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MÓDULO III

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CADERNO PEDAGÓGICO

Agentes Populares de Saúde

DO CAMPO - CE
Caderno Pedagógico Módulo III

ORGANIZAÇÃO
Ana Paula Dias de Sá
André Luiz Dutra Fenner

Ceará, 2023

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MÓDULO III

Ficha Técnica

© 2023. Ministério da Saúde. Escola de Governo Fiocruz. Fundação Oswaldo Cruz

Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra. Deve ser citada a fonte e é vedada sua
utilização comercial.

Formação de Agentes Populares de Saúde do Campo no Ceará. Coordenação-Geral de Ana Paula Dias de Sá e André Luiz Dutra
Fenner. Brasília: [Curso na modalidade à distância]. Fiocruz-2023.

ISBN: 978-65-88309-31-5
Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Coordenação Político Pedagógica (CPP) Revisão Técnico-científico
Mario Moreira Ana Paula Dias de Sá André Luiz Dutra Fenner
Presidente Ana Paula Andrade Silva Milhomem Ana Paula Dias de Sá
André Luiz Dutra Fenner Gislei Siqueira Knierim
Fiocruz Brasília (GEREB) Fernando Paixão da Costa Jorge Mesquita Huet Machado
Maria Fabiana Damásio Passos Francisca Aldeize Martins Rosely Fabrícia de Melo Arantes
Diretora Gislei Siqueira Knierim
Joceline Souza dos Santos Revisor de Texto
Escola de Governo Fiocruz Brasília – EGF Jorge Mesquita Huet Machado Rosely Fabrícia de Melo Arantes
Luciana Sepúlveda Köptcke Vera Lúcia Alves Mariano
Diretora Executiva Virgínia da Silva Corrêa Produtor de Mídia
Ivandro Claudino de Sá
Programa de Promoção à Saúde, Ambiente Organização Henrique Guedes Formiga
e Trabalho (PSAT) André Luiz Dutra Fenner Kyanne Cristhines Dias Braga
Jorge Mesquita Huet Machado Ana Paula Dias de Sá Rangel Jungles dos Santos
Coordenador Gislei Siqueira Knierim
Jorge Mesquita Huet Machado Projeto Gráfico e Diagramação
Coordenação do Projeto Rosely Fabrícia de Melo Arantes Antônia Eva Souza dos Santos
André Luiz Dutra Fenner (Coordenador Leandro Sousa Alves
Geral) Colaboração
Ana Paula Dias de Sá (Coordenadora Alan Raymison Tavares Rabelo Ilustração e Capa
Executiva) Ana Paula Dias de Sá Antônia Eva Souza dos Santos
Antônio Edilson da Silva Oliveira (Edson) Jerly dos Santos Correia Junior
Colaboradores Antônio Edvan Florêncio Leandro Sousa Alves
Movimento dos Trabalhadores e Fernando Paixão da Costa Samyrah do Monte Honorato
Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST/ CE Francisca Aldeíze Martins
Rede Nacional de Médicas e Médicos Jorge Mesquita Huet Machado
Populares – CE Rosely Fabrícia de Melo Arantes
Vera Lúcia de Azevedo Dantas
Execução do Projeto:
Mestrandos do Programa de Pós-
Graduação de Políticas Públicas em Saúde
Ana Paula Dias de Sá
Fernando Paixão da Costa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F981a Fundação Oswaldo Cruz


Agentes Populares de Saúde do Campo – CE: caderno pedagógico
/ Fundação Oswaldo Cruz, Gerência Regional de Brasília; organizadores: Ana
Paula Dias de Sá, André Luiz Dutra Fenner ; -- Brasília, DF : Fundação Oswaldo
Cruz, 2023. – (Cadernos Pedagógico do modulo : 3)
31 p. il.

Bibliografia.
ISBN: 978-65-88309-31-5

1. Saúde do Campo. 2. Educação em Saúde. 3. Ensino à Distância I. Fundação


Oswaldo Cruz. Gerência Regional de Brasília. Escola de Governo Fiocruz Brasília
II. Sá, Ana Paula Dias de. III. Fernner, André Luiz Dutra. IV. Título.

CDD-614

Índice para catálogo sistemático:


1. Educação em saúde 614

Ficha Catalográfica elaborada por Jaqueline Ferreira de Souza CRB 1/3225

Escola de Governo Fiocruz Brasília

Avenida L3 Norte, s/n, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A

CEP: 70.904-130 – Brasília – DF


Telefone: (61) 3329-4550
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/programas-projetos/psat/

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CADERNO PEDAGÓGICO

SOBRE OS/AS AUTORES/AS


CADERNO PEDAGÓGICO MÓDULO III

Alan Raymison Tavares Rabelo


Professor de Educação Física
Movimento Brasil Popular
Mestre em Políticas Públicas em Saúde pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília
E-mail: alanraymison@gmail.com
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/3244706545397553

Ana Paula Dias de Sá


Médica sanitarista
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
Mestra em Políticas Públicas em Saúde pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília
E-mail: anapauladia@gmail.com
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/8648554035683184

Antônio Edilson da Silva Oliveira (Edson)


Educador Popular em Saúde
Atua em Educação Popular em Saúde e Práticas Integrativas e Complementares de Cuidado no Ekobé -
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
E-mail: edson.cirandas@gmail.com

Antônio Edvan Florêncio


Licenciatura em História pela Universidade do Vale do Acaraú (UVA)
Especialização em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho pela Escola de Governo Fiocruz-Brasília
E-mail: edvanflor@yahoo.com.br

Fernando Paixão da Costa


Médico
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
Mestre em Políticas Públicas em Saúde pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília
E-mail: fernandopcosta25@gmail.com
Link de Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do

Francisca Aldeíze Martins


Técnica de Enfermagem
E-mail: aldeize-chica@hotmail.com
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/2935702502617007

Jorge Mesquita Huet Machado


Pós-doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Mato Grosso (2017)
Professor-pesquisador e Coordenador do Programa Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fundação Oswaldo
Cruz- Regional Brasília
E-mail: jorge.machado@fiocruz.br
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/6931438213023135

Rosely Fabrícia de Melo Arantes


Jornalista, Educadora e Comunicadora Popular
Mestra em Saúde Pública pelo IAM/Fiocruz Pernambuco
E-mail: roselyarantesm@gmail.com
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/9269888522438846

Vera Lúcia de Azevedo Dantas


Médica
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
E-mail: dantas.verinha@gmail.com
Link de Lattes: http://lattes.cnpq.br/7812848613254269

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MÓDULO III

SUMÁRIO
Apresentação ............................................................................................. 7

A comunicação social no contexto da pandemia


da Covid-19 ................................................................................................. 10

Educação Popular em Saúde: diálogos com os


poetas Edson Oliveira, João Santiago e Junio Santios .............. 13

Práticas Populares de Cuidado em Saúde ...................................... 17

Cultivo e Manejo de Algumas Plantas Medicinais ....................... 19

Vigilância em Saúde e Vigilância Popular em Saúde ................. 23

Sistema Agentes Campo e o Desafio da


Democratização das Tecnologias da Informação ....................... 29

Cordel Povo Cuidando do Povo ......................................................... 33

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CADERNO PEDAGÓGICO

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MÓDULO III

APRESENTAÇÃO Brasil, são ainda números elevados que não


nos permitem dizer que a pandemia acabou,
mas que certamente está próxima de seu fim.
É com muita alegria que chegamos finalmente
ao último caderno deste processo formativo. Em um novo governo eleito, que iniciou seu
Mais do que o conteúdo trabalhado no Módulo mandato em 2023, respiramos a retomada
três do Curso Livre de Formação-ação em da organicidade do Ministério da Saúde em
Agentes Populares de Saúde do Campo no articulação com os estados e municípios, traçando
Ceará, trazemos um pouco do presente contexto. metas coletivas e olhando para as singularidades
e desafios presentes em cada território.
Iniciamos essa jornada imersas/os no contexto
de uma pandemia assustadora que tirou Mesmo tendo sido realizado em 2021, é como se o
a vida de mais de 700 mil pessoas e que nosso terceiro ciclo do Curso Livre de Formação-
modificou sociedades inteiras, impondo novas ação em Agentes Populares de Saúde do Campo
regras de convivência, de isolamento, de no Ceará profetizasse a esperança, onde os
uso de máscara, trabalho e ensino remotos. temas trabalhados foram no intuito de contribuir
com a caixinha de ferramentas das nossas e
No Brasil, além da crise sanitária, a crise nossos Agentes Populares de Saúde, para uma
econômica, social e política causada por um abordagem mais ampliada de cuidado em saúde.
governo de extrema direita fez com que todas
as possibilidades para minimizar os impactos Ao abrir nosso caderno o/a leitor/a
dessa pandemia fossem vividos ao inverso. Foi vai encontrar os seguintes temas:
um momento marcado por fragilização daquele
que deveria ter sido o ministério de maior efeito, - Direito à Comunicação: esse foi um texto
o Ministério da Saúde (MS), que em sua pior baseado numa reflexão que permeou todo o
performance na história, trocou de ministros processo formativo, o exercício do direito à
por três vezes, esteve em total desarticulação comunicação que é continuamente negado
com as Secretarias Estaduais e Municipais, e muitas vezes passa despercebido, mas que
dificultando assim a criação e o cumprimento de no contexto da pandemia, foi explicitado
protocolos importantes, que atrasou a compra e nos inquieta a buscar alternativas e estar
de vacinas e não organizou o processo no nível alertas sobre qual o modelo de comunicação
que se tinha capacidade organizativa de fazê-lo. que temos e a que interesse ela atende.

Todo esse caráter negligente de gestão levou o - Educação Popular em Saúde: tema que permeou
Senado Federal a realizar uma investigação, via toda a nossa prática de educação durante essa
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que jornada, mas que além disso apresenta a maneira
apurou além da negligência, crimes importantes como nos relacionamos entre nós e entre a
como a forte campanha publicitária e midiática comunidade onde vivemos. Mais do que uma prática
de negação da doença e a promoção de falsas do bem fazer é um valor que devemos cultivar.
promessas de cura a partir de medicamentos
sem efeito comprovado para tal finalidade. - Práticas Populares de Cuidado em Saúde:
refere-se às muitas maneiras ancestrais de
O que foi vivido no período de 2020 até 2022 cuidados que conhecemos e praticamos
foi a imersão em um pesadelo coletivo que foi em nossas comunidades, reconhecendo a
perdendo força com a ampliação da vacinação e importância de cada uma delas, como as
teve seu ápice com o fim do governo Bolsonaro. nossas benzedeiras, nossos chás, lambedores,
escalda-pés, massagens entre outros.
O contexto em que se conclui o registro do nosso
terceiro Caderno Pedagógico é de reconstrução e - Plantas Medicinais: nesse capítulo revisitamos
esperançar. Desde a chegada da vacina (apesar das uma atividade realizada anteriormente onde
barreiras governamentais em 2021), aos poucos foram estudadas as plantas mais populares e de
o número de óbitos foi sendo reduzido, o número melhor adaptação às condições climáticas do
de casos graves e internações e, finalmente o semiárido que ocupa mais de 90% do território
número de casos foi também diminuído. Estamos cearense. Esse capítulo gerou um caderno anexo
em meio a 5ª dose de vacina contra a Covid-19 com as plantas estudadas, compartilhando
e os números, segundo dados do Ministério da nome popular e científico, algumas
Saúde, apontam para o fim da pandemia. Na maneiras de utilizar e cuidar dessas plantas.
última semana epidemiológica foram registrados
616,06 casos confirmados e 384 óbitos em todo - Vigilância Popular em Saúde: onde foi tratada

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CADERNO PEDAGÓGICO

a dimensão histórica da vigilância em saúde e escritas e em programas de transmissão via web.


as demais vigilâncias que a compõe, sendo a
Vigilância Epidemiológica, a Vigilância Sanitária, Foi realizado um vídeo documentário sobre o
a Vigilância Ambiental e a Vigilância em Saúde do trabalho das/os Agentes Populares de Saúde
Trabalhador. A partir da compreensão do processo do Campo CE, que além de belo conseguiu
institucional foi importante compreender o que em poucos minutos trazer todos os elementos
é e como vem se dando a Vigilância Popular. e sujeitos envolvidos no processo e está
disponível em www.agentescampo.com.br.
- Uso das TICs: durante a pandemia foi
revolucionária a maneira como o mundo se Criamos também um site com o intuito de
virtualizou e se faz necessário perceber o processo sistematizar e disponibilizar ao público em geral
de desigualdades presentes nesse contexto. As todos os materiais utilizados, o trajeto histórico
populações do campo e no campo enfrentam e as imagens obtidas ao longo de todo o trajeto.
dificuldades múltiplas, desde a obtenção de acesso Findando esse grande ciclo que foi esse curso
ao sinal de internet, até a criação e produção de livre, queremos falar da gratidão a todas as
sistemas e softwares voltados a essa população. pessoas envolvidas, ainda que não seja possível
expressá-la em palavras. Aprendemos muito
Ao final, fomos brindados e brindamos esse em cada atividade que envolveu esse momento
belo processo com o cordel O Povo Cuidando e aprendemos que a beleza dessa experiência
do Povo, um trabalho do nosso querido artista não se finda em si, mas que deixa o legado. A
e educador popular Antônio Edilson, nosso semente foi lançada e os frutos do processo
“Edson”. O cordel foi feito especialmente para já se observam em cada território que se
a nossa turma de Agentes Populares de Saúde manteve firme e organizado após a formação.
do Campo do Ceará durante a celebração de
conclusão do curso e entrega dos certificados. Nosso agradecimento final para a nossa equipe
dos bastidores, aos que tornaram a produção
A Formação-ação em Agentes Populares de dos Cadernos, do site e do vídeo possíveis.
Saúde do Campo durou 13 meses, tivemos Aos nossos Mestres e Mestras da Fundação
32 Agentes certificados que atuaram em 9 Oswaldo Cruz, regional Brasília que, por meio do
territórios (Assentamentos e Acampamentos) Programa Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT),
distribuídos em 5 municípios do Ceará e mais têm sido presença firme junto aos territórios
de 750 famílias estão em acompanhamento, o do Campo. Agradecemos imensamente pela
que implica em mais de 2 mil pessoas atendidas credibilidade e estímulo na organização popular
e assistidas direta e indiretamente pelo projeto. e na troca de saberes. Às nossas agricultoras
e aos nossos agricultores do Movimento dos
A experiência teve amplo reconhecimento em Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra
espaços sociais e acadêmicos e selecionada (MST), fica aqui registrada a nossa contribuição
em muitos espaços importantes, tais como: na busca por um território saudável e sustentável.

- 1ª Mostra de Saúde Ambiental, evento


nacional organizado pelo Ministério da
Saúde em parceria com a Organização
Panamericana de Saúde (OPAS), em 2021;

- Seminário de 15 anos da Política Nacional de


Promoção e Prevenção à Saúde, promovido
pelo Ministério da Saúde 2021. Ambos
os espaços produziram material escrito
com capítulos sobre a experiência dos
Agentes Populares de Saúde do Campo.

- O 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia,


organizado pela Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (ABRASCO), em 2022;

- 13º Congresso de Saúde Coletiva, 1º


Seminário Brasileiro de Territórios Saudáveis
e Sustentáveis organizado pela Escola de
Governo Fiocruz -Brasília. Além de entrevistas

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MÓDULO III

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CADERNO PEDAGÓGICO

A COMUNICAÇÃO termo também sugere a ideia de uma


mídia para todas as pessoas, especialmente
porque aglutina todos os tipos de mídia.
SOCIAL NO CONTEXTO Já pandemônio, nasce do poema “Paraíso
perdido”, de John Milton em 1667, que o

DA PANDEMIA DA inventou para nomear o centro gestor do


inferno. No século XIX, pandemônio passa
a ser referência de “confusão selvagem”
COVID-19 e hoje é sinônimo de “bagunça, caos,
desordem”. Dessa forma, pandemônio e
ROSELY FABRÍCIA DE MELO ARANTES pandemia ressoam na palavra pandemídia.
ANA PAULA DIAS DE SÁ

Entretanto quando olhamos pelo retrovisor


A pandemia da Covid-19 abriu percebemos que a distorção, os boatos e as
a caixa de Pandora do universo mentiras não são novidades na história da
da comunicação e trouxe à tona comunicação. Dar visibilidade exagerada,
ocultar informações ou deturpar fatos tem
projetos para todos os gostos e
sido um recurso utilizado para aumento ou
sabores. manutenção de audiência desde a década
de 1930. A novidade está em dois âmbitos:
Pandemia, infodemia, fake news, num primeiro, dos novos nomes (a exemplo
desinformação... pandemídia e de fake news) e, num segundo, impulsionado
pandemônio... ou tudo isso junto e pelo surgimento das novas Tecnologias
misturado? Essas são algumas palavras que da Informação e da Comunicação (TICs)
passaram a fazer parte do vocabulário de que, por sua vez, possibilita um aumento
muita gente com o surgimento do vírus da na escala de propagação (velocidade
Covid-19. Doença que chegou anunciando quase imediata com alcance quase global
a necessidade de uma mudança radical que possibilita a “viralização”). Isso sem
nas práticas de cuidado com todos os contar que essas informações podem ser
seres humanos e o ambiente. Ao tempo (e na maioria das vezes são) direcionadas a
que denunciou as práticas perversas de determinado segmento.
um modelo de produção que só esgota a
vida onde quer que ela exista, em especial Foi o que vimos durante o período da
a da classe trabalhadora (BREILH, 2020; emergência sanitária da Covid-19 onde
ANTUNES, 2020; ARAUJO & CORDEIRO, toda a população se viu mergulhada numa
2020). situação inédita de pandemia, fortemente
agravada pela condução negligente (para
Se de um lado testemunhamos que o vírus não dizer assassina) do Governo Federal.
nada tem de democrático, embora tenha Num momento em que o conjunto da
adentrado os lares de todas as camadas população mais precisou de informações
sociais foi, na classe trabalhadora, em especial reais e verdadeiras, atualizadas, no tempo
dos territórios mais vulnerabilizados, que correto, de fontes confiáveis e divulgadas
ele se instalou, foi mais letal e deixou um pelos canais adequados, o que se viu foi
rastro de destruição, nunca antes visto na uma completa “balbúrdia” dentro da esfera
história do Brasil. Por outro, colocou o tema federal, que teve no gestor maior da nação
da comunicação (e por que não dizer do o principal deflagrador de inverdades
direito à comunicação?) na pauta do dia. (BRASIL, 2021; ARANTES; SÁ, 2020;
ARANTES 2022).
O termo pandemídia se aproxima de
pandemônio ao nos apontar a ideia de O fato foi tão sério que o Senado Federal
um alvoroço no cenário midiático (aqui, dirigiu uma Comissão Parlamentar de
em terras pernambucanas, seria facilmente Inquérito (CPI da Pandemia) que concluiu,
traduzido por aperreio). Por outro lado, o entre outras questões, que a postura do

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MÓDULO III

presidente contribuiu com o aumento contra os perigos e as ameaças à saúde.


da proliferação do vírus e consequente Esse é o papel da comunicação de risco
aumento da contaminação e das mortes. O enquanto parte integrante de qualquer
presidente também financiou o Gabinete do resposta a emergências. Ela consiste na
Ódio que produzia e distribuía conteúdos troca de informação, aconselhamento e
defendendo o tratamento precoce e pareceres em tempo real entre peritos,
criticando o isolamento social e as vacinas. líderes comunitários ou oficiais e as pessoas
que se encontram em risco (ARANTES,
Entretanto não podemos nos dar ao luxo, 2022; ARAÚJO; CORDEIRO, 2022; OMS,
nem muito menos ser ingênuos de pensar 2018; OPAS, 2020; SANTOS et al., 2021; ).
que a condução do Governo Federal na
gestão da (também) crise na esfera da Se de um lado a comunicação foi
comunicação foi inocente ou despreparada. instrumento para propagação de um
Diversos documentos têm sido produzidos, conjunto de inverdades (SANTOS et al.,
ao longo dos anos por organizações ligadas 2022; ARANTES, 2022), ela também foi
à Comunicação e Saúde, para orientar os melhor apropriada enquanto um direito
governos de todo o mundo na condução e um serviço de utilidade pública pela
de crises, especialmente as sanitárias. Em população. Um exemplo foi a realização de
janeiro de 2020, quando o vírus ainda não diversas iniciativas de solidariedade, como
tinha chegado ao Brasil, a Organização Pan- mutirões e vaquinhas virtuais, utilização
Americana da Saúde (OPAS) já publicara das redes sociais digitais para divulgação
uma orientação para guiar os governos no de conteúdos com respaldo científicos. Ou
trato da comunicação de risco, intitulado mesmo os inúmeros processos formativos
“Comunicação de risco e engajamento que foram realizados por movimentos ou
comunitário (CREC) Prontidão e resposta organizações sociais do campo à cidade e
ao novo coronavírus de 2019 (2019-nCoV)” produzidas na grande maioria por sujeitos
(OPAS, 2020). pouco visibilizados pelas mídias comerciais.
Ultrapassando a dimensão de conhecimento
Epidemias, pandemias, crises humanitárias do uso das tecnologias e incidindo na
e catástrofes naturais exigem uma produção de conteúdos que ganharam o
comunicação diferenciada, ágil, verdadeira e mundo e ficaram marcados pela criatividade.
dotada de escuta da população. As pessoas
precisam conhecer quais os riscos sanitários De diversas formas, essas populações que
a que estão expostas e quais medidas estão à margem da periferia conseguiram
podem tomar para proteger a sua saúde e resistir à pandemia, buscando estratégias
as suas vidas (OMS, 2018). E a Comunicação comunicativas voltadas para a orientação
Eficaz de Risco (CER) é o caminho que das comunidades, a partir dos cuidados
possibilita que as pessoas que se encontram sanitários, na produção de equipamentos
em maior perigo compreendam e adaptem de proteção ou mesmo na escuta e no
comportamentos de proteção. E a escuta atendimento das pessoas mais frágeis, como
dessas pessoas é o item que vai possibilitar foi o caso das pessoas velhas.
os acertos nas escolhas das medidas
preventivas e na definição das decisões a O que ficou provado foi a necessidade de
serem tomadas. uma mudança no padrão de produção
comunicativa. Precisamos e lutamos por uma
Logo, é fundamental que as informações comunicação verdadeiramente dialógica,
oficiais sejam fornecidas no devido tempo, participativa e com estratégias assertivas
com frequência, linguagem e canais que que possibilite o reconhecimento da
as pessoas possam entender, confiar e identidade ancestral e tradicional de todos
usar. Só de posse dessas informações as os territórios, com acesso às tecnologias
pessoas serão capazes de escolher e tomar que garantam a materialização dos direitos
as medidas corretas para protegerem a si à comunicação e à saúde. Uma comunicação
próprias, às suas famílias e às comunidades que reflita o sotaque, as cores, os jeitos

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CADERNO PEDAGÓGICO

reflexos da pluralidade, diversidade e gigante. A Rádio Olinda incrementava o


abrangência de todos os territórios que se clima de terror, pois, mesmo sem confirmar o
constitui o Brasil. É por isso que lutamos. estouro, noticiava o tumulto sem esclarecer
o que realmente acontecia. No dia 5 de maio
PEQUENO GLOSSÁRIO de 2011, o boato sobre Tapacurá retornou
causando novo transtorno no Recife, mas,
Fake News - notícias falsas propositalmente apesar de contar dessa vez com o potencial
espalhadas com o objetivo de enganar as amplificador das redes sociais, seu impacto
pessoas para favorecer determinado grupo foi considerado bem menor do que na
(MONTEIRO FILHO, 2021). primeira ocorrência.

Infodemia - um excesso de informações, Referências:


algumas precisas e outras não, que ANTUNES R. Trabalho e precarização numa ordem neolibera. In: La Ciudadania Negada
Políticas de Exclusión en la Educación y el Trabajo [Internet]. Buenos Aires: CLACSO;

tornam difícil encontrar fontes idôneas e 2000 [citado 6 de setembro de 2022]. p. 35–48. Disponível em: http://bibliotecavirtual.
clacso.org.ar/clacso/gt/20101010021549/3antunes.pdf

orientações confiáveis quando se precisa. A ARANTES RFM, SÁ APD. Inclusão e democracia no processo de comunicação: Um

palavra infodemia se refere a um grande desafio mais intenso para a população do campo no nordeste brasileiro. In: Anais: III
SINESPP Simpósio Internacilonal sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas [Internet].

aumento no volume de informações Piauí: Lestu Publishing Company - LESTU; 2020. p. 332–44. (Simpósio Internacional
sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas - SINESPP). Disponível em: https://sinespp.

associadas a um assunto específico, que ufpi.br/anais_e.php

podem se multiplicar exponencialmente ARANTES, Rosely Fabrícia de Melo. Comunicação em vigilância em saúde no
enfrentamento à Covid-19: um estudo sobre as estratégias direcionadas às/aos velhas/os

em pouco tempo devido a um evento agricultoras/es familiares do campo em Pernambuco. 2022. 232 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de Mestrado Profissional em Saúde Pública, Programa de Pós-Graduação em

específico, como a pandemia atual. Nessa Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2022.

situação, surgem rumores e desinformação, ARAUJO, Inesita & CORDEIRO, Raquel. (2020). A pandemídia e o pandemônio:
Covid-19, desigualdade e direito à comunicação. Chasqui. Revista Latinoamericana de

além da manipulação de informações com comunicación. 1. 215-234. 10.16921/chasqui.v1i145.4363.

intenção duvidosa (OPAS, s/d). BRASIL. Relatório Final da CPI da Pandemia [Internet]. Brasília: Senado Federal; 2021
[citado 6 de julho de 2022]. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/
txtmat?codmat=148070

Desinformação - desinformação pode ser BREILH J. SARS-COV2: quebrando a barreira da ciência do poder Cenário de cerco da
vida, povos e ciência. In: Posmormales - Pensamiento Contemporaneo em tiempos

entendida como o processo de produção de pandemias [Internet]. ASPO; 2020. p. 31–91. Disponível em: http://hdl.handle.
net/10644/7817

intencional de um conteúdo comunicacional INTERVOZES. Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das

baseado em informações falsas, equivocadas fakes news. São Paulo: Intervozes, 2019. 46 p. Disponível em: https://intervozes.org.br/
publicacoes/desinformacao-ameaca-ao-direito-a-comunicacao-muito-alem-das-fake-

ou descontextualizadas com a finalidade de news/. Acesso em: 07 mar. 2022.

obter ganhos ou proporcionar prejuízos a MONTEIRO FILHO, José Maria da Silva. A pandemia da desinformação: o impacto das
fake news no combate e na prevenção ao covid-19. In: SÁ, Ana Paula Dias de; FENNER,

terceiros (OPAS, s/d). André Luiz Dutra (org.). Curso livre de formação de agentes populares de saúde do
campo no Ceará. Fortaleza: Fiocruz, 2021. Cap. 10. p. 6-56. Caderno Pedagógico. ; n. 1.
Disponível em: http://apsc.sircrux.com/index.html. Acesso em: 03 fev. 2023.

OMS. Comunicação de riscos em emergências de saúde pública: um guia da OMS para


políticas e práticas em comunicação de risco de emergência. Genebra: OMS, 2018. 79 p.
Licença: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: https://encurtador.com.br/qryB2 Acesso
em: 07 fev. 2021.
Barragem de Tapacurá OPAS.Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19: kit de
ferramentas de transformação digital - ferramentas de conhecimento. 9. ed. Brasília:
Opas, /. 5 p. Folheto informativo. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/
handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf. Acesso em: 14 jun. 2022.

Em 21 de julho de 1975, as ruas do Recife, OPAS. Comunicação de risco e engajamento comunitário (CREC). Prontidão e
resposta ao novo coronavírus de 2019 (2019-nCoV).: guia provisório v2 (26 jan.

em Pernambuco, eram tomadas por pessoas 2020). Guia Provisório v2 (26 jan. 2020). 2020. Disponível em: https://iris.paho.org/
handle/10665.2/51935. Acesso em: 14 mar. 2020.

em pânico, que abandonavam suas casas ao RUBIM, Albino. Brasil: pandemia e pandemônio. Pandemia e pandemônio. 2020.

serem informadas do estouro da barragem Disponível em: https://www.cult.ufba.br/wordpress/brasil-pandemia-e-pandemonio/.


Acesso em: 12 mar. 2021.

de Tapacurá. O boato criou a expectativa SANTOS, M. O. S. dos . et al.. Estratégias de comunicação adotadas pela gestão

do arrasamento da cidade por uma onda do Sistema Único de Saúde durante a pandemia de Covid-19 – Brasil. Interface -
Comunicação, Saúde, Educação, v. 25, p. e200785, 2021.

12
MÓDULO III

EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE: DIÁLOGOS COM


OS POETAS EDSON OLIVEIRA, JOÃO SANTIAGO E
JUNIO SANTIOS
VERA LÚCIA DE AZEVEDO DANTAS


ANTÔNIO EDILSON DA SILVA OLIVEIRA (EDSON)
Só quem cai do céu é chuva
Não podemos esquecer
Falamos de educação, Mudança não vem de graça
Mas o que é educar? Para ela acontecer
Precisa organização
Tem educação bancária Pois com a força da união
E educação popular É que se pode vencer
Uma ensina a obedecer,
Há muito vem se falando
A outra eu aprender De educação popular
Porque ensina a pensar” Numa política inclusiva
Que conseguisse juntar
- João Santiago Coisas que o povo sabia
Com o saber da academia
Pra saúde melhorar
A criação do poeta cearense João Santigo nos
provoca a pensar sobre que educação é essa A educação popular
que chamamos de popular? Como ela chega ao É bom que seja lembrado
campo da saúde? O que tem a ver com as lutas Que ela já existia
populares do campo e da cidade por saúde, Desde o século passado
moradia, terra? Para podermos refletir sobre Nasceu na luta do povo
essas questões recorremos a Edson Oliveira Que sonhava um Brasil novo
que nos conta: Justo e democratizado.

13
CADERNO PEDAGÓGICO

Edson Oliveira em sua construção poética, interação ( informação verbal)¹.


vai nos ajudando a pensar sobre algumas
questões que remetem à educação popular Desse modo consideramos importante
como movimento histórico, que se propõe partirmos do que temos compreendido
contribuir com a organização popular como perspectiva popular, que diz respeito
em busca da superação dos desafios que à possibilidade de inclusão de sujeitos (as)
ameaçam a democracia e as lutas por uma (es) dos movimentos populares como
sociedade mais justa e equânime, mediante protagonistas de ações de transformação
a construção de espaços dialógicos em que das situações-limite² da sua realidade, na
saberes e práticas que estão no cotidiano perspectiva da emancipação; de um popular
das lutas e movimentos populares possam que se tece na busca de superação da
interagir com saberes que estão no espaço consciência ingênua rumo ao inédito viável³:
das universidades, das escolas e dos serviços como inacabamento, formação permanente
de saúde. que se constitui em

Essa é uma questão desafiadora porque para Predomina em nosso meio


que o diálogo possa se efetivar, é necessário A educação bancária
nos abrirmos para acolher e escutar nossos Muito verticalizada
interlocutores como sujeitos(as) (es) no Formal e autoritária
processo. É fundamental considerar que Não tem aqueles sinais
todos os saberes são legítimos e têm Que nos permite ser mais
algo a contribuir e considerar que somos Não é ação libertária
inacabados (as)(es) e nos abrimos para
acolher os saberes de outres. Nas palavras Santiago nos convida a revisitar os princípios
de Paulo Freire: pedagógicos da educação popular que


estão condensados na Política Nacional de
Educação Popular em Saúde - PNEPS SUS4
sobre os quais poetizou Edson Oliveira
O sujeito que se abre ao mundo
e aos outros inaugura com seu gesto a
Os princípios da PNEPS
relação dialógica em que se confirma
Estão muito entrelaçados
como inquietação e curiosidade, como
Diálogo, amorosidade,
inconclusão em permanente movimento
E saber compartilhado
na História. O diálogo, nessa visada, é
Luta por emancipação,
este encontro dos homens, mediatizados
Com problematização
pelo mundo para pronunciá-lo, não se
E as práticas de cuidado
esgotando, portanto, na relação eu-tu.
E, por seu inacabamento, o sujeito está
Ao fazer a crítica à educação bancária,
sempre se construindo mediatizado pelo
Santiago nos lembra que a ação libertária
mundo” (FREIRE, 2000, p. 154).
nos convida a refletir e problematizar como
bem diz Edson Oliveira
Quando falamos da importância do
diálogo e da ideia de que somos todos Paulo Freire já dizia
(as) (es) sujeitos (as) (es) em um processo E eu prestei atenção
educativo, lembramos que ao considerar Cada ato que fazemos
a perspectiva da educação popular em Precisa reflexão
saúde, é fundamental reconhecer que esses Pois o ato de refletir
sujeitos (as) (es) populares trazem consigo Nos ajuda a prosseguir
sua história, sua trajetória e cultura; sua Resistentes na missão
luta por autonomia para tomar decisões
e transformar histórias coletivas e que E ele acrescenta que esse processo leva à
estes aspectos estão marcados no corpo, emancipação vista por Freire como algo que
no trabalho, nas condições de convívio e vai além da autonomia (buscar os conceitos).

14
MÓDULO III

Esse percurso nos lembra Edson Oliveira de promover uma nova cultura de práticas
pressupõe a construção compartilhada e se e saberes compartilhados e renovados com
coloca na possibilidade de superação das os diferentes sotaques, dialetos, linguagens.
condições de opressão Lugar do encontro das ciências, vivências
e convivências. Encontro das artes, das
A Construção compartilhada práticas, das profissões, da humanação.
Tem a função de humanizar Para isso necessitamos
Os cuidados com saúde
Revelando um novo olhar Mergulhar no saber das experiencias,
De uma luta coletiva, Nas lutas que emergem das histórias de
Justa e participativa resistência,
Pra o sujeito emancipar Conhecer os inéditos viáveis que produzem
da consciência ingênua a superação,
É preciso superar E assim tecer possibilidades de gerar
Toda forma de opressão emancipação.
Presentes em nosso meio Isso nos remete a questionar o percurso
Violência e exploração bancário e incluir o contraponto popular,
Só de modo coletivo As dimensões silenciadas das culturas, das
Justo e participativo memórias, do lugar...
Constrói-se emancipação. Nos remete em tempos de pandemia
Outras presencialidades inventar
O povo tem sabedoria Despertar alegres paixões para a
Independente da idade potencialização do ser, do existir
Do lugar aonde vive E compor nossos corpos nossos corpos
Quer no campo ou na cidade conscientes, multiversos, multicores; que
É bom a gente aprender escrevem,
Que na arte de viver que falam, que amam, que lutam, que
Não existe faculdade sofrem; que olham as estrelas, que vivem e
morrem para a barbárie enfrentar.
O reencontro da ciência com o saber A nos compomos nessa construção
popular, saber de experiência feito, no dizer solidária e nos permitir estar sendo
de Paulo Freire, remete-nos à necessidade sonhação despertando a potência de ser-
de um saber plural, no qual profissionais de no-mundo, como sujeites que se fazem
saúde e comunidades possam vislumbrar com os outros(as)(es) e vivenciar em ato
atos-limite subvertendo a dominação os possíveis para a descolonização (Vera
e estabelecendo o inédito (viável) nos Dantas)
aproximando da concepção de saúde do
MST que nos diz que saúde é lutar contra
1
Fala do Profº Miguel Arroyo na aula sobre Educação e Saúde no Contexto
da Promoção da Saúde: seus sujeitos, espaços e abordagens, durante o II
todas as formas de opressão. Assim conclui Encontro Nacional de Educação Popular e Saúde, em 2021.
o poeta nordestino Junio Santos: quando
2
Entendidas por Freire como aquelas que os sujeitos (as) (es) populares
esses saberes se encontram:
percebem que necessitam ser superadas.

A prosa vai ser misturada 3


Inédito possível considerando os contextos para a superação das
situações-limite
O linguajar meio louco
Vai ter papo de caboco 4
A PNEPS SUS foi criada pelo Ministério da Saúdeem novembro de 2013
Conversa de doutorado de forma participativa e intersetorial.
Riso canto e balada
Referências:
Repente feito de rima FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6. ed.
Receita de medicina Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

E remédio popular ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2000.

SANTIAGO. Militância e Poesia. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2005.


Nesse sentido, a educação popular é uma OLIVEIRA, Edson. Mané Tolo e Zé Sabido e a Política Nacional de Educação Popular
oportunidade, já nos disse o poeta Ray Lima, em Saúde. 2014. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/cordel/4860641.
Acesso em: 7 mar. 2020.

15
CADERNO PEDAGÓGICO

16
MÓDULO III

PRÁTICAS POPULARES DE CUIDADO EM SAÚDE


ANA PAULA DIAS DE SÁ
FRANCISCA ALDEÍZE MARTÍNS


a Meditação e Yoga. As Massagens, a
Auriculoterapia, a Aromaterapia e uso de
Plantas Medicinais também compõem esse
Faz parte da tradição do
rol de práticas que visam ao alívio e a cura de
nosso povo o cuidado com o uma determinada queixa, que pode ser uma
próximo. Nos tempos de difícil situação aguda, como uma dor muscular, ou
acesso aos tratamentos de uma condição crônica, como as artropatias
saúde, era comum as pessoas, e ansiedade, dentre outras.
principalmente as mais idosas,
As Práticas Populares de Saúde (PPS) são
cuidarem dos demais membros entendidas como saberes construídos
da comunidade usando o que coletivamente ao longo de gerações dentro
aprendiam dos ainda mais velhos”. de grupos populacionais com suas próprias
características (religião, crenças, condições
socioeconômicas), e de acordo com as
Aldeíze condições que o ambiente específico
lhes oferece, tais como vegetação, clima,
geografia e história pregressa que,
As práticas de cuidados em saúde são tão objetivando curas, tratamentos e alívios
antigas quanto a nossa existência, datá-las para doenças e males (ROCHA; AQUILANTE,
e reconhecê-las na história, vai depender de 2020). Importante destacar que as PPS
para qual tipo de prática iremos estudar ou estão muito mais presentes nos povos
sobre qual povo ou cultura analisar. tradicionais e que encontram nas mulheres
as principais guardiãs e praticantes desses
Em nossa abordagem durante a Formação- saberes (informação verbal)¹.
ação em Agentes Populares de Saúde do
Campo no Ceará, falamos a respeito das Diante do resolutividade e do baixo
práticas de cuidado que já estão presentes custo, boa parte das PPS vem ganhando
em áreas de assentamento e acampamento notoriedade, tanto nas Unidades Básicas
do Movimento dos Trabalhadores e de Saúde (UBS) como nas Conferências
Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) no de Saúde. Condição que possibilitou seu
estado. reconhecimento e institucionalização
enquanto política pública em saúde, por
As nossas práticas de cuidado ocorrem meio das Portarias Nº 971, de 3 de maio de
especialmente na medida em que temos 2006, e Nº 1.600, de 17 de julho de 2006
os conhecimentos e as condições materiais que institui a Política Nacional de Práticas
para aplicá-las. Algumas delas dependem Integrativas e Complementares no SUS
apenas do conhecimento de quem às aplica, (PNPIC) (BRASIL, 2015).
como no caso de alguns tipos de massagens;
noutras além do conhecimento precisam de A PNPIC vem a efetivar o reconhecimento
recursos para a sua aplicação e preparo, de práticas de cuidados, mas também
como a auriculoterapia, a ventosaterapia e a representa o cumprimento de acordos
produção de remédios naturais. internacionais, visto que no final da década
de 70, a Organização Mundial de Saúde
Definimos como práticas de cuidado (OMS) criou o Programa de Medicina
em saúde todas as ações voltadas para
a promoção da saúde e a prevenção de
doenças, são exemplo: a Biodança, o Reiki,

17
CADERNO PEDAGÓGICO

Tradicional e Complementar/Alternativa no SUS (BRASIL, 2012).


(MT/MCA), objetivando a formulação
de políticas na área. Desde então, em Do ponto de vista das respostas práticas
vários comunicados e resoluções, a OMS para os indivíduos, observa-se implícita
expressou o seu compromisso em incentivar e dialeticamente, que há um processo
os Estados-membros a formularem e de autoconhecimento, de aumento da
implementarem políticas públicas para percepção das partes e sistemas do corpo,
uso racional e integrado da MT/MCA e de como elas interagem e reagem aos
das práticas de Medicina Complementar diferentes estímulos que podem gerar
(MC) nos sistemas nacionais de atenção à saúde ou adoecimentos. Já na dimensão
saúde bem como para o desenvolvimento coletiva, as PPS contribuem para a busca
de estudos científicos para melhor de ações mais emancipatórias e menos
conhecimento de sua segurança, eficácia e verticalizadas de produção do cuidado
qualidade (BRASIL, 2015). sensível à educação, à diversidade
cultural, aos movimentos sociais tendo
Importante ter a clareza de que algumas em vista o fosso cultural existente entre o
práticas populares de cuidado estão dentro conhecimento biomédico e o conhecimento
das práticas regulamentadas na PNPIC e popular em saúde. Assim, reforçam-se
outras não estão. Da mesma forma que nessas dimensões, o compromisso com a
nem todas as atividades contidas na PNPIC construção de Territórios cada vez mais
podem ser consideradas práticas populares, saudáveis e sustentáveis onde prevalece
a exemplo da homeopatia, antroposofia e o respeito à natureza, à Mãe Terra, aos
acupuntura que exigem formação técnica e corpos e aos mais antigos e antigas que
específica (ROCHA; AQUILANTE, 2020). aqui vivem e nos ensinam a partir dos seus
conhecimentos dia após dia.
Do ponto de vista institucional, as Práticas
Populares de Saúde estão inseridas na
Política Nacional de Educação Popular em Referências:
Saúde no SUS (PNEPS-SUS), publicada por - BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
meio da Portaria Nº 2.761, de 19 de novembro Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS:
atitude de ampliação de acesso / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
de 2013, que, dentre outras questões, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 96 p.
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_praticas_
propõe metodologias e tecnologias para integrativas_complementares_2ed.pdf. Acesso 13/05/2023

a participação e o controle social do - BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Política
Nacional de Educação Popular em Saúde/ Conselho Nacional de Educação Popular em
SUS. A PNEPS-SUS preconiza o diálogo Saúde (CNEPS). Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 29 p. Disponível em: http://www.
crpsp.org.br/diverpsi/arquivos/pneps-2012.pdf. Acesso 13/05/2023
entre a diversidade de saberes, valoriza - ROCHA. Laura Sanches, AQUILANTE. Aline Guerra. Práticas populares de saúde:
os saberes populares e a ancestralidade, prevalência de utilização em um distrito do interior do estado de São Paulo. Revista
de Educação Popular, Ed. Especial, Uberlândia-SP. Julho/2020 P.29-77. Disponível
além de incentivar a produção individual e em: https://seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/view/53250/29420.
13/05/2023
Acesso

coletiva de conhecimentos e sua inserção

18
MÓDULO III

CULTIVO E MANEJO DE ALGUMAS PLANTAS


MEDICINAIS
ANTÔNIO EDVAN FLORÊNCIO
ANA PAULA DIAS DE SÁ

Contexto histórico do uso de plantas tratamento para muitas doenças poderia ser
medicinais no cuidado em saúde feito por meio do controle da alimentação,
reafirmando a ideia de que somos o que
comemos. Contudo, ele já alertava que
A utilização das plantas medicinais é tão
primeiro era necessário conhecer os
antiga que é difícil precisar em que momento
elementos e as propriedades das plantas
elas passaram a ser utilizadas. Antigas
(BRANDELLI, 2017).
civilizações têm suas próprias referências
históricas acerca do uso medicinal das
plantas. Muito antes de aparecer qualquer Fitoterapia
forma de escrita, a humanidade já utilizava as terapêutica caracterizada
plantas, algumas como alimento, no asseio
pessoal, em rituais religiosos e outras como pelo uso de plantas medicinais
remédios. Esses processos de descobertas em suas diferentes formas
contribuiram para a acumulação de farmacêuticas, sem a utilização
conhecimentos passados de geração em de substâncias ativas isoladas,
geração, muitos deles adquiridos com base
na experiência.
ainda que de origem vegetal
(BRANDELLI, 2017).
As primeiras descrições do uso
de plantas com fins terapêuticos Para nosso resgate histórico, temos nos
foram escritas em cuneiforme. povos tradicionais uma série de registros
Essas descrições são originárias da importantes na utilização e manejo das
Mesopotâmia e datam de 2.600 a.C., plantas medicinais. Essas experiências
incluindo óleo de cedro (Cedrus sp.), são diferentes para cada povo, etnia ou
alcaçuz (Glycyrrhiza glabra), mirra região e o preparo e uso podem variar de
(Commiphora sp.), papoula (Papaver uma forma mais simples e usual, como
somniferum), entre muitos outros alguns tipos de chás, indo até as fórmulas
mais complexas que envolvem o cultivo e
derivados de drogas vegetais que
manuseios especiais. Estas solicitam que
ainda são utilizados no tratamento de sejam utilizados por pessoas com preparo e
doenças, como gripes, resfriados e “poderes especiais” para evocar os espíritos
infecções bacterianas (NESPOLI, Grasiele et al., da cura.
2021).

Professor Francisco José de Abreu Matos e


Na antiga Grécia, grande parte da sabedoria
o legado para a fitoterapia
que fora registrada sobre a utilização
e os benefícios das plantas, deve-se a
O Professor Matos, como passou a ser
Hipócrates (460–377 a.C.), conhecido como
conhecido, é um dos nomes de maior
o “pai da medicina”. Ele reuniu em sua
contribuição para a história da fitoterapia
obra Corpus Hipocratium, um conjunto de
e uso de plantas medicinais no Brasil.
aproximadamente 70 livros, uma síntese
Ele percorreu diversas cidades por onde
dos conhecimentos médicos de seu tempo
estudou e catalogou 600 espécies de
indicando, para cada enfermidade, um
plantas medicinais. Foi também o criador do
remédio vegetal e um tratamento adequado.
projeto Farmácia Viva que tinha por objetivo
Além disso, Hipócrates afirmava que o
ampliar o acesso, não só ao consumo das

19
CADERNO PEDAGÓGICO

plantas medicinais, mas ao conhecimento Formação-ação em Agentes Populares de


sobre as mesmas por meio do manejo nas Saúde do Campo no CE
hortas estruturadas nas Comunidades e em
Unidades de Atenção Primária em Saúde O contato com as plantas medicinais é parte
(UAPS). da história e do processo de cuidado dos
agricultores e agricultoras sem terra em
Seu aporte em conhecimentos e seu todo Brasil.
trabalho com o projeto tomou proporções
nacionais que vieram a contribuir com a No contexto da Formação-ação em Agentes
Política Nacional de Práticas Integrativas e Populares de Saúde do Campo-CE (APSC-
Complementares em Saúde (PICS). CE), decidimos sistematizar o conhecimento
acerca do manejo e uso de algumas plantas
As PICS são tratamentos que utilizam medicinais que foram selecionadas a partir
recursos terapêuticos baseados em dos critérios como:
conhecimentos tradicionais, voltados para
prevenir diversas doenças como depressão - Adaptação e resistência às características
e hipertensão. Em alguns casos, também de solo e clima no semiárido cearense;
podem ser usadas como tratamentos
paliativos em algumas doenças crônicas. - Populares entre os membros da
Atualmente, o Sistema Único de Saúde Comunidade;
(SUS) oferece, de forma integral e gratuita,
29 procedimentos de Práticas Integrativas e - Mais de uma possibilidade de uso
Complementares (PICS) à população. terapêutico, e

Além do caráter de integralidade com o - Possibilidade de beneficiamento e


ambiente e a natureza, compreendendo geração de renda.
nosso corpo como parte de um ecossistema
maior e que deve estar em harmonia com As plantas sistematizadas foram:
esses elementos, cultivar plantas medicinais alecrim-pimenta, babosa, cidreira, colônia,
traz benefícios para a mente e também para chambá e malvariço.
o bolso. Dados do relatório do Instituto
de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA) As informações sobre o cultivo, o manejo e
demonstrou que quanto mais pobre a utilização de cada uma dessas plantas deu
maior o comprometimento da renda com origem a um caderno adicional, “A cartilha
medicamentos. Em comparação com o de plantas medicinais: dos canteiros ao uso”
consumo de medicamentos, as famílias de e seu acesso pode ser feito através do site
mais baixa renda tem os gastos aumentados www.agentescampo.com.br
com medicamentos sintomáticos
(analgésicos, antialérgicos, antinflamatórios
etc.) em comparação com as famílias
possuidoras de rendas mais elevadas (IPEA, 1. Alguns conceitos importantes
2013). trabalhados na formação-ação do
APSC-CE:
Essas informações alertam sobre a
importância econômica do uso das plantas Planta medicinal - plantas com efeito
medicinais evidenciando a disputa que conhecido para o tratamento de
impede a democratização do acesso à determinadas doenças.
saúde. Consciente dessa situação, o Projeto
Farmácia Viva, desenvolvido pelo professor Princípio ativo - é a estrutura química da
Matos, buscou atuar para modificar essa planta responsável pelo efeito medicinal.
realidade.
Fitoterápicos - medicamento feito a partir
A seleção das plantas estudadas na do manejo e processamento do princípio

20
MÓDULO III

ativo das plantas medicinais, realizado em - Conheça a espécie de planta e a receita


laboratórios por profissionais da área. a ser utilizada com base na recomendação.
Algumas receitas utilizam raízes, cascas,
Remédio caseiro - soluções e fórmulas noutras as folhas, flores ou os frutos. E ainda
produzidas com plantas medicinais e feitos existem receitas que utilizam os vegetais em
em casa. Podem ser produzidos por pessoas forma fresca ou seca.
com conhecimento sobre a planta medicinal
e o seu manejo. - Conhecer o nome científico da planta pode
ajudar, pois elas passam a ser conhecidas
Infusão - ato de ferver a água e despejar por nomes mais populares que mudam de
sobre a planta em um recipiente, tampá-lo acordo com o estado ou a região.
e aguardar por 10 a 15 minutos. Decocção - Evite colher plantas de locais como beira
- em um recipiente colocar água e a planta de estradas, próximo de esgotos e córregos
juntos e levar ao fogo e deixar até levantar de águas contaminadas.
fervura. Aguardar 10 a 15 minutos e desligar.
Evitar panelas de alumínio e ferro.

VERDADE OU MITO
Medidas Importantes:

5ML/1G = 1 colher de chá Finalizando esse breve momento,


gostaríamos de desejar a todos, todas e
10 ML/ 2G = 1 colher de sobremesa todes um momento de excelente leitura
do caderno anexo sobre as plantas
15 ML/ 3G = 1 colher de sopa medicinais que sistematizamos. Para além
do conhecimento, desejamos que nessa
50 ML = 1 xícara pequena leitura também sejam semeados os anseios
de uma nova perspectiva de saúde, de
150ML = 1 xícara de chá grande reconhecimento do nosso corpo no processo
saúde-doença e mais escuta da nossa
relação com a natureza, com a relação que
2. Observações importantes durante
estamos estabelecendo com a terra e com
o processo de manejo de uma planta as gerações futuras. O processo de cuidado
medicinal se dá numa dimensão além das práticas de
saúde, é muito mais amplo, mais integral e
- Antes de iniciar o trabalho com alguma abrange tudo com o que nos relacionamos.
planta medicinal, recomenda-se lavar Que na jornada de Agentes Populares de
as mãos com água e sabão, cortar e Saúde do Campo seja semeado o cuidado e
manter as unhas limpas, prender os fortalecido o direito humano à saúde!
cabelos e/ou cobri-los com touca ou
lenço, observar se todos os utensílios Referências:
estão devidamente limpos (é bom separar
- BRANDELLI, Clara Lia Costa. Plantas Medicinais: histórico e conceitos. In: MONTEIRO,
Siomara da Cruz; BRANDELLI, Clara Lia Costa (org.). Farmacobotânica: aspectos teóricos

utensílios, como faca, colher, panela, funil e


e aplicação. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 1. p. 1-13.

- BONFIM, D. Y. G. Fitoterapia em saúde pública no Estado do Ceará: realidade das


pote de vidro de uso exclusivamente para o farmácias vivas. 2016. 125 f. Dissertação (Mestrado em Saúde da Família) - Faculdade de

preparo dos remédios caseiros). Importante


Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.

utilizar água potável (filtrada ou fervida)


- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS

e evitar falar próximo ao que está sendo


/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. -
Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 92 p. - (Série B. Textos Básicos de Saúde).

preparado. - IPEA.Texto para discussão. 1839. ed. Rio de Janeiro: Ipea, 2013. 56 p. Disponível em:
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1278/1/TD_1839.pdf. Acesso em: 03 fev.
2022.

- No momento da colheita, prefira as plantas - JESUS, Giovana Karen Barbosa de et al. Plantas Medicinais e Fitoterápicos que Podem
ser Usados Durante a Covid-19.Laboratório de Farmacognosia e Homeopatia Farmácia/
em bom estado! Sempre confira se as partes UFMG. 1ª edição. Proflex-UFMG, 2020.

da planta a serem utilizadas estão em bom - NESPOLI, Grasiele et al. Educação popular e plantas medicinais na atenção básica à
saúde. ESPJV. Rio de Janeiro, 2021.
estado: íntegras, novas, sem mofos e sem
insetos.

21
CADERNO PEDAGÓGICO

22
MÓDULO III

VIGILÂNCIA EM SAÚDE E VIGILÂNCIA POPULAR


EM SAÚDE
ANA PAULA DIAS DE SÁ
ALAN RAYMISON TAVARES
FERNANDO PAIXÃO DA COSTA
JORGE MESQUITA HUET MACHADO

Antes mesmo de seguir trafegando pela saneamento e problemas recorrentes


questão da Vigilância em Saúde, iniciamos na saúde desses habitantes (informação
esse texto retomando o significado da verbal)¹.
palavra vigiar, termo tão controverso e
que muitas vezes gera debate entre os Sobre essa película histórica é possível pensar
militantes dos mais diversos movimentos a Vigilância enquanto uma política de Estado
e organizações sociais. No contexto dessa a serviço da classe dominante, a exemplo
experiência da Vigilância Popular em Saúde dos conhecimentos epidemiológicos
(VPS) gostaríamos de relembrar que a que socorreram a experiência capitalista
palavra VIGILÂNCIA tem origem no latim, através do controle de doenças com grande
“vigilantia”, “vigilare” e carrega como potencial de difusão e mortalidade. Mas
significado estar atento a, tomar conta de, seu objetivo não era garantir a saúde e
remetendo assim ao ato ou efeito de vigiar, muito menos os direitos aos cidadãos,
ato de quem permanece em alerta, de quem era para evitar a diminuição nos lucros da
age com precaução ante o risco; cuidado classe que vinha se estabelecendo no poder
(MICHAELIS, 2022). (informação verbal)² .

No campo da saúde, o conceito de vigilância As ações iniciais de Vigilância no mundo


como um instrumento de saúde pública estiveram intimamente ligadas aos interesses
surgiu no final do século XIX, restringindo-se econômicos das classes dominantes e foram
à coleta, compilação, avaliação e divulgação realizadas em locais importantes para a
de dados para as autoridades de saúde e reprodução do capitalismo. Suas práticas
o público em geral, tendo como objetivo eram marcadas pelo autoritarismo e eram
principal a detecção precoce de doentes realizadas por forças repressivas (SEVALHO,
com vistas ao seu isolamento (ARREAZA e 2016).
MORAES, 2010).
Ações deste tipo só foram construídas em
Entretanto, para uma melhor compreensão países em desenvolvimento tardio, nas
sobre a Vigilância, faz-se necessária uma colônias em áreas portuárias e nos principais
breve viagem no tempo e retornarmos até o centros urbanos por meio de campanhas
século XIX para compreender os fenômenos sanitárias que eram momentaneamente
sociais e econômicos que se desencadeavam resolutivas, mas não resolviam os problemas
à época e qual a relação que essa conjuntura estruturais da vida dos moradores e
guarda com a saúde coletiva. Encontraremos trabalhadores locais (SABROZA et al.,
a expansão industrial causada pela 2006).
Revolução Industrial que gerava o aumento
na densidade populacional em centros Prosseguindo em nossa viagem no tempo
urbanos, entorno das fábricas e indústrias. vamos nos deslocar da Europa do século
Muitas dessas pessoas, que migravam XIX e adentrar no Brasil. Nosso objetivo
de áreas rurais, encontraram no trabalho agora é compreendermos o contexto e
fabril baixos salários, jornadas extensas e a importância da VPS. Para isso faremos
péssimas condições de reprodução da vida um breve relato de como se estrutura a
expressas em moradia precárias, falta de Vigilância em Saúde (VS).

23
CADERNO PEDAGÓGICO

O Brasil, país de capitalismo periférico, que a epidemiologia é parte integrante (e


iniciou suas práticas de vigilância ainda no não a totalidade) da política. Isso se deu
século XVIII, em grandes centros urbanos e com a Portaria Ministerial Nº 1.172, de 15 de
cidades portuárias. Elas tinha o propósito de junho de 2004, que, entre outras
controlar as doenças que se intensificavam responsabilidades, caracteriza a Vigilância
no país pelo contato com as pessoas vindas em Saúde como a vigilância de doenças
de outros países e que já chegavam ao transmissíveis, vigilância de doenças
Brasil adoecidas. Nesse período, também foi e agravos não transmissíveis e de seus
criada a Polícia Sanitária que tinha a função fatores de risco, vigilância ambiental em
de observar as atividades dos trabalhadores, saúde e vigilância da situação de saúde
fiscalizar embarcações e o comércio de (BRASIL, 2004). Em 2009, através do
alimentos. Pacto pela Saúde, que tinha como objetivo
fortalecer a descentralização no SUS,
Experiências pontuais e locais de foi renovada a compreensão sobre a
Vigilância Sanitária continuaram a ser Vigilância em Saúde. Sua subdivisão era:
realidade no Brasil até a década de Vigilância Epidemiológica, Promoção de
1950 quando a industrialização tardia Saúde, Vigilância da Situação de Saúde,
começa a ser intensificada pela política Vigilância em Saúde Ambiental, Vigilância
desenvolvimentista. O resultado foi a criação em Saúde do Trabalhador e Vigilância
de grandes cidades e a migração de pessoas Sanitária (BRASIL, 2009).
do campo para a cidade. Esse rearranjo na
sociedade ocasionou diversos problemas Mas você, leitor, sabe o que é cada Vigilância
de saúde e algumas epidemias, como: que compõe a Vigilância em Saúde?
poliomielite, meningite meningocócica, Apresentamos um quadro explicativo que
leptospirose, hepatite, sarampo e uma alta fala sobre cada Vigilância.
na mortalidade infantil (SABROZA et al.,
2006).

A crise sanitária teve como uma das


respostas a criação do Programa Nacional
de Imunização, em 1973; a implementação
do Sistema de Vigilância Epidemiológica,
do Sistema de Vigilância Sanitária e, em
1975, a criação do Sistema de Informação
de Mortalidade, usando como base a
experiência da Campanha de Erradicação
da Varíola. Esses eram os passos iniciais
da construção do que hoje chamamos
Vigilância em Saúde.

Enquanto política pública estruturada,


a Vigilância em Saúde tem seu salto de
qualidade nos debates do Movimento da
Reforma Sanitária Brasileira (MRS) e a
própria criação do Sistema Único de Saúde
(SUS). É pois, com a criação de uma política
pública que reconhece e afirma a saúde como
um direito e de responsabilidade do Estado,
que se estabelece uma outra forma de
organização e assistência estruturadas nos
princípios da Universalidade, Integralidade
e da Equidade.
O termo ‘Vigilância Epidemiológica’ foi
substituído por ‘Vigilância em Saúde’ já

24
MÓDULO III

25
CADERNO PEDAGÓGICO

Mesmo com todos os avanços a Vigilância A situação ainda se tornou mais


em Saúde no Brasil ainda reproduz uma problemática quando associada a política
prática tradicional de notificação, registro de atraso e negação da ciência promulgada
e investigação de casos de doenças pelo governo Bolsonaro. As ações de VS
infectocontagiosas. A sua atuação acontece nessas comunidades simplesmente não
desarticulada da Atenção Básica, retirando aconteceram, a organização popular foi a
a possibilidade de diversas ações em resposta para enfrentar e ao mesmo tempo
promoção de saúde e prevenção de doenças mitigar os efeitos sanitários, financeiros
nos territórios, além de ser desarticulada e sociais que foram intensificados pela
com as comunidades e os movimentos pandemia (informação verbal)³.
sociais (SEVALHO, 2016; SABROZA, 2006).
E é precisamente nesse contexto de
Com objetivo de debater essas contradições ausência do poder público em diversas
foi organizada, em 2018, a 1º Conferência esferas, que vimos eclodir em todo o país
Nacional de Vigilância em Saúde, cujo novas experiências de organização popular,
objetivo central consistiu na elaboração de em especial nas ações em Vigilância Popular
proposições de diretrizes para a formulação em Saúde (VPS). A Comunidade buscando
da Política Nacional de Vigilância em Saúde alternativas a partir das suas necessidades e
(PNVS) e o fortalecimento das ações no potencialidades num processo de profunda
âmbito da promoção e da proteção da solidariedade materializando o lema “O
saúde (Guilherme et al., 2017). A PNVS é povo cuidando do povo”.
compreendida como
Mas a VPS não é algo que nasce nesse
a articulação dos saberes, momento, experiências apontam que a VPS
surge na década de 1970, fruto do mesmo
processos e práticas momento cronológico em que se discutiam as
relacionados à vigilância dimensões sociais, ambientais e econômicas
epidemiológica, vigilância em que envolvem o processo saúde-doença.
Em um contexto em que se faz uma análise
saúde ambiental, vigilância em crítica em torno do centro dessas questões,
saúde do trabalhador e vigilância de conhecer e reconhecer a determinação
sanitária e alinha-se com o social da saúde (DSS), compreendendo que
conjunto de políticas de saúde a saúde se produz e reproduz a partir da
maneira como a sociedade se organiza, de
no âmbito do SUS, considerando como nos relacionamos com a natureza e
a transversalidade das ações entre nós mesmos. Percebendo que a base
de vigilância em saúde sobre dessas relações é mediada pelo trabalho e
que é por meio do processo laboral que se
a determinação do processo evidencia a inter-relação saúde e a doença,
saúde-doença (BRASIL, 2018, p. 2) uma relação mediatizada pela interação
produção-meio ambiente e produção-
Em um cenário de entraves de articulação consumo (RIGOTTO, 2011).
intrasetorial no SUS, observa-se a falta
de unidade de ação entre as Vigilâncias Revisando a literatura encontraremos
(Epidemiológica, Sanitária, da Saúde do experiências chamadas de “epidemiologia
Trabalhador e Ambiental) e delas para com comunitária”, “vigilância civil da saúde”
outras estruturas que compõe a assistência e “monitoramento participativo” que não
em saúde, o que ficou ainda mais explícito são sinônimos, mas que guardam relação
no contexto da pandemia da Covid-19, com a vigilância popular quando discutem
que até o início do ano de 2023, segundo a importância dessas ações envolverem
o Consórcio de Veículos de Imprensa em a participação da academia, do Estado
20/01/2023, retirou a vida de mais de 696 e, principalmente, da sociedade civil
mil pessoas (G1, 2023). organizada. Em outras palavras, que haja

26
MÓDULO III
o protagonismo popular, desencadeadas não se findam com a pandemia da Covid-19,
a partir de seus territórios e mediados por pois a todo momento que se organizam
processos da educação popular (SÁ, 2022). e pensam coletivamente geram novas
intervenções através do diálogo contínuo
Além da base territorial, a VPS inspirada entre os diferentes saberes, sejam técnicos,
no legado deixado nas reflexões acerca da científicos e populares que se integram aos
Vigilância em Saúde do Trabalhador, também sujeitos implicados com sua comunidade e
deve romper com o modelo centralizado e com a construção de Territórios Saudáveis e
verticalizado das ações em Vigilância em Sustentáveis (informação verbal)4.
Saúde, como aponta Machado
Saímos deste processo conscientes ainda
A partir do olhar da Vigilância mais da importância de olhar o mundo a
em Saúde do Trabalhador (VST), partir da janela dos territórios, das pessoas,
dialoga com o processo crítico à do ambiente e da história e cultura que as
constroem.
vigilância institucional centralizada
e verticalizada, e aponta para Quem, melhor que os oprimidos,
a necessidade da participação se encontrará preparado para
social, especialmente no que se entender o significado terrível de
refere a relação entre o risco, uma sociedade opressora? Quem
agravo, território e atividade, sentirá, melhor que eles, os efeitos
para a elaboração das soluções da opressão? Quem, mais que
compreendendo a determinação eles, para ir compreendendo a
social que incide sobre o necessidade da libertação?
processo saúde-doença do (FREIRE, 2016, p.32)

trabalhador (MACHADO, 1997, p. 40).


Fala da Profº Jorge Machado na aula sobre Vigilância Popular em Saúde, Curso Livre
1, 4

de Agentes Populares de Saúde do Campo no Ceará, em 30 de agosto de 2021.


Nessa dimensão, significa dizer que
Fala da Educadora Ana Paula Dias de Sá na aula sobre Vigilância Popular em Saúde,
2, 3

construir processos de base territorial é Curso Livre de Agentes Populares de Saúde do Campo no Ceará, em 30 de agosto de
reafirmar a importância de reconhecer 2021.

que cada território, comunidade ou lugar


possui características, potencialidades e
Referências:
fragilidades que são próprias, que atendem
- ARREAZA, Antonio Luis Vicente; MORAES, José Cássio de. Vigilância da saúde:
ao contexto social, político, econômico, fundamentos, interfaces e tendências. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2215-2228, 2010.

ambiental e cultural. - BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Vigilância em Saúde.
Part.1 Brasília: CONASS, 2015.

- FIOCRUZ, BRASÍLIA, Caderno de Orientações do Agente Popular de Saúde: vigilância


Na experiência que proporcionou a escrita popular em saúde potencializando os territórios no enfrentamento da Covid-19, Brasília,
2021.
desse texto, o curso livre de Formação-
- FRANCO NETTO, Guilherme et al., Vigilância em Saúde brasileira: reflexões e contribuição
Ação em Agentes Populares de Saúde do ao debate da 1a Conferência Nacional de Vigilância em Saúde. Ciência & Saúde Coletiva,
v. 22, p. 3137-3148, 2017.
Campo no Ceará, a vivência da VPS foi
- FREIRE, Paulo, 1921-1997. Pedagogia do Oprimido. 62ª Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro,
permeada por esses elementos teóricos 2016.

que a acompanham desde a década de - G1. Brasil tem média de 128 mortes por Covid e total passa de 696 mil. 2023. Disponível
em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2023/01/19/brasil-tem-media-de-
70. Um processo mediatizado pela relação 128-mortes-por-covid-e-total-passa-de-696-mil.ghtml. Acesso em: 20 jan. 2023.

academia-sociedade a partir da base - MACHADO, Jorge Mesquita Huet. Processo de vigilância em saúde do trabalhador. Cad.
Saúde Pública [online]. 1997, vol.13, suppl.2, pp.S33-S45. ISSN 1678-4464. http://dx.doi.
territorial, cujas ações foram protagonizadas org/10.1590/S0102-311X1997000600004.

pela ação popular em cada uma das - MICHAELIS. Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa. São Paulo: Editora
Melhoramentos, 2022. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/
Comunidades onde o curso se desenvolveu. busca/portugues-brasileiro/vigil%C3%A2ncia/. Acesso em: 15 ago. 2022

- SABROZA et al., O Mestrado Profissionalizante em Vigilância em Saúde da Escola


Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. In: LEAL, MC., FREITAS, CM.. Cenários
Dessa maneira, podemos apontar que a possíveis: experiências e desafios do mestrado profissional na saúde coletiva. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. 284 p.
Vigilância Popular em Saúde é, ao mesmo
- SEVALHO, Gil. Apontamentos críticos para o desenvolvimento da vigilância civil da
tempo, processo e resultado de questões que saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 26, p. 611-632, 2016.

27
CADERNO PEDAGÓGICO

28
MÓDULO III

SISTEMA AGENTES CAMPO E O DESAFIO DA


DEMOCRATIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA
INFORMAÇÃO
FERNANDO PAIXÃO DA COSTA
ANA PAULA DIAS DE SÁ
IVANDRO CLAUDINO DE SÁ
ROSELY FABRÍCIA DE MELO ARANTES

A pandemia de Covid-19 trouxe à tona


uma série de fragilidades e desafios já
conhecidos em nossa sociedade, mas que se
exacerbaram e tornaram-se nítidos frente à
crise sanitária. Esta expôs algumas mazelas
de nossa sociedade, reacendendo muitos
debates que, por vezes, estavam restritos
a pequenos grupos. Dentre estes temas, o
acesso às Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TICs) quando pessoas de
todas as idades, níveis escolares e sociais
tiveram que se deparar com as diversas
dimensões da questão, conscientes ou não
da complexidade do processo.

O acesso às TICs é sem dúvida uma questão


a ser destacada e atualmente exige do(a)
cidadão(ã) uma série de desafios a serem
superados, especialmente quando fazemos
os recortes de raça, idade, escolaridade e
especialmente da classe a que pertence este
(a) cidadão(ã).

O aumento na demanda de uso das TICs,


durante a pandemia expôs as desigualdades A TIC Domicílios também traz dados
que enfrentamos no acesso e utilização referentes a população do Campo, onde
destas tecnologias. Segundo a série histórica observamos, no levantamento de 2019,
da Pesquisa de Tecnologia de Informação e que mais da metade dos domicílios do
Comunicação em Domicílios (TIC domicílios), campo (53%) possuem acesso à internet,
realizada pelo Centro Regional de Estudos percentual menor que o observado na
para o Desenvolvimento da Sociedade da zona urbana (77%). Tal realidade evidencia
Informação (CETIC), observou-se, ao longo o pouco acesso desta população à essa
dos anos, um padrão de desigualdade tecnologia ainda que a diferença tenha sido
referente ao acesso e utilização das TICs, diminuída no levantamento de 2020. Diante
revelando que os domicílios com maior da maior necessidade de uso de internet
vulnerabilidade social, pertencentes as provocada pela pandemia, os domicílios
classes C, D e E, possuem um menor nível rurais ampliaram o acesso à internet de
de acesso à internet e este acesso, quando 53% para 70%, ficando as áreas urbanas
presente, dá-se quase que exclusivamente com 83%. Porém, quanto aos domicílios
por celulares, o que limita as possibilidades com melhor renda familiar se percebe a
e a qualidade do acesso (BRASIL, s/d). predominância da desigualdade quando

29
CADERNO PEDAGÓGICO

comparamos com aqueles que possuem faixa etária, raça/cor entre outros, o quesito
menor renda, assim como entre aqueles que território foi deixado de lado. Ou seja, as
se declaram brancos (BRASIL, 2020). populações que vivem nas zonas rurais
não foram registradas. Dessa forma, segue
desconhecida a realidade e a repercussão
da pandemia nesses territórios (SÁ, 2022).

No Ceará, a plataforma de transparência da


gestão pública em saúde, Integra SUS (Figura
4), e que apresentava dados atualizados do
monitoramento da Covid-19, com os recortes
da população informados a partir da raça/
cor, sexo, da faixa etária e até mesmo
por comorbidades apenas possibilitou a
produção de relatórios montados a partir
da identificação do município, não sendo
Quando analisados campo e cidade os possível a visualizar a população moradora
números da pesquisa também indicam que do campo (CEARÁ, 2022).
além da baixa cobertura, acesso a rede fixa
de internet para a população do campo. A partir da observação da plataforma Integra
Nesse território, grande parte das pessoas SUS, vimos que os dados são coletados
acessam a rede por meio de pacotes nos centros e estabelecimentos de saúde
limitados de dados, o que afeta a qualidade a partir do número de casos, dos testes
e determina o tempo e o padrão de uso. aplicados, das internações e dos óbitos.
Em geral esses centros e estabelecimentos
O crescimento da conectividade entre as estão localizados nas áreas urbanas,
pessoas, mesmo com padrões tão distintos, portanto, o mapa epidemiológico vai
também tem promovido o aumento no demonstrar indicadores da localidade onde
uso das redes sociais. Pesquisas recentes foi registrada a ocorrência, não revelando a
apontam o Brasil como o quinto país do procedência dos usuários.
mundo que possui mais usuários conectados
as redes sociais, podendo alcançar em O mesmo não acontece com as populações
2026 aproximadamente 87% da população indígenas ou quilombolas. O que torna
(BRASIL, 2022). Essa particularidade acende essa situação no mínimo curiosa, já que
o alerta sobre uma outra preocupação: existem muitos sistemas de informação
o uso das redes sociais como principal no âmbito do SUS, especialmente na
fonte de informação, ambiente onde vigilância epidemiológica, o que torna
majoritariamente se propagam as “Fake difícil compreender a não produção de
News”, tema já tratado em nossos textos informações sobre algumas populações
anteriores no Caderno 1 desta coleção. específicas, a exemplo das campesinas.

Tal invisibilidade é antiga, apenas ficou


As TICs no contexto da pandemia mais exposta durante a pandemia e exige
da Covid-19 nas áreas rurais dos Movimentos Populares e Organizações
Sociais que atuam com a população
A invisibilidade da população do campo do campo, pensar constantemente as
ficou evidente durante a pandemia estratégias para enfrentar este desafio.
da Covid-19, expressa inclusive na
representação dos dados epidemiológicos Durante o processo de Formação–Ação em
tanto em nível federal, como estaduais e Agentes Populares do Campo no Ceará foi
municipais. Ainda que os dados tenham necessário criar mecanismos e alternativas
sido produzidos levando em considerações para enfrentar esses desafios. Alguns
diversos aspectos da população como sexo, arranjos nos fizeram perceber a magnitude

30
MÓDULO III

do problema, mas também revelou o demonstra a necessidade de democratizar


potencial que temos e de que é possível o acesso à tecnologia, compreendendo isso
seguir pensando e elaborando estratégias numa dimensão ainda mais ampla, não se
para obter e produzir uma comunicação restringindo ao fato de ter conexão com
mais democrática e efetivamente acessível. à internet ou aquisição de equipamentos
eletrônicos.
Como parte do processo formativo, foi
necessário o aprendizado de como usar as Significa conhecer como são produzidos
ferramentas e equipamentos eletrônicos, e como os softwares podem atender as
construir nosso próprio conteúdo, assim características, demandas e potencialidades
como criar um sistema de informação de todos os tipos de pessoas e lugares. O
específico: o Sistema Agentes Campo. Sistema Agentes Campo foi constituído a
partir das demandas e das características
O Sistema Agentes Campo é uma daqueles(as) que iriam utilizá-lo, levando em
experiencia inovadora, ainda incipiente conta o território com toda a complexidade
em que busca derrubar essas barreiras de e as dificuldades enfrentadas nas áreas de
acesso à Tecnologia da Informação. Em assentamentos e acampamentos.
conjunto com a formação e a organização
dos Agentes Populares de Saúde do Cumprindo com essas necessidades da
Campo (APSC), buscamos construir um população do campo e dos APSC, o Sistema
sistema que auxilie o trabalho das áreas desenvolvido é composto por um Banco de
de assentamentos e acampamentos do dados, Aplicativo Móvel e Sistema Web. O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Banco de Dados permite o armazenamento
Terra (MST), possibilitando a coleta de e a centralização dos dados, possibilitando
dados para, a partir destes organizar ações consultas elaboradas e a mineração de dados.
de saúde que tragam melhoria de vida para O Sistema Web permite a administração dos


as comunidades onde for utilizado. usuários do Sistema, acompanhamento das
equipes de agentes, controle e visualização
dos dados consolidados, bem como o
Por meio do uso das gerenciamento de perguntas e respostas.
O aplicativo móvel por sua vez é de uso
tecnologias e da internet, exclusivo dos APSC e tem como objetivo
desde a perspectiva facilitar o processo de coleta de dados
multifatorial da inclusão digital, através de questionários customizados.
os setores marginalizados Deste modo o Sistema Agentes Campo
podem ter acesso a recursos e possibilita contribuir para a vigilância popular
conhecimentos fundamentais em saúde nas áreas de acampamentos e
assentamentos do MST-CE, com potencial
para sua inclusão social, assim de ser expandido para outras áreas. Vale
como acesso aos canais de salientar que essa vigilância só é possível
através de um processo de organização
participação, de organização popular em que a própria comunidade faz


comunitária e de incidência frente a vigilância em saúde de seu território.
social” (MACHADO; RIVERA, 2017. p. 606).
Buscamos através desta ferramenta, além da El monitoreo participativo es la
coleta de dados, promover um debate que mirada permanente de la colectividad
vá além da inclusão digital, pois entendemos organizada sobre los procesos de los que
que não se trata apenas da criação de uma dependen su bienestar, su funcionamiento
ferramenta e de torná-la acessível para uma democrático y la reproducción de sus
determinada população. O Sistema Agentes conquistas materiales, culturales y
Campo é na verdade uma experiência que humanas” (BREILH, 2003, p. 942).

31
CADERNO PEDAGÓGICO
Referências:
Assim, através do trabalho dos APSC que
BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. TIC Domicílios. s/d. Disponível em: https://cetic.
já promove este processo de cuidado do br/pt/pesquisa/domicilios/. Acesso em: 15 mar. 2022.

território, torna-se possível avançar ainda BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. TIC Domicílios 2019. 2020. Disponível em: https://
cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf. Acesso em: 15 nov.
mais com a utilização do Sistema Agentes 2020.

Campo. Associando a tecnologia a serviço BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. TIC Domicílios 2019: principais resultados.
Principais resultados. 2022. Disponível em: https://cetic.br/media/analises/tic_
dos movimentos sociais e colocando em domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf. Acesso em: 07 set. 2022.

prática a democratização das tecnologias BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. TIC DOMICÍLIOS Pesquisa sobre o uso das
tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros. Disponível em:
da informação. <www.cgi.br>. Acesso em: 22 jul. 2021.

BRASIL, Comitê Gestor da Internet no. 87% dos brasileiros serão usuários de redes
sociais em 2026. 2022. Disponível em: https://www.nic.br/noticia/na-midia/87-dos-
Há um pensamento frequente nos nossos brasileiros-serao-usuarios-de-redes-sociais-em-2026/. Acesso em: 07 jul. 2022.

territórios de que “para o povo pobre, nada BREILH, Jaime. De la vigilancia convencional al monitoreo participativo. Ciência &
Saúde Coletiva, v. 8, n. 4, p. 937–951, 2003.
se conquista sem luta, sem organização”,
CEARÁ, Secretaria de Saúde do. Índice de transparência Covid-19. IntegraSus, Fortaleza,
temos que seguir em frente, por isso CE, 2022. Disponível em: https://integrasus.saude.ce.gov.br/#/indicadores/indicadores-
coronavirus/indice-transparencia. Acesso em: 12 jul. 2022.
acreditamos que este seja apenas o início
MACHADO, Raquel Cavalcante Ramos; RIVERA, Laura Nathalie Hernandez.
das muitas potencialidades existentes de Democratização na era digital: desafios para um diálogo consciente e igualitário. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, v. 07, n. 03, p. 601–616, 2017.
uso da tecnologia da informação a serviço
SÁ, Ana Paula Dias de. Vigilância Popular no enfrentamento da Covid-19: formação-
das pessoas menos favorecidas, causando ação em agentes populares de saúde do Campo no Ceará. Fundação Oswaldo Cruz,
Gerência Regional de Brasília, Escola de Governo Fiocruz Brasília, Brasília-DF, 2022
impacto positivo na vida delas.


VERASZTO, Estéfano Vizconde et al. Tecnologia: Buscando uma definição para o
conceito. Prisma.Com, v. 07, n. 8, p. 60–85, 2008. Disponível em: <https://www.
researchgate.net/publication/266374098_Tecnologia_Buscando_uma_definicao_
para_o_conceito_Technology_Looking_for_a_definition_for_the_concept>.

A tecnologia é concebida em
função de novas demandas e exigências
sociais e acabam modificando todo um
conjunto de costumes e valores e, por fim,
agrega-se à cultura” (VERASZTO et al., 2008, p. 77).

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MÓDULO III

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CADERNO PEDAGÓGICO

Em tempos de Bolsonaro Foram 31 agentes A educação transformadora


Pandemia e sofrimento que conseguimos formar Tem três caminhos seguros:
Morte, tristeza, lamento nem é preciso falar Revisitar o passado
Não é conto do vigário. das nossas dificuldades Mesmo que seja obscuro,
E um governo salafrário, em toda comunidade Para fazer diferente
Assassino e genocida há demanda reprimida Vivendo bem o presente
Que não tem respeito a vida mesmo assim em nossa vida Esperançando o futuro
Então surge um fato novo cada dia nasce novo
Povo cuidando do povo Povo cuidando do povo
É nossa grande saída É nossa grande saída Paulo freire já dizia
E é bom a gente lembrar
Companheiro o caso é sério Em tudo o SUS está presente Tem a educação bancaria
E não é pra se brincar Ele e a nossa bandeira E educação popular
Se a gente não se cuidar É a vida em sementeira A que ensina obedecer
O destino é o cemitério Mas precisa que a gente E que faz aprender
Pois o tal de ministério O defenda bravamente Porque ensina a pensar
Não tá ligando pra vida E a luta é aguerrida
A maldade é desmedida Pois dela depende a vida Não pode ser diferente
Por isso digo de novo Sem empecilho ou estorvo Na educação em saúde
Povo cuidando do povo Povo cuidando do povo Ensinar e aprender
É nossa grande saída É nossa grande saída São duas grandes virtudes
Evitando a prepotência
Do campo para a cidade Usando a resiliência
Há uma grande diferença Agora meus companheiros Pra mudar de atitude.
Mas há pessoas que pensam Vamos mudar de toada
Que isto não é verdade Para melhor aprender Foi assim que nosso curso
A maior dificuldade Nos dividimos em brigadas Teve como pretensão
É que muita gente duvida Com essa metodologia Educar para a saúde
No dia a dia na lida Trabalhamos todo dia Visando a formação
O campo pede socorro Junto aos nossos camaradas De um profissional capaz
Povo cuidando do povo Que de forma eficaz
É nossa grande saída Seguindo sempre a proposta Cuide da população
Da educação popular
Mas para cuidar de alguém Do construir coletivo
É bom prestar atenção Do aprender e ensinar
Um mínimo de formação Com toda amorosidade
Nós precisamos também Tendo por centralidade
É sempre bom ter alguém O princípio do cuidar
Com voz firme e decidida
Pois senão é exprimida Tudo é feito com carinho
Como pintinho no ovo E muita amorosidade
Povo cuidando do povo Respeitando sempre o outro
É nossa grande saída E suas fragilidades
Promovendo o acolhimento
Gerando conhecimento
Num clima de amizade.

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MÓDULO III

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