria unida e solidária, pessoal achava que era bicho de sete cabeças,
que tinha também representações institucionais que metodologia era uma coisa abstrata, aí fiz
no Congresso Nacional e no Conselho Nacional o diálogo com os médicos. A outra questão é
de Saúde. Eu fui representante da Sociedade que não me furto ao diálogo com os leitores,
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no particularmente com os jovens.
Conselho Nacional de Saúde. A NOB 96, de que
tanto falam, foi feita naquela época e fiz parte Entrevistadoras: Como foi a criação do Centro
do comitê que a discutiu. Parece que há um Latino-americano de Violência e Saúde Jorge
estudo que compara as gestões da Abrasco e faz Careli, o Claves?
uma crítica da minha gestão, dizendo que ela se
preocupou pouco com a política e mais com a Cecília: Em 1990, Sérgio Arouca e Paulo
política institucional, com o papel da Abrasco. Buss queriam alguém da área de ciências
sociais para trabalhar na ENSP com o tema
da violência. A epidemiologia, de certa forma,
EU SEMPRE DIZIA: “– ACHO QUE NÓS, já estudava violência utilizando o conceito de
DA ABRASCO, TEMOS QUE FALAR E “causas externas”. Mas a violência é muito
ATUAR NA POLÍTICA SIM, MAS DE mais do que isso. O Claves começou ligado aos
FORMA QUALIFICADA. NÃO É PORQUE departamentos de ciências sociais, por meio
EU SENTEI NESSE LUGAR QUE EU ESTOU de Otávio Cruz Neto e eu, junto com Edinilsa
INVESTIDA DE AUTORIDADE, TENHO Ramos de Souza e Simone Gonçalves de Assis,
QUE ESTUDAR, TENHO QUE SABER da Epidemiologia. A gente tentou ter alguém do
DO QUE ESTOU FALANDO”. ENTÃO, Departamento de Planejamento, mas ninguém
ACHO QUE HÁ GESTÕES DIFERENTES quis. Violência sempre foi um tema estranho na
CONFORME AS CONJUNTURAS. área de saúde coletiva, até que se universalizou.
Nós nos organizamos em cima de projetos de
pesquisa e com foco. Mas um foco que bebia
Entrevistadoras: Uma pergunta que a gente faz é na fonte da epidemiologia e na das ciências
por que os seus artigos fazem tanto sucesso, suas sociais, acho que fomos conseguindo criar essa
publicações despertam esse interesse. Como é riqueza. Porque entendemos que a violência é
que você avalia isso? interdisciplinar. Conversei muito sobre isso com
a Sheila Mendonça, então coordenadora de
pesquisa da ENSP. Eu a convidei para vir ao Claves
e começamos a apresentar todos os trabalhos
que fazemos, e mostramos que publicamos as
68

conclusões de nosso trabalho em forma de manual REFERÊNCIAS


ou sumário executivo visando à intervenção na MINAYO, M. C. S. Os Homens de Ferro. Rio de Janeiro:
política de saúde. Ela ficou encantada, tanto que Dois Ponto, 1985. 210p.
hoje ela mostra o Claves como um modelo de MINAYO, M. C. S. Saúde em Estado de Choque. Rio de
pesquisa que tem consequências. Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.
MINAYO, M. C. S. Raízes da Fome. 3. ed. Petrópolis:
Por exemplo, neste momento estou coordenando Vozes, 1989.
dois projetos. Um projeto que é nacional, com MINAYO, M. C. S. Pós-Graduação em Saúde Coletiva:
idosos dependentes, porque uma pesquisa um Projeto em Construção. Ciência e Saúde Coletiva, Rio
anterior que a gente fez mostrou que eles são de Janeiro, v. II, n.1-2, p. 53-72, 1997.
as maiores vítimas da violência. Nesse projeto, MINAYO, M. C. S. O Programa Institucional sobre
há oito municípios, de Manaus a Porto Alegre, Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento da
trabalhando junto conosco. Semana passada, Fundação Oswaldo Cruz. Anais da Academia Brasileira
tivemos a reunião do grupo aqui. Criamos de Ciência, Rio de Janeiro, v. LXXI, n. 2, p. 279-288, 1999.
um manual de pesquisa, em que toda a parte MINAYO, M. C. S. O Desafio do Conhecimento. 6. ed.
teórica é explicada, depois o método, depois São Paulo: HUCITEC, 2000. 269p.
a operacionalização para todo mundo ter MINAYO, M. C. S. O Programa Institucional sobre
conhecimento do que fazer. E estou coordenando Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento
outra sobre os idosos presos. Vocês não podem da Fundação Oswaldo Cruz. An. Acad. Bras. Ci., Rio de
imaginar a calamidade! E nós estamos junto sabe Janeiro, v. LXXI, n.2, p. 279-288, 1999.
com quem? Com o Ministério Público, porque MINAYO, M. C. S. Pós-Graduação em Saúde Coletiva:
ao mesmo tempo em que a gente pesquisa e um Projeto em Construção. Ciência e Saúde Coletiva,
compartilha os resultados, eles vão atuando. Rio de Janeiro, v. II, n.1-2, p. 53-72, 1997. https://doi.
Então, é fazer pesquisa, mas é fazer política social org/10.1590/1413-812319972102132014
e de saúde também. Esse é o tipo de trabalho MINAYO, M. C. S.; COSTA, N. R.; LEITÃO, C.; STOTZ,
do Claves, fazer pesquisas estratégicas que E. (org.). Demandas Populares e Políticas de Saúde.
não se confundam com o conceito de pesquisa Petrópolis: Vozes, 1989.
operacional. Por exemplo, a Simone orientou uma MINAYO, M. C. S.; DELANDES, Suely Ferreira; GOMES,
tese sobre crianças e famílias com estresse pós- Romeu. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 32.
traumático. Hoje, sua aluna está trabalhando no ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. v. 1. 110p.
Centro de Saúde, orientando os profissionais. SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S.; FRANCO, L. G.
Avaliação do processo de implantação e implementação
do Programa de Redução da Morbimortalidade por
EU GOSTARIA MUITO QUE O CLAVES Acidentes de Trânsito. Epidemiologia e Serviços de
TIVESSE UMA APROXIMAÇÃO MAIOR Saúde, Brasília, v. 16, n. 1, p. 19-32, 2007.
COM AS PESSOAS, NÃO COM O MINAYO, M. C. S. (org.) Consolidação e perspectivas
SERVIÇO, COM AS PESSOAS, MAS A da pós-graduação em saúde coletiva no Brasil. Revista
DEMANDA DE PESQUISA QUE CHEGA Ciência e Saúde Coletiva, vol. 15, n.4, 2010.
PARA NÓS É MUITO GRANDE.
E SOMOS POUQUÍSSIMOS PARA
COBRIR AS NECESSIDADES.
FOTO: PETER ILICCIE | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
69
70

PARTE 2
71

FIOCRUZ
EM AÇÃO

ENCONTRO
DE GERAÇÕES
72

A DEDICAÇÃO TEM
QUE SER CONTÍNUA,
E NÓS SEMPRE
PRECISAMOS ESTAR
ATENTAS A COMO A
MULHER SE COLOCA
NO MUNDO
DA PESQUISA
73

ENCONTRO DE GERAÇÕES

NUNCA PODEMOS ADMITIR QUALQUER


ATITUDE DE SILENCIAMENTO
BEATRIZ GRINSZTEJN

Quando penso no início da minha carreira, alguns pontos me chamam atenção.


Eu me formei em medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 1985.
A UFF, apesar de ser uma instituição fundamental na minha carreira, onde tive
uma formação clínica maravilhosa, não tinha, naquele momento, a pesquisa
em sua essência. Não tive absolutamente nenhum acesso ao que poderia
ser uma iniciação científica durante a minha faculdade, nem nenhum contato
com pesquisa durante o período de minha residência médica, no Hospital
Universitário Antônio Pedro.

Eu tinha o desejo de fazer pesquisa, paracoccidioidomicose2, outros em


mas naquele momento o desejo maior leishmaniose. Entretanto, ainda que
era o de exercer a medicina na sua não tivéssemos um mentor na área de
plenitude – a pesquisa sempre foi um HIV/Aids no hospital, esse grupo, em
desejo oculto. sua maioria com vinte e poucos anos,
1. Instituto Nacional
estruturou o que seria hoje o maior de Assistência Médica
A partir do fim da minha residência serviço de Aids do Rio de Janeiro. da Previdência Social,
médica, a possibilidade de compor anterior ao Sistema Único
o corpo clínico do Hospital Evandro Sem mentoria, nós tivemos que, por de Saúde. Sua assistência
não era universal.
Chagas (HEC) mudou minha vida. nós mesmos, trilhar o caminho de
Na época, o HEC estava ressurgindo outros serviços de HIV/Aids. A nossa 2. Paracoccidioidomicose,
de uma fase difícil da sua história, as grande inspiração foram, na verdade, ou paracoco, como é
vésperas de ser desativado. A partir de as diretoras que assumiram o comando mais conhecida, é uma
micose brasileira que
um convênio com o Inamps1, buscando do Evandro Chagas: Dra. Keyla ataca qualquer órgão ou
montar um serviço de assistência Marzochi e a Dra. Albanita Viana de sistema do organismo e
e combate à Aids, foi formado um Oliveira, que tinham a proposta sólida prejudica, principalmente,
novo corpo clínico e de pesquisa. de que nós seríamos pesquisadoras. a saúde do trabalhador
rural. Ela está entre as
Aos 26 anos, sem experiência prévia dez doenças crônicas que
em pesquisa, ingressei nesse corpo A maior parte de nós éramos mulheres, mais causam mortes no
clínico, junto a outros profissionais e esse impulso, essa estrutura que nos país. No Brasil, ocorrem
egressos da residência médica, em sua foi dada pelas Dras. Keyla e Albanita 80% dos casos da
doença, que se restringe à
maioria sem pós-graduação. Alguns (além de toda a sua equipe, composta de América Latina.
dos nossos colegas tinham interesse muitas mulheres que trabalhavam com Fonte: Campus Virtual
em doença de Chagas, outros em elas), nos colocaram com uma meta. da Fiocruz.
74

Nós tínhamos essa proposta de estudar e Nós somos hoje, muito provavelmente, o maior
produzir em HIV/Aids. Era um momento diferente grupo de pesquisa clínica em HIV/Aids do Brasil.
da história: a Fiocruz tinha programas como o Isso também é fruto de estabelecermos parcerias
Papes3, por meio do qual recebi meu primeiro internacionais, como as que temos com redes
financiamento em pesquisa e eu não tinha nem de pesquisa vinculadas aos institutos de saúde
mestrado. Tinha um bom projeto, e não havia do governo americano, o NIAID/NIH2, às quais
obrigatoriedade da pós-graduação. A instituição somos vinculados desde 2000.
propiciou que jovens pesquisadores pudessem
se lançar. Nada disso poderia ter acontecido Dentro dessas redes de pesquisa existe um
em outro lugar que não fosse a Fiocruz, onde propósito fundamental, que é fomentar jovens
recebemos suporte para construção de uma pesquisadores. Com toda a nossa trajetória
carreira, o que não necessariamente acontece em dentro das redes de pesquisa do NIAID/NIH
outras instituições. desde o início dos anos 2000, aprendemos
que isso é um valor que precisa ser cultivado.
A partir daí, foi uma feliz sucessão de eventos: fiz Sempre tivemos como meta, dentro da nossa
meu mestrado na Universidade Federal do Rio de evolução como grupo de pesquisa, ter alunos
Janeiro (UFRJ) e, em paralelo, o Evandro Chagas que pudessem vislumbrar que a pesquisa
também progredia. A minha carreira e a de outros clínica pode ser uma carreira bastante
colegas que ingressaram no hospital comigo, na interessante. No Brasil, infelizmente, a pesquisa
década de 1980, foi permeada pelo crescimento clínica não é uma área muito valorizada. Nós
da própria unidade. sempre tivemos como objetivo fomentar a
importância da pesquisa clínica, a construção
Éramos um departamento do Instituto Oswaldo de uma carreira em pesquisa clínica como uma
Cruz (IOC), depois passamos a ser o Centro de possibilidade a ser considerada.
Pesquisa Hospital Evandro Chagas (CPQHEC),
evoluímos para o Instituto de Pesquisa Clínica Durante esses anos, tive especial dedicação em
Evandro Chagas (Ipec) – ou seja, nos tornamos orientar jovens pesquisadoras, na construção de
um instituto, já uma unidade separada do IOC uma carreira em pesquisa.
– até que, bem mais recentemente, passamos a
ser o Instituto Nacional de Infectologia Evandro
Chagas (INI). EU GOSTARIA ESPECIFICAMENTE DE
FALAR PARA AS MENINAS: TUDO
O fato de não termos uma mentoria específica PARECE MUITO BONITO, MAS NADA É
para os jovens pesquisadores que estavam SIMPLES, AS COISAS SÃO COMPLEXAS.
se dedicando ao HIV nos deu uma enorme O QUE NOS LEVA A UM CAMINHO QUE
responsabilidade. Além de construir a nossa TENHA FRUTOS É O TRABALHO.
carreira, também teríamos de ser mentores,
para que pudéssemos criar uma nova geração
de pesquisadores que pudessem seguir essa A dedicação tem que ser contínua, e nós sempre
trilha e construir uma sólida linha de pesquisa precisamos estar atentas a como a mulher se
em HIV/Aids. coloca no mundo da pesquisa. Eu falo com essa
bagagem de mais de 30 anos e, no início, eu não
75

2. Programa Estratégico
tinha a menor noção de como era, nós não percebermos que isso é uma
de Apoio à Pesquisa
no mundo da pesquisa, a relação dos realidade, não nos estruturamos para em Saúde.
homens com uma pesquisadora jovem. lidar com ela, estaremos vulneráveis. Da sigla em inglês,
Eu levei muitos anos para entender Instituto Nacional de
Alergia e Doenças
Como mulher, naquela época, eu não que isso era uma questão. Nós temos
Infecciosas, parte do NIH
tinha a percepção de identificar e lidar que, obviamente, garantir que estamos (Institutos Nacionais
com o machismo, com a misoginia, fazendo o melhor trabalho técnico, de Saúde), instituição
coisas que hoje são muito claras mas também entender que existem estadunidense.

para mim e que há vários anos eu outras forças que podem exercer uma
percebo como podem ser prejudiciais influência muito importante na nossa
à nossa carreira. Eu acho que o mais carreira. Estarmos cientes disso é o
importante hoje, além da dedicação primeiro passo para que possamos
e do estudo, do trabalho árduo, é ter atuar, mitigando a interferência
o entendimento de que nós nunca dessas forças e persistindo no ideal de
podemos admitir qualquer atitude construir uma carreira de pesquisadora
de silenciamento, ou isso sempre no nosso país.
permeará a nossa vida profissional
como mulheres pesquisadoras. Se
FOTO: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
76

APOIAR AS
OUTRAS MULHERES
É MUITO
IMPORTANTE:
TEMOS QUE
DAR AS MÃOS
77

A MULHER AINDA TEM QUE LUTAR CADA


DIA PARA PROVAR A SUA COMPETÊNCIA
MARILDA DE SOUZA GONÇALVES

Sou farmacêutica bioquímica. Concluí o curso na Universidade Federal da Bahia


(UFBA) antes de completar 21 anos. Logo após, fui aprovada em um concurso
para professora auxiliar daquela universidade e, assim, ingressei bem jovem na
carreira acadêmica.

O que aconteceu durante a minha perca as oportunidades. Eu peguei


graduação foi muito importante para o trem – tinha muito medo do que
definir a minha carreira. Encontrei poderia acontecer, mas deu certo e
mulheres muito fortes que já estavam essa é uma lição que eu também deixo
nessa luta antes de eu entrar e para as pesquisadoras mais jovens.
que me incentivaram muito, entre
elas, a Dra. Elza Andrade, pioneira Retornei para Salvador e comecei como
na Faculdade de Farmácia da colaboradora na Fiocruz Bahia. Fiz o
Universidade Federal da Bahia. concurso para pesquisadora e, nesse
momento, eu já tinha feito pesquisa na
Eu concluí a graduação, ingressei na Fiocruz. Havia uma restrição a pessoas
UFBA como professora, fui para a não médicas de atuarem na instituição e
Universidade Estadual de Campinas eu fui a primeira não médica a ingressar
(Unicamp), onde fiz mestrado como pesquisadora da Fundação. Em
e doutorado. Foi um doutorado um concurso seguinte, Milena Soares
sanduíche na Geórgia, nos Estados entrou como pesquisadora também não
Unidos, e um momento muito difícil médica – isso abriu um horizonte para
na minha carreira. Quando fui para as outras profissões dentro da Fiocruz
a Unicamp, nunca tinha saído da Bahia. Foi um marco importante para
Bahia. E, um tempo depois, eu estava mulheres de outras carreiras entrarem
pegando um avião e indo para os e fazerem ciência, construindo ali uma
Estados Unidos! Foi um momento de equipe multiprofissional.
coragem. As oportunidades aparecem
somente uma vez nas nossas vidas, Na ocasião, o Dr. Mitermayer Galvão
e nós temos que ficar muito atentos dos Reis era diretor e o Dr. Manoel
ao trem que está parando na estação. Barral era o coordenador da pós-
Se o trem parou, mesmo em dúvida, graduação. Os dois foram sagazes na
entre no trem. Se não der certo, pare abertura da pós-graduação para as
na próxima estação e desça, mas não outras profissões.
78

Eu me dediquei e me dedico à Fiocruz. Desde a UFBA, a Unicamp e a Escola de Medicina da


a minha formação, a minha tese até o meu Universidade Federal de São Paulo. Foram 16
estágio fora do Brasil, sempre tive um olhar para alunos que vieram. Alguns fizeram mestrado;
a população negra e a consciência de que nós outros, concluíram o doutorado agora.
devemos lutar também pelas nossas origens, pela
nossa raça, e isso foi algo que levei para o meu São diversos pontos significativos na minha
trabalho de pesquisa. Eu trabalho com doença trajetória e me sinto, na verdade, com uma
falciforme1 e acho que isso, na verdade, me leva vida agraciada por estar em uma instituição
a colocar pessoas negras, com essa doença, no como a Fiocruz. Participei de vários comitês
nosso grupo de pesquisa. Essa foi uma maneira (biossegurança, comitê de ética) e hoje
que eu encontrei de servir a um ideal, dentro da estou no cargo de diretora, incentivada pelo
profissão: o ideal de contribuir para a saúde da Dr. Manoel Barral – eu estava no cargo de
população negra. vice-diretora de pesquisa, mas foi difícil
decidir concorrer à diretoria do Instituto
Eu gostaria de ressaltar um projeto que Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz BA). Foi um
desenvolvemos com o apoio do Conselho passo grande: eu tinha convicção de ter uma
Nacional de Desenvolvimento Científico e formação dentro da Fiocruz que me dava essa
Tecnológico (CNPq). Conseguimos trazer alunos possibilidade, mas a gente fica sempre em
africanos para cursarem a pós-graduação aqui dúvida. Há uma corrente negativa, digamos,
no Brasil em várias instituições, como a Fiocruz, uma coisa que é invisível, mas que se percebe.
79

1. A doença falciforme
Foi desafiador estar na diretoria do Patrícia Veras, que é vice-diretora de
é uma enfermidade
IGM. Tem sido uma nova provocação ensino, e a Dra. Camila Indiani – são genética com prevalência
a cada dia, porque a mulher ainda mulheres que têm nos dado muito mundial elevada,
tem que lutar diariamente para apoio na diretoria. Somos uma diretoria principalmente na
população africana ou
provar a sua competência. colegiada e, assim, as decisões são
de origem africana.
tomadas conjuntamente. Ela afeta a molécula
UMA MULHER TEM SEMPRE de hemoglobina,
QUE APOIAR A OUTRA A Fiocruz é uma instituição presente nas hemácias
e responsável pelo
MULHER. ESSA É UMA LIÇÃO que abraça o pesquisador
transporte do oxigênio.
QUE EU TAMBÉM TOMEI PARA independentemente do sexo, e isso Fonte: Fiocruz Bahia.
MINHA VIDA, QUE EU PRATICO tem sido mais visível na presidência,
NO MEU DIA A DIA. com Nísia Trindade no comando
da instituição. Realmente, eu tenho
Eu quero viver para ver o momento em um orgulho imenso de ser Fiocruz,
que as mulheres terão um tratamento também como eu tenho um orgulho
igual ao dos homens e eu quero ver imenso de ser da Universidade Federal
essa equidade de gêneros na pesquisa, da Bahia, que foram as instituições
em todos os cargos públicos. Eu quero que me deram todo o subsídio para eu
que as mulheres sejam creditadas chegar aonde eu cheguei.
pela competência que têm: nós
conseguimos lidar com as pessoas de
uma maneira que elas, na verdade, se A LUTA É GRANDE, MAS A
sintam respeitadas, ouvidas, atendidas VITÓRIA É CERTA. CONFIEM
nos seus desejos, e que realmente EM VOCÊS, ESSA CONFIANÇA
possam dar o seu melhor. É MUITO IMPORTANTE.
Apoiar as outras mulheres é muito NÃO DESISTAM. SE VOCÊS
importante: temos que dar as mãos. ACREDITAM, PODEM IR EM
Eu tenho duas mulheres muito fortes FRENTE, QUE EU TENHO
ao meu lado na diretoria: a Dra. CERTEZA DE QUE DARÁ CERTO.
80

É PRECISO ESTAR
ATENTA, ATÉ PORQUE
A CIÊNCIA É UMA
CONSTRUÇÃO
SOCIAL
HISTORICAMENTE
EXERCIDA POR
HOMENS BRANCOS
81

SEM POLÍTICAS PÚBLICAS NÓS


VAMOS CONTINUAR PERPETUANDO A
EDUCAÇÃO E A CIÊNCIA SÓ PARA OS
RICOS, ELITIZADA E BRANCA
ZÉLIA PROFETA DA LUZ

Eu fiz a graduação na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de


Minas Gerais (UFMG) e, no último ano do curso, uma professora que fazia
doutorado na Fiocruz me avisou que a Fiocruz Minas Gerais, naquela época
Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), estava com uma vaga aberta para
técnico. Comecei como técnica de laboratório no Laboratório de Malária do
CPqRR em 1986.

Sou muito encantada com a missão É uma instituição que nos permite falar,
da Fiocruz, desde meu ingresso na interagir, que abraça a diversidade e
instituição. Trabalhar com a saúde é na qual a construção coletiva é muito
pensar na vida das pessoas no seu estimulada, e isso faz toda a diferença.
sentido mais amplo e, no nosso caso
– e não poderia ser diferente – além Eu entrei como técnica quando o
de gerar conhecimento, tecnologias diretor da Fiocruz Minas era o Naftale
para melhorar a qualidade de vida Katz, um pesquisador brilhante, com
da população brasileira, temos como quem eu aprendi muito. Naquela
missão atuar para o fortalecimento e época, nós tínhamos muitos
a consolidação do Sistema Único de problemas com a criação de animais
Saúde (SUS), para o fortalecimento de laboratório, e o meu trabalho de
do Sistema Nacional de Ciência, técnica exigia camundongo o tempo
Tecnologia e Inovação (SNCTI) do país, todo. Precisávamos discutir melhorias
para a redução de desigualdades. para o biotério, e foi quando procurei o
Naftale pela primeira vez. A conversa
Para mim, a Fiocruz sempre foi uma com ele foi excelente e discutimos
“fábrica de sonhos”. A instituição vários temas, incluindo a importância
atua numa infinidade de campos e de o servidor participar ativamente
áreas e tem uma característica muito da vida institucional, de sonhar e de
interessante, que é a sua gestão “pensar grande”.
participativa em todos os níveis.
82

Atuei fortemente no biotério, participei de (CNPq), do Instituto Nacional de Estudos e


Câmaras Técnicas – que na Fiocruz são espaços Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
privilegiados de discussão. Fui delegada do e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Congresso Interno várias vezes. Participei Verificou-se que na ABC, fundada em 1916,
da Comissão de ética no uso de animais de o número de mulheres só começou a crescer
laboratório (Ceua) da Fiocruz, coordenei o Centro a partir de 2010, e que ainda é muito baixo
de Referência em Leishmanioses do René Rachou, quando comparado com o número de homens.
coordenei a Rede de Laboratórios de Referência No CNPq, temos um número maior de mulheres
em Leishmanioses da Fiocruz, fui vice-diretora de cadastradas, mas, por exemplo, quando se analisa
pesquisa e estou, em junho de 2021, encerrando o um indicador, que é bolsa de produtividade,
meu segundo e último mandato como diretora da verificou-se um número maior de homens.
Fiocruz Minas. Quando vamos ver o nível da bolsa, os homens
estão com a bolsa 1A e as mulheres com bolsa
2. Na distribuição de bolsas segundo a cor, em
TODA ESSA TRAJETÓRIA FOI MUITO 2015, as mulheres brancas são 62%, as pardas
RICA PARA MIM, MAS, CLARO, NÃO 20,5% e as pretas 4,6%, e ainda se observa maior
FOI SIMPLES, POIS A GENTE SE DEPARA participação dos(as) negros(as) nas bolsas de
COM MUITAS DIFICULDADES. iniciação científica e menor percentual nas de
doutorado e de produtividade em pesquisa.
Embora a participação de mulheres na ciência
tenha tido avanços nos últimos 10 anos, há um Outro aspecto importante refere-se às
caminho longo a ser percorrido para a equidade áreas nas quais estão distribuídos homens e
de gênero. Ainda temos um ambiente hostil, mulheres. Ainda existem na ciência “territórios”
machista na ciência, que torna mais difícil a essencialmente masculinos – por exemplo, em
participação das mulheres. Essa participação é áreas das ciências exatas, como a Ciência da
menor ainda quando essas mulheres são negras. Computação. O Censo do Instituto Brasileiro
É preciso estar atenta, até porque a ciência é uma de Geografia e Estatística (IBGE) 2010 mostrou
construção social historicamente exercida por que as mulheres brasileiras representam
homens brancos. apenas 22% das turmas de Ciências da
Computação. A imagem de um programador
São muitos os exemplos da desigualdade de é, de modo geral, masculina e branca. Ainda
gênero na ciência no país. Um artigo publicado existe muita disparidade nesses indicadores
por estudantes1 (a maioria mulheres) do que precisamos enfrentar.
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
da Fiocruz Minas analisou a condição da No Brasil, estamos vivendo, especialmente,
mulher e da mulher negra na ciência brasileira desde o impeachment da presidente Dilma
no período de 2013 a 2018. Os resultados Rousseff, um período de forte desmonte da
foram obtidos por meio de levantamentos educação, ciência, tecnologia e inovação, o
a partir de bases bibliográficas do Portal da desfinanciamento do SUS (vide a EC 95), a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de desindustrialização etc. Com a pandemia do
Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional novo coronavírus (Covid-19), estamos vendo
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico vários outros problemas se exacerbarem.
83

1. Mulheres na Ciência:
O desmonte do SUS e do Sistema amplo com a sociedade sobre a necessidade
uma reflexão sobre
Nacional de Ciência, Tecnologia e de uma luta pela equidade de gênero e pelos desigualdade de gênero e
Inovação, em todos os seus níveis, irá se direitos humanos, com estímulo às novas raça- Núcleo de Estudos de
refletir fortemente nos próximos anos. gerações e à formação de redes [...]. Gênero- Caderno, 2020.

A PANDEMIA TEM MOSTRADO É importante fortalecermos a nossa


MUITO A RELAÇÃO atuação e estarmos juntos(as)
FUNDAMENTAL ENTRE CIÊNCIA com os movimentos organizados.
E DESENVOLVIMENTO, CIÊNCIA É fundamental que nós persigamos
E SOBERANIA, QUE TEM MUITO com persistência, com clareza, o que
A VER COM TUDO O QUE queremos, e é fundamental também
FAZEMOS NA termos políticas públicas, pois sem
NOSSA INSTITUIÇÃO. elas vamos continuar perpetuando a
educação e a ciência só para os ricos,
Na Fiocruz, a agenda das mulheres tem elitizadas e brancas.
sido fortalecida. Ter a Nísia Trindade
Lima primeira mulher presidente
da Fiocruz, uma socióloga, é muito
expressivo e importante para essa
agenda. Uma das atividades que
fizemos em 2018, já na gestão e com a
Nísia, foi um Manifesto das Mulheres
da Fiocruz pela Democracia e ressalto
aqui alguns trechos:

[...] Ocupamos um lugar de resistência


na ciência e na sociedade, e gostaríamos
de nos manifestar publicamente sobre a
importância do tempo histórico que temos
vivido na luta pelos direitos humanos, pelo
Sistema Único de Saúde e pela democracia.
Em outubro, a Constituição brasileira
completa 30 anos... Desejamos contribuir
para um país mais justo e equânime e, para
isso, precisamos não apenas de uma ciência
mais feminista, mas de uma sociedade
mais feminista. Trata-se de uma mudança
de perspectiva, que somente será possível
pelo fortalecimento e pela defesa do Estado
Democrático de Direito... O movimento
de mulheres da Fiocruz entende que é
necessário contribuir para um diálogo mais
FOTO: PETER ILICCIEV | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
84

A MINHA
MENSAGEM, PARA
AS MENINAS,
É DE PERSISTÊNCIA.
O CAMINHO
NÃO É FÁCIL,
MAS É POSSÍVEL
85

DORORIDADE, A SORORIDADE
APLICADA A NÓS, MULHERES PRETAS1
JAQUELINE GOES

Farei referência às mulheres que marcaram a minha história na ciência até


eu chegar neste momento: quero começar falando justamente da minha
graduação. Eu sou biomédica, graduada pela Escola Baiana de Medicina e
Saúde Pública, e tive a vivência da ciência logo no início da graduação. Nos
primeiros semestres, tive contato com muitas pessoas que me possibilitaram
despertar para esse lado da ciência.

Eu entrei na faculdade com uma Os meus primeiros passos, aprendi


perspectiva de fazer análises clínicas. com essas duas mulheres. Isso
Logo no segundo semestre da foi fundamental para que depois
graduação, fui descobrindo que existia eu obtivesse êxito no mestrado.
uma possibilidade muito maior dentro Nessa transição – da graduação
da ciência. A pessoa responsável por para o mestrado –, trago mais duas
isso é a Dra. Aline Cristina Andrade mulheres importantes: as professoras
Mota Miranda Mascarenhas. Foi essa Simone Kashima, da Fundação
minha professora de bioquímica que, Hemocentro de Ribeirão Preto, e
com toda a sua vivência, o seu jeito Enilza Espreafico, da Faculdade de
de ser, me inspirou. Eu tinha essa Medicina de Ribeirão Preto.
vontade de ser como a Aline, de ter
essa experiência do doutorado, de Recebi uma proposta do meu
fazer pesquisa. Ela me convidou para orientador, na época, para viajar
participar de um processo seletivo na para Ribeirão Preto, compondo uma
Fiocruz para iniciação científica: foi equipe que trabalhava com cultura
onde tudo começou na minha carreira. de células e tinha mais expertise no
estudo que eu tinha me proposto a 1. Texto transcrito e
editado a partir da fala
A Aline me direcionou para a dra. fazer. Foi uma viagem muito longa,
da autora no Evento
Gisele Calazans de Souza Costa, na mas uma viagem em que eu pensava do Dia Internacional de
época ainda doutoranda. No grupo de a todo momento que estava saindo Mulheres e Meninas na
pesquisa do professor Luiz Alcântara, da minha cidade pela primeira vez, Ciência da Fiocruz em
2021. Disponivel no link:
no qual fiquei por 10 anos, eu tive com 22 anos, para começar o meu
contato tanto com a professora Aline projeto de mestrado. Eu nunca tinha
quanto com a Gisele que foi, de fato, a saído de Salvador, eu não tinha
minha coorientadora, essencial para o experiência nenhuma de morar fora,
meu processo de entendimento do que de não estar com a minha família.
era fazer ciência.
86

Encarei o desafio, não foi fácil, mas Com o incentivo da dra. Valéria,
me adaptei rapidamente e contei com participei de algumas premiações e
o apoio dessas duas mulheres. venci, trazendo essas premiações para
a Fiocruz. Val foi, nesse período de
No meu retorno para a Fiocruz, em término do doutorado, uma pessoa que
2014, tive a oportunidade de conviver me incentivou muito. E hoje ainda me
mais com a professora Marilda incentiva. Sou muito grata a ela.
Gonçalves. A Dra. Marilda é uma das
principais responsáveis pela minha Agora, mais recentemente, no pós-
chegada até aqui. Uma das mulheres doutorado na Universidade de São Paulo,
dessa rede de apoio que nós tanto tive a oportunidade de conhecer uma
preconizamos nos tempos atuais, mulher incrível, que é a Dra. Ester. Uma
que me acolheu, me ouviu, me deu mulher que está à frente do seu tempo,
conselhos e que deu colo, inclusive, que me deu a oportunidade de estar em
para as minhas lágrimas. Eu sou muito evidência, porque nós sabemos o quanto
grata pela sua existência, pela mulher o racismo e o machismo nos retiram dos
que ela é, e por ter vindo antes de lugares de destaque. Ela me incentivou
mim, porque eu tenho certeza de que com toda a sua sabedoria e também
o caminho aberto, sem dúvidas, teve a com o seu apoio.
sua contribuição.
Eu vou trazer duas palavras: primeiro,
Dra. Marilda passou a integrar, com o sororidade, porque eu acho que essas
professor Luiz, um grupo de pesquisa ações de incentivo fazem parte da rede
em conjunto. Sou muito grata por ter de sororidade. Além disso, o conceito
tido a oportunidade de conviver com a que eu aprendi recentemente com
sua simplicidade, a sua serenidade e, Wilma Reis é o conceito de dororidade,
mais do que isso, com a sua sabedoria. que é a sororidade aplicada a nós,
mulheres pretas. Eu vivencio isso todos
Nesse processo, eu conheci também os dias com a Dra. Ester, uma mulher
a Valéria Borges. Val – como eu a que me deu oportunidade de mostrar o
chamo, carinhosamente – foi a pessoa que eu tinha, de fato, para mostrar, não
que, no meu doutorado, visualizou somente para o grupo de pesquisa, não
em mim o potencial para uma somente para a comunidade científica,
carreira brilhante e para participar mas para o Brasil e para o mundo.
da premiação de teses da Capes.
Eu lembro que, depois da minha
qualificação, ela conversou com o
Luiz e disse que a minha tese tinha
potencial para participar do Prêmio
Capes, que ela queria muito que eu
me inscrevesse.
87

A Fiocruz faz parte da minha história EU TENHO APRENDIDO MUITO


há 10 anos. Ainda que eu esteja na NÃO SOMENTE A APOIAR OUTRAS
USP, eu sei das minhas origens, eu sei MULHERES, MAS TAMBÉM A
de onde eu vim e eu não esqueço disso. RECEBER ESSE APOIO. ÀS VEZES,
Acho que a minha mensagem, para as NÓS NOS FECHAMOS POR CONTA
meninas, é de persistência. O caminho DE UMA TRAJETÓRIA SOFRIDA, DE
não é fácil, mas é possível. APAGAMENTO, DE SILENCIAMENTO
QUE NÓS VIVEMOS.
FOTO: PETER ILICCIEV | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
88

ESPERAMOS QUE
EM CADA CANTO
DO NOSSO PAÍS,
ONDE HÁ PRESENÇA
INSTITUCIONAL DA
FIOCRUZ, JOVENS
POSSAM VIVENCIAR
O PROCESSO DE
PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO
89

A INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA FIOCRUZ

PROGRAMA DE VOCAÇÃO
CIENTÍFICA DA FIOCRUZ: UMA
EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA
CRISTIANE NOGUEIRA BRAGA

É com alegria e entusiasmo que recebemos o convite para integrar


este dossiê, de grande relevância na luta pela equidade de gênero, pelo
reconhecimento e pela valorização do papel das mulheres na ciência, pelo
estímulo à criação de projetos e programas que propiciem às meninas, às
jovens o acesso à produção do conhecimento científico.

Nesse contexto, cabe ressaltar o Rio de Janeiro – CAp UFRJ; e Colégio


papel desempenhado pelo Programa Pedro II – unidades Centro, Duque de
de Vocação Científica (Provoc) – Caxias, Engenho Novo, Humaitá, Niterói,
uma iniciativa de iniciação científica Realengo, São Cristóvão e Tijuca), duas
inovadora e pioneira no Brasil, privadas (Centro Educacional Anísio
para estudantes de ensino médio. Teixeira – Ceat; Colégio São Vicente de
Desenvolvido há 35 anos pela Escola Paulo) e três organizações da sociedade
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, civil (Centro de Estudos e Ações
uma das unidades técnico-científicas Solidárias da Maré – Ceasm; Rede de
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Desenvolvimento da Maré – Redes e
e coordenado pelo Laboratório de Rede de Empreendimentos Sociais para
Iniciação Científica na Educação Básica o Desenvolvimento Socialmente Justo,
(LIC), o Provoc vem propiciando Democrático, Integrado e Sustentável –
a inserção de jovens no ambiente Rede CCAP) localizadas na Maré e em
de produção de conhecimento nos Manguinhos, territórios vulnerabilizados
diversos laboratórios e setores da situados no entorno do campus da
Fiocruz, mediante aprendizagem dos Fiocruz, no Rio de Janeiro.
conhecimentos técnicos e científicos e a
partir da experimentação de práticas de O Programa é dividido em duas etapas:
pesquisa. Iniciação e Avançado. Na Iniciação
os(as) estudantes do primeiro ano do
Participam do Programa, no Rio de ensino médio, após processo seletivo,
Janeiro, estudantes de instituições desenvolvem durante 12 meses, sob
de ensino médio conveniadas, sendo a orientação de pesquisadores(as),
dez públicas (Colégio de Aplicação atividades que os(as) familiarizam
da Universidade do Estado do Rio com a pesquisa científica – pesquisa
de Janeiro – CAp UERJ; Colégio de bibliográfica, coleta e organização de
Aplicação da Universidade Federal do materiais, operação de equipamentos
90

e técnicas básicas de investigação nas diversas Físicas – CBPF); química (Centro de Pesquisas e
áreas de pesquisa nas quais atua a Fiocruz. Ao Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello
final dessa etapa, os(as) estudantes elaboram – Cenpes/Petrobrás); matemática (Instituto de
relatório e apresentam seus trabalhos na Matemática Pura e Aplicada – IMPA); engenharia
modalidade pôster. Os(as) que optarem pela e informática (Pontifícia Universidade Católica do
continuidade no programa poderão concorrer à Rio de Janeiro – PUC/Rio). Seu modelo também
Etapa Avançado, com duração de 22 meses, por serviu de base para outros projetos e programas,
meio da qual aprofundarão algumas questões como Jovens Talentos para a Ciência (Secretaria de
identificadas na Iniciação, participando de todas Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de
as fases de execução de um projeto de pesquisa, Janeiro), Iniciação Científica Júnior (ICJ), Programa
desde a sua elaboração até a divulgação de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica no
seus resultados em eventos científicos, com Ensino Médio (Pibic-EM), dentre outros.
publicação dos resumos.
Dando continuidade à disseminação de
O incentivo à participação em eventos científicos seu modelo pedagógico, desde 2018 o LIC-
é um dos objetivos do Programa, que anualmente Provoc vem desenvolvendo o projeto da Rede
organiza a Jornada de Iniciação Científica para Integrada de Programas de Vocação Científica
apresentação de trabalhos dos(as) estudantes da Luiz Fernando Rocha Ferreira da Silva – nome
etapa Iniciação e a Semana de Vocação Científica escolhido em homenagem ao cientista idealizador
para os(as) estudantes do Avançado, que do Provoc. O objetivo do projeto é consolidar o
também participam da Reunião Anual de Iniciação programa nas unidades técnico-científicas onde
Científica (Raic) da Fiocruz e da Reunião Anual da já foi implantado (Instituto Aggeu Magalhães,
Federação de Sociedades de Biologia Experimental Instituto René Rachou e Instituto Gonçalo Moniz)
(FeSBE). Consideramos esses eventos também e expandi-lo para escritórios e unidades técnico-
oportunidades de divulgação científica para o científicas da Fiocruz onde não há Provoc (Fiocruz
público escolar, porque neles os estudantes podem Amazônia, Fiocruz Brasília, Fiocruz Ceará, Fiocruz
conhecer, discutir e difundir os resultados, a Mato Grosso do Sul, Fiocruz Paraná, Fiocruz Piauí
relevância e o impacto das pesquisas científicas e e Fiocruz Rondônia).
tecnológicas e suas aplicações.
A perspectiva da proposta é que nas unidades
Podemos afirmar que o Provoc é um modelo de e nos escritórios regionais da Fiocruz que
iniciação científica no ensino médio consolidado, manifestarem interesse e possibilidades de
e difundido para outras instituições e áreas de integrar a Rede, o Provoc seja desenvolvido a
conhecimento. Na década de 1990, enquanto partir do segundo semestre de 2022, de modo
modelo educacional estabeleceu parcerias com interligado, em uma rede que compartilhe
outros centros de produção de conhecimento experiências e análises de iniciação científica em
técnico-científico, promovendo processos de nível de ensino médio.
descentralização para os centros regionais
da Fiocruz (Instituto Aggeu Magalhães – PE, Esperamos que em cada canto do nosso país,
Instituto Gonçalo Moniz – BA e Instituto René onde há presença institucional da Fiocruz,
Rachou – MG e de ampliação do Programa para jovens – a partir do contato pessoal com
as áreas de física (Centro Brasileiro de Pesquisas pesquisadores(as) – possam, assim como os mais
91

de 2.000 estudantes que passaram pelo Provoc/ da Fiocruz, onde a ciência é praticada por
RJ desde 1986, vivenciar o processo de produção muitas de nós, contribuindo para a produção do
de conhecimento, pela aquisição de novos conhecimento científico para o desenvolvimento
conhecimentos em diferentes áreas das ciências; social, cultural, econômico e histórico do país.
ampliar os conceitos sobre a produção científica;
expandir a cultura científica, desenvolver/ Como forma de ilustrar as percepções e impactos
aprimorar habilidades e características pessoais; e do Provoc, destaco as falas das nossas egressas
realizar uma escolha profissional mais consciente. que abrilhantaram as atividades realizadas pela
Fiocruz em comemoração ao dia 11 de fevereiro
Enfatizando o papel das meninas e mulheres na de 2020 – Dia Internacional das Mulheres e
ciência, cabe registrar que embora o Provoc não Meninas na Ciência.
seja um programa específico para moças, dos(as)
2.052 estudantes que participaram até 2020
na Fiocruz/Rio de Janeiro, 1.410 são meninas
(68,7%). Essa predominância feminina acontece QUE ASSIM COMO A ARYELLA CORREA,
também no Provoc/Fiocruz-Recife, sendo OUTRAS JOVENS POSSAM ACREDITAR
inclusive objeto de pesquisa: Gênero e iniciação QUE É POSSÍVEL REALIZAR O SONHO
científica: a predominância feminina no Programa DE SER CIENTISTA E QUE NUNCA
de Vocação Científica na visão de seus alunos ESQUEÇAM, COMO DIZ A AMANDA
(SOUSA et al., 2007, p. 145-165). Nessa pesquisa, REYES, QUE “O ESPAÇO QUE AS
buscou-se compreender como as questões de MENINAS E MULHERES MERECEM É
gênero influenciam o processo de escolha de O ESPAÇO QUE ELAS QUISEREM”.
moças e rapazes para participar do Programa
de Vocação Científica no Rio de Janeiro e em
Recife. Como desdobramento, outros estudos
têm sido realizados abordando as relações
entre gênero e emoções, e entre classe social
e escolha profissional. Nesse movimento em
prol da equidade de gênero nas áreas científicas
e da garantia ao pleno direito à educação de
meninas, enfatizamos a participação das jovens
no Provoc. É comum recebermos relatos, por
meio das pesquisas realizadas, publicações ou do
acompanhamento pedagógico, sobre o impacto
positivo do programa em suas trajetórias, sejam
elas acadêmicas, profissionais e de vida. Além REFERÊNCIAS
do alcance dos objetivos formais propostos SOUSA, I. C. F.; BRAGA, C. N.; FRUTUOSO, T. M.;
pelo programa, as jovens compreendem o FERREIRA, C. A.; VARGAS, D. S. Gênero e iniciação
compromisso do(a) cientista e da ciência científica: a predominância feminina no Programa de
com a vida e com a sociedade, ressaltando Vocação Científica na visão de seus alunos. In: PEREIRA,
especialmente o relevante e impactante papel I. B.; RIBEIRO, C. G. (org.). Estudos de politecnia e saúde.
desempenhado pelas mulheres, especialmente Rio de Janeiro: EPSJV, 2007. v. 2.
92

PARTICIPAR
DO PROVOC
TORNOU POSSÍVEL
SONHAR EM
SER CIENTISTA
93

DEPOIMENTOS DAS ESTUDANTES

PARTICIPAR DO PROVOC TORNOU


POSSÍVEL SONHAR EM SER CIENTISTA
ARYELLA MARYAH COUTO CORREA

Eu sempre digo que toda trajetória tem um ponto de partida e um momento


decisivo. A minha trajetória foi marcada por grandes oportunidades e, a partir
dessas oportunidades, tive a possibilidade de sonhar. Eu tive o grande sonho
que posso realizar a cada dia: ser uma cientista.

A minha trajetória acadêmica e na fala da Sally Ride, que nos diz, em


Fiocruz, especificamente, tiveram tradução livre: “As meninas precisam ver
como ponto de partida o meu modelos de comportamento em quaisquer
ingresso no Colégio Pedro II Campus carreiras que escolham, apenas para que
Realengo: uma educação pública, que elas possam se imaginar fazendo esses
foi o ponto inicial e que me permitiu trabalhos algum dia”. Isso porque você
chegar ao momento decisivo da não pode ser aquilo que você não
minha trajetória. Dentro da escola eu pode ver. Participar do Provoc tornou
sempre fui altamente estimulada a possível sonhar em ser cientista.
ter curiosidade, a ter visão crítica e a
buscar o conhecimento. Tive a oportunidade de vivenciar no
programa o trabalho realizado em
Ao chegar ao ensino médio, tive a laboratório de pesquisa, o que foi
grande oportunidade de conhecer fundamental para a minha escolha
o Programa de Vocação Científica de carreira. Para além disso, essa
da Fiocruz, o Provoc. Esse foi o meu oportunidade fez com que eu pudesse
momento decisivo: quando ingressei formar quem eu sou hoje e quem
no Provoc Fiocruz no nível médio, eu eu, um dia, ainda serei. Ao longo
pude sonhar e tive o desejo de seguir a desse processo, tive a oportunidade
carreira como cientista. de crescer e amadurecer nas mais
diferentes esferas da minha vida:
Isso aconteceu no ano de 2013, como aluna, como profissional e
quando ainda tinha 15 anos e estava como pessoa. Vejo que quem eu sou
ingressando no nível médio. No Provoc, hoje é resultado da metamorfose de
surgiu a grande oportunidade de ter, “provocar”, e, por conta disso, sou
precocemente, um encontro com a extremamente grata ao Provoc Fiocruz
minha vocação e profissão. Nessa pelas vivências inigualáveis.
experiência, eu vivi na prática uma
94

Ao ingressar na graduação, no curso de Farmácia nível médio no mundo acadêmico para mostrar
na UFRJ, eu dei continuidade no mesmo a essas meninas que a carreira científica é
laboratório onde eu iniciei como aluna do Provoc. uma carreira possível. Mostrar que há ciência
Permaneci no mesmo laboratório e com a mesma no Brasil – mostrar que nós temos cientistas
orientadora por seis anos, e sou extremamente brasileiros. Principalmente para as meninas,
grata, pois se hoje eu sei o que eu quero para a devemos apresentá-las às cientistas brilhantes
minha vida profissional, e se eu tenho sonhos de nosso país.
profissionais, é graças às orientações que
eu recebi por lá no IOC. Eu aprendi muito e Acredito que programas e atividades voltadas
aproveitei ao máximo todas as oportunidades que para inspirar jovens e promover identificação com
tive nessa casa. carreiras científicas darão a elas a possibilidade
de tomarem decisões em suas vidas, tornando-
Chegou um momento em que eu percebi as protagonistas das suas próprias histórias.
que precisava fazer o movimento de sair da Por isso, o meu grande desejo é que programas
minha zona de conforto e precisava ampliar como o Provoc Fiocruz e ações como a Olimpíada
e diversificar os meus conhecimentos e Brasileira de Saúde e Meio Ambiente, o Mais
experiências acadêmicas. Desde então, eu estou Meninas na Ciência e o Meninas Negras
no Laboratório de Farmacologia Aplicada em na Ciência, da Fiocruz, continuem sendo
Farmanguinhos na Fiocruz, no qual eu faço tanto desenvolvidas ao longo de todo o nosso território
ciência na bancada quanto divulgação científica, nacional, incentivando e transformando vidas,
que se faz extremamente necessária no nosso “para que o amanhã não seja apenas um ontem
atual contexto. com um novo nome”, como nas palavras de
Emicida, em Amarelo.

O FATO DE EU TER SIDO INCENTIVADA Devo agradecer também a todas as


E ESTIMULADA DENTRO DO COLÉGIO pesquisadoras brasileiras, porque fazer ciência
PÚBLICO, DE QUALIDADE, E POR TER no Brasil é tarefa de grande resiliência, é
TIDO A OPORTUNIDADE DE INGRESSAR preciso acreditar todos os dias. Fazer ciência
EM UM PROGRAMA DE VOCAÇÃO como uma mulher no Brasil, a resiliência é
CIENTÍFICA AINDA NO NÍVEL MÉDIO redobrada. Espero que todas as meninas que
FORAM DECISIVOS PARA A MINHA sonham em ser cientistas vejam que este é,
FORMAÇÃO COMO CIDADÃ. sim, um caminho possível.

Dessa forma, eu vi o quanto é necessário inspirar


e incentivar as meninas às carreiras científicas. É
um grande desafio, não é fácil colocar um aluno
de ensino médio dentro de um laboratório de
pesquisa, pois envolve grande responsabilidade,
entretanto eu sei o quanto esse movimento é
totalmente necessário. É preciso desenvolver
programas voltados para inserir meninas de
95
96

VOCÊS SÃO INCRÍVEIS


– SÃO MENINAS,
SÃO MULHERES E,
PRINCIPALMENTE, SÃO
O FUTURO –; SE INSPIREM
EM OUTRAS GRANDES
MULHERES E VAMOS
CONTINUAR, QUE A
LUTA É DIFÍCIL, MAS A
GENTE CONSEGUE
97

O ESPAÇO QUE EU MEREÇO


É O ESPAÇO QUE EU QUISER
AMANDA REYES

Eu sou ex-aluna do Colégio Pedro II, estudei na unidade São Cristóvão.


Também sou ex-Provoc, que concluí no Laboratório de Helmintos Parasitos de
Peixes (LHPP), do Instituto Oswaldo Cruz. Eu conheci o Provoc antes mesmo
de entrar no colégio. Um amigo da minha irmã fazia parte do programa e
convidou a família para assistir à apresentação final dele. Ao assistir, eu me
encantei com a possibilidade de imaginar que durante o ensino médio eu
poderia ter contato com uma pesquisa e estar em um laboratório. Isso sempre
me pareceu algo distante, eu via em filmes e séries e pensava que seria uma
experiência que eu teria somente na graduação ou na pós-graduação, que
seria difícil de conquistar. Ali, eu vi que teria uma oportunidade.

Eu prestei o concurso para o Pedro pelo laboratório – que, de brincadeira,


II, passei, comecei a estudar lá em chamávamos de “chefe” – eram três
2017. Fui pesquisar e, quando vi que pesquisadoras mulheres.
tinha aberto o processo seletivo
para o Provoc Fiocruz, me inscrevi Durante todo o ensino médio eu
e, felizmente, fui selecionada. A tive professores homens: aprendi
Fiocruz e o Colégio Pedro II são duas física, matemática e as fórmulas
instituições de muita importância, historicamente introduzidas por
e nós, que vivemos esse momento cientistas homens, brancos e
absurdo de descaso governamental europeus. Assim, a ciência acabou
com o público, precisamos lutar para se tornando distante. Ao entrar para
que instituições como essas recebam o laboratório com a doutora Simone
a importância que elas merecem. Cohen, a doutora Márcia Justo e
a doutora Melissa Cárdenas (que
Ao chegar ao laboratório, fiquei também é ex-Pedro II e ex-Provoc), eu
apaixonada pelo ambiente: era vi três mulheres poderosas, com um
diferente do que eu imaginava, pois peso tão importante para a ciência, e
era muito melhor. Com certeza, o percebi que eu tinha como conquistar
laboratório até hoje é uma segunda também aquele espaço. Porque o
casa para mim, como também o espaço que eu mereço é o espaço
Colégio Pedro II. O que mais me que eu quiser. Não é um espaço que
marcou foi conhecer toda a equipe e alguém tem que dar por pena, é um
descobrir que as pessoas responsáveis espaço que nós merecemos.
98

A mulher tem capacidade de produzir transformadora muito grande. Eu espero


ciência como qualquer um: é um espaço que que ele continue existindo por muito tempo
precisamos continuar lutando para conquistar. e inspirando outras instituições a fazerem
O Provoc mostra isso. A minha experiência programas semelhantes para garantirmos que
com o Provoc foi gratificante por questões essa juventude atual produza um futuro melhor.
acadêmicas e pessoais. Academicamente, a Nós precisamos de um futuro que seja menos
presença no laboratório nos leva a refletir se preconceituoso, menos machista, menos
é isso que queremos. O contato com diversas racista, menos homofóbico, menos xenofóbico,
áreas de pesquisa e o cotidiano do trabalho nós precisamos construir esse mundo.
nos permite decidir melhor qual curso seguir. Quando olhamos, principalmente no contexto
Por outro lado, o crescimento pessoal é fruto de pandemia de Covid-19, fica difícil ter
da responsabilidade de uma rotina de pesquisa esperanças na humanidade, pois todos os dias
científica: prazo de entrega, relacionamento com somos bombardeados com notícias ruins. Mas
os colegas, horário para chegar. eu acredito que, se continuarmos tentando,
vamos garantir que a mulher conquiste seu
lugar na ciência.
EU PERCEBO HOJE QUE A EXPERIÊNCIA
DO PROVOC É AMPLIADA, PARA UMA Se eu pudesse dar um recado para outras
MENINA, PORQUE NÓS VIVEMOS UM meninas, eu diria que sempre fui uma pessoa
CONTEXTO NO QUAL OS EXEMPLOS que não acreditava em mim mesma, tinha baixa
FEMININOS NÃO SÃO APRESENTADOS. autoestima, achava que não seria capaz de
AS MENINAS NÃO RECEBEM ESSE conquistar nada, mas vocês são capazes. Não se
AMPARO, ELAS VÃO VIVER EM UM comparem com os outros. Vocês são incríveis
MUNDO NO QUAL NÃO TERÃO ESSA – são meninas, são mulheres e, principalmente,
REPRESENTATIVIDADE. ELAS NÃO SE são o futuro –; se inspirem em outras grandes
ENXERGAM COMO CIENTISTAS POR mulheres e vamos continuar, que a luta é difícil,
ACHAREM QUE NÃO SÃO CAPAZES. mas a gente consegue.

O Provoc, o Mais Meninas na Ciência e


tantos outros projetos ajudam a quebrar
esse paradigma e esse estigma de que o
lugar da mulher não é na ciência. Eu sou
absolutamente grata pela oportunidade do
Provoc, um programa que tem uma capacidade
99
100
101

MAIS MENINAS NA FIOCRUZ


PROJETOS ESTRATÉGICOS
EM TODO O BRASIL
A Presidência da Fundação Oswaldo da sociedade. Com a definição deste
Cruz (Fiocruz) reconhece e busca marco, temos sistematicamente
fortalecer o papel fundamental avançado em direção a uma maior
que as mulheres desempenham articulação e consolidação das
nas áreas de pesquisas científicas iniciativas institucionais voltadas
e tecnológicas. E neste sentido para a troca dialógica com jovens,
foi instituída a “Chamada Interna compreendendo o papel central da
Mais Meninas na Fiocruz”, que se inclusão de meninas na construção
alinha às resoluções das Nações de um futuro mais justo e sustentável
Unidas, visando garantir acesso e para o Brasil e para o mundo.
assegurar a participação plena e
igualitária de mulheres e meninas na As iniciativas que seguem são
ciência e tecnologia. Como forma de uma breve amostra do trabalho
aprofundar este comprometimento, empreendido até aqui e apontam
foi incluído também, no calendário para o futuro.
de atividades institucionais, o
“Dia Internacional das Mulheres
e Meninas na Ciência”, celebrado
durante o mês de fevereiro, que
tem como foco central a realização
de atividades educativas e de
sensibilização para a desigualdade de
gênero que permeia todos os campos
102

ESTIMULAR
PROCESSOS DE
APROXIMAÇÃO
COM A REALIDADE
DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
NA AMAZÔNIA
103

MAIS MENINAS NA FIOCRUZ PROJETOS ESTRATÉGICOS EM TODO O BRASIL

NUMIÔ MOMÔRO:
MENINAS CIENTISTAS DA AMAZÔNIA
[FIOCRUZ AMAZÔNIA – INSTITUTO LEÔNIDAS & MARIA DEANE]

FABIANE VINENTE DOS SANTOS

O estímulo da presença de mulheres no meio científico passa pela ampliação das


redes de inclusão social para alcançar aqueles segmentos em que o
acesso à educação de qualidade é ainda mais difícil. Somam-se à desigualdade
social as assimetrias entre as regiões do país, dentre as quais
se destaca a Região Norte.

Indígenas migram para as cidades Em função da grave crise econômica


em busca de melhores condições de que acomete a Venezuela, um
vida, saúde e educação, e constituem contingente significativo da população
comunidades urbanas onde lutam venezuelana tem saído do país rumo a
para manter viva sua cultura e seu outros territórios do continente latino-
modo de vida. Tais comunidades americano. Abrigos improvisados
sofrem os revezes da ausência do vêm sendo criados para alojar as
Poder Público: localizadas em regiões famílias venezuelanas em Manaus.
periféricas, em locais muitas vezes E, para além das ações emergenciais,
insalubres, sem cobertura apropriada há grande dificuldade em incluir
da rede de saneamento básico, de os imigrantes. O caso mais grave,
transporte público e de energia certamente, é o das crianças que não
elétrica e com altos indicadores de frequentam a escola.
violência. Pesquisas recentes, como
a de Sobrinho (2019), mostram Levantamentos recentes do Unicef
que, mesmo no ambiente escolar (2018) mostram que, na Amazônia,
das cidades, as crianças indígenas as crianças têm maior risco de morrer
enfrentam conflitos orientados pelo antes de completar um ano de idade,
preconceito e discriminação. assim como de não completar o ensino
fundamental. Outros indicadores
Outro dos processos sociais que mostram que o quadro é ainda mais
perpassam a Amazônia é a migração dramático, com altas taxas de gravidez
transfronteiriça. na adolescência e de vulnerabilidade
104

a vários tipos de violência, incluindo exploração As atividades tiveram como objetivo “abrir as
sexual e trabalho infantil, o que piora quando se portas” do ILMD às meninas, aproximá-las
adiciona o corte de etnia e raça. Nesse cenário, do universo da ciência e dos jovens cientistas
é preciso fomentar ações de promoção ao que poderiam inspirá-las. Apesar de as falas
conhecimento e do enfrentamento à exclusão consistirem em exposições, foi privilegiado o
dessas crianças e desses adolescentes. E, ainda, modelo de interação “roda de conversa”, em que
são mais necessárias iniciativas que mobilizem as meninas eram estimuladas a interagir com as
positivamente as crianças, em especial as painelistas e a responder a perguntas – como em
meninas, para experimentação do conhecimento. um jogo, em que os prêmios eram trufas.
O dia 11 de fevereiro de 2020 foi promovido
O Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD), em grande estilo, graças ao apoio de duas
por sua posição de unidade regional da Fiocruz organizações sociais: o Instituto Mana,
na Amazônia, tem como parte de seu papel que articulou a participação das meninas
institucional incentivar processos de estímulo venezuelanas indígenas da etnia Warao de
à ciência. O ILMD participou da iniciativa dois abrigos de imigrantes, e o Movimento de
“Mais Meninas e Mulheres na Ciência”, da Mulheres por Moradias Orquídeas (MMMO).
Fiocruz, com o projeto “Numiô Momôro: A representação do escritório de Manaus do
Meninas cientistas da Amazônia”, utilizando Alto Comissariado das Nações Unidas para os
a oportunidade para estimular processos de Refugiados (Acnur) colaborou com uma tradutora
aproximação com a realidade de crianças e simultânea do português para o espanhol, a
adolescentes na Amazônia. Dois contingentes da fim de possibilitar a compreensão das meninas
população local foram eleitos como público-alvo Warao não versadas em língua portuguesa.
do projeto: meninas de 7 a 14 anos indígenas/
imigrantes venezuelanas e meninas oriundas dos No intervalo entre um bloco de atividades e
movimentos de moradia urbana de Manaus. outro, foram feitas as dinâmicas “O que você
quer ser quando crescer?”, em que imagens de
mulheres exercendo variadas funções foram
mostradas para que as meninas dissessem
NUMIÔ MOMÔRO É UMA EXPRESSÃO que tipo de profissionais elas seriam. Além de
QUE VEM DO IDIOMA INDÍGENA profissões tradicionais “de mulheres”, como
YE’PÂ MASA (CONHECIDO NA professora e cozinheira, foram exibidas mulheres
LITERATURA COMO TUKANO, FALADO em atividades pouco comuns, como engenheira
PELO POVO DE MESMO NOME, civil, motorista, física etc. Outra dinâmica
HABITANTE DA REGIÃO DO ALTO RIO realizada foi “É bom para a saúde ou não é?” em
NEGRO, NOROESTE DA AMAZÔNIA) que imagens de objetos, elementos da natureza
E SIGNIFICA “MENINA-BORBOLETA”. e animais eram mostradas para que as meninas
AS PALAVRAS EXPRESSAM A IDEIA DE discorressem sobre suas aplicações na saúde.
TRANSFORMAÇÃO, PROPORCIONANDO
A ESSAS JOVENS O CONTATO COM O
UNIVERSO DA CIÊNCIA.
105

Elaboramos um vídeo e um material Em função da pandemia do


gráfico de estímulo à vocação de novo coronavírus, que atingiu
meninas cientistas da Amazônia profundamente a cidade de Manaus
do “Numiô Momôro”. No material desde os primeiros meses de 2020,
gráfico foi desenvolvida a personagem impedindo até mesmo o uso regular
Heliana pelo ilustrador amapaense do espaço físico de nossa unidade
Cristyêe Santos, representando as e seus recursos, as atividades
meninas etnicamente. Heliana é planejadas no projeto original ficaram
protagonista do minijogo do projeto amplamente prejudicadas.
“Numiô Momôro”, a ser distribuído
em escolas da rede de educação do O projeto “Numiô Momôro” quer
Amazonas. O material consiste em ir além da chamada interna que
um cartaz com uma sequência de oportunizou seu surgimento, tornando-
casas, a ser jogado com a ajuda de se um programa transversal dentro
um dado de mesa. Nos espaços do da unidade, com atividades de
“caminho” que a menina percorrerá aproximação de meninas e mulheres do
para se tornar uma cientista estarão universo científico por meio de rodas
percalços e oportunidades (Escola, de conversas, feiras de ciência e outros
Programa Ciência na Escola, Institutos eventos. Dizia Raul Seixas na letra de
de Pesquisa, Programa de Iniciação “Prelúdio” que “Sonho que se sonha só
Científica etc.). é só um sonho que se sonha só, mas
sonho que se sonha junto é realidade”.
Ao longo de 2021, produziremos
ainda camisetas e certificados para as
crianças participantes e um folheto de
estímulo às meninas na ciência, a ser REFERÊNCIAS
impresso e enviado para as escolas da FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A
rede pública da capital e do interior. INFÂNCIA – UNICEF. Agenda pela infância
e adolescência na Amazônia. Brasília:
POR SE TRATAR DE Unicef, 2018.
SEGMENTOS MAIS EXCLUÍDOS
SOCIALMENTE, NOSSO SOBRINHO, Roberto Sanchez Mubarac. Jeitos
PÚBLICO-ALVO POSSUI de ser criança Sateré-Mawé: dos elementos
DIFICULDADE DE ACESSO À da cultura aos determinismos sociais da escola
INTERNET, IMPOSSIBILITANDO urbana. Revista Antropológica da UFSCar, v. 11,
O USO DE TECNOLOGIAS DE n. 1, 232-252, jan./jun. 2019.
ENCONTROS VIRTUAIS PARA
AS ATIVIDADES.
106

MULHERES
E MENINAS
INSPIRARAM OU
FORAM INSPIRADAS
PELAS LINDAS
HISTÓRIAS E
EXPERIÊNCIAS
COMPARTILHADAS
107

MENINAS BAIANAS NA CIÊNCIA:


CONECTANDO PASSADO,
PRESENTE E FUTURO
[FIOCRUZ BAHIA – INSTITUTO GONÇALO MONIZ]

ISADORA CRISTINA DE SIQUEIRA, KARINE ARAÚJO DAMASCENO


E NATALIA MACHADO TAVARES

A finalidade do projeto “Meninas baianas na ciência: conectando passado, presente


e futuro”, do Instituto Gonçalo Moniz (IGM) – Fiocruz Bahia é motivar meninas
estudantes do ensino médio de escolas públicas de Salvador (BA) para as carreiras de
ciência e tecnologia (C&T).

A proposta teve como objetivos: 1) No dia 11 de fevereiro de 2020, foi


sensibilizar as comunidades mais realizada a primeira etapa, marcando
carentes sobre o papel da mulher na o Dia das Meninas e Mulheres na
sociedade; 2) identificar e registrar Ciência. A iniciativa “Meninas baianas
a memória de mulheres que, em na ciência: conectando passado,
suas trajetórias, contribuíram presente e futuro” foi apresentada
para a pesquisa, o ensino e o à comunidade do Instituto Gonçalo
desenvolvimento tecnológico em Moniz (composta por pesquisadores,
saúde, na Bahia; 3) demonstrar alunos e servidores) e colaboradores
que ciência no Brasil também é do projeto externos à instituição.
feita por mulheres; 4) estimular a
participação de alunas de graduação No primeiro momento, foi apresentada
e pós-graduação a atuarem como a proposta do evento que seria
disseminadoras de conhecimento e realizado em abril deste ano. Nesse
divulgação científica; 5) incentivar a dia, contamos com a participação
curiosidade, o pensamento científico do diretor da Casa de Oswaldo
e, dessa forma, contribuir para a Cruz (COC – Fiocruz), Paulo Elian, o
eliminação de estereótipos de gênero. qual ministrou palestra abordando
um breve histórico de importantes
pesquisadoras e servidoras da Fiocruz.
108

Na sequência, foi realizada a mesa-redonda com Para realização da segunda etapa, foi elaborado
a participação de representantes das secretarias o edital com a chamada pública para seleção
do Estado da Bahia, tais como Fabya Reis, da de meninas matriculadas em escolas de ensino
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, e médio da rede pública de Salvador e região
Shirley Costa, coordenadora do projeto “Ciência metropolitana. Tivemos a inscrição de 114
na Escola”, da Secretaria de Educação. meninas de todo o estado da Bahia, interessadas
em atender ao encontro virtual do dia 25 de
No campo da tecnologia e inovação, estavam março de 2021. Foram selecionadas alunas de
presentes Adélia Pinheiro, da Secretaria de Iniciação Científica (Programa Institucional
Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia de Bolsas de Iniciação Cientifica – Pibic –,
(Secti); Mara Souza, assessora da Secti; Sahada Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em
Luedy, diretora de Políticas e Programas, da Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – Pibiti
Superintendência de Desenvolvimento Científico – e Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia –
da Secti, responsável pela Popularização da Fapesb) e das pós-graduações PGBSMI (IGM/
Ciência; e Ilnah Oliveira, coordenadora de Fiocruz-BA) e PGPAT (UFBA/Fiocruz-BA) para
Políticas e Programas da Superintendência da monitoria. As monitoras participaram ativamente
Secti. Nessa mesa-redonda, foram discutidas da seleção e do acolhimento das alunas do ensino
importantes ações e estratégias de apoio do médio, bem como das práticas no dia do evento.
Estado a esse evento que seria realizado em
abril, bem como possíveis ações de extensão das
atividades ao longo do ano.
FOTO: ACERVO DO PROJETO

Figura 1. Apresentações do projeto


“Meninas baianas na ciência”.

A. Mesa-redonda com a participação


de Julieta Palmeira, da Secretaria de
Política para Mulheres; Adélia Pinheiro,
da Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Inovação; Fabya Reis, da Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial; Shirley
Costa, representante da Secretaria de
Educação do Estado da Bahia.
B. Registro final com os participantes do
evento em 11 de fevereiro de 2020.
C. Participantes e palestrantes no evento
do dia 25 de março de 2021, realizado
pela plataforma digital.
109

1. As diversas
As atividades1 permitiram que as pelas cientistas Dras. Jaqueline Goes
conferências podem
meninas participantes tivessem a (Universidade de São Paulo), Luciane ser assistidas no
oportunidade de conhecer mulheres Amorim (Escola Bahiana de Medicina endereço:
cientistas e os campos de atuação e Saúde Pública), Isa Beatriz da Cruz
delas, em uma tentativa de minimizar a Neves (Universidade Federal da
desigualdade de gênero nas profissões Bahia), Joice Pedreira (Universidade
relacionadas à ciência e tecnologia. Federal da Bahia) e Soraia Machado
As jovens surpreenderam-se com a (Universidade Federal da Bahia).
trajetória das pesquisadoras, o que serviu O dia de evento foi encerrado com a
de motivação para as que ainda tinham certeza de que o objetivo foi cumprido.
dúvidas sobre a carreira científica. Na Mulheres e meninas inspiraram ou
palestra “A participação das mulheres no foram inspiradas pelas lindas histórias
desenvolvimento tecnológico no Brasil: a e experiências compartilhadas.
vivência da Fiocruz/BA” foram abordadas
questões nacionais e internacionais sobre
desigualdade de gênero nas ciências. As
meninas propuseram apontamentos que

FOTO: ACERVO DOS AUTORES


justificassem esse fenômeno e possíveis
soluções para amenizar seus efeitos.

Depois, em uma mesa-redonda com


mulheres de diferentes áreas de
atuação, apresentou-se a trajetória
de cada uma, com seus desafios e
conquistas individuais. A mesa foi
aberta pela Dra. Aldina Barral, da
Fiocruz; seguida por Érika Souza,
do Instituto Odara de Mulheres
Negras; pela Dra. Estela Aquino, da
Universidade Federal da Bahia; e, por
fim, Dra. Luciana Leite, da Rede Kunha
Asé para Mulheres na Ciência.

No evento ocorreram oficinas sobre


Genética, Microbiologia e Gamificação,
que apresentaram às meninas novas
possibilidades de carreiras e modos de
fazer ciência. Elas ficaram fascinadas
Figura 2. Oficinas.
pelo fato de os jogos poderem ser A. Luciane Amorim e B. Jaqueline Goes ministraram a oficina de Genética.
informativos de conteúdo científico C. Isa Neves ministrou a oficina de Gamificação. D. Joice Pedreira ministrou
e motivadores enquanto campo de a oficina de Microbiologia. E. Soraia Machado ministrou a oficina de Microbiologia.
F. Isadora Siqueira, comissão organizadora. G. Karine Damasceno, comissão
atuação. As oficinas foram ministradas
organizadora. H. Natália Tavares, comissão organizadora.
110

O COMPROMISSO
DA FIOCRUZ PARA
A DIMINUIÇÃO DAS
INIQUIDADES E PARA
O RECONHECIMENTO
DE QUE A CIÊNCIA É
UM CAMPO POSSÍVEL
DE ATUAÇÃO E QUE
PODE FAZER PARTE
DA TRAJETÓRIA DE
TODAS AS MENINAS
111

#MAIS MENINAS
[FIOCRUZ BRASÍLIA]

FABIANA DAMASIO E MARIELLA SILVA DE OLIVEIRA-COSTA


“Que as meninas tenham mais vez e voz”. Essa frase foi parte da mensagem
de boas-vindas da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, na abertura do
evento #maismeninasnafiocruzbrasília, em 11 de fevereiro de 2020.

Pela primeira vez, a Fiocruz Brasília de Educação do Distrito Federal,


abriu as portas da instituição para que Secretaria da Mulher do Distrito
meninas de 12 a 18 anos, estudantes Federal e Administração do Plano
de escolas públicas da periferia Piloto. As meninas foram recebidas
do Distrito Federal e do entorno, com um kit de participante, contendo
vivessem uma experiência única ao bolsa, bloco, credencial, caneta e
lado de pesquisadoras com diferentes camisetas com a identidade visual do
perfis e trajetórias, para reforçar evento. Para mostrar que a ciência não
a presença feminina na ciência. O tem idade, três jovens estudantes de
evento deu visibilidade ao tema, ensino fundamental, graduação e pós-
propôs reflexão sobre a inserção das graduação também compartilharam
mulheres na ciência e possibilitou suas experiências.
contato próximo com cientistas
e acesso à informação sobre as As histórias das cientistas da Fiocruz
diferentes possibilidades de pesquisa, Brasília e convidadas, bem como
a partir do escopo da Fiocruz Brasília. a experiência de estudantes em
Mais de 200 participantes estiveram início de carreira científica, foram
presentes à atividade. Além das 160 apresentadas ao longo do evento, e
meninas estudantes, professores, a série com depoimentos1 foi exibida
familiares e representantes de nos intervalos. A proposta incluiu
importantes instituições públicas a abordagem da pauta “Ciência,
passaram pela Fiocruz Brasília. equidade de gênero, territorialidade e
1. Os depoimentos e o
raça”, com relatos de pesquisadoras evento na íntegra podem
Contamos com autoridades em nível e convidadas acerca de aspectos ser acessados por meio
nacional: Câmara dos Deputados, econômicos, sociais, territoriais do link:
Instituto Federal de Brasília (IFB), e de raça, determinantes para a
Ministério da Saúde e Ministério da conformação da ciência no país, e
Mulher, Família e Direitos Humanos, também do lugar ocupado pelas
e em nível distrital, Secretaria mulheres. A troca de vivências entre
112

estudantes e cientistas foi enriquecedora e 6. Podcast: Como fazer? Do roteiro à gravação


possibilitou que as meninas vissem a carreira (Comissão de Divulgação Científica da
científica como possível, conhecendo histórias Fiocruz Brasília).
de mulheres com diferentes perfis e realidades. 7. Drogas: o olhar de uma mãe e cientista (Núcleo
de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas).
No intervalo de almoço, houve a apresentação
do Grupo de Percussão Batalá – formado Outro diferencial da programação foi a mostra
exclusivamente por mulheres, em sintonia com de ilustrações “A Ciência da Vida: Minha Vida
a pauta, reforçando o protagonismo e a presença é na Ciência”. O concurso teve como objetivo
feminina também na arte, na música e na cultura. promover a reflexão sobre o tema Mulheres e
Meninas na Ciência, além de expor a visão das
As estudantes ainda tiveram a oportunidade estudantes sobre a mulher cientista, por meio
de ficar frente a frente com as pesquisadoras das ilustrações e dos relatos. Para participar
em sete diferentes oficinas para conhecer as do concurso, as estudantes produziram uma
atividades científicas realizadas na Fiocruz ilustração e relataram sobre o que é ser
Brasília, reforçando a ideia de que a ciência é cientista, atividades avaliadas segundo critérios
diversa e vai além da bancada de um laboratório como criatividade, originalidade, pertinência
de pesquisa clínica. Como as pesquisadoras do tema, traçado, impacto visual e ortografia
atuam, suas respectivas áreas e a importância das ilustrações e dos relatos. As 30 ilustrações
da pesquisa para mudar a realidade local foram selecionadas formaram a mostra lançada no
questões enfatizadas nessa atividade. Em evento #Mais Meninas na Fiocruz Brasília, e
diálogo informal sobre a ciência, as estudantes exposta na área externa da instituição ao longo
puderam escolher duas das sete opções de do mês de fevereiro de 2020. Ao final do evento,
oficinas, a saber: foram anunciadas as premiadas2.

1. Quem escolhe o que você consome? (Núcleo de Das 160 participantes, 32 estudantes tiveram
Estudos Sobre Bioética e Diplomacia em Saúde). a oportunidade de elaborar um roteiro e
2. O que as perguntas têm a ver com as gravar trechos para o podcast Mais Mulheres
pesquisas? (Programa de Evidências em Políticas e e Meninas na Ciência, lançado pela Fiocruz
Tecnologias). Brasília em março de 2020. Dando continuidade
3. Conversando sobre a saúde das meninas e das às ações relacionadas ao tema, o podcast
mulheres (Núcleo de Epidemiologia e Vigilância apresenta a trajetória da vida e da carreira
em Saúde). profissional de cientistas mulheres, contada por
4. Escola é lugar de fazer ciência? (Programa de elas, mostrando os seus desafios na ciência,
Alimentação, Nutrição e Cultura; Programa de bem como oportunidades para jovens que
Educação, Cultura e Saúde; e Escola de Governo querem seguir essa carreira científica.
Fiocruz – Brasília).
5. “Oi, meninas, tudo bom? Blogueiras e youtubers
na pesquisa em Comunicação em Saúde”
(Assessoria de Comunicação).
113

2. O vídeo de lançamento do
“O encontro foi ótimo, prazer conhecer todas
Concurso de Ilustrações está
essas mulheres lindas e valorizadas.” “Amei disponível em:
conhecer a Fiocruz, acho que vocês fazem um
trabalho incrível, me inspiram demais.” Essas
foram duas das várias mensagens deixadas pelas
participantes em pesquisa de opinião realizada
logo após o evento, que reforçou o lugar da
Fiocruz enquanto instituição de saúde, pesquisa,
ensino, ciência, tecnologia e inovação no ano
em que se celebram 120 anos, e da atuação da
Fiocruz Brasília nos territórios considerando suas
especificidades, em busca da criação de espaços
saudáveis e sustentáveis.

A iniciativa da Fiocruz Brasília repercutiu


positivamente na imprensa local e também
nas mídias sociais, contribuindo para ampliar o
alcance da temática Mais Mulheres e Meninas
na Ciência.

ABRIU CAMINHOS PARA O


APRIMORAMENTO DA ARTICULAÇÃO
DA FIOCRUZ COM AS ESCOLAS DO DF
E PARA PROMOÇÃO DO DEBATE SOBRE
A CIÊNCIA ENTRE MENINAS, BUSCANDO
CRIAR ESPAÇOS PERMANENTES DE
DIÁLOGO E DE ESCLARECIMENTO SOBRE
AS INÚMERAS POSSIBILIDADES QUE
A CIÊNCIA OFERECE COMO
CAMPO DE PRÁTICAS.

Além disso, reafirmou o compromisso da Fiocruz


para a diminuição das iniquidades e para o
reconhecimento de que a ciência é um campo
possível de atuação e que pode fazer parte da
trajetória de todas as meninas.
114

AS MULHERES,
EM DIVERSAS
PARTES DO PLANETA,
TÊM CONSEGUIDO
ALCANÇAR
ESPAÇO POLÍTICO
E CIENTÍFICO
115

MENINAS NA CIÊNCIA EM EUSÉBIO:


DIÁLOGOS PARA A PROMOÇÃO DO
PENSAMENTO E DA AÇÃO
CIENTÍFICA DA MULHER NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
[FIOCRUZ CEARÁ]

VANIRA MATOS PESSOA E LUCIANA PEREIRA LINDENMEYER

Historicamente, as mulheres têm seus trabalhos invisibilizados ou


desvalorizados na sociedade, e no âmbito da ciência não é diferente.
Considerando o conceito amplo de ciência e suas diversas áreas, as mulheres
sempre se depararam com preconceitos e com o machismo da sociedade, que
insiste em delegar a elas somente as profissões ditas ou reconhecidas como
femininas. Desse ponto de vista, tem sido negada às mulheres a possibilidade
de coexistência entre a maternidade e a carreira científica, como também
a de ocupar cargos de poder. Todavia, as mulheres, em diversas partes
do planeta, têm conseguido alcançar espaço político e científico. Neste
último, tem-se fortalecido a presença feminina nas áreas biológicas, sociais,
humanas, exatas ou tecnológicas, com uma atuação científica cada vez mais
reconhecida em diversos países e instituições, sendo capazes de transformar
a vida de populações e resolver problemas que afligem a sociedade.

A Fiocruz busca reafirmar e o papel da ciência para a redução


fortalecer institucionalmente a das desigualdades sociais. E a
eliminação da discriminação, da Fiocruz Ceará tem um papel basilar
exclusão e da violência tanto no na divulgação e na ampliação do
espaço organizacional como na conhecimento acerca da ciência e
sociedade. Cumpre, assim, seu dos direitos humanos, especialmente
papel na promoção da justiça na região em que está inserida, a
social e da equidade de gênero e região metropolitana de Fortaleza, que
de raça, afirmando a valorização contabiliza altos índices de violência,
da ciência, tecnologia e inovação como os feminicídios.
para a inclusão de mais mulheres
em áreas estratégicas, bem como
116

Visando ampliar o debate e contribuir na Inicialmente, o projeto envolveu 60 meninas,


extensão das políticas de equidade adotadas 20 de cada uma das três escolas públicas de
pela Fiocruz à comunidade externa, o projeto ensino médio do município de Eusébio – Escola
“Meninas na Ciência em Eusébio: diálogos para Ana Bezerra de Sá, Escola Francisca Linhares
a promoção do pensamento e da ação científica e Escola Manoel Ferreira. O primeiro passo foi
da mulher na sociedade contemporânea” teve promover o contato e a articulação com cada
como público as meninas estudantes do ensino uma das escolas. Foram realizadas visitas da
médio com acesso limitado a informações, equipe do projeto às três unidades escolares e
dificultando a tomada de decisões que as iniciadas conversas para formação do grupo de
ajudariam a escolher e conduzir melhor suas 20 meninas em cada uma delas
carreiras profissionais.

A iniciativa parte dos objetivos de: NESSE MOMENTO SE DISCUTIU A


1) discutir os desafios contemporâneos de PARTICIPAÇÃO DAS MENINAS NO
jovens mulheres para atuar em ciência e PROJETO, A IMPORTÂNCIA DAS
tecnologia no Ceará; 2) desenvolver a percepção MENINAS NA CIÊNCIA E COMO
crítica sobre as relações de dominação e JUNTAS PODERÍAMOS AVANÇAR
subordinação vivenciadas pelas mulheres em NO DESENVOLVIMENTO DAS
seu cotidiano e as repercussões disso sobre AÇÕES PREVISTAS.
suas trajetórias profissionais; 3) compartilhar
resultados de pesquisas de saúde ambiente, A equipe do projeto foi composta por
saúde da família e biotecnologia realizadas por pesquisadores da Fiocruz Ceará e por
mulheres da Fiocruz Ceará; e 4) exercitar a estudantes de iniciação científica, doutorandos e
construção coletiva de protótipos de projetos técnicos, de forma colaborativa.
de pesquisa com as meninas, visando ao
desenvolvimento local. A atividade na Fiocruz Ceará foi realizada
presencialmente no auditório da unidade no
O projeto incentiva a participação de meninas no dia 11 de fevereiro de 2020. Para o evento,
meio científico e discute os desafios da mulher denominado de “Meninas na Ciência em
na vida em sociedade desenvolvendo múltiplos Eusébio: diálogos para a promoção do
papéis e funções que lhe são atribuídas. Além pensamento e da ação científica da mulher na
disso, aborda o tema da carreira científica sociedade contemporânea”, foram convidadas
exercida por mulheres e algumas temáticas mulheres e professoras externas à Fiocruz Ceará
defendidas pelos movimentos feministas, e houve entrega de kits às participantes.
focando na difusão de informações sobre o
acesso ao mercado de trabalho, a importância Em decorrência da pandemia de Covid-19, o
da auto-organização das mulheres, a sororidade, projeto foi adaptado e as atividades, realizadas
o reconhecimento das diversas formas de remotamente. Tal adaptação consistiu na realização
violência sofridas pelas mulheres, o racismo, e a de lives “Meninas na Ciência Fiocruz Ceará” com
divisão justa do trabalho doméstico. temas relevantes, que culminaram na produção de
um vídeo, com todo o processo do projeto1, lançado
na semana de 11 de fevereiro de 2021.
117

1. O vídeo está
Foram realizadas quatro lives para Como atividade de encerramento do
disponível em:
tratar alguns dos assuntos que projeto, foi realizada uma live em 11 de
seriam abordados com as meninas fevereiro de 2021 para lançar o vídeo
das escolas. Criou-se um perfil no e dialogar com a professora Zuleide
Instagram específico do projeto Queiroz sobre a trajetória de mulheres
“Meninas na Ciência” Fiocruz negras na ciência e na educação, e
Ceará [@meninasnacienciafioce enviados kits escolares com máscara de
– https://www.instagram.com/ proteção para as meninas das escolas. A
meninasnacienciafioce/] para esses iniciativa foi valorizada pelos professores,
eventos, com mais de 150 inscritos, desejando que nossa parceria possa ser
a fim de continuar divulgando ações retomada em momento mais propício
relacionadas a meninas e mulheres na para manter essa discussão em aberto e
ciência e assuntos de interesse geral. estimular a participação mais efetiva das
meninas em projetos que as despertem
para a ciência.

FOTO: THAIS MESQUITA/ O POVO

Laeticia Jalil, Andrea Sousa e Sônia Guimarães estiveram em roda de conversa sobre o pensamento e a ação científica da mulher na
sociedade, na sede da Fiocruz em Eusébio.
118

ESTUDAR A
PRESENÇA DE
MULHERES NA
CIÊNCIA, NO
PASSADO E NO
PRESENTE, TENDO EM
VISTA O INCENTIVO
E A ATRAÇÃO DE
MENINAS, CIENTISTAS
DO FUTURO
119

MULHERES NA CIÊNCIA:
PASSADO, PRESENTE E FUTURO
[FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL]

EDUARDO DE CASTRO FERREIRA, ALEXSANDRA RODRIGUES


DE MENDONÇA FAVACHO, ANDRÉ DE FARIA PEREIRA NETO,
GLÁUCIA ELISETE BARBOSA MARCON, JISLAINE DE FÁTIMA
GUILHERMINO E ZORAIDA DEL CARMEN FERNANDEZ GRILLO

Vivíamos no Brasil, e ainda vivemos, em larga medida, uma sociedade


patriarcal (AGUIAR, 2000). Essa realidade estrutural também apresenta
sua face no ambiente científico. Por essa razão, analisar as dificuldades que
a mulher tem atualmente de se inserir no meio científico pressupõe uma
compreensão mais ampla do processo histórico relacionado com o ingresso
da mulher no mercado de trabalho formal nos últimos séculos. Gebrim e
Borges (2014) destacam que a violência contra a mulher tem se perpetuado,
apesar de sua posição de insubordinação à ordem patriarcal. Nesses casos, as
vítimas são as mulheres que se opõem à exploração e aos estereótipos, que
são transmitidos de uma geração para outra e reproduzidos tanto no âmbito
público (governo, política, religião, escolas, meios de comunicação) como no
âmbito privado (família, parentes, amigos).

“Ao longo da história, o sexo feminino cuidado da casa e da prole.


em geral permaneceu alijado do Ela esteve submetida a diversas
livre pensamento e as mulheres formas de confinamento, seja em
que ousaram transgredir esta casa, no convento ou no bordel.
discriminação, via de regra, eram O espaço público não lhe era
condenadas à morte, ao isolamento franqueado. Nesses ambientes
ou à loucura” (FREITAS; PEREIRA, fechados, ela realizava um trabalho
2017, p. 190). A história do trabalho invisível e silencioso, e raramente
no mundo ocidental relegou papel lhe era dado o direito de aprender a
secundário à mulher. Sua função ler e a escrever. Concluir um curso
desde os primórdios restringiu-se ao profissional de nível técnico ou
superior era uma exceção até o início
do século XX.
120

Imersa na cultura e na estrutura pedagógicas, uma educação de


patriarcais, a trajetória das mulheres qualidade em busca de metas
na ciência é frequentemente comuns que intervenham na realidade
restringida pelo “modelo masculino sociocultural da comunidade escolar.
de carreira” (VELHO, 2006). Esse
padrão inclui o compromisso em O projeto da Fiocruz Mato Grosso do
tempo integral para o trabalho, a Sul “Mulheres na Ciência – Passado,
alta produtividade em pesquisa Presente e Futuro”, idealizado e
e o estabelecimento de relações incentivado pelo Dr. André de Faria
academicamente competitivas Pereira Neto (pesquisador da Escola
(SILVA; RIBEIRO, 2014). O mundo da Nacional de Saúde Pública da Fiocruz
ciência se estruturou historicamente e pesquisador sênior-visitante do
em bases quase exclusivamente escritório da Fiocruz MS), contribuiu
masculinas, ora excluindo as para a modificação dessas bases
mulheres, ora dificultando seu estruturais, permitindo que meninas
acesso e projeção. Freitas e Pereira estudantes da E. E. Professor Silvio
analisam a persistente ausência de Oliveira dos Santos e moradoras de
mulheres nas principais academias territórios vulneráveis despertassem
científicas do Brasil, bem como entre seu interesse pela carreira científica.
os vencedores do Prêmio Nobel. A iniciativa se propôs a estudar a
presença de mulheres na ciência, no
A Escola Estadual Professor Silvio passado e no presente, tendo em vista
Oliveira dos Santos situa-se no bairro o incentivo e a atração de meninas,
Aero Rancho, setor VII. É o maior cientistas do futuro.
bairro de Campo Grande (MS) em
população. O bairro Aero Rancho Quatro estudantes do sexo feminino,
ocupa um dos últimos lugares em regularmente matriculadas no ensino
termos de qualidade de vida urbana médio da E. E. Professor Silvio Oliveira
na cidade (FIGUEIREDO et al., 2008). dos Santos, foram selecionadas para
Essa situação pode ser percebida por participar do projeto na elaboração de
meio dos diversos problemas sociais uma pesquisa e na criação de um blog
e dos altos índices de violência que denominado “Elas na Ciência”. Uma
chegam ao espaço escolar. Devido às professora da escola foi indicada como
baixas condições econômicas em que mediadora do projeto e o professor
os moradores vivem e à necessidade de informática orientou as estudantes
de sobreviver, a escola apresenta na criação do blog. Desse modo, a
índice significativo na distorção série/ criação do blog “Elas na Ciência” foi
idade, pois os alunos interrompem realizada pelas alunas, juntamente
os estudos durante o ano letivo para com os professores mediadores, sob
trabalhar. Nesse cenário, a escola supervisão dos pesquisadores da
tenta oferecer, por meio do seu Fiocruz. Devido ao grande alcance
espaço físico e das suas propostas proporcionado pela internet,
121

1. Pode ser visualizado


a construção de um blog permite a como ela conseguiu conquistar um
no site:
troca de experiências entre unidades, espaço no meio científico em Campo
institutos e escritórios da Fiocruz de Grande e quais as perspectivas futuras
todo o país, além de dar acesso ao para uma jovem que se interesse pela
material produzido, para todos que carreira científica no estado de Mato
se interessarem pelo tema. Durante Grosso do Sul. 2. Instagram
todo o projeto, houve a orientação
das jovens na pesquisa na internet, Foram também selecionadas
por meio de reuniões presenciais (no reportagens, artigos, teses acadêmicas
início) e on-line (durante o período de e filmes disponíveis no YouTube
distanciamento social). sobre a presença da mulher no meio 3. Disponível em:
científico, no passado, no presente e no
Nas primeiras reuniões, foi discutido futuro, utilizados para a pesquisa e para
e elaborado o roteiro a ser seguido a alimentação do blog1.
nas entrevistas (presenciais e on-
line). As meninas foram encorajadas Por iniciativa das alunas, acatada
a identificar mulheres que ocupam pelos moderadores e amplamente
posições de destaque no meio incentivada pelos pesquisadores, as
científico na cidade de Campo Grande, meninas criaram também o perfil @
além de jovens pesquisadoras, como elasnaciencia2 no Instagram, que
bolsistas de Iniciação Científica, atualmente conta com 248 seguidores.
mestrandas, doutorandas, pós-
doutorandas e demais acadêmicas Nesse perfil, criado e administrado
que contribuem para o avanço da pelas alunas, elas divulgam o projeto.
ciência em Mato Grosso do Sul. Essa O lançamento do blog “Elas na
identificação permitiu entrevistas Ciência” foi realizado na Câmara
e bate-papos das meninas com as Municipal de Campo Grande, no Dia
cientistas, gerando material midiático, Internacional das Mulheres e Meninas
que foi incluído no blog. Dentre os na Ciência, em 11 de fevereiro de
temas debatidos nas entrevistas, 2020. Durante o evento, também foi
destacamos: “A carreira científica divulgado o documentário produzido
e o fazer ciência”; “A motivação, a partir das primeiras entrevistas
inspiração e conquistas femininas”; “A das meninas com as pesquisadoras
desigualdade de gênero no exercício da Fiocruz MS, intitulado “Elas na
da atividade cientifica”; “A existência Ciência – Fiocruz”3. A convite da
de entraves para a participação da direção da E. E. Professor Silvio
mulher na ciência”; e “A carreira e Oliveira dos Santos, um segundo
ascensão da mulher no universo evento de lançamento ocorreu na
científico”. Com destaque para as própria escola, no dia 12 de março de
“Histórias de Vida” (NOGUEIRA et 2020, em alusão ao Dia Internacional
al., 2017) de mulheres cientistas, em da Mulher (8 de março).
que se perguntou a cada entrevistada
122

Em 11 de fevereiro de 2021, durante o REFERÊNCIAS


webinar “Elas nos Games: apostando AGUIAR, Neuma. Patriarcado, sociedade e
na Ciência”, organizado pela equipe de patrimonialismo. Sociedade e Estado. v. 15, n.
pesquisadores da Fiocruz, em parceria 2, p. 303-330, 2000.
com professores da Universidade
Anhanguera-Uniderp, como atividade FIGUEIREDO, Alice Sueiro et al. Índice de
da “Mostra Educacional Gamer: qualidade de vida urbana de Campo Grande-
Jogando com a Saúde Única”, a MS. Campo Grande: PLANURB, 2008. 31 p.
professora mediadora apresentou sua
percepção sobre o desenvolvimento do FREITAS, Marcel de Almeida; PEREIRA,
projeto. No final da apresentação, ela Eduardo Godinho. A inexpressiva
destacou a importância e o sucesso da representação feminina nas academias
ação: “Como professora mediadora, tive científicas brasileiras e no prêmio Nobel. Ex
contato direto com as meninas e vejo aequo, n. 36, p. 189-202, 2017.
quais as vantagens de se colocar essas
alunas em contato com as instituições GEBRIM, Luciana Maibashi; BORGES, Paulo
de pesquisa, desenvolvendo um olhar Cesar Correa Violência de gênero: tipificar
diferenciado, uma escola pública, de ou não o femicídio/feminicídio? Revista de
periferia, conseguir se aproximar dessas Informação Legislativa, Brasília, ano 51, n.
pesquisadoras, descobrir qual a sua 202, p. 59-75, abr./jun. 2014.
história, quais as suas trajetórias, de
que forma elas conseguiram alcançar os NOGUEIRA, Maria Luisa Magalhaes;
méritos, quais as pesquisas vêm sendo BARROS, Vanessa Andrade de; ARAUJO,
realizadas por elas, sob o enfoque de Adriana Dias Gomide; PIMENTA, Denise
aproximar, conscientizar essas meninas Aparecida Oliveira. O método de história
sobre o engajamento, despertando de vida: a exigência de um encontro em
nelas a vontade de fazer ciência”. tempos de aceleração. Pesquisas e Práticas
Psicossociais, v. 12, n. 2, p. 466-485, 2017.

SILVA, Fabiane Ferreira; RIBEIRO, Paula Regina


Costa. Trajetórias de mulheres na ciência: “ser
cientista” e “ser mulher”. Ciência & Educação
(Bauru), v. 20, n. 2, p. 449-466, 2014.

VELHO, L. Prefácio. In: SANTOS, L. W.;


ICHIKAWA, E. Y.; CARGANO, D. F. (org.).
Ciência, Tecnologia e Gênero: desvelando o
feminino na construção do conhecimento.
Londrina: IAPAR, 2006.
123
124

FORTALECER
TERRITÓRIOS POR
MEIO DA ATRAÇÃO
DE MAIS MENINAS
E MULHERES
À CIÊNCIA
125

INICIATIVAS DA FIOCRUZ MINAS PARA


FORTALECER DIFERENTES TERRITÓRIOS
A PARTIR DA ATRAÇÃO DE MAIS
MENINAS E MULHERES NA CIÊNCIA
[FIOCRUZ MINAS GERAIS - INSTITUTO RENÉ RACHOU]

ZÉLIA MARIA PROFETA DA LUZ, CAROLINA CUNHA MONTEIRO,


CRISTIANA FERREIRA ALVES DE BRITO,
PALOMA FERREIRA COELHO SILVA, PAULA DIAS BEVILACQUA E
STEPHANIE DOS SANTOS CABRAL
Atualmente, há um número expressivo de mulheres em muitas universidades e
instituições de pesquisa. Contudo, tendem a se concentrar em ciências sociais
e da saúde (SILVA; RIBEIRO, 2014). Nas áreas tecnológicas, como engenharia,
matemática e computação, as mulheres compreendem apenas cerca de 25%. A
participação das mulheres como inventoras também é baixa, embora se perceba
um pequeno aumento entre os períodos 1996 – 2000 (10%) e 2011 – 2015
(14%) (ELSEVIER, 2017).

O ambiente científico é baseado mais adequadas para a produção do


em valores e padrões masculinos conhecimento científico.
que ainda restringem, dificultam
e direcionam a participação e Essas desigualdades são ainda maiores
trajetória das mulheres. Também são quando abordamos a condição das
recorrentes os preconceitos de gênero, mulheres negras, sujeitas a uma
como discursos que inferiorizam a combinação de opressões – gênero
mulher em função do sexo. Mulheres e raça. Suas vidas e trajetórias,
são estereotipadas como detentoras quando mencionadas na história,
de um desenvolvimento cognitivo são contadas pela perspectiva de
inferior ao dos homens, dotadas de homens brancos, vinculando-as às
emoção em vez de razão. Isso ocorre representações da escravizada e
mesmo de modo velado e banalizado, da mãe preta. A elas é destinado o
associado a uma naturalização de mero papel de servir, enraizado no
características masculinas como imaginário social. Portanto, mesmo
126

na contemporaneidade, a mulher negra sofre o e memórias do bairro, relacionando-os com a sua


reflexo do passado colonial, colaborando para trajetória de vida. Foi produzido um vídeo1 desse
que até hoje lhe sejam destinadas ocupações de encontro, exibido em evento que contou com a
menor prestígio e remuneração (SILVA, 2016). presença das moradoras.
O projeto “Iniciativas da Fiocruz Minas para
fortalecer diferentes territórios a partir da Com o eixo que se direciona aos territórios
atração de mais meninas e mulheres na atingidos por barragens, foram feitos contatos
ciência”, do Instituto René Rachou (IRR), com mulheres dali, identificadas por suas
objetivou estimular tanto o desenvolvimento atuações como representantes das comunidades
de projetos na perspectiva da ciência cidadã nos debates em defesa dos direitos dos atingidos.
quanto o interesse de alunas de escola pública
pela ciência, além de fortalecer as atividades As atividades se iniciaram com a realização
da instituição no seu entorno. A agenda deu de um evento no dia 11 de fevereiro de 2020,
início a um programa intitulado “Enfrentamento em comemoração ao Dia Internacional das
da violência de gênero e raça e iniciativas Mulheres e Meninas na Ciência, no qual foi
promotoras da igualdade de gênero e raça”, que debatido, em roda de conversa, o tema “O
visa fortalecer territórios por meio da atração de conhecimento produzido por mulheres”.
mais meninas e mulheres à ciência. Participaram alunas de duas escolas
A iniciativa previa a formação de mulheres estaduais, moradoras do Barro Preto, mulheres
e meninas para a elaboração e execução de representantes do Movimento dos Atingidos
pesquisas que abordassem questões relevantes por Barragens (MAB) e as pesquisadoras
em dois territórios: a cidade de Brumadinho e do Instituto René Rachou. Durante a roda,
o Barro Preto, bairro onde se localiza a Fiocruz as participantes apresentaram as suas
em Belo Horizonte. O programa se dividiu em produções e saberes, em uma programação
três eixos de atuação: 1) iniciação científica de que envolveu debate, exibição e discussão do
alunas de ensino médio de escola pública; 2) filme “Semeando vida – Práticas Integrativas e
construção da memória do Barro Preto a partir Complementares em Saúde (Pics)”, exposição
das trajetórias de vida de mulheres residentes de bordados sobre os problemas enfrentados
ou trabalhadoras do bairro; 3) pesquisa-ação pelas mulheres que vivem em áreas de
com as mulheres atingidas pelo rompimento das mineração, do projeto “Arpileras”, além de
Barragens da Vale. sessão de fotos no muro da Fiocruz Minas.

Tal projeto foi apresentado para a chefe da equipe O encontro representou uma oportunidade para
de Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O as participantes conhecerem o Instituto René
objetivo da reunião foi identificar junto aos ACS Rachou e a trajetória acadêmica e profissional de
moradoras que pudessem participar do projeto. algumas pesquisadoras. Houve, ainda, o início
Além disso, foi feito um contato com duas de uma aproximação da Fiocruz Minas com a
costureiras muito conhecidas no bairro e, a partir comunidade local, interação que as moradoras
disso, recebemos indicações de outras mulheres. ressaltaram ser importante no âmbito de
Reunimos quatro dessas mulheres em uma atuação do Instituto. A roda de conversa foi um
conversa informal na casa de uma delas para que momento marcante de contato inicial e de troca
pudessem falar sobre histórias, acontecimentos de experiências entre as participantes dos três
127

1. O vídeo das moradoras


eixos do projeto e a comunidade da as instituições de ensino e pesquisa,
do Barro Preto pode ser
Fiocruz Minas. Por fim, a discussão como a Fiocruz, vêm se adaptando acessado no link:
sobre ciência cidadã suscitou um às ferramentas tecnológicas no
debate relevante em torno da desenvolvimento de suas atividades, o
pluralidade de formas de produção que permitiria planejar novos formatos
do conhecimento, ideia que norteia o para a realização de pesquisas e de
desenvolvimento do projeto2. cursos de formação. 2. O vídeo sobre
o evento pode ser
visualizado no site:
As medidas de distanciamento
social adotadas para a prevenção REFERÊNCIAS
da Covid-19 impossibilitaram a ELSEVIER. Gender in the Global Research
continuidade do projeto. Frente a Landscape. [S./l.]: Elsevier, 2017.
essas dificuldades, o encerramento
ocorreu mediante a participação SILVA, Daiane Severo da. Gênero, Raça
do IRR no evento on-line do “Dia e Classe: Discursos de Mulheres negras.
Internacional de Mulheres e Meninas Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
na Ciência”, realizado pela Fiocruz – Universidade Vale do Rio dos Sinos, São
entre os dias 10 e 12 de fevereiro de Leopoldo, 2016.
2021, com transmissões abertas ao
público nos dois últimos dias, através SILVA, Fabiane Ferreira; RIBEIRO, Paula Regina
do canal da Fiocruz no YouTube. Costa. Trajetórias de mulheres na ciência: “ser
cientista” e “ser mulher”. Ciência & Educação
Embora o contexto da crise (Bauru), v. 20, n. 2, p. 449-466, 2014.
sanitária tenha impossibilitado o
desenvolvimento do projeto como
planejado, acredita-se que as
propostas dos três eixos poderiam
ser executadas em outro momento,
principalmente após o retorno das
aulas das escolas públicas estaduais,
ainda que no modo remoto. Se antes
da paralisação já tivessem sido feitas
as articulações necessárias para o
desenvolvimento das atividades, teria
sido possível dar seguimento utilizando
o recurso do projeto na aquisição
de equipamentos e de condições de
acesso à internet para as alunas das
escolas participantes. Por isso, cabe
ressaltar a importância da continuidade
das ações neste momento em que
128

VALORIZANDO A
DIVERSIDADE PARA
UM MUNDO MAIS
INCLUSIVO E UMA
CIÊNCIA MELHOR,
PORQUE MAIS
ABRANGENTE E
POTENCIALIZADA
129

NO RASTRO DE MERIT
[FIOCRUZ PARANÁ – INSTITUTO CARLOS CHAGAS]

MARIA DAS GRAÇAS ROJAS SOTO

O projeto do Instituto Carlos Chagas (ICC – Fiocruz Paraná) intitulado “No


Rastro de Merit” tem a proposta de resgatar a história de cientistas mulheres
do passado, valorizar as cientistas do presente e inspirar vocações científicas
de meninas para o futuro.

Considerada por muitos anos Desse modo, o projeto consistiu


a primeira mulher cientista da em três ações ao longo de um ano:
história, Merit Ptah viveu no Egito, “Cafeminina”, “Cientista-Madrinha”
possivelmente, em 2700 a.C. Nascida e criação do jogo de tabuleiro
na África, teria praticado as artes no “Rastro de Merit”. Teve como
medicinais da cura. Estudos atuais objetivos estimular o interesse de
questionam sua historicidade, crianças e adolescentes pela ciência
atribuindo a Peseshet, nascida no e tecnologia; incentivar meninas para
Egito, aproximadamente, em 2100 o ingresso em carreiras científicas; e
a.C., o primeiro registro de mulher possibilitar a troca de experiências e
praticando ciência. expectativas entre jovens aspirantes
à carreira científica e profissionais
Seguindo o rastro dessas contemporâneas dedicadas à área de
mulheres, esta proposta envolve Ciência e Tecnologia (C&T).
o reconhecimento das que
historicamente se destacaram na A primeira ação, Cafeminina1, ocorreu
atuação científica, aquelas cujas no dia 11 de fevereiro de 2020, em
carreiras científicas estão em comemoração ao Dia Internacional
construção, e as que, ainda meninas, de Mulheres e Meninas na Ciência.
aspiram trilhar esse caminho. Por meio Foi enviado um convite para mulheres
de encontros informais, mediados que atuam nas instituições científicas
por jogos e representações, tem o ICC – Fiocruz Paraná, Instituto
intuito de fortalecer a importância e o de Biologia Molecular do Paraná
reconhecimento da atuação da mulher (IBMP) e Instituto de Tecnologia
na ciência, valorizando a diversidade do Paraná (Tecpar) para participar
para um mundo mais inclusivo e de um coffee break seguido de
uma ciência melhor, porque mais roda de conversa após a exibição
abrangente e potencializada. do filme “Estrelas além do Tempo”.
130

Foram 40 participantes ao todo, As meninas inscritas escreveram


das quais 30 permaneceram na uma carta às suas aspirantes a
roda de conversa. Dentre estas, 26 madrinhas relatando o seu desejo,
responderam a um questionário, que iniciada pela frase “Cientista-
serviu de base a uma caracterização Madrinha, que queria tanto...!”.
das participantes. Entre os fatores
que dificultam a performance das AS CARTAS RECEBIDAS
mulheres na instituição, 50% das REVELAM AS PERSPECTIVAS
participantes apontaram a ausência INSPIRADORAS DAS MENINAS
de credibilidade, seguida por assédio SOBRE AS CIÊNCIAS E O LUGAR
(25%) e pela dificuldade de participar DA MULHER NAS CIÊNCIAS.
de congressos (25%). Discriminação, ALGUNS DOS FRAGMENTOS
machismo, problemas de saúde e DAS CARTAS MOSTRAM A
excesso de responsabilidade com EMOÇÃO DAS MENINAS A
os filhos foram citados como razões PARTIR DA OPORTUNIDADE:
que diminuem a produtividade na Desde pequena, sempre fui muito curiosa.
instituição científica. O microscópio e o telescópio que meu pai
comprou foram meus melhores brinquedos!
A ação “Cientista-Madrinha” Quando me machuquei, coloquei meu
foi realizada com estudantes sangue na lâmina e me impressionei com
meninas do ensino fundamental I o que estava vendo. O máximo que podia
e II, ensino médio e ensino médio ampliar era 450 vezes, mas me sentia “A
profissionalizante, de escolas Pesquisadora”.
públicas e particulares de Curitiba
e região metropolitana. Por meio Assistindo a Titãs, me deparei com a
de uma chamada pública2, foram Doutora Eve Watson, que juntou os
selecionadas 57 estudantes para genes de duas pessoas e criou um ser
passar um dia no Instituto Carlos nos Laboratórios Cadmus. Não que eu
Chagas, acompanhadas de cientistas planeje fazer o mesmo, mas comecei a me
mulheres designadas como suas interessar mais por genética desde então.
madrinhas, para lhes mostrar o dia a Será com orgulho que, quando ganhar meu
dia da profissão, formas de atuação, primeiro Prêmio Nobel, direi que o Instituto
possibilidades e desafios, e relatar Carlos Chagas me ajudou a determinar
as experiências na área de ciência meu ramo de pesquisas e contribuir com o
e tecnologia. Houve adesão de 30 destaque feminino nas ciências.
pesquisadoras para adotar uma ou
duas afilhadas por um dia.
131

1. O vídeo de divulgação da ação


O último eixo consistiu na elaboração e no
Cafeminina está disponível em:
lançamento do jogo de tabuleiro3 “No Rastro de
Merit”, que resgata a história das mulheres na
ciência, valoriza as cientistas contemporâneas
e incentiva meninas às carreiras científicas,
sintetizando o projeto todo em um instrumental
lúdico. O lançamento do jogo foi realizado
pelas plataformas Zoom e YouTube, no dia 20 2. O edital encontra-se disponível
no link:
de abril de 2021, e contou com a presença da
presidente da Fiocruz, Dra. Nísia Trindade Lima,
que inspirou as estudantes da ação Cientista-
Madrinha presentes ao evento4. Após o
lançamento, a direção do ICC produziu e enviou
o jogo a todas as estudantes participantes da
3. O jogo pode ser acessado e baixado
ação “Cientista-Madrinha”.
pelo site:

A última ação, que envolve visita ao instituto,


ainda não foi concluída devido à pandemia. No
entanto, foi mantido contato com as estudantes
que estiveram presentes ao lançamento do jogo
e vêm participando de encontros para discussão
de assuntos científicos, aguardando o momento
O vídeo tutorial, ensinando a jogar, está
em que lhes será possível ter o seu dia de na plataforma YouTube:
cientista com suas madrinhas no ICC.

4. Pode ser visualizado no link:


132

AMPLIAR O NÚMERO DE
MULHERES QUE ATUAM
NA CIÊNCIA, TRAZENDO
PARA A INSTITUIÇÃO
MENINAS QUE VIVEM
EM TERRITÓRIOS
VULNERÁVEIS
133

MEU VERÃO NA FIOCRUZ


[FIOCRUZ PERNAMBUCO – INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES]

CONSTÂNCIA AYRES

Muitas meninas que iniciam a vida acadêmica e cursam universidades na


área das ciências decidem abandonar a carreira por terem que optar entre
casamento e maternidade e o trabalho acadêmico, que requer dedicação extra
na maioria das vezes. Dessa forma, há uma urgente necessidade de meninas
conhecerem exemplos de mulheres que foram bem-sucedidas em suas escolhas
e que optaram por ser cientistas. É preciso conhecer histórias de sucesso para
mostrar que é possível ser mulher, ter filhos, casar e ser cientista!

A ideia do projeto “Meu Verão para a necessidade e importância da


na Fiocruz” do Instituto Aggeu ocupação dos cargos de poder na
Magalhães (IAM) surgiu com o intuito academia por mais mulheres, visando
de ampliar o número de mulheres à equidade de gênero. As jovens
que atuam na ciência, trazendo para foram orientadas por pesquisadoras
a instituição meninas que vivem altamente qualificadas, dos diferentes
em territórios vulneráveis, com departamentos do IAM.
interesse em fazer pesquisa científica.
A iniciativa visa à valorização da O Projeto “Meu Verão na Fiocruz” foi
participação dessas meninas do executado em sua totalidade. Foram
ensino médio na ciência, garantindo- selecionadas 12 meninas, divididas
lhes acesso às tecnologias de ponta em duplas para realização de estágio
e à prática de atividades científicas. de 60h nos laboratórios do Instituto
Ao mesmo tempo, a oportunidade Aggeu Magalhães (Fiocruz PE), em
foi utilizada para discutir e debater janeiro de 2020. A gestão do projeto
o tema das mulheres na ciência na foi realizada pelo Observatório
comunidade científica da Fiocruz. Feminista do Nordeste (OFNE). No dia
11 de fevereiro de 2020, realizamos
Nosso objetivo foi dar oportunidade o seminário “Mulheres na Ciência:
para que essas meninas vivam construindo alternativas para superar
na prática a experiência de fazer as desigualdades raciais e de gênero”
ciência, com o intuito de aumentar no auditório do IAM, a fim de debater
seu interesse e mostrar a realidade temas referentes ao machismo
da vida profissional das mulheres institucional e às desigualdades de
cientistas, e, ao mesmo tempo, alertar gênero e raça na academia.
134

1. Links das Entrevistas:


Efetuamos o pagamento de uma bolsa a • Com ciência ninguém pode: Meninas
cada uma das participantes para custear o e mulheres na ciência (2021).
transporte e a alimentação durante o estágio.
Além das atividades de laboratório, as meninas
realizaram curso de biossegurança, trabalho de
campo, apresentações científicas, e assistiram
à aula sobre ética e integridade em pesquisa. • Mais Meninas na Ciência (2020).
Também participaram de rodas de conversa
com o OFNE sobre racismo, machismo e
questões de interseccionalidade.

O projeto teve grande visibilidade na mídia, • Fiocruz-PE oferece estágio para

incentivar jovens meninas na área da


inclusive em programas de TV nacionais.
ciência. (Bom dia Brasil, 2020)
A visibilidade foi tanta que houve quatro
reportagens de rádio e TV apresentando o
projeto e entrevistando as meninas1.

Ao final, foi elaborado documentário2 em • No dia 10 de fevereiro, o Revista

vídeo para registrar o projeto. Além disso, uma Difusora debate sobre “Mulheres
reportagem relatando a história de vida das na Ciência” e convida para roda de
conversa, Constância Ayres da Fiocruz, e
meninas participantes da Chamada foi publicada
Ingrid Farias do Observatório Feminista
pela Revista Radis na matéria intitulada Meninas do Nordeste, Rádio Frei Caneca.
que fazem o Verão3 .

Lançamos, assim, uma campanha que, além


de divulgar a Fiocruz, promoveu a participação
das mulheres na ciência, atraindo novas jovens. 2. Disponível no link:
Acreditamos que projetos como este devem ser
institucionalizados na Fiocruz e ampliados para
atender a um número maior de meninas.

3. Link para o site da publicação:


FOTO: ASCOM/FIOCRUZ-PE
135
136

NÃO EXISTE A
MULHER UNIVERSAL
BRASILEIRA. AS
MULHERES SÃO
PLURAIS, COM
NECESSIDADES
DIVERSAS
137

INSERIDAS NA CIÊNCIA NÓS MUDAMOS


O MUNDO: MULHERES E MENINAS
NA CIÊNCIA JÁ!
[FIOCRUZ PIAUÍ]

ELAINE FERREIRA DO NASCIMENTO

Desde 2013, em parceria com as instituições de ensino e pesquisa, além das


secretarias municipais de saúde, a Fiocruz Piauí capacitou 172 profissionais
nos cursos de mestrado e doutorado para a docência no ensino superior nas
áreas de Medicina Tropical, Saúde Pública e Coletiva, Epidemiologia, e Saúde da
Criança e Saúde da Mulher. A instituição também proporcionou a qualificação
de profissionais do SUS de nível médio nas áreas de treinamento de recursos
humanos em ações educativas sobre doenças negligenciadas e de registro e
informação em saúde.

Para combater as desigualdades sociais O projeto “Mulheres e Meninas na


da comunidade piauiense como um Ciência” está ancorado nos Objetivos
todo, a instituição realiza ações de do Desenvolvimento Sustentável
popularização da ciência. A proposta (ODS) 4 e 5 da Agenda 2030, que
é aproximar a população do saber visam, respectivamente, “assegurar a
científico e, assim, promover melhoria educação inclusiva e equitativa e de
da qualidade de vida. qualidade, e promover oportunidades
de aprendizagem ao longo da vida
Na Semana Nacional de Ciência e para todas e todos” e “alcançar a
Tecnologia 2018 e 2019, a Fiocruz igualdade de gênero e empoderar
Piauí deu ênfase à participação das todas as mulheres e meninas”. Em
mulheres e meninas nas ações de consonância com os ODS, as práticas
fazer ciência, por meio da iniciativa realizadas pela instituição promovem
do Ministério da Ciência, Tecnologia, o acesso de meninas em idade escolar
Inovações e Comunicações. Durante ao universo da ciência e instigam a
as edições realizadas, o Escritório participação das mulheres cientistas
executou atividades relacionadas a como forma de contribuir para a
doenças negligenciadas, popularização redução das disparidades de gênero e
da ciência, água, bioeconomia e das desigualdades sociais.
sustentabilidade, além de discussões
acerca das sexualidades saudáveis.
138

A iniciativa da Fiocruz Piauí “Inseridas na ciência acessível, explorando as áreas do meio ambiente
nós mudamos o mundo: mulheres e meninas e da saúde humana e animal.
na ciência já!” desenvolveu ações de ciência,
tecnologia e inovação com mulheres e meninas de No evento, a popularização da ciência foi
escola de comunidades rurais. O projeto contribuiu realizada com a apresentação de seis atividades
para aproximar e motivar a população de mulheres dispostas nas salas da “Feira de Ciência”:
e meninas a discutir as implicações da ciência no 1) insetos vetores com a possibilidade de
dia a dia, além de se comprometer a ampliar o visualização pela lupa; 2) parasitos invisíveis
conhecimento sobre temas científicos. Com isso, com um modelo intestinal confeccionado
também foi possível incitar meninas que recém artesanalmente, em que era possível um passeio
chegaram à escola, ou seja, as bem pequenas, a se interno por ele; 3) interação saúde humana
interessarem pelas áreas da ciência, tecnologia e e saúde ambiental, com a maquete de uma
inovação, e incentivar as que já estavam há mais caverna e morcegos empalhados mostrando a
tempo nesses campos, a permanecerem neles. interação desses animais com humanos; 4) um
jogo em forma de tabuleiro gigante em que o
O contato inicial e a apresentação do projeto foram jogador-cientista, ao fazer uma viagem de trem
realizados no curso técnico de Desenvolvimento para chegar à Fiocruz, teria que ajudar a melhorar
de Sistemas do Instituto Federal do Piauí (IFPI) a saúde da comunidade em cada parada; 5)
campus Teresina. Durante a reunião, a proposta biossegurança, enfatizando a indispensabilidade
foi apresentada. A equipe do IFPI aceitou a do uso correto de luvas, jalecos e máscaras,
colaboração e a finalidade dessa parceria foi crucial à pesquisa científica; e 6) corpo humano,
permitir que alunas do ensino fundamental e com a discussão de, por exemplo, o sistema
médio de localidades rurais tivessem acesso ao respiratório e doenças de impacto na saúde
conhecimento científico produzido nesses cursos. pública mundial como a Síndrome Respiratória do
Além disso, foi firmada uma parceria com o Oriente Médio (provocada por coronavírus).
curso de biologia. No segundo momento, houve
o contato inicial e a apresentação do projeto “Eu Para despertar nas crianças a vontade de
Menina sendo Cientista” à Escola Municipal Joca sonhar, na última mesa foi incentivado que
Vieira, localizada na BR-343, km 14, localidade escrevessem em um “post it” o sonho delas para
rural Estaca Zero, em Teresina. o futuro. Esse “post it” foi colado em uma árvore
intitulada “Árvore do sonho”. Nela foi possível
Para comemoração do Dia Internacional de ver os desejos das crianças, que iam de ser
Mulheres e Meninas na Ciência de 2020, a professor a ser cientista1.
Fiocruz Piauí promoveu dois dias de atividades.
No primeiro (10 de fevereiro), foi realizado um No segundo dia, 11 de fevereiro ou Dia M,
dia de cientista mirim para 286 meninas (6 a 14 houve palestras e rodas de conversa sobre “O
anos) do 4º ao 7º ano do ensino fundamental da alcance da igualdade de gênero de mulheres e
mesma escola. As atividades compreenderam meninas na ciência” na Fiocruz Piauí. Um painel
uma exposição denominada “Bem-vindas ao intitulado “Encontro de Gerações Femininas
mundo da ciência”, com o objetivo de promover para a Ciência” apresentou as histórias de vida e
o despertar científico entre mulheres e meninas superação de cada participante, enaltecendo que
de comunidades rurais, de forma lúdica e as mulheres e meninas podem ocupar o espaço
139

1. A reportagem com
que elas desejarem. Parte do painel cientista de cada mulher e menina.
algumas fotos das mesas
teve a interação da plateia, por meio A revista apresentou a estrutura podem ser acessadas
do relato de histórias vivenciadas por de um artigo científico (introdução, no link:
mulheres e meninas em seu mais material e métodos, resultados,
amplo espectro e de perguntas às que discussão, conclusão, agradecimentos
faziam parte do encontro. O público e referências bibliográficas) e
do evento foi de 55 pessoas. constituiu-se de observações sobre o
que uma cientista faz, se as estudantes
Também foi idealizado e produzido conhecem uma cientista mulher, o que
um documentário intitulado “Os é ciência e, ainda, o que elas fariam
meus passos me levam aonde eu caso tivessem a possibilidade de
quiser: mulheres e meninas na ciência realizar uma descoberta para ajudar a
já” sobre as atividades realizadas sua comunidade.
com mulheres e meninas na Escola
Municipal Joca Vieira, no dia 10 É fundamental refletir sobre a
de fevereiro de 2020, e a roda de dimensão continental que o Brasil
conversa, no dia 11 de fevereiro de tem como país, e lembrar que este
2020, na Fiocruz Piauí em menção foi estruturado em cima de uma
ao Dia Internacional de Mulheres organização escravocrata em que
e Meninas na Ciência. O vídeo traz as mulheres negras têm menos
também a experiência desse dia oportunidades em nossa sociedade
por parte de uma estudante e o e, no interior desse segmento,
depoimento de outra aluna sobre alguns grupos terão menos
o que é ser uma cientista. Também oportunidades ainda. As mulheres
há relatos das mulheres e meninas negras quilombolas e indígenas
matriculadas nos cursos tecnológicos acessam os direitos sociais, que
de frequência majoritária masculina. são constitucionais, de forma muito
diferenciada. Para elas, o estímulo
A retomada da proposta em janeiro de ao mundo da ciência é um grande
2021 foi destinada a 286 mulheres e desafio. Esse obstáculo precisa
meninas com idade entre 6 e 15 anos, ser transposto na formulação de
da mesma escola rural de Teresina, e políticas públicas com diretrizes
suas dinâmicas foram reorganizadas interseccionais. Não existe a mulher
conforme as limitações de trabalho e o universal brasileira. As mulheres são
“Plano em defesa da vida – convivência plurais, com necessidades diversas.
com a covid-19”. A divulgação As meninas precisam ser vistas nas
científica baseou-se na confecção suas singularidades e incentivadas a
de uma revista científica mirim e permanecer na educação e a explorar
juvenil intitulada “Revista científica o máximo das suas potencialidades.
mirim/juvenil ciência se faz todo O Estado-Fiocruz precisa se fazer
dia: mulheres e meninas na ciência presente quanto mais distante os
já!”. A ideia foi desenvolver o lado grupos estiverem do centro dos
serviços e das oportunidades.
140

PERPETUAR
O DEBATE DA
PARTICIPAÇÃO
FEMININA NA
CIÊNCIA E A HISTÓRIA
DAS MULHERES
CIENTISTAS
141

MULHERES E MENINAS NA CIÊNCIA


DE RONDÔNIA: UM ELO ENTRE
O PASSADO E O FUTURO
[FIOCRUZ RONDÔNIA]

GENIMAR REBOUÇAS JULIÃO, DEUSILENE SOUZA VIEIRA


DALL’ACQUA, GEISA PAULINO CAPRINI EVARISTO E
JOSÉ GADELHA DA SILVA JUNIOR

A Fiocruz Rondônia é uma comunidade relativamente nova: o estabelecimento


do Escritório Técnico da Fiocruz no estado ocorreu em 2009, com sua sede
na capital, Porto Velho. O grupo é composto por várias pesquisadoras,
técnicas, alunas, colaboradoras da gestão e do setor administrativo, que
se dedicam ao fortalecimento e reconhecimento da Fiocruz regionalmente,
como uma instituição que luta pela saúde, ciência e educação democráticas.
A execução do projeto “Mulheres e Meninas na Ciência de Rondônia: um elo
entre o passado e o futuro” mudou a rotina e ampliou o sentimento de união
e valorização da força feminina na Fundação. A participação das alunas do
ensino fundamental e médio da Escola Estadual E.F.M. Professor Daniel Neri
da Silva foi basal, pois, além de estender o círculo de debate sobre o papel
da mulher na ciência e estimular a participação delas (ainda que jovens) na
pesquisa, fomentou a missão da Fiocruz Rondônia quanto à divulgação de
seus resultados e produtos, fazendo-os chegar à população rondoniense.

Em janeiro de 2020, iniciamos o vespertino e noturno, para todas


planejamento de nossas atividades e as turmas do ensino fundamental e
no dia 11 de fevereiro as comunidades médio. Na quadra esportiva foram
da Fiocruz Rondônia e Escola colocados stands de alunas de pós-
Daniel Neri comemoraram o Dia graduação e das escolares sobre
Internacional das Mulheres e variados temas da ciência. Nas
Meninas na Ciência. Foram realizadas paredes da quadra, banners ilustravam
diversas atividades nas dependências um grupo de Pesquisadoras Pioneiras
da escola, nos turnos matutino, na Ciência Mundial e Brasileira.
142

Nas salas de aula, em regime rotativo, houve Esse resgate foi executado pelas alunas de pós-
exibição de filmes e documentários e Rodas graduação do Laboratório de Entomologia-1 da
de Conversa sobre a vida das pesquisadoras Fiocruz RO e pelas meninas do Clube “A Teia”, da
de neurofarmacologia, microbiologia, virologia, Escola Daniel Neri, e gerou uma cartilha digital.
entomologia, epidemiologia genética, imunologia,
engenharia de anticorpos, bioprospecção etc., Houve também a produção de um podcast,
além de explorar o debate sobre a cientista mãe com arquivos de áudio (MP3, MP4 e OGG)
com dupla jornada, cientista na Amazônia e Primeiramente, as alunas da Escola Daniel
cientista emigrante. Estima-se que cerca de 1.600 Neri redigiram questões, revisadas pelo
estudantes dos três turnos, incluindo a Educação professor supervisor, Gonçalo Soares Monteiro,
de Jovens e Adultos (EJA), tenham participado do e direcionadas às pesquisadoras da Fiocruz.
evento comemorativo. Em seguida, gravaram arquivos de áudio com
as questões, que foram respondidas pelas
No dia seguinte, houve sorteio (duas meninas cientistas, compiladas e editoradas, formando
por turma) para visitação à sede da Fiocruz o podcast. Ainda em 2021, a equipe da Fiocruz
Rondônia, participando 83 estudantes ao todo Rondônia organizou uma mesa-redonda sobre
– tanto da visitação aos laboratórios da Fiocruz a situação das mulheres na ciência e em
Rondônia quanto das palestras ministradas cenários cotidianos, sob diferentes óticas. A
por alunas de pós-graduação (mestrado e abertura foi feita pela Dra. Deusilene Souza
doutorado). As atividades desenvolvidas tiveram Vieira, vice-coordenadora de Ensino, Informação
ampla cobertura da mídia digital, da televisão e Comunicação da Fiocruz Rondônia, e
(entrevistas) e do rádio (debate). pesquisadora integrante do projeto Movimento
de Mulheres Camponesas (MMC-RO). Os
Em 2021, devido às restrições sanitárias da avanços, as conquistas e as lutas vivenciados
pandemia de Covid-19, os eventos da Fiocruz pelas mulheres foram debatidos pelas
ocorreram de forma remota, em plataformas professoras Christiane Silvestrini, do Instituto
digitais. No primeiro dia de ações por mais Federal de Rondônia (IFRO), Lilian Moser, da
mulheres e meninas na ciência, houve Universidade Federal de Rondônia (Unir) e
apresentação das unidades regionais. A Fiocruz Ana Karina Salman, da Empresa Brasileira de
RO sumarizou as atividades desenvolvidas Pesquisa Agropecuária (Embrapa RO), com
em um vídeo com cerca de 10 minutos, no a mediação de Geisa Evaristo (Fiocruz RO).
qual constavam fotos e registros do evento Durante a mesa-redonda, além do papel da
realizado em 2020, depoimentos de estudantes, mulher na ciência, no tema de Saúde Pública
acadêmicas de pós-graduação e pesquisadoras, e na atualidade da pandemia de Covid-19,
e ao final, homenagem às mulheres de Rondônia debateu-se a importância da participação
que se encontram na linha de frente ao combate feminina nas inovações tecnológicas do
do novo coronavírus. De modo remoto, formou- campo, seu protagonismo em iniciativas
se um grupo de estudo para o resgate histórico empreendedoras, além de uma contextualização
das principais personalidades femininas, tanto histórica das mulheres rondonienses. Destacou-
as pioneiras do Brasil em suas áreas temáticas se o papel de nossas alunas e das meninas
quanto aquelas cientistas da atualidade que têm das escolas públicas – que constituem nossos
visibilidade graças às suas conquistas. futuros alicerces e irão perpetuar o debate da
143

1. Outras imagens de
participação feminina na ciência e a história das mulheres
nosso projeto podem ser
cientistas e suas experiências, de forma a reduzir as obtidas na Assessoria de
desigualdades sociais, promovendo avanços na saúde, Comunicação da Fiocruz
educação e ciência, em especial, no estado de Rondônia1. Rondônia.

A EXECUÇÃO DESSE PROJETO NÃO SERIA POSSÍVEL SEM


A ATUAÇÃO DINÂMICA E O EMPENHO DAS MULHERES
E MENINAS DA FIOCRUZ RONDÔNIA, DO PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA EXPERIMENTAL
(PPGBIOEXP/UNIR) E DA REDE DE BIODIVERSIDADE E
BIOTECNOLOGIA DA AMAZÔNIA LEGAL (BIONORTE),
PARA AS QUAIS DEIXAMOS NOSSOS AGRADECIMENTOS,
EM ESPECIAL ÀS PESQUISADORAS NAJLA, SORAYA,
CAROLINA E JULIANA, E ÀS ALUNAS ANNE, FLÁVIA, PAULA
FRASSINETTI, CARLA E EVELYN.
144

ESSA GERAÇÃO
VISLUMBROU
HORIZONTES
QUE ESTÃO
SOB AMEAÇA
145

AÇÕES EDUCATIVAS INSTITUTO NACIONAL DE SAÚDE DA MULHER,


DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE FERNANDES FIGUEIRA

AGENDA LARANJA1
E O PROTAGONISMO JUVENIL NO
CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19
CORINA HELENA FIGUEIRA MENDES

A Agenda Laranja foi criada no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da


Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) em 2016, com o objetivo
de construir espaço de diálogo institucional e com a sociedade, para a
promoção de cultura pelo fim das violências contra mulheres e meninas, a
partir do marco dos direitos humanos.

A iniciativa alinha-se com a campanha do Programa de Pós-Graduação


“Una-se pelo fim da violência contra as em Saúde da Criança e da Mulher
mulheres”, apoiada pela Organização (PGSCM), as professoras do
das Nações Unidas, que tem 25 de programa atuaram como curadoras
novembro como data para mobilização e mediadoras dos encontros, e as
global pelo enfrentamento e fim da alunas, como relatoras.
violência contra mulheres e meninas,
assim como para a promoção da AGENDA LARANJA + MENINAS:
equidade de gênero, sendo a cor laranja CIÊNCIA, GÊNERO E JUVENTUDE
utilizada como símbolo. No início de 2020, a Vice-Presidência
de Educação, Informação e
Até 2019, a Agenda Laranja realizou Comunicação (Vpeic) da Fiocruz
20 encontros presenciais, com promoveu ações em celebração do Dia
a participação de professoras, Internacional de Mulheres e Meninas na
pesquisadoras e alunas de diferentes Ciência. No Rio de Janeiro, as atividades
instituições de ensino e pesquisa; envolveram pesquisadoras de diferentes
gestoras de políticas públicas, unidades que, nos dias 10 e 11 de
representantes da sociedade civil fevereiro, receberam 51 alunas do ensino 1. A Agenda Laranja foi
e de organismos internacionais; médio da rede pública para conhecerem idealizada e é coordenada
desde sua criação pela
trabalhadoras e usuárias dos sistemas laboratórios, processos de trabalho,
autora e pelo Prof.
de saúde, educação, assistência ensino e pesquisa e, o mais importante, Marcos Nascimento,
social, justiça e demais instituições; as trajetórias dessas pesquisadoras, ambos professores do
e pessoas interessadas em temáticas suas escolhas profissionais e suas ações Programa de Pós-
Graduação em Saúde
relacionadas às pautas da Agenda na defesa da ciência, reafirmando o
da Criança e da Mulher
Laranja. Nesse período, buscando espaço acadêmico como lugar também do Instituto Fernandes
a articulação com as atividades das mulheres. Figueira (IFF).
146

No segundo dia do evento, houve um encontro humanos. Os encontros ocorreram de agosto a


na Tenda da Ciência Virgínia Schall para troca de dezembro e foram transmitidos pelo canal da
experiências. Nessa ocasião, tive a oportunidade Agenda Laranja IFF3. No YouTube, houve mais
de falar sobre a Agenda Laranja e, ao final, uma de 1.500 visualizações.
das meninas pediu o meu contato, pois desejava
saber mais sobre a iniciativa. No fim de semana Antes do início das lives, a partir de entrevista coletiva
seguinte, ela me procurou e formamos um grupo ao portal Mulheres e Meninas na Ciência na Fiocruz,
de WhatsApp com a participação de 27 meninas. algumas das meninas resolveram se organizar como
grupo. Nascia o Motirõ, que em tupi guarani significa
Iniciei então uma relação de mentoria com as reunião de pessoas para colher ou construir algo
jovens, que tem incluído encontros coletivos e juntas, umas ajudando as outras. Em seguida, criaram
conversas individuais com o objetivo de refletir no Instagran o perfil @grupo.motiro4, com o
sobre gênero, representatividade, educação e objetivo de divulgar atividades da Agenda Laranja
ciência. Dentre as atividades realizadas, destaco + Meninas e pautas voltadas para divulgação
a Oficina de escrita de cartas para si mesmas no científica, saúde pública e direitos humanos.
futuro, como estratégia de elaboração e registro
da experiência de terem participado do Dia O trabalho com as jovens teve apoio do
Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência na Programa Mais Mulheres e Meninas na Ciência
Fiocruz. O acervo dessas cartas foi utilizado como da Fiocruz, que me convidou para coordenar
fonte primária para a elaboração de manuscrito uma atividade com o Motirõ, voltada à
(relato de experiência) submetido a uma revista programação do Dia Internacional das Mulheres
de saúde coletiva em que 16 jovens foram autoras, e Meninas na Ciência de 2021. O objetivo foi a
tendo elas criado seus currículos Lattes e Orcid, proposição de pautas sobre gênero, juventude
de forma colaborativa, em função das dificuldades e ciência, que pudessem contribuir para o
de acesso digital. O material também foi utilizado planejamento de políticas institucionais, a partir
para a criação do roteiro do vídeo Cartas ao das perspectivas das jovens.
futuro2 produzido pela Vpeic, em 2021.
AGENDA LARANJA E MOTIRÕ:
Outra ação em 2020 foi a produção da série de ANO 2 DA PANDEMIA DE COVID-19
lives Agenda Laranja+Meninas, composta de A pandemia de Covid-19 incrementou iniquidades,
cinco encontros em que as pautas, produção já que em momentos de crise securitária global
de arte, divulgação, mediação e relatoria foram são expostos antigos problemas estruturais, como
realizadas pelas jovens. Os eixos das pautas a desigualdade de gênero. No caso de períodos
eram gênero, ciência, representatividade e prolongados de isolamento, é preciso estar atento
juventude; nos encontros, abordaram-se os às disparidades de gênero e geracionais, que
temas: projetos de vida; divisão sexual do colocam mulheres de diferentes idades em situação
trabalho e do cuidado; o trabalho acadêmico de maiores vulnerabilidades, local e globalmente.
durante a pandemia de Covid-19; privacidade,
segurança e sociabilidade nos espaços digitais; Algumas meninas não voltarão às escolas ou
trajetórias e lugares de poder; representatividade não manterão seus planos de ser acadêmicas
política; racismo, LGTB+ e sexismo; ativismos e cientistas no futuro, e muitas adaptarão
e participação social; e juventude e direitos seus projetos de vida em função de gravidezes
147

2. Link para o
Cartas ao Futuro:

3. Canal Agenda
Laranja/Motirõ:

4. Perfil do Grupo Motiro

precoces. A desigualdade de gênero permanece nas relações


O Motirõ fez um ano, oito meninas
públicas e privadas, retratadas pela divisão sexual do cuidado
entraram para universidade, outras
e do trabalho; interrupção do processo de escolarização;
persistem em seus planos de carreiras
vulnerabilidade a diversas expressões de violência, além do
acadêmicas. Como uma delas me
racismo, misoginia e LGBTfobia, que se exacerbaram durante
disse, quando eram crianças “existia
a pandemia. A ruptura e as irregularidades no processo de
o Ciência sem Fronteiras, hoje não
escolarização, incrementados pela conjuntura em que aexiste mais”. Essa geração vislumbrou
ciência é negada e o desemprego e o subemprego crescem,
horizontes que estão sob ameaça
ampliam as demandas dirigidas às jovens para acumularem
com o desinvestimento em educação
responsabilidades domésticas e participarem do orçamento
de qualidade, ameaça às instituições
familiar. O risco de ampliação das iniquidades de gênero e
de ensino e pesquisa, retrocesso
de perda geracional é uma real ameaça para as meninas que
nas políticas públicas de inclusão e
sonharam um dia ser também parte da Fiocruz. ampliação de direitos. Pela frente, elas
têm que enfrentar velhos problemas
Devemos estar atentos aos desafios para construirmos estruturais, como violência de gênero,
novas estratégias. racismo estrutural e barreiras no acesso
à saúde sexual e reprodutiva, além
A AGENDA LARANJA SE REAFIRMA NESSE LUGAR de novos desafios, como a atenção à
DE PROMOÇÃO DE ESPAÇOS DE REFLEXÃO saúde mental e a iniquidade digital. Mas
SOBRE O FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES também são elas que engendram outras
E MENINAS, ASSIM COMO O ENFRENTAMENTO formas de ativismo e que, com seus
DE INIQUIDADES SOCIAIS, EM ESPECIAL AS DE engajamentos juvenis, começam a tirar
GÊNERO, AS RACIAIS E AS GERACIONAIS. da invisibilidade violações à dignidade
humana, como o caso da pobreza
menstrual que afeta milhões de pessoas.
148

FORTALECER AS
POSSIBILIDADES
DE INSERÇÃO DE
MENINAS NEGRAS NO
CAMPO CIENTÍFICO
149

CASA DE OSWALDO CRUZ

MENINAS NEGRAS NA CIÊNCIA:


A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA COMO
ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE,
DA CIDADANIA E DO EMPODERAMENTO
HILDA GOMES E ALINE PESSOA

Em 2017, o projeto Meninas Negras na Ciência foi idealizado por nós – Hilda
Gomes e Aline Pessoa –, no âmbito do Museu da Vida/Fiocruz, a partir do
trabalho desenvolvido como educadoras na relação com diferentes públicos.
Para reforçar o compromisso social e político, reconhecemos a importância da
Agenda 2030, adotada em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
cujo mote é “não deixar ninguém para trás”, fazendo referência à promoção
do desenvolvimento de mulheres e meninas, durante os próximos 15 anos.
Dados da ONU Brasil de 2017 evidenciam que, apesar dos importantes
avanços das políticas de ações afirmativas, apenas 12% das mulheres negras
têm acesso ao ensino superior, contra 23% dos(as) brancos(as). Assim, esse
projeto dialoga com nove metas atreladas ao ODS 5, que vislumbra, de forma
global, o alcance da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as
mulheres e meninas.

Considerando esse contexto, o projeto Merck S/A tornou-se parceira e


foi delineado com o propósito de viabilizou a realização do projeto.
divulgar e popularizar a ciência como
estratégia de promoção da saúde e Contudo, em virtude da pandemia de
da cidadania para meninas negras Covid-19, o projeto que aconteceria
estudantes do ensino médio de escolas por meio de atividades educativo-
públicas localizadas em territórios culturais realizadas presencialmente
socialmente vulnerabilizados da cidade precisou ser adaptado ao formato
do Rio de Janeiro. Cabe destacar que on-line. Assim, através de plataformas
esse público foi escolhido por ser digitais, seguiu-se o percurso e
invisibilizado nas carreiras de ciência realizaram-se os processos de seleção
e tecnologia. Em 2019, a proposta foi para composição da equipe – uma
submetida pela terceira vez, agora a cientista social, uma estudante de
um edital de fomento internacional, e, jornalismo e uma designer – e das
com isso, a farmacêutica multinacional participantes do projeto.
FOTO: JEFERSON MENDONÇA
150

Embora houvesse a expectativa de selecionar Uma vez configurados os ajustes necessários,


25 meninas, o retorno das inscrições não foi essa etapa do projeto aconteceu entre dezembro
como o esperado e, por esse motivo, alguns de 2020 e julho de 2021 com a presença de
ajustes na chamada pública foram necessários, dez meninas negras, na faixa etária entre 16 e
inclusive a ampliação do recorte geográfico de 19 anos, residentes nas zonas norte e oeste do
participação para estudantes de escolas públicas Rio de Janeiro. Foram realizadas 21 atividades
de diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro. síncronas e 15 assíncronas, que aconteceram em
Analisamos a questão da baixa procura nos parceria com uma rede de trabalho colaborativo e
territórios socialmente vulnerabilizados de Maré, participação de cientistas e movimentos sociais.
Manguinhos, Jacarezinho e Alemão (foco inicial As metas envolveram a produção de um vídeo, a
do projeto) e reafirmamos como o atravessamento criação do perfil @meninasnegrasnaciencia1 no
da desigualdade social acumula impossibilidades, Instagram, com postagens semanais de conteúdo
como a dificuldade no acesso à internet e na relacionado aos temas debatidos no projeto e a
aquisição de notebooks. Esses aspectos são seção “Cientistas Negras”, a participação em lives
fundamentais para uma segunda edição do projeto. e a produção de artigo acadêmico (em curso).
151

1. Perfil do projeto Meninas


A produção do audiovisual “Meninas projeto, ultrapassamos limites que
Negras na Ciência:
Negras na Ciência: fortalecendo a pareciam intransponíveis. A cada
diversidade”2 encerra esta edição convidada, nosso agradecimento
como um produto do projeto. por generosamente participar
conosco, contribuindo para reflexão e
Por força do contexto pandêmico e empoderamento do grupo.
da necessidade de distanciamento
social, o curta foi elaborado a partir de FIZEMOS ACONTECER 2. Link do teaser
documentário” Meninas Negras na
conteúdo digital multimídia produzido POR MEIO DO TRABALHO
Ciência: fortalecendo a diversidade”
nos encontros e de postagens COLETIVO, E ACREDITAMOS
nas redes sociais, protagonizado NA POTÊNCIA DO PROJETO,
pelas integrantes do projeto, por QUE TEM MUITO MAIS A
convidadas e pela equipe. Seu DESENVOLVER.
objetivo está centrado em fortalecer
as possibilidades de inserção de Este “até breve” se faz necessário e
meninas negras no campo científico, urgente para que a resiliência presente
destacando a importância das redes de e o esperançar sigam firmes na luta
apoio e políticas públicas. A narrativa em favor dos direitos de as meninas
apresenta a história e identidade do negras ocuparem todos os espaços
projeto, entrelaçando vozes, desejos, que desejarem. Esse esforço não
conquistas e desafios. Destaca ainda pode ficar somente no desejo, pois
um recorte da realidade no que tange a construção de políticas públicas é
às questões que envolvem todas as que fortalece as ações afirmativas,
formas de violência e as que atingem promove a representatividade
a população negra, em especial as e contribui para a redução das
juventudes periféricas. desigualdades sociais.

Chegamos ao final desta edição


com muita gratidão por termos
feito o possível, dentro de uma
realidade caótica de pandemia.
Trabalhamos muito e superamos
os desafios que se impuseram
desde o início. Estamos dizendo
um “até breve”, porque temos
certeza de que o Meninas Negras
na Ciência não termina aqui! Como
equipe, construímos uma rede
de relacionamento interpessoal
e, com as dez integrantes do
152

PROMOVER A
IGUALDADE DE
GÊNERO É UM
COMPROMISSO
INSTITUCIONAL
DA FIOCRUZ
153

VICE-PRESIDÊNCIA DE EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

MENINA HOJE, CIENTISTA AMANHÃ


OLIMPÍADA BRASILEIRA DE SAÚDE E MEIO AMBIENTE

CRISTINA ARARIPE FERREIRA, JOÃO MARCELLO BOUERI


ROSSIGNEUX E VALENTINA DOS SANTOS LEITE
“Ninguém fica para trás”. Esse é o lema principal da Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, adotada em setembro de 2015 por 193 países-
membros durante a Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está alinhada aos 17
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Agenda
2030, o que frisa o compromisso estratégico da instituição de promoção da
saúde e de garantia dos direitos dos cidadãos brasileiros. Em consonância
com o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, a Fiocruz busca um futuro
mais igualitário, solidário e sustentável para as atuais e as próximas gerações.

Um dos projetos da Fundação de trabalhos que contribuam para a


responsáveis pela promoção dos 17 melhoria das condições ambientais e
ODS é a Olimpíada Brasileira de de saúde no país.
Saúde e Meio Ambiente (Obsma)1.
Voltada a alunos de colégios públicos Com a Obsma, a Fiocruz colabora
e privados de todo o Brasil, a também para uma sociedade com
Olimpíada acontece a cada dois anos menos iniquidades e mais justiça social
desde 2001, incentivando estudantes, e ambiental. Os temas da redução
professores e escolas da Educação das desigualdades e da valorização
Básica a realizarem trabalhos ou da diversidade, tais como previstos 1. É possível acessar
diretamente o site
projetos pedagógicos. Sendo um no Plano Nacional de Educação da Obsma: .
dos seus pilares a promoção das (2014-2024), são considerados
discussões de saúde e meio ambiente, pela instituição como “caminhos
a Obsma cria espaços de discussão imprescindíveis para a equidade”.
e reflexão sobre a construção de
outra realidade possível. O objetivo Nesse sentido, o ODS 5 busca
é fortalecer nos estudantes o desejo reduzir as desigualdades no acesso
de aprender, conhecer, pesquisar, à educação, à saúde, à propriedade e
investigar e estimular a realização à produção científica entre homens
154

2. Para saber mais sobre


e mulheres, objetivando garantir A cada uma das edições do Prêmio,
o prêmio da 10ª edição,
e promover vida digna para todas uma cientista de destaque terá a sua visite o link:
as mulheres (cis e transgênero) trajetória homenageada. Na edição de
dentro dos limites planetários. estreia, a escolhida foi a pesquisadora
Entendendo seu papel como agente herpetóloga Bertha Maria Júlia Lutz,
de transformação social desde a sua uma das cientistas brasileiras mais
origem, a Fiocruz também estimula brilhantes da história e da Fiocruz. A O livro digital pode ser
iniciativas que permitam às meninas de homenageada na 11ª edição da Obsma baixado pelo link:

hoje se tornarem cientistas amanhã, de (2021) é a protozoologista Maria von


modo a ampliar a presença delas nos Paumgartten Deane, que, junto a seu
campos da ciência e tecnologia. marido, nomeia a Fiocruz Amazônia –
Instituto Leônidas e Maria Deane3.
É nesse contexto que nasce o prêmio
3. Link do prêmio
“Menina Hoje, Cientista Amanhã”, O prêmio é destinado a alunas e da 11a edição:
lançado em 2020 – na 10ª edição professoras do 6º ao 9º ano do Ensino
da Olimpíada – junto a um livro Fundamental e de todos os anos do
digital homônimo em comemoração Ensino Médio (incluindo Educação
aos 120 anos da instituição. A de Jovens e Adultos – EJA). A cada
finalidade do Prêmio2 é incentivar o premiação, será selecionado um
debate sobre igualdade de gênero e trabalho ou projeto inscrito que tenha
trajetórias profissionais femininas, sido desenvolvido exclusivamente por
além de realçar a importância de meninas e mulheres.
que as mulheres obtenham acesso à
educação de qualidade e aos recursos Afinal, promover a igualdade
de ciência e tecnologia. de gênero é um compromisso
institucional da Fiocruz.
155
156

CANTE, ESTUDE,
SE DIVIRTA, FAÇA
ARTE E LEVE O
CONHECIMENTO
AO MUNDO, POIS
O CONHECIMENTO
MOVE MONTANHAS!
157

VOZES DO FUTURO: NARRATIVAS


SOBRE MAIS MENINAS NA CIÊNCIA

AMANDA FORTE FERREIRA, ANANDA SANTANA MATEUS,


CAMILY EVANGELISTA DE ALMEIDA, CLAUDILENE SILVA
GONÇALVES, CORINA HELENA FIGUEIRA MENDES , DAIANA
GALDINO PINTO DA SILVA, EMILLY YORIO CAMARGO BARBOSA,
ESTEPHANE GONÇALVES SANTOS, JULIANA MACHADO
SANTOS, LETICIA LUCAS MATTOS, LETÍCIA NUNES BARROS
RODRIGUES, LUANA LINDA DA SILVA, MANUELLA VITÓRIA
ALVES DA SILVA, MARIA EDUARDA BENTO SAMPAIO, MARIA
EDUARDA MONTEIRO DA SILVA MARQUES, MARIA LUIZA
MOREIRA DOS SANTOS E MILENA MOTA DA SILVA RODRIGUES

O COMEÇO se viam diante de possíveis cenários


Em fevereiro de 2020, celebrando profissionais, suas trajetórias e projetos
o Dia Internacional de Mulheres e de vida, e a possibilidade de estar
Meninas na Ciência, a Fundação em lugares que antes não julgavam
Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do possíveis, como a Fiocruz.
Programa Mais Mulheres e Meninas
na Ciência, da Vice-Presidência de O evento aconteceu em 10 e 11 de
Educação, Informação e Comunicação fevereiro, sendo que no primeiro dia
(Vpeic), realizou atividades em diversas as meninas se viram pela primeira vez
de suas unidades com o intuito de no campus de Manguinhos e foram
promover a equidade de gênero na conduzidas para diversas unidades,
ciência. No Rio de Janeiro, professoras, de acordo com seus interesses
pesquisadoras, técnicas, estudantes e informados na etapa de seleção do
gestoras receberam em seus espaços projeto. No dia seguinte, houve um
de práticas sociais, acadêmicas e grande encontro que as reuniu com
científicas, 51 estudantes do ensino trabalhadoras da Fiocruz, em um talk
médio da rede pública da região show transmitido pelo Canal Saúde.
metropolitana do Rio de Janeiro. Para Na manhã de interação, evidenciou-
as meninas, esse encontro foi uma se a emoção entre as presentes e,
experiência motivadora que as fez com participação ampla que envolveu
pensar sobre seus sonhos e sobre como familiares, foram dados depoimentos
158

sobre o que é fazer ciência, projetos de A proposta ficou suspensa devido à pandemia
vida, representatividade e inclusão, com de Covid 19. No entanto, o entusiasmo das
ênfase nas questões de gênero e raciais. meninas e a construção de vínculo entre elas,
conosco e com as ideias que tinham sobre a
Como pesquisadora da instituição,
1
Agenda Laranja foram se incrementando através
participei dessas atividades e, de encontros virtuais. Nesse processo foram
passados alguns dias, uma das sendo delineadas pautas a partir dos interesses
meninas fez contato comigo, delas, que sinalizavam não só para as temáticas
buscando conhecer a Agenda Laranja , discutidas até então pela Agenda Laranja, mas
2

trabalho que eu mencionara durante principalmente para as repercussões do evento


o evento. Essa iniciativa, originada de fevereiro em suas vidas. Os interesses e
no Instituto Nacional de Saúde da indagações foram então sistematizados nas
Mulher, da Criança e do Adolescente seguintes propostas para encontros virtuais:
Fernandes Figueira (IFF) em 2016, a ampliação das fronteiras do que é ciência e
consiste em encontros voltados para a realização de pesquisa nas diferentes áreas
trocas de informações e reflexões de conhecimento; as representatividades
sobre gênero, saúde e iniquidades de gênero e racial na ciência e nas escolhas
sociais, a partir do marco dos direitos profissionais; os projetos de vida e desafios
humanos, tendo o propósito de entre maternidade e trabalho, e a divisão sexual
contribuir para o fim da violência do cuidado e do trabalho. Assim, começou em
contra mulheres e meninas. A partir agosto a série de encontros denominada Agenda
do contato inicial, foi criado um grupo Laranja Mais Meninas, em que as meninas
de WhatsApp que incluiu 27 meninas foram protagonistas na concepção, organização,
e os coordenadores da Agenda construção de identidade visual, mediação
Laranja. O objetivo era planejar uma e divulgação de atividades mensais que se
sessão que seria organizada por estenderam até dezembro3.
elas, cuja pauta, preliminarmente
definida, foi O impacto psicológico As pautas refletiam o vínculo e o sentimento
da rivalidade feminina. Por consenso, de pertencimento que elas construíram
decidiu-se que o encontro ocorreria com a Fiocruz. A experiência de fevereiro as
nas férias escolares, no campus emocionava, e ainda as emociona, fazendo com
de Manguinhos, em função de sua que questionassem se as pesquisadoras que
localização facilitadora para os as receberam também haviam sido, como elas,
deslocamentos das participantes que afetadas pelo encontro. Desejavam expressar
residem na região metropolitana do para a Fiocruz o quanto o evento as marcou,
Rio de Janeiro. esperando que o mesmo se repetisse nos anos
seguintes, possibilitando para outras meninas a
oportunidade que tiveram, e almejando, no futuro,
ocuparem lugares na ciência brasileira juntamente
com as pesquisadoras que lá conheceram.
FOTO: PETER ILICCIEV | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ 159

CORRESPONDÊNCIA: do ir e vir, nas fraturas das linhas do


EXPERIMENTAÇÃO E ESCRITA DE SI tempo, que passou a não ser mais
As meninas, em sua grande maioria, em função da contado em minutos, horas, dias, meses,
pandemia de Covid-19, não voltaram a se ver desde anos, como fazíamos antes. Elas estavam
fevereiro de 2020, sendo o encontro presencial adiado em tempo de espera e de suspensão.
pelo isolamento social. No entanto, com a destreza do que
Michel Serres (2018) nomeia de “geração Polegarzinha”, Dentre as meninas, havia as que
elas são nativas do mundo virtual, utilizando e se tinham aula remotamente, assim
apropriando dos recursos digitais disponíveis. como aquelas que precisavam buscar
motivação e meios para estudar diante
Mas as entradas e saídas inesperadas das salas virtuais da interrupção do ano letivo. Isso em
sinalizam que o processo de transitar nas esferas digitais não um ano em que quase todas pensaram
se dá de forma equânime. É preciso compartilhar celulares que a maior preocupação seria o Enem.
e outros equipamentos com seus familiares, é preciso Como nunca havia sido imaginado
compartilhar espaços físicos e virtuais nos desafios de antes, a não ser na ficção, o acesso às
sociabilidade no contexto do isolamento social, nas restrições tecnologias digitais de informação e
160

comunicação se configuraram como A construção de um manuscrito


um novo mundo, este também marcado coletivo se configurava um caminho
pelas desigualdades estruturais. para além do exercício de registrar
as experiências de cada uma de nós,
Imersa nessas reflexões e na pois naquele momento o “nós” já se
tagarelice das meninas nos encontros fazia presente na relação com elas. Foi
pelo Meet e conversas pelo a partir desse momento, após refletir
WhatsApp, pensei na proposta de sobre o lugar que ocupava junto às
um exercício de elaboração sobre a meninas – considerando os afetos,
experiência de fevereiro daquele ano as delegações, as repercussões e as
e, também, que as aproximasse do responsabilidades institucionais – que
processo de escrita acadêmica. Surgiu comecei a trabalhar e nomear o meu
então a ideia de escrevermos um texto lugar como de mentora. Compartilhar
coletivo, em formato de relato de com meus pares a experiência da
experiência, e submetê-lo à chamada relação peculiar construída com elas
do número especial Mulheres, passou também a ser algo que eu
Ciências e Saúde na revista Saúde em buscava. Mas o desafio não era só
Debate, que integra as comemorações sobre o que eu tinha para dizer sobre
dos 120 anos da Fiocruz. essa experiência com as meninas e
sobre o que elas tinham a rememorar
Construir essa narrativa com sobre fevereiro, mas também sobre
elas também me pareceu uma como é possível a escrita que se
oportunidade para conversar sobre reconheça autoral, considerando
diferentes elementos da prática diferentes competências e habilidades
científica, além da escrita acadêmica de cada uma.
e o lugar da criatividade e motivação,
como ética e responsabilidades A escrita de cartas foi a estratégia
em pesquisa, autoria e trabalho escolhida para a construção de
colaborativo. E qual não foi minha narrativas sobre os efeitos da
surpresa ao saber que algumas delas já experiência inaugural na Fiocruz. Após
tinham seus currículos Lattes. conversarmos sobre a utilização desse
gênero de escrita, acordamos que
possibilitaria o compartilhamento de
suas histórias, trazidas oralmente nos
encontros on-line e que isso criaria um
jogo biográfico coletivo. A proposta
foi que cada uma escrevesse uma
carta para si no futuro, narrando a
experiência do evento de fevereiro.
FOTO: PETER ILICCIEV | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
161
162

No exercício que denominamos Concomitantemente a esse movimento de


“Cápsula do Tempo”, 16 meninas escritas, após participarem de uma entrevista
escreveram cartas que foram para o Portal Mulheres e Meninas na Ciência da
compiladas por mim no que chamamos Fiocruz, algumas das meninas decidiram escolher
acervo de cartas, e compartilhado com um nome que representasse o novo coletivo
todas do grupo. Elas propuseram que que surgia. Após alguns dias de discussões das
eu também escrevesse uma carta, quais não participei, surgiu o Motirõ, palavra que
seguindo as mesmas regras em em tupi-guarani significa reunir pessoas para a
relação a minha destinatária futura, colheita ou a construção de algo em conjunto,
mas que nesse caso, eu a leria para sempre ajudando umas às outras. As meninas,
elas antes de compartilhar o texto. com suas delicadezas e vontades de fazer algo
No entanto, decidimos que minha significativo, propunham um caminho a ser
carta não comporia o acervo trabalhado construído de forma colaborativa, com a ousadia
nesse manuscrito. necessária em tempos difíceis.

Escrever cartas foi pensado com Após a leitura de cada carta e do acervo como
elas como uma antiga forma de uma unidade, comecei a decompor seus
comunicação entre pessoas que textos, considerando a sequência temporal que
desejam compartilhar sentimentos, utilizaram, que começava quando elas souberam
conhecimentos, ideias sobre si e o da chamada para o projeto “Mais Meninas
mundo. O uso de cartas na escrita foi na Ciência”, continuando até as repercussões
exemplificado pelos livros Para educar posteriores e as reflexões sobre seus projetos de
crianças feministas5, da nigeriana vidas. A seguir, com atenção à representatividade
Chimamanda Ngozi Adiche6 e Se de todas, agreguei trechos, frases e parágrafos
não fosse por você, eu não estaria na forma de uma nova carta. A proposta era que
aqui. Cartas para quando eu era o texto se configurasse como uma unidade com
adolescente7, e-book da Flipop 20208. muitas vozes, em registro polifônico, reconhecido
por elas como uma obra coletiva.
Nem todas as meninas do grupo
de WhatsApp escreveram cartas.
No entanto, quatro meninas que
participaram do evento de fevereiro,
ao saberem dessa proposta, enviaram
suas cartas. O exercício possibilitou
a construção de espaços de escrita,
nos quais o jogo sutil em que elas
escreviam a si e liam seus escritos
e os das outras, foi encadeando,
através da sensibilidade, a produção
de uma memória que ainda não
haviam alcançado.
163

DE VOLTA A FEVEREIRO: e pouco depois o resultado final saiu.


16 cartas ao futuro Infelizmente você não estava entre
Cara eu do futuro. as selecionadas, mas para surpresa
Estou aqui para relembrar um momento muito de todos a notícia não te entristeceu.
importante e decisivo na sua vida. Tenho Acredito que no fundo você sabia que
esperança que você esteja onde sonhou e com a algo bom ocorreria. Mais alguns dias
mesma motivação que cobriu todo o seu corpo e o cenário mudou completamente,
durante o “Mais Meninas na Ciência”. pois havia uma vaga livre e você era a
primeira na lista de espera.
Ao abrir essa carta, espero que ainda seja
esplêndida e singela a memória dos dois dias Com certeza você vai se lembrar do
mais fascinantes do ano de 2020, que foram o surto que você deu quando olhou seu
combustível que faltava para nos dedicarmos à e-mail: Você foi selecionada para o Mais
nossa jornada. Meninas na Ciência 2020.

Vamos voltar no tempo? Gostaria de voltar aos Uma ansiedade enorme preencheu o
dias 10 e 11 de fevereiro de 2020, um mês e meu peito quando voltei da escola e
poucos dias antes do início da quarentena. Ou minha mãe falou que haviam ligado da
talvez até um pouquinho antes. Fiocruz e que eu, nós, você do futuro,
tínhamos sido escolhidas. Depois
Tudo começou em 13 de janeiro, quando minha de ter pensado muito, prorrogado a
professora mandou um e-mail falando sobre a inscrição e conseguido dizer em até
seleção de alunas da rede pública para conhecer 100 palavras qual a importância da
a Fiocruz de perto. As estudantes escolhidas mulher na ciência!
acompanhariam a rotina de mulheres cientistas.
Aquele e-mail veio no melhor momento! Lembro como se fosse ontem quando
meu pai disse que a Fiocruz tinha me
Para fazer a inscrição era preciso responder a chamado. Gritei muito, pois naquele
duas perguntas. Qual a mensagem que uma momento, percebi que o meu sonho de
mulher cientista traz para a sociedade? Qual o conhecer aquele lugar maravilhoso iria
impacto que isso causa na vida de meninas que se realizar, e quando entrei por aqueles
sonham em ser cientistas, porém ainda têm certo portões em fevereiro, meu coração pulou.
receio? Quando li a primeira comecei a pensar
sobre a questão da representatividade feminina Tantas meninas igualmente incríveis se
e a sua importância. Pensar que, ao fazer a inscreveram, mais de cem, e alguém
inscrição no projeto, você não fazia ideia do quão leu minha inscrição e pensou que eu
permanentemente transformada sairia. seria necessária ali, que tinha um lugar
para mim. Foi a primeira coisa que eu
As visitas diárias ao site Fiocruz resultaram pensei quando recebi o e-mail dizendo
na descoberta do projeto “Mais Meninas na que tinha sido aprovada. Acho que
Ciência”. Sua inscrição foi um momento de ao mesmo tempo em que eu estava
muita alegria. O mês de janeiro passou voando eufórica, ainda tinha medo de algo dar
164

errado. Além das inseguranças sobre carreira, Confesso que no primeiro dia de evento cada
tinha o não saber se merecia de fato aquela vaga, detalhe foi uma grande descoberta. Ao chegar
ser mulher e querer ser acadêmica, mas não na Fiocruz você caminhou sozinha durante uns
achar que pode. Medo de não conseguir mostrar minutos até encontrar as meninas. O primeiro
quem eu sou de verdade. contato com elas foi um pouco acanhado, mas
logo todas se soltaram, depois das apresentações,
Você aguardou ansiosamente pelo dia da visita e selfies e “abrações”.
descobriu que não estava sozinha nessa, um grupo
com todas as meninas que participariam do evento CONHECI VÁRIAS MENINAS INCRÍVEIS,
foi criado e você pôde compartilhar com elas suas PARECÍAMOS SER TÃO IGUAIS, TODAS
expectativas. Aquele grupo onde a gente já foi se COM OS OLHOS BRILHANDO POR
conhecendo, se tornando uma irmandade. ESTAREM LÁ, MAS AO MESMO TEMPO
TÃO DIFERENTES. CADA UMA TINHA
Eu mal tinha acordado e já estava a mil e com SEU OBJETIVO E QUERIA VISITAR UMA
várias perguntas na minha cabeça: como eram as PARTE DISTINTA DA FUNDAÇÃO.
pesquisadoras? Qual o laboratório eu ia visitar?
Será que vou fazer amizades? Por muitas vezes vivemos momentos e não
percebemos o quanto eles irão ser importantes
Um dia, não como qualquer outro, um dia em que, para nossa trajetória, não percebemos o quanto
a cada passo dado, o coração batia mais forte, aquilo nos fez mudar de alguma forma. Mas
o sangue fervia, mas de uma maneira gostosa. naquele dia, a cada vez que nosso coração batia,
As borboletas no estômago eram diferentes, o tínhamos certeza que nossa vida mudaria.
nervosismo era bom.
No horário combinado fizemos a abertura
No primeiro dia, já estávamos lá, às seis da do evento, as meninas foram divididas em
manhã, conversando com outras meninas na grupos, de acordo com a área de interesse que
recepção da Fiocruz, quando estava marcado para escolhemos na inscrição.
as oito horas!
Ao chegar lá, eu me deparei com uma
Acordei cinco horas da manhã para sair de instituição maravilhosa, cuja essência vai muito
Niterói, eu e minha mãe não sabíamos como além de cientistas com jalecos, laboratórios
chegar à Fiocruz, chegamos lá duas horas e amostras. Tive a honra de conhecer o Icict.
antes, mas sem problemas. Foi incrível, acabei A biblioteca é aberta ao público, são mais de
conhecendo melhor algumas meninas. 19 bibliotecas além da principal, que era no
Castelo, mas agora lá só ficou a seção de obras
Eu fui de trem de Queimados à estação raras. Aprendemos sobre o acesso aberto,
Manguinhos. Quando cheguei, queria correr para que é onde podemos ver pesquisas, que são
chegar logo, mas decidi andar normalmente, liberadas e que não são patenteadas.
para não chegar suada. Chegando lá, logo recebi
um kit com alguns itens bastante úteis, além da
blusa memorável.
165

Estou aqui para relembrar um momento a conversa, você se sentiu acolhida e uma
muito importante e decisivo na sua vida. O esperança nasceu em seu peito, pois depois de
dia que você conheceu o Instituto Fernandes escutar muitas histórias de vida, você se sentiu
Figueira7. De início você se sentiu confusa, como motivada e percebeu que a área da pesquisa
tinham associado psicologia a um instituto também é possível para a mulher brasileira.
que cuida da saúde da mulher, da criança e do Eu pude conhecer como os animais de
adolescente? Chegando lá, conheceu algo além laboratórios são cuidados no ICTB, como os
das suas expectativas e finalmente se encontrou profissionais, a maioria mulheres, têm dedicação
profissionalmente. Espero que tenha alcançado e carinho no cuidado com os animais da unidade.
o sonho de ser uma psicóloga e pesquisadora As profissionais nos mostraram que elas estão
da Fiocruz. Estar no meio de mulheres sempre tentando reduzir o número de animais
extremamente qualificadas e acolhedoras te usados em experimentos e o sofrimento deles.
motivou a estudar e conquistar seu espaço na
sociedade. Eu lembro o nome de cada uma até Alguns anos atrás, quando você visitou a Fiocruz
hoje, porque enquanto falavam eu fui gravando pela primeira vez, nunca imaginou que teria a
por pura emoção. honra de estar na ENSP. Todo o conhecimento e
emoção que sentimos foram extraordinários, leve
Você pode conhecer a área de isso até o seu último respirar.
“paleoparasitologia” e um laboratório composto
por mulheres. Pode ver o acervo, ver alguns Houve algo que você ouviu que nos marcou e,
animais em conserva e participar de uma reunião desde então, carrego a Fiocruz no meu coração
com a equipe. Enquanto andávamos, por onde com um amor incondicional: A Fiocruz faz
a pesquisadora passava era nítido os olhos das muita inclusão e a maioria do nosso corpo técnico
pessoas brilhando, principalmente os seus. é mulher. Tínhamos acabado de dar carona
para uma pessoa surda. Ouvir isso sobre uma
Ver pela primeira vez um laboratório foi algo instituição tão importante e que, ainda sim,
que marcou nossa vida, pois foi a primeira busca dar oportunidades a pessoas que são
oportunidade que tivemos de imaginar aquele rejeitadas pelos mercados de trabalho, me traz
lugar como o nosso futuro local de trabalho. Estar um arrepio e um choro orgulhoso.
num ambiente tão acolhedor nos fez acreditar
que diversas pessoas acreditam na nossa Aprendemos que lá tem muitas mulheres, sem
capacidade, de um dia, talvez, ser uma futura jaleco e com jaleco, negras e brancas, e que
colega de trabalho daquelas pesquisadoras. saúde é tudo, e o SUS é mais que tudo, e que
te acompanha a vida toda, do seu nascimento
Posso afirmar que foi um dia atípico, tanto para a sua morte. Desmistificamos a imagem de
você quanto para os funcionários do laboratório, cientista como homem, branco de jaleco e que
afinal eles estavam recebendo uma visitante saúde é só hospital, laboratório, onde tem tubos
tagarela e curiosa. Uma roda de conversa com de ensaios e experimentos.
todas as mulheres da equipe e cada uma pôde
compartilhar sua carreira profissional. Durante
166

TALVEZ OS NOMES NÃO ESTEJAM Minha primeira vez em um auditório,


COM EXATIDÃO, MAS VOCÊ LEMBRA cheio de câmeras, ao vivo, só com
DE CADA ROSTO E NITIDAMENTE DAS mulheres protagonistas, como a
PALAVRAS. PRINCIPALMENTE SOBRE presidente da Fiocruz, Nísia Trindade
REPRESENTATIVIDADE. Lima; Cristiani Machado, vice-
presidente de Educação, Informação
Quero que você saiba que escutar de uma mulher, e Comunicação; Mychelle Alves,
que podemos ter calma e que não precisamos doutora em Química, pesquisadora
embarcar nessa realidade imediatista, lhe gerou e vice-presidente do Sindicato dos
um grande conforto e você conseguiu confiar Trabalhadores da Fiocruz; Hilda
ainda mais nas suas próprias escolhas. Gomes, do Comitê Fiocruz Pró-
Equidade de Gênero e Raça, bióloga
Eu notei o jeito das mulheres que nos e educadora do Museu da Vida da
acompanharam na visita. Anos mais velhas, Casa de Oswaldo Cruz; e Astrid Bant,
trataram a gente com um jeito carinhoso e representante do Fundo de População
meio materno. Mas elas entendiam que nós, das Nações Unidas no Brasil.
possivelmente, seríamos elas daqui a alguns
anos. Que talvez aquela experiência fosse só o Foi uma experiência única,
empurrãozinho que faltava. Elas nos olhavam eu pude compartilhar minhas
com o olhar afetuoso de quem um dia já sentiu experiências, minha mãe também.
o entusiasmo que a gente estava sentindo com Foi superemocionante, agradeço à
aquelas mil coisas novas e com um futuro de tecnologia e ao Canal Saúde por ter
possibilidades. É doido como uma coisa dessa feito a transmissão ao vivo e deixar
muda, de algum jeito, a forma como você vê o disponível no YouTube. Quando
mundo, sabe? Embora ainda com 15 anos na sinto saudades, eu posso assistir
época e muitas dúvidas sobre o que eu quero novamente e aprender.
ser, ver 51 meninas que eram tão diferentes e tão
parecidas comigo ao mesmo tempo e conhecer A mensagem da presidente da Fiocruz,
tantas mulheres em dois dias me fez enxergar em Genebra, foi a parte que mais me
algumas coisas de forma diferente. tocou, porque eu pensei: se ela chegou
lá, eu também tenho potencial de
O dia 11 foi épico, aquelas câmeras e todas as chegar aonde eu quiser.
meninas juntas, provocaram uma sensação
de euforia. Nesse dia, eu ri de tanta emoção e Durante aquela manhã o que mais
alegria, minha face chegou a doer! O evento te alegrou foi conhecer mulheres
foi uma espécie de talk show, você teve a negras que ocupavam aquele espaço,
oportunidade de conhecer mulheres fortes, mulheres que enfrentaram diversas
inteligentes e incríveis. Ao sair do evento sentiu questões sociais e naquele momento
que podia conquistar o mundo. Elas te mostraram puderam compartilhar “o saber” com
que, ao contrário do que te disseram, a ciência dezenas de estudantes. Cada menina
está presente em todas as áreas e em todos os vinha de uma realidade diferente,
detalhes do seu dia. mas todas se sentiram representadas.
FOTO: RAUL SANTANA | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
167

Confesso que chorei muito com os depoimentos, acadêmicas. Através das histórias contadas você
dava vontade de abraçar cada pessoa lá presente. conseguiu expandir os seus horizontes, e a partir
daí teve mais um motivo para tentar romper
ESPERO QUE DAQUI A ALGUNS o mundo limitado que o sistema oferece para
ANOS EU ESTEJA NO PROJETO, pessoas como você.
MAS COMO PESQUISADORA!
Passar por essa experiência lhe gerou uma
Há dois anos você apresentou seu primeiro projeto mudança, você conseguiu ter esperança no seu
naquela Feira e você escutou que aquilo não era futuro profissional. Espero do fundo do meu
ciência, no máximo algo filosófico, que mulheres coração que você tenha conseguido concretizar
não conseguiriam estar em todas as áreas. seus sonhos, sejam eles quais forem, mas o
meu desejo mais profundo é que você siga a
Às vezes nós achamos que não somos tão sua vida com felicidade e harmonia.
dignas assim, ou capazes ou até mesmo
inteligentes o suficiente para participar de coisas
168

PORTANTO, NÃO DESISTA DE SI, Lembre-se do rosto, da voz, desse grito de


NÃO DESISTA DA CIÊNCIA! ENCARE resistência e bravura que vinha dos olhos
TUDO QUE VIVEU LÁ E VIU COMO das pesquisadoras e te dava arrepios
EXPERIÊNCIA GRATIFICANTE, DE de emoção. Lembre-se de seu coração
TER EXEMPLOS E UM DIA PODER SER batendo acelerado quando o impossível,
EXEMPLO E INSPIRAR NOVAS MENINAS. de repente, tornava-se possível: mulheres
MOSTRE QUE CADA UMA TEM SEU ocupando posições que são consideradas
LUGAR E TEM O DIREITO historicamente masculinas.
DE REIVINDICÁ-LO.
Como uma menina, que em breve se
Mulher, essa é a chave de tudo, sua essência, seu tornará uma mulher, não se esqueça
dever de existir. Independentemente do que tenha que a ciência te acolhe de braços
escolhido, seja a área da saúde que tanto ama ou abertos. Que houve e há muita luta,
algo totalmente diferente do que eu, do passado, mas portas foram bravamente abertas
imagino. Lembre-se das mulheres e meninas que por outras mulheres que vieram antes
conheceu, se inspirando na Fiocruz. de você e fertilizaram o solo para que
hoje você pudesse ocupar esse lugar.

No dia em que escrevo, eu ainda não sei a carreira Só nós sabemos o quanto foi difícil
que quero seguir, provavelmente será Biologia, conseguir chegar até a Fiocruz,
atuando como pesquisadora, mas no meio principalmente tendo um pai
disso tudo, eu ainda posso virar uma cineasta. A analfabeto e uma mãe com pouco
escolha sobre o que seguir é difícil, contudo, uma estudo, que não deram tanta
certeza eu tenho: eu quero ser uma mulher que importância para essa conquista.
influencie outras mulheres assim como todas Lembre-se que é possível e que você
aquelas me influenciaram. não está sozinha.

Espero que a visita a Fiocruz tenha sido tão Desistir nunca foi e nunca será uma
importante para você como agora está sendo para opção. Então, viva! Cante, estude, se
mim. Ela me ajudou a tomar a decisão do meu divirta, faça arte e leve o conhecimento
futuro. Espero que você esteja feliz, trabalhando com ao mundo, pois o conhecimento move
o que gosta, num laboratório importante (talvez na montanhas!
Fiocruz) e com as meninas que conheci no evento.
Seria incrível poder acompanhar a jornada delas, Agora, você tem um compromisso
cada uma na sua área de interesse e continuarmos com o futuro, para dar continuidade
juntas, para que possamos fortalecer a atuação das ao que foi iniciado, para inspirar mais
mulheres na área científica do nosso país. meninas e mostrar que não importa
se o machismo estrutural tentar nos
oprimir, o conhecimento científico
também é feminino e há, e sempre há
de haver, espaço para nós.
169

Escrevo-te para quando pensar com Sua carta é pequena, mas você vai ressignificar cada
carinho e lágrimas nos olhos sobre palavra para o que você vive no seu agora!
aqueles dois dias, recordar-se das
mulheres incríveis que abriram não só Desde já, agradeço pela pessoa que você se tornou.
as portas de suas salas e laboratórios,
mas o coração para compartilhar a PS1. Logo após o evento você recebeu a notícia que
história que as atravessava. já passou para a faculdade. Eu espero que você
vá muito além do que ousou sonhar. E que não
ESPERO QUE DAQUI A ALGUNS se esqueça do que esses dois dias do evento te
ANOS, QUANDO ESTIVER ensinaram: o lugar da mulher é onde ela quiser.
LENDO ESTA CARTA, VOCÊ O seu lugar é na bancada do laboratório, é na
ESTEJA NO LUGAR ONDE VOCÊ biblioteca, é na sala de aula, é escrevendo, é na
QUEIRA ESTAR. Antártica, é acreditando que pode mudar o mundo,
assim como elas mudaram o seu. Espero que você
Vai ser bom olhar para tudo isso no seja um pouco do que elas te inspiraram.
futuro e pensar no quanto fui feliz
naqueles dois dias, no quanto isso tudo PS2. A Fiocruz vai ter que abrir muito edital daqui
foi enriquecedor pra mim. a alguns anos para essas 51 meninas trabalharem
lá, cada uma na sua área (TI, Educação Física,
Eu espero que você tenha tanto Veterinária, Designer, Fotografia, Medicina,
orgulho de você quanto eu tenho. Computação, Física, Jornalismo, Psicologia,
Sempre que pensar em desistir ou se Química, Biomedicina ...). Aprendi isso também, a
sentir insegura, pense em como você Fiocruz é muito plural.
se sentiu naquele dia e em como as
oportunidades podem tocar o nosso TÃO LONGE, TÃO PERTO: JOGOS COM O
coração de uma forma que nunca mais TEMPO E DIÁLOGOS FANTÁSTICOS
iremos esquecer. Como evitar a corrosão e sedimentação do tempo
a não ser por suas dobras, onde estão alojadas
Espero poder escrever para vocês nossas memórias? E ao dobrá-lo, entender que as
novamente daqui a alguns anos e relatar memórias não são ilusões, passam a ser criação.
que nós conseguimos, e ainda estamos
juntas mudando esse “mundão”. Que maravilhoso seria podermos reter aquele
momento em que nossas vidas tomaram um novo
Que esta enorme carta te ajude rumo. A cada segundo, a cada decisão, pensada ou
a reconhecer um pouco dessa não, um novo caminho se bifurca. Como seria se,
experiência, como ela me ajudou a por um capricho da vida, alguns grãos do tempo
relembrar aqueles dias que foram um permanecessem em nossas mãos e se juntando
divisor de águas na minha vida, e na aos que também ficaram nas mãos das outras,
nossa futura carreira. pudessem ser vistos e nomeados, não mais como
grãos, mas como terra. Terra como lugar de origem
onde estão os brotos de nossos caminhos.
170

Para um grupo de meninas, algo começou ao Mesmo antes do encontro em


saberem de uma chamada pública e terem seguido fevereiro, algumas das meninas já
a curiosidade e o sonho. Através da professora, da haviam investigado umas sobre
amiga, da irmã ou de um gesto casual, 51 meninas as outras nas redes sociais, outras
chegaram à Fiocruz no dia 10 de fevereiro de 2020. se conheciam da escola, mas
Mesmo antes de se verem pessoalmente, já se nada garantia as afinidades e as
conheciam pela noite que antecedeu ao primeiro combinações que não dependiam só
encontro. Não por acaso, mas pelo afeto, foram delas. Envolvia o que iriam encontrar
se conectando pelos seus celulares. Quanto mais num certo reino da ciência encravado
o relógio contava o tempo daquela noite, mais na Av. Brasil para onde foram se
próximo ficava o momento do encontro. aventurar. Os limites desse reino são
maiores que o esperado, ele se espalha
Com as habilidades das nativas pela cidade, está em bairros tão
da geração Z, uma noite sem dormir não distantes dos trajetos cotidianos, pelo
representa nada diante da vida que desejam país, pelo mundo. Elas descobriram
ter pela frente. Era mais um capítulo da história que ele está em cada uma delas. Tudo
que estão escrevendo. aventura! Tudo excitação! Nada será
como antes, já chegamos até aqui,
Os encontros com elas, as conversas e as trocas estamos na Fiocruz!
de mensagens ao longo dos dois últimos anos
trouxeram à tona pautas esboçadas para as cinco AGRADECIMENTOS
sessões da Agenda Laranja Mais Meninas e A Cristina Araripe e à equipe da Vice-
outras ações que se estenderam em 2021. Porém, Presidência de Educação, Informação
foi pela escrita das cartas e da leitura destas que e Comunicação (Vpeic) pela criação e
ficou claro sobre o que elas querem falar, ouvir e condução do Programa Mais Mulheres
serem ouvidas. e Meninas na Ciência e pelo apoio às
iniciativas posteriores que envolveram
Através do jogo de envios e recebimentos de as parcerias da Agenda Laranja com
cartas, compartilhamos o exercício criativo de o Motirõ e demais meninas autoras
enquadrar um acontecimento, no qual memórias desse texto.
e identidades se desvelaram em suas potências,
tensionando as fronteiras da experiência A Marco Antônio Ferreira do
individual, eclodindo em uma narrativa coletiva. Nascimento pela parceria, estímulo e
generosidade na condução da Agenda
Laranja e engajamento nas pautas
sobre gênero e juventude.
171

1. O texto é escrito na primeira pessoa do singular por


Corina Helena Figueira Mendes, a não ser na seção
“De volta a fevereiro: 16 cartas ao futuro” e algumas
frases do final. Tal decisão foi tomada para que
houvesse uma narradora que conduzisse os caminhos
da escrita. No entanto, a decisão de que a autoria do
texto é colaborativa denota uma posição ética, estética
e política com relação ao trabalho desenvolvido com
as meninas, que não são participantes, colaboradoras
ou coautoras, mas autoras. Essa foi uma condição
inegociável para a publicação do texto.

2. Iniciativa criada e coordenada conjuntamente com


Marcos Antônio Ferreira do Nascimento, professor e
pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz atuando no
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do
Adolescente Fernandes Figueira (IFF).

3. Os cinco encontros estão disponíveis no canal do


YouTube da Agenda Laranja IFF

4. O material também foi utilizado para a criação do roteiro


do vídeo Cartas ao futuro produzido pela Vpeic em 2021

REFERÊNCIAS
GALVÃO, Walnice Nogueira; GOTLIB, Nádia Battella
(org.). Prezado senhor, Prezada senhora: estudo sobre
cartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 5. E-book publicado pela editora Companhia das Letras;
1ª edição (26 set. 2014). Disponível gratuitamente pela
Amazon.com.br.
SERRES, Michel. Polegarzinha. 3. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2018. 6. As meninas receberam em casa, de surpresa, um
dos três livros da autora – Sejamos todos feministas,
Para educar crianças feministas: Um manifesto e O
perigo de uma história única. Os livros contribuíram
para reflexões sobre relações de gênero, cultura,
feminismo, representatividade e literatura.

7. Festival de literatura pop com foco nos jovens leitores,


que discute temas como representatividade e leitura
na adolescência, que em 2020 teve sua 4ª edição, a
primeira em plataforma digital.
172
173

PARTE 3
MULHERES
NO ENFRENTAMENTO
À COVID-19
NA FIOCRUZ
174

ESSA TEM SIDO


UMA EXPERIÊNCIA
QUE ME ENSINOU
MUITA COISA, SEM
DÚVIDA NENHUMA.
ACHO QUE EU
PUDE CONTRIBUIR
EM NOME DA
INSTITUIÇÃO
175

PARA O COMBATE À DESINFORMAÇÃO,


O DIÁLOGO COM A SOCIEDADE
MARGARETH DALCOLMO

Como pneumologista e pesquisadora clínica da Fiocruz, neste momento


eu desenvolvo protocolo de pesquisa de fase três com a vacina BCG para
a Covid-19, que é outro estudo da Fiocruz, desenvolvido em dois sites da
Fundação, aqui e em Mato Grosso do Sul. É uma nova contribuição que a
Fiocruz poderá dar a este processo. Como pneumologista, fui a Brasília
com os colegas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas
(INI) assessorar o ministro Mandetta, no início do mês de março. Lá, nós
revimos os algoritmos, tivemos contato com colegas de outros países, de
especialidades intensivistas, basicamente, visto que tratei os primeiros
pacientes de Covid-19 logo após o carnaval. Ou seja, a doença chegou para
nós como uma pneumonia atípica de pacientes de classe média alta que
chegavam de avião da Europa ou da Ásia. Foi isso que chegou para nós.

Fui de lá para São Paulo, gravei uma em Brasília, tinha mais de 200 mil
live para um site de pneumologia, que visualizações. No dia seguinte, eu
me pediu para fazer um resumo da recebi a mesma mensagem, que
reunião de Brasília da qual havíamos aquilo tinha 600 mil visualizações.
participado com vários médicos Era alucinante. E, então, a Rede Globo
da Fiocruz, do Instituto Fernandes me telefonou dizendo que a minha
Figueira, do INI. Eu gravei essa live e live estava chegando a 1 milhão de
foi muito curioso. Só no dia seguinte visualizações e me perguntando
entendi o impacto causado, porque se eu poderia falar com eles. Eu
eu era um pouco inocente em relação fiquei um pouco surpresa, disse
a essa força das redes sociais, para que estava no aeroporto em São
o bem e para o mal. Hoje, eu tenho Paulo voltando para o Rio. Disse
uma visão muito crítica, e declarei que iria. Foi a primeira vez, no dia
isso recentemente: como as redes 13 de março exatamente, que eu fiz
sociais têm feito mal na divulgação uma entrevista com a Rede Globo,
de informações equivocadas, dando um pouco o estado da arte
maliciosas etc. E, naquele momento, do que nós imaginávamos, naquele
sete ou oito horas depois, o colega momento, que teríamos.
com quem eu tinha gravado me
enviou uma mensagem dizendo que
a live que tínhamos feito, com o
resumo do que tinha sido a reunião
176

Uma doença epidêmica, uma epidemia de uma Hoje, se entrarmos no PubMed e colocarmos
pneumonia diferente. Nós já tínhamos visto isso. Covid-19, vamos encontrar mais de 100 mil
Integrei o grupo de médicos que trabalhou junto publicações. Eu nunca pensei na vida que fosse
ao Ministério da Saúde quando houve a Sars. ver isso. Aqui ao meu lado tem pilhas de papers,
Revimos os tratamentos, as condutas, então, porque temos que ler muita coisa, estudar o
eu já tinha uma vivência nesse sentido. E nós, tratamento, a vacina, o diagnóstico, os métodos
rapidamente, entramos nisso que eu chamo diagnósticos. Uma profusão. Grupos de pesquisa
hoje de profunda, intensa e permanente curva conhecidos, grupos de pesquisa novos, uma
de aprendizado. Nós logo entendemos que não necessidade nossa de interagir. Eu participei
estávamos diante de uma pneumonia diferente. de inúmeras, realmente inúmeras lives, com o
Não era isso. Era uma doença sistêmica, com doutor Estevão Portela, do INI, por exemplo,
alta capacidade de matar. Nós começamos a com colegas da Espanha, da Itália, enfim, nós
perder nossos primeiros pacientes, todos de estávamos tentando entender. Eles tinham
classe média alta internados na rede privada. vivido o mesmo drama que nós começávamos
Depois, fomos acompanhando paralelamente a ver, naquele momento, no Brasil. E ficava claro
essas iniciativas, a começar pela iniciativa para nós, já em abril, quando Manaus estava
do nosso hospital da Fiocruz, que tanto nos encontrando seu primeiro pico epidêmico –
orgulha, junto aos colegas do INI, que eu pude porque o primeiro pico epidêmico da primeira
acompanhar bastante. Enfim, com muitas onda em Manaus foi no fim de abril –, aqui a
chances afortunadas de poder discutir e epidemia ainda estava crescendo.
aprofundar assuntos.
A FIOCRUZ TRABALHANDO
Rapidamente entendemos que se tratava de SEM PARAR PARA
uma doença sistêmica de alta capacidade FAZER DIAGNÓSTICO.
de morbimortalidade, marcada por um
comportamento, clinicamente falando, bifásico, A rede privada com uma pressão enorme.
uma fase virêmica e, posteriormente, uma Importante lembrar que as doenças crônicas
fase inflamatória mais grave ainda, e que os não pararam, na epidemia de Covid-19. Não
pacientes morriam por fenômenos de natureza foram interrompidas as doenças crônicas,
trombogênica. Era uma doença com uma enorme pelo contrário, a Covid-19 teve um enorme
capacidade inflamatória, com uma liberação impacto na tuberculose. Nós hoje estamos
brutal de citocinas muito tóxicas. Precisávamos pagando um preço muito dramático, com 40%
começar a estudar os primeiros trabalhos a menos de diagnósticos feitos, 22% a menos
publicados, mostrando aqueles medicamentos de casos notificados, ou seja, um prejuízo social
que rapidamente se revelaram ineficazes ao longo e humano muito grande. Essa tem sido uma
dos meses subsequentes. Remédios que tinham experiência que me ensinou muita coisa, sem
passado por processos de reposicionamento de dúvida nenhuma. Acho que eu pude contribuir
fármacos, como a hidroxicloroquina, cloroquina, em nome da instituição.
enfim, e começou isso que eu chamaria hoje de a
maior tsunami científica, que eu nunca pensei em
ver na minha vida.
177

AUTORA: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ


178

ATUAR NA
PANDEMIA TEM SIDO
DESAFIADOR E EXIGE
DE NÓS SERENIDADE,
DISCERNIMENTO
E ATENÇÃO
PERMANENTE
ÀS MUDANÇAS
DE CONTEXTO E,
PRINCIPALMENTE,
AO AGRAVAMENTO
DAS DESIGUALDADES
SOCIAIS E HISTÓRICAS
179

A EXPERIÊNCIA DA EDUCAÇÃO
ON-LINE COMO PROMOÇÃO DE
CUIDADO DA POPULAÇÃO DURANTE
O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA
DE COVID-19
FABIANA DAMÁSIO

No início da pandemia, pensamos: de que forma poderíamos nos organizar


para dar suporte aos trabalhadores e às trabalhadoras da saúde? Como
conseguiríamos e com qual conteúdo precisaríamos trabalhar? Naquele
momento, as pesquisas estavam começando e os resultados a partir das
experiências dos outros países ainda eram incipientes. Então, foi com base
nos diálogos com vários laboratórios, universidades e diversas especialistas
que nós começamos a pensar no desenho inicial de ofertas na Secretaria
Executiva da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS)1. No
texto prévio, a Dra. Margareth Dalcomo nos apontou iniciativas convergentes
dentro da Fiocruz: saber como conseguiríamos colocar recursos educacionais
que tivessem um conhecimento atualizado e de forma permanente para os
trabalhadores e trabalhadoras, mas também para os usuários da saúde, para a
população, de um modo geral.

Nas pandemias anteriores, manejo clínico na atenção primária


trabalhamos com a zika e conseguimos e na atenção especializada, doenças
nos organizar em torno de 60 ocasionadas por vírus respiratórios,
dias, o que naquela época foi um incluindo a Covid-19, orientações
tempo recorde, contando com a gerais ao paciente. Essa primeira
participação de 45 mil trabalhadores iniciativa com a UNA-SUS gerou uma
e trabalhadoras. Agora, com a participação de aproximadamente
pandemia de Covid-19, organizamos 400 mil trabalhadores e trabalhadoras
cursos ofertados pelo sistema nos nossos cursos, com a taxa de
1. Confira a página
UNA-SUS em 15 dias, trabalhando conclusão de mais de 60% nos
Covid-19 UNA-SUS:
sábados, domingos e feriados, processos de formação, e um acesso
para garantir que o conhecimento médio, a todo o conteúdo que
pudesse chegar rapidamente em tínhamos produzido, de 80 mil pessoas
função da situação de emergência. por dia, entre março e setembro.
Trabalhamos com temas como
180

E nós tínhamos essa interlocução direta com uma experiência solidária e colaborativa, que
o Observatório Covid-19, que está lá no nosso reforçou o cuidado com os trabalhadores e
portal da UNA-SUS. Ainda no reforço às ações de trabalhadoras da saúde e da população.
EaD, buscamos, por meio do Núcleo de Educação
a Distância da Escola de Governo Fiocruz Brasília, As cartilhas também ganharam a capilaridade
em parceria com o Campus Virtual Fiocruz – entre cerca de 35 sites de universidades,
que também é liderado por outra mulher, a Ana prefeituras, conselhos e órgãos de controle.
Furniel – ampliar as ofertas educacionais on-line Todo o material foi organizado em, basicamente,
para outros temas, dentre os quais se destaca cinco áreas: gestão e organização dos serviços
a saúde mental. Esse tema foi elencado por nós e cuidados de saúde; questões relacionadas ao
como prioridade. Assim, constituiu-se uma rede isolamento e distanciamento; especificidades
de doutorandas e pós-doutorandas, e falo assim no cuidado dos ciclos de vida, considerando os
porque a turma é basicamente de mulheres que idosos e as crianças; cuidados das populações
se organizaram para sistematizar todo o conteúdo socialmente vulneráveis; e proteção social
em torno desse campo de conhecimento. Nós da pandemia. Debatemos temas como luto,
sabíamos, até pelo histórico de pandemias, atendimento on-line, violência doméstica,
pelas atuações anteriores, que havia uma atuação nos hospitais, migrantes, refugiados,
necessidade de olharmos cuidadosamente para povos indígenas e população privada de
as consequências psicológicas que as pandemias liberdade. Assim, houve uma diversidade grande
tendem a causar nas pessoas, inclusive de de assuntos em função da demanda e dos
forma permanente, com uma necessidade de impactos psicossociais que têm acometido a
atentarmos também para o pós-pandemia. sociedade. O meu relato reuniu aqui três das
experiências desenvolvidas, mas existe outro
Foi com esse espírito que começamos a conjunto de esforços que se somam à agenda de
trabalhar na organização, a princípio, de enfrentamento da Fiocruz.
uma tradução de material publicado pela
Organização Mundial de Saúde, que já vinha Atuar na pandemia tem sido desafiador e exige
sendo adotado em outros países, e que se de nós serenidade, discernimento e atenção
transformou na elaboração de cartilhas de permanente às mudanças de contexto e,
recomendações, em parceria com o Centro principalmente, ao agravamento das desigualdades
de Estudos e Pesquisas em Emergências e sociais e históricas. Mesmo diante de todos os
Desastres em Saúde da Fiocruz (Cepedes). desafios, é gratificante ver a nossa presidente,
Essas cartilhas foram feitas de acordo com as Nísia, como referência e exemplo de atuação com
necessidades presentes em cada comunidade integridade, sensibilidade e compromisso com as
e expressas pela sociedade local. Ao todo, políticas públicas sociais e de saúde.
foram 20 cartilhas, um ambiente interativo na
plataforma Moodle, dez lives que estruturamos CONTAR COM A PARCERIA E A
e mais de 145 pesquisadores e técnicos SOLIDARIEDADE DE MULHERES NA
envolvidos na concretização da estratégia de NOSSA INSTITUIÇÃO NOS ESTIMULA A
formação. Nós tivemos mais de 69 mil pessoas SEGUIR EM FRENTE, REAFIRMANDO O
inscritas, a partir de uma parceria que fizemos NOSSO COMPROMISSO COM O SUS E
com o Conselho Federal de Psicologia. Foi COM A SOCIEDADE.
181
182

ESTAMOS
PRODUZINDO UMA
DOCUMENTAÇÃO
IMPORTANTE SOBRE
ESSE MOMENTO
TÃO ÚNICO NA
NOSSA VIDA
183

COMPROMISSO DA PESQUISA COM


A INFORMAÇÃO EM SAÚDE
MARGARETH PORTELA

Com o início da pandemia, todos nós nos sentimos na obrigação, de certa


forma, de dar algum tipo de resposta para o que estava acontecendo, da
melhor maneira possível, dentro das nossas áreas. Acho que isso é uma coisa
que caracteriza bastante o pesquisador, o compromisso é muito grande. Em
geral, nós trabalhamos por paixão pelo que fazemos. Vou falar um pouco do
Observatório e da nossa atuação ali. Inicialmente, o Observatório1 foi uma
iniciativa impulsionada pela própria Presidência da Fiocruz e que terminou
envolvendo um grande grupo de pesquisadores, porque muitos deles
contribuem com documentos, trabalhos, discussões, webinares. Mas há no
Observatório um grupo mais duro que, quinzenalmente, produz um boletim de
observação do que está acontecendo durante a Covid-19.

A OMS preconiza alguns indicadores mais no escopo da minha área. Nós


para o monitoramento da pandemia, temos produzido muitas informações
e nós temos monitorado esses no Observatório tanto em relação a essa
indicadores. Alguns deles são questão do monitoramento dos dados
epidemiológicos, tais como a incidência epidemiológicos quanto em relação à
nos últimos quinze dias, e, com isso, questão da estrutura e da utilização dos
temos uma noção da tendência da serviços de saúde, observando o que
pandemia – se está crescendo, se está está acontecendo nas hospitalizações 1. O Observatório tem
como função produzir
estabilizada, se está reduzindo. Temos por Covid-19 no Brasil.
informações para ação.
monitorado os óbitos e as síndromes Organiza-se em quatro
respiratórias agudas graves – o que Ainda temos taxas de mortalidade eixos: 1) Cenários
terminou sendo um grande marcador no muito altas nas nossas UTIs, Epidemiológicos; 2)
Medidas de Controle e
início da pandemia. Foi uma informação se comparadas com os dados
Organização dos Serviços
importante, porque houve um aumento internacionais. Ainda há um imenso e Sistemas de Saúde; 3)
muito grande das hospitalizações por trabalho a fazer. Existem dificuldades, Qualidade do Cuidado,
essas síndromes ainda no momento em às vezes, nos dados, um atraso em Segurança do Paciente
e Saúde do Trabalhador;
que não se diagnosticava com muita relação a alguns deles. Por exemplo,
4) Impactos Sociais da
precisão a própria Covid-19. Esses temos certa dificuldade de acesso para Pandemia. Para mais
dados são monitorados até hoje e ainda comparar os dados do setor público detalhes acesse:
se mantêm em níveis altos. E temos com os do setor privado do Brasil.
monitorado também outro indicador,
a ocupação dos leitos de UTI, que está
184

Assim, há alguns desafios, que vamos vencendo EU SEI QUE SOU MUITO APAIXONADA
de alguma forma, buscando produzir o melhor de PELO QUE EU FAÇO E, ÀS VEZES, COMO
informação que podemos, com grande esforço. TUDO NA VIDA, NÓS TEMOS DÚVIDAS,
TEMOS CRISES. ESTAMOS EM UM
Também há no Observatório uma área dedicada MOMENTO MUITO DIFÍCIL NO PAÍS.
à questão da segurança do paciente e do
trabalhador. De certa forma, ficou uma junção. Por exemplo, em 2019, eu, particularmente,
Nós falamos muito da qualidade do cuidado estava me sentindo triste com todo o
e da segurança do paciente, mas, por toda a desmantelamento, com a dificuldade de
característica da Covid-19 e pelo tanto que a financiamento para projetos. Ao mesmo
Covid, de fato, afetou os trabalhadores da área tempo, como pesquisadores, estamos sempre
da saúde, em especial, temos feito documentos encontrando uma brecha e uma paixão para
e trabalhos em relação a essa temática. E há continuar, porque trabalhamos realmente com
também a área das Ciências Sociais com um muita paixão.
grupo ativo, muito importante na abordagem
da questão indígena, da questão das favelas. Na De modo geral, não somos tão movidos pela
realidade, é um conjunto de ações e de estudos, questão do dinheiro (não que a gente não queira
dentro do Observatório. Nós temos o senso de viver uma vida confortável), mas somos muito
responsabilidade de que estamos produzindo movidos realmente pelas nossas questões, pelo
uma documentação importante sobre esse prazer e pela liberdade de pensar e de produzir
momento tão único na nossa vida, na nossa o que a gente realmente acha interessante e que
geração, e que, certamente, daqui a 100 anos, também interessa a outras pessoas.
será acessada por historiadores.
185
186

É UMA LUTA DE
TODOS NÓS, DA
SOCIEDADE E DE
CADA UM FAZENDO
A SUA PARTE PARA
QUE CONSIGAMOS
VENCER O MAIS
RAPIDAMENTE
POSSÍVEL ESSE
GRANDE DESAFIO
187

PANDEMIA DO LADO DE LÁ:


VENCENDO DESAFIOS NA BANCADA
DO LABORATÓRIO
MARILDA SIQUEIRA

A ocorrência de pandemias é recorrente em termos biológicos e históricos,


sendo esperado que de tempos em tempos elas tomem proporções relevantes.
Assim, o trabalho do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), enquanto
laboratório de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, e
para a Organização Mundial da Saúde (OMS), em nível global, é, em grande
parte, direcionado à preparação de protocolos e manuais para possíveis eventos
epidêmicos e pandêmicos que possam irromper.

Em se tratando de pandemias, com a detecção rápida da introdução de


seus potenciais efeitos globais, a variantes com potencial pandêmico.
OMS assume papel importante na O vírus Influenza apresenta potencial
coordenação das ações em nível pandêmico em algumas variantes em
internacional, enquanto no Brasil, assim espécies animais.
como em outros países, as autoridades
sanitárias locais são responsáveis por Mais recentemente, em 2003, ocorreu
articular todas as estratégias de controle uma pandemia de um coronavírus
e monitoramento. Nesse cenário se (SARS-CoV) semelhante ao que está
inserem Laboratórios de Referência, circulando agora, SARS-CoV1. Em
como o nosso, por exemplo, em eventos 2009, ocorreu, também, a pandemia
como os provocados pelo coronavírus do Influenza H1N1. Já em 2013, o
SARS-CoV1, em que a comunicação MERS-CoV, outro tipo de coronavírus,
constante com pesquisadores de outros circulou principalmente nos países do
países é determinante. Oriente Médio.

É parte contínua do nosso trabalho nos Nesse contexto, em dezembro de


prepararmos para pandemias ligadas 2019, a OMS anunciou um surto
ao vírus Influenza, o vírus da gripe, cuja de pneumonia, não característico e
mutação acontece de modo bastante não identificado. Foram relatados
característico de um ano para o outro números significativos de infecções
e ao longo dos anos. Há uma rede e ocorrência de óbitos, na China,
monitorada pela OMS voltada para acionando assim um sinal de alerta.
AUTORA: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ 188

Então, a OMS comunicou publicamente que o A partir de uma demanda da Opas, o Laboratório
patógeno seria um coronavírus e percebemos que de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/
nosso laboratório poderia rapidamente identificá- Fiocruz promoveu o treinamento de nove países
lo. Ainda preliminarmente, havendo casos latino-americanos para identificação desse
suspeitos, poderíamos detectar que se tratava de coronavírus. Em uma iniciativa bem-sucedida e
um coronavírus. Em janeiro de 2020, ainda não com uma resposta ágil, na semana seguinte à
tínhamos acesso aos insumos para a identificação solicitação, nove profissionais, de nove países
daquele coronavírus específico, entretanto, logo latino-americanos, iniciaram o treinamento com
nos primeiros dias, iniciamos uma preparação a metodologia do nosso laboratório, com os
para identificar esse coronavírus circulante. insumos adquiridos pela Opas e pelo nosso grupo
de pesquisa.
Em primeira instância, discutimos com a
Organização Pan-americana de Saúde (Opas) como Enquanto o treinamento ocorria, o Ministério
as Américas – principalmente, América Latina – da Saúde nos informou do primeiro contingente
poderiam ser organizadas, inclusive no treinamento populacional brasileiro chegando diretamente
de pessoas. Alguns dias depois, a OMS publicizou de Wuhan, local com alta transmissibilidade
em conjunto com a China um sequenciamento da doença. Esse grupo ficou hospedado numa
genômico desse novo coronavírus. Rapidamente, base aérea no estado de Goiás. O Ministério nos
um laboratório em Berlim (na Alemanha) convidou a ir para Goiânia, onde daríamos suporte
padronizou o teste, com o método de PCR em ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen),
tempo real, para a detecção desse vírus. de Goiás, para a detecção do SARS-CoV1. Cabe
189

destacar que Lacens são laboratórios estaduais união foi imprescindível devido à enorme lacuna de
de saúde pública, parte integrante do Sistema conhecimento em relação ao coronavírus naquele
Nacional de Laboratórios de Saúde Pública momento. Cerca de um ano depois do início da
(Sislab), do Ministério da Saúde. Há um Lacen em pandemia, contávamos com mais de 180 mil
cada capital estadual e no Distrito Federal. publicações científicas sobre o SARS-CoV1 – um
número de publicações sem precedentes, e que
Entramos em contato com o Instituto continua em crescimento, para um patógeno em um
de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio- período de um ano. No entanto, muitos elementos
Manguinhos), uma das unidades técnico- ainda precisam ser conhecidos.
científicas da Fundação Oswaldo Cruz
responsável pela produção e desenvolvimento de Participamos da criação de uma rede genômica no
vacinas e de kits diagnósticos para laboratórios. âmbito da Fiocruz, com o apoio da Vice-Presidência
O instituto confirmou que possuía capacidade de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB) da
técnica para desenvolver um kit diagnóstico de instituição. Essa rede engloba pesquisadores das
detecção do SARS-CoV1 para o Brasil. diferentes unidades da Fundação em diversos
estados brasileiros, trabalhando intensamente na
Iniciamos uma colaboração intensiva, com troca caracterização genômica dos vírus circulantes nos
de informações diárias. Naquele período, a vida estados. Apesar do foco em Covid, é um incrível
estava um pouco mais fácil: com máscaras, investimento com resultados para todas as áreas
podíamos transitar à vontade. Frequentávamos do conhecimento, em termos de melhoria das
Bio-Manguinhos ou a equipe deslocava-se para condições de saúde e redução do impacto social,
o nosso laboratório. Em menos de um mês, no econômico e psicológico, em níveis individual e
dia 17 de março de 2020, já produzíamos um kit populacional.
nacional de testagem e detecção do SARS-CoV1
padronizado com Bio-Manguinhos. Promovemos Nos primeiros meses de atuação no contexto da
a capacitação das equipes de todos os Lacens, em pandemia de SARS-CoV1, de janeiro até maio de
Belém, no estado do Pará, no Instituto Evandro 2020, trabalhamos no laboratório de segunda a
Chagas, em duas turmas. Com o esforço conjunto, segunda, até as 21h. No começo de uma pandemia,
treinamos novos países latino-americanos e as 27 não é possível ir para casa às 17h, não há fim do
unidades da Federação, rapidamente. expediente. Hoje, continuamos trabalhando muito,
com poucos momentos de relaxamento.
Ainda no mês de março de 2020, a OMS
organizou uma rede de Laboratórios de Referência Ainda que tivéssemos uma dimensão do desafio
e nos selecionou para integrá-la junto aos que estávamos enfrentando, não poderíamos
laboratórios do Centro de Controle de Doenças antecipar a gravidade dos acontecimentos, a
dos Estados Unidos (CDC). mortalidade altíssima e a imensa tristeza em nível
mundial. É uma luta de todos nós, da sociedade
A ciência se uniu em termos de projetos em comum, e de cada um fazendo a sua parte para que
com resultados importantes. Isso não se deu apenas consigamos vencer o mais rapidamente possível
internamente na Fundação Oswaldo Cruz, mas a esse grande desafio que se instalou na nossa vida.
partir de colaborações com outras universidades
e centros de pesquisa no Brasil e no mundo. Essa
190

É IMPORTANTE
FRISAR QUE MUITAS
DAS NOSSAS
GESTORAS E DAS
PESSOAS QUE ESTÃO
À FRENTE DESTE
TRABALHO SÃO
MULHERES MUITO
DEDICADAS
191

PRODUZINDO A VACINA,
SALVANDO VIDAS
ROSANE CUBER GUIMARÃES

Bio-Manguinhos1 começou sua atuação na pandemia de Covid-19 por meio


do fornecimento de kits de diagnóstico. Assim que saiu o sequenciamento do
RNA viral, a nossa pesquisadora doutora Patrícia Alvarez Baptista, junto com
a doutora Marilda Siqueira, fez o trabalho de padronização e desenvolvimento
de um kit molecular para diagnóstico da Covid-19 por PCR em tempo real.
Eu me lembro que, no dia 12 de março de 2020, estava na Anvisa discutindo
pela primeira vez o registro desse kit. Nós atuamos também em apoio aos
Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens). Ao termos conhecimento de
que os casos de Covid-19 eram muitos e que os Lacens não teriam capacidade
para fazer todos os diagnósticos, instalamos, em Bio-Manguinhos, uma unidade
de apoio ao diagnóstico.

Hoje, a Fiocruz gerencia quatro grandes Desenvolvemos um primeiro teste


centrais de alto processamento de e depois o aperfeiçoamos. Temos
amostras, com cada uma fazendo, em registrados três testes para diagnóstico
média, de 10 mil a 15 mil testes por RT-PCR e dois testes rápidos para
dia. Somente essas quatro unidades de diagnóstico de IgM e IgG. Também
apoio ao diagnóstico já foram capazes já temos registrados mais três kits
de processar mais de 7 milhões de de testes rápidos para antígenos.
testes. Bio-Manguinhos alcançou uma Então, em um primeiro momento da
capacidade de produção de cerca de pandemia, em 2020, Bio-Manguinhos
500 mil reações por semana. A nossa estava bastante focado na questão
primeira atuação no enfrentamento do diagnóstico. Em paralelo, também
da pandemia foi exatamente na atuamos no estudo clínico Solidarity,
área de diagnóstico. Atualmente da Organização Mundial da Saúde
temos estruturado um escritório que (OMS). Bio-Manguinhos forneceu
gerencia essas centrais e dá suporte à um dos medicamentos desse estudo, 1. Site de Bio-manguinhos
Coordenação-Geral de Laboratórios de o biofármaco Betainterferona 1a com atualizações
Saúde Pública (CGLAB), que é o órgão 44µg /0,5 ml. constantes sobre o Novo
Coronavirus:
do Ministério da Saúde que coordena os
laboratórios centrais. Em paralelo, nós criamos um grupo
de prospecção para analisar o cenário
Estamos ainda nessa frente de mundial de desenvolvimento de vacinas
diagnóstico, produzindo novos testes. contra Covid-19.
192

FOTO: ASCOM BIO-MANGUINHOS/FIOCRUZ


O intuito era saber quais estavam em estudo Nossa primeira reunião com a Agência foi em
clínico, quais eram as mais promissoras e as junho de 2020, quando apresentamos nossa área
que possuíam plataforma de produção que produtiva e os processos iniciais de fabricação
poderia ser internalizada por Bio-Manguinhos, que iríamos introduzir em Bio-Manguinhos.
para que conseguíssemos entregar e produzir Começamos os preparativos da área fabril e o
nacionalmente uma vacina de forma independente. recebimento de toda a documentação até que, em
Esse grupo de prospecção levou os resultados outubro, a Anvisa avisou que faria uma inspeção
das pesquisas e estudos ao Ministério da Saúde na planta industrial da empresa que estava nos
e, considerando uma série de fatores, incluindo fornecendo o ingrediente farmacêutico ativo (IFA),
a questão da internalização da plataforma por na China. Fui uma das pessoas escolhidas para ir
Bio-Manguinhos, a vacina de Oxford/AstraZeneca com a Agência e tivemos uma longa jornada por
foi a escolhida, decisão tomada em conjunto com lá. Ficamos 15 dias em quarentena em um hotel
o Ministério. Havia outros grupos de trabalho e, depois, uma semana realizando a inspeção.
atuando, paralelamente: um jurídico, para discutir Na China, conhecemos e entendemos como
o contrato de transferência de tecnologia que é o processo de produção, e participamos da
possibilitou trazer para o Brasil as 100 milhões inspeção junto com a Anvisa. Realmente, foi uma
de doses da vacina contra Covid-19; e o grupo experiência ímpar na minha vida.
regulatório, formado para cuidar da parte de
documentação, já que as agências regulatórias, Trabalhamos primeiro na questão do registro
com o intuito de agilizar a introdução das vacinas para uso emergencial de vacinas prontas, pois
no mundo, deram a possibilidade de uma nova precisávamos começar a vacinação o mais
forma de submissão de registro, que é a submissão rapidamente possível. Então, trouxemos do
contínua. Dessa forma, a partir do momento Serum Institute, da Índia, também produtor da
que os dados eram gerados, já entravam na vacina Oxford/AstraZeneca, 2 milhões de doses
documentação que seria enviada à Agência de vacinas prontas e entramos com o pedido de
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). uso emergencial em duas semanas. Elaboramos
193

toda a documentação necessária para a Anvisa, as áreas fabril e de produção. Nesta semana
que em dez dias emitiu a autorização. chegaram os primeiros tanques de 2 mil litros de
produção da vacina. Vamos solicitar à Anvisa que
ESTAMOS MUITO FELIZES COM ESSAS faça as inspeções nessas áreas, provavelmente
CONQUISTAS, MAS AINDA NOS entre abril e maio, para obter as condições técnicas
DEDICANDO 24 HORAS. e operacionais. A partir daí, começamos a fazer os
lotes de engenharia e validação, para termos, até
Implementamos efetivamente o turno noturno em o final do ano, a vacina nacional disponível para a
Bio-Manguinhos, com diversas áreas trabalhando população brasileira. É uma honra e um orgulho
diuturnamente para conseguirmos entregar os imenso. É importante frisar que muitas das nossas
100 milhões de doses que estão incluídas no gestoras e das pessoas que estão à frente deste
contrato da Encomenda Tecnológica (Etec) e trabalho são mulheres muito dedicadas. Todas
também internalizar a produção. Temos o objetivo com bastante motivação e garra para alcançarmos
de, até dezembro, produzir o IFA nacional em nossos objetivos.
Bio-Manguinhos. Para isso, estamos adequando
FOTO: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
194

AO MESMO
TEMPO, INICIAMOS
PESQUISAS CLÍNICAS
FUNDAMENTAIS
PARA GERAR DADOS
SOBRE A EPIDEMIA
NO NOSSO PAÍS
195

UM CENTRO HOSPITALAR
DEDICADO À COVID
VALDILÉA VELOSO

Esta é a terceira epidemia da minha vida profissional. Comecei lá atrás, com a


pandemia da Aids. Passamos pela dengue – eu, particularmente, não tive um
envolvimento direto no enfrentamento da grande epidemia de dengue aqui no
Brasil. Vivemos a pandemia da gripe, H1N1, a primeira emergência em saúde
pública decretada pela Organização Mundial da Saúde. Agora, vivemos essa
terrível pandemia de Covid-19.

O Instituto Nacional de Infectologia Quando chegou realmente o


Evandro Chagas (INI) – atuante em primeiro caso, antes do primeiro
pesquisa, assistência e ensino – é caso autóctone de ocorrência de
referência para doenças infecciosas, transmissão no Brasil, nós já havíamos
em especial, as que ameaçam a separado uma área com estrutura de
saúde pública, como temos agora isolamento no nosso centro hospitalar
a Covid-19. Quando ouvimos antigo, com um número pequeno
notícias dos primeiros casos na de leitos. Não tão boa como as que
China, acreditávamos que seria temos agora, mas já reservamos os
uma doença restrita à Ásia, que não quartos, preparamos os instrumentos,
alcançaria as Américas. Quando respiradores, os equipamentos de
percebemos o aumento de casos, terapia intensiva e intensificamos o
antecipando a grande probabilidade treinamento do nosso pessoal.
de chegar ao Brasil, começamos a nos
preparar. Retomamos, por exemplo, Já no início da epidemia, começamos
o treinamento para o enfrentamento a receber muitos pacientes que, em
do ebola – nós fomos referência pouco tempo, começaram a extrapolar
para os casos suspeitos de ebola a nossa capacidade de atendimento
no Brasil. Verificamos qual seria o nos quartos de UTI. O número de
material necessário, se precisaríamos respiradores que tínhamos no INI
adquirir roupas especiais (como para atender os casos também não
os macacões utilizados para o era suficiente. Havia uma quantidade
enfrentamento do ebola); também considerável de pacientes críticos
treinamos os profissionais e gravamos precisando de UTI. Os enfermos
um vídeo demonstrando o uso dos chegavam ao nosso pronto-
equipamentos de proteção individual. atendimento e muitos precisavam ser
intubados imediatamente, colocados
196

no respirador. Naquele momento, tivemos enfrentando os desafios de manejar esses


que pedir respiradores emprestados. Pedimos pacientes críticos há mais tempo do que a
ao Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da nossa equipe. E assim, fomos aumentando a
Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, nossa capacidade de internação, aumentando o
recebemos empréstimo também do Hospital número de pacientes internados sob os nossos
Geral de Bonsucesso e estávamos realmente cuidados. Ao mesmo tempo, iniciamos pesquisas
muito preocupados com o que faríamos quando clínicas fundamentais para gerar dados sobre
não tivéssemos mais leitos para acomodar os a epidemia no nosso país. Contávamos com
pacientes. Em seguida, todos os nossos leitos inúmeros pacientes que nos possibilitavam o
foram separados para pacientes com Covid-19. estudo das manifestações clínicas da Covid-19.
Nós nos associamos a pesquisadores da área
Os pacientes de atendimento regular já não básica, como a Dra. Marilda Siqueira, e ao grupo
tinham leitos no INI. Então, por uma iniciativa da Dra. Marisa Morgado, para pesquisarmos
da presidência da Fiocruz, surgiu a possibilidade conjuntamente, gerando dados clínicos e de
de construir um centro hospitalar dedicado à laboratório com mais rapidez.
Covid-19. Foi um grande desafio: criar e equipar
um centro hospitalar planejado para atender O ensaio clínico mais famoso que iniciamos é o
200 pacientes críticos, recrutar profissionais Solidarity, um estudo da Organização Mundial
de saúde, treiná-los e começar a atender os da Saúde que continuamos conduzindo. A
enfermos no momento em que o mundo inteiro pesquisa, que acontece em dezenas de países,
já estava em busca dos respiradores, dos contribuiu já na primeira etapa para comprovar
equipamentos de proteção individual para os que alguns medicamentos não funcionam.
profissionais de saúde. Logo em seguida, entramos em outra
etapa, esperando que alguns dos novos
Nós precisávamos adquirir tudo. Foi um esforço medicamentos apresentassem resultados.
hercúleo da equipe do INI, junto com a equipe Nesse sentido, fizemos um ensaio clínico de
da presidência, para facilitar as compras e plasma, de soro convalescente, e os resultados
encontrar profissionais qualificados. A ajuda da serão publicados em breve.
Fundação para o Desenvolvimento Científico
e Tecnológico em Saúde (Fiotec) também foi Merecem também destaque o ensaio clínico
fundamental. Em sete semanas, nós construímos da vacina da Janssen, que teve seus primeiros
esse centro hospitalar e iniciamos a internação resultados divulgados recentemente, e os
dos primeiros pacientes. Foi um recorde! Em estudos de outros medicamentos ainda não
meados de maio de 2020, já estávamos com os registrados para pacientes internados e atendidos
profissionais treinados para o centro começar em ambulatórios. Esses fármacos estão sendo
a funcionar e enfrentando o desafio de uma utilizados no estudo de reposicionamento
doença muito pouco conhecida, com incertezas de drogas – medicamentos que já existem
no manejo dos pacientes. no mercado e que, por dados de laboratório,
demonstraram potencial para tratar a Covid-19.
Nós interagimos muito – virtualmente – com Esses estudos estão em andamento. Além deles,
profissionais, médicos e pesquisadores da há algumas propostas para análises que vamos
Europa e até mesmo da China, que já estavam iniciar em breve, nos associando a outros centros
FOTO: PETER ILICCIEV | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
197

de pesquisa clínica no Brasil: ensaios clínicos exigem muitos Recebemos os primeiros pacientes
pacientes e não se consegue fazer apenas com um centro só. de Manaus em fevereiro de 2021.
Depois, acolhemos novos grupos de
ESTAMOS ATUANDO EM VÁRIAS ÁREAS pacientes e continuamos apoiando o
PARA GERAR IMPORTANTES RESULTADOS. Ministério da Saúde no atendimento
DESENVOLVEMOS EXPERIÊNCIAS E ENSAIOS dessa necessidade. É uma ajuda ao
CLÍNICOS SOBRE MODELOS DE VENTILAÇÃO DE povo do Amazonas e à população no
PACIENTES COM COVID-19. Rio de Janeiro, porque o nosso centro
hospitalar tem condições ideais de
Também produzimos estudos na área de fisioterapia, isolamento para o risco da infecção por
enfermos em posição prona e equipamentos para garantir variantes. Temos quartos individuais
mais conforto e melhor adaptação, evitando ferimentos de com pressão negativa, temos EPIs
pressão em pacientes que precisam ficar um longo tempo de boa qualidade, profissionais
de bruços, na posição prona. treinados. Isso faz com que o risco de
disseminação dessas variantes seja
Temos atuado igualmente na capacitação de profissionais muito reduzido.
para outros serviços, uma solicitação que nos foi feita
pelo Ministério da Saúde. Apoiamos ainda o Ministério no Todas essas iniciativas são realizadas
enfrentamento da situação que ocorreu em Manaus, inclusive no apoio ao Estado, ao município e ao
com a falta de leitos e de oxigênio para os pacientes. Essa Ministério da Saúde, no que está ao
questão do colapso do sistema de saúde é grave.. nosso alcance, seja na assistência, na
pesquisa ou no ensino.
198

ESTUDOS E
POLÍTICAS PÚBLICAS
COM PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL
E DE GÊNERO SÃO
FUNDAMENTAIS
PARA PRODUZIR
REFLEXÕES E
PROPOSIÇÕES SOBRE
AS RELAÇÕES ENTRE
SAÚDE E CUIDADO
199

HOMENS E MULHERES SÃO AFETADOS


DE FORMA DIFERENTE POR EPIDEMIAS?
O CASO DA COVID-19 NO BRASIL
DENISE NACIF PIMENTA

Os processos de saúde-doença, as epidemias e seus impactos sociais,


econômicos, políticos e culturais são marcados por questões de gênero. A vida e
a saúde de homens e mulheres (bem como as de outras identidades não binárias)
são afetadas de forma desproporcional pelos processos epidêmicos. No entanto,
a ciência, os governos e as políticas públicas continuam, na maioria das vezes,
ignorando tal marcador ao desconsiderar fatores associados à categoria gênero.
Respostas supostamente “neutras” e homogêneas reforçam e aprofundam
desigualdades de forma sistemática. Historicamente, os planos e as respostas de
enfrentamento às emergências sanitárias, em geral, não mencionam ou trazem
análises sobre os impactos ligados a gênero. Além disso, os sistemas de saúde
e de informação epidemiológica, bem como o de dados sociodemográficos,
dificilmente trazem dados desagregados e de cunho qualitativo sobre a temática.
Tal fato tende a impedir análises mais aprofundadas, invisibilizando sobremaneira
os processos de vulnerabilização e marginalização das populações brasileiras.

Após quase dois anos de pandemia, bem como fatores interseccionais,


ainda não há no Brasil um plano não são mencionados. No entanto,
nacional de enfrentamento à sabe-se que ao redor do mundo e,
Covid-19. Diante disso, desde o especialmente no Brasil, as mulheres
início da pandemia um conjunto de são desproporcionalmente impactadas
organizações brasileiras e sociedade pelas epidemias e emergências
civil tem se reunido para pautar a sanitárias (WENHAM et al., 2020).
luta por direitos humanos. Somente
em agosto de 2021 o Ministério da O conceito de sexo denota
Saúde publicou o Plano Nacional marcadores biológicos de homens
de Operacionalização da Vacinação e mulheres, ao passo que gênero é
contra a Covid-19 (MS, 2021), com um conceito construído socialmente
foco na vacinação no território que reflete normas socioculturais,
nacional. Apesar de incluir gestantes, identidades e relações que conformam
puérperas e lactantes como grupo comportamentos considerados
prioritário no plano, outras expressões “masculinos” e “femininos”. Homens
e identidades de gênero não binárias, geralmente sofrem com efeitos
200

1. O eixo Impactos Sociais


primários de surtos (probabilidade de tecnologias, propostas e soluções
possui quatro subeixos:
“Covid nas favelas”, morte etc.) e as mulheres, com seus para a pandemia de Covid-19 pelo
“Saúde indígena”, “Ética efeitos secundários (socioeconômico, Sistema Único de Saúde (SUS) e pela
e bioética” e “Gênero entre outros). Destaca-se que a sociedade brasileira. Foi estruturado
e Covid”. Este texto
categoria gênero também deve de modo colaborativo, permitindo
apresenta os principais
resultados do subeixo ser pensada no intercruzamento que as iniciativas e os trabalhos
“Gênero e Covid”. Todo com outros estratificadores já desenvolvidos e em redes de
o trabalho desenvolvido sociais, como etnia/raça, religião, cooperações internas e externas,
neste subeixo contou com
localização geográfica, capacidade voltados para a produção e divulgação
a colaboração da Rede
Covid-19 Humanidades física, orientação sexual, geração, de materiais de mobilização, fizessem
MCTI, da Universidade classe social, entre outros. Portanto, frente à pandemia. O Eixo Impactos
Federal do Rio Grande tornam-se imperativas novas Sociais1 do Observatório pauta-se
do Sul (UFRGS) e do
pesquisas que compreendam essas em uma perspectiva teórica de que
projeto “Covid-19 riscos,
impacto e resposta interseções em contextos epidêmicos as enfermidades são fenômenos a
de gênero: pesquisa e (PIMENTA et al., 2021). um só tempo biológicos e sociais,
orientação de políticas”, construídos historicamente mediante
apoiado pela Fundação
Assim, analisar a pandemia de complexos processos de negociação,
Bill & Melinda Gates. As
pesquisas se desenvolvem Covid-19 sob uma lente de gênero disputas e produção de consensos
simultaneamente no é necessário para tornar explícitas (MATTA et al., 2021).
conjunto da cooperação iniquidades e vulnerabilidades que
entre redes de pesquisa
marcam o espaço social e que No contexto dos estudos sobre
para responder ao desafio
de analisar e enfrentar a são geralmente invisibilizadas em Impactos Sociais, no subeixo Gênero
pandemia no Brasil. pesquisas biomédicas, bem como nos e Covid, tem-se desenvolvido uma
dados epidemiológicos e econômicos. série de pesquisas em parceria com
Estudos de gênero são fundamentais “Gender and Covid-19 Project”2 que,
para produzir reflexões e proposições por meio de uma lente de gênero,
sobre as relações entre saúde e destaca as necessidades específicas
sociedade, bem como sobre as normas de saúde e de vida de mulheres. Por
culturais que fazem parte da estrutura exemplo, os serviços de assistência
social, engendrando subjetividades. à saúde integral das mulheres
Nesse sentido, pesquisadores da foram afetados, com restrição de
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) funcionamento e interrupções.
se mobilizaram para fazer frente a Tem-se estudado um registro de
2. Gender and COVID-19
Project” é financiado pela
essa situação e contribuir com ações aumento de gravidezes indesejadas,
Fundação Bill & Melinda e respostas para políticas públicas complicações de aborto, dificuldades
Gates. Tem abrangência pautadas em pesquisa e conhecimento de acesso à contracepção,
internacional e o estudo
científico por meio do Observatório aumento da mortalidade materna
de caso brasileiro é
coordenado por D.
Covid-19 da Fiocruz. e dificuldades de acesso a ações
Pimenta na Fiocruz Minas. preventivas ou ao tratamento de
O observatório foi criado em doenças de mama e ginecológicas,
abril de 2020 com o objetivo de incluindo o tratamento de infecções
desenvolver análises integradas, sexualmente transmissíveis. Nesse
201

3. A pesquisa é
sentido, realizou-se uma pesquisa com Agentes Comunitários de Saúde
coordenada pelas
on-line sobre práticas reprodutivas (ACS), Agentes de Combate a Endemias doutoras Claudia Bonan
das mulheres com o objetivo de (ACE), Agentes de Promoção Ambiental Jannotti, do Instituto
identificar como essas questões (APA) e Agentes de Vigilância Sanitária Nacional de Saúde da
Mulher, da Criança e do
estão ocorrendo no Brasil 3. (AVS) nos territórios de São Paulo,
Adolescente Fernandes
Belo Horizonte e Rio de Janeiro para Figueira (IFF/Fiocruz),
O grupo também aprofundou o compreender o controle de vetores e Ana Paula dos Reis,
conhecimento sobre o impacto da arboviroses no contexto da pandemia de do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade
pandemia nos profissionais de saúde4. Covid-19, todas também com foco em
Federal da Bahia (ISC/
Por meio de diversos artigos, relatórios questões relacionadas ao gênero. UFBA) e Denise Nacif
e notas técnicas, demonstrou que falar Pimenta, do Instituto René
de profissionais de saúde é também falar O grupo vem trabalhando ainda em Rachou (IRR/Fiocruz).
Para mais detalhes:
sobre a atuação das mulheres nesse questões de masculinidades, buscando
campo (já que aproximadamente 70% refletir sobre o processo de saúde-
da força de trabalho no Brasil é feminina). doença-cuidado em uma perspectiva
A aplicação de questionários on-line, relacional de gênero e os impactos
de âmbito nacional, para profissionais sociais da pandemia na vida cotidiana
de saúde, já se encontra em sua quinta de homens e mulheres. Já a violência
rodada. Esta última contou com 935 contra a mulher no contexto da 4. A pesquisa é
profissionais de saúde de todo o país, em pandemia também foi aprofundada por coordenada por Gabriela
Lotta, da Fundação
julho de 2021, e descobriu que mais de pesquisadores da Universidade Federal
Getulio Vargas (FGV),
83% sentem medo da Covid-19. Quase de Minas Gerais (UFMG). em colaboração com
a totalidade dos respondentes (97,5%) pesquisadores da
afirmou conhecer algum companheiro de O MESMO GRUPO DE Fiocruz e Rede Covid
Humanidades. Todas
trabalho com suspeita ou diagnosticado PESQUISADORES ESTAR
as publicações estão
com Covid-19 e boa parte dos ANALISANDO AS PROPOSIÇÕES reunidas no website, com
profissionais (58,3%) diz ainda não ter LEGISLATIVAS REFERENTES acesso aberto.
recebido treinamento para lidar com a ÀS QUESTÕES DE GÊNERO
pandemia. Também foram analisados os DURANTE A PANDEMIA5.
dados sob uma perspectiva de gênero
e raça. Além disso, realizou-se pesquisa
qualitativa por meio de entrevistas em
5. As pesquisas estão em
profundidade em três frentes diferentes:
desenvolvimento e são
(i) com os profissionais de saúde pública coordenadas pela Dra
de todo o Brasil que se disponibilizaram Marlise Matos (UFMG),
nas etapas dos surveys online; (ii) com em colaboração da
Fiocruz e Rede Rede Covid
profissionais da equipe expandida
Humanidades.
da Covid-19 que atuaram na Região
Metropolitana de Belo Horizonte e (iii)
202

6. A pesquisa é
Além disso, trabalhamos com grupos foi realizada por mulheres. Mulheres
coordenada pela Dra.
de jovens negras ativistas por meio pesquisadoras, cientistas, estudantes Corina Mendes e Marcos
de um survey nacional respondido de pós-graduação, de movimentos Nascimento, do Instituto
por 152 ativistas de 17 estados e de sociais e organizações da sociedade Nacional de Saúde da
Mulher, da Criança e do
entrevistas em profundidade que serão civil, professoras, profissionais de saúde,
Adolescente Fernandes
realizados com 30 jovens6. Realizamos quilombolas, dentre outras. Todas Figueira (IFF/Fiocruz)
pesquisas qualitativas com mulheres de impactadas de uma forma ou de outra
comunidades urbanas (Cabana do Pai por quase dois anos de pandemia, sem 7. A pesquisa é
coordenada pela Dra.
Tomás – Belo Horizonte e Sapopemba – queda substancial do número de casos e
Claudia Bonan Jannotti,
São Paulo) e comunidades quilombolas mortes. Mulheres com carga de trabalho do Instituto Nacional
(Córrego do Rocha - Chapada do Norte, (dentro e fora de casa) inimaginável e de Saúde da Mulher, da
MG e Córrego do Narciso - Araçuaí, MG). saúde mental prejudicada. Mas que, Criança e do Adolescente
Fernandes Figueira, do
Também se encontra em andamento mesmo no caos político, econômico
Instituto Fernandes
parceria com o projeto Nascer Brasil e social em que se encontra o Brasil Figueira (IFF/Fiocruz/ RJ),
2, onde um dos objetivos é analisar os pandêmico, produzem conhecimento e pela Dra. Ana Paula dos
impactos da pandemia nas práticas pesquisa engajada. Mulheres na ciência Reis, do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade
reprodutivas de mulheres no Brasil7. que, acima de tudo, resistem!
Federal da Bahia (ISC/
UFBA), no contexto do
Por fim, organizou-se um livro sobre projeto “Gender and
história oral, mulheres e Covid, em REFERÊNCIAS COVID-19 Project”,
financiado pela Fundação
colaboração com historiadores da MATTA et al. (org). Os impactos sociais
Bill & Melinda Gates.
Universidade Federal Fluminense da Covid-19 no Brasil: populações
(UFF), em vias de publicação pela vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio 8. O eixo Impactos
editora Letra & Voz. de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. Sociais, com apoio
da Embaixada
Britânica no Brasil,
Dessa forma, não resta dúvida de MINISTÉRIO DA SAÚDE – MS. Secretaria desenvolveu um guia
que a pandemia de Covid-19 no Brasil Extraordinária de Enfrentamento à para gestores públicos
impacta de forma heterogênea pessoas Covid-19 – Secovid. Plano Nacional de com recomendações
inclusivas e sustentáveis
de diferentes gêneros. Operacionalização da Vacinação contra a
para populações
Covid-19. Brasília/DF, 2021. vulnerabilizadas.
Nesse sentido, estudos e políticas Desenvolvemos o eixo
públicas com perspectiva interseccional PIMENTA, Denise Nacif et al. Leituras de de gênero com acesso
interativo on-line.
e de gênero são fundamentais para Gênero sobre a Covid-19 no Brasil. In: MATTA,
produzir reflexões e proposições sobre Gustavo Correa; REGO, Sergio; SOUTO, Ester
as relações entre saúde e cuidado, Paiva; SEGATA, Jean (org.). Os impactos
bem como entre as normas culturais sociais da Covid-19 no Brasil: populações
que fazem parte da estrutura social, vulnerabilizadas e respostas à pandemia, Rio
engendrando subjetividades em de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021.
homens, mulheres e pessoas que não se
identificam de maneira binária8. WENHAM, Clare et al. Women are most
affected by pandemics: lessons from past
E, como pontuação final, a grande maioria outbreaks, Nature, v. 583, n. 7815, p. 194-
das pesquisas supracitadas deste subeixo 198, 2020.
203
204
205

DESIGUALDADES
E GÊNERO –
INTERSECÇÕES
PARTE 4
206

TEMOS QUE
AMPLIAR NOSSOS
REFERENCIAIS
TEÓRICOS E NOSSAS
LÓGICAS DE LER
E COMPREENDER
O MUNDO
207

DESIGUALDADES DE GÊNERO: BREVES


DENÚNCIAS E PÍLULAS DE ANÚNCIOS
ANAKEILA STAUFFER

Por ser um curto espaço de fala, pontuarei aqui breves denúncias e pílulas de
anúncios históricos que ajudam a nos curar para que possamos construir uma
história diferente. Falar sobre desigualdade entre homens e mulheres é abordar
os desafios atrelados ao gênero na realidade de grande parcela da população
brasileira, nos âmbitos pessoal e profissional. Tratando de cientistas negras,
as iniquidades são ainda maiores. Para reduzi-las, precisamos compartilhar
informação de qualidade, promover o conhecimento de ponta e, para nos
inspirar, ouvir as trajetórias das pesquisadoras já atuantes.

A Unesco apontou que no ano conhecimento. Esses fatores são


de 2016, menos de 30% dos fundamentais para a defesa dos
pesquisadores e cientistas do direitos humanos e o reconhecimento
mundo eram mulheres. Em posições da pluralidade do povo brasileiro.
hierárquicas mais altas, o índice se
torna ainda menor. De acordo com Nesse processo de reconhecimento
esse relatório 1, as mulheres também e de efetivação de direitos, é
têm menos acesso a financiamentos, importante trazer a questão da
o que acaba colocando as desnaturalização do que é ser mulher.
pesquisadoras em posição de Isso é uma formulação inferida
desvantagem quando se trata de uma diferenciação binarizada
de publicações científicas de que define um papel masculino e
impacto elevado. um feminino, não biológicos, mas
construídos culturalmente. Tornamos
A Fiocruz vem realizando um trabalho naturais essas atribuições porque
inovador na redução da desigualdade fomos criados sob esse paradigma. Se
de gênero. Temos na instituição o pensarmos na teoria da reprodução
Comitê Pró-Equidade de Gênero, social, temos a naturalização de que
que desde 2008 busca promover cabe à mulher o cuidado, que por 1. Relatório da Unesco:
a equidade de gênero, de relações sua vez gera valor para o mundo e Unesco Science Report
étnico-raciais e da diversidade sexual uma economia para a sociedade com Towards 2030:

— seja nas relações de trabalho, a execução do trabalho doméstico


no atendimento às pessoas ou feito pela mulher. Mesmo quando o
na produção e popularização do parceiro divide as tarefas privadas
208

cotidianas, a mulher as administra, ou seja, tem No que se refere ao âmbito das pós-graduações,
a responsabilidade de fazer o cotidiano privado é relevante refletir sobre as funções de gestão.
funcionar. O fato é que é tarefa árdua viver e Passamos a defender e a realizar a participação
sobreviver com o acúmulo de tarefas no espaço das mulheres em cargos de gestão. Mas esse
público e privado. tipo de trabalho possui um elemento braçal,
quase um cuidar da administração e das
Historicamente, o trabalho de cuidar evidencia burocracias que são cada vez maiores no âmbito
relações fortemente hierárquicas, envolvendo estatal. Como um tempo enorme é perdido
vulnerabilidade e desigualdade social, cumprindo burocracias, ninguém quer mais
econômica, etária e de gênero. Mulheres de estar nesses cargos, que acabam ocupados
menor renda têm maior carga de cuidado por mulheres. Assim, não basta encarregar-
domiciliar e menor suporte social. se da gestão se não mudarmos a lógica de
funcionamento, ou de (re)produção de trabalho,
Temos experiências soviéticas em que as capitalista e machista.
mulheres tinham o agenciamento coletivo da
dimensão do cuidado. Com o capitalismo, isso Sobre a questão do reconhecimento e
se volta para o espaço doméstico: o dentro da valorização da história e cultura afro-brasileira
casa torna-se responsabilidade feminina. Assim, e africana, apesar de termos a Lei n. 10.639,
nosso sofrimento, social e estrutural, é mantido desde 2003, efetivamente, é muito difícil que
pelo sistema econômico que cria o patriarcado, as escolas se debrucem sobre esses temas e os
submetendo a mulher e assujeitando o homem a vivenciem no cotidiano escolar. Toda a formação
um modelo imposto. E o opressor não é apenas dos docentes é pautada na cultura europeia e
externo, mas igualmente trazido internamente: branca, encobertando-se e mesmo apagando
repetimos ou aceitamos essa relação de de nossa cultura e memória toda e qualquer
oprimido e opressor, ou como diria Paulo referência aos povos negros, de valorização de
Freire, carregamos o opressor dentro de nós e suas trajetórias e sua ciência. Não basta fazer
naturalizamos o status quo. com que essa temática apareça em nossas
escolas nos meses de maio e de novembro.
Temos que ampliar nossos referenciais teóricos
SE ESSE CAPITALISMO SE COLOCA UMA e nossas lógicas de ler e compreender o mundo.
ÚNICA POSSIBILIDADE, O QUANTO
PODEMOS NOS PERMITIR SONHAR No entanto, é crucial que isso esteja nas nossas
DIFERENTE? EU, POR EXEMPLO, POSSO escolas. Muitas vezes, meninas negras não se
AFIRMAR QUE NÃO QUERO ACEITAR veem legitimadas e representadas. Mesmo com
MAIS ESSA CONFIGURAÇÃO DE FAMÍLIA educadoras do seu grupo étnico-racial no ensino
BURGUESA E QUERO OUSAR, SONHAR fundamental, conforme essas meninas avançam
UMA OUTRA SOCIEDADE POSSÍVEL. no grau de escolarização, é cada vez menor o
E O QUE NOS PERMITIMOS SONHAR, número dessas professoras de pele preta no
NOS PERMITIMOS PESQUISAR. lugar do conhecimento.
209

É muito importante reconhecermos que estamos NÓS SOMOS PORQUE OUTRAS


aqui hoje porque uma série de mulheres, nossas FORAM CONOSCO E SEREMOS COM
ancestrais, lutaram e construíram esse caminho. TANTAS OUTRAS, MULHERES NEGRAS,
Se quisermos aprofundar ainda mais o debate INDÍGENAS, DEFICIENTES E TODA
das relações étnico-raciais, o que sabemos de A SORTE DE MULHERES QUE
nossos povos originários? O que sabemos da HÁ NO MUNDO!
cosmologia, da produção de conhecimentos,
da história, da linguagem de nossos povos
indígenas? O que sabemos das lutas das
mulheres indígenas, nossas parentas? Foram as REFERÊNCIAS
nossas ancestrais que pegaram os pedregulhos GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina.
e os transformaram em pedras menores, para 12. ed. São Paulo: L&PM, 1999.
que machuquem menos os nossos pés, retirando
essas pedras, árvores e galhos do meio do UNITED NATIONS. Educational, Scientific and Cultural
caminho, quando possível. E que façamos o Organization. Unesco Science Report Towards 2030. 2.
mesmo com as gerações seguintes. ed. Paris: Luxembourg by Imprimerie Centrale, 2016.

Que também não nos esqueçamos que somos


nossas origens ameríndias, afrodescendentes. Como
salienta o autor Eduardo Galeano (1999), povos
indígenas e africanos trabalham na base da nossa
comunidade. Não é à toa que ubuntu é uma palavra
corrente, demonstrando o fato de que a minha
humanidade está inextricavelmente ligada à sua.
FOTO: RAQUEL PORTUGAL | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
210

A SOCIEDADE
FABRICA A
IMPOTÊNCIA
DA VELHICE, DO
MESMO MODO
QUE FABRICOU
A IMPOTÊNCIA
DA MULHER
211

ENVELHECIMENTO, MORTE,
SOBREVIVÊNCIA E VIDA
DALIA ROMERO

A pandemia revelou a necessidade de dar visibilidade à desigualdade de


gênero no processo de envelhecimento e saúde da pessoa idosa, considerando
o contexto demográfico, socioeconômico e cultural, temas nos quais venho
trabalhando há décadas. Nesta apresentação, tentarei focar o motivo do
convite: apresentar minha trajetória e mostrar o que me levou pessoalmente
à cientista social que sou hoje e ao tema de envelhecimento e desigualdade.

Alguns marcadores de vida me aparente, mas, especialmente, a


levaram à sociologia. Um deles foi entender que o processo de produção
estudar até os 11 anos na escola de conhecimento é permeado pelo
pequena e pública do bairro pobre poder e que, portanto, para entender
onde morava e passar para uma a desigualdade social era preciso se
escola privada na adolescência. perguntar “por que sabemos disso e
Esse fato ajudou a entender a não daquilo?”, mostrar a invisibilidade.
vulnerabilidade frente ao contexto e
me levou a perguntas que procurei Comecei muito jovem querendo dar
responder com a sociologia. Meus visibilidade ao invisível, e continuei, de
pais terem sido muito pobres e diferentes perspectivas, trabalhando
nunca esquecerem suas raízes, no tema da saúde e informação,
serem migrantes da área andina mas demorei anos para chegar ao
à área caribenha foram outros meu tema atual: o envelhecimento.
marcadores vitais. Estudei o mestrado no México no
final dos anos 1980, ainda guerra
Em 1979, ingressei na faculdade de fria, quando a demografia estava
Sociologia. Fui bolsista desde essa fase dominada pela ideologia que
até o doutorado, seja por sorte ou por defendia, com critérios científicos,
luta. Importante na minha formação que a redução da fecundidade não
ser assistente de pesquisa em uma só era iminente, mas necessária para
equipe multidisciplinar que realizava diminuir a pobreza. Tive excelentes
o primeiro sistema de indicadores referências de feministas brasileiras no
sociais e econômicos da Venezuela, mestrado, como Neide Patarra e Ana
chamado Diasper. Tive excelentes Maria Goldani, e de meu orientador
orientadores que me ensinavam a Mario Bronfman, que me levaram a
não apenas trabalhar a informação questionar os paradigmas científicos.
212

Não por acaso o primeiro artigo que eu DA MESMA FORMA QUE A


publiquei no Brasil, durante o doutorado, foi para DESIGUALDADE SOCIAL E A VIDA
desmistificar a teoria da diminuição da pobreza INDIVIDUALISTA E CAPITALISTA
pela redução da fecundidade. Já era evidente EXITOSA FAZEM MAL PARA OS RICOS,
que uma consequência da acelerada redução da NO ENVELHECIMENTO, TAMBÉM FICA
fecundidade inexoravelmente levaria ao aumento NÍTIDO COMO O MACHISMO FAZ MAL
da população idosa. Era necessário advertir que PARA O HOMEM.
a mulher, em ambas as fases, levava a maior
carga. No que chamavam a nova ordem mundial,
dominada pelo neoliberalismo, o abandono do Não é por acaso que as estatísticas de suicídio
cuidado de idosos por parte do Estado e da masculinas são superiores às femininas. E
sociedade já era colocado como alerta. na velhice, encontramos muitas pessoas
ricas em grande tristeza, consumindo muitos
O tema do envelhecimento demográfico e da medicamentos, como antidepressivos, na
saúde do idoso, no âmbito da epidemiologia, teve tentativa de conviver com o individualismo
um marcador pessoal importante: em primeiro doentio que a sociedade inculca como valor de
lugar, a aposentadoria de meu pai. Isso levou a sucesso social.
grandes mudanças do padrão e ânimo de vida,
em parte por mudar seu lugar no poder domiciliar. Submetida à alienação social, a velhice torna-
Minha mãe se reinventou. se um mal para o homem, condição abjeta aos
olhos do mundo. Não é por acaso que estamos
Em segundo lugar, a proximidade com o livro A em plena pandemia e as grandes pautas,
Velhice – A Realidade Incômoda, em que Simone inclusive da agenda acadêmica e social, pouco
de Beauvoir analisa a experiência subjetiva ou nada incorporam a mulher idosa, ou gênero
de envelhecer. Foi inesquecível ler a condição e o envelhecimento, ou racismo entre os idosos.
da mulher na velhice como um fato cultural, A maior parte dos estudos e políticas públicas
e não apenas biológico. A sociedade fabrica a também não incorporam a complexidade dos
impotência da velhice, do mesmo modo que aspectos sociais, econômicos, históricos e
fabricou a impotência da mulher. Para Beauvoir, culturais que determinam o modo de envelhecer
essa percepção de debilidade relacionada à ou a própria valorização da velhice.
velhice tem relação com a estrutura capitalista:
em uma sociedade que tem como valor essencial Sendo o envelhecimento um processo, presente
a ideia de produtividade, os mais velhos, excluídos ao longo de toda a vida, é preciso entender que
de um papel ativo na sociedade (BEAUVOIR, o envelhecimento feminino não começa na
1970), são percebidos como improdutivos e sem menopausa, sendo a desigualdade de gênero
futuro, invisibilizando-se a população idosa. Essa marcante no curso vital. O plano da Decade
imagem de improdutividade é contraditória com a of Health Aging 2020-2030, da Organização
realidade na qual idosos, como os brasileiros, são Mundial da Saúde, por exemplo, aponta que
eixo central na diminuição da pobreza domiciliar e a discriminação presente em todo o curso
no cuidado dos filhos e netos. de vida afeta negativamente a igualdade de
oportunidades e tratamento para mulheres
no mercado de trabalho, incidindo também
213

1. O plano da OMS,
na insegurança de renda em idade 70 anos, já somos quase o dobro da
original em inglês, está
avançada e no acesso aos benefícios população masculina. disponível aqui:
previdenciários. Nos países que
fazem parte da Organização para Em 2020, a expectativa de vida
a Cooperação e Desenvolvimento feminina é de 80 anos ao nascer. A
Econômico (OCDE), a pensão anual do homem é de 72 anos, expectativa
paga a mulheres é, em média, 27% da mulher há 20 anos. Essa diferença
menor do que a dos homens. Em deve ser analisada por um olhar de
outros lugares, leis sobre propriedade gênero no Brasil para uma sociedade
e herança de terras tornam mais saudável.
mulheres idosas mais vulneráveis à
pobreza. Trabalhadoras idosas são Hoje, em plena pandemia, é preciso
desproporcionalmente afetadas pela defender o Sistema Único de Saúde
automação de funções, mudança e explicar que a atenção primária
tecnológica e inteligência artificial, faz bem para todos. Nesse contexto,
além de corresponderem à maior parte fiz vários trabalhos com ênfase na
dos cuidadores não remunerados, desigualdade racial e de gênero no
incluídos no setor informal. contexto de envelhecimento, morte,
sobrevivência e vida. E agora tenho
É fundamental vencer o idadismo um manifesto público pela defesa
(estereótipo negativo do envelhecer) das mulheres cuidadoras de pessoas
e o patriarcado, que por muito tempo idosas para que, além de outras
tornam invisíveis as pessoas na reivindicações, seja respeitado o
última fase da vida, principalmente plano nacional de operacionalização
as mulheres. A busca pela equidade da vacinação.
de gênero ao longo de todo o curso
de vida levará a melhores resultados
em estágios posteriores da vida.
Portanto, os sistemas devem promover REFERÊNCIAS
a equidade da participação na força de
trabalho e das pensões previdenciárias, BEAUVOIR, Simone de. A velhice: A
de modo a elevar o status econômico realidade incômoda. São Paulo: Difusão
das mulheres idosas e melhorar o seu Europeia do Livro. 1970.
acesso a serviços.

Nós, mulheres, depois dos 40 anos,


somos em maior proporção que
os homens, por certo acúmulo de
desvantagens masculinas, como
a violência. Hoje, na sociedade
brasileira em grande processo de
envelhecimento, quando chegamos aos
214

AVALIAÇÃO DA
PRODUTIVIDADE
FEMININA PRECISA
SER DIFERENCIADA,
AINDA MAIS
EM TEMPOS DE
ANORMALIDADES
215

NO BRASIL, O DEBATE SOBRE


A MULHER É UMA DUPLA CILADA
ISABELA SOARES SANTOS

No começo da minha carreira científica, não havia esse movimento de recepção


das meninas nas ciências, nem na Fiocruz, nem em lugar nenhum. Acompanhei
a mudança e ainda é maravilhosa a perspectiva dos resultados futuros. Tudo
isso só pôde acontecer pela influência das lutas feministas e por todas as
mulheres que estiveram na Fiocruz antes de nós e por tudo o que elas fizeram.

Mulheres, muito mais do que estrutura e organização é patriarcalista,


os homens, efetivamente estão capitalista, patrimonialista e colonialista,
presentes nos espaços cotidianos como bem mostra o trabalho1 da
da vida. Entendem a questão local Roberta Gondim e colegas publicado no
e as necessidades relacionadas às ano passado (OLIVEIRA et al., 2020).
condições de vida na organização Mas como mudar a estrutura?
da sociedade. Porque são elas que
levam as crianças às escolas e praças Em 2019, me propus a incorporar no
públicas, os parentes e amigos às meu campo de pesquisa a questão
unidades de saúde, que entendem o de gênero. O planejamento era
meio de transporte necessário para construir pontos de diálogo em que
esses trajetos, que limpam suas me aprofundaria. Todos já estão
casas e a rua da enchente e sabem a cientes dos estudos científicos que
importância do saneamento básico. mostram mais efeitos negativos
da Covid em mulheres do que em
Discuto bastante a questão de gênero, homens. Eu também sou uma dessas
mais no campo da militância do que afetadas e não consegui fazer o
no institucional. Meu tema, como que queria e o plano não pôde ser
pesquisadora e coordenadora de um concretizado. Mas consegui fazer
programa de pesquisa da Fiocruz, o esforço de me incomodar cada
são as políticas públicas de saúde – vez mais com as desigualdades
principalmente economia da saúde e de gênero no cotidiano do nosso
as relações entre o público e o privado. trabalho e também nos estudos.
Parto do pressuposto de que políticas
públicas são necessárias para resolver A história da divisão sexual do 1. Confira o trabalho aqui:

os problemas das pessoas. A meu trabalho, que associa a mulher ao


ver, são o único caminho possível de espaço privado da casa e ao trabalho
mudança em uma sociedade cuja doméstico considerado “improdutivo”,
216

se aprofundou no contexto da pandemia de tempo para fazer ciência, mas problemas


Covid-19: a mulher está sendo negativamente mais profundos, pois não há espaço na mente
mais afetada que o homem. Pesquisas recentes para fazer as perguntas científicas que depois
do Gender, do grupo do IMS/UERJ, das mães poderão gerar pesquisas.
cientistas (Parent in Science), do PLoScience,
mostraram que neste período de Covid os A sobrecarga de trabalho não é escolha
homens cientistas brancos conseguiram ter muito feminina ou pessoal, pois resulta de uma
menos problemas e queda de produtividade do estrutura social. E tanto quem faz quanto
que as pesquisadoras mulheres. quem requer esse trabalho do cuidado, poderia
demandar a proteção social do Estado. Para
No Brasil, o debate sobre a mulher é uma dupla discutir esses aspectos e desafios com a
cilada. De um lado, faz o trabalho do cuidado e o perspectiva da mudança para melhorar a
trabalho fora – como o científico daqui da Fiocruz. nossa sociedade, teremos que nos incomodar,
E na nossa sociedade capitalista, estes elementos passando pela discussão do poder e
trabalho versus cuidado são tratados como se entendendo seu funcionamento, onde ele está,
fossem dicotômicos. Do outro lado, temos a de onde advém e como se mantém.
questão da economia do país e a proteção social,
sendo tratadas como se também fossem oposições. TODAS AS PESQUISAS DE GÊNERO
Ambas são falsas dicotomias que atravessam nossa MOSTRAM QUE O PODER ESTÁ
sociedade, mais que nunca em tempos de Covid. PREDOMINANTEMENTE COM O
HOMEM BRANCO. JÁ QUE A MULHER
O trabalho de cuidado vem desse lugar da mulher. TEM TAL PAPEL NA SOCIEDADE, O QUE
Independentemente de ter ou não apoio familiar, O HOMEM DEVERIA FAZER?
de estar casada ou não, de ter ou não dinheiro, é
a mulher quem geralmente assume a função de Talvez, a partir desse momento, todas as
ser responsável pela casa, pela família, pelo bem- mulheres entendam que o mundo nesse formato
estar e pelo cuidado físico. Até antes da Covid, não é mais viável. É necessária outra forma de
nós, cientistas empregadas formais da Fiocruz, acomodar essa mulher que não dá conta de
terceirizávamos o trabalho do cuidado do lar para cuidar da família e do trabalho ao mesmo tempo
mulheres de periferias, em sua grande maioria de e se sente sempre não cabendo. O nosso grande
pele preta, que são as pessoas mais pobres do país, desafio é reorganizar e recolocar a centralidade
muitas trabalhando como empregadas domésticas. da mulher nos lugares para além do seu papel de
Agora, não conseguimos mais. Quem não entendia trabalho de cuidado. Sabemos da importância
racionalmente ou não tinha a experiência de cuidar do trabalho do cuidado que, embora não
sozinha da casa/família, agora vivencia todos os reconhecido no mundo capitalista, sem ele os
dias do mês o que é cuidar da casa o dia inteiro e outros trabalhos – considerados nobres – não
trabalhar de madrugada, porque você só consegue existem ou nem funcionam. Há um manifesto2
fazer a parte da concentração depois de colocar da Cinzia Arruzza e colaboradoras que tematiza
as crianças para dormir. Oito meses passados de a greve das mulheres no mundo e a importância
pandemia, estamos exaustas e com dificuldades de sua realização com fins a questionar os valores
para aprofundar o pensamento. Viver a vida assim desses trabalhos. E só com a greve seremos
gera problemas que não se resumem na falta de capazes de chacoalhar as bases desse mundo.
217

2. O manifesto está
FOTO: BERNARDO PORTELLA | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

disponível nesse
endereço:

Nossos desafios passam, em primeiro lugar, por A avaliação da produtividade feminina precisa
organizar todos esses incômodos. Depois, a partir ser diferenciada, ainda mais em tempos de
de reflexões e análises, conseguiremos formular anormalidades. É preciso também ampliar o
e propor mudanças e influenciar novas políticas período de avaliação de currículos, olhando o
públicas, mais gerais no Brasil e específicas nos todo e não apenas os últimos cinco anos. Falo na
lugares de trabalho. Temos que discutir essas esperança de conseguirmos avançar e melhorar
questões na nossa Fiocruz para conseguirmos as nossas condições de esperançar a vida.
repensar a ciência que hoje fazemos, com vistas
a termos uma ciência que realmente responda a REFERÊNCIAS
todas as necessidades do país. ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER,
Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. Tradução
Precisamos caber na instituição, pensando de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2019.
também no seu espaço físico. Por exemplo,
não basta ter uma salinha para amamentação OLIVEIRA, Roberta Gondim de; CUNHA, Ana Paula da;
no trabalho, não basta a pessoa levar o filho GADELHA, Ana Giselle dos Santos; CARPIO, Christiane
quando está doente e ele ser bem tratado pelos Goulart; OLIVEIRA, Rachel Barros de; CORRÊA, Roseane
colegas. É necessário rediscutir a carga horária e Maria. Desigualdades raciais e a morte como horizonte:
formular propostas de redistribuir esse trabalho. considerações sobre a Covid19 e o racismo estrutural.
Além disso, na forma de distanciamento social, Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 9, 2020.
o trabalho virtual é mais laborioso e aumentou o
tempo gasto para realizar cada atividade. O que
antes fazíamos em um dia, hoje levamos uma
semana quando preparamos aulas, corrigimos
trabalhos na tela etc.
218

PENSAR A PARTIR
DA CONDIÇÃO
FEMININA E DAS
DESIGUALDADES
QUE AINDA
PRECISAMOS
SUPERAR
219

“... ONDE A MULHER ESTÁ E COMO ESTÁ


NESSES LUGARES QUE CONQUISTA OU
QUE SE PROPÕE A ESTAR”
PAULA BEVILACQUA

Os lugares em que estive sempre me provocaram uma reflexão sobre o


lugar da mulher: onde e como ela está nesses locais que conquista ou se
propõe a estar. Refletir sobre o lugar onde estamos e sobre nossas atividades
profissionais pode ser bem interessante para nos colocarmos em um lugar de
observadoras atentas sobre novas formas de desigualdades que são produzidas
ou repaginações de formas já bem conhecidas de desigualdades, que por vezes
podem resultar em condições de maior vulnerabilidade das mulheres e, em
situações mais críticas, em violências, as quais também são sistematicamente
inventadas e/ou repaginadas.

Do ponto de vista quantitativo, filhos, a responsabilidade pelo cuidado


mulheres estão mais presentes em com a família, os filhos, os doentes,
certos lugares do que os homens. Por os idosos). Então, por exemplo, as
exemplo, conforme dados do Censo da mulheres são maioria em cursos
Educação Superior, as mulheres já são de enfermagem, assistência social,
a maioria, há vários anos, de discentes pedagogia e nas licenciaturas, pois
no ensino superior, como ingressantes, qualificam para atividades profissionais
matriculadas ou concluintes, seja de cuidado e da tarefa de educar. Em
na graduação ou na pós-graduação relação à docência, o mesmo Censo
(sendo, inclusive, a maioria titulada da Educação Superior nos mostra que
em cursos de doutorado). Entretanto, entre docentes em exercício no ano de
não importa apenas acessar, estar 2019, a maioria dos cargos era ocupada
no curso e concluí-lo, é também por pessoas do sexo masculino, seja
importante pensar em quais cursos para a totalidade de instituições de
as mulheres estão. Análises que ensino superior (IES), seja para as
consideram essa dimensão apontam públicas ou privadas. Assim, não basta
a maior presença de mulheres em as mulheres serem a maioria como
cursos de licenciatura em relação ao discentes nos cursos superiores, ou
bacharelado e aos cursos técnicos; se titularem mais, pois, a exemplo da
em cursos relacionados ao cuidado docência no ensino superior, ainda é
e ao educar, tarefas historicamente menor a presença delas em atividades
desempenhadas pelas mulheres (a profissionais que obrigatoriamente
responsabilidade pela educação dos
220

exigem essas qualificações. Além da docência, as Pensando sobre essas características, refletimos
mulheres também são minoria em determinadas acerca da proximidade desse trabalho com o
áreas e postos na pesquisa científica e em cargos trabalho doméstico, sua invisibilidade, sobrecarga
de gestão nas instituições de ensino e pesquisa, e o fato de ser feito de forma solitária. Na Fiocruz,
sendo este último aspecto ainda pouco explorado dados sobre a coordenação dos programas de
nos debates. pós-graduação apontam que, na modalidade
acadêmica, as mulheres vêm progressivamente
Recentemente, assumi a coordenação do curso assumindo os cargos de coordenação (em 2006,
de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto elas coordenavam 29% dos programas; em
René Rachou – Fiocruz Minas. Apesar de ser um 2020, o percentual chegou a 68%). Na pós-
cargo de gestão, o que possivelmente agregaria graduação profissional, as mulheres sempre
“valor” ao seu exercício, a administração estiveram à frente da coordenação dos cursos
relacionada ao ensino é menos valorizada e (em 2006, coordenavam 100% dos programas,
almejada do que a função da pesquisa. Sendo índice que, em 2020, passou para 69%). Os
assim, um lugar de menos disputas. dados ilustram doisaspectos interessantes.
O primeiro diz respeito às diferenças entre os
Posso dizer que a posição de coordenação cursos stricto e lato sensu, com as mulheres
de curso de pós-graduação é extremamente acessando a docência, e consequentemente a
sobrecarregada. Requer um trabalho intenso que gestão, em cursos profissionalizantes antes dos
inclui o preenchimento hercúleo de relatórios, cursos acadêmicos. E o segundo, que se refere à
condução de avaliações, gerenciamento de progressiva presença de mulheres na gestão dos
pessoas (docentes e discentes), além da cursos acadêmicos, “desobrigando” os homens
necessidade de uma constante reflexão sobre das tarefas administrativas e os liberando para
o programa. No que diz respeito ao processo atividades mais “nobres”, como a pesquisa.
de avaliação dos programas de pós-graduação
no Brasil, as relações são excessivamente
hierarquizadas, principalmente em relação às
instituições de controle e avaliação – como a
Capes, que estabelece, muitas vezes com pouca
negociação, novas exigências e procedimentos
que implicam mudanças importantes na
rotina da gestão e da condução das atividades
acadêmicas. Em alguns programas de pós-
graduação, as inúmeras tarefas relacionadas ao
processo de avaliação quadrienal são realizadas
solitariamente e sem apoio. A gestão acadêmica
da pós-graduação, ao contrário de outros cargos
de direção e assessoramento em que a função
é gratificada – caracterizando uma valorização,
ainda que financeira –, não é remunerada.
221

Apesar da coordenação da pós- PARA QUE TENHAMOS ESPAÇOS


graduação ser um cargo de chefia DE EXERCÍCIOS DE GESTÃO MAIS
– significando que as mulheres DEMOCRÁTICOS, DEVEMOS PENSAR
assumem espaços de poder –, as A PARTIR DA CONDIÇÃO FEMININA
desigualdades persistem, acionando E DAS DESIGUALDADES QUE AINDA
outras dimensões que não apenas PRECISAMOS SUPERAR.
a de gênero, já que a pesquisa e a
docência na pós-graduação ainda
se configuram lugares de privilégio.
Devido à necessidade de formação
necessária para o desempenho dessas
atividades – um ensino superior e uma
pós-graduação –, as pesquisadoras
são brancas e possivelmente de classe
social mais privilegiada. Então, em que
medida alcançar essa posição implica
rupturas com as estruturas de poder e
desigualdades de gênero e outras que
se interseccionam?

É um duplo desafio romper as


iniquidades nesses espaços. Em
primeiro, porque nesses lugares, a
dimensão da desigualdade de gênero
ainda prevalece. Em segundo, pelo
fato de serem espaços assumidos por
determinados grupos de mulheres
com certa trajetória, o que ainda
evidencia privilégios.
FOTO: BERNARDO PORTELLA | ACERVO FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
222

ALÉM DO GÊNERO,
ESTAMOS DIANTE DE
PESSOAS MARCADAS
PELA COR, PELA
LOCALIZAÇÃO
NO TERRITÓRIO,
PELA CLASSE E POR
TODAS AS DEMAIS
DESIGUALDADES
GERADAS NAS
RELAÇÕES DE PODER
223

TRAJETÓRIA, EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA


NA CIRCULAÇÃO DE BENS E
DESIGUALDADES NO CUIDADO
MARTHA CRISTINA NUNES MOREIRA

Precisamos partir das nossas trajetórias – de mulheres, pesquisadoras e


trabalhadoras em saúde – para falar com outras mulheres e meninas. Ao
remeter às trajetórias, acionamos a ideia de percurso de e com experiências,
trocas, encontros, revisões, dobras; onde há experiência e memória. E ao
falar da experiência no encontro com a trajetória, aciono a narratividade – do
contar e do escrever, do convidar e trazer para perto, oferecer as mãos, o
conhecimento e a emoção para a formação.

A experiência como conceito aciona o A minha trajetória – iniciada na Luta


diálogo com afecção, temporalidade, Antimanicomial nos idos da década
percurso e ancoragens coletivas. de 90, do século 20, passando
Dessa forma, torna-se um conceito pelos estágios em manicômios com
político e dialógico. A experiência não mulheres, hospital especializado em
é sinônimo de vivência, percepção, ou doenças do sangue com crianças
algo que remeta a uma ilusão de um e adolescentes, e atuação com
sujeito de “biografia única” no mundo. crianças e adolescentes em situação
Tal crença desautoriza os efeitos da de rua em uma Casa de Acolhida –
afecção, dos encontros possíveis entre alcança a atenção à saúde mental
diferentes mundos. A ideia de que “se de crianças e adolescentes já como
você não viveu não pode falar sobre psicóloga e professora de enfermeiras
isso” combina com o discurso da e enfermeiros, em Volta Redonda/
autoridade moral. Há que reconhecer RJ. Mas também como psicóloga
essa autoridade, mas também há que que atuava como acompanhante
recorrer ao encontro pela diferença: terapêutica de adolescentes com
de quem não viveu, mas compartilha quadros de saúde mental grave, e
a experiência de época e de mundo. psicóloga em um presídio de segurança
Essa lógica remete a um diálogo entre máxima masculino em Bangu/
o que é meu e o que está na interação Rio de Janeiro. Essa trajetória não
com os outros. Como nos lembra Jorge foi planejada ou imaginada como
Larrosa: “A experiência é o que nos linear. Talvez o que a interseccione
passa, o que nos acontece, o que nos seja a necessidade de encontro com
toca” (2002, p. 21). tudo o que não alcançaria como
224

experiência, se não fosse pelo trabalho de existe. Nela reside a lógica que classifica
cuidado. Sim, um ponto comum para pensá-la quem pode e quem não pode, que discrimina
talvez seja me localizar na atuação no cuidado o corpo com deficiência como falta e falha.
em instituições públicas de saúde, apoio Quem ocupa e quem não precisa ocupar.
social e segurança pública, e reconhecer-me Qual corpo pertence e qual corpo merece
nas línguas da experiência de adoecimento ser excluído. A corponormatividade também
das crianças e adolescentes frequentadores intersecciona com as gramáticas racistas,
dos universos públicos de saúde, que têm masculinistas, heteronormativas, etaristas. E
mulheres em sua companhia na maior parte aqui vale reconhecer a necessidade de acionar
das vezes. Na interdependência do cuidado a interseccionalidade, nas encruzilhadas de
dessas crianças e adolescentes e suas mães, Akotirene (2019).
desenham-se trajetórias de trabalho remunerado
e escolaridade. Mulheres com marcas profundas, Esse jogo entre normas, marcas, discriminações,
principalmente quando relacionadas às questões exigências, nada invisível para quem o vive na
crônicas de saúde e deficiência. Mulheres que pele, aciona o que é necessário enfrentar nesse
após terem seus filhos, e caso não tenham se universo de desigualdades. Acoplado às questões
esmaecido suas redes, conseguiram construir de gênero, esse jogo de “fazer de conta que
carreiras na saúde, no “cuidado como profissão”, não existe”, reservando um espaço separado,
mas mantendo circuitos de obrigação e ajuda demarcando uma suposta invisibilidade, alimenta
(GUIMARÃES, 2020). segredos e retira as pessoas do espaço público.
Atualmente, problematizo o ativismo das mães
Há um aprendizado político quando nos das crianças atípicas, como elas se denominam.
permitimos olhar para o mundo vivido, recuperar Crianças geralmente mal recebidas nos serviços
o mundo imaginado, e que foi reconstruído, de saúde, nas escolas, nas pracinhas, nas festas.
e pensar o quanto de ambiguidade existe, Essas mulheres organizadas em ativismos, falas
por exemplo, no cuidado. Um aprendizado públicas ou associações, encontram o espaço
advém de discutir esse cuidado não enquanto público como um lugar para falar entre pares,
essencialmente humano, mas como uma pontuando seu direito de existir.
construção social, um lugar, uma economia, que
gera trabalho, sustenta a reprodução social, e
também envolve símbolos e desigualdade. Um E ONDE ESCONDEMOS AQUELAS
território também de interesse econômico que PESSOAS QUE NÃO CONSEGUIMOS
pode ter mais ou menos investimento – e essa TER CONTATO? POR QUE OS OUTROS
discussão requer uma crítica ao capitalismo. NOS ASSUSTAM? AO ESCONDER,
Cuidado que não é apenas a dimensão poética, IMPOSSIBILITAMOS O DIÁLOGO COM
mas também valor, economia, circulação de A DIFERENÇA E COM O QUE PODE SER
trocas e de bens. Sustenta as pessoas e está INCOMUM. ISSO ATRAVESSA TAMBÉM
sujeito a ser menosprezado, desconsiderado. ESSES CORPOS DE MULHERES, ESSES
CORPOS NEGROS. PENSAR SOBRE
Mello é referência na discussão sobre GÊNERO É DISCUTIR TAMBÉM ESSA
capacitismo no Brasil, e nos lembra que a LÓGICA DA SOCIEDADE TÃO POUCO
discriminação dirigida à pessoa com deficiência AFEITA À DIFERENÇA.
225

FOTO: ASCOM FIOCRUZ BRASÍLIA

Além do gênero, estamos diante de pessoas


marcadas pela cor, pela localização no território,
pela classe e por todas as demais desigualdades
geradas nas relações de poder. Refletindo
sobre isso, abordamos produções que não são
naturais, mas influenciadas por como olhamos,
classificamos, enumeramos e identificamos os
modos de ser no mundo.

Cabe relembrar que ao debatermos gênero, falamos


também dos homens. Quando dizemos que
precisamos mudar, precisamos dialogar com esses
homens e com esse universo da masculinidade, que
também proporciona sofrimento.

Outra questão é por que essa memória do


espaço da educação é sempre carregada de
tanto sofrimento. Por que precisamos produzir
– inclusive academicamente – com dor? Por que
achamos sempre que seremos desqualificadas ao
apresentar algo ao outro? Que atravessamentos
residem na minha experiência como mulher,
orientadora, branca, nas conversas com uma
aluna negra, sempre “nervosa” nas orientações? REFERÊNCIAS
E isso não é individualmente dela. Provavelmente AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo:
na construção de sua trajetória, essa mulher Pólen, 2019.
ainda se coloca, em um tipo de relação comigo,
com memórias que nos antecedem. LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-
Acho que o principal aprendizado na minha 28, jan./fev./mar./abr. 2002.
trajetória é o viver intensamente a instituição
pública. A partir de determinado momento, GUIMARÃES, Nadya Araujo. O cuidado e seus circuitos:
estudei sem precisar pagar. É por isso que significados, relações e retribuições. In: GUIMARÃES,
queremos lutar: pelo espaço público da fala, do Nadya Araujo; HIRATA, Helena Sumiko. O gênero do
reconhecimento, e do embate entre a diferença e cuidado: desigualdades, significações e identidades. São
do que pode ser comum. Para que essas meninas Paulo: Ateliê Editorial, 2020.
se tornem mulheres sem que precisem pagar com
seus corpos e suas dores. Que possamos segurar MELLO, Anahi Guedes de. Deficiência, incapacidade
a mão de todas nós para nos levantarmos. e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência
capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa
da UFSC. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3265-
3276, out. 2016.
226

ACREDITAMOS NA
POSSIBILIDADE DESSA
TRANSFORMAÇÃO,
MAS NÃO SEM
ENFRENTAMENTOS
227

QUAL O LUGAR DE MULHERES NEGRAS


NA CIÊNCIA, NA PRODUÇÃO
DE CONHECIMENTO?
ROBERTA GONDIM

Vou começar apresentando o modo como produzo a minha identidade: me


identifico como uma mulher cis, amazônida, nascida e criada em Belém do
Pará. Isso me institui como sujeita, me inscreve, atravessa meu corpo, minha
história, minha memória e meu desejo. Venho para o Rio de Janeiro já adulta,
com uma filha de 10 anos de idade. E sigo produzindo minha identidade a
partir deste lugar da mulher amefricana, como nos brinda Lélia Gonzalez
(2020). Entendendo-me como mulher afrodiaspórica, mas sem esquecer da
ancestralidade indígena, minha pergunta inaugural é: qual o lugar de mulheres
negras e indígenas na ciência e na produção de conhecimento?

Ao perguntar a partir desse lugar, há de conferido à mulher negra dentro


se questionar as dinâmicas e ações que daquilo que é reconhecido, de
definem o lugar dos sujeitos do mundo. uma maneira estabilizada, como
Então, em vez de responder sobre produção científica de conhecimento.
o lugar, pergunto “quem define os Ordenada a partir de cânones
lugares?”. Quais os sujeitos, dinâmicas, produzidos no Norte Global, colonial
ações e políticas que definem “lugar e eurocentricamente definidos, em
de sujeitos”? Em perspectiva histórica, um dado recorte de ciência e dos
quem tem a propriedade de enunciar agentes produtores considerados como
o lugar de si e do outro? Acho que já legítimos, muita gente ficou e continua
sabemos a resposta... ficando de fora, tendo nas mulheres
negras e periféricas um de seus
Esse lugar é definido a partir da maiores expoentes.
demarcação racial, da demarcação
genderizada, da demarcação O papel da mulher negra na produção
de origem, da demarcação de daquilo que é considerado como
classe. Falarei de algum desses ciência, como conhecimento válido,
lugares, em especial, das mulheres é o do não protagonismo. Onde
negras, a partir de uma produção estão essas mulheres no ambiente
e demarcação colonial racializada acadêmico? Limpando os banheiros, as
de mundo definidora de lugares. O escadas, os corredores, apertando os
reconhecimento de produção de lugar números dos andares nos elevadores,
nos faz perceber o posicionamento tirando cópias de documentos, fazendo
228

café, enfim, apoiando e perguntando sobre o que Esse lugar que eu ocupo hoje é,
pesquisadores precisam que seja providenciado. fundamentalmente, fruto do esforço das
mulheres negras, minhas ancestrais, que lutaram
As mulheres negras estão também presentes para que algo nesse sentido pudesse se operar.
cedendo seus corpos para a manipulação Mas repito, sem políticas públicas reparadoras,
“científica” de material biológico, como as eu e as demais companheiras dos 3% acima
células de Henrietta Lacks – uma mulher mencionados, seguiremos sendo exceção.
negra, estadunidense, cuja importância para o
desenvolvimento científico e tecnológico em Os espaços de produção de conhecimento e
saúde se deu a partir da seção não autorizada tomada de decisão são majoritariamente ocupados
do seu corpo –, estão nos corpos usados como por corpos não negros e de não mulheres.
cobaias pelo pai da ginecologia moderna, James Portanto, nosso papel como mulheres negras nesse
Marion Sims, dentre muitos outros casos. Refiro- espaço de produção de conhecimento é, para além
me aqui com esses exemplos às várias camadas da resistência, o de transformação. A alteração
de opressão e subalternização que operam sobre desse lugar pode se dar com o desvelamento
mulheres negras em um recorte de raça, de classe dos elementos que compõem as teias tecidas
e de gênero. que naturalizam essa dada ocupação de lugar,
subalternizantemente estruturada e reproduzida.
De uma maneira absolutamente minoritária é Nós, mulheres negras, temos que colocar em
que ocorre a ocupação dos espaços formais nossa agenda de resistência a transformação
de conhecimento por parte da mulher negra. desse lugar tão normalizado que ocupamos, tão
Joselina da Silva (2010), em seu artigo Doutoras subalterno ou do “não lugar”, ocupados pelos “não
professoras negras: o que nos dizem os seres”, como diz Franz Fanon (2008).
indicadores oficiais1, mostra que nos espaços
reconhecidos como produtores de conhecimento, Mas há muitos enfrentamentos necessários no
a presença das mulheres negras diminui caminho, não é fácil nem banal, mas acredito ser
gradativamente com o aumento dos anos de possível produzirmos agendas que caminhem
escolaridade. Apenas em torno de 10,4% das por uma via contra hegemônica. É um pouco
mulheres negras, com idade entre 25 e 44 anos, dessa agenda que trago no meu fazer cotidiano,
concluem o ensino superior. O percentual de dentro de uma instituição de ciência e tecnologia
mulheres pretas e pardas professoras doutoras de e saúde como a Fiocruz, que como todas as
programas de pós-graduação no Brasil é inferior outras instituições de ensino no Brasil é forjada
a 3%. E só 7% das bolsas de produtividade são colonialmente e reproduz bases dessa estruturação
destinadas às mulheres negras. racial de mundo. Uma agenda da qual faça parte
a inclusão de políticas afirmativas para ingresso e
EU SOU UMA EXCEÇÃO, E NÃO POSSO manutenção de mulheres negras e periféricas no
LER ESSA EXCEÇÃO COMO MÉRITO corpo docente e discente; que a questão étnico-
MEU E DE MEU ESFORÇO INDIVIDUAL. racial, em especial o racismo histórico-estrutural
SENDO A TRAJETÓRIA ALGO QUE e suas expressões institucionais e sociais, seja
PRESSUPÕE UM COLETIVO, SER incluída nas bases curriculares do ensino; que
EXCEÇÃO NÃO FAZ PARTE DO MÉRITO passem a compor a prioridade das agendas de
DA MINHA TRAJETÓRIA INDIVIDUAL. pesquisa; e que sejam sistemática e amplamente
229

1. O artigo pode ser


FOTO: ASCOM FIOCRUZ BRASÍLIA

conferido aqui:

2. Disponível em:

divulgadas e debatidas as questões e nessas arenas da vida em comum, da vida pública e da


achados de estudos. política que está dada a possibilidade de transformação,
ainda que paulatina.
Esses são alguns exemplos para
pensarmos formas em que as Acreditamos na possibilidade dessa transformação, mas
discussões das relações étnico-raciais não sem enfrentamentos. Enfrentamentos que são parte
em saúde precisam compor a agenda de da historicidade de todo corpo negro, afrodiaspórico, posto
ensino, pesquisa, extensão e de relações que a nossa diáspora se funda nas bases do escravagismo.
interpessoais. Isso é fundamental no Sabemos enfrentar, sabemos que o futuro não é tranquilo,
sentido da desconstrução do mito da mas estamos aqui para produzir as resistências. Então vamos
democracia racial que vem mantendo a mover as estruturas, que sob o ponto de vista acadêmico,
falácia que narra o Brasil como um país significa ocupar e falar a partir deste lugar – de mulher negra!
sem racismo. Principalmente no sentido
da desnaturalização de marcadores e REFERÊNCIAS
operadores sociais da desigualdade de DAVIS, Angela. Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta
base racial. contra o racismo [vídeo]. 2017. Bahia: UFBA.

Finalizo com a fala2 da Angela Davis, FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo:
que diz que quando a mulher negra se EDUFBA, 2008.
movimenta, ela move as estruturas.
Isso também não é apenas uma GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano.
metáfora, mas se dá materialmente Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
na medida em que ocupemos espaços
de protagonismo, de formulação de SILVA, Joselina da. Doutoras professoras negras: o que nos dizem
agendas, de tomada de decisões. É os indicadores oficiais. Perspectiva, v. 28, n. 1, p. 19-36, 2010.
230

QUE SE NORMALIZE
A PRESENÇA
DOS MEUS PARES
NOS ESPAÇOS
ACADÊMICOS
231

AS DESIGUALDADES DE ACESSO
À CIÊNCIA ENCONTRADAS PELOS
PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM
ROSEANE CORRÊA

É salutar conversarmos sobre a valorização de mulheres negras no campo


científico, pois sabemos que a cor é um fator determinante de oportunidades
em nossa sociedade. Lélia Gonzales (2020, p. 376) destaca que na formação
econômica do Brasil existe uma divisão racial e sexual do trabalho que leva
mulheres negras a uma tríplice discriminação, incluindo raça, classe e sexo.
Esse sistema gera desigualdades que interferem diretamente no nascer,
crescer, viver, trabalhar e envelhecer dessas mulheres. Além disso, fatores
determinantes e condicionantes de saúde como alimentação, moradia,
saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte,
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais para a saúde são impactados
pelo racismo no qual se estrutura a nossa sociedade. A doutora Maria Helena
Machado et al. (2016a) divulga em sua pesquisa1 o perfil sociodemográfico
da enfermagem brasileira.

A equipe de enfermagem é são exploradas economicamente,,


majoritariamente feminina, com submetidas à remuneração injusta e
cerca de 85% de mulheres, e não condizente com a complexidade
majoritariamente negra, com 53% do trabalho desenvolvido pela equipe
de negros, mas esses números não e fazendo com que dois ou mais
representam uma hegemonia com vínculos sejam necessários para a
poder político. Lembramos que a gestão econômica de seus lares.
profissão é dividida em categorias, Adiciona-se uma tripla ou quádrupla
sendo 23% de enfermeiros que jornada diária que inclui, para além do
possuem nível superior, e 77% de cuidado de si mesma, o cuidado de
auxiliares e técnicos de enfermagem familiares, cuidado de terceiros e as
com ensino médio. Em posse dessa atividades domésticas. 1. A pesquisa pode ser
informação e a partir de um olhar conferida aqui:
interseccional, destaco que existem A pandemia de Covid-19 é a grande
desigualdades estruturais que vitrine para que se testemunhe o que por
dificultam o acesso e a dedicação décadas vulnerabiliza as trabalhadoras
à ciência por profissionais de de enfermagem brasileiras.
enfermagem. Mulheres negras
232

Estão elas na linha de frente no combate à e 2011, as instituições públicas de ensino


pandemia; contudo, devido a forças neoliberais, aumentaram em 124% o número de vagas;
têm baixos salários, vínculos trabalhistas frágeis, em contrapartida, as instituições privadas
exposição ao vírus – o que, muitas vezes, é passaram a ter mais 642% de vagas no
devido a equipamentos de proteção individuais período. Há a preponderância de formação
inadequados –, sem o direito de gozar tempo de profissional por instituições privadas e um
descanso necessário, sem um dimensionamento perfil de estudantes que vivem com até três
de equipe como a legislação resulta. Segundo o salários-mínimos. 
painel Observatório de Enfermagem do Conselho
Federal de Enfermagem (Cofen)2, há um altíssimo USAR A INTERSECCIONALIDADE
número de contaminação dessas profissionais e COMO FERRAMENTA ANALÍTICA PARA
muitas se tornaram vítimas fatais da doença. PROBLEMATIZAR A INSERÇÃO DE
MULHERES NEGRAS DA ENFERMAGEM
Trata-se de uma realidade estrutural que NA CARREIRA ACADÊMICA É
funciona como barreira ao acesso de muitos MUITO ALÉM DE UMA QUESTÃO
profissionais de enfermagem que desejam DE JUSTIÇA SOCIAL, É ESTUDAR AS
ascender na carreira acadêmica. O mercado DESIGUALDADES ATRAVÉS DE VÁRIAS
de trabalho exige que o profissional tenha CATEGORIAS DE PODER.
qualificação. Por volta de 73% dos enfermeiros
têm especialização lato sensu, entretanto É um processo de investigação crítica que visa
observa-se que 70% dessas formações foram transformar as relações de poder. É uma prática
custeadas pelo próprio profissional. Quando que empodera a comunidade e os indivíduos.
observamos a realidade do strictu sensu, que Em um olhar sobre classe, técnicas e auxiliares
é uma formação que exige pelo menos um de enfermagem são desvalorizadas, submetidas
tempo maior de dedicação incluindo períodos a condições de trabalho desumanas e correm o
de dedicação exclusiva a pesquisa, os números risco de levar infecção para a família.
são: 3,6% têm mestrado profissional, 10,9%
têm mestrado acadêmico, 4,7% concluíram A minha história pessoal é atravessada por
o doutorado e apenas 0,4% dos profissionais muita luta, no entanto tive vantagens sociais
de enfermagem têm pós-doutorado, (4) que me permitem me dedicar ao trabalho
(MACHADO et al., 2016b). Os números são e mais tardiamente à ciência e à academia.
alarmantes e os dados não estão desagregados Por ser a mais nova da família, não precisei
por raça/cor, por isso acredito que para trabalhar e estudar ao mesmo tempo, fato raro
mulheres negras esse número seja ínfimo. para mulheres negras jovens. Essa pequena
vantagem possibilitou me dedicar aos estudos e
Com a implantação do SUS e a universalização ingressar em uma universidade federal. Quando
da saúde, aumentaram as demandas por comecei a trabalhar, não tinha filhos nem idosos
profissionais de enfermagem e houve um sob minha responsabilidade, então cursei pós-
crescimento nas oportunidades de emprego. graduação custeada pelo meu salário para galgar
Esse processo aqueceu o mercado e criou melhores oportunidades de emprego. Trabalhei
vagas em faculdades de Enfermagem. Segundo exclusivamente por 21 anos até que pude retornar
Poz et al3 (2013) , entre os anos de 2000 à academia para o mestrado.
233

2. Observatório
da Enfermagem.
Disponível em:

3. Disponível em:

O Programa em Saúde Pública do qual REFERÊNCIAS


sou aluna é coordenado por uma mulher GONZALES, Lélia. A mulher negra na sociedade brasileira: Uma
negra, a professora doutora Marly Cruz, abordagem político-econômica. In: GONZALES, Lélia. Por um
que particularmente é o meu maior feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar; 2020.
símbolo de representatividade. Eu me
recordo que, no dia da minha prova de MACHADO Maria Helena; AGUIAR FILHO Wilson; LACERDA,
seleção, a professora Marly entrou na Wagner Ferraz de; OLIVEIRA Eliane de et al. Características Gerais
sala para desejar boa sorte a todos. Ao da Enfermagem: o perfil sócio demográfico. Enfermagem em Foco,
vê-la, senti uma segurança maior que v. 7, n. esp, p. 9-14, 27 jan. 2016a.
a Fiocruz também seria um lugar para
mim. Para além disso, sou orientada por MACHADO Maria Helena; WERMELINGER, Mônica, Carvalho
uma mulher negra, a professora doutora de Mesquita; OLIVEIRA, Elaine de; AGUIAR FILHO Wilson et
Roberta Gondim. O meu caso, apesar al. Aspectos Gerais da Formação da Enfermagem: o perfil da
de eu ter tido a oportunidade de me formação dos enfermeiros técnicos e auxiliares. Enfermagem em
dedicar à ciência, mesmo após muitos Foco, v. 7, n. esp., p. 15-34, 27 jan. 2016b.
anos, não é a realidade da maioria das
mulheres negras enfermeiras. Pelo POZ, Mario Roberto Dal; PIERANTONI, Celia Regina; GIRARDI
contrário, é a exceção que confirma a Sábado. Formação, mercado de trabalho e regulação da força de
regra de exclusão de outras como eu. trabalho em saúde no Brasil. In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ.
Que se normalize a presença de meus A saúde no Brasil em 2030: prospecção Estratégica do Sistema de
pares nos espaços acadêmicos. Saúde Brasileiro. Organização e Gestão do Sistema de Saúde. Rio de
Janeiro, RJ: Fiocruz; 2013. v. 3.
234

A PRESENÇA INDÍGENA
NA ACADEMIA É
UMA QUESTÃO
DE REPARAÇÃO
HISTÓRICA E JUSTIÇA
SOCIAL, MAS TAMBÉM
DE VALORIZAÇÃO
DA DIVERSIDADE
DE SUJEITOS E
EPISTEMOLOGIAS
NA PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO
235

MULHERES INDÍGENAS,
CIÊNCIA E SAÚDE NA FIOCRUZ
ANA LUCIA DE M. PONTES

A Fiocruz tem uma longa trajetória em defesa dos direitos dos povos
indígenas, na discussão das desigualdades sociais e em saúde que lhes
afetam e de fortalecimento das ações e políticas de saúde direcionadas a
essa população. Em 1986, Sergio Arouca1 esteve na mesa de abertura da 1ª.
Conferência Nacional de Proteção à Saúde do Índio, parte da 8ª. Conferência
Nacional de Saúde, que gerou os subsídios para formulação do Subsistema
de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) criado pela Lei n. 9.836/1999. Essa
trajetória envolve a realização de pesquisas, formação de pesquisadores
e profissionais de saúde, cooperação técnica, apoio às comunidades e
organizações indígenas, entre outras iniciativas.

A situação de saúde das mulheres Fiocruz8, que têm evidenciado as


indígenas, entre 14 e 49 anos de persistentes iniquidades em saúde
idade, foi investigada nacionalmente e sociais que afetam os povos
pelo I Inquérito Nacional de Saúde indígenas. Algumas publicações
1. Sérgio Arouca:
e Nutrição dos Povos Indígenas2, abordam especificamente a saúde
realizado entre 2008 e 2009, da mulher indígena, como os livros A
que evidenciou o baixo acesso ao Cosmopolítica da Gestação, Parto e
saneamento básico e ações de pré- Pós-Parto: práticas de autoatenção
natal e a presença de problemas e processo de medicalização entre 2. I Inquérito Nacional
nutricionais, como sobrepeso, os índios Munduruku9 e Atenção de Saúde e Nutrição
obesidade e anemia (COIMBRA et Diferenciada: a formação técnica dos Povos Indígenas:

al., 20133; BORGES et al., 20164; de agentes indígenas de saúde do


GARNELO et al., 20195). E, com vistas Alto Rio Negro10. Em 2021, a editora
a apoiar a atuação de enfermeiros e Fiocruz estreou uma série de vídeos
médicos nos 34 Distritos Sanitários relacionados ao Dia Internacional
Especiais Indígenas (DSEI), foi da Mulher, sendo o primeiro sobre
3.
realizado, entre 2015 e 2016, o Curso a luta das mulheres indígenas11. Os
de Capacitação em Atenção à Saúde conhecimentos e práticas de parteiras
da Mulher Indígena6. têm sido valorizados por projetos
audiovisuais como a playlist com
Particularmente destacamos a ampla receitas12 na Vídeo Saúde e pela 4.
produção científica sobre a temática organização de eventos13.
disseminada pela revista Cadernos
de Saúde Pública7 e pela Editora
236

A organização e visibilização

AUTORA: INGRID ANNE


da produção técnico-científica,
documental, didática e
audiovisual sobre o tema têm sido
disponibilizadas na BVS Saúde dos
Povos Indígenas14, lançada em 2019.

Nos últimos anos, pesquisadores da


Fiocruz, em parceria com o GT de Saúde
Indígena da Abrasco, têm realizado
diversas iniciativas para ampliar a
participação indígena nas atividades
acadêmicas da área de saúde coletiva.
Nessas ações, observa-se a forte
presença das mulheres indígenas, que
têm ganhado maior visibilidade nos do território à academia20, que mostram as vivências e
últimos anos nas universidades, no perspectivas das mulheres indígenas. Também se estruturou
movimento indígena e na política. Vale um comitê editorial, composto por seis pesquisadores
destacar que, em 2019, a aula inaugural indígenas (cinco mulheres), que organizaram duas
do curso de especialização em Saúde chamadas públicas21 para trabalhos de autoria indígena22,
Pública da ENSP foi realizada pela lançadas em julho de 2020.
primeira deputada federal indígena,
Joenia Wapicha15, advogada indígena de Elas devem ser finalizadas e lançadas novamente ainda
Roraima, que também foi destaque da em 2021. Essas iniciativas marcam uma mudança radical
revista Radis16. e necessária de reconhecimento das mulheres indígenas
como produtoras de conhecimentos científico, com suas
Essa presença das mulheres indígenas particularidades23. Há que se destacar que até o momento
na academia foi destaque no 8º. existem duas mulheres indígenas que concluíram mestrado
Congresso Brasileiro de Ciências e doutorado24 na Fiocruz, havendo, em 2021, somente duas
Humanas e Sociais em Saúde17, indígenas matriculadas nos programas stricto sensu.
sendo a primeira vez que uma mulher
indígena, Elisa Pankararu, discursou A presença indígena na academia é uma questão de
na abertura de um evento científico reparação histórica e justiça social, mas também de
da Abrasco18. Em 2019, o projeto valorização da diversidade de sujeitos e epistemologias na
Vozes indígenas na produção produção do conhecimento.
do conhecimento e formulação
das políticas de saúde indígena19
organizou uma oficina com um coletivo ESSA PRESENÇA DAS MULHERES INDÍGENAS NA
de 20 pesquisadores indígenas, dentre ACADEMIA É RESULTADO DOS AVANÇOS DAS
os quais 15 mulheres. A partir da AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES, QUE
oficina se produziu um conjunto de PRECISAM SER AMPLIADAS E FORTALECIDAS NOS
curtas sobre as trajetórias indígenas PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FIOCRUZ.
237

5. 14. 20.

6.
15. 21.

7. Destacamos alguns
suplementos temáticos: 16. 22.

8. Coimbra Júnior e Garnelo (2004) 17. 23. Ver texto desta coletânea
intitulado “Ciência e
Saúde desde as Indígenas
Mulheres”, de Elisa Urbano
Ramos, Hipamaallhe –
Braulina Aurora, Inara do
9. Nascimento Tavares e Joziléia
18. Daniza Jagso Kaingang.

24.

10.
19. Iniciativa coordenada
pr Ana Lucia de M. Pontes,
Ricardo Ventura Santos
e Felipe Rangel de Souza
Machado, da ENSP, e Inara
11. do Nascimento Tavares
(Instituto Insikiran/UFRR)
e apoiado pelo projeto
“Promoção e vigilância em
saúde para o fortalecimento
de práticas relacionadas ao
12. Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena e integração
do SUS”, coordenado pela
Vice-Presidência de Ambiente,
Atenção e Promoção da Saúde
(VPAAPS).
13.
238

NOSSA PRESENÇA NA
ACADEMIA É REPARAÇÃO
E LUTA CONTRA
QUALQUER TIPO
DE INJUSTIÇA,
PARTICULARMENTE
CONTRA O GENOCÍDIO
DE NOSSOS POVOS,
O RACISMO E A
DISCRIMINAÇÃO
DE GÊNERO
239

CIÊNCIA E SAÚDE DESDE


AS INDÍGENAS MULHERES
ELISA URBANO RAMOS , HIPAMAALLHE – BRAULINA AURORA,
INARA DO NASCIMENTO TAVARES E
JOZILÉIA DANIZA JAGSO KAINGANG

A perspectiva decolonial – para nós entendida como indigenização – busca


(re)localizar o centro da produção de conhecimento e se volta ao sujeito
enunciante apostando em outras experiências políticas, vivências culturais,
alternativas econômicas e produção do conhecimento obscurecidas, destruídas
ou bloqueadas pelo eurocentrismo dominante. Assim, perguntamos, e se o
lócus de enunciação sobre Ciência e Saúde fosse deslocado para as indígenas
mulheres? E se o lugar de uma indígena mulher fosse o lugar pelo qual esse
mundo se organizasse e produzisse o conhecimento?

Se fizermos esse deslocamento que se constituem nossos territórios.


epistemológico, as condições do Podemos dizer que nossos mundos,
trabalho intelectual serão diferentes, nossas vivências, resultam de nosso
1. Marcha das Mulheres
o caráter da teorização será diferente. protagonismo no cuidado com a terra,
Indígenas:
O pensamento dos povos indígenas ela, mulher como nós.
é caracterizado por esta conexão
indissolúvel com o território que habita As indígenas mulheres têm uma
e com todos os seres vivos. Em agosto identidade com a terra, pois
de 2019, esse modo de ser no mundo construímos e somos construídas nela,
foi expresso na I Marcha das Mulheres precisamos desse lugar, onde nossas 2.
Indígenas1, quando mais de 2 mil memórias afetivas, linguísticas e de
mulheres de 130 povos indígenas de reconhecimento das nossas identidades
todas as regiões do Brasil gritaram: são qualificadas e potencializadas.

“Território: nosso corpo, nosso


3.
espírito”2-3. Com esse grito, afrontamos
este sistema-mundo branco/racista/
patriarcal/militar/capitalista e
reafirmamos a nossa existência neste
mundo. São pelos nossos corpos
240

PARA O MOVIMENTO INDÍGENA, é na escola que primeiramente sofremos com o


“A LUTA PELA TERRA É A MÃE DE racismo, a discriminação e o preconceito.
TODAS AS LUTAS” E AS MULHERES
SÃO PROTAGONISTAS NESSA LUTA, A Indígenas mulheres, suas trajetórias e caminhos
COMEÇAR PELO ZELO COM A TERRA, na universidade visibilizam nossa diversidade e
ENTENDIDA COMO MÃE DE TODOS OS capacidade de produção de conhecimento, como
SERES HUMANOS E NÃO HUMANOS, intelectuais que partem de seus corpos, de suas
ÁRVORES, VEGETAIS E MINERAIS. O culturas e dos ensinamentos de seus povos.
TERRITÓRIO É SAGRADO PORQUE É Nossa presença na academia é reparação e luta
MORADA DOS NOSSOS ANCESTRAIS. contra qualquer tipo de injustiça, particularmente
contra o genocídio de nossos povos, o racismo
e a discriminação de gênero. Trabalhamos na
Na luta pela visibilidade e igualdade em um fronteira entre academia e ativismo.
mundo de muitas discriminações, renunciamos
ao silêncio e demarcamos o território na escrita. Trazemos em nossa produção de conhecimento
Em tempos sombrios de perdas de direitos, as histórias de vida e vivências com várias
estamos confiantes na vitória de cada indígena mulheres no cotidiano dentro e fora do território.
mulher que está em sua mesa, escrevendo, A reflexão sobre gênero se dá pela vivência nas
dentro e fora do território, fazendo acontecer aldeias, no acompanhamento do movimento
novas histórias e defendendo a visibilidade de indígena nas suas diversas atividades e
ser indígena e mulher. questões, na educação indígena, na história
de luta das grandes mulheres, nas narrativas
Nossas escritas vão rompendo fronteiras e míticas, que consideram os seres espirituais
demarcando nossas culturas próprias, seres femininos, também.
de oralidade, nos apropriando da tecnologia da
escrita. E nossa escrita em português também E se são muitas as mulheres que possuem a
reflete nossas trajetórias. Para muitas de qualidade de guardiãs e detentoras de saberes
nós, a língua portuguesa é a segunda língua. tradicionais, sobre toda a sua diversidade de
Nosso português tem outras nuances, reflete procedimentos de cura (como curandeiras,
nossa oralidade e pensamento. A tradição benzedeiras e parteiras), e se são consideradas
oral é entendida como a arte de contar e ouvir sábias na mesma dimensão dos homens, é
histórias, pois são as histórias dos nossos nesse contexto de condições dadas a ambos,
antepassados, suas maneiras de ver o mundo, que buscamos uma relação de igualdade.
que conduzem a trajetória do povo.
Afirmamos também, desde a experiência
Reviver o processo de escrita e o acesso à escola das mulheres Pankararu, que pertencemos a
se trata de reviver uma trajetória vivida entre sociedades que também possuem um aspecto
prédios de uma cidade e no banho no igarapé, em matriarcal. As mulheres são matriarcas na
uma roda de conversa entre amigos sobre direitos forma que conduzem suas famílias; ao darem
indígenas, reviver as sombras de árvores que nos continuidade aos ensinamentos dos costumes,
protegem do sol no caminho da roça com nossas usos e tradições; ao contribuírem financeiramente
mães e irmãs Baniwa. Mas também é reviver que com as famílias; e ao se organizarem em
FOTO: MÍDIA NINJA
241

Para as indígenas, é prioridade a


paridade de gênero e a realização
de atividades que envolvam
somente as mulheres. Ainda há
resistência na participação delas
em diversos setores com os quais
se relacionam; dentro e fora do
contexto da aldeia, encontram
desafios e a discriminação de gênero.
O surgimento e fortalecimento de
parentas mulheres no acesso às
universidades rompe a ideia de
ser indígena mulher dentro das
comunidades indígenas. Ser indígena
mulher e mãe fora do território é
associações para buscar os direitos coletivos direcionados correr risco, mas, ao mesmo tempo,
às populações indígenas. é um ato político de resistência. É
no transitar entre os dois lugares
As mulheres têm participação ativa nos movimentos e que nós fortalecemos a nossa
atividades coletivas pela institucionalização das políticas indianidade, somos a continuação e a
públicas para saúde e educação escolar indígena, e na luta força de um povo.
maior pela terra indígena. Ressaltamos essa participação
ativa e as redes formadas pelas mulheres para a retomada do
território tradicional. Entre as mulheres Kaingang, existe uma
rede construída por laços afetivos, sanguíneos ou não, deSE NOSSAS AVÓS
SOFRERAM VIOLÊNCIAS E
constante troca de informações, de articulação de ideias e de
TIVERAM SEUS SABERES
incidência para favorecê-las nos contextos das comunidades.
Mas observamos que nas produções acadêmicas, feitas até SILENCIADOS, NÓS, COMO
pouco tempo, somente a agência masculina era ressaltada NETAS, ESTAMOS AQUI
e reforçada, cabendo a nós o compromisso de fortalecer e PARA CONSTRUIR NOVAS
visibilizar ações e vozes das parentas indígenas. HISTÓRIAS NO MUNDO DAS
ESCRITAS, DESENHANDO
Nos espaços de discussões onde temos nos debruçado UMA NOVA LINHA SOBRE
para pensar temas como feminismo indígena e/ou A HISTÓRIA DE INDÍGENAS
todas as relações e atuações das mulheres, em lugares MULHERES. NÓS, INDÍGENAS
políticos, de trabalho, de lutas, no contexto intra ou MULHERES, ESTAMOS
extraterritório, percebemos que temos pouco referencial PRESENTES CADA VEZ
teórico para subsidiar os debates. Por outro lado, temos MAIS, COMO PORTA-
uma efervescência de pensamentos e discussões entre VOZES DE MUITAS OUTRAS
pesquisadoras indígenas e não indígenas. Seguimos porque MULHERES, VISIBILIZANDO
precisamos fazer movimento, fazer mudança e lutar pela CIÊNCIAS INDÍGENAS.
vida de nossos povos.
242

MINIBIOGRAFIAS
243
244

ALUNAS PARTICIPANTES DO COLETIVO MOTIRÔ, DELAINE MARTINS COSTA - ENSP/FIOCRUZ


PARCERIA COM AGENDA LARANJA/IFF/FIOCRUZ. Delaine Martins Costa é graduada em Ciências Sociais
• Amanda Forte Ferreira, CIEP385 – Alberto Pasquali; pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com
• Ananda Santana Mateus, Instituto Brasileiro de mestrado em Antropologia (UFF) e doutorado em Saúde
Medicina de Reabilitação (IBMR); Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
• Camily Evangelista de Almeida, Centro de Formação Arouca (ENSP/Fiocruz). Pesquisadora concursada do
Nogueira Mineiro; Departamento de Ciências Sociais da ENSP e integrante
• Claudilene Silva Gonçalves, Colégio Estadual da área de concentração Sociedade, Violência e Saúde
Hebe Camargo; (SVS). Professora colaboradora do Programa de Pós
• Daiana Galdino Pinto da Silva, Universidade Federal Graduação em Saúde Pública, atua na linha de pesquisa
do Rio de Janeiro (UFRJ); perspectiva socioculturais, nos temas desigualdades
• Emilly Yorio Camargo Barbosa, Instituto Federal do sociais em saúde, relações de gênero e avaliação.
Rio de Janeiro (IFRJ);
• Estephane Gonçalves Santos, Universidade do LENIRA FRACASSO ZANCAN - ENSP/FIOCRUZ
Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Lenira Fracasso Zancan, graduada em Ciências Sociais
• Juliana Machado Santos, Universidade Federal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Fluminense (UFF); mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde
• Leticia Lucas Mattos, Universidade Federal Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), onde atua como
Fluminense (UFF); pesquisadora adjunta do Departamento de Ciências
• Letícia Nunes Barros Rodrigues, Colégio Estadual Sociais. Professora na pós-graduação na área de Saúde
Elisiário Matta; Coletiva, com ênfase na Educação e Promoção da Saúde,
• Luana Linda da Silva, Centro Federal de Educação tem experiência de pesquisa, cooperação e extensão
Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ); nos temas de saúde, ambiente e políticas públicas, com
• Manuella Vitória Alves da Silva, Colégio Pedro II; especial interesse nas dimensões da participação e
• Maria Eduarda Bento Sampaio, Instituto Federal do intersetorialidade, na avaliação de programas de saúde
Rio de Janeiro (IFRJ); e desenvolvimento local. Membro da coordenação
• Maria Eduarda Monteiro da Silva Marques, Instituto do Projeto Laboratório Territorial de Manguinhos e do
Federal do Rio de Janeiro (IFRJ); Projeto Memórias e Práticas do DCS/ENSP/Fiocruz.
• Milena Mota da Silva Rodrigues, Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); MARIA INÊS CARSALADE MARTINS - ENSP/FIOCRUZ
• Maria Luiza Moreira dos Santos, Universidade Maria Inês Carsalade Martins é graduada em Terapia
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Ocupacional pela Escola de Reabilitação do Rio de
Janeiro, da Associação Brasileira Beneficente de
Reabilitação (ABBR), mestre em Saúde Pública pela
Fundação Oswaldo Cruz e doutora em Saúde Coletiva
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Atualmente é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz.
Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase
em Reestruturação Produtiva e Gestão do Trabalho em
Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas:
gestão do trabalho em saúde, processo de trabalho em
saúde, educação em saúde, recursos humanos em saúde
e formação de recursos humanos em saúde.
245

MARIA LÚCIA DE MACEDO CARDOSO - Infecciosas e Parasitárias, Biologia Molecular e Biotecnologia.


ENSP/FIOCRUZ Atua principalmente nos seguintes temas: diagnóstico,
Maria Lúcia de Macedo Cardoso tem graduação em epidemiologia molecular e tipagem molecular de agentes
Ciências Sociais (UnB), mestrado em Development infecciosos virais e bacterianos. Membro da Comissão
Studies (Mulheres e Desenvolvimento) pelo Técnica de Biossegurança e Bioproteção (CTBio) da Fiocruz.
Institute of Social Studies (Holanda), mestrado em É coordenadora de Biossegurança da Fiocruz MS. É docente
Antropologia (UnB) e doutorado em Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas
Social (Museu Nacional/UFRJ). É pesquisadora do e Parasitárias da Universidade Federal de Mato Grosso do
Departamento de Ciências Sociais da ENSP/Fiocruz e Sul (UFMS). Colabora com a vigilância epidemiológica de
professora em Metodologia da Pesquisa Social e Teoria rickettsioses lato sensu, em especial da bartonelose, febre
Social no mesmo departamento. Desenvolve pesquisa maculosa brasileira, febre Q e ehrlichiose no Brasil. Coordena
na área de desigualdades sociais, saúde e políticas projetos de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico.
públicas. Coordena o Projeto Memórias e Práticas do Revisora de periódicos nacionais e internacionais.
DCS/ENSP/Fiocruz.

ROSANA MAGALHÃES - ENSP/FIOCRUZ ALINE LOPES LACERDA – COC/FIOCRUZ


Rosana Magalhães é graduada em Nutrição pela Aline Lopes Lacerda possui graduação em História e
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre mestrado em Comunicação ambos pela Universidade
em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e doutora Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e doutorado em
em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio História Social pela Universidade de São Paulo (USP).
de Janeiro (UERJ). Atualmente é pesquisadora titular da Atua como pesquisadora do Departamento de Arquivo
Fundação Oswaldo Cruz. A sua experiência na área de e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz,
Saúde Coletiva envolve atividades de ensino e pesquisa, tendo se especializado no tratamento arquivístico de
coordenando estudos nas linhas de investigação documentos fotográficos de valor permanente. Tem
institucional “Desigualdades Sociais, Qualidade de Vida, experiência, também, na área de História e Arquivologia,
Cidade e Saúde” e “Avaliação de Políticas Públicas”. É com ênfase em Fotografia e História, e Fotografia e
membro da Comissão de Pós-Graduação do Programa de Arquivos. Desenvolveu seus trabalhos de dissertação
Mestrado e Doutorado da ENSP/Fiocruz. e tese, respectivamente, sobre Fotografia e Política, e,
Fotografia em Arquivos.
ALEXSANDRA RODRIGUES DE MENDONÇA
FAVACHO – FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL ALINE LOPES SOARES PESSOA DE BARROS – MUSEU
Alexsandra Rodrigues de Mendonça Favacho tem DA VIDA/COC/FIOCRUZ
graduação em Biomedicina pela Universidade Federal de Aline Lopes Soares Pessoa de Barros tem graduação em
Pernambuco (UFPE), mestrado em Bioquímica pela mesma Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de
universidade e doutorado em Ciências (Microbiologia) Janeiro (UFRRJ) e especialização em Gestão da Saúde
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É e Administração Hospitalar pela Universidade Estácio
pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz Mato Grosso de Sá (Unesa). Tem experiência em educação, com
do Sul, onde desenvolve atividades de pesquisas sobre: ênfase em educação em museus. Atualmente é analista
rickettsioses, bartonelose, febre Q e outras zoonoses virais e de gestão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e atua
bacterianas em população humana, de animais (silvestres e no Serviço de Educação do Museu da Vida. Coordena o
domésticos) e de artrópodes. Tem realizado pesquisas sobre projeto “Meninas Negras na Ciência” e cursa mestrado
SARS-CoV-2 desde o início da pandemia. Tem experiência em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa
na área de Microbiologia, com ênfase em Doenças de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).
246

ANDRÉ LUIZ DA SILVA LIMA – PRESIDÊNCIA /FIOCRUZ (UFRJ)/ Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/
André Luiz da Silva Lima é graduado, com Bacharelado Universidade Federal Fluminense (UFF) e do doutorado
e Licenciatura, em História pela Universidade Federal do acadêmico em Saúde Coletiva/Instituto Leônidas & Maria
Rio de Janeiro (UFRJ), tendo desenvolvido seus estudos Deane (ILMD/Fiocruz)/Universidade Federal do Amazonas
de mestrado e doutorado em História das Ciências e (UFAM)/Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
da Saúde pelo PPGHCS/COC/Fiocruz. Tem experiência É coordenadora do GT de Saúde Indígena da Associação
em atividades de pesquisa e coordenação de campo em Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), participa do
projetos de intervenção socioeconômica em territórios Conselho Estadual de Direitos Indígenas/RJ e atua como
em situação de vulnerabilidades (favelas), e na pesquisa apoiadora de lideranças e organizações indígenas.
histórica da saúde coletiva.
ANAKEILA DE BARROS STAUFFER – EPSJV/FIOCRUZ
AMANDA DA ROCHA PAULA REYES – IOC/ FIOCRUZ Anakeila de Barros Stauffer é graduada em Pedagogia
E PROVOC/FIOCRUZ pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
Amanda da Rocha Paula Reyes é estudante do Ensino mestre em Educação pela mesma instituição e doutora
Médio do Colégio Pedro II do Campus São Cristóvão III. também em Educação pela Pontifícia Universidade
Participa do Programa de Vocação Científica (Provoc) do Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É pesquisadora
Instituto Oswaldo Cruz (IOC)/Fundação Oswaldo Cruz e ex-diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
(Fiocruz), coordenado pela Escola Politécnica de Saúde Venâncio (EPSJV)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Joaquim Venâncio (EPSJV), no Laboratório de Helmintos Tem experiência na área de Educação, com ênfase nos
Parasitos de Peixes, sob orientação da pesquisadora temas: educação profissional em saúde, educação de
Melissa Querido Cárdenas Rossas e coorientação da jovens e adultos (EJA), educação inclusiva e educação de
pesquisadora Márcia Cristina Nascimento Justo. pessoas com deficiência, tendo como foco a deficiência
intelectual. Colabora com o Programa de Pós-Graduação
ANA LÚCIA DE MOURA PONTES – ENSP/FIOCRUZ em Educação Profissional em Saúde da EPSJV e é
Ana Lúcia de Moura Pontes tem graduação em Medicina professora do ensino fundamental na Secretaria Municipal
pela Universidade de São Paulo (USP), especialização em de Educação de Duque de Caxias (RJ), onde atuou na
Educação e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Educação Especial e Inclusiva e na Educação Infantil.
Sergio Arouca (ENSP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
residência médica em Medicina Preventiva e Social pela ANDRÉ DE FARIA PEREIRA NETO – FIOCRUZ MATO
Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrado e GROSSO DO SUL
doutorado em Saúde Pública pela ENSP. É pesquisadora do André de Faria Pereira Neto tem graduação em História
grupo de pesquisas Saúde, Epidemiologia e Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
dos Povos Indígenas da ENSP/Fiocruz. Tem atuado em (PUC-Rio), Mestrado em História pela Université de Paris
pesquisas qualitativas, formação profissional e projetos III (Sorbonne-Nouvelle), Doutorado em Saúde Coletiva
técnicos no âmbito da Saúde Indígena, principalmente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
na sua interface com as políticas públicas de saúde, Pós-Doutorado em Sociologia da Saúde pela Universidade
perspectivas antropológicas dos modelos de atenção da Califórnia, San Francisco. É pesquisador titular da Escola
à saúde e formação profissional de Agentes Indígenas Nacional de Saúde Pública, onde coordena o Laboratório
de Saúde. É docente permanente do Programa de Internet, Saúde e Sociedade (LAISS), vinculado ao Centro de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Condições de Vida e Saúde Escola Germano Sinval de Faria (CSEGSF). É professor
Situações de Saúde na Amazônia/Fiocruz e do Programa credenciado do Programa de Pós-Graduação em Informação
de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde e Comunicação em Saúde oferecido pelo Instituto de
Coletiva/ Fiocruz/Universidade Federal do Rio de Janeiro Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em
247

Saúde (Icict), da Fundação Oswaldo Cruz. É pesquisador BEATRIZ GILDA JEGERHORN GRINSZTEJN –
sênior-visitante do escritório da Fundação Oswaldo Cruz em INI/FIOCRUZ
Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Desenvolve pesquisa Beatriz Gilda Jegerhorn Grinsztejn é graduada em
sobre o impacto da internet na relação médico-paciente Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
e sobre avaliação de qualidade de informação em sites de mestre e doutora em Doenças Infecciosas e Parasitárias
saúde. Criou o aplicativo para atenção primária Meu-Info- pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Saúde, disponível no Google Play. Atualmente é docente e chefe de laboratório no Instituto
Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz, líder
ANDREA DA LUZ CARVALHO – e investigadora principal do Grupo de Pesquisa Clínica
COGEP/FIOCRUZ E COMITÊ PRÓ-EQUIDADE DE e Epidemiológica em HIV/Aids/Fiocruz, que participa
GÊNERO E RAÇA DA FIOCRUZ das redes de pesquisa Aids Clinical Trials Group e HIV
Andrea da Luz Carvalho tem graduação em Psicologia Prevention Trials Network NIAID/NIH, EUA. Integra
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), redes de pesquisa nacionais e internacionais, como
especialização em Auditoria do Sistema Único de Saúde o HIV/Aids Adult Guidelines Development Group da
pela Universidade Estácio de Sá e em Psiquiatria Social Organização Mundial da Saúde e o Scientific Expert Panel
pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), residência da UNAIDS. Desenvolve ampla colaboração em projetos
em medicina pela ENSP e mestrado em Saúde Coletiva financiados por agências de fomento e instituições
pelo Instituto de Medicina Social (IMS). Atualmente é nacionais e internacionais, tais como o NIAID/NIH, a
coordenadora-geral de Gestão de Pessoas da Fundação Agência Francesa de Pesquisa em Aids e Hepatites Virais
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e participa do Colegiado Gestor (ANRS), a Canadian HIV Trials Network e o Kirby Institute
do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. (Austrália). É bolsista de produtividade do CNPq, cientista
do Nosso Estado e pesquisadora Visitante Sênior da
ARYELLA MARYAH COUTO CORREA – Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia (Fapeam).
PIBIC/FARMANGUINHOS/ FIOCRUZ É consultora do Ministério da Saúde e integra o Comitê
Aryella Maryah Couto Correa foi aluna de Iniciação Assessor para a Terapia Antirretroviral em Adultos e o
Científica (IC)-Ensino Médio pelo Programa de Vocação Comitê de Pesquisa em HIV/Aids. Faz parte do HIV/Aids
Científica (Provoc) e no Instituto de Engenharia Adult Guidelines Development Group da Organização
Nuclear (IEN)/Comissão Nacional de Energia Nuclear Mundial da Saúde e o Scientific Expert Panel da UNAIDS.
(CNEN). Atualmente cursa graduação em Farmácia É investigadora da rede colaborativa Caribbean, Central
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e and South America (CCASSAnet), que integra a
é aluna de IC no Laboratório Farmacologia Aplicada International Epidemiologic Databases to Evaluate Aids
em Farmanguinhos, da Fiocruz. Tem experiência na (IeDEA) NIAID/NIH, E.U.A. É ainda membro do Comitê
área de Farmacologia, principalmente em inflamação e Internacional da Canadian Trials Network, do Comitê
terapêutica em estudos pré-clínicos. Científico da rede Aids Clinical Trials Group. Integra o
International Advisory Board dos periódicos The Lancet
HIV e Journal of the International Aids Society, sendo
editora acadêmica do periódico PLoS One.
248

CAROLINA CUNHA MONTEIRO – IRR/FIOCRUZ CORINA HELENA FIGUEIRA MENDES – IFF/FIOCRUZ


Carolina Cunha Monteiro é formada em Ciências Corina Helena Figueira Mendes é graduada em psicologia
Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Gerais (PUC-Minas) e em Educação Ambiental pela (PUC-Rio) e em direito pela Universidade Federal
mesma instituição. É pós-graduada em nível de mestrado Fluminense (UFF). Tem mestrado e doutorado em Saúde
e doutorado no Instituto René Rachou – Fiocruz Minas na da Criança e da Mulher pelo Instituto Nacional de Saúde
área de Ciências da Saúde com ênfase em Biologia Celular da Criança, da Mulher e do Adolescente Fernandes
e Molecular. Seu doutorado teve período sanduíche no Figueira (IFF) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). É
National Institutes of Health, EUA. Desenvolve projetos tecnologista em Saúde Pública nesse instituto, onde
na área de epidemiologia, parasitologia e taxonomia de atua como professora e pesquisadora nas temáticas
flebotomíneos e parasitos do gênero Leishmania, além de de gênero, sexualidade, direitos humanos, violência e
divulgação científica para diversos públicos. É técnica em saúde. É idealizadora e coordenadora, junto com Marcos
Saúde Pública na Fiocruz Minas e trabalha na Coleção de Nascimento, da iniciativa Agenda Laranja IFF Fiocruz, que
Flebotomíneos da Fundação. em 2020, a partir do projeto “Mais meninas na Fiocruz”,
desenvolveu, em parceria com o grupo Motirõ, atividades
CONSTÂNCIA FLÁVIA JUNQUEIRA AYRES LOPES – sobre gênero, representatividade, ciência e juventude.
IAM/FIOCRUZ
Constância Flávia Junqueira Ayres Lopes é graduada CRISTIANA FERREIRA ALVES DE BRITO –
em Ciências Biológicas pela Universidade Federal IRR/FIOCRUZ
de Pernambuco (UFPE), mestre em Genética pela Cristiana Ferreira Alves de Brito é bióloga formada pela
UFPE e doutora em Biologia Celular e Molecular pelo Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Realizou dois MG), mestre e doutora em Bioquímica e Imunologia
pós-doutorados, um na Escola de Medicina Tropical de pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
Liverpool (LSTM), Inglaterra, e o segundo no Instituto pós-doutora pela Emory University (Atlanta, GA, USA).
de Higiene e Medicina Tropical (IHMT). É pesquisadora Realizou estágio como pesquisadora visitante sênior no
titular em saúde pública no Instituto Aggeu Magalhães/ projeto MaHPIC (Interação parasito-hospedeiro na malária)
Fiocruz desde 2002, onde atua na área de genética do Yerkes National Primate Research Institute, Emory
de mosquitos vetores. Foi a primeira coordenadora University em Atlanta, GA, USA (2015). Tem experiência
do Programa de Pós-Graduação em Biociências e em Biologia Molecular, principalmente em malária
Biotecnologia em Saúde (PPGBBS) da Fiocruz-PE, vice- causada por Plasmodium vivax, antígenos recombinantes,
diretora de Ensino e Informação Científica, de 2013 a variabilidade genética e desenvolvimento de estratégias
2018, e vice-diretora de Pesquisa, Desenvolvimento de diagnóstico e de vacinas. É pesquisadora titular em
Tecnológico e Serviços de Referência, de 2019 a 2021. saúde pública do Instituto René Rachou/Fiocruz Minas
Pela Fiocruz-PE já orientou mais de 70 estudantes, desde 2002, onde atuou como vice-diretora de Ensino,
entre Provoc, Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado Comunicação e Informação de 2012 a 2021 e atualmente
e Pós-doutorado. Atualmente coordena a disciplina de coordena os programas de extensão e divulgação científica.
Introdução à Pesquisa em Biociências no PPGBBS. Em Secretária regional da SBPC-MG 2021-2023.
2019-2020 coordenou o projeto Meu Verão na Fiocruz,
no âmbito do Edital Mais Meninas na Ciência, da Vpeic.
249

CRISTIANA GRUMBACH CRISTIANI VIEIRA MACHADO –


Cristiana Grumbach é diretora, roteirista, editora e VPEIC/ FIOCRUZ E ENSP/FIOCRUZ
professora. Astróloga. É mestranda em Criação e Cristiani Vieira Machado é graduada em Medicina
Produção de Conteúdos Digitais, curso de pós graduação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
stricto sensu do Programa de Pós-Graduação em com residência em Medicina Preventiva e Social pela
Tecnologias e Linguagens da Comunicação da UFRJ. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/
Dirigiu os documentários de longa-metragem Morro Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), tem mestrado
da Conceição... (2005), As cartas psicografadas por e doutorado em Saúde Coletiva pelo Instituto de
Chico Xavier (2010) e Filmes de Gordinho (2015), Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
e os documentários de curta-metragem O joelho de Janeiro (IMS/UERJ) e pós-doutorado em Ciência Política
Ives (2011), Mestre Adorcino e o estuque ornamental na University of North Carolina at Chapel Hill, EUA. É
(2013), Bandeira de Mello e a arte do Afresco (2015), pesquisadora do Departamento de Administração e
Sagrada Família (2018) e Celebração (2018), Filme para Planejamento em Saúde da ENSP/Fiocruz e docente
Gadelha (2018) e Um microondas foi pro ferro velho permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde
(2019). Tem experiência na direção, roteirização e edição Pública da mesma instituição. Bolsista de Produtividade
de documentários institucionais e programas de TV. em Pesquisa do CNPq, é uma das líderes do grupo
Tendo, também, atuado na organização de oficinas nas de pesquisa: Estado, Proteção Social e Políticas de
temáticas de Produção em Documentário, e, Criação e Saúde. Desde novembro de 2018, é vice-presidente de
Produção de Documentário. Em 2016, fundou a Escola Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz.
Doc onde coordena e ministra cursos sobre teoria e
prática do documentário. CRISTINA ARARIPE FERREIRA - VPEIC/FIOCRUZ
Cristina Araripe Ferreira tem graduação em Ciências
CRISTIANE NOGUEIRA BRAGA – Sociais pela Universidade do Estado do Rio de
EPSJV/FIOCRUZ E PROVOC Janeiro (UERJ), graduação em História pela Pontifícia
Cristiane Nogueira Braga Percini tem graduação em Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
Pedagogia pela Universidade Gama Filho e mestrado em mestrado em Histoire des Sciences et Épistémologie pela
Ensino em Biociências e Saúde pela Fundação Oswaldo Université Paris 7, mestrado em Engenharia de Produção
Cruz. É tecnologista em Saúde Pública da Fundação pela Coordenação de Programa de Pós-Graduação em
Oswaldo Cruz e pesquisadora do Laboratório de Iniciação Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Científica na Educação Básica. Atua principalmente (Coppe/UFRJ) e doutorado em História das Ciências
em iniciação científica na educação básica, juventude e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC). É
e divulgação científica. Desde 2000, coordena a etapa pesquisadora titular em Saúde da Fundação Oswaldo
avançada do Programa de Vocação Científica no Cruz (Fiocruz), onde coordena, atualmente, a área de
Laboratório de Iniciação Científica na Educação Básica da Divulgação Científica, vinculada à Vice-Presidência de
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz. Educação, Informação e Comunicação. Desde 2018,
trabalha também na equipe de Museologia do Museu da
Vida/COC. Tem experiência em pesquisa em Sociologia e
História das Ciências e da Saúde, com ênfase em políticas
públicas de ciência e tecnologia, carreiras científicas
e formação de jovens. Tem atuado, principalmente,
nos seguintes temas: educação em ciências, iniciação
científica na educação básica, difusão do conhecimento
científico e tecnológico, educação e saúde, formação de
250

futuros pesquisadores e incentivo às carreiras científicas DENISE NACIF PIMENTA – IRR/FIOCRUZ


(Mulheres e Meninas na Ciência). Atualmente, é Denise Nacif Pimenta tem graduação em Ciências
responsável na Fiocruz por diversos programas e projetos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais
institucionais na área de educação e divulgação científica, (UFMG), mestrado em Tecnologia Educacional nas
entre eles, o Programa Olimpíada Brasileira de Saúde e Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio de
Meio Ambiente e o Mais Meninas na Fiocruz. Janeiro (UFRJ) e doutorado em Ciências da Saúde pelo
Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz. Fez pós-
DAIANE SILVEIRA ROSSI – COC/ FIOCRUZ doutorado no Centro de Desenvolvimento Tecnológico
Daiane Silveira Rossi é graduada em História pelo Centro em Saúde/ Fiocruz e no Instituto de Comunicação
Universitário Franciscano (UFN), mestre em História pela e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutora Fiocruz. Realizou estágio no TDR Career Development
em História das Ciências na Casa de Oswaldo Cruz/ Fellowship in Interactive Learning. É antropóloga e
Fiocruz. Participou do programa de doutorado sanduíche na pesquisadora no Instituto de Pesquisas René Rachou
Universidade de Évora, Portugal. É atualmente pesquisadora (Fiocruz Minas). Professora do curso de Pós-Graduação
em Estágio Pós-Doutoral na Casa de Oswaldo Cruz, com em Saúde Coletiva na Fiocruz-Minas e professora
financiamento da Faperj, bolsista nota 10. Tem interesse visitante do Mestrado Profissional Educação e Docência
pelas seguintes linhas de pesquisa: história da assistência, (Promestre) na Universidade Federal de Minas Gerais
história da pobreza, história das ciências, história das (UFMG). Faz parte do Grupo de Trabalho de Gênero e
mulheres, e história do Brasil na Primeira República. Covid-19 e coordena o estudo de caso brasileiro, parte
do projeto “Covid-19 riscos, impacto e resposta de
DALIA ELENA ROMERO MONTILLA – ICICT/FIOCRUZ gênero: pesquisa e orientação de políticas” (https://www.
Dalia Elena Romero Montilla é graduada em Sociologia genderandcovid-19.org/), apoiado pela Fundação Bill &
pela Universidad Católica Andrés Bello da Venezuela, Melinda Gates. Também coordena o eixo Profissionais
mestre em Demografia pelo El Colegio de Mexico e de Saúde da Rede Covid-19 Humanidades (https://www.
doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo ufrgs.br/redecovid19humanidades/index.php/br/) em
Cruz (1999). Atualmente é pesquisadora-chefe e colaboração com a Universidade Federal do Rio Grande
professora do Instituto de Comunicação e Informação do Sul (UFRGS), projeto financiado pelo Ministério da
Científica e Tecnológica em Saúde /Fiocruz e vice- Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC).
coordenadora do Programa de Pós-Graduação Denise integra seus trabalhos de pesquisa em saúde
em Informação e Comunicação em Saúde. Tem coletiva com movimentos sociais e sociedade civil, tendo
experiência na área de Demografia e Saúde Pública, experiência com os impactos sociais de epidemias (em
especialmente em avaliação da qualidade da informação, especial, as arboviroses dengue e zika). Também integrou
envelhecimento e saúde do idoso, monitoramento a coordenação conjunta da Rede Zika Ciências Sociais da
de indicadores de saúde e componentes da dinâmica Fiocruz (https://fiocruz.tghn.org/zikanetwork/).
demográfica. Faz parte do corpo docente de curso de
Pós-Graduação na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e da Rede Interagencial de Informações
para a Saúde e coordena o Grupo de Informação em
Saúde e Envelhecimento da Fiocruz. Também atua na
coordenação do GT População e Saúde da Associação
Brasileira de Estudos Populacionais (Abep).
251

DEUSILENE SOUZA VIEIRA DALL’ACQUA – Grosso do Sul. Tem atuado em temas relacionados
FIOCRUZ RONDÔNIA à Parasitologia, Biologia Molecular, Meio Ambiente,
Deusilene Souza Vieira Dall’Acqua é graduada em Saúde Pública por meio da abordagem em Saúde
Ciências Biológicas com mestrado e doutorado Única, Gamificação e Divulgação Científica. Membro
em Biologia Experimental na área de Virologia pela do Conselho Superior da Fundação de Apoio ao
Universidade Federal de Rondônia (Unir). Tem pós- Desenvolvimento do Ensino Ciência e Tecnologia de
doutorado na área de Virologia Molecular pela Mato Grosso do Sul (Fundect); do Comitê de Ética em
Universidade Federal da Bahia/Departamento de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, da Uniderp; do
Medicina – Serviço de Gastro-hepatologia. Atualmente, corpo editorial (editor científico) da revista Uniciências.
é pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Parecerista ad-hoc da Agência de Fomento Kroton e
Cruz-Rondônia (Fiocruz/RO) e pesquisadora-chefe do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz-RO. e Tecnológico (CNPq). Atualmente é coordenador
Docente e membro do Colegiado e Corpo Docente do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Permanente do Curso de Pós-Graduação em Biologia Científica (PIBIC) e do Programa Institucional de
Experimental (PGBIOEXP) da Unir, é orientadora em Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico
nível de mestrado e doutorado pelo PGBIOEXP/Unir. e Inovação (PIBITI) na Fiocruz Mato Grosso do Sul.
Pesquisadora colaboradora do Instituto Nacional de Atua como revisor de artigos científicos de periódicos,
Ciência e Tecnologia em Epidemiologia na Amazônia como: “Revista do Instituto de Medicina Tropical de
Ocidental (INCT-EpiAmO), lidera diretório de grupo de São Paulo”; “Pathogens and Global Health”; “African
pesquisa Endemias Virais da Amazônia. É membro do Journal of Microbiology Research”; “Cadernos de Saúde
Conselho Curador da Fundação de Amparo à Pesquisa Pública”; “Parasites & Vectors”; “Journal of Microbiology
do Estado de Rondônia (Fapero) e vice- coordenadora & Experimentation”; “Zoonoses and Public Health”;
de Ensino, Comunicação e Informação da Fiocruz- “Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical”;
RO. O grupo de virologia da Fiocruz-RO atua em “Interdisciplinary Perspectives on Infectious Diseases”.
estudos relacionados com detecção, identificação e
caracterização molecular dos vírus das hepatites virais, ELAINE FERREIRA DO NASCIMENTO – FIOCRUZ PIAUÍ
arboviroses e vírus respiratórios. Elaine Ferreira do Nascimento é graduada em Serviço
Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
EDUARDO DE CASTRO FERREIRA – e tem mestrado e doutorado em Ciências pelo
FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz. Atualmente é
Eduardo de Castro Ferreira é biólogo graduado pela pesquisadora e coordenadora-adjunta do Escritório
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- Técnico Regional da Fundação Oswaldo Cruz no Piauí.
Minas), mestre em Imunobiologia de Protozoários pela Tem experiência na área de Saúde Pública, atuando
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e doutor principalmente nos temas de gênero, violência contra a
em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Fiocruz mulher e feminicídio, sexualidades masculinas, serviço
Minas, com período sanduíche no Instituto de Salud social, juventude, políticas públicas, questão racial,
Carlos III, Madri, Espanha. É pesquisador em Saúde mortalidade materno-infantil, avaliação de serviços de
Pública da Fiocruz Mato Grosso do Sul, desde 2012. saúde, doenças negligenciadas, saúde e violência da
Atua como docente permanente e orientador nos população LGBTQI+, determinantes sociais de saúde e
Programas de Pós-Graduação em Meio Ambiente e infecções sexualmente transmissíveis.
Desenvolvimento Regional (PPGMDR) da Universidade
Anhanguera-Uniderp e no de Doenças Infecciosas e
Parasitárias (PPGDIP) da Universidade Federal de Mato
252

ELISA URBANO RAMOS – UFPE, ABIA E APOINME FABIANE VINENTE DOS SANTOS – ILMD/FIOCRUZ
Elisa Urbano Ramos é graduada em Licenciatura em Fabiane Vinente dos Santos tem graduação em Ciências
Letras pela Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde Sociais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
e tem mestrado em Antropologia pela Universidade mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia pela
Federal de Pernambuco (UFPE). Também tem cursos mesma universidade e doutorado em Antropologia Social
de aperfeiçoamento em Educação do Campo na UFPE pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É
e em Formação para o Programa Escola Ativa pela técnica em Saúde Pública e pesquisadora no Instituto
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É Leônidas e Maria Deane/Fiocruz. Desenvolve trabalhos
indígena do Povo Pankararu e membro da Articulação nas áreas de Sistemas de Conhecimento Ameríndios,
Brasileira de Indígenas Antropóloges (Abia). Também Saúde e Migração, Políticas Públicas de Saúde, Gênero,
coordena o Departamento de Mulheres Indígenas da Saúde Indígena, Etnologia Indígena e Militarização
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do de Terras Indígenas. É membro do corpo docente do
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Mestrado Profissional em Saúde da Família – Profsaúde
e coordenadora do Projeto Numiô-Momoro: Meninas e
ELIZABETH LEITE BARBOSA – Mulheres na Ciência.
ENSP/FIOCRUZ E APG/FIOCRUZ
Elizabeth Leite Barbosa tem graduação em Fisioterapia GEISA PAULINO CAPRINI EVARISTO –
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). É FIOCRUZ RONDÔNIA
especialista em Saúde Coletiva na modalidade de Geisa Paulino Caprini Evaristo é bacharel em Ciências
Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Coletiva Biológicas e mestre em Biociências e Biotecnologia
pela Universidade Tiradentes. Mestre e doutoranda em pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Epidemiologia em Saúde Coletiva pela Escola Nacional Ribeiro (UENF), doutora em Bioquímica e Biotecnologia
de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação pela Universidade Tecnológica de Delft, na Holanda, e
Oswaldo Cruz, é coordenadora-geral da Associação de pós-doutora em Genética pela Universidade Federal do
Pós-Graduandos (APG) da Fiocruz. Paraná (UFPR) e em análise de substâncias dopantes
em atletas de alta performance. Atua na área de
FABIANA DAMÁSIO PASSOS – análise de metabólitos, peptídeos e proteínas bioativas
GEREB/FIOCRUZ utilizando técnicas analíticas de cromatografia líquida e
Maria Fabiana Damásio Passos tem graduação em espectrometria de massas. Atualmente é pesquisadora
Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Fiocruz Rondônia desenvolvendo pesquisas na área
especialização em Metodologia de Pesquisa em Saúde de bioprospecção de moléculas ativas da flora e fauna
Mental pela Fundação para o Desenvolvimento de Ciências amazônica contra doenças tropicais, além de atuar como
(FDC), mestrado em Psicologia pela mesma universidade membro do Comitê de Ética de Utilização de Animais
e doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília de Laboratório da Fiocruz-RO, do Núcleo de Inovação
(UnB). É diretora da Fiocruz Brasília e pesquisadora e Tecnológica da Fiocruz-RO e coordenar a iniciativa de
coordenadora de grupo de pesquisa População em Situação divulgação científica “Café com Ciência da Fiocruz-RO”.
de Rua: Políticas, Dispositivos e Ações da Escola Fiocruz de
Governo Brasília. Sua formação é voltada principalmente
para Psicologia Social. Atua como docente do Mestrado em
Políticas Públicas em Saúde e do Mestrado Profissional em
Saúde da Família, coordenado pela Fiocruz e Associação
Brasileira de Saúde Coletiva. É secretária Executiva do
Sistema Universidade Aberta do SUS (UnaSUS).
253

GENIMAR REBOUÇAS JULIÃO – Cruz (COC/Fiocruz), e da Especialização em Direitos


FIOCRUZ RONDÔNIA Humanos, Acessibilidade e Inclusão, do Departamento
Genimar Rebouças Julião é graduada em Ciências de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural
Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (DIHS) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
(UFMG), mestre em Ecologia e Conservação pela Arouca (ENSP/Fiocruz). Tem experiência em
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) metodologias e prática de pesquisa, formação de
e doutora em Biologia pelo Instituto Nacional de professores, ensino de ciências, desenvolvimento de
Pesquisas da Amazônia (Inpa). Atua nas temáticas de jogos educativos, educação não formal, exposições,
Ecologia de Insetos Galhadores e Ecologia de Insetos divulgação científica e popularização da ciência,
Vetores de Doenças na Amazônia. É pesquisadora acessibilidade e relações étnico-raciais. Atualmente,
em Saúde Pública da Fiocruz Rondônia e chefe do coordena a Seção de Formação do Serviço de Educação
Laboratório de Entomologia. Desenvolve estudos do Museu da Vida e o projeto Meninas Negras na
sobre a ecologia de vetores e patógenos, enfocando Ciência. Integra o Grupo de Trabalho de Acessibilidade
os grupos de mosquitos, flebotomíneos, maruins e do Museu da Vida (MV) e o Comitê Fiocruz pela
barbeiros. A missão do grupo de pesquisa é produzir Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência.
e divulgar o conhecimento sobre a biologia de vetores
e dos patógenos por eles veiculados, estimar taxas de HIPAMAALLHE – BRAULINA AURORA –
infecção, avaliar padrões de distribuição temporal e UNB E ENSP/FIOCRUZ
espacial e ferramentas alternativas para a vigilância Hipamaallhe – Braulina Aurora é bacharela em
entomológica, além de formar recursos humanos. Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Atualmente, é graduanda no curso de Sociologia
GLAUCIA ELISETE BARBOSA MARCON – FIOCRUZ e Mestranda em Antropologia Social na mesma
MATO GROSSO DO SUL universidade. É mãe e pesquisadora indígena do povo
Glaucia Elisete Barbosa Marcon é graduada em Licenciatura Baniwa. É pesquisadora no Observatório dos Direitos
em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista e Políticas Indigenistas – Obind/UnB/6ª Câmara e
(Unesp), campus Rio Claro-SP, mestre em Farmacologia Instituto Relacionais, no Laboratório Matula/UnB –
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e dos povos tradicionais – e pesquisadora do projeto
doutora em Ciências Básicas pela Faculdade de Ciências de ampliação de dados no projeto Acervo Memórias
Médicas da mesma universidade. Pesquisadora associada Indígenas no Brasil (Armazém Memória). Tem
em Saúde Pública da Fiocruz Mato Grosso do Sul e experiência nos temas de gênero, saúde, território,
colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Clínica violência e indígenas mulheres. É membro cofundador
Médica, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. e colaboradora da rede Articulação Nacional das
A principal linha de pesquisa são as doenças infecciosas e Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e
parasitárias, principalmente a doença de Chagas. da Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges
(Abia). Integra o corpo editorial dos projetos “Vozes
HILDA DA SILVA GOMES – Indígenas na Produção do Conhecimento” da Escola
MUSEU DA VIDA/COC/FIOCRUZ Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) e “Vozes
Hilda da Silva Gomes tem licenciatura em Ciências Indígenas nos Diálogos da Diáspora Indígena”.
Biológicas e bacharelado em Biologia Marinha pelas
Faculdades Integradas Maria Thereza e mestrado
em Educação pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). É docente da Especialização em Divulgação
e Popularização da Ciência, da Casa de Oswaldo
254

INARA DO NASCIMENTO TAVARES – INSTITUTO do conhecimento de políticas públicas de Saúde. É


INSIKIRAN DE FORMAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA/ também do Conselho Consultivo do Centro Brasileiro de
UFRR, ABRASCO, ABIA E ENSP/FIOCRUZ Estudos de Saúde (Cebes).
Inara do Nascimento Tavares é cientista social pela
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mestre ISADORA CRISTINA DE SIQUEIRA – IGM/FIOCRUZ
em Antropologia Social também pela UFAM. É indígena Isadora Siqueira é médica pela Universidade Federal da
mulher, faz parte do corpo retomada do povo Sateré Bahia (UFBA), especialista em Doenças Infecciosas e
Mawé e doutoranda do Programa de Pós-Graduação Parasitárias pela Universidade de São Paulo (USP), mestre
em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e doutora em Patologia Humana também pela UFBA.
e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio Foi professora de Doenças Infecciosas na Faculdade de
de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Tem experiência em Medicina da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e da
Antropologia, com ênfase em Etnologia Indígena, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Exerceu
atuando principalmente em saúde indígena, segurança docência em Pediatria na Escola Bahiana de Medicina e
alimentar e nutricional, soberania alimentar de povos Saúde Pública e a coordenação da Residência Médica de
indígenas, movimentos indígenas e políticas públicas Infectologia Pediátrica do Hospital da Criança. Atualmente
indigenistas. Compõe o Grupo de Trabalho (GT) Saúde é pesquisadora em Saúde Pública no Instituto Gonçalo
Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Moniz (IGM/Fiocruz), na Bahia, professora do Programa
(Abrasco). É docente do curso de Gestão em Saúde de Pós-Graduação em Patologia Humana (UFBA) e do
Coletiva Indígena no Instituto Insikiran de Formação Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia em Saúde
Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima e Medicina Investigativa (Fiocruz).
(UFRR) e pesquisadora da Rede Brasileira de Pesquisa
em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. JAQUELINE GOES DE JESUS – USP
É membro da Articulação Brasileira de Indígenas Jaqueline Goes de Jesus é graduada em Biomedicina
Antropólogues (Abia) e constrói o projeto Vozes pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, mestre
Indígenas na Produção do Conhecimento da Escola em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa
Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). (PgBSMI) pelo Instituto Gonçalo Moniz/Fiocruz e
doutora em Patologia Humana e Experimental pela
ISABELA SOARES SANTOS – ENSP/FIOCRUZ Universidade Federal da Bahia (UFBA) em associação
Isabela Soares Santos tem graduação em Ciências com o Instituto Gonçalo Moniz. Realizou doutoramento
Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado sanduíche na Universidade de Birmingham, Reino
e doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional Unido. Desenvolve pesquisas na área das arboviroses
de Saúde Pública (ENSP)/Fundação Oswaldo Cruz emergentes ZIKV, DENV, CHIKV, YFV, ORV e MAYV.
(Fiocruz). Atualmente é pesquisadora do Departamento Atualmente, é pós-doutoranda no Instituto de Medicina
de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP e Tropical de São Paulo – Universidade de São Paulo
coordenadora-geral do Programa de Políticas Públicas, (IMT-USP), no âmbito do CADDE – Brazil-UK Centre
Modelos de Gestão e de Serviços de Saúde Pública da for Arbovirus Discovery, Diagnosis, Genomics and
Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas Epidemiology, desenvolvendo pesquisas em arboviroses
da Fiocruz (PMA/VPPCB/Fiocruz) e da Comissão emergentes. É integrante do Zibra Consortium e fez parte
de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da da equipe que sequenciou os primeiros genomas do novo
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Tem coronavírus (SARS-CoV-2) no Brasil, em parceria com o
experiência nas áreas de Saúde Pública, Economia da Instituto Adolfo Lutz.
Saúde e Políticas de Saúde, atuando principalmente nas
relações público-privadas em saúde e na socialização
255

JISLAINE DE FÁTIMA GUILHERMINO – Saúde (PPGICS/Icict/Fiocruz). Integrante da Academia


FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL Rondoniense de Letras, Ciências e Artes (ARL), venceu
Jislaine de Fátima Guilhermino é farmacêutica ndustrial o Prêmio de Literatura Rondoniense/Categoria Literatura
formada pela Universidade Estadual de Maringá Acadêmica do Governo do Estado de Rondônia (2019).
(UEM). Mestre em Química Orgânica pelo Instituto É autor da obra: A desterritorialização da comunidade
de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro ribeirinha de São Domingos em Porto Velho/RO: uma
(UFRJ), doutora em Gestão e Inovação Tecnológica análise dos discursos e suas subjetividades, pela editora
pelo Programa de Tecnologia de Processos Químicos CRV/Curitiba – 2019. Durante 11 anos, atuou como
e Bioquímicos/EQ/UFRJ. Atualmente é tecnologista repórter/editor e apresentador de telejornal na Rede
Sênior da Fundação Oswaldo Cruz e coordenadora Amazônica (afiliada da Rede Globo). Desde janeiro
da Fiocruz Mato Grosso do Sul. Coordena Projetos de 2019, exerce a função de assessor de imprensa na
Especiais pelo Núcleo de Planejamento e Gestão de Fiocruz Rondônia, onde desenvolve atividades essenciais
Projetos (Farmácias Verdes, Plataforma Tecnológica de apoio à divulgação científica, no contexto da Saúde
em Fitomedicamentos, Desenvolvimento de Produtos) Pública no estado.
e é vice-diretora de pesquisa em Produtos Naturais
(Farmanguinhos/Fiocruz). É pesquisadora, professora e JOZILÉIA DANIZA JAGSO – IBP/UFSC, ABRASCO E
especialista na área de Gestão da Ciência e Tecnologia, ENSP/FIOCRUZ
Desenvolvimento e Inovação a partir da Biodiversidade; Joziléia Daniza Jagso é graduada em Geografia pela
Cadeias Produtivas e Desenvolvimento Sustentável. Universidade Comunitária da Região de Chapecó
Integra o Fórum Permanente de Ciência, Tecnologia e (UnoChapecó), especialista em Educação Profissional
Inovação de Mato Grosso do Sul. Integrada (Proeja) Indígena pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Antropologia
JOÃO MARCELLO BOUERI ROSSIGNEUX – Social pela Universidade Federal de Santa Catarina
VPEIC/ FIOCRUZ (UFSC). É indígena do povo Kaingang e pesquisadora
João Marcello Boueri Rossigneux é estudante de indígena no tema Mulheres indígenas, suas redes
Jornalismo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro em saúde, educação e território. Membro do Grupo
(UERJ) e Assistente de Comunicação da Olimpíada Temático Saúde Indígena da Associação Brasileira de
Brasileira de Saúde e Meio Ambiente, lotado na Vice- Saúde Coletiva (Abrasco) e pesquisadora do Instituto
Presidência de Educação, Informação e Comunicação/ Nacional de Pesquisas Brasil Plural (IBP/INCT). É
Fiocruz. João Boueri também é colaborador especial do também conselheira no Conselho Estadual dos Povos
programa Mulheres e Meninas na Ciência da Fiocruz, Indígenas de Santa Catarina (Cepin/SC) e membro da
atuando na produção de conteúdo jornalístico da página Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras
especial referente à temática. É coautor da publicação da Ancestralidade (Anmiga). Participa da Articulação
Menina Hoje, Cientista Amanhã. Brasileira de Antropóloges Indígenas (Abia) e da
Comissão de Assuntos Indígenas (CAI/ABA). Compõe o
JOSÉ GADELHA DA SILVA JÚNIOR – corpo editorial do Projeto Vozes Indígenas na Produção
FIOCRUZ RONDÔNIA do Conhecimento (ENSP/Fiocruz) e Vozes Indígenas nos
José Gadelha da Silva Júnior é graduado em Diálogos da Diáspora Indígena.
Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo,
pela União das Escolas Superiores de Rondônia (Uniron),
mestre em Letras pela Universidade Federal de Rondônia
(Unir), atualmente cursando doutorado pelo Programa
de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em
256

KARINE ARAÚJO DAMASCENO – IGM/FIOCRUZ de Pós-Graduação em Gestão de Documentos e


Karine Damasceno tem graduação em Medicina Arquivos da Universidade Federal do Estado do Rio de
Veterinária pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Janeiro (Unirio). É editora associada da seção Fontes
mestrado e doutorado em Patologia Investigativa pela da revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Foi
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas vice-presidente da Associação Brasileira de História
Gerais (UFMG). Desenvolve pesquisas relacionadas Oral (ABHO) e editora da revista História Oral (2016-
ao papel do microambiente tumoral na progressão do 2018). Integra os seguintes grupos de pesquisa do CNPq:
câncer, interação matriz extracelular e células neoplásicas, “Arquivos e bibliotecas: apropriações teóricas e aplicações
patologia mamária comparada e resposta inflamatória metodológicas” e “Acervos e memória da ciência e da
associada ao câncer. Atualmente, é Pesquisadora em tecnologia em saúde”. Desenvolve pesquisas no campo da
Saúde Pública no Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz- história e da sociologia da memória, com especial atenção
Bahia). É professora do curso de Pós-Graduação em para os seguintes temas: arquivos pessoais, instituições de
Pesquisa Clínica e Translacional (PGPCT) e do curso de memória, políticas públicas de memória e usos do passado
Pós-Graduação em Biotecnologia em Saúde e Medicina em contextos de luta por direitos.
Investigativa, ambos da Fiocruz-Bahia.
LUIZ OTÁVIO FERREIRA – COC/FIOCRUZ
LUCIANA LINDENMEYER – FIOCRUZ CEARÁ Luiz Otávio Ferreira é graduado em Ciências Sociais
Luciana Pereira Lindenmeyer é graduada em Serviço pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre
Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em Sociologia e Antropologia pela Universidade
(UFRJ), especialista em Gestão de Recursos Humanos Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Doutor em História
pela Universidade Candido Mendes e em Informação pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é
Científica e Tecnológica em Saúde pela Fiocruz e pesquisador titular do Departamento de História das
mestre em Educação Profissional em Saúde pela Escola Ciências e da Saúde, do qual foi chefe entre 2015 e 2018;
Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ é docente do Programa de Pós-graduação em História
Fiocruz). É doutoranda em Sociologia pela Universidade das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/
Federal do Ceará (UFC), onde pesquisa sobre violência, Fiocruz, do qual foi coordenador no período de 2000
saúde mental e mulheres negras. Assistente Social, atua a 2005. É, também, desde 2012, professor associado
há 20 anos na área de gestão de pessoas. Contribuiu do Departamento de Ciências Sociais e Educação da
para o projeto Meninas na Ciência Fiocruz Ceará 2020- Faculdade de Educação da Universidade do Estado do
2021, com a coordenadora Vanira de Matos Pessoa. Rio de Janeiro (UERJ). Foi professor e coordenador de
graduação do Departamento de Sociologia e Política
LUCIANA QUILLET HEYMANN – COC/FIOCRUZ da PUC-Rio (1986-1991); professor e coordenador de
Luciana Quillet Heymann possui bacharelado e pós-graduação lato senso da Faculdade de Educação
licenciatura em História pela Universidade Federal da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ) (1990-2011).
do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Antropologia Desenvolve pesquisas, publica e orienta regularmente
Social realizado no Museu Nacional/UFRJ e doutorado nas seguintes áreas e temas: história das ciências;
em Sociologia desenvolvido no Instituto Universitário história das profissões científicas de saúde (engenharia,
de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Atualmente é medicina e enfermagem); história da assistência e
pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação pobreza; gênero, ciências e educação.
Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), professora e atual
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das
Ciências e da Saúde (Fiocruz); professora do Programa
257

MARCIA CORREA E CASTRO – MARGARETH MARIA PRETTI DALCOLMO –


CANAL SAÚDE/FIOCRUZ ENSP/ FIOCRUZ
Marcia Correa e Castro é graduada em Comunicação Margareth Maria Pretti Dalcolmo tem graduação em
Social – Jornalismo pela Universidade Federal Medicina pela Escola de Medicina da Santa Casa de
Fluminense (UFF) e mestre e doutora em Educação Misericórdia de Vitória, residência em Pneumologia,
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro especialização em Pneumologia Sanitária pela Fundação
(PUC-Rio). É fundadora e coordenadora da “Bem Oswaldo Cruz, aperfeiçoamento em Advances in
TV – Educação e Comunicação”, organização não Respiratory Medicine pelo British Council, Inglaterra,
governamental dedicada a desenvolver, experimentar e doutorado em Pneumologia pela Escola Paulista de
e sistematizar metodologias que coloquem processos Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
da comunicação a serviço da educação. É também Atualmente é pneumologista clínica na prática privada e
superintendente do “Canal Saúde” da Fundação pesquisadora e coordenadora do Ambulatório de Pesquisas
Oswaldo Cruz, que produz e dissemina conteúdos sobre do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Escola
saúde pública, ciência e tecnologia em saúde. Nacional de Saúde Pública/Fiocruz. Possui experiência
em conduzir e participar de protocolos de pesquisa clínica
MARGARETH CRISOSTOMO PORTELA – e tratamento da tuberculose e outras micobacterioses.
ENSP/FIOCRUZ É membro do Comitê Técnico Assessor de Tuberculose
Margareth Crisóstomo Portela tem graduação em do Ministério da Saúde, das comissões científicas das
Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Bahia sociedades brasileiras de Pneumologia e Tisiologia e
(UFBA), mestrado em Engenharia Biomédica pela também de Infectologia, da REDE TB de Pesquisa em
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado Tuberculose, do Steering Committee da Boston Medical
em Health Policy and Administration, pela University School e do Expert Group for Essential Medicines List da
of North Carolina at Chapel Hill e pós-doutorado Organização Mundial de Saúde. É membro do Regional
pela Medical University of South Carolina. Realizou Advisory Committee do Banco Mundial para projetos de
estágio sênior no Programa Ciência sem Fronteiras da saúde na África Subsaariana em tuberculose e doenças
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível respiratórias ocupacionais. É docente da pós-graduação da
Superior (Capes), na Universidade de Leicester, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Inglaterra, com vínculo de Honorary Visiting Fellow e Rio) e investigadora do ensaio clínico Simplic TB da Global
atuação no campo da Ciência da Melhoria de Qualidade. Alliance for Tb Research. Na pandemia da Covid 19, integrou
Atualmente é docente permanente e pesquisadora da o grupo assessor do Ministério da Saúde na gestão do
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz, ministro Luiz Henrique Mandetta e é membro do grupo
com bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Tem assessor do Governo do Estado do Rio de Janeiro e do
ampla experiência em avaliação em saúde, com uso de Grupo ComCiência, coordenado pela Fundação de Amparo
bancos de dados secundários e aplicação de modelos à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
estatísticos. Também tem experiência em pesquisas
com coleta de dados primários acerca de características
gerenciais e assistenciais de organizações de saúde. Foi
coordenadora-geral do Proqualis, sediado no Instituto
de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica/
Fiocruz, e participa do Observatório Covid-19 da Fiocruz.
258

MARIA CECILIA DE SOUZA MINAYO – ENSP/FIOCRUZ MARIELLA SILVA DE OLIVEIRA-COSTA –


Maria Cecilia de Souza Minayo tem graduação em GEREB/FIOCRUZ
Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Mariella Silva de Oliveira-Costa tem graduação em
(UFRJ), graduação em Ciências Sociais pela City Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade
University of New York, mestrado em Antropologia Federal de Viçosa (UFV), especialização em
Social pela UFRJ e doutorado em Saúde Pública pela Jornalismo Científico pela Universidade Estadual de
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). É Campinas (Unicamp) e mestrado em Tocoginecologia
coordenadora do Centro Latino-Americano de Estudos também pela Unicamp, com intercâmbio na
de Violência e Saúde Jorge Careli e editora da Revista Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Tem
Ciência e Saúde Coletiva, da Abrasco. Ingressou no doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade de
Departamento de Ciências Sociais em 1985. Contribuiu Brasília (UnB), com estágio no Centre de Recherche
sobremaneira para inclusão da pesquisa social, de base sur la Comunication et la Santé da Université du
empírica, e de metodologias qualitativas no campo da Quebec a Montreal, Canadá, e estágio pós-doutoral na
saúde. Essa contribuição está expressa no livro O Desafio mesma área também pela UnB. Tem ênfase de atuação
do Conhecimento, de 1993, hoje em sua décima- quinta em metodologia de pesquisa, comunicação em saúde,
edição. Desempenhou importante papel na reestruturação jornalismo científico, saúde nas mídias e assessoria de
da pós-graduação stricto sensu em Saúde Pública da ENSP, comunicação. Atualmente, é tecnologista em saúde
da qual foi coordenadora por quatro anos. Em seguida, foi pública na Fiocruz Brasília (Gereb).
coordenadora de Pós-Graduação da Fiocruz, colocando
em diálogo os diversos cursos e programas existentes, MARILDA AGUDO MENDONÇA TEIXEIRA DE
resultando no regulamento geral de ensino da instituição e SIQUEIRA – IOC/FIOCRUZ
na organização de novos programas, em diversas unidades Marilda Agudo Mendonça Teixeira de Siqueira é
da Fiocruz. É bolsista 1A de produtividade do CNPq e graduada em Farmácia e Bioquímica pela Universidade
pesquisadora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa Estadual de Londrina (UEL), mestre em Biologia
do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Fiocruz. Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz, doutora em
Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de
MARIA DAS GRAÇAS ROJAS SOTO – Janeiro (UFRJ) e pós-doutora pela Agência de Proteção
FIOCRUZ PARANÁ a Saúde da Inglaterra. É pesquisadora titular do Instituto
Maria das Graças Rojas Soto é psicóloga pela Oswaldo Cruz/ Fiocruz e bolsista de produtividade
Universidade de São Paulo (USP), mestre em Saúde e em pesquisa do CNPq. Chefia o Laboratório de Vírus
Desenvolvimento pela Universidade Federal de Mato Respiratórios e do Sarampo do IOC, laboratório de
Grosso do Sul (UFMS), doutoranda em Tecnologia e referência nacional para influenza pelo Ministério
Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do da Saúde (MS) e Organização Mundial da Saúde
Paraná (UTFPR). Tecnologista em Saúde Pública da (OMS), referência nacional para sarampo e rubéola
Fundação Oswaldo Cruz, lotada no Instituto Carlos do MS e OMS, e referência nacional para coronavírus
Chagas (ICC) – Fiocruz Paraná, atua no desenvolvimento para as Américas (MS e OMS). Tem experiência em
de ações e projetos de pesquisa psicossociais, educação microbiologia, com ênfase em virologia, atuando
em saúde, atenção primária em saúde, divulgação e principalmente em sarampo, rubéola, influenza e vírus
popularização da ciência e saúde nas fronteiras. Cria e sincicial respiratório. É membro do Scientific Steering
desenvolve jogos e passatempos educativos em saúde. Committee da Rede GABRIEL da Fundação Merieux,
Atualmente é vice-diretora de Ensino, Informação e França, do Technical Working Group for Global Influenza
Comunicação do Instituto Carlos Chagas e coordenadora Surveillance and Response System( GISRS) pandemic
do setor de Extensão e Divulgação Científica do ICC. response plan da OMS, do Task Force for Influenza
259

Vaccine Roadmap da Univ. Minesota/ Fund Gates e seção de comunicação do Centro de Tecnologia da
do Measles Rubella Elimination Regional Monitoring Informação e Comunicação em Saúde (Ctic/Icict/
and RE-verification Commission/Pan American Health Fiocruz) e integrante da coordenação colegiada do
Organization (PAHO). Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz.

MARILDA DE SOUZA GONÇALVES – IGM/FIOCRUZ MARTHA CRISTINA NUNES MOREIRA – IFF/FIOCRUZ


Marilda de Souza Gonçalves tem graduação em Martha Cristina Nunes Moreira é graduada em Psicologia
Farmácia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
em duas modalidades: Bioquímica e Alimentos, mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e
mestrado em Genética e Biologia Molecular pela doutora em Ciências Humanas: Sociologia pelo Instituto
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). É
doutorado sanduíche em Genética e Biologia Molecular docente e pesquisadora bolsista de produtividade do
pela Medical College of Georgia e Unicamp. Possui CNPq no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da
pós-doutorado pela Universidade da Pensilvânia. Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/ Fiocruz,
Atualmente é diretora e pesquisadora titular do onde assumiu a Vice-Direção de Ensino, de 2017 a
Instituto Gonçalo Moniz/Fiocruz, sendo bolsista de 2021. Integra o Grupo de Pesquisa do CNPq “Estudos
produtividade em pesquisa do CNPq. Tem experiência socioculturais do processo saúde-doença-cuidar”. Tem
em hematologia e genética, com ênfase em Biologia experiência em estudos sociais sobre condições crônicas,
Molecular, principalmente em doença falciforme, raras e complexas de saúde em crianças e adolescentes,
hemoglobina fetal, anemias, leucemias e saúde bases de apoio e análises de ativismos ligadas aos
materno-fetal. É professora titular de Patologia da movimentos das pessoas com doenças raras, teoria
Faculdade de Medicina da UFBA e do Instituto Gonçalo feminista do cuidado e vida com deficiência. Também
Moniz, de Farmácia da Faculdade de Farmácia da é editora associada dos Cadernos de Saúde Pública e
UFBA e no curso de pós-graduação em Biotecnologia e editora-assistente da Revista Ciência e Saúde Coletiva.
Medicina Investigativa do Instituto Gonçalo Moniz, e de
Imunologia do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA. MYCHELLE ALVES MONTEIRO – INCQS/ FIOCRUZ E
ASFOC-SN/FIOCRUZ
MARINA MARIA RIBEIRO GOMES DA SILVA – ICICT/ Mychelle Alves Monteiro tem graduação em Química
FIOCRUZ E COMITÊ PRÓ-EQUIDADE DE GÊNERO E Industrial pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
RAÇA DA FIOCRUZ mestrado em Tecnologia de Processos Químicos e
Marina Maria Ribeiro Gomes da Silva é formada Bioquímicos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
em Jornalismo pela Universidade do Estado do (UFRJ) e doutorado em Engenharia de Processos
Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Informação, Químicos e Bioquímicos também pela UFRJ. É
Comunicação e Saúde pelo Programa de Pós- pesquisadora e chefe do Laboratório de Medicamentos,
Graduação em Informação e Comunicação em Saúde Cosméticos e Saneantes do Instituto Nacional de Controle
no Instituto de Comunicação e Informação Científica e de Qualidade em Saúde (INCQS). Representante
Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Tem experiência dos servidores no Conselho Deliberativo do INCQS e
em assessorias de comunicação de diferentes presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz
instituições, pesquisando e desenvolvendo práticas (Asfoc-SN). Tem experiência na área de Instrumentação
comunicacionais inclusivas, lecionando em diferentes Analítica, atuando principalmente em análise de resíduos
cursos na área da saúde e colaborando para a de antimicrobianos em águas e medicamentos.
disseminação democrática e acessível de informação,
em defesa de direitos. Atualmente é jornalista da
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NATALIA MACHADO TAVARES – Melhor Tese de Doutorado em Sociologia no Iuperj. É


UFBA E IGM/FIOCRUZ professora adjunta de sociologia da UERJ, professora
Natalia Machado Tavares é bióloga pela Universidade colaboradora do Programa de Pós-Graduação em
Federal da Bahia (UFBA), mestre e doutora em Patologia Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp)
pela mesma instituição, cujo programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
é também vinculado à Fiocruz. Fez período de doutorado professora e pesquisadora titular da Casa de Oswaldo
sanduíche na França (Antibes), pós-doutorado em Cruz/Fiocruz e bolsista de Produtividade em Pesquisa
Imunologia pela Fiocruz e outro em Indianapolis do CNPq. Tem experiência em Pensamento Social
(EUA) pela Indiana University – Purdue University of Brasileiro, principalmente em ciência e pensamento social
Indianapolis (Iupui). Atua em temas relacionados a no Brasil, história das ideias em saúde pública, sertão
imunologia, biologia celular, molecular, parasitologia e no pensamento brasileiro, história do desenvolvimento
análise de dados globais, com ênfase em receptores de no Brasil e história das ciências sociais em saúde. Em
ativação de imunidade inata envolvendo microRNAs 2020, foi eleita membro titular da Academia Brasileira de
expressos em doenças cutâneas, comorbidades na Ciências (ABC) na categoria Ciências Sociais. Participa dos
leishmaniose humana. Atualmente é pesquisadora conselhos editoriais dos periódicos: Revista da Sociedade
em saúde pública do Instituto Gonçalo Moniz (IGM/ Brasileira de História da Ciência; História, Ciências, Saúde-
Fiocruz), atuando na área de Imunologia e Inflamação Manguinhos; Caderno de História da Ciência-Instituto
em doenças infecciosas, e professora do curso de pós- Butantan e Escritos da Fundação Casa de Rui Barbosa. É
graduação em Patologia (UFBA e IGM). membro da Zika Alliance Network e da Comissão Lancet
de Covid-19. Assumiu as copresidências da Rede de Saúde
NARA AZEVEDO – COC/FIOCRUZ para Todos, da United Nations Sustainable Development
Nara Azevedo possui Graduação em História pela Solutions Network, e do Grupo Diretor de Recuperação
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestre Econômica, para aconselhar sobre o desenvolvimento
em Sociologia e Antropologia também pela UFRJ e de um Roteiro de Pesquisa das Nações Unidas para a
doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário Recuperação Covid-19. Desde 2017, é presidente da
de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). É pesquisadora Fundação Oswaldo Cruz.
titular da Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo
Cruz, onde ingressou em 1986, e docente do Programa PALOMA FERREIRA COELHO SILVA – IRR/FIOCRUZ
de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde Paloma Ferreira Coelho Silva é bacharel em Turismo
(COC / Fiocruz). Suas áreas de pesquisa e ensino são: pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
relação de gênero nas ciências; institucionalização (PUC-Minas), especialista em História da Cultura e
das ciências biomédicas; história da saúde; sociologia da Arte pela Universidade Federal de Minas Gerais
da ciência. Entre 2005 e 2013 foi diretora da Casa de (UFMG), mestre e doutora em Ciências Sociais pela
Oswaldo Cruz/Fiocruz-RJ. PUC-Minas, com estágio doutoral na Universidad Carlos
III, de Madrid. Possui experiência na área de sociologia
NÍSIA VERÔNICA TRINDADE LIMA – e antropologia, com ênfase nos temas gênero, corpo,
PRESIDENTE DA FIOCRUZ sexualidade e família. Atualmente, é pós-doutoranda
Nísia Verônica Trindade Lima é graduada em Ciências no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do
Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto René Rachou – Fiocruz Minas, trabalhando com
(UERJ), mestre em Ciência Política e doutora em as temáticas: redes sociais, capital social, território e
Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas territorialidade, ciências humanas e sociais em saúde.
do Rio de Janeiro (Iuperj). Sua tese de doutorado
“Um Sertão Chamado Brasil” conquistou o Prêmio de
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PAULA DIAS BEVILACQUA – IRR/FIOCRUZ ROSANE CUBER GUIMARÃES –


Paula Dias Bevilacqua é graduada em Medicina Veterinária BIO MANGUINHOS/ FIOCRUZ
pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), especialista Rosane Cuber Guimarães tem graduação em
em Epidemiologia Aplicada aos Serviços de Saúde pela Biomedicina pela Universidade do Estado do Rio
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre de Janeiro (UERJ), mestrado em Bioquímica pela
em Medicina Veterinária também pela UFMG e doutora Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
em Ciência Animal pela mesma instituição. Atualmente, é doutorado em Vigilância Sanitária pela Fundação
Especialista em Ciência e Tecnologia, Produção e Inovação Oswaldo Cruz. Tem diversas especializações, entre
em Saúde Pública do Instituto René Rachou (Fiocruz elas Biologia Molecular pela Universidade de Brasília
Minas), sendo bolsista de produtividade em pesquisa do (UnB), Engenharia de Produção pelo Instituto Nacional
CNPq e coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Tecnologia, Gestão Industrial de Imunobiológicos
em Saúde Coletiva da Fiocruz Minas. Tem experiência pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e
em Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio
Ciências Humanas e Sociais em Saúde, atuando nos temas de Janeiro (Coppe). É tecnologista sênior do Instituto de
violência, gênero e saúde, feminismo e agroecologia, além Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da
de avaliação de políticas públicas. Fundação Oswaldo Cruz, onde atua como vice-diretora
de Qualidade. Tem experiência na área de Saúde Coletiva,
com ênfase em qualidade, boas práticas, biossegurança e
ROBERTA GONDIM DE OLIVEIRA – ENSP/FIOCRUZ desenvolvimento de vacinas virais.
Roberta Gondim de Oliveira é graduada em Psicologia
pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista e ROSEANE MARIA CORRÊA – ENSP/FIOCRUZ
mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Roseane Maria Corrêa tem graduação em Enfermagem
Pública/Fiocruz e doutora na área de Sociologia, do e Obstetrícia pela Universidade Federal do Rio de
Programa Governação, Conhecimento e Inovação pelo Janeiro (UFRJ) e especialização em Clínica da Dor pela
Centro de Estudos Sociais, da Faculdade de Economia Universidade Salvador (Unifacs). É membro do coletivo
da Universidade de Coimbra. Atualmente é docente e Negro Fiocruz e mestranda na Escola de Saúde Pública
pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da (ENSP) da mesma instituição.
Fundação Oswaldo Cruz. Atua na análise de políticas
públicas, planejamento e gestão em saúde, dedicando-
se especialmente à produção de conhecimentos e
práticas de saúde voltadas a populações socialmente
vulnerabilizadas, com foco na atenção primária em
saúde, racismo, desigualdades e subalternidades à luz de
abordagens decoloniais em diálogo com a saúde coletiva.
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SIMONE PETRAGLIA KROPF – COC/FIOCRUZ VALDILÉA GONÇALVES VELOSO DOS SANTOS –


Simone Petraglia Kropf é graduada em Sociologia pela INI/ FIOCRUZ
Pontifícia e mestre em História Social da Cultura pela Valdiléa Gonçalves Veloso dos Santos é graduada
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de
Rio), e, doutora em História Social pela Universidade Janeiro (UERJ), mestre também em Medicina: Doenças
Federal Fluminense (UFF). Atualmente é pesquisadora Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal do
do Departamento de Pesquisa em História das Ciências Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em Saúde Pública em
e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e Avaliação de Serviços de Saúde pela Escola Nacional
professora do Programa de Pós-Graduação em História de Saúde Pública/ Fiocruz. É diretora e pesquisadora do
das Ciências e da Saúde (PPGHCS/Fiocruz), do qual Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/Fiocruz
foi coordenadora-geral entre 2013 e 2015. Integrou e integra a equipe do Laboratório de Pesquisa Clínica em
a diretoria da Sociedade Brasileira de História da DST e Aids desse instituto. Tem experiência na área de
Ciência entre 2009 e 2012. Vem atuando na área de Saúde Pública e pesquisa clínica em aids e hepatites virais,
história das ciências e entre seus temas de pesquisa, desenvolvendo atividades de popularização da ciência.
destacam-se: história das ciências biomédicas no Brasil É docente do curso de pós-graduação stricto sensu em
no século XX; história da medicina tropical; história Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas e Parasitárias
da doença de Chagas; história da cardiologia no Brasil do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.
(século XX). Atualmente desenvolve pesquisas sobre Participa das redes de pesquisa do National Institutes of
as relações e trocas científicas e educacionais entre Allergy and Infectious Diseases/NIH: Aids Clinical Trials
Brasil e Estados Unidos e a circulação de saberes no Group (ACTG), HIV Prevention Trials Network (HPTN),
âmbito da diplomacia cultural interamericana durante HIV Vaccine Network e The Caribbean, Central and South
a Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente vem America network for HIV epidemiology (CCASAnet).
realizando, ainda, estudos sobre a atuação da Fiocruz no É pesquisadora principal do projeto de implementação
enfrentamento da pandemia de Covid-19. de PrEP na América Latina, liderando o consórcio de
instituições no Brasil, México e Peru, e integra os Comitês
STEPHANIE DOS SANTOS CABRAL – IRR/FIOCRUZ Técnicos para Terapia Antirretroviral em Adultos, Profilaxia
Stephanie dos Santos Cabral é graduada no curso de Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e Prevenção da Transmissão
Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Vertical do HIV, IST e hepatites virais.
Gerais (UFMG). Atualmente é aluna de mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e
integrante do Comitê de Divulgação Científica do Instituto
René Rachou Fiocruz Minas. Assistente de gestão da
Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente.
263

VALENTINA DOS SANTOS LEITE – ZORAIDA DEL CARMEN FERNANDEZ GRILLO –


VPEIC/ FIOCRUZ FIOCRUZ MATO GROSSO DO SUL
Valentina dos Santos Leite é graduada em Comunicação Zoraida del Carmen Fernandez Grillo tem graduação
Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Rio em Ciências Biológicas pela Universidad Central
de Janeiro (UFRJ). É jornalista da Vice-Presidência de Venezuela, mestrado em Ciências Biológicas
de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz (Entomologia) pela Universidade Federal do Paraná
desde 2017, vinculada à Coordenação de Informação (UFPR) e doutorado em Saúde Pública pela Faculdade
e Comunicação. Contribui com a Coordenação de de Saúde Pública. Foi professora da Universidad de
Divulgação Científica e com o projeto “Mulheres e Carabobo, Valencia – Venezuela, no curso de Biologia,
Meninas na Ciência”. É coautora do e-book Menina Hoje, na Unidade de Biotecnologia e Biologia Celular, de
Cientista Amanhã, publicado em 2020 pela Olimpíada 2004 até 2012. Tem experiência nas áreas de virologia
Brasileira de Meio Ambiente da Fiocruz. e epidemiologia, com ênfase em arbovírus e culicídeos
de importância médica. Em 2014, ingressou na
VANIRA MATOS PESSOA – FIOCRUZ CEARÁ Fundação Oswaldo Cruz do Mato Grosso do Sul como
Vanira Matos Pessoa tem graduação em Enfermagem pesquisadora em saúde pública, atuando na área de
pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA-CE), viroses emergentes e reemergentes.
especialização em Educação Comunitária em Saúde pela
Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) e mestrado
e doutorado em Saúde Pública pela Universidade Federal
do Ceará (UFC). Atua há mais de 20 anos no Sistema
Único de Saúde, mais especificamente no ensino e na
pesquisa em saúde da família, ambiente, trabalho e
ecologia de saberes. É pesquisadora associada em saúde
pública e coordenadora do projeto Meninas na Ciência
Fiocruz Ceará 2020-2021.

ZÉLIA MARIA PROFETA DA LUZ – IRR/ FIOCRUZ


Zélia Maria Profeta da Luz é graduada em Farmácia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
mestre em Biologia Celular e Molecular pela Fundação
Oswaldo Cruz e doutora em Parasitologia também pela
UFMG. Foi diretora da Fiocruz Minas entre julho de
2012 e maio de 2021. Tem experiência em prevenção
e controle para o enfrentamento da dengue, zika e
chikungunya com foco na mobilização social e avaliação
em saúde. É pesquisadora em saúde pública da Fiocruz e
membro do Conselho de Economia da Saúde para Todos,
da Organização Mundial da Saúde (OMS). Recebeu
Medalha de Honra UFMG (2021) concedida a ex-alunos
da instituição que se destacaram por contribuições
relevantes à sociedade.
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O Dossiê Temático se constitui um espaço de reafirmação da importân-


cia da inclusão de mais mulheres em áreas estratégicas para o desen-
volvimento do país, especialmente ct&i em saúde. Ele se propõe a ampli-
ar a visibilidade das iniciativas da fiocruz e fortalecer o papel da ciência
na redução de desigualdades sociais de modo a reforçar a necessidade
de um ambiente institucional cada vez mais diverso e plural na área
científica, ao estimular a participação de ainda mais mulheres e meninas,
enriquecendo todos os campos do conhecimento, num ciclo virtuoso.

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