Você está na página 1de 390

FIL O S O FIA P O LÍTIC A

C O NTEMPO RÂN EA
Uma introdução

W ill Kymlicka

T ra d u ç ã o
L U ÍS C A R L O S B O R G E S

R e visã o d a tra d u ç ã o
M A R Y L E N E P IN T O M IC H A E L

M a rtin s Fontes
S ão P a ulo 2 0 0 6
E sta o bra f o i p u b lic a d a o rig in a lm e n te em in g lé s corn o títu lo
C O N T E M P O R A R Y P O L IT IC A L P H IL O S O P H Y - A N IN T R O D U C T IO N
p o r O x fo rd U n iv e rs ity P re ss.
C o p y rig h t © W ill K y m lic k a .
C o p y rig h t © 2 0 0 6 , L iv ra ria M a rtin s F onte s E d ito ra L td a .,
São P a u lo , p a ra a pre s e nte e diçã o.

1* edição 2006

Tradução
L U ÍS C A R L O S B O R G E S

R evisão da tradução
M a ry le n e P in to M ic h a e l
A com pa nh am e nto e d ito ria l
L u z ia A p a re cid a dos S a ntos
R evisões grá fic a s
M a u ro de B arro s
D a n ie la L im a A lv a re s
D iñ a rte Z o rz a n e lli da S ilv a
Produção grá fic a
G era ldo A lv e s
P agin a çã o/F otolitos
S tu d io 3 D e s e n vo lvim e n to E d ito ria l

D ados Intern a cion ais de C atalogação na Publicação (CIP)


(C âmara B ra sileira do L ivro , SP, Bra sil)

K ym lick a , W ill
F ilosofia p olític a contemporâne a : um a introduç ã o / W ill
K y m lic k a ; tra dução Luís C arlos B orges; re visã o da tra dução
M aryle n e P into M icha el. - São P a u lo : M a rtin s F ontes, 2006.
- (Justiça e d ire ito )

T ítu lo o rig in a l: C onte m porary p o litic a l p hilo sop h y : an


in tro d u ctio n .
B ibliogra fía .
IS B N 85-336-2255-4

1. P olític a - F ilosofia 2. P olític a - H istória - S éculo 20 I. Tí


tu lo . II. Série.

06-1755____________________________________ C D D-320.50904
ín dic e s p ara catálogo siste m á tico:
1. F ilosofia p olític a contemporâne a : S éculo 20 :
H istória 320.50904

Todos os d ire ito s desta edição p ara o B ra s il reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
R ua C ons e lh e iro R a m alho, 330 01325-000 São P a ulo S P B ra s il
T el. (1 1) 3241.3677 F a x (1 1) 3101.1042
e -m a il: info @ m a rtin sfo nte s.co m .br http:IJ z tm n o .m a rtinsfonte s.com .br
ÍN D IC E

1. In tro d u ç ã o ............................................................... 1
2. U tilit a ris m o ............................................................. 11
3. A igu a ld a d e lib e r a l.................................................. 1x3
4. O lib e rta ris m o ......................................................... "119
5. O m a rxis m o ............................................................. *203
6. O c o m u n ita ris m o .................................................... *253
7. O fe m in is m o ............................................................ '3 0 3

B ib lio gra fia .................................................................... 375


índice re m issivo.......................... 393
a g r a d e c im e n t o s

G ostaria de agradecer a R ich ard A m e son , Ia n C arter,


James G riffin , S ally H a sla ng er, Brad H o o k e r, A n dre w K e r-
noh a n, D a vid K n o tt, H e nry L aycock, C o lin M a cle od, Susan
M o lle r O k in , A rth u r R ip ste in , W ayne S um n er e P eter V a l-
le n ty n e os co m e ntá rio s ú te is a tre ch o s ou ao to d o do l i
vro . T e nho u m d é b ito e sp e cia l p ara com G . A . C oh e n, que
m e e n sin o u a m a ior p a rte do que sei sobre os o bje tiv o s e
os m é todos da filo s o fia p olític a . E le tece u com e ntários com
generosidade e p aciência sobre m uito s dos argum e ntos des
te liv ro . M in h a m a ior d ívid a é p ara com Susan D o n a ld so n ,
que e x a m ino u o liv ro com igo, lin h a p o r lin h a , em m a is de
um a ocasião.
1. Introdução

1. O p ro je to

E ste liv ro te m a inte n ç ã o de forn e c e r um a in tro d u ç ã o e


um a avaliação crític a das prin cip a is escolas de p e ns a m e nto
que d o m in a m os debates conte m porâ n e os na filo s o fia p o lí
tica . O m a te ria l a bra ngido é quase in te ira m e n te com posto
de tra b a lhos recentes e n tS lg gofia polític a .fiorm ã H v ã- e, m ais
e spe cifica m e nte , em te oria s recentes do que é um a socie da
de justa , livre ou boa. N ã o abrange, exceto in cid e n ta lm e nte ,
as prin cip a is fig ura s históric a s n e m abrang e m u ito s outros
a ssuntos que era m consid era dos o p o n to fo c a l da filo s o fia
p o lític a - p o r e x e m plo, a a n á lis e c o n c e itu a i do sig n ific a d o
do. pqd er, da sob era nia ou da nature z a; da le i. E stes eram
tópicos populare s há v in te e cinco anos, mas a ênfase re c e n-
te te m ca ído sobre os id e a is de jm t k a j i t o ^
dade, que são in yo£adQ .am.av;aliação de in stituiçõ e s p r o c e
dim e nto s p olítico s. N ã o te nta re i, n a tura lm e nte , c o brir todos
'ós d e se nvolvim e ntos recentes nestas áreas, m as ire i m e con
c e ntra r nas te oria s que a tra íra m c erto a poio e que ofere ce m
um a visã o m ais ou m enos a bra ng e nte dos id e ais da p olític a .
U m a ra z ã o p ara e scre ver este liv ro é m in h a cre nça de
que h á um a q u a ntid a d e n otá v e l de tra b a lh o s de intere sse e
im p ortâ n cia sendo re a liz a dos n o cam po. E xpressando com
sim plicid a d e , a paisagem in te le ctu a l da filo s o fia p olític a hoje
é b e m d ife re n te do que era v in te ou m e sm o de z anos atrás.
2 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

O s argum e ntos propostos m uita s ve zes são v erd a d e ira m e n


te orig in a is , n ã o apenas no d e s e n volvim e nto de novas v a
riações sobre v e lhos tem as (p or e xe m plo, o d e s e nvolvim e n
to de N o z ic k sobre a te oria lo ckia n a dos d ire ito s n a tura is),
m as ta m b é m n o d e s e n v o lvim e n to de nova s p ersp e ctiv a s
(por exem plo, o fe m inism o). U m re sulta do desses d e s e nvol-f
vim e n to s é que as cate goria s tra d icio n a is d e n tro das quais)
são discutid a s e avaliadas as te oria s p olític a s tom a m -s e p ro -j
gre ssivam ente in a d e qu a d a s. .
N osso re tra to tra d ic io n a l da p aisa g e m p o lític a vê os
prin cípio s p olítico s ca indo em a lgum p o n to em um a únic a li
nha , que se este nde da esquerda à d ire ita . S egundo esse re-
tra to tra dicio n a l as, pessoas à esquerda a cre dita m em. igu a l-_
dade e, p orta n to , endossam a lgum a form a de socialism o, ao
^5 § g ô ^u e a qu ela s à d ire ita a cre dita m em lib e rd a d e e ^p o r-,
T árito, endossam a lgum a form a de c a pita lism o de m ercado
livre . (N o m e io estão os lib e ra is, que a cre dita m em um a m is
tura aguada de igu a ld a d e e lib e rd a d e e, p orta n to , endossam
a lgum a form a de c a pita lism o de b e m -e sta r social. E xistem ,
n atura lm e nte , m uita s posições interm e diária s e ntre esses três
p o nto s e m uita s pessoas a ceita m p arte s difere nte s de te oria s
d ife re n te s. C o n tu d o , m u ita s ve z es se p e nsa que a m e lh o i ^
m a n eira de com pre e nd er ou descrever os prin cípio s políticos j
de a lgu é m é te n ta r lo c a liz á -lo s em a lg um lu g a r dessa lin h a I
H á certa v erd a d e nessa m a n e ira de p e ns ar a re sp e ito
da te oria p olític a ocid e ntal. Porém, ela é cada ve z m ais in a d e
quada. E m prim e iro lug ar, ela ignora m uita s questões im p o r
tantes. Por exem plo, esquerda e d ire ita são distinguid a s pelas
suas visões de lib erd a d e e justiç a nas esferas, tra did o n a lm e n-
te dom ina d as p elos hom ens, do governo e da economia. M as
e a e qüid a de ou a lib erd a d e das esferas, tra dicion a lm e nte fe
m inin a s, do la r e da fa m ília ? O s te óricos p olítico s da corre n
te dom in a nte , da esquerda à dire ita , te nd era m a n e glig e nciar
essas outra s esferas ou a a firm a r que elas n ão suscitam ques
tões de ju s tiç a e lib e rd a d e . U m a te oria ade qua d a da ig u a l
d ade sexual e nvolv erá considerações que sim ple sm e nte não
fora m e nfre nta d a s nos tra dicio n a is debates e sq u e rd a -dire i-
IN T R O D U Ç Ã O 3

ta. O re tra to tra d ic io n a l ta m b é m fo i critic a d o p or ig n ora r


questões de conte xto histórico. A s teorias, ta nto da esquerda
como da d ire ita , pro cura m nos ofere c er prin c íp io s que pos
sa m os usa r p a ra le s ta r e critic a r, nossas tr ad iç ões h is tó ric as
e prá tic a s c u ltura is ., O s c o m u nita rista s, poré m , a cre dita m
que a v a liar as in stituiç õ e s p olític a s n ã o pod e ser um a qu e s
tão de ju lg á -la s em c o n fro n to com c erto p a drã o a nistórico
in d e p e n d e nte . E les a cre dita m que o ju lg a m e n to jp o lítiç o jg
um a questão de in te rpre ta r as tra diçõ e s e prática s e m que já
"nos e ncõritra m õs. T bid ã ntòj íiá questões da nossa "ins e rç ã o "
h istóric a ¿ co m u n a l que n ã o são e nfre nta d a s nas disp uta s
tra d icio n a is de e squ erd a e d ire ita . N ã o pod e m os com e çarj;
a com pre e nd er o fe m inism o ou o co m u nita rism o se in s is tir-!
mos em lo c a liz á -lo s em a lg um lu g a r de um ú nic o co n tín u o !
e squ e rd a-dire ita . ¡I
P orta nto, u m pro ble m a diz re sp e ito à e stre ite z a do re - '
tra to tra dicio n a l. Essa é um a objeção b a sta nte com um agora
e a m a ioria dos com e ntarista s n o ca m po te n to u re ss a ltar o
le qu e m a io r de prin c íp io s invoc a dos no d eb ate p o lític o .
H á , p oré m , o u tra c ara cterístic a do re tra to tra d ic io n a l que,
cre io, necessita ig u a lm e nte de re visã o. D re tra to tra d ic io n a l
sugere que te oria s d ife re n te s tê m v a lore s fu n d a m e nta is d i-
íerentes:. a ra z ã o pela. q u a l a d ire ita e a esquerda, discord a m
q u a n to ao c a p ita lis m o é o fa to de que a e squ erd a a cre dita
na ig u a ld a d e, a o passo que a d ire ita a cre dita n a lib e rd a d e .
C om o discord a m a re sp e ito de v a lore s fu n d a m e n ta is, suas
diferenças não pod e m ser solucion a da s ra cion a lm e nte . A es
qu erd a pod e a rg um e nta r que se você a cre dita na igu a ld a d e
deve a p oia r o so cia lism o , e a d ire ita pod e a rg u m e n ta r que
se você a cre dita na lib erd a d e deve a poia r o c a pita lism o. N ã o
há, porém , n e nhum a m aneira de argum e ntar a fa vor da ig u a l
dade em d e trim e n to da lib erd a d e , ou da lib erd a d e em d e tri
m e nto da igu a ld a d e , já que esses são v a lore s fun d a m e nta is,
sem n e n h u m v a lo r ou pre m iss a s u p e rior ao q u a l a m bos os
lados possam re correr conjunta m e nte . Q u a nto m ais p ro fu n -f
d a m e nte sondam os estes debates p olítico s, m ais intra tá v e is
eles se tom a m , pois não nos resta nada além de recursos co n
flita n te s a v a lore s fun d a m e nta is e, p o r fim , a nta gônicos.
4 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

E sta cara cterística do re tra to tra d icio n a l, em boa p arte ,


d e ixou de ser qu e stion a d a , m e sm o p e los com e ntarista s que
re je ita m as tra d ic io n a is cla ssifica çõ e s de e squ erd a e d ire i
ta . Pre ssupõ e-se ta m b é m que cada um a das nova s te oría s
re corra a u m v a lor fu n d a m e nta l difere nte . A ssim , diz e m
que, ju n ta m e n te com o re curso m ais a n tig o à "ig u a ld a d e "
(socialism o) e à "lib e rd a d e " (lib e rta rism o), as teorias política s
agora re corre m aos v a lore s fun d a m e nta is da "co n cord â n cia
c o n tra tu a l" (R awls), do "b e m c o m u m " (co m u nitarism o), da
" u tilid a d e " (utilita rism o), dos "d ire ito s " (D w orkin) ou da " a n-
d ro g in ia " (fe m in is m o)1. P orta nto, te m os agora u m núm ero
a ind a m a ior de va lore s fund a m e nta is e ntre os quais n ão p o
de h aver n e n h um argum e nto ra cio n a l/C o n tu d o , esta e xplo
são de valores fund a m e nta is pote nciais suscita um proble m a
e vid e nte para to d o o proje to de d e se nvolver um a únic a te o
ria de ju stiç a a bra ng e nte . Se há ta nto s valores fund a m e nta is
p ote n cia is, p o r q u e dev e m o s ..contin u a r a p e ns ar que um a
te o ria_po|ifíca ..ã d eqn ad a pnda...ser base ada e m apenas um
d eles?,C om certe z a, a únic a re sposta sensata a esta p lu ra li
dade de va lore s fu n d a m e nta is propostos é re n u n cia r à id é ia
de d e s e nvolv er um a te o ria de ju stiç a " m o n ís tic a " . S u b or-j
d in a r todos os o utro s v a lore s a um ú nic o v a lo r supre m o p a-f
rece a lgo quase fa n á tico. !
JLJm a te o ria de ju stiç a b e m -su c e did a , p o rta n to , te rá de
a c e itar peças e pedaços da m a ioria das, le o ria s e xiste nte s.
M a s; sé'as discord a n cia s e ntre estes v a lore s são re a lm e nte
fu n d a m e nta is, com o pod e m ser inte gra d a s em um a únic a
te oria ? U m o b je tiv o tra d ic io n a l da filo s o fia p o lític a era e n
co ntra r regras coerentes e a brangentes para d e cidir e ntre v a
lore s p olític o s co n flita n te s. C om o, p oré m , pod e m os te r tais
crité rio s a brangentes sem que haja a lgum v a lor m ais p ro fu n
do, em fun ç ã o do q u a l sejam julg a d o s os v a lore s c o n flita n -

1. V ersõ e s dessa lis ta de "v a lo re s fu n d a m e n ta is " p o d e m s er e n c o n tra


das, com v aria çõ e s d e pouc a im p o rtâ n c ia , nos le v a n ta m e n to s m a is re ce nte s
d e te o ria s de ju s tiç a (p o r e x e m plo . B ro w n , 1986; P e ttit, 1980; S terb a, 1988;
C a m pb e ll, 1988; M ille r, 1976).
IN T R O D U Ç Ã O 5

tes? S em ta l v a lor m ais pro fu n d o , só pod e h a ver soluções ad


hoc e localiz a da s para os conflitos^T ería m os de a ceitar as in e
vitá v e is concessões e xigid a s e ntre te oria s, e m ve z de te r a
esperança de o b te r um a te oria que ofere ça um a orie nta ç ã o
abrangente. E, na verdade, js s o é q que m uitos.com e ntarista s
a cre dita m ser o d e stin o da te oriz a çã o conte m porâ n e a a res
p e ito da ju stiç a , A filo s o fia p olític a , nessa visã o, está se a fo
b a n d o rio p ró prio sucesso. H o u v e um a e xplosã o de ínte re s-
se p e lo o b je tiv o tra d ic io n a l de e n co n tra r a ú nic a v e rd a d e i
ra te oria d a júsfíç a T íriã s õ re sulta d o dessa e xplosão fo i fa z er
este o b je tiv o tra d ic io n a l p arecer in te ira m e n te im p la u s ív e l.
'd is te é u m re tra to pre ciso da p aisag e m p olític a ? A s te o
ria s polític a s conte m porân e as re corre m a valores fun d a m e n
tais conflita nte s? Q u ero e xplorar um a sugestão, proposta por
R on a ld D w o rk írt, de que : as te oria s p o lític a s m od ern a s não
tê m v a lore s fu n d a m e nta is difere nte s. N a vis ã o de D w o rk in ,
tod a te oria p olític a pla usív e l te m o m e sm o v a lor fu n d a m e n
tal, que é a igu aldade. São todas teorias "ig u a litá ria s " (D w or
kin , 1977:179-83; 1983:24; 1986:296-301; 1987: 7-8; cf. N agel,
1979: 111). E sta suge stão é cla ra m e nte fa ls a se co m pre e n
d erm os " te o ria ig u a litá ria " com o te oria que suste nta um a
d istrib uiç ã o ig u a l de re nd a . M a s h á o utra id é ia de ig u a ld a
de na te oria p olític a , m ais a bstra ta e m ais fu n d a m e n ta l - a
saber, a id é ia de tra ta r as pessoas com o "ig u a is " . H á vária s
m a n eira s de expressar esta id é ia m ais básica de igu a ld a d e .
U m a te oria é ig u a litá ria nesse s e ntid o se a c eita que os in
teresses de cada m e m bro da com unid a d e tê m im p ortâ n cia ,
e im p ortâ n cia ig u a l. C oloc a ndo de o u tra m a n e ira , as te oria s
ig u a litá ria s re quere m que o governo tra te seus cidadãos com
igu a l consideração; cada cidádão te m d ire ito a interesse e res
p e ito igu a is. E sta noçã o m ais básica de igu a ld a d e é e nco n
tra d a ta n to n o lib e rta ris m o de N o z ic k com o n o com unism o
de M a rx. E n q u a nto os e squ erdista s a cre dita m que a ig u a l-j
dade de re nd a ou riq u e z a é um a pre con diç ã o p ara tra ta r a si
pessoas com o ig u a is, os d ire itis ta s a cre dita m que d ire ito s !
ig u a is sobre o p ró p rio tra b a lh o e a pro prie d a d e são u m a |
pre condiçã o p ara tra ta r as pessoas com o igu a is. *
6 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Á N E A

P orta nto, a id é ia a bstra ta de ig u a ld a d e pod e ser in t e r


preta d a de v ária s m a n eiras, sem necessariam ente d ar pre fe
rê ncia à igu ald a d e em n e nhum a área específica, seja ela re n
da, riqu e z a , o p ortu nid a d e s ou lib e rd a d e s ,-0 tip o espe cífico
de igu ald a d e que é e xigido p ela id é ia , m ais abstrata, de tra ta r
as pessoas com o ig u a is é o bje to de debate e ntre estas te o
ria s. N e m to d a te oria p o lític a já in v e nta d a é ig u a litá ria n es
se s e ntido a m plo. M as, se um a te oria afirm asse que algum as
pessoas n ão tê m d ire ito a ig u al c o n sid e ração d o gov erno,
se a firm asse q u e c e rto s tip o s.d e pessoa s im p le s m e n te n a o
tê m .ta n ta im p o rtâ n c ia q u a n to outros^ e ntã o, a m a io ria das
pessoas n o m u n d o m o d e rn o re je ita ria esta te oria im e dia ta
m e nte . A sugestão de D w o rk in é a de que a id é ia de que
cada pessoa te m im p ortâ n cia ig u a l está na essência de to
das as te oria s p olític a s pla usíve is.
E sta é a sugestão que pre te ndo e xplorar neste livro , pois
creio que ela é tã o im p orta nte qu a nto qu a lqu er um a das te o
ria s específicas que te n ta in te rpre ta r. (U m a de suas v a nta
gens é que fa z a busca p o r um a únic a te oria a brang ente de
ju stiç a p are cer m a is in te lig ív e l.) N e m to d o m u n d o concor
da que cada um a dessas te oria s se baseia em u m p rin c íp io
de igu a ld a d e , e e x a m in a re i outra s m a n e ira s de in te rp re tá -
la s. P or e x e m plo, d is c u tire i o que pod e s ig n ific a r p ara o li-
b erta rism o te r a lib erd a d e com o seu v a lor fu n d a m e nta l, ou
p ara o u tilita ris m o te r a u tilid a d e com o seu v a lor essencial.
E m cada caso, com p arare i as difere nte s interpre ta çõ e s p ara
v e r q u a l a prese nta a d escrição m ais co ere nte e a tra e nte da
te oria em questão.
Se a sugestão de D w o rk in e stiv er corre ta , e ntã o, o c e ti
cism o que m uita s pessoas se nte m a re sp eito da possibilid a d e
de solu cion a r ra cio n a lm e nte debates e ntre te oria s de ju stiç a
pod e e star m a l colocado ou, de q u a lqu er m a n eira , ser pre ci
pita d o . Se cada te oria p a rtilh a este m e sm o "p a ta m a r ig u a li
t á rio " - isto é, se cada te oria está te n ta n d o d e fin ir as c o n d i
ções sociais, econômicas e polític a s sob as quais os membros
da com unid a d e são tra ta dos com o ig u a is - e ntã o, podemos
ser capazes de d e m onstrar que um a das te oria s se sai m e lh or
n o que se re fere a e star à a ltura do p a drã o que tod a s re co-
IN T R O D U Ç Ã O 7

nheceim JS n q u a n to a vis ã o tra d ic io n a l nos d iz que o a rg u


m e n to fu n d a m e n ta l n a te oria p o lític a é a c e ita r ou n ã o a
igu a ld a d e com o v a lor, esta visã o re vista nos d iz que o a rg u
m e n to fu n d a m e n ta l n ã o é a c e itar ou n ã o a ig u a ld a d e , mas
in te rp re tá -la . E isso sig n ific a que as pessoas e sta ria m d is
c u tin d o n o m e sm o co m prim e n to de ond a , p or assim diz er,
m e sm o a quelas que n ão se encaixam n o tra d ic io n a l c o n tí
n u o e sq u e rd a-dire ita . A ssim ,¿ id é ia de um p a ta m a r ig u a li
tá rio p ara a argy_rn e nta ç ã a polític a é p o te a d â lffig B te .m aig
capa z de a com od ar a div ersid a d e e a unid a d e da filo s o fia
polffic ã T ó nfê m p òra H e a .

2. N o ta so bre o m é to d o

É com um , em um liv ro deste tip o , diz er-se algo a re sp e i


to da m e tod olo gia , de com o com pre e nd e m os o e m pre e n di
m e nto da filo s o fia p olític a , do que a distin g u e de outros e m
pre e ndim e ntos intelectu ais, como a filo sofia m oral, e de como
proce d e m os p ara ju lg a r seu sucesso. N ã o d ire i m u ito a re s
p e ito dessas questões a qui, em p arte p orq u e n ã o a cho que
h aja m u ito que se possa d iz e r em u m n ív e l g eral. C ada um a
das te oria s examinadas a se guir re spond e a essas p ergunta s
de m a n e ira d ife re n te - cada um a oferece seu p ró p rio p o n to
de vista sobre a divis ã o e ntre filo s o fia m ora l e filo s o fia p o lí
tic a e suas pró pria s considerações sobre os crité rio s da argu
m enta çã o b e m -suc e did a . A avaliação de um a concepção
específica da n ature z a da filo so fia polític a , p orta nto, nãc
pode ser separada da a valia çã o de te oria s de ju stiç a subs
ta n tiv a s n e m a nte posta a estas.
C o n tu d o , pod e ser ú til pre n u n cia r a lguns dos p o n to s
d iscu tid o s em c a pítulos posteriore s. C re io que h á.um a c o n
tin u id a d e fu n d a m e n ta l e ntre a filo s o fia m o ra l e a filo s o fia
p o lític a em, p e lo m e nos, d ois aspectos. P rim e iro , com o diz
R o b ert N o z ick, " a filo s o fia m ora l estabelece o p a n o de fu n
do e as fro n te ira s d S filo s o fia p o lític a . O que as pessoas p o-
d e m e nao. pod e m ta z er um as as outra s lim ita o que pod e m
f a z er p o r m e io d a a p a ra to d e um E stado ou p ara estabelecer
8 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

ta l a p ara to. A s proibiçõ e s m ora is que pod e m ser im p o sta s!


são a fo n te de q u a lq u e r le g itim id a d e que o p o d e r coercivog
fu n d a m e nta l do E stado te m " (N o z ick, 1974: 6). Temos o b ri-¡
gações m ora is m utu a s, das qu a is algum a s são de re sponsa
b ilid a d e p ú blic a - im posta s p o r m e io de in stituiç õ e s p ú b li
cas - e outra s são de re spons a bilid a d e pessoal - e nvolv e ndo
regras de co nd uta pessoal. A filo s o fia p o lític a conce ntra-se
n e stas obrig a çõ es q u e ju s tific a m o uso das in stitu iç õ e s
b íic W Ã s difere nte s te oria s d istin g u e m a re spons a bilid a d e
p ú blic a e a re spons a bilid a d e priv a d a de m a n eiras difere nte s,
m as concordo com N o z ic k q u a nto ao fa to de que o co nte ú
do dessas re sponsa bilid a d e s e a lin h a e xistente e ntre elas d e
ve m ser d e term in a dos p or m e io do re curso a prin cípio s m o
ra is m ais profu n d o s.
S egundo, e re la cion a do ao ite m a nte rior, q u a lqu er con
sid era çã o sobre nossas re sp on s a bilid a d e s p ú blic a s deve se
e ncaixar em um a e strutura m ora l m ais a m pla que dê espaço
p ara nossas re spons a bilid a d e s priv a d a s e faça com que te
n h a m s e ntid o . M e sm o qu a ndo um a te oria p o lític a fa z uma,
d istin ç ã o n ítid a e ntre re sp o n s a bilid a d e p ú b lic a e re sp o n
s a bilid a d e priv a d a , de m odo que os prin c íp io s p olítico s que
endossa a poie m-se pouco e de m odo im e dia to nas re gras d a
co nd uta pessoal, a in d a assim, n ão deve to lh e r (n e m na te o
ria n e m n a prá tic a ) nossa percepção da re spons a bilid a d e de
a ju d a r a migos, h o nra r prom essas, p e rs e g uir projetos.T sso é
u m proble m a , creio, p ara as concepções u tilitá ria s de ju stiç a
(cap. 2). P or o u tro la d o, é ig u a lm e n te v e rd a d e iro que q u a l
qu er concepção de nossas obrigações pessoais deve te r espa
ço p ara o que R a wls ch am a "o s v a lore s e xtre m a m e nte im -j
p orta n te s que se a plic a m às in s titu iç õ e s p o lític a s " , com o a
democracia, a igu ald a d e e a tolerâ ncia . Por exem plo, um a c rí|
fic a im p orta n te à " é tic a do c u id a d o " é o fa to de que ela não
deixa espaço p ara esses va lore s p olítico s op erare m - eles
são expulsos p e la din â m ic a do cuid a do é tico (cap. 7).
Tsso nos deixa com m uita s questões p or re spond er a re s
p e ito da rela ção e ntre a filo s o fia m ora l e a filo s o fia p o lític a e
dos tip os de converg ê ncia e c o n flito que pod e m os esperar ou
tole ra r e ntre os va lore s pessoais e os valores p olítico s. Essas,
IN T R O D U Ç Ã O 9

poré m , são questões que só pod e m ser discutid a s no conte x


to das te oria s específicas.
Q u a n to aos crité rio s p elos quais julg a m os o sucesso no
e m pre e n dim e nto da filo s o fia p olític a , creÍQ .qu e .o.te sle .fin a l
de um a te oria de ju s tiç a é que e la seja co ere nte e a jud e a
ü u m in a r as convicçõe s dê ju s tiç a qu e consid era m os. Se, ao
re fle tir, com p artilh a rm os a in tuiç ã o de que a escravidão é in
justa , então, isso será um a objeção poderosa a um a proposta
de te oria de ju stiç a que a póie a escravidão. Inversa m e nte , se
um a te o ria de ju s tiç a a ju sta r-s e às conc e itu a d a s in tu iç õ e s
e às e strutura s de m a n e ira que re vele sua ló gic a in te rn a , te
remos, e ntã o, u m a rg um e nto pod e ro so a fa v or dessa te o
ria . N a tura lm e n te , é possív e l que essas in tu iç õ e s n ã o te
n h a m fu n d a m e nto , e a h is tória da filo s o fia está cheia de
te nta tiv a s de d e fe nd er te oria s sem o re curso à nossa p e r
cepção in tu itiv a de c erto e erra do. N ã o creio, poré m , que
haja a lgum a o u tra m a n e ira pla u sív e l de proce d er. D e q u a l
q u e r m o d o, o fa to é que possuím os um a percepçã o in t u iti
va de c erto e erra d o e que é n a tura l, n a verd a d e , in e vitá v e l,
que te nte m o s d e te rm in a r suas im plic a çõ e s - que busqu e
mos fa z er " o que pud erm os p ara to m a r co erentes e ju s tifi
car nossas co n vicções dê ju stiç a so cia l" (R awls, 1971: 21).
T e oria s difere nte s re corre m às nossas conceituadas con
vicções de m a n eira s difere nte s. O s u tilitá rio s e os lib e rtá rio s,
p or e xe m plo, re corre m a elas de m a n e ira m a is in d ire ta que
os lib e ra is ou as fe m inista s, e os co m u nitá rio s dão a nossas
intuiçõ e s u m status tota lm e n te dife re nte do que dão os m a r
xista s. N o v a m e nte , p oré m , tod a s são que stõe s a serem
discutid a s no conte xto de te oria s específicas.
A ssim , a filo sofia polític a , ta l com o a com pre endo, é um a
qu e stã o de a rg um e nta ç ã o m ora í, e a argum e nta ç ã o m ora l

A o diz er isso, estou m e v a le ndo do que consid ero ser a visã o


c o tidia n a de a rg u m e n to m ora l e a rg u m e n to p o lític o , isto
é, de que tod o s nós te m os crenças m ora is, que elas pod e m
ser certas ou erra d as, que te m os ra zões p ara a cre dita r que
elas são certas ou erradas, e que essas ra zões e crenças m orais
pod e m ser organiz adas em prin cípio s m orais e teorias de ju s-
10 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Á N E A

tiç a siste m á ticos. U m o b je tiv o c e ntra l da filo s o fía p o lític a ,


p orta n to , é a v a lia r te oria s riv a is de ju stiç a p ara a v a liar a fo r
ça e a co erência de seus argum e ntos a fa vor da correção de
suas visões.
E ste parecerá um o bje tivo sem esperanças para m uito s.
A lgum a s pessoas a cre dita m que os valores m orais n ã o e x is -j
te m re a lm e nte e, cons e qü e nte m e nte , suas "cre n ç a s " a r e s -l
p e ito desses va lore s são, na re alid ad e , apenas enuncia dos d a|j
pre ferê ncia pessoal. C om o tais, não pod e m e star certos nemP
errados, e n ã o há espaço p ara a v a liá-los ra cion a lm e nte . O u
tro s a cre dita m que , e m bora as crenças m ora is possam ser
certas ou erradas, n ão há n e nhum a m a n eira de org a niz á-la s
em prin c ípio s siste m áticos. N ossos ju lg a m e n to s de ju stiç a
vê m de um a com pre ensão ou percepção tá cita de adequação
que nos d iz com o re a gir a circunstâ ncia s e specíficas, Q u a l-
q u e r te n ta tiv a de form a liz a r esses julg a m e ntos em regras ou
prin c íp io s a bstra tos distorc e -o s e pro d u z fórm u la s va zia s.
O utra s a ind a a cre dita m que, e m bora te nh a m os ra zões para
nossas crenças sobre a ju stiç a e e m bora essas ra zões possam
ser org a niz a d a s em prin c íp io s siste m áticos, os únicos tip o s
in te lig ív e is de ra zões e prin c íp io s são aqueles que re corre m
às nossas tra diçõ e s históric a s, A ju stiç a é antes um a questão
d e .interpre ta ç ã o c u ltu ra l do qu e .dfi argum e nta çã o filosófic a”
C o n sid e ra re m o s a lgum a s dessas m a n e ira s de co m
pre e nd er o e m pre e ndim e nto em ca pítulos posteriore s. C o n
tu d o , n ã o cre io que essas (o u o utra s) crític a s dos o bje tivo s
tra d icio n a is da filo s o fia p o lític a sejam b e m -suc e did a s. N ã o
te n ta re i e sta b ele cer a p o ssibilid a d e de d e fe nd e r ra cio n a l
m e nte um a te o ria a bra ng e nte de ju stiç a n e m re fu ta r as v á
ria s objeções a ela. N a verd ad e , d u vid o que exista a lgum a
m a n e ira de d e fe nd er essa p o ssibilid a d e que n ã o seja ofe re
ce ndo argum e ntos específicos a fa vor de um a te oria especí
fic a . A ú nic a m a n e ira de m o stra r que é possível p ro p o r a r
gum e ntos convinc e nte s a fa vor da corre çã o ou do e rro dos
prin cípio s de ju stiç a é pro p or alguns argum e ntos convinc e n
tes. O re sto deste liv ro , p orta n to , é o ú nic o a rg um e nto que
te n h o a fa vor da u tilid a d e de m eus pre ssupostos m e to d o ló
gicos. Se é ou n ão u m bom argum e nto, cabe ao le ito r d e cidir.
2. U tilita ris m o

É g era lm e nte a c eito que o re ce nte re n a scim e nto fia fi-


Iosofia p o lític a norm a tiv a com e çou com a -publicaçã o de A
Theory o f Justice, de John R a wls, e m 1971, e su a .te oria seria
um lu g a r n a tura l p ara in ic ia r u m le v a nta m e nto das te oria s
de ju s tiç a conte m porâ n e a s. Sua te o ria d o m in a os d eb ate s
conte m porâ n e os, n ão porqu e todos a a c eite m , m as porqu e
visões a ltern a s m uita s ve zes são apresentadas com o re spos
tas a ela . M a s, e x a ta m e nte com o essas visõ e s a lte rn a tiv a s
são m ais b e m com pre endida s em funçã o de sua relação com
R awls, assim ta m b é m com pre end er R awls re qu er com pre e n
d er a te oria à qu a l ele estava re a gindo - a saber, o u tilita ris m o .
R awls acredita, corretam ente penso, que, na nossa sociedade,!
o u tilita ris m o op era com o u m tip o de p a no de fu n d o tá c itc l
contra o q u a l outra s te oria s tê m de se a firm a r e se d e fe n d e r!
P orta nto, é ond e ta m b é m com eçarei.
O u tilita ris m o , n a sua form ula ç ã o m ais sim ple s, a firm a
que o ato ou prO-CedimentQ..mQra lm e nte corre to é aquele que
pro d u z a m a ior fe licid a d e p ara os m e m bros d a'?õcíe 3 ã j3ql
E mbora isso às vezes seja ofere cido com o te oria m ora l a bra n
gente, ire i conc e ntrar-m e no u tilita ris m o com o um a m o ra li
dade e specificam ente polític a . N essa visã o, os prin cípio s u ti-
lit ários a plic am -s e ao que R a wls ch am a " a e strutura b á sica "
da sociedade, n ã o à conduta pessçffil dos in d iv íd u o s , C o ntu-” '
do, com o boa p arte da atração do u tilita ris m o com o m ora
lid a d e p o lític a nasce da crença de que ele é a únic a filo s o fia
12 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

m ora l coerente e siste m ática, discu tire i bre vem ente algum as
cara cterística s do u tilita ris m o a bra ng e nte na seção 3. Q u e r
em sua versão e strita , qu er na abrang ente, o u tilita ris m o tem
a d e ptos d e vota dos e opon e nte s feroz e s. O s que o re je ita m '5
diz e m que as fa lh a s do u tilita ris m o são tã o num erosa s que
é in e vitá v e l ele desaparecer da p aisag e m (p or e xe m plo,
W illia m s , 1973). H á o utro s, p oré m , que ju lg a m d ifíc il co m
pre e nd er a que outra coisa a m ora lid a d e pod eria diz er re sp e i
to se n ão à m a ximiz açã o da fe licid a d e hum a n a (p or e x e m -j
pio . H are , 1984). I

1. D o is a tra tiv o s

C om eçarei com os a trativos do u tilita ris m o . H á duas ca


r acterísticas do u tilita ris m o que o tom a m um a te oría " â fra e n-
tejâg..moralicUlde p Q jítica. P rim e iro , o o bje tivo que os u tilit á
rio s buscam pro m o v e r n ão d e p e nd e da e xistê ncia de D eus, 1
de u m e s p írito ou de q u a lq u e r e ntid a d e m e ta físic a d ú bia
A lg um a s te oria s m ora is diz e m que o que im p orta é a c o n d i
ção do nosso e sp írito ou que devemos viv e r se gundo a V on
tad e D ivin a de D eus, ou que nossa vid a v a i m e lh or p or e xis
t ir a v id a e tern a em o u tro d o m ín io do ser. M u ita s pessoas
p ensara m que a m ora lid a d e é in co ere nte sem essas noções
re ligios a s. S em D e us, tu d o que nos re sta é u m c o n ju n to d e '
regras - "fa ç a is to " , "n ã o faça a q u ilo " - d e stituíd a s de q u a l
qu e r o bje tiv o ou pro p ó sito .
N ã o está claro p or que a lgu é m p e ns aria isso do u tilit a
rism o. O b e m que ele busca prom o v er - a fe licid a d e , a pro s
p e rid a d e , ou o b e m -e sta r - é a lg o que to d o s busca m os na
nossa vid a e na v id a dos que am amos. O s u tilita ris ta s sim -
ple sm erite exigem que essa busca do b e m -e star hum a no ou
u tilid a d e (usarei estes term os como intercam biâ véis) seja fe ita
im p arcialm e nte , para todos na sociedade. S ejamos ou não f i
lhos de D eus, tenh am os ou não um a alm a ou u m livre -a rb í-
trio , podemos sofrer ou ser feliz es, podemos estar em m e lh or
ou p io r situação. N ã o im p orta quão seculares sejamos, não
U TILIT A R IS M O 13

pod e m os n e g ar que a fe licid a d e é valiosa, já que é algo que


v a loriz a m os n a nossa vid a .
U m a tra tiv o d istin to , mas rela cion a do, é o "co n s e qü e n-
cia lism o " do u tilita rism o . D iscutire i ^ t ó ò if f f â í t é ^ q ü è issò
signific a exatam ente, mas, p or ora, sua im p orta ncia é que ele
re qu er que v erifiqu e m ps,s e o a t o m g ^ c to e n to em ques-
tão re alm e nte fa z a lgum b e m id e ntific á v e l ou não. Jodos nós
ja tiv e m os de lid a r com pessoas que diz e m que a lgo - a h o
m osse xualid a de , p or e xe m plo (ou o jo g o, a dança, a b ebid a ,
os p alavrõ e s etc.) - é m ora lm e nte erra do e, contudo, são in
capazes de a po nta r qu a isqu er conseqüências ru in s que se
orig in e m d e le / O co ns e qü e ncia lism o im p e d e ta is p ro ib i-i
ções m ora is e vid e nte m e nte a rbitrá ria s. E le exige que q u a il
quer u m q u e c o n d e n e a lg o com o m ora lm e nte erra do m o s-
tre jIftZ e in é prejudicado com Iss A o u s e ja . que, dem onstre com o
a vid a de a lgu é m tom a -s e p ior. D a m e sm a m a n e ira , o co n-
" " o * - I tm m • " * , ..
se qu e ncialism o d iz que um a coisa so e m ora lm e nte boa se
to m a m e lh or a vid a de a lgu é m . M u ita s outra s te oria s m o
rais, m e sm o as m otiv a d a s p o r um a pre ocup açã o com o
b e m -e sta r hum a no, parece m co n sistir em u m c o nju n to de
regras a serem seguidas, sejam quais fore m as conse qü ê n
cias. O u tilita ris m o , p oré m , n ã o é apenas o u tro co nju n to di
regras, o u tro co nju n to de "fa ç a " e "n ã o fa ç a ". O u tilita ris m o
forn e ce u m teste p ara assegurar que ta is regras servem p ara
funçã o ú t il
O conseqüencialism o ta m b é m é atra ente porqu e se con
form a a nossas intuiçõ e s a re sp eito da difere nç a e ntre a m o
ra lid a d e e outra s esferas. Se a lgué m co nsid era certos tic o s
de a tivid a d e sexual conse nsual m ora lm e nte erra dos porqu e
são " in a d e qu a dos " e, co ntu d o , n ã o consegue a p o n ta r n in
gu é m que seja pre ju d ic a d o p o r eles, e ntã o, pod e m os re s
p o n d e r que a id é ia de c o n d u ta " a d e q u a d a " que está sendo
e m pre ga d a n ão é um a id é ia m ora l. Tais afirm a çõ e s a re s
p e ito da co nd uta adequada a ssem elh a m-se m ais a a firm a
ções e stética s ou a u m re curso à e tiq u e ta ou à conve nção.
A lg u é m p od e d iz e r que o punk rock é "in a d e q u a d o ", que
se qu er é m úsic a le g ítim a . E sta, p oré m , seria um a crític a es-
14 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

té tic a , n ã o m ora l. D iz e r que o sexo hom osse xu al é "in a d e


q u a d o ", sem ser capaz de a pontar conseqüências ruins, é
com o d iz e r que B ob D yla n canta de m a n e ira in a d e qu a d a -
pod e ser verdade, m as n ão é um a crític a m ora l. H á padrões
de adequação que n ão são conse qü e ncia lista s, m as p e nsa
m os qu e a m ora lid a d e é m ais im p orta n te do que a m era
e tiqu e ta , g o cons e qü e nciá lism o a ju d a -n os a d ar conta d es
sa difere nça .
O cons e qü e nciá lism o ta m b é m parece ofere cer um m é
to d o d ire to p ara s o lu cio n a r que stõe s m ora is. E n c o n tra r a
re sposta m ora lm e nte corre ta to m a -s e um a que stão de m e
d ir m udanças n o b e m -e sta r hum a no, n ão de consulta r líd e
res e s p iritu a is o u de re corre r a tra diçõ e s obscuras. H is to ri
cam ente, o u tilita ris m o , p orta n to , fo i b a sta nte progre ssista .
E xigiu que costum e s e a utorid a d e s que h a via m o prim id o as
pessoas dura nte séculos fossem te sta dos em c o n fro n to com
o p a drã o do d e s e n volvim e nto hum a n o (" o hom e m é a m e
did a de tod a s as cois a s "). N a m e lh o r form a , o u tilit a rism o
é urn a p od erosa a rm a co ntra o pje conc Q ito e a sup erstiç ã o,
forn e c e nd o u m p a drã o e u m processo que desa fia m os que _
re ivin d ic a m a utorid a d e sobre rio s em nom e da m ora lid a d e .
“ O s' d ois a tra tiv o s do u tilita ris m o , e ntã o, são o fa to de
que ele se a m old a à nossa in tu iç ã o de que o b e m -e sta r h u
m a no te m im p ortâ n cia e à nossa in tuiç ã o de que as regras
m ora is d eve m ser testadas no que d iz re sp e ito a suas co n
seqüências para o b e m -e star hum a no. E, se aceitamos esses'|
d ois p ontos, e ntã o, o u tilita ris m o parece um a d e corrê ncia |
quase que in e vitá v e l. Se o b e m-e star hum a no é o bem de que ^
se ocupa a m ora lid a d e , e ntã o, com certe z a, o m e lh or a to em
term os m ora is é aquele que m a xim iz a o b e m -e star hum a no,
d ando igu a l peso ao b e m -e star de cada pessoa. O s que crê em
que o u tilita ris m o te m de ser v e rd a d e iro estão conve ncidos
de que qu a lqu er te oria que negue qu a lqu er um a dessas duas
intuiçõ e s deve ser falsa.
C o n cord o com as duas in tu iç õ e s c e ntra is. Se há u m a
m a n e ira de d e s a fiar o u tilita ris m o , ela não assumirá a form a
de negação destas intuiçõ e s. U m d e sa fio de sucesso terá d s
d e m onstrar que a lgum a o utra te oria sai-se m e lh or ao d e te r-
U TILIT A RIS M O 15

m in á -la s. A rg u m e n ta re i p o ste riorm e nte que há outra s te o


ria s que fa z e m ju sta m e nte isso. M as, p rim e iro , pre cisam os
e xa m in ar m ais d e ta lh a d a m e nte o que sig n ific a u tilita ris m o .
O u tilita ris m o pod e ser d e com posto em duas p artes:
1. d escrição do b e m -e sta r hum a n o ou " q tilid a d è " , e
2. um a iit stroçâ Q . f i a ^ ^ a u tilid a d e , a s a íftc te -
fin id a , cfando ig u a l peso à u tilid a d e de cada pessoa.
É a se gunda afirm a çã o que é a c ara cterística d is tin tiv a
do u tilita ris m o e pod e ser com bin a d a com vária s respostas à
prim e ira p ergu nta . P orta nto, nosso ju lg a m e n to fin a l do u ti
lita ris m o d e p e nd erá de nossa avaliação da se gunda a firm a
ção. É necessário, poré m , com eçar p ela consideração das v á
ria s respostas à prim e ira p ergunta .

2. D e fin in d o u tilid a d e

C om o devemos d e fin ir o b e m -e sta r hum a n o ou u tili


dade? O s u tilita ris ta s d e fin ira m tra dicio n a lm e nte a u tilid a d e
em funçã o da fe licid a d e - d a í o le m a com um m as enganoso,
" o m á xim o de fe licid a d e para o m a ior n úm ero de pessoas"1».
N e m to d o u tilita n o , p ore m , a c e itou ta l d escrição h e d o nis
ta " do b e m -e star hum a no. N a verd ad e , pod e m os id e n tific a r
p e lo m e nos q u a tro posições assumidas nessa questão.

(a) H e d o nism o do b e m -e star

A prim e ira visã o, ta lv e z a m ais in flu e n te da tra diç ã o


u tilitá ria , é a de qu e a e xp eriê n cia ou sensação de pra z e r é o

1. E ste slogan co m u m é e ng a noso p o rq u e co n té m d o is m a xim a n d o s d is


tin to s - " a m a io r fe lic id a d e " e " o m a io r n ú m e ro ". É im p o s s ív e l q u a lq u e r te o
ria c o n te r u m m a xim a n d o d u p lo e q u a lq u e r te n ta tiv a d e im p le m e n tá -la le v a
a u m im p a ss e (p o r e x e m plo , as du a s d is trib u iç õ e s possív e is são 10 :1 0 :1 0 e
20 : 20 : 0, e ntã o n ã o pod e m os p ro d u z ir a m a io r fe lic id a d e e a fe lic id a d e do
m a io r n ú m e ro ). V e r G riffin (1 9 8 6 :1 5 1 -4 ); R e sch er (1966: 2 5-8).
16 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Á N E A

p rin c ip a l b e m h um a no. É o ú nico b e m que é u m fim e m si


m e sm o, p ariT o q u a l to d o s os o utro s b ens são m e ios. B e n-
th a m , um dos fund a dore s do u tilita ris m o , disse, em um
tre c h o fa m oso, qu e " a in s ig n ific â n c ia é tã o bo a q u a n to a
p o e sia " se oferece a m e sm a inte nsid a d e e duração de pra z er.
Se pre fe rim o s a po e sia à in s ig n ific â n c ia , se pensa m os que
é um a coisa m ais v a lios a a q u a l d e dic a r nosso te m po , deve
ser porqu e ela nos dá m ais pra z er.
E sta é um a descrição d úbia da ra z ão de pre fe rirm o s a l
gum as a tivid a d e s a outra s. É u m clich ê , m as ta lv e z um c li
chê v e rd a d e iro , o fa to de os po eta s m u ita s ve z es a chare m \
que escrever é d oloro so e fru stra n te , m as que a ind a assim é I
v a lio so. Isso ta m b é m vale p ara a le itu ra de po e sia - m uita s j
ve zes achamos a po e sia m ais p erturb a d ora do que pra z ero
sa. B e nth a m p o d e ria re spond er que a fe licid a d e do e scritor,
com o a do m a soquista , e ncontra-s e ju sta m e nte nessas se n
sações a p are nte m e nte desagradáveis. T alve z o po e ta re a l
m e nte e ncontre pra z er na to rtu ra e na frustra ç ã o.
D u vid o . N ã o tem os, poré m , de solucion ar essa questão,
pois R ob ert N o z ick d ese nvolveu um argum e nto a ind a m ais
forte contra o h e donism o do b e m -e sta r (N o zick, 1974:42-5;
cf. S m art, 1 9 7 3:1 8-2 1). E le nos co n vid a a im a g in a r que os
n e urofisiolo gista s possam nos lig a r a um a m á quin a que nos
in je te droga s. Essas droga s cria ria m os estados conscie nte s
m a is pra z erosos que se pod e im a gin ar. O ra , se o pra z er fo s
se nosso m a ior bem, e ntã o, todos nós nos ofereceríam os es
ponta n e a m e nte p ara fic a r lig a do s a essa m á q uin a p o r tod a
a vid a , p erp e tu a m e nte droga dos, n ão s e ntin d o n ad a alé m
de fe licid a d e . C om c erte z a , p oré m , pou q uíssim a s pessoas
se ofere c eria m v o lu n ta ria m e n te p ara ta l fim . Long e d ç ser_a_
m e lh or v id a qu e pod e m o s le var, ela se qu er p o d e ria ser co n
siderada, vid a . Long e de ser a vid a que m a is vale a p e n a ser
viv id a , m uita s pessoas d iria m que essa seria um a v id a d es
p erdiça d a , d e stitu íd a de v a lor.
N a verdade, algum as pessoas pre fe riria m estar m orta s a
te r este tip o de vid a . M uita s pessoas nos E stados U nid o s as
sin a m "d e clara çõ e s de ú ltim a vo nta d e re sp e ita nte s à v id a " .
U TILIT A R IS M O 17

e xigindo que sejam desconectadas dos sistem as suste nta do


res de vid a , se n ão h ouv er esperança de recuperação, m esmo
que esses sistem as possam s u prim ir a d or e in d u z ir o pra z er.
P odemos n ã o saber se seria m e lh or e starm os m orto s, m a sí
c erta m e nte e staría m os m e lh or n ã o drog a dos, fa z e n do así
coisas que a cham os que v a le m a p en a ser fe ita s na v id a . E ,|
e nqu a nto tiv e rm o s espera nça de ser fe liz e s ao fa z ê -la s y iã o
re nunciare m os a elas, m e sm o te ndo a fe licid a d e g ara ntid a .

(b) U tilid a d e de estado m e n ta l n ã o h e d o nista

A concepção h e donista de u tilid a d e está errada, p ois as


coisas que v a le m a p en a fa z er e te r na vid a n ão pod e m ser
como a fe licid a d e /U m a re s-
posta é diz e r que m üito s tip o s difere nte s de e xp eriê ncia são
v a liosos e que d evem os pro m o v e r to d o o le qu e de estados
m e nta is v a liosos. O s u tilita ris ta s que a dota m essa d e scriçã d
a ceita m o fa to de que a e xp eriê ncia de escrever poesia, o e s |
ta do m e nta l que a acompanha, pode ser re com p ensa dor serr|
ser pra z eroso. O u tilita ris m o pre ocup a-se com tod a s as e x-l
p eriê ncia s v aliosa s, seja q u a l fo r a form a que assum am.
Isso, p oré m , n ão e vita a objeção de N o z ick. A inv e nç ã o
de N o z ick,. n a verd a d e , é ch am ad a " m á q u in a de e xp e riê n
cia s ", e as drog a s pod e m p ro d u z ir q u a lq u e r e sta do m e n ta l
desejado - o êxtase do amor, a sensação de re aliz a ção d e ri
va da de se fa z e r po e sia , a sensação de p az pro v e n ie n te 3à
contemplação religiosa etc. Q u a lqu er um a dessas experiências
pode ser re plica da pela m á quin a . O ferecería m o-nos com o v o
lu ntá rio s agora? A resposta aind a é, com certeza, não.
O que quere m os n a vid a é algo m ais ou o utra coisa que
n ão a a quisiçã o de q u a lqu er tip o de estado m e nta l, q u a lqu er
tip o de " b rilh o in t e rio r " , a gra d á v el o u n ã o. N ã o qu ere m os
apenas a e xp eriê ncia de escrever poe sia , quere m os escrever
poesia; n ã o quere m os apenas a e xp eriê ncia de nos a p a ixo
n arm os, quere m os nos a p a ixon ar; n ã o quere m os apenas a
sensação de re a liz a r algo, querem os re a liz a r algo. É verdade
18 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

que, q u a ndo nos a paixon a m os ou re a liz a m os algo, ta m b é m


quere m os a e xp eriê ncia disso. E te m os esperança de que a l
gum as dessas e xp eriê ncia s sejam fe liz e s. C o n tu d o , n ã o re
nun cia ría m o s à o p ortu nid a d e de nos a p a ixon ar ou de re a li
z ar a lgum a coisa, m e sm o p ela e xp eriê ncia g ara ntid a dessas
coisas d e n tro de um a m á q uin a de e xp eriê ncia s (Lom a sky,
1987:^ 231-3; L arm ore , 1987: 48-9; G riffin , 1986:1 3-2 3).
É verd a d e que, às ve z es, apenas qu ere m os certas e xpe
riê ncia s. Esse é u m m o tiv o para que as pessoas tom e m d ro
gas. C ontudo, nossas a tivid a d e s, qu a ndo n ão droga dos, nãc
são apenas pobre s s u b stitu to s p ara o bte rm o s o que as d ro
gas pod e m nos ofere c er d ire ta m e n te . N in g u é m a c e ita ria í
id é ia de que os e stados m e nta is são tu d o o que im p orta , de
ta l m o d o que ser lig a d o a um a m á q uin a de e xp eriê ncia s
fosse a re a liz a çã o de todos os o bje tivo s n a vid a .

(c) S a tisfa ç ã o de pre fe rê n cia s

O b e m -e sta r h u m a n o v a i alero, o u é a lg o d ife re n te , da


obte nç ã o tia s e qü ê ncia c erta d e e stados m e nta is, U m a te r
ceira opção é a concepção de u tilid a d e da "satisfa ção de pre
ferê ncia s". S egundo essa visão, a um e ntar a u tilid a d e das p<
soas sig nific a satisfa z er suas preferências, sejam quais fore
A s pessoas pod e m qu erer te r a e xp eriê ncia de escrever po e
sia, um a pre ferê ncia que pod e ser s a tisfe ita na m á q uin a de
e xp eriê ncia s. M a s ta m b é m pod e m q u e re r e scre ver po e sia
e, p orta n to , re n u n cia r à m á quin a . O s u tilitá rio s que ado
essa concepção nos diz e m para sa tisfa z er todos os tipo:
pre ferê ncia s ig u a lm e nte , p ois e quip ara m o b e m -e sta r c
a satisfação das preferê ncia s.
C ontudo, se as duas prim e ira s visões d eixa m m u ita co i
sa fora de sua concepção de bem-e star, esta terceira visã o in
c lu i coisas d em ais. S atisfa z er nossas pre ferê ncia s rre rrrs é m -
ppre
re contrib
con trib u i -ésF àr. S uponh a que e steja
m os e ncom èfíd ã n H õ com id a p ara o alm oço, m as alguns de
nós qu e ira m pizza, e nq u a nto o utro s qu e ira m com id a c h in e -
U TILIT A RIS M O 19

sa. Se a m a n e ira de s a tisfa z er a m a ioria das pre ferê ncia s for


e ncom e nd ar pizza, e ntã o, esse tip o de u tilita ris m o nos d irá
p ara e ncom e nd ar pizza. M as e se, sem o saberm os, a pizza
que e ncom e nd a m os e stiv er e nve n en a da ou sim ple sm e nte
passada? E ncom e nd á-la agora n ão seria pro m o v e r nosso
b em-e star. O que é b om para nós pod e ser dife re nte das pre
ferê ncia s que te m os agora. O s m arxista s e nfa tiz a m isso na
sua te oria da falsa consciência - p or exem plo, os tra b a lh a do
res fora m socia liz a dos de ta l m a n e ira que são inca pa z e s de
p erc e b er seu v e rd a d e iro intere sse no socia lism o. O m esmo
pro ble m a , p oré m , surge de m a n e ira m e nos dra m á tic a ou
c o ntro v e rtid a . Podemos apenas n ão te r a inform a ç ã o a de
quada, com o no e xem plo da pizza, ou te r com e tido erros no
c á lculo de custos e b e n e fícios de um a ação específica.
A s pre ferê ncia s, p orta n to , n ã o d e fin e m nosso b em . É
m a is e xato d iz e r que nossas pre fe rê n cia s são pre visõ e s, a
re sp e ito d ç nosso b e m . Q u ere m os te r as coisas que v a le m
a p e n a te rm o s e nossas a tu a is pre fe rê n cia s re fle te m n o s
sas crenças a tu a is sobre o que são essas coisas que v a le m
a p e n a . N e m se m pre , p oré m , é tã o fá c il d iz e r o que v a le a
p ena term os e pod ería m os e star errados em nossas crenças.
P oderíamos a gir com base em um a pre fe rê n cia sobre o que
co m pra r ou fa z e r e, d e pois, p erc e b er que n ã o v a lia a p ena.
M uita s ve zes com etemos este tip o de erro, ta n to em decisões
específicas, como que com id a encom endar, q u a nto em " p re
ferê ncia s glo b a is " sobre que tip o de v id a le var. A lg u é m que j
te n h a pla n e ja do dura nte anos ser a dvog a do pod e ingre ss a r!
n a fa culd a d e de D ire ito e p erc e b er que com e te u u m e rro .f
T alve z tive sse um a visã o ro m â ntic a dã profiss ã o , ignora ndo,
a c o m p e titiv id a d e e o tra b a lh o m o n ó to n o e nvolvidos,. A l-f
gu é m que te nh a pla n e ja do fic ar em sua cidade n a ta l pod e v ir
a p erce b er que esta é um a m a n e ira pro vin cia n a de viv e r, l i
m ita d a e sem d esa fios. Tais pessoas p od e m se a rre p e n d e r
dos anos que g astara m pre p a ra n do-s e p ara c e rto tip o de
v id a ou le va ndo esta vid a . A rre p e nd e m -s e de te r fe ito o que
fiz e ra m porqu e as pessoas qu ere m te r ou fa z er as coisas que
valem a p e n a term os ou fa z erm os, e isso pod e ser dife re n te
20 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

do que elas atualm ente preferem te r o u fa z er. O p rim e iro é o


que nos interessa , n ã o o s e gundo (D w orkin , 1983: 24-30).
O u tilita ris m o da v arie d a d e satisfação de pre ferê ncia s j
d iz que um a coisa se to m a v a lios a porqu e m uita s pessoas a |
desejam. M as isso está erra do e, na v erd a d e , às avessas. T er f
a pre ferê ncia n ã o a to m a v a lios a - p e lo c o ntrá rio , ser ,valia-..,
sa é um a bo a ra z ã o p ara que seja pre fe rid a . E se n ã o fo r v a -
K35a;*errtãq;‘sa tisfa z êr m in h a prlF ê re n cia errôn e a p or ela não
c o n trib u irá para o m e u b e m -e star. M in h a u tilid a d e a um e n
ta, e ntã o, não p e la satisfação de qu a isqu er pre ferê ncia s que
eu te nh a , m as p ela satisfa çã o das pre ferê ncia s que n ã o se
baseiam em crenças e quivocadas.

(d) Preferências inform a d a s

A qu arta concepção de u tilid a d e te nta a com odar o p ro í


ble m a das preferê ncia s equivocadas d e fin in d o o b e m-e star
com o a satisfação de pre ferê ncia s "ra c io n a is " ou " in fo rm a l
d a s ". O u tilita ris m o , s e gundo essa visã o,_te m com o o b je tif
,YP s atisfa z er as pre ferê ncia s que §e. b aseia m n a inform a ç ã o
com pleta e nos julg a m e ntos corretos, e nqu a nto re je ita js_qu g
são e quivocadas e irra cion ais^íProcura m os pro v e r as coisas
que as pessoas tê m boa ra z ão p ara pre fe rir, que re a lm e nte
to m a m a sua vid a m e lh or.
E sta qu a rta concepção parece corre ta - o p rin c ip a l b e m ñ J ¿ i
hum a no é a satisfação das preferê ncia s ra cion a is2. M as, e m -f
bora esta vis ã o seja in a ta c á v e l, é e xtre m a m e nte vaga. N ã o
coloca n e n h um lim ite ao que pod e ser consid era do " u tilid a -

2. N a tura lm e n te , e m bora e u possa, se in fo rm a d o , p re fe rir A , n ã o d e corre


d a í que A m e ofere ç a q u a lq u e r b e n e fício e m m e u pre s e nte e sta do d e sin form a -
d o . Isso co m plic a a d e scriçã o de u tilid a d e d a pre fe rê ncia in form a d a , m as n ã o a
subv erte . O que pro m o v e m e u b e m -e sta r é d is tin to da sa tisfa çã o de m inh a s:
pre ferê ncia s e xiste nte s, m e sm o qu e ta m b é m seja d is tin to d a satisfa ção d e m i
nh a s pre ferê ncia s id e a lm e n te in form a d a s ( G riffin , 1 9 8 6 :1 1 -2 ,3 2 -3 ). É possível,
poré m , qu e u m d e s e n vo lvim e n to c o m p le to dessa d e scriçã o pudesse a pro xim á -
la do qu e às ve z es é ch a m a do te o ria d a " L is ta o b je tiv a " (P a rfit, 1984:493-502).
U TILIT A RIS M O 21

d e ". A felicid a d e , p elo menos, tin h a o m é rito de ser, em p rin :


a p io , m e nsurá ve L Todos te m os u m esboço de id é ia do que
'a um e ntaria a fe licid a d e , do que a um e ntaria a proporç ã o de
sensações pra z erosa s e m re la ç ã o às sensações doloros a s.
U m a m á quin a d e expe riê n cias fa ria isso m e lh or. M as, q u a n
do vemos a u tilid a d e em term os de satisfação de preferências
inform a d a s, te m os pouca orie nta ç ã o. H á m u ito s tip o s d if e -'
rentes de pre ferê ncia s inform a d a s, sem n e nhum a m a n e ira
e vid e nte de a gre g á-la s. C om o sabemos o que se deve p ro
mover, o a m or, a poe sia , ou a in sig n ific â n cia , se n ã o h á n e
nhum v a lor suprem o, com o a felicid a d e , p e lo qu a l m e di-los?
^ A lé m disso, com o sabemos quais preferê ncia s as pessoas te
ria m se fossem inform a d a s e ra cion a is? Por e x e m plo, os f i
lósofos d e b a te m se devemos d ar m ais peso aos desejos que
terem os no fu turo . É irra cio n a l im p orta r-m e m a is com o que
acontece com igo hoje do que com o que a contecerá com igo
amanhã? A s questões e nvolvid a s são complexas, m as pre ci
samos de um a re sposta p ara com e çar os cálculos u tilitá rio s .
M a is e n ig m á tic o a in d a é o fa to de que d e sc arta m os a
" e xig ê n cia de e x p e riê n cia " - is to é, as pre fe rê n cia s in fo r
m adas p o d e m ser s a tisfe ita s e, p o rta n to , nossa u tilid a d e
a um e ntou nesta qu arta concepção, sem que isso afete n o s
sas e xp e riê n cia s conscie nte s. R ich a rd H a re , p o r e x e m plo,
a rg um e nta que m in h a v id a p io ra se m e u cô njug e com e t
a d ulté rio , m e sm o que eu nunc a v e nh a a saber disso. M in h
vid a p io ra p orq u e a lg o que eu n ã o q u e ria qu e a conte c e s
se a conte ce u. Essa é um a pre fe rê n cia p e rfe ita m e n te .ra cio-
n a l e in fo rm á d iT m a s rniiñ h á'e'xp é ríé ncia co n scie nte p o d e
ria o m u H ã f q ü à ri^ o u d e ix a d e ser s a tisfe ita
(H are , 1971: 131).
" C o n c o rd o com H a re em que isso deve ser co n sid e ra
do n a d e te rm in a ç ã o do b e m -e sta r, e m que isso re a lm e nte
torn a m in h a vid a p ior. Por e xe m plo, se c o n tin u o a a gir p ara
com m in h a esposa base ado n a crença de que ela n ão com e
te u a d ulté rio , então, estou a gindo com base em um a fa lsid a
de. E stou viv e n do u m a m e n tira e n ão queremos riv e r ta l vid a
(Raz, 1986: 300-1). M uita s ve z es.diz em os a re sp e ito dos o u-
22 F IL O S O F IA P O LÍT IC A C O N T E M P O R Â N E A

¿ tro s que o que eles desconhecem n ão v a i m a go á-los. É d ifí


cil, poré m , pensar dessa m a n eira sobre o nosso pró prio b em.
" N ã o qu ero c o n tin u a r p e nsa ndo que sou u m b om filó s o fo se
n ão sou, n e m que te n h o um a fa m ília a m orosa se n ã o a te
n ho . A lg u é m que m e o culta a verd a d e pod e m e p o u p a r a l
gum as experiências conscientes desconfortáveis, mas o custo
pod e ser m in a r to d o o s e ntid o das m in h a s a tivid a d e s. F aço
filo s o fia porqu e p enso que a faço bem. Se n ão a estivesse fa
z e ndo b em , e ntã o, p re fe riria fa z e r o u tra coisa. N ã o q u ero
c o n tin u a r com base n a crença e quivoca d a de que a estou
fa z e ndo bem , pois estaria d e sp erdiç a ndo m eu te m po e v i
v e nd o um a m e n tira , que são coisas que n ão q u ero fa z er. Se
descobrisse que m in h a crença é falsa, e ntã o, m in h a a tivid a d e
p erd eria seu s e ntido. E p erd e ria seu s e ntid o n ão qu a ndo eu
descobrisse que a crença não era verdadeira, mas quando d e i
xasse de ser verd ad eira . Nesse p o nto , m in h a vid a se to m a ria
pior, pois, a p a rtir daí, n ão p o d e ria m a is a tin g ir os o bje tivo s
que eu m e propus era p erse guir.
D e ve m os a c e ita r a p o s sibilid a d e de que nossas vid a s
pod e m p iora r m e sm o qu a ndo nossas experiências conscien
tes não são afetadas. Isso, poré m , leva a re sultados estranhos.
Por e xem plo. H are a m plia a noção de u tilid a d e de m aneira]
que in clu a as preferê ncia s de pessoas m orta s. Posso te r uma]
pre ferê ncia ra cio n a l de que m in h a re puta çã o n ão seja c a lu
nia d a q u a ndo eu e stiv e r m o rto o u de que n ã o d e ix e m m e u
corp o apodre cer. Parece b iz a rro in c lu ir as pre ferê ncia s de
pessoas m orta s nos cálculos de u tilid a d e , m as o que as d is
tin g u e da pre ferê ncia de que nosso cônjug e não com eta
a d u lté rio sem sabermos? E m ambos os casos, tem os pre fe
rências ra cion a is p o r coisas que n ão a fe ta m nossos estados
conscientes. Penso que pod e m os tra çar algum as lin h a s a qui.
N e m tod a ação que v a i co ntra as pre ferê ncia s de um a p e s
soa m orta to m a m a sua vid a p io r3. A q u i, poré m , h á proble

3. N ã o cre io q u e as pre fe rê n cia s dos m orto s se ja m se m pre d e stitu íd a s


de p e so m o rta l. O qu e a conte c e a pós nossa m o rte p o d e a fe ta r q u a n to nossa
v id a fo i b e m e nosso d e s e jo p o r c erta s coisas a pós nossa m o rte p o d e s er u m
im p o rta n te fo c o d e nossas a tivid a d e s e m v id a . N a v e rd a d e , se as pre fe rê ncia s.
u t il it a r is m o 23

mas para o u tilitá rio . D adas essas dificuld a d e s de d e te rm in a r


quais prefere ncia s a üm entam o b e m -e star qu a ndo satisfeita s
e as dificuld a d e s de m e dir o b e m-e star, m e sm o qu a ndo sa
bemos quais preferê ncia s são ra cionais, pod e m os nos v e r em
um a situação em que seja im possível saber quais a tos m a xi
m iz a m a u tilid a d e . Pode ser im possível saber o que, a p a rtir
d ê üm p o n to de vista u tilitá rio , é o a to certo. A lgum a s p es
soas concluíra m a p a rtir disso que o u tilita ris m o deve ser re
je ita do. Se aceitamos a quarta visão de b e m -e star e se o b e m -
estar n ão pode ser agregado a esta visão, então, não há n e
nhum a m a n eira de saber qual a to m a xim iz a o b e m -e star e
precisamos de um o utro conceito do ato m ora lm e nte correto.
Isso, porém , é um non sequitur. Do, fa to de nâp ,podermos
saber qu a l ato m a xim iz a a u tilid a de n ã o se d e pre e nde que o
a to m ora lm e nte corre t o n ão seja a qu ele que m a xim iz a a u jti-,
lid a d e , ’Pode sim ple sm e nte sig n ific a r que n ã o pod e m os sa
b er q u a l a to é m ora lm e nte corre to. N ã o h á n e n h um a ra z ão
para e xcluir a possibilid a d e de que os hum a nos n e m sempre
são capazes de d e te rm in a r o a to m ora lm e nte corre to. M e s
m o que e xista um a in c o m e n s ura bilid a d e in e re n te de tip o s
difere nte s de v alor, de ta l m odo que n ão possamos diz e r que
um , d e ntre u m le qu e de atos que a um e nta m o v a lor, m a xi
m iz a o v a lor, a in d a assim pod e m os e stabelecer hierarquia s
m enos refin a d a s e, p or conse guinte , fa z er julg a m e ntos a res
p e ito de atos m e lhore s ou piore s ( G riffin , 1986: 75-92).
-* íb rta n to , o u tilita ris m o , apesar de seus vín culo s tra d i
cion a is com o h e d o nism o do b e m -e sta r, é co m p a tív e l com
q u a lq u er um a das q u a tro concepções de u tilid a d e . N a tu ra l
m e n te ,^ u tilita ris m o perde u m de seus a trativos qu a ndo.d e i-
,xa o h e d o nism o p ara trá s. A ssim que re je ita m os as conce p
ções sim ple s de b e m -e star com o fe licid a d e ou satisfação de

dos m orto s às ve z e s n ã o tiv e ss e m p e so m ora l, s e ria im p o s s ív e l e n te n d e r a


m a n e ira c o m o tra ta m o s .o s te sta m e nto s. V e r a discussã o e m L o m a sky (1987:
212-21) e F e in b e rg (1 9 8 0 :1 7 3-6). S obre a " e xig ê n cia de e x p e riê n cia " e m g era l,
v e r L a rm o re (1 9 8 7 :4 8 -9 ), L o m a sky (1987: 2 3 1-3), G riffin (1 9 8 6 :1 3 -2 3 ), P a rfit
(1 9 8 4 :1 4 9-5 3).
24 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

preferê ncia s, n ã o há n e n h um m é tod o d ire to para m e d ir a


u tilid a d e . O u tilita ris m o n ã o oferece u m crité rio ou m é todo
cie n tífic o sin g ula rm e nte sim ple s p ara d e te rm in a r o que é
c erto e erra do. C o ntu d o , e m bora o u tilita ris m o n ão te n h a
n e nhum a va nta g e m sobre outra s te oria s com re sp e ito à m e
diçã o do b e m -e sta r h um a no, ta m po u co está em d e sv a nta
gem, Toda te oria p olític a pla usíve l te m de confrontar-s e com
estas questões difíc e is sobre a concepção adequada do b e m -
e star hum a no e nada im p e d e o u tilita ris m o de a dotar q u a l
qu er concepção que seus críticos p re fira m ! Se devemos re
je ita r o u tilita ris m o , e ntã o, terá dé ser p o r causa da segunda
p a rte da te oria - is to é, a in stru ç ã o de que d e ve m os m a xi
m iz a r a u tilid a d e , seja q u a l fo r o co n c e ito de u tilid a d e que
a dote m os no fin a l. ]

3. M a x im iz a n d o a u tilid a d e

S upondo que chegamos a um a cordo q u a nto a u m con


c e ito de u tilid a d e , devemos a ceitar o com prom isso u tilitá rio
de m a xim iz a r a u tilid a d e ? Essa é a m e lh or interpre ta ç ã o de
nosso com prom isso in tu itiv o com o "co n s e q ü e n cia lism o "?
O cons e qü e ncia lism o nos d iz p ara nos pre ocup arm os em
prom ov er a u tilid a d e das pessoas e, id e a lm e nte , s a tisfaría
m os tod a s as pre ferê ncia s in form a d a s de tod a s as pessoas.
In fe ffiffié fifè , isso é im possível. O s recursos disponíveis para
s a tisfa z er as pre fe rê n cia s das pessoas são lim ita d o s . A lé m
disso, as preferê ncia s das pessoas pod e m e ntra r em c o n flito .
--A ssim se ndo, d evem os s a tisfa z er as pre ferê ncia s de quem?
y-Q cons e qü e ncia lism o nos d iz que d evem os nos pre ocup ar
com as conse qü ê ncia s p ara o b e m -e sta r h um a n o , m as e se4

4. A s te oria s polític a s qu e se pre o c u p a m com a d is trib u iç ã o dos re c ur


sos, se m d e t e rm in a r os e fe itos qu e estes re cursos t ê m sobre o b e m -e st a r de
cada pessoa, p o d e m p are c er u m a exceção a esta a firm a ç ã o g eral. C o n tu d o ,
co m o d is c u tire i n o c a p ítulo 3, esta é u m a p erc e pç ã o e ng a nos a e m e sm o t e o
ria s ba se adas e m recursos d e v e m t e r a lg u m a te oria dos intere ss e s essenciais
das pessoas " in t e rpr e t a d o s d a m a n e ira m a is a bra n g e nte " ( D w o rk in , 1983: 24).
U TILIT A R IS M O 25

a prom oção do b e m -e star de um a pessoa e stiv er em c o n flito


com a de outra ? O conse qüe ncialism o te m de ser e specifica
do para re spond erm os a essa p ergunta .
C om o o u tilita ris m o e sp e cifica a id é ia de que d evem os
prom ov er a u tilid a d e das pessoas? O s u tilitá rio s diz e m que a
ação corre ta é a que m a xim iz a a u tilid a d e -.p o r e xe m plo, a
que satisfa z ta nta s preferê ncia s inform a d a s.qu a nto possível.
A s preferê ncia s de algum a s pessoas n ã o serão sa tisfe ita s se
e stiv ere m em c o n flito com o que m a xim iz a a u tilid a d e de
m a n e ira g eral. Isso é in fe liz . M a s, com o os ve nce dore s n e
ce ssariam ente ultra p a ss a m o n ú m e ro dos p erd e dore s, n ã o
há n e nhum a ra z ão p ela qu a l as preferê ncia s dos p erde dores
devam te r pre ce d ê ncia sobre as pre ferê n cia s m a is n u m e ro
sas (ou m ais intensas) dos vencedores. F fira o u tilit á rio, qu a n
tid a d e s ig u a is de u tili dade tê m im p o rtá a d ia ia ü a L ia d ¿ e n -
dentem ente de quem a utilid a d e beneficie,: N in g u é m está em
posição privile g ia d a nos cálculos, nin g u é m te m m ais d ire ito
que o utra pessoa de b e n e ficia r-s e de u m a to /P orta n to , d e
vem os pro p orcio n a r conseqüências que satisfa ça m o m a ior
núm ero de preferências (inform a d a s) e ntre as pessoas da so
ciedade. (E ste, n a tura lm e n te , é o esboço m a is sim ple s do
conc e ito u tilitá rio de conse qü e ncia lism o - discuto duas m a
n eiras de a n a lis á -lo n a seção se guinte .)
Esse com prom isso de e x a m in ar as conseqüências para
o b e m -e star hum a n o é um a das atrações do u tilita ris m o , ta l
como com p ara do a te oria s que diz e m que devemos s e guir a
tra diçã o ou a le i divin a , ind e p e nd e nte m e nte das conse qüê n
cias hum a n a s. C o ntu d o , o tip o e sp e cífico de conse qüê ncia
lis m o n o u tilit a r ism o n ã o éf p e nso e uf a tra e n te ^ D u a n d o é
im possív e l s a tisfa z er tod a s as pre ferê ncia s, nossas intuiçõ e s
n ão nos diz e m que qu a ntid a d e s ig u a is de u tilid a d e d eve m
te r sem pre o m e sm o peso. O u tilita ris m o f orn ece u m a id é ia
excessivam ente sim p lific a d a de nosso com prom isso com o
çpns e qü e nd a lism o. v
A nte s de e xplora r estas que stõe s, to d a via , h á a lgum a s
difere nça s im p orta nte s no u tilita ris m o que pre cisa m ser ex
postas. A c a bo de diz e r que, com o u tilitá rio s , d evem os p ro -
26 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

curar s a tisfa z er o m a ior núm ero de pre ferê ncia s. C o ntu d o,


com o m e n cion e i antes, há d ois conce itos difere nte s, no u ti
lita ris m o , qu e se re fere m a qu e m é o " n ó s " re le v a nte - de
acordo com um a visã o, todos nós somos obrig a dos a a gir
segundo prin cípio s u tilitá rio s , m esmo em nossa conduta pes
soal (u tilita ris m o m ora l a bra ng e nte); conform e o utra visão,
as prin cip a is in s titu iç õ e s sociais é que são e sp e cífica m e nte 1
obrig a d a s a a gir s e gundo prin c íp io s u tilitá rio s (u tilita ris m o ]
p o lític o). T ambém há dois conceitos difere nte s do que s ig n i- j
tic a '/a g ir s e gundo prin c íp io s u tilita rio s ^ . S egundo um a v i
são, isso s ig n ific a quê o a g e nte d eve d e cid ir com o a g ir fa_-
z endo cálculos u tilitá rio s conscie nte m e nte , te nta ndo. a v aliar
com o dife re n te s ações a fe ta ria m a satisfa çã o d a s pre fe rê n
cias in fo n n a d a s (u tilita ris m o d ire to); de a cordo com o utra
visã o, a id é ia d e m a xim iz a r a u tilid a d e e ntra a pe n as in d ir e-
ta m e nte (se é que e ntra) na decisão do agente,. A ções m o
ra lm e nte corre ta s são as que m a xim iz a m a u tilid a d e , m a s ;
é m ais prov á v e l que os agentes m a xim iz e m a u tilid a d e se
g uin d o regras ou h á bito s n ã o u tilitá rio s do que s e guindo o i
ra cio cínio u tilit á rio (u tilita ris m o in d ire to ).
Essas duas distinçõ e s pod e m ser com bina d as para gerar
versões dife re n te s de u tilita ris m o . O s p rin ríp io s u tilit á rio s
pod e m ser a plicados de m a n eira m ais ou m enos abrangente
e m ais ou m e nos dire ta m e nte . Boa p arte do tra b a lh o re ce n
te sobre o u tilita ris m o ocupou-se em e xplorar estas variações
e parece claro que cada versão gerará re sulta dos difere nte s.
C ontudo, a cre dito que todas as versões com p artilh a m a m e s-|
m a fa lh a fu n d a m e n ta l. A rg u m e n ta re i que há algo in e re n te
m e nte sem a tra tiv o a re sp e ito do com prom isso u tilit á rio de
m a xim iz a r a u tilid a d e e que esta fa lh a n ã o é a feta d a su b sí
ta ncia lm e nte qu er p e lo m odo (dire to ou in d ire to) como ele é
a plicado, qu er pela área (geral ou polític a ) na qu al é a plicado5.

5. N ã o está cla ro se os u tilit á rio s p o d e m re a lm e nte lim it a r-s e à e s tru tu


ra bá sic a d a socie d a de ou à de cis ão p olític a . M e s m o q u e o u tilit a ris m o se a p li
que , e m p rim e ir a in stâ ncia , às decisõ es polític a s o u às in s titu iç õ e s socia is e
n ã o à co n d ut a p e sso al dos in d iv íd u o s , u m a das de cisões qu e os gov ernos e n-
U TILIT A R IS M O 27

C om eçarei considera ndo alguns proble m a s do u tilita ris


mo com o processo de decisão a bra ng e nte J a a virm o s o u ti
litarism o dessa m a n eira, então, o agente m ora lm e nte re spon
sável será o que D a vid B rin k cham a "a g e nte U " - algué m que
decide com o gastar seu te m po e recursos ca lcula ndo os e fe i
tos das várias ações disponíveis sobre a u tilid a d e geral (Brink,
1986: 425). E ste tip o de u tilita ris m o te m poucos defensores
conte m porâ n e os e m u ito s u tilitá rio s concord a ria m com as
críticas que estou prestes a fazer. C om eço, poré m , com o u ti
lita rism o com o processo de decisão a bra ng e nte porqu e sus
cita, de form a e sp e cia lm e nte clara , proble m a s que ta m b é m
estão presentes nas versões m ais in d ire ta s e polític a s do u ti
lita ris m o (seção 5). A lé m disso, as questões suscitadas nesta
seção, referentes ao escopo das relações pessoais, re aparece
rão em c a pítulos posteriore s.
Im a gin e , e ntã o, que som os age nte s U e que pod e m os j
ca lcular quais atos pro du z e m m ais u tilid a d e *6/D e v e m o s b a-1

fre nta m é d e t e rm in a r o e scopo le g ítim o dos ap e gos priv a dos. Se as pe ssoas


n ã o estão m a x im iz a n d o a u tilid a d e n a s suas vid a s priv a d a s, e ntã o r e org a niz a r
a e strutura bá sic a a fim de d e ix ar m e n o s espaços p ara a v id a priv a d a p o d e ria
a um e ntar a u tilid a d e . Se o u tilit a ris m o m or a l a bra ng e nte n ã o cons e gu e a co
m o d a r nossa p erc e pç ã o d o v a lo r dos ap e gos pesso ais, e ntã o o u tilit a ris m o p o
lític o n ã o terá n e n h u m a ra z ã o p ara pre s e rv ar u m d o m ín io priv a d o . D e q u a l
qu er m od o, a pre d o m in â n c ia d o u tilit a ris m o n a filo s o fia p o lític a origin a -s e , n a
m a io r p arte , n a cre nç a de qu e é a ú n ic a filo s o fia m o r a l co ere nte o u s ist e m á
tic a (R awls, 1971: v ii- v iii) e, p ort a n to , a m otiv a ç ã o p ara o u tilit a ris m o p o lític o #
será m in a d a se fo r possív e l d e m o n stra r qu e o u tilit a ris m o m o r a l a bra ng e nte é f
ind e fe ns á v e l. J
6. O a g e nte U m uita s ve z es é d e scrito co m o " u tilit á rio de a tos " p orq u e
age dir e t a m e n te com base e m c á lculos u tilit á rio s . Isso, p oré m , é e ng a noso, n a
m e did a e m qu e " u tilit á rio de a tos " é c o m u m e n t e c o ntra sta d o co m " u tilit á rio
de re gra s " . O qiy» d e fo y; ç> ¡ffle ntç y é qq e e le us a a m a xim ix a ç ã o d e u tilid a d e
diretamente c om o proc e sso de de cis ão e, c o m o v ere m os, ele p o d e ria fa z e r isso
e conc e ntrar-s e a nte s e m regra s que e m atos. dis tin ç ã o e ntre u tilit a ris m o d i
reto e in d ir e to atravessa a distin ç ã o e ntre u tilit a ris m o de atos e u tilit a ris m o d e r e
gras (R a ilto n, 1984: 156-7). O p rim e iro contra ste é d e t e rm in a r se o p rin c íp io
de m a xim iz a ç ã o d a u tilid a d e é vis to c o m o proc e sso de d e cis ã o o u p a drã o de
corre ç ã o, n ã o se o p rin c íp io de m a xim iz a ç ã o d a u tilid a d e (q u e r c om o p a drã o
de corre ção, q u e r com o proc e sso d e decis ã o) a plic a-s e a atos o u regras.
28 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

se ar nossas ações nesses c á lculos u tilitá rio s ? H á duas o b-


jeções prin cip a is à decisão u tilit á ria - ela e xclui,a s-o brig a -
£Ões espe ciais que te m o sp a ra com pessoas específicas e in
c lu i pre ferê ncia s, que n ã o d e via m ser consid era d a s'' Esses
dois proble m a s orig in a m -s e da m esm a fa lh a básica, mas
vou e x a m in á-los separa d am ente.

(a) Relações especiais

O s agentes U que b a seia m suas ações em c á lculos u t i- '


litá rio s pre ssupõ e m que cada pessoa m a nté m com eles a
m esm a relação m ora l. Isso, poré m , n ão considera a p o ssibi
lid a d e de que eu p o d e ria te r relações m ora is especiais com
m eus amigos, fa m ília , credores etc., de que eu pod e ria estar
sob obrig a çã o m a ior para com eles do que p ara com outros
possíveis b e n e ficiá rio s de m inh a s ações. Nossas in stituiçõ e s
nos diz e m que e xiste m ta is obrig a çõ e s especiais e que elas
devem ser cum prid a s, m esmo que outros, para com os quais
n ão estou obrig a d o e sp e cialm e nte , se b e n e ficie m m ais.
C onsidere um e m pré stim o. É p arte da nossa m ora lid a d e
cotidia n a que as pessoas te nh a m um a h a bilita ç ã o difere ncia
da em virtu d e de tere m e m pre sta do d in h e iro no passado. Se
a lgu é m m e e m pre sta U S$ 10, esse a lgu é m está h a b ilita d o a
re ce ber U S$ 10 de m im , m e sm o que a lgum a outra pessoa
possa fa z er m e lh or uso do din h e iro . O ra ciocínio u tilita ris ta
desconsidera tais h abilita çõ es retrospectivas, pois diz que a pe
nas as conse qüê ncia s prosp e ctiva s tê m im p ortâ n cia . Para o
agente U, o v a lo r m ora l de u m a to e ncontra-s e u nic a m ê tltg
nas suas proprie d a d e s causais de p ro d u z ir estados ¿e coisas
desejáveis.. P ortanto, o que devo fa z er é puxar a alavanca cau
sai que pro d u z irá a q u a ntid a d e m á xim a de u tilid a d e p ara o
sistem a como u m todo. A o d e cidir como gastar meus U S$ 10,
devo e xa m in ar tod a s as pote ncia is satisfações de preferê ncia
das pessoas (aí incluíd a s as minh a s) e d e term in ar qu al ação as
m a xim iz ará . N ã o interessa para o agente U , em si ou p or si,
que um a destas pessoas te nh a m e em prestado os U S$ 10 ou
U TILIT A R IS M O 29

que a lgum a o u tra pessoa te n h a e x e cuta do a lg um serviço


para m im na pre ssuposisão de que re ce b eria o d in h e iro .
Pode ser que, se as u tilid a d e s fu n cio n are m de certa maneira,,
eu deva pag ar o e m pré stim o ou c u m prir m e u contra tó. C o n
tudo, o processo de d e cidir o que fa z er continu ará exatam en
te ig u a l ao que seria se eu n ão tivesse co ntra íd o um e m pré s
tim o ou pro m e tid o o d in h e iro .
Isso é c o n tra -in tu itiv o , p ois a m a ioria de nós d iria que
ie m c ria rtí-
a as coisas"
(N o zick, 1974:155). A pessoa que m e e m pre stou U S$ 10 a d
q uiriu , justa m e nte p or esse ato, um a h a bilita ç ã o aos U S$ 10
que agora estou pensando em gastar, m esmo que algum o u
tro uso do din h e iro viesse a m a xim iz ar a felicid a d e . Isso e ntra
em c o n flito com nossa visã o de que a m ora lid a d e deve diz e r
re sp e ito às conseqüências para o b e m -e sta r h u m a n o lN ã o ,
pois, ao diz e r que devo p a g ar o e m pré stim o, e sto u sim ple a-
m ente diz e ndo que, neste p o n to do te m po, m in h a obrigação
de prom ov er o b e m-e star do e m pre sta dor é m a ior que a de
ajudar os outros- D evíamos pagar o e m pré stim o não porqu e
n ão nos im p orte m o s com os m ales e b e n e fícios que pod e m
se o rig in a r desse ato, m as p orqu e u m b e n e fício e m p a rti
cular te m peso especial.
A o c o n trá rio da lin h a dura n ã o cons e qü e ncia lista , n ão
precisam os diz e r que essas h a bilita çõ e s são irre vog á ve is p or
q u a lq u e r c á lculo de conse qü ê ncia s socia is gerais. Se pagaq
o e m pré stim o condu zisse , de a lgum a m a n e ira , à d e struiç ã d
nucle ar, então, clara m e nte , n ão deveríamos pag ar o e m pré sj
tim o . Podemos diz er, poré m , que há um d ever de pag ar e m j
pré stim os e c u m prir contra tos, que te m c erto peso in d e p e n
d ente a ser consid era do ju n ta m e n te com o peso m ora l dos
b e n e fícios sociais gerais. A e xistê ncia de h a bilita çõ e s passa
das da p arte de pessoas específicas te m pre ferê ncia p arcia l
com relação à busca u tilitá ria de m a xim iz ar o bem geral, ou a
lim ita em p arte . E vita r um a queda desastrosa no b e m -e sta r
é um a boa ra z ã o para usar o d in h e iro de m a n e ira difere nte ,
mas o m ero fa to de que p ag ar o e m pré stim o n ão a um e nta ao
30 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m á xim o o bem estar não é urna boa ra zão. N ã o pag ar o e m


pré stim o sim ple sm e nte porqu e ele não a um e nta ao m á xim o
a u tilid a d e é ig n ora r a n ature z a e spe cial de nossa obrig a çã o
para com o e m pre sta dor.
Isso está tã o firm e m e nte e ntrin ch e ira d o n a nossa cons
ciê ncia m ora l que m u ito s u tilitá rio s te n ta ra m ofere c er um
conc e ito u tilit á rio do peso que vin cu la m o s às prom essas.
E les a ssin ala m os m u ito s su b pro d uto s da qu e bra de um a
prom essa. P or e xe m plo, e m bora um a pessoa que não o e m-
pre sta dor possa ser capa z de fa z er uso m e lh or do din h e iro ,
o e m pre sta dor ficará re sse ntido p or ser priv a do de um b en e
fício prom e tido , um a "d e s u tilid a d e " tã o grande que seu peso
ultra p a ss a o da u tilid a d e a um e nta d a que seria cons e guido
d a ndo-s e o d in h e iro a o u tra pessoa (H are , 1971:134). M as
isso é v e r a coisa de trá s para dia nte . N ão sentim o s que qu e
bra r prom e ssas seja e rra d o p orq u e p ro d u z re ss e ntim e ntos.
A nte s, tra pa ce ar nas prom essas pro d u z re sse ntim e ntos p o r
que é erra do (cf. W illia m s, 1973:143). O utra tá tic a u tilitá ria é
a ssin alar que as prom essas cria m e xp e ctativa s com as quais
as pessoas contam . A lé m disso, d eixar de pagar o e m pré stim o
colocará em risco a disposiçã o do e m pre sta dor p ara empres
ta r no fu tu ro e, com isso, colocará em risco um a in stitu iç ã o
social v aliosa. P orta nto, os u tilitá rio s re spond e m re ssaltando
que p a g ar e m pré stim os te m m ais pro b a bilid a d e de m a xim i
z ar a u tilid a d e do que pod ería m os p e nsar in icia lm e n te (S ar-
toriu s, 1969: 79-80).
Isso pod e ser v e rd a d e iro , m as n ã o re solve o proble m a .
A in d a im plic a , p or e xem plo, que "se você e m pre gou u m ga
ro to p ara c orta r sua gra m a e ele te rm in a o tra b a lh o e pede
o p a g a m e nto, você deve p a g ar o que lh e pro m e te u apenas
se n ão e n co n tra r m e lh or uso p ara seu d in h e iro " (S artorius,
1969: 79). O ra ciocínio do agente U , e m bora m ais complexc
do que pod ería m os p e ns ar in ic ia lm e n te , a ind a d eixa de re
conhecer q u a lqu er relação especial e ntre e m pre g a dor e em*
pre g a do ou e m pre sta dor e d eve dor. A lg u n s u tilitá rio s estãc
pre para dos p ara a c e itar esse re sulta do. R o lf S artorius, p or
e x e m plo, d iz que se os fa tore s de costum e n ã o asseguram
U TILIT A R IS M O 31

que o p ag a m e nto m a xim iz a a utilid a d e , isto é, se “ é prová vel


que o g aroto n ã o to m e ruid o s a m e n te p ú b lic a a qu e bra de
m in h a prom e ssa , que parece te r urn a re serva de c o n fia n
ça na h u m a nid a d e em g era l e que q u a lq u e r som a que eu
possa lh e d a r fa ria re a lm e nte m a is b e m se fosse doada
para o U nic e f, e ntã o a conclusã o base ada em fund a m e ntos
u tilitá rio s dos atos deve ser a de que eu d everia d ar o d in h e i
ro ao U nic e f. M as isso é re a lm e nte a bsurdo?" (S artorius,
1969: 80). Sim , é a bsurdo. _Q que é a bsurd o n o caso n ã o é
necessariam ente a conclusã o, m as o fa to de o g a roto te r
e fe tiv a m e nte e xecutado o tra b a lh o ou de eu te r e fg tiv a -
m e nte lh e pro m e tid o o riin h e lro não e ntra r n a decisão como
tal.} O bserve que as conseqüências que S artorius m e ncion a
seriam exata m e nte as m esm as a ind a que o g aroto n ão h o u
vesse re a lm e nte corta do a gram a, m as sim ple sm e nte acre
ditasse (p or fa lsid a d e ) t ê -lo fe ito , ou que a cre dita sse fa ls a
m ente que eu lh e prom e tera o din h e iro ,. O fa to de que o ga
roto re a lm e nte c orto u a gram a o u de que eu lh e prom e tera
0 din h e iro não im p orta p ara o agente U porqu e nada do que
pudéssemos fa z er ou d iz e r p o d e ria nos coloc ar em um a re
lação m ora l e sp e cial de ta l tip o que m in h a obrig a ç ã o p ara
com ele fosse m a ior dõ que m in h a obrig a ç ã o p ara com os
outro s. N ã o im p o rta o que o g a roto te n h a fe ito ou o que eu
te nh a d ito , ele n unc a pod e rá te r m a is d ire ito que os o utro s
sobre m in h a s ações.
N a nossa visã o cotidia n a , a e xistência de um a prom essa
cria um a obriga çã o especial e ntre duas pessoas. O agente U,
no e nta nto , tra ta prom essas e co ntra to s n ã o com o se cria s
sem vín culo s m ora is especiais com um a pessoa, m as s im
ple sm ente como se acrescentassem novos fatore s n o cálculo
da u tilid a d e geral. A visã o cotidia n a d iz q u e deYQ P.agaLem-
p r é s tí m e ^ í tt ó ^ ^ ^ ^ ^ ^ S f e d i isso m a xim iz a r ou n ã o a u ti:
M a d e . O agente U diz que devo p a g ar o e m pré stim o porque
ele m a xim iz a a u tilid a d e . O g aroto n ã o te m m ais d ire ito so
bre m im do que os outros, apenas é pro v á v e l que ele se b e
n e ficie m a is do que os o utro s e, p orta n to , o p a g a m e nto é a
m e lh or m a n e ira de c u m prir m in h a obrig a çã o u tilitá ria .
32 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

M as um a prom essa n ão é isso - " F a z er um a prom essa


n ão é m era m e nte a d a pta r u m d is p o sitiv o e ng e nhoso para
prom o v er o b e m -e star g eral; é coloc arm o-nos em um a nova
relação com um a pessoa em p a rticula r, um a relação que cria
um dever prim a fa d e espe cifica m e nte novo p ara com ela, não
re d utív e l ao d e ver de pro m o v e r o b e m -e star g eral da socie
d a d e " (Ross, 1930:38). Ffira os agentes U , todo o m undo (eles
in clu siv e ) está e x a ta m e nte na m e sm a posiç ã o m ora l - isto
é, todo o m undo é u m possível b e n eficiário, igu alm e nte m ere
cedor das ações de alguém. Essa, poré m , é um a im a g em m u i
to pla n a da paisagem m ora l, pois algum as pessoas "ta m b é m
pod e m se e n co ntra r na relação de prom iss á rio com pro m e
te dor, de cre dor com devedor, de m u lh e r com m arido, de f i
lh o com p ai, de a m igo com a migo, de com p a triota com com
p a triota , e assim p or dia nte; e cada um a dessas relações é o
fund a m e nto de um dever prim a fa d e " (Ross, 1930:19).
O proble m a , a qui, é m ais pro fu n d o do que u m conceito
in a d e qu a do das prom essas. O agente U n ão pode acomodan
a im p ortâ ncia de n e nhum dos nossos compromissos. Todos)
te m os com prom issos - com a fa m ília , com causas p olític a s,
com o tra b a lh o - que form a m o p o n to foc a l de nossas vid a s
e dão certa id e ntid a d e a nossa e xistê ncia . M as, se devo a gir
com o a g e nte U , e ntã o, em cada um a das m in h a s decisões,
m eus com prom issos d eve m sim ple sm e nte ser a cre scenta
dos a todos os proje to s de outra s pessoas e ser sa crifica dos
qu a ndo eu p ro d u z ir m ais u tilid a d e prom o v e n d o os proje to s
de outra pessoa. Isso pode soar a dm ira velm e nte a ltruísta . N a
verd ad e , p oré m , é a bsurdo. Pois é im p o ssív e l e star g e n ui-fj
n a m e nte c o m pro m e tid o com a lgum a coisa e, a in d a a ssim jf
e star disposto a s a crific a r esse com prom isso sempre que a ljj
gum a outra coisa p ud e r m a xim iz ar a u tilid a d e . A decisão u tift
litá ria pede que eu consid ere m eus proje to s e apegos com o
n ão sendo m ais dig no s de m in h a a jud a do que os de q u a l
qu er outra pessoa. Pede, na verd ad e , que eu n ã o te n h a m a is-
apego aos m eus com prom issos do que aos dos o u tro s ,M a s
isso n ão é dife re nte de d iz e r que eu n ão d e via re a lm e nte ser
a p e g ado aos m e us pro je to s. C om o d iz B e rn a rd W ilíia m s)
U TILIT A R IS M O 33

se você é uma pessoa que, de todo coração e genuinamente,


possui alguns desses admiráveis [projetos, afeições e compro
missos], não pode ser também alguém em cujos pensamento
e ação as exigências do utilitarism o sejam infalivelm ente es
pelhadas e tampouco poderia ser talpessoa,.. O utilitarism o
deve rejeitar ou d ilu ir inapelavelmente o valor dessas outras
disposições, regredindo para aquele retrato do homem que
o utilita rism o inicia l oferecia francamente, no qual ele tem,
idealmente, apenas projetos privados ou sacrificáveis, ju nta
mente com a única disposição moral da benevolência u tilitá
ria (W illiams, 1981: 51, 53).

O ra, é v erd a d e iro e im p orta n te que eu deva re sp e ita r


os compromissos le gítim os dos outros. M as a m a n eira de fa
z er isso não é consid erá-los com o possuidores de u m d ire ito
sobre m eu te m po e m in h a e n ergia ig u a l ao de m eus pró prios
projetos. Tal postura é psicologic a m e nte im possív e l e, m e s-j
mo que possível, ind e se já vel. U m a vid a hum a n a v a liosa , na>
concepção de pra tic a m e nte to d o o m u n do , é um a vid a cheia
de apegos que e stru tura m a vid a , que d ão dire ç ã o a ela./É a
p ersp e ctiv a de co n q uista ou progre sso subse qü e nte em ta l
com prom isso que to m a nossas pre sentes ações s ig n ific a ti
vas. C om o agentes U, tod a via , nossas ações serão d e te rm i
nadas quase que ind e p e nd e nte m e nte de nossos co m pro
missos. A s decisões de u m a ge nte U serão " u m a funç ã o de
todas as satisfações que ele pod e a fetar a p a rtir de onde está,
e isso sig nific a que os proje to s dos outros, em um a extensão
in d e te rm in a v e lm e nte gra nd e , d e te rm in a m a sua d e cis ã o "
(W illia m s, 1 973:115). O age nte U te rá poucas escolhas no
que diz re sp e ito a co n d u z ir sua vid a , poucas o portu nid a d e s
para a tu ar com base em considerações do tip o de pessoa que
ele é ou qu er ser. P orta nto, ele terá pouco espaço para as coi
sas que associamos com a pró pria id é ia de " c o n d u z ir um a
v id a " . Estas subm ergirã o tod a s na que stão de quais a la v a n
cas causais são otim iz a dora s.
_ Se d evo co n d u z ir m in h a pró pria vid a ,.d e ve hav er esp a :
ço no q u a l eu seja livre para form a r m eus pró prio s co m pro
missos, in clu siv e os tip o s de co ntra to s e prom essas d is c u ti •
34 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dos acirnai O proble m a de n ã o p e rm itir que as pessoas crie m


obrig a çõ e s e speciais p ara com os o utro s p or m e io de p ro
messas é apenas um aspecto do pro ble m a m ais a m plo de
n ão p e rm itir que as pessoas esta b eleça m e busqu e m seus
pró prio s o bje tivo s. O proble m a , em todos estes casos, é o
pressuposto do agente U de que cada pessoa te m ig u a l d ire i
to de b e n e ficiar-s e de tod a s as suas ações.
N ossa in tu iç ã o a fa vor de com prom issos sig n ific a tiv o s
vio la a id é ia de que a m ora lid a d e d iz re sp e ito a conse qü ê n
cias? N ão, pois nosso com prom isso in tu itiv o com a id é ia ge
ra l do cons e qü e ncia lism o nunca in c lu iu u m com prom isso
com a d eterm in a ç ã o im p a rcia l contínu a de nossas ações p e
las preferências dos outros, com a exclusão de relações e pro
jetos especiais. E sta é, sim ple sm e nte , um a interpreta çã o m u i
to tosca de nossa crença no conse qü e ncia lism o.

(b) Preferências ile g ítim a s

U m se gundo proble m a com o u tilita ris m o como proces-U


so de decisão d iz re sp e ito a sua e xig ência , n ã o de que ca d ã]
pessoa deve receber ig u a l peso n a nossa decisão, mas de q u e i
cada fo n te de u tilid a d e (p or e xem plo, cada tip o de pre fe rê n-|
cia) deve receber ig u a l peso. C onsidere a discrim in a çã o ra cial)
em um a sociedade pre dom in a nte m e nte branca. U m a p o líti
ca de assistência m édica govern a m e nta l pode pla n e jar cons
tru ir u m h o spita l para cada 100 m il pessoas, in d e p e n d e nte
m e nte de sua raça. A lg u n s brancos, poré m , pre fere m que os
negros não te nh a m assistência m édica ig u a l e, qu a ndo os c á l
culos de u tilid a d e são fe ito s, re ve la-se que a u tilid a d e é m a
xim iz a d a priv a n d o os n e gros de um a p arcela ig u a l de assis
tência m édica (ou de instalações escolares etc.). E se a própria
visã o de hom osse xu ais conh e cidos ofe nd e profu n d a m e nte
a m a ioria heterossexual? T alvez a u tilid a d e seja m a xim iz a d a
se as pessoas hom osse xu ais fore m p u blic a m e n te p u nid a s e
colocad a s n a cadeia. E o que a conte c eria com u m a lco óla
tra que viv e n a ru a , que n ão te m a m igos, que ofe nd e a m u i-
u t il it a r is m o 35

tas pessoas e é u m e storvo p ara todos, m e n dig a nd o e a tra


va nca ndo p arqu e s públicos? T alve z a jitilid a d e fosse m a xi-
m iz a d a se, sile n cio s a m e nte , pegássemos ta is pessoas e as
“ m atássemos, para que n ão fossem vista s n e m drenassem os
^re cursos sociais na ca d eia ./A lgum a s dessas preferê ncia s, n a
tura lm e nte , são d e sinform a d a s e, p orta nto, satisfa z ê-la s não
pro d u z iria e fe tiv a m e nte n e nhum a u tilid a d e (supondo que
a ba ndon em os os rud es conce itos h e donista s de u tilid a d e ).
C ontudo, o desejo de n e g ar os d ire ito s de o utro s n e m se m
pre é d e sinform a do e, m esmo com base no m e lh or conce ito
de u tilid a d e , a satisfa çã o dessas pre ferê ncia s pod e ser um a
fo nte g enuín a de u tilid a d e para algum as pessoas. C om o diz
R awls, ta is pre ferê ncia s são "irra z o á v e is " do p o n to de v is
ta da ju stiç a , m as n ã o são n e c e ss aria m e nte " irra c io n a is "
do p o n to de vista da u tilid a d e de um in d iv íd u o (R awls, 1980:
528-30). Se fo r consid era do ga te Jip o .d e u tilid a d e,, ele pod e _
le var à discrim in a ç ã o c o n tra m in o ria s im populare s.
N ossa m ora lid a d e cotidia n a nos d iz que ta is pre fe rê n
cias são injusta s e não devem ser consideradas. O fa to de um
grupo de racistas qu erer que u m gru po de pessoas seja m a l
tra ta d o n ão é ra z ão p ara d ar a esse gru p o m e nos a ssistência
m é d ic a ./) desejo dos racistas é ile g ítim o; p orta nto , qualquer?
u tilid a d e que pudesse re sulta r da satisfação dessa pre fe rê n-j
cia n ã o te ria n e n h u m peso m ora l. M e sm o q u a n do n ã o h á
n e n h um pre conc e ito d ire to , pod e h a v er pre ferê ncia s in ju s
tas, que n ão d eve m ser consideradas. A lg um a s pessoas p o
dem desejar que os negros n ão se m ud e m para o seu b a irro ,
n ão porqu e n ão goste m a tiv a m e nte de n e gros - pod e m ser
in d ife re n te s a eles - , mas porqu e o utro s n ão gosta m de n e
gros e, p orta n to , o v a lor im o b iliá rio de suas casas d im in u iria .
Tal preferência, de que os negros sejam excluídos de um b a ir
ro, n ão é pre conceituosa da m esm a m a n eira que a de um ra-j
cista. M as, a ind a assim, é um a pre ferê ncia ile g ítim a , já quej
re qu er que algo seja erron e a m e nte tira d o dos negros. E m to
dos esses casos, a u tilid a d e é m a xim iz a d a p e lo tra ta m e nto
d is crim in a tório , m as apenas com ore sulta do-d e preferê ncia s
p or b e n e fícios que são erron e a m e nte tira dos.d e outros. Pre-
36 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

ferência s com o essa, prefere ncia s p e lo que p erte nce corre ta


m e nte a outro s, tê m pouco ou n e n h um peso na nossa visã o
m ora l cotidia n a .
O s u tilitá rio s n ão a ceita m a a firm a ç ã o de que as pre fe
rê ncia s p e lo que p erte n c e " le g itim a m e n te " a o utro s sejam
ile g ítim a s . Para o a g e nte U n ã o h á n e n h u m p a drã o do que
p erte nce "le g itim a m e n te " a a lgu é m antes do c á lculo de u ti
lid a d e . O que é le g ítim a m e n te m eu é q u a lq u er d istrib uiç ã o
que m a xim iz e a u tilid a d e e, p orta nto , os atos m a xim iz a dore s
de u tilid a d e , p o r d e finiç ã o , n ão pod e m m e p riv a r de m in h a
p arcela le g ítim a . M as isso v io la u m im p orta n te com p on e n
te de nossa m ora lid a d e co tidia n a . N osso com prom isso c o m i
a id é ia de cons e qü e ncia lism o n ão in c lu i u m com prom isso!
com a id é ia de que ta l fo nte de u tilid a d e deve te r peso m o r a lj
que cada tip o de pre fe rê n cia deve ser consid era do. ||
Parece, e ntã o, que o a g e nte U , ao te n ta r m a xim iz a r á
u tilid a d e , está antes vio la n d o que d e te rm in a n d o nossa id é ia
in tu itiv a de co n s e q ü e n cia lism o . A lg u m a s pessoas n e g a m
que a decisão u tilit á ria te n h a esses re sulta dos c o n tra -in tu i
tivo s. E las a d m ite m que o ra cio c ínio u tilit á rio parece p e r
m itir, ou m e sm o e xigir, atos que vio la m relações especiais
ou d ire ito s básicos, sem pre que ta is atos m a xim iz e m a u ti
lid a d e . A firm a m , p oré m , que esses atos n ão seria m p e rm i
tid o s se passássemos p ara um a form a m a is re fin a d a de d e
cisão u tilitá ria . E stive supondo que os agentes U a plic a m o
teste de m a xim iz a çã o de u tilid a d e a atos e specíficos. M as
os " u tilitá rio s das re gra s " a rg um e nta m que d e ve m os a p li
car o teste de u tilid a d e às regras e, e ntã o, e xecutar q u a lqu er
a to que seja endossado p elas m e lhore s regras, m e sm o que
o u tro a to possa p ro d u z ir m ais u tilid a d e . A cooperação so
cia l re q u e r que sig a m os regras e, p orta n to , n ã o devemos
a v a liar sim ple sm e nte as conseqüências de a gir de um a m a
n e ira espe cífica nessa ocasião, m as as conseqüências de
to m a r re gra essa m a n e ira de agir.
A qu e stão p ara os agentes U , e ntã o, é d e te rm in a r q u a il
c o nju n to de regras é m a xim iz a d or da u tilid a d e . E stare m os,
e m m e lh or situ a ç ã o, e m term o s u tilitá rio s , s e g uin d o u m a |
U TILIT A R IS M O 37

re gra que nos in s tru i a m a n te r prom essas, m a n te r relaçõe ê


especiais e re sp e itar dire ito s, ou s e guindo um a regra que s u|
bordin a esses prin cípio s a cálculos de u tilid a d e ? A segundai
argum e nta m os u tilitá rio s , d im in u iria a u tilid a d e . T om aria a
cooperação social d ifíc il e d e pre ciaria o v a lor da vid a e da li-
“ b erd a d e hum a n a s. A lé m disso, e p ro v á v e l que as pessoas
abusassem do põd ê F d e qu e brar prom essas o u de d is c rim i
n ar em nom e do b e m p ú blico . Todos estarão em p io r situ a
ção se a dotarm os um a regra de qu e brar prom essas ou d is cri
m in a r grupos im p o pula re s sempre que p e nsarm os que isso
m a xim iz aria a u tilid a d e (H ars a nyi, 1985).
A lg un s com entaristas argum e nta m que o u tilita ris m o de
regras d ecai p ara u tilita ris m o de atos, já que pod e m os des
crever regras tã o d e ta lh a d a e e strita m e nte que as tom a m os
e quiv a le nte s a atos (Lyons, 1965: cap. 4; H are , 1963:130-6).
C o ntu d o, m e sm o que a distin ç ã o seja v á lid a , parece ín d e v i-j
d a m e nte o tim is ta su p or que as re gra s de m a xim iz a ç ã o da!
u tilid a d e sem pre prote g erã o os d ire ito s das m in oria s fracas
e im populare s. C om o d iz W illia m s , a g ara n tia de que a ju s-
tiç a prevalecerá é " u m trib u to à decência e à im a gin a çã o des
ses u tilitá rio s , mas não à sua coerência ou a seu u tilita ris m o "
(W illia m s, 1972:103). D e q u a lqu er m odo, isso n ão respond e
a objeção, pois, m e sm o que consiga a resposta correta, o fa z
p elas ra zõ es erra d as. N a visã o do u tilita ris m o de regras, o |
que está erra do n a discrim in a ç ã o de u m gru po m in o ritá rio !
é o m e do progre ssivo causado aos o utro s p ela e xistê ncia def
um a re gra que p e rm ite a discrim in a ç ã o . O que está erra do*
em n ã o p a g ar o g a roto que c orto u a gra m a são as d úvid a s
crescentes suscitadas nos outros q u a nto à in stituiç ã o da p ro
messa. Isso, p oré m , é a bsurdo. O e rro é co m e tid o co ntra a
pessoa que n ão d e via te r so frid o porqu e os o utro s n ão gos
ta m d ela e co ntra o g aroto que tin h a u m d ire ito e special ao
d in h e iro pro m e tid o . E ss e erro e stá pre s e nte sejam qu ais fo :
re m os e fe itos a lo n g o pra z o causados aos o u tro s ..
A re sp osta do u tilit a ris m o de re gra s p erd e de v is ta a
qu e stã o re a l. A objeçã o à decisão u tilit á ria era a de que c e r
tas obrig a çõ e s e speciais d e via m ser in clu íd a s e que certas
38 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

pre ferê ncia s ile g ítim a s d e via m ser excluíd a s. Essas são e xi
gências m orais que tê m precedência sobre a m a ximiz açã o da
u tilid a d e (ao passo que o agente U as vê m era m e nte como
disp o sitivo s p ara m a xim iz a r a u tilid a d e ). M as, se essa fosses
nossa objeção, e ntã o, seria irre le v a nte diz er, com o fa z e m osj
u tilita ris ta s de re gra s, que c u m p rir prom e ssas e d e sco nta rj
pre juíz os m uita s ve zes m a xim iz a a u tilid a d e de lo n g o pra zo
ou que as prom e ssas e d ire ito s hum a n o s são d is p o sitiv o s
a in d a m a is e ng e nhosos p ara m a xim iz a r a u tilid a d e do que
pensávamos in icia lm e n te . Essa resposta antes co nfirm a que ¡
re futa a crític a de que os agentes U tra ta m o re co nh e cim e n
to de obriga çõ es especiais com o a lgo suje ito à m a xim iz a çã o
da u tilid a d e , n ão com o te n d o priorid a d e sobre esta. N ossa
objeção n ão consistiu no fa to de que as prom essas são m aus
SsE QsitiMO S.para m a xim iz a r a u tilid a d e, m as de quguelqg n ã g ..
sã.Q ta is dispositivos? Esse pro ble m a n ão pod e ser e vita do
m ud a ndo, de atos para regras, o n ív e l em que a plica m os o
prin cípio da utilid a d e . O proble m a , do p o nto de vista de nos
sa m ora lid a d e cotidia n a , está e m a plic a r o p ró prio prin c íp io
de u tilid a d e .
A lg u n s u tilitá rio s co ncord aria m com o que eu disse até
a qui. É corre to e a d e qu a do, eles diz e m , v e r nossos a p e gos!
com o te n d o pre c e d ê ncia sobre a busca da u tilid a d e geral.J
D e ve m os a c e ita r a visã o co tidia n a de que o m a l fe ito a in - '
d ivíd u o s e sp e cíficos que são ta p e a dos ou dis crim in a d o s é
fu n d a m e n to su ficie nte p ara e xig ir que as pessoas m a n te
n h a m prom e ssas e re sp e ite m d ire ito s . N ã o deve m os ser
agentes U que d e cid e m com o a gir fa z e ndo cálculos u tilit á -
rio s e que vê e m as prom essas com o disp o sitivo s para m a xi:
m iz a r a u tilid a d e . E m ve z disso, devemos v e r as prom essas e
os dire ito s das outra s pessoas com o p ossuindo um a im p o r
tâ n cia tã o supre m a que seja m b a sic a m e nte in v u ln e rá v e is
ao c á lculo dos interesse s sociais. E m re sum o, d evem os ser
n ã o -u tilitá rio s em nosso ra ciocínio m ora l. C ontudo, argu
m e nta m , isso n ã o sig nific a que o u tilita ris m o esteja erra do.
A o c o n trá rio , a ra z ã o p e la q u a l d eve m os ser n ã o -u tilit á
rio s na nossa decisão é justa m e nte a prob a bilid a d e m a ior de
m a xim iz arm o s a u tilid a d e dessa m a n e ira . U m a socie da d e
u t il it a r is m o 39

de n ã o -u tilitá rio s que a cre dita m n a im p ortâ n cia in trín s e


ca das prom e ssas e dos d ire ito s irá sa ir-s e m e lh or, e m t e r
mos de m a xim iz a ç ã o de u tilid a d e , do que um a sociedade
de u tilitá rio s , de atos ou regras, que vê e m as prom e ssas e
d ire ito s com o disp o sitivo s para m a xim iz a r a u tilid a d e .
Isso pod e parecer p aradoxal, C nnhiH o. «msrita íim p o q -
to v erd a d e iro e im p orta nte . Q .u tilita ris rno é essencialm ente
u m ffia 3 f à o d é c o n ê a flL n ã o u m p ro c e s s o cie d e c id a "
fB iír3 C T ^86:421-7; R ailton, 1984:140-6)7. O que d efin e o u ti
lita ris m o é a afirm a çã o de que o a to corre to é aquele que m a
xim iz a a u tilid a d e , não a a firm a ç ã o de que devemos buscar
m a xim iz a r d e lib era d a m e nte a u tilid a d e . É qu e stão aberta,
se deve m os ou n ão e m pre g ar u m processo de decisão u ti
litá rio - n a v erd a d e , essa p ró pria p e rg u nta deve ser re sp on
did a p o r m e io do exam e das cons e qü ê ncia s de d ife re n te s
processos de decisão sobre a u tilid a d e geral. É p erfe ita m e nte
possível que nos saiamos m e lh or em term os de p a drã o u tili
tá rio de corre çã o e m pre g a ndo u m processo de decisão não
u tilit á rio . Isso c erta m e nte parece v e rd a d e iro com re la ç ã o a
nossos apegos pessoais - a vid a de tod o s é m e nos v a lios a
se somos incapa z es de estabelecer com promissos à m a n e ira
convicta e in c o n d icio n a l excluíd a p e lo u tilita ris m o dire to.
P orta nto, devemos ser " u tilita ris ta s in d ire to s " .
E m bora este seja um p o n to im p orta n te , ele n ão re s
pond e às objeções le va nta d a s acim a. C onsid era nossa visã o
co tidia n a de que certos tip o s de pre ferê ncia são in ju sto s e,
p orta n to , n ão d eve m receber n e n h um peso em nossos p ro -

7. E m b ora a distin ç ã o e ntre p a drõ e s de corre ç ã o e processos de d e cis ã dl


seja se nsata , n ã o e stá cla ro qu e poss a m os fa z er e n tre ele s o tip o d e d is tin ç ã o ü
e xigid o p e lo u tilit a ris m o in d ir e to . A o c o n trá rio do u tilit a ris m o de regras, q u e u
v ê as prom e ss a s com o dis positiv os e ng enhosos p ara m a xim iz a r a utilid a d e , o '
u tilit a ris m o in d ir e to vê nossas crenças a respeito das promessas com o d is p o s iti
vos e ng e nhosos p ara m a x im iz a r a u tilid a d e . C o n tu d o , as pessoas n ã o v ê e m , e
n e m p o d e m v e r d e m o d o de fens á v el, as crenç as m ora is d e sta m a n e ira (S m ith,s
1988). A l é m disso, se colo c a m os peso d e m a is n e sta dis tin ç ã o, n ã o fic a c la r a
p o r qu e o u tilit a ris m o c om o p a drã o d e corre ç ã o n ã o d e v eria d e s a pare c er i n j
t e ira m e n t e d e nossas crenç as conscie nte s (W illia m s , 1973:135).
40 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

cessos de d ecisão m ora is. É possív e l que o p a drã o u tilit á


rio de correção possa ju s tific a r que a dotem os ta l processo de
decisão n ão u tilitá rio . Se fo r o caso, e ntã o, ambos os lados
concord a m em que certas pre fere ncia s n ã o devem ser con
sideradas. Mas, na nossa visão cotidian a , a razão pela qu al as
preferê ncia s inju sta s n ão devem receber n e n h um peso no
nosso processo de decisão é o fa to de serem m ora lm e nte ile
gítim a s - de n ão m ere cerem ser considera da:^P ára o u tilit á
rio in d ire to , p or o u tro la do, a ra z ão de n ão consid erarm os as
preferê ncia s inju sta s é sim ple sm e nte o fa to de que é co ntra
pro d u c e nte fa z ê -lo . A s pre ferê ncia s in ju sta s (se ra cio n a is
e inform a d a s) são tã o le g ítim a s q u a nto q u a lq u er o utra pre
ferê ncia , s e gundo o p a drã o u tilit á rio de corre çã o, m as sa í-
m o-n o s m e lhor, nos term os desse p adrão, tra ta ndo-a s como
ile g ítim a s na nossa decisão.
P orta nto, te m os duas explicações co n flita n te s p ara tra
tar com o ile g ítim a s certas preferê ncia s. Para d efe nd er o u tili-j
tarism o , p orta n to , n ão é suficie nte d e m on stra r que o p a drã c|
u tilit á rio de corre çã o pod e ju s tific a r o uso de processos d 4
d ecisão n ã o u tilitá rio s . D e ve m os ta m b é m d e m o n stra r qu e j
essa é a ju stific a tiv a certa. O u tilitá rio diz que a ra z ão de usar
mos processos n ão u tilitá rio s é o fa to de que eles m a xim i
z am a u tilid a d e . N ã o é, poré m , m ais pla usíve l diz e r que a ra
z ão de us arm os processos n ã o u tilit á rio s é sim ple sm e nte
o fa to de n ã o a ceitarm os um p a drã o de correção u tilitá rio ?
Por que p e nsar que te m de h a v er a lgum a e xplicaçã o u tilit á
ria in d ire ta p ara nossos com prom issos n ã o u tilitá rio s ?
A lg u n s u tilitá rio s parecem p ensar que, se há um a e x p li-|
cação u tilitá ria disponív e l para nossas convicções m orais, e n - 1
tão, n ã o h á n e n h um a necessidade de co nsid e ra r qu a isqu er
explicações n ão u tilitá ria s . Isso, poré m , é d ar a questão com o !
provad a . Precisam os de a lg um a rg um e nto p ara endossar o
p adrão u tilitá rio de correção em d e trim e nto de padrões a lte r
n ativos. H á ta l argum e nto nos escritos u tilitá rio s? H á, na v e r
dade, dois argum e ntos distin to s, mas argum e ntare i que n e
n hum funcion a so zinho e que a pla usibilid a d e do u tilita ris m o
U TILIT A R IS M O 41

d e p e nd e da com bin a çã o dos d ois, A ssim que. tiv e rm o s exa


m in a d o p erceb ere m os que o spro ble m a s
d iscutidos a cim a o rig in a m -se dire ta m e nte do p a drã o u tili
ta rio d e corre ç ão e n ã o são afe ta d a s substa ncia lm e nte p ela
m a n e ira como, ess e jm drã o-i^a plic a d o .

4. D o is a rg u m e n to s a fa v o r d a m a xim iz a ç ã o d a u tilid a d e

N e sta seção, consid erarei os dois prin cip a is argum e ntos


para v e r a m a xim iz a çã o da u tilid a d e com o o p a drã o de cor- í
reção m ora l (seja ou n ão este p a drã o e m pre ga do com o p ro
cesso de decisão). C om o veremos, eles geram duas in te rp re
tações in te ira m e n te difere nte s do que é u tilita ris m o .

(a) Ig u a l consideração dos interesses

E m um a in te rpre ta ç ã o, o u tilit a ris m o ^ u m p a drã o p ara / ^


a greg ar intere sse s e desejos in d iv id u a is . O s in d iv íd u o s tê rr
p re fS e n a ã s^ S tin fã s le p õ fS ía ã K íê H te co nflita nte s, e pre ci
samos de um p adrã o que e spe cifiqu e quais acordos e ntre es
sas preferências são m ora lm e nte aceitáveis, quais acordos sãa
e qüita tivos para as pessoas cujo b e m -e star está em jogo. E s s e
é a questão que esta prim e ira interpre ta ç ã o do u tilita ris m o
te nta responder. U m a resposta popular, e ncontra d a em m u i
tas te oria s difere nte s, é que ps interesses de cada pessoa d e
v e m receber ig u a l consideração. A vid a de cada pessoa te m a
m esm a im p ortâ n cia dò p o n to de vista m ora l e, p orta n to ,
seus interesse s d eve m re ce ber ig u a l consideração.
O u tilita ris m o , nesta sua prim e ira visão, aceita esse p rin
cípio ig u a litá rio g eral. C o ntu d o , a id é ia de tra ta r as pessoas
com ig u a l consideração é im pre cisa e te m de ser especificada
m ais d etalh a d a m e nte para forn e c er um p a drã o d e term in a do
de corre çã o. U ip ? m a n e ira d a rq
te de e spe cificar essa id é ia é d ar ig u a l peso às preferê ncia s de .
42 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

cada pessoa, ind e p e nd e nte m e nte do. conte údo das pre ferê n-
cias ...ou - da situ a çã o m a te...ria
™**™*****B>2^^
l da pessoa/
a.r. . /
C om o d iz B e nth a m ,
conta m os cada pessoa com o um a , n e n h um a com o m ais de
um a. N a prim e ira concepção do u tilita ris m o , e ntã o, a ra z ão
p e la q u a l d eve m os d a r ig u a l peso às pre fe rê n cia s de cada
pessoa é que isso tra ta as pessoas com o igu ais, com ig u a l in
teresse e re sp e ito.
Se aceitarm os isso como padrão de correção, então, con
cluire m os que as ações m ora lm e nte corretas são as que m a
xim iz a m a u tilid a d e . C o ntu d o, é im p orta n te observar que a
m a xim iz a ç ã o n ã o é o o b je tiv o d ire to do p a drã o, ela surge
com o um su bpro d uto de u m p a drã o que te m com o o bje tivo
a greg ar as pre ferê ncia s das pessoas de m a n e ira e q üita tiv a .
A e xig ência de que m a xim iz e m os a u tilid a d e é inte ira m e nte
derivad a da exigência a n te rior de tra ta r as pessoas com igu al
consideração. A ssim , o prim e iro argum e nto a fa vor do u tili
ta rism o é este:

1. as p essoas .tê m im p ortâ n cia e tê m im p ortâ n cia ig u a l;


p orta n to ,
2. os interesse s de cada pessoa devem rece h e rrig u a l
. peso; p orta n to ,
3. os atos m ora lm e nte corretos m a xim iz arã o a . ptüid a d e .

E ste arg um e nto de ig u a l considera ção está im p líc ito na


afirm a çã o de M ili de que " n a re gra de ouro de Jesus de N a
z aré, le m os o e sp írito co m ple to da ética da u tilid a d e . Faze:
aos outros com o quis er que façam com você e a m ar o p ró x i
m o como a si m esmo constitu e m a perfeiçã o id e a l da m ora li
dade u tilitá ria " (M ill, 1968:16). O argum e nto é a firm a do m aií
e x plicita m e n te p o r u tilit á rio s conte m p orâ n e os com o H a r-
sa nyi, G riffin , S in g e r e H a re (H a rs a n yi, 1 9 7 6 :1 3-4 , 19-20,
45-6, 65-7; G riffin , 1986: 208-15,295-301; H are, 1984:106-12;
Singer, 1979:12-23; H a sle tt, 1987: 40-3, 220-2). H are, na v e r-j
dade, acha d ifíc il im a g in a r q u a lq u er o utra m a n e ira de m o s-j
tra r ig u a l consideração p or cada pessoa (H are , 1984:107; cf.|
H ars a nyi, 1976: 35).
U TILIT A R IS M O 43

(b) U tilita ris m o teleológico

H á , poré m , outra interpreta çã o do u tilita ris m o . S egundo


esta, m a xim iz a r o b e m é a lg qja rim á rio^n ã Q d e riv a d o , e p o -
,
d em os consid era r os in d iv
^ nvaiuatm s w e « s n a « * e i
íd u o s ig u a ]m m te ^ B £ 1 3- á &^^ . ,
*a e*t*«w*« «w*’*’* ’* _
essa e a m a n e ira d e m a x im iz a r ..o v a lo n N osso d e ver prim a
rio n ã o é tra ta r as pessoas com o igu a is, m as oca sion ar e sta
dos de coisas va liosos..A s-p e sso a s, com o coloca W illia m s ,
são vistas apenas com o-locale s de utilid a d e s ou como ala va n-
'cas causais para a "re d e de u tilid a d e s ". O "p orta d or básico de|
v a lor p ara o u tilita ris m o é o estado de coisas" (W illia m s, 1981 f
4). O u tilita ris m o , p o r esta visã o, n ão se pre ocup a p rim a ria
m e nte com pessoas, m as com estados de coisas. R awls ch a
m a isso te oria " id e o ló gic a ", o que sig n ific a .que o a to corre
to é d e fin id o a nte s e m fu n ção da m a xim iz a c ã o do b e m .do.
que em funçã o da ig u a l consideração para com o sin d iv íd u o s ,
(R a w ls,"1971: 24).
E sta segunda inte rpre ta ç ã o é urn a form a g e n uin a m e n
te d is tin ta de u tilita ris m o , n ã o sim ple sm e nte um a m a n e ira
de descrever a m esm a te oria . Seu c ará ter d is tin to torn a -s e
claro se e xam ina m os as discussões da p o lític a pop ula cion a l.
D e re k P a rfit p e rg u n ta se d eve m os m ora lm e n te d u p lic a r a
popula ç ã o, m e sm o que sig n ifiq u e re d u z ir o b e m -e sta r de
cada um quase que p ela m etade (já que isso, a ind a assim,
a um entará a u tilid a d e geral). E le pensa que um a p olític a para
d u p lic a r a p o p ula ç ão é um a conclus ã o g e nuín a , a ind a que
u m ta n to re p ug n a nte , do u tilita ris m o ..M a s n ão pre cisa ser,
se virm o s o u tilita ris m o com o um a te oria de tra ta r as pessoas
com o igu a is. Pessoas in e xiste nte s n ã o tê m re ivin dic a çõ e s -
n ã o te m os obrig a çã o m ora l de tra z ê-la s ao m u n do . C om o
observa John Broom e, "n ã o podemos dever a ningu é m a obri
gação de tra z ê -lo ao m u n d o porqu e fa lta r com ta l o brig a
ção n ão seria fa lh a r com a lg u é m " (Broom e, 1990-1: 92). E n-
" tâ o , q u a l e a o b rig ã p ri aqüT, n a se gunda interpre ta ç ã o? A
obriga çã o é a de m a xim iz ar o v alor, ocasion ar estados de c o i
sas valiosos, m esmo que a conseqüência seja d eixar todas as
pessoas existentes em situação p io r do que a que e stariam de
o utra m a n eira .
44 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

O caráter d is tin to dessa segunda interpre ta ç ã o ta m b é m ,


é e vid e nte na discussão de T hom a s N a g e l. E le exige que
acrescentemos um a lim ita ç ã o "d e o n to ló g ic a " de ig u a l tra ta
m e nto ao u tilita ris m o , que, ele a cre dita , se pre ocup a com a
seleção do "re sulta do im p e ssoalm ente m e lh or" (N agel, 1986:
176). N a g e l d iz que devemos q u a lific a r nossa obrig a çã o de
m a xim iz ar o bem com a obrigação de tra ta r as pessoas como
igu ais. O bvia m e nte , sua e xig ê ncia só fa z s e ntid o com re fe
re n cia à se gund a in te rpre ta ç ã o do u tilita ris m o , s e gundo a
q u a l o d e ver fu n d a m e n ta l n ão é a greg ar pre ferê ncia s in d i
vid u a is e quita tiv a m e nte , m as oca sion ar o m á xim o de v a lor
n o m u n d o . Pois, na prim e ira interpre ta ç ã o , o u tilita ris m o já
é um p rin c íp io da igu a ld a d e m ora l; se fa lh a com o p rin c ip io
de ig u a l considera ção, e ntã o, a te oria in te ira fa lh a , p ois n ão
há n e n h um com prom isso in d e p e nd e nte da id é ia de m a xi
m iz a r a u tilid a d e .
Essa se gunda inte rpre ta ç ã o coloca a prim e ira in te rp re
tação de cabeça p ara baixo. A prim e ira , d e fin e o d ire ito em
term os de tra ta r as pessoas com o iguais, o que leva ao p a drã o
de agregação u tilitá rio que m a xim iz a o bem. A segunda d e fi
ne o d ire ito e m te rm o s de m a xim iz a r o b e m , q q u e le v a ao
p a drã o de agregação u tilit á rio , que, p o r m e ra ,coincid ê ncia ,
tra ta os interesses das pessoas igu alm e nte . C omo vim os, esta
inversã o te m im p orta nte s conseqüências te órica s e práticas.
P orta nto, tem os dois ca minhos ind e p e nd e nte s e, na v e r
dade, co nflita n te s, para a a firm a ç ã o de que a u tilid a d e deve
ser m a xim iz a d a . Q u a l é o arg um e nto fu n d a m e n ta l do u tili
tarism o? A té agora, v a li-m e im p licita m e n te da prim e ira v i
são - isto é, o u tilita ris m o é visto m e lh or com o um a te oria de
com o re sp e ita r o d ire ito m ora l de cada in d iv íd u o de ser tra
ta do com o u m ig u a l. R awls, poré m , d iz que o u tilita ris m o é jj
fund a m e nta lm e nte um a te oria do segundo tip o - isto é, um a I
te oria que d e fin e o corre to e m fu n ç ã o da m a xim iz a ç ã o do I
b e m (R a wls, 1971: 27). H á , to d a via , a lgo b iz a rro nessa s e -i
gund a in te rpre ta ç ã o . Pois fic a to ta lm e n te obscuro p or que
m a xim iz a r a u tilid a d e com o nosso o b je tiv o d ire to deve ser
consid era do u m d e ver moral. É u m d ever para com quem? A _
u t il it a r is m o 45

m ora lid a d^ na nossa visão c o tí d ia i^ ijia w .íp B S lã a ^ e jd a ii


gações in te rp esso ais - ás o brig ações que d evem os uns aos
outros. M a s p ara com qu e m te m os o d e v er de m a xim iz a r a
utilid a d e ? N ã o pod e ser para com o pró prio estado de coisas
m á xim a m e nte v a lioso, pois os estados de coisas n ão tê m d i
reitos m orais. Talvez tenham os um dever para com as pessoas!
que se b e n e ficia ria m da m a xim iz a çã o da u tilid a d e . M as, sej
esse dever, com o parece m u ito pla usív e l, é ordéver de tra ta r
' r m f í estamos de v o lta
a prim e ira inte rpre ta ç ã o do u tilita ris m o com o u m m odo de
tra ta r as pessoas com o igu ais. M a xim iz a r a u tilid a d e agora J
é apenas u m su bpro d uto , n ão o fu n d a m e n to fin a l da te oria . (
E, e ntã o, n ã o pre cisam os d u p lic a r a popula çã o, já que n ão
te m os n e n h um a obrig a çã o de conce b er os que c o n s titu i
ria m o a um e nto da popula çã o.
Se, não obsta nte , a ceita m os que m a xim iz a r a u tilid a d e
é o pró prio obje tivo, então, ele é visto m e lh or com o um id e a l
n ão m ora l, a p are nta do de algum a s m a n eira s com o id e a l es
té tico . A adequação desta caracteriz ação pod e ser p erce bid a
e xa m in a ndo o u tro e xem plo de te le olo gista que R awls ofere
ce, a saber, N ietzsch e (Rawls, 1971:25). O b e m que a te oría de
N ie tz sch e procura m a xim iz ar (p or e xem plo, a cria tivid a d e ) A
d is p o n ív e l apenas p ara os poucos e spe ciais. O s o utro s são
úte is apenas n a m e d id a em que prom ov e m o bem dos p o u
cos especiais. N o u tilita ris m o , o v a lor se ndo m a xim iz a d o é
m ais m und a no, algo que tod o in d iv íd u o é capaz de com p ar
tilh a r, ou a lgo p ara o q u a l é capa z de c o n trib u ir (e m bora a
p o lític a de m a xim iz a çã o possa re sulta r no s a crifício de m u i
tos). Isso sig nific a que, na te le ología u tilitá ria , ao co ntrá rio da
de N ie tz sch e , as preferê ncia s de tod a s as pessoas devem re
ceber um peso. C o ntu d o, em n e n h um dos casos o p rin c íp io
fu n d a m e n ta l é tra ta r as p e ssoas com o igu ais. A nte s, é m axi
m iz a r o bem,> E, em ambos os casos, é d ifíc il p erce b er com o
isso pode ser visto com o um prin c íp io m ora l. O o bje tivo não
é re sp e itar pessoas, para as quais certas coisas são necessárias
ou desejadas, mas sim re sp eitar o bem, para o qu a l certas pes
soas pod e m ou n ã o fa z er co ntrib uiçõ e s úte is. Se as pessoas
46 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

tom a ra m -s e o m e io de m a xim iz a çã o do bem , a m ora lid a d e


fo i excluída do qua dro, e u m id e a l n ão m ora l está em fu n cio
n a m e nto. J Jm a socie d a d e nie tz schia n a pod e ser_eatetic.a.-
m e nte m e lh or, m a is b o n ita , m as n ã ojé m ora lm e nte m e lh or
(o p ró prio N ie tz sch e não re je ita ria esta d escrição - sua te o
ria estava " a lé m do b e m e do m a l"). Se o u tilita ris m o é in te r
pre ta do dessa m a n e ira te le ológic a , e ntã o ta m b é m deixa de
ser um a te oria m ora l.
Disse a nteriorm e nte que um dos atrativos do u tilita ris m o
era sua n a ture z a s e cular - p ara os u tilitá rio s , a m ora lid a d e
te m im p ortâ n cia porqu e os seres hum a nos tê m im p o rtâ n
cia. E sta id é ia a tra e nte , p oré m , está a use nte nesta s e gund a i
inte rpre ta ç ã o , cujo o b je tiv o m ora l é in te ira m e n te obscuro.»
O s hum a nos são visto s com o pro d u tore s ou consum idore s
p ote n cia is de u m b e m e nossos deveres são para com esse
bem , n ão p ara com as outra s pessoas. Isso vio la nossa in tu i-1
ção c e ntra l de que a m ora lid a d e te m im p ortâ n cia porqu e o s f
seres h um a nos ta m b é m tê m . N a verd a d e , poucas p e sso a s!
e ndossara m o u tilit a rism o com o um a te oria pura m e nte , te -
le ológic a , sem re correr de m odo a lg um ao id e a l de re sp e ito
ig u a l p elas pessoas .fE ílncs, de G . E. M o ore , é um a exceção
pro e m in e nte). O u tilita ris m o sim ple sm e nte deixa de te r q u a l
qu er a tra tiv o se fo r separado dessa in tu iç ã o c e ntra l.
Se o u tilita ris m o é v is to m e lh or com o um a d o u trin a
ig u a litá ria , e ntã o, n ã o há n e n h u m com prom isso in d e p e n
d e nte com a id é ia de m a xim iz ar o bem-estar.JD u tilit a rk tle jn
de a d m itir que devemos usar o p a drã o da m a xim iz a çã o a p e
nas se fo r a m e lh or conce pção do tra ta m e n to .das-pessoas
com o iguaiss. Isso é im p orta n te porqu e boa p arte da a tra
ção do u tilita ris m o d e p e nd e de um a m istura tá cita das duas
justific a tiv a s8. A in e qüid a d e in tu itiv a do u tilita ris m a o çfpsqua-

8. O s críticos d o u tilit a ris m o ta m b é m fu n d e m as du a s versões. Isso é


v e rd a d e iro , p o r e x e m plo, n a a firm a ç ã o de R a wls d e qu e o u tilit a ris m o ig n ora
a sep ara çã o das pessoas. S e gundo R a wls, os u tilit á rio s e ndoss a m o prin c íp io
de m a x im iz a r a u tilid a d e p orq u e g e n e ra liz a m a p a rtir d o caso de pe sso a in d i
v id u a l (é ra cio n a l qu e cada in d iv íd u o m a xim iz e sua fe licid a d e ) p ara o caso de
pe ssoas m ú ltip l a s (é r a cio n a l qu e a socie d a d e m a xim iz e sua fe licid a d e ). R a wls
U TILIT A R IS M O 47

lific a ria ra pid a m e nte com o u m conc e ito ade qua do da ig u a l


consideração, n ão fosse o fa to de que m uita s pessoas co nsi
deram sua característica m a xim iz a dora com o um a ra z ão a d i
cion a l e ind e p e nd e nte para e ndossá-lo- O s u tilitá rio s re cor
re m tá cita m e n te ao p a drã o de m a xim iz a ç ã o de b ens p ara
desviar objeções in tu itiv a s a seu conce ito da ig u a l consid era
ção. N a verd ad e ,jpod e parecer que é um p o n to forte único do
u tilita ris m o o fa to de que ele pod e m istura r ess.as duas ju s ti-
'fic a tiv a s/In fe liz m e n te , é inco ere nte e m pre g ar ambos os p a
drões na m esm a te oria . N ã o pod e m os diz e r que a m ora lid a
de tra ta fund a m e nta lm e nte da m a ximiz ação do bem, se ta m
bém disserm os que ela tra ta fun d a m e nta lm e nte do re sp e ito
,ao dire ito dos in divíduos à ig u a l consideração. Se os u tilitá rios
estivessem presos a u m ou ao o u tro dos p adrõ e s, sua te oria
p erd e ria m u ito de sua a tra ç ã o/V isto com o um a te oria te le o-
lògic a de m a ximiz açã o, ele d eixa de ir ao e ncontro de nossas
intuiçõ e s ce ntrais a re sp eito do o bje tivo da m ora lid a d e; visto
com o te o ria ig u a litá ria , ele co ndu z a v á rio s re sulta d o s que
e ntra m e m c o n flito com nossa p ercepçã o do que é tra ta r as
pessoas com o igu ais, com o agora espero d e m onstrar de m a
n e ira m ais siste m á tica .

5. C on c e p ç ã o in a d e q u a d a d e ig u a ld a d e

Se d evem os tra ta r o u tilita ris m o com o um a m ora lid a d e


p o lític a pla usív e l, e ntã o d evem os in te rp re tá -lo com o um a
te oria de jg u a l consideração. Isso pod e p arecer e stra nho, d a
dos os atos in ig u a litá rio s que o u tilita ris m o pod eria ju s tific a r
- p or e xe m plo, p riv a r de lib e rd a d e pessoas m a lquista s. Pre
cisamos, p oré m , d is tin g u ir difere nte s nív e is em que a ig u a l-*1

fa z obje ç ã o a esta g e n era liz a ç ã o p orq u e tra t a a socie d a d e c o m o se fosse u m a


111if itCSi- ...... .. ,7, -> -.... .......... .
ú n ic a p essoa e, p o rt a n to , ig n o ra a dif e re n ç a e ntre p e rm u t a s n a v id a de u m a
pessoa e p e rm uta s n p de curso das vid a s (R awls, 1971:27; cf. N o z ick, 1974:32-3;
G ord o n , 1980:40; M a ckie , 1984: 86-7). C o n tu d o , n e m a v ers ã o ig u a lit á ria n e m
a t e le oló gic a d o u tilit a ris m o fa z esta g e n era liz a ç ã o, e a a firm a ç ã o de R a wls
bas eia-s e e m u m a fus ã o das du as. S obre isso, v e r K y m lic k a (1988b: 182-5).
48 FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dade pode ser u m v alor. E mbora o u tilita ris m o possa te r e fe iJ


tos d e sigu a is nas pessoas, ele pod e , n ã o obsta nte , a firm a i
que é m o tiv a d o p or um intere sse em tra ta r as pessoas com o
igu ais. N a verdade, p ergunta H are , se a cre dita m os que o in
teresse essencial das pessoas é a satisfação de suas pre fere n
cias in form a d a s e que todos d e va m re ce b er ig u a l co n sid e
ração, e ntã o, o que m a is pod e m os fa z e r a n ão ser d a r ig u a l
peso às preferê ncia s de cada pessoa, todos conta dos como
um e n e n h um conta do com o m ais de um (H are , 1984:106)?
C ontudo, embora o u tilita ris m o procure tra ta r as pessoas
com o ig u a is, ele v io la m uita s das nossas intuiçõ e s sobre o
que sig n ific a v e rd a d e ira m e nte tra ta r as pessoas com ig u a l
considera ção. É possível que nossas intuiçõ e s a n tiu tilitá ria s j
n ão sejam confiá ve is. A rg um e nta re i, poré m , que o u tilita ris -j
..mo in te rpre to u erron e a m e nte o id e a l da ig u a l considera ção
p ara com os intere ss e s de ca da p essoa e, com o re su lta d o ,
p e rm ite qu e a lgum a s pessoas s e ja m tra ta d a s com o m e nos
que igu a is, com o m e ios p ara os fin s de outra s pessoas., -
Por que o u tilita ris m o é in a d e qu a do como concepção da
ig u a l consideração? O s u tilitá rio s pressupõem que tod a fo n
te de fe licid a d e ou to d o tip o de pre fe rê n cia deve re ce b er o
m esmo peso se isso re sulta em ig u a l u tilid a d e . A rg u m e n ta
re i que um a concepção adequada da ig u a l consideração deve
d is tin g u ir difere nte s tip os de preferências, das quais só a lg u
mas tê m peso m ora l le g ítim o .

(a) Preferências externas

U m a distinç ã o im p orta nte e ntre os tip o s de preferências


é a qu ela e ntre pre ferê ncia s "p e sso a is " e " e xte m a s " (D w or-
k in , 1977: 234). A s pre ferê ncia s pessoais são pre ferê ncia s a
re sp eito dos bens, recursos e oportunid a d e s etc., que qu ere
m os que e ste ja m disp o n ív e is p ara n ó s . A s pre ferê ncia s e x-,
ternas diz e m re sp eito aos bens, recursos e oportunid a d e s qu e
.queremos que e stejam disponív e is p ara os outros. A s pre fe
rências externas às ve zes são pre conceituosa s. A lg u é m pode
u t i l i t a r is m o 49

querer que os negros te nh a m m e nos recursos porqu e pensa


que eles são m e nos dig n o s de re sp e ito . Esse tip o de pre fe
re ncia e xtern a deve ser consid era do n o c á lculo u tilitá rio ? A
e xistê ncia de ta is pre fere ncia s pod e ser consid era d a com o
ra z ão m ora l para n e g ar esses recursos aos negros?
C om o vim o s, os u tilit á rio s ip d ire to s a rg um e nta m que
há circu n stâ n cia s e m que e staría m os em m e lh or situ a ç ã o,
em term os u tilitá rio s ,, e xcluin d o ta is pre ferê ncia s de.nossos
processos de decisão cotidia nos,-A questão que quero co nsi
d erar a qui, p oré m , é se essas pre ferê ncia s devem ser e xclu í
das m ais siste m aticam ente, e xcluindo-a s de nosso p a drã o de
correção. E qu ero consid erar se o pró prio prin c íp io m ais p ro
fun d o do u tilita ris m o oferece fund a m e nto s para n ão a trib u ir
às pre ferê ncia s externas n e n h um peso m ora l no seu p a drã o
de corre ç ã o. O p rin c íp io m a is pro fu n d o , com o vim o s, é u m .
p rin c íp io ig u a litá rio 1’. C ada pessoa te m um a posiç ã o m ora l
ig u a l, cada pessoa te m ta nta im p ortâ n cia q u a nto q u a lq u er
o utra - é p o r isso que as pre ferê ncia s de cada pessoa devem
ser consideradas no cálculo. M as, se é p o r isso que somos*
atraídos p ara o u tilita ris m o , e ntã o parece in co ere nte co n si
derar as preferências extemas. Pois, ,se.as.preierências externas
fore m consid era d a s, e ntã o o que m e é d e vido le gítim a m e nte ,
depende do que os outros pensam a m e u respeito. Se pensam
que sou in d ig n o de ig u a l interesse, e ntã o m e sairei m enos
bem na agregação u tilitá ria . O s u tilitá rio s , porém , não podem
aceitar esse re sultado porqu e o u tilita ris m o te m como pre m is
sa a visão de que todos devem ser tratados como iguais.
Se a cre dita m o s que to d o s d e ve m ser tra ta d o s com o
igu a is, e ntã o, ofe nde nossos prin cípio s m ais profu n do s p e r
m itir que a lgum a s pessoas sofra m p orq u e o utra s n ã o q u e
re m que sejam tra ta d a s com o igu a is. C om o d iz D w o rk in , as
pre ferê ncia s extern a s in ig u a litá ria s " e stã o no m e sm o n ív e l
- pre te nd e m ocupar o m esmo espaço - que a te oria u tilitá ria " .
P orta nto, o u tilita ris m o "n ã o pod e a c e itar sim ulta n e a m e n
te , com a m e sm a e n e rgia com que lu ta p o r q u a isq u e r o u
tras preferências, um d ever de d errota r a falsa te oria de que as
pre fe rê n cia s de algum a s pessoas d e ve m ser m ais co n sid e -
50 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

radas que as de outra s e u m d e v er de lu ta r p ara s a tisfa z er as


pre fe re n cia s [e xtern a s] dos que a c e ita m a p a ixon a d a m e nte
e sta falsa te o ria " (D w ork in , 1985: 363). O p ró p rio prin c íp io
qu e nos d iz p ara co n sid e ra r ig u a lm e n te as pre fere ncia s de
tod a s as pessoas em nosso p a drã o de correção ta m b é m nos
d iz p ara e x clu ir essas pre ferê ncia s que n eg a m que as pre fe
rê ncias das pessoas devam ser considera da s igu a lm e nte . Pa-
ra fra s e a ndo H a rs a n yi, os u tilitá rio s d e via m ser "o p o sitore s
p o r co n sciê n cia " q u a n d o d ia n te de ta is pre ferê ncia s (H a r
sa nyi, 1977: 62; G o o din , 1982: 93-4).

(b) Preferências egoístas

U m se gundo tip o de pre ferê ncia ile g ítim a e nvolve o d e


sejo de m a is do que nossa p arcela ju sta dos recursos. C h a
m a re i estas de "pre fe rê n cia s e goísta s ", já que elas ig n ora m
o fa to de que o utra s pessoas pre cis a m dos re cursos e tê m
d ire ito le g ítim o a eles. C om o ocorre com as preferê ncia s ex
tern a s in ig u a litá ria s , as pre ferê ncia s egoístas m uita s ve z es
são irra cio n a is e d e sinform a d a s. À s ve z es, p oré m , sa tisfa z er
preferê ncia s egoístas gerará u tilid a d e g enuína. Tais pre fe rê n
cias, se irra cion a is, d e veria m ser in clu íd a s no p a drã o de cor
reção u tilitá rio ?
O s u tilitá rio s terã o objeções à m a n e ira com o colo qu e i a
p ergunta . C om o vim o s, os u tilitá rio s n egam que e xista algo
com o um a p arcela ju sta (e, p orta n to , um a pre ferê ncia egoís
ta) ind e p e nd e nte m e nte dos cálculos u tilitá rio s . Pára os u tili
tários, um a distrib uiç ã o e qüita tiv a é apenas um a distrib uiç ã o
que m a xim iz a a u tilid a d e e, p orta n to , n e n h um a pre fe rê n
cia pod e ser id e n tific a d a com o e goísta antes dos cálculos de
utilid a d e . P orta nto, é um a p etiçã o de prin c ípio contra o utilito
tarism o supor que podem os id e n tific a r coisas como pre fe rê nij
cias egoístas antes dos cálculos u tilitá rio s . Podemos, p o ré m -
p e rg u n ta r se o p ró p rio p rin c íp io m a is pro fu n d o do u tilit á
rio oferece fun d a m e nto s p ara a dotar um a te oria de parcelas
e qüita tiv a s que nos capacite a id e n tific a r e e xcluir pre fe rê n
cias egoístas de nosso p a drã o de correção.
U TILIT A RIS M O 51

E sta qu e stã o é d is c u tid a em um d e b a te re c e nte e ntre


H are e John M a ckie . H aré , com o a m a ioria dos u tilitá rio s ,
a çre dita .qu e tod a s as pre fere ncia s ra cio n a is d e v e m s er in
cluídas n a agregação d e u tilid a d e s, m e sm o as que parecem
Iñ e q üita tly a s.'M e sm o que eu te nh a um a e norm e qu a ntid a d e
de recursos, e nqu a nto m eu v iz in h o te m m u ito poucos, se eu
cobiço os recursos de m e u v iz in h o , m e u desejo deve ser in
cluído n o c álculo. E se os cálculos tiv e re m re sulta do favorá vel
a m im , ta lv e z porqu e eu te n h a m u ito s a m igos que com p ar
tilh a ria m de m e u pra z er, e ntã o d evo te r esses recursos. N ã o i
im p o rta q u a n to eu já te n h a , m e u d e se jo de m a is re c u rs o s j
co n tin u a a ser consid era do ig u a lm e n te , m e sm o q u a n do os j
recursos que qu ero devam v ir de a lgu é m com m u ito poucos.^
Por que os u tilitá rio s devem considerar tais preferências?
H are a cre dita que o prin c íp io da ig u a l considera ção assim o
exige. S egundo H are , a m e lh or p i a ne.ira.da.in tprpre ta r ggse
p rin c íp io igu a lit á rio é us ar o s e g uinte te ste m e nta l: coloc ar-
m o-nos n o lu g ar dos outros e te ntarm os im a gin ar com o nos-
' sas ações os a fe ta m i E devemos fa z er isso em relação a todos
os afe ta dos põTriÕ ssas ações. A ssum im o s o p o n to de vista
de cada pessoa e o tra ta m os com o possuid or de im p ortâ n cia
ig u a l à im p ortâ n cia do nosso, com o ig u a lm e n te dig n o de
interesse. N a verdade, diz H are, devíamos tra ta r esses outros
pontos de vista como nosso pró prio p o n to de vista . Isso asse
gura que estamos e xibind o ig u a l consideração p or cada p es
soa. Se, dessa m a n e ira , nos coloca m os n o lu g a r dos outro s,
e ntã o devemos e scolh er a ação que é m e lh or "p a ra m im " ,
qu a n do o " e u " , nesse caso, sig n ific a to d o s os " e u s " , is to é,
tod o s os dife re n te s p o n to s de vista que a gora e stou c o n si
d era ndo com o m eus. S e.te n to e scolh er o que ç ro ç lh or para
to dos os m e us.dife re n te s " e us ", escolh e re i a acão qu e m a -
xim iz a a sa tisfa çã o das pre ferê ncia s de todos esses " e u s ".
P orta nto , a firm a H are , o c rité rio de agregação u tilit á ria d e
corre n a tura lm e nte desse m od e lo in tu itiv o de ig u a l consid e
ração. Se tra ta r os interesse s de cada pessoa com o se tiv e s
sem im p ortâ n cia ig u a l, im a gin a n d o que seu p o n to de vista
é, n a v erd a d e , o m e u, a d o ta re i p rin c íp io s u tilit á rio s (H are ,
1984:109-10; cf. 1982: 25-7).
52 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

H a re p e nsa que essa é a ú nic a m a n e ira ra cio n a l de


d e m o n stra r ig u a l intere ss e p ela s pessoas. C o n tu d o , com o
observa M a ckie , há outra s possibilid a d e s, m esmo se a ceita
m os a afirm a çã o de H are , de que tra ta m os as pessoas como
igu ais coloc a ndo-nos no lug ar delas e tra ta n d o cada um d es
tes difere nte s " e u s " com o ig u a lm e n te im p orta n te s . Em ve z
de m a xim iz ar a satisfação de preferê ncia s e ntre todos estes
eus, pod ería m os d e m onstrar nosso interesse p or eles g ara n
tin d o a cada um "u m a o p ortu nid a d e ju s ta " na vid a , isto é,
g ara ntindo a cada um deles um n ív e l adequado de recursos
e lib erd ad e s. O u pod eríam os, ao ocup ar sucessivam ente es
sas diferentes posições, fa z er o que é m e lh or para os que estão
em p io r situ açã o ou pro p orcio n a r a cada um deles um a p a r
cela ig u a l dos re cursos e lib erd a d e s disponív e is. Todas estas
são concepções difere nte s do que exige a noção a bstra ta de
ig u a l considera ção (M a ckie , 1984: 92).
C om o pod e m os d e cidir e ntre essas difere nte s m a n eira s
de d e m on stra r ig u a l consideração? O s u tilitá rio s a ssin ala m
que sua visã o ta m b é m pod e le v ar a um a d istrib uiç ã o ig u a li
tá ria de re cursos. A s pessoas que carecem de re cursos co n
se guirã o, em g eral, m ais u tilid a d e com cada re curso a dicio
n a l do que aquelas que já tê m m u ito s recursos. A lg u é m que
está passando fom e com certe z a cons e guirá m ais u tilid a d e
de u m p e d a ço de a lim e n to do que a lgu é m que já está b e m
abastecido de com id a (H are, 1978:124-6; Bra ndt, 1959: 415-
20). E ntã o, a m bos os la dos p od e m co n cord a r em com e çar
com um a distrib uiç ã o m ais ou m enos ig u a l de recursos. C on
tud o , H are e M a ckie concebem essa distrib uiç ã o in icia lm e n
te ig u a l de m a n eira s difere nte s.
Rara M a ckie , na m e did a em que todos os outros te nh a m
sua p arcela e q ü ita tiv a de recursos, os recursos in icia lm e n te
a tribuídos a m im são m eus - isto ér nin g u é m m ais te m qual -
qu e r d ire ito de ju s tiç a le g ítim o sobre eles. A lg um a s pessoas
que já tê m sua parcela e qüita tiv a pod e m querer ta m b é m p a r
te da m in h a parcela. M as isso não é im p orta nte , m ora lm e n-
te fala ndo. Suas preferências não tê m n e n h um peso m ora l.
São preferê ncia s egoístas, já que d eixam de re sp eitar m eu d i-
J
%

í
u t il it a r is m o 53

re ito a urna parcela e qüita tiv a . C onform e a visã o de M a ckie ,


o E stado deve assegurar a p arcela de re cursos de cada p e s
soa e n ão p e rm itir que seja m tom a d a s apenas porqu e o u
tras pessoas têm prefere ncia s egoístas p e lo que é le g itim a -
m ente de o utra pessoa. A m e lh or concepção de ig u a l co n si
deração seria e xcluir ta is pre ferê ncia s egoístas.
Para H are , p or o utro la do, ps recursos in icia lm e n te d is
trib u íd o s a m im não são re a lm e nte m eus da m esm a m a n e i
ra. São m eus a m e nos ou até que a lgum a o utra pessoa p o s
sa fa z er m e lh or uso d eles, se ndo que " m e lh o r" sig n ific a o
que produ z m ais u tilid a d e geral. H are pensa que esta c o n d i
ção para to m a r a m in h a p arcela é e xigid a p e lo m e sm o v a lor
que in ic ia lm e n te le vo u o gov e rn o a conc e d ê-la a m im , isto
é, um ig u a l interesse p elos o bje tivo s de cada p e sso a .ife nps
im porta m os ig u a lm e nte com os obje tivos das pessoas, então,
e c orre to re d is trib u ir re cursos sem pre que p u d e rm o s s a tis
fa z er m ais o bje tivo s ao fa z ê -lo /
Temos a lgum a ra z ão para e scolh er um a destas conc e p
ções de ig u a l consideração e n ão a outra ? Precisamos e xa m i
n ar m ais d e ta lh a d a m e nte os tip o s de pre fe rê n cia qu e es-
taria m e n volvid o s na re d istrib u iç ã o de H are . S uponh a m os
que te n h o m in h a p arcela e q üita tiv a , com o tod o s os outro s,
e que esta m os em um a socie d a d e ric a , de m o d o que essa
parcela e q ü ita tiv a in c lu i um a casa e u m gra m a do. Todos os
o utro s n o m e u q u a rte irã o tê m u m ja rd im com flore s, m as
g osta ria m que m e u gra m a do fosse a b erto, com o u m espa
ço p ú blico para as crianças brin c are m ou os cães passe arem.
Eu, porém , quero m e u pró prio ja rdim . O desejo dos outros de
usar m eu gra m a do com o espaço p ú blico pode m u ito b e m te r
m ais peso, em term os de u tilid a d e geral, do que o m eu dese
jo de te r u m ja rd im . H are pensa que está certo, p orta n to , s a -l
critic a r m e u desejo p e lo desejo m a ior dos outros. ;
Se é m ora lm e n te erra do eu in s is tir em te r u m ja rd im ,
f
precisam os saber quem é prejudicado. Se m eu s a crifício é e xi-„
gid o p ara as pessoas sere m tra ta d a s com o ig q a is ,,q u e m é > %
tra ta d o com.o... ......
m e nos que
X..-.... ig u a l se *eu re je ito o s a crifício? A
-£J..........'
re sposta de H are é que os o utro s m e m bros do q u a rte irã o

1
54 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

n ão são tra ta dos com o igu a is se n ão fo r p e rm itid o que suas


pre ferê ncia s te n h a m m a is peso do que o m e u desejo. M as
isso, com certe z a, é im pla u sív e l um a ve z que eles já tê m seu
p ró prio ja rd im , sua pró pria p arcela e q üita tiv a de recursos.
S egundo H are , o desejo de m eus v iz in h o s de d e cid ir como
us ar m eus recursos, b e m com o os deles, é um a pre ferê ncia
le gítim a , que fund a m e nta um d ire ito m ora l. N ã o é m ais exa
to , p oré m , d e scre v er ta l pre fe rê n cia com o sim ple sm e nte
egoísta? Por que m eus viz in h o s d e v eria m su p or que a id é ia
de ig u a l intere sse lh e s dá q u a lq u er d ire ito sobre m in h a p a r
cela de recursos? Se eles já tê m seu p ró prio gram ado, então,
n ão os e stou tra ta n d o inju sta m e nte ao diz e r que m in h a pre
ferê ncia no que d iz re sp e ito a m e u gra m a do te m m a is peso
que suas pre fe rê n cia s o u que as e xclui. A in d a os re sp e ito
com o igu ais, já que não faço n e nhum a re ivindic a ç ã o com re
ferê ncia aos recursos que eles tê m para co n d u z ir suas vidas.
Eles, poré m , n ão m e re sp eita m com o ig u a l qu a ndo esperam
ou e xig em que e u re nuncie a m in h a p arcela de recursos p ara
s a tisfa z er seu desejo egoísta de te r m a is do que sua p arcela
e q üita tiv a .
Isso a ponta p ara u m im p orta n te com pon e nte de nossa
percepção co tidia n a do que sig n ific a tra ta r as pessoas com o
igu a is - a saber, que n ão devemos esperar que os outros sub
sid ie m nossos proje to s à custa dos seus pró prio s proje to s.
T alve z m eus a m igos e eu te nh a m os gostos disp e ndiosos -
gostamos de com er ca viar e jo g a r tê nis o dia in te iro^ E sp e ra f
que os outros re nuncie m a sua p arcela e qüita tiv a de recursos
para su ste ntar nosso gosto, n ão im p orta quão fe liz e s fiq u e
mos, é egoísm o. Se eu já te n h o m in h a p arcela dos recursos,
e ntã o, supor que te n h o u m d ire ito m ora l le g ítim o aos re cur
sos de o utra pessoa, apenas porqu e isso m e fará m ais fe liz , é
d e ix ar de d e m onstrar ig u a l interesse p elos outros. Se a cre di
ta m os que os o utro s devem ser tra ta dos com o igu ais, então,
e xcluire m os ta is pre ferê ncia s egoístas do c á lculo u tilitá rio .
P orta nto, o p ró p rio prin c íp io que suste ntou um a d is trir
buiç ã o in icia lm e n te ig u a l de re cursos ta m b é m argum e nta a
fa vor de assegurar esta distrib uiç ã o . A condiçã o de H are - de
U TILIT A RIS M O 55

que a distrib uiç ã o in ic ia l esteja suje ita à re distrib uiç ã o m a xi-


miz a dora de u tilid a d e - antes solapa que a m plia o o b je tiv o
da distrib uiç ã o in icia l. A. id é ia de H a re d e tra ta r os interesses
dos outros com o se fossem os m eus, qu a ndo e ng aja d a em
'u m ra ciocínio m ora l, não é n ece ssaria m e ntejum a M éia ru im .,
' Í um a m a n eira de to m a r vivid a a id é ia de igu a ld a d e m ora l
(examinarem os outros disp o sitivo s assim n o pró xim o c a pí
tulo). C ontudo, o ig u a l interesse que ele pro cura r p ro m o v e r!
não é alcançado tra ta ndo as preferê ncia s das outra s pessoas 1
como se constituíss e m d ire ito s igu a is sobre todas as noss a sí
ações e recursos. A nte s, a ig u a ld a d e nos e nsin a q u a n to t e -f
mos a títu lo de recursos para buscar nossos projetos e qu a n
to resta le g ítim a m e n te aos o utro s. O ig u a l intere ss e .é de
m onstra do a sse gura ndo que os o utro s possa m re iv in dic a r
glia pró pria p a rc e la e q ii ila tiv a . n ã o a s s e g iira iu in^ju 8 4Ífth a g i
.igual peso na d eterm in a çã o, do uso de m in h a p arcela . A sse
gurar as parcelas e qüita tiv a s das pessoas, em ve z de d e ix á-
las sujeita s a pre ferê ncia s egoístas, é a m e lh or especificação
do ig u a l intere sse que H are busca.
Essa, se gundo R awls, é um a difere nç a fu n d a m e nta l e n
tre sua descrição de ju stiç a e a dos u tifitá rio s . JPara R a wls é
um a c ara cterística d e fin id ora de nossa percepção de ju stiç a
que "o s intere ss e s que e xija m a viola ç ã o da ju stiç a n ã o te
nh a m n e n h u m v a lo r" e, p orta n to , a pre se nça de pre fe rê n
cias ile g ítim a s "n ã o pod e distorc e r nossos d ire ito s m ú tu o s "
(R awls, 1971: 31, 450, 564). A ju stiç a " lim it a as concepções
admissíveis do bem , de m odo que as concepções cuja busca
viole os prin cípio s de ju stiç a são excluídas a bsoluta m e nte: os
dire itos de buscar concepções in a tin g ív e is n ão tê m peso n e
n h u m " . C om o as pre ferê ncia s in e q ü ita tiv a s "n u n c a , p or as-t
sim diz er, e ntra m no c á lculo s o cia l", os d ire ito s das pessoas
"sã o assegurados co ntra as e xig ência s irra z o á v e is dos o u
tro s ". Para os u tilitá rio s , p or o u tro lado,_ "n e n h u m a re striçã o
fund a d a sobre d ire ito e Jjustiç> a é im p.fc, o„ sta aos fin s- 4pv ê losq
,yV *' ®= £« Í
u a is
' 'J

a satisfação deve ser a lca nça d a " (R awls, 1982b: 184,171 n.,
170,182). "
Podemos p erceb er agora p or que o u tilita ris m o d eixa de
re conhecer as relações especiais ou de e xcluir as preferê ncia s
56 FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ile g ítim a s. E m cada caso, o u tilita ris m o está in te rpre ta n d o a


ig u a l considera ção em funç ã o da agregação de prefere ncia s
pre e xiste nte s, sejam qu ais fore m , m e sm o se elas in v a dire m
os d ire ito s ou com prom issos de outros. Nossas intuiçõ e s,
p oré m , nos diz e m que a ig u a ld a d e deve e n tra r na pró pria
form a çã o de nossas pre ferê ncia s. Parte do que sig n ific a d e
m o n stra r ig u a l consideração p elos outros é le var em conta o
que p erte nc e le g ítim a m e n te a eles na decisão dos nossos
pró prio s obje tivos na vid a 9. P orta nto, pre ferêndas,.preconc e i-
tuosas e egoístas são excluídas logo de in ício , p ois já re fle te m
'u m a om issã o de d e m o n stra r ig u a l co n sid e ra ç ã o/C o ntu d o ,
se m eus o bje tivo s re sp eita m os dire ito s le g ítim o s das outra s
pessoas, então, sou livre para buscar relações especiais, m es
m o se a lg um o u tro a to m a xim iz a r a u tilid a d e . Se m eus p ia r
nos re sp e ita m os e nsin a m e ntos da igu ald a d e , e ntã o não há
n a d a erra d o, e m d a r p rio rid a d e à m in h a fa m ília o u m in h a
carreira Jsso signific a que m inh a s ativid ad e s diária s d e m ons-
'tra rã o intere sse d e sigu a l - eu d are i m ais im p ortâ n cia a a ju
d ar m eus a migos ou às causas com que estou com prom e tido
do que a a u xilia r outra s pessoas a a tin g ir seus obje tivos. Isso
é p arte do que sig nific a te r a m igos e causas. E isso é in t e ir a i
m e nte aceitável, conta nto que eu re sp eite os dire ito s dos o u i
tros no que d iz re sp e ito à busca de seus proje tos.
Se p ensarm os sobre os valores que m otiv a m o u tilita ris
m o, os va lore s que lh e dão sua pla u sib ilid a d e in ic ia l, p erce
beremos que devem ser m odific a dos. O u tilita ris m o é in ic ia l
m e nte a tra e nte porqu e os seres hum a nos tê m im p ortâ n cia
e tê m im p ortâ n cia ig u a lm e nte . C ontudo, o o bje tivo da ig u a l
considera ção que os u tilitá rio s buscam im p le m e n ta r é m ais
bem im ple m e nta d o p or m e io de um a abordagem que in clu a
um a te oria de parcelas e quita tiv a s N a l te oria e xcluiria jgre fe-

9. Isso é ap e na s p a rte do qu e a ig u a ld a d e exige, pois h á obrig a çõ e s p ara t


co m a queles qu e são inc a p a z es de a ju d a r a si m e sm os e obrig a çõ e s d e borro
s a m a rita n o p ara com a qu ele s qu e estã o e m gra nd e ne c essid ad e. N ess es casos/
te m o s obrig a çõ e s qu e n ã o estã o lig a d a s com o re sp e ito aos d ire ito s le g ítim o s
d a s pessoas. R e to m a re i a estas qu e stõ e s n o c a p ítulo 7.
U TILIT A RISM O 57

rendas pre conc e ituos a s ou e goístas qu e ig n orá ssem o s d i-


”Tre ito s le g ítim os dos outros, m as p e rm itiria os tip o s de com -
J ^ m fs s õ ^ p e c ia Í.q u e p ã o p a rte de nossa p ró p ria id é ia de
condu zir um a vid a . Essas m odifica çõ e s n ã o e ntra m em co n
flito com o prin c ípio geral do conse qüe ncialism o, mas, antes,
origin a m -s e d ele. São re fin a m e n to s da id é ia g eral de que a
m ora lid a d e deve diz e r re sp e ito ao b e m -e sta r dos seres h u
m anos. O u tilita ris m o m era m e nte s im p lific o u em excesso
a m a n eira p ela q u a l a cre dita m os in tu itiv a m e n te em que o
b e m-e star dos o utro s é dig n o de interesse m ora l.
C omo vim os, os u tilitá rio s in dire tos a fin n a m que nosso
com promisso in tu itiv o corn o s processos de decisão n ão u ti
litá rio s não solapa o u tilita ris m o com o p a drã o de correção,
já que pod e m os d ar um a ju s tific a tiv a u tilitá ria p ara " a a doçã o
'a é processos n ã o utilitá ria s..£ ss a resposta, p oré m , n ã o fu n
cionará a qui, p ois m e u argum e nto d iz re sp e ito ao u tilit a ris
mo como p adrã o de correção. O que a firm o é que a pró pria
¿azão que os u tilitá rio s oferecem p ara base ar seu p adrã o de
correção na satisfa çã o das pre ferê ncia s das pessoas ta m
bém é um a ra zão para e xcluir as preferências extem as e egois
tas desse p adrã o, Esta é um a objeção aos prin cípio s da te oria ,
não à m a n e ira com o estes prin c ípio s são a plica dos nos p ro
cessos de decisão.
O s com e ntarista s que endossam esses tip o s de m o d ifi
cação do u tilita ris m o m uita s ve zes descrevem a te oria re sul
tante como u m e q uilíbrio ou consenso e ntre os valores da u ti
lid a d e e da igu a ld a d e (p or e xe m plo, R a pha el, 1981: 47-56;
Brandt, 1959: cap. 16; H ospers, 1961: 426; Rescher, 1966: 59).
N ão fo i isso que argum e ntei. A nte s, as m odific a çõ e s são n e -
cessárias para forn e c er um a especificação m e lh or do id e a l de
Ig u a l considera ção a que o p ró p rio u tilita ris m o re corre .
Vale a pena fa z er um a pausa para considerar o tip o de a r
gum ento que acabei de apresentar, já que ele expressa, creio,
um a form a básica de a rg um e nto p o lític o . C om o m e n cio n e i
na intro d u ç ã o , m uita s ve z es se d iz que a id é ia de igu a ld a d e
é a base da m ora lid a d e p olític a . T anto o u tilita ris m o de H are
como o " d ire ito a um a o portu nid a d e ju s ta " de M a ckie re cor-
58 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

re m à id é ia de que cada pessoa está h a b ilita d a à ig u a l co n


sideração. N ã o ofere ce m , p oré m , um a d escrição ig u a lm e n
te convinc e nte dessa id é ia . Nossas intuiçõ e s nos diz e m que
o u tilita ris m o deixa de assegurar que as pessoas sejam tra
tadas com o igu ais, já que carece de um a te oria de parcelas
e qüita tiv a s.
Isso p o d e ria s u g e rir que a te oriz a ç ã o p o lític a é um a
qu e stã o de d e d u z ir corre ta m e nte os prin c íp io s e specíficos a
p a rtir da pre missa com p artilh a d a de igu a ld a d e m o ra l.. Q a r-
g um e nto p o lític o , e ntã o, seria prim a ria m e n te um a qu e stã o,
de id e n tific a r deduções erradas. jA filo s o fia p olític a , contudo,
n ã o é com o a lógic a , ond e se espera que a conclusã o já es
te ja in te ira m e n te pre se nte nas premissas. A id é ia de ig u a l
d ade m ora l é a bstra ta d e m a is p ara que possa m os d e d u z ir
a lgo m u ito e specífico a p a rtir d ela. H á m u ito s tip o s d ife re n
tes e c o n flita n te s de ig u a l tra ta m e n to . A igu a ld a d e de o p o r
tu n id a d e , p o r e x e m plo, pod e p ro d u z ir pro v e ntos d e sigu a is
(já que algum as pessoas tê m ta le ntos m aiores) e os prove ntos
ig u a is pod e m p ro d u z ir b e m -e sta r d e sigu a l (já que algum a s
pessoas tê m necessidades m a iore s). Todas estas form a s es
p e cífica s de ig u a l tra ta m e n to são lo gic a m e nte com p a tív e is
com a id é ia de ig u a ld a d e m oraL A qu e stã o é q u a l -form a de
ig u a l tra ta m e n to ca pta m e lh or esse id e a l m a is pro fu n d o de
tra ta r as pessoas como igu ais. Essa não é um a p ergunta da ló
gica. É um a p ergunta m ora l, cuja resposta dep e nd e de ques
tõ e s com plexa s a re sp e ito da n a ture z a dos seres hum a nos e
de seus interesses. A o d e cid ir q u a l form a e specífica de ig u a l
tra ta m e n to ca pta m e lh or a id é ia de tra ta r as pessoas com o
igu ais, não queremos um lógico, que seja versado na arte das
d eduções lógica s. Q u ere m os a lgu é m que te n h a um a co m
pre ensã o d a q u ilo que, nos seres hum a nos, m erece re sp e ito
e interesse e de quais tip o s de a tivid a d e m a nife sta m m e lh or
esse re sp e ito e esse interesse.
A id é ia de igu a ld a d e m ora l, apesar de fu n d a m e n ta l, é
m u ito a bstrata para s ervir com o pre m iss a a p a rtir da quaL.de-
jiu z ir um a te oria de justiç a . O que tem os n o arg um e nto p o
lític o n ã o é um a ú nic a pre m iss a e, e ntã o, d eduções riv a is,
m as u m ú nic o conc e ito e, e ntã o, concepções ou in te rpre ta -
U TILIT A RIS M O 59

ções riva is dela. C ada te oria de ju stiç a n ão é deduzida a p a rtir


do id e a l de i gu a ld ade, m ascantes, .aspim A.ele, e cada te oria
¿ode ser julg a d a co nform ? seu, grau.de. sucesso nessa as p i
ração! C om o coloca D w orkin , qu a ndo in stru ím o s os fu n c io
n ários p ú blico s a a gir em co nform id a d e com o co n c e ito de
igu ald a d e , " a trib u ím o s àqueles que in stru ím o s a re sponsa
bilid a d e de d e s e nvolv er e a p lic a r sua p ró p ria conce pção...
Isso não é a m esm a coisa, n a tura lm e nte , que lh e s conce d er
a rb ítrio para a gir com o quisere m ; isso estabelece um p a
drão que eles devem te nta r satisfa z er - e talve z não consigam
- porqu e pressupõe que um a concepção é su p e rior à o u tra "
(D w orkin , 1977: 135)10. Por m ais confiança, que te nh a m os
em um a concepção e sp e cífic a d e igu ald a d e , ela deve ser te s-

q u a í pxpressa ou cap ta m e lh or o çonceito_rip ig n a ld a rip ..


Esse é o tip o de arg um e nto que te n te i ofere cer co ntra o
u tilita ris m o . Podemos p erceb er as fra qu e z as do u tilita ris m o
como c o n c e p ç ã o d ê lg u ^ ã d Z Q m Q ^cã pdo -p comjum a_con-
cépcao que g ara nte c e rto s d ire ito a c . p arcela s.e a uita riy a s d
re cursos,£)u a ndo comparamos estas duas concepções, o u ti
lita ris m o parece im p la u s ív e l com o d e scriçã o da ig u a ld a d e
m oral, em c o n flito com nossas intuiçõ e s a re sp eito desse con
ceito básico. Sua im p la u sib ilid a d e , p oré m , n ã o é um a q u e s l
tão de prov a lógic a . Isso pod e ser in s a tis fa tório p ara os qua
estão acostum ados com form a s m ais rigorosa s de a rg u m e n t
to,<Mas se a sugestão ig u a litá ria e stiv er correta - se cada um a

10. Isso m o stra p o r qu e é erra do a firm a r qu e o p la tô ig u a lit á rio de


D w o rk in é " p ur a m e n t e fo rm a l " ou " v a z io " , já qu e é co m p a tív e l com m u ito s
tip o s dif ere nte s de d istrib u iç ã o (H a rt, 1979: 95-6; G o o d in , 1982: 89-90; M a p e l,
1989: 54; L a rm ore , 1987: 62; R a z, 1986: cap. 9). C o m o obs erv a D w o rk in ^ e s t a ,
obje ç ã o_"çornpre e nd e eiTone am ente_o p a p e L d o s .conceitos a bstra tos n a t e oria
e n o d e b ate p o litic o s'' ( D w o rk in , 1977: 368). A id é ia de tr a t a r as pe ssoas c o m o f
igu a is é a bstra ta , m a s n ã o fo rm a l - p e lo co n trá rio , é u m id e a l su b st a n tiv o q u e l
e xclui a lg um a s te oria s (p or e x e m plo , as racista s) e qu e estabele ce u m p a drã c j
ao qu a l outra s te oria s a spira m . Q fa to de q ue u m conc eito ate tra_to_pre cis a se J
-interpre ta d©~ e-^u®-le eria s-dif ere nte s a . irrt e rp r e t a m jf e m a n e ra s » dif e re n t e s
m ão d e m o n s tr a q u e o_.cqnçeito seja v a z iq p q q u e u m a jnie rpre t a ç ã a -d e st e xM Ji-
c e ito seja tS o b o a q u a n to q u a lq u e r OMtra.
60 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dessas te oria s está a spira n d o a coloc ar-s e à a ltura do id e a l


de tra ta r as pessoas com o ig u a is - essa é a form a que o a r
gum e nto p o lític o deve a ssumir. E xig ir que consiga prova ló -j
gica é sim ple sm e nte com pre e nd er de m a n e ira erra d a a na-f
ture z a do e xercício. Q u a lq u e r te n ta tiv a de e sp e cific ar e d e i.
fe n d e r nossas crenças a re sp e ito dos prin c ípio s que devem
govern ar a com unid a d e polític a assumirá essa form a de com
p arar difere nte s concepções d o co n c e ito de igu ald a d e .

6. A p o lític a d o u tilit a ris m o

Q u a is são as im plic a çõ e s prá tic a s do u tilita ris m o com o


m ora lid a d e p olític a ? A rg u m e n te i que o u tilita ris m o p o d e ria
ju s tific a r o s a crifício dos m e m bros fra cos e im p o pula re s da
com unid a d e para o b e n e fício da m a ioria . C ontudo, o u tilita .-
rism o ta m b é m fo i usa do p ara a ta car os que d e tê m p jriy ilé -
'gio s in ju sto s à custa da m a ioria . N a verd ad e , o u tilita ris m o ,
com o m o vim e nto p o lític o e filo s ó fic o consciente de si, sur
giu como um a crític a radicaLda sociedade, inglesa. O s u tilit á
rios orig in a is era m^í R a dicais F ilosóficos"'>qu e a çre dita v a m
em re p e nsar com ple ta m e nte a sociedade ingle sa , um a so
ciedade cujas prá tic a s eles a cre dita v a m n ã o ser pro d u to da
ra z ão, m as da superstiçã o fe ud a l. O u tilita ris m o , nesse te m - {
po, era id e n tific a d o com u m progra m a p o lític o progre ssista
e pre ocup a do com re form a s - a a m plia çã o da dem ocracia, a
re form a p e n a l, as provisõ e s p ara o b e m -e sta r social etc.
O s u tilitá rio s conte m porân e os, p or o utro la do, são " s u r
pre e nd e nte m e nte co nform ista s " - n a verd ad e , parecem a n
siosos p o r d e m o n stra r que o u tilita ris m o d eix a tu d o com o
está (W illia m s, 1972:102). E nqu a nto os u tilitá rio s origin a is es-
tava m dispostos a ju lg a r os códigos sociais e xiste nte s no a l
ta r do b e m -e star hum a no, m uito s u tilitá rio s contem porâneos
argum e nta m que h á boas ra zões u tilitá ria s p ara se guir a m o
ra lid a d e cotidia n a a critica m e nte . Pode parecer que pod e m os
a um e ntar a u tilid a d e fa z e ndo exceções a um a re gra d e .m o-
ra lid a d e cotidia n a , m as há ra zões u tilitá ria s p ara n o s.a te r-
U TILIT A RIS M O 61

mos a boas regras sob todas as circunstâ ncia s. E m e sm o q u e f


pareça qué a regra cotidia n a n ão é urna boa regra e m term os i
u tilitá rio s , há ra zões u tilitá ria s para n ã o a v a liar as regras em f
term os de u tilid a d e . É d ifíc il pre ver as conseqüências de n o s -1
sas ações ou m e d ir as conseqüências, m e sm o qu a ndo co
nhecidas. P orta nto, nossos julg a m e ntos sobre o que m a xim i-
za a u tilid a d e são im p e rfe ito s e te nta tiv a s de ra cio n a liz a r as
in stitu iç õ e s tê m m a is pro b a b ilid a d e de causar m a l do que
b e m .,Q s g a n h m ffa s jto v a s negras, .sjo m c e rto s, aoj?asso que I f
as convenções e xiatentes provara m seu v a lor (te ndo s o b re v i-I
.vido ao tegte.da e volução cultura l) e aapessoas. form ara m e x-1
poeta ti vas em tom o d elas. A lé m disso, a gir difere nte , sob fu n -i
d am entos u tilitá rio s , é contra produc e nte , pois encoraja urna®
postura conting e nte e desapegada para com o que d eviam ser
com prom issos pessoais e p olític o s irre strito s .
C om o re sulta d o , os u tilitá rio s m o d erno s re strin g e m o
grau em que o u tilita ris m o deve ser usado como prin cip io crí
tic o ou m e sm o com o prin c íp io de avaliação p olític a . A lg u n s
u tilitá rio s diz e m que só devemos re correr a ora cio c ín io u tili
t á rio qu a ndo nossos pre ceitos cotidia n o s nos levam a re s u l
ta dos c o n flita n te s; o utro s diz e m que o m e lh or m u n d o , de
u m p o n to de vista u tilit á rio , é u m m u n d o em que n in g u é m
ja m a is ra cio cin a de m a n e ira e x plícita m e n te u tilit á ria . W il
lia m s a firm a que esse tip o de u tilita ris m o d e rrota a si m e s
m o - a rg um e nta a fa v or do p ró p rio d e s a p are cim e nto. N ã o
d errota a si m e sm o n o s e ntid o té cnico, p ois n ão d e m onstra
que a ação m ora lm e nte correta não seja, a fin a l, um a ação que
m a xim iz a a u tilid a d e . M as d e m onstra que o u tilita ris m o n ã of
e stá m a is s e ndo ofe re cid o com o a lin g u a g e m corre ta p ara l
o debate p o lític o . A p olític a deve ser d e b a tid a na lingu a g e m |
não u tilitá ria da m ora lid a d e c o tid ia n a —a lingu a g e m dos d i-
re ito s/re sp o n s a bilid a d e s pessoais, intere sse p ú b lic o , ju stiç a
d is trib u tiv a etc. O u tilita ris m o , em certas visõ e s m od ern a s,
deixa tu d o com o está - coloca-se, antes, acim a do que c o m
p ete com a decisão p o lític a cotidia n a .
A lg u n s u tilitá rio s c o n tin u a m a a firm a r que o u tilit a ris
m o re qu er um a crític a ra dic a l dos aspectos a rb itrá rio s e irr a
cion ais da m ora lid a d e cotidia n a (p or exem plo. Singer, 1979).
62 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

É, porém , im prov á v e l que o u tilita ris m o algum dia form e um


m o vim e n to p o lític o co ere nte , ta l com o c ara cteriz ou seu
n a scim e nto. O proble m a é que "o s ve ntos da argum entaçã o
u tilitá ria sopram em direções d e m a is " (Sher, 1975:159). Por
exem plo, e nqu a nto alguns u tilitá rio s argum e nta m que a u ti
lid a d e é m a xim iz a d a pela re d istrib uiç ã o m aciça de rique z a,
d e vid o à u tilid a d e m a rg in a l d e clin a n te do d in h e iro , outros
d efe nd e m o c a pita lism o do laisse z-faire porqu e ele cria mais
riqu e z a . N ã o se tra ta apenas de um a questão de pre v er quãc
dife re nte m e nte se sa em as p olític a s e conômica s nos term os
de um a escala consensual de u tilid a d e . É ta m b é m um a ques
tão de com o d e fin ir a escala - qu a l é a relação e ntre os bens
e conôm icos e o utro s com pon e nte s do b e m hum a n o (la z er,
co m u nid a d e etc.)? É ta m b é m um a qu e stã o sobre o p a p e l
dos p ró prio s c á lculos de u tilid a d e - com que gra u de c o n
fia nç a pod e m os d e te rm in a r a u tilid a d e g eral e quão im p o r
ta nte s são as convenções estabelecidas? D adas estas discor-
d â ncia s a re s p e ito d e com o e q u a n d o m e d ir a qtüiçLaçie, o
(u tilita ris m o está fa d a do a pro d u z ir julg a m e nto s fu n d a m e n-
ta lm e nte opostos.
N ã o pre te ndo sug erir que todas estas posições são ig u a l
m e nte pla usíveis (ou que estes proble m a s n ão são e nco ntra
dos em te oria s n ã o u tilitá ria s ). A confia nç a e a u n a n im id a
de que os u tilitá rio s origin a is tin h a m nos seus julg a m e ntos
p o lític o s m u ita s ve z es era o re sulta d o de um a vis ã o exces
siva m e nte sim p lific a d a das questões, e certa qu a ntid a d e de
ind eterm in a ç ã o é in e vitá v e l em qu a lqu er te oria assim que re
conhecem os a com ple xid a d e das que stõe s e m pírica s e m o
ra is e nvolvid a s. O s u tilitá rio s m od ernos estão certos em in
sistir que a u tilid a d e n ão pode ser re du zid a a pra z er, que nem
todos os tip o s de u tilid a d e são m e nsurá veis ou com e nsurá-
veis e que m e sm o te n ta r m e d ir estas u tilid a d e s n e m sempre
é a dequado. C o ntu d o , o pre ço desse re fin a m e n to a d ic io n a l!
é que o u tilita ris m o n ã o id e n tific a im e dia ta m e n te n e n h u m j
co nju n to de p olític a s com o distin ta m e n te superiore s. O uti-P
lita rism o m od erno, apesar de sua herança ra dical, n ão d e fin e
m ais um a posiçã o p o lític a d istin ta .
3. A ig u a ld a d e lib e r a l

1. O p ro je to d e R a w ls

(a) In tu icio n is m o e u tilita ris m o

N o ú ltim o c a pítulo argum e nte i que precisam os de urn a


te on a de parcelas e qüita tiv a s antes dos cálculos de utilid a d e ,
p ois h á lim ite s p ara a m a n e ira com o os in d iv íd u os pod e m
ser le g ítim a m e n te s a crifica dos p ara o b e n e ficio dos outro s.
Para tra ta r as pessoas com o igu ais, devemos prote g ê-la s em
sua posse de certos d ire ito s e lib erd a d e s. M a s que d ire ito s e
lib erd ad e s?
A m a ior p arte do que se escreveu em filo sofia polític a nos
ú ltim o s v in te anos fo i sobre esta questão. H á algum a s p e s
soas, com o vim os, que co ntin u a m a d e fe nd er o u tilita ris m o .
M a s houve u m n ítid o a b a ndono d a "v e lh a crença, em outros
tem pos a m pla m e nte a ceita, de que a lgum a form a de u tilit a
rism o, se ao m e nos conseguíssemos d e scobrir a fo nrta certa,
: ãêve captar a essência da m oralid a d e p olític a " (1 la rt, 1979: 77),
e a m a ioria dos filó so fo s p olítico s conte m porâ n e os teve es
p erança de e n co ntra r urn a a lte rn a tiv a siste m á tic a ao u tilit a
rism o . John R a wls fo i u m dos prim e iro s a a pre s e ntar ta l a l
tern ativa , no seu livro de 1971, A Theory o f Justice*. M uito s o u
tros fora m e scritos a re sp eito da n ature z a c o n tra -in tu itiv a do

* Tra d. bras. Uma teoria da justiça, São P aulo, M a rtin s F onte s, 2? ed., 2002.
64 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

u tilita ris m o . R awls, p oré m , com eça seu liv ro qu e ix a n do-s e I


de que a te oria p o lític a estava presa e ntre dois extrem os: o j
u tilita ris m o , p o r um la d o, e um a m ix órd ia in co e re n te de
id é ia s e prin c ípio s , p or o u tro la do. R a wls c h a m a /In tuiciçP f
nism o? esta segunda o piniã o , um a a bord a ge m que é pouco
m a is do que um a série de a ne dota s base adas em in tuiç õ e s
específicas a re sp e ito de questões específicas.
O in tu ic io n is m o é um a a lte rn a tiv a in s a tisfa tória ao u ti
lita ris m o , pois, e m bora re a lm e nte te nh a m os intuiçõ e s a n ti-
u tilitá ria s e m questões específicas, ta m b é m quere m os um a
te oria a lte rn a tiv a que co nfira s e ntid o a estas intuiçõ e s. Q u e
rem os um a te oria que m ostre p o r que estes e xem plos espe
cíficos suscita m nossa re prova çã o. O " in tu ic io n is m o " , p o
ré m , nunca v a i alé m dessas intuiçõ e s inicia is, ou m ais fu n d o
que esse estágio, para m o stra r com o elas estão rela ciona d as
ou para ofere cer prin cípio s que lh e s dê em base e e strutura .
R awls descreve as teorias intuicio nista s como te ndo d u a s -
características:

p rim e iro , elas são compostas de um a p lura lid a d e de prim e iro s


p rin c íp io s que p od e m e n tra r e m c o n flito p ara d a r d ire triz e s
co ntrá ria s e m tip o s espe cíficos de casos; e, se gundo, elas n ã o
in clu e m n e n h u m m é to d o e xplícito , n e n hum a re gra de p rio ri
dade, p ara com p arar o peso destes prin cípio s com o de outros:
d eve m os sim ple sm e nte co ns e guir u m e q u ilíb rio p or m e io d a l
in tu iç ã o , p o r a q u ilo que nos parece o m ais pró xim o do c e rto , f
O u, se h á re gra s de p rio rid a d e , estas são consid era d a s m a is
ou m e nos triv ia is e de n e n h u m a u tilid a d e su b sta n cia l p ara a
obte nç ã o de u m ju lg a m e n to (1971: 34).

H á m u ito s tip o s de in tu ic io n is m o que pod e m ser d is


tin g u id o s p e lo n ív e l de g e n era lid a d e dos seus prin cípio s.

O in tu ic io n is m o do senso co m u m assum e a form a de


grupos de pre c eitos u m ta n to específicos, cada gru po a plic a n
d o-s e a u m pro ble m a de ju stiç a e sp e cífico. H á u m gru p o de
pre c e ito s qu e se a plic a à qu e stã o dos s a lá rio s ju sto s, o u tro à
que stão da tributa ç ã o , o u tro a ind a à que stão da puniç ã o, e as
sim p o r d ia n te . A o ch e g ar à noç ã o de u m s a lá rio ju s to , d ig a
m os, d e v e m os e q u ilib ra r de a lg um a m a n e ira v á rio s crité rio s
A IG U A LD A D E LIB E R AL 65

riv a is, p or exem plo, as reivindica çõ e s de h a bilid a d e , tre in o , es


forço , re sp o n s a bilid a d e e os riscos do tra b a lh o , a ssim com o
le v a r em co nta a nece ssid ad e . P re sum e-s e que n in g u é m d e
cid iria com base apenas em a lg um destes pre c e ito s e deve-se
o b te r a lg um consenso e ntre eles (1971: 35).

O s v ários prin cípio s, poré m , ta m b é m pod e m ser de n a


ture z a m u ito m ais geral. A ssim , é com um qu e as pessoas fa
le m s o b r e je q q ^ ig u a ld a d e e líb e rd a d e j
ou igu ald a d e e e frriê n cim e e ste s prin c ípio s a plic ar7s e-ia m a
tod o o ã m bitõriã té ória da justiç a (197 1:3 6-7). Estas a bord a
gens in tu icio n ista s , qu e r no n ív e l de pre c e ito s e spe cíficos,
q u e r no de prin c íp io s gerais, n ã o são apenas te oric a m e nte
in s a tisfa tória s, m as ta m b é m in ú te is em que stõe s prá tic a s.
Isso porqu e n ão nos oferecem n e nhum a orie nta çã o qu a ndo j
estes pre ceitos específicos e irre d u tív e is e ntra m em c o n flito .!
C o ntu d o , é ju sta m e nte qu a ndo e ntra m em c o n flito que re
corre m os à te oria p o lític a em busca de orie nta ç ã o.
É im p orta nte , p orta n to , te n ta r estabele cer a lgum a p rio
rid a d e e ntre estes pre c e itos c o n flita n te s . E sta é a ta re fa que
R a wls se pro põ e - d e s e nvolv er um a te o ria p o lític a a bra n
g e nte , que e struture nossas dife re n te s in tuiç õ e s . E le n ão
pressupõe que existe ta l te oria , mas apenas que v a le a p ena
te n ta r d e scobrir um a:

O ra , n ã o h á n a d a intrín s e c a m e n te irra c io n a l a re s p e ito


dessa d o u trin a in tu ic io n is ta . R e alm e nte , ela pod e ser v e rd a
d eira . N ã o pod e m os d ar com o c e rto que nossos julg a m e n to s
de ju stiç a socia l sejam com ple ta m e nte d eriv a d os de p rin c í
pio s é ticos re conh e cív eis. O in tu ic io n is ta a cre dita , p e lo co n
trá rio , que a com ple xid a d e dos fa to s m ora is d e sa fia nossas
te nta tiv a s de ofere c er um a a valiaçã o com ple ta de nossos ju l
g am entos e necessita de um a p lura lid a d e de prin c íp io s riv a is.
Ríe sustenta que te n ta tiv a s d e ir- a lé m déstes. prin c íp io s ou re -
* duz e m ao triv ia l - com o q u a ndo se diz_qu e j u s tiça soria Lé .dar
~ a cada hom e m o que lh e é d e vido - ou, e ntã o, le y a m à fa lsid a -
de e à sim p lific a ç ã o excessiva - com o qu a nd o solu cion a m os
" tu d o p o r m eio do p rin c íp io de u tilid a d e . P orta nto , a ú nic a m a
n e ira de co nte sta r o in tu ic io n is m o é e xpor os crité rio s é ticos
re conh e cív eis que dão conta dos pesos que, em nossos co n-
66 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ceitu a dos julg a m e nto s, consid era m os ser a d e qu ado c o n fe rir


à p lu ra lid a d e de p rin c íp io s . U m a re futa ç ã o do in tu ic io n is m o
co nsiste e m a pre s e ntar o tip o de crité rio s c o n stru tiv o s que
diz e m ser in e xiste n te (1971: 39).
I
R awls, então, tem certa im p ortâ n cia históric a no e ncer
ra m e nto do impasse e ntre in tu ic io n is m o e u tilita ris m o . Sua
te oria , p oré m , é im p orta n te p or o utra ra z ão. Sua te oria d o
m in a o ca m po, n ã o no s e ntido de e stabelecer concord â ncia ,
p ois p ouquíssim as p e ssoas concord a m com ela tota lm e n te ,
m as n o s e n tid o de qu e os te órico s p o ste riore s se d e fin ira m
èrh oposiç ã o a R a wls. E les e xplic a m sua te oria co n tra sta n
d o-a com a te oria de R awls. N ã o conse guirem os com pre e n
d e r o tra b a lh o p o s te rior sobre ju stiç a se n ã o com pre e n d er
mos R awls.

(b) Os prin c ípio s de ju s tiç a

A o e xpor as id é ia s de R awls, a pre se ntare i p rim e iro sua


resposta à questão da justiç a e, então, d iscu tire i os dois argu
m e ntos que ele oferece p ara esta resposta. Sua "concepçã o
g eral de ju s tiç a " é com posta de um a id é ia c e ntra l: "to d o s os
b ens prim á rio s sociais - lib e rd a d e e o p ortu nid a d e , re nd a e
. riqu e z a , e as bases do re sp eito de si m esmo - devem ser d is
trib u íd o s igu a lm e nte , a m enos que um a distribuiç ã o desigual
de q u a lq u er u m ou de todos estes, b e ns s e ja v a nta jos a p a ra
'o s m enos fa vore cidos" (1971: 303). N essa "concepção g era l",
R awls vin c u la a id é ia de ju stiç a a um a p arcela ig u a l de bens
sociais, m as acrescenta um a im p orta n te m odific a ç ã o. Trata|<
mos as pessoas com o igu a is n ão re m ov e ndo tod a s as desi
gualdades, m as apenas as que tra z e m desvantagem para a l-|
guém. Se certas desigualdades b e n e ficiare m tod o o m u n d o j
ao e xtraíre m ta le ntos e energias socialm e nte úte is, e ntã o elas
serão a c e itá v e is p ara to d o o m u n d o . Se d a r a a lgu é m m ais
d in h e iro do que te n h o prom ov e m eus interesses, e ntã o a
ig u a l consideração p elos m eus interesses sugere que eu p e r
m ita esta d e sigu alda d e em ve z de p ro ib i-la . .As d e sigu álela-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 67

des são p e rm itid a s se a um e nta m m in h a p arcela in ic ia lm e n-


te igu al, mas não são p erm itid a s se, como no u tilita ris m o , elas
'Inv a d e m a m in h a p a rc e la jg ü ita tiv a . Ê s ta é a jin ic a e .s im p le s
J d é ia n o am ago da te o ria de. R a wls.
C o n tu d o , esta concepção g eral a in d a n ã o é um a te oria
de ju stiç a com pleta , pois os vários bens que estão sendo d is
trib u íd o s s e gundo este p rin c íp io pod e m e star em c o n flito .
Por e x e m plo, pod ería m os co n s e g uir a um e n ta r a re n d a de
um a pessoa priv a n d o-a de suas lib erd a d e s básicas. E sta d is
trib uiç ã o desigu al de lib erd a d e favorece os que estão em p io r
situ açã o de certa m a n e ira (re nd a), m as de o utra não (lib e r
dade). E se um a d istrib uiç ã o d e sigu a l de re nd a ben eficia sse
tod o o m u n d o em term os de re nda , m as criasse um a d e si
guald a de de o p ortu nid a d e que fosse d esva ntajosa para
aqueles com m enos renda? Essa m e lhora da re nda tra z des
vantagens com re sp e ito à lib e rd a d e ou à o p ortu nid a d e ? A
concepção g eral d eixa estas que stõe s sem solução e, p o r
ta n to , n ã o re solve o proble m a que to m o u in ú te is as teorias
intuicionista s.
Precisam os de u m siste m a de priorid a d e e ntre os d ife
re nte s e le m e ntos da te oria . A solução de R awls é d e com por
a concepção g eral em três p arte s, que são ordenadas se gun
do um p rin c íp io de "p riorid a d e lé xic a ".

P rim e iro p rin c íp io - C ada n e sso a ..d e v e .t£r-.ux a .dire ito


ig u a l ao siste m a to ta l m ais.exteoso de jib erd a d e s.b á sic a s com
p a tív e is com u m siste m a de lib e rd a d e s im ila r p ara to d o s.
S e gundo p rin c íp io - A s d e sig u a ld a d e sso cia is e-e conô-
m ic a s d e v e m ser ord e n a d a s de m od o que sejam:
(a) para o m a ior b enefício dos que tê m m enos vantagens, e
(b) y íh cüra d a s a cargos e posiçõ e s a b e rto s a to d o s sob
condiçõ es de igu a ld a d e de o p ortu n id a d e e qüita tiv a s.
P rim e ira re gra de p riorid a d e (priorid a d e da lib e rd a d e ) -
O s p rin c íp io s da ju stiç a d eve m ser h ie ra rq u iz a d o s n a ord e m
' léxica e, p orta n to , a IíS erdâde so pod e' ser re strin g id a e m nom e
d a lib e rd a d e .
S egunda re gra de p riorid a d e (priorid a d e d a ju stiç a ante
a e ficiê ncia e o b e m -e star) - O segun d o p rin c ip io .d e ju stiç a é
lé xic a m e nte su p e rior ao p rin cípio de e ficiê ncia e ao p rin cípio
68 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

de m a xim iz a r a som a das v a nta g e ns, e a o p ortu n id a d e e q u i


ta tiv a é a n te rio r ao p rin c íp io d a difere n ç a (1971: 302-3).

Estes prin cípio s form a m a "conce pçã o e sp e cia l" de ju s


tiç a e buscam forn e c e r a orie nta ç ã o siste m á tic a que o in tu i-
cionism o n ão pôd e nos dar. S egundo estes prin cípio s, alguns
bens sociais são m ais im p orta nte s do que outros e, p orta nto ,
n ão pod e m ser sacrificados para m e lh ora r outros bens. A s li
berdades igu a is tê m pre ced ê ncia sobre a ig u a l o portunid a d e ,
que te m precedência sobre os recursos igu ais. C ontudo, d e n
tro de cada c a te goria , p erm a ne ce a id é ia sim ple s de R awls -
um a d e sigu a ld a d e só é p e rm itid a se b e n e ficia os que se e n
co ntra m em p io r situ a çã o. P orta nto, as regras de priorid a d e
não afetam o prin c ípio básico de parcelas e qüitativa s que p e rj
m anece em cada c a te goria . I
E stes d ois prin c íp io s são a re sposta de R a wls à questão
da justiça . A in d a n ão vim os, poré m , seus argum e ntos a fa vor
d ela. N e ste c a p ítulo , co n c e n tra r-m e -e i nos argum e ntos de
R awls a fa vor do se gundo prin c íp io - que ele ch a m a ,"princÍ7
p io d a dife re n ç a " - , que govern a a d istrib u iç ã o dos recursos
econômicos. N ã o d iscu tire i o prin c íp io de lib erd a d e n e m p or
que R awls dá priorid a d e a ele, até ca pítulos posteriore s. C on
tu d o , é im p orta n te observar que R awls n ão está endossando
u m p rin c íp io g era l de lib e rd a d e de ta l m o d o que q u a lq u e r
coisa que possa ser pla usiv e lm e nte cham ada lib erd a d e deva
re ce b er p riorid a d e avassaladora. M a is pro pria m e n te , ele
está d a ndo prote ç ã o e spe cial ao que cham a de "lib e rd a d e s
b ásicas", te rm o que usa para d e sign ar os dire itos-p a drã o c i
vis e p olític o s re conh e cidos nas d em ocracia s lib e ra is - o d i
re ito de votar, de concorrer a cargos públicos, de te r u m d e vi
do processo a d e qu a do, de liv re discurso, de m o b ilid a d e
etc. (1971: 61). E stes d ire ito s são m u ito im p orta n te s p ara o
lib e ra lism o - n a verd ad e , u nia m a n e ira de d is tin g u ir o lib e
ra lism o é sim ple sm e nte o fa to de que ele da priorid a d e às li;
berda d es básicas.
C ontudo, a suposição de que os d ire ito s civis e p o litic o s '!
devem te r priorid a d e é a m pla m e nte com p a rtilh a d a em n o s -|
sa sociedade. C om o re sulta do, as disputa s e ntre R awls e seus i
A IG U A LD A D E LIB E R AL 69

críticos te nd era m a ser sobre outra s questões. A id é ia de q ue


as pessoas d e ve m te r suas lib e rd a d e s b ásicas p ro te g id a s é
a p arte m e nos conte nciosa de sua te oria . M in h a re je içã o do
u tilita ris m o , p oré m , ta m b é m fo i base ada na n ecessidade
de um a te oria de parcelas e qüita tiv a s de recursos e co n ô m i
cos e isso é m a is c o n tro v e rtid o . A lg um a s pessoas re je ita m
a id é ia de um a te o ria de p arcela s e q ü ita tiv a s dos re cursos
e conôm icos, e as que a a ceita m tê m id é ia s m u ito difere nte s
sobre que form a ta l te oria deve a ssumir. Esta questão de dis-^
trib uiç ã o de recursos é ce ntra l para o d e sloca m e nto do u tili
tarism o para as outra s te oria s de ju stiç a que e xam inare m os.
P orta nto, co nc e ntrar-m e -e i na descrição de R awls do p rin c í
p io de difere nça .
R a wls te m dois argum e ntos a fa vor dos seus prin c ípio s
de ju stiç a . U m é contra star-su a .te oria com o que ele co nsi-
dera ser a id e olo gia pre v a kc e n.te n o .q ue se refere, à ..justiça ,
distn B utiv a - a saber, qjd e a l da ig u a ld a 5 ê ^te ^ o rti5 u 3 ã 3 ^ .
Ele argum enta que sua te oria ajusta-se m e lhor a nossas con-
ceituadas intuiçõ e s consideradas q u a nto à ju stiç a , e que isso
ofere ce um a e spe cifica çã o m e lh or dos p ró p rio s id e a is de
e qüid a d e a que a id e o lo g ia pre v a le c e nte re corre , O s e gun
do a rg u m e n to é b e m dife re n te . R a wls a rg um e nta que seus
p rin c ip io s de ju stiç a são sup e riore s p o iq u e são o re sulta d o
de u m c o n tra to socia l h ip o té tic o |E le a firm a que se as p e s
soas, em u m tip o de e stado pré -so cia l, tiv e ss e m de d e cid ir
qu a is prin c íp io s d e v eria m gov ern ar sua sociedade, e scolh e
ria m estes prin c íp io s . C ada pessoa nr. q iw H enrm ai-
n a "p o siç ã o te m um ..int£re^ ra cio n a l .em a dotar: .
os p n n c ip io s ra w lsia n o s para o g ov erno d a-coop eraçã o so
c ia l. E ste s e gundo arg um e nto fo i o que m a is recebeu a te n
ção crític a e é o a rg um e nto p e lo q u a l R a wls é m a is fa m o
so. N ã o é, p oré m , u m a rg um e nto fá c il de ser in te rpre ta d o
e pod e m os m a n e já -lo m e lh or se com eçarmos com o p rim e i
ro a rg um e nto 1.

1. R a wls t e m v á rios a rg u m e nto s subsidiá rio s a fa v or d e seus dois p rin c í


p io s de ju stiç a . P or e x e m plo, R a wls d iz qu e seus prin c íp io s c u m pre m as e xi-
70 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

2. O a rg u m e n to in t u itiv o d a ig u a ld a d e d e o p o rtu n id a d e

A ju s tific a tiv a pre vale çe nte para a d istrib uiç ã o e conô


m ic a em nossa sociedade baseia-se n a id é ia ,d e "ig u a ld a d e
fie op ortu n id a d e ". A s desigualdades de re nda e pre stígio etc.
são tid a s com o ju stific a d a s se, e apenas se, h ou v e r co m p e ti
ção e quita tiv a na a tribuiç ã o dos cargos e posições que pro d u
z em estes ben efícios. É a ceitá vel p a g ar a algu é m um salário
de U S$ 100.000 qu a ndo a m é dia n a cion a l é U S$ 20.000 se
h ouv er igu ald a d e e qüita tiv a de o portunid a d e - isto é, se n in
gu é m e stiv er em d esva nta g em p or causa de sua raça, sexo
ou h is tóric o socia l. T al re nd a d e sigu a l é ju sta in d e p e n d e n
te m e nte de se b en eficiarem ou não dessa desigualdade a qu e
le s que se e ncontra m em situação m e nos fa vorá vel. (Isso é o
que M a ckie q u e ria d iz e r com " d ir e ito a um a o p ortu nid a d e
ju s ta " - v e r cap. 2, seção 5b acim a.)
Isso está em c o n flito com a te oria de R awls, pois, e m b o-|
ra R a wls ta m b é m e xija a igu a ld a d e de o p ortu nid a d e na dis
trib u iç ã o de posiçõe s, ele n eg a que as pessoas que pre e n -f
ch em as posiçõ e s te n h a m , com isso, d ire ito a um a p arc e la r
m a ior dos recursos da socie da d e. U m a sociedade ra w ls ia n a j
pod e p a g ar a ta is pessoas m ais do que a m é dia , m as ape n as
se isso b e n eficia todos os m e m bros da sociedade. Sob o p rin
cípio da difere n ç a , as pessoas só p o d e m te r d ire ito a um a
p arcela m a ior dos recursos se pud ere m d e m onstrar que isso
b e n e ficia os que tê m p arcelas m enores.
Por que a id e olo g ia da ig u a l o p ortu nid a d e parece ju sta
para ta nta s pessoas n a nossa sociedade? Porque ela assegu-

gê ncia s de " p u b lic id a d e " (R awls, 1971: 133) e " e s t a b ilid a d e " (1971: 176-82)
m ais p le n a m e n t e d o qu e outra s de scrições de ju stiç a . O s prin c íp io s d e ju stiç a
d e v e m ser p u b lic a m e n t e conh e cidos e f a cilm e n t e a plic a dos, e a p erc e pç ã o de
ju stiç a corre sp o n d e nte deve ser e stá v el e re forç a r a si m e sm a (p or e x e m plo , as
" te n sõ e s d o c o m pro m is s o " n ã o d e v e m ser m u ito gra nd e s). R a wls às ve z es dá
co n sid e rá v e l peso a ta is a rg u m e nto s ao d e fe n d e r su a te oria , m a s eles, p o r si,
n ã o g era m u m a te oria de ju stiç a d e te rm in a d a e, p ort a n to , são su bsid iá rio s aos
dois prim e iro s a rg u m e n to s qu e dis cuto. P ara u m re s u m o dos a rg u m e nto s
subsidiá rio s, v e r P a re kh (198 2:1 6 1-2).
A IG U A LD A D E LIB E R AL 71

ra que o d e stin o das pessoas seja d e te rm in a d o m a is p elas


suas escolhas que pelas suas circunstâ ncia s. Se e stou b u s
ca ndo s a tisfa z e r um a a m biç ã o p esso al e m um a socie da d e
quê oferece a lg u a ld a d e de oportu nid a d e , e ntã o, m eu suces
so ou fracasso será d e term in a do p or m eu d ese m p e nho, não
p o r m in h a raça, classe ou sexo¡ E m um a socie d a d e n a qu a l
nin gu é m é privile g ia d o nem d esfavorecido p or suas circuns
tância s sociais, o sucesso (ou fracasso) das pessoas será o re
sulta do de suas pró pria s escolhas e esforços. P orta nto, q u a l
qu er sucesso que consiga m os é antes "g a n h o p o r tra b a lh o "
que m era m e nte conce dido a nós. E m umas.Q CÍedade em que
existe a igu a ld a d e de o p ortu n id a de, os prov e ntps d esigu ais
são ju stos porqu e o sucesso é " m e re c id o Ç v a i para aqueles
que o /íflié re c e m ^
A s pessoas discord a m q u a nto ao que é nece ssário para
assegurar a ju sta igu a ld a d e de o p ortu nid a d e . A lg um a s p e s
soas a cre dita m que a n ã o-d is crim in a ç ã o n a educação e no
e m pre go são suficie nte s. O utra s argum e nta m que são n e
cessários progra m a s de ação e fe tivo s p ara os grupos e conô
m ic a e c u ltura lm e n te d e sfa vore cidos, p ara que seus m e m
bros te n h a m um a o p ortu nid a d e v e rd a d e ira m e nte ig u a l de
co ns e g uir as classificações necessárias p ara o sucesso eco
n ôm ico. C o n tu d o , p id é ia m otiv a d ora c e n tra l e m cada caso
é esta: é ju sto que os in divíd u o s te nh a m parcelas desiguais
dos bens sociais se estas d esigu ald a d e s fore m ganhas e m e
re cid a s p e lo in d iv íd u o , isto é, se são o p ro d u to das.açpes e
escolh a s d o in d iv id u é . É i n ju sto, p oré m , qu e os in d iv íd u o s
sejam desfavorecidos ou privile gia do s p or diferenças a rb itrá
ria s e im ere cid a s nas suas circunstâ ncia s sociais.
R a wls re conh e ce a a tra çã o dessa vis ã o. M a s h á o u tra
fo n te de d e sigu a ld a d e im e re cid a que ela ig n ora . É v erd a d e
que as desigualdades sociais são im ere cid a s e, p orta n to , é in
ju s to que o d e stin o de a lgu é m possa ser p io r d e vid o a esta
desigualdade i m e r e c i p o r é m ,

m erece nascer d e ficie nte ou com u m Q I de 140, n ã o m ais do


que m erece n ascer p erte nc e ndo a certa classe, sexo ou raça.
72 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

Se é in ju s to que o d e stin o das pessoas seja in flu e n cia d o p or


estes ú ltim o s fatore s, e ntã o, n ã o fic a claro p or que a m esm a
inju stiç a não está igu a lm e nte presente qu a ndo o d e stino das
pessoas é d e te rm in a d o p e los p rim e iro s fa tore s. A in ju stiç a ^
em cada caso é a m esm a - parcelas d istrib u tiv a s n ão devemí;
ser in flu e n cia d a s p o r fa tore s que , do p o n to de vista m o r a lj
são a rb itrá rio s . O s ta le n to s n a tura is e as circunstâ ncia s so-lf
ciais são questões de sorte bru ta e os dire ito s m orais das pes
soas n ão d eve m d e p e nd er de sorte bruta .
P orta nto, o id e a l pre v ale c e nte de ig u a ld a d e de o p o rtu
nid a d e é "in s tá v e l" , p ois "v is to que somos p erturb a dos pela
in flu ê n cia de conting ê ncia s sociais ou p e lo acaso n a tura l na
d etermina çã o das parcelas distrib utiv a s, é in e vitá v e l, p or con
seqüência, sermos incom od a dos p ela influ ê n cia do outro . D e
um p o n to de vista m ora l, as duas p arece m ig u a lm e nte a rb i
trá ria s " (1971: 74-5). N a verd ad e , D w o rk in d iz que o caráter
im e re cid o dos bens n a tura is torn a a visã o pre vale ce nte não
ta nto instá v e l mas "fra u d ule n ta " (D w orkin , 1985: 207). A v i-
são pre vale ce nte sugere que x e m ov er as d e sigu ald a d e s s q - '
cia is dá a cada pessoa um a o p ortu nid a d e ig u a l de a d q u irir
b e n e fícios sociais e, p orta n to , sugere que qu a isqu er d ife re n
ças de re nd a e ntre in d iv íd u o s são obtid a s p e lo tra b a lh o , o
pro d u to do e sforço ou das escolhas das pessoas. Ò s n a tura l
m e nte d eficie nte s, poré m , n ã o tê m um a o p ortu nid a d e ig u a l
de a d q u irir b e n e fícios sociais e sua fa lta de sucesso n ã o te m
n e nhum a relação com suas escolhas ou esforço. Se estamos
g e nuin a m e nte interessados em re m ov er desigualdades im e
recidas, então, a visã o pre vale ce nte de igu a ld a d e de o p o rtu
nid a d e s é in a d e qu a d a .
A id é ia a tra e nte na base da visã o pre vale ce nte é que o
d e stin o das pessoas deve ser d e te rm in a d o p elas suas esco
lh a s - pelas decisões que tom a m a re sp e ito de com o co n d u
z ir suas vid a s - , não pelas circunstância s em que p or acaso
estejam. A visã o pre vale ce nte , p oré m , só reconhece d ife re n
ças nas circunstâncias sociais, ao m esmo te m po em que ig n o
ra difere nça s nos ta le n to s n a tura is (ou os tra ta com o se fo s
sem um a de nossas escolhas). E ste é u m lim ite a rb itrá rio à
a plicaçã o de sua pró pria in tu iç ã o c e ntra l.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 73

C om o devemos tra ta r as difere nça s nos ta le nto s n a tu


rais? A lgum a s pessoas, te ndo considera do os p arale los e ntre
a d e sigu ald a d e social e a d e sigu ald a d e n a tu ra l, supõ e m que
nin g u é m deve b e n e ficiar-se de suas d e sigu alda d es n a tura is.
M as, com o d iz R awls, em bora

n in g u é m m ereça sua m a ior ca pacidade n a tu ra l n e m m ereça


um p o n to de p a rtid a m ais fa vorá v e l n a sociedade [...] n ã o d e
corre d a í que algu é m deva e lim in a r estas distin çõ e s. H á o u tra
m a n e ira de lid a r com elas. A e stru tu ra básica pod e ser o rd e
n a d a de m a n e ira que estas co ntin g ê ncia s op ere m p ara o b e m
dos m enos a fortun a dos. P orta nto , somos le va dos ao p rin c íp io
da d ife re n ç a se d e seja m os e sta b ele c er o siste m a so cia l d e ta l
m a n eira que nin gu é m ganhe n e m p erca com seu lu g a r a rb itrá
rio na d istrib u iç ã o dos b ens n a tura is ou n a sua posiçã o in ic ia l
n a socie d a d e , sem d a r n e m re c e b er v a nta g e n s com p e n s a tó
ria s em tro c a (1971:102).

E m bora nin g u é m deva s o fre r p e la in flu ê n c ia de d e si


gu a ld a d e s n a tura is im ere cid a s, pod e h a v er casos em que
todos se b e n e ficie m ao p e rm itir ta l influ ê n cia . N in g u é m m e
rece b en eficiar-se de seus ta le ntos n atura is, mas n ã o é in ju s to
p e rm itir ta is b e n e fícios q u a ndo eles op era m p ara o p ro v e i
to dos que fora m m e nos a fortu n a d o s-s a -flo te ria n a tu ra l" . B
isso é ju sta m e nte o que o p rin c íp io da difere nç a diz .
E ste é o p rim e iro a rg um e nto de R a wls a fa vor de sua
te oria das parcelas e qüita tiv a s. Sob a visã o pre vale ce nte , as
pessoas talentosas pod e m esperar n a tura lm e nte re nda m aior.
M as, com o os que são ta le ntosos n ão m ere ce m suas v a n ta
gens, suas e xp e ctativa s m a is elevadas "s ã o justa s se, e a p e
nas se, elas fu n cio n a re m com o p a rte de u m esqu e m a que
m e lh ora as e xpe ctativa s dos m e m bros m e nos fa vore cidos
da socie d a d e " (1971: 75). P orta nto, chegam os ao prin c íp io!
da difere nç a a p a rtir de um exam e da vis ã o pre vale ce nte de;
ig u a ld a d e de o p ortu nid a d e . C om o coloca R awls, "u m a ve z1 *
que te nte m o s e n co ntra r um a re trib u iç ã o [d a id é ia de ig u a l
dade de o portunid a d e] que tra te todos igu a lm e nte com o pes
soas m orais e que n ão pese a p arcela dos hom ens,, dos bene,-
74 FIL O S O FIA P O LITIC A C O N T E M P O R Á N F A

fictos e fardos da coop era ção socia l, se gundo a fortu n a so


cia l ou a sorte na lo te ria n a tura l, fic a claro que o [prin c ip io da
difere nç a] é a m e lh or escolha e ntre as L J possib ilid a d e s "
(1971: 75)
E ste é o p rim e iro argum e nto. Penso que a premissa bá
sica do argum e nto está correta. A visã o prevalecente de ig u a l
dade de o p ortu nid a d e é in stá v e l e d evem os re conh e cer que
nosso lu g a r n a d is trib u iç ã o dos ta le n to s n a tura is é m o ra l
m e nte a rb itrá ria . A conclusã o, p oré m , n ã o é in te ira m e n te
corre ta . D o fa to de que as d esigu ald a d e s n a tura is e so cia ig
são a rbitrá ria s p o d e ria d e correr que estes tip o s de d e sigu a l)!
dades só d eviam influ e n cia r a distrib uiç ã o qu a ndo isso b e n e ij
ficiasse os m e nos fa vore cidos. M as o p rin c íp io da difere nçqj
diz que todas as d esigu alda d es devem op erar p ara o b e n e fí
cio dos m e nos fa vore cidos. E se eu n ã o n asci em u m gru po
socia l p riv ile g ia d o n e m n a sci com qu a isq u er ta le n to s espe
ciais e, co ntu d o , p elas m in h a s escolhas e e sforço, conse gui
a ssegurar pro v e n to s m a iore s do que os dos outros? N a d a
n e ste a rg u m e n to e xplic a p o r que o p rin c íp io da d ife rença
se a plica a tod a s as desigualdades em v e z de a plicar-sè ape-
nas às d esigu alda d es que se origin a m de fatore s m ora lm e n-
te a rb itrá rio s . R e torn a re i a este p o n to d e p ois de e x a m in a r
o se gundo argum e nto.

3. O a rg u m e n to d o c o n tra to s o c ia l

R a wls consid era o p rim e iro a rg um e nto a fa v or de seus


prin c ípio s de ju stiç a m e nos im p orta n te que o se gundo. Seu
p rin c ip a l a rg um e nto é u m arg um e nto de "c o n tra to so cia l",
u m argum e nto sobre que tip o de m ora lid a d e p o lític a as pes
soas e scolh eria m se e stivessem e stabelecendo a sociedade a
p a rtir de u m a "p o siçã o o rig in a l" . G om o d iz R awls a re sp e ito
do a rg um e ntó qüè acabámos de e xa m in ar:

n e nhum a das observações precedentes [a re sp eito da igu ald ad e


de oportu nid a d e ] é argum e nto a fa vor dessa concepção [de ju s
tiç a ], já que e m um a te oria de c o n tra to to d o s os argum e ntos.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 75

e strita m e n te fa la n d o , d e v e m ser co n stru íd o s e m fu n ç ã o do


qu e seria ra cion a l e scolh er na posição o rig in a l. A q u i, poré m ,
m e u intere ss e é pre p a ra r o c a m in h o p ara a in te rpre ta ç ã o fa
v o rita dos d ois prin cípio s de ju stiç a , de m a n e ira que estes c ri
té rio s, e spe cialm e nte o [p rin c íp io da difere n ç a], n ão pareçam
m u ito e xcêntricos ou biz a rro s ao le ito r (1971: 75).

P orta nto, R a wls concebe seu p rim e iro argum e n to in tu i-


tivo sim plesm ente como algo que prepara o fund a m e nto para

c ia i; Esta é um a e straté gia in co m um , p ois os argum e ntos de


co ntra to social g eralm e nte são tid o s com o fracos e R awls p a
rece e star re le g a ndo u m a rg um e nto ra z o a v e lm e nte fo rte a
um p a p e l coadjuva nte , in fe rio r ao do argum e nto do contra to
social, m ais fra co.
Por que os argum entos de contra to social são tid o s como

pla usíveis. Pedem que im a gin e m os u m e stado de n ature z a ,


a nte rior a qu a lqu er a utorid a d e p olític a . C ada pessoa está so-j
zinh a , n o s e ntid o de que n ão há n e n h um a a utorid a d e sup e-í
rio r com o p o d e r de e xig ir sua ob e diê ncia ou com a re sp o n- j
s a bilid a d e de prote g er seus interesse s ou posses. A que stão {
é com que tip o de co ntra to concord aria m ta is in divíd u o s, no
estado de n ature z a , no que d iz re sp e ito ao e sta b ele cim e nto
de um a a utorid a d e p o lític a que tive sse ta is pod ere s e re s
ponsa bilid a d e s? U m a ve z que saibam os qu a is são os term o s
do c o n trato, sabercm òs o qüé^~o'govem o-S e£á.Q brigado.aJá,r
z er e o que os cidadãos serão obrig a dos a obedecer.
D ifere nte s teóricos usaram esta técnica - Hobbes, L o ck e l
K a nt, Rousseau - e apresentaram difere nte s respostas. Todos,!
p oré m , e stiv era m suje ito s à m e sm a crític a - a saber, q u e
n unc a houv e t a l e stado de n a ture z a nem ta l co ntra to . P or
ta n to , n e m cidadãos n e m governo são obrig a dos p or ele. O s
co ntra to s só cria m obriga çõ es se h o u v e r e fe tiv a concord â n
cia com eles. Podemos diz e r que certa concord â ncia é o con
tra to que as pessoas te ria m assinado em u m estado de n a tu
re z a e, p orta n to , é um co ntra to h ip o té tic o . C o ntu d o, com o
d iz D w o rk in , " uma concord
76 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

jn e n t e .u tm form a p á lid a de um co ntra to e fe tivo; n ão.é abso


luta m e nte co ntra to n e n h u m " (D w orkin , 1977:151) . A id é ia
de que somos obrig a dos p e lo contra to que teríam os aceitado
em u m estado de n ature z a sugere que

p orqu e u m h om e m te ria co n s e ntid o c ertos p rin c íp io s , se lh e


tive ssem p e d id o de a nte m ã o, é ju sto a plic a r estes prin c íp io s a
ele d e p ois, q u a n d o , sob d ife re n te s circu n stâ n cia s, ele n ã o
cons e nte . E ste, p oré m , é u m a rg u m e n to ru im . S uponh a que
eu n ã o conhecesse o v a lo r de m in h a p in tu ra n a s e g u n d a -fe i
ra; se você tiv e ss e m e ofe re cid o U S $ 100 p o r ela, e ntã o, eu
te ria a c e ita d o . N a te rç a -fe ira , d e scubro qu e é v a lio s a . V ocê
n ã o p od e a rg u m e n ta r que seria ju s to os trib u n a is m e o b ri
g arem a v e n d ê -la a você p o r U S $ 100, n a q u a rta -fe ira . Posso
te r tid o sorte de você não te r m e p e rgu nta d o se eu q u e ria v e n-
d ê -la n a s e g u n d a -fe ira , m as isso n ã o ju s tific a um a co erção
co ntra m im d e pois (D w o rk in , 1 977:152).

A ssim , a id é ia de u m c o ntra to socia l parece h is toric a


m e nte a bsurd a (se fo r base ada e m u m a cordo e fe tiv o) ou
m ora lm e nte in sig nific a n te (se fo r baseada em u m acordo h i
p oté tico).
C o ntu d o, com o observa D w o rk in , h á o utra m a n e ira de
in te rpre ta r os argum e ntos de co ntra to social. D evem os p e n
sar n o co ntra to n ão prim a ria m e n te com o u m acordo, e fetivo
ou h ip o té tic o , m as com o u m disp Q SÍíiva.p.ara.extra ir as im-
BÍÍ£a.£Q£S~dex^^
m ora l das pessoas. Invoca m os a id é ia de u m estado de n a tu
re z a n ão p ara d e te rm in a r as orig e ns históric a s da sociedade
ou as obriga çõ es históric a s dos governos e in d ivíd u o s, m as
p ara m o d e la r a id é ia da ig u a ld a d e m ora l dos in d ivíd u o s.
F hrte da id é ia de os in divídu o s serem igu ais m ora lm e nte
é a a firm a ç ã o de que n e n h u m de nós é in e re n te m e n te su
b ordin a d o à vo nta d e dos o utro s, que n e n h u m de nós ve m
ao m u n d o com o pro prie d a d e de o u tro ou suje ita d o a o utro .
Todos nascemos livre s e igu a is. A o lo n g o da m a ior p arte da!;;
história , m u ito s grupos tiv e ra m negada esta igu a ld a d e - nas
sociedades feudais, p or exem plo, os camponeses era m visto s
como n a tura lm e nte subordin a dos aos aristocra ta S ííkíi a m is-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 77

são h istóric a de lib e ra is clássicos, com o Lock e , n e g ar esta


premissa fe ud al. JE a m a n eira como tom ara m clara sua n e g a
ção de que algum a s pessoas era m n a tura lm e n te ’ su b ordin a -
. ‘ das a outra s fo i im a g in a r um e stado de n a ture z a no qu a l as
. pessoas tin h a m ig u a l status, C om o disse Rousse au, " o Ro-\
m e m nasce livre e, co ntu do , está a corre nta do em todos os |
lu g a re s ". A id é ia de um e stado de n a ture z a , p orta n to ,,n ã o ..|
re pre se nta um a a firm a ç ã o a ntro p oló gic a a re sp e ito da e xis-
te n c ia p re -s o c ia l: d Q S .5 erês'hum a nos,' m as um a a firm a ç ã o
.m oral a re sp e ito da ausência de subordin a ç ã o n a tu ra l e ntre
os seres hum a nos.
v - - - ........
O s lib e ra is clássicos, p oré m , n ã o eram a n arquista s que
a cre dita va m que os governos nunca são aceitáveis. O s a n ar
quistas a cre dita m que as pessoas nunca pod e m te r a utorid a
de le g ítim a sobre os outros, e que as pessoas n unc a pod e m
ser le gítim a m e nte obrigadas a obedecer ta l a utorid a de . C omo
os lib era is não eram anarquistas, a questão pre m e nte era ex-
. p lic a r com o p e s ^ , ii asdda sJB m s .p ifin ais, p ^ m .uir, a ser
governadas; Sua re sposta fo i m ais ou m e nos esta: d e vido às
incerte z a s e à escassez da vid a social, os in divíd u o s, sem re
n u n cia r a sua igu ald a d e m ora l, e ndossariam a cessão de cer
tos pod ere s ao E stado, m as apenas se o E stado usasse estes
poderes em confia nça para prote g er os in d iv íd u o s destas in
certe z as e escassez. Se o g ov e rn o tra ísse esta co nfia n ç a e
abusasse de se us poderes, e ntã o os d d adaos n ã o m ais esta
c a m sob um a obriga çã o de obedecer e, na verdade, te ria m o
d ire ito de rebelar-se T T er um a pessoa com o p od e r de gov er
n a r o utro s é co m p a tív e l com o re sp e ito à ig u a ld a d e m ora l
p orqu e os govern a nte s só d e tê m este p o d e r em confia nç a ,
p ara prote g e r e pro m o v e r os interesse s dos govern a dos.
E ste é o tip o de te oria que R awls está a d a pta ndo. C om o
d iz ele, "m e u o bje tiv o é a pre se ntar u m a concepção de ju s-
tiç a que g e n era liz e e eleve a u m grau su p e rior de abstração a
conhecida te oria do co ntra to social, com o en contra do , dig a
m o s, em Locke, Rousseau e K a n t" (1971: l l X ^ i b g f i y o ,d ¿
co ntra to é d e te rm in a r p rin c íp io s de ju s tiça a p a rtir de um a
p osiç ã o de igu a ld a d e : n a te oria de R awls,

,
78 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

A posiç ã o o rig in a l de igu a ld a d e corre spond e ao estado


de n ature z a n a te oria tra d icio n a l do co ntra to social. A posição
o rig in a l n ã o é, n a tura lm e nte , consid era d a com o u m estado de
coisas h is tó ric o e re a l, m u ito m e nos um a co ndiç ã o p rim itiv a
d a c u ltu ra . E co m pr e n d id a co m o u m a s itu a ç ã o p u ra m e n te
h ip o té tic a , d e scrita de m o d o que condu z a certa concepção
J E S r^ a .(1 9 7 Í: 12). "

E m bora a posiçã o o rig in a l de R a wls "c orre s p o n d a " à


id é ia de um estado de nature z a, ela ta m b é m difere desta, pois
R a wls a cre dita qu e o .estado de n a ture z a c o s tu m e iro jiã o é,
re a lm e nte um a "p o siç ã o in ic ia l de ig u a ld a d e " (1971:11). Éj
ond e o argum e nto do co ntra to ju n ta -s e a seu argum e nto in -|
tu itiv o . A descrição costum eira do estado de n ature z a é in ju s-í
ta porqu e algum a s pessoas tê m m a is p o d e r de b arg a nh a do
que outra s - m ais ta le ntos n a tura is, recursos in icia is ou sim
ple s forç a físic a - e conse gu e m re s is tir m a is p ara o b te r um
n e gócio m e lh or, ao passo que os m e nos forte s e ta le ntosos
tê m de fa z er concessões. A s inc erte z a s da n a ture za afe ta m
io d o& jro a s alg u m a s pess^ j x ô H o g u e m lid a r j a e lh or com
glas. e n ão concord arã o com u m co ntra to social a m e n o s que
-e la consolid e suas vantagens n a tura is...Isso, sabemos, é in ju s
to aos olh os de R a wls. C om o estas v a nta g e ns n a tura is são
im ere cid a s, elas n ão d eve m p riv ile g ia r n e m d esfa vorecer as
pessoas na d e term in a ç ã o dos prin c íp io s de ju stiç a 2.
P orta nto,, é necessário u m n o vo d is p o sitiv o p ara e xtra ir
as im plicaçõ e s da igu ald a de m ora Lxa n.disp Q sitivo q u e iro p e-
- ça a spassoasjde.e xplora r suas vantagpng arhitp árias n a sele-

2. É esta cond e n a ç ã o d a in ju s tiç a in e re n t e ao e sta do de n a ture z a tr a d i


cio n a l q u e se para R a wls d e o u tra tra d iç ã o c o n tra tu a l - um a tra diç ã o qu e v a i
de H o b b e s a te óric os re c e nte s com o D a v id G a u th ie r e James B uch a n a n. Comeé
R a wls, eles e sp era m g erar prin c íp io s p ara re g u la r a v id a socia l a p a rtir da idéia)
d e u m a cord o e m u m a posiç ã o in ic i a l. C o n tu d o , ao c o n trá rio de R a wls, o!
a cord o a lm e ja a v a nt a g e m m útu a , n ã o a ju stiç a , e, p o rt a n to , é p erm is sív e l, n J
v erd a d e , esse ncial, qu e a situ a ç ã o in ic i a l r e flit a as dif ere nç a s e m p o d e r de b a r?
g a n h a qu e o c orre m n o m u n d o re al. D is c u tir e i essa s e gund a a bord a g e m c o n |
tr a tu a l n o c a p ítulo 4 e p e rg u n t a re i se te oria s d e v a n t a g e m m ú tu a d e v e m ser
consid era d a s c o m o te oria s d e justiç a .
A IG U A LD A D E LIB E R AL 79

ção d os prin c ip io s de justiça . É p or isso que R awls desenvolve


a c o n slru ç ã o ,^o b o utro s aspectos p e culia r, conh e cid a com o
"•posição o rig in a l'7. N essa p o sição o rigin a l re vista , as pessoas
estão p o r trá s de u m ^ v e u de ig n orâ n d iC ) de m odo que

n in g u é m conhece seu lu g a r n a sociedade, sua posição d e cla s-


j ê o ú d e sj a^ ^ g a l. je n T p o n h e c ^ i fo rtu n a n a d istrib u iç ã o

re i até que as p arte s n ã o conh e ce m suas concepções do b e m


n e m suas prop e nsõ e s psicológic a s especiais. O s p rin c íp io s de
ju stiç a são e scolhid os p o r trá s de u m v é u de ig n orâ n cia . Isso
assegura que n in g u é m e steja e m v a nta g e m ou d e sva nta g e m
n a e scolh a de prin c íp io s p o r m e io do re su lta d o do acaso n a
tu ra l ou da co ntin g ê n cia das circunstâ ncia s sociais. C om o to -j
dos estão situ a d os de m a n e ira s im ila r e n in g u é m é capa z d a
p la n e ja r p rin c íp io s p ara fa vore c e r sua co n diç ã o priv a d a , o l
p rin c íp io s de ju stiç a são o re su lta d o de um a cordo ou b arg a f
nh a ju sta (19 7 1:1 2). ’

M u ito s crítico s v ira m esta e xig ê ncia de que as p e ssoas


se dista ncie m do conh e cim e nto de seu h istóric o social, e

tid a d e pessoal.) O que re sta do eu qu a n do to d o o co n h e ci


m e n to é e xcluído? É d ifíc il nos im a g in a r atrás de ta l vé u de
ig n orâ n cia , m u ito m ais d ifíc il a ind a do que nos im a g in a r no
estado de n ature z a tra dicion a l, ond e as pessoas fictícia s eram,
p e lo m e nos, re la tiv a m e nte in te ira s n a m e nte e n o corpo.
O vé u de ig n orâ n d a , p oré m ..n ã o é expressão de um a

de, da m esm a m a n e ira que te nta m Q s^se .gur.ar.um a divis ã o


e t^ita try a de u m b olo fa z e ndo com que a pessoa que v a i cor-
tá -ío n ão saiba com qu a l pedaço v a i fic ar3. 0 vé u de ig n ora n-

3. R a wls d iz q u e o caso de e scolh er prin c íp io s de ju stiç a n a posiç ã o o ri


g in a l é e ss e ncia lm e nte dif e re n t e de cort a r u m b o lo s e m sa b er qu a l p e d a ço lh e
caberá. Ele ch a m a o p rim e iro caso u m e x e m plo d e " ju s tiç a proc e ssu a l p u ra " ,
e n q u a n to o s e g u nd o é " ju s tiç a proc e ssu a l p e rf e it a " . E m cad a caso, supõ e-s e
qu e u m proc e sso pro d u z a re sult a dos justos. N o p rim e iro caso, p oré m , n ã o há
n e n h u m " c rit é rio in d e p e n d e n t e e j á pre ssuposto do qu e é ju s to " , e n q u a nto .
80 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

cia, de m a n e ira sim ila r, fa z com que a queles que p od e ria m


in flu e n cia r o processo de seleção a seu favor, graças à sua p o
sição m e lh or, sejam inca pa z e s de o fa z er. C om o diz R awls,

N ã o d evemos nos d e sorie ntar, e ntão, pelas condições um


ta nto incom uns que cara cteriz am a posição o rig in a l.,A id é ia ?
a qui, é sim ple sm e nte ,tom a r vivid a s para nós as restrições que
parece ser -razoável im p o r a.os. argum e ntos a fa vor dos p rin rf-
jr io s de ju stiç a e, p orta n to , a estes pró prio s prm dpios-. A ssim ,
parece ra z o á v e l e g era lm e nte a c e ito qu e n in g u é m deve fic a r
em v a nta g e m ou d e sva nta g e m , p o r causa de fo rtu n a n a tura l
ou circu n stâ n cia s socia is, n a e scolh a dos p rin c íp io s . P arece
ta m b é m a m pla m e nte a ceito que deve ser im possív el a justar os
p rin d p io s às drcu nstâ n d a s de nosso caso [...]. D essa m an eira,
chega-se ao v é u de ig n orâ n d a de m a n eira n a tura l (1971:18-9).

A posição o rig in a l, supostam ente,,."r.epre.senta a ig u a l


dade e ntre os seres hum ártos com o pessoas.m ora is",,.e os
prin cípio s d e ju stiç a re sulta nte s sã Q.a.gueles que as pessoas
"co n s e n tira m com o igu a is, q u a ndo n ã o se tin h a co nh e ci-

sociais e n a tura is ". D evemos v er a posição orig in a l como um


"re curso de exposição", que "re sum e o sig nific a d o " de nossas
noções de e qüid a d e e "n o s a jud a a e xtra ir suas conse qü ê n
cia s " (1971:19, 21).
O argum e nto de R awls, então, não é o de que certa c o n |
cepção de ig u a ld a d e d eriv a da id é ia de u m c o ntra to h ip o té l
tico. Isso e staria suje ito a tod a s as crítica s que D w ork in m e n!]
ciona. A o co ntrá rio , o co ntra to h ip o té tic o é um a m a n eira dej
in c o rp o ra r c e rta conce pção de ig u a ld a d e e um a m a n e ira
de e xtra ir as conseqüências dessa concepção para a ju sta re
gula m e nta ç ã o das in s titu iç õ e s sociaisz A o re m o v e r fo n te s

n o se gundo caso, h á (R awls, 1980: 523). O contra ste , p oré m , é exagerado neste
caso, já que, c om o vere mos, h á alguns " crit é rio s ind e p e nd e nte s e já pre ssupos
to s " p ara a v a liar os re sult a dos d a posiç ã o orig in a l. D e q u a lq u e r m o d o , os dois
casos c o m p a rtilh a m a c a ra cte rístic a p a ra a q u a l e stou ch a m a n d o a a te nç ã o -
o uso da ig n orâ n cia p ara a ss e gurar de cisões im p arcia is .
A IG U A LD A D E LIB E R AL 81

de pre disposiçã o e e xigir un a nim id a d e , R awls te m e spera n


ça de e n co ntrar um a solução que seja a ceitá vel para todos a
p a rtir de um a posição de igu ald a de - isto é, que respeite o d i
re ito de cada pessoa ser tra ta d a com o u m ser livre e ig u a l.
C om o a p re m is sa do a rg u m e n to é a ig u a ld a d e ,, n ã o o
„ contrato, para critic á -lo precisamos d em onstrar que ele deixa
de in c o rp o ra r uma~ d e scrição a d e qu a d a d a dgu a ld a d e } N ã o
é suficie nte - n a verd a d e , é irre le v a nte - d iz e r que o co ntra
to é historic a m e nte in e xato, que o v é u de ignorâ ncia é psico
logica m e nte im possív el ou que a posição orig in a l é, de a lg u
ma outra m a n eira , irre a lista . A. qu estão n ão é saber se a g osi-
^ o o r ig n q l prid e ria re alm e nte-ter-e)dsfido, m a s se é prová vel
que os prin c ípio s que seria m e scolhidos n ela seria m cq üita
tivos. d ad a a n a ture z a d o p rocesso de s e le ç ã o/
M e sm o que aceitemos a id éia do contra to social de R awls
com o u m d is p o s itiv o p ara in c o rp o ra r um a conce pção de
igu ald a d e , está lo n g e de e star claro qu a is prin c íp io s s eria m
e fe tiv a m e nte e scolhid o s n a posiç ã o o rig in a l. R a wls, n a tu -|
ra ím e nte , p ensa que o p rin c íp io da difere n ç a seria e s c o lh i-f
do. N esse caso, p oré m , su põ e -s e qu e seu a rg u m e n to s e ja
ind e p e nd e nte do prim e iro , arg um e nto in tu itiv o re fere nte à
igu a ld a d e de o p ortu nid a d e /C o m o vim os, ele n ão considera
este tip o de a rg um e nto re le v a nte , " e strita m e n te fa la n d o " ,
d e n tro de um a te oria de co ntra to . P orta nto, o p rin c íp io d a|
diferença é apenas um a d e ntre m uita s escolhas possíveis qu e!
as p arte s da posiçã o o rig in a l p o d e ria m fa z er. r
C om o os p rin c íp io s de ju s tiç a são e scolhidos? A id é ia
básica é esta:*~ em
~
~i i-
|1
bora
1 ‘'i «
m
não
lim
ia
i i«
u
saibamos
i in
,u
m,,- |l
|
( L -
que.—
T1 i.
posição ocuparemos
'is&r***.'**'*** - ’->lm*-*>**~''e*^s*****^

na s Q .á e d a d e p u 4 u e ,flb jg fe a s .jte rm a s ^
va m os q u e re r ou de que va m os pre cis ar p ara e starm os ca-
p a dta dos.a c o n d u z ir um a boa.yid a /S e ja m quais fore m as d i
ferença s e ntre os pla n o s de v id a dos in d iv íd u o s , todos eles
c o m p a rtilh a m um a coisa - jto d o s en v o lv e m a. condução.de
uma vidat C om o d iz W a ldro n , " h á a lg o com o uma busca dal
concepção da boa vid a na qu a l se pod e diz e r que tod a s as pes-jt
soas, m e sm o aquelas com os com prom issos m ais diversos!
estão e nvolvid a s [...] e m bora as pessoas n ão co m p a rtilh e m
82 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m u tu a m e n te seus id e ais, elas pod e m , p e lo m enos, a b stra ir


de sua experiência um a percepção d e coma é estar comprometi :
do com um id e al de boa vid a " (W a ldron, 1987:145; cf. R awls,
1971: 92-5, 407-16). Jsta m o s todos com prom e tid a s.c a m um
id e a l da boa vid a e certas coisas são necessárias p ara p e rse -
g u ir estes com promissos, seja qu a l fo r seu conte údo m ais es-
.pecíE ca' S egundo a te oria de R awls, estas coisas são cham a j
das 'íb éris prim á rio s^. H á d ois tip o s de b ens prim á rio s: j
1. b ens p rim á rio s s o cia is >- b e ns que são dire ta m e ntfc
d is trib u íd o s p e la s in s titu iç õ e s sociais, -gomo re n da
e riq u e z a ^o p ortu nid a d e s. e. pod ere s, d ir e itos e l ib e r
d a d e s ;...... ....... .
2. .b e ns prim á rio s n a tura is - b ens com o a saúde; a in te
li g ê ncia , o v ig or, a im a gin a ç ã o e os ta le nto s n a tura is,
que são afe ta dos p e la s in s titu iç õ e s sociais, m as n ã o
são d ire ta m e n te d is trib u íd o s p or elas.
A o e scolh er prin c íp io s de ju stiç a , as pessoas p or trá s \
do vé u de ig n orâ n cia buscam assegurar que terã o o m e lh or !j
acesso possível a estes bens prim á rio s distrib u íd o s pelas in s- i
tituiçõ e s sociais (isto é, os bens prim á rio s sociais). Isso não 1
sig nific a que o e goísm o esteja subja ce nte à nossa p erc e p
ção de ju stiç a . C om o nin g u é m sabe que posiçã o irá ocupar,
p e d ir às pessoas que d e cid a m o que é m e lh or para elas te m
a m esm a conse qü ê ncia que p e d ir que d e cid a m o que é m e
lh o r para to d o o m u n d o , consid era do im p a rcia lm e nte . Par^
d e cidir p or trá s de um vé u de ign orâ n cia que prin cípio s pro-*
m overã o o m e u bem , devo colo c a r-m e no lu g a r de todos osj
o utro s na sociedade e v e r o que prom ov e o seu bem , já quei
posso acabar p or ser qu a lq u er um a destas pessoas. Q u a ndo
com bin a d a com o v é u de ig n orâ n cia , p orta n to , a suposiçã o
de intere sse p ró p rio ra c io n a l " a lc a n ç a ¿ m e s m o pro p ó sito
" ¿ u e a b e n e volê ncia " (R awls, 1971:148), pois devo id e n tific a r
m e solid aria m e nte com todas as pessoas na sociedade e le var
em conta o seu b em , com o se fosse o m e u. D e sta m a n e ira ,
os acordos fe ito s n a posição o rig in a l dão ig u a l considera ção
a cada pessoa.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 83

''P orta nto , as p a rte s n a posiç ã o o rig in a l « stã o te n ta n d o


assegurar o m e lh or acesso p a s s ív e ia o s b e n s p rim á rio s que
ã s ~ c^a d ta m a condq^.um a ,Y Íd a„qj¿ e .v aIh a ia pena^semsa--
hpr nnc& te rm in a rão. na.S Q dedade, H á a ind a m u ito s p rin c í
pio s d ife re n te s que p o d e ria m e scolh er. P od eria m e scolh er
um a distrib uiç ã o ig u a l dos bens prim á rio s para todas as p o
sições sociais. R awls, poré m , d iz que isso é irra cio n a l qu a ndo
certos tip o s de d esigu ald a d e - p o r e xem plo, as p atrocin a d a s
p e lo p rin c íp io da difere n ç a - m e lh ora m o acesso de tod o s
aos bens prim á rio s. P od eria m e scolh er u m p rin c íp io u tilit á
rio , que instruíss e as in stituiç õ e s sociais a d is trib u ir os bens
prim á rio s de m a n e ira que m a xim iz e a u tilid a d e na socie d a
de. Isso m a xim iz aria a u tilid a d e m é dia que as p arte s da p o
sição o rig in a l pod e ria m esperar te r no m u n d o re al, e, em a l
gum as descrições de ra cion a lid a d e , isso a to m a um a esco
lh a ra cio n a l. C o ntu d o , ta m b é m e nvolv e o risco de que você
v e nh a a ser um dos que são in te rm in a v e lm e n te sa crifica dos
p e lo b e m m a ior dos outros. Isso d eixa suas lib erd a d e s, p o s
ses e m e sm o sua vid a vuln erá v e is às preferê ncia s egoístas e
ile g ítim a s dos o u tro s. N a v erd a d e , d e ix a -o d e spro te g id o
ju sta m e n te nas situações em que é m a is pro v á v e l que pre
cise de prote çã o - p or exem plo, qu a ndo suas crenças, cor de
pele, sexo ou h a bilid a d e s n a tura is o to m a m im p o p u la r ou
sim ple sm e nte disp e nsá vel p ara a m a ioria . Isso fa z do u tili
ta rism o um a escolha irra cio n a l, em certas descrições de ra
cio n a lid a d e , pois é ra cio n a l assegurar que seus d ire ito s e
recursos b ásicos sejam prote gidos, m esmo que, com isso, d i
m in u a a sua chance de receber benefícios acim a e alé m dos
bens básicos que você busca prote g er.
P orta nto, há descrições co nflita nte s do que é ra cion a l fa
z er em ta l situ a ç ã o - a ra cio n a lid a d e de a rrisc a r em c o n tra
posição à ra cio n a lid a d e de jo g a r com segurança. Se soubés
semos qu a is as chances de term o s nossos d ire ito s b ásicos
vio la d o s em um a sociedade u tilitá ria , e ntã o, tería m os um a
id é ia m e lh or de quão ra cio n a l é arriscar. O vé u de ig n orâ n
cia, poré m , e xclui esta inform a ç ã o. A ra cion a lid a d e de a rris
car ta m b é m depende de sermos o u n ã o p esso alm e nte aves-
84 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

sos ao risco - algum a s pessoas n ão se im p orta m em a ssum ir


riscos, outras pre fere m a segurança. O vé u de ignorâ ncia , p o
ré m , e xclu i ta m b é m o c o n h e cim e n to dos gostos pesso ais.
Q u a l é, e ntã o, a e scolh a ra cio n a l? R a wls d iz que é ra cio n a l
a dotar um a e stra té gia " m a x im in " - isto é, yoçê m a xwiizcLd / ^
que co n s e g uiria se term in a ss e na posição, m ínim a ou p io r)
C om o d iz R a wls, isso é com o pro ss e g uir com base na su
posiçã o de que seu p io r in im ig o d e cidirá que lu g a r você v a i
ocup ar na socie da d e (R awls, 1971: 152-3). C om o re s u lta
do, você sele cion a um esquem a que m a xim iz e a p arcela m í
nim a a trib u íd a sob o esquem a.
Por e x e m plo, im a gin e que os se guinte s são os e sque
m as d is trib u tiv o s possíveis em u m m u n d o de trê s pessoas:
1 .1 0 : 8 :1
2. 7 : 6 : 2
3. 5 : 4 : 4
A e straté gia de R awls d iz p ara você e scolh er o terc e iro.
Se você n ã o sabe q u a l a pro b a bilid a d e de v ir a fic a r na m e
lh o r ou na p io r posição, a e scolha ra cio n a l, se gundo R awls,
é o terc e iro esquem a. Pois, m e sm o que você v e nh a a fic a r na
p io r posiçã o, ela lh e d ará m ais do que você cons e g uiria se
estivesse na posiçã o m ais in fe rio r dos o utro s esquemas.
O bserve que você deve escolher o terceiro esquema mes
m o que os d ois prim e iro s esquem as te n h a m um a u tilid a d e
m é dia superior. O proble m a com os dois prim e iros esquemasij
é que há certa chance, de ta m a nho desconhecido, de que su ai
vid a será com ple ta m e nte in s a tisfa tória . E, com o cada um d e i
nós te m apenas um a v id a p ara viv e r, é irra c io n a l a c e ita r a
chance de que sua únic a v id a v e nh a a ser tã o in s a tisfa tória .
P orta nto, co n clui R awls, as pessoas, na posição orig in a l, se
le cio n a ra m o p rin c íp io da difere n ç a . E este re sulta d o a jus
ta-s e fe liz m e n te ao que o p rim e iro arg um e nto nos disse. A &
pessoas que usam um processo de decisão e qüita tivo para s e -f
le cion ar prin c ípio s de ju stiç a ch egam aos m esmos prin c íp io s l
que nossas in tuiçõ e s diz e m serem e q üita tivos.
M u ita s pessoas critic a ra m a a firm a ç ã o de R a wls de que
a estratégia do " m a x im in " é a estratégia ra cional. A lg un s a fir-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 85

m am que é ig u a lm e nte ra cion a l, se n ã o m ais ra cion a l, a pos


ta r com base no u tilita ris m o . O utro s a firm a m que é im p o s- ]
sível a v a liar a ra cion a lid a d e de a postar sem saber a lgo a res
p e ito dos riscos ou de nossa aversão ao risco. Estes críticos
ale ga m que Raw lsjs ú x h e g a a o p rin c ip io d e_difere nç a p o r-

A "prn H riz á jM i porqué fa z suposiçõ e s .p sicológic a s- g ra tu i--


.'tas que n ão te m o d ire ito de fa z er (p or e xem plo. H are , 1975:
88-107; B arry, 1973: cap. 9).

(a) A convergência dos dois argum entos

H á certa verd a d e nestas crítica s, m as tra ta-s e de um a


lin h a de crític a m a l orie nta d a . Pois R a wls a dm ite que m a n i
p ula a descrição da posição o rig in a l p ara p ro d u z ir o p rin c í
p io da difere n ç a . E le re conh e ce que " p a ra cada concepção
tra d ic io n a l de ju s tiç a e xiste um a in te rpre ta ç ã o da s itu a
ção in ic ia l na q u a l os seus p rin c íp io s são a soluçã o p re fe ri
d a " e que algum as interpreta çõ e s condu zirã o ao u tilita ris m o
(1971:121). H á m uita s descrições da posição orig in a l que são
co m p a tív e is com o o b je tiv o de cria r u m processo de d e ci
são e q uita tivo , e o prin c íp io da difere nç a n ão seria e scolhido
em tod a s elas. E ntã o, ante s que possamos d e te rm in a r quais
prin cípio s seria m escolhidos n a posição orig in a l, precisamos
saber q u a l descrição da posição orig in a l aceitar. E, R awls diz ,
u m dos fun d a m e nto s nos quais base amos um a descrição
da posição o rig in a l é que ela pro d u z os prin c ípio s que ju l
gamos a ceitá veis in tu itiv a m e n te .
P orta nto, após d iz e r que a p osição o rig in a l deve m old a r
a id é ia d e que as pessoas são i guais m ora lm e nte , R a wIsp S s,-
segue e d iz q u e , "c o n tu do, p ara ju s tificar u m a d escrição ese
p ecífic a d a posiç ã o o n g in a l h á o u li a lid Q lm je é a..S£2 iiin l£ :
v e r se os prin cípio s que seriam escolhidos ajustam-se às nos-J
sas conceituadas convicções de ju stiç a ou as a m plia m de ma-J
n e ira a c e itá v e l" (1971:19). P orta nto, ao d e cid ir sobre a des-J
crição pre fe rid a da posição orig in a l, "tra b a lh a m o s a p a rtir de
86 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

ambas as p o n ta s ". Se os prin c ípio s e scolhidos em um a v e r


são não se a justa m a nossas convicções de ju stiç a , então,

te m os um a e scolha. P od e m os m o d ific a r a d e scriçã o da p o st


ção in ic ia l ou re v er nossos julg a m e nto s já existentes, pois mes \
m o os julg a m e nto s que adotam os pro visoria m e nte com o pon j
tos fixo s estão suje itos a re visã o. A o ir p ara trá s e p ara diante í
algum a s ve zes a ltera n do as condiçõ es das circunstâ ncia s co n
tra tu a is e o u tra s re cu a n do e m nossos ju lg a m e n to s e c o n fo r-
m a n d o-o s com o p rin c íp io , su p o n h o que, p or fim , e n co ntra
re m os um a d e scriçã o d a situ a ç ã o in ic ia l que expressa c o n d i
ções ra z o á v e is e p ro d u z p rin c íp io s qu e se a ju sta m a nossos
julg a m e nto s conceitua dos, d e vid a m e nte podados e ajustados
(1971: 20).

P orta nto, o argum e nto in tu itiv o e o argum e nto do c o n


tra to n ã o são m 3 e p g n d in te s. a fin a l. R a wls a d m ite m o d ifi-
c ar a posição o rig in a l para assegurar que produ z a prin cípio s
que se a juste m a nossas in tuiçõ e s (p e lo m e nos as intuiçõ e s
que continu a m os a suste ntar após term os nos e nvolvido nes
te processo de m ã o d upla de h a rm o niz a r te oria e intuiçõ e s).
Isso pod e soar com o trapaça. C ontudo, só parece ser assim se
consid erarm os que R awls está a firm a n d o que os dois arg u
m e ntos se a poia m de m a n e ira in te ira m e n te ind e p e nd e nte .
E, e m bora às ve z es façam os esta a firm a ç ã o, em outros tre
chos ele a d m ite que os d ois a rg um e ntos são in te rd e p e n
dentes, que ambos re corre m ao m esmo co njunto de intuiçõ e s
conceitu ad a s.
M as, e ntã o, p or que pre ocup ar-se com o d isp o sitivo do
co ntra to? Por que n ã o us ar sim ple sm e nte o p rim e iro a rg u
m e n to in tu itiv o ? E sta é um a bo a p e rg u n ta . E m bora o a r
gum e nto do co ntra to n ão seja tã o ru im qu a nto os críticos su
g erem , ta m p o u co é tã o b om q u a n to R a wls sugere. Se cad;
te oria de ju stiç a te m sua p ró p ria d e scriçã o da situ a çã o d<
contra to, e ntã o, te m os de d e cid ir de a nte m ã o qu a l te oria de
ju stiç a a ceita m os, p ara saberm os q u a l d escrição da posição
o rig in a l é adequada. A oposiç ã c\dc R awls a jo g a r a vid a fora
e m b e n e fício dos o utro s ou a p e n a liz a r os que tê m d e ficiê n
A IG U A LD A D E LIB E R AL 87

d as n a tura is im ere dd a s le v a-o a descrever a posição orig in a l


de u m a m a n e ira ; os qu e discord a m com ele q u a n to a qu e s
tões irã o descrevê-la de outra m aneira. Esta disputa n ão pode
ser solucion a da re corre ndo à concord â nd a contra tu a l. Q u a l
qu er dos la dos que invocasse sua d e scriçã o da situ a ç ã o de
co ntra to em defesa de sua te oria de ju stiç a e staria in c orre n
do em p e tiç ã o de p rin c íp io , já que a situ a ç ã o de co ntra to
pre ssu põe a te o ria . Todas as prin c ip a is que stõe s de ju stiç a ,
p orta n to , tê m de ser d e cidid a s pre via m e nte , p ^ a saberruos
qual descrição d a posição o rigin a l aceita r. M a s, então, o con
tra to e "re dund a nte .
Isso não, á diz fiL q u e n d is p o sitiv o do c o ntra to seja in t e i-
ra m e nte in ú til^ P rim e iro ,.a posiçã o o rig in a l prov ê um a m a
n e ira 3e tòrria r.víyid a s iiQ ssas intuiçõ e s, d a.m esm a m a n eira
que os te óricos m a is.a ntigos invoca va m o estado de nptyre z a
. gara to m a r v ivid a a id é ia d e ig u a ld a d e n a tura l. S egundo, em
bora as intuiçõ e s a que re corre m os no arg um e nto da o p or
tunid a d e ig u a l d e m onstre m que a ju sta igu ald a d e de o p ortu
rtid a d e n ão é suficie nte , elas n ão nos diz e m o que m ais é e xi
gid o, e o d is p o s itiv o do c o n tra to pod e nos a ju d a r a to m a i
m ais precisas nossas intuiçõ e s. Isso é o que R awls pretende
ao d iz e r que o d is p o s itiv o pod e a ju d a r a " e x tra ir as cons e
qüências" de nossas intuiçõ e s. T erce iro,ple proporcion a um a
p ersp e ctiv a a p a rtir da q u a l pod e m os te sta r in tuiç õ e s a n ta
gônica s. Jd g u é m que seja n a tura lm e n te ta le n to s o p o d e ria
fa z e r um a obje çã o sincera à id é ia de que estes ta le n to s são
a rb itrá rio s . T eríam os, e ntã o, u m choqu e de in tuiçõ e s. M as,
se esta m e sm a pessoa já n ã o fiz e sse obje çã o, se ignora sse
ond e a ca b aria n a lo te ria n a tura l, p od ería m os, e ntã o, d iz e r
com certa confia nç a que nossa in tu iç ã o era a certa e que a
oposiçã o a nta gônic a d ela era o re sulta do de interesse s p e s
soais anta gônicos. C ertas intuiçõ e s pod eria m parecer m e nosj
convince nte s qu a ndo vista s a p a rtir de um a p ersp e ctiva dis-f
tanciada de nossa pró pria posição na sociedade. O a rg u m e n-f
to do co ntra to testa nossas in tu iç ões re vela ndo se elas seriam
escolhidas a p a rtir de um a p erspe ctiva im p a rcia l. Q contra to,
pôrtanT O ; 'tom ar vivid a s certás Írituiçõ e^g O T ãis“ e prov ê um a
88 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ersp e ctiv a im p a rcia l a p a rtir da q u a l pod e m os consid e ra r


intuiçõ e s m ais específicas (R awls, 971: 21-2, 586).
P orta nto, há b e n e fícios em e m pre g ar o d is p o sitiv o do
co ntra to . Por o u tro la do, o d isp o sitivo do co ntra to n ão é e xi
gid o para esses propó sito s. C om o vim o s n o ú ltim o c a pítulo,
alguns te óricos (H are , p or e xe m plo) in voc a m a nte s " s o lid á
rios id e a is " que contrata nte s im p arcia is para expressar a idéia
da ig u a l consideração (cap. 2, seção 5b a cim a)..A m b a s a s-te a-
ria s in stru e m o a g e nte m ora l p a ra a d o ta r um p o n to d e-visia
im p a rcia l, m as, e n q u a nto os co ntra ta nte s im p a rcia is vê em
cada pessoa n a sociedade com o um a das possíveis lo c a liz a
ções fu tura s d e seu p ró p rio b em , os s o lid á rio s .id e a is .vêem
cada pessoa n a sociedade com o um dos com pon e nte s de seu
.pró prio bem, já que se solid ariz a m com cada um a delas e as
sim co m p a rtilh a m o d e stino de cada pessoa^A s duas teorias
usam disp osifivo s difere nfê s, m as a difere nç a é re la tiv a m e n
te sup erficia l, p ois a m a nobra c e ntra l em cada te oria é forç ar
os age nte s a a d o ta r um a p ersp e ctiv a que lh e s n egu e o co
n h e cim e n to ou q u a lq u e r ca pa cid a de de pro m o v e r seu p ró
prio bem p a rticula r. N a verdade, m uita s ve zes é d ifíc il d is tin
g u ir co ntra ta nte s im p a rcia is de so lid á rio s id e a is (G a uthie r,
1986: 237-8; D iggs, 1981: 277; B arry, 1989: 77, 196)4.
A ig u a l consid era ç ã o ta m b é m pod e ser g erad a sem
qu a isqu er disp o sitivo s especiais, sim ple sm e nte p e din d o aos
agentes que d ê e m ig u a l consid era çã o aos o utros, n ã o obs
ta nte seu conh e cim e nto e capacidade de prom o v er seu p ró
p rio b e m (p or e x e m plo, S ca nlon, 1982; B arry, 1989: 340-8).
N a v erd a d e , h á u m tip o c u rioso de p e rversid a d e em usar o
d is p o sitiv o do co ntra to ou do solid áririúd e a T p ãfa expressar
a id é ia de igu a ld a d e m ora l.,-0 conc e ito do véu de ignorâ ncia

4. R a wls n e g a qu e h a ja q u a lq u e r s im ila rid a d e e ntre o seu c o n tra tu a lis-


m o e o s o lid á rio im p a rc ia l d e H a re . C o n tu d o , c o m o B a rry expressa, esta n e g a
ção " é , p ara m im , sim ple sm e nte com o u m golp e n o a r" (B arry, 1989:410 n. 30).
É in f e li z qu e R a wls exag ere a distâ ncia e ntre sua te oria e a de H are , p o is o exajÉ
g ero fu n c io n a co n tra R a wls. V e r a discussã o da s crític as fe m inista s de R a wls n c j
cap. 7, seção 3c(ii) a b aixo.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 89

te nta to m a r vivid a a id é ia de que as outra s pessoas tê m im


portâ ncia em si e p or si, não sim ple sm e nte como com pon e n
tes de nosso p ró p rio b em . F az isso, p oré m , im p o n d o um a
perspectiva a p a rtir da qu al o bem dos outros é sim ple sm e n-
te um com pon e nte de nosso p ró p rio b e m (e fe tivo ou possí
v e l) .'À id é ia de que as pessoas são fin s em si m esm as é obs
cure cid a q u a n d o invoc a m os " a id é ia de um a e scolha que
prom ov e os interesse s de um ú nico in d iv íd u o ra cio n a l para
o qu a l as vária s vid a s in d ivid u a is em um a sociedade são ape
nas outra s ta nta s possibilid a d e s d ife re n te s " (S ca nlon, 1982:
127; cf. B arry, 1989: 214-15, 336, 370). R a wls te n ta su b e sti
m ar a extensão em que as pessoas n a posição o rig in a l vê em
as v ária s vid a s in d ivid u a is na sociedade apenas com o outros
ta ntos re sulta dos possíveis de um a escolha de interesse p ró
prio , mas o disp o sitivo dn m n tra to encoraja esta visã n p p o r
ta n to . obscurece o v e rd a d e iro s ig n ific a d o d o ig u a l intere ss e .
D esse m odo, o d is p o sitiv o do co ntra to acrescenta p o u
co à te oria de R awls. O arg um e nto in tu itiv o é o a rg um e nte i
prim á rio , seja o que for que R awls dig a em s e ntido c o n trá rio !
e o argum e nto do contra to (na m e lh or das hipóte ses) a p e n a »
a jud a a e xpre ss á-lo. N ã o está claro, p oré m , que R a wls n e-|i
cessite de u m a rg u m e n to c o n tra tu a l in d e p e n d e nte . R a wls
h a via se que ixa do inicia lm e n te da m a n e ira com o as pessoas
era m obrig a d a s a e scolh er e ntre o u tilita ris m o , um a te oria
siste m ática, m as c o n tra -in tu itiv a , e o in tuicio n is m o , um a co
leção de in tuiç õ e s h eterogê n e a s, sem n e nhum a e strutura
te óric a . Se ele en contro u um a a lte rn a tiv a siste m á tic a p ara o
ju tilita ris m o , que esteja em K a rm o nia com n ossas in tuiçõ e s,
então,, çsta te.oria.é. u m a .te oria pod eros a , n ã o e nfra qu e cid a
de n e n h um a m a n e ira p ela in te rd e p e nd ê ncia dos arg um e n
tos in tu itiv o e co ntra tu a l. C om o d iz R awls, "u m a concepção
de ju stiç a n ão pod e ser d e du zid a a p a rtir de pre missa s e vi
dentes p or si mesmas ou de condições im posta s a princípios;
em ve z disso, sua justific a ç ã o é um a questão do a poio m útuo
de m uita s considerações, do ajuste de tod a s as coisas em
um a vis ã o co e re nte " (1971: 21). E le ch am a isso " e q u ilíb rio
re fle xivo ", e este é seu o bje tivo. Seus prin cípio s de ju stiç a são
88 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ersp e ctiv a im p a rcia l a p a rtir da q u a l pod e m os consid erar


in tuiçõ e s m a is e specíficas (R awls, 971: 21-2, 586).
P orta nto, há b e n e ficio s em e m pre g ar o d is p o sitiv o do
co ntra to . Por o utro la do, o disp o sitivo do co ntra to n ão é e xi
gid o para esses propósitos. C om o vim os no ú ltim o c a pítulo,
alguns te óricos (H are , p or e xe m plo) in vo c a m antes " s o lid á
rios id e a is " que contrata nte s im p arcia is para expressar a id é ia
da ig u a l consideração (cap. 2, seção 5b a cim a), A m b a s as-teo.-
ria s i irstru e m & a g e nte m ora l para a dotar um p o n to de vista
im p a rcia l, mas, e n q u a nto os contra ta n tes im p arçia is. v ê e jn
cãdã péssoa n a sociedade rn m n nm a d a s p o s s ív e is lo c a liz a
ções fu tu ra s de seu p ró p rio b em , os-solid árÍQ sid e a is.v ê e m
cada pessoa na sociedade com o u m dos com pon entes de seu
pró prio bem, já que se solid ariz a m co m cada um a delas e as
sim co m p a rtilh a m o d e stin o de cada p e sso a .A s duas te oria s
usam disp ositivo s diferentésT m as a difere nça é re la tiv a m e n
te su p e rficia l, pois a m a nobra c e ntra l em cada te oria é forç ar
os agentes a a d o ta r um a p ersp e ctiv a que lh e s negu e o co
n h e cim e n to ou q u a lq u e r ca pacidade de pro m o v e r seu p ró
prio b e m p articula r. N a verdade, m uita s ve zes é d ifíc il d is tin
g u ir co ntra ta nte s im p a rcia is de so lid á rio s id e a is (G a uthie r,
1986: 237-8; D iggs, 1981: 277; B arry, 1989: 7 7 ,196)4.
A ig u a l consid era ç ã o ta m b é m pod e ser g erad a sem
qu a isqu er disp o sitivo s especiais, sim ple sm e nte p e din d o aos
age nte s que d ê e m ig u a l consid era çã o aos o utro s, n ão obs
ta n te seu conh e cim e nto e capacidade de prom o v er seu p ró
p rio b e m (p or e x e m plo, S ca nlon, 1982; B arry, 1989: 340-8).
N a verd a d e , h á u m tip o cu rioso de p e rv ersid a d e em usar o
d is p o sitiv a do c o ntra to o u .d o solid ário T d è a T para expressar
-a-id â a jd e j® a ild a d e-m Q rgl./ 0 conc e ito do v é u de ig n ora n cia '

4. R a wls n e g a qu e h a ja q u a lq u e r s im ila rid a d e e ntre o seu c o n tra tu a lis-


m o e o so lid á rio im p a rc ia l d e H a re . C o n tu d o , co m o B a rry expressa, esta n e g a
ção "é , p ara m im , sim ple sm e nte com o u m golp e n o a r" (B arry, 1989:410 n. 30).
É in f e li z qu e R a wls ex ag ere a dis tâ n cia e n tre sua t e oria e a de H a re , p o is o ex a^
g ero fu n cio n a co ntra R awls. V e r a discussão das critic a s f e m inist a s de R a wls nc|
cap. 7, seção 3c(ii) a b aixo.
,4 IG U A LD A D E LIB E R AL 89

te nta torn a r v iv id a a id é ia de que as outra s pessoas tê m im


portâ ncia em si e p or si, não sim ple sm e nte como com pon e n
tes de nosso p ró p rio bem , F az isso, p oré m , i m p o n d o um a
p e rs p e ctiva a p a rtir da qual o bem dos outros é sim ple sm e n
te u m co m p o n e ntê c ü n o sso p ró p rio b e m (e fe tivo ou possí
vel)? À id é ia de que as pessoas são fin s em si m esm as é obs
cure cid a q u a n do invo c a m o s " a id é ia de um a e scolha que
prom ov e os interesse s de um ú nico in d iv íd u o ra cion a l para
o qu a l as v ária s vid a s in d ivid u a is em um a sociedade são a pe
nas outra s ta nta s possibilid a d e s d ife re n te s " (S ca nlon, 1982:
127; cf. B arry, 1989: 214-15, 336, 370). R a wls te n ta su b e sti
m ar a exte nsão em que as pessoas n a posiçã o o rig in a l vê em
as vária s vid a s in d ivid u a is na sociedade apenas com o outros
ta ntos re sulta dos possíveis de um a escolha de interesse p ró
prio , mas ()disp o sjh y a d u ,c a n tra to encoraja e sta visã o e, p or-
t a nto, obscure ce o v e rd a d e iro sig nific a d o d o ig u a l interesse .
D esse m o d o, o d is p o sitiv o do co ntra to acrescenta p o u
co à te oria de R awls. O arg um e nto in tu itiv o é o a rg u m e n te i
prim á rio , seja o que fo r que R awls dig a em s e ntido c o n trá rio l
e o argum e nto do co ntra to (na m e lh or das hipóte ses) apena J
a jud a a e xpre ss á-lo. N ã o está claro, p oré m , que R a wls n e-fl
ce ssite de u m a rg um e nto c o n tra tu a l in d e p e n d e nte . R a wls
h avia se quebrado in icia lm e n te da m a n e ira com o as pessoas
eram obrig a d a s a e scolh er e ntre o u tilita ris m o , um a te oria
siste m ática, m as c o n tra -in tu itiv a , e o in tuicio n is m o , um a co
leção de in tuiç õ e s h eterog ê n e a s, sem n e n h um a e strutura
te óric a . Se ele en c o n trou um a a lte rn a tiv a siste m á tic a jp ara .o
u tilitarism o, cjiie esteja em h a rm o nia com nossas intuiçõ e s,
e ntã o, e sta te oria .é .um a te o ria p o d erosa . n ão .enfraquecida
de n e n h u m a m a n e ira .p e la inte rd e p e n d ê n cia dos argum em
tos in tu itiv o e co n tra tu a l. C om o diz R awls, "u m a concepção
de ju stiç a n ã o pod e ser d e du zid a a p a rtir de premissas e vi
dentes p or si m esm as ou de condições im posta s a princípios;
em ve z disso, sua justific a ç ã o é um a questão do a poio m ú tu o
de m uita s considerações, do ajuste de tod a s as coisas em
um a vis ã o co e re n te " (1971: 21). E le cham a isso " e q u ilíb rio
re fle xivo ", e este é seu obje tivo. Seus prin cípio s de ju stiç a são
90 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m utu a m e nte a poia dos p e la re fle xã o sobre as intuiçõ e s a que


re corre m os em nossas prá tic a s diá ria s e p e la re fle x ã o sobre
a n a ture z a da ju s tiç a a p a rtir de um a p e rsp e ctiv a im p a rcia l
que está dista n cia d a de nossas posiçõ e s cotidia n a s. C om oj
R awls está busca ndo ta l e q u ilíbrio re fle xivo, crítica s com o asi
de H are e B arry são exageradas. Pois, m e sm o se estivessem]
certos com referê ncia ao fa to de que o prin c íp io da difere nça
n ão te ria sido e scolhid o n a posiçã o o rig in a l, com o d e scrito
p or R awls, ele pod eria re d e fin ir a posição orig in a l de m a n e i
ra que produ z a o prin cípio da diferença . Isso soa como tra p a
ça, mas é ú til e le g ítim o se re a lm e nte nos condu z a u m e q ui
líb rio re fle xivo - se sig nific a que "fiz e m o s tu d o o que p u d e
m os para to m a r coerentes e ju s tific a r nossas convicções de
ju stiç a s o cia l" (1971: 21).
Ü m a ^rfik a re a lm e nte b e m -sucedida de R awls deve d e
sa fiar suas in tu ições fu n dam en ta is o u .dem o n stra r p o r q u e o

in tuiçõ e s (e, p orta n to , p o r que um a d escrição d ife re n te da


posição o rig in a l deve ser p arte de nosso e q u ilíbrio re fle xivo).
E x a m in are i te oria s que d e safia m as intuiçõ e s básicas em ca
p ítu lo s posteriore s. A nte s, p oré m , qu ero e x a m in ar esta se
gund a opção. Podemos e n co n tra r qu a isq u er proble m a s in
ternos da te oria de R awls, crítica s n ão de suas intuiçõ e s, mas
da m a n e ira com o ele as desenvolve?

(b) Problem as internos

U m a das intuiçõ e s c e ntra is de R awls, com o vim o s, diz


re sp eito à distinç ã o e ntre escolhas e circunstâncias. Seu argu
m e nto contra a visã o ipre vale ce nte de igu
Cy
a ld a d e de o p o rtu
I '— —~ ~
n i-
dade d epe nd e m u ito da a firm a ç ã o de que e la d eixa espaço
d em ais p ara a in flu ê n cia de nossos d ote s n a tura is im e re ci
dos. C oncord e i com R awls neste caso. O p ró prio R awls, p o
rém , deixa espaço dem ais para a in flu ê n cia das desigualdades
n atura is e, ao m esmo te m po, deixa m u ito pouco espaço p ara
a in flu ê n c ia de nossas escolhas.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 91

(i) Compensação das desigualdades n aturais

E x a m in are i a que stão dos ta le nto s n a tura is prim e iro .


R awls d iz que o d ire ito das pessoas aos bens sociais n ão deve j
d e p e nd er de seus dote s n a tura is. O s ta le ntosos n ã o m e re -1
cem renda m a ior e devem receber m ais re nd a apenas se isso
b e n e ficia r os que estão em p io r situ a çã o. P orta nto, se gundo
R awls, o p rin c íp io da difere nç a é o m e lh or p rin c íp io para
assegurar que os bens n a tura is n ã o te nh a m um a in flu ê n c ia
in e q ü ita tiv a .
A sugestão de R awls, p oré m , a ind a d eixa m u ito espaço
para que o d e stin o das pessoas seja in flu e n cia d o p o r fa tore s
a rb itrá rio s . Isso porqu e R a wls d ef in e a p io r p osição in te ira -
m e nte em fun ç ã o dos b e ns-P iim ário s sociais que as pessoas.
possuem - isto é, dire itos, oportunid a d e s, riqu e z a etc. E le não
examina os bens prim á rios n a tura is que as pessoas possuem,
ao d e te rm in a r que m está em p io r situ açã o. F aia R awls, duas
pessoas estão em situ a çã o ig u a lm e nte boa (neste conte xto)
se tê m o m e sm o p acote de bens prim á rio s sociais, e m bora
um a d elas possa ser d e stitu íd a de ta le n to , fisic a m e nte d e fi
cie nte , m e nta lm e nte inca p a cita d a ou te r m á saúde. D a m e s
m a m a n eira , se a lgu é m te m um a v a nta gem a ind a que p e-
quena sobre os outros em b éfis sociais, e ntã o est á e m m e lhor
situ a ç a õ na escala de R awls, m e sm o que, a re n d a e xtra ord ñ
xiá ria n ã o seja suficie nte para p a g ar os e ustos e xtra ord in á -
rio s que te n h a que e n fre n ta r d e vido a a lg um a desva nta g em
n a tura l - p or exemplo,, os eustos de m edicação p ara uma».
, doença ou de e quip a m e nto especial para a lgum a d eficiê ncia .
M a s p or que as expe ctiva s dos que estão em situ a çã o
p io r no que d iz re sp e ito aos bens sociais d eve m ser a re fe
rê ncia p ara a avaliação das in stituiçõ e s sociais? E sta e stip ula -
ção e ntra em c o n flito com o argum e nto in tu itiv o e com o a r
gum e nto contra tu a l. N o argum e nto contra tu a l, a e stipula çã oi
é im o tiv a d a no que se re fere à ra cio n a lid a d e das p arte s n a l
posiçã o o rig in a l. Se, com o d iz R awls, a saúde é tã o im p o r-j
ta nte q u a nto o d in h e iro para se p o d e r te r um a vid a b e m -su
cedida e se as p artes buscam e ncontrar um arra njo social que
92 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

lhes g aranta a qu a ntid a d e m á xim a de bens prim e iro s no p io r


re sulta do possível (o ra ciocínio m a xim in), então, p or que não
tra ta ria m a fa lta de saúde e a fa lta de d in h e iro ig u a lm e n te ,
com o casos em que se está em p io r situ a ç ã o p ara os fin s da
d is trib u iç ã o social? Toda pessoa re conh e ce que e staria em
situação p io r se, de repente, ficasse incapacitada, m esmo que
seu p acote de bens sociais perm anecesse o m esm o. Por que
não iria q u erer que a sociedade ta m b é m reconhecesse sua
desvantagem ?
O arg um e nto in tu itiv o a ponta na m esm a dire çã o. N ã o
apenas os bens prim á rio s n a tura is são tã o necessários qu a n
to os bens sociais p ara se te r um a boa vid a , com o ta m b é m o
lu g a r das pessoas na d istrib uiç ã o dos bens n a tura is n ão d e
pende de m ere cim e nto e, p orta n to , é erra do que sejam fa vo
re cid as ou pre judic a d a s p or causa deste lug ar. C om o vim os,
R awls.pansa-quejesta in tuiçã o leva ao prin c íp io da difere n ça,
sob o qu a l as pessoas só recebem re compensas e xtra ordin á
rias pelos seus fã fè rifõ ss e estes b e n e ficiare m os que estão em
. p io r situ a çã o; "som ós le và dõs ao p rin c íp io da difere nç a se
desejamos esta b elecer o siste m a socia l de m a n e ira que n in
gué m ganh e n e m perca p or causa de seu lu g a r a rb itrá rio na
d istrib uiç ã o dos bens n a tura is ou de sua posição in ic ia l na
sociedade sem d ar ou receber vantagens compensadoras em
tro c a " (1971:102). Isso, poré m , é erra do ou, p e lo m enos, e n
ganoso. J S ó jjq m c ^je ^^ s e xom
"p erd a s e g a nh o s " quis erm os nos re fe rir a. p e rd as e ganhos,
jgm term os de b e ris s ó a ^ 'ü p 'm tc íp io da difere nç a assegu
ra que os b e m -dota dos n ão consiga m m ais bens sociais ape
nas p or causa de seu lu g a r a rb itrá rio na distrib uiç ã o dos bens
n atura is e que os d eficie nte s não sejam priv a dos dos bens so
ciais apenas p or causa de seu lu g a r nessa distrib uiç ã o . Isso,
co ntu do , n ão " m itig a " in te ira m e n te "o s e fe itos do a cid e nte
n a tura l e da circunstâ ncia so cia l" (1971: 100). Pois os b e m -
dota dos a in d a conse gu e m o b e m n a tu ra l de sua dota çã o,
b e m este do q u a l o d e ficie n te é im ere cid a m e nte priv a do . O
prin cípio da difere nça pod e assegurar que eu te nh a o m esmo
pacote de bens sociais que o de um a pessoa d eficie nte . C on-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 93

tudo, a pessoa d e ficie nte e nfre nta custos m é dicos e de tra ns


porte e xtra ordin ários. E la suporta u m fardo im ere cido na sua
capacidade de le v ar um a vid a s a tisfa tória , u m fardo d e cor
re nte das circunstâ ncia s, n ão das suas escolhas. „Q p rin c íp io
da d ife re n c ia n te s p e rm ite que re m ove este fa rd o 5.

5. E sta obje ç ã o é le v a nta d a p o r Ç a m ^^L e rx , e m bora a mbos colo q u e m


e rro n e a m e nte a culp a p e lo pro ble m a rio c o m p ro m is s o d e R a wls com o uso dos
b e ns p rim á rio s p ara d e fin ir a p io r posiç ã o (B arry, 1973: 5 5-7; Sen, 1980: 215-
6). O p ro b l e m a est á - e f e tiv a m g n t e j a a u is & jr K Q m p l e to ^ e R a wls fa z dos b e ns
prim á rio s - isto é, sua exclusã o a rb itrá ri a dos b e n s p rim á rio s n a tura is d o ín d i-
c e jR a w ls re a lm e nt e discute a id é ia d e com p e ns a r as d e sv a nta g e ns n a tura is,
m a s ap e na s e m fu n ç ã o de u m F prin c íp io d e r e p a r a f ã õ l^ iu iq u a i a c om p e ns a -
ção é f e it a p ara re m o v e r os e fe itos d jrptns Ha HpgvarUAgpm p, m m isso, cria r.
ig u a ld a d e .d e .o p o rtu n id a d e , (R awls, 1971: 100-2). R a wls re je ita corre ta m e nte
esta vis ã o c o m o im p o ssív e l e ind e s e já v e l. M a s p o r qu e n ã o v e r a comp e ns a ç ã o
c om o u m a m a n e ira de e lim in a r u m a d e sig u a ld a d e im e re cid a nos b e ns p rim á
rio s gerais? C o m p e n s a r as pessoas p e lo s custos n ã o e scolhid os d e sua s de s#
v a nta g e n s n a tura is deve ser fe ito , n ã o d e m a n e ira qu e poss a m c o m p e tir c orri
o u tro s e m p é d e igu a ld a d e , m as de m o d o que poss a m t e r a m e sm a ca p a cid ad a
de c o n d u z ir u m a v id a s a tisfa tória . P ara m a is sobre isso, com p are M ic h e lm a rl
(1975: 33 0-9), G u tm a n n (1980: 126-7) e D a n ie ls (1985: cap. 3) co m P ogge
(1 9 8 9:1 8 3-8) e M a p e l (198 9:1 0 1-6).
A lg u n s com e ntarista s a rg u m e n ta m qu e R a wls re a lm e nt e suste nta a
comp e ns a ç ã o das d e sv a nta g e ns n a tura is, m a s n ã o co m o qu e stã o d e justiç a .
E m v e z disso, ele v ê nossas obrig a çõ e s p.ara.ç.omP S J lâ t U í a lm g a t e de sfa YMfe-
jt id o s com o " de vere s j a frqn e Y plg nq a p pfrü çft" (M a rtin , 1 9 8 5:1 8 9-91) o u " d i-
j e i t o s d e m o r a lid a d e " (P ogge, 19 8 9:1 8 6-91 , 275). E stas obrig a çõ e s p ara com
os d e sfavore cidos n ã o são qu e stões de m era c arida d e , pois d e v e m ser c o m p u l
soria m e nte aplic a d a s p or m e io do E stado, m a s ta m p o u c o são dir e ito s de ju s ti
ça. S e g u n d o P ogg e e M a rtin , a t e oria d e ju stiç a dp R a wls é iL ie s p e ito d a " ju s -
-Jtica fu n d a m e n t a l” , ao.n asso_fiu e a co m p a a s a c a o ja c a . os. n a tura lm e nte , d e sfa
vore cid o s d iz re sp e ito à " ju s tiç a g era l d ^ u n iv e rs o " (M a rtin , 1985:180; Pogge,
1 9 8 9 :189). Infer¡?m é hté , ñ e n h u m " a u tor e xplic a este contra ste n e m co m o ele é
co m p a tív e l co m a ê nfa se de R a wls e m " m itig a r os e fe itos do a cid e nte n a tura l
e d a fo rtu n a so cia l" (R awls, 1971: 585)._M artin, p o r e x e m plo , . p a j^ j i i z e t- q u e
m itig a r os e fe itos dos bens n a tura is i
ta l, ao p a sso qu e m itig a ro s r f e i ^ d a s . ^ f e ^ B m t t a í u a t e dif e re n cia is
é jr m a qu e stã o de b e n e volê ncia (M a rtin , 1985: 178). É d ifíc il p erc e b er o que,
e m u m a a b ord a g e m ra w lsia n a , ju s tific a esta distin ç ã o . (Bria n B a rry a rg u m e n
ta q u e esta re striç ã o só é le g ítim a se R a wls e stiv er a b a nd o n a n d o a id é ia in t e i
ra d e ju stiç a co m o ig u a l consid era ç ã o e a d ota n d o a id é ia hobb e sia n a de ju s ti
ça co m o v a nt a g e m m ú tu a - B arry, 1989: 243-6; cf. n. 2 a cim a.)

i
94 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

R awls parece não te r p erc e bido as im plica çõ e s com ple


tas de seu p ró p rio arg um e nto contra a visã o pre vale ce nte de
ig u a ld a d e de o p ortu nid a d e . A posiçã o que ele estava c riti
c a ndo era esta: (1) A s d e sigu a ld a des sociais são im e re c id a s
e devem ser re tific a d a s ou compensadas, .mas.as- d e sigu a l-
dades n a tura is pod e m in H u e nciar a d istrib u iç ã o em c o n fo r-
m id a d e com a igú a ld a d e de o p ortu nid a d e .'R awls a firm a que
as d e sigu a ld a d e s n a tura is e sociais são ig u a lm e n te im e re
cidas, de m o d o que (1) é "in s tá v e l" . E m v e z disso, endossa:
(2) A s d e sigu ald a d e s sociais d eve m ser compensadas e as|,
desigualdades n a tura is não devem in flu e n cia r a d is trib u iç ã o .!
C o ntu d o, se as d esigu ald a d e s n a tura is e sociais são mesmos !
ig u a lm e nte im ere cid a s, e ntã o (2) ta m b é m é in stá v e l. D e ve-f
mos, em ve z disso, endossar: (3) A s d esigu alda d es n atura is
e sociais d e ve m ser com pensadas. S e gundo R awls, qs,.p£s_-
, soas nascidas e m u m a classe o u raça d esf a varecid a n ã o ape_-
t nas n ão d eve m ser priv a d a s dqs.b e a e fícios^ocia is, m a s.ta m -
„b é m devem te r d ire ito a um a compensação p o r causa dessa
, d e sva nta g e m .! P or que tra ta r de m a n e ira d ife re n te pessoas
n ascida s com d e ficiê n cia s n a tura is? P or que n ã o d e v eria m
ta m b é m te r d ire ito a um a compensação p o r sua d e sva nta
gem (por exem plo, cuid ados m é dicos subsidiados, tra n sp or
te, tre in a m e nto pro fissio n a l etc.), a lé m do d ire ito de não se
re m discrim in a d a s?
E ntão, há ra zões in tu itiv a s e contra tu a is p ara ie ro n h e cer
as .deficiências n atura is como fund a m e ntos p ara a compensa
ção e p ara in c lu ir os bens prim á rios n aturais no índice qu e de-
te rm in a que m está na p io r posição. H á dificuld a d e s em te nta r
com p ensar d e sigu alda d es n a tura is, com o d is c u tire i na seção
4b abaixo. Pode ser im possível fa z er o que nossas instituiçõ e s
nos diz e m que é m a is ju sto . R awls, p oré m , sequer re conh e
ce a d e s e ja bilid a d e de te n ta r com p e nsar ta is d esigualdades.

(ii) Subvenção das escolhas das pessoas

O se gundo pro ble m a d iz re sp e ito ao re verso dessa in


tuiç ã o . A s pessoas n ã o m erecem su p orta r o fa rd o de custos
A IG U A LD A D E LIB E R AL 95

n ão e scolhidos, m as com o d e ve m os re a g ir a pessoas que


e scolh e m fa z e r coisas custosas? N o rm a lm e n te s e ntim o s
que custos n ão e scolhidos tê m m a ior d ire ito sobre_n¿k¿i& que
custos v o lu n ta ria m e n te e s c Q lhid o s,'0 que s e ntim os a res
p e ito de a lgu é m que gasta U S$ 100 p or sem ana em u m tra
ta m e nto caro p ara o co ntrole de um a doe nça n ão e scolhid a
é d ife re n te do que s e ntim os a re sp e ito de a lgu é m que gasta
U S$ 100 p or sem ana em u m v in h o caro porqu e gosta de seu
sabor. R a wls re corre a esta in tu iç ã o qu a ndo critic a a visã o
pre vale ce nte a fa vor da in s e n sibilid a d e p ara com a n ature z a
n ão e scolhid a das d esigu ald a d e s n a tura is. C om o, poré m ,
devemos ser sensíveis às escolhas das pessoas?
Im a gin e que conseguim os ig u a la r a s x k nmstândas^S Q -
ciais e n a tura is dás pessoas. Para consid erar.oxa so m a is sim
ples, im a gin e duas pessoas de..igua],.ta le n t o n a tura l que com
p a rtilh a m o m esm o h istóric o social. U m a qu e r jo g a r tê n is o
d ia in t e iro e, p o rta n to , tra b a lh a e m um a fa z e nd a apenas
o te m p o n ece ssário p ara g a n h ar o d in h e iro s u ficie n te p ara
com prar terra , fa z er um a quadra de tê nis e suste ntar o e stilo
de v id a que deseja (isto é, a lim e nta ç ã o, v e stu á rio , e q u ip a
m e nto). A outra pessoa qu er um a qu a ntid a d e sim ila r de terra
para p la n ta r um a h orta e pro d u z ir e v e nd e r v erdura s para si
e para outros. A lé m disso, im a gin e m os, com R awls, que te -
nh a m os com eçado com um a d istrib uiç ã o ig u a ld e recursos,
que é suficie nte para que. ca d a pessoa consiga, a te rra deseja
da e comece a im ple m e nta r re sp ectiva m e nte a quadra de tê
,n is .e.â h orta ¿ O h ortic u lto r logo terá m ais recursos do que ol
jog a d or de tê nis, se p e rm itirm o s que o m ercado funcion e li-1
vre m e nte . E mbora te nh a m com eçado com cotas igu ais de re -l
cursos, o jog a dor de tê nis logo esgotará sua parcela in ic ia l e o
tra b a lho esporádico na fa z enda só lh e trará o suficie nte para
suste ntar seu jo g o de tênis. O h ortic ultor, porém , usa sua cota
in ic ia l de m a n eira que gere um flu xo de renda m a ior e m ais
estável p or m eio de um a qua ntida d e m a ior de tra b a lho.JRawls
só p e rm itiria essa desigualdad e se ela beneficiasse o que está
pm p in r s ita ia c ã n - LqtQ .ér .^ a .b a n e firia s s e n jo gador de tê nis,
que agora carece m u ito de renda.. Se o jog a d or de tê nis n ão se
96 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

b e n eficia da desigualdade, então, o governo deve tra n sfe rir


algo de sua re nd a para ele, para que a re nd a seja igu ala d a .
C ontudo, há a lgo p e culia r em diz e r que ta l trib u to é n e
cessário para im p o r a igu ald a d e , qu a ndo isso é com pre e ndi
do com o tra ta r ambas as pessoas com o igu a is. L e m bre que
o jo g a d or de tê nis te m os m esmos ta le n to s que o h o rtic u l
tor, o m e sm o h istóric o social e com e çou com um a dotação
de recursos ig u a l. C om o re sulta do, ele pod eria te r e scolhido
a h ortic u ltu ra , g era dora de re nd a , se desejasse, e xatam ente
com o p o d e ria te r e scolhid o o tê nis, n ã o g era dor de re nda .
A m b o s d e p arara m com um le qu e de opções que ofere cia
qu a ntid a d e s e tip os v aria dos de tra b a lho, la z er e renda. A m -j
bos escolheram a opção que pre feria m . A ra z ão pela qual nãcj
e scolhe u a h o rtic u ltu ra , p orta n to , é que ele pre fe riu o la z eiij
e nqu a nto o o u tro pre fe riu a re nd a .
D a do que estas difere nça s de e stilo de vid a são liv re
m e nte e scolhid a s, com o é possíve l que ele seja tra ta d o d e
sigu a lm e nte , q u a ndo se p e rm ite que o o u tro te n h a a re nd a
e o e stilo de vid a que ele n ão quis?„R a wls d efe nd e o p rin
cípio da difere nç a diz e nd o que ele co ntra b a la nça as d e si
gu ald a d e s das co ntin g ê n cia s n a tura is e socia is, E stas, p o
ré m , n ão são rele va nte s a qui. E m ve z de re m ov er um a d es
va nta g e m , o prin c íp io da difere nça sim ple sm e nte fa z o h o r
tic u lto r su b sidia r o desejo disp e n dioso de la z er do o utro .
E le te m de p a g ar p elos custos de sua escolha - isto é, ele re
n u n cia ao la z e r p ara co n s e g uir m a is re nd a . O o u tro , p o
ré m , n ão te m de p a g ar p e los custos de sua escolha - isto é,
n ão re n un cia a re nd a para cons e guir m ais la z er. E le espera
e R a wls re q u e r que o h o rtic u lto r pague p e los custos da p ró
p ria escolha e que ta m b é m subsidie a escolha d ele. Isso não
prom ov e a igu a ld a d e ; isso a sola pa . U m consegue seu e sti
lo de vid a pre fe rid o (tê nis p o r la z er) m ais certa re nd a p ro
v e nie nte dos trib u to s im p o stos ao h o rtic u lto r, ao passo que
este consegue seu e stilo de vid a pre fe rid o (h orta , g eradora
de re nd a) m e nos c erta re nd a que lh e é d e d u z id a sob a fo r
m a de trib u to s . E le te m de re n u n cia r a p arte d o que to m a
sua vid a v a lios a p ara que o o u tro possa te r m ais do que ju l-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 97

ga y a Jioso/E le s, neste s e ntid o , são tra ta d o s d e sigu a lm e nte


sem n e nhum a ra z ão le g ítim a .
Q u a n d o as d e sigu a ld a d e s de re n d a re sulta m de e sco- ^
lh a s, n ã o de circu n stâ n cia s, o p rin c íp io da dife re n ç a a nte s
cria que re m ove a in e qüid a d e . Tra tar as pessoas com ig u a l
intere sse re q u e r que as pessoas p a gu e m p e los custos das
pró pria s e scolha s. P agar p o r escolhas é o in v e rso de nossa
intuiç ã o a re sp eito de n ão pagar p or circunstâncias desiguais.
É in justo as pessoas serem desfavorecid a s p or d e sigu alda d e s
de circunstâ ncia s, m as é igu a lm e nte in ju s to que eu exija que
'¿ilgum a o utra pessoa pague p elos custos de m inh a s escolh a^.
E m lin g u a g e m m a is té cnic a , u m esquem a d is trib u tiv o deve
ser "in s e n sív e l à dota ç ã o " e "s e nsív e l à a m biç ã o " (D w orkin ,
1981: 311). O d e stin o das pessoas deve d e p e nd e r de suas
ambições (no s e ntido a m plo de obje tivos e projetos na vid a),
mas n ão de seus dote s n a tura is e sociais (as circunstâ ncia s
em que buscam suas a m bições).
O pró prio R awls e nfa tiz a que somos responsáveis p e losj
custos de nossas e scolhas. N a v erd a d e , é p o r isso que sua i
d escriçã o de ju s tiç a m e d e a p arcela de b e ns p rim á rio s das
-pessoas, n ã o seu n ív e l de b e m-e star. O s que tê m gostos d is
p e ndiosos cons e guirã o m e nos b e m -e sta r de u m p a cote de
b ens prim á rio s do que aqueles com gostos m ais m od estos.
M a s, d iz R awls, isso n ão sig n ific a que a queles com gostos
m odestos devam subsidiar os extravagantes, pois tem os "c a
p a cid a d e de a ssum ir re sp o n s a bilid a d e p e los nossos fin s " .
P orta nto, "pre sum e -s e que .aqueles com -gostos m e nos d is
p e ndiosos, n o curso de sua. vid a , a justara m seus gostos e
aversões à re n d a e à riq u e z a qu e p od e xia m ra z o a v e lm e n te
esperar, e é consid era do in ju s to que agora devam te r m e n os,
p ara p o u p a r os o utro s d a s c o n s e q ü ê n c ia s " de sua e xtra v a
g â ncia (R awls,1 982b: 168-9; cf. 1975: 5 5 3-1 9 8 0:3 1 5; 1974:
643; 1978: 63; 1985: 243-4). P orta nto, R awls n ão deseja fa z er
com que o h o rtic u lto r subsidie o jo g a d or de tê nis. N a v e r
dade, ele d iz fre qü e nte m e nte que sua concepção de ju stiç a
pre ocup a-se com a re gulariz a çã o das desigualdades que a fe
ta m as oportunid a d e s de vid a das pessoas, não das d e sigu a l-
98 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dades d e correntes das escolhas de vid a das pessoas, que são


da re sponsa bilid ad e do in d ivid u o (1971: 7, 96; 1978: 56; 1979:
14-5; 1982£>: 170). In fe liz m e n te , o prin c íp io da difere nça n ã oj
fa z ta l distin ç ã o e ntre d e sigu alda d es e scolhid a s e não e s c o f
Ihid a s. P orta nto, um re sulta do possível do p rin c ip io da d if e l
rença é fa z er as pessoas p ag are m pelas escolhas dos o u tro s j
se p or acaso aqueles com a m e n or re nd a e stivere m nessa si-i \
tuação p or escolha, com o o jo g a d or de tênis. R awls qu er q u e f;
o prin c íp io da difere nç a m itig u e os e fe itos inju sto s da des
va nta g e m n a tura l e social, mas ele ta m b é m m itig a os e feitos
le g ítim o s da escolha e do e sforço pessoais.
E ntã o, e m bora R a wls re corra a esta distin ç ã o e ntre es
colh a s e circunstâ ncia s, seu p rin c íp io da difere nç a o vio la
de duas m a n e ira s im p orta n te s . S upõ e-se que ele m itig u e
o e fe ito do lu g a r de um a pessoa~nãT^s m b u iç ã o dos bens
ria tnra tsyM a s. com õ- R ãwls~ êxclui o s b ens p rim á rio s n a tu
ra is d o ín d ic e que d e te rm in a qu e m está em p io r posição,
n ã o há, na verd a d e , n e nhum a compensação p ara os que so
fre m d esva nta g e ns n a tura is im ere cid a s. Inv ers a m e nte , su
põ e-s e que as pessoas sejam re sponsá veis p elos custos de
suas escolhas. O p rin c íp io da difere nç a , poré m , re q u e r que
algum a s pessoas su bsidie m os custos das escolhas de o u
tra s pessoas. P odem os fa z e r m e lh o r uso do ser "s e n sív e l
à a m biç ã o " e "in s e n s ív e l à d ota ç ã o "? Esse é o o b je tiv o da
te oria de D w o rk in . 4

4. D w o rk in so bre a ig u a ld a d e d e re curso s

D w o rk in a ceita o o bje tivo de ser "s e nsív e l à a m biç ã o " e


"ins e n sív e l à d ota ç ã o " que m o tivo u o prin c íp io da difere nça
de R awls. Pensa, p oré m , que u m e squem a d is trib u tiy o d ife
re nte podeder. m a is sucesso n o que se re fere a e star à a ltura
deste id e a l. Sua te oria é com plic a d a - e nvolve o uso de le i
lões, esquem as de se guro, m ercados livre s e trib uta ç ã o - e é
im possív e l e xpor a te oria in te ira . A pre s e ntare i, poré m , a lg u
m as de suas id é ia s in tu itiv a s ce ntrais.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 99

(a) P agar p e la s pró pria s escolhas:


o le ilã o se nsível à a m biçtt&y

C om e çarei com a d escrição de D w o rk in do esquem a


d is trib u tiv o sensível à a m bição. A bem da sim plicid a d e , su
p ore i nov a m e nte que todos tê m os m esmos ta le ntos n a tu
rais (e xa mino p osteriorm e nte a resposta de D w ork in ao p ro
ble m a das dota çõe s n a tura is d e sigu ais). D w o rk in p ede que
im a gin e m os que todos os recursos da sociedade estão à v e n
da em u m le ilã o , do q u a l todos p a rticip a m . Todos com eçam
com um to ta l ig u a l de p od e r de com pra - n o seu e xe m plo,
100 conchas de m ariscos - e as pessoas usam suas conchas
p ara fa z e r la nces p e los re cursos que se a justa m m e lh or a
seu pla n o de vid a .
Se o le ilã o fu n cio n a r, todos fic a rã o fe liz e s com o re sul
ta do, n o s e ntid o de n ão pre fe rire m o p acote de bens dos o u
tros ao seu pró prio p a cote/S e re a lm e nte preferissem u m p a
cote dife re n te , p o d e ria m te r fe ito u m la nce p or ele e m ve z
de tê -lo fe ito p elos bens que conse guira m . Isso g e n era liz a o
caso do jo g a d or de tê n is e do h o rtic u lto r que, com e çando
com a m esm a q u a n tia de d in h e iro , a d q uire m a te rra de que
pre cisa m para as a tivid a d e s desejadas. Se o le ilã o funcion ar,
isso será v e rd a d e iro para todos - isto é, cada pessoa p re fe ri
rá seu p ró p rio p a cote de bens-ao d e .q u a lq u er o utra pessoa.
D w ork in cham a isso ó "te ste da in v e ja " e, se for. s a tisfa tório,
as pessoas serão tra ta a â ^çom rig u a l consideração, pois as d i
ferenças e ntre elas sim ple sm e nte re fle tirã o suas difere nte s
ambições, suas difere nte s crencas a re sp e ito d o qu e dá v a lor
àsáda..Ü m T eilaõ bem^suê edldo tom a e fe tivo o teste da inveja
e fa z com que cada pessoa pague p elos custos de suas p ró
pria s escolhas (D w orkin , 1981: 285).
J s t a id é ia do teste d a in v e ja expmssamvis.ão ig u a litá ria
lib eral da justiç a n a sua form a m ais defensável^ Se pudessem
ser a plic a d o s p e rfe ita m e n te , os trê s p rin c ip a is o b je tiv o s da
te oria de R awls - isto é, resp e ita r a igu a ld a d e m oral das p es
soas, m itig a r os e fe iio s.d e des va nta ge ns, m ora lm e nte a rb i
trá ria s maccdIar.a_respí2lts a b flid a d ie_p£!asmQssas~.ascQlhas -
s eria m a tin gid o s. Tal esquem a d is trib u tiv o seria ju sto , e m -
100 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

bora p erm itiss e certa d e sigu alda d e de re nda . O h o rtic u lto r e


o te nista tê m re nda s d esigu ais, m as n ão há n e nhum a d e si
guald a de q u a nto ao re sp e ito e interesse , já que cada um d e
les pode viv e r a vid a que escolher, cada um te m ig u a l capaci
dade de fa z er lances p or este p acote de bens sociais que ser
vem m e lh or suas crenças a re sp e ito do que dá v a lo r à vid a .
E m outra s palavras, nin gu é m pode a firm a r que é tra ta do com
m e nos consideração que outra pessoa na distrib uiç ã o de re
cursos, pois, se a lgu é m preferisse o pacote de bens sociais de
o utra pessoa, pod e ria te r fe ito u m la nce p or ele. É d ifíc il p e r
ceber com o eu p o d e ria te r um a queixa le g ítim a contra q u a l
qu er o utra pessoa ou elas co ntra m im 6.

6. N ã o é im p ossív e l im a g in a r pe ssoas qu e fa ç a m obje ç ã o m e sm o q u a n


d o o te ste d a in v e ja f o r re a li z a do. C o m o o te ste da in v e ja n ã o d iz n a d a sobre ofí
b e m -e st a r das pessoas, é possív el qu e , de du a s pessoas ig u a lm e nt e t a le n to s a s ,!
u m a seja in f e li z e a o utra , m u ito fe liz . T u d o o qu e o te ste d a in v e ja no s d iz én
qu e a pesso a in f e li z seria a in d a m a is in f e li z se tivess e o p a cote de re cursos que
a pe ssoa m u ito f e liz possui. Im a g in e a lg u é m qu e é co n g e n it a m e n te m e la n c ó
lic o e ta c iturn o , in d e p e n d e n t e m e n t e d o tip o de re cursos qu e t e m e d o tip o de
sucesso qu e t e m e m seus proje tos. N e ss e caso, s a tisfa z er o te ste da in v e ja n ã o
pro d u z ir á b e n e fício s ig u a is p ara cad a pessoa. C o m o a pesso a in f e li z n ã o p od e
c o n tro la r seu m a u h u m o r c o n g ê nito , pod erí a m os p e ns ar qu e p o r isso t e m c er
to d ir e ito e x tra ord in á rio a recursos. (P or o u tro la do, c o m o a in f e lic id a d e da
p e ssoa n ã o é ex hypothesi d e vid a ao p a cote de re cursos qu e te m , n ã o está cla
ro c om o q u a lq u e r re d is trib u iç ã o ir á m u d a r sua inf e licid a d e .)
E ste e x e m plo sug ere qu e a tip o lo g ia sim ple s co m qu e D w o rk in tra b a lh a
é in a d e qu a d a . E le te n d e a v e r tod a s as coisas c om o a mbiçõ e s (qu e ele v ê com o
a dja c e nte s a noss as escolh a s qu e m a n if e st a m a p e rson a lid a d e) ou re cursos
(qu e ele vê c o m o m a téria s d e circunstâ ncia s n ã o e scolhid a s). H g. p oré m , a tri-
b u tq s pessoais o u prop e nsõ e s. psicológic a s (com o o m a u h u m o r), qu e n ã o se
^e nc a ix a m f a c ilm e n t e e m n e n h u m a das cate goria s, m a s qu e a fe ta m o to t a l de
b e n e fício s qu e as pe ssoas cons e gu e m dos r eçursps soçiaigf P ara u m a crític a
das c a te goria s de D w o rk in , v e r C o h e n (1989: 916-34); A m e s o n (1989); A l e
x a n d e r e S chw a rz schild (1987: 99); R o e m e r (1985a). E m b ora e u n ã o possa d is
c u tir estes casos e m p ro fu n d id a d e , cre io qu e eles (e o u tro s casos difíc e is ,
c o m o d e s ejos in c o n tro lá v e is) m a is c o m p lic a m d o q u e sola p a m os o b je tiv o s e
m é to d o s d a t e o ria d e D w o rk in . ( C o m o obs erv a D w o rk in , d e s ejos o u m e l a n
c o lia in a t a p o d e m s er v is to s c o m o u m tip o d e d e sv a nta g e m n a tu r a l c o n tra o
q u a l se p o d e fa z er u m se guro, ju n t a m e n t e co m o utra s inc a p a cid a d e s m e nta is
e físic as - D w o rk in , 1981: 301-4.)
A IG U A L D A D E LIB E R AL 101

(b) C ompensar desvantagens n aturais: o esquema de seguro

In fe liz m e n te , o le ilã o só terá ê xito com o teste da in v e ja


se supuserm os que nin gu é m te m q u a lqu er desvantagem e rri
te rm o s de b e ns n a tura is. N o m u n d o re a l, o le ilã o fa lh a rá
com o teste da inv e ja , p ois algum a s das difere nça s e ntre as
pessoas n ão serão escolhid a s. U m a p essoa c o m jie fid ê n c ia s
ou m á saúde congên ita pod e ser capa z de fa z e r lances p elo
. m esm o p acote de bens sociais que outças pessoas, m as ela
te m necessidades e speciais e, p orta n to , suas 100 conchas
irã o d e ix á -la e m situ açã o p io r que a das outra s. E la p re fe ri
ria e star nas circunstâ ncia s delas, sem a d e ficiê ncia .
O que d everíam os fa z er com as desvantagens n aturais?
D w o rk in te m um a re sposta com ple xa p ara esta p ergu nta ,
m as pod e m os pre p arar o ca m inho para ela e x a m in a ndo um a
resposta m ais sim ples. A pessoa desfavorecida e nfre nta ônus
e xtra ordin á rio s p ara te r um a boa vid a , ônus que dim in u e m
suas 100 conchas. Por que n ão p a g ar p o r todos estes custos
e xtra ord in á rio s ante s do le ilã o , a p a rtir do e stoque g eral de
re cursos sociais e, e ntã o, d iv id ir os re cursos re sta nte s ig u a l
m e nte p o r m e io do le ilã o? A n te s do le ilã o , d am os aosudes^
fa vore cidos bens sociais suficie nte s para com p e ns á-los p or
suâ d esigu ald a d e n ão e scolhid a de bens n a tura is ...F eito isso,
damos a cada pessoa um a p arcela ig u a l dos recursos re sta n
tes p ara serem usados conform e suas escolhas no le ilã o . O s
re sulta dos do le ilã o , agora, te ria m sucesso com o teste da in
veja . A compensação antes do le ilã o asseguraria que cada
pessoa fosse ig u a lm e n te capa z de e scolh er e im p le m e n ta r
u m p la n o de vid a v a lio so; um a divis ã o ig u a l de re cursos no
le ilã o assegura que estas escolhas seja m tra ta d a s e q u ita ti
v a m e nte . P orta nto , a d is trib u iç ã o seria in s e n sív e l à d o ta
ção e se nsível à am bição.
E sta resposta sim ple s não funcion a . D in h e iro e xtra ordi
n á rio pod e com p e nsar algum a s d esvantagens n a tura is - a l
gum as pessoas fisica m e nte d eficie nte s pod e m ser tão móveis
qu a nto pessoas capacitadas fisica m e nte se lh e s pro p orcio n ar
mos a m e lh or te cnologia disponív e l (que pode ser disp e ndio-
102 FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

sa). C ontudo, este obje tivo é im possível de ser a tin g in d o em


outros casos, pois n e nhum a quantid a d ejd e-b e ns sodaisxom .-
p e p s a rá .plenam £ Q .téJia:tas jd e sya nta g e ns n a tura is. Im a g i
ne algué m com d eficiê ncia s m ú ltip la s e/ou qué sofra de urna
do e nça in c urá v e l. F orn e c er d in h e iro e x tra o rd in á rio pod e
co m pra r e quip a m e nto m é dico o u a ssistência de pessoal es
p e cia liz a d o , coisas que asseguram que n ã o h a ja d or d e sn e
cessária em sua vid a . E m a is d in h e iro sem pre pod e a jud ar
um pouco m ais em term o s de e quip a m e n to e de pro lo n g a
m e nto da vid a . N a d a disso, poré m , pode colocar essa pessoal
em um a situ a çã o em que as circunstâ ncia s sejam v e rd a d e i4
ra m e nte igu ala d a s. N e n hum a q u a ntid a d e de d in h e iro p o d J ji
c a p a citar um a pessoa com d esvantagens severas a c o n d u z i»'
um a vid a tã o boa q u a nto a de outra s pessoas. I
A ig u a ld a d e co m ple ta de circu n stâ n cia s é im p o s s ív e l''
P od eríam os te n ta r ig u a la r as circunstâ ncia s ta n to q u a nto
possível. Isso, poré m , ta m b é m parece in a ceitá vel. C om o cada
p arcela e xtra de d in h e iro p o d e ria a ju d a r a pessoa severa
m e nte d e sfa vore cid a , m as n unc a ser su ficie nte p ara ig u a la r
com ple ta m e nte as circunstâ ncia s, pod ería m os e xig ir que to
dos os nossos recursos fossem dados a pessoas com ta is d e
ficiê ncia s, sem d e ix ar n ad a p ara todos os outros (D w orkin ,
1981: 242, 300; cf. F ried, 1978:120-8). Se os recursos tivessem
de ser usados p ara ig u a la r as circunstâ ncia s prim e iro (antes
do in íc io do le ilã o ), n ã o so braria n ad a p ara que agíssemos
com base em nossas escolhas (fa z e ndo la nces p o r bens no
le ilã o). C o ntu d o , u m de n ossos obj e tivo s na igu a liz a c ã o de
circunstâ ncia s era ju sta m e n te p e rm itir qu e cada pessoa a gis-
Sê com base nos p iimBs ffe v id a e scolhido^. N ossa T circuns'-
tância s afe ta m nossa capacidade de p e rs e g uir nossas a m bi
ções. É p or isso que são m ora lm e nte im p orta nte s e é p or isso
que s^Tás d e sigu a ld a d e s tê m im p ortâ n cia . N osso inte re ss e
pelas circunstâncias das pessoas é u m interesse p or prom ov er
sua ca pa cid a de de buscar seus fin s. Se, ao te nta rm o s ig u a
la r os m eios, im p e dirm o s q u a lq u er pessoa de alca nçar seus
fin s, e ntã o, tere m os fracassado com ple ta m e nte .
Se n ão pod e m os alca nçar a igu a ld a d e com ple ta de c ir
cunstâncias, e n e m sempre devemos te n ta r alca nçá-la , o que
A IG U A LD A D E LIB E R AL 103

devemos fa z er? D a d a snsta s d ificuld a d e s, a recusa de R awls


e m com p e ns ar desva nta g ens n a tura is fa z s e n tid o. In c lu ir
d esvantagens n a tura is n o íodíce qu e d e te n n in a .0 £Lque..e§tão
em p io r situ a ç ã o parece cria r u m pro ble m a insolúvel» N ã o
qu ere m os ig n ora r ta is desvantagens e ta m pouco pod e m os
igu alá-la s, mas o que pod eria estar no m e io se não atos ad hoc
de com p aixã o ou piedade?
A proposta de D w o rk in é s im ila r à id é ia de R awls de p o
sição orig in a l. D evemos im a gin ar pessoas p or trás de um véu
de ig n orâ n cia m o dific a d o . E las n ã o conh e ce m seu lu g a r na
distribuiç ã o de talentos n aturais e devem supor que são ig u a l
m e nte suscetíveis às várias desvantagens n a tura is que p od e
ria m surgir. D a m os a cada pessoa um a p arcela ig u a l dos re
cursos - as 100 conchas - e p ergunta m os a elas q u a n to de
sua p arcela estão disposta s a gastar em se guro contra serem
d e ficie nte s ou desfavorecidas de o utra m a n eira na d is trib u i
ção de dote s n a tura is. A s pessoas p o d e ria m e star dispostas
a gastar 30% de seu pacote de recursos, p o r e xem plo, em ta l
seguro, o que lh e s com pra ria c erto n ív e l de cob e rtura para
as difere nte s d esvantagens que pud e ssem sofrer. Se conse
g uirm o s com pre e nd er este m erca do de se guro h ip o té tic o e
e nco ntrar um a resposta d e term in a d a para a questão de qu a l
se guro as pessoas com pra ria m n ele , pod ería m os usar o sis
te m a trib u tá rio p ara d u p lic a r os re sulta dos. O im p o sto de
re nd a seria u m a m a n e ira de reco lh e r os prê m ios que as pes-
soas concord ara m hip ote tic a m e nte em p a g a r e os v á rio s es;
qu e m a s'd e b'é ñn é star social, assistência médiç.a e d ese m pre;
jg ò s e ria m m a n eira s dé p a g ar a cob e rtura aos que vie sse m a
sofrer d esvantagens n a tura is coberta s pelcLsesuro. - <
Isso forn e c e o te rre n o m é dio e ntre ig n ora r os bens n a
tura is desiguais e te nta r em vão igu a lar as circunstâncias. N ã o
le v aria a ig n ora r o proble m a , p ois tod o s com pra ria m a lgum
seguro. É irra cio n a l não forn e c er n e nhum a prote çã o contra)
as c a la m id a d e s que pod e m nos ocorrer. N in g u é m , p o ré m j
g a sta ria tod a s as suas conch a s em s e guro, já que n ã o lh e s
sobraria n ada com que buscar seus o bje tivo s. A q u a n tid ade
de re cursos d a stxle d a d e que d e dic a m os p ara com p e ns ar
d esvantagens n a tura is lim ita -s e à cob ertura que as pessoas
104 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

com praria m p or m e io de prê m io s pagos a p a rtir de seu p a


cote in ic ia l (D w orkin , 1981: 296-9).
A lgum a s pessoas a ind a se e ncontra m desfavorecidas de
m a n eira s im ere cid a s neste esquem a; p orta n to , n ão e ncon
tra m os a d istrib uiç ã o sensível à a m bição e ins e nsív e l à d ota
ção na form a p ura que estávamos pro cura n d o. C o ntu d o,
com o n ão pod e m os a tin g ir este o bje tivo , n ão im p orta o que
faça m os, pre cis a m os de um a te oria do "s e g u n d o m e lh o r" .
D w o rk in a firm a que este esqu e m a de se guro é e q ü ita tiv o
com o s e gund a m e lh or te oria p orq u e é o re sulta d o de u m
processo de decisão que é ju sto . E le é gerado p or um proce s
so que tra ta todos com o ig u a is e e xclui fonte s e vid e nte s de
inju stiç a , de m odo que nin g u é m está e m posição p riv ile g ia
da ao com prar o seguro.-E spera-se que todos consig a m re
conh e cer e a c e itar a ju stiç a de d e ix ar que sua compensação
seja d e te rm in a d a p e lo que te ria m e scolhid o em ta l posição
h ip o té tic a de igu a ld a d e .
Pode p are cer que a pouca disposiçã o de D w o rk in para
te ntar, ta n to q u a nto possível, m itig a r os e fe itos das d esva n
ta g e ns n a tura is m o stra um a consid era çã o in a d e qu a d a para
com o b e m -e sta r dos d esfa vorecidos. A fin a l, eles n ão esco
lh era m ser d esfavorecidos. P orém,.se tentássemos, oferecer a.
m a is a lta cob ertura possív e l àquele s que v e n h a im a-senrias=-.
fa vore cidos, o re sulta d o seria a " escravid ã o dos t a le nto sos ".
C onsid eré à sitü ã ç a o'dos que d eve m p a g ar p e lo seguro sem
re ce ber n e nhum a compensação:

A lg u é m que " p e rd e " n este s e ntid o deve tra b a lh a r o su


fic ie n te p ara c o b rir seu prê m io a nte s de e star liv re p ara fa z er
as b arg a nh a s e ntre tra b a lh o e consum o que te ria estado livre
p ara fa z er se n ã o houvesse fe ito o seguro. Se o n ív e l de cob er
tu ra é a lto , e ntã o, isso e scra viz ará o se gura do, n ã o sim p le s
m e nte porqu e o prê m io é elevado, m as porqu e é e xtre m a m e n
te im pro v á v e l que seus ta le n to s ultra p a ss e m o n ív e l que ele
e scolhe u, o que sig n ific a que ele d eve re a lm e nte tra b a lh a r ao
m á xim o e qu e n ã o te rá m u ita e scolh a q u a n to a q u a l tip o de
tra b a lh o fa z e r (D w o rk in , 1981: 322).
A IG U A LD A D E LIB E R AL 105

O s que fora m fe liz e s na lo te ria n a tura l seria m força dos


a ser tã o pro d u tiv o s q u a nto possíve l p ara p a g ar os prê m ios
elevados que com praria m hip ote tic a m e nte contra a d e sva n
ta g e m n a tura l. O esqu e m a de se guro, d e ix a ria d e .s e r .um a
lim ita ç ã o que se p o d e ria e sp erarqu e os tale ntosos re conh e
cessem ao d e c id ir ro m o co n d u z ir sua vid a , to m a n d o-s e a n
otes o fa to r d e te rm in a n te d e su a v id a /S e u s ta le n to s s eria m
um a re spons a bilid a d e que re s trin g iria suas opções em ve z
de u m re curso que e xp a n diria suas opções. O esquem a de
se guro fa ria com que as pessoas de m a ior ta le n to tiv e ss e m
m e nos lib e rd a d e p ara e scolh er sua m istura pre fe rid a de la -
z er/consum o do que as pessoas com m e nos ta le nto. P orta n
to , o ig u a l interesse p elos fa vore cidos e p elos d esfavorecidos
re q u e r a lg o que n ão a re d istrib uiç ã o m á xim a para os d e sfa
vore cidos, e m bora isso possa d e ix ar os d e sfa vore cidos com
in v e ja dos b e m -d ota d o s7.
¿•'Jam N arv e son d iz que essa fa lh a em n ã o a sse gurar a
re a liz a ç ã o do teste da in v e ja no m u n d o re a l sola pa a te oria
de D w o rk in . S uponh a que S m ith te n h a n a scido com des
va nta g e ns n a tura is em rela ção a Jones, de m odo que Jones
seja capa z de te r um a re nd a m a ior. M e sm o que trib u te m o s
Jones p ara c u m p rir as obrig a çõ e s de se guro d e corre nte s
deste le ilã o h ip o té tic o . Jones a ind a terá m a is re nd a do que
S m ith , um a d e sigu a ld a d e im e re cid a . C om o N arv e son diz :
" O fa to é que S m ith , em tod a m e did a que seja im p orta n te
para si ou para Jones, está bem atrás de Jones no m u n do re al.
Podemos suste ntar s eria m e nte que o p acote de recursos nã<$
fa ctu a is acrescentado ao seu p acote de re cursos de fa to q

7. P od e h a v er u m t e rre n o m é d io e ntre ig n o ra r e ig u a la r circunstâ ncia s


m e lh o r d o qu e o e squ e m a d e s e guro d e D w o rk in . O esqu e m a d e "ig u a ld a d e de
ca p a cid ad e s " d e A m a rty a S e n é u m a nossihilid a d e qu e O-Prórait) R a w ls parec e
'e n d o s s a r p ara os d e ficie nte s (R awls, 1982b: 168; cf. Sen, 1980:218-9). S e n a lm e
ja u m tip o d e ig u a liz a ç ã o p ara os qu e tê m d e sv a nta g e ns n a tura is , m as lim it a -o
à ig u a liz a ç ã o das "c a p a cid a d e s b á sica s", n ã o ch e g a ndo à igu a liz a ç ã o ple n a de
circunstâ ncia s, qu e D w o rk in re je ita c om o im possív e l. A e xtens ão e m qu e isso é
possív el o u dif e re nt e dos re sult a dos do e squ em a de s e guro d e D w o rk in é d if í
cil d e d e t e rm in a r ( C oh e n, 1989: 942; cf. Sen, 198 5:1 4 3-4; 1990:115 n. 12).
104 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

com pra ria m p or m e io de prê m io s p a gos a p a rtir de seu p a


scóte in ic ia l (D w ork in , 1981: 296-9).
A lgum a s pessoas a ind a se e ncontra m desfavorecidas de
m a n eira s im ere cid a s neste esquem a; p orta n to , n ão e ncon
tra m os a d istrib uiç ã o sensível à a m bição e ins e nsív e l à d o ta
ção n a form a pura que estávamos pro cura n d o. C o ntu d o,
com o n ã o pod e m os a tin g ir este o bje tivo , n ão im p orta o que
faça m os, pre cis a m os de um a te oria do "s e g u n d o m e lh o r" .
D w o rk in a firm a que este esqu e m a de se guro é e q ü ita tiv o
com o s e gund a m e lh or te oria p orq u e é o re sulta d o de um
processo de decisão que é ju sto. E le é gerado p or u m proces
so que tra ta tod o s com o ig u a is e e xclui fonte s e vid e nte s de
inju stiç a , de m odo que nin g u é m está em posição p riv ile g ia
da ao com pra r o seguro.,¿ Espera-se que todos consig a m re
conh e cer e a c e itar a ju stiç a de d e ix ar que sua compensação
seja d e te rm in a d a p e lo que te ria m e scolhido em ta l posição
h ip o té tic a de igu a ld a d e .
Pode p are cer que a pouca disposiçã o de D w o rk in para
te nta r, ta n to q u a nto possível, m itig a r os e fe itos das d esva n
ta g e ns n a tura is m o stra um a consid era çã o in a d e qu a d a p ara
com o b e m -e sta r dos d esfa vorecidos. A fin a l, eles n ão esco
lh e ra m ser d esfa vorecidos. P orém , se te ntássem os ofere cer a
m aisualta cob e rtura possíveLà queles que v e nh a m^-se iud e s*-.
fa vore cidos, o re sulta d o seria a " e scra vid ã o dos ta le nto so s ".
C onsid ere ã situ a ç ã o dos que devem p a g ar p e lo seguro sem
re ce ber n e n h um a compensação:

Alguém que "p erd e " neste sentido deve trabalhar o su


ficiente para cobrir seu prêmio antes de estar livre para fazer
as barganhas entre trabalho e consumo que teria estado livre
para fazer se não houvesse feito o seguro. Se o nível de cober
tura é alto, então, isso escravizará o segurado, não simples
mente porque o prêmio é elevado, mas porque é extremamen
te improvável que seus talentos ultrapassem o nível que ele
escolheu, o que significa que ele deve realmente trabalhar ao
máximo e que não terá m uita escolha quanto a qual tip o de
trabalho fazer (D workin, 1981: 322).
A IG U A L D A D E LIB E R AL 105

O s que fora m fe liz e s n a lo te ria n a tura l s eria m força dos


a ser tã o pro d u tiv o s q u a nto possíve l p ara p a g ar os prê m ios
elevados que com praria m hip ote tic a m e nte contra a d esva n
ta g e m n a tu ra l. O e squ e m a de s e giu o d e ix a ria de ser um a
lim ita ç ã o quç se pod eria e sperar qu e os tale ntosos re conh e
cessem ao d e c id ir com o c o n d u z ir sua vid a , torn a n d o se a n-
íe s o fa to r d e te rm in a n te de sua vid a /S e u s ta le n to s s eria m
um a re spons a bilid a d e que re s trin g iria suas opções em ve z
de um re curso qu e e xp a n diria suas opções. O esqu e m a de
se guro fa ria com que as pessoas de m a io r ta le n to tive sse m
m e nos lib e rd a d e para e scolh er sua m istura pre fe rid a de la -
z er/consum o do que as pessoas com m e nos ta le nto. P orta n
to, o ig u a l intere sse p elos favore cidos e p elos d esfavorecidos
re q u e r algo que n ã o a re d istrib uiç ã o m á xim a p ara os d e sfa
vore cidos, e m bora isso possa d e ix ar os d e sfa vore cidos com
in v e ja dos b e m -d ota d o s7.
•" Jám N a rv e so n d iz que essa fa lh a em n ã o assegurar a
re a liz a ç ã o do te ste da in v e ja n o m u n d o re a l sola pa a te oria
de D w o rk in . S uponh a que S m ith te n h a n a scido com d es
va nta g e ns n a tura is em rela ção a Jones, de m o d o que Jones
seja capa z de te r um a re nd a m a ior. M e sm o que trib u te m o s
Jones p ara c u m p rir as obrig a çõ e s de se guro d e corre nte s
deste le ilã o h ip o té tic o . Jones a ind a terá m ais re nd a do que
S m ith , um a d e sigu a ld a d e im e re cid a . C om o N arv e son diz:
" O fa to é que S m ith , em tod a m e did a que seja im p orta n te
para si ou para Jones, está b e m atrás de Jones no m u n do re al.
Podemos suste ntar s eria m e nte que o p acote de recursos n ã *
fa ctu a is acrescentado ao seu p acote de re cursos de fa to q

7. P od e h a v er u m t e rre n o m é d io e ntre ig n o ra r e ig u a la r circunstâ ncia s


m e lh o r d o qu e o e squ em a de s e guro de D w o rk in . (R e squ e m a d e " ig u a ld a d e de
c a p a cid a d e s " d e A m a rty a S en é u m a.n Q ssihilid a d e a u e .o .p rp ja ria Jla M ls n a re ce
’e ndoss ar g ara os d e ficie nte s (^ã w ls, 1982b: 168; cf. Sen, 1980:218-9). S en a lm e
ja u m tip o d e ig u a liz a ç ã o p ara os qu e tê m d e sv a nta g e ns n a tura is , m a s lim it a -o
à ig u a liz a ç ã o das "c a p a cid a d e s b á sica s", n ã o ch e g a ndo à ig u a liz a ç ã o p le n a de
circunstâ ncia s, qu e D w o rk in re je ita com o im possív e l. A e xtens ão e m qu e isso é
possív el o u dif e re nt e dos re sult a dos d o e squ e m a de s e guro de D w o rk in é d ifí
cil de d e t e rm in a r (C oh e n, 1989: 942; cf. Sen, 1 985:143-4; 1990:115 n. 12).
106 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

'com p e ns a ç ã o' suficie nte p ara ele nos term os de um a te oria i


substa ncial de igu a ld a d e ? " (N arveson, 1983:18). O teste d a f
in v e ja fracassa n o m u n d o e, com o d iz N arv e son, parece p e
c u lia r d iz e r que com p ensa m os isso ao re a liz a r o teste da in
veja em a lgum a situ a çã o hip oté tic a .
E sta objeção, p oré m , in corre em p e tiç ã o de prin c íp io .
Se não conse guim os ig u a la r com ple ta m e nte as circu n stâ n
cias do m u n d o re al, e ntã o, o que m a is pod e m os fa z er para
corre spond er a nossas convicçõe s a re sp e ito da a rb itra rie
dade de nosso lu g a r na d istrib uiç ã o das circunstâ ncia s n a
tura is e sociais? D w o rk in n ã o d iz que seu esquem a co m
p ensa ple n a m e nte d e sigu a ld a d e s im ere cid a s, m as apenas
que é o m e lh or que pod e m os fa z e r p ara s a tisfa z e r nossas
convicções de justiç a . Para critic á -lo , precisam os d e m onstrar
com o pod e m os s a tisfa z er m e lh or estas crenças ou p o r que
n ão devemos te n ta r s a tisfa z ê-la s. N arv e son n ã o fa z n e m
um a coisa n e m outra .

(c) Os e quivale nte s do m undo re a l:


trib u to s e re distrib uiç ã o

S upondo que o m od e lo do seguro seja um a resposta le


g ítim a , apesar de ser a se gunda m e lh or re sposta ao pro b le
m a de ig u a la r as circunstâ ncia s, com o pod e m os a plic á -lo ao
m u n d o re al? N ã o pod e ser um a que stão de im p o r contra tos
re ais de se guro, p ois o m erca do de seguros era pura m e nte
hip oté tico . E ntão, o que, no m u n do re al, corre spond e à com
pra de prê m ios e à d istrib uiç ã o de b e n e fícios de cob ertura ?
Disse a n te riorm e n te que pod e m os usar o siste m a trib u tá rio
p ara re colh e r prê m io s dos n a tura lm e n te fa vore cidos e usar
os esquemas de b e m -e sta r social com o um a m a n eira de p a
g ar a cob ertura aos que estão d esfa vorecidos. O siste m a tri-fj
b u tá rio , poré m , só pod e se a pro xim a r dos re sulta dos do es
quem a de seguro, p or duas ra zões (D w orkin , 1981: 312-14)]
^rim e iro rrtã o h á .n erih um a m a n e ira de m e dir, n o m u n-
.. do re al, quais são as va nta g e ns e desvantagens_re¡ativas das
A IG U A LD A D E LIB E R AL 107

pessoas. U m a ra z ão é que um a das coisas que as pessoas es


c o lh e m fa z er com suas vid a s é d esenvolver seus tale ntos. Pes
soas que com e çaram com ta le n to s n a tura is ig u a is pod erã o
v ir a te r n ív e is de h a bilid a d e s difere nte s m ais tard e . Esses
tip os de difere nça n ão m erecem compensação, visto q u a ie -
ffèfe m difere nça s ñas éscòlhas. ,A ^ pessoas que com eçam
com m aiore s- h a bilid a d e s ta m b é m .co d e m d e s e nvolv erla s
m a is a in d a e. e ntã o, a a d iferenca s no ta le nto_refletirãcLp.ar-
cia lm e nte ta le nto s n a tura is difere nte s e p arcia lm e nte esco-
lh a s diferentes.. E pi tais casos, algum as diferenças de ta le nto,
m as n ão todas, m erecerão compensação. Isso será e xtre m a
m e nte d ifíc il de m e dir.
A lé m disso, é im p o ssív e l d e te rm in a r a nte s do le ilã o o
que é considera do como vantagem n atura l. Isso depende dos
tip o s de h a bilid a d e que as pessoas v a loriz a m , o que p o r sua
ve z d e p e nd e dos o bje tivo s que elas tê m n a vid a . C ertas h a
bilid a d e s (a forç a física, p or e xe m plo) são m e nos im p o rta n
tes agora do que antes, ao passo que outra s (o p e nsa m e nto
m a te m á tico a bstra to, p or e xe m plo) são m u ito m ais valiosas.
N ã o há n e n h um a m a n e ira de saber, antes das escolhas das
pessoas, qu a is capacidades n a tura is são v a nta g e ns e quais
são desvantagens. Este crité rio m ud a continu a m e nte (se não
ra dic a lm e nte) e seria im possível m o n itora r estas m udanças.
C om o, e ntã o, pod e m os im p le m e n ta r com ju stiç a este
esquem a de seguro, dada a im p o ssibilid a d e de id e n tific a r es
tas re com p ensa s que são co nta biliz a d a s a nte s a p a rtir dos
ta le n to s do que das ambições? A re sposta de D w o rk in t a l
ve z seja um ta n to d e c e pcion a nte : trib u ta m o s os ricos, e m -

nhum a w a nta g e m ja a f t i ^ ^ os p o b r e s ,jm f e m a l- *


ju n s , com o o jo g a d or de t ê nis, e steja m lá p o r escolh a,, sem,
n e nhum a d e svantag e m n a tura l. P orta nto, algum a s pessoas
conse guirã o m e nos cob ertura do que com prara m h ip o te ti
ca m e nte , sim ple sm e nte porqu e agora estão nas cate goria s
de re nd a m a is a lta p o r m e io do e sforço. E algum a s pessoas
conse guirão m ais cob ertura do que m erecem, sim ple sm e n
te porqu e tê m e stilo s de vid a disp e ndiosos.
108 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

U m se gundo pro ble m a n a a plica çã o do m o d e lo é que


as d esvantagens n a tura is n ão são a únic a fo n te de circu n s
tância s d esigu ais (m esm o em um a sociedade com igu ald a d e
de oportunid a d e s para difere nte s raças, classes ou sexos). N o
m u n do re a l n ã o te m os as inform a çõ e s com pleta s, de m odo
que o teste da in v e ja pod e ser vio la d o qu a ndo ocorre m c o i
sas inesperadas. U m a praga pode a rruin a r a colh e ita de nos
so h o rtic u lto r p or v ários anos, d e ix a n d o-o com pouca re n
da. M as, ao c o n trá rio do jo g a d or de tê nis, ele n ão escolheu
u m e stilo de vid a im pro d u tiv o . E sta fo i um a contin g ê n cia
n a tura l in te ira m e n te im pre vista e seria erra do fa z ê -lo p a g ar
p or todos os custos do e stilo de vid a que e scolheu. Se sou
besse que seria tã o custoso, ele te ria e scolhido um pla n o de
vid a d ife re n te (ao c o n trá rio do jo g a d or de tê n is , que tin h a
consciência dos custos de seu e stilo de vid a ). É pre ciso lid a r
de m o d o ju sto com estes tip o s de custos in e spera dos. C o n
tu d o , se te nta rm o s com p e ns á-lo s p or m e io d e u m esquem a
de seguro s im ila r ao dos ta le n to s n a tura is, o re su lta d o' terá
tod a s as d e ficiê n cia s deste o u tro e squ e m a de seguro..
T emos agora duas fonte s p ara o d e svio do id e a l de um a
distrib uiç ã o sensível à am bição e ins e nsív e l à dotação. Q u e
re m os que o d e stin o das pessoas seja d e te rm in a d o pelas es
colhas que elas fa z e m a p a rtir de u m p o n to de p a rtid a ju sto
e e q üita tivo . C o ntu d o, p id é ia de u m p o n to de partid a ig u a l
in c lu i n ã o apenas um a com p e nsação in a tingív e L p e la d p ta -'
ção d e sig u a l,m a s ta m b é m u m co nh e cim e nto in a tin g ív e l de
gve ntos futuros* O p rim e iro é necessário p ara ig u a la r as c ir
cunstâncias, o se gundo é necessário p ara conh e cer os custos
das nossas escolhas e, p orta n to , serm os consid era dos re s
ponsá veis p o r elas. O esquem a de se guro é um a se gunda
m e lh or re sposta p ara estes proble m a s, e o esquem a de tr i
buta ção é um a segunda m e lh or resposta p ara o proble m a da
a plicaçã o do esquem a de seguro. D a d a esta distâ n cia e ntre
o id e a l e a prá tic a , é in e v itá v e l que a lgum a s pessoas sejam
im ere cid a m e nte p e n a liz a d a s p elas suas circunstâ ncia s d e
sa fortun a d a s, e n q u a nto outra s são im e re cid a m e nte su bsi
dia d a s p elos custos de suas escolhas.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 109

Podemos fa z er m e lh or para alca nçar um a d istrib uiç ã o


sensível à a m biçã o e ins e nsív e l à dota ç ã o?J D w orkin..re co-
n h ece qu e p o d ería m os a lca nçar u m ou o u tro dos qbjgtiv Q S
m ais c o m p le ta m e n te ^to n tu d o , os dois obje tivos le va m a d i
reções opostas - q u a nto m ais te nta m os to m a r a distribuiç ã o
sensível às ambições das pessoas, m ais prov á v e l é que a lg u
mas pessoas desfavorecidas pelas circunstâ ncia s sejam im e
re cid a m e nte p e n a liz a d a s e vic e-v ers a . A m b o s são d e svio; __
.d o , id e a l e d e svios ig u a lm e n te im p orta nte s,..d e m o d o que
, um a pro po sta qu e se conc e ntre em um e exclu a o o u tro n ã o
pode ser a ceita . D evemos e m pre gar ambos os critérios, m e s
m o que com isso n e nhum seja ple n a m e nte s a tisfe ito (D w or-
k in , 1981: 327-8, 333-4).
""" E sta é um a conclusã o u m ta n to d e s a ponta dora . D w o r-
k in argum e nta p ersu a siva m e nte que um a. d istrib uiç ã o ju sta
deve id e n tific a r "q u a is a sp e ctos.d a posiçã o e c o n ô m ic a jie
um a pessoa e m a n a m de suas escolhas, e.qu ais d e corre m d e
.vantagens e desvantagens que n ã o fora m o bje to de e scolh a "
(D w orkin , 1985: 208). Parece, porém , que na prática seu id e a l
é "in d is tin g u ív e l, nas suas im plica çõ e s e straté gica s", de te o
ria s que, com o o p rin c íp io da difere nç a de R awls, n ão m a r
cam esta distinç ã o (C arens, 1985: 67; cf. D w orkin , 1981: 338-
44). O s c á lculos h ip oté tico s que a te oria de D w o rk in re qu er
são tã o com ple xos e sua im ple m e nta ç ã o in s titu c io n a l é tão
d ifíc il que suas va nta g e ns te órica s não pod e m ser tra d u z i
das na prá tic a (M ap el, 1989:39-56; C arens, 1985:65-7; cf. Va
ría n, 198 5:1 1 5-9; R oem er, 1985a).
^Tsíão obsta nte , a te oria de D w o rk in é im p orta n te . Sua
id é ia do te ste da in v e ja descreve e to m a v iv id o o que, p ara
um esquem a de d istrib uiç ã o , seria a concretiz a çã o dos o b
je tiv o s b ásicos da te oria de R awls: u m esquem a d is trib u tiv o
que re sp eite a igu a ld a d e m ora l das pessoas, com p e nsa ndo
circunstância s desiguais e sim ulta n e a m e nte consid era ndo os
in d iv íd u o s responsáveis pelas suas escolhas. Pode h a ver um
m e c a nism o m a is a de qua do p ara im p le m e n ta r estas id é ia s’
do que a m istura de le ilõ e s, esquem as de se guro e trib u to s
que D w o rk in emprega. Se, poré m , a ceitarm os estas pre m is-
110 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

sas fun d a m e nta is, D w o rk in terá nos a jud a do a esclarecer


suas conseqüências para a ju stiç a d is trib u tiv a .
V ale a p e n a fa z e r um a pausa e re v e r os a rg um e ntos
a pre se nta dos até a qui. C om e cei e x a m in a ndo o u tilita ris m o ,
que é a tra e nte p or causa de sua in sistê ncia em in te rpre ta r a
m ora lid a d e em funç ã o de um interesse p e lo b e m -e sta r dos
seres hum a nos. E ste interesse , poré m , que vim o s com o um
intere sse ig u a litá rio , n ão pre cisa e xig ir a m a xim iz a ç ã o do
b e m-e star. A id é ia u tilitá ria de d ar ig u a l peso às pre fe rên cias^
de cada pessqa te m certa pla iis ib ilid a d e in ic ia l com o m anei
ra de m o stra r ig u a l interesse p e lo b e m -e sta r das pessoas.
Q u a n d o e x a m in a do, n o e n ta n to , o u tilita ris m o m uita s v e
zes vio la nossa percepção do que é tra ta r as pessoas com o
igu a is, e sp e cia lm e nte n a sua fa lta de um a te oria de parcelas
e qüita tiv a s. E sta fo i a m otiv a ç ã o de R awls p ara d e se nvolver
um a concepção de ju stiç a que ofereça um a a lte rn a tiv a sis
te m á tic a p ara o u tilita ris m o . Q u a n do e xam ina m os as idéia á
pre vale ce nte s a re sp e ito das parcelas e qüita tiv a s, e n c o n tra i
mos a crença de que é in ju s to as pessoas serem p e n a liz a d a !
p or questões de sorte bruta , p or circunstâ ncia s que são m o j
ra ím e nte a rb itrá ria s e que estão alé m de seu co ntrole . É potí
isso que e xigim os ig u a l o p ortu nid a d e para pessoas com h is
tórico s de raça e classe difere nte s. C o ntu d o , a m esm a in tu i
ção ta m b é m d e v eria nos d iz e r p ara re conh e c er a n a ture z a
a rb itrá ria do lu g a r das pessoas na d istrib u iç ã o dos bens n a
turais. Esta é a m otiva çã o do prin c íp io da difere nça de R awls,
sob o qu a l os m ais a fortun a dos só recebem recursos e xtra or
d in á rio s se isso b e n e ficia os d e sa fortun a dos.
O p rin c íp io da difere nça , poré m , é um a re ação excessi
va e ta m b é m um a re ação in s u fic ie n te p ara o pro ble m a das
desigualdades im erecidas. É in suficie nte ao n ão forn e c er ne^
n h um a com p ensa ção p o r d esva nta g ens n a tura is, e é uma
re ação excessiva ao e xcluir d e sigu ald a d e s que re fle te m am
tes escolhas difere nte s que circunstâ ncia s difere nte s. Q u e
rem os que um a te oria seja m ais sensível à a m bição e m enos
se nsível à dota ção que o prin c íp io da difere nç a de R awls. A
te oria de D w o rk in a spira a estes o bje tivo s irm ã os. V im os,
A IG U A LD A D E LIB E R AL 111

porém , que gytys objetivos são.inacessíveis n a sua form a pu ra.


Q u a lq u e r te oria d.§ parcelas .equitativas terá de ser u m a te o
ria do s e gundo m e lh o r/ O esqu e m a de le ilõ e s e se guro de
D w o rk in é um a sugestão p ara re solv er com ju stiç a a tensã o
e ntre estes dois o bje tivo s c e ntra is da concepção lib e ra l de
igu a ld a d e .
P orta nto, a te oria de D w o rk in fo i um a resposta a p ro
ble m as na concepção de igu a ld a d e de R awls, assim com o a
te oria de R a wls fo i um a re sposta aos proble m a s da conc e p
ção u tilitá ria de igu ald a d e . Pode-se consid erar que cada um a
te nta antes re fin a r que re je ita r as in tuicõ e s básicas que m ó "*
tiv ara m a a n t e rio ri O ig u a lita ris m o de R a wls é um a re açãoji
co ntra o u tilita ris m o , m as ta m b é m é, em p arte , u m desen-f;
v o lvim e n to das intuiçõ e s ce ntrais do u tilita ris m o e o m e sm ci
é v e rd a d e iro na relação de D w o rk in com R awls. C ada te o -f
ria d efe nd e seus pró prio s prin c ípio s re corre nd o às pró pria s
intuiçõ e s que le vara m as pessoas a a d o ta r a te oria a nte rior.

5. A p o lític a d a ig u a ld a d e lib e r a l

U m a m a n e ira com um de descrever a p aisagem p o lític a


é diz e r que ps lib erais, buscam u m consenso e ntre os lib e rtá
rios^ d a d ir e ita , que a cre dita m n a lib e rd ade, e os m arxista s,.
da esquerda, que a cre dita m n a igu ald a d e , Supõe-se que isso:
e xpliqu e p or que os lib e ra is endossam o E stado de b e m -e s
ta r social, que com bin a as lib erd a d e s e d e sigu ald a d e s c a pi
ta lista s com v ária s p olític a s ig u a litá ria s de b e m -e sta r social
(p or e x e m plo, S terb a , 1988: 31). C o n tu d o , esta d e scriçã o é
im pre cis a , p e lo m e nos para os lib e ra is que e x a m in e i. Se re
conh e ce m algu ns .tipos.d e lib e rd a d e s e conôm ica s pro d u to -
.ra sd e .d e á g q a ld a d e n ã o ^ U h ^ a ç le e m
a p o sição à igu a ld a d e ./A nte s, a cre dita m q u e ta is lih erd a d e A .
e conômica s são necessárias p ara re fo rç a r sua id é ia m a is ge
ra l d a .pró pria igu a ld a d e . O m e sm o p rin c íp io que d iz ao li- \
b era is que p e rm ita m a lib e rd a d e de m erc a do - isto é, que
considera as pessoas responsáveis pelas suas escolhas - ta m -
112 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

bém lh e s diz que lim ite m o m erca do qu a ndo ele p e n a liz a as


pessoas p or outra s ra zões que n ão suas escolhas. A m esm a
concepção de igu a ld a d e está na base da lib e rd a d e de m e r
cado e da sua lim ita ç ã o. P orta nto, o lib e ra l favorece um a eco
n om ia m ista e o E stado de b e m -e sta r socia l n ão para ale an
çar um consenso e ntre id e ais conflita nte s, "m a s para alcança
a m e lh or re aliz a ção prá tic a das exig ência s da pró pria ig u a l
d a d e " (D w orkin , 1978: 133; 1981: 313, 338).
A im ple m e nta ç ã o desta te oria , p oré m , le v a ria e fe tiv a
m e nte ao nosso co n h e cid o E sta do de b e m -e sta r social? É
d ifíc il d iz e r e xata m e nte quais p olític a s a te oria re quer. E la
sugere um a m istura conh e cid a de lib e rd a d e s de m erca do e
tributa ç ã o estatal. N ã o obstante, exige ta m b é m que cada pes
soa in icie sua vid a com um a parcela ig u a l dos recursos da so
ciedade, o que é u m ataque n otá v e l às arraig ad a s divisõ e s
com base na classe, raça e sexo existentes na nossa sociedade.
P glítiç a sg a v e m a m e n ta isb a sta n te ra die a is pod e m ser e x ig i
das para e lim in a r estas hierarquia s arraigadas^- p or exem plo,
riqu e z a n a cion a liz a d a , ação a firm a tiv a , a uto nom ia op erária ,
p a g a m e nto p ara construtore s de casas, cuid a dos de saúde
públic a , educação u niv e rsitá ria gra tuita etc. T eríamos de exa
m in a r um a p o r um a p ara v e rific a r se elas nos a proxim a m
m ais dos re sultados do le ilã o hip oté tico , e esta resposta m u i
tas ve zes d ep e nd erá das circunstâ ncia s p articulare s. T alve z a
ig u a ld a d e lib e ra l favore ça algo com o os nossos esquem as
e xiste nte s de re d istrib uiç ã o co ntín u a de re nd a , m as apenas
d e pois de um a únic a re distrib uiç ã o ra dic a l de riqu e z a e p os
se de proprie d a d e (Krouse e M cP herson, 1988:103). A te oria
de D w o rk in não re spond e a estas p ergunta s, ela apenas fo r
nece a e strutura em que estas discussões pod e m te r lug ar.
, E m b ora seja d ifíc il saber e x ata m e nte o que a te oria de
D w o rk in sig nific ará na prá tic a , parece certo que os com pro
missos in s titu c io n a is do lib e ra lis m o n ão a com p a nh ara m
seus com prom issos te óricos. W illia m £í¿nn Q llvL.d]Z-au£-a a
p re m issas te óric a s do lib e ra lis m o pod e m ser u n idas a suas
in s titu iç õ e s tra diçipn á T s^^n á m e didla e m que se ja possível
a cre dita r que o E stado d e B e m m sta r socia l na ecpnonaia d e —
A IG U A LD A D E LIB E R AL 113

d e s e nvolvim e nto priv a d a m e nte in corpora d a possa ser o v e í-


culo da liberdade.e. d a ju stiç a ". (C onnolly, 1984:233). E le a fir
ma, poré m , que as exigências da e conom ia priv a d a estão em
c o n flito com os prin c ípio s de ju stiç a subjace nte s ao E stado
de b e m -e star social. O E stado de b e m -e star social precisa de
um a e conomia em d e se nvolvim e nto para suste ntar seus p ro
gram as de re d is trib u iç ã o , m as a e stru tura da e con om ia q
ta l que o d e s e n volvim e nto só pod e ser assegurado p or p o
lític a s in c o m p a tív e is com os p rin c íp io s de ju s tiç a qu e es
tã o na base desses program a s de b e m -e star social (C onnolly,
1984: 227-31).
S egundo C o n n olly, isso le vou a um a "bifurc a ç ã o do l i
b e ra lism o ". U m a corre nte a pe g a-se às in stituiç õ e s tra d ic io
n ais d a prá tic a lib e ra l e e xorta as pessoas a dim in u íre m suas
e xp e ctativa s n O -.qu e .diz re sp e ito à ju s tiç a e à .lib e rd a d e . A
o utra corre nte , (na qu a l ele in c lu i D w o rk in) r eafirm a os p rin -,
a pios, m a s "r> com prom isso com p rin c íp io s lib e ra is é -pro-
gre ssiy a m e nte s u p e ra d o p e lo a b a n do n a d a s-q u e stõ e s p rá
tica s [.. .( este lib e ra lis m o d e -prin e ípio s não está à vonta d e
na civiliz a ç ã o da pro d u tiv i d ad e n pnyprpp^ra do p ara d e s a fia r
.sua h e g e m o nia " (C o n n olly, 1984: 234), P enso que isso d e s
creve com pre cisão a condiçã o do lib e ra lis m o co nte m p orâ
neo. O s id e a is da ig u a ld a d e lib e ra l são convinc e nte s, m a sj
e xig em re form a s que são m ais extensas do que re conh e c e-!
ra m e xplicita m e nte R awls ou D w o rk in . N e n h u m d e s a fiou af
"civiliz a ç ã o da pro d u tivid a d e ", cuja m a nute nçã o te m e n vol
v id o a p erp e tu a ç ã o e m uita s ve z es a exacerbação de d e si
guald a de s arraig a d a s de raça, classe e sexo.
D w ork in m uita s ve zes escreve com o se o re sulta do m ais
e vid ente ou prová vel da im ple m e nta çã o de sua concepção de
ju stiç a fosse o a um e nto do n ív e l de p a g a m e ntos de tra n s
ferê n cia e ntre ocup a nte s dos p a p éis sociais e xiste nte s (p or
e xem plo, D w o rk in , 1981: 321; 1985: 208). Sua te oria , poré m ,
im p lic a um a re form a m ais ra dic a l - a saber, um a m ud a nça
na m a n e ira com o os p ap éis e xiste nte s são d e finid o s. C om o
ele reconh e ce, com pon e nte s im p orta nte s dos re cursos d is
poníveis p ara um a pessoa in clu e m oportunid a d e s para o d e-
116 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

A ta c a r a d e sigu a ld a d e dessa m a n e ira , d iz R awls, im p e


d irá relações de dom in a ç ã o e degradação d e n tro da divis ã o
do tra b a lho: "n in g u é m pre cisa ser s e rvilm e nte d e p e n d e nte 1
de o utro s e ser le v a do a e scolh er e ntre ocupações m o n ó
ton a s e ro tin e ira s, que são m orta is p ara o p e ns a m e nto e ¿
s e nsibilid a d e h um a n o s " (R awls, 1971: 529, 281; cf. Krouse <I
M cP h e son, 1988: 91-2; D iQ u a ttro , 1983: 62-3).
In fe liz m e n te , R a wls n ã o oferece exata m e nte um a des
criç ã o dessa d e m ocra cia possuidora de pro prie d a d e - com o
d iz u m crítico, " e stes p o n tos nunca e ncontra m lu g ar na subs
ta ncia de sua te oria de Justiça " (D o p p e lt, 1981:276)'. A lé m de
um a proposta um ta n to modesta para lim ita r heranças, R awls
n ã o nos dá n e n h um a id é ia de com o c o n fro n ta r as inju stiç a s
em nossa sociedade ou m e sm o se pensa ou n ã o que h á in
justiç a s substa nciais a serem confronta d a s. P orta nto, é com
pre e nsív e l que a m a ioria dos crítico s consid ere que R awls
oferece apenas "u m a a pologia filo sófic a a fa vor de um a m arj
ca ig u a litá ria de c a pita lism o de E stado de b e m -e sta r s o cia l]
(W olff, 1977: 195; cf. D o p p e lt, 1981: 262; C la rk a nd G in tis,
1978: 311-4).*

im p o s to de re n d a pro gre ssivo e à re d is trib u iç ã o exte ns a d a re n d a de m erc a do


(R awls, 1 9 7 1:2 7 8-9). C o m o M ill, R a wls pare ce p e ns ar qu e a pro vis ã o de b e m 4
e star seria de " b e m p ouc a im p o rt â n c ia " se fosse " s a tis fa tória a difu s ã o de p ro -I
p ri e d a d e " (M ill, 1965: 960). C o n tu d o ,,s e D w orkiii.jie g lig e n e ia -a -n e c £ S 5Íd a d e l
-d e d is trib u ir pro prie d a d e ig u a lm e n t e , R a wls n e g lig e n c ia a n ç ç e s s id a d e d e .re-
. d is trib u ir re n d a s e q ü it a tiv a m e n t e . P ois m e s m o e m su a d e m o cra cia p o s s u i
d ora de pro p rie d a d e h a v erá dif e re n ç a s im e re cid a s n a r e n d a de m e rc a d o d e
v id o aos ta le nto s n a tura is dif e re n cia is e dif ere nç a s im ere cid a s nas n e c e ssid a
des p o r causa d e d e sv a nta g e ns n a tura is e o utra s form a s d e in fo rtú n io (Krous e
e M c P h erso n, 1988: 94-9; C are ns, 1985: 49-59; 1986: 40-1).
Isso a p o nta p ara o u tra dif e re n ç a intere ss a nte e ntre R a wls e D w o rk in .
R a wls p e ns a qu e o p rin c íp io d a dif ere nç a , n a prá tic a , será s im ila r ao id e a l de
d is trib u iç ã o se nsív el à a m biç ã o e ins e nsív e l à dota ç ã o de D w o rk in , j á qu e o
m erc a d o g era n a tura lm e n t e t a l d is trib u iç ã o . D w o rk in p e ns a qu e o id e a l s e nsí
v e l à a m biç ã o e in s e nsív e l à dota ç ã o será, n a prá tic a , s im ila r a o p rin c íp io da
dif e re n ç a de R a wls, j á qu e n e m os m erc a dos n e m os gov e rnos cons e gu e m
d is tin g u ir dota çõ e s e a mbiçõ e s. P ort a nto , a m bos a firm a m qu e su a te oria , n a
prá tic a , será s im ila r a d o o u tro , m a s p o r ra z ões oposta s.
ig u a ld a d e lib e r a l 117

S egundo D w o rk in , jjii^m is s â -T g u a }ité n a -s u b ja e e ni€ . à


teojda. d e R a wls Ce à sua p ró pria ) "n ã o pod e ser n egada em
nom e de q u a lq u e r conc e ito m ais ra dic a l de ig u a ld ade, p o r-
Tljü T n ã o e xiste n H rh a m ^ ^ w d rim rí^ T V : 182). N a verd ad e ,
parece que esta pre m issa te m im plic a çõ e s m ais ra dic ais do
que D w o rk in ou R a wls reconhece, im plic a çõ e s que as in s ti
tuiçõ e s lib e ra is tra dicion a is são incapa z es de acomodar. T al
ve z um a im ple m e nta ç ã o com ple ta da ju stiç a ra w lsia n a ou
d w orkin ia n a nos a proxim asse m a is do so cia lism o de m e r
cado do que do c a pita lism o de b e m -e sta r socia l (B uchanan,
1 9 8 2:1 2 4-31 ,1 50-2; D iQ u a ttro , 1983). P oderia ta m b é m n o sj
a proxim ar m ais de m udanças ra dicais nas relações e ntre h o -í
m ens e m ulh ere s. O E stado de b e m -e star social não deteve aj
crescente fe m iniz a ç ã o da pob7eza..e. se F pre s ê n te
continm r.,tQ .d a£ as pessoas â l^ k a d a lm,liâ á â p o b i^ j^ n flS . .
E stados U n id o s.no a no 2000 serão, m ulh ere s ja u a ia n c a » É
desnecessário d iz e r que ta l m á d istrib uiç ã o n ão corre sp on
de a re sulta dos de escolhas livre m e n te fe ita s na posição o ri
g in a l de R a wls ou n o le ilã o de D w o rk in . C o ntu d o , n e n h um
te órico te m n ada a diz e r a re sp eito de como esta d e sva loriz a
ção siste m á tica dos pap éis das m ulh ere s pod e ser re m ovid a .
N a v erd a d e , -R a w ls-d e fin e su a posição' o rig in a l (com o um a
a ssem bléia de "ch e fe s de fa m ília ") e seus prin cípio s de d is
trib u iç ã o (com o m e did a de "re n d a fa m ilia r' ) de ta l m a n eira

m flia estão excluídas p o r d e finiç ã o'(O kin , 1987:49). D e tod a s


as que stõe s das qu a is os lib e ra is co nte m p orâ n e os se se pa
rara m , a d e sigu a ld a d e sexual é a om issã o m a is fla gra n te e
a quela com as qu ais as in stituiçõ e s lib e ra is p arece m m e nos
capazes de lid a r (ver cap. 7, seção 1, a baixo).
P orta nto, a relação e ntre a te oria lib e ra l conte m porâ n e a
e a prá tic a p o lític a lib e ra l tra d icio n a l n ão é clara. A s duas se
separaram de v ária s m a n eira s.. O lib e ra lism o m uita s ve z es é
ch am ado t e oria p o lític a d a "c orre n te dom in a n te " , e m o p o-
.' sição à te o ria ra d ic a l ou çrítiç a y E ste ró tu lo é pre ciso em um
se ntido, pois R awls e D w o rk in estão te nta nd o a rticu la r e d e
fe n d er os id e a is que a cre dita m estar na base m ora l de nossa
cu ltura lib e ra l-d e m o crá tic a . C ontudo, é im pre ciso em o u tro
118 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

s e ntido, qu a ndo im p lic a que as te oria s lib e ra is estão com

Í
prom e tid a s em d e fe nd er todos os aspectos da p o lític a lib e -
’ da corre nte d o m in a nte ou em re je ita r todos os aspectos
s progra m a s p o lític o s de outra s tra diçõ e s. S eria erra do
por que a d e scriçã o da ig u a ld a d e lib e ra l que a pre s e nte i
:eja n e c e ss aria m e nte lig a d a a q u a lq u e r in s titu iç ã o lib e -
e sp e cífica o u que seja n e c e ssaria m e nte oposta a q u a l-
er proposta socia lista ou fe m in ista específica. T eremos de
esperar até term os e x a m in a do estas outra s te oria s para, e n
tã o, p o d e r d e te rm in a r a extensão das suas difere nça s ante a
igu a ld a d e lib e ra l.
A lg um a s pessoas argum e nta m que, se e ndossarem ea.-
tas re form a s m a is ra dicais, os lib e ra is estarão a b a ndon a ndo
seü líb e ra lism o , Isso parece in d e vid a m e nte restritivó*"cía'dos
os vín culo s h is tóric o s e ntre o lib e ra lis m o e o ra d ic a lis m o
(G utm a nn, 1980). T ambém é enganoso, pois, p or m ais que os
prin cípio s lib e ra is nos afa ste m das prá tic a s lib e ra is tra d ic io
nais, eles a ind a são distin ta m e n te lib era is. A rgiim e nte L n e s-
ta seção que os li berais, pre cis a m .pm s ar seria D amte a m adQ ,^
ta r polític a s m ais ra dicais'1. N os c a pítulos se guinte s suste n
ta re i que os te óricos ra dic ais pre cisa m p e nsar s eria m e nte
em a dotar prin c íp io s lib e ra is. A ssim com o a prá tic a lib e ra l
m uita s ve z es pre sta u m d esserviço aos prin c íp io s lib e ra is,
d e m on stra re i que os prin c íp io s ra dic a is m u ita s ve z es pre s
ta m u m d esserviço à p o lític a ra dic a l, P rim e iro , p oré m , exa-
'rh in a re i um a te oria que pensa que os lib e ra is fora m long e
dem ais n a dire çã o da ig u a ld a d e social e e conômica .

9. In te re s s e i-m e p rin c ip a lm e n te em d e m o n stra r qu e a vis ã o lib e ra l ig u a


litá ria de u m a socie d a de id e a lm e n te ju s ta e ndossa a lguns o b je tiv o s ra z o a v e l
m e nte ra d ic a is. É u m a qu e stã o a d ic io n a l d e te rm in a r se os lib e ra is d e v e m a d o
ta r m e ios ra d ic a is p ara a lc a nç ar ta is o b je tiv o s . S obre esta qu e stã o, R a w ls e
p w o rk in são m a is e x p lícita m e n te re fo rm ista s qu e re v o lu c io n á rio s . A m b o s a r-
fe um e nta m qu e o re s p e ito p e la lib e rd a d e das pessoas te m pre c e d ê ncia e coloc a
jlfin ite s à busca de u m a d is trib u iç ã o ju s ta de re cursos m a te ria is (R a w ls, 1971:
303; 1982b: 11; D w o rk in , 1987: 4 8-9). N ã o posso d is c u tir essa qu e stã o a q ui,
e m bora estas situ a çõ e s p are ç a m in te ira m e n te a rb itrá ria s e in ju s tific a d a s em
funç ã o das m otiv a çõ e s dos c o n tra ta n te s de R a w ls (P ogg e, 1 9 8 9:1 2 7-48).
4 . O lib e rt a ris m o

1. O s d ir e ito s d e p ro p rie d a d e e o m e rc a d o liv r e

(a) A div ersid a d e da te oría p o lític a de d ire ita

O s lib e rtá rio s d e fe nd e m as lib erd a d e s de m erca do e


e xig em lim ita çõ e s ao uso do E stado p ara a p o lític a social.
P orta nto, eles se opõ e m ao uso de esquem as de trib u ta ç ã o
re d is trib u tiv a para im p le m e n ta r um a te oria lib e ra l de ig u a l
dade. C o ntu d o , n e m todos os que pre fere m o m erca do livre
são lib e rtá rio s, pois n e m todos com p a rtilh a m a visã o lib e rtá
ria de que o m ercado livre é in ere nte m e nte ju sto. Por exem-
p lo , u m a rg um e nto com um a fa vor do ca p ita lism o irre s trito
é sua pro d u tivid a d e , sua alegação de ser m á xim a m e nte e fi
cie nte no a um e nto da riqu e z a social. /M uito s u tilitá rio s , co n
v e ncido s da v erd a d e d esta a firm a ç ã o, d ão pre fe rê n cia ao
m e rc a do livre , já que sua e ficiê n cia p e rm ite a m a ior s a tis
fação g eral das preferê ncia s (B arry, 1986: caps. 2-4). O com
pro m isso u tilit á rio com o c a pita lism o , p oré m , é necessa
ria m e n te u m com prom isso c o ntin g e n te . Se, com o a m a ior
p arte dos e conomistas concorda, h á circunstância s em que o
m erca do livre n ão é m á xim a m e nte pro d u tiv o - p or exem plo,
casos de m o n o p ó lio s n a tura is - , e ntã o p s u tilitá rio s a poia -
ria m re striçõ e s g o v e rn a m e nta is aos, d ir e itos de p ro prie d a -
de.vAlém disso, a lguns u tilitá rio s arg um e nta m que a re d is-
118 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

s e ntido, qu a ndo im p lic a que as te oria s lib e ra is estão com


prom e tid a s em d e fe nd er todos os aspectos da p o lític a lib e -
da corre nte d o m in a n te ou em re je ita r todos os aspectos

f
s progra m a s p olític o s de outra s tra diçõe s. S eria erra do
por que a d e scriçã o da ig u a ld a d e lib e ra l que a pre s e nte i
:eja n e ce ss aria m e nte lig a d a a q u a lq u e r in s titu iç ã o lib e -
e sp e cífica ou que seja n e ce ss aria m e nte oposta a q u a l
qu er proposta socia lista ou fe m in ista específica. T eremos de
esperar até term os e x a m in a do estas outra s te oria s para, e n
tã o, p od e r d e te rm in a r a extensão das suas difere nça s a nte a
igu a ld a d e lib e ra l.
A lg um a s pessoas a rgum e nta m que , se e nd o ssarem es-
tas re form a s m ais ra d ic ais, os lib e ra is estarão a b a ndon a ndo
seu íiB eralism o. Isso parece in d e vid a m e nte re stritivo 7 3 ã 3 os
õs vín cu lo s h is tóric o s e ntre o lib e ra lis m o e o ra dic a lism o
(G utm a nn, 1980). T ambém é enganoso, pois, p or m ais que os
prin c ípio s lib e ra is nos afa ste m das prá tic a s lib e ra is tra d ic io
n ais, eles a ind a são distin ta m e n te lib era is. A rg u m e n te i n esr
ta secão que os lib e ra is pr ecisam p e nsar s e ria m e nte ^m a d o -,
fa r política s m ais ra dicais9.- N os c a pítulos se guinte s suste n
ta re i que os te óricos ra dic a is pre cis a m p e nsar seria m e nte
em a dotar prin c íp io s lib e ra is. A ssim com o a prá tic a lib e ra l
m uita s ve z es pre sta u m d esserviço aos prin c íp io s lib e ra is,
d e m on stra re i que os p rin cípio s ra dic a is m u itas ve zes pre s
ta m u m d esserviço à p o lític a ra dic a l, P rim e iro , poré m , exa
m in a re i Uma te oria que pensa que os lib e ra is fora m long e
d em ais n a dire çã o da igu a ld a d e socia l e e conômica .

9. In te re s s e i-m e p rin c ip a lm e n te em d e m o n stra r qu e a vis ã o lib e ra l ig u a


litá ria d e um a socie d a d e id e a lm e n te ju s ta endossa a lg u n s o b je tiv o s ra z o a v e l
m e n te ra dic a is. É um a qu e stã o a d ic io n a l d e te rm in a r se os lib e ra is d e ve m a d o
ta r m e ios ra dic a is p a ra a lc a nç ar ta is o b je tiv o s . S obre e sta qu e stã o, R a w ls e
p w o rk in são m a is e x p licita m e n te re form ista s qu e re v o lu c io n á rio s . A m b o s a r
g u m e n ta m qu e o re s p e ito p e la lib e rd a d e das pessoas te m pre c e d ê ncia e coloc a
p im ite s à busca de um a d is trib u iç ã o ju sta de re cursos m a te ria is (R a wls, 1971:
303; 1982fc: 11; D w o rk in , 1987: 4 8-9). N ã o posso d is c u tir essa qu e stã o a q ui,
e m bora estas situ a çõ e s p are ç a m in te ira m e n te a rb itrá ria s e in ju s tific a d a s em
fu n ç ã o das m otiv a çõ e s dos co n tra ta n te s de R a w ls (P ogge, 1 9 8 9:1 2 7-48).
4. O lib e rt a ñ s m o

1. O s d ir e ito s de p ro p rie d a d e e o m e rc a d o liv r e

(a) A div ersid a d e da te oria p o lític a de d ire ita

O s lib e rtá rio s d e fe nd e m as lib erd a d e s de m erca do e


e xig e m lim ita çõ e s ao uso do E stado p ara a p o lític a social.
P orta nto, eles se opõ e m ao uso de esquem as de trib u ta ç ã o
re d is trib u tiv a para im p le m e n ta r um a te oria lib e ra l de ig u a l
dade. C o ntu d o , n e m todos os que pre fe re m o m erca do livre
são lib e rtá rio s, pois n e m todos co m p a rtilh a m a visã o lib e rtá
ria de que o m ercado livre é in ere nte m e nte ju sto. Por exem
plo , u m arg um e nto com um a fa vor d o ca p ita lis m o irre s trito
é sua pro d u tivid a d e , sua alegação de ser m á xim a m e nte e fi
cie nte n o a um e nto da riqu e z a so cia l./M uito s u tilitá rio s , co n
v e ncido s da v erd a d e desta a firm a ç ã o, d ão pre fe rê n cia ao
m erc a do liv re , já que sua e ficiê n cia p e rm ite a m a io r s a tis
fação g eral das preferê ncia s (B arry, 1986: caps. 2-4). O co m
pro m isso u tilit á rio com o c a pita lism o , p oré m , é necessa
ria m e n te u m com prom isso co ntin g e n te . Se, com o a m a ior
p arte dos e conomista s concorda, há circunstância s em que o
m ercado livre não é m á xim a m e nte pro d u tiv o - p or exem plo,
casos de m o n o p ó lio s n a tura is - , e ntã o os u tilitá rio s a poia-
ria m re striçõ e s g ov e rn a m e nta is aos d ir e itos de p ro p rie d a -
de..^U ém disso, a lguns u tilitá rio s arg um e nta m que a re d is-
120 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

trib u iç ã o pod e a um e ntar a u tilid a d e g era l m e sm o q u a ndo


ela d im in u i a pro dutivid a d e . Por causa da u tilid a d e m a rgin a l
decresce nte , os qu e e stã o e m b a ixo g anh a m m a is com a re -
distrib uiç ã o do que p erd e m os que estão no to p o, m esmo
qu a ndo a re d istrib uiç ã o d im in u i a pro d u tiv id a d e .
O u tro s d e fe nd e m o c a pita lism o n ã o com base n o fu n
d a m e nto de m a xim iz ar a u tilid a d e , mas de m in im iz a r o p e ri-
} igo da tira n ia . D a r aos governos o p o d e r de re g ula m e nta r as
tro c a s e conôm ica s ce ntr a ilza o” p õ d ê í^ c o m o o p o d gr qoç-
ffo m p e , os re gu la m e n to s d e m erc a do são o p rim e iro passo
« p ó " c a m in h o p ara a s e rvid ã o ", na m e m orá v e l expressão de
çH ayek. Q u a nto m a ior a capacidade dos governos de c o n tro
la r a vid a e conôm ica , m a ior a sua capacidade (e disposiçã o)
de c o n tro la r todos os aspectos da nossa vid a . P orta nto, as l i
b erd a d e s c a pita lista s são necessárias p ara pre s erv ar n o s
sas lib erd ad e s civis e polític a s (H ayek, 1960:121; Gray, 1986a:
62-8; 1986b: 180-5). E sta defesa do m erca do livre , p oré m ,
ta m b é m deve ser um a defesa conting e nte , pois a história não
re vela n e n h um vín c u lo in v a riá v e l e ntre c a pita lism o e lib e r
dades civis. Países com c a pita lism o essencialm e nte irre s trito
às ve z es tê m re gistro s in s a tisfa tório s de d ire ito s hum a nos
(p or exem plo, o m a c arthism o nos E stados U nidos), ao passo
que países com um E stado de b e m -e star social d e se nvolvido
às ve zes tê m e xcelentes re gistros n a defesa de d ire ito s civis
e p olítico s (p or e xe m plo, a Suécia).
P orta nto, estas duas defesas do m erca do liv re são d e fe
sas co ntin g e nte s. M a is im p orta n te , são defesas in s tru m e n
ta is do m erca do livre . E las nos diz e m que os m ercados livre ;
são u m m e io de prom ov er a u tilid a d e m á xim a ou de prote g er
as lib erd a d e s p olític a s e civis. N e stas d escrições, n ão damos.
pre fe rê n cia ao m erca do livre p orque-a sp e ssoas tê m d ire itos.
pro prie d a d e / A nte s, dam os às pessoas dire ito s de p ro prie
dade como um a m a n eira de a um e ntar a u tilid a d e ou de esta
b iliz a r a dem ocracia, e, se pudéssemos pro m o v e r a u tilid a d e
ou a e sta bilid a d e de a lgum a o utra m a n e ira , e ntã o, p od e ría
m os re s trin g ir le g ítim a m e n te os d ire ito s de proprie d a d e .
O LIB ERT.A RISM O 121

O lib e rtarism o dife re de ou tra s te oria s de d ire ita n a sua


alegação de que. a trib uta ç ã o re d is trib u tiv a é in e re u te in e n te
errada, u m a viola ç ã o dos. d ire ito s do p o vo 1. A s pessoas tê m
d ire ito de dis p or dos seus bens e serviços livre m e n te e tê m
este d ire ito , seja ele ou n ão a m e lh or m a n e ira de assegurar
a pro d u tivid a d e . E m outra s palavras, o gov erno n ão te m n e
n h u m d ire ito de in te rfe rir no m ercado, m esmo para a um e n
ta r a e ficiê n cia . C om o d iz R o b e ft N o z ic k indivíduo»;
tê m dire ito s e há coisas qu e n e nhum ajgessoa ou grupo pod e
fa z er a eles (sem v io la r seus d ire ito s). T ão forte s C abrange n-
Tes sao esses dire ito s que suscitam a que§,t|p do que, se é q ue
a ígum a coisa , o Esta do e seus fu n c io n á rio s p o d e m fa z e r"
(N o zick, 1974: ix). C om o as pessoas tê m d ire ito de dis p or de
suas posses com o julg a re m m e lh or, a in te rfe rê n cia gov ern a
m e nta l é e quivale nte ao tra b a lho forçado - um a viola ção, não
da e ficiê ncia , mas de seus d ire ito s m ora is básicos.

1. É p a rtic u la rm e n te im p o rta n te d is tin g u ir os lib e rtá rio s dos "n e o c o n s e r-


v a d o re s ", e m bora a m bos s eja m p a rte d o m o v im e n to p o r p o lític a s a fa v o r do
m erc a do liv re sob T h a tc h e r e R e agan e, p o rta n to , se ja m coloc a dos ju n to s sob o
ró tu lo de " N o v a D ire ita " . C om o v ere m os, o lib e rta ris m o d e fe n d e seu c o m p ro
m isso com o m erc a do re corre n d o a u m a n o ç ã o m ü s ^i m p í a d e liE e rd â d e p e s
so a l - o d ire ito de cada in d iv íd u o d e .d e d d ã .liv ie .iiie n tf CQmCL e m pre g a rj5 a a >
pod ere s e posses, d a m a n e ira qu e a ch ar m e lh o r/ O s lib e rtá rio s , p o rta n to ,
a p oia m a lib e ra liz a ç ã o de le is sobre hom oss e xu a lid a d e , d iv ó rc io , a b o rto e tc., e
v ê e m isso com o c o n tin u id a d e de sua defesa do m erc a do,..Q sJie fiC O ris erv a do-

tra d ic io n a is (,..] qu e forta le ç a m s e n tim e n to s p a trió tic o s e fa m ilia re s , busc a ndo


íta e is n a h e te -o u « tie o H w n is t a
p e la a u to rid a d e '', to d o s os q u ais p o d g jn en v o lv e r a h m lta g ã o d e " e s tilos d e
: vpda re p m v a d ra " J B ritta n . 1988: 213). O n e o con s e rv a d or e ndossa as fo rç a s d e
jn e rc a d o " m a is p o r ca usa das d is d p lin a s .que.'e la s .im p õ p m d n m i e n H a -lib e t -
d a d e qu e p ro p o rc io n a m q E le o u e la p o d e c o n s id e ra r o E sta do d e b e m -e s ta r
s o c ia l, a m ora lid a d e p e rm is s iv a e o g a sto m ilita r, o u a p ro n tid ã o p a ra lu ta r,
'in a d e q u a d o s', com o e x e m plos div ersos da a u to -in d u lg ê n c ia excessiva qu e su
p o sta m e nte está m in a n d o o O c id e n te ". D o p o n to d e v is ta lib e rtá rio , p o rta n to ,
os n e oconserva dore s são os "n o vo s e sp arta nos ", e a p o lític a e xte m a ch a u vin ista
e a p o lític a so cia l m ora lis ta a dota d a s p o r R e agan e T h a tch e r op õ e m -s e ao seu
com prom isso com a lib e rd a d e pe sso al (B ritta n , 1988: 240-2; cf. C arey, 1984).
122 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

(b) A "te oria da titu la rid a d e " de N o z ick

C om o os lib e rtá rio s re la cion a m a ju stiç a e o m e rcado?


C o n c e n tra r-m e -e i n a "te o ria da titu la rid a d e " de N o z ic k , A
a firm a ç ã o c e ntra l na te oria de N o z ick, com o ria m a ioria das
outra s te oria s lib e rtá ria s, é esta: se supuserm os qu e rio d os.
são .titu la r es dos b ens qu e p ossuem a tu a lm e nte (suas "p o s
s e s"), e ntã o, um a d istrib uiç ã o ju sta é sim ple sm e n te q u a l-
qu e r d istrib uiç ã o que re sulte das troca s livre s das pessoas.
Q u a lq u er d istrib uiç ã o que re sulte de um a situ açã o ju sta p or
m e io de tra nsferê ncias livre s é, p or sua ve z, justa . O govern ei
trib u ta r estas trocas contra a vonta d e de qu a lqu er um é in ju s -1
to, m e sm o que os trib u to s sejam usados p ara com p e nsar oj I
custos e xtra ordin á rio s das d e ficiê ncia s n a tura is im ere cid a: f
de a lgu é m . A únic a trib u ta ç ã o le g ítim a é a que se d e stin a ¡
le v a nta r re ce ita s p ara m a n te r as in s titu iç õ e s de fu n d o n e
cessárias p ara prote g e r o siste m a de livre troca - p or e xe m
plo , CLsistem a de p o lIa a .e o de ju stiç a necessários para fa z er
c u m p rir as trocas livre s das p e sso a s/
M ais precisam ente, bá~ires prin cípio s fund a m e nta is na
"te oria da titu ra lid a d e " de N o z ick:
1 . um p rin c íp io de tra nsfer ê n c i a q u a lq u e r coisa que
seja a d q uirid a jiL«rfam ente.podêra~ ser tra nsferid a^ l i
vre m e nte ;
2 ., um p rin c íp io de a q uisiç ã o in ic ia l ju s Ç D - u m a d e s-
criç ã o de com o as pessoas pod e m v ir in ic ia lm e nte a
p o s s u ir coisas que p o d e m ser tra nsfe rid^® m > .e Q n-
form id a d e com (1 )/
3.'ium ^princípiõ d ê re tffic a ç ã o d a in iu s tic a V com o lid a r
co in __as
- _ posses se fore
—— '''tn in ju sta m e n te ..a...d—q uirid a s ou
................
tra nsfe nd a s.
Se possuo u m lo te de terra , e ntã o (1) d iz que sou livre
para p a rtic ip a r de qu a isqu er tra nsferê ncia s que deseje fa z er
a re sp e ito desta terra . O p rin c íp io (2 ) nos d iz com o a terra
v e io a ser in ic ia lm e n te possuíd a . O p rin c íp io (3) nos d iz o
que fa z er no caso de (1) ou (2) ser viola do . Juntos, eles im p li-
O LIB E R T A RISM O 123

cam que , se as posses a tu a is das p e ssoas fora m a d q uirid a s


ju sta m e n te , a fó rm u la , p ara , um a d is trib uiç ã o ju s ta é: " D e
cada um , com o e scolh er, p ara cada um , com o e s c o lh id o "
(N o z ick, 1974:160). '
A conclusã o da te oria da titu la rid a d e de N o z ic k é que
" u m E stado m ín im o, lim ita d o , às funçõ e s e strita s de p ro te -
çao contra T orça , roubo, fra ud e , im posiç ã o de contra tos etc.,
e ju stific a d o; qu a lqu er Estado, m ais a m pio viola ra os dire ito s
dãs p ê s"íoás ’de n ã o sere m forç a d a s a fa z e r certa s coisa s e e
m fü s f^ h r i5 ^ ‘(N õ z ick, 1974: ix ). K rt â n to , n ã o h á n e n h um a
educação pública , n enhum a assistência m édica pública , tra ns
porte , estradas n e m parques. Todos eles e nvolv e m a trib u ta
ção co erciva de algum a s pessoas co ntra a sua vo nta d e , v io -

com o e scolhid q ".


' C om o vim os, R awls e D w o rk in ta m b é m e nfa tiz a m que
um a d istrib uiç ã o justa deve ser sensível às escolhas das pes
soas. Eles, p oré m , a cre dita m que isso é apenas m eta d e da
história . U m a distrib uiç ã o ju sta deve ser sensível à am bição
com o é a de N o z ick, m as ta m b é m deve ser inse nsíve l à d ota
ção, com o n ão é a de N o z ick. É in ju s to que os n aturalm e nte
d e sfa vore cidos m orra m de fom e sim ple sm e nte p orqu e não
tê m nada a oferecer aos outros na troca livre , ou que as cria n
ças não te nh a m assistência m édica ou educação apenas p o r
que nasceram em um a fa m ília pobre. P orta nto. os igu a litá rio s
lib e ra is d ão pre fe rê n cia à trib u ta ç ã o das troc a s livre s p ara
com p e nsar os d esfa vorecidos n a tura l e socia lm e nte .
N o z ick d iz que isso é in ju sto porqu e as pessoas são ti tu -
lare s'd e suas posses (se a dq uirirla s j u stam en F ejT el'nesse se n-
tid o , "s e r titu la r " sig nific a " te r u m dire ito, a bsoluto de dispor e r
livre m e n te d elas com o quiser, contauU).qu.&iss.o rrão .e nvol
v a forç a n e m fra u d e " . H á alguns lim ite s p ara o que posse
fa z er - m e u d ire ito à m in h a faca n ão in c lu i o d ire ito de d e po
s itá -la nas suas costas, já que você te m d ire ito a suas costas.
D e o utra s form a s, p oré m , sou liv re p ara fa z e r o que q u ero
com m eus re cursos - posso g a stá-los a d q u irin d o os b ens e
serviços de outros ou posso sim ple sm e nte d á-los a outros ou

i
122 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

(b) A " te oria da titu la rid a d e " de N o z ick

C omo, os lib e rtá rio s re la cion a m a ju stiç a e o m erc ado?


C o n c e n tra r-m e -e i na J'te oria da titu la rid a d e "' de N o zick;. A
afirm a çã o c e ntra l na te oría de N o z ick, com o na m a ioria das
outra s te oria s lib e rtá ria s , é esta: se su p u s e rm o s.q u e to d o a .
são titu la re s dos bens que possuem a tu a lm e nte (suas "p o s
se s"), e ntã o, um a d istrib uiç ã o ju sta é sim ple sm e nte q u a l
qu er d istrib u iç ã o que re sulte das trocas livre s das pessoas.
Q u a lq u er d istrib uiç ã o que re sulte de um a situ açã o ju sta p or
m e io de transferências livre s é, p or sua ve z, justa . O govemq
trib u ta r estas trocas contra a vonta d e de qu a lqu er um é in ju s j
to, m e sm o que os trib u to s sejam usados para com p e nsar o |
custos e xtra ordin á rio s das d e ficiê ncia s n a tura is im ere cid a
de a lgu é m . A ú nic a trib u ta ç ã o le g ítim a é a que se d e s tin a ;
le v a n ta r re ce ita s p ara m a n te r as in s titu iç õ e s de fu n d o n e
cessárias p ara prote g e r o siste m a de livre tro c a - p o r e xem-

c u m p rir as troca s livre s das pessoas,'


M a is pre cisam entél b á lrê s prin cípio s fund a m e nta is na
"te oria da titu ra lid a d e " de N o z ick:
1 . u m p rin c íp io de tra n sfe rê n cia -^ q u a lq u er coisa que
seja a d q u irid a ju sta m e nte pod e rá ser tra n sfe rid a l i
vre m e nte;
2 . um p rin c íp io de a quisiç ã o in ic ia l ju s t a i- um a d e s
criç ã o de com o as pessoas p o d e m v ir in ic ia lm e n te a
p o s s u ir coisas que pod e m ser tra n s fe rid as.,em con -
form id a d e com (1 );-
3. u m p rin c íp io dé re tific a ç ã o da in ju stiç a V com o lid a r
com as posses
ti _ ^ 1
, J, -

se fore m in ju.....sta
” . .
...
...
...
.
m
..
...
...
.
e.....n...te
. ..
...
...
..
a.....dq
. .
...
...
..
uirid
.
..~
a s ou............................................
tra nsferid a s.
Se possuo u m lo te de terra , e ntã o (1) d iz que sou livre
para p a rtic ip a r de qu a isqu er tra nsferê ncia s que deseje fa z er
a re sp e ito desta terra . O p rin c íp io (2 ) nos d iz com o a terra
v e io a ser in ic ia lm e n te possuída . O p rin c íp io (3) nos d iz o
que fa z er no caso de (1) ou (2) ser viola do . Juntos, eles im p li-
O U B E R T A R1SM0 123

cam que, se as posses a tu a is das n e sso a siora m a d q u irid a s


ju sta m e n te , a fó rm u la p a ra u m a d is trib u iç ã o ju sta é: " P e
cada um , com o e scolh er, p ara cada um , com o e s c o lh id o "
(N o z ick, 1974:160).
A conclusã o da te oria da titu la rid a d e de N o z ic k é que
" u m E stado múú m o J M t a d Q às .funções e strita s d e ^ro te -
çao co ntra rorç a , roubo, fra ud e , im posiç ã o de contra tos etc.,
e jusünc a a o; qualguer^E stgdo»m ^ s , a n jy g Io ^ o ^^ os dire ito s
d ^s ^s a ftá T H F rm o sere m fo rça d as a f a z er certa s co isas e e
in i^ s tific ã d q r (N o z ick, 1974: ix). P orta nto, nãoTrá n e n fíu m á
educação pública , n e nhum a assistência m édica pública , tra ns
porte , estradas n e m parques. Todos eles e nvolv e m a trib u ta
ção co erciva de algum a s pessoas co ntra a sua vo nta d e , v io -
la n d A o p .rin r í p iq " ,d e c a d a u m ,, c o m o e s c o lk e r> U ia ia X A d a ilII l ,„
com o e scolhid q ".
.. C om o vim os, R awls e D w o rk in ta m b é m e nfa tiz a m que
um a distrib uiç ã o ju sta deve ser sensível às escolhas das p e s
soas. Eles, p oré m , a cre dita m que isso é apenas m etad e da
h istória . U m a distrib uiç ã o ju sta deve ser sensível à a m biçã o]
com o é a de N o z ick, mas ta m b é m deve ser inse nsível à dota-j
ção, com o n ã o é a de N o z ick. É in ju sto que os n a tura lm e n te
d e sfa vore cidos m orra m de fom e sim ple sm e nte porqu e n ão
tê m n ada a oferecer aos outros na troca livre , ou que as cria n
ças não te nh a m assistência m é dica ou educação apenas p o r
que nasceram em um a fa m ília pobre . P orta nto, os igu a litá rios
lib e ra is d ão pre fe rê n cia à trib u ta ç ã o das troc a s livre s p ara
com p e nsar os d esfa vorecidos n a tura l e socia lm e nte .
N o z ick d iz que isso é in ju sto porcjue as pessoas são titu
lares de suas posses (se a dquirid a s justa m e nte !, e, n e sse sen
fid o , "s e r titu la r " sig nific a " te r um d ire ito a b so lu to d e dispo
g e m e n t e d elas com o quiser, conta nto, qu e isso.nã o e n v o l
va força n e m fra u d o ". I lá alguns lim ite s p ara o que posse
fa z er - m eu d ire ito à m in h a faca n ão in c lu i o d ire ito de d e po-
s itá -la nas suas costas, já que você te m d ire ito a suas costas.
D e o utra s form a s, p oré m , sou liv re p ara fa z e r o que q u ero
com m eus re cursos - posso g a stá -lo s a d q u irin d o os bens e
serviços de outros ou posso sim ple sm e nte d á-los a outros ou
124 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d e c id ir re cus á-los a o utro s (até m e sm o ao g o v e rn o). N in


gu é m tem o d ire ito de tirá -lo s de m im , m esmo que seja para
im p e d ir que os d esfa vorecidos m orra m de fom e .
Por que devemos a c eitar a a firm a ç ã o de N o z ick de que
o d ire ito das pessoas à pro prie d a d e é ta l que e xclui u m es
que m a re d is trib u tiv o lib e ra l? A lg u n s crítico s argum e nta m
que N o zickn ã oJte m n e n h um argum e n to .- ele n o sd á " lib e r-
tarism o sem fund a m e nto s " (N a g el, 1981). Porém, um a le itu -
ra m ais gen erosa d e te ctará d ois a rg um e ntos dife re nte s.
C om o em R awls, o p rim e iro a rg u m e n to é in tu itiv o e te n ta
re v e lar as cara cterística s atra e nte s do livre e xercício dos d i
re ito s de p ro prie d a d e ./O se gundo é u m arg um e nto m ais f i
losófico, que te n tg d eriv ar os dire ito s de proprie d a d e d e jy n a
pre m issa de "poss e de si m e sm o "'. A lin h a d o com m in h a
a bord a g e m g eral e, p enso, com as inte n çõ e s de N o z ic k ,jn ,-
te rpre ta re i este ar gu m e n to da posse d e si m e sm o com o u m
re c m s o iü d é ia de tra ta r as pessoas com o ig u a is.
O utros autore s d efe nd e m o íib erta rism o com argum e n
tos b e m dife re n te s. A lg u n s lib e rtá rio s a rg um e nta m que a
te oria da titu la rid a d e de N o z ic k é d e fe ndid a da m e lh or m a
n e ira re corre ndo à lib erd a d e , n ão à igu ald a d e , e nqu a nto o u
tros te nta m d e fe nd ê-la re corre ndo à va nta g e m m útu a , como
expressada em um a te oria contra tu a l da escolha ra cion al. E n
tã o, alé m dos argum e ntos de N o z ic k , e x a m in are i a id é ia de
u m d ire ito à lib e rd a d e (seção 4) e a id é ia c o n tra tu a l de v a n
ta g e m m útu a (seção 3).

(c) O argum ento in tu itiv o : o exemplo W ilt C h a m b erla in

P rim e iro, então, o argum e nto in tu itiv o de N o zick. C om o


vim os, s e a " p rin c íp io de tra n sfe rê n cia " d iz que se a d q u iri
m os le gitim a m e nte a lgum a coisa, tem os dire ito s de pro prie
dade absolutos sobre ela. Rodemos dis p or livre m e n te d ela,
com o julg arm o s m e lh or, apesar de ser prov á v e l que o e fe ito
destas tra nsferê ncias seja um a distrib uiç ã o m u ito d e sigu a l
de re nd a e o p ortu nid a d e . D a do que as pessoas nascem com
O UB E R TAR1SM O 125

tale ntos n a tura is difere nte s, algum as pessoas serão a m pla-


m e nte recompensadas, e nqu a nto as que carecem de h a b ili
dades com erciá veis conse guirã o m enos recompensas.
v id o a estas. difere nça s im e re cid as nos ta le n to s n a tura is, a l-
gum as pessoas prosperarã o, ao passo que outra s m orrerã o
de fb m e ll f estas desigualdades, e n ta a irã o a ie tá r ãs o p o rtu
nid ad e s das crianças, algum as das quais nascem em circuns
tâ ncia s privile g ia d a s, e n q u a nto outra s nascem na pobre z a .
Estas desigualdades, que N o z ick reconhece com o re sultados
possíveis do c a pita lism o sem re striçõ e s, são a fo n te de nos
sas objeções in tu itiv a s ao lib e rta ris m o .
C om o, e ntã o, N o z ic k pod e te r esperança de forn e c e r
um a defesa in tu itiv a desses dire itos? Ele nos pude que espe
cifiq u e m o s ym a d istrib uiç ã o in ic ia l que sinta m os-s er le g íti-
m a e, e ntã o, argum e nta que p re ferim o s in tu itiv a m e n t e seu
ja rin c íp io de tra nsfe rê ncia aos prin c íp io s lib e ra is d e re d is tri-
buiç ã õ com o descrição do que as pessoas pod e m fa z e r le e i-
.tu n a m e nte com seus re cursos? P erm ita -m e tra nscre v er seu
argum e nto d e ta lh a d a m e nte :

N ã o está claro com o os que su ste nta m o utra s conc e p


ções de ju stiç a d is trib u tiv a p od e m re je ita r a [te oria d a titu la
rid a d e ] . P ois, s u p o n h a qu e u m a d is trib u iç ã o p re fe rid a p o r
ju m a destas concepções que não a da titu la rid a d e seja re a liz a
da. S uponh a m os que seja sua fa v o rita e ch a m e m os.e sta d is-
.td b u ic ã o C D uita lv e z to do s te n h a m um a p arc ela ig u a l, ta lv ez
as p arc e la s v a rie m e m c o n fo rm id a d e com a lg um a d im e n
são que você v a loriz a . S uponh a a gora que a pro cura p o r W ilt
C h a m b e rla in p o r p a rte dos tim e s de b a squ e te seja gra nd e ,
já que ele é um a gra nd e atra ção p ara o p ú b lic o [...] E le assina
o s e guinte tip o de co ntra to com u m tim e : e m cada jo g o loc a l,
v in te e cinco centavos do pre ço de cada ingre sso v ã o p ara ele.
[...] A te m p ora d a com eça e as pessoas v ã o a le gre m e nte aos
jog os do seu tim e ; elas com pra m seus ingre ssos, d e p o sita n
do a cada v e z v in te e cinco c e nta vos do pre ço da e ntra d a em
um a caixa e sp e cial com o nom e de W ilt C h a m b e rla in . E stão
e ntusia sm a d a s p o r v ê -lo jo g a r; isso v a le o pre ço to ta l do in
gresso p ara elas. S uponh a m os que, e m um a te m p ora d a , um
m ilh ã o de pessoas vão aos seus jogos locais e W ilt C h a m b erla in
126 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

te rm in e com U S $ 250.000, um a som a m u ito m a ior do que a


re n d a m é dia e m a ior até do que a de q u a lq u e r o u tra pessoa.
E le te m d ire ito a esta re nd a ? E sta nov a d is trib u iç ã o D 2 é in
justa ? Se é, p o r quê? N ã o h á nenhuma qu e stã o q u a nto a cada
pessoa te r o u n ã o te r d ire ito ao co ntrole sobre os recursos que
d e tin h a e m D l p orq u e esta fo i a d is trib u iç ã o (sua fa v o rita )
que (para os fin s d o arg um e nto) supom os que fosse a ceitá vel.
C ada um a destas pessoas escolheu d ar v in te e cinco ce nta vos
de seu d in h e iro a C h a m b e rla in . E las p o d e ria m tê -lo s gastado
em cin e m a , doces ou cópia s da re vista Dissent o u da M onthly
Review. M as toda s elas, ou p e lo m enos u m m ilh ã o delas, co n
cord aram em d á -lo s a W ilt C h a m b erlain, em troc a de v ê -lo jo
g ar b asquete . Se D l fosse um a d istrib u iç ã o ju sta e as pessoas
passassem v o lu n ta ria m e n te desta p ara D 2, tra n sfe rin d o p a r
te s de suas p arc ela s re c e bid a s sob D l (a que se d e stin a ria m
se n ã o a s ere m e m pre g a d a s e m a lgo?), D 2 n ã o s eria ju sta
tam b ém ? Se as pessoas tiv e ss e m d ire ito de d is p or dos re c ur
sos aos qu a is e stava m h a b ilita d a s (sob D l) , is to n ã o in c lu iria
ta m b é m e starem h a b ilita d a s a d á -lo a W ilt C h a m b e rla in ou a
tro c á -lo com ele? A lg u m a o u tra pessoa pod e qu e ix a r-s e com
base em fu nd a m e nto s de justiç a ? C a d a pessoa já te m .su a .p ar-
cela le g ítim a sob D 1. Sob D l. n ã o h á coisa n e nhqm a p o ssuída
jp o i a lgu é m à q u a l q q a lq p fr n ijfra te n h a u m d ire ito d e
ju stiç a /D e p o is que a lgu é m tra nsfere algo para W ilt C h a m b er-
la in , os terc e iros ainda tê m suas parcelas le g ítim a s; suas p arc e
las n ã o são m odific a d a s. P or m e io de q u a l processo ta l tra n s
fe rê ncia e ntre duas pessoas p o d e ria d a r orig e m a u m d ire ito
le g ítim o de ju stiç a d is trib u tiv a sobre um a p orç ã o do que fo i
tra n sfe rid o , p o r u m te rc e iro , que n ã o tive sse n e n h u m d ire ito
de ju stiç a sobre q u a lq u e r posse dos o u tro s antes da tra n sfe
rência ? (1 9 7 4:1 6 0-2).

- C om o D 2 parece le g ítim a , argum e nta N o z ick, seu p rin


cípio de tra nsfe rê ncia está m ais a lin h a d o com nossas in tu i-
ções do que prin c íp io s re d is trib u tiv o s com o o p rin c íp io da
difere nç a de R awls.
O que devemos fa z er deste argum e nto? E le te m certa
atraçã o in ic ia l p orqu e e nfa tiz a que to d o o s e ntid o de te r
um a te oria de parcelas justa s está no fa to de que ela p e rm i
te que as pessoas faça m certas coisas com elas. É p erverso
O LIB E R T A RISM O 127

diz e r que é m u ito im p orta n te que as pessoas te n h a m sua


parcela justa e, depois, im p e di-la s de usar esta parcela da m a
n e ira que d e seja m . Isso, p oré m , c o n fro n ta nossa in tu iç ã o
a re sp e ito de d e sigu a ld a d e s im ere cid a s? S uponh a m os que
e sp e cifiqu ei um a distrib uiç ã o inici a l D l a lin h a d a com o p rin
c ip io da difere nç a de R awls. P orta nto, cada pessoa.com eça
com um a p arcela ig u a l de recursos, in d e p e nd e nte m e nte de
seus ta le ntos n a tura is/M a s, no fim da te m pora d a de basque
te, C h a m b erlain terá ganho US$ 250.000, ao passo que a p e s
soa desfavorecida, que pode não ter n e nhum pod er de ganho,
terá e x a urid o seus re cursos e e stará à b e ira da fom e . C om
certe z a , n o ssas in tu ic õ e s ainda .n.Q s..diz e m .que .p Q .d em os
trib u ta r a re nd a de C h a m b e rla in p ara im p e d ir is so. N o z ick
v a lè ü-s e persuasiv a m e nte de noss a-intuic ã o q u a nto a a tu ar
com base em n o ssas.escolhas,.m as seu e xe m plo ig n ora n o s-
sa in tu iç ã o sobre com oJ jd a r ju sta m e nte com circu n stâ n cia s
desiguais.'
N a verd a d e , q u a n do N o z ic k c o n fro n ta a qu e stã o de
circu n stâ n cia s d e sigu a is, ele re conh e ce a forç a in tu itiv a da
posiçã o lib e ra l. E le a d m ite que parece in ju s to as pessoas
sofrere m d e sigu a ld a d e s im e re cidas e m seu acesso~aos"be-
n e fício s da coop era çã o sócia]/ E le "s e n te o p o d e r" desta
"objeção. C o n tu d o ,

A p rin c ip a l objeçã o à a firm a ç ã o de que to do s tê m d ire i


to a v ária s coisas - com o igu a ld a d e de o p ortu n id a d e , vid a etc.
- e a fa z er uso deste d ire ito é que esses " d ire ito s " e xig em um a
in fra -e s tru tu ra de coisas, m a te ria is e ações, e outras pessoas
p od e m te r d ire ito s e e star h a b ilita d a s a estes. N in g u é m te m J
d ire ito a a lgo cuja co ncre tiz a ç ã o e xija c ertos usos das cois a s]
e a tivid a d e s sobre as quais o utra s pessoas te n h a m d ire ito s ou j
aos qu a is e steja m h a b ilita d a s (1974: 2 37-8). >

E m outra s p a la vra s, n ã o pod e m os trib u ta r W ilt C h a m -


b e d iiin p ara-com p e nsar as d e ficiê n cia s das outra s pessoas
porqu e ele te m d ire ito s a bsolutos sobre sua re n d â ^N o z ick,
poré m , reconhece que nossas in tuiçõ e s n ã o fa vore ce m u n i
form e m e nte esta descrição dos dire ito s de proprie d a d e . P elo
128 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

co ntrá rio , ele a ceita que algum a s de nossas intuiçõ e s m ais


poderosas favorecem a compensação de desigualdades im e
recidas. O proble m a em im ple m e nta r esta id é ia intuitiv a m e n-j.
te a tra e nte , poré m , é que as pessoas tê m d ire ito s sobre su á j
renda. E mbora a id é ia de M a ckie de u m d ire ito g eral a "u m a
oportunid a d e ju sta " na vid a seja intuitiv a m e n te atra ente, "os
dire itos específicos sobre as coisas ocupam o espaço dos d ire i
tos, não deixando n e nhum espaço para que os dire itos gerais
estejam em certa condição m a te ria l" (1974: 238).
" D ire ito s específicos sobre as coisas ocup a m o espaço
dos d ire ito s " , sem d e ix ar n e n h um espaço para u m d ire ito a
um a o p ortu nid a d e ju sta na vida? E x a m in are i p oste riorm e n
te o se gundo a rg um e nto de N o z ic k , m a is filo s ó fic o , a fa vor
desta visão. Porém, sua te n ta tiv a de o ferecer um a defesa in
tu itiv a d ele p o r m e io d o e xe m plo de W ilt C h a m b e ria in F ê n-
ganosa. Pára perceber isso com m ais clare z a, pod e m os sepa-
f a r as jteonds de ju stiç a d is trib u tiva em trê s e le m e n tó le?,
v a n d er V een e V an P arijs, 1985: 73).
(P). P rincípios m orais (por exem plo, o prin cípio da "p o s-
se de si m e sj^ Q " de N o z ic k ou o p rin c íp io da. " . a t,
b itra rie d a d e m o ra l" dos ta le n to s n a tura is).
(R) A s regras de ju stiç a que gov ern a m a e strutura b á si
ca da sociedade (p or exem plo, as trê s regras de ju s
tiç a n a a propria ç ã o, tra n sfe rê n cia e re tific a ç ã o , de
N o z ick, ou o " p rin c íp io da d ife re n ç a ", de R a wls).
(D) U m a distrib uiç ã o específica de posses em d a d o te m -
po e lu g a r (p or e xe m plo, quais pessoas específicas
tê m d ire ito a quais recursos e spe cíficos).
O s prin c ípio s m ora is (P) d e fin e m as regras de ju stiç a
(R) que, p or sua ve z, g eram um a d istrib uiç ã o e specífica (D).
O que N o z ic k te m esperança de fa z e r n o e xe m plo de
C h a m b era la in é a p oia r sua d escrição dos prin c ípio s m orais
(P) e das re gra s ju sta s (R) m o stra n d o que a poia m os in tu i
tiv a m e nte um a d is trib u iç ã o (D 2) g erad a p o r estas regras.
E m bora a d is trib u iç ã o in ic ia l D l te n h a sid o g era d a p o r um
c o nju n to dife re nte de regras e prin c ípio s (o p rin c íp io da d i-
O U B E R T A RISM O 129

ferença de R awls, no m eu caso), N o z ic k a firm a que a c e ita-


m os in tu itiv a m e n te um a d is trib u iç ã o subse qü e nte D 2 que
seíã~gefi3 r F õ rs u a re gra de'ju stiç a n a lra n s fe rência.«N a v e r
d ad e , p oré m , o a rg um e nto de N o z ic k só parece fu n c io n a r
porqu e ele in te rpre ta a distrib uiç ã o in ic ia l ( D l) em funçã o de
sua pró pria d escrição dos prin c ípio s (P) e regras justa s (R).
E m bora N o z ic k p erm ita -n o s especificar a d is tribuição in ic ia l
3 F p s 7 e 's 7 ^ " ^ PQe q ü ^ t a o r m e io d ela , e steja m os iE sfic F
b u in d o d ire ito s de pro prie d a d e p le nos sobre e stas p o sses,
com o e xigid o p or sua te oria pre fe rid a de regras ju sta s/E sta
suposição, p oré m , é enganosa, já que nossa te oria pre fe rid a
de regras justa s pod e n ão e nvolv e r a d istrib u iç ã o de ta is d i
re ito s específicos a pessoas específicas.
Por e xe m plo, a ra z io pela qual sugeri uma D l base ada
na te oria de R awls fo i o fa to de ela re m ov er as desvantagens
mê F eTídas riã s das pessoas. D a r a pessoas es
pecíficas a cèisõ a recursos específicos é um a m a n e ira de im
ple m e n ta r o d ire ito m ais g eral a um a o p ortu nid a d e ju sta na
v id a que está su b e nte n did a n a te o ria de R a wls. A pró pria *
m otiv a ç ã o p ara D l ta m b é m m e ofere c eria um a ra z ão p ara
colocar lim ite s à m a n eira com o os recursos pod e m ser tra n s
feridos. Por exem plo, eu colocaria u m esquema de tributa ç ã o
re d is trib u tiv o em fu n cio n a m e n to com o m a n e ira de c o n ti
n u a r a m itig a r os e fe itos de d esvantagens n a tura is im e re ci
das após esta d istrib u iç ã o in ic ia l. E u in c lu iria este esqugm a
re d is trib u tiv o la d o a la d o com a d is trib u iç ã o in ic ia l p orqu é
"m in h a m otiv a ç ã o acT especificãf D l n ão fo i ofere cer " d ir e i
tos específicos, sobre coisas específicas [a] pessoas e sp e cífi
cas". F oi, antes, im p le m e n ta r c erto d ire ito m a is g eral a um a
o p ortu nid a d e ju sta n a vid a . D l fo i m in h a d istrib uiç ã o pre fe
rid a porqu e fo i gerada p or m in h a s R (regras justa s) p re fe ri
das, as quais, p or sua ve z, re fle te m m in h a s premissas m o
ra is fun d a m e nta is (P) a re sp e ito da ig u a ld a d e m ora l, de re
compensas im ere cid a s etc. E, assim com o D l fo i gerada p or
m in h a concepção pre fe rid a de R e P, eu desejaria que q u a is
qu er distribuiçõ e s re sultantes de D l fossem com p atíveis com
elas - isto é, re sp e ita r o d ire ito das pessoas a um a o p o rtu n i
dade ju sta n a vid a .
130 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d N o z ic k distorc e isso. E le consid era m in h a D l com o se


¡e sp ecifica sse u m c o nju n to de d ire ito s a bsolutos a coisas es-
ifte cífic a s. D iz , e ntã o, que, com o pessoas específicas tê m d i
re ito s a bsolutos a estas coisas e sp e cífica s, n ã o pod e m os,
p o r cons e guinte , usar a trib u ta ç ã o re d is trib u tiv a p ara a te n
d er o d ire ito g eral a um a o p ortu nid a d e ju sta . E m b ora .e u je -
nh a-oferecido-a-p e-ssoa s espe cíficas acesso a re cursos es-
pecíf-icos p a ra im p le m e n ta r um . d ire ito m a is g era l a u m a
o p ortu nid a d e ju s ta na vid a , N o z ic k fa z p are cer que ofe re ci
a pessoas específicas d ire ito s a coisas específicas..que im
p e d e m a jis frip le irie â la ç ló de u m d ire ito .g e ía L â J J 3aâ*Q por-
tu nid a d e ju sta . D esta m a n e ira , distorc e o que re conh e ci em
D l e o m o tiv o p e lo q u a l o re conh e ci. R e com e nd e i que as
pessoas tiv e ss e m c e rto co n tro le sobre os re cursos em D l
porqu e esta d istrib u iç ã o lid a e q uita tiv a m e n te com circu n s
tâ ncia s d e sigu ais. N o z ic k d iz que eu ofe re ci co_ntrole...absa-
lu to sobre os re cursos e usa este fa to p ara b lo q u e a r t e n ta
tiv a s de lid a r e q üita tiv a m e nte com circunstâ ncia s desiguais.
N a tura lm e n te , é v erd a d e que se fosse m c o nfe rid o s às p e s
soas d ire ito s a bsolutos sobre as coisas específicas d is trib u í
das em D l, e ntã o, seria erra do trib u ta r a re n d a de C h a m
b e rla in p ara s u ste n ta r os d e sfa vore cidos. E u, p oré m , n ão
c o n fe ri ta is d ire ito s e o fa to de que eles nos im p e d iria m de
liv ra r os d esfavorecidos da fom e fo i um a boa ra z ão p ara que
eu n ã o o fiz esse.
Se p erceberm os o que N o z ic k pre te nd e , e ntã o, pod ere-
m o M ê s p o rü S A me
lh o r re sposta a sua oferta de e sp e cificar D l é recusar especi-
fic a r qu a lq u er d istrib uiç ã o . Pois, se N o z ic k in siste em tra ta r
D l como um a dotação de dire itos absolutos, então, podemos
n ão a cre dita r que h a ja um a d istrib u iç ã o in ic ia l e q ü ita tiv a de
ta is d ire ito s . Se p erce b erm os que N o z ic k está diz e nd o: " E is
alguns dire ito s a bsolutos à proprie d a d e - d istrib u a -o s como
q u ls e r" 7 e ntã o d evere m os recusar p olid a m e n te sua.oferta».
Pois a le g itim id a d e de ta is d ire ito s é ju sta m e nte o que está
em questão.
O LIB E R T A RISM O 131

2. O a rg u m e n to d a posse de s i m e sm o

(a) O p rin c íp io da posse de si mesmo

O e x e m plo de W ilt C h a m b e rla in re ve la a im p la u s ib i-


lid a d e de d e fe nd er o lib e rta ris m o sim ple sm e nte re corre ndo
a nossas intuiçõ e s sobre a justiç a . U m a defesa bem-sucedida,)
p orta n to , terá de d e m on stra r que o lib e rta ris m o , apesar de
suas cara cterística s n ão a tra e nte s, é a conse qü ê ncia in e v itá j
v e l de a lg um p rin c íp io m a is pro fu n d o com o q u a l e sta m o í
profund a m e nte com prom etidos. ^Jjfe g ííã ã Q S .dk e rg e rm p o -1
rém, sobre qu a l á este prin c ípio m a ifi.profundoy A lg u n s lib e r
tá rio s re corre m a u m ( p n ñ t f p f^ t lr v a ñ l E a ^ m ^ ^ ^ o utro s j
a u m E n a p iõ a e lib ilc E d fi^ x a m in a re i estas duas defesas
posteriorm e nte . N o z ick, p o r sua ve z, re corre a u m p rin c íp io
-de í Ê ^ S S S ^ ^ . a H £ £ le apresenta com o um a in te r-
Pre ta Çao do J E E S E Í2Je iL aÍã £«Í§,p e §sp a s .çpm Q . 'fin s em si
m esm a s ". .Este prin c íp io de tra ta r as pessoas com o fin s em
si m esm as, que fo i a fórm u la de K a n t p ara expressar nossa
igu a ld a d e m ora l, ta m b é m é invo c a d o p o r R a wls e p elos u ti
litá rio s . N a verd ad e , é u m j j i n d p i ^ ^
te m e nte conj B r o r r ^ d e m on stra r que
ele r ê s ã l t a j ^ R ^ a posse de si m e s
m o re s u lta e m lib e rta ris m o . e ntã o e le te ra fo m e d d o úm a
forte defesa do lib e rta rism o . A rg um e nta re i, p oré m , que N o
z ic k n ã o d e riv a a posse de si m e sm o n e m a posse de p ro
prie d a d e da id é ia de tra ta r as pessoas com o ig u a is ou com o
fin s e m si m esm as2.

2. N ã o e stá cla ro se o p ró p rio N o z ic k a c e ita ria a a fjp m a jg o de qu e tra ta r


as pessoas
i.
com o' T*tç&WK9&tK&i
fins em s i mesmaS-í>
*SBg*
S-js
e.-q u••
iv a le -

«-f^tra
e»;-
»
ta,•-la s com o ..ig
;» -.V
.
u a is...,J¡u o u se
’......
a c e ita ria o u n ã o o p la tô ig u a litá rio d e D w o rk in . R a w ls v in c u la a id é ia de tra ta r
as pessoas com o fin s em si m esm a s a u m prin c íp ío "d e l5 Õ ã I3 ã d e (R a w ls, 1971:
2 5 1-7), e K a i N ie ls e n a rg u m e n ta qu e o p la tô ig u a litá rio d e D w o rk in " é p a rte
do re p e rtó rio m o ra l de N o z ic k " ta n to q u a n to o d e R a w ls (N ie ls e n , 1985: 307).
C o n tu d o , e m b ora h a ja ç g rta d istâ n c ia m tie i3 .1 1 prij« á p k > ..k a n fia rio ít d e N o z ie k;-
W e Jra ía r3 £ p .e s s o a s .c o m o fin s e m s i m esm a s, e o p rin c íp io d e D w o rk in , d e
tra ta r as pessoas com o ig u a is , eles são noçõ es cla ra m e n te re la cion a d a s e nada
132 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

O âm ago da te oria de N o z ick, e xposto na prim e ira sen


tença de seu livro , é que " O s in d iv íd u o s tê m dire ito s e há
coisas que n e n h um a pessoa ou grupo p o d e fa z er a eles (sem
v io la r seus d ire ito s )" (1974: ix). A socie da d e deve re sp e ita r
esses dire itos porqu e eles "re fle te m o prin c ípio k a ntia n o sub
jacente de que os in divíduos são, fin ge, não m e a m e oteja^ os;
eles n ã o p od e m ser s a crific ados o u usados p ara alcançar ou
tros fin s sem seu co n s e n tim e nto " (1974: 30-1). E ste " p rin c í
p io k a n tia n o " re qu er um a te oria de dire ito s forte , pois os d i-
re ito s a firm a m " n ossas e xistê ncia s s e p ara d a s" e, p q jta n to ,
consid era m s eria m e nte " a e xistê nd a de in d iv íd u o s d is tin tos
que n ã o são re cursos-p ara os o u tro s " (1974: 33). C om o so
m os in d iv íd u o s d istin to s , cada um com suas re ivindic a çõ e s
d istin ta s, h á lim ite s p ara os sa crifícios que pod e m ser p e d i
dos a um a pessoa em b e n e fício de o utra s, lim ite s que são
expressados p or um a te oria dos dire ito s. É p or isso que o u ti
lita ris m o , que nega a e xistê ncia de ta is lim ite s , é in a c e itá v e l
p ara N o z ick. R espe ita r esses dire itos é u m aspecto necessá
rio de re sp eitar o dire ito das pessoas de serem tratad a s como
fin s em si m esm as, n ã o com o m eios p ara outros. S egundo
'N o z ic k , um a sociedade lib e rtá ria tra ta os in d iv íd u o s , não
com o "in s tru m e n to s ou re cursos ", m as com o "pessoas que
tê m d ire ito s in d iv id u a is , com a dig nid a d e que isso im p lic a .
Tratar com re sp eito a nós e a nossos dire ito s p e rm ite que, in -
divid u a lm e n te ou com qu e m pre fe rirm o s, e scolham os nos
sa vid ã e concre tiz e m os nossos fin s e nossa concepção de
nós m esmos, na m e did a em que pud erm os, a uxilia do s p ela
' cõ b p ê râ ç a õ vo K m tá riá'd e o utro s in d iv íd u o s que possu e m a
m esm a d ig n id a d e " (1974: 334).
H á co ntin uid a d e s im p orta nte s, neste caso, e ntre N o
z ic k e R awls, n ã o apenas no re curso de N o z ic k ao prin c íp io
a bstra to da ig u a ld a d e , m as ta m b é m nos seus argum e ntos

e m - m e us a rg u m e n to s s u b s e q ü e n te s .ie q u e r q u a lq u e r lig a ç ã o m a is e s tre ita .


T u d o o qu e im p o rta , p a ra m e us fin s , é qu e N o z ic k d e fe n d e o lib e rta ris m o p o r
m e io de re fe rê n cia a a lg u m p rin c íp io d e re s p e ito p e lo status m o ra l e v a lo r in -j
trín s e c o de cada p e sso a. <
O U B E R T A RISM O 133

m ais específicos co ntra o u tilita ris m o . Era p arte im p orta n te !


do argum e nto de R awls o u tilita ris m o d eixar de tra ta r as pes
soas com o fin s em si m esm as, já que isso p e rm ite que a lg u
mas pessoas sejam sa crifica d a s in te rm in a v e lm e n te p ara o
b e n e fício m a ior de outra sr E ntã o, ta n to R a wls com o N o z ick
concord a m e m q uesFrãtãr as pessoás cõm o ig ü ã ís ire q u e rli- ?
mite s q u a n to aos m odos de u m a pessoa p o d e r ser us ada
para o b e n e fício de outra s ou p ara o b e n e fic io da so d a d a-
de em g eral. O s in d iv id u o s te m d ire ito s que um a sociedade
ju sta re sp eitará , dire ito s que n ão estão suje itos a cálculos u ti
litá rio s n e m são o pro d u to s destes.
R a wls e N o z ic k div erg e m , p oré m , na qu e stão re fere nte
a qu a is d ire ito s são m a is im p orta n te s ao se tra ta r as pessoas
com o fin s em si m esm as. S im p lific a n d o em excesso, p o d e
mos diz e r que,.para R awls, um dos dire ito s m ais im p orta nte s
é o d ire ito a c e rta p arc e la dos, r e cursos da sorie d a d e . .Bara
N o z ick, p o r o u tro la do, os d ire ito s m a is im p orta n te s são os.
d ire ito s sobre si p ró prio - os d ire ito s que c o n stitu e m a " pos-
se de r i m e srp a ", A id é ia de te r d ire ito s de posse sobre si
m e sm o pod e p are cer biz a rra , já que sugere que h á um a c o i
sa d istin ta , o si m esmo, que é possuído. C o ntu d o , o term o
" s i m e sm o ", e m posse de si m e sm o, te m um a "sig nific a ç ã o
jorra m e n te reflexiva... S ignific a que o que possui e o g ^ e .p c « -
suído sã oia.m e sm a cois a ..a ¿ a b £ L Í^ s a a a .lritfiiia l (C oh en,
1986a: 110). A id é ia básica da posse de si m e sm o pod e ser
com pre e ndid a em comparação com a escravidão - te r posse
de si m esmo é ter, sobre nossa pró pria pessoa, os dire itos que
u m s e n h or de escravos te m sobre u m escravo, isto é, u m
b e m m óv e l.
N ã o é im e d ia ta m e n te e vid e nte a que e quiv a le esta d i
ferença. Por que n ão pod e m os a c e ita r ambas as posições?
A fin a l, a a firm a ç ã o de que possuím os a nós m esmos a ind a
não d iz n a d a a re sp e ito de p o ssuir re cursos e xternos. E a
a firm a ç ã o de que te m os d ire ito s a um a p arc e la ju sta dos
re cursos da sociedade n ã o parece e x clu ir a p o ssibilid a d e de
possuirm os a nós m esmos. N o z ic k a cre dita , tod a via , que as
duas n ã o são com p a tív e is. S e gundo N o z ic k , a e xig ê ncia de
134 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

R a wls de que os bens pro d u z id o s p e los ta le nto so s sejam


usados p ara a um e ntar o b e m -e sta r dos d esfa vore cidos é in
co m p a tív e l com o re co n h e cim e nto da posse de si m esmo.
Se possuo a m im m esmo, e ntã o, possuo m eus ta le ntos,. E, se
possuo m eus talentos, então, possuo qualqu er'coisa que p ro
du z a com os ta le nto s possuídos p o r m im . A ssim com o p o s
s u ir u m lo te de te rra sig n ific a que possuo o que é p ro d u z i
do p ela terra , p o ssuir m eus ta le n to s sig nific a que possuo o
que é pro d u z id o p o r m eus ta le ntos. P orta nto, a e xig ê ncia
de trib uta ç ã o re d is trib u tiv a dos ta le ntosos para os d e sfa vo-
!re cidos v io la a posse de si m esmo.
O pro ble m a n ã o está n o fa to de R a wls e D w o rk in acre
dita re m que outra s pessoas possam p ossuir-m e ou possuir
m eus ta le ntos, da m a n e ira com o u m escravo é possuído p or
o u tra pessoa. P elo c o n trá rio , com o te n te i d e m onstrar,
posições hip oté tic a s tê m com o ob je tiv o m o H plar a a fir|j|;jrã n
de que nin g u é m é posse de qu e m qu e r que seja,-(cap. 3, se
ção 3,"ãcim aj. H á m uita s m a neiras pelas quais os lib era is res
p e ita m os d ire ito s dos in d iv íd u o s a seus pró prio s ta le ntos.
Q s lib e ra is a ceita m que sou o possuidor le g ítim o de m eus ta -
le n to s e que sou liv re p ara u s á -lo s e m c o n form id a d e com
m eus proje to s e scolhidos. C o ntu d o , os lib e ra is diz e m que,
com o é um a qu e stã o de sorte bru ta as pessoas tere m os ta
le n to s que tê m , seus d ire ito s a seus ta le n to s n ã o in clu e m o
d ire ito de a u fe rir recompensas desigu ais do exercício desses
ta le n to s. C om o os ta le n to s são im e re cid o s, n ã o é um a n e
gação da ig u a ld a d e m ora l o gov e rn o co nsid e ra r os ta le n to s
das pessoas com o p a rte de suas circu n stâ n cia s e, p orta n to ,
com o fu n d a m e n to possível p ara re ivindic a çõ e s de com p e n
sação. A s pessoas.que nascem n a tura lm e n te d esfa vorecida s
tê m u m d ire ito le g ítim o sobre os fa vore cid o s e os n a tu ra l
m e nte fa vore cid o s tê m um a o brig a ç ã o m ora l p ara com os
d e sfa vore cidos. A ssim , na te oria de D w o rk in , os ta le ntosos
d e ve m prê m io s de se guro que são p agos aos d e sfa vore ci
dos, ao passo que, n a te oria de R awls, os ta le n to s só se be-4
n e ficia m de seus ta le n to s se isso ta m b é m b e n e ficia os d e s ij
fa vore cidos. I
O U B E R T A R 1SM0 135

Para N o z ic k , isso c o n s titu i u m a.ne£acãa..da-.pQ sse á e


si m e sm o. J^&-s e -n e d e -diz e r.-qi.ic possuo m eus ta le n to s se
o ^ s jm u n g ^ ^
tos. O s prin cípio s de R awls "in s titu e m a posse (p arcia l), p e
lo s outros, das pessoas, de suas ações e tra b a lh o . Esses p rin
cípios e nvolve m um a m ud ança da noção clássica dos lib era is
de posse de si m e sm o p ara um a noçã o de d ire ito s de p ro
prie d a d e (p arcia is) em outras pesso a s" (N o z ick, 1974:172).
S egundo N o z ick, esta visã o lib e ra l deixa de tra ta r as pessoas
com o igu a is, com o fin s em si m esm as. C om o o u tilita ris m o ,
fa z de algum as pessoas m eros recursos para a vid a de outras,
já que to m a p arte delas (isto é, seus a trib u to s n a tura is) um
re curso p ara tod o s. C om o te n h o d ire ito s de posse de m im
m esm o, os, n a turglxn e nte d esfa vore cidos não. tê m n e n h u m
..dire ito le g ítim o sobre m im ou sobre m eus ta le ntos. O m e s
m o é v e rd a d e iro p ara tod a s as inte rv e n çõ e s co ercivas nas
troca s do m erca do livre . Só o c a pita lism o irre s trito pod e re
conh e cer ple n a m e nte m in h a posse de m im m esmo.
Podemos re su m ir o argum e nto de N o z ic k em duas a fir
mações:
A re d is tn b uic a o ra w lsia n a (ou o utra s interv e n çõ e s
g ov e rn a m e nta is co ercivas e m troc a s de m ercadoXjg.
in c o m p a tív e l com o re c o n h e cim e n to dias pessoas
F ^ ó ^ s s m d o r jg .da .¿ Lm ism a s: A p e n a s o c a pita ^-.
lism o irre s trito re conh e ce a p osse de § i jpaesroo.
2. R econh e cer as pessoas com o possuidora s d e si mes
^ ^ ^ T S u a S T j^ S T tr a t a r as pessoas com o igu ais.
A concepção de igu ald a d e de N o z ic k começa com os d i
re itos sobre si m esmo, mas ele a cre dita que esses dire itos tê m
im plic a çõ e s p ara nossos d ire ito s a re cursos e xternos, im p li
cações que e ntra m em c o n flito com a re d istrib uiç ã o lib e ra l.
E sta é um a posiçã o in su ste ntá v e l p o r duas ra zões. P ri-
m e iro , JNozick está erra do ao cre r que a posse de si m esmo
re sulta n e < ^ â flã fflê fB 5 ? ê ^d S í e Itõ id e prq prie á a ¿ g .ÍE so ki-
jS ^ A ^ õ g ^ d ^ s T m e s m o é co m p a tív e l com v á rio s re gim e s
de posse de proprie d a d e , in clu siv e u m re gim e ra wlsia no. S e-
136 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

g undo, o p rin c íp io da posse de si m e sm o é um a descrição


in a d e qu a d a da id é ia de tra ta r as pessoas com o igu a is, m e s
m o na pró pria visã o de N o z ick do que é im p orta nte em nos
sas vid a s. Se te n ta rm o s re in te rp re ta r a id é ia de posse de si
m e sm o p ara to m á -la um a conce pção m a is ade qua d a de
igu a ld a d e e sele cion arm os um re gim e e conôm ico sobre esta
base, estarem os ante s nos a proxim a n d o que nos afa sta ndo
da visã o lib e ra l de ju stiç a .

(b) A posse de si mesmo e a posse de proprie d a d e

E x a m in are i cada um a destas duas objeções p or sua ve z.


P rim e iro , com o a posse de si m e sm o re su lta em posse de
pro prie d a d e ? N o z ic k a firm a que as troc a s de m erc a do e n
v o lv e m o e x ercício dos pod ere s dos in d iv íd u o s e, com o os
in d iv íd u o s possu e m seus pod ere s, eles ta m b é m possuem
q u a lq u e r coisa que pro v e n h a do e x ercício desses pod ere s
n o m ercado.
Isso, p oré m , é m u ito rá pid o . A s trocas de m c rç a d o e n -
volv e rn m a is.d a .q u e o e xercício dos pod ere s de posse psá-
p fia . T ambém e nvolve m dire ito s jurídico s sobre coisas, sobre
bens e xteriore s, e estas coisas n ão são sim ple sm e nte criadas
a p a rtir do n ad a p elos nossos pod ere s de posse pró pria . Se
possuo a lgum a terra , posso te r m e lh ora d o a terra p or m e io
do uso de m eus pod ere s de posse p ró p ria , M a s eu n ão crie i
a terra e, p orta n to , m e u d ire ito à te rra (e, p orta n to , m e u d i
re ito de usar a te rra em troca s de m erca do) n ão pod e estar
fund a m e nta do unic a m e nte n o exercício de m eus poderes de
posse pró pria .
N o z ick reconhece que as transações de m erca do e n v o l
v e m m ais do que o exercício de poderes de posse pró pria . N a
sua te oria , m e u d ire ito a bens e xteriore s, com o a terra , p ro
vé m do fato de que outros tra nsferira m esse d ire ito para m im ,
e m co nform id a d e com o p rin c íp io da tra nsferê ncia . Isso su
põe, n a tura lm e nte , que o p o ssuid or a n te rior tin h a um d ire i
to le g ítim o . Se a lgum a pessoa m e ve nd e a lgum a terra , m e u
O LIB E R T A RISM O 137

d ire ito à terra é apenas tã o bom qu a nto o d ire ito dela, e o d i


re ito d ela era apenas tã o bom q u a n to o d ire ito a n te rio r ao
d ela e assim p or dia nte . Mas, se a v a lid a d e de m eus d ire ito s
de pro p n e d a d u d e p e a d e d a v a H d a d e .d e d k e ita s d e ..prp prie :
dade a nteriore s, e ntã o, d e te rm in a r a v a lid a d e .d e m e u d ire i-
to a B ens e xternos exige o r e to m o .a ia x a m e ç a tia corre nte de
tra n sfgrê n c ia s .M as qu a l é o com eço? É o p o n to em que a l
gu é m crio u a te rra com os pod ere s de sua pró pria posse?
N ã o, pois nin g u é m crio u a terra . E la e xistia antes que os se
res hum a nos e xistissem .
O com eço da série de tra nsferê ncia s n ão é co nsid e ra do!
a p a rtir de qu a ndo a terra fo i cria d a , m as de qu a ndo foi, p ela j
prim e ira ve z, a propria d a p or u m in d iv íd u o com o sua p ro
prie d a d e priv a d a . N a te oria de N o z ick, d eve m os re tro c e d e r |

a a ã m sic ã o in iria l fn U p g ítirp y E n ad a n o fa to , se é um fa to ,


de que possuímos nossos ta le ntos assegura que algué m pos
sa a propria r-s e le g ítim a m e n te de algo que n ão crio u com
seus ta le ntos^S e a p rim e ira pessoa q u e to m o u a terra o fe z
ile gitim a m e nte , eTa n ao é sua titu la r le g ítim a e, p orta nto , não
te m n e n h um d ire ito le g ítim o de tra n s fe ri-la p ara o utra p e s-
soa, que, e ntã o, n ão te ria n e n h um d ire ito le g ítim o de tra n s-
fe ri-la para m im . P orta nto, para te r d ire ito a tod a s as re com
pensas que me são conferid a s pelas trocas de m ercado, com o
N o z ick a credita que te nho, devo ser o possuidor le g ítim o n ão
apenas de m eus poderes, m as ta m b é m de recursos e xternos
in icia lm e n te n ã o possuídos.
E sta qu e stão a re sp e ito da a quisiçã o in ic ia l de recursos
e xternos é a n te rio r a q u a lq u e r que stão a re sp e ito da tra n s
fe rê n cia le g ítim a . S jg m Q j\o .^
le g ítim a , e ntã o, n ã o pode h aver n e n h um a tra n sferência le g í-
Prn a T se gundo a te o ria de N o z ick. P orta nto. N o z ick d eve-nos
um a descrição de com o os recursos externos viera m a ser in i
cia lm e nte a d q u irid o s p o r um in d iv íd u o p ara o seu p ró p rio
uso. N o z ic k te m consciência de que pre cisa de ta l descrição.
H a vezes em que ele diz que 'as coisas ve m ao m undo ja v in
culadas às pessoas que possu e m d ire ito a e la s " (1974:160).
138 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

Todavia, ele percebe que tu d o que é possuído hoje in c lu i um


e le m e nto que n ã o v e io ao m u n d o com o pro prie d a d e p riv a
da, le g al ou m ora lm e nte . Tudo que agora é possuído te m a l-
gum e le m e nto de n ature z a em si. C om o, e ntã o, esses re cur
sos n a tura is que in icia lm e n te n ã o .e ia m possuídos p or n in -
guém vê m a ser p a rte d a pro prie d a d e priv a d a de algué m ?

(i) A aquisição in ic ia l

A resposta históric a é, m uita s vezes, que os recursos n a


tura is vie ra m a ser pro prie d a d e de a lgu é m p ela força , o que
suscita u m dile m a p ara os que tê m esperança de que a te o
ria de N o z ic k d efe nd erá as d e sigu ald a d e s in e xiste nte s. O u
o uso da força to m o u ile g ítim a a a quisiçã o in ic ia l, caso em
que o d ire ito pre se nte é ile g ítim o e n ão há n e nhum a ra z ão
n o ra l p ara que os governos n ã o d eva m confisc ar a riqu e z a
3 re d is trib u í-la , ou o uso in ic ia l da forç a n ã o to rn o u a a q u i
sição ile g ítim a , caso em que pod e m os, com ig u a l ju s tific a ti
va, usar a forç a p ara to m á -la de seus a tu ais pro prie tá rio s e
e distribuí-la . D e q u a lq u er m a n e ira , o fa to de que a a q uisi
ção in ic ia l m uita s ve zes e nvolv e u a forç a sig n ific a que n ão
há n e nhum a objeção m ora l à re distrib uiç ã o da riqu e z a exis
te nte (C oh en, 1988: 253-4).
A re sposta de N o z ic k a este pro ble m a é a p r im e ir a ^
uso da forç a to rn a a a quisiçã o ile g ítim a ; lo g o, o d ire ito a tu a l
ile g ítim o (1974: 230-1). Por conS êguinté,'os que a tu a lm e n
te possu e m re cursos que são escassos n ão tê m n e n h um d i
re ito de p riv a r o u tro s do acesso a eles - p o r e x e m plo, os
c a pita lista s n ã o tê m o d ire ito de p riv a r os tra b a lh a dore s do
acesso aos pro d u to s ou lucros dos m e ios de produç ã o e xis
te nte s. Id e a lm e nte , os e fe it os da a quisiç ã o ile g ítim a .devem
ser re tific^õ s ê *o s "rê c ürs o s re sta ura dos ao seu pro prie tá rio
le g ítim o . C o n tu d o , m u ita s ve z es é im p o ssív e l saber qu e m
são os p ro prie tá rio s le g ítim o s - n ã o sabemos de qu e m os
recursos fora m ile g itim a m e n te tom a dos. N o z ic k sugere que
pod ería m os re tific a r a ile g itim id a d e do d ire ito e xiste nte p or
O UB E R TAR1SM O 139

m e io de um a re d is trib u iç ã o ú nic a e g era l de re cursos, em


conform id a d e com o prin cípio da diferença de R awls. Só agós
e s J a r e f^
firm ã fã rO ú a n d o conhecemos os pro prie tá rio s le gítim os, p o
ré m , d eve m os re s titu ir os re cursos a eles. P or e x e m plo , a
visã o de N o z ic k a póia a re stituiç ã o de boa p arte da N ov a In -
; to m a -
¿ 9 (Lyons, 1981).
Essa rejeiçã o da le gitim id a d e do d ire ito a tu a l não é um a
curiosid a d e da apresentação de N o z ick, que possa ser d e s
tacada do re sto de sua te oria . Se a cre ditarm os re a lm e nte na
te oria da titu la rid a d e de N o z ick, e ntã o, o d ire ito pre se nte
será apenas tã o le g ítim o q u a n to os d ire ito s a nte riore s. Se
o d ire ito a n te rio r era le g ítim o , e ntã o, q u a lq u er nova d is tri
buiç ã o que re sulte de troca s de m erc a do é ju s ta . É isso que
os lib e rtá rio s pro põ e m com o sua te oria de ju s tiç a . C ontudo,
o coro lá rio d esta te oria é que, se o d ire ito a n te rior era i le g í
tim o , a nov a d is trib u iç ã o ta m b é m é. Õ fa to de que a nov a
d istrib uiç ã o re sulto u de transações de m erca do é irre le v a n
te, já que nin g u é m tin h a n e n h um d ire ito de tra n s fe rir esses
recursos p or m e io de trocas de m ercado. Isso, ta n to qu a nto o
prim e iro caso, é p arte essencial da te oria de N o z ick. São dois
la dos da m esm a moeda.

ile g ítim a , a te oria de N o z ic k n ã o .po d e prote g er.d a , re dis-;


trib uic ã o as posses existentes. Porém, a ind a precisam os sa
b e r com o a a quisiç ã o p o d e ria te r s urg id o le g itim a m e n te .
Se n ã o p u d e rm o s re sp o n d e r a esta p e rg u n ta , e ntã o, d e v e
mos não apenas a diar a im ple m e nta çã o do prin cípio de tra n s
ferê ncia de N o z ic k até que os d ire ito s h istórico s sejam v e ri
ficados ou retifica dos, mas re je itá -lo inte ira m e nte . Se, de n e
nhum a m aneira, as pessoas pud ere m se a propriar de recursos
n ão possuídos sem n e g ar o d ire ito de outra s pessoas a ig u a l
consideração, então, o d ire ito de transferência de N o z ick n u n
ca chegará a fu n cio n a r.
Q u e tip o de a quisiçã o in ic ia l de d ire ito s a bsolutos a re
cursos n ã o possuídos é com p a tív e l com a id é ia de tra ta r as
140 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

pessoas com o igu a is?


lib e rtá rio s . N q z ic k v a le-s e d a re s p o sta de John L ocke p ara
s o lu c io n á -lo : N a In g la te rra do sé culo X V II, h ouv e u m m o
vim e n to ru m o ao "c e rco " (a propria çã o priv a d a) de terra a n
te riorm e nte m a n tid a em com um para uso g erai. E sta terra
("te rra c o m u n itá ria ") e stivera disp o n ív e l a todos para p a s
ta g e m de a nim a is, cole ta de m a d e ira etc. C om o re sulta do
desta a propria ç ã o priv a d a , algum a s pessoas to m a ra m -se r i
cas e nqu a nto outra s perdera m o acesso a re cursos e, p orta n
to, a capacidade de se suste ntarem . Locke desejava d efe nd er
este processo e, p orta n to) precisava ofere cer um a descrição
de com o as pessoas vie ra m , de m a n e ira m ora lm e n te le g í
tim a , a te r ple n o s d ire ito s de pro prie d a d e sobre o m u n d o
in ic ia lm e n te n ão possuído.
A re sposta de Lock e , ou p e lo m e nos um a de suas re s
postas, fo i q u e iÇ K ta s^lte iL ftiie JlQ ^a E ro p^ri^^g^e d a ç o s^d o
aos outros " o suficie nte e igu a l -’1
m e nte b orn ". U m ato de a propria ç ã o qu e's a tisfa z este crité
rio é com p a tív e l com a igu a ld a d e dos o utro s in d iv íd u o s , já
que eles n ão são d esfavorecidos p o r esta a propria çã o. Locke
ta m b é m deu outra s respostas - p or e xe m plo, que pod e m os
nos a pro pria r d a q uilo com que m istura m os o nosso tra b a lho,
co nta nto que n ão o d e sp erdicem os. M as o crité rio do " s u fi
cie nte e ig u a lm e nte b o m " parece fa z er a m a ior p arte do tra
b a lho , m e sm o nos pró prio s e xem plos de Locke . E le oferece
o exem plo de colh er bolota s ond e há m ais do que o suficie n
te para todos ou de b e b er água de u m rio . E m n e n h um des
ses casos há a lgum a m istura de tra b a lh o e, n a m e did a em
que o suficie nte e igu alm e nte bom é deixado aos outros, quem
pod e fa z e r objeçã o, m e sm o que eu d e sp erdice água ou a l
gum as das bolota s? Se m in h a a propria ç ã o d eixa todos em
um a situ açã o tã o boa q u a nto antes, e ntã o, qu e m fo i tra ta d o
inju sta m e nte ?
-L o ç k e p erce b e u que a m a ioria dos atos de a propria çã o
(ao c o n trá rio dos d ois e x e m plos a cim a) n ã o d eix a o s u fi
c ie n t e e ig u a lm e nte bom do o bje to que. está sendo apropria.-
do. CDs qué cercaram a terra na In gla te rra do século X V II cla
ra m e nte não d eixara m terra suficie nte e igu a lm e nte boa para
O L1B E RTAR1SM0 141

os outros. Locke , poré m , d iz qu e.a a propria ç ã o é a ceitá vel se


d e ix a as p e sso a s .em. s itu ação tã o boa o u m e lh or de m odo.
geral. E m bora eu te n h a m e nos terra disp o n ív e l para m im , o
re sulta do de cercar as terras com uns pod e ser o b arate a m e n
to dos bens que com pro, o que deixa m in h a situ a çã o g eral
m e lh or. P orta nto, o re q u isito p ara q»e a a propria ç ã o seja f ^
le g ítim a é qu e e la n ã o p iore a condiç ã o g e ra l de n in g u é m .
N o z ic k cham a isso "clá u sula lo c k ia n a " e ele a a dota com o
seu teste p ara a a quisiçã o le g ítim a : " U m processo que n o r
m a lm e nte dá orig e m a u m d ire ito de pro prie d a d e p e rm a
n e nte e tra nsm issív e l sobre um a coisa a nte riorm e n te n ão
possuíd a n ã o será a prov a do se a posiçã o dos o utro s, agora
sem lib erd a d e de servir-se do que era de uso com um , piora r
com isso " (1974: 178)3. E nfa tiz a r a que stão de ser ou n ão
piora d a a condiç ã o dos o utro s é a de qua do porqu e re forç a o
p rin c íp io d a ig u a l consid era çã o dos intere sse s das pessoas.
A a quisiçã o n ão vio la rá a ig u a l considera ção se n ão p io ra r a
situ a çã o de nin g u é m .
Q ue tip o s de aprQ priaçãQ satisfa z em este teste? D.epen-
de do que se consid era com o piora d o a p a rtir d e um a to de
à ^d íp riã c aoJ:Ã résposta "H e N o z ic k é que a a propria ç ã o de
um obje to específico é le g ítim a se a sua subtração ao uso ge
ra l n ã o d eixa as pessoas em situ açã o p ior, em term os m a te
ria is, do que estavam qu a ndo ele era de uso g eralyP cr exem
p lo , consid ere A m y e B en, que viv e m a m bos da te rra que
é in icia lm e n te de uso geral, A m y a pro pria -s e d e ta nta te rra
que B en n ã o consegqe viv e r da te rra re sta nte . Pode p are cer
que isso d eixa B en em p io r situ açã o. C o ntu d o, A m y oferece 1
a B en, para tra b a lh a r em sua terra , u m s a lário que excede o I
que ele estava pro d u z in d o so zinho origin a lm e nte . A m y t a rn -1
b é m consegue m a is recursos do que in icia lm e n te pro du z ia .

3. A a firm a ç ã o d e N o z ic k é a m b íg u a n e ste caso. E le n ã o nos d iz q u a l é o


"pro c e sso n o rm a l" d e a pro pria ç ã o . P o rta n to , n ã o e s t á ^ ^ p je j^ rm S ^ ro rlrf^ e *
m era m e nte u m q c o n d iç ão n ecessária p a ra a a pro pria ç ã o le g ítim a (a lé m do
®processo n o rm a l"^ q q §sJLau-nã© u m a ^o n d iç ã o s u fic ie n te (q u a lq u e r pro c e s
so qu e n ã o p io re as condiçõ e s dos o u tro s é le g ítim o ). Se n ã o é u m a .co n d iç ã o
su&d é n te , e le n ã o nos d iz q u a l é (C oh e n, 1986a: 123).
142 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d e vido à m a ior pro d u tivid a d e re sulta nte de um a divis ã o de


tra b a lh o , e o a u m e nto de sua p arc ela é m a ior do que o a u
m e nto na p arcela d ele. B en deve a c eitar isso, já que n ão res
ta te rra suficie nte p ara que ele viv a com o costum a va viv e r.
E le pre cisa de acesso à te rra de que ela se a pro prio u e e lá |
pod e d ita r os term os deste acesso, de m odo que ele conse-íf
gue m enos de m etad e dos b e n efícios da divis ã o do tra b a lh e /*
O ato de a propria ç ã o de A m y satisfa z a clá usula de N o z ick,
já que a situação, após a a propria çã o, é m e lh or do que o uso
geral em term os de recursos m a teria is, ta n to para A m y como
para B en. (N a verdade, n ão precisa ser m e lh or para B en, con
ta n to que n ã o seja p ior.)
D e sta m a n eira , o m u n d o n ã a posguído v e m a ser a pro
p ria d o, com ple no s dire ito s d e pro prie d a d e^pox pussQasjcQm
j>osse de si pró pria s . N o z ic k a cre dita que a clá usula é fa c il
m e n te 'c u m p rid a e, conse qü e nte m e nte , a m a ior p arte do
m u n d o lo g o v irá a ser a propria d a priv a d a m e nte . P orta nto,
a posse de si re sulta em posse a bsoluta do m u n d o e xterno.
C om o a a propria çã o in ic ia l in c lu i o d ire ito de tra nsfe rê ncia!
lo g o terem os u m m ercado ple n a m e nte d e se nvolvido para o s
recursos pro d u tivo s (isto é, a terra ). E, com o esta a pro pria -|
ção e xclui algum a s pessoas do acesso a esses recursos p ro
d utivo s, lo g o terem os u m m ercado de tra b a lh o ple n a m e nte
d e se nvolvido. E, com o as pessoas, e ntã o, possuirã o le g iti
m a m e nte os pod ere s e a pro prie d a d e e nvolvid o s na troca
de m erca do, elas terã o d ire ito le g ítim o a tod a s as re com
pensas a uferid a s p o r estas trocas. E, com o as p essoas terã o
d ire ito a toda§_ag s q a s je t& g y e n 8 as...de flie rq ^ p ,. 3 .re djgftjr-
b uiç ã o g o v e rn a m e n ta l p ara a ju d a ro s d e sfa vore cidos seria
um a viola ç ã o dos d ire ito s das pessoas. S eria usar algum as
pessoas com o re curso p ara outra s.

(ii) A cláusula lockiana

N o z ic k nos ofere ce u um a d escrição a ceitá ve l da a q u i


sição in ic ia l justa ? Podemos re s u m i-la desta m a n eira:
O U B E R T A R1SM0 143

1- A s pessoas possuem a si mesmas.


2 . O rn u n d o .inicia lm e n te n ã o p erte nce a nin gu é m .
3. Você p o d e a d q u irir dire ito s
cela. d e spro p orcio n a l do m undo, s e n a o p io ra ru x o n -
diçã o de outros.
4 I re ja tiv a m e nte f á d dire ito s absolutos, sobra
jjm a p a rc ela d esp ro porcio n a l do m undo. Portant.Q-,
se a p ro p ria d o .d a
i^ ^rié d a d e ..ia iia d a . .um m erca do liv re de c a p ita lx ,
tra b a lh o é m ora lm e nte e xigido.
C o n c e ntra r-m e -e i no ite m (3) do re sum o da in te rpre ta
ção de N o z ick, sua descrição do que é p io ra r a condiçã o dos
outros. Sua descrição te m duas características rele vante s: (a)
ela d e fin e " a p io r situ a ç ã o " em fun ç ã o d ofb e m - esta r m a te -
iM O T^T elã define
£ iá E ÍQ ^£ .c o m p a ra £ !q /A rg u m e n ta re i que ambas as cara c
terístic a s são in a d e qu a d a s e que as fa lh a s são tã o sérias que
e xig e m n ã o apenas um a m o dific a ç ã o do te ste de N o z ic k ,
m as seu a b a n do n o. Q u a lq u e r te ste pla u sív e l da a q uisiç ã o!
in ic ia l re sultará apenas em dire ito s de proprie d a d e lim ita d o s. *

B em-estar m a teria l: A ra z ão p e la q u a l N o z ick e nfa tiz a a


p o s s e ^'s T m é s m ó" com o v im o s, é o fa to de serm os in d iv í-
T luos separados, cada u m com sua v id a p ara v iv e r (seção 2."
a c im á j.A p o s s e de si p ró p rio prote g e nossa capacidade de
p ers e guir nossos objetivos, nossas "concepções de nós m es
m o s ", já que p e rm ite que re sista m os a te n ta tiv a s de o utro s
de nos usarem m era m e nte com o m e ios p ara seus fin s ..fie
ri a de e sperar que a descrição de N o z ic k do que é, p ara um
a to de a propria ç ã o, p iora r a condiçã o de o utro s .enfatiz asse
de m a n e ira s im ila r a ca p a cid a de das pessoas de a g ir com
base em sua conce pção de si m esm as e de fa z e r obje çã o a
q u a lq u er a propria ç ã o que coloqu e a lgu é m em um a posiçã o
desnecessária e ind e s e já v e l de subordin a ç ã o e d e p e nd ê ncia
da vonta d e de outros.
O bserve, p oré m , que o fa to de B en agora e star suje ito
às decisões de A m y n ão é consid era do p o r N o z ic k n a a v a lia-
144 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ção da e qüid a d e da a propria ç ã o. N a verd a d e , a a propria ç ã o


de A m y priv a B en de dua s lib e rd a d e s im p orta n te s: (11 ele
n ão gôd e d ar q u a lq u er o piniã o sobr e a con dicã o da te rra
que u tiliz a v a - A m y á pro pria -s e dela n nila te ra lm e n te . sem
p e ffin e m reçe ber,o co n sm tim e A ta .d e Ben;..(21.Ben n ão p o-
de d a r q u a lq u er o p in iã o Sribrç. com o seu tra b a lh o será e m
pregado. lile te m de a ceitar as condições de emprego de A my,
já que, de outra m a n eira, m orrerá e, p orta nto, deve re n un cia r
ao controle do uso de boa p arte de seu tem po. A nte s da a pro
priação, ele pod e te r tid o um a concepção de si com o u m pas
to r viv e n do em h arm o nia com a nature z a. A gora , deve a ba n
d on a r estas ocupações e obedecer às ord e ns de A m y, o que
pod e e n volv e r a tivid a d e s que e xplora m a n a ture z a . D a dos |
estes e fe ito s, B en pod e fic a r em p io r situ a ç ã o p e lo fa to de I
A m y te r se a pro pria d o d a terra , e m bora isso condu z a a u m I
p e qu e no a um e nto em sua re nd a m a te ria l. j!
N o z içie d e v e ria .co n sid e ra r esses.efeitos em sua d e scri
ção da re giã o p e la q u a l a posse de si m e sm o é im p o rta n te s
E le diz que a lib erd a d e de c o n d u z ir nossas vid a s em c o n for
m id a d e com nossa conce pção de b e m é o v a lo r d e fin itiv o ,
tã o im p orta nte que não pod e ser sacrificado p or outros ide ais
sociais (p or e xe m plo, igu a ld a d e de o p ortu n id a d e ). E le a fir
m a que u m intere sse p e la lib e rd a d e das pessoas de co n d u-
z ire m suas vid a s e nco ntra-s e n a base de sua, te oria d os d i-
re ito s de pro prie d a d e irre s trito s : C o n tu d o , sua ju s tific a tiv a
da a propria ç ã o in ic ia l da pro prie d a d e tra ta a a uto n o m ia de
B en com o irre le v a nte .
É intere ss a nte que, e m bora N o z ic k a firm e que B en não
fica em situação p io r d e vido à apropria çã o, ele não exige que
B en consinta na a propria ç ã o. Se o co ns e ntim e nto fosse e xi
gid o, B en p o d e ria m u ito b e m recusar. Se B en está c erto em
recusar, já que isso re a lm e nte o colo c aria em situ a ç ã o p ior,
e ntã o, a a propria ç ã o n ão d e v eria ser p e rm itid a . T alve z B en
estivesse erra do em recusar, já que o g a nho em b e m -e sta r
m a te ria l sup eraria a p erd a de a utonom ia . N e ste caso, p od e
ría m os p e rm itir a a propria ç ã o de A m y com o um ato de p a
te rn a lism o . N o z ick, p oré m , a firm a ser co ntra ta l p a te rn a lis-
O LIB E R T A RISM O 145

m o. Por e xe m plo, ele é contra os seguros de saúde espíanos


de pensã o o brig a tó rio s que são in s titu íd o s p ara o p ró p rio
b e m do povo. C o ntu d o , a propria r-s e de pro prie d a d e p ri
vada pod e c o n tra ria r a vo nta d e de um a pessoa ta n to q u a n
to pod e a im p o siç ã o de um trib u to a ela. Parece que N o z ic k!
opõ e-se ao p a te rn a lism o qu a ndo este ameaça os dire ito s de* ¡ s
pro prie d a d e , mas o invoca de boa vo nta d e qu a ndo é n ece s-j ’
sário g erar dire ito s de proprie d a d e . Se e xcluirm os o p atern a-f
lis m o e e nfa tiz a rm o s a a uto n o m ia , com o o p ró p rio N o z ic k
fa z em outra s p artes de sua te oria , então, ju stific a r a a pro pria -
ção priv a d a to m a -s e m u ito m ais d ifíc il (cf. K erno h a n , 1988:
70; C oh é n, 1986a: 1277135). "

R estrição a rb itrá ria das opçoes-, A clá usula de N o z ic k d iz ,


que u m a to de a propria ç ã o n ã o deve d e ix ar os o utro s em si-
ju a ç a o piorT do qu e a qu e la em que e sta va m q u a n do a te rra
era de uso com um . Isso, porém , ignora m uita s possibilid a d e s
re le v a nte s. D ig a m o s que B en, pre ocup a do com a p o s s ib ili
dade de A m y a propriar-s e u nila te ra lm e n te da terra , d e cidis
se a propria r-s e d ela p ara si e, e ntã o, oferecesse a A m y um
s a lário p ara que tra balh a sse no que agora é sua terra , m a n
te n d o p ara si o grosso dos b e n e fício s do a um e nto da p ro
d u tivid a d e . Isso ta m b é m passa no teste de N o z ick. N o z ic k
consid era irre le v a nte que m fa z a a propria çã o e quem conse
gue os lucros, co nta nto que que m n ão fe z a a propria çã o não
fiq u e em situ a çã o p io r p o r causa d ela. N o z ick, na verd ad e ,
está a c e ita ndo um a d o u trin a de a propria ç ã o do tip o "q u e m
che ^ p n m e S õ n ê v a ^ • M a s p o r q u e , d e ve m os a c e ita r isso
com o u m processo de a propria ç ã o ju s to em ..vez de, p or
exem p lo , u m siste m a q u e ig u a le as chances, d e sa propria .-,
,ç ! q Z Q u a l está m a is a lin h a d o com nossas in tu iç õ e s a re s
p e ito da e qüid a d e ou com a pró pria d escrição de N o z ic k de
nossos intere sse s? O v a lo r m a is im p o rta n te - nossa ca p a
cid a d e de c o n d u z ir nossas pró pria s vid a s - deve ser d e p e n
d e nte da a rb itra rie d a d e de um a d o u trin a de "q u e m ch eg ar
p rim e iro , le v a "?
C onsidere outra possibilid a d e . Dessa ve z, B en, que é um
m e lh or org a niz a dor do tra b a lho, a propria-s e da terra e org a-
146 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

n iz a u m a u m e n to a in d a m a io r d e p ro d u tiv id a d e , p e rm itin d o
q u e a m bos co n sig a m m a is d o qu e c o n s e g uia m q u a n d o A m y
se a pro p rio u d a te rra . A m b o s e stã o e m p io r situ a ç ã o qu a ndcí
A m y fa z a a p ro p ria ç ã o d o qu e e sta ria m q u a n d o B e n fa z a]
a pro pria ç ã o . N ã o o b s ta n te , N o z ic k p e rm ite q u e A m y fa ç a!
a a pro pria ç ã o e n e g a qu e B e n, co m isso , fiq u e e m situ a ç ã o
p io r, já qu e ele se s a i m e lh o r co m a a pro pria ç ã o d e A m y d o
qu e se saía com o uso co m u m d a te rra , qu e é a ú n ic a p o s s ib i
lid a d e q u e N o z ic k c o n sid e ra re le v a n te .
E se, fin a lm e n te , A m y e B e n se a propria ss e m d a te rra co
le tiv a m e n te , e x e rc e n d o d ire ito s d e pro p rie d a d e e m c o n ju n
to e d iv id in d o o tra b a lh o d e m a n e ira cons e nsu a l? Se a a prori
pria ç ã o v a i o c o rre r e n tre u m a c o m u n id a d e d e p o ssuid ore : |
d e si m e sm os, e n tã o , B e n d e v e ria te r a opç ã o d e poss e cole
tiv a e m v e z d e s er p riv a d o u n ila te ra lm e n te p o r A m y d e su;
c a p a cid a d e d e p e rs e g u ir su a p ró p ria conc e pç ã o d e si. C orr
c e rte z a , e sta é u m a p o s s ib ilid a d e re le v a n te , c u ja e x is tê n cia
colo c a e m q u e stã o a le g itim id a d e de q u a lq u e r a to d e a p ro
pria ç ã o u n ila te ra l qu e d e ix e a o u tro s acesso in s u fic ie n te a re
cursos q u e os s u ste n te m .
S e g u n d o a clá u s u la d e N o z ic k , to d a s estas p o s s ib ilid a
des são irre le v a n te s^ N ã o im p o rta p a ra a l e g itim id a d e d e um a
a pro pria ç ã o q u e a lg u m a o u tra a pro pria ç ã o s irv a m e lh o r os
...intere ss e s m a te ria is d a s p e sso a s.o u su a a u to n o m ia. M a s,
c o m o to d a s e sta s o p çõ e s sã o g e n u ín a s e c o m o c a d a o p ç ã o
p o u p a a lg u é m d e u m m a l q u e o c orre rá sob o e sq u e m a d e
N o z ic k , N o z ic k pre cis a e x plic a r p o r qu e as pessoas n ã o fic a m
e m situ a ç ã o p io r q u a n d o são e xcluíd a s. In fe liz m e n te , N o z ic k
sim p le s m e n te ig n o ra e stas p o s sib ilid a d e s .
E ste s pro b le m a s c o m a clá u s u la d e N o z ic k se to rn a rã o
m a is cla ro s se n o s m o v e rm o s p a ra o n ív e l d o c a p ita lis m o
c o m o siste m a c o n tín u o . O s a to s d e a pro pria ç ã o in ic ia l q u e /,
N o z ic k p e rm ite lo g o le v a rã o a u m a situ a ç ã o n a q u a l n ã o ha-MLf
v e rá m a is d is p o n ib ilid a d e d e coisas ú te is qu e n ã o p e rte n ç a m * ;
a n in g u é m . O s qu e co n s e g uira m se a pro pria r p o d e m te r u m a íf ‘
v a sta riq u e z a , a o p a sso q u e os o u tro s fic a m se m q u a lq u e r
p ro p rie d a d e . E stas dife re n ç a s serã o passada s p a ra a g era ç ã o
O LIB E R T A RISM O 147

s e g u in te , n a q u a l a lg u n s serã o o brig a d o s a tra b a lh a r co m


p o u c a id a d e , a o p a sso qu e o u tro s te rã o to d o s os p riv ilé g io s
n a v id a . Isso é a c e itá v e l p a ra N o z ic k c o n ta n to qu e o siste m a
d e a pro p ria ç ã o ,e tra n s fe rê n cia co n tin u e a s a tis fa z e r a c lá u
s u la lo c k ia n a - is to é, a ssim c o m o os a tos in d iv id u a is d e
à ^ T O ã c ã cu E ^^^S ^gtirr^s e n ã&jd e ix a x a a a pfc S S Q a s e m
situ a ç ã o p io r d o q u e a qu e la e m qu e e sta v a m q u a n d o o m u n
do" n ã o "p e rte n cia a n in g u é m , o c a p ita lis m o c o m o siste m a
Õ õ fiS fm õ é iu s to .se. n in g u é m fit a r e m s itu a ç ã o p io r d o q u e
a qu e la e m q u e e sta ria se m a priv a tiz a ç ã o d o m u n d o e xte rior.
N o z ic k in v o c a d e scriçõ e s fa m ilia re s d a p ro d u tiv id a d e e
d a cria ç ã o d e riq u e z a d o c a p ita lis m o p ara s u ste n ta r a a firm a
çã o d e qu e o c a p ita lis m o passa n e ste te ste (1 9 7 4 :1 7 7). O b -

ta n te a so bre viv ê n d a ^lo s^ a re n te s-d e -p ro p rie d a d e . d e p e n d e r


de os d e te ntore s d e pro prie d a d e qu e re re m com pr a r se u tra b a -
T Kõ e a p e s ar d e a lg u m a s pessoas p o d e re m , m o rre r d e fo m e
“ p e fo T a to d e n in g u é m q u e re r c o m p ra r se u tra b a lh o . Isso é
a c e itá v e l p a ra N o z ic k , já qu e as pe sso a s q u e n ã o p o ssu e m
h a b ilid a d e s c o m e rciá v e is te ria m m o rrid o d e fo m e d e q u a l
q u e r je ito se a te rra p erm a n e ce sse n ã o possuíd a . O s d e s titu í
d o s d e p ro p rie d a d e c are c e m d e u m a q u e ix a ju s ta p o rq u e
" e sta s pessoas sem pro prie d a d e q u e co ns e gu e m v e n d e r sua
forç a d e tra b a lh o [...] co n s e g u irã o , p e lo m e n o s, ta n to e p ro
v a v e lm e n te m a is , e m tro c a d e la d o qu e p o d e ria m te r e sp e
ra nç a d e c o n s e g u ir a p lic a n d o -a e m u m e sta d o d e n a ture z a
lo c kia n o , e as pessoas sem pro prie d a d e c ujo tra b a lh o n ã o v a
le a p e n a com prar, apesar de pod ere m , n o e sta do de n ã o b e m -
e star d e N o z ic k , m o rre r [...] te ria m m o rrid o de q u a lq u e r m a
n e ira n o e sta d o d e n a tu re z a " (C o h e n , 1986b: 85 n . 11).
E sta é u m a e xig ê n cia a b s urd a m e n te fra c a . N ã o é s u fi
cie n te q u e o c a p ita lis m o irr e s trito n ã o d e ix e as p essoas e m
situ a ç ã o p io r d o qu e a q u e la e m qu e e sta ria m se m n e n h u m a
a pro pria ç ã o priv a d a . E stas n ã o são as du a s ú nic a s opçõ e s re
le v a nte s p ara ju lg a m e n to s a re sp e ito d a le g itim id a d e d a a pro
p ria ç ã o ^! á b surd o d ig e r q u e u m a pe sso a qu e m orre d e fo m e
n ã o fic a e m situ a ç ã o p io r com o siste m a d e a p ro p ria ç ã o d e
148 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

N o z ic k , q u a n d o h á o u tro s siste m a s n o s q u a is .esta.pe.gs.Qil,


n ã o te ria .m o rrid o ,, A re cus a d e N o z ic k e m c o n s id e ra r e stas
o u tra s p o s s ib ilid a d e s é a rb itrá ria e in ju s ta .
O te ste p a ra u m a a pro pria ç ã o le g ítim a , se e la tiv e r q u e
tra ta r ca d a p e sso a co m ig u a l co n sid e ra ç ã o , d e v e c o n sid e ra r
to d a s as p o s s ib ilid a d e s re le v a n te s , te n d o e m m e n te o in t e
resse d a s p essoas q u a n to a b e ns m a te ria is e a u to n o m ia . P o
d e m o s m o d ific a r a clá u sula lo c k ia n a p a ra in c lu ir e sta s c o n
sid era çõ e s e, a o m e sm o te m p o , co n s e rv a r sua id é ia in tu itiv a
d e q u e o te ste p a ra a a pro pria ç ã o é d e te rm in a r se e la p io ra
o u n ã o a co n diç ã o d e a lgu é m ? P od ería m os d iz e r qu e u m sis
te m a d e a pro pria ç ã o p io ra a c o n drç^^ d e a lg u é m se houvesse ,
o u tro e squ e m a p o s sív e l n o q u a l esse a lg u é m pud e sse s air-s e
m e lh o r. In fe liz m e n te , to d o siste m a d e d is trib u iç ã o d e p ro
prie d a d e n ã o p a ssará n e ste te ste . A pessoa q u e carece d e h a
b ilid a d e s com e rciá v e is e sta ria e m p io r situ a ç ã o n o c a p ita lis
m o p uro de N o z ic k d o qu e e sta ria sob o p rin c íp io d a d ife re n
ça d e R a wls; a p e s s o a c o m ta le n to s co m e rciá v e is e sta ria e m
situ a ç ã o p io r sob o re g im e 'de R á w ls d o qu e só F õTde N o z ic E T
E m q u a lq u e r siste m a d a d o , h a v e rá a lg u é m qu e se s a iria m e
lh o r e m o u tro siste m a . E ste te ste , d e q u a lq u e r m a n e ira , n ã o
é ra z o á v e l, p o is n in g u é m te m u m d ir e ito le g ítim o d e q u e o
m u n d o seja m á x im a m e n te a d a p ta d o p a ra se a ju s ta r a su a s
pre fe rê n cia s . O fa to d e q u e h á u m a rra n jo p o s s ív e l n o q u a l
e u e sta ria e m m e lh o r situ a ç ã o n ã o d e m o n stra q u e o siste m a
e x is te n te m e p re ju d ic o u e m q u a lq u e r s e n tid o m o ra lm e n te
s ig n ific a tiv o . Q u e re m o s s a b er se u m siste m a d e a pro pria ç ã o
d e ix a o u n ã o as pe sso a s e m situ a ç ã o p io r, n ã o e m c o m p a ra
çã o co m u m m u n d o m á xim a m e n te a d a p ta d o aos seus in t e
resses e sp e cífico s, m a s e m com p a ra ç ã o c o m u m m u n d o n o
q u a l seus inte re ss e s são e q ü ita tiv a m e n te a te n d id o s .
É u m te ste d e ju s tiç a in s u fic ie n te q u e as p essoas se b e
n e fic ie m e m re la ç ã o a o e sta d o in ic ia l d a s poss e s co m u n s .
¡ C o n tu d o , as p e sso a s ta m p o u c o p o d e m e x ig ir qu e te n h a m
s eja q u a l fo r o siste m a qu e as b e n e fic ie m a is. A clá u s ula re
q u e r u m te rre n o in te rm e d iá rio . É d ifíc il d iz e r q u a l é e ste t e r
re n o in te rm e d iá rio o u q u ã o d ife re n te s eria dos p rin c íp io s de
O U B E R T A RISM O 149

R a w ls e D w o rk in . Jo h n A rth u r a rg u m e n ta q u e o te ste a d e
q u a d o é u m te ste ig u a litá rio - a a pro pria ç ã o p iora a co n diç ã o
d e a lg u é m se, c o m o re s u lta d o , e le co ns e gu e m e n o s d o q u e
urn a p a rc e la ig u a l d o v a lo r dos re cursos n a tu ra is d o m u n d o .
E sta é a ú n ic a d e cis ã o qu e fa z s e n tid o , a rg u m e n ta , 'l à lu z
d o fa to d e qu e [c a d a p e sso a] te m ta n to d ir e ito a o s re curso s
q u a n to q u a lq u e r o u tra . E la n ã o n a sce u m e re c e n d o u m a p a r
c e la m e n o rjd a riq u e z a d a tenra n e m o u tra p e sso a te m d ire ito
n a tura lm e n te a u m a p a rc e la m a io r d o q u e a m é d ia " (A rth u r,
Í9 8 7 : 344; cf. S tein er, 1977:4 9). C oh e n a rg um e nta que o p rin
c íp io d a d ife re n ç a d e R a w ls p o d e ria fo rn e c e r u m p a drã o
e q ü ita tiv o d e a p ro p ria ç ã o le g ítim a ( C o h e n , 1986 a: 1 3 3-4).
O u tro s te ste s possív e is c o n d u z iria m a re s u lta d o s dife re n te s ,
m a s n e n h u m te ste p la u s ív e l p e rm itiria os d ire ito s d e p ro
prie d a d e irre s trito s d e N o z ic k .
Se a clá u sula re co n h e c e r o le q u e c o m p le to d e intere ss e s
e p o s s ib ilid a d e s q u e os p o s s uid ore s d e si m e sm os tê m , e n
tã o , e la n ã o g e ra rá d ire ito s irre s trito s sobre q u a n tid a d e s d e
sigu a is d e re cursos. A lg u m a s pessoas fic a rã o .e ra situ a c ã o p io r
d e m a n e iras im p o rta n te s, e m co m p a ra ç ã o c o m p o s s ib iM a -
d e s m o ra lm e n te irre le v a n te s .£ m .u m .siste m a q u e p e rm i t a às
p e sso a s a pro p ria re m -s e d e q u a n tid a d e s d_ e s ig u a is d o .m u n-
d o e xte rio r,, E se, c o m o o p ró p rio N o z ic k d iz , " o d ir e ito d e
posse d e ca d a p ro p rie tá rio sobre seus b e ns in c lu i a som bra
h is tó ric a d a clá u s u la lo c k ia n a sobre a a p ro p ria ç ã o " , e n tã o ,
e m q u a lq u e r in te rpre ta ç ã o pla u sív e l, " a som bra la nç a d a [p e la
clá u sula ] e n v o lv e tã o in te ira m e n te ta is d ire ito s d e posse qu e
os to m a in d is c e m ív e is " (S te in er, 1977:4 8; N o z ic k , 1974:1 80).
Q u a lq u e r d ir e ito d e p o sse .qu e as. p e sso a s P Q S.s_ui.doas.dg.si
m e sm a s te n h a m sobre re cursos d e sigu a is será a lta m e n te q u a
lific a d o p e la s re ivin d ic a ç õ e s dos .c are nte s d e p ro prie d a d e . .

A posse in ic ia l do mundo. H á o u tro p ro b le m a n a clá u sula


d e N o z ic k qu e b lo q u e ia a m u d a n ç a d a poss e d e si m e sm o
p a ra o c a p ita lis m o irre s trito . R e cord e m e u re s u m o d o a rg u
m e n to de N o z ic k :
150 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

1. A s p e sso a s p o ssu e m a si m e sm a s.
2 . O m u n d o in ic ia lm e n te n ã o p e rte n c e a n in g u é m .
3. V ocê p o d e a d q u irir d ire ito s a b s olu to s sobre u m a p a r
c e la d e s p ro p o rc io n a l d o m u n d o se n ã o p io ra r a c o n
d iç ã o d o s o u tro s .
4. É re la tiv a m e n te fá c il a d q u irir d ire ito s a b s olu to s sobre
u m a p a rc e la d e s p ro p o rc io n a l d o m u n d o . P orta n to :
5. U m a v e z q u e a pro p rie d a d e p riv a d a fo i a pro pria d a ,
u m m e rc a d o liv re d e c a p ita l e tra b a lh o é m ora lm e n te
e xig id o .

M e u p rim e iro a rg u m e n to d iz ia re s p e ito a o ite m (3) de


re su m o d a in te rp re ta ç ã o d e N o z ic k , o q u a l re v e lo u ser m u i
to fra c o , d e m o d o q u e o ite m (4) é fa ls o . H á , p oré m , u m s e
g u n d o p ro b le m a . P or q u e a c e ita r o ite m (2), a a firm a ç ã o d e
qu e o m u n d o in ic ia lm e n te n ã o p e rte n c e a n in g u é m e, p o r
ta n to , e stá liv re p a ra s er a rre b a ta d o ? P or q u e n ã o s u p or que»
o m u n d o é p o s s u íd o c o n ju n ta m e n te , d e t a l m o d o qu e c a d a |
pe sso a te n h a d ir e ito a o p o r u m v e to ig u a l à a lie n a ç ã o d a l
te rra (E xd e ll, 1 9 7 7:1 4 6-9; C o h e n , 1 9 8 6 6:8 0-7)? N o z ic k n u n -f
ca co n sid e ra e sta opç ã o, m a s o u tro s , e n tre ele s a lg u n s lib e r
tá rio s , a firm a m qu e é a conc e pç ã o m a is d e fe n s á v e l d a posse
d o m u n d o (o p ró p rio L o ck e a cre dita v a qu e o m u n d o , in ic ia l
m e nte , p e rte n cia a to d o s , n ã o a u m , p o is D e u s " d e u o m u n
d o e m c o m u m aos h o m e n s " - cf. C h ris tm a n , 1 9 8 6 :1 5 9-6 4).
O q u e a c o n te c e ria se o m u n d o foss e p o s s u íd o c o n ju n
ta m e n te e, p o rta n to , n ã o e stive sse s u je ito à priv a tiz a ç ã o u n i
la te ra l? H á u m a v a rie d a d e d e re s u lta d o s p o ssív e is, m a s, e m
g e ra l, ele s n e g a rã o ãs im p lic a ç õ e s in ig u a litá ria s d a poss e d e
si m e sm o . P or e x e m p lo , os d e sfa v ore cid o s p o d e m u s a r seu
v e to p a ra b a rg a n h a r u m e squ e m a d is trib u tiv o co m o o p rin
c íp io d a dife re n ç a d e R a wls. D e sta m a n e ira , p o d e ría m o s ch e
g a r a u m a d is trib u iç ã o ra w ls ia n a , n ã o p o rq u e n e g u e m o s a
posse d e si m e sm o (d e t a l m o d o qu e os d e sfa vore cid o s p o s
sam te r u m d ire ito d ire to a nte os fa vore cidos),. m a s jw rq u e
som os p ro p rie tá rio s c o n ju n to s d o m u n d o e x te rio r (d e ta l
m o d o q u e os d e s pro vid o s d e ta le n to s poss a m v e ta r usos d a
te rra q u e b e n e fic ie m os ta le n to s o s se m b e n e fic iá -lo s ta rn -
O U B E R T A RISM O 151

b é m ). U m re s u lta d o s im ila r ta m b é m p o d e ria s u rg ir se vísse


m os o m u n d o e x te rio r n ã o co m o liv re p a ra s e r a rre b a ta d o
n e m com o p o ssu íd o c o nju n ta m e n te , m as d iv id id o ig u a lm e n
te e n tre to d o s os m e m bro s d a c o m u nid a d e h u m a n a (C o h e n ,
1 9 8 6 b : 8 7 -9 0 ).
Todas e stas d e scriçõ e s d a co n diç ã o m ora l d o m u n d o ex-l¡
te m o são c o m p a tív e is com o p rin c íp io d a posse d e si m e s m o j
já q u e a poss e d e si m e sm o n ã o d iz n a d a so bre q u a l tip o d e l
posse te m o s sobre os re curso s e xte riore s . E , n a v e r d a d e j á j
rio s lib e rtá rio s e nd o ss a ra m estas o u tra s opçõ e s4. C a d a u m a
d e sta s o pçõ e s te m d e s er a v a lia d a e m 'T u n ç ã o dos v a lore s
su bja c e n te s co m os q u a is N o z ic k profe ss a se im p o rta r. N o
z ic k n ã o com e ç a e sta a v a lia ç ã o , m a s e stá cla ro q u e d ir e ito s
d e pro prie d a d e abso lu to s sobre q u in h õ e s d e sig u a is d o m u n -
3 o só s e rã o a ss e g ura d o s se inypx a nn a osq 3rerrüss a& frar.as.,e
ã fb ltr ã m s a re s p e ito d a a pro pria ç ã o e d a c o n d iç ã o d õ in u n -
d o e xte rior.

(c) A posse de si mesmo e a igu ald a d e

T e n te i d e m o n s tra r q u e o p rin c íp io d a poss e d e si m e s


m o n ã o g era p o r s i só u m a d efe s a m o ra l d o c a p ita lis m o , já
q u e u m c a p ita lis ta n ã o e xig e a p e n a s a poss e d e s i m e sm o,
m a s ta m b é m a posse d e re cursos5. N o z ic k a cre dita qu e a p o s-

4. O s prim e iro s lib e rtá rio s reconheceram as dificuld a d e s in tra n sp o n í


veis para a ju stific a ç ã o da a propriaçã o desigual do m undo que inicia lm e nte
não p erte ncia a ningu é m , e m uito s deles aceitaram (re luta nte m e nte) a n a cio
naliz a ção da terra (SÍteitjêfr; 1981: 5 6 1-2; V og el, 1988). M esmo Locke parecia
p e nsar qu e a posse d e sigu al da proprie d a d e nã o jx x llê titt 'ò n p 5 ã £ ii.3 iL n e -
nhurrT HIrê ito de a propria çã o in d ivid u a l.iE la e xigia o cons e ntim e nto coletivo,
na form a de um a aceitação de din h e iro (C hristm a n, 1986:163). E m seu le v a nta
m e nto do lib e rta rism o contem porâneo, N orm a n B arry argum e nta qu e n e n h u-
ma d ^ flfa ra rtÇ P vçrsões do ^ f á t a ris iñ S ftitflita ris m o . co n tra tu a lism oi d ire i
tos n a tura is, egoísta) te m um a de scriçã o adequada do títu lo o rig in a l (B arry,
1 9 8 6 :9 0 -3 , 100-1, 1 2 7 -8 ,1 5 8 ,1 7 8 ).
5. A n dre w K e m oh a n argum e nta que a posse de si m esmo re alm e nte
nos diz algo sobre a posse da proprie d a d e . Ele argum e nta que alguns dos d i4
re ito s d e corre ntes da posse de si m esmo acarretam logica m e nte acesso aosj
152 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

se d e si m e sm o co n d u z in e vita v e lm e n te a d ire ito s d e p ro p rie


d a d e irre s trito s , m a s, n a v e rd a d e , s orn o s-c o n fro n ta d o s p o r ,
u m a v a rie d a d e d e re g im e s e co n ô m ic o s q u e são c o m p a tív e is
c o m a poss e d e s i m e sm o , d e p e n d e n d o d e noss a te oria -d e
a pro pria ç ã o le g ítim a e d e n o s so s.pre ssu p o sto s a re s p e ito d a
co n diç ã o d o m u n d o e x te rio n -N o z ic k a cre dita qu e a posse de
^ m e sm o " e xig e q u e as p e sso a s te n h a m d ir e ito a to d a s as
re co m p e n s a s d e su a s tro c a s d e m e rc a d o , m a s q u e re g im e s
d ife re n te s v a ria m q u a n to à e xte n s ã o e m qu e p e rm ite m qu e
in d iv íd u o s co m poss e d e si m e sm o s re te n h a m su a s re c o m
p e nsa s de m erc a d o . A lg u n s p e rm itirã o qu e os n a tura lm e n te
ta le n to s o s tra d u z a m suas v a n ta g e n s n a tu ra is e m posse d e
sig u a l d o m u n d o e x te rio r (a p e sar d e n ã o n e c e ss aria m e nte n a
e xte ns ã o p e rm itid a p o r N o z ic k ); o u tro s re d is trib u irã o a re n
d a d e m erc a d o d e m a n e ira qu e asse gure qu e os n a tu ra l
m e nte d e sfa vore cid o s te n h a m acesso ig u a l aos re curso s
(co m o e m R a w ls o u D w o rk in ). A posse d e si m e sm o é c o m
p a tív e l co m to d a s essas opçõ e s.
Q u a is N o z ic k p re fe riria ? P od e m os s u p o r.q u e p re fe riria
os re gim e s qu e d e ix a ss e m os d ire ito s d e p ro p rie d a d e tã o ir-
re s trito s q u a n to p o s s ív e l..B le p o d e nos d a r q u a lq u e r ra z ã o
p a ra p re fe rir ta is re gim e s lib e rtá rio s a re gim e s ig u a litá rio s l i
b era is? Posso p e n s a r e m trê s a rg u m e n to s q u e e le p o d e ria
ofere c er, tis te s a rg u m e n to s v a le m -s e d e a sp e ctos d a id é ia d e
posse de si m e sm o, m a s ta m b é m v ã o alé m , já qu e a id é ia , p o r
si, é in s u fic ie n te p a ra id e n tific a r u m a d is trib u iç ã o ju s ta . U m
a rg u m e n to d iz re sp e ito ao c o n s e n tim e n to , o s e gund o d iz re s
p e ito à id é ia d e a u to d e te rm in a ç ã o , o te rc e iro , à d ig n id a d e .

re cuigos. P o ssuir nossos pod ere s, n o s e n tid o ju ríd ic o m a is co m p le to , a c arre ta o


d ire ito ao e x ercício d e stes pod ere s, e isso e xig e o d ire ito de e xercerm os nós
m esm os estes pod ere s, o d ire ito g e re n cia d or, de d e c id ir qu e m m a is pod e e x er-
c ê -lo s, e o d ire ito de re nd a , sobre q u a lq u e r b e n e fício qu e d e corra d o seu e x ercí
c io . N e n h u m desses d ire ito s p o d e s er s a tis fe ito sem c e rto s d ire ito s sobre os
re cursos (K e m oh a n, 1988: 6 6-7). C o n tu d o , esta lig a ç ã o ló g ic a e n tre a posse de
si m e sm o e a posse de p ro p rie d a d e a in d a d e ix a u m a m p lo le q u e d e re gim e
d e p ro p rie d a d e le g ítim o s . W a v e rd a d e , o ú n ic o re g im e qu e ela e x clu i é ju sta
m e n te a qu ele qu e N o z ic k d e seja d e fe n d e r - is to é, u m re g im e e m qu e a lgum a
pessoas carecem de q u a lq u e r acesso aos re cursos. S e gundo K e m o h a n , esta au
s ê ncia de posse de p ro prie d a d e é um a negação d e sua posse d e s i m esm o.
O U B E R T A R1SM0 153

N o z ic k p o d e ria d iz e r q u e a e s c olh a d o re g im e e c o n ó
m ic o d e v e s er d e c id id a , se p o ssív e l, p e lo c o n s e n tim e n to d e
pessoas c o m poss e d e si m e sm a s.-E, e le p o d e ria a firm a r, to
d a s as p e sso a s co m poss e d e si m e sm a s e s c o lh e ria m u m
re g im e lib e rtá rio se lh e s coub e sse e scolh er. Isso, p oré m , e s
tá e rra d o . C o m o vim o s , o p ró p rio e squ e m a de a q uisiç ã o de
N o z ic k d e p e n d ia d e B e n n ã o te r d e d a r seu c o n s e n tim e n to
à a pro pria ç ã o d e A m y . Pessoas, d ife re n te s se s a iria m m e lh o r
e m re g im e s e c o n o m y
re gi m e s J ife re n te s .\R )d e ría m o s te n ta r a ss e gurar o c o n s e n ti
m e n to u n â n im e b u sc a nd o co n c ord â n cia a trá s d e u m v é u de
ig n o râ n c ia , c o m o fa z R a w ls. Isso, p oré m , n ã o a ju d a ria N o
z ic k , já qu e , c o m o v im o s , c o n d u z a re s u lta d o s lib e ra is , n ã o
lib e rtá rio s .
S e g u n d o , N o z ic k p o d e ria a firm a r q u e os pre ssu p o sto s
qu e le v a m a re s ulta d o s lib e ra is , a p e sar d e form a lm e n te c o m
p a tív e is com a posse d e si m e sm o, n a v e rd a d e m in a m o v a lo r
d a poss e d e s i m e sm o . P or e x e m p lo , o pre s s u p o s to d e q u e
o m undo c
a p ro p ria d o c o le tiv a m e n te a n u la ria o v a lo r d a p o ss e d e s i
m e sm o,/ P ois com o se p o d e d iz e r qu e p o ssu o a m im m e sm o
"se n ã o posso fa z e r n a d a sem a p e rm is s ã o d e o utro s? E m u m
m u n d o d e posse c o n ju n ta , A m y e B e n n ã o p o s s u iria m c o n
ju n ta m e n te n ã o a p e n a s o m u n d o , m a s ta m b é m , n a v erd a d e ,
u m a o o u tro ? A m y e B e n p o d e m te r d ire ito s líc ito s sobre s i|
m e sm o s (a o c o n trá rio d o e scra vo, q u e era u m b e m m ó v e l)!
m a s care c e m d e acesso in d e p e n d e n te aos re cursos. S eus d i-r
re ito s líc ito s d e posse d e si m e sm os, p o rta n to , são p u ra m e n
te fo rm a is , já q u e u m pre cis a rá d a p e rm is s ã o d o o u tro s e m
p re q u e d e s e ja r u s a r re c urs o s n a busc a d e se us o b je tiv o s .
D e v e m o s s e le c io n a r u m re g im e q u e c o n te n h a n ã o a p e n a s
a posse fo rm a l d e s i m e sm o , m a s ta m b é m u m a posse m a is
s u b sta n tiv a d e si m e sm o, qu e forn e ç a u m c o n tro le e fic a z so
bre noss a p ró p ria v id a .
A c o m p a n h a n d o C h a rle s F rie d , u s a re i o te rm o " a u to d e
te rm in a ç ã o " p a ra
d e posse d e si m e sm o. E le d iz q u e e la re q u e r u m " d o m ín io
154 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

d e te rm in a d o [...] liv re d a s re ivin d ic a ç õ e s dos o u tro s " (F rie d ,


1983: 5 5). D e m a n e ira s im ila r, Jon E ls te r d iz q u e a poss e
s u b sta n tiv a d e si m e sm o e n volv e " o d ire ito dg e scolh e r qu a is
das nossas c a p a cid a d e s d e s e n v o lv e r" (E lster, 1 9 8 6:1 0 1). C o
m u m a a m b a s as in te rp re ta ç õ e s d a poss e s u b s ta n tiv a d e si
m e sm o e stá a id é ia d e qu e , n a s áre as c e n tra is d e nossa vid a ,
n o s nossos p ro je to s m a is im p o rta n te s , d e v e m o s s e r liv re s
p a ra a g ir co m b a se e m nossa s p ró p ria s conc e pçõ e s d o b e m .
A m b o s a rg u m e n ta m qu e re s p e ita r a a uto d e te rm in a ç ã o é p a r
te im p o rta n te d e se tr a ta r as p e sso a s c o m o fin s , n ã o co m o
m e io s, c o m o in d iv íd u o s d is tin to s , cada u m co m su a p ró p ria
v id a a le v ar.
P enso qu e N o z ic k re c orre à conc e pç ã o fo rm a l e à c o n #
ce pç ã o s u b s ta n tiv a d e posse d e si m e sm o . E le d e fe n d e e x ®
p lic ita m e n te a co n c e pç ã o fo rm a l, q u e lid a co m os d ire ito s
le g ítim o s sobre o nosso ser físico . C o n tu d o , p e lo m e nos p a r
te d a d e fe s a d e N o z ic k d a posse fo rm a l d e si m e sm o é qu e
e la pro m o v e a poss e s u b s ta n tiv a d e si m e sm o - pro m o v e
noss a c a p a cid a d e d e a tu a r co m base e m noss a conc e pç ã o
d e n ó s m e sm os. P orta nto ,jD a re c e p la u s ív e l a u e bjfo z icjç. e n
d o ss a ria a-e scolh a d o re g im e qu e pro m o v e d a rn e lh o r m a -
n e ira a..pQSSe.J5übstantiya d e s i m e sm o, (s e m as lim ita ç õ e s
im p o s ta s p e la poss e fo rm a l d e*si m e sm o). E m b ora re gim e s
e c o n ô m ic o s d ife re n te s s e ja m c o m p a tív e is co m a poss e fo r
m a l d e si m e sm o , e le p o d e ria a rg u m e n ta r qu e os re g im e s
lib e ra is to rn a m a poss e d e si m e sm o p u ra m e n te fo rm a l, ao
p a sso q u e os re g im e s m a is lib e rtá rio s a ss e gura m a posse
s u b s ta n tiv a d e s i m e sm o , já q u e os d ire ito s d e p ro p rie d a d e
lib e rtá rio s d e ix a m as p e sso a s liv re s p a ra a g ir sem a p e rm is
são dos o u tro s .
Isso, p oré m , n ã o fu n c io n a rá , p ois.-pm u m rp g im p lih e x »
d á ria ^ a n e n a s-a lg u m a s p e ssoas p o d e m tr a d u z ir su a p o s s e .,
fo rm a l d e si m e sm o e m a u to d e te rm in a ç ã o s u b s ta n tiv a . O s
lib e rtá rio s n ã o p o d e m g a ra n tir a c a d a p e sso a u m c o n tro le
s u b s ta n tiv o sobre sua v id a e, n a v e rd a d e , N o z ic k d iz e x p líc i
ta m e n te qu e a poss e fo rm a l d e si m e sm o é tu d o o qu e as
pessoas p o d e m re iv in d ic a r le g ítim a m e n te . E le d iz qu e o o p e -
O UB E RTAR1SM O 155

rá rio q u e care ce d e q u a lq u e r p ro p rie d a d e e te m d e v e n d e r


se u tra b a lh o ao c a p ita lis ta e m te rm o s a dv e rso s te m p le n a
poss e d e si m e sm o (1974: 2 6 2-4). E le te m p le n a poss e d e si
m e sm o a p e s a r d e , re c o n h e c e N o z ic k , p o d e r s e r fo rç a d o a
c o n c ord a r com q u a is q u e r te rm o s qu e o c a p ita lis ta e ste ja lh e
o fe re c e n d o p a ra s o bre viv e m A " c o n c o rd â n c ia " re s u lta n te
p o d e ria m u ito b e m , co m o n a In g la te rra v ito ria n a , e q u iv a le r
e s s e n cia lm e n te à e scra viz a ç ã o d o o p e rá rio . O fa to d e q u e o
o p e rá rio te m d ire ito s form a is d e posse d e si m e sm o s ig n ific a
q u e ele n ã o p o d e ser posse le g a l d e o u tra p e sso a (a o c o n trá
rio d o e scra vo), m a s qu e a n e c e ssid a d e e co n ô m ic a p o d e fo r
ç á -lo a c o n c ord a r com te rm o s qu e são ig u a lm e n te a dversos.
A fa lta d e pro p rie d a d e p o d e s er tã o o pre ssiv a q u a n to a
fa lta d e d ire ito s le g ítim o s . C o m o d iz M ill:

N ã o m ais escra viz a d a ou to rn a d a dep e n d e nte p o r forç a


de le i, a gra nd e m a ioria o é p e la forç a da p o bre z a ; ain d a está
a corre nta d a a ürn lu g a r, a um a o cu p acão e à c o n fo rm id ade
com a v o nta d e de u m e m pre g a dor e está priv a d a , p e lo a ci-
d e nte do n a scim e nto, dos pra z eres e das va nta ge ns m e ntais e

te de m é rito . Q u e isso seja u m m a l ig u a l a quase q u a lq u e r um


dos m ale s com que a h u m a n id a d e te m lu ta d o até a gora , os
pobre s n ã o estão erra dos em crer (M ill, 1967: 710).

A p le n a posse de si m e sm o d o o p e rá rio se m p ro p rie d a


d e n ã o é m a is s u b s ta n tiv a d o q u e a p le n a fosse d e si m e sm o
de A m y o u B e n e m u m m u n d o d e pro prie d a d e cole tiv a . A m y
n ã o te m n e n h u m acesso aos re cursos p ro d u tiv o s sem a p e r
m iss ã o d e B e n, m a s o m e sm o é v e rd a d e iro p a ra o o p e rá rio
qu e d e p e n d e d a co n c ord â n cia d o c a p ita lis ta . N a v e rd a d e , as
pessoas e m u m a situ a ç ã o d e poss e c o le tiv a tê m m a is c o n -
tro le r é ã l sobre suas vid a s , já £ u j l A 0 3 ^ ^
a um ~ ácõrdõ~pará u s ã rs e u s r e ç u rs o s , a o ^ ^ ^ g u e o x a B ÍÍã .-
lis ta n a o pre cis a c h e g a r a u m a c ord o com n e n h u m o p e rá rio
e sp e cífico p a ra sobre viv e r, esp e cia lm e n te .s e o o p e rá rio n ã o
"jâ o s s u l um. ta le n to re q u e rid o p e lo c a p ita lis ta .
156 FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

O lib e rta ris m o n ã o a p e n a s re s trin g e a a u to d e te rm in a


çã o d o o p e rá rio s e m p ro p rie d a d e , m a s fa z d e le u m re c urs o
p a ra o u tro s . O s q u e e n tra m n o m e rc a d o d e p o is qu e o u tro s
se a p ro p ria ra m d e to d a a pro p rie d a d e d is p o n ív e l e stã o " l i
m ita d o s às d á div a s e tra b a lh o s qu e o u tro s e stã o dis p o sto s a
lh e s c o n fe rir" e, p o rta n to , "s e são o brig a d o s a c o o p e ra r noi,
e squ e m a de pro prie d a d e s , são forç a d o s a b e n e fic ia r o u tro s lj
E ste a s s e n tim e n to forç a d o ao siste m a d e pro p rie d a d e c o n s ft’j
titu i u m a form a d e e xplora ç ã o e é in c o m p a tív e l com as idéias!#
m a is b á sica s [d e N o z ic k ], to m a n d o os re ta rd a tá rio s , d e f a td |
os to m a , m e ro s re cursos p a ra o u tro s " (B o g a rt, 1985: 8 3 3-4) f
Q u e re g im e pro m o v e d a m e lh o r m a n e ira a posse su b s
ta n tiv a d e si m e sm o ? A a u to d e te rm in a ç ã o e xig e re curso s,
a ssim com o d ire ito s sobre nosso ser físic o . Só p o d e m o s p e r
s e g u ir nossos p ro je to s m a is im p o rta n te s , liv re s d a s e x i
g ê n cia s d e o u tro s , se n ã o fo rm o s forç a d o s p e la n e c e ssid a d e
e con ôm ic a a a c e ita r q u a isq u e r co ndiçõ e s qu e o u tro s nos im -
p o n h a m e m tro c a d o acesso a re curso s n e c e ss ários. C o m o a
a u to d e te rm in a ç ã o sig n ifiç a ,ü v 2L.e2ágÊ..t a n ta je o u s a q u a n f o
lib e rd a d e s e c o m o c a d a u m d e n ó s te m u m a e xistê n cia s e -
p a ra d a , c a d a p e sso a ’d e v e ria te r u m d ir eit o ig u a l a.esses r e
cursos e lib e rd a d e s .
Se fosse a ssim , p oré m , o inte re ss e p e la a u to d e te rm in a
ção n o s c o n d u z iria ru m o aos re gim e s lib e ra is , n ã o aos lib e r
tá rio s . O s lib e rtá rio s a firm a m qu e os pro gra m a s d e b e m -e s j||
ta r s o c ia l lib e ra is , a o lim ita r e m os d ire ito s d e p ro p rie d a d á jl
lim it a m in d e v id a m e n te a a u to d e te rm in a ç ã o d a s p e sso a sff
P orta nto, a re m oç ã o dos progra m a s de re d istrib u iç ã o d o b e m -
e star so cia l (N o z ic k) o u sua lim ita ç ã o a u m m ín im o a b s o lu to
(F rie d) s eria u m pro gre sso e m te rm o s d e a u to d e te rm in a ç ã o .
M a s e sta é u m a o bje ç ã o fra c a . O s pro gra m a s re d is trib u tiv o s

b o a situ a ç ã o a u m gra u lim it a d o . C o n tu d o , ta m b é m o fe re


ce m u m c o n tro le re a l sobre a p ró p ria v id a a pessoas qu e a n
te s n ã o o tin h a m . A re d is trib u iç ã o lib e ra l n ã o s a crific a a a u
to d e te rm in a ç ã o p o r a lg u m o u tro o b je tiv o . A n te s , a lm e ja um a
d is trib u iç ã o m a is e q ü ita tiv a dos m e io s e xig id o s p a ra a a u to -
O U B E R T A R1SM0 157

d e te rm in a ç ã o . O lib e rta ris m o , p e lo c o n trá rio , p e rm ite d e s i


gu a ld a d e s im e re cid a s n e sta d is trib u iç ã o - seu in te re ss e p e la
a u to d e te rm in a ç ã o n ã o se e ste n d e a u m in te re s s e p o r asse-
'g iir a r a d is trib u iç ã o e q ü ita tiv a d a s c o n diç õ e s e xig id a s p e la
a u to d e te rm in a ç ã o . N a v erd a d e , pre ju d ic a os q u e m a is p re c i
sam de a ju d a p a ra a ss e gurar estas condiçõ e s. Se cada pessoa
deve ser tra ta d a com o u m fim e m si m e sm a , com o d iz N o z ic k
re p e tid a m e n te , e ntã o , n ã o v e jo n e n h u m a ra z ã o p a ra pre fe
r ir u m re g im e lib e rtá rio a u m re g im e re d is trib u tiv o lib e ra l.
I Im resu m o lib e ra l niie J x ih n ta as re com p e ns a s desiguais..

d e a lgum a s p e sso a sJ B a ta^fife-porá m ^-áe m J im itn a r e ifá v el


S er liv r e p a ra e s c olh e r a p ró p ria c a rre ira é cru c ia l p a ra a a u
to d e te rm in a ç ã o , m a s ser liv re d a trib u ta ç ã o das re c o m p e n
sas a u fe rid a s d e ta le n to s n a tu ra is im e re cid o s n ã o é. M e sm o
q u e nossos p ro v e n to s s e ja m trib u ta d o s e m c o n fo rm id a d e
c o m os p rin c íp io s ra w ls ia n o s , a in d a te re m o s u m a p a rc e la
e q ü ita tiv a d e re c urs o s e lib e rd a d e s c o m os q u a is c o n tro la r
as c a ra cte rístic a s e ss e ncia is d e noss a v id a . T rib u ta r a re n d a
p ro v e n ie n t p d o e x ercício-d o s ta le n to s n a tu ra is n ã o d e sfa v o
re c e n in g u é m in e q ü ita tiv a m e n te n a su a poss e s u b s ta n tiv a
" 3 è s i itte s m o ;ria sua ca p a cid a d e de a g ir seg u n d o su a co n c e p-
c ã o jle si m e sm o.
F in a lm e n te , N o z ic k p o d e ria a rg u m e n ta r qu e a re d is -
J rib
.
..
...
.
u
.
.
iç-
ã o _d e b e m -e s ta r so cia l n e gVa-i:--a-n
> _ i,
di—
jn a
ig n id a d e d¡u
a.m
snp.m
,1
essoas
——

_e_que e sta d ig n id a d e 6 cfu cíá T p a ra tra ta r as pessoas co m o


ig u a is (p or e x e m plo , N o z ic k , 1 9 7 4:3 3 4). N a v e rd a d e , N o z ic k
m u ita s v e z e s escreve com o se a id é ia d e q u e as o u tra s p e s
soas tê m d ire ito aos fru to s d e m e us ta le n to s fosse u m a ss alto
à m in h a d ig n id a d e . M a s isso é im p la u s ív e l. U m pro b le m a é
qu e N o z ic k m u ita s v e z e s v in c u la d ig n id a d e a a u to d e te rm i
n a ç ã o, d e m o d o q u e s erã o re g im e s lib e ra is , n ã o re g im e s l i
b e rtá rio s , q u e pro m o v e rã o d a m e lh o r m a n e ira a d ig n id a d e
d e cada pesso a . D e q u a lq u e r m odosa , d ig n id a d e
OU é u m s u b p ro d u to d e o u tr as rrp p ç a s m ora is
qu e a ígo é u m a ta q u e a noss a d ig n id a d e q u a n d o-já -e sta m o s
co n v e n cid o s d e qu e T ssó é e rra d o . A re d is trib u iç ã o p are c e rá
158 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

u m a ss alto à d ig n id a d e a p e n a s se a cre dita rm o s qu e é m o ra l


m e n te erra d a . S e ,:
b u ic ã a é u m a g d g ê n d a p a ra se tra ta r a sg e sso a s com o ig u a is, ¡¡I :
e ntã o, ela s ervirá p ára pro m o v e r, n ã o p ara atacar, a p erce pçã o m
d a d ig n id a d e ig y a l. das p e ssoas,.
O lib e rta ris m o n ã o p o d e s e r d e fe n d id o e m te rm o s d e
poss e d e si m e sm o , c o n s e n tim e n to , a u to d e te rm in a ç ã o o u
d ig n id a d e . T odos e ste s sã o in d e te rm in a d o s o u s u s te n ta m
o ig u a lita ris m o lib e ra l. T a lv e z h a ja a lg u m a o u tra ra z ã o qu e
N o z ic k pud e sse ofe re c e r p a ra e ndoss ar o lib e rta ris m o . É d if í
c il diz er, já qu e ele a cre dita fa ls a m e nte qu e a p osse d e s im e s -
m o re q u e r o lib e rta ris m o ex p o rta n to , n ã o c o n sid e ro u as a l
te rn a tiv a s . C o n tu d o , d a m a n e ira co m o a situ a ç ã o se coloc a ,
N o z ic k d e ix a d e d e fe n d e r os d ire ito s d e p ro p rie d a d e a b so
lu to s o u o siste m a d e m e rc a d o liv re qu e se d e s tin a a re s p e i-
It a r ta is d ire ito s . A poss e d e s i m e sm o n ã o e x c lu i a trib u t a -
fção re d is trib u tiv a , p o is m u ito s re gim e s e co n ô m ico s d ife re n -
It e s são fo rm a lm e n te c o m p a tív e is co m a posse d e si m e sm o .
| E , se o lh a rm o s p a ra a lé m d a posse fo rm a l d e si m e sm o, p a ra
os re gim e s qu e a ss e gura m d a m e lh o r m a n e ira a posse subs
ta n tiv a d e si m e sm o, e ntã o , N o z ic k n ã o nos ofere c e u n e n h u
:
m a ra z ã o p a ra p re fe rir as d e sig u a ld a d e s lib e rtá ria s à ig u a l
d a d e lib e ra l.
M a s p o r q u e d e v e m os n o s in te re s s a r p e la posse fo rm a l
d e si m e sm o? N o a rg u m e n to a cim a , u s e i a id é ia d e posse i

s u b sta n tiv a de si m e sm o com o te ste p a ra d e c id ir e n tre os re


gim e s qu e são c o m p a tív e is com a id é ia d e poss e fo rm a l de
si m e sm o. C o n tu d o , se co m p a ra rm o s estas du a s conce pçõ e s,
c o m c e rte z a , a a u to d e te rm in a ç ã o s u b s ta n tiv a é m a is fu n -
a m e n ta l. N ã o e ndoss a m o s a a u to d e te rm in a ç ã o p orq u e ela
f ro m o v e a posse fo rm a l d e si m e sm o. A n te s , e ndoss are m os
a poss e fo rm a l d e s i m e sm o n a m e d id a e m q u e p ro m o v a a
a u o d e te rm in a ç ã o . N a v e rd a d e , c o m o m e n c io n e i a n t e rio r
m e n te , o p ró p rio N o z ic k às ve z e s tra ta a conc e pç ã o s u b sta n
tiv a co m o a m a is fu n d a m e n ta l. E ntã o , p o r q u e n ã o com e ç ar
s im p le s m e n te c o m a a u to d e te rm in a ç ã o c o m o noss a c o n
c e pç ã o p re fe rid a d o tra ta m e n to d a s p e sso a s c o m o ig u a is ?

A.
o LIB E R T A RISM O 159

E m v e z de p e rg u n ta r q u a l dos re gim e s qu e são c o m p a tív e is


com a posse fo rm a l de si m e sm o pro m o v e d a m e lh o r m a n e i
ra a a u to d e te rm in a ç ã o , p o r qu e n ã o p e rg u n ta r sim p le s m e n
te qu a is re gim e s pro m o v e m d a m e lh o r m a n e ira a a u to d e te r
m in a ç ã o? P ode ser qu e o m e lh o r re gim e , a v a lia d o e m te rm o s
de a u to d e te rm in a ç ã o , n ã o a p e n a s ultra p a ss e a posse fo rm a l
d e si m e sm o , m a s ta m b é m a lim it e . N e ste caso, a posse fo r
m a l de si m e sm o d e v e ria c e d er lu g a r à a u to d e te rm in a ç ã o
substa ntiv a , qu e re a lm e nte te m im p ortâ n cia p ara n ó s (C oh e n,
1 9 8 6 b : 8 6 ).
Isso p are c e tã o o b via m e n te p re fe rív e l qu e se to rn a n e
c e ss á rio e x p lic a r a ê nfa s e d e N o z ic k n a poss e fo rm a l d e si
m e sm o. U m a e xplic a ç ã o é, sim ple sm e n te , qu e N o z ic k p re c i
sava d e la p a ra d e fe n d e r os d ire ito s d e p ro prie d a d e . H á , p o
ré m , um a e xplic a ç ã o m a is gen erosa . N o z ick^ co m o os lib e ra is
clássicos, q u e r a rtic u la r um a conce pçã o de ig iinLdatio-qm : n e
gue q u e to d o s s e ja rn T p or n a ture z a o u d ire ito , s u b ord in a d o s
a o u tro s f N in g u é m é m e ra m e n te u m re curso p a ra o u tro s , d a
m a n e ira co m o u m e scra vo é u m re curso d e seu p ro p rie tá rio .
Se a e scra vid ã o é o caso p a ra d ig m á tico d e u m a n e g a ç ã o d e
ig u a íd ade,~p o d e p a re c e r q u e a m e lh o r m a n e ira d e a firm a r
a ig u a ld a d e é d a r ax a ria -p e s s o a os d ir o ik ^ ju tí d ic u a iio h r e
si m e sm a q u e os p ro p rie tá rio s tin h a m so bre se as e scra vos;
a m e lh o r m a n e ira d e im p e d ir a escra viz a çã o d e u m a pessoa
p o r o u tra é d a r a cada pessoa o d ire ito d e pro prie d a d e d e si
m e sm a . In fe liz m e n te , o fa to d e q u e te n h o d ire ito s le g íti
m o s d e pro prie d a d e s d e m im m e sm o n ã o s ig n ific a qu e te
n h o a c a p a cid a d e d e e v ita r o qu e , n a v e rd a d e , é e scra viz a ç ã o
a o u tro . M e s m o q u e o c a p ita lis ta n ã o te n h a so bre m im os
m e sm os d ire ito s le g ítim o s qu e os p ro p rie tá rio s tin h a m sobre
seus e scra vos, p o sso n ã o te r n e n h u m a c a p a cid a d e re a l d e
d e c id ir q u a n to à n a ture z a e aos te rm o s d o m e u viv e r. A m e
lh o r m a n e ira d e im p e d ir o tip o d e n e g a ç ã o d e ig u a ld a d e qu e
o corre n a e scra vid ã o n ã o é in v e rte r os d ire ito s le g ítim o s e n
vo lvid o s , m a s, a nte s, ig u a la r o c o n tro le s u b s ta n tiv o qu e cada
p e sso a p o s s u i, n a fo rm a d e lib e rd a d e s e re curso s ig u a is .
A ê nfa s e d e N o z ic k n a id é ia d e posse fo rm a l d e si m e s
m o p o d e ta m b é m se d e v er à n a ture z a in d ife re n c ia d a d o c o n -
160 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

c e ito . A id é ia d e poss e d e s i m e sm o sug ere e n g a n o s a m e nte


q u e te m o s o u n ã o te m o s posse d e n ó s m e sm os, co m o se os
v á rio s d ire ito s e pod ere s qu e c o n stitu e m a posse d e si m e sm o
d e ve sse m ser a c e itos o u re je ita d o s co m o u m p a cote . Se isso
fosse re a lm e n te noss a e scolh a , e ntã o , fa ria s e n tid o e n fa tiz a r
a poss e d e si m e sm o . N a re a lid a d e , p oré m , h á u m le q u e d e
opções, qu e e n volv e m dife re n te s tip o s de c o n tro le sobre n o s
sas e scolh a s e nossa s circu n stâ n cia s. A id é ia d e posse d e si
m e sm o te n d e a im p e d ir as pe sso a s d e c o n s id e ra r to d a s as
opçõ e s re le v a nte s, c o m o re v e la a p ró p ria discuss ã o d e N o -
z ic k . A a firm a ç ã o d e q u e a poss e in d ife re n c ia d a d e si m e s-
m o é c ru c ia l p ara se tra ta r ca d a p e sso a c o m o u m fim em si
m e sm a é p la u s ív e l a p e n a s se e s tiv e r s e n d o , c o m p a ra d a
c o m a o p ç ã o ú n ic a d a n e g a ç ã o in d ife re n c ia d a -da pG Sse-de _
si m e sm o .
P re cis a m os d is tin g u ir e le m e n to s d ife re n te s e n v o lvid o s
{ n o c o n tro le d e si m e sm o e v e rific a r com o se re la cio n a m com
os d ife re n te s e le m e n to s e n v o lvid o s n o c o n tro le dos re cursos
e xte riore s. D e v e ría m o s c o n sid e ra r cada u m d e ste s d ire ito s e
p o d e re s n o s seus p ró p rio s te rm o s , p a ra v e r d e q u e m a n e ira
e le pro m o v e os in te re s s e s e ss e ncia is d e ca d a p e sso a . Q u e
c o m b in a ç ã o d e d ire ito s e re curso s c o n trib u i p a ra a c a p a ci
d a d e d e cada p e sso a d e a g ir co m base e m seus o b je tiv o s e
pro je to s , sua conc e pç ã o de si m e sm a ? A m e lh o r m is tu ra e n
v o lv e rá m a is d o q u e a posse fo rm a l d e si m e sm o (p o r e x e m
p lo , o acesso a re cursos), m a s ta m b é m p o d e e n v o lv e r m e nos,
p o is p o d e v a le r a p e n a re n u n c ia r a c e rta poss e fo rm a l d e si
m e sm o e m n o m e d a a u to d e te rm in a ç ã o s u b sta n tiv a .
P ara re s u m ir e sta seção, a rg u m e n te i q u e a r e d is trib u i-
cão ra w ls ia n a é c o m p a tív e l com a poss e fo rm a l d e si m e s
m o e q u e e la se s a i m e lh o r d o q u e jp jib e rt a ris m o n a p ro
m o ç ã o d e p o s s e ra z o a v e lm e n te s u b s ta n t iv a d e si m e sm o .
T a m b é m a rg u m e n te i qu e a posse fo rm a l d e si m e sm o é u m a
p ista falsa, p ois a a uto d e te rm in a ç ã o su b sta ntiv a é o v a lor m a is
fu n d a m e n ta l. H á , p oré m , u m p ro b le m a m a is p ro fu n d o n o
a rg u m e n to d a poss e d e si m e sm o d e N o z ic k . N o z ic k n ã o jl
c o n fro n to u a d e q u a d a m e nte a a firm a ç ã o d e R a w ls d e qu e as®
O U B E R TA RISM O 161

pessoas n ã o tê m u m d ire ito le g ítim o às re com p e ns a s do e x e ri


cício d e seus ta le n to s im e re cid o s. T e nte i d e m o n s tra r qu e p o-|
d e m os c o n s e g u ir u m e squ e m a d is trib u tiv o ra w ls ia n o m e s
m o s e m n e g a r a posse d e s i m e sm o , já q u e a re d is trib u iç ã o
p o d e ria s u rg ir d a s e xig ê n cia s d e u m a te o ria ju s ta d e acesso
a re curso s e x te riore s . C o n tu d o , a in d a p e n so qu e , a n e g a ç ã o
d e R a w ls d a poss e d e si m e sm o fo i p e rfe ita m e n te s e ns ata .
P enso qu e p o d e m o s tra ta r os ta le n to s das pessoas com o p a r
te d e suas circ u n s tâ n c ia s e, p o rta n to , c o m o fu n d a m e n to s
p o ssív e is, e m si e p o r si, p a ra a com p e ns a ç ã o. Asqa essoas
J ê m d ire ito s à pOSSê e a o e x e rcício d e s e us ta le n to s , m a s os
jd e s fa v ore c id o s ta m b é m p o d e m te r d ire ito s a certa com p e a--
. s a ç ã a por- su a d e sv a nta g e m . É e rra d o as p e sso a s s o fre re m
p o r ca usa d e d e sig u a ld a d e s im e re cid a s n a s circ u n stâ n cia s ,
e os d e sfa vore cid o s tê m d ire ito s d ire to s sobre os m a is a fo r
tu n a d o s , d e m a n e ira in te ira m e n te in d e p e n d e n te d a qu e stã o
d o acesso aos re curso s e xte riore s . C o m o diss e a o d is c u tir o |
e x e m plo d e W ilt C h a m b e rla in , N o z ic k n ã o n o s forn e c e u n e -1
n h u m a ra z ã o p a ra re je ita r a in tu iç ã o ra w lsia n a . •3

3. O lib e rt a ris m o com o v a n t a g e m m ú tu a

M u ito s lib e rtá rio s re c o n h e c e m q u e o a rg u m e n to d e


N o z ic k fracassa. O pro ble m a , diz e m , n ã o está n a s conclusõ e s
d e N o z ic k , m as n a su a t e n ta tiv a d e d e fe n d ê -la s re c o rre n d o
à id é ia ig u a litá ria k a n tia n a d e tra ta r as pessoas co m o fin s e m
si m e sm a s. ¡Se com e ç a rm o s co m a id é ia d e q u e ca d a p e sso a
te m im p o rtâ n c ia ig u a l, e ntã o,_a ju s tiç a e x ig irá alg u m a o u tra
cois a qu e n ã o a posse d e si m e sm o n o z íc R ía rijc C o n tu d o ,'
a fÍim ã m , isso a p'e H ã s ~ ^ não é
v is to a d e qu a d a m e nte com o u m a te oria de se tra ta r as pessoas
co m o ig u a is . É u m a te o ria d e qu e , e ntã o? H á du a s p o s s ib ili
d a d e s p rin c ip a is : n e sta seção, v o u c o n sid e ra r o lib e rta ris m o
com o u m a te oria d e v a n ta g e rn m ú tu a ; n a seção s e guinte , v o u
c o n s id e rá -lo c o m o u m a te o ria d e lib e rd a d e
- " ‘ W s te o ria s d e v a n ta g e m m ú tu a d o lib e rta ris m o m u ita s
ve z e s são a pre s e nta d a s e m te rm o s c o n tra tu a is . Isso p o d e ser
162 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

c o n fu s o , já qu e as te oria s ig u a litá ria s lib e ra is ta m b é m são


a pre s e nta d a s em te rm o s c o n tra tu a is e o u s o c o m p a rtilh a d o
d o d is p o s itiv o d o c o n tra to p o d e obscure c er as difere nç a s fu n
d a m e n ta is e n tre ela s. P orta n to , a nte s d e a v a lia r a d e fe s a d o
lib e rta ris m o b a s e a d a n a v a n ta g e m m ú tu a , e x p ore i a lg um a s
d a s dife re n ç a s e n tre a v ers ã o d e c o n tra tu a lis m o ra w lsia n a e
a b a se a d a n a v a n ta g e m m ú tu a .
P ata R a wls, c rd is p o s itiv o d o -c rín tra to e s tá lig a d c ) ao n o s-
so yd e v e r n ã fO fã l^d F j ^ ^ a ^ . T emos u m d e v e r n a tu ra l d e tra -
"tar os o u tro s e q ü ita tiv a m e n te , p ois eles são " fo n te s d e orig e m
p ró p ria d é re lv a n dic a çõ e s v á líd a lf O Â s p e sso a s tê m im p o r
tâ n cia , d o p o n to d e v is ta m ora l, n ã o p orq u e p o d e m n o s p re
ju d ic a r o u b e n e ficia r, m a s p orq u e são " fin s . e m si m esm as'*'
(R a wls, 1 9 7 1:1 7 9-8 0) e, p orta n to , tê m d ire ito à ig u a l co n sid e
ra ç ã o. E ste é u m d e v e r " n a tu r a l" p orq u e n ã o é d e riv a d o d o
c o n s e n tim e n to o u d a v a n ta g e m m ú tu a , m a s sim p le s m e n te
|d e v id o às pessoas com o ta is (R a wls, 1 9 7 1 :1 1 5-6). O d is p o s i
tiv o d o c o n tra to a ju d a -n o s a d e te rm in a r o c o n te ú d o d e ste
le v e r n a tu ra l, p o is e xig e qu e cada p a rte le v e e m c o n sid e ra
d o as n e c e ssid a d e s dos o u tro s " c o m o seres livre s e ig u a is " .
P ara a ss e gurar q u e o c o n tra to d á ig u a l co n sid e ra ç ã o a cada
u m dos c o n tra ta n te s , a j
dife re n ç a s de ta le n to e forç a qu e p o d e ria m cria r u m p o d e r de
~ b a rg a n h a ,d e sig u a b A o re m o v e r e stas dife re n ç a s a rb itrá ria s ,
o d is p o s itiv o d o c o n tra to " s u b s titu i a d e sig u a ld a d e físic a p o r
u m a ig u a ld a d e m o ra l" (D iggs, 1981: 277) e, com isso, "re p re
s e nta a ig u a ld a d e e n tre os seres h u m a n o s com o pessoas m o
ra is " (1971:19). P ira R awls, e ntã o, o c o n tra to é u m disp o sitiv o
ú t il p a ra d e te rm in a r o c o n te ú d o d e n o sso d e v e r n a tu ra l d e
ju s tiç a p o rq u e re pre s e n ta a d e q u a d a m e n te n ossa ig u a ld a d e
m o ra l /(cap. 3, seção 3 a cim a ).
O s te óric o s d a v a n ta g e m m ú tu a ta m b é m u s a m u m d is
p o s itiv o c o n tra tu a l, m a s p o r ra zõ e s oposta s. Para eles, n ã o h á
n e n h u m d e v e r n a tu ra l n e m re ivin dic a çõ e s m ora is d e orig e m
pró pria . N ã o h á n e n h u m a ig u a ld a d e m ora l p o r b a ixo de n o s
sa d e sig u a ld a d e físic a n a tu ra l. A vis ã o d e m u n d o m o d e rn a ,
ele s d iz e m , e x c lu i a id é ia tra d ic io n a l d e q u e as p e sso a s e
O LIB E R T A RISM O 163

açõ e s tê m q u a lq u e r status m o ra l in e re n te . O q u e as p e s
soas c o n sid e ra m s e r v a lore s m ora is o b je tiv o T s ã õ 'lp ê n ã s'a 's
pre fe rê n c ia s s u bie H v ã is^g õ slfld M d Q õ s lB u c h a n a n . 1 9 7 5 :1 ;
G a u th ie r, 1986: 5 5-9 ; N a rv e s o n , 1 9 8 8 :1 1 0-2 1).

re s p e ito d e noss a s açõ e s, m e sm o q u e ela s e n v o lv a m p re ju


d ic a r os o u tro s . C o n tu d o , e m b ora n ã o h a ja n a d a in e r e n
te m e n te e rra d o e m p re ju d ic a r vo c ê , e u e s ta ria e m m e lh o r
situ a ç ã o a b s te n d o-m e d e fa z ê -lo se to d o s os o u tro s se a bs-
tiv e s s e m d e m e pre ju d ic a r. A d o ta r u m a co n v e n ç ã o c o n tra o
d a n o é m u tu a m e n te v a n ta jo s o - n ã o te m o s d e d e s p e rd iç a r
je c ü fsñ~s d e fe'rid é hd(> n o ss a p e sso a e p ro p rie d a d e e is s o n o s
c a p a cita a e n tr a r c m co o p e ra ç ã o e stá v e l. P ode s er d e n o sso
inte re ss e p ró p rio d e c u rto pra z o v io la r t a l c o n c ord â n cia oc a
sio n a lm e n te , m a s a g ir com base n o intere ss e p ró p rio d e c u r
to pra z o to m a in s tá v e is a coop era ç ã o e a lim ita ç ã o m ú tu a s ,
e, a ssim , p re ju d ic a n o sso in te re s s e p ró p rio d e lo n g o p ra z o I
(acaba p o r le v a r à " g u e rra d e to d o s c o n tra to d o s " d e H o b - j
b e s). E m b ora o d a n o n ã o s eja in e re n te m e n te e rra d o , ca d a
p e sso a g a n h a n o lo n g o pra z o ao a c e ita r conv e nçõ e s qu e d e
fin e m isso c o m o " e rra d o " e " in ju s to " .
O c o n te ú d o d e ta is conv e nçõ e s será o o b je to d a b a rg a
n h a - ca d a pe sso a d e s ejará qu e a co n v e nç ã o p ro te ja seus in -
t eressèsdahfcT qú a nfÓ p o ssív e l e. ao .m e sm o te m p o , li m ite -o s
tã o p o u c o q u a n to p o s s ív e l. E m b ora as c o n v e n çõ e s n ã o s e
ja m re a lm e n te co n tra to s, pod e m o s v e r esta b a rg a n h a d e c o n
v e nçõ e s m u tu a m e n te v a nta jo s a s co m o o proc e sso p e lo q u a l
u m a c o m u n id a d e e sta b ele c e o seu " c o n tra to s o c ia l" . E m b o
ra e ste c o n tra to , a o c o n trá rio d o c o n tra to d e R a w ls, n ã o seja
u m a e la b ora ç ã o d e nossa s n o çõ e s tra d ic io n a is d e o brig a ç ã o
m ora l e p o lític a , ele in c lu irá algum a s das lim ita çõ e s qu e R a wls
e o u tro s c o n sid era m ser " R e v ire s. n a tu r a lf S - p o r e x e m p lo ,j3
d e v e r d e n ã o ro u b a r o u o d e v e r d e d iv id ir e q u ita tiv a m e n te
e n tre os c o n trib u in te s os b e n e fício s d a coop era ç ã o. A s c o n
te n ç õ e s m u tu a m e n te v a nta jo s a s o c u p a m p a rte d o lu g a r d a
m o ra lid a d e tra d ic io n a l e, p o r e sta ra z ã o , p o d e m s e r v is ta s
co m o forn e c e n d o u m c ó d ig o " m o r a l" , e m b ora ele s eja " g e -
164 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

ra d o com o u m a lim ita ç ã o ra cio n a l a p a rtir das pre m iss a s n ã o


m ora is d a e scolh a ra c io n a l" (G a u th ie r, 1986: 4).
Esse tip o d e te oria é a d e qu a d a m e nte d e s crito p o r D a vid
G a u th ie r, se u p ro p o n e n te m a is c o n h e cid o , c o m o „la rtifíciç >
m o ra l" , ppispé u m a m a n e ira a rtific ia l d e lim it a r a q u ilo q u e as
p e sso a s tê m , n a tu ra lm e n te , d ir e ito d e fa z e r. C o n tu d o , e m
b ora as lim ita ç õ e s re s u lta n te s s o bre p o n h a m -s e p a rc ia lm e n
te a nossos d e v ere s m ora is tra d ic io n a is , a so bre p o siç ã o e stá
lo n g e d e s er c o m p le t a r e é v a n ta jo s o o u n ã o s e g u ir u m a
conv e nç ã o e sp e cífic a , d e p e n d e d e nossas pre fe rê n cia s e p o
d ere s. O s qu e são fo rte s e ta le n to s o s irã o s a ir-s e m e lh o r d o
q u e os q u e são fra co s e irre s o lu to s , já q u e ele s tê m u m p o
d e r d e b arg a nh a m u ito m a io r. O s irre s o lu to s p ro d u z e m p o u -
co b e n e fíc io p a ra os o u tro s e o p o u c o q u e p ro d u z e m p o d e
ser sim p le s m e n te d e s a pro pria d o p e lo s o u tro s sem tp m o r.dp
re ta lia ç ã o . C o m o h á p o u c o a g a n h a r co m a co o p e ra ç ã o com
os irre s o lu to s e n a d a a te m e r d e re ta lia ç ã o , os forte s n ã o g a
n h a m a c e ita n d o conv e nçõ e s qu e re co n h e ç a m o u p ro te ja m
ijps inte re ss e s dos irre s o lu to s ./E ju s ta m e n te a isso qu e R a w ls
se o pôs n o s a rg u m e n to s tra d ic io n a is d o e sta d o d e n a ture z a
- ele s p e rm ite m dife re n ç a s n o p o d e r d e b a rg a n h a q u e d e
v ia m s er irre le v a n te s n a d e te rm in a ç ã o dos p rin c íp io s d e ju s
tiç a . G a u th ie r, p oré m , e stá u s a n d o o d is p o s itiv o d o c o n tra to
p a ra d e te rm in a r p rin c íp io s d e v a nta g e m m ú tu a , e as d ife re n
ças n o p o d e r d e b a rg a n h a são c e n tra is p a ra a q u e stã o . A s
conv e nçõ e s re s u lta n te s c o n fe rirã o d ire ito s a v á ria s pessoas,
m a s, co m o e stes d ire ito s d e p e n d e m d o n o sso p o d e r d e b a r
g a nh a , o c o n tra tu a lis m o d a v a n ta g e m m ú tu a n ã o " p ro p o r
cio n a a ca d a in d iv íd u o u m ste te s m o ra l m g rgnTe è m A êla ç â o
.aos seus p a re s " ( G a u th ie r, 1986: 222).
É d ifíc il e x a g erar a d ife re n ç a e n tre e sta s du a s v ersõ e s
d o c o n tra tu a lis m o . R a w ls us a o d is p o s itiv o d o co n tra to p a ra
d e s e n v o lv e r noss a s n o ç õ e s tr a d x o o n ã £ d e o b rig a c a a rn o ra L .
a o p a sso q u e G a u th ie r o us a p a ra p a ra s u b s titu í-la s ; R a w ls
usa a id e ia d o c o n tra to p a ra e xpre ssar a p o siç ã o m ora l in e re n
te d a s pessoas, a o p a sso q u e G a u th ie r a us a p a ra g e ra r u m a
p o siç ã o m o ra l a rtific ia l; R a w ls usa o d is p o s itiv o d o c o n tra to
o LIB E R T A RISM O 165

p a ra n e g a r d ife re n ç a s n o p o d e r d e b a rg a n h a , a o p a sso qu e
G a ü th ie r o usa p ara re fle ti-la s . E m am b a s as pre m iss a s e c o n
clusõ e s, e ste s d o is fio s d e te o ria são, m o ra lm e n te fa la n d o ,
u m m u n d o à p a rte .
Q u e s tio n a re i m o m e n ta n e a m e n te a p la u s ib ilid a d e d a
a b ord a g e m d a v a n ta g e m m ú tu a . P oré m , m e sm o q u e a a ç e j-,,
te m o s, co m o e la ju s tific a u m re g im e lib e rtá rio n o q u a l ca d a
pe sso a te m lib e rd a d e irre s trita d e c o n tra to in d iv id u a l sobre si
m e sm o e suas posses? E la n ã o p o d e , n a tura lm e n te , p ro d u z ir
a posse d e si m e sm o com o d ire ito n a tura l. C om o d iz G a uthie r,
as te oria s d e v a n ta g e m m ú tu a n ã o ofe re c e m às p essoas u m
"sta tus m o ra l in e re n te " e, se n ã o h á n e n h u m d e v e r n a tu ra l

d e v e r n a tu ra l d e re s p e ita r su a posse d e s i m e sm o s e , p o rta m


to r n e p jn im d e v e r d e tra tá -lo s d e rp a n e ira s qu e m n s fp tiria m
v o lu n ta ria m e n te o u qu e a c e ita ria m e m c o n tra to . O s lib e rtá
rio s , p oré m , a rg u m e n ta m qu e re s p e ita r a posse d e si m e sm o
é m u tu a m e n te v a n ta jo s o - é d o in te re s s e d e c a d a p e sso a
c o n fe rir aos o u tro s d ire ito s d e posse d e si m e sm os e n ã o te n
ta r c o a g i-lo s a p ro m o v e r nosso b e m , c o n ta n to q u e isso seja
re c ípro c o . O s cu sto s d e c o a g ir o u tro s sã o m u ito e le v a do s, e l
os lu cro s m u ito b a ixos p a ra c orre rm o s o ris c o d e s erm os n ó s l
p ró p rio s co a gid o s. A v a n ta g e m m ú tu a , p oré m , n ã o ju s tific a !
q u a is q u e r f e i t o s a S c j^ ^ 3 s ^ g i r e I ^ S 5 ê rtã ^ ã m e lã d e rê -
çurso s sob o p rin c íp io d a d ife re n ç a d e R a w ls, p o r e x e m plo .
O s p o bre s g a n h a ria m com ta l d ire ito , m a s os ric o s tê m in t e
resse e m p ro te g e r seus re cursos, e os p o bre s c are c e m d e p o
d e r s u fic ie n te p a ra to m a r os re curso s o u p a ra fa z e r com qu e
os custos d e pro te ç ã o e xc e d a m seus b e n e fício s. A v a nta g e m
m ú tu a p ro d u z lib e rta ris m o , p o rta n to , p o rq u e to d o s tê m o
in te re s s e e a c a p a cid a d e d e in s is tir n a poss e d e s i m e sm o ,
m a s os qu e tê m u m inte re ss e n a re d is trib u iç ã o n ã o possu e m
a c a p a cid a d e d e in s is tir n e la (H a rm a n , 1985: 3 2 1-2; cf. B arry,
1986: cap. 5).
A v a n ta g e m m ú tu a ju s tific a co n c e d e r a c a d a p e sso a d i
re ito s d e poss e d e si m e sm a ? C o m o as p e sso a s c are c e m de
status m o ra l in e re n te , o fa to de te rm o s o u n ã o o d ire ito irre s -
166 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

trito d e c o n tra to sobre nossos p ró p rio s ta le n to s e posses d e


p e n d e d e te rm o s o u n ã o o p o d e r d e d e fe n d e r nossos ta le n
to s e poss e s c o n tra a co e rç ã o d o s o u tro s . O s. lib e rtá rio s d a
v a n ta g e m m ú tu a a firm a m q u e to d o s , n a v e_rd a d— e-i-, •npinon.issu em
ii mim»
e ste p od er., E le s a firm a m qu e os h u m a n o s sao, p o r n a ture z a ,
ig u a is , n ã o n o s e n tid o ra w lsia n o d e c o m p a rtilh a r u m a ig u a l
d a d e fu n d a m e n ta l d e d ir e ito n a tu ra l - a nte s, a ig u a ld a d e de
d ire ito s " é d e riv a d a d e u m a fu n d a m e n ta l ig u a ld a d e fa ctu a l
d e co n diç ã o , n a v e rd a d e , u m a v u ln e ra b ilid a d e ig u a l à in v a
são d e o u tro s " (L e ssn off, 1 9 8 6:1 0 7). A s pussoas sãpt p o r n a
ture z a , m a is o u m e n o s ig u a is n a su a c a p a cid a d e d e p r e ju d i
c a r os o u tro s e n a su a v u ln e ra b ilid a d e a o p re ju íz o - e e sta
ig u a ld a d e fa c tu a l fu n d a m e n ta 9 ig u a l re s p e ito p e la p o s s e d g .
s i m e sm o .
Isso, p oré m , n ã o é re a lis ta . M u ita s p e sso a s c are c e m d o
p o d e r d e se d e fe n d e re m e, p o rta n to , n ã o p o d e m re iv in d ic a r
o d ir e ito d e posse d e si m e sm a s com b ase e m fu n d a m e n to s
d e v a n ta g e m m ú tu a . C o m o d iz Jam es B u ch a n a n , "se. as d i
fere nç a s p e sso ais fo re m s u ficie n te m e n te gra n d e s ", e ntã o , os
f o r t e s ^ ^ e r a õ l e r a c a p a cid a d e ^ ou,
ta lv e z, d A to m a F g u a is q u e V E e n s p ro d u z id o s p e lo s fra p o s e ,
c o m isso, e sta b ele c er " a lg o s im ila r ao c o n tra to d e e scra vid ã o "
.(B uch a n a n, 1 9 7 5:5 9-6 0). E stas n ã o são p o ssibilid a d e s a b stra
ctas - as dife re n ç a s p e sso a is são gra n d e s a ssim . E u m a c o n
s e qü ê ncia in e vitá v e l das te oria s d e v a nta g e m m ú tu a o fa to de
qu e os c o n g e n ita m e n te irre s o lu to s " e n c o n tra m -s e fo ra d o
â m b ito " d a ju s tiç a ( G a u th ie r, 1986: 268), a ssim co m o se e n
c o n tra m as cria nç a s, já qu e " h á p o u co qu e a cria n ç a possa fa
z e r p a ra r e ta lia r os q u e c o lo c a m e m ris c o o se u b e m -e s ta r"
(L o m a sky, 1 9 8 7:1 6 1; G ric e , 1 9 6 7 :1 4 7-8).
É d u v id o s o q u e m u ito s te ó ric o s d a v a n ta g e m m ú tu a
re a lm e n te a cre d ite m n e sta su p o siç ã o d e u m a ig u a ld a d e n a
tu ra l n o p1o d e r d e b a rgC /
a n h a ..rJ„ .S....ua
. .
a firm a *
ç—ã o*', n o fim , n--w ãa
w
oa
wU
tM
éi»
r
!a
aa»
de qu e as pessoas s e ja m re a lm e n te ig u a is p o r n a ture z a , m as,
a nte s, qu e a ju s tiç a só é possív e l n a m e d id a e m q u e s eja as-
sim.v Ç ór n a ture z a , to d o o m u n d o te m d ire ito d e u s a r q u a is
q u e r m e io s d e qu e d is p o n h a e a ú n ic a m a n e ira d e s urg ire m
O U B E R T A RISM O 167

lim ita ç õ e s m ora is é se as pe sso a s fo re m m a is o u m e n o s


ig u a is n o s seus p o d e re s e v u ln e ra b ilid a d e s . P ois só a ssim j
cada pe sso a g a nh a , d a prote ç ã o de su a p ró p ria pessoa e p ro - L
prie d a d e , m a is d o qu e p e rd e p o r se a b ste r d e u s a r os corp o s ]
o u re curso s d e o u tra s pessoas. A ig u a ld a d e n a tu ra l n ã o é /
s u fic ie n te , p oré m , p o is pe ssoas 3 e li ã p ii^
lare s p o d e m se v e r com capacida des te cnológic a s ra d ic a lm e n-
JfgTjggígüasJ e í^aqlielasç Õ m um a te cnologia maSs avançada
fre q ü e n te m e n te e stã o e m p o siç ã o d e d it a r os te rm o s d e in -
í ã i^ J L S S a s p a r e s " (G a u th ie r, 1986: 231; H a m p to n , 1986:
255). N a v e rd a d e , a te c n o lo g ia p o d e n o s c o lo c a r n o p o n to
em qu e , co m o d iz H o b b e s , h a ja u m " p o d e r irre s is tív e l" n a
te rra e, p a ra H o b b e s e seus s e g uid ore s c o n te m p orâ n e o s , ta l
p o d e r " ju s tific a re a l e a d e q u a d a m e nte to d a s as ações em
q u e m q u e r qu e seja e n c o n tra d o ". N in g u é m p o d e ria re iv in d i
c ar d ire ito s d e posse d e s i m e sm o x o n tr a t a l p o d e r...
A v a n ta g e m m ú tu a , p o rta n to , s u b o rd in a a poss e d e si
m e sm o d o in d iv id u o a o p o d e r d o s o u tro s . É p o r isso q u e
N o z ic k fe z d a posse d e si m e sm o u m a q u e stã o d e nossos d i
re ito s n a tu ra is . C o a g ir os o u tro s é e rra d o p a ra N o z ic k , n ã o
p o rq u e s eja m u ito c u sto s o p a ra o co a g e n te , m a s p o rq u e as
p e sso a s sã o fin s e m si m e sm a s e a co e rç ã o v io la o status
m o ra l in e re n te d a s p essoas ao tra tá -la s co m o u m m e io . A

m e n te d a pre m is s a .que G a u th ie r n ega - is to é, qu e a s.p e s- j


soas p o ssu e m status m o ra l in e re n te ! N e n h u m a d a s a b ord a
g e ns, p oré m , p ro d u z re a lm e n te lib e rta ris m o . A a b ord a g e m
d e N o z ic k e x p lic a p o r qu e to d a s as p e sso a s p o ssu e m d ir e i
to s ig u a is , in d e p e n d e n te m e n te d e s e u p o d e r d e b a rg a n h a ,
m a s n ã o cons e gu e e x p lic a r p o r qu e os d ire ito s d a s p essoas
n ã o in c lu e m a lg u m d ir e ito a os re curso s so cia is. A a b o rd a - 6

6. P ara te n ta tiv a s fú te is de d e m o n stra r qu e a v a n ta g e m m ú tu a é com p a


tív e l e, n a v e rd a d e , re q u e r o a u x ílio c o m p u ls ó rio aos in d e fe so s, v e r L o m a sky
(1 9 8 7 :1 6 1 -2 , 2 0 4-8); W a ld ro n (1986: 4 8 1-2); N a rv e so n (1988: 2 6 9-7 4); G ric e
(1967: 149). P ara um a discussã o de sua fu tilid a d e , v e r G o o d in (1988: 163);
C o p p (1990); G a u th ie r (1986: 28 6-7).
168 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

g e m d e G a u th ie r e x plic a p o r q u e os v u ln e rá v e is e fra co s n ã o
tê m d ire ito aos re cursos, m as n ã o cons e gu e e x p lic a r p o r qu e
eles tê m u m d ire ito ig u a l à posse de si m e sm os, a pesar d e seu
p o d e r d e b a rg a n h a d e sig u a l. T ra ta r as p e sso a s com o fin s e m
s i m e sm a s e jdg e jn a ã ^ p ê J ^ ^ ^ ^ a L g o ^ q u T n ã ò y T ê s p e i^
ta r a sua posse d e si m e sm a s (c o n tra N o z ic k ); tra ta r as g e s-
SfJas s é g u n d o a v a n ta g e m m u tu a m u ita s v e z e s e xig e m e n o s
d o qu e re s p e ito p e la posse d e-si-m e sm a s (c o n tra G a uthferV .
S u p o n h a m o s, p oré m , q u e a v a n ta g e m m ú tu a re a lm e n
te c o n d u z a a o lib e rta ris m o . T a lv e z L o m a s k y e ste ja c e rto
q u a n d o d iz q u e custa m u ito d e te rm in a r q u e m p o d e e scra vi
z a r e q u e m d eve ser tra ta d o com o ig u a l, d e m o d o qu e os fo r
te s c o n c ord e m c o m co n v e n çõ e s q u e c o n fira m a poss e d e si
m e sm o à pessoa m a is fra c a (Lom a sky, 1987: 76-7). C om o isso
c o n s titu iria u m a d e fe s a d o lib e rta ris m o ? N a nossa vjs ã o co-
tid ia n a , a tivid a d e s m u tu a m e n te v a n ta jo s a s só s e rã o le g it i
m a s se re s p e ita re m os d ir e ito s d o s ou tro s (in clu siv e os d ir e i
tos dõs*qu e são fra cos d e m a is p ara d e fe n d e re m seus in te re s
se s). P ode n ã o s e r v a n ta jo s o p a ra os fo rte s a b ste re m -s e d e
m a ta r o u e scra viz ar os fra cos, m a s os fra co s tê m d ire ito s p ré
vio s d e ju s tiç a d ia n te dos forte s . N e g a r isso é " u m a z o m b a
ria fú til p ara co m a id é ia d e ju s tiç a - a cre sc e ntar in s u lto ao
d a n o . N o rm a lm e n te c o n s id e ra -s e q u e a ju s tiç a n ã o d e ix a
d e s er re le v a n te e m co n diç õ e s d e d e sig u a ld a d e e xtre m a de
p o d e r, m as, a nte s, qu e é e sp e cia lm e nte re le v a nte e m ta is c o n
diç õ e s " (B arry, 1 9 8 9:1 6 3). E x p lora r os in d e fe so s, n a nossa v i
são c o tid ia n a , é a p io r in ju s tiç a , a o p a sso q u e os te ó ric o s d a
v a n ta g e m m ú tu a d iz e m q u e n ã o te m o s a b s o lu ta m e n te n e -
n h m jja o brig a ç ã o p a ra com os in d e fe so s.
" E ste re curso à m o ra lid a d e c o tid ia n a in c o rre e m p e tiç ã o
d e p rin c íp io , já qu e to d a a id é ia d a a b ord a g e m d a v a n ta g e m
m ú tu a é a d e q u e n ã o h á n e n h u m d e v e r m o ra l p a ra co m os
o u tro s - ele d e s a fia os q u e a cre d ita m qu e h á " u m a d ife re n
ça m o ra l re a l e n tre c e rto e e rra d o qu e to d o s os h o m e n s tê m
d e v e r d e re s p e ita r" (G o u g h , 1 9 5 7 :1 1 8). D iz e r qu e G a u th ie r
ig n ora nosso d e v e r d e pro te g e r os v u ln e rá v e is n ã o é ofere c er
u m a rg u m e n to c o n tra sua te oria , p o is a e xistê n cia d e ta is d e -
O LIB E R T A RISM O 169

v ere s é a p ró p ria q u e stã o e m d e b a te . C o n tu d o , ju s ta m e n te


p orq u e a b a n d o n a a id é ia desque as p e sso a s p o ssu e m status
m ora l in e re n te , a a bord a g e m d a v a n ta g e m m ú tu a n ã o é um a
o u tra d e scriç ã o d e ju s tiç a , m a s, a nte s, u m a a lte rn a tiv a à ju s
tiç a i E m b ora a v a n ta g e m m ú tu a possa g e ra r re s u lta d o s ju s
to s sob c o n diç õ e s d e ig u a ld a d e n a tu ra l e te c n o ló g ic a , e la d á
lic e n ç a à e xplora ç ã o s e m pre qu e " a s dife re n ç a s p e sso ais são
s u fic ie n te m e n te gra n d e s " e n ã o h á n e n h u m fu n d a m e n to n a
te o ria p a ra p re fe rir a ju s tiç a à e xplora ç ã o. Se as p e ssoas a g e m _
co m ju s tiç a n ã o é p o rq u e v e ja m a ju s tiç a co m o u m v a lor, m a s
a p e n a s p o rq u e c are c e m d e " p o d e r irre s is tív e l" e, p o rta n to ,
d e v e m o p ta r p e la ju s tiç a ; D o p o n to d e v is ta d a m o ra lid a d e
c o tid ia n a , p o rta n to , o c o n tra tu a lis m o d a v a n ta g e m m ú tu a
p o d e fo rn e c e r u m a a n á lis e ú til d o fe le re s s e p r io r i
o u d a .re alpolitiíç, "m a s o m o tiv o p e lo q u a l d e v e m os c o n sid e
r á -lo co m o u m m é to d o d e ju s tific a ç ã o m o ra l p e rm a n e c e in
te ira m e n te m is te rio s o " (S um m e r, 1 9 8 7 :1 5 8 ; cf. B arry, 1989:
284). C o m o R a w ls d iz , " a ca d a u m c o n form e su a v a n ta g e m j
d e a m e a ç a " sim ple sm e nte n ã o co nta com o conce pçã o d e ju s -j
tiç a (R a w ls, 1 9 7 1 :1 3 4).
-'íí a d a disso p e rturb a rá o te ó ric o d a v a nta g e m m ú tu a . S e
re je ita m o s a id é ia d e qu e as pessoas o u ações tê m status m o -
ra l ¡n é re nfe T ê rita o . as lim ita çõ e s m o ra is d e v e m s er a rtific ia is ,
n ã o n a tura is , b a se a d a s e m co n v e nçõ e s m u tu a m e n te v a n ta
jos a s. E, se conv e nçõ e s m u tu a m e n te v a n ta jo s a s e n tra m em
c o n flito co m a m ora lid a d e c o tid ia n a , e n tã o , " t a n to p io r p ara
a m o ra lid a d e " (M o rris , 1 9 8 8:1 2 0 1 A v a n ta g e m m ú tu a p o d e
s e r .Q ,m el-hor q u e p o d e m o s e sp e ra r e m u m m u n d o se m d e - <
v ere s n a tu ra is o u v a lore s .m ora is o b je tiv o s .
A a b ord a g e m d a v a n ta g e m m ú tu a será a tra e n te p a ra os
qu e c o m p a rtilh a m se u c e ticis m o a re s p e ito dos d ire ito s m o
ra is. A m a io r p a rte d a filo s o fia p o lític a d a tra d iç ã o o cid e n ta l,
p oré m , c o m p a rtilh a a vis ã o o p o sta , d e q u e h á g e ra d ore s de
o brig a çõ e s c e rto s e e rra d o s qu e to d a s as p e sso a s tê m d e v e r
d é T é s p e ita n Ê , a m e u v e r, e sta é u m a su p o siç ã o le g ítim a . É
v e rd a d e q u e nossa s a firm a ç õ e s a re s p e ito d o s d e v ere s n a
tu ra is n ã o são s u sc e tív e is d e o bs erv a ç ã o n e m d e te ste , m a s
170 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d ife re n te s tip o s d e o b je tiv id a d e sã o a p lic a d o s a d ife re n te s


áre as d e ç o n h e c im e n to e riã o h á n e n h u m a ra z ã o p a ra e sp e
ra r o u de seja r q u e os d e v ere s m ora is te n h a m o m e sm o tip o
d e o b je tiv id a d e q u e as ciê n cia s físic a s. G om o d iz N a g e l, "se
q u a is q u e r v a lo re s sã o o b je tiv o s , sã o valores o b je tiv o s , n ã o
q u a lq u e r o u tra cois a o b je tiv a " (N a g e l, 1980: 9 8)7.
E ssa é u m a q u e stã o d ifíc il e a lg u m a s p essoas c o n tin u a
rã o c é tic a s q u a n to à e x is tê n cia d e d e v e re s m ora is . Se fo r
a ssim , e ntã o,,.a v a n ta g e m m útu a - p o d e s e r tudQ .Q .q.ueJem Q S
p a ra c o n s tru ir re gra s so cia is .,N a d a disso , p oré m , a ju d a o l i
b e rtá rio , p o is c o n v e n çõ e s m u tu a m e n te v a n ta jo s a s m u ita s
v e z e s p o d e m n ã o s e r lib e rtá ria s . A lg u m a s p e sso a s te rã o a
c a p a cid a d e d e c o a g ir os o u tro s , v io la n d o a su a poss e d e si

7. M e sm o qu e possa m os id e n tific a r ta is n orm a s d e ju s tiç a , re sta a d ifíc il


qu e stã o de p o r qu e nos s e n tim o s o brig a d o s a ob e d e c ê-la s. P or qu e e u d e v eria
m e im p o rta r com o qu e m ora lm e n te d e vo fa z er? O s te ó ric o s d a v a nta g e m m ú
tu a a rg u m e n ta m qu e só te n h o u m a ra z ã o p ara fa z e r a lg o se a ação s a tisfa z a l
g u m d e s e jo m e u.j> e_a s.a çõ e s- m o ra is ,n ã o .a u m e n ta m .a jm n b a -s a tis fe ç ã c L d e
d e sejos, n ã o te n h o n e n h u m a ra z ã o p a ra e x e cutá-la f.J E sta te o ria d e ra c io n a li
dad e pod e ser v e rd a d e ira m e sm o qu e h a ja n orm a s m ora is o b je tiv a s. O c o n tra -
tu a lis m o de R a w ls pod e fo rn e c e r u m a d e scriç ã o v e rd a d e ira d a ju s tiç a e, c o n tu
do, " s e r apenas u m a a tiv id a d e in te le c tu a l, u m a m a n e ira de o lh a r [...] o m u n d o
qu e n ã o pod e te r n e n h u m e fe ito m o tiv a d o r sobre a ação h u m a n a " (H a m p to n ,
1986: 32). P or qu e as pessoas qu e possu e m p o d e r d e sig u a l d e v e ria m se a bster
de u s á -lo em seus p ró p rio s intere sse s? B uch a n a n a rg u m e n ta qu e os pod erosos
tra ta rã o os o u tro s com o ig u a is m ora is apenas se fore rn lè v ã 3 õ s ~ a i sso " a rtifi-
ciã T m ê htê l, .T ã ifà lre s;.d a'a d e s ã õ g e ra l ã norm a s é tic a s inte m q p O (B uch a na n,
1 9 7 5:1 7 5-6). E , n a v erd a d e , R a w ls re a lm e n te in vo c a " a adesão a norm a s éticas
in te rn a s " - is to é, a u m a disp o siç ã o pre e xiste n te p ara a tu a r com ju s tiç a - ao ex
p lic a r a ra cio n a lid a d e d a ação m o ra l (R a w ls, 1971: 4 8 7-9). A o ch a m ar esta de
" a rtific ia l" , B uch a n a n d á a e n te n d e r qu e R a w ls n ã o e n c o n tro u u m a m otiv a ç ã o
"re a l" p ara a g ir com ju s tiç a . M a s p o r que nossa m otiv a ç ã o p ara a g ir com ju s ti
ça n ã o d eve ser u m a m otiv a ç ã o m ora l? C om o d iz K a n t, a jjio ra lid g d e G g ,jy jn a
fo n te s u fic ie n te e o rig in a l de d e term in a ç ã o d e n tro de n ó s ". A s pessoas po.dgm
sê’r m ôtiV ã d as p ara a g ir com ju s tiç a sim p le sm e n te p o r v ire m á co m pre e n d e r as
ra zõ e s m ora is p a ra fa z ê -lo . Isso pod e p a re c e r " a rtific ia l" p ara a qu eles qu e a c e i
ta m u m a vis ã o de v a n ta g e m m ú tu a d a ra cio n a lid a d e , m as a a c e ita b ilid a d e d e s
ta vis ã o é ju sta m e n te o qu e está em qu e stã o. P ara m u ito s de nós, o re co n h e ci
m e n to de que os o u tro s são fu n d a m e n ta lm e n te com o nós q u a n to a te r ne ce s
sid a d e s e o b je tiv o s ofere c e u m a ra z ã o co n vin c e nte p a ra qu e se a d ote o p o n to
d e v is ta d a ju s tiç a (B arry, 1 9 8 9:1 7 4-5 , 28 5-8).
O LIB E R TARJSM O 171

m e sm os, e a lg u m a s p e s s o a s te rã o a c a p a cid a d e .d e to m a r a
H °R ™ d a d e J e o ^^^
A v a n ta g e m m ú tu a , p o rta n to , forn e c e a p e n a s u m a d e fe s a
m u ito lim ita d a dos d ire ito s d e pro prie d a d e , e a pouc a d e fe
sa qu e forn e c e n ã o-é u m a d e fe s a re c o n h e cid a m e n te m o ra l.
A m a io ria dos lib e rtá rio s p re fe riria d e fe n d e r seu c o m p ro m is
so com os d ire ito s d e pro prie d a d e n a lin g u a g e m d a ju s tiç a ,
n ã o d o pod e r. O re curso de N o z ic k à ig u a ld a d e n ã o fu n d o -
n o u , m a s a in d a te m o s d e e x a m in a r o re c urs o à lib e rd a d e ?

4. O lib e rta ris m o com o lib e rd a d e

A lg u m a s p e sso a s a rg u m e n ta m q u e o lib e rta ris m o n ã o


é u m a te o ria d a ig u a ld a d e o u v a n ta g e m m ú tu a . A n te s , com o
o n o m e sug ere , é u m a lte ç n i^d a T I5 ê r3 a 3 e !? N e s ta vis ã o , a
ig u a ld a d e e a lib erd a d e são riv a is n a d is p u ta d e noss a fid e
lid a d e m oranl ne o qu e d e fin e o lib e rta ris m o ..r.r.|T
é Jju sBta^ m
^ e n te
^ o seu
r e c o riK jm n e n tq çla Ifo çrd a d e c o m o p re m issa, m õ rjJ J fu n ift-
m e n t a le .s m J e c .U .s a .d e _c o m pro m e rie ra lib e rd a d e .p e la ig u a l-
d a d e (a o c o n trá rio d o lib e ra l d o E sta d o d e b e m -e s ta r s o cia l).
E sta n ã o é u m a in te rpre ta ç ã o p la u s ív e l d a te o ria d e N o
z ick. D e fa to N o z ic k d iz qu e som os livre s , m ora lm e n te fa la n 4
d o , p a ra u s a r nossos p o d e re s co m o d e s e ja rm o s. E ssa poss ej
d e nós m e sm os, p oré m , n ã o é d e riv a d a d e n e n h u m p rin c íp io
d e lib e rd a d e . E le n ã o d iz qu e a lib e rd a d e v e m p rim e iro e qu e ,
p a ra s erm os livre s , pre cis a m o s d a posse d e n ó s m e sm os. E le
n ã o n o s ofere c e n e n h u m p o n to d e a p o io n a id é ia d e lib e r
d a d e c o m o a lg o a n te rio r à poss e d e si m e sm o , a p a rtir d o
q u a l poss a m os d e riv a r a posse d e n ó s m e sm o s.. S ua vis ã o é,
a nte s, qu e a a bra n g ê n cia e a n a ture z a d a lib e rd a d e q u e d e y e -
m ós u s u friiilr 'são u m a fim ç ã o d a nossa posse d e nós m e sm os.
O u tro s lib e rtá rio s , p oré m , d iz e m q u e o lib e rta ris m o b a -
s e ia -s e e m u m p rin c íp io d e lib e rd a d e . O q u e s ig n ific a u m a
te o ria e star b a se ad a e m u m p rin c íp io d e lib e rd a d e e com o ta l
p rin c íp io serv e p a ra d e fe n d e r o c a p ita lis m o ? U m a re s p o sta
e vid e n te é esta:
172 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

2 . a lib e rd a d e é o v a lo r fu n d a m e n ta l;
3. ~ p òrta n to , o m e rc a d o liv re é e x ig id o m ora lm e n te .

E sta vis ã o , p oré m , a p e s ar de m u ito c o m u m , é u m a s éria


confus ã o . A rg u m e n ta re i qu e as pre m iss a s (1) e (2) a cim a , n a
sua a pre s e nta ç ã o-p a drã o, são e ng a nosa s e qu e q u a lq u e r te n
ta tiv a d e d e fe n d e r o c a p ita lis m o re c orre n d o a u m p rin c íp io
d e lib e rd a d e e n c o n tra rá pro b le m a s sim ila re s .

(a) O v a lo r da lib erd a d e

(i) O papel da liberdade nas teorias ig u a litá ria s

C om e c e m os co m a pre m iss a (2), q u e d iz re s p e ito ao v a


lo r d a lib e rd a d e . A n te s d e e x a m in a r a a firm a ç ã o d e q u e a l i
b e rd a d e é u m v a lo r fu n d a m e n ta l, é im p o rta n te e sclare c er o
p a p e l d a lib e rd a d e n a s te oria s qu e e x a m in a m o s até a q u i; A r
g u m e n te i qu e o u tilita ris m o , o lib e ra lis m o e o lib e rta ris m o de
N o z ic k são to d o s te oria s ig u a litá ria s . E m b ora a lib e rd a d e n ã o
seja u m v a lo r fu n d a m e n ta l n e sta s te oria s , isso n ã o s ig n ific a
¡qu e n ã o e ste ja m inte re ss a d a s n a lib e rd a d e . P elo c o n trá rio , a
proteção d e c erta s lib e rd a d e s fo i d e gra n d e im p o rtâ n c ia e m
ca d a te o ria . Isso é e v id e n te n o caso d e N o z ic k , q u e e n fa tiz a
as lib e rd a d e s fo rm a is d a posse d e si m e sm o, e d e R a wls, qu e
a trib u i p rio rid a d e lé xic a às lib e rd a d e s civis e p o lític a s b á s i
cas. M a s ta m b é m é v e rd a d e n o q u e se re fe re à m a io ria dos
u tilitá rio s , co m o M ili, qu e s e n tiu qu e a u tilid a d e era m a x im i
z a d a q u a n d o se c o n c e dia às pe sso a s a lib e rd a d e d e e s colh e r
seu p ró p rio m o d o d e v id a .
A o d e c id ir q u a is lib e rd a d e s d e v e m s er pro te g id a s , os
te óric o s ig u a litá rio s s itu a m e sta s te oria s e m u m a d e scriç ã o
de ig u a l pre ocup a ç ã o com os intere ss e s das pessoas. E les p e r
g u n ta m se u m a lib e rd a d e e sp e cífic a pro m o v e os inte re ss e s
d a s p e sso a s e fo rm u la m qu e , se é a ssim , e n tã o , e la d e v e ser
p ro m o v id a p orq u e os inte re ss e s d a s p essoas d e v e m ser p ro -
O LIB E R T A RISM O 173

m o vid o s . P or e x e m plo , se ca d a p e sso a te m u m i ntere ss e im


p o rta n te n a lib e rd a d e d e e scolh e r seu cô nju g e , e ntã o , n e g a r
a a lg u é m e sta lib e rd a d e é n e g a r-lh e o re s p ê ítõ e inte re ss e a
q u e te m d ire ito ,, n e g a r su a p o siç ã o ig u a l c o m o s er h u m a n o
c ujo b e m -e star é um a qu e stã o d e ig u a l pre ocup a ç ã o. D e fe n
d e r u m a lib e rd a d e e sp e cífic a , p o rta n to , e n volv e re s p o n d e r às
du a s qu e stõ e s s e g uinte s:

(a) q u a is lib e rd a d e s são im p o rta n te s , q u a is lib e rd a d e s


intere ss a m , d a d a a nossa d e scriç ã o dos intere ss e s das
pessoas?
(ib) qu e d is trib u iç ã o d e lib e rd a d e s im p o rta n te s d á ig u a l
co n sid e ra ç ã o aos inte re ss e s d e c a d a pessoa?

E m o u tra s
.com o u m a l i b e __ _ _ se a u m a te o ria d o s
intere ss e s das pessoas e, e ntã o , p e rg u n ta m com o u m a d is tri
b u iç ã o dessã TIB erdá dè ã jú sta -s e a u m a te o ria d e ig u a l p re o -
c u p ã c ã õ c S m òs m tã rê s s é s H as p e s s o a s*N o ca sóH é'R aw T s,
p o r e x e m plo , p e rg u n ta m o s q u a l e squ e m a d e lib e rd a d e s se
ria e s c o lh id o a p a rtir d e u m a p o siç ã o d e c o n tra to qu e re p re
s e nte u m a pre ocup a ç ã o im p a rc ia l co m os intere ss e s das p e s
soas. D e s ta m a n e ira ,n a .lib e id a d e s - p a r-tic u fa re s-p o d e m v ir
a d e s e m p e n h a r .u m p a p e l im p o rta n te .n a s . te o ria s ig u a lit á -
ria s . , C h a m a re i is s o ," a b ord a g e m ra w ls ia riá " d a a v a lia ç ã o de
lib e rd a d e s .
A s te oria s d e v a n ta g e m m ú tu a a v a lia m a lib e rd a d e d e
m a n e ira s im ila r. C o m o R a w ls, p e rg u n ta m q u a is lib e rd a d e s
e sp e cífica s pro m o v e m os intere ss e s das pessoas e, e ntã o, p e r
g u n ta m q u a l d is trib u iç ã o d e sta s lib e rd a d e s d e c orre d e u m a
p o n d e ra ç ã o a d e q u a d a dos inte re s s e s d a s p e sso a s. A jin ic a
dife re n ç a é qu e , n as te oria s d c.v a nta g e m m ú tu a, os in te resses
_das pessoas 5 ã o.pond e m dos.s e gund a s e uq2 Q dfii.d e ..h a^a nh a ,
n ã o s e gund o u intere ss e im p a rcia l. caso d e G a u th ie r, p o r
e x e m p lo , p e rg u n ta m o s q u a l e sq u e m a d e lib e rd a d e s s e ria
a c e ito p e lo s c o n tra ta n te s qu e n e g o cia m a v a n ta g e m m ú tu a
c o m b ase n o s seus intere ss e s.
174 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

C o m o vim o s , m u ito s lib e rtá rio s d e fe n d e m suas lib e rd a


des pre fe rid a s (p o r e x e m p lo , a lib e rd a d e d e e x erc er os n o s
sos ta le n to s n o m e rc a d o) d e um a d e sta s du a s m a n e ira s . N a
v e rd a d e , a lg u n s dos lib e rtá rio s q u e d iz e m q u e ,s u a . te o ria é
"b a s e a d a n a lib e rd a d e " ta m b é m d e fe n d e m su as lib e rd a d e s
pre fe rid a s e m fu n ç ã o d a co n sid e ra ç ã o p e lo s inte re ss e s das
p e sso a s, p o n d e ra d o s s e g u n d o os c rité rio s d e ig u a ld a d e q u
v a n ta g e m m ú tu a . C h a m a m isso u m a rg u m e n to b a s e a do n a
lib e rd a d e p a ra e n fa tiz a r su a cre nç a d e q u e nosso in te re s s e
e s s e n cia l é u m in te re s s e e m c e rto s tip o s d e lib e rd a d e , m a s
e ste n o v o ró tu lo n ã o a fe ta o a rg u m e n to su bja c e nte . E, in d e
p e n d e n te m e n te d o ró tu lo , a v a lia r as lib e rd a d e s e m fu n ç ã o
d a ig u a ld a d e o u d a v a n ta g e m m ú tu a n ã o re s u lta rá n o lib e r-
ta ris m o , p o r ra z õ e s q u e d is c u ti.
. A d efe sa d o lib e rta ris m o p o.de.se r b a se a d a n a lib e rd a d e ,
d e u m a m a n e ira j
s ê a d a n a ig u a ld a d e o u n a v a n ta g e m m ú tu a ? O qu e s ig n ifi
c a ria p a ra os lib e rtá rio s d e fe n d e r suas lib e rd a d e s pre fe rid a s
re c o rre n d o a o p rin c íp io d e lib e rd a d e ? H á d u a s p o s s ib ili
d a d e s. H n u p rin c ip ia d e lib e rd a d e é qu e a lib e rd a d e d e v e ser
|m a > dm iz a d a n a s Q cie d a d e , O s lib e rtá riris ljií e T ic O T é W a é sfé
/p rin c íp io d e fe n d e m suas lib e rd a d e s pre fe rid a s a firm a n d o que
/ o re c o n h e c im e n to d e sta s lib e rd a d e s e sp e cífic a s m a x im iz a
¡ a lib e rd a d e n a socie d a d e . Q s e gun d o p rin c íp io d e lib e rd a d e
é qu e as pessoas, tê m d ir e ito à lib e rd a d e m a is e xte ns a_çomr

É
a tiv e i com um a lib e rd a d e ig u a l p a ra to d o s/O s lib e rtá rio s qu e
:c orre m a e ste p rin c íp io d e fe n d e m suas lib e rd a d e s p re fe rí
as a firm a n d o q u e re c o n h e c e r e stas lib e rd a d e s e sp e cífic a s
' a u m e nta a lib e rd a d e g era l d e ca d a pessoa. A rg u m e n ta re i qu e
o p rim e iro p rin c íp io é a b s urd o e n ã o é a tra e n te p a ra n in
gu é m , in clu siv e p ara os lib e rtá rio s , e qu e o s e gund o p rin c íp io
é u m a m a n e ira co nfu s a d e re a firm a r o a rg u m e n to ig u a litá rio
o u q u e se b a s e ia e m u m a co n c e p ç ã o d e lib e rd a d e in d e te r
m in a d a e se m a tra tiv o s . A lé m disso, m e sm o se a c e ita rm o s a
in te rp re ta ç ã o a b s urd a o u a in te rp re ta ç ã o s e m a tra tiv o s d o
p rin c íp io d e lib e rd a d e , ela s, a in d a a ssim , n ã o d e fe n d e rã o o
lib e rta ris m o .
O LIB E R T A RISM O 175

(ii) A liberdade teleológica

O p rim e iro p rin c íp io d e lib e rd a d e d iz q u e d e v e m o s te r


co m o o b je tiv o m a x im iz a r a q u a n tid a d e d e lib e rd a d e n a s o-
cie d a d e /S e a lib e rd a d e é o v a lo r ú ltim o , p o r qu e n ã o a lm e
ja m o s te r ta n to d e la q u a n to possív e l? E sta , n a tu ra lm e n te , é
a m a n e ira com o os u tilit á rio s id e o ló g ic o s a rg u m e n ta m a fa
v o r d a m a xim iz a ç ã o d a u tilid ad e e. p o rta n to , ch a m a re i este
d e p rin c íp io d e lib e rd a d e ''t e le o lo g ic a l. C o n tu d o , co m o v i
jn o s n o c a p ítu lo 2, e ste tip o d e te o ria p e rd e c o n ta to co m
nossa com pre e ns ã o m ais básica de m ora lid a d e . C om o as te o
ria s id e o ló g ic a s c o n sid e ra m o intere ss e p e lo b e m (p or e x e m
p lo , a lib e rd a d e o u a u tilid a d e ) c o m o fu n d a m e n ta l e o in
tere ss e p e la s p e sso a s c o m o d e riv a d o , a p ro m o ç ã o d a h e m

^so a S| P or e x e m p lo , p o d e ría m o s a u m e n ta r a q u a n tid a d e d e


lib e rd a d e n a s o cie d a d e a u m e n ta n d o o n ú m e ro d e p e s
soas, m e sm o q u e a lib e rd a d e de ca d a p e sso a p e rm a n e c e s
se a m e sm a . N ã o o b sta n te , n in g u é m p e ns a qu e , a p e n a s p o r
e sta ra z ã o , u m p a ís m a is p o p u lo s o s e ja m a is liv r e e m n e
n h u m s e n tid o m o ra lm e n te re le v a n te .
N a v e rd a d e , p o d e s er p o ssív e l p ro m o v e r o b e m s a c rifi
c a ndo pessoas. P or e x e m p lo^u m p rin c íp io te le o ló g ic o p o d e
ria ex ig ir q u e co a gíss e m os as p e sso a s a. r n n r e h e r p a . a ÍM -
q ia n ç a s e, com isso, a u m e n ta r a p o p u la ç ã o/ Isso priv a as p e s
soas d e u m a lib e rd a d e , m a s o re s u lta d o s e ria o a u m e n to d a
q u a n tid a d e g e ra l d e lib e rd a d e , já qu e as m u ita s lib e rd a d e s
d a n o v a p o p u la ç ã o tê m m a is p e so qu e a p e rd a d e u m a l i
b e rd a d e e n tre a p o p ula ç ã o a n te rior. O p rin c íp io ta m b é m p o
d e ria ju s tific a r a d is trib u iç ã o d e sig u a l d e lib e rd a d e s. Se cin co
pe sso a s m e e scra viz a re m , n ã o h a v e rá n e n h u m a ra z ã o p a ra
s u p or q u e a p e rd a d a m in h a lib e rd a d e te n h a m a is p e so qu e
a lib e rd a d e a u m e n ta d a dos cin c o p ro p rie tá rio s d e escra vos.
E les p o d e m g a n h a r c o le tiv a m e n te m a is opçõ e s o u e scolh a s,
com a lib e rd a d e d e d is p o r d e m e u tra b a lh o , d o qu e e u p e rco
(s u p o n d o q u e s e ja p o s s ív e l m e d ir ta is cois a s - v e r seção
•fa(üi) ab aixo). Jsfe nhum lib e rtá rio a póia ta is polític a s, p ois elas
v io la m d ire ito s fu n d a m e n ta is.-
176 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

S eja o qu e fo r q u e os lib e rtá rio s pre te n d a m d iz e r co m a


a firm a ç ã o d e qu e sua te oria b a s eia-s e n a lib e rd a d e , n ã o p o d e
ser isso. E m u m p rin c íp io d e v e rd a d e te le o ló g ic o , o o b je tiv o
n ã o é re s p e ita r as pessoas, p ara as q u a is c erta s lib e rd a d e s são
n e c e gs á ria s o u d e s e ja d a s, m a s .re s p e ita r a lib e r d a d e , p ara a
q u a l c erta s pessoas p o d e m o u n ã o c o n trib u ir d e m a n e ira ú t il
O lib e rta ris m o , p oré m , re sp e ita p rim e iro as pessoas e re sp e ita
a lib e rd a d e com o u m c o m p o n e n te d o re s p e ito p ela s pessoas.
P orta n to , os lib e rtá rio s n ã o d ã o pre fe rê n cia a m a x im i
z a r a lib e rd a d e n a socie d a d e . C o n tu d o , é u m a in te rp re ta ç ã o
n a tu ra l d a a firm a ç ã o d e qu e a lib e rd a d e é o v a lo r fu n d a m e n -l
ta l e é e n cora ja d a p e la re je iç ã o re tó ric a d a ig u a ld a d e dos li- |
b e rtá rio s . O s lib e rtá rio s a cre dita m e m d ire ito s ig u a is d e p o s -|
se d e si m e sm o, m a s m u ito s d e le s n ã o q u e re m d e fe n d e r isso
re c orre n d o a q u a lq u e r p rin c íp io d e ig u a ld a d e . JSles te n ta m
e n c o n tra r u m a ra z ã o b a s e a d a n a lib e rd a d e p a ra d is trib u ir l i
b e rd a d e s ig u a lm e n te . A s s im , a lg u n s lib e rtá rio s d iz e m q u e
d ã o pre fe rê n cia a lib e rd a d e s ig u a is p orq u e a cre d ita m n a l i
b e rd a d e e, c o m o c a d a in d iv íd u o p o d e s er liv re , cad a in d iv í
d u o d e v e s er liv r e 8. Se, p oré m , e sta foss e re a lm e n te a e x p li
cação d o c o m pro m is s o lib e rtá rio com a ig u a l lib e rd a d e , e n
tã o , ele s d e v e ria m a u m e n ta r a p o p u la ç ã o , já qu e as pessoas
fu tura s ta m b é m p o d e ria m ser liv re s ..A s te n ta tiv a s lib e rtá ria s
d e d e fe n d e r a ig u a l lib e rd a d e re c orre n d o à lib e rd a d e , e m
v ê z d e re c orre r à ig u a ld a d e , im p e íe m -n a s n a d ire ç ã o d e u m
p rin c íp io te le o ló g ic o d e lib e rd a d e, p o is é o ú n ic o p rin c íp io d e
lib e rd a d e qu e n ã o re corre à ig u a ld a d e . ¡Isso, p oré m , descreve
e rro n e a m e n te seus re a is c o m pro m isso s. O s lib e rtá rio s re je i
ta m o a u m e n to d a q u a n tid a d e g e ra l d e lib e rd a d e p o r m e io
d o a u m e n to d a p o p ula ç ã o e o re je ita m p e la m e sm a ra z ã o que
re je ita m o a u m e n to d a q u a n tid a d e g e ra l d e lib e rd a d e p o r
m e io d a d is trib u iç ã o d e sig u a l d e lib e rd a d e s - is to é, su a te o -

8. O s te óric o s de e squ erd a m u ita s ve z e s com e te m o m e sm o e rro . G e o r


ge B re n k e rt, p o r e x e m plo , a rg u m e n ta qu e o co m pro m isso co m a lib e rd a d e de
M a rx n ã o está lig a d o a n e n h u m p rin c íp io d e ig u a ld a d e (B re n k e rt, 1983: 124,
158; m as cf. A m e so n , 1981: 2 2 0-1; G era s, 1989: 247-51).
O IIB E R TAJRISM O 111

ria b a s e ia-s e n a ig u a ld a d e . C o m o d iz P e ter J o n e s ,,/'pre fe rir a


lib e rd a d e ig u a l à lib e rd a d e d e sig u a l é p re fe rir a ig u a ld a d e à
d e sig u a ld a de, n ã o a lib era a d e _à a u s ê n cia d e lib e rd a d e " (Jo
nes, 1982: 233). N a m e d id a e m q u e os lib e rtá rio s e stã o c o m
p ro m e tid o s co m a lib e rd a d e ig u a l p a ra c a d a p e sso a , e stã o
a d o ta n d o u m a te oria b ase ad a n a ig u a ld a d e . S ua te n ta tiv a d e |
n e g a r isso colo c a n d o tu d o e m te rm o s d e lib e rd a d e n ã o a p e -
n a s c o n fu n d e a q u e stã o , m a s a m e a ç a s o la p a r se u p ró p rio
c o m pro m is s o co m a posse d e s i m e sm o.

(iii) A liberdade neutra

O s e g u n d o e m a is p ro m is s o r c a n d id a to a p rin c íp io fu n
d a m e n ta l d a lib e rd a d e d iz qu e ca d a p e sso a te m d ire ito à l i
b e rd a d e m a is e xte ns a c o m p a tív e l c o m u m a lib e rd a d e ig u a l
p a ra to d o s . C h a m a re i e ste o p rin c íp io d a " m a í a iilb e rd a d e
ig m y if. E ste p rin c íp io fu n c io n a n a e s tru tu ra g e ra l d e u m a
te o ria ig u a litá ria , já qu e , a gora , a lib e rd a d e ig u a l n ã o p o d e
s er s a crific a d a p o r u m a lib e rd a d e g e ra l m a ior, m a s é e ss e n
cia lm e n te d ife re n te d a a bord a g e m ra w lsia n a (seção 4a (i) a ci
m a) . A a b ord a g e m -m w k ia n a ava lia v a üh erdad es-espe e-ífie as
p e rg u n ta n d o com o elas pro m o v e m nossos intere sse s. A m a js
im p o rta n te a b ord a g e m da lib e rd a d e itn in l a v a lia as lib p rd a -
^ C j^ j£ M H i~ .p ii^ u ^ ^ //_ qu a nta lib erd a d,e^la suosufe-
-reçem^camlas£m£up^^^^

A m b a s as a bord a g e ns lig a m o v a lo r d e lib e rd a d e s e sp e cífica s


a u m a d e scriç ã o d e nossos intere ss e s. A a b ord a g e m ra w ls ia
n a , p oré m , n ã o d iz ia qu e te m o s in te re ss e n a Jib e rd a d e co m o
ta l, n e m qu e nosso in te re s se p o r q u a lq u e r li b erd a d e espec ífi-
u a corre s p o n d e a q u a n ta lib e rd a d e ela c o n té m , n e m s e qu er
q u e fa z sen tid o co m p a ra r a q u a n tid a d e d e lib e rd a d e c o n tid a ”
„ e in d ife re n te s lib e rd a d e s: L ib e rd a d e s d ife re n te s pro m o v e m
inte re ss e s d ife re n te s p o r m u ita s ra z õ e s d ife re n te s , e n ã o h á
n e n h u m a ra z ã o p a ra s u p or qu e as lib e rd a d e s m a is v a lio s a s
p a ra n ó s são a qu e la s qu e tê m m a is lib e rd a d e . A a b ord a g e m
178 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d a m a io r lib e rd a d e ig u a l, p oré m , d iz qu e o v a lo r d e q u a l
q u e r lib e rd a d e e sp e cífic a é s im p le s m e n te q u a n ta lib e rd a d e
e la c o n té m , p o is(n o s s o -inte re ss e -e m lib e rd a d e s e sp e cífic a s
o rig in a -s e d e n o sso in te re s s e n a lib e rd a d e c o m o t a l/ A o
c o n trá rio d a a b ord a g e m ra w lsia n a , os ju lg a m e n to s d o v a lo r
das d ife re n te s lib e rd a d e s e xig e m ju lg a m e n to s d e m a io r o u
m e n o r lib e rd a d e e são d e riv a d o s d e ste s.
Se o lib e rta ris m o re c orre a este p rin c íp io d a m a io r lib e r
d a d e ig u a l, e ntã o , n ã o se tra ta d e u m a te o ria "b a s e a d a n a l i
b e rd a d e " n o s e n tid o e s trito , p o is (ao c o n trá rio d e um a te oria
base ad a n a lib e rd a d e te le o ló g ic a ) os d ire ito s à lib e rd a d e são
d eriv a d o s dos d ire ito s das pessoas a ig u a l consid era ç ã o. C o n
tu d o , é base ad a n a lib e rd a d e e m u m s e n tid o m a is liv re , p ois
(a o c o n trá rio d a a b ord a g e m ra w ls ia n a d e lib e rd a d e ) d e riv a
ju lg a m e n to s d o v a lo r d e lib e rd a d e s e sp e cífica s a p a rtir d e ju l
g a m e nto s d e m a io r o u m e n o r lib e rd a d e . O lib e rtá rio p o d e
d e fe n d e r suas lib e rd a d e s pre fe rid a s re c orre n d o a o p rin c íp io
d a m a io r lib e rd a d e ig u a l? . A rif es ,qu e p o s s a m Q S .r.e s p o .n d e r.,a
essa p e rg u n ta , pre cis a m o s d e a lg u m a m a n e ira d e m e d ir a li-
b e rd a d e , d e m o d o q u e p o s s a m o s d e te rm in a r s i o m ê rc a d o
liv re , p o r.e x e m p lo , m a xim iz a a lib e rd a d e d e ca d a in d iv ie íu a .
R ara m e d ir a lib e rd a d e , pre cis a m o s 'd e ffim lã . 11a m u ita s
d e fin iç õ e s d e lib e rd a d e n a lite ra tu ra , m a s ela s p o d e m ser
a grup a d a s, p o r e n q u a n to , e m d o is c a m pos (serã o c o n sid e
ra d a s su b divisõ e s p o s te rio rm e n te ). O c a m p o " lo c k ia n o " d e
fin e a lib e rd a d e e m fu n ç ã o d o e x e rcício d e nossos d ire ito s .
Se u m a re striç ã o d im in u i o u n ã o noss a lib e rd a d e d e p e n d e
d e te rm o s tid o o u n ã o d ire ito de fa z e r a cois a re s trin g id a . P or
e x e m plo , os lo c k ia n o s d iz e m q u e im p e d ir u m a p e sso a d e i '
ro u b a r n ã o é u m a re striç ã o d e su a lib e rd a d e , já qu e e la n ã o |i
tin h a n e n h u m d ire ito d e ro u b a r. E sta é u m a d e fin iç ã o " m o -ff
ra liz a d a " d e lib e rd a d e , já qu e pre ssupõ e u m a te o ria d e d i
re ito s pré via . O ç ^ E o j^ e n ç g ria D Q l.p o r outro Iñ d M fífjn e
a lib e rd a d e d ê m a n e ira n ã o m o ra liz a d a .-.ç p ffio a .^ e s e n ç a
. d e opçõ e s o u escolhas, p o r e x e m plo - se m s u p o rq u e fe m o s .
^.direito de e x erc er estas opçõ e s. O s sp e nc eria n os, e ntã o , a tri
b u e m d ire ito s de m a n e ira q ú e m a xim iz e a lib e rd a d e d e cada
O L1B E R T A RISM0 179

in d iv íd u o qu e seja c o m p a tív e l com u m a lib e rd a d e ig u a l p ara


to d o s. P orta nto , p ara sa b er se as pessoas tê m d ire ito d e a pro-
pria r-s e d e re cursps n a tura is pre via m e n te n ã o p e rte n c e n te s
a n in g u é m é pre cis Q :d e te rm in a r s e e s te ,d ire it Q a u m e nta ou,
d íra ln u i a lib e rd a d e d e cada pe sso a (cf. S terb a , 1 9 8 8 :1 1-5).
Se o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l d e v e s er fu n d a A
m e n ta l, e ntã o, a d e fin iç ã o lo c kia n a está e xcluíd a . Se e stam os \
te n ta n d o d e riv a r d ire ito s a p a rtir de ju lg a m e n to s d e m a io r
o u m e n o r lib e rd a d e , nossa d e fin iç ã o d e lib e rd a d e n ã o p o d e
pre s s u p or a lg u m p rin c íp io dos d ire ito s . O s lib e rtá rio s qu e
re c orre m a o p rin c íp io da m a io r lib e rd a d e ig u a l a cre d ita m
q u e p a ra s a b er se te m o s o u n ã o d ir e ito d e n o s a p ro p ria r de
re cursos n ã o p e rte n c e n te s a n in g u é m , p o r e x e m p lo jL p m ç i.:
so d e te rm in a r se este d ire ito a u m e n ta Qu não.a.libexdade..de
c a d a .p essoa. C o n tu d o , e m u m a d e fin iç ã o lo c k ia n a d e lib e r
d a d e , pre cis a m o s prim e irp ,§ a b g p s e as pessoas tê m d ire ito de
se a p ro p ria r d e re curso s n ã o p e rte n c e n te s a .n in g u é m p ara
s a b e rm o s se u m a re s triç ã o à a p ro p ria ç ã o é u m a r e s triç ã o ji
sua lib e rd a d e . P o rta n to , a d e fe s a lib e rt á ria d o c a p ita lis m o ,
p ara ser b a se ad a n a lib e rd a d e , deve u s ar u m a d e fin iç ã o sp e n-
c e ria n a d e lib e rd a d e . (A d e fin iç ã o sp e nc eria n a é, d e q u a lq u e r
m o d o , p re fe rív e l, p o is a d e fin iç ã o lo c k ia n a e stá e m d e s a cor
d o com nosso uso c o tid ia n o de " lib e rd a d e " . N a conv ers a co
tid ia n a , diz e m o s q u e u m p ris io n e iro é p riv a d o d e su a lib e r
d a d e , m e sm o q u a n d o se u e n c a rc e ra m e n to é le g ítim o .)
N o c a m po sp e n c e ria n o . h á du a s pro p o sta s p rin c ip a is d e
d e fin iç ã o n ã o m ora liz a d a d e lib e rd a d e t U m a d ela s é u m a d e
fin iç ã o " n e u tra " , a o u tra , " p ro p o s itiv a " . C a d a d e fin iç ã o ale g a
forn e c e r u m c rité rio p a ra d e te rm in a r se u m a lib e rd a d e e spe
c ífic a a u m e n ta a lib e rd a d e g e ra l d e a lg u é m , com o é e x ig id o
p e lo p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l. A rg u m e n ta re i q u e *
u s a r a p rim e ira d e fin iç ã o n ã o é a tra e nte e pro d u z re s ulta d o s |
in d e te rm in a d o s , a o p a sso qu e a s e g u n d a é s im p le s m e n te |
‘ u m a m a n e ira c o n fu s a d e re fo rm u la r a a b ord a g e m ra w ls ia n a j
d e a v a lia ç ã o d a s lib e rd a d e s . |
N a vis ã o " n e u tra " , som os livre s n a m e d id a e m qu e n in
g u é m n o s im p e d e d e a tu a r co m b a se e m nossos d e s e jos.
180 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

E sta é u m a d e fin iç ã o n ã o m ora liz a d a , já q u e n ã o pre ssu p õ e


q u e te m o s d ire ito d e a g ir co m b ase n e ste s d e s ejos. A o u s a r
e sta d e fin iç ã o , p o d e m o s s er^a p a z e s-d e ia z er.julg am entos
c o m p a ra tiv o s àTre sp e ito d a q u a n tid a d e d a lib e rd a d e d e a l-
^g u é m .^ e s ta d e finiç ã o , a lg u é m p o d e ser m a is o u m e nos livre ,
já q u e a lg u é m p o d e s er liv re p a ra a g ir co m ba se e m a lg u n s
d e s ejos, m a s n ã o e m o u tro s d e s ejos. Se p o d e m o s fa z e r ta is
ju lg a m e n to s q u a n tita tiv o s a re s p e ito d a q u a n tid a d e d e lib e r
d a d e o fe re cid a p o r d ife re n te s d ire ito s , e n tã o , p o d e m o s d e
te rm in a r q u a is d ire ito s são m a is v a lio s o s . Se o p rin c íp io d a
m a io r lib e rd a d e ig u a l e m pre g a e sta d e fin iç ã o d e lib e rd a d e ,
e n tã o , c a d a p e sso a te m d ir e ito à m a io r q u a n tid a d e d e lib e r
a d o n e u tra co m p a tív e l co m um a lib e rd a d e ig u a l p ara .todo s.
Isso, p oré m , ofere ce m e sm o u m p a drã o p ara a v a lia r o v a
lo r d a s d ife re n te s lib e rd a d e s ? H á d o is pro b le m a s p rin c ip a is .
P rim e iro , nossos ju lg a m e n to s in tu itiv o s a re s p e ito d o v a lo r
d a s d ife re n te s lib e rd a d e s n ã o são, n a v e rd a d e , b a s e a dos e m
ju lg a m e n to s q u a n tita tiv o s d e lib e rd a d e n e u tra . P orta n to ,
ta is ju lg a m e n to s le v a m a re sulta d o s c o n tra -in tu itiv o s . S e gun
d o , os n e c e ss ários ju lg a m e n to s q u a n tita tiv o s d a lib e rd a d e
n e u tra p o d e m s er im p o s s ív e is d e se re a liz a r.
O s ju lg a m e n to s q u a n tita tiv o s d a lib e rd a d e n e u tra são
subja c e nte s ¿ n o s la â v á ra ç ã o c q tid ic m ^^
te s lib e rd a d e s? C o m p a re os h a b ita n te s d e L o n dre s co m c i
d a d ã o s de u m p a ís c o m u n is ta s u b d e s e n v o lvid o co m o a A l
b â n ia . N o rm a lm e n te , p e n s a m o s n o lo n d rin o m é d io com o
e m m e lh o r situ a ç ã o e m te rm o s d e lib e rd a d e . A fin a l, ele te m
d ir e ito d e v o ta r e d e p ra tic a r su a re lig iã o , a lé m d e o u tra s l i
b e rd a d e s civis e d e m o crá tic a s. O s alb a n e s e s n ã o as tê m . P or
{o u tro la d o , a A lb â n ia n ã o tê m m u ito s s e m á foros e as pessoas
jq u e p o ssu e m c a rro s e n fre n ta m p o uc a s re striç õ e s , se é qu e
1a lg u m a , q u a n to a o n d e e co m o d irig e m . O fa to d e q u e a A l
b â n ia te m m e nos re striç õ e s d e trá fe g o n ã o m u d a noss a p e r
cepção d e qu e os alb a n e se s estão e m p io r situ a ç ã o e m term os
d e lib e rd a d e . P od e m os, p oré m , e x p lic a r e ste fa to re c orre n d o
a u m ju lg a m e n to q u a n tita tiv o d e lib e rd a d e n e utra ?
Se a lib e rd a d e p u d e r s er q u a n tific a d a n e u tra m e n te , de
m o d o qu e poss a m os m e d ir o n ú m e ro d e v e z e s qu e , a cada
O LIB E R TA RISM O 181

dia , os s e m á foro s im p e d e m le g a lm e n te os lo n d rin o s d e a g ir


de c e rta m a n e ira , n ã o h a v erá n e n h u m a ra z ã o p a ra d iz e r qu e
estas irã o su p e ra r as oca siõ e s e m qu e os alb a n e se s são le g a l
m e nte im p e d id o s de pra tic a r a re lig iã o e m p ú b lic o . C om o d iz
I Q ã ades^T á\?õ? (d o q u a l a p ro v e ite i o e x e m p lo ),a p e n a s .,u ia a -
m in ô ria d e lo n d ria o s pra tic a alg u m a .re lig iã o , e m ,lo c a is p ú -
T blicos, m a s to d o s tê m qu e te r u m c o m p orta m e n to a d e qu a do
n o tra n s ito . O s q u e re a lm e n te p ra tic a m u m a re lig iã o g e ra l-
m e n te o fa z e m u m a v e z p o r s e m a n a , a o p a sso qu e sã o c o n
tid o s p e lo s s e m á foro s to d o s os d ia fk E m te rm o s m e ra m e n te
q u a n tita tiv o s , o n ú m e ro d e a to s lim ita d o s p e lo s s e m á foro s
deve ser m a ior d o qu e o n ú m e ro de atos re strin g id o s p o r um a
p ro ib iç ã o d a p ra tic a re lig io s a p u b lic a (T a ylor, 1 9 8 5 :2 T 9).
P or qu e n ã o a c e ita m o s a "d e fe s a d ia b ó lic a " d e T a ylor da
lib e rd a d e a lb a n e s a - p o r qu e p e n s a m o s q u e o lo n d rin o e stá
e m situ a ç ã o m e lh o r e m te rm o s d e lib e rd a d e ? P orqu e as re s
triç õ e s à lib e rd a d e c iv il e à lib e rd a d e p o lític a sã o m a is im
p orta n te s d o qu e as re striçõ e s à m o b ilid a d e n o trâ n s ito . S ão
m a is im p o rta n te s n ã o p orq u e e n v o lv e m in a is iiberda^eixssxkr
J y m e n t e ^ e fíriid a , m a s p orq u e e n v o lv e m liberdades mais im-
m ü a a iê â S ão m a is im p o rta n te s p orq u e , p o r e x e inp T o,'e la s
n o s p e rm ite m te r u m c o n tro le m a io r so bre os p ro je to s c e n
tra is d e noss a v id a e, a ssim , o fe re c e m -n o s u m gra u m a io r
de a u to d e te rm in a ç ã o , d e u m a m a n e ira qu e as lib e rd a d e s d o
trâ n s ito n ã o o fe re c e m , e n v o lv a m o u n ã o u m a q u a n tid a d e
m e n o r d e lib e rd a d e n e u tra .
.A vis ã o n e u tra d e lib e rd a d e d iz q u e ca d a .U b erd a d e .n e u-
tra é tã o im p o rta n te q u a n to o u tra . C o n tu d o, q u a n d o p e n s a -
m os a re s p e ito d o v a lo r das d ife re n te s lib e rd a d e s e m re la ç ã o
a os in te re s s e s d a s p e sso a s, v e m o s q u e a lg u m a s lib e rd a d e s
são m a is im p o rta n te s qu e o utra s, e qu e , n a v erd a d e , a lgum a s
lib e rd a d e s são d e stitu íd a s d e q u a lq u e r v a lo r re a l - p o r e x e m -
p lo , a lib e rd a d e d e d ifa m a r o u tro s (H a rt, 1975: 245). N oss a
. te o ria d e v e s er c a p a z d e e x p lic a r as d is tin ç õ e s qu e fa z e m o s
e n tre os d ife re n te s tip o s d e lib e rd a d e .
O s pro b le m a s p a ra a lib e rd a d e n e u tra v ã o a in d a m a is
fu n d o . O s n e c e ss ários ju lg a m e n to s d a m a io r o u m e n o r li-
182 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

b e rd a d e p o d e m ser im p o s s ív e is d e se re a liz a r, p o is n ã o há
n e n h u m a e scala p e la q u a l m e d ir q u a n tid a d e s d e lib e rd a d e
n e utra . D iss e a n te riorm e n te qu e se pud é ss e m os c o n ta r o n ú
m e ro d e a tos liv re s re s trin g id o s p e la s le is d e trâ n s ito e p e la
c e nsura p o lític a , as le is d e trâ n s ito pro v a v e lm e n te re s trin g i
ria m m a is a tos livre s . P oré m , a id é ia d e u m " a to liv r e " é um a
. jd é ia e ng a n os a . Q u a n to s a tos livre s e stã o e n v o lvid o s e m u m
sim ple s a c e no d a m ã o? Se u m p a ís colo c a fora da le i ta l a ce
n o , q u a n to s a to s ele p ro ib iu ? C o m o c o m p a ra m o s isso c o m
um a re striç ã o às c e rim ô n ia s re ligio s a s? E m cada caso, p o d e
ría m o s, ig u a lm e n te , com m u ita o u p o u c a ju s tific a tiv a , d iz e r
qu e as le is p ro ib ira m u m a to (a c e n ar a m ã o , c e le bra r a cre n
ça re lig io s a ) o u q u e p ro ib ira m u m n ú m e ro in fin ito d e a tos,
q u e p o d e ria m te r s id o e x e cuta d o s u m n ú m e ro in fin ito d e
jíe z e s. C o n tu d o , o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l e xig e
| c a p a cid a d e d e d is c rim in a r e n tre e ste s d o is casos. P re cis a
m os s er capa z es d e d iz e r, p o r e x e m plo , qu e n e g a r as c e rim ô
nia s re lig io s a s s u b tra i cin c o u n id a d e s d e a to s liv r es, a o p ã s ^
so qu e n e g a r o a c e no d e m ã o s u b tra i trê s. C om o, p oré m , p o
d e ría m o s fa z e r ta is ju lg a m e n to s é u m c o m p le to m is té rio .
C om o d iz O 'N e ill: " P od e m os, se q uis e rm o s , to m a r q u a lq u e r
lib e rd a d e - p o r e x e m plo , a lib e rd a d e d e b usc ar u m cargo p ú
b lic o o u a lib e rd a d e d e fo rm a r u m a fa m ília - e d iv id i-la em
q u a n ta s lib e rd a d e s c o m p o n e n te s ju lg a rm o s ú til d is tin g u ir -
o u , n o qu e d iz re s p e ito a o a ssu nto , e m m a is d o q u e ju lg a r
m o s ú t il d is tin g u ir " ( O 'N e ill, 1980: 50). N ã o h á n e n h u m a
m a n e ira n ã o a rb itr a m d e _ d iy id it.o m u n d Q g m ã ço g s. e p o s-'
sív e is a ções q u e n o s p e rm ita d iz e r q u e h á m a is lib e rd a d e
n e u tra „e n y jQ Ê d a n á riê g á ç ã a d a Í 5 iie m o v im e n to ctõtra ns T -
to d o qu e n a n e g a ç ã o d o liv re disc urs o . (A ú n ic a exceção erT-
v o lv e c o m p a ra r d o is c o n ju n to s e ss e n cia lm e n te id ê n tic o s de
d ire ito s , dos q u a is o s e g u n d o c o n ju n to c o n té m to d a s as l i
b e rd a d e s n e u tra s d o p rim e iro c o n ju n to , m a is u m a to liv re ,
p e lo m e n o s - v e r A m e s o n , 1985: 4 4 2-5 .)
T a nto as le is d e trâ n s ito com o a opre ssã o p o lític a re s trin
g e m os atos livre s . P orém , q u a lq u e r te n ta tiv a d e m e d ir os d ois
p o r u m a ú n ic a e sc ala d e lib e rd a d e n e u tra , co m b a se e m a l-
O UBE RTARISM O 183

g um a in d iv id u a ç ã o e m e diç ã o d e a to s livre s , é im p la u s ív e l.
Pode h a v e r ta l escala, m a s os lib e rtá rio s q u e e nd o ss a m u m a
v ers ã o n e u tra d o p rin a p lõ d a m a io r ¿ b g ld a d £ Íg ild .n ã p .& ^ -
ra m m u ita s t e n ta tivas_e.s.tié riu a s p a r.a d e s e n v o lv e r t a l escala
(p ara um a te n ta tiv a , v e r S te in e r, 1983). É in te re s s a n te n o ta r
q u e as pe sso a s q u e d iz e m q u e os ju lg a m e n to s q u a n tita tiv o s
d e lib e rd a d e n e u tra n ã o a p e n a s são p o ssív e is, m a s fu n d a
m e n ta is , n ã o te n ta ra m e fe tiv a m e n te d e m o n s tra r c o m o p o
d e m os m e d ir a q u a n tid a d e d e lib e rd a d e n e u tra n a s lib e rd a
des re lig io s a s e m com p ara ç ã o com as lib e rd a d e s d o trá fe g o .
C om o , en tã o , os lib e rtá rio s qu e g n dogsam a v ers ã o n e u - .
tra d o p rin c íp io d a m a io r li b e rd a d e ig u a l ch e g a m a q u a is q u e r
co n clu sõ e s d e te rm in a d ô s ?-C o m o-d e m o n s tra fe in a -s e ç ã o 4b
a b a ixo , e le s m u ita s v e z e s d e fe n d e m suas lib e rd a d e s p re fe
rid a s a m p le s m e n te i g i p r â m l^ lib e rd a d e n q u fp *
e n v o lv id a n a p o lític a lib e rt á ria o u in v o c a n d o c rité rio s ad hoc.
p a ra p re fe rir u m c o n ju n to d e lib e rd a d e s a o u tro .

(iv) A liberdade propositiva

N oss a s lib e rd a d e s m a is v a loriz a d a s (a qu e la s qu e nos


a tra e m p a ra u m p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l) n ã o p a
re c e m e n v o lv e r a m a io r lib e rd a d e n e u tra . A m a n o bra ó b via ,
p a ra os d e fe n sore s d o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l, é
a d o ta r u m a .d e fin ic ã o " p ro p o s itiv a " d e lib erd a d e ., .E m ta l d e
fin iç ã o , a q u a n tid a d e d e lib e rd a d e c o n tid a e m u m a lib e rd a
d e e sp e cífic a d e p e n d e d e q u ã o im p o rta n te é e sta lib e rd a d e
p a ra nós, d a dos os nossos intere ss e s e pro p ó sito s . C o m o d iz
T a ylor: " A lito jd á d e -4 -im p ^ t a « t e p a ra n ó s p orq u e s o m o s
seres pro p o sitix Q a J d a s^ e n tã a . d c v e h a v e n d is tin c o e s n a s ig
n ific a ç ã o d o s d ife re n te s tip o s d e fib e rd a d e b a s e a dos n a d is -
tinç ã o d a signific a ç ã o dos dife re nte s pro p ó s ito s '! (T aylor, 1985:
" 7 T 9 1 Por p x p m p lo /a lib e rd a d e re ligio s a n o s d á m a is lih e rd a d e
d o qu e a lib e rd a d e n o trá fe g o p orq u e serve a intere ss e s m a is
im p o rta n te s , m e sm o q u e n ã o c o n te n h a , q u a n tita tiv a m e n te ,
m a is lib e rd a d e n e u tra . «
184 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

U m a d e fin iç ã o pro p o s itiv a d e lib e rd a d e re q u e r c e rto p a


drã o p ara a v a lia r a im p o rtâ n c ia d e u m a lib e rd a d e , p ara m e d ir
a q u a n tid a d e d e lib e rd a d e q u e e la c o n té m . üá..d Q .is p a drõ e s
fr á s ic o s -u m .p a drã o " s u b je tiv o " d iz q u e o v a l.or .de u m a l i
b e rd a d e e sp e cífic a d e p e n d e d e q u a n to u m in d iv íd u o a d e s e -
ja ; u m p a drã o " o b jg tiv o " d iz q u e c erta s lib e rd a d e s são im :
p orta n te s q u e r u m pe sso a esp e cífic a a d e s eje , q u e r n ã o . Ê ste
é fre q ü e n te m e n te co n sid e ra d o pre fe rív e l p orq u e e vita o p ro
ble m a p o te n c ia l d o " e scra vo s a tis fe ito " , qu e n ã o d e seja d ir e i
tos le g a is e, p o rta n to , em um p a drã o s u b je tiv o , n ã o carece de
n e n h u m a lib e rd a d e im p o rta n te .
E m o u tra vis ã o , a v alia m o s a lib e rd a d e .d e a lg u é m d e te r
m in a n d o quão. v a lios a s (su bje tiv a o u o b je tiv a m e n te ) são suas
lib e rd a d e s e sp e cífic a s. A s lib e rd a d e s q u e são m a is v a lo riz a
das c o n tê m , p o r e sta ra z ã o, m a is lib e rd a d e p ro p o s itiv a . N a
v e rs ã o p ro p o s itiv a d o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l,
p o rta n to , ca d a pe sso a te m d ire ito à m a io r q u a n tid a d e p o ssí
v e l d e lib e rd a d e p ro p o s itiv a c o m p a tív e l c o m u m a ig u a l l i
b erd a d e p a ra to d o s . C o m o a a b ord a g e m ra w lsia n a p ara a va
lia ç ã o das lib e rd a d e s , e sta p e rm ite ju lg a m e n to s q u a lita tiv o s
d o v a lo r d e lib e rd a d e s e sp e cífic a s, m a s d ife re d a a b ord a g e m
ra w ls ia n a a o s u p o r q u e e sta s lib e rd a d e s d e v e m s er a v a lia
das e m fu n ç ã o d e u m a ú n ic a escala d e lib e rd a d e .
E sta v ers ã o é m a is a tra e n te d o qu e a v ers ã o n e u tra , p ois
c orre s p o n d e à noss a v is ã o c o tid ia n a d e q u e a lg u m a s lib e r-
d a d è s n e u tra s são m a is v a lio s a s d o qu e o utra s . O pro ble m a ,
p oré m , é qu e to d a a lin g u a g e m d e m a io r e m e n o r lib e rd a d e
já n ã o e stá d e s e m p e n h a n d o n e n h u m p a p e l n o a rg u m e n to .
A v e rs ã o p ro p o s itiv a d o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l é,
n a v e rd a d e , a p e n a s u m a m a n e ira c o n fu s a d e r e fo rm u la r a
a bord a g e m ra w lsia n a . F brece d if e rir a o d iz e r qu e a ra z ã o p e la
q u a l te m o s d ire ito a im p o rta n te s lib e rd a d e s é o fa to d e qu e
te m o s d ire ito à m a io r q u a n tid a d e de lib e rd a d e ig u a l, u m p a s
so qu e está a us e nte n a a bord a g e m ra w lsia n a . E ste passo, p o
ré m , n ã o fu n cio n a n o a rg u m e n to e, n a v erd a d e , sim ple sm e n
te c o n fu n d e as v e rd a d e ira s qu e stõ e s.
O p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l forn e c e o s e g u in
te a rg u m e n to p a ra p ro te g e r u m a lib e rd a d e e sp e cífic a :
O U B E R T A RISM O 185

1 . O s inte re ss e s d e ca d a pe sso a tê m im p o rtâ n c ia e tê m t


im p o rta n c ia ig u a l. f
2. A s p essoas tê m in te re ss e n a m a io r q u a n tid a d e d e 1M
b e rd a d e .
3. P orta n to , as pessoas d e v e m te r a m a io r q u a n tid a d e de
lib e rd a d e co m p a tív e l com a ig u a l lib e rd a d e dos outros.
4. A lib e rd a d e p ara x é im p o rta n te , d a d o s os nossos in
tere ss e s.
5. P o rta n to , a lib e rd a d e p a ra x a u m e n ta a noss a lib e r
dade.
6 . P orta n to , cada pessoa d eve (ceteris paribus) te r o d ir e i
to a x c o m p a tív e l co m o d ire ito a x d e to d o s os o u tro s .

C o n tra s te com o a rg u m e n to ra w ls ia n o :

1. O s interesses_de, c a d a p e sso a tê m im p o rtâ n c ia e tê m


im p o rtâ n cia ig u al.
4. A lib e rd a d e p a ra x é im p o rta n te , d a dos os nossos in -
tère ssê s. ....
6 . P orta n to , c a d a pe sso a d e ve {ceteris paribus) te r o d ire i-
to a x c o m p a tív e l com o d ire ito a x de to d o s os o u tro s .

O p rim e iro a rg u m e n to é u m a m a n e ira d e sn e c e ss aria


m e n te c o m ple x a d e fo rm u la r o s e g u n d o a rg u m e n to . O p a s
so d e (4) a (5) n ã o a cre sc e nta n a d a (e, c o m o re s u lta d o , os
pa ssos (2) e (3) ta m p o u c o a cre sc e nta m a lg o). O s lib e rtá rio s ,
n e sta vis ã o , d iz e m qu e , com o u m a lib e rd a d e e sp e cífic a é im
p orta n te , ela a u m e nta , p o r isso, a nossa lib e rd a d e e d e v e m os
te r ta n ta lib e rd a d e q u a n to p o s s ív e l. N a v e rd a d e , p o ré m , o jj
a rg u m e n to a fa v o r d a lib e rd a d e é c o m p le ta d o co m a a v a lia - j
ção d e sua im p o rtâ n c ia .
C o n sid e re a te o ria d e m e diç ã o d e lib e rd a d e d e L o e v in -
.sqhn, q u e usa u m p a drã o s u b je tiv o p a ra m e d ir a lib e rd a d e
p ro p o s itiv a . E le d iz qu e , " q u a n d o a forç a o u a am e aça d e p e
n a lid a d e s é us a d a p ara im p e d ir u m a p.essoa.du p e rs e g uir c e r
to curso d e a ç ã o* Q.gcau.,em. q u e ja lih e rd a d e d e la é re d u z id o ,
d e s ^ m a n e ira d e p e n d e í. ™ J.d e qu ã o,im p. Q rtm te £ m e k £ . Q ™
çurso de ação em q u e stã o " (L o e vin s o h n , 1977: 232; cf. A m e -
son, 1985: 428). P orta n to , q u a n to m a is d e s e jo u m a lib e rd a d e .
186 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m a is lib e rd a d e e la m e forn e c e . Se d e s e jo lib e rd a d e r e lig io


sa m a is d o qu e lib e rd a d e n o trá fe g o , p orq u e e la pro m o v e
intere ss e s e s p iritu a is im p o rta n te s , e n tã o , e la m e d á m a is l i
b erd a d e d o qu e a lib e rd a d e n o trá fe g o . L o e vin s o h n , p oré m ,
n ã o e xplic a o qu e é g a nho com a m ud a n ç a de lin g u a g e m , de
" u m a lib e rd a d e m a is d e s e ja d a " p a ra " m a is lib e rd a d e " . E sta
re d e scriç ã o (o m o v im e n to d e (4) p ara (5), n o a rg u m e n to a ci
m a ) n ã o a cre sc e nta n a d a e, p o rta n to , o p rin c íp io d a m a io r
lib e rd a d e ig u a l ((2) e (3) a cim a ) n ã o e stá d e s e m p e n h a n d o
n e n h u m p a p e l. N ã o q u e ro d iz e r qu e seja im p o s s ív e l re d e s-
cre v er lib e rd a d e s m a is d e seja d a s com o lib e rd a d e m a io r - p o
d e m os u s a r as p a la vra s da m a n e ira qu e q uis e rm o s. C o n tu d o ,
o fa to de. qu e é p o s s ív e l re d e s cre v ê -la s . d e sta _m a n e ira n ¿ o
s ig n ific a q u e te n h a m o s d ito q u a lq u ç j.c o is a d o ta d a d e sig
n ific a ç ã o m o ra l n e m q u e te n h a m o s d e sco b e rto um a m a n e i
ra d is tin ta m e n te base ada, n a lib e rd a d e d e ,a v a lia r lib e rd a d e s
e sp e cífic a s.
A pre m iss a d a m a io r lib e rd a d e ig u a l é n ã o a p e n a s d e s
n e c e ss ária , m a s co nfu s a , p o r u m a s é rie d e ra zõ e s. A n te s d e
m a is n a d a , sug ere fa ls a m e n te qu e te m o s a p e n a s u m in t e
resse n a lib e rd a d e . D iz e r qu e a v a lia m o s as d ife re n te s l ib e r-
d a d e s e m te rm o s d e q u a n ta lib e rd a d e p ro p o s itiv a ela s nos
forn e c e m sug ere qú e estas d ife re n te s lib e rd a d e s são im p o r
ta n te s p a ra nós p e la m e sm a ra z ã o, qu e to d a s elas pro m o v e m
o m e sm o, inte re s s e , N a v e rd a d e , p oré m , as d ife re n te s lib e r
d a d e s pro m o v e m d ife re n te s intere ss e s d e d ife re n te s m a n e i
ras. ^ s iib e rd a d e s .re lig io s a s sã a4fflapcartantes p a ra a a u to d e -
te rm in a ç ã o - is to é, p a ra a a tu a ç ã o c o m base n o s m e us va'-'
lore s e cre nç a s m a is p ro fu n d o s . A s lib e rd a d e s d e m o crá tic a s
s erv e m u m intere ss e m a is sim b ó lic o - n e g a r-m e o v o to é u m
a ss a lto à m in h a d ig n id a d e , m a s p o d e n ã o te r n e n h u m e fe i
to e m m in h a c a p a cid a d e d e p e rs e g u ir m e us o b je tiv o s . C erta s
.lib e rd a d e s e conôm ic a s tê m u m v a lo r p ura m e n te in s tru m e n
t a l - posso d e s e ja r o c o m é rcio liv r e e n tre os p a ís e s p orq u e
isso re d u z o pre ç o d o s b e n s d e c o n s u m o , m a s e u s u p o rta ria
. re s triç õ e s a o c o m é rcio in te rn a c io n a l se c o m isso os pre ços
a baixassem. N ã o d e s ejo estas d ife re n te s lib e rd a d e s p e la m e s-
O LIB E R TA R1SM0 187

m a ra z ã o, e a forç a d o m e u d e s e jo n ã o se b a s eia n a e xte ns ã o


em q u e ela s p ro m o v e m u m ú n ic o in te re s s e 9/ N o v a m e n te , é
p o s s ív e l re d e s cre v e r e ste s d ife re n te s in te re s s e s c o m o u m
in te re s s e p o r u m a lib e rd a d e p ro p o s itiv a m a is e xte n s a . P o
d e m os d iz e r qu e d e s e jar u m a lib e rd a d e --e• sp e cífic
1 i - . - ' , ..................... .....................
a (p or q u a l-
• •• •- «Sí

q u e r ra z ã o) é a p e n a s d e s e ja r te r lib e rd a d e m a is e xte n sq í Só
qu e é d e sn e c e ss a ria m e nte c o n fu s o .
A lé m d is s o ,ja la r sobre o nosso intere sse p.Qr lib e xd a d e
.mais extensa, em oposiçã o aos nossos difere nte s interesses
p or difere nte s lib erd a d e s, obscurece a relação e ntre .a lib e r
dade e outros valores. Seja qu a l fo r o interesse que tenh am os
p or um a lib e rd a d e e sp e cífica - in trín s e c o ou in s tru m e n ta l,
sim bólico ou substa ntivo - , é prov á v e l que tenh am os o m es
m o intere sse p o r outra s coisas. Por exemplo,^Ê_a_libfiE dâde
d g jm t a r c
d ade, e ntã o, q u a lq u e r o utra coisa que pro m o v a nossa d ig
nid a d e ta m b é m será im p orta nte (p or e xem plo, satisfa z er n e
cessidades básicas ou im p e d ir a difa m a ç ã o) e é im p orta n te
justa m e nte p ela m esm a ra z ão. O d e fe nsor da lib erd a d e p ro -

9. C o m o m o s tra m estes e x e mplos, nosso intere ss e n a lib e rd a d e de fa z er


x n ã o é sim ple sm e nte nosso intere ss e e m fa z e r x. Posso im p o rt a r-m e co m a l i
b erd a d e de e scolh er m in h a s pró pria s roup a s, p o r e x e m plo , e m bora e u n ã o m e
im p o rt e p a rtic u la rm e n t e co m a e scolh a d e roup a s. E m b ora m e u g u a rd a -ro u
p a seja u m a qu e stã o d e in dif e re n ç a quase com ple ta , ju lg a ri a qu a lq u e r te n t a tiv a
de o utro s dit a re m m e u v e stu ário com o u m a in to le rá v e l inv a s ã o de priv acid a d e .
P or o u tro la d o, posso im p o rt a r-m e co m outra s lib erd a d e s, c om o a lib e rd a d e
de co m pra r b e ns e stra ng e iros se m tarif a s, ap e na s n a m e d id a e m qu e m e ca
p a cit e a c o m pra r m a is b e ns. E m o u tro s casos, a in d a , s erm os livre s p ara fa z er
a lg u m a coisa, com o o c u lto re lig io so, pod e ser c o n s titu tiv o do p ró p rio v a lor
d e ste ato. P ois p o d e r e scolh e r livr e m e n t e c e le bra r noss a cre nç a re lig io s a é
cru cia l p a ra o v a lo r d a c e le bra ç ã o re lig io s a . P o rt a n to , nosso in tere ss e n a l i
b erd a d e de fa z er x p o d e ser in s tru m e n t a l, in trín s e co ao nosso intere ss e e m x ou
in t e ira m e n t e in d e p e n d e n t e dele . P ort a nto , nosso intere ss e e m dif ere nte s l i
b erd a d e s v aria , n ã o ap ena s co m nosso intere ss e e m cad a a to p a rticula r, m as
ta m b é m co m o le qu e de intere sse s in stru m e nta is, intríns e cos e sim bólic os p ro
m o vid o s p e lo f a to d e te rm o s a lib e rd a d e de ex e cutar este a to e sp e cífico.. O b via -
m e nte , é .c om ple ta m e nt e confuso d iz e r ,qpe..todos,estes inte re ss e s dif e re nte s
j g o re a lm e nt e u m ú n ic o intere ss e e m um a lib e rd a d e m a is exte nsa .
188 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p o s itiv a d iz qu e nosso in te re s s e é p o r lib e rd a d e s im p o rta n


te s, n ã o a p e n a s p o r q u a lq u e r v e lh a lib e rd a d e n e u tra . C o n
tu d o , se e x a m in a m o s o qu e to rn a as lib e rd a d e s im p o rta n te s
p a ra n ó s, a lib e rd a d e n ã o m a is c o m p e te sis te m a tic a m e n te
com o u tro s v a lore s, co m o a d ig n id a d e , a s e gura nç a m a te ria l
o u a a u to n o m ia , p ois estes, m u ita s ve z es, são os p ró p rio s v a
lore s qu e to m a m im p o rta n te s lib e rd a d e s e sp e cífica s. D e scre
v e r lib e rd a d e s m a is im p o rta n te s com o lib e rd a d e m a is e xte n
sa, p oré m , c o n vid a e ste fa ls o c o n tra ste , p o is le v a a cre r qu e a
im p ortâ n c ia destas lib e rd a d e s e sp e cífica s orig in a -s e d a q u a n
tid a d e d e lib e rd a d e qu e ela s c o n tê m .
P orta n to , i^ n h u m a ^ e rs ã o do>p rin c íp iq d â .m aÍQ Ll|bgr.-
d a d e ig u a l ofere c e u m a a lte rn a tiv a v iá v e l p a ra a a b ord a g e m
ra w lsia n a d a a v a lia ç ã o das lib e rd a d e s ; V ale a p e n a o b s e rv a r
q u e o p ró p rio R a w ls c e rta v e z e n d o sso u u m d ire ito à lib e r
d a d e ig u a l m a is e xte ns a e qu e fo i a p e n a s n a v ers ã o fin a l de
sua te o ria qu e ele a d o to u o qu e ch a m e i a b ord a g e m ra w ls ia
n a. E le a gora d e fe nd e u m p rin c íp io d e d k a ito s ig u a is a " l ib e r-
d a d e s b á sic a s ", a o m e sm o te m p o e m q u e d e s a u toriz a q u a is-
q u e r a firm a çõ e s a re s p e ito d a p o s sib ilid a d e o u da signific a ç ã o
d e m e did a s d a lib e rd a d e g era l (R a wls, 1982a: 5-6 ; H a rt, 1975:
2 3 3-9). E le re c o n h e c e u qu e , ao d e te rm in a r q u a is são as l i
b erd a d e s b á sica s, n ã o p e rg u n ta m o s q u a is lib e rd a d e s m a x i
m iz a m nossa posse de u m ú n ic o b e m ch a m a d o " lib e rd a d e " .
N a tu ra lm e n te , a a firm a ç ã o d e q u e as p essoas são m á xim a
m e n te livre s é, m u ita s v e z e s, " m e ra e lip s e da a firm a ç ã o d e
q u e são liv re s e m to d o a sp e cto im p o rta n te o u n a m a io ria
dos aspectos im p o rta n te s " (M a c C a llu m , 1967: 329). C o ntu d o ,
com o re conh e c e u R a wls, a ssim qu e diz e m o s isso, o p rin c íp io
d a m a io r lib e rd a d e ig u a l n ã o fu n cio n a . Pois a ra z ã o p e la q u a l
é im p o rta n te ser liv re e m u m a sp e cto e sp e cífico n ã o é a q u a n
tid a d e d e lib e rd a d e q u e isso p ro p orc io n a , m as a im p ortâ n cia
dos v á rio s inte re ss e s-q u e s é íy e ; Ç ü m o d iz D w o rk in ,

Se te m os d ire ito a lib erd a d e s básicas não p orqu e são ca


sos nos qu a is o b e m da lib e rd a d e , de certa m a n e ira , está em
jo g o , m as p orq u e u m a ssalto às lib e rd a d e s básicas nos p re ju
dic a ou a v ilta de a lg um m od o que v a i alé m do seu im p a cto
O LIB E R T A RISM O 189

sobre a lib e rd a d e , e ntã o, a q u ilo a que te m os d ire ito n ã o é à l i


b erd a d e . m as aos v a lore s, ipfere ss e s o h p osiç ã o qu e esta re s
triç ã o .específica d e rro ta (D w o rk in , 1977: 271).

A o fa z e r re ivin d ic a ç õ e s d e lib e rd a d e , p o rta n to , te m o s


d ire ito n ã o à m a io r q u a n tid a d e ig u a l d e ste ú n ic o b e m , a l i
b erd a d e , m a s à ig u a l co n sid e ra ç ã o p e lo in te re ss e q u e to m a
as lib e rd a d e s e sp e cífic a s im p o rta n te s .

(b) A lib erd a d e e o c a pita lism o

M u ito s lib e rtá rio s d e fe n d e m os d ire ito s d e pro prie d a d e


com base e m u m p rin c íp io d e lib e rd a d e . C o n sid e re i trê s p o s
sív e is d e fin iç õ e s d e lib e rd a d e q u e p o d e ria m s er usa d a s n e s
ta d efe sa . A s d e fin iç õ e s lo c k ia n a s n ã o fu n c io n a rã o p orq u e
pre ssu p õ e m u m a te o ria d e d ire ito s . A d e fin iç ã o n e u tra n ã o
fu n c io n a rá p orq u e as m e diçõ e s q u a n tita tiv a s d a lib e id a d q
n e u tra le v a m a re s u lta d o s in d e te rm in a d o s-o u im p la u sív e is.
C a d e fin iç ã o pro p o s itiv a sim ple sm e n te obscure c e a b a s e re al
de nossa a valia çã o d o v a lo r das lib erd a d e s. Se estas afirm a çõ e s
são correta s, fic a m os com u m e nigm a . Por qu e ta nta s pessoas
p e n s a ra m q u e u m p rin c íp io de lib e rd a d e a ju d a a d e fe n d e r o
c a p ita lis m o ? T e n ta re i d e m o n s tra r qu e os a rg u m e n to s-p a -
d rã o d o lib e rta ris m o v a le m -s e d e d e fin iç õ e s in c o e re n te s
d e lib e rd a d e .
O s lib e rtá rio s m u ita s ve z e s ig u a la m o c a p ita lis m o à a u
s ê ncia de re striçõ e s d e lib e rd a d e . A n th o n y F lew, p o r e x e m plo,
d e fin e o lib e rta ris m o c o m o " o p o s tp ..a jq u a is q u e r re s triç õ e s
s o cia is e le g a is à lib e rd a d e in d iv id u a l " (F le w , 1 9 7 9 :1 8 8 . C f.
R oth b a rd , 1982: v j E le co ntra sta isso com os ig u a litá rio s lib e
rais e os socia lista s, qu e d ã o pre fe rê n cia a re striçõ e s g o v e rn a
m e n ta is ao m e rc a d o liv re . F le w, a ssim , id e n tific a o c a p ita lis
m o corn a a us ê ncia d e re striç õ e s à lib e rd a d e . M u ito s dos q u e i
pre fe re m a re s triç ã o d o m e rc a d o c o n c ord a m qu e , co m is s o f
e stã o re s trin g in d o a lib e rd a d e . D iz -s e qu e o se u e ndosso d e i
c a pita lism o d o E sta do d e b e m -e sta r socia l é u m conse nso e n -
190 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

tre lib e rd a d e e ig u a ld a d e , n o q u a l a lib e rd a d e é c o m pre e n


d id a com o o m erc a d o liv re e ig u a ld a d e , com o as re striçõ e s ao
m e rc a d o d o E sta do d e b e m -e s ta r so cia l. E sta e qu a ç ã o de c a
p ita lis m o e lib e rd a d e é p a rte d o re tra to c o tid ia n o d a p ais aj-
g e m p o lític a . '
O m e rc a d o liv r e e n v o lv e m a is lib e rd a d e ? D e p e n d e de
c o m o d e fin im o s lib e rd a d e . F le w p are c e e sta r s u p o n d o um a
d e fin iç ã o n e u tra d e lib e rd a d e . A o e lim in a r a re d istrib u iç ã o do
E sta do de b e m -e sta r socia l, o m erc a do liv re e lim in a a lgum a s
re striçõ e s le g a is ao e m pre g o de nossos re cursos e, com isso,
cria c erta s lib e rd a d e s n e u tra s . P or e x e m plo , se o g o v e rn o f i
n a n cia u m pro gra m a d e b e m -e s ta r s o cia l p o r m e io d e u m
im p o s to d e 80 p o r c e n to sobre h era nç a s e g a nho s de c a p ita l,
ele im p e d e as p essoas d e d a r sua p ro prie d a d e a o u tro s . F le w
n ã o n o s d iz q u a n ta lib e rd a d e n e u tra s eria c o n s e g u id a com
a re m o ç ã o desse im p o s to , m a s, cla ra m e n te , isso p e rm itiria
q u e a lg u é m a gisse d e u m a m a n e ira q u e , d o c o n trá rio , n ã o
p o d e ria a gir. E sta e xp a ns ã o d a lib e rd a d e n e u tra é o s e n tid o
m a is e vid e n te n o q u a l o c a p ita lis m o a u m e n ta a lib e rd a d e ,
m a s m u ita s d e sta s lib e rd a d e s n e u tra s ta m b é m s erã o v a lio
sas lib e rd a d e s pro p o sitiv a s , p o is h á ra zõ e s im p o rta n te s p ela s
q u a is as pe sso a s p o d e m d a r su a pro p rie d a d e a o u tro s . E n
tã o , o c a p ita lis m o re a lm e n te p ro p o rc io n a c erta s lib e rd a d e s
n e u tra s e p ro p o s itiv a s n ã o d is p o n ív e is sob u m E sta do de
b e m -e s ta r so cia l.
C o n tu d o , pre cis a m os s er m a is e sp e cíficos a re sp e ito d e s
ta lib e rd a d e a u m e n ta d a . T od a a firm a ç ã o sobre a lib e rd a d e ,
p a ra ser s ig n ific a tiv a/, d e v e te r u m a e s tru tu ra triá d ic a - qu e
d e v e s er d a fo rm a " x e sta liv r e d e y p a r a fa z e r i * ; o n d e x es-m
p é c ific a o a g e nte , y e sp e cific a as co n diç õ e s pre v e n tiv a s e z
fe sp e cifica a ação. T od a a firm a ç ã o d e lib e rd a d e d e v e p o s s u ir
e ste s trê s e le m e nto s: d e ve e sp e cific a r q u e m e stá liv re d e q u a l
[o b stá culo p a ra fa z e r o qu ê (M a c C a llu m , 1 9 6 7:3 1 4). F le w re
v e lo u -n o s os d o is ú ltim o s e le m e n to s - su a a firm a ç ã o d iz
re s p e ito à lib e rd a d e d e d is p o r d a pro prie d a d e sem lim ita ç ã o
le g a l. N ã o n o s re v e lo u , p oré m , o p rim e iro - is to é, q u e m te m
e sta lib e rd a d e . T ã o lo g o fa z e m o s a p e rg u n ta , a e qu a ç ã o d e
O U B E R T A RISM O 191

F lew, de c a p ita lis m o e lib e rd a d e , é sola p a d a . Pois são os p o s


suid ore s d o re curso qu e são to m a d o s livre s p ara d is p o r d e le ,
ao p a sso qu e os n ã o-p o s s u id ore s são priv a d o s dessa lib e r
d a d e . S u p o n h a q u e u m a g la n d e p ro p rie d a d e qu e-vo e ê te ria
h e rd a d o (n a a us ê ncia d e u m im p o s to sobre h e ra n ç a) to m a
se a gora u m p a rq u e p ú b lic o o u u m p ro je to re sid e n c ia l p ara
pessoas d e b a ix a re n d a (com o re s u lta d o d o im p o s to ). O im
p o s to sobre h era nç a n ã o elim in a a lib e rd a d e d e u s a r a p ro
prie d a d e ; a nte s, e lé fm is trib u i. festa lib e rd a d e . Se voc ê h e rd a
a p ro p rie d a d e , e n tã o , é liv r e p a ra d is p o r d e la co m o a c h a r
m e lh or, m a s se e u uso se u q u in ta l p a ra um p iq u e n iq u e ou
p a ra fa z e r u m ja rd im sem sua p e rm iss ã o , e n tã o , e sto u d e s
re s p e ita n d o a le i e o g o v e rn o irá in t e rv ir e p riv a r-m e c o e rci-
v a m e n te d a lib e rd a d e d e c o n tin u a r. P or o u tro la d o , m in h a
lib e rd a d e d e us ar e u s u fru ir a pro prie d a d e é a um e nta d a q u a n
d o o E sta d o d e b e m -e s ta r s o cia l trib u t a a su a h e ra n ç a p a ra
p ro p o rc io n a r-m e re sid ê n cia p o r pre ço p ra tic á v e l o u u m p a r
qu e p ú b lic o . P orta n to , o m e rc a d o liv r e lim it a ju rid ic a m e n te
m in h a lib e rd a d e , ao p a sso q u e o E sta do d e b e m -e s ta r s o cia l
a a u m e nta . N o v a m e n te , j s s o jt m â i m í d e ^ e,Mn um a de£uú -
ção n e u tra d e lib e rd a d e , m a s m u ita s d a s, lib e rd a d e s n e u tra s
q ü e ^ ã fíK o c o m o im p o s to sobre h e ra n ç a ta m b é m são lib e r
d a d e s p ro p o s iti v a s im p o rta n te s .
Q u e os d ire ito s d e p ro prie d a d e a u m e n ta m a lib e rd a d e
de a lg u é m re s trin g in d o a dos o u tro s é e vid e n te q u a n d o p e n
s a m os n a o rigoe m d a rp ro rp rie d a d e ip riv a d a . Q u a n d o A -m- Jy*
a pro p rio u - se u n ila te ra lm e n te d a te rr a q-u e a nte s era p o s s u í-
*3 a e m c o m u m , B e n fo i ju rid ic a m e n te p riv a d o d e su a lib e r
d a d e d e u s a r a te rra . C o m o a posse p riv a d a p o r um a p e sso a
pre ssupõ e a n ã o-p o ss e d e o u tro s , o "m e rc a d o liv re " , a lé m de
cria r, re s trin g e lib e rd a d e s , a ssim c o m o a re d is trib u iç ã o d o
E sta do d e b e m -e s ta r so cia l ta n to cria com o re strin g e lib e rd a
d e s. P o rta n to , c o m o d iz C o h e n , " p o d e -s e d e m o n s tra n q u e
a s e n te n ç a 'a liv re e m pre s a c o n s titu i a lib e rd a d e e c o n ô m i-
c a 'T f a ls a " (C o h e n , 1 9 7 9 :1 2 ; c í!'Õ ib b a rd , 1985: 2 5 ;'G o o d in ,
1988: 3 1 2-3).
Isso s ola p a u m a im p o rta n te a firm a ç ã o q u e N o z ic k fa z
a re s p e ito d a s u p e riorid a d e d e sua te o ria d e ju s tiç a a n te as
192 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

te oria s re d is trib u tiv a s lib e ra is . E le d iz qu e a te o ria d e R a wls


n ã o p o d e ser " c o n tin u a m e n te re a liz a d a se m in te rfe rê n c ia
c o n tin u a n a v id a das p e sso a s" (N o z ic k , 1 9 7 4:1 6 3). Isso p o r-
qu e as pessoas, se d e ix a rm o s qu e fa ç a m o qu e q uis e re m , p a r-
fíc íjp a rã o d e tro c a s liv re s q u e v io la m o p rin c ip io d a d ife re n
ç a ,'d e m o d o q u e pre s e rv a r o p rin c íp io d a d ife re n ç a e x ig e n
in te rv e n ç ã o c o n tin u a ñ a s tro c a s das p e sso a s.-N o z ic k a firm a
qu é sua te oria e vita a in te rfe re n c ia c o n tin u a n a v id a das p e s
soas, p o is n ã o re q u e r qu e as tro c a s livre s das p essoas a ju s
te m -s e a u m p a drã o e sp e cífico e, p o rta n to , n ã o re q u e r in t e r
v e n ç ã o n e sta s tro c a s 'V ln fe liz m e n te , o p ró p rio siste m a d e
tro c a s qu e N o z ic k pro te g e re q u e r a in te rfe rê n c ia c o n tín u a n a
v id a das pessoas. Se pud e ss e m fa z e r o qu e quise ssem , as p e s:
soas u s a ria m liv re m e n te os re curso s a su a v o lta , p o is é a p e
n a s a in te rv e n ç ã o e sta ta l c o n tín u a qu e as im p e d e d e v io la i
os p rin c íp io s d e ju s tiç a d e N o z ic k .
C o m o os d ire ito s d e pro p rie d a d e c o n s titu e m re striç õ e s
ju ríd ic a s à lib e rd a d e in d iv id u a l e com o os lib e rtá rio s (s e g u n
d o a d e fin iç ã o d e F le w ) a firm a m s e r c o n tra ta is re s triç õ e s ,
p o d e ría m o s e sp erar qu e e xigiss e m a a b o liç ã o dos d ire ito s de
pro prie d a d e . M a s ele s n ã o o fa z e m . P od ería m os e sp erar qu e

10. A a firm a ç ã o de N o z ic k , a qui, n ã o é v e rd a d e ir a . Sua te oria n ã o re qu e r


qu e as troc a s livre s das pe ssoas pre s e rv e m u m p a drã o e sp e cífico - a saber, a
clá usula lo ckia n a - e, p ort a n to , t a m b é m re q u e r a int e rv e n ç ã o co n tín u a nas
troc a s livre s p ara pre s erv ar u m a d is trib u iç ã o com p a drã o. Isso sola p a o f a m o
so co ntra ste de N o z ic k e ntre " t e oria s co m p a drã o " , c om o a d e R a wls, e " t e o
ria s históric a s " , c o m o a sua. T od a s as te oria s in c lu e m e le m e ntos ç e tn R a d t ã o e
e le m e nto s h is tó ricos. R ji a f e p O T e x e njg]®, p e rn ú t e qu e as ppssn as v e n h a m à
t e r d ir e ito s le g ítim o s e m v irtu d e de suas ações e escolh as passadas, <ém ç o n-
jn rrm d á d e c o m o p rin c í p io d a dif e re nç a (um e le m e nto his tóric o), e N o z ig Ju K -
q tt ê r qu e o p a drã o d e d is trib u iç ã o re s u lt a n t e das ações das p e sso a sifla o deixe
n in g u é m e m situ a ç ã o p io r d o qu e a qu ela e m qu e e staria n o e sta do d e n a tur e
z a (um e le m e nto co m p a drã o). N o z ic k a firm a qu e a clá usula lo ckia n a n ã o é
ú m a e xig ê ncia com p a drã o (N o z ic k , 1974: 181), mas, se fo r assim, e ntã o o
p rin c íp io d a dif e re n ç a de R a wls ta m p o u c o é (B og art, 1985: 828-32; Ste in er,
1977: 4 5-6). D e q u a lq u e r m a n e ir a , m e sm o qu e este contra ste possa ser sus
te nt a d o , n ã o é u m co ntra ste e n tre te oria s qu e in t e rf e r e m nas vid a s das p e s
soas e te oria s qu e n ã o o fa z e m.
O L1B E RTARISMO 193

a firm a s s e m qu e p e rm itir dte e ite sjj^ p x Q p rie d a d e - gria .u m a


q ü a n tid M F g F IIH e rd a de m a io r d o qu e a p e rd id a . E , n a v e r-
d ã c fê 7 ã l^ n s lib e rtá rio s fa z e m e sta a firm a ç ã o . N ã o e stá cla
ro , p oré m , co m o p o d e m o s a v a lia r e sta a firm a ç ã o e, m e sm o
q u e pud é ss e m os e la b ora r u m a escala s e g u n d o a q u a l os p o s
s uid ore s d e pro p rie d a d e g a nh a ss e m m a is lib e rd a d e a p a rtir
de seus d ire ito s d o qu e os c are nte s d e p ro prie d a d e p e rd e s
se m a p a rtir das re striçõ e s re s u lta n te s , e sta a firm a ç ã o d e l i
b e rd a d e g e ra l m a x im iz a n te n ã o d e fe n d e ria o lib e rta ris m o .
E la le v a a u m a te o ria b a se a d a n a lib e rd a d e qu e é te le o ló g i-
ca, q u e s u b o rd in a T p o ^ e a e si in d iv id u a l a som a d a líb e r-
aacTe g e ra L-A q u ilo d e qu e os lib é rta n o s n e c e ssita m e a a ifir-
“ m lÇ ã õ^d è qu e os d ire ito s d e pro p rie d a d e irre s trito s p a ss a m
n o te ste d a m a io r lib e rd a d e ig u a l. M a s, e ntã o , o su p o sto fa to
d e qu e os p o s s uid ore s d e pro p rie d a d e g a n h a m m a is lib e r
d a d e d o qu e p e rd e m os c are nte s d e pro prie d a d e n ã o ape n a s
d e ix a d e d e fe n d e r o lib e rta ris m o , com o o re fu ta . Q u a l é, e n
tã o , a lig a ç ã o e n tre o m erc a d o liv re e a lib e rd a d e ? A d e fin iç ã o
d e F le w su g ere q u e .o .m e rc a d o ljv r e ji ã o .cria ja u a lc w e r lib e r
d a d e e que,J3Q Eta n fo. ,n ã a .h ln e c e s s id a d e d e p e s ar o s ;
em co n\p a ra ç ã a m m , a.s4 Mird a s. ..
C o m o o m e rc a d o liv re p o d e s er v is to co m o u m a u m e n
to irr e s trito de lib e rd a d e ? . E m u m a d e fin iç ã o n ã o m ora l iz a d a
d e lib e rd a d e , a p ro p rie d a d e p riv a d a cria , in e re n le m e n te ,J i-
1g ^ d e . e .t ã Q rjfl^ d a d e < > S e os lib e rtá rio s n e g a m qu e o m e r
c a do liv r e cria q u a lq u e r n ã o -lib e rd a d e , d e v e m e sta r u s a n d o
u m a d e fin iç ã o m ora liz a d a e " lo c k ia n a " d e lib e rd a d e , u m a d e
fin iç ã o q u e e x p lic a a lib e rd a d e e m fu n ç ã o d o e x e rc ício d e
nossos d ire ito s . M in h a lib e rd a d e é d im in u íd a a p e n a s q u a n
d o a lg u é m m e im p e d e d e fa z e r a lg o qu e te n h o d ir e ito de
J a z g i/S e a lg u é m te m d ir e ito à p ro p rie d a d e p riv a d a , e n tã o ,
p ro te g e r sua p ro prie d a d e c o n tra in v a s ã o n ã o d im in u i m in h a
lib e rd a d e de n e n h u m a m a n e ira . C om o e u n ã o tin h a n e n h u m
d ire ito d e in v a d ir sua pro prie d a d e , m in h a lib e rd a d e n ã o é
d im in u íd a p e la im p o siç ã o d e d ire ito s d e p ro prie d a d e . C o n
tu d o , u m a v e z qu e os lib e rtá rio s a d o ta m e sta d e fin iç ã o m o
ra liz a d a , a a firm a ç ã o d e q u e o m e rc a d o liv r e a u m e n ta a li-
194 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

b erd a d e das pessoas re q u e r u m a rg u m e n to a n te rio r a fa v or


da e xistê ncia dos d ire ito s d e pro prie d a d e , u m a rg u m e n to que
n ã o p o d e e sta r b a s e a do n a lib e rd a d e .
P ara d e fe n d e r a a firm a ç ã o d e qu e o m e rc a d o liv r e a u -j
m e nta a lib e rd a d e , m ora lm e n te d e fin id a , os lib e rtá rio s d e v errjj
d e m o n s tra r q u e as p e sso a s tê m d ir e ito à p ro p rie d a d e . Sé
as pessoas tê m e ste d ire ito , e ntã o , re s p e ita r o m e rc a d o liv re
a u m e n ta a lib e rd a d e e im p e d ir os o u tro s d e us ar noss a p ro
prie d a d e n ã o s eria c o n sid e ra d o d im in u iç ã o d e sua lib e rd a d e
(já qu e n in g u é m te m d ire ito de in v a d ir). P o rta n to ,^ m erc a do
liv r e a u m e n ta a lib e rd a d e , m o ra lm e n te d e fin id a . E ste , p o
ré m , n ã o é u m a rg u m e n to qu e p a rte d a lib e rd a d e é v a i a té
os d ire ito s d e p ro p rie d a d e . P elo c o n trá rio , a a firm a ç ã o d e
lib e rd a d e pre ssu p õ e a e xistê n cia d e d ire ito s d e pro prie d a d e
- os d ire ito s d e p ro prie d a d e só a u m e n ta m a lib e rd a d e se te
m os a lg u m a ra z ã o p ré v ia e in d e p e n d e n te p ara v e r ta is d ir e i
to s co m o m o ra lm e n te le g ítim o s .
A a firm a ç ã o d e q u e o m e rc a d o liv re a u m e n ta a lib e rd a
d e , p o rta n to , v a le -s e d e d e fin iç õ es in c o m p a tív e is d e lib e r-
d a d e .jQ s fib e rtá n Q sxon siá e ra m ^b a c L a u £ ^ a ia i^ e n c ã a m
e c o n o m ia p riv a d a d im in u i a lib e rd a d e /Is s o é v e rd a d e com
fia s e e m u m a d e fin iç ã o sp e n c e ria n a d e lib e rd a d e e re a lm e n
te é a p erd a d a lib e rd a d e n o s e n tid o n ã o m ora liz a d o qu e eles
s a lie n ta m , ao d e fe n d e r a .a firm a c ã o d e q u e o c a p ita iis m a a u -
m e n ta a. lib e rd a d e . F m u m a d e fin iç ã o sp e n c e ria n a , p oré m , é
ig u a lm ei-'-n te ó b vio quAr
e im p o r d ire...ito
-
s •••d“•e->rw.-pro prie d a d......—
•- J- t ..........
e rd-^-i—
im in u fan
i"
a lib e rçia d e . P ara d e m o n s tra r qu e o m erc a do liv re a u m e n ta a
Iifie rd a d e , o lib e rt á rio te ria d e fo rn e c e r m e d id a s q u e m o s
tra ss e m qu e as lib e rd a d e s c o n s e g u id a s c o m a p ro p rie d a d e
su p e ra m as re striç õ e s d e lib e rd a d e cria d a s p e la n ã o -e x is tê n -
cia d a pro prie d a d e . (Isso te ria de ser v e rd a d e iro p ara cada in
d iv íd u o n o p rin c íp io d a m a io r lib e rd a d e ig u a l, a o p a sso qu e
o p rin c íp io te le o ló g ic o só re q u e r qu e isso seja v e rd a d e iro p ara
a socie d a d e em g era l.) O s lib e rtá rio s , p oré m , n ã o fa z e m estas
m e diçõ e s. E m v e z disso, a rg u m e n ta m qu e os d ire ito s d e p ro
p rie d a d e n ã o cria m a b s o lu ta m e n te n e n h u m a priv a ç ã o de
lib e rd a d e m e d id a p o r u m a d e fin iç ã o lo c k ia n a m ora liz a d a .
& i
i
O LIB E R T A RISM O 195

Isso m in a a forç a d a obje ç ã o de qu e os d ire ito s d e p ro p rie d a


de d im in u e m a lib e rd a d e , já qu e esta obje ç ã o v a lia -s e d e um a
d e fin iç ã o n ã o m o ra liz a d a d e lib e rd a d e . C o n tu d o , ta m b é m
m in a a forç a d o a rg u m e n to in ic ia l qu e os lib e rtá rio s ofe re c e
ra m p ara d e m o n s tra r qu e os d ire ito s d e pro prie d a d e a u m e n
ta m a lib e rd a d e , p o is ta m b é m este v a lia -s e d e u m a d e fin iç ã o
n ã o m ora liz a d a . E m u m a d e fin iç*ã o m ora liz a d a , já --n-ã--o------;
é m a{ is.
e vid e n te q u e d ire ito s d e pro p rie d a d e irre s trito s a u m e n ta m
a lib e rd a d e p orq u e n ã o é ó b v io q u e a lg u é m d e v a te r d ire ito s
irre s trito s so bre su a p ro p rie d á d e . N a v e rd a d e , co m o vim o s ,
e sta é u m a a firm a ç ã o c o n tr a -in tu itiv a e im p la u s ív e l.
A lg u m a d e fin iç ã o d e lib e rd a d e p o d e , c o e re n te m e n te
us a d a , s u s te n ta r a a firm a ç ã o d e q u e o lib e rta ris m o p ro p o r
cio n a m a io r lib e rd a d e ig u a l d o qu e u m re gim e re d is trib u tiv o
lib e ra l? E se os lib e rtá rio s se a tiv e re m c o e re n te m e n te à d e
fin iç ã o n e u tra d e lib e rd a d e e a firm a re m qu e o m e rc a d o liv re
a u m e n ta a noss a q u a n tid a d e g e ra l d e lib e rd a d e n e utra ? P ri-
m e iro^rie v e n io s d e m o n stra r qpe,oa.gi]Q liQ S n g H h erd a dfiJl§ E -
tra d e riv a d o s d a p e rm is s ã o d a j m it t i s d a d e p ^ ^
Is p e rd a s . O s fib e rta n o s n ã o nos d e ra m n e n h u m a ra z ã o p ara
c fe r q u e isso seja v e rd a d e o u q u e seja p o s s ív e l le v a r a c a bo
as m e diçõ e s e xigid a s. A lé m disso , m e sm o q u e isso a u m e n
ta ss e a noss a lib e rd a d e n e u tra , a in d a d e s e ja ría m o s s a b e r
q u ã o im p o rta n te s estas lib e rd a d e s n e utra s são. Se nosso a p e
g o a o m e rc a d o liv re fo r a p e n a s tã o fo rte q u a n to nosso a p e go
à lib e rd a d e d e c a lu n ia r os o u tro s o u d e n ã o re s p e ita r o s in a l
v e rm e lh o , e ntã o , n ã o te re m o s u m a defe sa m u ito fo rte d o ca
p ita lis m o .
E se os lib e rtá rio s a d o ta re m a d e fin iç ã o p ro p o s itiv a e
a firm a re m qu e o m e rc a d o liv re n o s p ro p o rc io n a as lib e rd a
des m a is im p o rta n te s ? O f a to J ^iiijc e ü o s d e p ro p rie d a d fe ir-
re s trito s prq m o v e re m o u ,tã Q riQ S|os px Q pósitos m a is im p o r-^
ta n tc s d e p e n d e d e ^e fe liv a m e n te J,teix a us..ou n ã o p ro p rie d a -
: i £ S er liv r e p a ra le g a r pro prie d a d e s p o d e p ro m o v e r nossos
p ro p ó s itos m a is im p o rta n te s , m a s a p e n a s se. tiv e rm o s p ro -
I
prie d a d e s p ara le g a ri E ntã o, q u a lq u e r qu e seja a rela ç ã o e n tre
pro prie d a d e e lib e rd a d e pro p o sitiv a , o o b je tiv o d e p ro p o rc io -

í
196 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

n a r a m a io r lib e rd a d e ig u a l sug ere um a d is trib u iç ã o ig u a l da


pro prie d a d e , n ã o o c a p ita lis m o irr e s trito . N o z ic k n e g a issoA t
d iz e n d o q u e os d ire ito s fo rm a is d e poss e de s i m e sm o s ã o f
as lib e rd a d e s m a is im p o rta n te s , m e sm o p a ra os q u e c a re -|
c e m d e pro prie d a d e . C o n tu d o , co m o vim o s , a n o ç ã o d e d ig - J
nid a d e e ação de q u e se v a le N o z ic k , base ad a n a id é ia d e a g ir
a p a rtir d e noss a co n c e pç ã o d e n ó s m e sm os, re q u e r, a lé m
d e d ire ito s so bre os re curso s, d ire ito s sobre a noss a pe sso a .
T er acesso in d e p e n d e n te a re curso s é im p o rta n te p a ra n o s
sos p ro p ó s ito s e, p o rta n to , p ara nossa lib e rd a d e p ro p o s iti
v a , m as isso a rg u m e n ta a fa v o r d a ig u a ld a d e lib e ra l, n ã o d o
lib e rta ris m o .
E se os lib e rtá rio s se a tiv e re m à d e fin iç ã o lo c k ia n a d e
lib e rd a d e e a firm a re m qu e o m e rc a d o liv re p ro p o rc io n a a l i
b erd a d e a qu e te m o s d ire ito ? E m um a d e fin iç ã o m ora liz a d a , \
só pod e m os d iz e r qu e re s p e ita r c erta lib e rd a d e a u m e nta n o s
sa lib e rd a d e , se já s a b e m os qu e te m o s u m d ir e ito a e sta l i
b e rd a d e . E os lib e rtá rio s n ã o n o s ofe re c e ra m n e n h u m a rg u
m e n to p la u s ív e l d e q u e te m o s d ir e ito à poss e irr e s trit a d e
p ro p rie d a d e . T al d ir e ito n ã o se o rig in a rá d e u m a te o ria d e i
ig u a ld a d e p la u s ív e l (p orq u e e la p e rm ite qu e as d e sig u a ld a
des im ere cid a s te n h a m in flu ê n c ia m u ito gra nd e) n e m de um a
te o ria de v a nta g e m m ú tu a p la u s ív e l (p orq u e ela p e rm ite qu e
as d e sig u a ld a d e s im e re c id a s te n h a m in flu ê n c ia m u ito p e
q u e n a ). E d ifíc il p e rceber, c o m o q u a lq u e r e u tr© a rg u m e n to
p o d e e v iia r estas obje çõ e s a p a B e nJte m e nte Ü K U P S á a a S jC ortu
tu d o , m e sm o .q u ^ g h e gp e m os a jjm a ^ Q n c g ¿ ia j¿ a y ^ g g L d e
ig u a ld a d e o u v a n ta g e m m ú tu a q u e in c lu a d ire ito s d e _pro-
v prie d a d e c a p ita lis ta s , é d e s e s p e ra d ora m e nie c o n fu s o d iz e r
q u e se tra ta d e u m a rg u m e n ta sobre a lib e rd a d e .
N e n h u m a das trê s d e finiç õ e s d e lib e rd a d e su ste nta a v i
são de qu e o lib e rta ris m o a u m e n ta a lib e rd a d e . A lé m disso, o
fra c a sso d a s trê s a b ord a g e n s sug ere q u e a p ró p ria id é ia de
u m a te o ria b a s e a d a n a lib e rd a d e é co nfu s a . N o s s o c o m p ro
m isso co m c erta s lib e rd a d e s n ã o d e riv a d e n e n h u m d ire ito
g era l à lib e rd a d e , m a s d o seu p a p e l n a m e lh o r te o ria de ig u a l
d a d e (o u d e v a n ta g e m m ú tu a ). A q u e stã o é s a b e r q u a is li-
O U B E R T A RISM O 197

b erd a d e s e sp e cífic a s são m a is v a lio s a s p a ra as pe sso a s, d a


dos os seus inte re ss e s e ss e nciais, e q u a l d is trib u iç ã o d e sta s
lib e rd a d e s é le g ítim a , d a d a s as e xig e ncia s d a ig u a ld a d e o u da
v a n ta g e m m ú tu a . A id é ia dje ..üb.erd a d e .com o.tal, e d.e qu a n.
tid a d e s m e qoxe s-e m a iore s d e la , n ã o fu n c io n a no. a rg u m e n
to p o lítico. %
" ~ " c > c o tt G o rd o n fa z obje ç ã o a e sta e lim in a ç ã o d a " lib e rd a
d e " c o m o c a te g oria d e a v a lia ç ã o p o lític a e su a s u b s titu iç ã o
p e la a v a lia ç ã o d e lib e rd a d e s e sp e cífic a s: " S e fôss e m os im
p e lid o s [...] p ara gra us cada v e z m a iore s de e sp e cifica çã o, a l i
b e rd a d e co m o pro b le m a filo s ó fic o e p o lític o d e s a p are c eria ,
o b s c ure cid a in te ira m e n te p e la s in ú m e ra s 'lib e rd a d e s ' e s
p e c ífic a s " ( G ord o n , 1 9 8 0:1 3 4). M a s, co m o é ó b vio , a id é ia é
ju s ta m e n te esta . N ã o h á u m pro b le m a filo s ó fic o e p o lític o
d a lib e rd a d e co m o ta l, a p e n a s o pro b le m a re a l d e a v a lia r l i
b erd a d e s e sp e cífic a s. S e m pre qu e a lg u é m d iz qu e d e vía m os
te r m a is lib e rd a d e s , d e v e m o s p e rg u n ta r q u e m te m d e s er
m a is liv r e , d e q u a l o b stá c u lo , p a ra fa z e r o q u ê . C o n tra ria
m e n te a G o rd o n , n ã o é a e sp e cific a ç ã o d e sta s coisa s, m a s a
in e x is tê n c ia d e su a e sp e cific a ç ã o qu e obscure c e as qu e stõ e s
re a is 11. S e m pre q u e a lg u é m te n ta d e fe n d e r o m e rc a d o liv re . *

11. A discussã o subs e qü e nte de G o rd o n m a nif e st a estes p erig os. P or


e x e m plo , ele d iz qu e o m erc a do liy rç a u m e n t a a J ib e rd a d e da s pessoas, m as
dev e ser lim it a d o e m rióm e da justiç a . Ele, p oré m , n ã o e sp e cific a qu ais, p e s-
“ S O a S^dquire m q u a is lib erd a d e s no m erc a do livr e (e sp e cific ar estas coisas, ele
'ÍH Z T ãtB cüfe ceria o pro ble m a da " lib e rd a d e com o t a l" ). C o m o re sult a do, ele
Tpfiõrã~a prirrlã dfp fih e rd a d p ca nsada, p e lfl p rqp p e d a d e p riv a d a e, p o rt a n to , cria
" Ü m f a ls o c S ^ t o e ntr e J u stic a e A k e rd a d q . ¿ a rr u m a . t e n t a tiv a s im ila im e n t e
confus a d e pre s erv a r a id é ia d e j'lib e rd a d e ^ x o m o v a lo r se p ara do, v e r R a p jja e l
(1 9 7 0:1 4 0-1). Ele obs erv a qu e u m a r e d istrib u iç ã o de pro p n e d a d e p o d e ria ser
_vista-a nte s g p p a a j^ jtrib u ir, lib e rd a d . e e m n o m e d a ju stiç a d o que c om o sa cri-
ei----------- t:<— j . j -------------- 1- —- ••--op— di z ele, i s s ó ' e li m i S ñ a ' ã lib e rd á d e ’
c om o v a lo r s e p ara do e, p ort a n to , “ é m a is s ensato re conh e c er a c om ple xid a d e
dos o bje tivo s m ora is a sere m p ers e guid os p e lo E sta do e d iz e r qu e a ju s tiç a e o
b e m c o m u m n ã o são id ê ntic o s à lib e rd a d e , e m bora e ste ja m in tim a m e n t e r e l a
cio n a d o s " e, p ort a n to , " o E sta do não d e v e in t e rv ir n a vid a socia l e m e xte ns ã o
m á xim a p a ra s e rvir os obje tivo s d a ju stiç a e do b e m c o m u m " (R a ph a el, 1970:
140-1). P ara pre s erv ar o contra ste a le g a do e ntre lib e rd a d e e ju stiç a ou ig u a l
dad e, ta n to G ord o n com o R a ph a el distorc e m ou ig n ora m as lib erd a d e s e n ã o -li-
198 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

o u q u a lq u e r o u tra cois a , fu n d a m e n ta n d o -s e n a lib e rd a d e ,


d e v e m os e x ig ir q u e e sp e cifiq u e q u a is pessoas são livre s p ara
e x e cuta r q u a is tip o s d e a to - e, e ntã o , p e rg u n ta r p o r qu e es
ta s pe sso a s tê m u m d ire ito le g ítim o a e stas lib e rd a d e s - is to
é, q u e intere ss e s sã o pro m o vid o s p o r e stas lib e rd a d e s e q u a l
d e scriç ã o d e ig u a ld a d e o u d e v a n ta g e m m ú tu a n o s d iz qu e
d e ve m os a te n d e r a estes intere ss e s dessa m a n e ira . N ã o p o d e
m o s e x c lu ir e sta s d is p u ta s e sp e c ífic a s re c o rre n d o a a lg u m
p rin c íp io o u c a te g oria d e lib e rd a d e co m o ta l.

5. A p o lític a d o lib e rt a ris m o

O lib e rta ris m o c o m p a rtilh a co m a ig u a ld a d e lib e ra l u m


c o m pro m isso c o m o p rin c íp io d o re s p e ito p e la s e scolh a s das
pessoas, m a s re je ita o p rin c íp io d a re tific a ç ã o das c irc u n s tâ n
cias d e sig u a is. L e v a d o a o e xtre m o , isso n ã o a p e n a s é in a c e i
tá v e l p e la in tu iç ã o , com o ta m b é m é co n tra pro d u c e n te , p o is
n ã o re tific a r as circ u n stâ n cia s d e sv a nta jos a s p o d e sola p a r
os p ró p rio s v a lore s (a a u to d e te rm in a ç ã o , p o r e x e m plo) qu e
o p rin c íp io d o re s p e ito p e la s e scolh a s pre te n d e pro m o v e r. A
n e g a ç ã o lib e rtá ria d e qu e as d ife re n ç a s im e re cid a s n a s c ir
cu nstâ ncia s d ã o orig e m a d ire ito s m ora is sug ere u m fracasso
quase in co m pre e n s ív e l e m re conh e c e r as cons e qü ê ncia s p ro
fu n d a s d e ta is dife re n ç a s.
N a prá tic a , p oré m , o lib e rta ris m o p o d e te r u m a a p a rê n-
cia lig e ira m e n te d ife re n te j D lib e rta ris m o cons e gu e m u ito

d e tf^ é s c õ if é g ã d lã ^ lq u ê ch a m a a a te n ç ã o p a ra os cu sto s
c â d a vu!¿ malotes (ití’ tS tíT C ^^ífé íá is'e r loIpxTufÍC TMcriffCjtg^
as circ u n sta n cia s . C q m o R a w ls, o lib e rta rio ve co m o m sta -

b erd a d e s e fe tiv a s e nvolvid a s. O u tra s discussõe s d o qu e p o d e ria s ig n ific a r a l i


b erd a d e re c e b er " p rio rid a d e a nte o utro s b e ns ou v a lore s p o lític o s " b a s e ia m-
se e m confusõ e s sim ila re s - p or e x e m plo , in v o c a r crit é rio s d e m e diç ã o d e l i
b e rd a d e qu e r e c orra m a estes o u tro s v a lore s, t o m a n d o a ssim n ã o in t e lig ív e l
a re ivin dic a ç ã o de priorid a d e (p or e x e m plo . G ra y, 19 8 9:1 4 0-60; L o e vin s oh n ,
1977).
O LIB E R T A RISM O 199

v e l a co n c e pç ã o p o p u la r d e ig u a ld a d e d e o p o rtu n id a d e. Se
p e n s a m o s qu e as. d e sv a nta g e n s socia is d e v e m ser r e tific a
d a s, e n t ã q n ã o h á n e n h u m a ra z ã o p a ra n ã o re tific a r des=
v a n ta g e n s n a tu ra is .- C o n tu d o , os lib e rtá rio s d iz e m , e m b ora
á's circ u n stâ n cia s d e sigu a is, e m p rin c íp io , d ê e m orig e m a d i
re ito s le g ítim o s , a te n ta tiv a d e im p le m e n ta r e ste p rin c íp io
in e v ita v e lm e n te le v a , n a p rá tic a , a u m a la d e ira e scorre g a dia
q u e ch e g a à in te rv e n ç ã o s o cia l o pre ssiv a , a o p la n e ja m e n to
c e n tra liz a d o e a té à re e n g e n h a ria h u m a n a . L e v a à e stra d a d a
s e rvid ã o , o n d e o p rin c íp io d o re s p e ito p e la s e scolh a s é e n
g o lid o p e la e xig ê n cia d e ig u a la r as circ u n stâ n cia s .

3 re tific a r as circu n stâ n cia s. E m a lg u n s casos, isso n ã o p are ce


pro b le m á tic o . A te n ta tiv a d e ig u a la r a s insta la çõ e s e d u c a c ió n
n a is ~ p o r e x e m plo , a ss e gurar qu e as e scolas nos b a irro s n e -
gros s e ja m tã o bo a s q u a n to as e scolas b ra n cas - n ã o c o n tra
ria d e m a n e ira o pre s s iv a .u m a e s c o lh a in d M 3 u ^ ^ m o v e r
d e sig u a ld a d e s b e m e n trin c h e ira d a s e n tre d ife re n te s gru p o s
socia is re q u e r p o u c a in te rv e n ç ã o o u m e sm o a te n ç ã o p a ra
com discre ta s e scolh a s in d iv id u a is . A s d e sigu a ld a d e s são tã o
siste m á tic a s qu e n in g u é m p o d e ria s u p or q u e p o d e m ser ra s
tre a d a s a té d ife re n te s e scolh a s d o s in d iv íd u o s . C o n tu d o , o
p rin c íp io d e ig u a la r c irc u n s tâ n cia s a p lic a -s e a d is p a rid a d e s
n ã o a p e n a s e n tre gru p o s socia is, m a s ta m b é m e n tre in d iv í
duo s, e é m e n o s e vid e n te , q u e r estas dife re n ç a s se d e v a m a
e scolh a s, q u e r se d e v a m a circ u n stâ n cia s . C o n sid e re o p ro
b le m a d o e sforço . A o d e fe n d e r o_prin c íp io d a s e n sibilid a d e ^
à a m b iç ã o, u s e i o^é x ê fnpÍQ d o ja rd in e iro e d o jo g a d o r d e tê
n is , q u e v ie ra m a t e r re n d a d ife re n cia d a , le g ítim a m e n te , d e -__
v id o a o esforç o d ife re n c ia d o . E ra im p o rta n te p a ra o sucesso
"d o'é x é m p lo qu e as du a s pessoas e stiv e ss e m situ a d a s d e m a
n e ira s im ila r - is to é, qu e n ã o h ouv e ss e n e n h u m a d e s ig u a l
d a d e d e h a b ilid a d e o u e duc a ç ã o q u e p u d e ss e p re ju d ic a r a
c a p a cid a d e d e u m a p e sso a d e fa z e r o e sforço re le v a n te . N o
m u n d o re a l, p oré m , s e m pre h á a lg u m a dife re n ç a n o h is tó ri
co das p essoas q u e p o d e ría m o s d iz e r q u e é a causa d e suas
d ife re n te s e scolh a s.
200 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

P or e x e m plo , dife re n ç a s d e e sforço às v e z e s e stã o re la


cio n a d a s co m dife re n ç a s d e re s p e ito p o r si p ró p rio , as qu a is,
p o r sua v e z, m u ita s ve z es e stã o re la cion a d a s com fa tore s a m
b ie n ta is . A lg u m a s cria n ç a s tê m p a is e a m ig o s q u e as a p oia m
m a is o u s im p le s m e n te b e n e fic ia m -s e d a s c o n tin g ê n cia s d a
v id a so cia l (p o r e x e m p lo , n ã o e stare m d o e n te s p o r oc a siã o
d e u m te ste ). E sta s d ife re n te s in flu ê n c ia s n ã o s erã o e v id e n
tes e q u a lq u e r te n ta tiv a s éria d e e sta b e le c er sua pre s e nç a
será gra v e m e nte in v a siv a . R a w ls d iz qu e " a s bases socia is do
a u to -re s p e ito " são, ta lv e z , o m a is im p o rta n te b e m p rim á rio
(R a wls, 1971: 440), m a s q u e re m o s g o v e rn o s m e d in d o q u a n
to nossos p a is n o s a poia m ? A situ a ç ã o, p o r c erto , é d ife re n te
q u a n d o são in s titu iç õ e s p ú b lic a s A jü d o c a s io n a m a u to -re s
p e ito d ife re n c ia d o . O S u pre m o T rib u n a l dos E U A re p e liu a
e duc a ç ã o s e gre g a d a p a ra n e gro s, m e sm o n o caso d e as in s
ta la çõ e s re c e b ere m dota çõ e s ig u a is, p orq u e isso fo i p e rc e b i
d o c o m o u m a m arc a d e in fe rio rid a d e qu e p re ju d ic a a m o ti
v a ç ã o e o a u to -re s p e ito d a s cria n ç a s n e gra s. In v e rs a m e n
te , a lg u m a s fe m in is ta s a rg u m e n ta m q u e a e duc a ç ã o in t e
gra d a d e m e n in o s e m e n in a s te m a fe ta d o n e g a tiv a m e n te o
a u to -re s p e ito d a s m e n in a s , e q u e a e duc a ç ã o s e p ara d a p o r
sexos, com insta la çõ e s ig u a is, fa vore c eria m a is o a u to -re s p e i
to . E stas te n ta tiv a s d e ig u a la r as bases socia is d o a u to -re s
p e ito p o d e m s er im p le m e n ta d a s sem re s triç ã o in d e v id a n o
qu e d iz re s p e ito à e scolh a in d iv id u a l. N o v a m e n te , p oré m , a
c a p a cid a d e d e fa z e r isso o rig in a -s e d o fa to d e q u e as d ife
re nç a s são id e n tific a d a s m u ito ra p id a m e n te n o n ív e l d e g ru
p o . A s dife re n ç a s e n tre bra n co s e n e gro s o u m e n in o s e m e
n in a s são tã o siste m á tic a s q u e n ã o te m o s d e n o s im is c u ir
o u in t e rv ir n o s d e ta lh e s d e h is tó ric o o u p e rs o n a lid a d e d e
n e n h u m in d iv íd u o e sp e cífico. A situ a ç ã o, p oré m , é m ais co m
p le x a q u a n d o as d ife re n ç a s e stã o e m u m n ív e l p u ra m e n te
in d iv id u a l.
A lé m disso , e m v e z d e co m p e n s a r o e fe ito d e c irc u n s- j
tâ n cia s d e sigu a is sobre o e sforço, p o r qu e n ã o a ss e gurar qu e I
n ã o h a ja in flu ê n c ia s dife re n cia d a s sobre o e sforço cria n d o as j
cria n ç a s d e m a n e ira id ê n tic a ? O s lib e ra is c o n sid e ra m is s o |
O LIB E R T A RISM O 201

um a re striç ã o in a c e itá v e l à e scolh a . O lib e rta rio, p oré m , te m e


qu e seja u m a c u lm ia a ç ã o ló g ic a d o .c o m p ro m is s o ig u a lita rio
lib e r a l co m a ig u a liz a ç ã o d a s circ u n s tâ n cia s . O lib e ra l q u e r
ig u a la r as circ u n s tâ n cia s p a ra re s p e ita r m a is p le n a m e n te as
e s c o lh a s!iria s , a ssim q u e n o s m o v e rm o s p a ra o n ív e l das cEP
fere n ç a s in d iv id u a s e disp o siçõ e s s u bje tiv a s, o p rim e iro e n-.
g o lir á o s e g u n d o .
E p o r q u e n ã o e ste n d e r o p rin c íp io d e ig u a la r as c ir
c u n stâ n cia s à e n g e n h a ria h u m a n a o u , p e lo m e n o s, a c ertos
tip o s de tra n sfe rê n cia s bioló gic a s? Se u m a p essoa nasce cega
e o u tra p e sso a na sce co m d o is o lh o s b o n s, p o r qu e n ã o e x i
g ir a tra n sfe rê n cia d e u m o lh o b o m p ara o cego (N o z ic k , 1974:
206; F lew, 1989:1 59)? D w o rk in a ssin a la q u e h á um a d ife re n -i
ça e n tre m u d a r as coisa s d e m o d o q u e as p e sso a s s e ja m tra -l
ta d a s co m o ig u a is e m u d a r as pe sso a s d e m o d o qu e s e ja m ,
q u a n d o m u d a d a s, ig u a is . O p rin c íp io d e ig u a la r as circ u n g-
tâ n cia s re q u e r a p rim e ira , p o is é p a rte da e xig ê n cia m a is g e -
'1ral"(Tê”ffà ta rm o S aá p é s s õ S S ío W o lg u iis '(p w o rk in , 1983: 39;
W illia m s , '1 9 5^*1 3 5-4). E sta é u m a d is tin ç ã o v á lid a , m a s n ã o
e vita to d o s os p r o b l e c ^ jp o ^ n à p ró p ria te o ria de I Hv o rk in ,
os fa le 'n to s n a tu ra is d a s p e sso a s são p a rte das suas c irc u n s-
fa hclâ s í " c o isas u sadas n a busca d o b o m "),"n ã o p a rte d a p e g^
'sõ ã ” f'^cre nç a s q u e d e fin e m o qu e é u m a v id a b o a "). E ntã o ,
p ô r q u e as tra n sfe rê n cia s d e o lh o s d e v e m s e r corisid e ra d a s
co m o m u d a n ç a d a s pesso a s, n ã o c o m o s im p le s m e n te m u
d a nç a das suas circunstâ ncia s? D w o rk in d iz qu e a lgum a s c a
ra cte rístic a s d a nossa in c orp ora ç ã o h u m a n a p o d e m ser ta n to
p a rte d a p e sso a (n o s e n tid o d e p a rte c o n s titu tiv a d e noss a
id e n tid a d e ) co m o p a rte das circ u n s tâ n cia s d e u m a p e sso a
(u m re curso). N o v a m e n te , isso p are ce s e ns a to. N ã o será f á
c il, p oré m , tra ç a r as fro n te ira s . O n d e o s a ngu e se e nc a ix a ?
E sta ría m o s m u d a n d o as p essoas se e xigíss e m os qu e ,a s.p e s
soas s a ud á v e is do a ssem s a ngu e p a ra h e m o fílic o s ? N ã o a cho.
" T vlã s e os rin s ? C o m o o s a ngu e , a pre s e n ç a d e u m s e g u n d o
rim p ã o é u m a p a rte im p o rta n te d e noss a id e n tid a d e p ró
p ria , m a s re lu ta m o s e m v e r ta is tra n s fe rê n c ia s c o m o u m a
e xig ê n cia le g ítim a d a ju s tiç a .
202 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

N o v a m e n te e n c o n tra m o s u m pro b le m a d o tip o la d e ira


e scorre g a dia . D e p o is de te rm o s com e ç a do a d e sc er a ru a d a
ig u a liz a ç ã o dos d o te s n a tura is , o n d e v a m o s p a ra r? D w o r-
k in re co n h e c e e sta la d e ira e scorre g a dia e d iz q u e p o d e ría
m os d e c id ir tra ç a r u m a fro n te ira in v io lá v e l e m to m o d o c o r
p o , in d e p e n d e n te m e n te d e q u ã o p o u co q u a lq u e r p a rte es
p e cífic a d e le seja im p o rta n te p ara nós, p a ra a ss e gurar qu e o
p rin c íp io d a ig u a liz a ç ã o d a s circ u n stâ n cia s n ã o v io le nossa
p e sso a . O s lib e rt á rÍ Q S-m a-&fáhca-.~srm D lesm ente a m p lia m
e sta e stra té gia . Se p o d e m o s tra ç a r u m a lin h a e m to rn o d a
pêssoã," p ã rã ass e g ura r o re s p e ito p e la p e rs o n a lid a d e in d i-
v id u a l, p o r q u e n a o tra ç a r ta m b é m u m a lm h a e m tn m o .d e
/suas cto x m s tâ n rig jg ffir a a ss e gurar qu e n ã o te rm in e m o s com
p e rso n a lid a d e s id ê n tic a s d e vid a s a um a cria ç ã o id ê n tic a , p o r
q u e n ã o d iz e r qu e circ u n stâ n cia s d ife re n cia d a s n ã o d ã o o ri
g e m a d ire ito s m ora is o brig a tório s ?
V e n d o o lib e rta ris m o d e sta m a n e ira , su a p o p u la rid a
d e to m a -s e m a is c o m pre e n sív e l. É d e su m a n o n e g a r q u e c ir-
c u n stâ n cia s d e sig u a is cria m in e q u id a d e , e as te n ta tiv a s dos
lib e rta rio s d è d e m o n s tra r qu e a p o bre z a n ã o é u m a re striç ã o
d e lib e rd a d e n e m d a posse d e si m e sm o apena s re v e la m qu ã o
fra c a 'e T u á d e fe s a d o m e rc a d o liv re . J ’o f e m f a fe 'p d d e frn o s
e n c o n tra r um a fro n te ira clara e a c e itá v e l e n tre e scolh a s e c ir
cunstâ ncia s, h a v erá c e rto d e s c o n forto e m to m a r estas form a s
d e in e q ü id a d e u m a base d e d ire ito s o b rig a tó rio s . O lib e rta
ris m o c a p ita liz a com base n e ste d e s c o n forto , s u g e rin d o qu e
p o d e m o s e v ita r a n e c e ssid a d e d e tra ç a r e sta lin h a .
5 . O m a rx is m o

A crftic a -p a d rã o d a esq u e rd a -à iu s tjça lib e r a l é gi¿e_ela_


e n doss a a ig u a ld a d e fo rm a l, n a fo rm a .d e ig u a l o p o rtu n i-
d id e o u d e d ir e ito s c m s e p o fftic o s ig u a is , a o m e sm o te m = ,
p o q u e " ig n ora as d e s ig u a ld a d e s m a te ria is , n a fo rm a d e
acesso d e s ig u a l aos re c u rs o ^ É urn a c rític a v á lid a ao lib e r-
..... — — . ., r j
F ã tT slrio/a á d õ o se u c o m pro m is s o co m d ire ito s fo rm a is d e
posse d e si m e sm o à custa d a a u to d e te rm in a ç ã o s u b s ta n ti
va . C o n tu d o , as te oria s ig u a litá ria s lib e ra is co nte m p orâ n e a s,
co m o as d e R a w ls e D w o rk in , n ã o p a re c e m v u ln e rá v e is à
m e sm a crític a . R a w ls re a lm e n te a cre d ita q u e as d e s ig u a ld a -|
des m a te ria is (sob o p rin c íp io d a d ife re n ç a ) são c o m p a tív e is]
com d ire ito s ig u a is (sob o p rin c íp io d e lib e rd a d e ), e a lg u n s
crític o s c o n sid e ra m isso com o in d íc io d e u m co m pro m issc
p e rsis te n te co m a ig u a ld a d e fo rm a l (p o r e x e m plo , D a n ie ls ,1]
1975: 279; N ie ls e n , 1978: 231; M a c p h e rs o n , 1973: 8 7-9 4). A s
d e sig u a ld a d e s lic e n cia d a s p e lo p rin c íp io d a d ife re n ç a , p o
ré m , te m co m o o b je tiv o p ro m o v e r as circ u n stâ n cia s m a te
ria is d o s m e n o s fa v ore cid o s . L o n g e d e n e g lig e n c ia r a a u to
d e te rm in a ç ã o s u b s ta n tiv a e m n o m e d a ig u a ld a d e fo rm a l.

c a p a cid a d e dos m e m bro s m e n os ;


çle. C Q ns e gjãiT s e urÕ bj e tiv os s e ria a in d a m e n or " se re je ita s -
se m a s ^ e â g u ã H a S ^ g u e s a tisfa z e m o p rin c íp io d a d iíq -
. re n ç a (R a wls, 1971: 204). Õ p or-s e a essas d e sig u a ld a d e s e m
204 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

n o m e d a a u to d e te rm in a ç ã o s u b sta n tiv a d o p o v o é, p o rta n to ,


b a sta n te ilu s ó rio 1.
D a d o e ste c o m pro m is s o c o m p a rtilh a d o com a ig u a ld a
de m a te ria l, os s o cia lista s e os ig u a litá rio s lib e ra is c o m p a rtí
lh a m a m e sm a d e scriç ã o d e ju stiç a ? P ara c erta s c orre nte s d o
p e n s a m e n to s o c ia lis ta , a re s p o sta é sim . P arece n ã o h a v e i
n e n h u m a d ife re n ç a p ro fu n d a e n tre a te o ria lib e ra l d e ig u a l
d a d e de re cursos de D w o rk in e as v á ria s te oria s socia lista s d(
" ju s tiç a c o m p e n s a tó ria " , qu e ta m b é m a lm e ja m u m a d is tri
b uiç ã o s e nsív e l à a m biç ã o e in s e n s ív e l à dota ç ã o (p o r e x e m
p lo , D ic k , 1975; D iQ u a ttro , 1983; cf. C arens, 1985). H á , poré m ,
o u tra s c orre n te s d o p e n s a m e n to s o c ia lis ta q u e se m ov e m
e m u m a dire ç ã o d ife re n te . N e ste c a p ítulo , d is c u tire i duas d e s
tas corre nte s, qu e são e n co ntra d a s e m e scrito s m arxista s re -
centes. U ma corre nte o p õ e -se à p ró p ria id é ia d e-justic a . A jus.-
riç a , n e sta vis ã o , é-um a v irtu d e re m e dia d ora ,, um a . re sposta
a c e rta fa lh a n a v id a so cia l. A ju s tiç a busc a m e d ia r c o n flito s
e n tre in d iv íd u o s , a o p a sso qu e o c o m u n is m o sup e ra estes
c o n flito s e, p o rta n to , sup e ra a n e c e ssid a d e d e ju s tiç a . A s e-
„gU,nda.C p rre n te c o m p a rtilh a a ê nfa s e q u e n lib e r a lis m o Há a
ju s tiç a , m a s re je ita a cre nç a lib e ra l d e q u e a ju s tiç a épcom -
p a tív e l co m a .posse.privada dos-meios d e pro d u ç ã o . N e sta
s e gund a corre nte , h á u m a divis ã o e ntre os qu e critic a m a p ro
prie d a d e priv a d a com base n a e xplora ç ã o e os qu e a critic a m
co m base n a a lie n a ç ã o . E m q u a lq u e r caso, p oré m , a ju s tiç a
m a rxis ta re q u e r a so cia liz a ç ã o d os m e io s d e pro d u ç ã o , p a ra
gu e o p a trim o n io p ro d u tiv o seja a pro p n e d a d e d a c o m u n ia a -
de com o u m to d o o u dos tra b a lh a d ore s e m cada firm a ^ O n d e
as te oria s d e ju s tiç a ig u a litá ria s lib e ra is te n ta m e m pre g a r a
pro prie d a d e priv a d a e n q u a n to n e g a m as suas d e sigu a ld a d e s.

l-,ltfíbQ M--iguaiÍtááas c o m ja rtü h e r^!^


m is so com a ig u a ld a d e m a t e ria l, d iscord a m q u a nto aos m e ios qu e p o d e m ser
'u s a dos p a ra buscá-lã?.S e“ u m a -s 0 e f é ffid e v io la ò p rin c íp io 3 a difere nç a , m as
re sp e it a os d ire ito s civis, R a wls e D w o rk in n e g a m qu e poss a mos lim it a r as l i
b erd a d e s civis p ara c o rrig ir a d e sig u a ld a d e m a t e ria l. C o m o m e n cio n e i n o ca
p ítu lo 3, eles pro m o v e m seus obje tivo s ra dic a is, m a s re je ita m m e ios ra dic a is
d e a tin g i-lo s (v er cap. 3, n. 9).
O M A R XIS M O 205

os m a rxista s re c orre m a u m a te o ria d e ju s tiç a m a is ra d ic a l,


q u e v ê a p ro p rie d a d e priv a d a co m o in e re n te m e n te in ju s ta .

1. O c o m u n is m o com o s itu a d o a lé m d a ju s tiç a

U m a das cara cterístic a s m a is n otá v e is d a te o ria d e .Rawls,


jé " a j ,igti<?a * ft ^
in stitu iç õ e s s o c ia is /(R awls, 1971:3). A justiç a , s e gundo R awls,
H ã o é um .d entre vários onfro&_va W s pplftjçns, rom o a lib e r-
d a d e , a c o m u nid a d e e a e fic iê n c ia /A n te s , a ju s tiç a é o p a drã o
p ê lo q u a l p e s a m os a im p o rtâ n c ia desses o u tro s v a lore s. Se
u m a p o lític a é in ju s ta , n ã o h á n e n h u m c o n ju n to s e p ara do de
v a lore s a q u e poss a m os re c o rre r n a e sp era nç a d e s u p e ra r a
ju s tiç a , p o is o p e so le g ítim o v in c u la d o a esses o u tro s v a lore s
é e sta b e le cid o p e la su a lo c a liz a ç ã o n a m e lh o r te o ria d e ju s
tiç a . (In v e rs a m e nte , u m a das prov a s de um a te o ria da ju stiç a
é q u e e la d á o d e vid o p e so a esses o u tro s v a lore s. C o m o d iz
R a wls, se u m a te o ria d e ju s tiç a n ã o d e r o â m b ito a d e qu a do à
c o m u n id a d e e à lib e rd a d e , e la n ã o será a tra e n te p ara nós.)
O s lib e ra is e n fa tiz a m a ju s tiç a p orq u e v ê e m u m a lig a ç ã o
e s trè ita e n tre e la e a id é ia b á sic a d e ig u a ld a d e m o ra l. O s l i
b era is pro m o v e m a ig u a ld a d e m ora l das pessoas fo rm u la ndo,
u m a te o ria d e ig u a ld a d e ju rídic a , q u e a rtic u la os d ir e ito s d e
cada in d iv íd u o às c o n diçõ e s qu e p ro m o v e m o se u b e m -e s-
J a r/M u ito s m a rxis ta s , p o r o u tro la d o , n ã o e n fa tiz a m a ju s
tiç a e, n a v e rd a d e , o p õ e m -s e à id é ia d e q u e o c o m u n is m o
é b a s e a do e m u m p rin c íp io d e ju s tiç a . N e ste a sp e cto, e stã o
s e g u ip d o o p ró p rio M a rx , q u e a ta c o u as id éia s d e ''d ir e ito
jg u a ll e " d is trib u iç ã o ju s ta ? c o m o " âiyn .v e rb a L i^ s ^ . i: t y ,
(M a rx e E ng e ís, 1968: 321). E sta é a c o n clu s ã o qu e M a rx e x
tr a i d e su a a n á lis e d o " p rin c íp io d a c o n trib u iç ã o " - is to é, a
a firm a ç ã o d e qu e os tra b a lh a d ore s tê m d ire ito aos p ro d u to s
d o seu tra b a lh(¿ ^ E m b ora m u ito s s o cia lista s d e se u te m p o
viss e m o p rin c íp io d a c o n trib u iç ã o co m o u m im p o rta n te a r
g u m e n to a fa v o r d o so cia lism o , M a rx d iz qu e ele te m m u ito s
" d e fe ito s " q u e o to m a m , n a m e lh o r das hip óte s e s, u m p rin -
206 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

c íp io d e tra n siç ã o e n tre o c a p ita lis m o e o c o m u n is m o . O


p rin c íp io d a c o n trib u iç ã o d á às pessoas u m " d ir e ito ig u a l" ,
já qu e to d o s são m e d id o s p o r u m p a drã o ig u a l (isto é, o tra
b a lh o). C o ntu d o , algum a s pessoas tê m ta le ntos n a tura is m a io
res, d e m o d o q u e e ste d ir e ito ig u a l to m a -s e u m " d ir e ito d e
sig u a l p o r tra b a lh o d e s ig u a l":

ele reconhece tácitam e nte a dotação in divid u a l desigual e as


sim a ativid a d e produtiv a como privilé gios naturais. Portanto
é um direito de desigualdade no seu conteúdo como todo direito
O dire ito , pela sua pró pria nature z a, consiste apenas na a p li
cação de um padrão igu al, mas indivíduos desiguais (e não se
riam indivíduos difere nte s se não fossem desiguais) são m en
suráveis apenas por um padrão igu al na m edida em que sejam
colocados sob um ponto de vista igu al, selecionados apenas a
p artir de um lado definido, por exemplo, n o presente caso,.mn.-
siderados apenasjCQmaJrabalhadares£ nada m ais sendo visto
neles, tudo m a is sendo ig n a ra d o/M a rx e Èngels, 1968: 320).

S e g u n d o A lle n W o o d , e sta p a ss a g e m m o s tra qu e M a rx


era avesso n ã o a p e n a s à id é ia d e ju s tiç a , m a s d o c o n c e ito de
m o ra l s u b ja c e n te a e la . N a v is ã o d e W o o d . M a rx " n ã o erg
a m ig o d a id é ia d e qu e a 'ig u a ld a d e ' é a lg o hnm .a m .si." e " n ã o
a cre d ita v a e m u m a so cie d a d e d e ig u a is / (W ood, 1979: 281;
1 9 8 1 :1 9 5 ; cf. M ille r, 1984: cap. 1).
C o n tu d o , o a rg u m e n to d e M a rx , n e ste caso, n ã o re je ita
a vis ã o d e qu e a c o m u nid a d e de ve tra ta r seus m e m bro s com o
ig u a is . ^ a a L ê k l i ê g a ^
im p le m e n ta n d o u m a te o ria de ig u a ld a d e jurídic a s N e sta p a s
sa g e m , M a rx e ndoss a u m p rin c íp io cTé* ig u a l co n sid e ra ç ã o ,
m a s n e g a q u e a lg u m " d ir e ito ig u a l" o c a p ture p orq u e os d i
re ito s fu n c io n a m p e la d e fin iç ã o d e u m p o n to d e vis ta lim it a
d o a p a rtir d o q u a l os in d iv íd u o s d e v e m s er c o n sid e ra d o s
ig u a lm e n te . P or e x e m plo , o p rin c íp io d a c o n trib u iç ã o v ê as
p e sso a s c o m o tra b a lh a d o re s a p e n a s, m a s ig n o ra o fa to de
q u e os d ife re n te s tra b a lh a d ore s v a ria m e m seus ta le n to s e
e m suas n e c e ssid a d e s - p o r e x e m plo , " u m tra b a lh a d o r é c a
sa do, o u tro n ã o; u m te m m a is filh o s qu e o u tro e a ssim p o r
O M A R XIS M O 20 7

d ia n te " (M a rx e E ng e ls, 1 9 6 8 :3 2 0). N a r e a lid a d ^ .fi,n im e ro __

s ig n ific a d o d a ig u a l consideração, é in d e fin id o o iv .d e q u a l


q u e r m o d o , n ã o p o d e ser e sp e cific a do d e a n te m ã o' N o te , p o
ré m , qu e e sta d e scriç ã o d o e fe ito d o s " d ir e ito s ig u a is " n ã o é
a p e n a s u m a c rític a se ig u a l inte re ss e e ig u a l re s p e ito fore m
d e vid o s às p e sso a s - é p o r isso q u e e stas d e sig u a ld a d e s são
" d e fe ito s " . M a rx re je ito u a id á iy d e d,ire i ta s ig iig is , n ã o p o r
qu e n ã o erã afet£O â d o J |,ld á iâ jd £ -
1§H ãl£í ín a s ju s ta m e n te p orq u e a ch a va q u e o s .m ré iíq sj
n ã o e sta v a m a a ltu r a d e ste id e a l. N a v e rd a d e , a id é ia d e ,
i^ a Iá a d ~ £ m c a â M Í? á sic a p ara o p e n s a m e n to d e M a rx (A m e -
son, 1981:2 14-6; R eim a n, 1981:3 20-2; 1983:158; G eras, 1989:
231, 2 5 8-6 1; E lste r, 1983: 296; 1985: cap. 4)2.
O s m a rxista s tê m m u ita s obje çõ e s à id é ia d e ig u a ld a d e
ju ríd ic a . A p rim e ira , c o m o v im o s , é q u e d ir e ito s ig u a is tê m
e fe ito s d e sig u a is , já q u e g p e n a s e s p e cific a m u m n ú m e ro li-
m ita d o dos p o n to s d e v is ta m o ra lm e n te re le v a n te s . E ste a r
g u m e n to , p oré m , é fra co , p ois , e m b ora seja v e rd a d e qu e n ã o
p o d e m o s d e fin ir d e a nte m ã o to d o s os p o n to s d e v is ta re le
v a nte s, dis s o n ã o d e corre qu e a m e lh o r m a n e ira d e tra ta r as
p essoas co m ig u a l co n sid e ra ç ã o seja p e la n ã o-e s p e cific a ç ã o
d e a b s o lu ta m e n te n e n h u m p o n to d e v is ta . M e sm o qu e um a
pro gra m a ç ã o d e d ire ito s n ã o poss a m o d e la r p le n a m e n te a
ig u a l consid era ç ã o, ela o fa rá m e lh o r d o qu e q u a lq u e r o utra
p o s sibilid a d e . N a v erd a d e , o qu e m a is pod e m o s fa z e r excetc
te n ta r e s p e cific a r os p o n to s d e v is ta q u e ju lg a m o s m o ra l-
m e n te re le v a nte s? Só p o d e m o s e v ita r e sta ta re fa d ifíc il e v i-

2. A id é ia d e ig u a ld a d e m ora l m u ita s v e z e s ap are ce e m M a rx da m e sm a


form a qu e ap are ce e m K a n t, R a wls e N o z ic k - isto é, c om o a e xig ê ncia de qu e
d e v e m os tr a t a r as pe ssoas c om o fin s e m si m esm a s, n ã o com o m eios. Elej
a chava qu e o c a p it a lis m o deix a va de tra t a r as pessoas com o fin s na s relações
de pro d u ç ã o (nas qu a is o proce sso de tra b a lh o c a pit a lista re d u z o tra b a lh a d or
à co ndiç ã o de coisa, de in s tru m e n to a ser e xplora d o p e lo c a pit a lista) e nas r e
laçõ es d e troc a (n as q u a is " c a d a u m v ê as ne cessid ad es e de sejos do o u tro n ã o
c om o fin s e de sejos, m as c om o ala vancas a s ere m m a nip ula d a s, com o fra q u e
z as a s ere m a pro v e it a d a s " - B uch a n a n, 1982: 39).
208 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ta n d o te r d e to m a r d e cisõ e s d is trib u tiv a s . Isso, n a v e rd a d e , é


o qu e a lg u n s m a rxista s tiv e ra m e sp era nça d e fa z er, s u p o n d o
qu e h a v erá u m a a b u n d â n c ia d e re curso s sob o c o m u n is m o ,
m a s, co m o v e re m o s, e sta n ã o é u m a e sp era nç a re a lista .
U m a s e g u n d a o bje ç ã o é qu e as te oria s d a " d is trib u iç ã o
ju s ta " c o n c e n tra m -s e d e m a is n a distribuição e n ã o n a s q u e s
tõ e s m a is fu n d a m e n ta is da produção (Y oung, 1981; W o o d ,
1972: 268; B uch a n a n, 1 9 8 2 :5 6-7 ,1 2 2-6 ; W o lff, 1 9 77:1 99-208;
H o lm s tro m , 1977: 361; cf. M a rx e E ng els, 1968: 321). Se tu d o
o q u e fiz e rm o s fo r r e d is trib u ir a re n d a d o s q u e p o s s u e m
b e ns p ro d u tiv o s p a ra os qu e n ã o p o ssu e m , e n tã o , a in d a te
re m o s cla sse s, e x p lora ç ã o e, p o rta n to , o tip o d e inte re s s e s
c o n tra d itó rio s q u e to rn a m a ju s tiç a n e c e ss ária e m p rim e iro
lu g a r. D e v e m o s, e m v e z disso, n o s pre o c u p a r co m a tra n s -
fe rê n c ia d a p ro p rie d a d e d o s p ró p rio s m e io s d e pro d u ç ã o .
Q u a n d o isso é co n s e g uid o , as qu e stõ e s d e d is trib u iç ã o ju sta
lõ rh S irris e ob sole ta s.
E ste é u m p o n to im p o rta n te . N oss a pre o cu p a ç ã o d e ve
s er com a pro prie d a d e , p o is e la p e rm ite às pessoas n ã o a p e
nas a u fe rir m a io r re n d a , m a s ta m b é m o b te r u m in s tru m e n to
d e c o n tro le sobre a v id a d o s o u tro s . U m e squ e m a d e Irib v r-
e u m .fr a b a -
íh a d o r c o m re n d a s ig u a is , m a s a in d a d e i x a ria o c a p ita lis ta
c o m o p o d e r d e d e c id ir c o m o o tra b a lh a d o r e m pre g a b o p
p a rte d o se u te m p o , u m p o d e r d e q.ue.Q tra b a lh a d o r ..carece
n a re la ç ã o com o c a p ita lista : C om o obje ç ã o à id é ia de ju stiç a ,
p o ré m , e sta q u e ix a fra c a ss a . N a d a n a id é ia d e ju s tiç a a l i
m ita a qu e stõ e s d e re n d a . P elo c o n trá rio , co m o vim o s , ta n
to R aw ls co m o D w ry K in ín H u A tn ng.hong p ro d u tiv o s ço m o
u m dos re curso s d a socie d a d e a s ere m d is trib u íd o s e m c o n
fo rm id a d e corri u m a Y é oriâ d e ju stiç a * N a v e rd a d e , R a w ls a r
g u m e n ta qu e u m p a drã o m a is ig u a lit á rio d e poss e d e p ro
prie d a d e é e xig id o p a ra seu id e a l d e "d e m o cra cia p o ssuid ora
d e p ro prie d a d e " . E se D w o rk in , ao d is c u tir a im ple m e n ta ç ã o
p rá tic a d e su a te oria , te n d e a e x a m in a r m a is os e squ e m a s d e
re d is trib u iç ã o d e re n d a qu e um a re d is trib u iç ã o fu n d a m e n ta l
d a riqu e z a , isso é in c o m p a tív e l com sua te oria d e ju stiç a (cap.
O M A R XIS M O 209

3, seção 5, a cim a ).A o bie c a o m a rxis ta à e s tru tu ra d e cla sses


d a s re la çõ e s c a p ita lis ta s d e p ro d u ç ã o é, a cim a d e tu d o, u m a
obje ç ã o d is trib u tiv a e, p o rta n to , e nc a ix a-s e c o n forta v e lm e n-
te n o â m b ito n o rm a l d a s te o ria s d e ju s tiç a (c o m o o p ró -
p rio M a rx o b s e rv o u a lg u m a s v e z e s - M a rx e E n g e ls, 1968:
321; M a rx , 1973: 832; cf. A rn e s o n , 1981: 2 2 2-5; G era s, 1989:
2 2 8-9; C o h e n , 1988: 29 9-3 0 0).
N a m e lh o r das hip óte s e s, estas du a s obje çõ e s a p o n ta m
p ara lim ite s re fe re nte s à m a n e ira com o a lgum a s pessoas d e
s e n volv e ra m suas conce pçõ e s de ]u s tiç a ^ O J m a g a ,d â .m tiç .a
m a rxista , p oré m , é u m a o bje ç ã o à p ró p ria id é ia d e c o m u n i-
d a d e ju ríd ic a ^ O s m arxista s a cre dita m qu e a ju stiç a , lo n g e d e i
ser a p rim e ira v irtu d e das in s titu iç õ e s socia is, é a lg o d e qu e]
a c o m u n id a d e v e rd a d e ira m e n te bo a n ã o te m n e c e ssid a d e /
A ju s tiç a_é adequ a d a_a p e n a s.se e sta m os n a s, " c irc u n s tâ n c ia s
d a ju s tiç a " , circu n stâ n cia s qu e cria m os tip o s d e c o n flito s qu e
só p o d e m s er re s o lv id o s p e lo s p rin c íp io s d e ju .s ffâ '.# G Írà Í-
m e n te é d ito qu e estas" circ u n stâ ncia ? sãn He d nis tip o s p rin -
c ip a is C Ó bíe S ws c o n flita n te s e re curso s m a te ria is l im ita d og^,
Se as pessoas dis c ord a m q u a n to aos o b je tiv o s e d e fro n ta m -
se c o m re cursos escassos, e ntã o , ela s fa rã o in e v ita v e lm e n te
re ivin dic a çõ e s c o n flita n te s . Se, p oré m , pud é ss e m os e lim in a r
os c o n flito s e n tre os o b je tiv o s d a s pessoas ou a escassez de
recursos._ness^e/cã^sõnã Q te ría m o s n e n h u m a n e c e ssid a d e d e
u m a t e oria d e ig u a ld a d e ju ríd ic a e e staría m os e m m e lh o r s i- _
tíT àcao se m e la (B uch a n a n, 1982: 57; L u k e s, 1985: cap. 3).
S e gundo a lg u n s m arxista s, a circ u n stâ n cia d a ju s tiç a que
o c o m u n is m o busc a s u p e ra r são as conc e pçõ e s c o n flita n te s
d o b e m . E le s to m a m a fa m ília (id e a liz a d a ) co m o e x e m plo de
u m a in s titu iç ã o q u e é n ã o ju ríd ic a , o n d e h á u m a id e n tid a d e
d e inte re ss e s, n a q u a l as pessoas re a g e m e s p o nta n e a m e n te
as n e c ê i^ etãflgig p o s o u tro s p o r a m or, e m v e z de re sp o n d e -
„ re m c o m base e m d e vere s le g ítim o s o u c á lculo s d e v a nta g e m
jp e s s o a l.fc f. B uch a n a n , 1 9 8 2:1 3). Se a c o m u nid a d e com o u m
to d o ta m b é m tiv e ss e u m a id e n tid a d e d e inte re ss e s e v ín c u
lo s a fe tivo s, e ntã o , a ju s tiç a n ã o s eria n e ce ssária p orq u e c o n-
c e b e rm o-n o s c o m o d e te n to re s d e d ire ito s é " v e rm o -n o s
210 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

com o p arte s pote ncia is de c o n flito s interp e sso a is nos quais


é necessário form u la r re ivindic a çõ e s e 'd e fe n d e r' o que re i
vin dic a m o s com o nos sendo d e vid o " (B uchanan, 1982: 76).
Se pre enchêssemos re ciproca m e nte nossas necessidades p or
a m or ou p or h arm onia de interesses, não haveria ocasião para
que ta l conc e ito de d ire ito s surgisse.
A rg u m e n te i em o u tra p arte que M a rx n ã o a cre dita va)
n esta vis ã o de com unid a d e inte gra d a a fe tiv a m e nte e c o ir|
um a id e n tid a d e de interesse s. Para M arx, as relações com u-f
nista s são livre s de a nta gonism o "n ã o no s e ntido de a nta go
nism o in d iv id u a l, m as de um a nta gonism o surgido das con
dições sociais da vid a dos in d iv íd u o s " (M arx e E ngels, 1968:
182)3/ A solução da "h a rm o n ia dos fin s " p ara as circu n stâ n
cias da ju stiç a é, n a verd ad e , m ais um id e a l co m u nitá rio que
u m id e a l m arxista (cf. cap. 6, seção 4c a baixo). A lé m disso, é
duvidoso que esta seja um a solução possível p ara as circu n s
tâ ncia s da ju stiç a . Pois, m esmo com p a rtilh a n d o u m c o niu n-
to de o bje tivo s, a ind a pod e m os te r intereságs.p£SS Q ais„carL-
flita n te s (p or e xe m plo, dois a m antes da m úsica qu ere ndo o
ú nic o ingre sso disp o n ív e l p ara a óp era). E, m e sm o qu a ndo
n ã o te m os interesse s pessoais c o nflita n te s, pod e m os d is
cord ar sobre com o le var a cabo u m proje to co m p artilh a d o ou
sobre q u a nto a poio ele m erece. Você e eu pod e m os a cre di
ta r que a e xp eriê ncia da m úsica é um a p arte v a lio s a de um a
v id a boa e que a m úsica deve ser a poia d a com nosso te m po
e d in h e iro . Você pod e , co ntu do , q u erer a poia r a m úsica de
m a n e ira que p e rm ita que o m a ior n úm ero de pessoas p o s
sa e xp e rim e n tá -la , m e sm o que isso sig n ifiq u e e xp e rim e n
ta r m úsica de qu a lid a d e in fe rior, ao passo que eu posso q u e
re r a poiar a m úsica de m a ior qualid a d e , m esmo que isso sig-

3. M a rx d iz q u e a v id a sob o c o m u n is m o s eria u m a " v id a s o cia l" (M a rx l


1977a: 9 0-3) e q u e os in d iv íd u o s c o m u n is t a s s e ria m " in d iv í d u o s s o c i a is l
(M a rx, 1973: 705, 832). N ã o disse , p oré m , qu e h a v erá u m a in e re n t e h a rm o
n i a d e intere ss e s, n e m qu e d e v e m os a lm e j a r a cria ç ã o de t a l h a rm o n ia . S o
bre m in h a vis ã o q u a n to ao qu e e q üiv a le m estas a firm a çõ e s a re sp e ito d a v id a
socia l, v e r K y m lic k a (1989a: cap. 6).
O M A R XIS M O 211

n ifiq u e que algum as pessoas nunca a e xp erim e ntarã o. N a


m e did a e m que h a ja re cursos escassos, discord are m os so
bre q u a n to a poio devem re ce b er os proje to s m usica is. O s
fin s c o m p a rtilh ados só e lim in a m c o n flitos. quanto..a o uso.
' de recursos escassos qu a ndo as pessoas ta m b é m co m p a rtí-
"lha m m eios e priorid a d e s. A s únicas pessoas, poré m , que
com p a rtilh a m fin s id ê ntico s p or ra zões id ê ntic a s e com in
te nsid a d e id ê ntic a são pessoas idênticas. E isso suscita a ques
tã o de d e te rm in a r se os fin s c o n flita n te s são ou não visto s
da m e lh or m a n eira como um "pro b le m a " que precisa ser
"re m e d ia d o " ou sup era do. T alve z seja v erd a d e que os c o n
flito s n ã o são, em si e p o r si, algo a ser v a loriz a d o . A d iv e r
sid a de de fin s , poré m , que tom a tais co nflito s in e vitá v e is
pod e ser algo a ser v a loriz a do .
A o u tra soluçã o p ara as circunstâ ncia s da ju stiç a é e li
m in a r a escassez m a te ria l. C om o d iz M arx:

Ern uma fase supenor .da. sociedade comunista, .apossa


subordinação escravizadora do indivíduo à divisão, do tyaba-
N H õ 'T . . lj e r .^ se tomado- não
' apenas um meio de vida, mas uma necessidade prim ordial da
Jwc G^ajrós as forças produtivas também terem aumentado
com o desehyolvimentft.,geral-dodndivíduo-.e todas,usjontes
da riqueza cooperativa fluírem com mais abundancia - SQ.exiru
tão poderá ser cruzado inl-oirnmonte o horizonte estreita do
direito burguês e poderá a sociedade in screver em seus.es-
Jsnd arte sijdfij^dãJjm.C QnÉ âiiDiÊ-su^câpacidade, a cada um
conforme suas necessidades! (Marx e Engels, 1968: 320-1).

M arx fo i e nfático qu a nto à necessidade da abundância,


pois pensava que a escassez tom a v a os co nflito s insolúve is. O
m ais a lto d ese nvolvim e nto das forças produtiv a s " é um a pre
missa prá tica absolutam ente necessária [do com unism o] p o r
que, sem ela, a necessidade é m era m e nte generaliz ada e, corr
a destituição, a lu ta pelas necessidades e to d o o v e lh o joge
sujo seria m necessariam ente re pro d u z id o s " (M arx e Engels;
1970: 56). Talvez porque fosse tão pessimista qua nto aos e fe i
tos sociais da escassez é que ele te nh a se tom a d o tã o o tim is
ta q u a nto à p o ssibilid a d e da a bund â ncia (C oh en, 1990b).
212 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

C o ntu d o, esta solução para as circunstâ ncia s da ju stiç a


ta m b é m é im p la u s ív e l (Lukes, 1985: 63-6; B uch a na n, 1982:
165-9; N ov e , 1 9 8 3:1 5-2 0). C ertos re cursos (p or e xem plo, o
espaço) são in eren tem en te lim ita d o s e _a recente ond a de c ri
ses a m bie nta is re v e lou os lim ite s e m píricos de outro a re cur-
sos de çpue depgBderoQ S (p or e xe m plo, o e sgota m e nto das
reservas de p e tró le o). A lé m disso, certos tip o s de c o n flito s e
m ales pod e m surg ir m esmo com a a bund â ncia de certos re
cursos. U m e xem plo que surge p or causa de um a capacidade
e desejo de a ju d a r os o utro s são os c o n flito s pote ncia is e n
volvid o s no p a tern a lism o. P orta nto, m esmo que a ju s tiç a seja
adequada apenas com o resposta aos pro ble m as na socie da
de, pod e não ser jjõ ss W ê rsü p è fà f esses p ro ble m a s.
A ju stiç a , p oré m , é vista da m e lh or m a n e ira com o um a
v irtu d e re m e dia d ora que deve ser superada? O s m arxista s
argum e nta m que, e m bora a ju stiç a ajude a m e dia r co nflito s,
ela ta m b é m te nd e a cria r c o n flito s ou, de q u a lq u e r m a n eira ,
a d im in u ir a expressão n a tura l da so cia bilid a d e . P orta n to ,.a .„
4U S Ü ça.á .urna n ece ssid a dela m e ntá velno pre s e nte ,m a s urna
b arre ira para.um a .form a .sup erior de com unid a d e sob c o n d i
ções de_abu nd â nria< É m e lh or que as pessoas aja m e spon
ta n e a m e nte p o r a m or m ú tu o do que v e ndo a si e aos o utro s
com o d e te ntore s de d ire ito s justos.
M as p or que estes são dois opostos? Por que devemos
e scolh er o a m or ou a justiça ? A fin a l, algum a s pessoas a rgu
m e nta m que o senso de ju stiç a é um a pre condiç ã o do a m or
p e los o utro s e, n a verd a d e , é p a rcia lm e nte im p orta n te p ara
esse amor. A suposiçã o m arxista p arece ser a de que, se d e r
mos dire ito s as pessoas, elas irã o im e dia ta m e nte re ivin dic á -
rõsTindepe n d e nte m e nte dos efeitos p ara os outro s, in c lu s i
ve para a qu ele s que ela s a m am . Por e xe m plo, B uch a n a n diz
que a ju stiç a e nvolve " a trib u ir às p arte s do c o n flito os papéis
e strito s e irre d u tív e is de d e te ntore s de d ire ito s " (B uchanan,
1982:178; cf. S andel, 1982: 30-3). M as p or que n ão posso es
colh e r re n u n cia r aos m eus d ire ito s sempre que o seu e xer
cício p re ju d ic a r as pessoas que amo? C o n sid e re a fa m ília .
O fa to de que as m ulh e re s n a F ra nça a gora tê m d ire ito de
O M A R XIS M O 213

m ud ar-s e p ara o u tra cid a de e tra b a lh a r lá sem a p erm iss ã o


do m a rid o s ig n ific a que elas exercerão este d ire ito em ve z
de m a nte r suas fa m ília s unida s? (D e m a n e ira sim ila r, os h o
m ens, que sempre tiv e ra m este d ire ito , nunca re nunciara m
a um a m ud a nça de c arre ira p elo bem de suas fa m ília s?) B u
chanan d iz que "p a ra aqueles que julg a m os vínculos do re s
p e ito m ú tu o e ntre os d e te ntore s de d ire ito s m u ito ríg id o s e
frios para c a pturar p arte do que é m e lh or nas relações h u m a
nas, a visã o de M a rx de com unid a d e g e nuín a - de preferência
a um a m era associação juríd ic a - c o ntin u a rá a ser a tra e n te "
(B uchanan, 1982:178, ênfase m in h a). M as, se a fa m ília é um
e x e m plo do que é m e lh or nas relações hum a n a s, e ntã o, o
contra ste é e spúrio. A fa m ília semprn.toi.um a associarão ju -
rídic a , n a q u a l os cônjug e s e os filh o s são, todos, d e te ntore s
-
í
de.....
direni.iji-rtri----—
ito s (e *
m bora n ão ig u a lm e nte). Isso sig nific a que o ca-
s arn e nto, a fin a l, não é urn a e sfera de a feiçã o m útu a , mas,,
c q m o d iz . K a n tu m co ntra to e ntte jdu a sp e sso a s para a "u so
"re cípro co de seus órg ãos -sexuais"7 N a tura lm e n te que não.
A s fa m ília s pod e m te r relações amorosas e a n a ture z a ju rí
dica do casam ento não fa z n ada para im p e di-la s. C om c e rte -|
za, nin g u é m a cre dita que as pessoas só a girã o p or a m or sei
lh e s fo r n eg a da a o p ortu nid a d e de fa z er o utra coisa. j
A afirm a çã o de R awls qu a nto à priorid a d e da justiç a não
é um a a firm a ç ã o "sobre se um a pessoa irá , ou deve ir, até o
lim ite de seus d ire ito s le g itím ó sTa vãríã s v a nta g e n s " (B aker,
1985: ”9 T 8)7 E m bora a p riorid a d e da ju stiç a assegure que os
in d iv íd u o s são capazes de re iv in d ic a r certas va nta g e ns, ela
assegura ig u a lm e n te que eles são capa z es de c o m p a rtilh a r
estas va nta g e ns com aqueles que am am. Pessoas generosas
e am orosas serão generosas e am orosa s com sèus cGréifos .
J is tq g -ló h g e de in ib ir, a priorid a d e da ju stiç a to m a isso pos
s ív e l./) que a ju stiç a e xclui não é o a m or ou a afeição, m as a
in ju s tiç a - a su bordin a ç ã o do b e m de a lgum a s pessoas ao
b e m dos o utro s p or m e io da negação de seus d ire ito s ju stos
(Baker, 1985: 920). E isso, n aturalm e nte , é o contrário de a m or
e afeição g e nuínos.
A ju stiç a n ão é apenas com p atív e l com u m interesse p e
los outro s; ela pró pria é um a form a im p orta n te de intere sse
214 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p elos outros. M u ita s ve z es se d iz que u m intere sse p or d i


re ito s e nvolve um a com pre ensã o de si m e sm o que se fu n
d am enta em um egoísmo e um interesse de se prote g er con
tra o prov á v e l a nta go nism o de o utro s em u m m u n d o social
de som a z ero. Buchanan, p or exem plo, d iz que p e nsar e m si
com o um d e te n tor de d ire ito s é "y e p s e c q in 9 -p a rte .p o te n
cia l de c o n flito s interp e sso a is nos quais é necessário a firm a r
^reivindicações? (Buchanan, 1982: 76). R e ivindic ar um dire ito ,
sob este p o n to de vista , é te r certa visão_pe ssim ista de cpm o
os outros re a girã o às nossas solicitaçõe S y C ontudo, o pró prio
'Buchanan sugere outra ra z ão para v a loriz a r o re conh e cim e n
to dos d ire ito s . E le d iz que a lgu é m p e ns ar e m si com o d e
te n tor de dire ito s é " p ensar em si com o a lgu é m capaz de e xi
g ir a q u ilo a q u e te m d ire ito c Q m o alg Q .que.lhp é q e M d õIe m
ve z de alg o que ele pod e m era m e nte s o lic ita r c o m p re n d a ,
d esejável" (Buchanan, 1982: 75-6). Estas são duas com pre e n-
sões de si m e sm o m u ito difere nte s, apesar da fusã o de B u
ch a n a n. A s e gund a com pre e nsã o de si d iz re sp e ito n ã o à
pro b a bilid a d e de cons e guir a lgum a coisa que qu ero ou de
que pre ciso, mas aos fun d a m e nto s sobre os qu a is p enso em
m im com o te n d o-a a d e qu a d a m e nte (n ã o e goistic a m e nte ).
Posso qu erer e vita r tira r va nta g e m do a m or dos outros (que,
p ote n cia lm e nte , pod e ser de a u to-s a crifício). Se fo r assim,
e ntã o, a ju s tiç a p od e s e rv ir com o p a drã o p ara d e t e rm in a i
a que te n h o d ire ito n ã o e goistic a m e nte , m e sm o q u a ndo o |j
o u tro s estão pre p ara dos p ara m e d ar m a is do que a q u ilo È
que te n h o d ire ito . V
A justiç a ta m b é m pod e s ervir com o u m p a drã o para d e
te rm in a r com o re spond er às necessidades dos outros, m e s
m o que m in h a ra z ã o p ara a ju d a r seja sim ple sm e nte m e u
a m or p or eles. Posso desejar a jud ar várias pessoas, todas elas
nece ssita da s, p orq u e as am o, n ã o p orq u e lh e s d e vo m in h a
ajuda. M as e se as necessidades delas e ntrare m em co nflito ?
C om o a ssinala R awls, é in ú til diz e r que d evo a gir antes de
m a n e ira b e n e vole nte que de m a n e ira ju sta , pois " a b e n e vo
lê ncia é desordenada na m e did a em que seus m uito s amores
e ste ja m em oposiç ã o nas pessoas de seus m u ito s o b je to s "
O M A R XIS M O 215

(R awls, 1971:190). E m bora o a m or seja a m in h a m otiva çã o,


a ju stiç a pod e Q a m or,
pro du z im p e ra tivos conflita nte s. R ortanto, " e m bora a a m iz a
de possa to m a r a ju stiç a desnecessária com o motivo, pod e ,
a ind a assim, e xig ir alguns aspectos da ju stiç a com o padrão.
O s a migos não sabem a utom a tica m e nte o que fa z er um p elo
o u tro " (G a lston , 1980: 289 n. 11). A ju stiç a , p orta n to , serve.

so d q s e ia o a b .e o .q u e te n h o d ire ito pro pria m ente , m e sm o


qu a n d o os o utro s vã o c u m p rir m in h a s solicita çõ e s sem se
pre ocu p a r com m eus d ire ito s; A o re sp on d er às re iv in d ic a
ções dos outros, posso d esejar saber qu a is são seus dire ito s,
m e sm o qu a ndo o a m or fo r a m otiv a ç ã o da m in h a resposta.
E m n e n h u m caso m eu interesse nos e nsin a m e ntos da ju s
tiç a é um a que stão de "d e fe n d e r o que m e é d e vid o ".
" t3 re co n h e cim e nto p ú b lic o dos d ire ito s pod e ser v a lio
so de o u tra m a n e ira . U m a pessoa pod e e star c erta de c o n
s e g uir o que qu er, em v irtu d e de sua p a rticip a ç ã o e m um a
prá tic a social a lta m e nte re sp eita d a (p or e xem plo, com o p ro
fessora). E la n ã o t em n e n h um a necessidade de d ire itos, na
prim e ira descrição que B uch a na n fa z deles, porqu e os outros
v a loriz a m sua co ntrib uiç ã o p ara esta prá tic a e a re com p e n-
’sim 'g c n e ro s a m e n te p o r ela, A in d a a ssim , e la pod e q u erer
saber que as peásoas lh e conferiria m dire itos m esmo que não
com p artilh a sse m seus com promissos. E ela pod e qu erer sa-i
b er isso m esmo que não te nh a n e nhum desejo de deixar essa|
prática, pois isso reconhece que ela é um a fonte de v a lor em sif
e p or si mesma, não apenas qwd ocupante de u m p a p el social.}
A ju stiç a é m ais do que uma virtu d e re m e dia dora , A ju s-
tiç a re a lm e nte re m e d eiá d efe itos na coordenação social e.es-
tes d e fe ito s são in e rra dic á v e is. bem expressa o
re sp eito que se deve aos in divíd u o s com o fin s em si m esmos,
n ã o com o m e ios p ara o b e m de a lgu é m ou m e sm o p ara q
b e m com um . A ju stiç a reconhece a posição ig u a l dos m e m
bros da com unid a d e p o r m e io de um a descrição dos dire ito s
e títu lo s que pod e m os re iv in d ic a r com ju stiç a . Ela, p oré m ,
n ã o forç a as pessoas a exercer esses d ire ito s à custa das p e s-
216 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

soas ou proje to s com os quais se im p orta m . A ju 5 Ü£â,£Qn$-


titu i um a form a de interesse que devemos te r p e los m e m
bros da nossa com unid a d e e nos c a p a cita a buscar tod a s as
outra s form a s de a m or e afeição qqq,sejam com p a tfcfiis com
esta igu ald a d e m ora l su bja c e nte .A visão de que pod ería m os
cria r um a com unid a d e de igu a is a b a ndon a ndo estas noções
de e qüid a de , d ire ito s e deveres é in su ste ntá v e l4.

2. A ju s tiç a c o m u n is ta

Se a ju stiç a é in e rra dic á v e l e desejável, com o seria a ju s


tiç a m arxista ? É suposiç ã o-p a drã o que o m arxism o é ig u a li-j
tário, na verdade m ais ig u a litá rio que o lib era lism o, m ais para!
a esquerda. Isso certa m e nte é verd ad e no que diz re sp eito ao!
lib e ra lis m o corre nte e sua id e olo g ia de ig u a l o p ortu nid a d e ,
s e gundo a q u a l as d e sigu ald a d e s ilim ita d a s são le g ítim a s
c o nta nto que h a ja com p e tiç ã o ju sta p o r posições m ais bem
re m un era d a s (cap. 3, seção 2 a cim a). C o n tu d o , n ã o é im e-
.. dia ta m e nte ..ob v ia .q u a l .espaço existe à esquerda da versão
de ju stiç a ig u a litá ria lib e ra l de R awls, já q u e ta m b é m ela re
je ita a id e ologia rig e n te e não estabelece lim ite s q u a nto ao
gra u até o q u a l os re cursos devem ser igu a la dos. D que d is
tin g u e a ju stiç a m arxista da ju stiç a ra w lsia n a n ão é o grau até
o q u a l os re cursos d eve m ser igu a la dos, mas, antes, a form a

4. O s m arxista s t ê m outra s obje ções à justiç a . P or exemplo,_dÓ £em qu e


os re cursos à ju s tiça s ão, e stra te gic a m e n t e d iv isores, d e vid o ao c ará ter co nte s
tá v e l essencial d a id éia d e justiç a , e são desnecessários, já qu e o m o to r d a h is tó
r i a é o i ntere sse ra cio n a l dos desfa vore cid os/T a m b é m , as conce pçõ es de justiç a
são id e oló gic a s, m old a d a s de m a n e ira qu e se a ju ste m às rela çõ e s de p ro p ri e
d a d e e xiste nte s, e, p o rt a n to , u m a conc e pç ã o socia lista d e ju s tiç a d e v e a nte s
a co m p a n h a r qu e pre c e d er m ud a nç a s na s rela çõ e s d e pro prie d a d e . M u ito s
de ste s sup o sto s d e f e ito s d a ju s tiç a são d e cla ra dos c o m o d e c orrê n cia d a t e o
ria d o m a t e ria lis m o h is tó ric o de M arx. S obre a obje ç ã o id e oló gic a , v e r W o o d
(1 9 8 1:1 3 1-2); B re n k e rt (19 8 3:1 5 4-5); W o o d (1972: 274); e a re sposta e m G e
ras (1989: 22 6-8); N ie ls e n (1989); A m e s o n (1981: 217-22). Q u a n to ao p a p e l
d a m otiv a ç ã o m or a l n a lu t a de classes, v e r W o o d (1984); M ill e r (1984:15-97); e
a re sposta e m G era s (1989: 251-4); N ie ls e n (1987).
O M A R XIS M O 217

em que ta l ig u a liz a ç ã o deve ocorrer., Riawls a cre dita qu e a


ig u a ld a d e de re cursos deve a ssum ir a form a de ig u a la r a
Q u a n tid a d e de pro prie d a d e priv a d a d is p o n ív e l p ara cada
.gesso§£ Para M arx, p or o u tro la do, " a te oría dos com unista s
pode ser re sumid a em urna única expressão: aboliçã o da pro
prie d a d e priv a d a " . A posse priv a d a é p e rm issív e i em áreas
de "pro prie d a d e p esso al", com o as roupa s, m óveis e bens de
la z e r qu e usa m os em casa e n o d iv e rtim e n to . C o n tu d o ,jL
" fu n d a m e p id lp a r a o m arxism o q u e " n ã o h aja n e n h u m d i
re ito m ora l à posse e ao co ntrole priv a do dos recursos p ro d u -
”tivo§ "/(G era s, 1989: 255; cf. C ohen, 1988: 298). A igualação
dos re cursos pro d u tiv o s deve a ssum ir a form a de so cia liz a
ção dos m eios de produçã o, de m odo que cada pessoa te nh a
p articip a çã o ig u a l nas decisões coletivas qu a nto à disposição
dos bens pro d utivo s, efetu ad a no n ív e l de firm a s in d iv id u a is
ou de pla n e ja m e nto econômico n a cion al.
Por que a igu ald a d e deve a ssum ir antes a form a de ig u a l
acesso a recursos públicos que de distrib uiç ã o ig u a l de re cur
sos priv a d o s? JJm a ra z ão é, sim ple sm e nte , que a id é ia de
R awls de "d e m ocra cia possuidora de pro prie d a d e " pod e não
ser e m píric a m e nte viá v e l. Pode ser im p o ssív e l ig u a la r os re
cursos pro d u tivo s nas economias m od erna s, exceto p or m e io
da posse socializ a nte . C omo E ngels diz , " a burgu e sia [...] n ãctí
p o d e ria tra n sform a r estes in sig n ific a n te s m e ios de pro d u-J
ção em poderosas forças produtiv a s sem tra nsform á -los, ac
m esmo tem po, de m eios de produçã o do in divíd u o , em meios
sociais de produçã o acionáveis apenas p or um a coletivida d e
de h om e n s ". Sob o c a pita lism o, p oré m , estes "m e io s socia
liz a dos de pro du ç ã o " a ind a são tra ta dos "a p en a s com o eram
antes, isto é, com o os m eios de produç ã o dos in d iv íd u o s " , A
solução para a c o ntradição "só p o d e ocorre r qu a n d o .a.soríe-
. clade, a b erta e dire ta m e nte , tom a posse das força s p ro d u ti
J^J®iê«ê S £ã E â 3S S L â ^ ^ « 9 ~ .^íltK )le / exceto o da sociedade
com o um to d o " (M arx e É ngels, 1968: 413, 414, 423).
Para E ng els, a n ece ssid a d e de s o c ia liz a r a posse n ã o
se baseia em n e n h um a te oria de ju s tiç a d is tin ta , m as s im
ple sm e nte em um a inca p a cid a d e de conce b er q u a lq u er o u-
218 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

tro d isp o sitivo de igu ala ç ã o de re cursos em um a e conom ia


in d u s tria l m od ern a . A lg u n s m arxistas ta m b é m tê m objeções,
de bases empíricas, a suposição de R awls de que as d e sigu a l
dades que se orig in a m de transações de m ercado em um a so
ciedade b e m ord e n a d a te n d e ria m a b e n e ficia r os que se e n
co ntra m em p io r situ a ç ã o. Se te nd e sse m (e R a wls n ã o fo r
nece n e n h u m in d íc io de que o fa z e m) e se os m e ca nism os
re d istrib u tiv o s fossem in e re nte m e nte vuln erá v e is à pressão
polític a , então, pod ería m os a dotar o socialism o com base em
u m " p rin c íp io da m a ior pro b a b ilid a d e " (S chveickart, 1978:
11, 23; D iQ u a ttro , 1983: 68-9; C la rk e G in tis , 1978: 324).
Estas a firm a çõ e s sugere m que*a id é ia de R a wls de d e
m ocra cia p ossuidora de pro prie d a d e é, " n a m e lh or das h i
póteses, fa n ta sio s a "-(N ie ls e n , 1978: 228). N a v erd a d e , a l
guns crítico s a rg um e nta m que tod a a id é ia de d e m ocra cia
p ossuidora de pro prie d a d e só fa z s e ntid o n o co nte xto je f-
fe rso nia n o o rig in a l de sociedade a grária com posta de p ro
prie tá rio s ind e p e nd e nte s (M acP herson, 1973:135-6; W e ale,
1983: 57). Se fo r assim , e ntã o, so cia liz a r os m e ios de p ro
duçã o pod e ser a ú nic a m a n e ira viá v e l de im p le m e n ta r o
p rin c íp io de difere nç a . In fe liz m e n te , R a wls n ã o d e s e n vol
v e u suficie nte m e nte seu m o d e lo de socie da d e ju sta p ara
que a valie m os sua v ia b ilid a d e .
E m bora estas objeçõ e s à v ia b ilid a d e de u m re gim e de
proprie d a d e priv a d a ig u a litá rio re spond a m p or boa p arte da
crític a de esquerda à te oria de R awls - e p or boa p arte do de
b ate d iá rio e ntre ig u a litá rio s lib e ra is e socia lista s - ta m b é m
há objeções m ais teóricas à pró pria id é ia de proprie d a d e p ri
vada. S egundo m uito s m arxista s, a posse priv a d a dos m e ios,
de produç ã o deve ser a bolid a porqu e dá orig e m à relação de
tra b a lh o a ssalariado, que é in e re n te m e nte in ju sta . A lg u n s
m arxistas a firm a m que o tra b a lho assalariado é in ere nte m e n
te e xplora dor; o utro s a firm a m que é in e re nte m e nte a lie n a -
dor. E m q u a lq u e r das visõ e s, a ju s tiç a só é assegurada p e la I
a boliç ã o da pro prie d a d e priv a d a , m e sm o que um a d e m o- j
cra cia p o ssuid ora de pro prie d a d e ra w lsia n a seja e m p iric a -f
m e nte viá v e l. |
O M A R XIS M O 219

(a) A exploração

O p ara digm a da inju stiç a para os m arxista s é a e xplora


ção e, n a nossa sociedade, a e xplora çã o do tra b a lh a d or p e lo
c a pita lista . A falha fun d a m e nta l da justiç a lib e ra l, a firm a m os
m arxista s, é que ela p erm ite a continu a ç ã o desta exploração,
já que p e rm ite a com pra e a v e nd a de tra b a lho. A ju stiç a lib e
ra l p e rm ite que alguns e xplore m os outros? D e p e nd e , n a tu
ralm e nte , de como d e finim os exploração. E m seu uso ço tid ia r
n o. e xploração (qu a ndo a plica d a a pessoas, n ã o a ele m entos
n a tura is) sig nific a "ofcte r va nta g e m In|ü gtâ já lgjd g uéiH ^ Toda
te oria de ju stiç a , p orta n to , te m sua pró pria te oria de e xplo
ração, já que tod a te oria te m um a concepção de com o é p e r-
missível e n ão p erm issíve l b e n eficiar-se dos outros. N a te oria
de R awls, p or e xe m plo, um a pessoa de ta le n to tira va nta g e m
in ju sta das pessoas sem ta le n to se usa o fra co p od e r de b a r
ganha destas para fa z er ju s a um a p arcela d e sigu a l de re cur
sos n ão ju stific a d a p e lo prin c íp io de difere nça . N ã o é e xplo
ração, poré m , algué m b e n eficiar-se do e m prego de outros se
isso fun cio n a para o b e n e fício m á xim o dos que se e ncontra m
em p io r situação. Se estiverm os conve ncidos da e qüid a d e d;
te oria de R awls, e ntã o, neg are m os que ela p e rm ite a e xpio
ração, já que p a rte do que está e n v o lvid o e m a c e ita r u m
te o ria de ju stiç a é a c eitar seu p a drã o de ju lg a m e n to qu a ndi
se tira v a nta g e m de outros inju sta m e nte .
O s m arxista s, poré m , op era m com um a d e finiç ã o m ais
té cnic a de e xploração. N e ste uso té cnico, e xplora çã o re fere-
se ao fe nôm e no espe cífico que é o c a pita lista e xtra ir do tra
b a lh o (n a form a de b ens pro d u z id o s) m a is v a lo r do ..que o
que é p ago ao tra b a lh a dor em broca deste tra b a lho (na form a
de salários). S egundo a te oria m arxista clássica, os c a pita lis
tas só c o n tra ta m tra b a lh a dore s q u a n do conse gu e m e x tra ir
este " v a lo r e xced e nte " e, p orta n to , esta tra nsferê ncia e xplo
ra tória do v a lor excedente, do tra b a lh a d or para o c a pita lista ,
é e ncontra d a em tod a s as relações de salário. É d ito às ve zes
qu e esta d e fin iç ã qté cm c a de e xploração te m in te resse m a is
c ie n tific o que m ora l. P or e x e m plo, d iz -s e qu e o fa to de os
220 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

c a pita lista s e xtra íre m v a lo r excedente e xplic a com o os lu


cros são possíveis em um a e conomia com p e titiv a , e esta a fir
m a çã o, p o r si, n ã o im p lic a que seja e rra d o e x tra ir o v a lo r
excedente. A m a ioria dos m arxistas, poré m , considerou a ex
tração do v a lor excedente com o in d ício de in ju s tiç a --n a v e r
dade, o p ara digm a da inju stiç a .
A exploração m arxista te m signific a ç ã o m ora l, isto é, ela
e nvolve o fa to de se tira r v a nta g e m inju sta de alguém? O ar -
g um e nto tra d ic io n a l de que a e xplora çã o técnica é in ju sta é
fo|m u la d o assim (se gundo C oh en, 1988: 214):
1. O tra b a lh o , e apenas o tra b a lh o , cria v a lor.
2. p c a pita lista recebe p a rte do v a lo r do pro d u to .
P orta nto:
j

3. O tra b a lh a d or recebe m e nos v a lor d o que cria ,


4. C L c a pfia tfirta re c e b e p a rte d n. va 1o r que o tra b a lh a-
.dor cria . .....
P orta nto:
5Ç O ~trabalh a d or é e xplòr alJcTpe lõ T ã ^
í / ,
! / H á vária s la cuna s neste argum e nto. A pre m issa (1) é
co ntro v e rtid a , p ara diz e r o m ínim o . M u ito s m arxista s te n ta
ra m d e fe n d ê -la re corre nd o à "te o ria tra b a lh ista do v a lo r" ,
se gundo a qu a l o v a lor de u m obje to pro d u z id o é d e te rm in a
do p e la q u a ntid a d e de tra b a lh o necessária p ara p ro d u z i-lo .
C om o assinala C oh e n, p oré m , a te oria tra b a lhista do v a lor,
n a v erd a d e , co ntra diz (1) acim a, p ois a te oria tra b a lh ista diz
que o v a lor de u m obje to é d e term in a do p ela qu a ntid a d e de
tra b a lh o corre nte m e nte necessária para pro d u z i-lo , não pela
q u a ntid a d e de tra b a lh o e fe tiv a m e nte e n volvid a na sua p ro
dução. Se a te cn olo gia m ud a de ta l m a n e ira que u m o bje to
agora possa ser pro d u z id o com m etade do tra b a lh o a n te rior
m e nte necessário, a te oria tra b a lhista do v a lor d iz que o v a
lo r do o bje to é corta d o p e la m eta d e , e m bora a q u a ntid a d e
de tra b a lh o in corp ora d a no o bje to já p ro d u z id o n ã o seja
afetada. Se a te oria tra b a lhista fo r verd a d e ira , o tra b a lh o
e fe tivo d e sp e ndido p e lo tra b a lh a d or é irre le v a nte .
O M A R XIS M O 221

O que im p orta , m ora lm e nte fala ndo, não é o fa to de que


os tra b a lh a dore s cria m v a lor, m as de que "cria m o que tem
valor [...] O que suscita um a acusação de exploração não é o
fato de que o c a pita lista se a propria de p arte do v a lor que o
tra b a lh a dor pro du z , m as o fa to de que se a pro pria de p arte
do v a lor d a q u ilo q u e o tra b a lh a d or pro d u z " (C oh en, 1988:
226-7). C riar produtos que tenh am v a lor é difere nte de cria r o
v a lor desses produtos, e é a prim e ira a tivid a d e que re alm e nte
te m im p ortâ ncia para a acusação de exploração. M e sm o que
alguém, que não o tra balh a dor, crie o v a lor dos produtos - se,
p or exem plo, seu v a lor for d eterm in a do p elos desejos de seus
consumidores - então, os m arxistas aind a diria m que o tra b a-
lh a d or é e xplora do pelo, ca pitalista , pois fo i o tra b alh a dor, não
õ c a pita lista n e m os consum idore s, qu e m crio u o pro d u to .
P ortanto, o argum e nto adequado é este (C ohen, 1988: 228):
V . O tra b a lh a d or é a ú n ic a p essoa que cria o pro d u to , I
a q u ilo que te m va lor.
2. O c a pita lista recebe p arte do v a lor do pro d u to .
P orta nto:
3C.Q tra b a lh a dor recebe m enos v a lor do que o v a lor d a-
q u ilo que cria .
4'. O c a pita lista recebe p arte do v a lor d a q uilo que o tra -
b a lh a d or cria .
P orta nto:
fh , Q tra b a lh a d or é ex p lora do p e lo c a p ita lis ta ^
E sta versão m o dific a d a do arg um e nto m arxista pro d u z
a conclusã o de que as relações sa laria is são in e re nte m e nte
de e xplora çã o. N ã o está claro, p oré m , que a e xplora çã o e n
v o lvid a a qui seja um a inju stiç a . E m p rim e iro lug ar, n ã o há
n a d a in ju s to em c o n trib u ir v o lu n ta ria m e n te p ara os o u
tros com o pró prio tra b a lho. A m a ioria dos m arxistas, porém ,
acrescenta a condiçã o de que o tra b a lh a d or deve ser forç a
do a tra b a lh a r p ara o c a pita lista . C om o os tra b a lh a dore s em
g eral n ão possuem bens pro d u tivo s e só conseguem suste n
tar-s e tra b a lh a n d o para um c a pita lista que possui p ro prie -
222 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dade (apesar de não nece ssaria m e nte p ara q u a lq u er c a pita


lista e spe cífico), a m a ioria das relações s a laria is cai nesta
condiçã o (R eim an, 1987: 3; H o m stro m , 1977: 358).
A tra nsferê ncia forçada do v a lor excedente é um a e xplo
ração no s e ntid o cotidia no? Isso é ,.sim ulta n e a m e nte , m u ito
fraco e m u ito forte .Jjm uitQ .fra co .p or e xcluir do campo da ex
plora ç ã o o tra b alh o a ssalariado/ ,qu£. e strita m e n te fa la n d o,
n ão é forç a do. S e, p o r e x e m plo, há um a rede de segurança
insta la d a que g ara nte um a re nd a m ínim a a todos, e ntã o, os
care nte s de pro prie d a d e pod e m cons e g uir sua subsistê ncia
viv e n d o p or m e io do E stado de b e m -e sta r social, sem te r de
tra b a lh ar para u m c a pita lista . C ontudo, a ind a pod e m os qu e
re r d iz e r que os tra b a lh a dore s são e xplora dos. E m bora as
pessoas d e stitu íd a s de pro prie d a d e n ã o seja m obrig a d a s a
tra b a lh a r para um c a pita lista para sobre viver, esta pod e ser
a únic a m a n eira de conse guirem u m p a drã o de vid a decente
e pod e m os p e nsar que é in ju sto que devam te r de ceder tra
b a lho excedente a c a pita lista s para assegurar um a vid a con
fortá v e l. Podemos diz er que tais pessoas são "forç a d a s " a tra -
b a lh a r p a m Q £a pÍt9 M§ta,. já q u q , U 5 i3 ^ a s |^ s ib ilid a d e s são, ,
de c erta m a n e ira , in a c e itá v e is ou irra z o á v e is, M a s, com o
vere m os, a qu e stã o im p o rta n te n ã o e se os tra b a lh a d ore s
são o u n ã o forç a dos a tra b a lh a r p ara os c a pita lista s, m as se
o acesso d e sigu a l aos recursos, que " fo rç a " os tra b a lh a dore s
a a c e itar esta tra nsfe rê ncia de excedente, é in ju s to .
D e fin ir a e xploração com o tra nsferê ncia força d a de tra
b a lh o excedente ta m b é m é m u ito forte , p ois h á m u ito s ca
sos le g ítim o s de tra nsfe rê ncia forç a d a de v a lor excedente. E
¿ e o s tra h a lh a d o m a forgm com o a prendiz es, que devem tra -
b a lh ar para outros p or um p eríodo de cinco anos, mas depois
serão capazes de se to m a r c a pita lista s (ou m estres)? S egun
do Jeffrey R eim a n, isso é e xplora çã o; "lm p orta m o -n o s com,
o fa to de os tra b a lh a dore s serem forç a dos a v e n d e r sua fo r
ça de tra b a lho porque, para nós, isso é o m esmo que forçá- los
a tra b a lh a r sem p ag a m e nto. E im p orta m o nos com o te m po
em que os tra b a lh a dore s são forçados a tra b a lh a r sem p aga
m e nto p or causa da m a n e ira com o nos s e ntim os a re sp e ito
de pessoas que são forçad a s a tra b a lh a r sem p a g a m e nto p or
O M A R XIS M O 223

qu alqu er p eríodo de te m p o " (R eim an, 1987:36). Isso, poré m ,


é im p la u s ív e lvSe todos .os tra b a lh a dore s p u d e re m s e torn a r
c a pita lista s e se todos os c a pita lista s com e çarem com o tra
b alh a dore s, e ntã o, n ã o .hayeiá -n e n h u i r a ao
lo n g o da v id a das pessoas.. C om o a pre ndiz e s, há sim ple s-
m e nte u m p erío d o em que os tra b a lh a dore s tê m de p a g ar o
que é d e vido (C ohen, 1988:261 n. 9). In s is tir pm qnn.p.-.eYpjn-
ração tra n s fe rir v a lore s forçosa m e nte , in d e p e nd e nte m e nte
de com o isso se a juste a u m p a drã o m aio r de ju stiça d is trib u-
tiva , esv a zia a acusação de e xpIora çã Q ^4e-te da .^-su a .forca
m ora l.íM a nife sta um a espécie de fe tic h is m o q u a nto a p o s
s u ir o p ró p rio tra b a lh o . N a verd a d e , m a nife sta um a p re o
cupação lib e rtá ria com a posse de si m esm o:

O s m arxista s diz e m que os c a p ita lista s ro u b a m te m p o


de tra b a lh o dos tra b a lh a d ore s. C o n tu d o , você só. pod e ro u
b ar de um a pessoa jq u ü o que a d e qu ad am e nte p erte nce a
A crític a m arxista da in ju stiç a c a pita lista , p orta n to , in fe re que
o tra b a lh a d or é o p o ssu id or a de qu a do de seu p ró p rio te m p o
de tra b a lh o: ele, m ais n in g u é m , te m o d ire ito de d e cid ir o que
será fe ito com ele. [...] P o r t a n t o , j^ l^ |^ m ^ ^ . 4 ( ^ q p e j o
c a p it a lis iii® ^ proposiçãcuJk.
qu e .a a .p£ S S Q a s.s ã a a s.possuidora s legítimas, d e .s e us p ró prio s
pod eres, ]*..] [N a v e rd a d e], se, com o os m arxista s fa z e m , você
consid era a a propria ç ã o do te m p o de tra b a lh o com o ta l, isto
é, n a sua form a com ple ta m e nte g eral, com o u m p a ra d ig m a de
jñ ju ^ á r é ñ fá q'v o c é não pode e vita r a a firm a ç ã o de algo como
o p rin c íp io d a posse HüT á m esm o (C oh e n, 1990a: 3667369) .

Q ue isso é um a suposição lib e rtá ria é d e m onstra do p elo


fa to de que a tributa ç ã o com pulsória p ara suste ntar as cria n
ças o u os in v á lid o s ta m b é m é consid era d a e xplora ç ã o, se
gundo a d e finiç ã o de R eim an. Se obrig a m os os tra balh a dore s
a p a g ar im p o stos p ara suste ntar os in v á lid o s , estamos fo r-
ç a ndo-os a tra b a lh a r sem p a g a m e nto5.

5. R e im a n n e g a qu e a a ju d a co m p u ls ória aos inc a p a cit a dos seja u m a ex


plora ç ã o p orq u e p o d e ser vist a com o u m a a pólic e d e s e guro qu e to d os c o m
pra m e, p ort a n to , é " u m a d e volu ç ã o in d ir e t a d o tr a b a lh o aos in d iv íd u o s , ig u a l
224 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

E m sua apresentação in ic ia l do arg um e nto m arxista da


e xplora çã o, C oh e n n e gou que ele pre ssuponh a que as p es
soas possuem os pro d uto s de seu tra b a lh o: "P od e m os sus
te n ta r que o c a pita lista e xplora o tra b a lh a d or a pro pria n d o-
se de p arte do v a lo r d a q u ilo que o tra b a lh a d or p ossui sem
suste ntar que to d o este v a lor deva ir p ara o tra b a lh a dor. Po
demos a firm a r um prin cípio de distribuiç ã o segundo a neces
sid a de e a cre scentar que o c a pita lista e xplora o tra b a lh a d or
porqu e a necessidade não é a base sobre a q u a l ele recebe
p a rte do v a lo r d a q u ilo que é p ro d u z id o p e lo tra b a lh a d o r"
(C ohen, 1988:230 n. 37). M as, então, qu al é a ju stific a tiv a para
d iz e r que o c a pita lista está e xplora n do o tra b a lh a dor? S u
pon d o que o c a pitalista não precisa do obje to e, porta nto, não
te m n e n h u m d ire ito le g ítim o a ele, n ã o d e corre disso que o
tra b a lh a d or te n h a q u a lq u e r d ire ito sob o p rin c íp io das n e
cessidades. A pessoa que m ais necessita pod e ser u m te rc e i
ro (por exemplo, um a criança) e, então, a criança te m o único
d ire ito le gítim o ao objeto. Se o capitalista, não obstante, a pro
pria -s e do obje to, e ntã o, ele está tra ta n d o a cria nça in ju s ta -

ao qu e c o n trib u íra m , e qu e, p ort a n to , n ã o a lt e ra o p rin c íp io d is trib u tiv o b á si


c o " de qu e n ã o se fa z n in g u é m tr a b a lh a r p o r m a is n in g u é m (R e im a n, 1989:
312 n . 12). Isso, p oré m , é cla ra m e nte fa lso n o qu e diz^re sp e ito a m uito sjre c e p-
J o r e s d e t a l a ju d a - p o r e x e m p lo , os in v á lid o s co ng ê nitos. H o m s tro m , qu e,
c om o R e im a n, d e fin e a e xplora ç ã o e m t e rm o s de " tra b a lh o e xc e d e nte forç a do
e n ã o p a g o " ( H o m s tro m , 1977: 358), d iz qu e o a p oio aos in v á lid o s n ã o é u m a
e xplora ç ã o p orq u e " O e xc e d ente está sob c o n tro le de q u e m o pro d u z . N ã o h á
n e n h u m a classe d e n ã o -pro d u tor e s qu e se a pro prie d o qu e os tra b a lh a dore s
pro d u z ir a m . O s tra b a lh a dore s n ã o o consom e m to d o , d ire t a o u in d ir e t a m e n
te, m a s o c o n tro la m c o m o cla sse " ( H o lm s tro m 1977: 363). C o n tu d o , o fa to de
qu e os tra b a lh a d ore s o c o n tro la m com o classe n ã o d e m o n stra qu e os. tra b a -
lh a d ore s in d iv id u a is n ã o seja m forç a dos a ce d er o p ro d u to e xc e d e nte a o u tros.
E se eu, com o tra b a lh a d or in d iv id u a l, fiz e r dbje ç ã ô'á o'qu e " a classe tra b a lh a d o
ra, c o m o u m to d o, d e cid e fa z er co m o p ro d u to exce d ente ? Posso in s is tir e m
re c e b er o v a lo r c o m p le to d o qu e pro d u z i? Se n ã o posso e se d e vo tra b a lh a r
p ara g a n h a r a vid a , e ntã o, sou e xplora d o n a sua d e finiç ã o. E se, a lé m disso,
h o u v e r u m a g ara ntia c o n s titu c io n a l de d ir e ito s de b e m -e st a r social, p e la qu a l
seja le g a lm e nte e xigid o qu e os tra b a lh a dore s su ste nte m os in v á lid o s ? E ntã o,!
p e la su a d e fin iç ã o, a classe tra b a lh a d ora com o u m to d o é e xplora d a , j á quej
n ã o c o n tro la le g a lm e nte o e xc e d e nte in t e iro .
O M A R XIS M O 225

m ente, n ão o tra balh a dor. N a verdade, se o tra b a lh a dor a pro


pria -s e do o bje to , e ntã o, ele ta m b é m e stá tra ta n d o in ju s
ta m e nte a cria nça . Q u a n do o p rin c íp io das necessidades é l
viola do, as pessoas que são inju sta m e nte tratad a s são os n e -|
cessitados, n ão os produtore s.
E se, a lé m disso, o c a pita lis ta pre c isa do v a lor exceden-.,
te? D ig a m os que o c a pita lista é in v á lid o e teve a boa sorte de
h e rd a r u m gra nd e n úm ero de ações e m um a com p a n hia .
C oh en iñ fé ié que isso a ind a é exploração, pois "su a necessi
dade n ão é a base sobre a qu a l recebe p arte do v a lo r d a q u i
lo que é pro d u z id o p e lo tra b a lh a d or" . A nte s, é a sua posse
dos m eios de produçã o. A necessidade do tra b a lh a dor, po-Ü
ré m , ta m po u co é a base sobre a q u a l ele recebe o p ro d u to l
N a v erd a d e , é a sua pro du ç ã o do o bje to . P orta nto , qu e m o(
ca pitalista está explorando, então? N ingu é m , pois, sob o p rin
cípio das necessidades, nin g u é m m ais tin h a q u a lq u er d ire i
to le g ítim o aos recursos. A lé m disso, p o r que a necessidade
n ão pod e ser a base sobre a q u a l u m c a pita lista recebe v a lor
excedente? E se o governo, p ara n ã o d e ix ar que o a poio aos
inv á lid os fiq u e suje ito às oscilações da p olític a cotidia n a , d o
ta r os in v á lid os de c a pita l do qu a l obte nh a m um a lin h a cons
ta nte de a poio fin a n c e iro ? D is trib u ir cap ita l aos d eficie n te s
pod e ser, n a verd ad e , um a boa m a n eira de satisfa z er o prin
a p iò'd a s necessidades (cf. C oh e n, 1990a: 369-71; A rn e so n ,
1981: 206-8). A ssim que d escartam os o d ire ito de posse de
si m esmo, e ntã o, a a propria ç ã o do v a lo r excedente n ã o é,
com o ta l, in e re nte m e nte um a e xplora çã o - tu d o d e p e nd e
de com o a transação específica ajusta-se a um p a drã o m a ior
de ju stiç a d is trib u tiv a .
H á o u tro pro ble m a com o a rg um e nto da e xplora çã o. E
a qu ele s que são forç a dos a n ã o v e n d e r o seu tra b a lh o ? E rrf
m u ito s países, as m ulh ere s casadas fora m e xcluíd a s le g a l!
m e nte de a ceitar tra b a lh o assalariado. P orta nto, n ão são e xf
plorad a s. P elo co ntrá rio , estão sendo prote gid a s da e xplora
ção, que , n a verd a d e , é com o m uita s pessoas d e fe nd e m a
discrim in a ç ã o se xual. M a s, se as m ulh e re s casadas nestes
países recebem u m a p e qu en a re nd a pro v e nie nte de trib u to s
226 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

gov ern a m e nta is, elas, e ntã o, to m a m -s e e xplora dora s com


base no a rg um e nto m arxista da e xplora çã o, já que p arte da
re nd a de cada tra b a lh a d or é forços a m e nte subtra íd a e colo
cada à disposição delas. S eria perverso, poré m , v e r as m ulh e
res em ta is circunstâ ncia s com o b e n e ficiá ria s da e xploração.
E las sofre m de um a in ju stiç a p io r do que a e xplora çã o p elos
c a pita lista s e um a das prim e ira s tarefas dos m ovim e ntos fe
m inista s te m sido conse guir, p ara as m ulh ere s, ig u a l acesso
aos m erca dos de tra b a lh o a ssalariado. O u consid ere os d e
sempregados, que são le g alm e nte capazes de a ceitar e m pre
go assalariado, mas n ão conseguem e ncontrar n e nhum . Eles
ta m b é m não são e xplora dos, se gundo a d e finiç ã o m a ndsta ,
já que n ão pro d u z e m n e n h u m v a lo r e xced e nte a ser a pro
pria d o p e lo c a pita lista . E se o gov erno trib u ta os tra b a lh a do
res p ara p a g a r-lh e s u m b e n e fício , e ntã o, eles ta m b é m to r-
n a m -s e e xplora dore s. A in d a a ssim , estã o em p io r situ a ç ã o
do que aqueles que são capazes de e ncontrar um a relação as
salaria da (Roem er, 1982b: 297; 1988:134-5).
* Esses exem plos d e m onstra m que h á um a in ju stiç a m ais
profund a subjacente à exploração - a saber, o acesso d esigu al
aos m e ios de produç ã o. A s m ulh ere s n ão e m a ncip a da s, os
dese m pre g ados e os tra b a lh a dore s a ssalariados, todos so-
F fé m líê sra lh ju s trç á i e nq u a nto os c a pita lista s b e n e ficia m -s e
jp jlp A e x p lo ra ç ã o dos tra b alh a dore s p elos ca pitalista s é ape
nas um a form a que esta d e sigu a ld a d e d is trib u tiv a pod e as
sumir. A s posições subordin ad a s das m ulh ere s e dos desem
pregados são outra s form a s e, a ju lg a r pelas luta s das pessoas
para conse guir e m pre go assalariado, estas pod e m ser form as
m ais pre ju d icia is . Para a queles que n ã o tê m acesso à p ro
prie d a d e , ser forç a d o a v e n d e r o p ró p rio tra b a lh o pod e ser
m e lh or do qu er e r forçado, a n ão v e nd ê-lo (m ulh ere s), do que
ser inc a p a z de fa z ê -lo (d e se m pre g a dos), do que le v a r um a
e xistê ncia m a rg in a l re corre nd o ao crim e , ou à m e ndicâ ncia ,
ou do que viv e r de qu a lqu erle rr a que reste com o pro prie d a -
-•dexamum (o A lu m p e n pro le ta rrà t" de M a rx).
A lg o saiu erra do n o caso. A te oria da e xplora çã o forn e
cia, suposta m e nte , um a crític a ra dic a l do c a pita lism o. C o n-
O M A R XIS M O 227

tudo, na sua form a p adrã o, ela n e glig e ncia. m u ito s dos que,
estão em p io r situação sob o c a pita lism o e, re a lm e nte , e xclui
a ação nece ssária p ara a ju d á -lo s (p or e x e m plo, o a poio do
b e m -e sta r socia l p ara as cria nça s, os d e se m pre g a dos e os
in v á lid o s). Se a te o ria da e xplora çã o deve le v a r na d e vid a
conta estes grupos, te m de a b a n do n ar o foco e stre ito da
tra nsferê ncia do excedente e, em ve z disso, e x a m in ar o p a
drão m ais a m plo de distrib uiç ã o no qu a l estas tra nsferê ncia s
ocorre m . Este é o prin cip a l o bje tivo do tra b a lh o de John Roe-
m er sobre a exploração. Ele d e fin e a exploração m ara s ta n ão
em term o sjd e tra naferêjic ia de excedente, m as em term os de
acesso d e sigu a l aos m eios de p ro d u ção. Ñ a sua visã o, paral
saber se algué m é e xplora do ou não, é pre ciso d e te rm in a r sej
ele e staria m e lh or em um a situ açã o h ip o té tic a de igu a ld a d e!
d is trib u tiv a - a saber, e m um a situ a çã o em que conseguissej
te r seu tra b a lh o e sua p arcela per capita de recursos e xte rn o s!
Se virm o s os difere nte s grupos da e conom ia com o jo g a d o
res em u m jo g o cujas regras são d e finid a s p elas relações de
proprie d a d e existentes, então, um grupo estará sendo e xplo
ra do se seus m e m bros pud e re m e star e m situ a ç ã o m e lh or
re tira n d o-s e do jo g o e s a indo com sua p arcela per capita de
re cursos e xternos p ara com e çar seu p ró p rio jo g o . S e gundo
R o e m er,rta nto os tra b a lh a dore s e m pregados com o os d e
se m pre gados e staria m em m e lh or situ a çã o re tira n d o-s e do
jo g o c a pita lista e, p orta n to , são e xplora d o s/
à e xploração no s e ntid o té cnico - a tra nsferê ncia de v a
lo r excedente - d esem penha apenas um p a p e l lim ita d o na
te oria de Roem er. É um dos re sulta dos m a is com uns da in - 1
ju stiç a d is trib u tiv a sob o c a pita lism o, m as n ão te m n e n h um
intere sse é tico separa do desta d e sigu a ld a d e . É "u m a cois a!
ru im apenas qu a ndo é a conse qü ê ncia de um a d istrib uiç ã o
desigual injusta n as m eios de produç ã o " (Roemer, 1988:130).
A tra nsferê ncia de excedente é le g ítim a qu a ndo n ão é m a
cula d a p e la d e sigu a ld a d e d is trib u tiv a ou q u a ndo a jud a a
com p ensar esta desigualdade. Por e xem plo, o a poio ord e n a :
do p e lo E stado aos desem pregados e m ulh ere s n ão e m a n-
cip a das, em ve z, de cria r, re d u z a e xplora ç ã o, p ois a jud a a
228 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

re tific a r " a p erd a so frid a [p or eles] com o re sulta do da d is tri


buiçã o in ic ia l d e sigu a l de pro prie d a d e " (Roem er, 1988:134).
Para Roem er, o "im p e ra tiv o é tic o " da te oria da e xplora çã o,
p orta nto , n ão é e lim in a r as tra nsferê ncias de excedente, mas
" a b o lir a posse difere ncia l dos m eios de produçã o alie n á veis"
(Roem er, 1982b: 305; 1982c: 280).
C oh e n d iz qu e a te o ria d e R o e m er torn a os m arxista s
{^ igu a litá rio s m ais coerentes*' (C ohen, 1990a: 382). C ontudo,
a descrição de R o e m er d a e xplora çã o m arxista a ind a vê o
a poio c o m p ulsório aos in v á lid o s (ou cria nça s) com o e x plo
ração, pois lhes dá m ais do que seriam capazes de assegurar
p ara si com sua p arcela p er capita de re cursos6^ \ s d e sigu a l
dades d e vid a s a ta le n to s d e sigu a is n ã o são Uma qu e stã o
de e xplora çã o m arxista e, p orta n to , o "im p e ra tiv o é tic o " de
R oem er a ind a é m e nos ig u a litá rio do que as te oria s que te n
ta m com p e nsar as d esva nta g e ns n a tura is. A o d e fin ir a ex
plora ç ã o em funç ã o dos re sulta dos de um a d istrib uiç ã o d e
sigu a l de re cursos e xternos, R o e m er op era "s e m re corre r à
pre m issa ig u a litá ria ra d ic a l de n e g a d a posse de si m e sm o "
(Roem er, 1988:168). E le expressa sim p a tia pelas te oria s que
d ão este passo ra d ic a l, com o as de R a wls e D w o rk in . É ele
pró prio dá este passo qu a ndo d iz que difere nça s de ta le ntos
n a tura is são um a fo n te de " e xplora ç ã o s o cia lista " (isto é,
um a form a de e xplora çã o que co ntin u a a e xistir sob o socia
lism o). C o ntu d o, e m bora se opo n h a à e xplora çã o socia lista
e endosse re striçõ e s à posse de si m e sm o, ele d iz que esta
é um a qu e stã o separa d a da " e x p lora ç ã o " e sp e cífic a m e nte

6. R o e m er te n t a e vit a r esta im plic a ç ã o a cre sc e nta ndo u m a " c o n d iç ã o de


d o m in â n c ia " (R o em er, 1982a: 237) o u a e xig ê ncia de qu e n ã o h a ja " e le m e n to s
e xteriore s d e c o n s u m o " (isto é, qu e os tra b a lh a d ore s n ã o o b t e n h a m n e n h u m
pra z e r n a a ju d a aos in c a p a cit a dos) (R o em er, 1989: 259). E stes a cré scimos, p o
ré m , são ad hoc, já qu e n ã o e stã o lig a dos ao " im p e r a tiv o é tic o " qu e ele id e n ti
fic a com o base d a t e o ria d a e xplora ç ã o (com o ele a d m it e - R o e m er, 1982c: 277
n .)J 4 § vçrd a d e ,.p are c errus e rie rit a tiy qs, qu e in c orr e m e m petiç ã o, de prin c íp io ,
^ded e s a u to ri z a r o c o n t e ú d o lib e rt á rio d a t e oria d a e xplora ç ã o e d e blo q u e a r as
a firm a çõ e s lib e rtá ria s d e qu e o E sta do d e b e m -e st a r socia l é e x p lora d or (B er-
* : tr a in , 1988; 126r7).
O M A R XIS M O 229

" m a rx is ta " , que pre ssupõ e que as pessoas tê m d ire ito aos
fruto s de seu tra b a lh o (Roem er, 1982c: 282-3; 1982b: 301-2).
A te oria m apdsta da e xploração opera com a pre m issa "m a is ^
conserva dora " de que as pessoas tê m dire ito s de posse de si '
m esm as, de m o d o que a ig u a ld a d e de recuxsos.mão in c lu i
n e nhum a e xig ê ncia de que ta le nto s d e sigu ais seja m com
p e nsa dos (Roem er, 1988:160; cf. 1982a: caps. 7-8).
- A rn e s o n ofere ce um a d e scriçã o s im ila r de e xplora çã o.
C om o Roem er, ele diz que ju lg a m e n to s de " e xplora ç ã o in
ju s ta " e xig em um a comparação com um a d istrib u iç ã o ig u a
litá ria h ip o té tic a . E, com o a d escriçã o de R o e m er da e x plo
ração socia lista (em oposiçã o à e xplora çã o e sp e cifica m e nte
m arxista ), a d escriçã o de A rn e so n de d istrib u iç ã o ig u a l ex
c lu i difere nça s surgid a s de ta le ntos n a tura is desiguais, assim
corno de recursos e xternos d esigu ais. A rn e so n a cre dita que
a m a io ria dos tra b a lh a d ore s sob o c a p ita lis m o é e x p lora
da s e gundo este teste , p ois sofre d e sigu a ld a d e s im ere cid a s
q u a n to à riq u e z a ou ao ta le n to , que c a p a cita m os o utro s aj
tira r v a nta g e m d eles (A rn e son, 1981: 208). C om o acontecd
com R oem er, a tra nsferê ncia de excedente d e se m p e nh a um
p a p e l d eriv a d o n a te oria de A rn e so n . A tra nsferê ncia de e x
cede nte é erra d a se fo r o re sulta d o de um a d istrib u iç ã o d e
sigu al, m as é le g ítim a se s urg ir in d e p e n d e nte de difere nça s
im ere cid a s de riq u e z a ou ta le n to s n a tura is, ou se fo r us a
da p ara co m p e n s á -lo s. P orta nto , o a p o io co m p u ls ório aos
d e se m pre g a dos é le g ítim o (ao c o n trá rio do qu e ocorre em
R eim a n), assim com o o a poio aos in v á lid o s (ao c o ntrá rio do
que acontece na "e xplora çã o m a rxista " de R oem er). A m a ior
p arte do excedente tira d o dos tra b a lh a dore s sob o c a pita lis
m o, p oré m , n ã o é do tip o le g ítim o , já que acaba nas m ãos
dos que se b e n e ficia m da d istrib u iç ã o d e sigu a l de ta le nto s e
riqu e z a . P orta nto, o c a pita lism o é e xplora dor, se b e m que q
seja p or ra zões m ais complexas do que as sugerid a s p e lo a r l
g um e nto in ic ia l da e xplora çã o m arxista . I
E sta é um a d escrição m a is pla u sív e l de e xplora çã o. A o
conc e ntrar-s e n o p a drã o m ais a m plo da d istrib u iç ã o , n ão
apenas n a tro c a que ocorre d e n tro da rela çã o assalariada.
230 FIL O S O FIA P O LITIC A C O N T E MP O R Â N E A

R o e m er e A m e so n e vita m am bos os proble m a s que a to r


m e nta v a m a d e scriçã o de R e im a n. Suas d escriçõe s p e rm i
te m -n o s d iz e r que os tra b a lh a dore s e m um E stado de b e m -
e star socia l pod e m ser e xplora dos, sejam ou n ã o força dos a
tra b a lh a r p ara os c a pita lista s , já qu e lh e s é n e g a do acesso
e q ü ita tiv o aos m e ios de produç ã o„S u a s descrições ta m b é m
p e rm ite m que lid e m o s com casos de in ju s tiç a d is trib u tiv a
que ocorre m fora da relação assalariada, com o a in ju stiç a de
n ã o p o d e r e n co n tra r e m pre go ou de n ão ser livre para fa z ê-
lo , já que ta m b é m estes e n volv e m um a n egação de acesso
e q ü ita tiv o aos recursos.
In fe liz m e n te , esta é um a a bord a g e m m ais a tra e nte ju s -|
ta m e nte porqu e d e ixou para trá s tu d o o que h a via de d is tin -jj
to n a a bord a g e m o rig in a l da e xplora çã o m arxista . E sta novaji
a bord a g e m dife re da o rig in a l em trê s aspectos im p orta nte s.
P rim e iro,, a id é ia de exploração agora é d eriva d a de u m p rin
cípio a n te rio r e m a is a m plo de d e sig u a ld ad e d is trib u tiv a .
~Fãrá saber õ que é consid era do e xplora çã o, pre cisam os p ri
m e iro saber a que as pessoas estão h a bilita d a s à guisa de d i
re ito s sobre si e sobre os re cursos e xternos. E, um a ve z to r
n ados e xplícito s esses prin c íp io s subjacentes, fic a claro quq
a e xplora çã o é sim ple sm e nte um a das m uita s form a s de in j
justiç a distrib utiv a , não o p aradigm a da injustiç a . Infe liz m e n
te , os m arxista s confi n u a m in c lin a dos a e xa g erara c e n tra li-
d ade m ora l da exploração,. R oem er, p o r e xe m plo, a m plia o
â m bito da e xplora çã o de m odo que a bra nja tod a s as form a s
de d e sigu a ld a d e d is trib u tiv a 7./C om o vim o s, isso o ca pa cita

7. R o e m er, e m a lg uns tre chos, a fa stou-s e d e sta a ssim ila ç ã o d e in ju stiç a


e e xplora ç ã o. P ara c orre s p o n d e r à nossa p erc e pç ã o c o tid ia n a de qu e a e xplo
raç ã o e n volv e o f a to d e u m a pe ssoa tir a r v a n t a g e m d e o utra , ele a cre sce nta a
s e g uin te clá usula : n ã o ap e na s o gru p o e x plora d o d e v e fic a r e m situ a ç ã o m e
lh o r ao re tira r-s e c o m seus ta le nto s e p arc e la per capita de re cursos, m a s os ex
plora d ore s d e v e m fic a r e m situ a ç ã o p io r se os e xplora dos se r e tira re m com
seus re cursos e xiste nte s (R o em er, 1982b: 285). Q u a n d o esta co ndiç ã o acre s
c e nta d a n ã o é cu m prid a , os grupos qu e t ê m n e g a d o o ig u a l acesso aos r e c u r
sos são " tra t a d o s in ju s t a m e n t e sob o p o n to d e vist a m a rxist a " , m a s n ã o " e x
p lora d o s " , p o is n ã o h á o u tro s tir a n d o v a n t a g e m d e le s (" e le s p o d e ria m des a-
O M A R XIS M O 231

a considerar o d e stino ta n to do desempregado qu a nto do tra


b a lh a d or a ssalaria do. C o n tu d o/ é confu so ch a m ar e xplora
ção am bos os casos. N ossa perce pção c o tidia n a nos d iz que
à exjpíoracão tpdge a lgum a in 7 fír a ç g n 3 ij^
e exp lo rado,. na qual o p rim e iro tira v a n ta g e ru ln ju s ta d a se -
gundo, e isso g eralm e nte n ão é verd a d e no caso dos d ese m
pregados. Eles são injusta m e nte n eglig e nciados ou excluídos,
m as nin g u é m tira n ece ssaria m e nte va nta g e m deles, p ois os
c a pita lista s n ã o pod e m cons e guir n e n h um b e n e fício de sua
prova çã o. D iz e r que tod a s as form a s de in ju s tiç a são fo r
m as de e xplora çã o n ão é cons e guir um disc e rnim e nto , mas
p e rd e r um a p a la vrar A lé m disso, a a ssim ila ç ã o te nta d a p or
R o e m er obscurece a rela ção e ntre ig u a ld a d e e e xplora çã o.
E le d iz q u e as difere nte s form a s de d e sigu a ld a d e (va nta g em
inju sta , exclusão, n e glig ê ncia) são tod a s casos d a ra te g o ria
m ais a m pla da exploração. O co ntrá rio , poré m , é m ais exato
^ 'e x p lo r a ç ã o é um a das m uita s form a s de d e sigu ald a d e ,
tod a s as qu a is são avaliadas p o r u m p rin c íp io m ais p ro fu n
do e a m plo de igu a ld a d e . N a te oria de Roem er, este p rin c íf
p io m a is pro fu n d o de ig u a ld a d e é expressado n o "im p e ra
tiv o é tic o " de ig u a la r o acesso aos recursos. A exploraçã< i
n ão está m ais n o âm ago m ora l da te oria .
S egundo, a te oria de ju stiç a m ais a m pla, na qual está s i
tu a d a a e xploração, tom o u-s e progre ssiv a m e nte m ais p ró x i
m a de um a te oria de justiç a ra wlsia n a . O a rgum e nto m arxis
ta o rig in a l d iz ia que os tra b a lh a dore s tê m d ire ito ao p ro d uto

p are c er d a ce na e a re n d a dos o u tro s n ã o m u d a ri a " - R o e m er, 1982b: 292).


C o m o ele a d m it e , p o ré m , esta co n dic ã tç a cr^gç e nta d a a in d a f a lh a e m c a ptura r
nosso senso in t u itiv o de <ítirar v a n t a g e m in ju s t a *' (R o em er, 1982b: 3 0 4 n .l2 ; cf.
Ê lster, 1982: 3 6 6-9). E m seu liv ro re c e nte , R o e m er r e to m a a sua d e fin iç ã o o ri
g in a l d e e xplora ç ã o c o m o " a p e rd a so frid a p o r u m a p essoa c o m o re s u lt a d o da
d is trib u iç ã o in ic i a l d e sig u a l d e p ro p rie d a d e " (R o e m er, 1 9 8 8:1 3 4), seja o u n ã o
esta p e rd a o re s u lt a d o d e a lg u é m tir a r v a n t a g e m d ela . P ort a nto , p e lo p o n to de
vista c a pit a lista , u m a pessoa é e xplora d a " s e v i e r a g a n h a r e m v irtu d e de u m a
d is trib u iç ã o ig u a lit á ria dos m e ios de pro d u ç ã o a lie n á v e is d a s ocie d a d e " (R o e
m er, 1 9 8 8:1 3 5), e os d e s e mpre g a dos, n e ste te ste, são t ã o e xplora dos q u a nto
os tra b a lh a d ore s assalaria dos.
232 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Á N E A

de seu tra b a lh o e qu e é a negação forç a d a desse d ire ito que


torn a o c a pita lism o in ju s tp : A m a ioria dos m arxista s co n-
te m porá n e os, p ore m , te n to u e vita r estajp je m ^
já que (e ntre outra s ra zões) ela torn a susp e ita a ajud a aos
d e p e nd e nte s. E q u a n to m ais te nta m a com od ar nossa pem
cepção co tidia n a de que n e m tod a e xplora çã o té cnic a é in
justa , m ais re corre m aos prin c íp io s ra w lsia n o s de ig u a ld a
de. E m bora a re tóric a m arxista da e xplora çã o seja conside
rada m ais ra dic a l do que as visõ e s ig u a litá ria s de ju stiç a , " a
cond e na çã o m arxista da in ju s tiç a do c a pita lism o n ão é tã o
difere nte da conclusão a que chegam outra s te oria s co nte m
porân e as e a p are nte m e nte m e nos ra dic a is de filo s o fia p o lí
tic a , se b e m qu e em um a lin g u a g e m m e nos e sp a lh a fa tos a
que a do m a rxism o " (Roem er, 1988: 5). _A_teoria m arxista da
expIoraçã Qd.e Arn e son, p o r exem plo,.recorre ao m e sm q prin-
ffjn o de (Mribuigã Q ^.en^el,à.am bição e iiTiseiiS P ffiiijk iia -
ção subjace nte a te a ria de D w ork in . NJas suas novas form a s,
a te oria m arxista da exploração parece a plic ar prin cípio s ig u a
litá rio s lib e ra is e m ve z de c o m p e tir com eles.
^ F in a lm e n te , esta nov a descrição de explora çã o a b a ndo
na o que era a raison d'etre do a rg um e nto m arxista o rig in a l
da exploração - a saber, a. a firm ação de qu e há um a in ju stiç a .
In e re n te n o tra b a lh o assalariado. Pois, se o teste da e xplora
ção in ju s ta é d e te rm in a r se h á d e sigu a ld a d e s im ere cid a s,
e ntã o, algum as relações assalariadas n ã o são de exploração.
H á duas "rota s lim p a s " p ara o tra b a lh o assalariado. P rim e i-1
ro, com o vim os, d o ta r os in v á lid o s de posse de c a pita l p o d é
com p e nsar ta le nto s n a tura is d e sigu ais e, assim, a proxim ar-j
nos de um a d is trib u iç ã o in s e n sív e l à dota çã o. S e gundo, ê
posse d ife re n c ia l dos m e ios de pro du ç ã o pod e s u rg ir e ntre
pessoas com dotações igu a is se elas tiv e re m preferê ncia s d i
fere nte s no que d iz re sp e ito a in v e stim e n to ou risco. N o
e x e m plo do h o rtic u lto r e do te n ista , usa do n o c a p ítu lo 3, o
t e n ista quis usar seus re cursos im e dia ta m e nte n o consum o)
n a form a d e u m a qu a dra de tê nis, ao passo que o h o rtic u lto r
In v e s tiu seus re cursos êrrT pfM üçã Õ , na fôrm a de um a h q rfa '
(cap. 3, seção 3£>(ii) acim a). Isso era le g ítim o, argum e ntei, e m-
o M A R XIS M O 233

bora o jo g a d or de tê nis acabasse p o r tra b a lh a r p ara o h o rti


c u ltor (ou para a lgum o u tro p ro d u to r de bens pro d u tivo s),
porqu e s a tisfa zia o "te ste da in v e ja " . C ada p arte estava livre
para fa z e r as m esm as escolhas que a o utra , m as n e n h um ;
delas desejava o e stilo de vid a da o utra , já que tin h a m d ife
re nte s pre fe rê n cia s q u a n to a tra b a lh o e la z er. D e m a n e ir, i
sim ilar, x ü a orfic u ltqr p odia ter a d q uirid o m ais b e ns a ssum in-
do um risco grande, ao passo que o te nista , que podia te r as
sumido. o m e sm o, risco , pre fe riu te r um a re n d a m enor,, mas
iiv r e .d e risc ar D ife re nte s escolhas a re sp e ito de la z er e risco
pod e m le var, de m a n e ira le g ítim a e liv re de inv e ja , à posse
d e sigu a l de b e ns p ro d u tiv o s . Q u a n d o as pre fe rê n cia s das
pessoas n ã o d ife re m nestes a spectos ou q u a n d o ta is d ife
renças são m e nos im p orta n te s para as pessoas do que um
desejo co m p a rtilh a d o de te r um a in flu ê n cia d e m ocrática em
seu lo c a l de tra b a lh o , e ntã o, é pro v á v e l que m a nte nh a m os
um siste m a de ig u a l posse dos bens pro d u tiv o s . C o ntu d o ,
im p o r um a proibiç ã o geral ao tra b a lh o assalariado seria uma,|
viola ç ã o a rb itrá ria da e xig ência de d istrib uiç ã o ju sta s e n sív e l

i naua disso ju s tific a as d esigu alda d es e xistentes n a p os


se dos m eios de produçã Q: M a rx despre zava os que argum e n
ta va m que os c a pita lista s a d q u iria m sua pro prie d a d e m e
dia nte e conomias conscienciosas, e prosse guiu d e m onstra n
do que " a conquista , a escravidão, o roubo, o assassinato, em
resumo, a força , dese m p e nh a m o p a p e l m ais im p o rta n te " no
acúm ulo de ca pita l (M arx, 1977c; 873-6,926; cf. Roemer, 1988:
5 8 -9 ). E sta a quisiç ã o in ic ia l in ju s ta sola p a o . a rg u m e n ta d o
- risco, pois, m esmo, que os.ca pitalista s esteiam.dispostQ S^as.-
su m ir riscos com seu c a pita l, n ã o é.o seu c a pita l (m ora lm e n
te fa la ndo) que estão a rrisca ndo. O s tra b a lh a dore s pod eria m
e star disp osto s a a ssum ir os m e sm os riscos que os c a p ita
lista s se tiv e ss e m a lg um c a p ita l p ara arrisc ar. D e q u a lq u e r
m a n e ira , "n ã o se pod e su ste nta r s eria m e nte que a vid a de
u m tra b a lh a d or e nvolv e m e nos risco que a de u m c a pita lis
ta. O s tra b a lh a dore s e nfre nta m o risco da doença pro fis sio
n al, do d e se m pre go, da a pos e nta doria e m pobre ce dora , que
234 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

os ca pitalistas e a dm inistra dore s não e nfre nta m " (Roemer,


1988: 66). P orta nto, n e n h u m e sforço ou adversid a d e d e cor
re nte dg risco, pod e ju s tific a r as desigualdad.es e xiste nte s
'“(R oem er, 1982b: 308; co ntra N o z ick, 1974: 254-5). C o n tu
do, o fa to de que o c a pita lism o surgiu h istoric a m e n te d e ]
d e sigu a ld a d e s im e re cid a s não d e m onstra que o tra b a lh o fll
a ssalaria do n ã o p o d e ria orig in a r-s e le g itim a m e n te em u rr|
re gim e com o a "d e m ocra cia possuidora de pro prie d a d e " da
R awls. N a verdade, se as pessoas são bem inform a d a s a re sf
p e ito das conseqüências de suas escolhas e se suas pre fe rê n
cias difere nte s são form a d a s sob condiçõ e s de justiç a , então,
" o argum e nto parece irre fu tá v e l" (E lster, 1983: 294)8.

..m e ntó de exploração. Invers a m e nte-a socializ ação dos m eios


jje-produç ã £Lp Q dja .s er.u m in s tru m e n to de e xplora ç ã o. O s
m arxista s gosta m de d iz e r que ã ê x p lõ fa ç a o e im p o ssív e l no
so cia lism o , já qu e os pro d u tore s c o n tro la m o seu pro d u to
(p or e xe m plo, H o lm stro m , 1977: 353). N a nova abord a ge m
da e xplora çã o, p oré m , n ã o é su ficie nte que as pessoas te f
nh a m ig u a l acesso aos recursos sociais na form a de v o to em

8. P ara a t e n t a tiv a d e R o e m er d e r e fu t a r o a rg u m e n to , v e r R o e m er
(1988: 149-55). Sua p rin c ip a l obje ç ã o é que , m e sm o qu e igu a lá ss e mos os r e
cursos, a poss e d if e re n cia d a d o c a p it a l d e corre nte da s escolh as das pessoas
re fle tiria e m bo a p a rte a in flu ê n c ia p ersiste nte d a in ju s tiç a a n t e rior. N ã o se
e n sin a ria m às pessoas qu e n a sc era m e m fa m ília s pobre s os h á b ito s d a a c e it a
ção d e riscos e da gra tific a ç ã o posterg a d a , qu e são tra n s m itid o s n a s fa m ília s
ricas. Pre ferê ncia s d if e re nt e s n o qu e d iz re sp e ito a tra b a lh o e la z er n ã o ju s tifi
c a m a poss e dife re n cia d a dos m e ios d e pro d u ç ã o p orq u e as pró pria s pre f e rê n
cias fora m form a d a s sob condiç õ e s d e in ju s tiç a (R o em er, 1988: 62-3, 152-3;
1985b: 52). E sta é u m a id é ia v á lid a - as pe ssoas são in t e ira m e n t e respons á v eis
p e la s suas escolh as a p e n a s q u a n d o suas pre ferê ncia s são form a d a s sob c o n d i
ções d e ju stiç a (cf. R a wls, 1979: 14; A m e s o n , 1981: 205; S c a nlon, 1988: 185-
201). Isso, p oré m , n ã o d e fe nd e u m a pro ib iç ã o g e ra l da pro prie d a d e priv a d a .
S ugere qu e , p o r u m a g era ç ã o o u du a s, d e v e m os a t e nt a r p ara esta in flu ê n c ia e,
ta lv e z , co m p e n s á-la . T a lv e z pud é ss e m os im p le m e n t a r u m pro gra m a de ação
a firm a tiv a p ara e n cora ja r gru p o s pre via m e n t e d e sfa vore cidos a a d q u irir e
tr a n s m itir as disposiçõ e s rele v a nte s. Isso n ã o sola p a o p rin c íp io g era l de que
a mbiçõ e s dif e re nte s p o d e m , le g itim a m e n t e , d a r orig e m à posse dif e re ncia d a
dos m e ios de produç ã o.
O M A R XIS M O 235

um a empresa possuída p e los tra b a lh a dore s e d e m ocrática-á


m e nte g e r i d a j u d o d e p e nd e do qu e as p e ssoas d e cid ire m |
d e m ocra tic a m e nte fa z er com seus recursos. C onsid ere um a
firm a perm anentem ente dividid a em dois gmpos - um a m a io
ria que , com o o h o rtic u lto r, pre fe re a re n d a ao la z e r e um a
m in o ria qu e , com o o te nista , pre fere o la z e r à re nd a , Se a
m a ioria vence todas as decisões e se n ão é p e rm itid o à m in o
ria co nv e rte r seu d ire ito socia lista de ig u a l acesso aos re c lu
sos sociais em u m d ire ito lib e ra l de recursos in divid u a is iguais
(p or e xe m plo, v e nd e ndo sua p arcela da firm a ), a m a ioria es
tará tira n d o v a nta ge m da m in oria injusta m e nte . Esta será ex
plora d a , na a bord a g e m R o e m er-A rn e son, já que e staria em
m e lhor situação re tira ndo-s e com sua parcela per capita de re
cursos (A rn e son, 1981: 226; G eras, 1989: 257).
" A preocupação com a exploração, p orta n to , não ju stific a
p re fe rir de m o d o g era l a socia liz a çã o a um a igu a la ç ã o dos
m eios de produçã o*»Igu alar os recursos.-pode.ser n ã o explo„-,
ra tório . m e sm íxqu e algum a s pessoas tra b a lh e m p ara outra s.
e so cia liz a r re cursos p od e ser e xplora tório , m e smo que u n s
tr a balhem p ara os outros. D e p e nd e das preferê ncia s que as
'pessoas te n h a m e das circunstâ ncia s em que se e ncontre m .
O que im p orta é que as pessoas te n h a m o tip o de acesso aos
recursos que as capacite a tom a r qu a isqu er decisões re fe re n
tes a tra b a lh o , la z er e risco que m e lh or conve nh a m aos seus
o bje tivo s n a vid a . E ste tip o de a uto d e te rm in a ç ã o pod e sei
alca nça do da m e lh or m a n e ira p o r m e io de um a m istura d<?
pro prie d a d e priv a d a , posse p ú b lic a e d e m ocra cia tra b a lhis
ta , já qu e cada form a de posse cria certa s opçõ e s ao m es
m o te m p o em que b lo q u e ia o utra s (L in d b lo m , 1977: cap
24; G o o d in , 1982: 91-2; W e ale, 1982: 6 1-2). E stas são, em
bo a p a rte , que stõe s té cnica s e n ã o pod e m ser e xcluíd a s p o r
acusações g e n eraliz a d a s de e xploração.

(b) Necessidades

A té a qui, eu n ão disse m u ito a re sp e ito da afirm a çã o de


M a rx de que a d istrib u iç ã o sob o com u nism o será base ada
236 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

no p rin c íp io ^^ a J J J 3 X â e g u n d a s iia & .n e c « ^ d a < i^^ D is -


se que este p rin c íp io é in co m p a tív e l com a concepção m a r
xista tra d ic io n a l de e xplora ç ã o, que e xclui a tra n sfe rê n cia
co m p ulsória de tra b a lh o excedente dos tra b a lh a dore s para
outra s pessoas. O que , p oré m , pod e ser d ito d ele p or si só
com o prin cípio de justiça? C om o vim os, é possível que o p ró #
prio M a rx n ão pensasse nele com o prin c ípio de justiç a . D a d ¿¡j
. su a .pre visã o d e a bund â ncia , " a cada u m se gundo suas n e
cessida d e s " n ão é-iim p rin c íp io sob o qu a bseja m d is trib u í
dos recursos escassos, m as sim ple sm e nte u m a d e scriçã o d o
que aconfece sob o com unism o - as pessoas tira m a quilo de
que n ece ssita m do e stoque de re cursos a bund a nte s (W ood,
1979: 291-2; C oh e n, 1990b; mas cf. G eras, 1989: 263).
A m a ioria dos m arxista s conte m porâ n e os, tod a via , não
co m p a rtilh a o o tim ism o de M a rx no que d iz re sp eito à a bun
d â ncia e, em ve z disso, in voc a m o p rin c íp io das n ece ssid a
des com o prin c íp io d is trib u tiv o . V isto desta m a n eira , ele é
com pre e n dido de m a n e ira m ais pla usív e l com o um p rin c í
p io de ig u a l satisfação de necessidades, já que M a rx o ofere
ce com o soluçã o p ara os " d e fe ito s " do p rin c íp io de c o n tri
buiçã o, que, com o vim os, são as d esigu alda d es criadas pelas
difere nte s necessidades das pessoas (E lster, 1983: 296; 1985:
231-2). E ste é u m p rin c íp io atra e nte? N ã o á m ui to a tra e nte
se as necessidades fo re m in t erpre ta d a s em fu n ç ão de m eras
necessidadeg jn a te ria is- U m gov erno socia lista que só pro-
vesse as m eras necessidades m a te ria is das pessoas d ific il
m e nte c o n s titu iria u m avanço dia nte dos program a s dos E s
ta dos de b e m -e sta r socia l de algum a s d e m ocra cia s o cid e n
ta is. O s m arxista s, p oré m , in te rpre ta m "n e c e ssid a d e s " de
um a m a n e ira m ais a m pla . N a verdade, p ara M arx as neces
sidades hum a n a s distin g u e m -s e p ela sua "n a ture z a ilim it a
da e fle x ív e l" , de m odo que as necessidades das pessoas in
clu e m "u m a in d ivid u a lid a d e ric a que é tã o m ultifa c e ta d a na
sua produç ã o com o no seu co nsum o " (M arx, 1977c: 1068;
1973: 325). P ortanto,J(necessidades" gstá sendo usado como
sin ô nim o de u n te re ss e s^q u e in c lu i sim ulta n e a m e nte as n e
cessidades m a teria is e os v ários bens que as pessoas acham
O M A R XIS M O 237

que v a le a p e n a te r e m suas vid a s. In te rpre ta d as assim, as.


necessidades a bra ng e m coisas como desejos e a m biçõ es im -
p o ñ ^ e s e , p orta n to p o p rin c ip io d a s necessidades,lé som r
^re é n d id o ^d g jo a n e ira ^ a js p la u s iv e l e om o-um p d p a p io .d e
ig u 3l> e m -e sta r socia l" (E lster, 1983: 296) do que com o p rin
c ip io de ig u a l satisfação de necessidades em q u a lqu er s e n ti
do m ais lim ita d o .
In fe liz m e n te , a ssim que a dota m os esta in te rpre ta ç ã o
a m pla do prin c íp io das necessidades, ela deixa de nos ofere
cer gra nd e orie nta ç ã o sobre com o d is trib u ir re cursos. O s
m arxista s parece m p ensar que o p rin c íp io das necessidades
é um a resposta para a questão do que sig nific a d ar ig u a l con
sid era çã o aos intere ss e s das pessoas. C o n tu d o , a ssim que
e xp a ndim os "n e ce ssid a d e s" para in c lu ir todos os nossos in
teresses e d escarta m os o pre ssuposto da a bund â ncia , diz e r
que a distrib uiç ã o deve ser segundo a necessidade n ão é um a
re sposta a esta p ergu nta , mas sim ple sm e nte o utra m a n e ira
de fa z ê -la . Isso n ã o nos d iz n a d a sobre com o a te n d e r aos
d ife re n te s tip o s de n ece ssid a de s que te m os. P or e x e m plo,
embora as necessidades, no se ntido m ínim o, não sejam ques
tõ e s de e scolha , as nece ssid a de s n o s e n tid o m a rxista cla s-
sific a m -s e e m ambos os la dos da lin h a de e scolh a s-circuns-
tância s. D e te rm in a r se um a d ada p arcela de recursos satis-Jj
fa z as necessidades de a lgu é m , p orta n to , d e p e nd e de q u ã c ij
disp e ndios a s sejam as suas necessidades, as qu ais d e p e n -f
dem de suas circunstância s e de suas escolhas. D evemos fo r-f
n ecer recursos e xtra ordin á rio s aos que tiv e re m necessidades
disp e ndios a s? Se fo r este o caso, d e ve m os g a star to d o s os
nossos re cursos com os se veram ente inca p a cita dos? D e v e
mos fa z er distinç ã o e ntre necessidades disp endiosa s que são
e scolhid a s e aquelas que n ão o são? E stas são p ergunta s so
bre as quais R awls e D w o rk in se conce ntra m , pois, sem um a
resposta a elas, um a te oria de justiç a é incom ple ta . E m geral,
p oré m , os m arxista s n ã o e xplic ara m com o o p rin c íp io das
necessidades confere peso aos interesse s das pessoas.
N a m e did a e m que os m arxista s d era m c erto conte údo
ao prin c íp io das n e c e s s id a d e s ,jiá re a m a is c g ^^
238 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d â ncia com o i^ a lit a ris m o lib e ra l-p a sso u a ser agug_sere--


fere a a firm a ç ã o de qu e as pesso as são re sp o n sá veis p e los.,
custos de suas escolhas e,. p orta n to , as d is trib uiçõ e s devem.
_ser sensíveis à a m b ic ã o/A lg u n s m arxista s re je ita m a a firm a
ção im e dia ta m e nte , com base no fu n d a m e n to de que as es
colhas das pessoas são o pro d u to de suas circunstância s m a
te ria is ou c u ltura is , de m odo que as pessoas não são re s
ponsáveis pelas suas escolhas (por exem plo, Roem er, 1985a:
178-9; 1986:107,109; 1988: 62-3). L e vin e d iz que a negaçãc
de R oem er de que os in d iv íd u o s são responsáveis pelas suas:
escolhas "sug ere um a concepção m u ito m a is ra dic a l do que
é tra ta r as pessoas com o ig u a is " do que a e ncontra d a na te o
ria de D w o rk in (L e vin e , 1989: 51 n. 25). N ã o está claro, p o
ré m , o que é e sp e cífica m e nte ra dic a l (ou a tra e nte) em e xig ir
que algum a s pessoas subsidie m os gostos disp e ndiosos de
o utra s pessoas, e m u ito s m arxista s v e ria m isso com o in
ju sto . C om o d iz A m e son: " C o n sid e re duas pessoas, ambas
com necessidade artística , um a das quais te m consciência do
custo das coisas e aprende a satisfa z er suas necessidades com
m eios b aratos (aquarelas, desenhos a bico de pena), ao p as
so que a o u tra n ã o se im p o rta com o custo e dese nvolve ta
le n to s que só pod e m ser e xercidos a u m custo e xtrava g ante
(grandes e sculturas de m árm ore , foto gra fia subm arin a). N ã o

. .ajastes^artistas" (A m e son, 1981: 215). R ira lid a r com escolhas


disp endiosa s, o prin c íp io das necessidades exige certas d ire
triz e s q u a n to às necessidades que p od e m ser considera da s
"ra z o á v e is ", de m o d o que "se possa d iz e n à s-p e ssoas, nas
.etapas in ic ia is da form ação_de„preferências, queJLS Qciedade
não subscreverá todos os tipos de gosfõsjdispèndigsos" (EÍster,
1983: 298; G eras, 1989: 264). S egundo A m e son, a necessidade
de ta l norm a social re fle te " ô caráter vaga do le m a de M a rx ",
mas não "coloca em questão o seu im p ulso m ora l básico" (A r-
neson, 1981: 215). C om o observa EÍster, na verdade, esta é
urriac Q mpre ensão m u ito difere nte do prin cípio da^neçessida-
des, já que diz ãá péssõas qüe aiustém suãs a um'
padrão de distribuiç ã o pre existente, no passo que o prin cípio
O M A R XIS M O 239

das necessidades g era lm e nte é in te rpre ta d o co m o .e xigin d o


jia n ]u s t e m necessidades, ppeexistanbes
das pessoas.(EÍster, 1983: 298).
Q u e r esta e xig ência de s e nsibilid a d e à a m bição seja v is
ta m e lh or com o um a condensação do prin c íp io das necessi
dades, qu e r o seja com o um a elaboração d ele , o e fe ito líq u i-
do é to m a r a ig u a ld a d e m arxista mala.QU m e n o s id ê n tic a à
't ê ^ ftlK lg u íild a d e de re cursos de D w ork in (EÍster, 1983:298
n. 65)9. O u, sê for difere nte , os m arxistas n ão nos diz e m como
difere , p ois n ã o nos diz e m com o m e d ir os custos das esco
lh a s das p e s s o a y O que , p or e xe m plo, d ese m p e nh a o p a p e l
do le ilã o de D w orkin ? O s m arxista s, tra dicio n a lm e nte , o p u-

9. A lg u n s socialista s qu e a c e it a m o p rin c íp io d e qu e a d is trib u iç ã o deve


ser se nsív el à a m biç ã o e n co ntra m-s e , n ã o obsta nte , intere ss a dos e m lim it a r os
tip o s de d e sigu ald a d e s qu e ele gera. P or e x e m plo , a lguns d iz e m qu e dif ere nç a s
exte nsa s d e re n d a v io la ria m o a uto-re s p e ito (N ie ls e n, 1978:230; D a nie ls , 1975:
273-7; D o p p e lt, 1981:259-307; K e a t, 1 9 82:68-70; m as cf. R awls, 1971:107; D i-
Q u a ttro , 1983: 59-60; G u tm a n n , 19 8 0:1 3 5-8) o u s ola p aria m as condiçõ e s n e
cessárias p ara o d e s e n v olvim e nto de u m senso de justiç a ( G a rk e G in tis , 1978:
315-6) o u de u m senso de solid arie d a d e (C rock er, 1977: 263). D u v id o qu e estes
pro ble m a s surgiss e m p o r difere nç a s de re nd a qu e pa ss ara m p e lo te ste d a in v e
ja (com o os re cursos m a iore s de o utro s p o d e m v io l a r m e u a uto-re s p e ito q u a n
d o eles le v a m u m e stilo d e v id a qu e e u n ã o quis e re je ite i livre m e nte ?). A lg u n s
diz e m qu e a gra nd e d e sigu ald a d e de re n d a sola p aria a ig u a ld a d e de p o d e r p o
lític o necessária p ara a d e mocra cia (D a niels, 1975: 256-8) o u cria ria o p o rtu n i
da des d e sigu ais p ara as crianç as (N ie ls e n, 1985: 297-8). Estas são pre o cu p a
ções sérias, m a s são re conh e cid a s p o r R a wls e E H vorkin, qu e co n cord a m e m
qu e elas im p õ e m lim it a çõ e s a d e sigu ald a d e s le gítim a s (re ig u a ld a d e polític a ,
v e r R a wls, 1971: 225-6; D w o rk in , 1988; re o p ortu n id a d e d e sigu al, v e r R a wls,
1971: 73). P ara m ais visões socia lista s sobre a s e nsib ilid a d e à a mbiç ã o, v e r
N ie ls e n (1985: 293-302); E Íster (1985: 231-2, 524); L e v in e (1988: 53).
C are ns a rg u m e n ta qu e a dif e re nç a c e n tra l e n tre socia lista s e lib e ra is e n
v o lv e , n ã o o p rin c íp io das ne ce ssid ad es, m a s a o u tra m e ta d e d o fa m oso le m a
de M a rx (" d e ca da u m c o n form e suas c a p acid ad es, a cada u m co n form e suas
n e c e ssid a d e s "). C arens consid era qu e isso im p õ e às pessoas u m d e v er d e cop»
trib u ir, u m d e v e r d e fa z er " b o m u s o " de seus ta le ntos, a o pa sso qu e os lib e ra is
p e n s a m qu e isso p o d eria e scra viz ar os ta le ntosos forç a n d o-o s a fa z er a lg o e m
qu e são b o n s m as d e q u e n ã o gosta m (C are ns, 1986: 41-5). N ã o a cre dito qu e j
a m a ioria dos m arxista s c o m p a rtilh a e fe tiv a m e nte a int e rpre t a ç ã o qu e im põ e s
o d e v er do le m a de M arx , m as tra t a -s e de u m a qu e stã o im p o rt a n t e qu e m ere-1
ce m a is discuss ão.
240 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

seram-se aos m e ca nism os do m erca do. M a s se as pessoas


d e ve m ser consid era d a s re sponsá veis p e los custos de suas
escolhas, então, exige-se algo com o u m m ercado para m e dir
este custo de o p ortu nid a d e . (V er N ov e , 1983: p a rte 1, sobre
com o a h o stilid a d e m arxista aos m ercados, com bin a d a com
o pressuposto de abundância, im p e diu os m arxistas de ofere
cerem q u a lqu er noção coerente de custos de o p ortu nid a d e .)
j i á m e n o sco ntrov é rsia qu a nto-à a firm a ç ã o .de-qne um a
•dista b uiç ã ^-justa á e y a ^ i n s g n ^ e li L ^
das necessidades "ro m p e tod a s as lig a çõ e s e ntre a q u a n ti
dade de b e n e fícios que um a pessoa recebe da e conomia e os
fatores genéticos.e sociais 'mMateaente-MlátráriosNpe d e-
'terminaro. sua capacidade de c o n trib iã tp ara esta economia f
(Ãrn e son, 1981: 215-6). A s exigências do prin c íp io das n e
cessidades são m a is clara s no caso, p ois ele fo i " p ro je ta d o
justa m e nte para cuid ar de tais casos" (E lster, 1983:298). C on
tu d o , m e sm o n este caso, o prin c íp io das necessidades é in
co m ple to , p ois n ã o nos d iz o qu e fa z e r q u a n d o é im possí-1
v e l com p ensar ple n a m e nte as desvantagens n a tura is. C om o|
vim o s no c a pítulo 3, é im possív e l contra b a la nç ar as circuns-J
tâ ncia s de um a pessoa m ú ltip la m e n te d e ficie n te , e é in d e 4
sejá vel d e dic ar todos os nossos recursos a esta tarefa . Issojl
le vou D w o rk in a e la borar seu esquem a h ip o té tic o de segu
ros. N ã o há, poré m , n e nhum a solução sim ila r p ara este p ro
ble m a na lite ra tu ra m arxista conte m porâ n e a e, na verdade,
n e nhum re conh e cim e nto sim ila r de que é um proble m a . N ão
é suficie nte diz e r que o prin c íp io das necessidades com p e n
sa as circunstâncias desiguais. Precisamos saber como fa z ê-lo
e a que preço. D adas essas p ergunta s sem resposta, o p rin c í
p io das n ece ssid a de s n ã o com p e te com as te oria s lib e ra is
de igu ald a d e , pois e ncontra-s e sim ple sm e nte em um a etapa
m e nos d e s e nvolvid a de form ula ç ã o.

(c) A lie n a ç ã o

Se os m arxista s estão com prom e tidos com a aboliçã o da


proprie d a d e priv a d a , devem re correr a o utra coisa que não à
O M A R XIS M O 241

e xploração. S egundo S teven Luke s, a crític a de M a rx ao ca-


p ita lis m o re corre não apenas a um a prêõüüpãçãõ " k a ritiá ñ a "
com a e xplora çã o, m as ta m b é m a um a pre ocup a çã o p e r
fe ccionista " com à ãíienaçâo.(Luke s, 1985: 87; cf. M ille r, 1989:
5 2-4)10. E n q u a nto a c d ífé n te k a n tia n a e n fa tiz a a m a n e ira i/
com o a pro prie d a d e priv a d a re du z certas pessoas (os tra b a
lh a dore s) a um m e io para o b e n e ficio de outra s (ca pitalista s),
a corre nte p erfe ccionista enfatiz a,,a m a n o ira x a m a a p m príe -

des m a is im porta nte s. O proble m a com a proprie d a d e priv a -


cía n ão é sim ple sm e nte o fa to de que ela é e xplora toria , p ois
m e sm o os que se b e n e ficia m da e xploração são alie n a dos de
seus pod ere s hum a nos essenciais. _Es±&-arguxnento_da AÜe.-
jia ç ã o parece urna ro ta m ais prom issora para d e fe nd er urna
proibiç ã o d a proprie d a d e priv a d a , pois,.a um e sm o. te m po em
que a igu a la ç ã o da pro prie d a d e priv a d a e lim in a a ..explora-
Ç ão^elcLpode sim ple sm e nte u niv e rs a liz a r a a lie n ação.
O s argum e ntos p erfe ccionista s, dos qu ais o argum e nto
da alie n a çã o de M a rx é u m e xe m plo, diz e m que os recursos
d e veria m ser distrib u íd o s de. m aneira qu e encoraje a "cohere.-
tiz a cã o de p ote n cia lid a áesm..excelênclas. d istin ta m e n te h u
m a n a s " e desenegraje^m aneiras de vid a que careçam destas.
excelências (L ukes, 1985: 87). Tais te oria s são "p e rfe ccio n is
ta s " porqu e a firm a m que certas m a neiras de vid a constitu e m
a "p e rfe iç ã o " (ou " e xc e lê ncia ") hum a n a e que ta is m a n eira s
de vid a d e v eria m ser prom ovid a s, ao passo que m a n eiras de
vid a m e nos valorosa s d e v eria m ser p e n a liz a d a s. Isso é c o n
trá rio às te oria s lib e ra is ou lib e rtária s, que n ão te nta m e nco
ra ja r q u a lq u e r m o d o de vid a e sp e cífico, m as, ante s, d eixa m

10. L u k e s t a m b é m d istin g u e u m a corre nte " u tilit á ri a " n o p e n s a m e nto


de M arx, m a s v o u d e ix a r isso de la d o , e m p a rt e p orq u e já e x a min a m os o u t ili
t a ris m o e e m p a rte p orq u e esta c orre nte d o p e n s a m e nto d e M a rx teve m e nos
in flu ê n c ia sobre os m arxista s conte m p orâ n e o s d o qu e a corre nte k a n tia n a e a
corre nte p erfe ccio nis ta . A l é m disso, d u v id o qu e te n h a e xistid o u m a c orre n t e !!
u tilit á ri a n o p e n s a m e nto de M arx. Ele r e j e ito u a id é ia d e qu e u m a pessoa pu-f
desse s er p r e ju d ic a d a a p e n a s p o rq u e isso a u m e n t a ri a o b e m - e s t a r g e ra i
(M u rp h y , 1973: 217-20; m as cf. A ll e n , 1973; B re n k e rt, 1981).
242 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

os in d iv íd u o s livre s p a ra u s ar seus re cursos d e q u a lq u e r m a


n e ira qu e ele s m e sm os ju lg u e m m a is v a lio s a . C o n sid e ra re i
o c o n tra s te g e ra l e n tre as te oria s lib e ra l e p e rfe c c io n is ta n o
c a p ítu lo s e g u in te , m a s e x a m in a re i bre v e m e n te a m a n e ira
c o m o o p e rfe c c io n is m o p o d e ria d e fe n d e r u m a p ro ib iç ã o d a
pro p rie d a d e priv a d a .
Q u a lq u e r arg u m e n to p e rfe c c io n is ta d e v e e x p lic a r o qu e j
sã o fé x c é lê n cia s h u m a n a s d is fin tã à " e c o m o a d is trib u iç ã o ;
d e re curso s d e v e s er ord e n a d a d e m a n e ira q u e p ro m o v a .;
N o caso d e M arx,_é c o n sid e ra d a nossam xre lê n c ia d is tin t a ^
noss a c a p a cid a d e d e pro d u ç ã o <
tiv a /P ro d u z ir-d e u m a m a n e ira q u e a tro f i e e sta ca p a cid a d e é
¿ er " a lie n a d o " d e noss a v e rd a d e ira " n a ture z a d e e s p é c ie " .
P o rta n to , os p e rfe c c io n is ta s m a rxis ta s a rg u m e n ta m , os r e
cursos e m u m a socie d a d e c o m u n is ta d e v e m ser d is trib u íd o s
d e m a n e ira q u e e n c ora je as p e sso a s a c o n s e g u ir a a u to -re a -
liz a ç ã o p o r m e io d a pro d u ç ã o co o p e ra tiv a . A d is trib u iç ã o
p o d e ria a in d a s er g o v e rn a d a p e lo p rin c íp io d a s n e c e ssid a
d es, m as, p ara os p erfe ccionista s, o p rin c íp io das necessidades
n ã o se pre o c u p a co m to d a s as n e ce ssid a d e s. A n te s , ele e n
v o lv e ria " c e rta seleção das form a s d e intere ss e e pre ocup a çõ e s
hum a n a s qu e e xpressam m a is ple n a m e n te o id e a l das a tiv id a
d e s e pra z ere s c o o p e ra tiv o s , cria tiv o s e p ro d u tiv o s " (C a m p
b e ll, 1 9 8 3 :1 3 8 ; cf. E lste r, 1985: 522).
C o m o e ste id e a l d e ve s er p ro m o v id o ? O s m a rxista s a r
g u m e n ta m q u e é p ro m o v id o d a m e lh o r m a n e ira p e la a b o li
ção d o tra b a lh o a ss a la ria d o e p e la so cia liz a ç ã o dos m e io s de,
pro d u ç ã o . O tra b a lh o a ss a la ria d o n o s a lie n a d e noss a c a p a i
cid a d e m a is im p o rta n te p orq u e tra n s fo rm a a forç a d e tra b a f
lh o e m sim p le s m e rc a d oria , c u jo u s o e stá sob o c o n tro le da
a lg u m a o u tra pessoa. A lé m disso, p ara m u ito s tra b a lh a d ore s
sob o c a p ita lis m o , e ste e x ercício d a forç a d e tra b a lh o te n d e a
s er in d ife re n te e d e s titu íd o d e q u a lq u e r s a tisfa ç ã o intrín s e c a .
S o c ia liz a r os m e io s d e p ro d u ç ã o a ss e gura q u e c a d a p e sso a
te n h a in flu ê n c ia e fic a z n a m a n e ira c o m o su a v id a d e tra b a
lh o é org a n iz a d a e a c a p a cita a o rg a n iz a r a pro d u ç ã o d e m a
n e ira qu e a u m e n te su a s a tisfa ç ã o in trín s e c a , e m v e z d e a u -
O M A R XIS M O 243

m e n ta r os lu cro s d o c a p ita lis ta . O c a p ita lis m o re d u z a a ti-


v id a d e d e noss a v id a a u m m e io q u e s u p o rt a m os p a ra a s e
g u ra r u m a v í H a ^ e c e nte , m a s . a s o c ia lis m o irá re c o n d u z ir o
tra b a lh o a se u lu g a r le g á tim a .com o u m fim e m s i m e sm o ,
ç o m p f n e c e s s id a d „e p jim o r^^^ (ou, m a is e x a ta m e n-
te , o s o cia lis m o to m a rá p o ssív e l, p e la p rim e ira ve z n a h is to
ria , qu e o tra b a lh o a ssum a este lu g a r le g ítim o ).
E ste, e ntã o, é o a rg u m e n to p e rfe c cio n ista a fa v or d a a b o
liç ã o d a p ro p rie d a d e priv a d a n o s m e io s d e pro d u ç ã o . O qu e
d e v e m os fa z e r d ele ? Se fo rm u la d o c o m o u m a e scolh a e n tre j|
tra b a lh o in trín s e c a m e n te s a tis fa tó rio e tra b a lh o in trín s e c a
m e nte in s a tis fa tó rio , a m a io ria das p essoas d a rá pre fe rê n cia
a o tra b a lh o c ria tiv o e c o o p e ra tiv o . E a v a ss a la d or o in d ic io de
qu e a m a io ria dos tra b a lh a d ore s n o c a p ita lis m o d e s e ja qu e
seus tra b a lh o s s e ja m m a is s a tis fa tório s ., A " d e gra d a ção d o

S i a a v e ijjy ^
d e s e n v o lv e r se u p o te n c ia l h u m a n o (S c h w a rtz , 1982: 6 3 6-8;
D o p p e lt, 1981). Õ s lib e ra is te n ta m lid a r com isso d is tin g u in
d o m a n e ira s le g ítim a s e ile g ítim a s p e la s q u a is as pessoas p o s
sam s er e m pre g a d a s p o r o u tro s . N a vis ã o m a rxista , c o n tu d o ,
q u a lq u e r re la ç ã o d e tra b a lh o é a lie n a n te , já qu e o tra b a lh a
d o r re n u n c ia a o c o n tro le sobre su a forç a d e tra b a lh o e so
bre os pro d u to s d e seu tra b a lh o . O tra b a lh o a ss a laria do pod é
n ã o ser u m in s tru m e n to d e e xplora ç ã o se am b a s as p a rte s cc
m e ç are m co m u m a p a rc e la ig u a l dos re curso s, m a s é alie
n a n te e p o d e m o s e lim in a r a a lie n a ç ã o so cia liz a n d o os re c urj
sos p ro d u tiv o s , e m v e z d e ig u a la r a p ro p rie d a d e p riv a d a .
C o n tu d o , e m b ora o tra b a lh o n ã o a lie n a d o r c e rta m e n te
seja m e lh o r d o qu e o tra b a lh o a lie n a d or, estes n ã o são os ú n i
cos v a lore s e nvolvidos.J?osso v a lo riz a r o tra b a lh o n ã o a lie n a -
.d o r e, a in d a a ssim , v a lo riz a r o u tra s c o is as a in d a m a is .n o m o
o m e u la z e r. (Posso p re fe rir o tê n is à pro d u ç ã o n ã o a lie n a d a .
D e vo d e d ic a r-m e a a lg u m tra b a lh o p ro d u tiv o p a ra a ss e gurar
os re curso s n e c e ss ários p a ra o m e u tê n is e, to d o o re sto s e n
d o ig u a l, p re fe riria qu e fosse u m tra b a lh o n ã o a lie n a d or. M a s
to d o o re sto n ã o é s e m pre ig u a l. A m a n e ira m a is e fic ie n te de
244 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ro d u z ir b e ns p o d e d e ix a r p o u c o e sp a ço p a ra a cria tiv id a d e
o u a coop era ç ã o (p or e x e m plo, a pro d u ç ã o em lin h a de m o n
ta g e m ). Se fo r a ssim , e n tã o^a .d e diç a ç ã o a u n i tra b a lh o xiã Q
a lie n a d o r p o d e e x ig ir u m in v e s tim e n t a d e te m p o -m a io r d o
q u e o qu e e sto u d is p o s to a fa z er. F or e x e m plo , se posso a d
q u irir os re curso s d e qu e n e c e ssito fa z e n d o du a s h ora s d iá
ria s d e tra b a lh o a lie n a d or o u q u a tro h ora s d iá ria s d e tra b a lh o
n ã o a lie n a d or, as du a s h ora s e x tra ord in á ria s d e tê n is p o d e rn
t e r m a is p e so d o qu e as du a s h ora s d e a lie n a ç ã o . A q u e stã o]
p o rta n to , n ã o é se p re firo o tra b a lh o n ã o a lie n a d o r a o tra b a ]
lh o a lie n a d or, m a s se p re firo ta n to o la z e r a p o n to d e a c e if
ta r u m tra b a lh o a lie n a d o r p a ra c o n s e g u i-lo . A s o p o rtu n id a f
d e s p ara o tra b a lh o n ã o a lie n a d o r " n ã o são ta n to a ssim u m
m a n á d o c é u. O s .re c u rs e s d e v£m ..5 e r usad,Qs p a x a .to rn a r
d is p o n ív e is e sta s o p o rtu n id a d e s, o que, s ig n ific a m e n o s d is -
p o n ib ilid a d e d e a lg u n s o u tro s b e n s ", com o o la z e r (A rn e so n ,
1987: 544 n . 3 8)11.

11. O p ró p rio M a rx a firm o u , certa ve z, que " o d o m ín io d a lib e rd a d e co


m eç a re a lm e nte ap e na s q u a n d o t e rm in a o tra b a lh o d e t e rm in a d o p e la n e cessi
d ade e p e la co n v e niê ncia extern a; ele se e ncontra , p e la pró p ria n a ture z a , a lé m
d a esfera d a pro d u ç ã o m a t e ria l pro pria m e n t e d it a " (M arx, 1981: 958-9). Esta
n ã o é su a vis ã o co stu m e ira do a ssunto n e m é c o m p a rtilh a d a p e la m a ioria dos
m arxista s c o nte m p orâ n e os (p or e x e m plo , C oh e n, 1978: 323-5), m a s é c erta
m e n t e v erd a d e qu e o " d e s e n v o lv im e n to dos pod ere s h u m a n o s com o u m fim
e m s i " p o d e o correr fora d a pro d u ç ã o e qu e " n a d a n a n a ture z a das coisas im
p e d e a esfera d o la z er de se to m a r a p rin c ip a l are n a p ara o a utod e s e n volvi-
m e n to m ultifa c e t a d o d o in d iv íd u o qu e M a rx v a loriz a v a " (A rn e son, 1987: 526).
M e s m o qu e a c e it e m os a ênfas e sobre a pro d u ç ã o co m o are n a d a a u to-
re a li z a ç ã o, h á o u tro s v a lore s e m jo g o a lé m d a n ã o - a li e n a ç ã o .p s m q c d s t a s d i-
g £ m -q a » o j a l Q r d a p ro d uç ã o e ncontra -s e n o " d e s e n v n lv irn p n tn |w W s
h u m a n o s c o m o u m fim e m si m e s m o' O A lg u m a s pessoas, p oré m , p e ns a m que
o v a lor d o tr a b a lh o p ro d u tiv o e n co ntra -s e n a c o n trib u iç ã o p ara u m a o rg a n i
z a çã o qu e sirv a e ficie n t e m e n t e nece ssid ad e s vita is. P ara ta is tra b a lh a d ore d'j
" o rie n t a d o s p e lo s e rviço " , a d e m ocra cia do lo c a l de tr a b a lh o p o d e ser um a U
" a u to -in d u lg ê n c ia d e sp erdiç a d ora " , qu e coloc a o b e m -e st a r d o tra b a lh a dor}:
a cim a d o b e m -e st a r dos re c e ptore s (A rn e son, 1987: 525). O s p erfe ccionista s}!
a rg u m e n ta m qu e o tr a b a lh o só é sig n ific a tiv o se h o u v e r u m a d e m ocra cia de
tra b a lh a d ore s (N ie ls e n, 1978:239; S chw artz , 1982:644). M a s o qu e h á de erra
d o e m pre o cu p ar-s e m a is co m o qu e é f e ito d o qu e com o m o d o c om o é fe ito?
O M A R XIS M O 245

•Ó c o n s u m o é o u tro b e m q u e p o d e e n tra r e m c o n flito


co m a pro d u ç ã o n ã o a lie n a d o ra . A lg u m a s p e sso a s g o sta m
d e c o n s u m ir u m a a m pla v a rie d a d e de be ns e serviços, d e a li
m e n to s a té óp e ra s e c o m p u ta d ore s . .C oncord ar.e m .£x e cu ± ar
Jtra b a lh o a lie n a d o r e m .tro c a d e s a lá rio s m a is .altos p o d e . ca-
. p a c itá -la s a e x p a n d ir se u le q u e d e c o n s u m o d e s e ja d o . Se
p ro ib im o s o tra b a lh o a lie n a d or, e lim in a m o s a a lie n a ç ã o d e s
sas p e sso a s, m a s ta m b é m fa z e m o s c o m q u e seja m a is d if í
c il ela s b u sc a re m form a s d e co n s u m o qu e v a lo riz e m v e rd a
d e ira m e n te . O s p e rfe c c io n is ta s m a rxis ta s te n d e m a n ã o se
p re o c u p a r co m p o ssív e is d e cré scim o s d e co n s u m o m a te
ria l. C o n sid e ra m a pre ocup a ç ã o das pessoas co m o co n su m a i
com o u m s in to m a d a p a to lo g ia d o m a te ria lis m o cria d a p ele
c a p ita lis m o , d e m o d o qu e a tra n siç ã o p a ra o s o cia lis m o " e n
v o lv e rá u m gra n d e d e slo c a m e n to d a ê nfa se c u ltu ra l d o c o n -,
s u m o p a ra a p ro d u ç ã o co m o e sfera p rim á ria d a s a tisfa ç ã c
h u m a n a " (A rn e s o n , 1987: 525, 528). É p a to ló g ic o , p o ré m
pre ocup a r-s e com a expansã o d o p ró p rio consum o? A s ín d ro
m e d e q u e re r " t e r o m e sm o q u e o v iz in h o te m " p o d e s ê -lo ,
p o is a busc a d e ta is b e ns d e status é m u ita s v e z e s irra c io n a l.
Isso, p oré m , n ã o é v e rd a d e iro n o qu e d iz re s p e ito aos m u ito s
d e s e jos d e c o n s u m o a u m e n ta d o .. N ã o h á n a d a p a to ló g ic o
e m u m a m a n te d a m ú s ic a q u e re ru rn e q u ip a m e n to e ste re or
íó n T cric á ro e e star dis p o sto a e x e cutar tra b a lh o a lie n a d or p a ra
" cõ~hse"gín-To ./P orta n to , n ã o h á n e n h u m a ra z â õ p a ra o c o m u-
m ííim o " e x c lu ir o u e s tig m a tiz a r os q u e p re fe re m os pra z e re s
p a ssivos d o c o n s u m o " aos pra z ere s a tiv o s d a pro d u ç ã o (E ls-
te r, 1985: 522).
'Ã busc a d o tra b a lh o n ã o a lie n a d o r p o d e ta m b é m e n
tr a r e m c o n flito c o m as re la çõ e s co m a fa m ília e os a m ig o s.
Posso q u e re r u m tra b a lh o d e m e io p e río d o , qu e m e p e rm i-

H á u m a p lura lid a d e de b e ns a ser o b tid a d o tra b a lh o - A rn e s o n list a 17 dele s -


dos qu ais o livr e d e s e n v o lvim e n to dos p ró prio s t a le nto s é apena s u m , e bens
dif e re nte s flore sc e m d a m e lh o r m a n e ira sob dif e re nte s siste m a s de o rg a n iz a
ção d e tra b a lh o e posse de pro prie d a d e (A rn e son, 1987:527). P ort a nto , n ã o há
n e n h u m a corre la ç ã o sim ple s e ntre a socia liz a ç ã o dos re cursos p ro d u tiv o s e o
a u m e n to d o v a lo r d e nossas a tivid a d e s pro d utiv a s.
246 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ta fic a r ta n to te m p o q u a n to p o s s ív e l ju n to a m e us filh o s , o u
ta lv e z u m tra b a lh o s a z o n a l, d e m o d o qu e poss a p a ss ar p a r
te d o a n o c o m a m ig o s o u p a re n te s . C o m o obs erv a E lste r, a
ênfa se m a rxista n a a u to-re a liz a ç ã o n o tra b a lh o p o d e c o m p e
t ir co m as re la çõ e s p e sso ais e spontâ n e a s, p o is h á u m a " t e n
d ê n cia d e a a u to -re a liz a ç ã o e x p a n d ir-s e p a ra to d o o te m p o
d is p o n ív e l [...] [e isso] é um a am e aça ao co n su m o e à a m iz a
d e " (E lste r, 1 9 8 6 :1 0 1).
A qu e stã o, irã o é d e te ç in in a ts e a tra b a lh o n ã o q ü e n a d or
é u m b e m , m a s se é u m ^ èm~dOTmn ã g c ijtu m b e m qu e é n è -
ce ss ário p ara um a v id a d e c e nte e qu e sup e ra em v a lo r to d o s
os b e n s riv a is /N ã o h á n e n h u m a ra z ã o p a ra p e n s a r qu e o
tra b a lh o n ã o a lie n a d o r é u m b e m de ta l tip o . O p ró p rio a rg u
m e n to d e M a rx a fa v o r d e sta a firm a ç ã o re v e la q u ã o im p la u -
sív el ele é. H e a rg u m e n to u qu e a pro d u ç ã o livre m e n te c o o p e -|
ra tiv a é noss a e xc e lê n cia h u m a n a d is tin tiv a p orq u e é o q u e j
n o s d ife re n c ia d e o u tra s e sp é cie s - é o q u e n o s d e fin e com o]
h u m a n o s . E ste a rg u m e n to ^ d iff e r e n tia '^ , to d a via , é u m noré
sequilar. P e rg u nta r o qu e é m e lh o r e m u m a v id a h u m a n a n ã o
é u m a qu e stã o " s o bre cla ssific a ç ã o b io ló g ic a . É u m a qu e stã o
d e filo s o fia m o ra l. E n ã o pre s ta m o s n e n h u m a a ju d a a n ó s
m e sm os ao re s p o n d ê -la se d e cid im o s a n te cip a d a m e n te qu e
a re s p o sta d e v e s er u m a ú n ic a c a ra c te rís tic a sim p le s , n ã o
c o m p a rtilh a d a p o r o u tra s e sp é cie s, c o m o se p re te n d e q u e
a differe ntia s e ja " (M id g le y , 1978: 204). A e x a lta ç ã o d a a tiv i
d a d e p ro d u tiv a c o o p e ra tiv a " é u m p o siç ã o m o ra l e sp e cífic a
e d e v e s e r d e fe n d id a c o m o t a l c o n tra o u tra s ; n ã o p o d e s er
a c e ita sim ple sm e n te co m base e m u m m é to d o to sco d e ta x i-
n o m ia " (M id gle y , 19 7 8:2 0 4). S a b er se os o u tro s a nim a is pos-j
su e m o u n ã o a m e sm a c a p a cid a d e d e tra b a lh o p ro d u tiv o dos
h u m a n o s n ã o te m re le v â n cia n e n h u m a p a ra a q u e stã o dc
v a lo r d e sta c a p a cid a d e e m noss a s vid a s . N ã o, h á jie n h u m á
.^ra z ão p a ra p e n s a r quam ogsa s c a p a cid a d e s

E sta co n c e ntra ç ã o sobre o tra b a lh o p ro d u tiv o ta m b é m é


se xista . O bs erv e a a firm a ç ã o d e M a rx d e qu e , com o os tra b a
lh a d ore s são a lie n a d o s d a su a " v id a d e e sp é cie " (is to é, p e lo
O M A R XIS M O 247

" tra b a lh o , a tivid a d e s d a vid a , a p ró p ria v id a p ro d u tiv a "), " o


h o m e m (o tra b a lh a d or) só se s e nte livre m e n te a tiv o e m suas
funçõ e s a nim a is - com e ndo, b e b e n do, pro cria n d o ou, n a m e
lh o r das hip óte s e s, e m sua h a bita ç ã o , n o v e s tir-s e e tc.; e, n a s
suas fu n çõ e s h u m a n a s ele n ã o s e nte s er m a is n a d a a lé m d e
u m a n im a l" (M arx, 19 77a: 66 ). M a s p o r qu e a pro d u ç ã o é um a
" fu n ç ã o " m a is " h u m a n a " d o q u e a re pro d u ç ã o (p o r e x e m
p lo , c ria r filhos)?_P od e-s er..nie iK l& d is tin tiv a m e n te h upnana.
n o s e n tid o .d g jgu¿£-2 £ O H fe gsM U m ^ J a m M m .^ r e M P iÍU L -
zémTTssÕ, p o ré m , m o s tra a p e n a s q u ã o irre le v a n te A e stp r r i-
a v id a fa m ilia r c e rta m e n í e ó lã a im p o rt a n t e p a ra
a ftõ s s ã n u m a n id a d e q u a n to a pro d u ç ã o .M a ry c o m b in a v a
u m a p ro fu n d a s e n s ib ilid a d e às v a ria ç õ e s h is tó ric a s n a e s
fe ra p re d o m in a n te m e n te m a s c u lin a d a v id a p ro d u tiv a com
u m a in s e n s ib ilid a d e qu a s e to t a l às v a ria ç õ e s h is tó ric a s n a
e sfe ra p re d o m in a n te m e n te fe m in in a d a v id a re p ro d u tiv a ,
qu e ele v ia c o m o e s s e n cia lm e n te n a tu ra l, n ã o co m o d is tin
tiv a m e n te h u m a n a 0 a gg ar, 1983: cap. 4; O 'B rie n , 1 9 8 1 :1 6 8-
84). Q u a lq u e r te o ria qu e te n h a e sp era nç a d e in c o rp o ra r a e x
p e riê n cia das m u lh e re s te rá d e q u e s tio n a r a e x a lta ç ã o d o tra
b a lh o p ro d u tiv o .
H á m u ito s v a lore s qu e p o d e m c o m p e tir com a pro d u ç ã o
n ã o a lie n a d a , com o " a saúde c orp ora l e m e n ta l, o d e s e n v o lvi
m e n to d e fa cilid a d e s c o g n itiv a s , d e c e rto s tra ço s d e c a rá te r e
re ações e m o cio n a is, o jo g o , o sexo, a a m iz a d e , o a m or, a arte ,
a re lig iã o " (B row n , 1986:126; cf. C oh e n, 1 9 8 8:1 3 7-4 6). A lg u-
J Ü 3 S- p e sso a s v e rã o o tra b a jh a p ro d u tiv o corn o " a p r im e ira
-n e ce ssid a d e d a v id a " , m a s o utra s n ã o /U m a p ro ib iç ã o d o tr a
b a lh o a lie n a d o , p o rta n to , p riv ile g ia ria in ju s ta m e n te a lgum a s
pe sso a s e m d e trim e n to d e o u tra s . C o m o e xpre ss a A m e s o n ,
a id e n tific a ç ã o d o so cia lism o com u m a vis ã o e sp e cífic a d a b o a t
v id a " e le v a u m a c a te g oria e sp e cífic a d e b e m , a s a tisfa ç ã o in
trín s e c a n o tra b a lh o , e p riv ile g ia a rb itra ria m e n te e ste b e m ê
as pessoas qu e lh e d ã o pre fe rê n cia e m d e trim e n to d e o u tro s
b e ns ig u a lm e n te d e s ejá v eis e dos a d e pto s ig u a lm e n te sá bios
d e ste s o u tro s b e n s " (A m e s o n , 1987: 525). D a d o qu e as p e s f
soas d ife re m n o v a lo r qu e v in c u la m a o tra b a lh o , " a a lie n a ç ã o
248 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d ife re n c ia d a d o tra b a lh o , a p a rtir d e u m a p o siç ã o in ic ia l d e


ig u a l o p o rtu n id a d e e d e d iv is ã o e q ü ita tiv a d e p a trim ô n io ,
p o d e a u m e n ta r v a s ta m e n te o b e m -e s ta r e a q u a lid a d e d e
v id a d a s p e sso a s ". P o rta n to , " u m a d e fe s a p e rfe c c io n is ta d a .
p ã o-a lie n a ç ã o paxÊ Ce. re m o ta " (R o e m er, 1985b: 52).
N e m to d o s os m a rxista s qu e e n fa tiz a m o flo re s c im e n to
d a pro d u ç ã o n ã o a lie n a d a sob o c o m u n is m o são p e rfe c c io
n ista s . A lg u n s m a rxista s qu e pro cla m a m o fim d a a lie n a ç ã o
e stã o sim p le s m e n te fa z e n d o u m a pre vis ã o so bre o q u e as
pessoas fa rã o co m seus ig u a is re curso s, se m o fe re c e r u m a
in stru ç ã o p e rfe c cio n ista sobre com o d is trib u ir estes re cursos.
E le s pre v ê e m qu e as pe sso a s irã o v a lo riz a r ta n to o tra b a lh o .
n ã o a lie n a d o qu e n u n c a a c e ita rã o m e lh o r la z e r o u v id a fa m i
lia r c o m o co m p e n s a ç ã o p e la a lie n a ç ã o . Se e sta pre vis ã o se |
re v ela ss e fa ls a , p oré m , n ã o h a v e ria ra z ã o p a ra in t e rf e rir n a s
e scolh a s d a s p e sso a s p o r m e io d a p ro ib iç ã o d a a lie n a ç ã o .
.N ã o e stá c la ra se-os c o m e n tá rio s jie M a rx sobre a a lie n a ç ã o
_gão pre visõ e s o ujjg stru çõ e s-p&rfe cc.io R Ísta s-(A rn e so n , 1987:
5 2 Í) . .E ng els, p oré m , era. a ri^ e .líe c cÍQ iiM a ,.p e J q jT L e n o s u n a
caso das re la çõ e s se xu ais. A o d is c u tir a n a ture z a das rela çõ e s
sexuais n o co m u nism o , ele d iz qu e as v e lh a s rela çõ e s p a tria r
cais a c a b arã o, m a s

o que h a v erá de novo? Isso será re s p o n d id o q u a nd o um a


nov a geração tiv e r crescido: um a geração de hom e ns que n u n
ca na vid a te n h a sa bido o que é co m pra r a re n diç ã o de um a
m u lh e r com d in h e iro ou com q u a lq u e r o u tro in stru m e n to so
cia l de p od er; um a geração de m ulh e re s que n unc a te n h a sa~ jl
b id o o que é e ntre g a r-s e a u m h om e m p o r q u a isq u e r o u tra s l
consideraçõ es que n ã o o a m or re a l o u o que é re cus ar-s e a sefj
e ntre g a r ao a m a nte p o r m e do das conseqüências econôm icas.!.
Q u a n do estas pessoas e stiv ere m no m un do, elas pouco se im
p ortarã o com a q u ilo com que h oje q u a lq u e r pessoa pensa que
deve se im p o rta r; farã o sua p ró p ria prá tic a e sua o p in iã o p ú
b lic a corre spond e nte a re sp e ito da prá tic a de cada in d iv íd u o -
e o a ssunto estará e nc erra do (E ngels, 1 972:145).

A ig u a l d is trib u iç ã o d e re cursos a sse gura qu e as re la çõ e s


e x p lora tória s n ã o s urg irã o , m a s n ã o h á n e n h u m m o d e lo s o-
o M A R XIS M O 249

c ia lis ta c orre to d e re la çõ e s p e sso ais qu e d e va s er e n cora ja d o


ou im p o s to . P oré m , p g r q u e _as re la ç õ es e co n ô m ic a s n ã o
d e v e m , ig u a lm e n te , ser d e ix a d a s à U vre e scolh a d a s p e sso a s
a p a rtir d e u m a p o siç ã o d e ig u a ld a d e m a te ria l? D e v e ría m o s
e sp erar e v e r o q u e e sta " n o v a g e ra ç ã o " v a i re s o lv e r fa z e r
com sua v id a e ta le n to s e, e m b ora e la poss a d a r pre fe rê n cia
siste m á tic a ao tra b a lh o n ã o a lie n a d o , n ã o h á n e n h u m a ra z ã o
p ara qu e e ste re s u lta d o seja e n cora ja d o p o r u m a in te rv e n ç ã o
p e rfe c cio n ista .
N o v a m e nte , n a d a disso ju s tific a rá a d is trib u iç ã o e xiste n
te d e tra b a lh o s ig n ific a tiv o . A rg u m e n te i q u e as p e sso a s d e j)
v ia m s er livre s p ara s a crific a r a q u a lid a d e d e sua v id a d e tra p
b a lh o p o r o u tro s v a lore s com o m e lh o r la z e r. S ob o c a p ita lis j
m o , p oré m , os q u e tê m os m e lh ore s tra b a lh o s ta m b é m tê m
o m e lh o r c o n s u m o e o m e lh o r la z e r, a o p a sso qu e a q u e le s
com tra b a lh o s ta m b é m ru in s n ã o cons e gu e m n e n h u m a m e
lh o ra c o m p e n s a tó ria n o la z e r o u n o c o n s u m o -^ A ^o lu ç ã o ,
p oré m , n ã o é d a r a..todos..Q.m e lh o r tra b a lh o p o ssív e l e m d e -
trim e n to d e u m m e lh o r la z e r, já qu e .a lg u m a s, p e sso a s-pre -
! é riria m u m lm e lH o r la z e r^ C o m o d iz A rn e s o n : " A o bje ç ã o
s o cia lis ta c e n tra l a u m m e rc a d o c a p ita lis ta é q u e as p e sso a s
q u e p o s s u e m m e n o s re c urs o s d o q u e o u tra s , s e m s ere m
culp a d a s disso , n ã o tê m u m a ch a nc e ju s ta d e s a tisfa z e r suas

g ia r as p r e fe re n cia s d e n in g u ém . Jr>or e x e m plo , as p re fe rê n


cia s p e lo tra b a lh o e m d e trim e n to d o la z e r], m a s jfim a n e jar.a
d is trib u iç ã o dos re curso s q u e o s in d iv íd u o s tra z e m p a ra n e -
g o cia r n p m erc a do " P orta nto , o o b je tiv o d e D w o rk in , d e u m a
d is trib u iç ã o d e m e rc a d o liv r e d e in v e ja , " é u m a sp e cto d a
a spira ç ã o so cia lista , n ã o u m a d o u trin a riv a l" (A rn e so n , 1987:
537, 533).
Isso n o s le v a d e v o lta à c orre n te " k a n tia n a " d o p e n s a
m e n to m a rxis ta , qu e d e ix a os in d iv íd u o s liv re s p a ra d e c id i
re m p o r s i m e sm os o qu e v a le a p e n a s er fe ito co m su a p a r
c e la ju s ta d e re c urs o s . E , c o m o v im o s , le v a a u m a s é rie d e
qu e stõ e s a re s p e ito d a d is trib u iç ã o e q ü ita tiv a , d a q u a l os m a r
xista s sim p le s m e n te n ã o tra ta ra m . A té q u e o fa ç a m , s erá d i-
250 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

fíc il d iz e r se o m a rxism o forn e c e um a d e scriç ã o d e ju stiç a d is


tin t a das d e scriçõ e s d e o u tra s tra d iç õ e s p o lític a s .

3. A p o lític a d o m a rx is m o

A m b a s as corre n te s d o p e n s a m e n to m a rxista c o m p a rti


lh a m u m a pre o cu p a ç ã o com o tra b a lh o . A c orre n te k a n tia n a ,;
v ê o tra b a lh o c o m o o lo c a l fu n d a m e n ta l d a in ju s tiç a c a p ita
lis ta (is to é, a e xplora ç ã o). A c orre n te p e rfe c cio n ista v ê o tra -f
b a lh o com o o lo c a l fu n d a m e n ta l d o o b je tiv o socia lista d a n ã o f
a lie n a ç ã o. H á , p oré m , u m te rc e iro s e n tid o e m qu e o tr a b a lh j
é fu n d a m e n ta l p a ra o m a rx is m o - a s a b er, o fa to d e q u e os
tra b a lh a dore s-s ã Q -id e ntific a d os c o m o os. p rin c ip a is a g en»
te s d a m u d a n ç a social/ S e gund o a s o cio lo g ia m a rxista , a lu ta
co n tra a in ju s tiç a c a p ita lista a ssum irá a form a d e u m a lu ta e n
tre du a s classes cada v e z m a is p o la riz a d a s - tra b a lh a d ore s e
c a pita lista s . O s c a p ita lista s tê m d e o p rim ir os tra b a lh a d ore s ,
p ois a sua riq u e z a v e m d a e xplora ç ã o dos tra b a lh a d ore s, e os
tra b a lh a d ore s d e v e m o p or-s e aos c a pita lista s , já qu e n ã o tê m
n a d a a p e rd e r a n ã o ser seus g rilh õ e s . O c o n flit a d e cla sse sé
e n d ê m ic o n a re la ç ã o a ss a laria d a , q u e é en d ê m ic a n o c a p ita -
iíim o , e, p o rta n to , e e m 'to rn o (d o ''q u a l a lu t a re v o lu c io n á ria
(ocorre . O u tro s gru p o s p o d e m ser tra ta d o s in ju s ta m e n te , m as
são visto s p e lo s m a rxista s com o m a rg in a is e m te rm o s d e p o
d e r e m o tiv a ç ã o . A p e n a s os tra b a lh a d ore s são capa z es e e s
tã o disp o sto s a d e s a fia r to d o o e d ifíc io d a in ju s tiç a c a p ita lis
ta . C o n c e n tra r-s e n o d e s tin o d e o u tro s gru p o s é re fo rm is ta ,
n ã o re v o lu c io n á rio , já q u e su a o pre ss ã o é m e n o r e m e n o s
e ss e ncia l qu e a dos tra b a lh a d ore s .
A s te oria s m a rxista s de ju s tiç a são, e m gra nd e p a rte , te n
ta tiv a s d e forn e c e r o fu n d a m e n to ló g ic o d e sta lu ta d e classes.
C o m o d iz R o e m er, " o p ro p ó s ito d e u m a te o ria d a e xplora ç ã o
é [...] e x p lic a r a lu t a d e classes. C o m o m a rxista s , o lh a m o s
p ara a h is tó ria e v e m os tra b a lh a d ore s p obre s lu ta n d o c o n tra
c a pita lista s rico s. Para e xplic ar, ju s tific a r o u d ire cio n a r isso e
p ro v ê -lo d e m u n iç ã o id e o ló g ic a , c o n s tru ím o s u m a -te o ria d e -
o M A R XIS M O 251

e xplora ç ã o n a q u a l o s d o is la d o s a n ta g o n ista s sã o cla s sific a -


(R o e m e ^”T9B2cT
2 7 4-5). E, co m o a e xplic a ç ã o d a lu ta d e classes lo c a liz a -s e
d ire ta m e n te n a re la ç ã o a ss a la ria d a , h o u v e u m a te n d ê n c ia
n a tura l p ara qu e os m a rxista s loc a liz a ss e m a ju s tific a tiv a p ara
o s o d a lis m o d ire ta m e n te n a re la ç ã o a ss alaria d a . A ssim , c o n
s e g uim o s te o ria s d a e x p lora ç ã o o u a lie n a ç ã o in e re n te s ao
tra b a lh o a ss a la ria d o .
É ca d a v e z m a is d ifíc il a c e ita r e sta vis ã o m a rxis ta tr a d i
c io n a l a re s p e ito d a c e n tra lid a d e d o tra b a lh o p a ra a p o lític a
pro gre ssista . M u ita s d a s m a is im p o rta n te s lu ta s c o n te m p o
râ n e a s p e la ju s tiç a e n v olv e m gru p o s qu e n ã o são, o u n ã o são
a p e n a s, o p rim id o s p e la re la ç ã o a ss a la ria d a - p o r e x e m plo ,
gru p o s ra cia is, m ã es solte ira s, im igra n te s , %ays e lé sbic a s, in
c a p a cita d o s, id o s o s . C o m o v im o s , o a p o io a e ste s gru p o s
p o d e , n a v e rd a d e , e n tra r e m c o n flito co m os a rg u m e n to s a
fa v o r d o s o cia lis m o q u e e n fa tiz a m o tra b a lh o . O s m a rx is ta s ,|
n a p rá tic a , te n d e m a a p o ia r as re ivin d ic a ç õ e s d e ste s gru p o s*
n ã o p ro le tá rio s . T e nd e m a a p o ia r os n e c e ssita dos, e ste ja m o i|
n ã o as suas n e c e ssid a d e s re la cio n a d a s co m q u a lq u e r p rin c í
p io d e a lie n a ç ã o o u e xplora ç ã o b a s e a do n o tra b a lh o . C o m o
C o h e n a ssin a la , p oré m , e le s m u ita s v e z e s ju s tific a ra m isso
tra ta n d o " o c o n ju n to dos pro d u tore s e xplora d o s com o, gro s
so m o d o , a dja c e n te ao c o n ju n to dos qu e pre cis a v a m dos b e
n e fício s d o E sta do d e b e m -e sta r s o c ia l" (C o h e n , 1990a: 374).
" E m o u tra s p a la vra s, .e m b ora a l e a r la m a rx is ta se b a s e ie n o
tra b a lh o , su a p rá tic a fo i b a s e a d a n a s n e c e ssid a d e s , e a s ln -
c o m p a tib ilid a d e s e vid e n t e s fo r a m o c u íta d a s p e la su p o siç ã o
d e q u e os n e c e ssita d o s sã o tá m b e n n o s e x p lora d o s .
C o n tu d o , é c a d a v e z m a is cla ro q u e os n e c e ssita d o s e
os e xplora d o s m a rxista s n ã o são s e m pre as m e sm a s pessoas.
Isso " fo rç a u m a e scolh a e n tre u m p rin c íp io d e poss e d e si
m e sm o a lo ja d o n a d o u trin a d a e x p lora ç ã o e u m p rin c íp io
d e ig u a ld a d e d e b e n e fício s e fa rd o s q u e n e g a o p rin c íp io d a
poss e d e si m e s m o e d o q u a l se e xig e q u e d e fe n d a o a p o io
a p essoas m u ito n e c e ssita d a s qu e n ã o são p ro d u to re s e qu e
são, a fo rtio ri, n ã o e x p lora d a s " (C o h e n , 1990a: 1 3-4). A rg u -
252 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m e n te i qu e é a rb itrá rio , n o n ív e l d a te o ria , e n d o ss a r o " f e ti


c h is m o d o tra b a lh o " im p líc ito n a s d o u trin a s d a e xplora ç ã o
e da a lie n a ç ã o (R o em er, 1985b: 64). C o n tu d o , tamjgoyC Q.é ú til
_ n o n iv e l d a j?rá tic a , p o is n e g lig e n c ia form a s H e m ju s tiç a qu e
m o tiv a m a lg u n s dos m a is im p orta n te s m o vim e n to s p o lític o s .,
^progre ssista s co nte m p orâ n e o s. Se d e v e h a v e r u m m o v im e n
to e fic a z p e la m u d a n ç a s o cia l ra d ic a l, e le te rá d e e n v o lv e r
u m a c o a liz ã o dos n e c e ssita d o s e dos e x plora d o s . A re tó ric a |j
d a e xplora ç ã o e d a a lie n a ç ã o m a rxista s, p oré m , n ã o se d irig e |
às n e c e ssid a d e s dos n ã o -tra b a lh a d o re s e p o d e , n a v e rd a - j
d e , o p or-s e a ela s. !l<
O s m a rxis ta s o rg u lh a m -s e d e su a u n id a d e d e te o ria e
prá tic a . Sua te oria , p oré m , tra i sua prá tic a . C o n fro n ta d o s com
a e scolh a e n tre a posse de si m e sm o e a ig u a ld a d e d is trib u ti
v a , os m a rxista s , n a p rá tic a , a bra ç a ra m a ig u a ld a d e e o fiz e
ra m d e m a n e ira m u ito m a is c o m p ro m e tid a d o q u e os lib e
ra is. N o n ív e l d a te o ria , p o ré m , os m a rx is ta s p e rm a n e c e m
c o m pro m e tid o s co m u m fe tic h is m o d o tra b a lh o qu e , d e c e r
ta s m a n e ira s , é m e n o s ra d ic a l e m e n o s a tra e n te d o q u e as
te o ria s ig u a litá ria s d e ju s tiç a , e is s o to lh e u a busc a p o r u m
m o v im e n to ra d ic a l e fic a z .J J m a u n id a d e g e n u ín a de te o ria §,
. p rá tic a p o d e e x ig ir u m a u n id a d e m a io r d o m a rx is m o e d a
ig u a ld a d e lib e r a l.
6. O c o m u n ita ris m o

1. O in d iv id u a lis m o lib e r a l e a n e u tra lid a d e d o E sta d o

C o m e xce çã o d a c orre n te p e rfe c c io n is ta d o m a rxis m o ,


to d a s as te oría s qu e e x a m in a m o s até a q u i c o m p a rtilh a m u m
im p o rta n te pre s s u p o sto . E m b ora d is c o rd e m q u a n to à m a
n e ira d e d e m o n s tra r ig u a l p re o c u p ã ç l’5 p e lo s inte re ss e s das
p e ssoas, elas co n cord a m e m com o c a ra cte riz a r estes in te re s
ses o u , p e lo m e n o s, co n c ord a m em u m a ç a ra c te rís tic a .c e n-
_trál d é s tã c a íá rte riz a ^ q f o d a s a cre d ita m qu e pro m o v e m o s!
os intere ss e s d a s pessoas ao d e ix a r qu e é scõlh ã rn p o r si m e s|
m as qu e tip o de v id a qu e re m c o n d u z ir. E las discord a m qu arvj
to a o p a c o te d e d ire ito s e re curso s q u e m e lh o r c a p a cita as
pe sso a s a p e rs e g u ir suas p ró p ria s conc e pçõ e s d o b e m . C o n
cord a m , to d a via , e m qu e n e g a r às pessoas e sta a u to d e te rm i
n a ç ã o é d e ix a r d e tra tá -la s co m o ig u a is .
A in d a n ã o d is c u ti a im p o rtâ n c ia d a a u to d e te rm in a ç ã o (é
u m a das qu e stõ e s qu e d e ix e i d e la d o n o c a p ítu lo 3 ao a d ia r a
discuss ã o d o p rin c íp io d a lib e rd a d e d e R a w ls). S im p le s m e n-j
te pre ssu p u s q u e te m o s u m a co m pre e n s ã o in tu itiv a d o q u a
sig n ific a te r a u to d e te rm in a ç ã o e de p o r qu e se p e ns a qu e esta
é u m v a lo r im p orta n te . Pre cisa m os, p oré m , e x a m in a r a ques J
tã o m a is d e tid a m e n te , p ois o j c o m u n itá rio s .d e s a fia m m u ito s
dos
Ja a u to d e te m iifla ç ã íJ /E m p a rtic u la r, os c o m u n itá rio s a rg u
m e n ta m qu e os lib e ra is in te rp re ta m e rro n e a m e n te nossa c a-
254 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p a rid a d e d e a u to d e te rm in a ç ã o e n e g lig e n cia m as p re c o n d i-


ções so cia is sob as q u a is e sta c a p a cid a d e p o d e s er e x e rcid a
s ig n ific a tiv a m e n te . E x a m in a re i e sta s d u a s obje çõ e s in d iv i
d u a lm e n te , d e p o is d e e x p or a d e s criç ã o lib e r a l d o v a lo r d a
a u to d e te rm in a ç ã o .
_____ * * - Loyajor
é tã o e v id e n te q u e n ã o e xig e q u a lq u e r d efe s a . P e rm itir qu e
as p essoas te n h a m a u to d e te rm in a ç ã o , d iz e m ele s, é a ú nic a
m a n e ira d e re s p e itá -la s com o seres p le n a m e n te m ora is. N e
g ar a a u to d e te rm in a ç ã o a u m a p e sso a é tra tá -la a nte s com o
u m a cria n ç a o u co m o u m a n im a l d o q u e co m o m e m bro p le
n o da c o m u nid a d e . Isso, p oré m , é p re c ip ita d o d e m a is. Sabe
m os q u e a lg u m a s p essoas n ã o e stã o b e m e q uip a d a s p a ra li
d a r co m as d e cisõ e s d ifíc e is qu e a v id a re q u e r. F ias com e te m
e rro s a re s p e ito d e suas vid a s, e scolh e ndo_cois a sJ ô a ^ d S i .
gra d a nte s e a té m e sm o p re ju d ic ia is iS e d e v e m os m o s tra r in
tere ss e p e la s p e sso a s, p o r q u e n ã o d e v e m o s im p e d i-la s de
c o m e te r ta is e rro s ? . Q u a n d o a s p e sso a s sã o m c a p a z e s d e li-
d a r c o m a v id a d e m o d o efic a z , re sp e ita r ajsu a a u to det e rm i
n a ç ã o p o d e e q u iv a le n n a prá tic a , a a b a n d o n á -la s a u m -dest i-
n o in fe liz . D iz e r qu e d e v e m os re s p e ita r a a u to d e te rm in a ç ã o
das pessoas sob estas circu n stâ n cia s to m a -s e u m a expressão
a nte s d e in d ife re n ç a qu e d e inte re ss e . D w o rk in d iz qu e é " o |j
m a l d e fin itiv o d e u m a d is trib u iç ã o g e n u in a m e n te d e sigu a l,
d e re c urs o s " a lg um a s pessoas " te re m s id o ta p e a d a s n o qu e t]
se re fe re à ch a nc e qu e o u tro s tiv e ra m d e fa z e r a lg o v a lio s o lj
d e suas v id a s " (D w o rk in , 1 9 8 1 :2 1 9). M a s e a qu e le s q u e s ã o |
inc a p a z e s d e fa z e r a lg o v a lio s o d e suas vid a s m e sm o q u a n -'
d o tê m ch a nc e ? N ã o te m o s o brig a çõ e s ta m b é m n e ste caso?
O s lib e ra is , n a tu ra lm e n te , d e ix a m e sp a ço n a sua te o ria
p a ra a tos d e p a te rn a lis m o - p o r e x e m plo , n a s nossa s re la
ções com as cria n ç a s, os d e m e n te s e os in c a p a cita d o s te m
p o ra ria m e n te d e o u tra s m a n e ira s 1. O s lib e ra is , c o n tu d o , in -

1. C erto s a tos de p a t e rn a lis m o qu e e n v o lv e m a d ultos com p e te nte s p o


d e m ser ju stific a d o s q u a n d o somos c o n fro n t a d o s co m casos claros de fra q u e
z a d e vo nta d e . P or e x e m plo , a m a ioria das pe ssoas sabe qu e o g a n ho e m se-
O C 0 M U N IT A R 1S M 0 255

siste m e m qu e .todo, co m p o n e n te a d u lta d e v e .s e rp .rp yid o .d e


urn a e sfera d e a u to d e te rm in a çã o qu e d e v e s e r.re sp eita d a p e -
io s o u tro s . C o m o disse M ill, é d ire ito e p re rro g a tiv a d e cada
pe sso a , a ssim qu e ch e g a à m a tu rid a d e d e seus a nos, in t e r
pre ta r p o r si m e sm a o sig n ific a d o e o v a lo r de suas e x p e riê n
cias. P ara os q u e a d e ntra m o li m ia r d a id a d e e d a c o m p e té n-
cia m e n ta l, o d ir e ito d e te r a u to d e te rm in a ç ã o n a s d e cisõ e s
im p o rta n te s da v id a é in v io lá v e l.
M a s p o r qu e d e v e m os v e r a a u to d e te rm in a ç ã o e m fu n -
„ç |o .d e ta l lim i ar? A lg u m a s 'a á s^ e s s o a s 'q ü e 'é s tá o a lé m d a
" id a d e d a ra z ã o " e q u e p o s s u e m u m a c o m p e tê n cia m e n ta l
a cim a d o m ín im o a cord a d o a in d a fa z e m e scolh a s ru in s so
bre com o c o n d u z ir suas vid a s. S er u m " a d u lto c o m p e te n te " ,
n o s e n tid o de n ã o ser m e n ta lm e n te d e ficie n te , n ã o é g a ra n
tia d e s er b o m n o fa z e r d e su a v id a a lg o v a lio s o . E n tã o , p o r
qu e o g o v e rn o n ã o d e v e d e c id ir q u e tip o d e v id a é m e lh o r
p a ra os seus cid a d ã os?
O p e rfe c cio n is m o m a rxista é u m e x e m plo d e ta l p o lític a ,
p o is p ro íb e as p e sso a s d e a d o ta r u m a e scolh a q u e e le vê
com o ru im - is to é, e scolh er d e dic a r-s e a u m tra b a lh o a lie n a
d o . A rg u m e n te i qu e e sta p o lític a n ã o é a tra e n te , p o is e la se
v a le d e u m a d e scriç ã o d o b e m m u ito re d u z id a . E la id e n tifi
ca nossos b e n s co m u m a ú n ic a a tiv id a d e - o tra b a lh o p ro
d u tiv o - co m b a se n o fu n d a m e n to d e q u e só e la n o s to rn a
d is tin ta m e n te h u m a n o s . C o n tu d o , n e m to d a s as p o lític a s !
p a te rn a lis ta s o u p e rfe c cio n ista s b a s e ia m -s e e m ta l d e scriç ã oj
im p la u s ív e l d a b o a v id a . C o n sid e re u m a p o lític a qu e s u b si-f
dia o te a tro a o m e sm o te m p o e m qu e trib u ta a lu ta p ro fis s io
n a l. O s d e fe n sore s d e ta l p o lític a n ã o pre cis a m d iz e r q u e o
te a tro é o ú n ic o o u m e sm o o m a is im p o rta n te b e m n a vid a .
S im ple sm e n te a firm a m qu e , de sta s du a s opçõ e s, co m o e xis-

gura nç a v a le o e sforço de colo c ar o c in to de s e gura nç a q u a n d o e sta mos no


a utom ó v e l. A in d a assim, m u ita s pe ssoas d e ix a m qu e a in c o n v e niê n cia m o
m e ntâ n e a sup ere su a ra z ã o. A le gisla ç ã o do c in to de s e gura nç a o b rig a tó rio
a ju d a a su p erar esta fra qu e z a d a v o nta d e , d a n d o às pe ssoas u m in c e n tiv o a
m a is p ara qu e fa ç a m a lg o qu e já possu e m ra z ã o suficie nte p a ra fa z er.
256 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

te m n o pre s e n te , o te a tro é m a is v a lio s o . P od e m te r v á rio s


a rg u m e n to s d ife re n te s a fa v or d a a firm a ç ã o . O s e studos p o -i
d e m re v e la r qu e o te a tro é e s tim u la n te , a o p a sso q u e a lu ta ]
p ro d u z fru s tra ç ã o e d o c ilid a d e , o u q u e os fã s d a lu ta m u ita s|
v e z e s v ê m a se a rre p e n d e r d e suas a tivid a d e s p a ssa d a s, a o!
p a sso q u e os fre q ü e n ta d ore s d e te a tro ra ra m e n te a rre p e n j
d e m -s e das suas; o u e n tã o qu e a m a io ria das p essoas q u ^
e x p e rim e n ta ra m a m b a s as form a s d e e n tre te n im e n to p re fe
riu o te a tro . N e sta s circu n stâ n cia s, a a firm a ç ã o d e qu e o te a
tro é e n tre te n im e n to m e lh o r d o qu e as lu ta s te m c erta p la u -
sib ilid a d e . P or qu e , e ntã o , o g o v e rn o n ã o d e v e e n c ora ja r as
pessoas a fre q ü e n ta r o te a tro e p o u p á -la s d e d e s p e rd iç a r
su a s vid a s co m as luta s?
¡ O s lib e ra is v ê e m ta is p o lític a s , n ã o im p o rta q u ã o p la u -
j ¡ível seja a te o ria d o b e m subja c e nte , com o um a re striç ã o ile -
I p tim a da a u to d e te rm in a ç ã o . Se h á pessoas qu e q u e re m p a r-
ic ip a r d a s lu ta s e p e sso a s q u e q u e re m a s s is tir a ela s, e n
tã o , a p o lític a an tilu t a é u m a r e s ¿ i^ ^
liv re m e n to n s c o lh id o d a s pesso a s. C o m o os lib e ra is p o d e m
d e fe n d e r a im p o rtâ n c ia de as pessoas sere m livre s p ara esco
lh e r seu p ró p rio la z er? V is to qu e o a rg u m e n to a fa v or d o p e r
fe c cio n is m o d e p e n d e d o pre ssu p o sto d e q u e as pessoas p o
d e m c o m e te r e rro s q u a n to a o v a lo r d e suas a tiv id a d e s ,jjrD a -.
possív e l lin h a d e d e fe sa é n e g a r qu e as pessoas p ossam e s ta r.,
."erra d a s n o s seus jíp g á m e n to s d o q u e é v a lio s o .m a -vid a f O s
d e fe nsore s d a a u to d e te rm in a ç ã o p o d e ria m a rg u m e n ta r qu e
os ju íz o s d e v a lo r, a o c o n trá rio dos ju íz o s d e fa to , são s im
ple s m e n te as e xpre ssõ e s d e nossa s pre fe rê n cia s e aversõ e s
s u bje tiv a s. E stas e scolh a s são, e m ú ltim a a n á lis e , a rb itrá ria s ,
inc a p a z e s d e ju s tific a tiv a o u crític a ra c io n a l. Todas e sta s es
colh a s são ig u a lm e n te ra c io n a is e. p orta n d o , o E sta d o n ã o
te m n e n h u m a ra z ã o p a ra in t e rf e rir n ela s- M u ito s p e rfe c cio
nista s supus era m qu e este tip o de c e ticism o a re sp e ito dos ju í
zos de v a lo r te m d e s er a p o siç ã o lib e ra l, p o is , se re c o n h e
c e m os a p o s s ib ilid a d e d e as p e sso a s c o m e te re m e rro s, e n
tã o , c e rta m e nte , o g o v e rn o d e ve e n c ora ja r os m o d o s corre to s
de v id a e d e s e n c ora ja r o u p ro ib ir os e rra d o s (U n g e r, 1984:
52, 6 6-7; Jaggar, 1 9 8 3 :1 9 4 , 174; S u lliv a n , 1982: 3 8-4 0).
O C O M U NIT A RIS M O 257

O s lib e ra is , p oré m , n ã o e ndoss a m o c e ticism o . U m a ra


z ã o é qu e o c e ticis m o , d e fa to , n ã o a p ó ia a a u to d e te rm in a
ção. Se as pessoas n ã o p o d e m c o m e te r e rro s n a s suas e sco-
lh a s, e n tão-, o s-gov ern a s ta m p o u c o p o d e m . Se to d a s as m a
n e ira s d e v id a são ig u a lm e n te v a lios a s, e ntã o , n in g u é m p o d e
re cla m a r q u a n d o o g o v e rn o e scolh e u m m o d o d e v id a e sp e
cífico p ara a co m u nid a d e . P orta n to , o c e ticism o d e ix a a q u e s
tã o p o r s o lu cio n a r.
C o m o os lib e ra is d e fe n d e m a im p o rtâ n c ia d a a u to d e
te rm in a ç ã o ?f Pre cisa m os e x a m in a r m a is d e ta lh a d a m e nte esta
id é ia . A a u to d e te rm in a ç ã o e n v o lv e d e c id ir o q u e fa z e r com
.nossas vidas-. C o m o to m a m o s ta is d e cisõ e s? N q n ív e l m a is
.g e ra l, n o sso o b je tiv o é te r u m a b o a v id a , t e r as cois a s q u e
u m a b o a v id a c o n té m . C olo c a d a n u m n ív e l a ssim g e ra i, a
a firm a ç ã o n ã o p are c e o fe re c e r m u iía in form a ç ã o . C o n tu d o ,
te m c o n s e q ü ê n cia s im p o rta n te s . P ois, c o m o v im o s n o c a
p ítu lo 2 , te r u m a b o a v id a é d ife re n te d e te r a v id a q u e n o
pre s e nte a cre dita m o s ser b o a (cap. 2, seção 2c a cim a ). Reco-fa
n h e c e m o s q u e p o d e m o s e sta r e rra d o s q u a n to a o v a lo r d a s*
nossas pre s e nte s a tivid a d e s . P od e m os v ir a p e rc e b e r qu e e s -f
tiv e m o s d e s p e rd iç a n d o nossa s vid a s , p e rs e g u in d o o b je tiv o s
triv ia is q u e h a vía m o s e rro n e a m e n te c o n sid e ra d o d e gra n d e
im p o rtâ n c ia . Tfofp á ftm a le õ a l dos gra nd e s rom a n c e s - a cr i-
.s e d a fé . P oré m , ^s u p o s iç ã o d e q u e isso p o d e ria a co nte c e r a
to d o s nós, e n ã o a p e n a s a T ie ro ín a trá g ic a , é n e c e ss ária p a ra
qu e sé e nte n H ã á m a rte íra c o m o d e lib era m o s a re s p e ito d e .
d e cisõ e s im p o rta n te s d a noss a v id a /D e lib e ra m o s c uicfa d o-
“liã m ê r^ ^ qu e pod e re m o s to m a r d e cisõ e s e r
ra d a s. E n ã o a p e n a s n o s e n tid o d e pre v e r e rro n e a m e n te o u
d e c a lc u la r in c e rte z a s. P ois d e lib e ra m o s m e sm o q u a n d o sa
b e m o s o qu e v a i a c o n te c e r e p o d e m o s n o s a rre p e n d e r de
nossa s d e cisõ e s m e sm o q u a n d o as cois a s sa em com o p la n e
ja m o s . Posso te r sucesso e m m e to rn a r o m e lh o r jo g a d o r d e
pushpin d o m u n d o , m a s p e rc e b e r qu e pre g a r p erc e v e jos n ã o
é tã o im p o rta n te q u a n to po e sia e a rre p e n d e r-m e d e te r e m
b a rc a d o n e ste p ro je to .
A d e lib e ra ç ã o , e n tã o , n ã o a ssum e a p e n a s a fo rm a d e
p e rg u n ta r q u a l curso d e ação m a x im iz a u m v a lo r e sp e cífico
258 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

qu e é s u ste nta d o sem q u e s tio n a m e n to . T a m b é m q u e s tio n a


m os, e n o s pre o cu p a m o s co m isso, se o v a lo r re a lm e n te v ale
a p e n a ser b u sc a do . C o m o d iz R a w ls:

T 'o m o pessoas livre s , os cid a d ã os reconh ece m =&e-mu


tu a m e nte com o possuidore s do p o d e r m ora l de te r um a co n
cepção do b prry Isso sig nific a que eles n ã o se vê em com o in e -
vitàvé Tm ente lig a do s à busca da concepção e specífica de bem
e de seus o b je tiv o s fin a is qu e a bra ç a m e m q u a lq u e r te m p o
d a do. E m ve z disso, com o cid a d ã os,^¿ crim xisid e ra d os,_e ni
5o com.
^b a s e e m iu nd a m e nto s ra zoáveis e ra cion a is. A ssim , é consid e
ra do p erm issív e l os cidadãos separarem-se das concepções de
b e m e fa z ere m o le v a n ta m e n to e a a v a lia ç ã o d e seus v á rio s
o bje tivo s fin a is (R a wls, 1980: 544).

P od e m os " n o s s e p a ra r" d e nossos pre s e n te s o b je tiv o s!


e q u e s tio n a r o v a lo r q u e ele s tê m p a ra nós. A pre o cu p a ç ã cf
co m a q u a l fa z e m o s e stes ju lg a m e n to s , e m c e rto s m o m e n
tos d e nossa vid a , só fa z s e n tid o com base n o pre ssu p o sto de
qu e nosso intere ss e e sse ncial está e m v iv e r um a b.P a .vid a , n ã o
a v id a qu e a tu a lm e n te a cre dita m o s s e r b o a /N ã o a p e n a s fa
z e m os ta is ju lg a m e n to s , m a s n o s pre o c u p a m o s e, às ve z es,
n o s a n g u stia m o s p o r causa d e le s - é. im p o rta n te p a ra nós
qu e m ã o co n d u z a m o s noss as v id as co m ba se e m fa ls as cre n
ças a re sp e ito d o v a lor de- nossas a tivid a d e s (R az, 1986; 3 0 0-2).
A id é ia d e q u e a lg u m a s cois a s re a lm e n te v a le m a p e n a
s er fe ita s e o u tra s n ã o v a i m u ito fu n d o e m noss a a u to c o m -
pre e ns ã o . C o n sid e ra m o s s e ria m e n te a <
.d a d e s-v alie s a s e- triv ia is * m e sm o qu e n e m s e m pre t e n h a m o s
c e rte z a .d e q u a is cois a s são o qu ê . A a u to d e te rm in a ç ã o , em
gra n d e p a rte , é a ta re fa d e fa z e r estes ju lg a m e n to s d ifíc e is e
p o te n c ia lm e n te fa lív e is , e noss a te o ria p o lític a d e ve le v a r em
c o n ta esta d ific u ld a d e e e sta fa lib ilid a d e .
D e v e m o s, p o rta n to , ser p e rfe c cio n is ta s , a p o ia n d o p o lí
tic a s e sta ta is q u e d e s e n c ora je m a tiv id a d e s triv ia is às q u a is
as p e sso a s e ste ja m e rro n e a m e n te a p e g a d a s? N ã o n e c e ss a
ria m e n te . Para com e ç ar, n in g u é m p o d e e star e m m e lh o r p o -
o C O MU N T T A RISM O 259

siç ã o d o q u e e u p a ra co n h e c e r o m e u p ró p rio b e m . M e sm o
qu e n e m s e m pre e u e ste ia c e rto , á m a is p ro v á v e l qu e eu e s
te ia c e rto d o q u e q u a lq u e r o u tra p e sso a. M ill d e fe n d ia um a
v ers ã o d e ste a rg u m e n to a o a firm a r qu e ca d a pe sso a c o n ti
n h a u m a p e rs o n a lid a d e ú n ic a c ujo b e m era d ife re n te d o b e m
d e q u a lq u e r o u tra . A e x p e riê n cia dos o u tro s , p o rta n to , n ã o
forn e c e n e n h u m fu n d a m e n to p ara s o bre p u ja r o m e u ju lg a
m e nto., Isso é o .o p o sto d o p e rfe c cio n ism o m a rxista - o n d e os
m a rxista s d iz e m q u e o b e m d e ca d a p e sso a en c o n tra -s e n a
c a p a cid a d e qu e . cla c o m p a rtilh a com to d o s os o u tro s h u m a
nos, M ill d iz qu e se e n c o n tra e m algo. q u e .fila .n ã o c o jn p a rti-
lh a com m a is n in g u é m . ,£ o m c erte z a , p oré m , a m bos os e x
tre m o s e stã o e rra d o s. N o sso b e m n ã o é n e m u n iv e rs a l n e m
ú n ic o , m a s e stá lig a d o d e m a n e ira s im p o rta n te s às prá tic a s
c u ltu ra is q u e c o m p a rtilh a m o s co m os o u tro s e m noss a c o -
m u n id a d e . C o m p a rtilh a m o s co m os o u tro s a o n o s so re d o r o
s u ficie n tg p a ra qu e u m g o v e rn o p e rfe c cio nista b e m -in te n c io
n a d o pud e ss e , v a le n d o-s e d a s a b e d oria e d a .e xp.e riê nd a .dos
o u tro s , ch e g a r a u m c o n ju n to ra z o á v e l d e cre nç a s a resp.ei.tP
d o b e m d e seus cid a d ã o s. N a tu ra lm e n te , p o d e ría m o s d u v i
d a r q u e os g o v e rn o s te n h a m as in te n ç õ e s o u as c a p a cid a
des corre ta s p a ra e x e cuta r ta l pro gra m a . E m p rin c íp io , p o
ré m , n a d a e x clu i a p o s sib ilid a d e d e q u e os g o v e rn o s poss a m
id e n tific a r e rro s n a s conc e pçõ e s d e b e m d a s pessoas.
P or qu e , e ntã o , os lib e ra is se o p õ e m a o p a te rn a lis m o es
ta ta l? P orqu e , a rg u m e n ta m eles, n e n h u m a v id a será m e lh o r^
p o r s er v iv id a e x te rio rm e n te ,, s e g u n d a ^ a lore sjq u e ^ a jp e s s o a ''
n ã o e n d o s s a :'M in h a v id a só será m e lh o r se e u a e s tiv e r c o n
d u z in d o in te rio rm e n te , s e g u n d o m in h a s cre nç a s a re s p e ito
d e v a lo r. R e z ar a D e u s p o d e s e r u m a a tiv id a d e v a lio s a , m a s
te n h o d e cre r q u e é u m a cois a qu e v a le a p e n a ser fe ita - qu e
te m a lg u m s e n tid o qu e v a lh a a p e n a . P od em os co a gir a lgu é m ji
a ir à ig re ja e fa z e r os m o v im e n to s físic o s c orre to s , m a s n ã o l
to m a re m o s su a v id a m e lh o r d e ste je ito . N ã o v a i fu n cio n a r,^
m e sm o qu e a p e sso a co a gid a e steja e rra d a e m su a cre nç a de
qu e re z a r a D e u s é p e rd a d e te m p o , p orq u e um a vid a v a lio s a ,
260 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

^ e » u i e ^ £ pr\d u z id a ^p _m te 4 o i? /U m a p o lític a p e rfe c cio n is


ta qu e v io la e sta " lim ita ç ã o d o e n d o s s o " te n ta n d o e v ita r o u
ig n o ra r as cre nç a s d a s pessoas a re s p e ito d e v a lore s d e rro ta
a si m e sm a (D w o rk in , 1 9 8 9:4 8 6-7). Pode te r sucesso e m c o n
s e g u ir q u e as p e sso a s b u sq u e m a tivid a d e s v a lio s a s , m a s fa z
isso sob co n diçõ e s e m qu e as a tivid a d e s d e ix a m d e te r v a lo r
.. p a ra os in d iv íd u o s e n v o lvid o s . Se n ã o v e jo o s e n tid o d e u m a
a tiv id a d e , n ã o g a n h a re i n a d a com e la . P orta n to , o p a te rn a
lis m o cria o p ró p rio tip o d e a tiv id a d e s e m o b je tiv o q u e fo i
p ro je ta d o p a ra im p e d ir.
P orta n to , te m os du a s pre co n diçõ e s p a ra a concre tiz a ç ã o
de nosso in te re s s e e ss e ncia l d e c o n d u z ir u m a v id a q u e seja
bo a . Lím a d q u e co n d u z a m o s noss a v id a d o in te rio r, e m c o n-
fo rm id a d e co m noss a s cre nç a s a re s p e ito d o q u e d á v a lo r à
vid a ; a o u tra é qu e s eja m os livre s p ara q u e s tio n a r estas ere n-
ças, p a ra e x a m in á -la s à lu z d e q u a isq u e r inform a çõ e s, e x e m
plo s e a rg u m e n to s qu e noss a c u ltu ra possa n o s p ro p o rc io
n a n A s pessoas, p o rta n to , d e v e m te r os re cursos e lib e rd a d e s! 2

2. O caso do c u lto re lig io s o forç a d o fo i u m e x e m plo f a v o rito dos lib era is,
de L o ck e a R a wls. N ã o está cla ro qu e o c u lto r e lig io s o poss a ser g e n era liz a do
de sta m a n e ir a , j á qu e h á u m r e q u is ito e pistê m ic o p ara a pre ce qu e n e m s e mpre
está pre s e nte e m o u tro s casos. C o ntu do , a cre dito qu e a " co a ç ã o ao e ndosso " é
a plic á v e l à m a ioria das form a s v a lios a s e im p ort a n t e s d a a tivid a d e h u m a n a
( D w o rk in , 198 9:4 84-7; Ra z, 1986:291-3, m as cf. D a nie ls , 1975:266). A lg u n s l i
b era is a rg u m e n ta m qu e a coaç ão ao e ndosso fa z co m qu e o p e rfe ccio nis m o
n e c e ss aria m e nte d e rro t e a si m e sm o. P ois, m e sm o qu e o E sta do possa e n co
ra ja r o u o brig a r as pe ssoas a busc ar os m o d o s d e v id a m a is v a lorosos, ele n ã o
p o d e forç a r as pe ssoas a busc á -los p e la s ra z ões correta s. A lg u é m qu e m ud e
seu e stilo de v id a p ara e v it a r a p u n iç ã o do E sta do o u p a ra con s e guir subsídios
e statais n ã o é g uia d o p o r u m a com pre e ns ã o d o v a lo r g e n u ín o d a nov a a tiv i
d a d e (W a ldro n , 1 9 8 9:1 1 4 5-6; L o m a sky, 1987: 253-4). Jlsta é u m a id é i a v á lid a
^contra form a s co erciv a s e m a n ip u la d ora s d e p e rf e c c io n is m q J Ç ã a e xclui, j j o ;
-ré m , a int e rv e n ç ã o e sta tal de curto pra z o d e stin a d a a a pre sentar, .à s pe ssoas
m o d o s d e v id a v a liosos. U m a m a n e ira d e con s e guir qu e as pe ssoas b u sq u e m
a lgo p ela s ra z õ e s corre ta s é fa z er co m qu e o b u sq u e m p e la s ra z ões in corre ta s
e t e r esp era nça d e qu e p erc e b a m o seu v e rd a d e iro v a lor. Isso n ã o é in e re n t e
m e n t e in a c e itá v e l e ocorre co m b a sta nte fre q ü ê n cia n o m erc a do c u ltura l. P o r
ta n to, o a rg u m e n to d a coaç ão ao endosso, p o r si, n ã o p o d e e xcluir tod a s as
form a s de p e rf e c cio nis m o e statal.
O C O M U N IT A RIS M O 261

n e c e ss ários p a ra le v a r suas vid a s d e a cord o co m suas cre n


ças a re s p e ito d e v a lo r, sem s ere m ^ n ã I í z ã 3 a ^ > o r prá tic a s
re lig io s a s o u s e xu ais h e te ro d o x a s e tc T D iT a pre ocu p a ç ã o l i
b e ra l tra d ic io n a l com as lib e rd a d e s c iv is e p e sso a is J E p s in
d iv íd u o s d e v e m te r a s -c o o d ic o e s e u llu ra is n e c e ss ária s pum
i & f f ir ir u m a c o n ^ ê n d a .d a s iiife x e n .te s jid s õ e s a re s p e ito da
b o a vid a e a d q u irir u m a ca p a cid a d e de e x a m in a r estas visõ e s
com in te lig ê n c ia ..D a í a pre o cu p a ç ã o lib e ra l tr a d ic io n a l com
a e duca çã o, a lib e rd a d e d e expressão, a lib e rd a d e d a im p re n
sa, a lib e rd a d e a rtís tic a etc. E sta s lib e rd a d e s c a p a cita m -n o s
a ju lg a r o qu e é v a lio s o n a v id a d a ú n ic a m a n e ira qu e p o d e
m os ju lg a r ta is coisa s - is to é, e x p lora n d o d ife re n te s a sp e c
tos d e noss a h e ra n ç a c u ltu ra l c o m p a rtilh a d a .
E sta d e scriç ã o d o v a lo r da a u to d e te rm in a ç ã o fo rm a a
ba se d o p rin c íp io d e lib e rd a d e d e R a w ls. S e g u n d o e le , a li-J
b erd a d e d e e scolh a é n e c e ss ária ju sta m e n te p ara qu e e n c o n-f
tre m o s o q u e é v a lio s o n a v id a - fo rm a r, e x a m in a r e re v e *
nossas cre nç a s sobre v a lo r3. A lib e rd a d e a ju d a -n o s a c o n h e l
c e r o nosso b e m , a "ra s te a r a c o n d iç ã o d e m e lh o r" , n a e x
pressão d e N o z ic k (N o z ic k , 1 9 8 1:3 1 4 ,4 1 0-1 ,4 3 6-4 0 ,4 9 8-5 0 4 ;
cf. D w o rk in , 1983: 2 4 -3 0 )/C o m o te m o s u m inte re ss e e ss e n
c ia l e m c o n s e g u ir e stas cre nç a s c erta s e e m a tu a r c o m base
n e la s, o g o v e rn o tra ta as p e sso a s c o m ig u a l in te re s s e e re s-
p e ito p ro p o rc io n a n d o a cad a p e sso a as lib e rd a d e s e re cursos
n e c e ss ários-p ara e x a m in a r e ü tu a r c o m ba se n e sta s.cre nç a s.
R a w ls a rg u m e n ta qu e e sta d e scriç ã o d a a u to d e te rm in a
ção d e v e n o s le v a r a e n d o ss a r u m " E s ta d o n e u tro " - is to é,
u m E sta d o q u e n ã o ju s tific a suas ações c o m b ase n a s u p e -

3. A im p ort â n c ia d a p o ssib ilid a d e d e re vis ã o de nossos fin s d e s e m p e


n h o u u m p a p e l m u t á v e l n a te oria d e R a wls. E m seus a rtig o s m a is rec ente s,
R¿2 xls_g u a lific o u ip a ^ v á s ã o j a n g ^ ^ d iz qu e .d e v ería m os a c e it a r -esta
vis ã o p ara fin s d e d e term in a ç ã o de nossos d ir e ito s e re spons a bilid a d e s p ú b li
cos, s e m ljè c è s s a ria m e n t e a c e it á-la co m o u m re tr a to pre cis o de nossa. a u to-
çom pre e ns ã o priv a d a (R awls, 1980:545; 198 5:2 4 0-4; cf. B uch a n a n, 1 982:138-
44). Ir e i m e co n c e ntra r n a a pre s e nta ç ã o o rig in a l d e R a wls, e m p a rte p orq u e é
a qu e m a is obte v e re sposta dos c o m u n it á rio s e e m p a rte p orq u e a cre dito que;
sua vis ã o m a is re c e nte n ã o é b e m suc e did a (K y m lic k a , 1989a: 58-61).
262 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

rio rid a d e o u in fe rio rid a d e in trín s e c a d e conc e pçõ e s d a bo a


v id a e qu e n ã o te n ta d e lib e ra d a m e n te in flu e n c ia r os ju íz o s
d e v a lo r d a s pe sso a s sobre e stas d ife re n te s conc e pçõ e s4/ E le
c o n tra sta isso com as te oria s p e rfe c cio n ista s , qu e in c lú e m
u m a vis ã o e sp e cífic a , o u le q u e d e visõ e s, q u a n to a q u a is são
os a trib u to s q u e m a is v a le m a p e n a s er d e s e n v o lvid o s . O s
p e rfe c c io n is ta s e xig e m q u e os re c urs o s s e ja m d is trib u íd o s
d e m a n e ira q u e e n cora je e ste d e s e n v o lv im e n to . O qu e um a
p e sso a cons e gu e d e p e n d e d e q u a n to e la pre cis a p a ra b u s
c ar e sta vis ã o p re fe rid a d a b o a v id a o u d e q u a n to e la c o n tri-

4. P ara outra s form ula çõ e s im p ort a n t e s d a n e u tra lid a d e lib e ra l, v e r A c


k e rm a n (1980:11, 61); L a rm o re (1987: 44-7); D w o rk in (1978:127; 1985: 222).
O 'Ñ e u tr a lid a a i/j a o d e n ã o s.er a. m e lh o r p a la vra p a ra d e s cre w r. a .p o lític a _ e m
-tq u e s lâ £ k . O ftró p rio R a wls e vito u o t e rm o p o r causa d e seus signific a dos m ú l
tip lo s e fre q ü e n t e m e n t e e ng anosos. A n e u tra lid a d e n o uso c o tid ia n o re fere-s e
m u it a s ve z e s a nte s às cons e qü ê ncia s das ações q u e às ju s tific a tiv a s p a ra elas
(R a wls, 1 9 8 8:2 6 0 ,2 6 5; cf. Ra z, 1986: cap. 5). U m a p o lític a " n e u tr a " , n e ste sen-t
tid o cotid ia n o , s eria u m a qu e assegurasse qu e tod a s as concepções d o b e m t i
v e ss e m curso ig u a lm e n t e b o m n a socie dade , n ã o im p o rt a qu ã o disp e ndios a s !
e p o u co a tra e nte s foss e m. A lg u n s críticos consid e ra ra m qu e R a wls d e fe nd e a
n e u tra lid a d e n e ste s e n tid o c o tid ia n o (por e x e m plo , R a z, 1986:117). C o n tu d o , *
este tip o d e n e u tra lid a d e é ln t e ir a m e rttg não lib e r a l iá qu e r e s trin g iria a lib e r-
d ade de e scolh a e v io l a r i a p j£ q u is it o j| e qu e as pessoas a c e it e m a re sp o n s a bi
lid a d e p e los custos de suas escolhas:' Q u a lq ü ê í Sôcíédade qu e p e rm it a qu e
m o d o s d e v id a dif e re n t e s e n tre m e m c o m p e tiç ã o p e la livr e fid e lid a d e das
pe sso as e qu e e xija qu e as pe ssoas p a g u e m p e lo s custos d e suas escolh a s co
loc ará e m s éria d e sv a nta g e m m o d o s de v id a dis p e n dioso s e s e m a tra tivos.
O s lib e ra is a c e ita m e, n a v e rd a d e , v a lo ri z a m estas cons e qü ê ncia s d e sigu ais
fi a s lib e rd a d e s civis e da re s p o n s a bilid a d e in d iv id u a l. P ort a n to , a n e u tr a lid a -
fp e lib e r a l - isto é, a e xig ê ncia de qu e o E sta do lib e ra l n ã o hie ra rq uiz e o v a lor de
S n o d o s de v id a d if e re nt e s - é dif e re n t e e, n a v erd a d e , opõ e-s e à n e u tra lid a d e
'jh o s e ntid o c o tid ia n o (cf. K y m lic k a , 1989b: 883-6). P ara e vit a r esta po ssív e l j n -
terpre ta ç ã o erra d a , R a wls u so u o t e rm o rtirio rid a d e d o d ir e ito a nte o b e m *
M a s isso ta m b é m possui s ig n jfc a d g A J B Ú ltip lo s ^ ê ^ ã n o s p g tJ á p i116 é u s a dp
/ p 6 rJ í a tfis p M a fie s a e v e tt e j[il Q _ a a fin n a ç ã o da n e utra lid a d e a nte o p e rf e c d o n is-
r n a q u a n t o A a firm a ç ã a d a . d fim t o L Q ^ a i2 u ã S E Q l9 S â . Estas qu e stõ e s pre c i
sa m s er m a n tid a s d istin t a s e n e n h u m a delas, vista p o r si só, é ch a m a d a , com
pro v e ito , u m a qu e stã o d a " p rio rid a d e d o d ir e ito " , .V er. K v m lick a (1988b: 173-
90) p a ra u m a crític a de R a wls ao uso de ^ priorid a d e do d ir êrtcff. D a d a a a u
sê ncia de q u a lq u e r possib ilid a d e e vid e n te m e n t e s up e rior, c o n tin u a re i a us ar o
t e rm o " n e u tr a lid a d e " .
o COMUNITARISMO 263

buí para essa visã o. A s pessoas, p orta n to , n ão são livre s para


e scolh er sua pró pria concepção de boa vid a e o E stado te m
a re sp o n s a bilid a d e de e n sin a r seus cid a d ã os a re sp e ito de
um a vid a virtu o s a . E le a b a ndon a esta re spons a bilid a d e aos
seus cidadãos se custeia, ou m esmo, talv e z , se tolera , pla nos
de vid a com visõ e s m a l conce bid as a re sp e ito da excelência
hum an a .
Para R awls, p or o u tro la do, nossos interesses essenciais
s ã o pre judic a dos p or te nta tiv a s de im p o r às pessoas um a v i-
^ Q £ s p e ç ffic a ji£ M a M a.>Ê lé dá pre fe rê n cia à d is trib u iç ão
dos bens prim á rio s, base ado em u m a -te o ria rasa do h è riri',
que possa ser usada para pro m o v e r,m uito s m odos de v jçia
dife re n te s (cf. cap. 3, seção 3, a cim a). Se só te m os acesso a
re cursos que são ú te is p ara u m p la n o de vid a , e ntã o, sere
mos incapa z es de a gir com base em nossas crenças a re sp e i
to de v a lor se vierm os a crer que um a concepção pre ferid a de
boa vid a é errône a. (O u, de qu a lqu er m a n eira , seremos in c a
pazes de fa z ê -lo sem sofre r a lgum a p e n a lid a d e q u a nto aos
ben efícios sociais.) C om o a vid a te m de ser condu zid a do in
terior, o interesse essencial de um a pessoa em le var um a vid a
que seja boa n ão é pro m o vid o qu a ndo a sociedade p e n a liz a
ou dis crim in a os proje to s que, ao re fle tir, ela sente serem os
m ais v a liosos p ara si. D is trib u ir recursos se gundo um a " te o
ria rasa do b e m ", ou o que D w o rk in d e n om in a "re cursos no
s e ntid o m ais a m p lo ", capacita as pessoas da m e lh or m a n e i
ra p ara a tu ar com base em suas crenças e e xa m in á-la s qu a n
to ao v a lor, e esta é a m a n e ira m ais ade qua d a de prom o v e i
o intere sse essencial das pessoas em te r um a boa vid a .

2 0 c o m u n ita ris m o e o b e m c o m u m H

O s co m u nita rista s o põ e m -s e ao E sta do n e utro .^A cre-


dita m que ele deve ser abandonado p or um a " p o lític a do b e m
If l P fr J f c Z t ta y ió r. 1986)- E ste contra ste'
e ntre a " p o lític a da n e u tra lid a d e " e a " p o lític a do b e m c o
m u m " do c o m u nita rism o pod e ser enganoso. H á u m "b e m
264 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

c o m u m " pre s e n te ta m b é m n a p o lític a lib e ra l, já qu e as p o


lític a s de u m E sta d o lib e ra l a lm e ja m p ro m o v e r os in te re s
ses d o s m e m bro s d a c o m u n id a d e . O s pro c e sso s p o lític o s
e e c o n ó m ic o s p e lo s q u a is as pre fe re n c ia s in d iv id u a is são
c o m bin a d a s e m u m a fu n ç ã o d e e scolh a s o cia l são m o d o s l i
b era is d e d e te rm in a r o b e m co m u m . A firm a r a a e u tra M a d e .,
d o E sta do, p o rta n to , n ã o é re je ita r a id é ia d e um b e m com um ,
m a s, a nte s, p ro v e r u m a in te rp re ta ç ã o d e la (H o lm e s , 1989:
2 3 9-4 0). E m u m a socie d a d e lib e ra l, o b e m co m u m é o r e s u ll
ta do d e u m proc e sso de c o m b in a r pre ferê ncia s, tod a s as q u a il
são co n sid e ra d a s ig u a lm e n te (se c o m p a tív e is com os p rin c íf
p io s d e ju s tiç a ). Tod a s as pre fe rê n cia s tê m p e s o i g u a l, "n ã dl
n o s e n tid o d e qu e h á u m a m e d id a p ú b lic a a cord a d a d e v a -
lo r o u s a tisfa ç ã o in trín s e c a e m re la ç ã o à qu a l tod a s estas
conc e pçõ e s re s u lte m ig u a is , m a s n o s e n tid o d e q u e a b s o lu
ta m e n te n ã o são a v alia d a s a p a rtir d e u m p o n to d e v is ta [p ú
b lic o ]" (R a w ls, 1982 b: 172). C o m o v im o s , e sta in s is tê n c ia
a n tip e rfe c c io n is ta n a n e u tra lid a d e d o E sta d o re fle te a cre n
ça d e q u e \p in tg x £ s s e .d â s ^
é p ro m o v id o q u a n d o a so cie d a d e d is crim in a os p ro je to s qu e
ê T á á ã cfê díta m ser m a is v a lio s o s p a ra sy P orta ntQ ,ja b e m ca-_
jm u m .e m -u m a -s o cie d a d e -lib e ra l..á .a ju sta d o .p a ia s e ,e n c a ix a r
n o p a drã o d e pre fe rê n cia s e conce pçõ e s d e b e m .su ste nta clo s
p e lo s in d iv íd u o s .
E m u m a socie d a d e c o m u n itá ria , p oré m , o b e m co m u m
é c o n c e b id o c o m o u m a conc e pç ã o s u b s ta n tiv a d a b o a v id a
q u e d e fin e o " m o d o d e v id a " d a c o m u n id a d e . E ste b e m co
m u m , e m v e z d e a ju sta r-s e a o p a drã o d a s pre fe rê n cia s das
p e sso a s, pro v ê u m p a drã o p e lo q u a l e sta s pre fe rê n cia s são
a v alia d a s. O m o d o d e v id a d a c o m u nid a d e fo rm a a base p ara
u m a h ie ra rq u iz a ç ã o p ú b lic a d e conc e pçõ e s d o b e m e o p e so
d a d o às p re fe rê n c ia s d e u m in d iv íd u o d e p e n d e d o q u a n to
ele se c o n form a co m o b e m c o m u m o u e m q u e m e d id a c o n
trib u i p a ra e s te ..A busc a p ú b lic a d o s o b je tiv o s c o m p a rti-
lh a d o s q u e d e fin e m o m o d o d e v id a d a c o m u n id a d e n ã o é.
p o rta n fò ) d e n e u tra lid a d ® 'E la te m
pre c e d ê n cia sobre o d ir e ito dos in d iv íd u o s aos re curso s e li-
o C 0M U N 1T A R IS M 0 265

b erd a d e s n e c e ss ários p a ra qu e b u sq u e m suas p ró p ria s c o n


cepções d o b e m . U m E sta do c o m u n itá rio p o d e e d e v e e n c o-
ra ja r as pessoas a a d o ta r concepçõfí.s .de .h em qu e se a ju ste m
j. o m o d o-d e v id a d a c o m u n id a d e , a o m e sm o te m p o e m qu e
iie s e n e o ra ia is n e e p s fífis . d o b e m q u e e n tre m e m c o n flito com
aquela s. U m E sta do c o m u n itá rio , p o rta n to , é u m E sta do p e r
fe c cio n is ta , já q u e e n v o lv e u m a h ie ra rq u iz a ç ã o p ú b lic a d o
v a lo r de d ife re n te s m o d o s d e v id a . C o n tu d o , ao passo qu e o

do um a d e scriç ã o tra n s -h is tó ric a d o b e m h u m a n o , o .c o m n-


n ita ris m o os h ie ra rq u iz a s e g u n d o su a c o n fo rm id a d e com
a s.prá tic a s e xiste nte s.
Por qu e d e v e m os p re fe rir e sta " p o lític a d o b e m c o m u m "
à n e u tra lid a d e lib e ra l? Jps lib e ra is d iz e m qu e a n e u tra lid a d e
do E sta do é e x ig id a p a ra qu e seja re s p e ita d a a a u to d e te rm i
nação das pessoas. O s ç o m u n ita rista s , p oré m , o p õ e m -s e ta n
to à id é ia lib e r a l d e a u to d e te rm in a ç ã o q u a n to à s u p .o s ta .li-
gacão e n tre a uto d e te rm in a ç ã o e n e u tra lid a d e / C o n sid e ra re i
estas du a s obje çõ e s in d iv id u a lm e n te .

3. 0 e u d e s o n e ra d o

N a vis ã o lib e ra l d o e u, os in d iv íd u o s são c o n sid e ra d o s


liv re s p a ra q u e s tio n a r su a p a rtic ip a ç ã o n a s p rá tic a s so cia is
e xiste nte s e o p ta r p o r s a ir d e la s se lh e s p a re c e r q u e n ã o v a
le m m a is a p e n a . C o m o re s u lta d o , o s in d iv íd u o s n ã o são d e -
.fin id o s p e la su a c o n d iç ã o d e m e m bro s d e q u alq u e r r ela ç ã o
e conôm ic a , rè E giosa , s e xu al o u re cre a tiv a e sp e cial, já qu e são
livre s”p S fã " q u e s íiõrià r e re je ita r q u a lqu e r re la ç ã o e sp e cífic a .
R a w ls re sum e e sta vis ã o lib e ra l d iz e n d o qu e o-isu e a n te n c
(R a w ls, 1971: 560), c o m }
o q u e p re te n d e d iz e r qu e s e m pre p o d e m o s s a ir d e q u a lq u e r
p ro je to e sp e cífico e q u e s tio n a r se q u e re m o s c o n tin u a r a e m
pre e n d ê -lo . N e n h u m fim está is e n to d e u m a p o ssív e l re vis ã o
p e lo e u. E sta é m u ita s v e z e s ch a m a d a a vis ã o " k a n tia n a " d a t
e u, p o is K a n t fo i u m dos m a is vig oro s o s d e fe n sore s d a vis ã cf
266 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d e qu e o e u é a n te rio r aos seus p a p é is e re la çõ e s so cia lm e n-|


te d a dos e d e q u e é liv re a p e n a s se fo r ca p a z d e d is ta n c ia r-s á
destas c ara cterístic a s d e su a situ a ç ã o socia l e ju lg á -la s s e g ú nI
d o os d ita m e s d a ra z ã o (T a ylor, 1979: 7 5 -8 ,1 3 2 -3 ).
O c o m u n ita ris m o a cre dita q u e e sta é u m a vis ã o fa ls a do
eu. E la ig n ora o fa to d e qu e o e u está " in s e rid o " o u '^situ a d o "
n a s p râ trc a s s o rra ís e xiste nte s,, q u e n e m s e m pre p o d e m o s
re c u a r e o p ta r p o r s a ir d e la s/ N ossos p a p é is e rela çõ e s sociais
o u , p e lo m e nos, a lg u n s d éle s, d e v e m s er co n sid e ra d o s com o
d a dos p a ra fin s d e d e lib e ra ç ã o p e sso a l. C o m o d iz M a c ln ty -
re , ag. d e c id ir-c o m o c o n d u z ir nossa s vid a s , " to d o s d e v e m os

u m a id e n tid a d e s o cia l e s p e c ífic a .!...] P orta n to , o qu e é b e n^j


p a ra m im te m d e s er o b e m p a ra u m a pe sso a q u e h a b ite es-j
te s p a p é is " (M a cIn tyre , 1981: 2 0 4-5). A a u to d e te rm in a ç ã d j
p o rta n to , é e x e rcid a a nte s d e n tro d e ste s p a p é is socia is d ò
qu e fo ra d e le s. E , p o rta n to , g_E sta do re s p e ita nossa a u to d e -
te rm in a çã o n ã o a o n o s c a p a c ita rp ã râ T ã ir d e liõ s s o s p a p é is

m a is p ro fu n d a d e ste s, c o m o a p o lític a d o b e m c o m u m b u s-

Õ s c o m u nita rista s tê m v á rio s arg um e nto s dife re nte s co n


tra a d e scriç ã o lib e ra l d o e u e d e seus fin s . C o n sid e ra re i trê s,
qu e p o d e m s er re s u m id o s d e sta m a n e ira : a vis ã o lib e ra l d o
e u (1) é v a z ia , (2) v io la noss a p e rc e p ç ã o d o e u e (3) ig n o ra
noss a in s e rç ã o n a s prá tic a s c o m u n a is 5.

5. H á a in d a o u tra obje ç ã o qu e m ere c e m e nç ã o, re fe re n te à n e c e ssid ad e


d e co n firm a ç ã o socia l de nossos ju lg a m e n to s in d iv id u a is . S e gundo a lguns
c o m u n it á rio s , e m b ora possa s er im p o rt a n t e qu e os in d iv íd u o s e ndoss e m i n
t e riorm e n t e o v a lo r d e suas a tivid a d e s, é ig u a lm e n t e im p ort a n t e , se n ã o m ais,
q u e o utra s pessoas c o n firm e m este ju lg a m e n to d o e xt e rior. S e m confirmação?;,
e xterior, p e rd e m o s nosso senso de a u to-re s p e ito , nossa c onfia nç a n o v a lo r d e |
nossos ju lg a m e n to s . U m E sta do c o m u n it á rio , p o rt a n to , lim it a ri a a re striç ã o!
d o " e n d o s s o in d iv id u a l " d e D w o r k in q u a n d o ele am e a ç a in d e v id a m e n t e a l i
m it a ç ã o da " c o n firm a ç ã o s o cia l" dos c o m u n it á rio s . D is c u to is to e m K y m lic k a
(1988a: 195-7); cf. W illi a m s (1985: 169-70); S m ith (1985: 188-92); D w o rk in
(1 9 8 7 :1 6-7).
o C O M U N IT A R IS M O 267

P rim e iro , o a rg u m e n to d o vázTçS S er liv re p a ra q u e s tio


n a r to d o s os nossos p a p é is so cia is é u m a c o n d iç ã o q u é *d e r
ro ta a si m e sm a , d iz C h arle s T a ylor, p orq u e " a lib e rd a d e c o m -
jp le t a s e ria u m v á cu o n o q u a l n a d a v a le ria a p e n a s er ie ito ,
n a d a m e re c e ria s e r c o n sid e ra d o p a ra cois a n e n h u m a . O e u
qu e ch e g o u à lib e rd a d e c o lo c á n d o le la d o to d o s os o b stá c u
lo s e in tru s õ e s e xte riore s n ã o te m p e rs o n a lid a d e e, p o rta n to ,
n e n h u m p ro p ó s ito d e fin id o " (T aylor, 1 9 7 9:1 5 7). A v e rd a d e i-j
ra lib e rd a d e d e v e s er " s itu a d a " , a rg u m e n ta T a ylor. O d e s e jo
d e s u je ita r to d o s os a sp e ctos d e noss a situ a ç ã o so cia l à n o s
sa a u to d e te rm in a ç ã o é v a z io p orq u e a e xig ê n cia d e te r a u to
d e te rm in a ç ã o é in d e te rm in a d a . E le " n ã o p o d e e s p e cific a r
n e n h u m c o n te ú d o p a ra nossa ação fora d e u m a situ a ç ã o qu e
e sta b ele c e o b je tiv o s p a ra nós, a q u a l, d e sta m a n e ira , c o n fe
re u m a fo rm a à ra c io n a lid a d e e pro v ê u m a in s p ira ç ã o p a ra
a c ria tiv id a d e " (T a ylor, 1 9 7 9:1 5 7). D e v e m o s a c e ita r o o b je ti-
vo qu e nossa situ a ç ã o " e sta b e le c e .p ara n á s " - se n ã o o-fiz e r-
jx io s , a busc a p e la a u to d e te rm in a ç ã o c o n d u z irá -a o n iilis m o
n ie tz s c h ia n o , à re je iç ã o d e to d o s os v a lore s co m u n a is .COfao,
n o fim , a rb itrá rio s : " U m a pós o u tro , os h o riz o n te s d a v id a
pro vid o s d e a u torid a d e , cristã o s e h u m a nista s, s erão a tira d o s
fora com o g rilh õ e s d a v o n ta d e .iR e stará a p e n a s a v o n ta d e de
T a ylor, 1 9 7 9 :1 5 9). Se n e g a rm o s q u e os v a lore s co-f
m u n a is são " h o riz o n te s p ro v id o s d e a u to rid a d e " , e le s s u ri
g irã o c o m o lim it e s a rb itrá rio s à noss a v o n ta d e e, p orta n te ^
noss a lib e rd a d e e x ig irá a re je iç ã o d e to d o s ele s (M a c ln tyrq ,
1981: cap. 9).
Isso, p oré m , in te rp re ta e rro n e a m e n te o p a p e l qu e a l i
b e rd a d e d e s e m p e n h a n a s te oria s lib e ra is . S e g u n d o T a ylor,
os lib e ra is a firm a m q u e a lib e rd a d e d e e s c olh e r nossos p ro
je to s é in e re n te m e n te v a lio s a , a lg o a s er busc a do p o r si m e s
m o, u m a a firm a ç ã o q u e T a ylor re je ita co m o v a z ia . E m v e z
disso , d iz ele , te m d e h a v e r a lg u m p ro je to qu e v a lh a a p e n a
ser busc a d o , a lg u m a ta re fa q u e v a lh a a p e n a c u m p rir. C o n
tu d o , a pre o c u p a ç ã o co m a lib e rd a d e d e n tro d o lib e ra lis m o
n ã o to m a o lu g a r d e sta s ta re fa s e p ro je to s . P elo c o n trá rio , a
d e fe s a lib e r a l d a lib e rd a d e e n c o n tra -s e ju s ta m e n te n a im -
268 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p o rtâ n d a de ste s proje to s. O s lib e ra is n ã o diz e m qu e d e ve m os


te r a lib e rd a d e d e s e le cio n a r nossos p ro je to s p o r s i m e sm os
p orq u e a lib e rd a d e é a coisa m a is v a lio s a n o m u n d o . E m ve z
disso , nossos p ro je to s e ta re fa s são a s.cois a s m a is im p o r
t a n t e s em noss a s v id as e é .p orq u e são tã o im p o rta n te s qu e
d e v e m o s s e r liv r e & ^ a r a re v ê -la s se v ie rm o s a cre r qu e n ã o .
v a le m a p e n a ., N ossos pro je to s são as coisa s m a is im p o rta n
te s n a s nossas vid a s, m as, com o nossas vid a s tê m de ser c o n
d u z id a s d o in te rio r, e m c o n fo rm id a d e com nossa s cre nça s a
re s p e ito d e v a lo r, d e v e m o s s er liv re s p a ra fa z e r e re v e r n o s
sos p la n o s d e v id a e a tu a r com base n ele s. A lib e rd a d e de es
c o lh a n ã o é busc a d a p o r si só, m a s com o u m a pre c o n d iç ã o
p a ra a busc a dos p ro je to s q u e são v a lo riz a d o s p o r si sós.
A lg u n s lib e ra is e nd o ss a ra m a p o siç ã o qu e T a ylor c r it ic a l
c orre ta m e n te c o m o v a z ia . Is a ia h B e rlin a a trib u i a M ill, p o rlf
e x e m plo (B e rlin , 1 9 69:1 92; m a s cf. L a d e n so n , 1 9 8 3:1 4 9-5 3).
A firm a r qu e a Mberdade d e e scolh a é in trín s e c a m e n te v a lio
s a p o d e p a re c e r u m a m a n e ira e fic a z d e d e fe n d e r u m a m p lo
le q u e d e lib e rd a d e s lib e ra is .'A s im p lic a ç õ e s d e sta a firm a ç ã o ,
p oré m , e n tra m e m c o n flito com a m a n e ira com o c o m pre e n
d e m os o v a lo r e m nossas vid a s de, p e lo m e nos, du a s m a n e i-
fa s : (1) D iz e r qu e a lib e rd a d e d e e scolh a é in trín s e c a m e n te

£ y a lio s a sug ere q u e q u a n to m a is e x erc e m os noss a c a p a cid a -


e d e e scolh a , m a is liv re s som o s e, p o rta n to , m a is v a lio s a s
io as noss a s vid a s . Isso, p o ré m , é fa ls o e, n a v e rd a d e , d e -
s a rra z o a d o . C o n d u z ra p id a m e n te à vis ã o e x is te n c ia lis ta d e
q u e d e v e m o s d e s p e rta r a c a d a m a n h ã e d e c id ir n o v a m e n
te qu e tip o d e p e sso a d e v e ría m o s ser. Isso é d e s a rra z o a d o
p orq u e u m a v id a v a lio s a é u m a v id a ch e ia d e co m pro m isso s
e rela çõ e s. E ste s d ã o p ro fu n d id a d e e p e rs o n a lid a d e a nossas
!J dd a s. E o q u e os to m a c o m pro m isso s é ju s ta m e n te o fa to de
iq u e n ã o são o tip o d e cois a qu e q u e stio n a m o s to d o s os dia s.
N ã o s u p o m o s qu e a lg u é m q u e se case v in te v e z e s le v e , de
a lg u m a m a n e ira , u m a v id a m a is v a lio s a d o qu e a lg u é m qu e
n ã o te n h a n e n h u m a ra z ã o p a ra q u e s tio n a r su a e scolh a o ri
g in a l. U m a v id a c o m m a is e scolh a s c o n ju g a is n ã o é se qu er,
ceteris paribus, m e lh o r d o qu e u m a v id a co m m e n o s d e sta s
o C O M U N IT A KIS M O 269

e scolh a s. (2) D iz e r qu e a lib e rd a d e d e e scolh a é in trín s e c a -


ffig n ie -x a lio s iL S H ^rC ^^ i^L S ?®?.38
a rõ es é a lib e rd a d e , n ão o v a lo r in e re n te à a tiv id a d e e m si.
E sta sug e stã o é e ndoss a d a p o r C a rol G o u ld . E la d iz qu e , e m
bora p are ç a qu e a tu a m os e m n om e dos p ro p ó sito s in te rio re s
de u m d a d o p ro je to , a a tiv id a d e v e rd a d e ira m e n te liv re te m
a p ró p ria lib e rd a d e com o o b je tiv o fin a l: " P orta n to , a lib e rd a
de n ã o é a p e n a s a a tiv id a d e q u e cria v a lo r, m a s a q u e la em
n o m e d a q u a l to d o s e ste s o u tro s v a lore s sã o b u sc a d o s e,
p o rta n to , e m re la ç ã o à q u a l eles se to m a m v a lio s o s " ( G o u ld ,
1 9 7 8:1 1 8).
Isso, p oré m , é fa ls o . P rim e iro , co m o obs erv a T a ylor, d i
z er às pessoas qu e a tu e m fiv r e m e ntg n a g ih e s d k q u a is .ações
e sp e cífic a s v a le m a p e n a :/C o n tu d o , m e sm o qu e isso o fe re
cesse um a orie n ta ç ã o d e te rm in a d a , a in d a a pre s e n ta ria u m a
vis ã o fa ls a d e nossas m otiv a çõ e s. Se e sto u e scre v e ndo u m l i
vro , p o r e x e m plo , m in h a m o tiv a ç ã o n ã o é ser liv re , m as d iz e r
a lg o q u e v a le a p e n a s er d ito . N a v e rd a d e , se e u re a lm e n te
n ã o quis e ss e d iz e r n a d a , e xc e to n a m e d id a e m qu e isso fo s
se u m a m a n e ira d e s er liv re , e n tã o , m in h a e s crita n ã o s e ria
s a tis fa tó ria . O q u e e co m o e scre v er to rn a r-s e -ia m o re s u lta
d o d e e scolh a s a rb itrá ria s e, p o r fim , in s a tis fa tória s . P ara q u e |
e scre v er s eja in trín s e c a m e n te v a lio s o , te n h o d e m e im p o rta n
c o m o qu e e sto u d iz e n d o , te n h o d e cre r qu e e scre v e r v a le ai
p e n a p o r si só. Se q uis e rm o s co m pre e n d e r o v a lo r qu e as p e s-f
soas v ê e m e m s e us p ro je to s , te m o s d e a te n ta r p a ra os fin s
in te rio re s d e la s. N ã o e m pre e n d o m in h a e s crita p o r a m or à
m in h a lib e rd a d e . P elo c o n trá rio ,, e m pre e n d o m in h a e s crita
e m n o m e d e la m e sm a ,, p o rq u e h á cois a s „q.u,e. m e re c e m .s e r
r íit a s . À lib e rd a d e é v a lio s a p o rq u e m e p e rm it e d iz ê -la s T
A m e lh o r d e fe s a d a s lib e rd a d e s in d iv id u a is n ã o é n e
c e ss aria m e nte a m a is d ire ta , m a s a qu e m e lh o r se h a rm o n iz a
c o m a m a n e ira c o m o as p e sso a s, a o re fle tire m , c o m p re e n
d e m o v a lo r d e suas vid a s . E se e n c a ra rm o s o v a lo r d a lib e r\
d a d e d e sta m a n e ira , e n tã o , p a re c e rá q u e a lib e rd a d e d e e s4
c o lh a , a p e s ar d e c e n tra l p a ra u m v id a v a lio s a , n ã o é o v a lo r]
c e n tra l busc a d o e m t a l vid a . 1
270 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

N in g u é m d is c ord a q u a n to a o fa to d e q u e os p ro je to s
tê m d e s er noss a pre o cu p a ç ã o p rim á ria - isso n ã o fa z d is tin
ção e ntre o lib e ra l e o c o m u n itá rio . O d e b a te re a l n ã o é q u a n
to a d e te rm in a r se pre cis a m o s o u n ã o d e ta is ta re fa s , m a s
q u a n to a d e te rm in a r c o m o as a d q u irim o s e ju lg a m o s se u
v a lor. T a ylor p are ce a cre d ita r qu e p o d e m o s a d q u irir estas ta -
reta s a p e n a s tra ta n d o os v a lore s co m u n a is c o m o 1
Te a u to rid a d e " , q u e " e sta b e le c e m o b je tiv o s p a ra
n ó s " (T a ylor, 1 9 7 9 :1 5 7-9). O s lib e ra is , p o r o u tro la d o , in s is
te m em q u e te m o s u m a c a p a cid a d e d e n o s d e s v in c u la r de
q u a lq u e r p rá tic a s o cia l e sp e cífic a . N e n h u m a ta re fa e s p e c ífi
ca é e sta b e le cid a p a ra n ó s p e la socie d a d e , n e n h u m a p rá tic a
e sp e cífic a te m a u torid a d e qu e e ste ja a lé m d o ju lg a m e n to in
d iv id u a l e d a p o ssív e l re je iç ã o . P od e m os e d e v e m os a d q u irir
nossa s ta re fa s p o r m e io d e ju lg a m e n to s p e sso a is liv re m e n
te fe ito s a re s p e ito d a e s tru tu ra c u ltu ra l, d a m a triz d e c o m -
pre e nsõ e s e p o s sib ilid a d e s tra n s m itid a s a nós p e la s gerações
a nte riore s , qu e nos ofere c e p o s sibilid a d e s qu e p o d e m o s a fir
m a r o u re je ita r. N a d a é " e sta b e le cid o p a ra n ó s "; n a d a é p rc M
v id o d e a u to rid a d e a nte s d e nosso ju lg a m e n to d e se u v a lo f®
N a tu ra lm e n te , a o fa z e r e ste ju lg a m e n to , d e v e m os c o n
s id e ra r a lg o c o m o u m " d a d o " - p e rg u n ta m o s o qu e é b o m
p a ra n ó s a gora , d a d o o nosso lu g a r n a e scola , n o tra b a lh o o u
n a fa m ília . A lffu é m .q u e n ã o seja n a d a a lé m d e u m s er ra c io
n a l liv r e n ã o t e ria n e n h u m a ra z ã o p a ra e s c olh e r u m m o d o
d e v id a a o u tro (S a n d e l, 1 9 8 2 :1 6 1-5 ; T a ylor, 1 9 7 9:1 5 7; C ro
w le y , 1987: 2 0 4-5). O s lib e ra is , p oré m , a cre d ita m qu e o qu e
colo c a m o s n o " d a d o " p a ra fa z e r ju lg a m e n to s s ig n ific a tiv o s
p o d e n ã o a p e n a s s er d ife re n te e n tre in d iv íd u o s , m a s p o d e
m u d a r n a v id a d e u m in d iv íd u o . Se, e m u m a oc a siã o, fa z e
m os e scolh a s a re s p e ito d o qu e é v a lio s o d a d o o nosso c o m
pro m is s o co m c e rta v id a re lig io s a , p o d e m o s p o s te riorm e n te
ch e g ar a q u e s tio n a r esse c o m pro m is s o e p e rg u n ta r o q u e é
v a lio s o , d a d o o n o sso c o m pro m is s o c o m noss a fa m ília . A
q u e stã o , e n tã o , n ã o é se d e v e m o s o u n ã o c o n s id e ra r a lg o
com o d a d o a o fa z e r ju lg a m e n to s a re s p e ito d o v a lo r d e n o s
sa a tiv id a d e . A n te s , a q u e stã o é s a b er se u m in d iv íd u o p o d e
o C OMÜNITAR1SMO 271

q u e s tio n a r e ta lv e z s u b s titu ir o qu e e stá n o " d a d o " o u se o


d a d o te m d e s e r e sta b e le cid o p a ra n ó s p e lo s v a lore s d a c o-

lore s co m u n a is d e v e m e sta r, s u ie ito s à a v a lia ç ã o in d iv id u a l

P od e m os e n fra q u e c e r a o bje ç ã o c o m u n itá ria a rg u m e n


ta n d o qu e , m e sm o qu e pud é ss e m o s c o n s e g u ir nossos p ro
p ó sito s d e sta m a n e ira , n ã o e sta b e le cid a p e la c o m u n id a d e ,
d e vería m os, n ã o o bsta nte , tra ta r os o b je tiv o s com u n a is com o
p ro v id o s d e a u to rid a d e /b e v e ría m o s fa z e r isso p orq u e a v i
são lib e ra l v a le -s e d e um a fa ls a d e scriç ã o d o e u. A vis ã o M
b eral, com o vim o s , é a d e qu e " o e u é a n te rio r aos seus fin s " !
n o s e n tid o d e qu e re s erv a m os o d ire ito d e q u e s tio n a r m es-j
m o as nossa s convicçõ e s m a is p ro fu n d a m e n te su ste nta d a ^
q u a n to à n a ture z a d a b o a v id a . M ic h a e l S a nd e l, p oré m , a r
g u m e n ta q u e o e u n ã o é a n te rio r a seus, m a s c o n s titu íd o p o r
ele s - n ã o p o d e m o s (ü s tín g u tir^ e a ^^
N ossos eus são, p e io m ie riõ s , p a rc ia lm e n te c o n s titu íd o s p o r
o b je tiv o s qu e n ã o e scolh e m o s, m a s, a nte s, d e s c o brim o s e m
v irtu d e d e e starm os in s e rid o s e m a lg u m c o n te xto socia l c o m
p a rtilh a d o (S a n d e l, 1982: 5 5-9 , 1 5 2-4). C o m o te m o s e ste s
fin s c o n s titu tiv o s , noss a s vid a s v ã o m e lh o r n ã o p e la poss e
d a s c o n d iç õ e s n e c e ss á ria s p a ra s e le c io n a r e re v e r nossos
pro je to s , m a s p e la posse das co n diçõ e s n e c e ss ária s à o b te n
ção d e u m a co n s ciê n cia d e ste s o b je tiv o s c o n s titu tiv o s c o m
p a rtilh a d o s . U m p o lffic a d b ^ flW M i» U fflu ^ .^ ® í e j
n b p p fiv n s ro n stitn h v Q sxom p a rtilh a d o s . c a p a cita -n o s a " c o
n h e c e r u m b e m e m c o m u m qu e n ã o p o d e m o s c o n h e c e r s o-
z i'r m õ 3 ^ ã h ”d é T ;i9 g 2 :183).
S a n d e l te m d o is a rg u m e n to s a fa v o r d e sta a firm a ç ã o ,
qu e c h a m a re i a rg u m e n to d a " a u to p e rc e p ç ã o " e d o " e u in s e
rid o " . O p rim e iro a rg u m e n to é o s e g u in te : a jd s ã a d e R awls,
d o.-" e u : d e s o n e ra d o " n ã o c orre s p o n d e à n ossa " a u to çja m -
pre e n s ã o m a is p ro fu n d a " , n o s e n tid o d e noss a a u to p e rc e p-
ç ã o m a is pro fu n d a .S .e g u n d o S a n d e l/ s e o e u é a n te rio r a s e u s
o b je tiv o s , d e v e ría m o s, e ntã o , p e la intro s p e c ç ã o , s er capa z es
272 FIL O S O FIA P O LITIC A C O N T E M P O R Â N E A

de e nx erg ar, p o r in te rm é d io d e nossos o b je tiv o s p a rtic ula re s ,


u m e u d e son e ra do.jP oré m , observa S a nd el, n ã o p erc e b e m os
nossos eus com o d e son era dos: a vis ã o de R a w ls d o e u com o
u m " d a d o a n te rio r aos seus o b je tiv o s , u m s u je ito d e p u ra
a çã o e poss e , e ra re fe ito a o fim " , e stá " e m ra d ic a l c o n tra d i
ção com nossa n oç ã o m a is fa m ilia r d e nós m e sm os com o se
res 'd e n so s d e c a ra cterístic a s e s p e c ífic a s'" (S a nd e l, 1982: 94,
100). N a vis ã o d e R a w ls, " id e n tific a r q u a is q u e r c a ra c te rís ti
cas co m o meus o b je tiv o s , a m biçõ e s, d e s ejos etc. é s e m pre
i in f e rir u m s u je ito , 'e u ', p o r trá s d ele s, a c erta d is tâ n c ia " (S a n
d e l, 1984a: 86 ). T eria d e e x is tir e sta cois a - u m e u qu e p o s s ui
c e rta form a , se b e m q u e u m a fo rm a , p o r fim , ra re fe ita - qu e
fic a a trá s d e nossos o b je tiv o s , a c e rta d is tâ n cia . P ara a c e ita r
R a w ls, e u te ria d e m e v e r co m o e sta cois a sem p ro p rie d a
d e s, c o m o u m o b je to u m ta n to fa n ta s m a g ó ric o n o e sp a ço,
o u , com o R o rty d iz , u m a e sp é cie d e " s u b s tra to " lo c a liz a d o
" a tr á s " d e m e u s o b je tiv o s (R orty, 1985: 217). P or c o n tra s te ,
S a nd el d iz q u e n o ssas a utop e rc e pçõ e s m a is pro fu n d a s s e m
pre in c lu e m a lg u m a s m o tiv a ç õ e s , o qu e d e m o n s tra qu e a l
g u n s o b je tiv o s s ã o c o n s tru tore s d o e u.
C o n tu d o , a qu e stã o d a p erce pçã o é e ng a nos a n e ste caso.
O qu e é c e n tra l n a vis ã o lib e ra l n ã o é o fa to de qu e p o d e m o s
p e rc e b e r u m e u a n t e rio r a os se us fin s , m a s o d e q u e n o s
co m pre e n d e m o s com o a n te riore s aos nossos fin s n o s e n tid o
d e qu e n e n h u m fim o u o b je tiv o está is e n to d e possív e l re e x a-
m e . P ara q u e o re e x a m e seja c o n d u z id o d e m a n e ira s ig n i
fic a tiv a , d e v o s e r c a p a z d e m e v e r o n e ra d o p o r m o tiv a ç õ e s
d ife re n te s d a s q u e a g ora te n h o , p a ra q u e poss a te r a lg u m a
ra z ã o p ara e scolh er um a à o u tra com o m a is v a lios a p ara m im .
M e u e u, n e ste s e n tid o , é p e rc e bid o a nte s d e seus fin s , is to é,
s e m pre p q s O T .in tu k .a ie u je u . sem seus presentes; fin s /Is s o ,
p oré m , n ã o re q u e r q u e e u possa a lg u m a v e z p e rc e b e r u m e u
d e son e ra do d e q u a is q u e r fin s - o proc e sso d o ra cio c ín io p rá
tic o é s e m pre u m pro c e sso d e c o m p a ra r u m e u p o te n c ia l
" o n e ra d o " com o u tro e u p o te n c ia l " o n e ra d o " . S e m pre d e ve
h a v e r a lg u n s fin s d a dos com o e u q u a n d o e m pre e nd e m os ta l
ra c io c ín io , m a s disso n ã o d e corre qu e q u a is q u e r fin s e sp e cí-
o C O M U N IT A R IS M O 273

fico s d e v a m s er s e m pre co n sid e ra d o s com o d a dos co m o eu.


g o m o diss e a nte s, p are c e q u e o q u e é d a d o com o e u p o d e
m u d a r n o d e c orre r d e urn a v id a . A s sim , h á u m a a firm a ç ã o
qu e S a n d e l d e v e e sta b e le c er: ele d e v e d e m o n s tra r n ã o a p e
n a s q u e n ã o p o d e m o s p e rc e b e r u m e u to ta lm e n te d e s o n e
ra d o , m a s qu e n ã o p o d e m o s p e rc e b e r n o s so e u o n e ra d o p o r
u m d ife r e n te x o n ju n to d e fin s . Isso re q u e r u m a rg u m e n to d i-
J e re n te , q u e c h a m a re i a rg u m e n to d o e u in s e rid o .
E ste te rc e iro a rg u m e n to c o n tra s ta a vis ã o c o m u n itá ria
d o ra cio c ín io p rá tic o co m o a u to d e sco b e rta co m a vis ã o lib e
ra l d o ra c io c ín io p rá tic o co m o ju lg a m e n to . P ara os lib e ra is , a
qu e stã o a re s p e ito d a b o a v id a re q u e r qu e fa ça m os u m ju lg a
m e n to a re s p e ito d o tip o d e p e sso a q u e d e s e ja m o s s er o u n o s .,
to rn a r. Para os c o m u n itá rio s , p o ré m , a g u e s tã o re q u e r qu e
d e s a dora m os.o q u e -já .som o s. Para os c o m u n itá rio s , a q u e s
tã o re le v a n te n ã o é " O qu e e u d e v e ria ser, qu e tip o d e v id a
eu d e v eria le v a r? ", m as " Q u e m sou e u ? ". O e u "c h e g a " a seus
fin s n ã o " p o r e s c o lh a " , m a s " p o r d e s c o b e rta ", n ã o " e s c o
lh e n d o a q u ilo qu e já e stá d a d o (isso s e ria in in te lig ív e l), m a s
re fle tin d o sobre si m e sm o e in v e stig a n d o su a n a ture z a co n s
titu tiv a , d is c e rn in d o suas le is e im p e ra tiv o s e re c o n h e c e n d o
com o seus os seus o b je tiv o s " (S a nd el, 1 9 8 2:5 8). P or e x e m plo,
S a n d e l c ritic a a d e scriç ã o d e c o m u n id a d e d e R a w ls p orq u e ,
" e m b o ra R a w ls re co n h e ç a q u e o b e m da co m u n id a d e -p o d e
ser in te rn o a p o n to d e e m pre g a r os o b je tiv o s e v a lore s d p eu,
n ã o p o d e s e r tã o con s u m a d o a p 9 n t 0 .de ijtr a p a s s a r as m a -
tiv a cõ e s p a ra o s u je ito d a s m o tiv a çõ e s " (S a n d e l, 1 9 8 2 :1 4 9).
E m u m a d e scriç ã o m a is a d e qu a d a , a firm a S a nd e l, os v a lo
res c o m u n a is n ã o são a p e n a s a firm a d o s p e lo s m e m bro s d a
c o m u n id a d e , m a s d e fin e m a su a id e n tid a d e . A busc a c o m
p a rtilh a d a d e u m o b je tiv o c o m u n a l " n ã o é u m a re la ç ã o qu e
ele s e s c o lh e m (co m o e m u m a a ssocia ç ã o v o lu n tá ria ), m a s
u m a p e g o q u e d e s c o bre m , n ã o m e ra m e n te u m a trib u to ,
m a s u m c o n s titu in te de sua id e n tid a d e " (S a nd el, 1 9 8 2:1 5 0).
O b e m p a ra ta is m e m bro s é e n c o n tra d o p o r u m pro c e sso
d e a u to d e s c o b e rta - a lc a n ç a n d o a c o n s ciê n cia dos v á rio s
a p e gos q u e " e n c o n tra m " e re c o n h e c e n d o os seus d ire ito s .
274 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

N o caso, poré m , certa m e nte é S andel que está vio la n d o


nossas a utocom pre e nsõ e s m ais profu n d a s. Pois n ã o p ensa
mos que esta a utod e scob erta substitu a ou exclua ju lg a m e n
tos sobre com o c o n d u z ir nossa vid a . N ã o nos considera m os
a prision a dos p or nossos presentes apegos, incapa z es de ju l
g ar o v a lor dos obje tivos que h erda m os ou escolhemos a nte
riorm e nte . R e alm ente nos enco ntra m os em v ários re la cion a
m e ntos, m as n e m se m pre gosta m os do que d e scobrim os.
N ã o im p orta quã o profu n d a m e nte im plic a d o s nos e nco n
tre m os em um a prá tic a social, s e ntim o-no s capazes de ques
tio n a r se a prá tic a é v a lio s a ou n ã o - um q u e stio n a m e n to
que n ão é sig n ific a tiv o n a descrição de S andel. (C om o não
pod e ser v a liosa , já que o b e m p ara m im é apenas ch eg ar a
um a a utoconsciê ncia m a ior dos vín culo s em que m e e n-
fcontro?) A id é ia de que a d elib era çã o é com ple ta d a p o r este
Jprocesso de a utod e scob erta (e n ã o p or ju íz os do v a lor dos
í apegos que d e scobrim os) parece b a sta nte sim plista .
H á tre chos em que S andel a dm ite que o ra cio cínio prá
tic o n ão é apenas um a que stão de a utod e scob erta . E le diz
que as fro n te ira s do eu, apesar de co n stitu íd a s p e los seus
fin s , são, n ã o obsta nte , fle xív e is e pod e m ser retraçadas, in
corpora ndo novos fin s e e xcluindo outros. E m suas palavras,
" o suje ito é ca p a cita do a p a rticip a r d a co n stituiç ã o da id e n-
. tid a d e do eü7r; ria sua descrição, "o s lim ite s do eu [são] a ber
tos e a id e n tid a d e do suje ito (éj a nte s o pro d u to que a pre
missa de sua a ção" (S andel, 1982:152). O suje ito pode, a fin a l,
fa z er escolhas a re sp e ito de qu ais dos "possív e is pro pó sito s
e fins, todos vio la n d o indiscrim in a d a m e nte sua id e n tid a d e ",,
ele buscará e quais n ão (S andel, 1982:152). O eu, constituí-»
do p elos seus fin s, pod e ser "re c o n s titu íd o " , p or assim d iz e rll
de m o d o que a a utod e scob erta n ã o seja su ficie n te . N e ste j
p o n to , poré m , n ã o está claro se a distin ç ã o e ntre as duas v i
sões n ão é d e sm onta d a .
H á diferenças evid entes n o caso. S andel a firm a que o eu
é c o n stitu íd o p e los seus fin s e que as fro n te ira s do eu são
fluid a s, ao passo que R a wls d iz que o eu é a n te rior aos seus
fin s e suas fro n te ira s são fix a d a s com a nte c e d ê ncia . Estas
O C O MU NITARISM O 275

duas difere nça s, p oré m , o culta m um a id e ntid a d e m ais fu n


d a m e nta l; ambas a c eita m que a pessoa é a n te rio r aos seus
fin s. D iscorH a m 'qü a nto ao p o n to e m que, na pessoa, devem
ser traçadas as fro n te ira s do " e u " ; esta que stão, poré m , se é
re alm e nte um a questão signific a tiv a ,.cabe à filo sofia da m e n
te, n ã o à filo s o fia ./'Pois, na m e did a e m que S andel
a dm ite que a pessoa pod e re e x a m in ar seus fin s - m e sm o os
fin s c o n stitu in te s de seu " e u " ele fracassou em ju s tific a r a
p o lític a c o m u n itá ria . E le d e ixou de d e m o n stra r p o r que osJ
in divíd u o s n ão d eve m receber as condiçõ e s adequadas p a r J
este re exam e, com o p arte indisp e nsá ve l da condução da m e j
lh o r vid a possível. E e ntre estas condições devem estar as g á *
ra n tia s lib e ra is de in d e p e n d ê n cia p esso al necessárias p ara
fa z er o ju lg a m e n to livre m e nte . S andel a prov e ita-s e de um a
a m bigüid a d e n a visã o da pessoa, que ele usa ao d e fe nd er a
p olític a co m u nitá ria . A afirm a çã o forte (de que a a utod e sco
b erta su b stitui o julg a m e nto) é im pla usíve l, e a afirm ação fra
ca (que p e rm ite que u m eu co nstitu ído p elos seus fin s possa,
n ão obsta nte , ser re co nstitu ído), apesar de atra e nte , deixa de
d is tin g u i-lo da vis ã o lib e ra l6.

6. C o n c e n tre i-m e nos e scrito s de S a nd e l, m as a m esm a a m b ig ü id a d e n a


te o ria c o m u n itá ria do e u ta m b é m pod e s er e n co ntra d a e m M a cIn tyre (1981:
200-6) e T a y lo r (19 7 9 :1 5 7-6 0). V e r K y m lic k a (1989a: 5 6-7) p ara um a discussã o
d e stes a utore s. A a firm a ç ã o de S a nd e l d e qu e a vis ã o d o e u de R a w ls v io la j
nossa a utocom pre e ns ã o conse gu e m u ito d a sua fo rç a p o r e sta r lig a d a à a f ir l
m açã o a d ic io n a l d e qu e R a w ls v ê as pessoas com o seres e ss e ncia lm e nte d e f
sin corp ora d o s. S e gundo S a nd e l, a ra z ã o p e la q u a l R a w ls n e g a qu e as pessoas
te n h a m d ire ito às re com p e ns a s a u fe rid a s do e x ercício d e seus ta le n to s n a tu
ra is é p orq u e e le n e g a qu e os ta le n to s n a tu ra is se ja m um a p a rte e sse ncia l de
nossa id e n tid a d e p e sso al. E les são m era s posses, n ã o c o n s titu in te s do eu
(S a nd e l, 1982: 7 2-94; L a rm o re , 1987: 127). E sta, p oré m , é u m a in te rp re ta ç ã o
e rrô n e a . A ra z ã o p e la q u a l R a w ls n e g a qu e as pessoas te n h a m d ir e ito aos fru -|
to s do e x ercício d e seus ta le n to s n a tura is é o fa to d e n in g u é m m ere c er seu lu 4
g a r n a lo te ria n a tu ra l, n in g u é m m erece ta le n to s n a tu ra is m a iore s d o qu e q u a l-j
q u e r o u tra pessoa (cap. 3, seção 2 a cim a). E sta p osiç ã o é in te ira m e n te co m p a -‘
tív e l com a a firm a ç ã o d e qu e os ta le n to s n a tura is são c o n s titu in te s do e u. O
fa to de os ta le n to s n a tu ra is sere m c o n s titu tiv o s d o e u n ã o c o n trib u i em n a d a
p ara d e m o n s tra r qu e um a cria nç a d ota d a m ere c e u n a sc er com m a is ta le n to
d o qu e um a cria nç a co m u m . M u ito s lib e ra is n ã o a c e ita ria m a a firm a ç ã o de
276 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

S andel diz que o lib e ra lism o ig n ora a m a n eira com o es


tam os in s e rid o s nos nossos p ap éis sociais. E le e nfa tiz a que,
com o "sere s a u to-in te rpre ta d ore s ", pod e m os in te rp re ta r o
sig nific a d o destes apegos c o n stitu tiv o s (S andel, 1984a: 91).
'Á que stão, p oré m , é saber se pod e m os re je itá -lo s in te ira
m e nte caso ch eguem os a v ê -lo s com o triv ia is ou d e gra d a n
tes. E n u im a inte rpre ta ç ã o do co m u nita rism o , n ã o podemos.,
ou, de qu a lq u er m a n eira , n ão devemos. N e sta visão, não_es: ,.
colh e m os n e m re je ita m os estes apegos; antes d e sco brim o-
aos*nê E S 7N õss6s o bje tivo s n ã o v ê m p or escolha, m as p or
a utodescoberta. U m a don a-d e-ca sa cristã , em um casam en
to h eterosse xu a l m onog â m ico, pod e in te rpre ta r o que sig
n ific a ser u m cristã o ou um a don a-d e-c a s a - ela pod e in t e r
pre ta r o sig nific a d o destas prá tic a s re ligios a s, e conômica s e
sexuais co m p a rtilh a d a s. N ã o pod e , p oré m , re cu ar e d e c id ir
que não qu er ser cristã ou don a-d e-ca sa . Posso in te rpre ta r o
sig nific a d o dos pap éis em que m e e ncontro, m as não posso
re je ita r os pró prio s pap éis, ou os o bje tivo s in te rn o s deles,
com o sem v a lor. C om o esses o bje tivo s são c o n stitu tiv o s de
m im m e sm o com o pessoa, tê m de ser consid era dos comd,|
d ados ao d e cid ir o que fa z er com m in h a vid a ; a que stão d o |
b e m na m in h a vid a só pod e ser um a questão de com o in t e r-j
pre ta r da m e lh or m a n eira o seu signific a do. N ã o fa z n e nl
s e n tid o d iz e r que eles n ã o tê m n e n h u m v a lor p ara m im , já
que não h á n e n h um " e u " p a rirá s deles, n e nhum eu a nte rior
a estes apegos c o n stitu tivo s.
N ã o está claro q u a l c o m u n itá rio , se é que a lgum , sus
te nta esta visã o com coerência. N ã o se tra ta de um a posição
pla usíve l, já que pod e m os e conse guim os e nte nd er as ques
tões não apenas a re sp e ito do sig nific a d o dos papéis em que

qu e to d o s os nossos a trib u to s n a tu ra is são c o n s titu in te s d o e u (p o r e x e m plo,


D w o rk in , 1983: 39) e e u m e sm o n ã o te n h o c erte z a de ond e tra ç a r e sta fro n te i
ra (cap. 4, seção 5 a cim a). C o n tu d o , ond e q u e r q u e a tra c e m os, as m a n e ira s p e -.j
la s qu a is som os fisicam ente incorporados, d e m o d o e ss e ncia l, n ã o c o n trib u e m
e m n a d a p ara s u s te n ta r a conc e pç ã o d e S a nd e l sobre os m odos p e lo s q u a is
som os socialmente inseridos. ?
o C O M U NIT A RIS M O 277

nos e ncontra m os, mas ta m b é m a re sp e ito de seu v a lor. T al


ve z os c o m u nitá rio s n ão pre te n d a m n e g ar isso; ta lv e z sua
Id é ia de. nossa inserção n ã o seja in c o m p a tív e l com nossa
rejeiçã o dos a pe gos e m que nos e ncontra m os. M as, e ntã o,
"o contra ste a nu n cia do com a vis ã o lib e ra l é u m d e s a pon
ta m e nto , p ois o s e ntid o em que os c o m u nitá rio s nos vê e m
com o in s e rid o s em p ap éis com un a is in corp ora o s e ntid o
em que os lib e ra is nos vê e m com o in d e p e nd e nte s deles, e
o s e ntid o em m e n s c o m u nitá rio s v ê e m o ra cio cínio prá tico
m m o um processo de " a utod e scob erta " in corp ora o s e ntid o
em. que o slib e tâ is o-v ê e m x o m o n m processo de julg a m e n to
e e s c o lh a /A s difere nç a s s eria m m era m e nte s e m â ntica s. E,
assim que concord a m os em que os in d iv íd u o s são capa zes
de q u e stio n a r e re je ita r o v a lor do m odo de vid a da co m u n i
dade, e ntã o, a te n ta tiv a de d ese ncorajar ta l q u e stion a m e nto
p or m e io de um a "p o lític a do b e m co m u m " parece um a re s
triç ã o in ju s tific a d a da a utod e term in a ç ã o das pessoas.

4. A te se s o c ia l

M uito s com unitários critic a m o lib era lism o, não pela sua
descrição do eu e de seus interesses, mas p or n e glig e n cia r as
condiçõ e s sociais e xigidas para a concre tiz a çã o efica z destes
interesses: Por e xe m plo, T a ylor a firm a que m uita s fe o ria s li-
b erais baseia m-se n p " a to m is m o "/ em um a "p sicolo gia m o
ral com ple tarn e pte .sim plista "7s e gundo,a q u a l o sinrfiv íd u o s
"~sã oãTrfõTsufíci en te s fora d a sociedade. O s indivíduos, se gun
do as te oria s a tom ista s, n ão tê m n ece ssid a de de n e n h u m
co nte xto co m u n a l para d e s e nvolv er e e x ercitar sua ca p a ci
dade de a utod e term in a ç ã o. T a ylor argum e nta , in v e rs a m e n
te , a fa v or da "te s e s o cia l", que d iz que e sta c a p a cid a d e só,
pod e ser exercida em certo tip o de sociedade, com c erto tip o
H e a m biente social (Taylor, 1985:190-1; cf. Jaggar, 1983: 42-3;
W olg a st, 1987; cap. 1).
Se este fosse re alm e nte o debate, tería m os de concord ar
com os co m u nitá rio s, p ois a "te s e s o cia l" é clara m e nte v e r-

&
278 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d a d eira . A visã o de que pod ería m os exercer a capacidade de


a utod e term in a ç ã o fora da sociedade é absurda. C ontudo, l i
b erais com o R awls e D w o rk in n ã o n eg a m a tese social. E les
re conh e c e m que a a u to n o m ia in d iv id u a l n ã o pod e e x is tir
fora de um a m bie nte social que forn e ça escolhas sig n ific a
tiva s e que sustente o d e s e nvolvim e nto da capacidade de es
colh er e ntre elas (p or exem plo, R awls, 1971: 563-4; D w orkin ,
1985: 230-3).
T aylor acredita, porém , que a tese social re quer que aban
don e m os a n e utra lid a d e lib e ra l, p ois u m E stado n e utro não
pod e prote g er ade qua d am ente o a m bie nte social necessário
p ara a a utod e term in a ç ã o V A . tese socia l nog d iz que a ca pa-7

7. J a y lp r d iz q u e ^s tá x n tk a n d Q a d o u trin a .da " p rim a z ia dos d ire ito s((,


com o qu e q u e r se r e f e rir á a firm a ç ã o d e q u e os d ire ito s in d iv id u a is tê m g ri-
m a z ia sobre o u tra s noçõ e s m ora is, c o m o os d e vore s in d v id u a is , ¿ b e m ^ ç o -
m u m , a v irtu d e e tc. S e gundo T a ylor, e sta d o u trin a pod e s er e n co ntra d a . em_
fío b b e s , L o çk e e N o z ic k . N ã o a cho ú til este esqu em a , p o is n e n h u m a destas
noçõ e s m ora is, in c lu s iv e os d ire ito s in d iv id u a is , é d o tip o c e rto p a ra s er m o
ra lm e n te p rim á ria . (O bs erv e , p o r e x e m plo, qu e H o b b e s e N o z ic k são a m bos
te óric o s d a " p rim a z ia dos d ire ito s " n o e squ em a d e T a y lo r. V is to , p oré m , qu e
N o z ic k a firm a o qu e H o b b e s n e g a - is to é, qu e os in d iv íd u o s tê m posiç ã o m o
ra l in e re n te - q u a lq u e r co n cord â n cia e n tre eles a re s p e ito dos d ire ito s in d iv i
du a is d eve s er d e riv a tiv a , n ã o m o ra lm e n te p rim á ria : cf. cap. 4, seção 3 a cim a .)
O d e b ate qu e T a y lo r d e s e ja co n sid e ra r é p e rs e g u id o da m e lh o r m a n e ira n ã o
p e rg u n ta n d o se os d ire ito s em g e ra l tê m p rim a z ia a n te os d e vere s e m g era l,
m as se h á d ire ito s , d e vere s, v irtu d e s e tc. e sp e cíficos qu e s e ja m in a d e q u a d a
m e n te re co n h e cid o s n a s te o ria s lib e ra is o u (com o T a y lo r as d e scre ve) " u ltr a -
lib e ra is " . E , se e n c a ra rm o s o d e b a te d e sta m a n e ira , u m dos a rg u m e n to s d e i
T a y lo r é o d e qu e a n e u tra lid a d e d o E sta do pod e so la p a r as con diçõ e s s o c ia is f
n e ce ssária s p a ra a a u to n o m ia in d iv id u a l. E sta a firm a ç ã o , se v e rd a d e ira , te m j
im p o rtâ n c ia p ara as te o ria s lib e ra is e lib e rtá ria s , e ndosse m elas o u n ã o a d o u
trin a da " p rim a z ia dos d ire ito s " .
A lg u n s c o m u n itá rio s co n sid e ra m qu e a tese so cia l sola p a o lib e ra lis m o $
de u m a m a n e ira m a is fu n d a m e n ta l, m in a n d o o seu in d iv id u a lis m o m ora l. Q u
in d iv id u a lis m o m o ra l é a vis ã o d e qu e os in d iv íd u o s são a u n id a d e b á sic a do
_ V a lo r m ora l, d e m o d o qu e q u a isq u e r d e vere s m ora is p ara com u nid a d e s m a io
res (p o r e x e m plo, a co m u n id a d e ) d e v e m s er d e riv a d o s d e nossas obrig a çõ e s
p ara com os in d iv íd u o s . |la s , os c o m u n itá rio s a rg u m e nta m , se re je ita rm o s a
v is ã o a to m is ta d e qu e os in d iv íd u o s são pessoas a u to -o rig in a d o ra s , e n tã o , d e
v e m os ta m b é m re je ita r a a firm a ç ã o d e R a w ls d e qu e som os " fo n te s a u to -o ri-
O C O M U N IT A R IS M O 279

cidade de escolher um a concepção do bem só pode ser exerci


da em um tip o e sp e cífico de com unid a d e , é,‘ T a ylor a rg u
m e n ta, este tip o de com unid a d e só pod e ser suste nta do p or
um a p o lític a do b e m com um . E m outra s p alavras, são e x ig i
dos a lguns lim ite s à a uto d e te rm in a ç ã o p ara pre s erv ar as
condições sociais que capacitam a a utod e term in a çã o. C o n si
d erare i trê s versões desta a firm a ç ã o: um a a re sp e ito da n e
cessidade de suste ntar um a e strutura c u ltura l que forn e ç a às
pessoas opções sig nific a tiv a s, um a se gunda , a re sp e ito da
necessidade de fórun s com p artilh a dos, nos quais sejam ava
lia d a s estas opções, e um a terceira , a re sp e ito das pre co n d i-
ções para a le g itim id a d e p olític a . E m cada caso, o s com uni-
_tários e voca m a te s e socia l p a ra d e m o n stra r com o u m in
teresse p e la a uto d e te rm in a ç ã o a nte s suste nta que e x clu i a
jp o lític a c o m u nitá ria .

(a) D everes de prote g er a e strutura c u ltu ra l

E scolhas signific a tiv a s referentes aos nossos projetos e xi


gem opções signific a tiv a s e (a tese social nos diz) estas opções
v ê m de nossa cultura . A n e utra lid a d e lib e ra l, poré m , é in c a -|
pa z de assegurar a e xistê ncia de um a cu ltura ric a e div e rs a l
que forn e ç a ta is opções. A a utod e term in a ç ã o re q u e r o p lu -f
ra lism o, n o s e ntid o de um a div ersid a d e de m odos de vid a
possíveis, mas

gin a d ora s d e d ire ito s v á lid o s " (R a w ls, 1980: 543). Isso, p oré m , é u m non sequi-
tur. A a firm ação de R a w ls de qu e som os fo n te s a iitn -n rig in a d o ra s d e -d ire ito s
y á lid o s -n ã e -é ^w w ^fiu ^ ç ã e ^ü Ó Q lé S c a ^b re çom p jo s jie s e im J iK in a s ^ É
„u m . a firm a ç ã o m o ra l a .ie sp.e itp. d ^lo c ã lÍz a ç ã o .,d o .-v a k » ''m o ra l. ’ G om o d iz
G a lsto n , " e m b o ra o p o d e r fo rm a tiv o d a socie d a d e c e rta m e n te seja d e cisivo ,
são, n ã o o b sta nte , os indivíduos que e stã o se ndo form a d o s. P osso c o m p a rtilh a r
tu d o com os o u tro s . M a s sou eu qu e c o m p a rtilh o com eles - um a consciê ncia
in d e p e n d e n te , u m locus se p ara do de p ra z e r e d o r, u m s er d e m arc a do, com in
teresses a sere m p ro m o v id o s o u s u p rim id o s " ( G a lsto n , 1986: 91). E m bora 1
m e u b e m seja so cia lm e n te d e te rm in a d o , a in d a é o m e u b e m qu e é a fe ta d o p e la
v id a so cia l, e q u a lq u e r te o ria p o lític a p la u s ív e l d e ve a te n ta r ig u a lm e n te p a ra |
os intere ss e s d e ca d a pessoa.
280 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

q u a lq u e r te n ta tiv a co le tiv a de u m E stado lib e ra l de pro te g e r


o p lura lis m o seria, ela p ró pria , u m ro m p im e n to dos prin cip io s
lib e ra is de ju stiç a . O E sta do n ã o te m d ire ito de in t e rfe rir n o
m o vim e n to do m erc a do c u ltu ra l, exceto, n a tura lm e n te , p ara
a ssegurar que cada in d iv íd u o te n h a um a p arc ela ju sta dos
m eios necessários disp on ív e is para exercer seus pod eres m o
rais. 0,Jb e m -e starq u o d esa pare cim .e nto-d e conce pçõ e se sp e-
cíficas do b e m e, p orta n to , o bem -e sta r ou o d esa pare cim e nto
de uniõe s.spciãis 3 e ,um c ará ter específico não são da conta do.
E stado (C ra gg, 1986: 47).

O s lib e ra is a cre dita m que um E stado que in te rv é m no 1


m erca do c u ltu ra l p ara e ncora jar ou d e se ncorajar q u a lq u e r |
m o d o de v id a e sp e cífico re strin g e a a uto d e te rm in a ç ã o d a sf
pessoas. C ontudo, se o m ercado c u ltura l prosse guir so zinho, |
acabará p or m in a r a e strutura social que suste nta o p lu ra lis
m o. C om o d iz Joseph Raz: " A p o ia r form a s de vid a v a liosas
é nm a .qu e stã o a n tes socia l q ue in d iv id u a l [...] os id e ais p e j-
fe ccipnista s e xig e m ação p ú b lic a p ara serem viá v e is. O a n-.
.tip e rfe ccio nism o , n a prá tic a , co n d u z iria não m era m e nte a
u m a fa sta m e nto p o lític o do a poio a concepções valiosas do
bem . M in a ria as chances de sobre viv ê ncia de m uito s aspec-
tos acalentados p o r nossa c u ltura " (Raz, 1986:162). A n e utra
lid a d e lib e ra l, p orta n to , d e rrota a si m esm a.
E sta é um a objeção im p orta n te . M u ito s lib e ra is sile n
cia m de m a n e ira surpre e nd e nte q u a nto à p o ssibilid a d e de
que "a s a tivid a d e s cu ltura is essenciais que to m a m co n c e b í^
v e l para as pessoas um a grande diversid a d e [possam] com e -|
çar a c e d er". C om o d iz T aylor, " é com o se condições de um aj
lib e rd a d e cria tiv a e d iv e rsific a d ora fosse m dadas p ela n a
ture z a " (T aylor, 1985: 206 n. 7). R a wls te nta re spond er a esta-
pre ocup a ç ã o a firm a n d o que bons m odos de v id a irã o , n a
verdade, suste ntar a si m esmos no m ercado cultura l, sem as
sistê ncia e statal, porqu e , em condições de Übercfa3e,'ás p e s-
soas conseguem re conh e c er o v a lor dos bons m o d os d e vid a
e irã o a poiá-los (R awls, 1971: 331-2; cf. W aldron, 1989:113*8)'.
Isso, poré m , é in a d e qu a do. O s interesses que as pessoas tê m
p or um bom m odo de vid a , e as form a s de a poio que oferece-
O C O M U NIT A R1SM O 281

rã o vo lu nta ria m e nte , n ã o e nvolv e m n e ce ssaria m e nte sus


te n ta r sua e xistê ncia para gerações futura s. M e u intere sse
em um a prá tic a social v a lios a pod e ser pro m o vid o da m e
lh o r m a n e ira p e lo e sgota m e nto dos re cursos que a prá tic a
re qu er para sobre viv er além do m e u te m p o de vid a . C o n si
dere a preservação de artefa tos e sítios histórico s ou de áreas
selvagens n a tura is. O desgaste causado p e lo uso co tidia n o
destas coisas im p e d iria as futura s gerações de e xp e rim e n-
tá-la s, n ão fosse a proteção estatal. P orta nto, m esmo que s e i
possa co nfia r no m ercado cultura l para assegurar que as pes-J
soas e xiste nte s possam id e n tific a r m odos de vid a v a lio so s,!
não se pod e c o n fia r n ele p ara assegurar que as pessoas dc
fu tu ro te n h a m u m le qu e v a lio so de opções.
P orta nto, a dm ita m os o argum e nto de Raz, de que o
a poio e sta ta l pod e ser n ece ssário p ara assegurar a .sobre vi
vê ncia de u m le qu e ade qua do de opções p ara os que a ind a
n ã o form a ra m seus o bje tivo s n a vid a- P or que isso re q u e r a
re je içã o da n e utra lid a d e ? C onsid ere duas p olític a s cultura is
possíveis: no prim e iro caso, x> governo assegura um le que de
opções a d e qu a do pro p orcio n a n d o cré dito s fisc a is a m d iv T "
duos que façam contribuiçõ e s para o a poio à cultura , em con
form id a d e criflrB C T S ld é ãls p e ri^ a dnistã s p essõãiS.' Q E gfa-
do atu a p ara assegurar que h aja um le qu e a de qua do de o p
ções, mas a avaliação dessas opções ocorre na sociedade civil,
fora do a p ara to do E stado (cf. D w o rk in , 1985: cap. 11). N o
se gundo caso, a avaliação das difere nte s concepções do bem
tom a-s e um a questão política , e o governo interv é m , n ão sim
ple sm e nte p ara assegurar u m le qu e a d e qu a do de opções,
mas para prom o v er opções específicas. O argum e nto dç j^a z .
d e m onstra q u a u m a ou outra d estas polític a s deve ser im p le -

...jju e r um a razã.o,.,para^que se p re fira um a p o lítica à o u tra .


D a í a e xistê ncia de deveres re fere nte s à prote ç ã o da es
tru tura c u ltura l n ão ser in com p a tív e l com a n e utra lid a d e . N a
v erd a d e , D w o rk in e nfa tiz a nosso d e ver de prote g e r a e stru
tura c u ltura l contra " a vilta m e n to ou d e teriora ç ã o " (D w orkin ,
1985:230). C om o T aylor, ele fala sobre com o a capacidade de

i
282 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

conce b er im a gin a tiv a m e n te concepções da boa vid a exige o


debate e sp e cia liz a do e ntre inte le ctu a is que te n te m d e fin ir e
esclarecer as outra s p ossibilid a d e s que te m os dia nte de nós
ou a pre sença de pessoas que te n te m re viv e r a c u ltura do
passado na arte do pre se nte ou que suste nte m o im p u ls o
para a inova çã o cultura l, e sobre com o o E stado pode e deve
pro te g e r estas a tivid a d e s cu ltura is essenciais (T aylor, 1985:
204-6; D w o rk in , 1985:229-32). E, e m bora R a wls n ã o in clu a
o a poio e statal à cu ltura em sua te oria de justiç a , já que p e n
sa que a operação dos dois prin cípio s prote g eria , n a v erd a d e,
estas pre condiçõ e s de u m a c u ltu ra div e rs a ,-n ã o h á n e n h u
m a ra z ão p ela qu a l d everia re je ita r ta l a poio se n ão fosse este
õ cáSQ (R á W ls7T97Í: 331, 441-2, 522-9). C om o D w orkin , eíe
sim ple sm e nte in sistiria em que não é tra b a lho do E stado h ie -
rarquiz ar o v a lor re la tivo das vária s opções d e ntro da cultura .
U m E stado c o m u n itá rio p o d e ria te r esperanças de p ro
m ov er a qu a lid a d e das opções das pessoas e ncora ja ndo a
su bstituiç ã o de aspectos m e nos v a liosos dos m odos de vid a
da com unid a d e p or m odos m ais valiosos. A n e utra lid a d e liM ;
b era l, p oré m , ta m b é m te m esperança de pro m o v e r o le qu é
de opções das pessoas. A lib erd a d e de discurso e associação ,
p e rm ite a cada gru p o buscar e a n u n cia r seu m o d o de vid a ,
e os m odos de v id a qu e são in d ig n o s te rã o d ific u ld a d e de
a tra ir ade ptos. C om o os in d iv íd u o s são livre s p ara e scolh er
e ntre visões riv a is de boa vid a , a n e utra lid a d e lib e ra l cria um
m erca do de id é ia s, p or assim diz er, e o gra u de sucesso que
u m m o d o de v id a te m n e ste m erc a do d e p e nd e dos bens
que pod e ofere cer a adeptos pote nciais. P orta nto, sob condi
ções de lib erd a d e , m odos de vid a s a tisfa tórios e v a liosos te n
derão a e xpulsar os que são in s a tisfa tório s, O s lib e ra is e n-
dossam em p arte as lib erd a d e s civis ju sta m e nte p orqu e elas
torn a m possív e l "q u e o v a lo r de dife re nte s m odos de vid a
seja prov a do n a prá tic a " (M ill, 1974: 54).
O s lib e ra is e com u nitá rio s a lm e ja m assegurar o le que de
opções a p a rtir do q u a l os in d iv íd u o s fa z e m suas escolhas
a utônom a s. Sua discord â ncia é q u a nto ao p o n to em que os
id e ais p erfe ccionista s devem ser invocados. É m ais prov á v e l
o C O M U N IT A R IS M O 283

que os bons m odos de vid a estabeleçam seu v a lor qu a ndo


são avaliados no m ercado cultura l da sociedade c iv il ou qu a n
do a pre ferê ncia p or m odos de vid a difere nte s tom a-s e um a
questão de defesa p olític a e ação estatal? A disputa í p orta n -
to, Çalvez deva ser v is ta com o u m a escolha, n ã o en tre o p e r
fe ccio n ism o e a n e u tra lid a d e , m as e ntre o p e rfe ccio nism o
social e o p e rfe ccio nism o e sta ta l - p ois o opo sto da n e u tra -
lld a d e estatsT e o a poio ao p a n e l dos id e ais p erfe ccionista s na
sociedade civil.

(b) A n e utra lid a d e e as deliberações coletivas

A lg u n s c o m u nitá rio s argum e nta m que a pre ferê ncia l i


b era l p e lo m erca do c u ltura l em d e trim e n to do E stado com o
arena adequada p ara a avaliação de difere nte s m odos de vid a
origin a -s e de um a crença a tom ista de que os julg a m e nto s a
re sp e ito do b e m só são a utô nom o s q u a ndo fe ito s p o r in d i
víduos isolados, prote gidos da pressão social. O s lib era is p e n-t
sam que a a utonom ia é prom ovid a qua ndo os julg a m e ntos af
re sp e ito do b e m são tira d o s do d o m ín io p o lític o . N a re alida-J
de, poré m , os julg a m e ntos in d ivid u a is re quere m o co m p a rti
lh a m e nto das experiências e das trocas da delibera çã o c o le ti-
va^O s ju lg a m e ntos in d ivid u a is a re sp eito do b e m dependem
¿ a .avaliação cole tiv a jd e p á tic a s com p artilh a d a s. H a&saiQ S-
n.am m a té ria de c a pricho su bje tivo e a rb itrá rio s e fore m se-
paradaídas d elib era çõ e s coletiva s:

A a uto-re a liz a ç ã o e m esm o a d e term in a ç ã o da id e n tid a


de pessoal e de um senso de orie nta ç ã o no m u n d o d ep ende m
de u m e m pre e n dim e n to com u n a l. E ste processo c o m p a rti
lh a d o é a vid a cívic a e sua ra iz é o e n v o lvim e n to com o utro s:
o utra s gerações, o utro s tip o s de pessoas cujas difere nç a s são
sig nific a tiv a s p orqu e co ntrib u e m p ara o to d o do q u a l depende
nossa p ercepção específica do eu. P orta nto , a inte rd e p e n d ê n
cia é a noçã o fu n d a m e n ta l da cid a d a nia [...] F ora de um a co
m u n id a d e lin g ü ís tic a de prá tic a s c o m p a rtilh a d a s , e x is tiria o
Homo sapiens b io ló g ic o com o a bstraçã o lógic a , m as n ã o seria
284 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

possív e l e x is tir seres hum a nos. E ste é o sig n ific a d o do dictum


gre go e m e die v a l de que a com unid a d e p o lític a é o rto ló g ic a
m e nte a nte rior ao in d iv íd u o . A p ólis é, lite ra lm e n te , a q u ilo que
to m a o h o m e m p ossív e l com o ser h u m a n o (S u lliv a n , 1982:
158, 173).

O u, com o d iz C rowle y, o p erfe çciQ nism a e sta ta l é

um a a firm a ç ã o d a noçã o desque u m co nte xto n o q u a l os h o


m ens viv a m em um a com unid ad e de experiências e lin g u a g gjn
co m p a rtilh a d a s é o ú nico e m qu e o in d iv íd u o e a sociedade -
p o d e m d e s c o brir .e te sta r ^e u a v a lore s p o n m e io das r t üdda»
d e s e s e n cia lm e n te polític a s da discussão, da critic a , dn e x e m -
p lo e da e m ulaçãoj É p or m e io da e xistê ncia de espaços p ú b li
cos organiz ados, nos quais os hom ens oferecem e testam idéias
co nfro nta n d o-s e [...] que os hom e ns vê m a com pre e nd er um a
p arte de qu e m são (C row le y, 1987: 282; cf. B ein er, 1983:152).

O E stado é a arena adequada para a form ula ç ã o de nos


sas visões do b e m porqu e estas visões re qu ere m a in v e stig a
ção com p artilh a d a . E las não pod e m ser buscadas, ou sequer
conh e cid as, p o r in d iv íd u o s solitá rio s.
Isso, p oré m , in te rpre ta erron e a m e nte o s e ntido em que
R awls a firm a que a avaliação de m odos de vid a não deve ser
um a preocupação públic a . A n e u iia lid adfij jb e ra l n ão re s tfflfa
ge o á m bito dos id e a is p erfe ccionista s á s a tivid a d e s coletiva s
dos in d iv íd u o s & gru p o s^A a tivid a d e cole tiv a e as e xp eriê n
cias c o m p a rtilh a d a s re fere nte s ao b e m estã o no á m a go da
"v id a in te rio r livre das v ária s com unid a d e s de interesses nas
quais as pessoas e grupos buscam a tingir, em modos de uniã o
socia l com p a tív e is com a ig u a l lib e rd a d e , os fin s e e xcelê n
cias p ara os qu a is são a tra íd o s ". O a rg u m e n to de R a wls a
fa vor da priorid a d e da lib erd a d e é fun d a m e nta do na im p o r
tâ ncia desta " liv re u niã o social com os o u tro s " (R awls, 1971:
543). E le sim ple sm e nte nega que " o a p a re lh o co ercivo do
E sta d o " seja u m fó ru m a d e qu a do p ara estas d elib era çõ e s
e e xp eriê ncia s:
O C O M U N 1TA RISM O 285

E m bora a ju stiç a com o e qüid a d e p e rm ita que os v a lore s


da e xcelência sejam re conh e cidos em um a sociedade b em o r
denada, as p erfeições hum anas devem ser buscadas d e ntro dos
lim ite s d o p rin c íp io d a liv re associação [...] [A s pessoas] n ão
usam o a p a re lho co ercivo do E stado p ara co n q uista re m p ara
si um a lib e rd a d e m a ior ou p arcela s d is trib u tiv a s m a iore s com
base n o fa to de suas a tivid a d e s te re m m a ior v a lo r intrín s e c o
(R a wls, 1971: 328-9).

Infe liz m e nte , os com unitários rara m e nte distingu e m e n


tre a tivid a d e s cole tiv a s e a tivid a d e s p olític a s. N a tura lm e nte ,
é verdade que a p articip a çã o em práticas lingüístic a s e c u ltu
ra is co m p artilh a d a s é o que ca pa cita os in d iv íd u o s a to m a -
< e m d ecisões in te lig e n te s a re sp e ito da b o a vid a , M a s p or
que ta l p articip a ç ã o d e veria ser org a niz a d a p o r m e io do E s
ta do e n ão p o r m e io da liv re associação dos in d iv íd u o s ? É
v erd a d e que d e vería m os " c ria r o p ortu nid a d e s p ara que os
hom e ns e xprim iss e m o que d e sco brira m a re sp e ito de si
m esmos e do m u n do e persuadissem os outros de seu v a lo r"
(Crowley, 1987:295). U m a sociedade lib e ra l porém , re a im e n-
te cria op Q ilunid a d e s-.para q u e as. pessoas -expressem estes
aspectos sociais da d e lib e ração in d ivid u a l. A fin a l, a lib erd a d e
3 e^§ ê iriW é là T dÍscürso e associação são dire ito s lib era is fu n
d a m e ntais. A s o p ortu nid a d e s de inv e stig a ç ã o cole tiv a s im
ple sm ente ocorre m d entre e entre grupos e associações a b ai
xo do n ív e l do E sta do - a m igos e fa m ília , em p rim e ira in s
tâ n cia , m as ta m b é m igre ja s, associações c u ltura is , grupos
pro fis sio n a is e sindic a tos, u niv ersid a d e s e os m e ios de co
m unica çã o de massa. O s lib e ra is n ã o n egam que " a e xibiçã cfí
p ú blic a de cará ter e ju lg a m e n to b e m com o a troc a de e x p e - j
riê n cia e d is c e rn im e n to " sejam necessárias p ara se fa z e i
ju lg a m e n to s in te lig e n te s a re sp e ito do b e m ou p ara que se
m ostre aos o utro s que eu "s u ste n to [m in h a ] noçã o do bem
re spons a v e lm e nte " (C rowle y, 1987: 285). N a v erd a d e , estas
afirm ações ajustam-se conforta velm e nte a m uita s discussões
lib e ra is sobre o v a lo r do livre discurso e da livre associação
(p or e xe m plo, S canlon, 1983:141 -7).JD que o lib e ra l nega é
que eu deva ofere cer ta l descrição de m im cio Estadd)
286 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

S im ilarm e nte , d eixar de consid erar o p a p el d is tin tiv o do


E stado e nfra qu e ce as crític a s ra dic a is da n e utra lid a d e lib e
ral, com o a de H aberm as. H aberm as quer que a avalia çã o dos
difere nte s m odos de vid a seja um a questão p olític a , m as, ao.
c q n trá rio dos co m u nitá rio s, ele n ão tem .£sp erança dm qu e ,
esta deHberação p o lític a sirv a p ara pro m o v e r a inserçã o das....
pessoas nas prá tica s existentes: N a verd a d e , ele pensa que a
d elib era çã o p o lític a é e xigid a justa m e nte porqu e , na sua a u
sência, as pessoas te nd erã o a a ceitar com o especificadas as
prá tica s e xiste nte s e^cnm-isso. a p e rp e tu a r as necessidades
. falsas e a consciê ncia fals a que a com p a nh a estas prá tic as
históric a s^ A pe n a s qu a ndo m odos de vid a existentes são "o s
o bje to s da form a ç ã o de vo nta d e d is c ursiv a " é que a co m
pre ensão que as pessoas tê m do b e m pod e estar Üvre de e n
g ano. A n e u tra lid a d e n ão exige a apuração destas prá tic a s
e, p orta n to , n ão reconhece o interesse e m a ncip a tório que as
pessoas tê m em escapar de necessidades falsas e distorçõ e s
id e ológic a s.
M as p or que a avaliação das concepções de bem das pes
soas deve e star vin cula d a a seus d ire ito s de ju stiç a e, p orta n
to , ao E stado?
p olític a , in te ira , gru po s e associações de y arios»ta m a nhos
p o d e ria m ser fóru n s m a is ade qua dos p ara estas form a s de
"form a ç ã o da vonta d e discursiv a ", que envolv e m a avaliação
do. b e m e a inte rpre ta ç ã o d e nossas necessidades genuínas.
E mbora H aberm as re je ite a tend ê ncia com u nitá ria de e ndos
sar a critic a m e nte as prá tic a s sociais e xiste nte s com o base
para as deliberações polític a s a re sp eito do bem, ele com p ar
tilh a sua te nd ê ncia de pre ssupor que q u a lq u er coisa que
n ã o seja politic a m e nte d eliberada é, desta m aneira, deixada a
um a vo nta d e in d iv id u a l inca p a z de ju lg a m e n to ra cion a l. 8

8. H a b erm a s pare ce e ndoss ar esta posiç ã o q u a nd o d iz qu e a necessidade


de um a "d e s s o lid ific a ç ã o d iscursiv a das in te rpre ta çõ e s (em bo a p a rte c o n tro la
das e x te riorm e n te ou fix a d a s tra d ic io n a lm e n te ) de nossas n e c e ssid a d e s " está
n o â m a go de sua discord â n cia com R a w ls (H a b erm a s, 1 9 7 9:1 9 8-9). C o n tu d o ,
ele a gora re je ita a id é ia d e a v a lia r p o litic a m e n te as concepções d o b e m das p e s
soas (H a berm as, 198 5:2 1 4-6; cf. B e nh a bib, 1986: 332-43; F unk, 1988: 29-31).
o C O M U N IT A R IS M O 287

P orta nto, a n e u tra lid a d e lib e ra l n ã o n e glig e ncia a im


p ortâ n c ia d e um a cu ltura co m p a rtilh a d a para opções in d i
vid u a is sig nific a tiv a s ou do co m p a rtilh a m e n to de e xp e riê n-
d as para a avaliação in d iv id u a l sig nific a tiv a destas opções./ A
n e utra lid a d e lib e ra l n ão nega estas exigências sociais da a u
to n o m ia in d iv id u a l, mas, antes, forn e ce um a interpre ta ç ã o
delas, um a inte rpre ta ç ã o que se vale ante s de processos so
ciais que de processos políticos. N a d a disso prova que a n e u
tra lid a d e deva ser endossada. A n e utra lid a d e re qu er certa fé /
na operação de fóru n s e processos n ã o e statais para o ju l- f
g am ento in d iv id u a l e o d e s e nvolvim e nto c u ltura l e um a des-4
confia nç a da operação de fóru n s e sta ta is n a a valiaçã o d ql
bem . N a d a do que disse m ostra que este o tim is m o e des-í
confia nça sejam justific a dos. N a verdade, a ssim m m o o d orí
ficos da n e utra lid a de n ão cons e guira m d e fe n d e r sua fé na
p o lític a, os lib e ra is n ã o conseguira m d e fe n d e r sua fé eí f ilo -
cun.s não estatais.
N a verd ad e , parece que cada la d o do debate da n e u tra
lid a d e n ã o conse guiu a pre nd er a liç ã o e nsin a d a p e lo o u tro
la do. A p e sar de séculos de insistê ncia lib e ra l na importância®!
da distinç ã o e ntre E stado e sociedade, os com u nitá rio s a in d a ||
parecem su p or que qu a lq u er coisa que seja a d e q u a d a m e n-ij
te social deve torn a r-s e d o m ín io do p o lític o . E les n ão c o n -f
fro n ta ra m a pre ocup açã o lib e ra l de que a a utorid a d e to t a li
z a nte e os m eios coercivos que cara cteriz am o E stado façam
d ele u m fó ru m e sp e cia lm e nte in a d e qu a do p ara o tip o de
d e lib era ç ã o e com prom isso g e n uin a m e nte co m p artilh a d os
que desejam . A p e s ar de séculos de in s istê n cia com u n itá ria
na n a ture z a h istoric a m e nte frá g il de nossa cultura e da n e
cessidade de consid erar as condiçõ e s sob as quais uma.C u l
tura livre p o d e se suste ntar, os lib e ra is aind a , te nd e m a te r
j com o c e rta a e xistê n cia de. u m a c u ltu ra to le ra n te e d iv e r
sa, como algo que surge e se suste nta n a tura lm e nte , cuja ex
p e riê n cia co ntín u a é, p orta n to , sim ple sm e nte pre ssuposta
em um a te oria de ju stiç a . O s c o m u nitá rio s estão certos ao
in s is tir em que um a cultura de lib erd a d e é um a conquista h is
tóric a , e os lib e ra is pre cisam e xplic ar p or que o m erca do c u l-
288 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

tu ra l n ão ameaça esta conquista ao d eixar de lig a r as pessoas


de m a n e ira forte a suas prá tica s com un a is (com o te m e m os
co m u nitá rio s) ou, inv ersa m e nte , ao d eixar de d e svincular as
pessoas de m a n e ira suficie nte m e nte forte das e xpe ctativa s
das prá tica s e id e ologia s e xistentes (com o tem e H a b erm as).
U m a c u ltura que suste nta a a uto d e te rm in a ç ã o re q u e r u m l
m isto de exposição às prá tica s corre nte s e lig a çã o com ela s,|
b e m com o distâ n cia e div erg ê ncia delas. A n e u tra lid a d e li-fl
b era l pod e pro v e r esta m istura , m as isso não é obvia m e nte
v erd a d e e pod e ser v e rd a d e iro apenas em c ertos te m po s e
lugares. P orta nto, ambos os lados precisam nos oferecer um a
com p ara çã o m a is a bra ng e nte das o p ortu nid a d e s e p erigos
presentes em fóru n s e proc e dim e ntos e statais e n ão estatais
n a avaliação do bem .
A rg u m e n te i em o utra p arte que, antes de in vo c ar o E sr
ta do com o a are na p ara a a valia çã o de concep ç õ es do bem,
d evería m os p rim e iro a prim ora r os fóru n s da sociedade c iv il
para o debate n ão p olitiz a d o , de m odo que assegure que to
dos os gru p o s na socie da d e te nh a m acesso genuin a m e nte
liv re e ig u a l ao m erca do cultura l- que os lib e ra is v a loriz a m
ta n to (K ym licka , 1989b). C ontudo, e nqu a nto esta questão
p erm a ne ce em a b erto, deve fic a r claro que é im pro v á v e l
que ch e gu e m os a a lg um a re sposta se co n tin u a rm o s a v ê -
la com o um deb ate e ntre o " a to m is m o " lib e ra l e a "te s e so-

Í
ia l" com unitarista . S egundo os com unitários, os lib era is d e i-
am de re conh e cer que as pessoas são seres n a tura lm e nte
ociáis. O s lib e ra is, suposta m e nte , p ensa m que a sociedade
baseia-se em u m co n tra to socia l a rtific ia l e que o p o d e r
e sta ta l é necessário p ara m a n te r ju n ta s na sociedade p e s
soas n a tura lm e nte associais. H á , poré m , u m s e ntid o em que
o oposto é v e rd a d e iro -.o s lib e ra is a cre dita m q u e a s p e s .-
soas form a m e p a rticip a m n a tura lm e n te de relações e fó r
runs sociais, n o sxp a is.y ê m a com pre e nd er e a buscar o bem .
Õ E stado n ão é necessário p ara forn e c e r esse conte xto co
m u n a l e é prov á v e l que distorç a o processo n orm a l de d e li
berações e d e s e n volvim e nto c u ltu ra l cole tivo s. São os co
m u n itá rio s que p are ce m p e ns ar que os in d iv íd u o s d e riv a -
O C O M U NIT A R1SM O 289

rão p ara u m isola m e nto a nôm ico sem que o E stado os un a


a tiv a m e nte p ara a v a lia r e busc ar o b e m 9.

'(c) A le gitim id a d e p o lític a

H á o utra questão suscitada p ela tese social. A s escolhas


in d iv id u a is re qu ere m u m conte xto c u ltura l s e g u ip^m ^ T H if
conte xto c u ltura l, p o r sua v e z , re q u e r um conte xto p o lític o
se guro. Seja qu a l fo r o p a p el ade qua do do E stado na p ro te
ção do m erca do c u ltura l, ele só pod e c u m p rir esta funç ã o se
as in s titu iç õ e s p ú blic a s fore m e stáveis, e isso, p o r sua ve z,
requer que elas te nh a m le gitim id a d e aos olhos dos cidadãos.
T a ylor a cre dita que as in stituiçõ e s p olític a s governadas p e lq
prin c íp io da n e u tra lid a d e serão incapa z es de suste ntar a l e |
gitim id a d e e, p orta nto, incapa z es de suste ntar o conte xto so-l
cia i re q u e rid o p ara a a utod e term in a ç ã o. I
S egundo Taylor, o E stado n e utro m in a anp a sep e ãoca m-
p.a rtilh a d a do bem com um que é e xigid a p elos —ui—niriifT
cidadãos para
- ,,,,
que a c e ite m QS..sacrificios e xigidos p e lo E stado de b e m -e star
so cia l/O s cidadãos só se id e ntific a rã o com o E stado e a ceita
rão suas exigências como le gítim a s qu a ndo houv er um a " fo r
m a com um de v id a " que "se ja vista com o um bem supre m a
m e nte im p orta nte , de m odo que a sua co ntin uid a d e e flore s
cim e nto te n h a im p ortâ n cia para os cidadãos p or si m esmos,
n ão apenas in stru m e n ta lm e n te p ara os seus diversos bens
in d iv id u a is ou com o a som a to ta l destes bens in d iv id u a is "
(T aylor, 1986: 213). E sta percepção do b e m com um , p oré m ,
fo i m in a d a , em p arte p orqu e agora te m os um a c u ltura p o -

9. A sug e stã o d e qu e a a tivid a d e n ã o p o lític a é in e re n te m e n te s o litá ria


está im p líc ita e m m u ito s e scritos c o m u n itá rio s . P or e x e m plo, J ja n d d jfirm a
qu e , sob a p o lític a c o m u n itá ria , ''p o d e n ip s , C Q n b fic e ra rm ie m .e m ^ta n u m ^u e -.
n a õ pod e m os co nh e c er s o z in h o s " (S a nd el, 1 9 8 2:1 8 3). E S u lliv a n a firm a qu e o
p e rfe ccio n ism o e sta ta l é n e ce ssário p ara asse gurar qu e n in g u é m seja " e x c lu í
d o " das d e lib era çõ e s cole tiv a s (S u lliv a n , 1982:158). Q s lib e ra is .fa z e irta su p o si
ção c o n trá ria , de qu e n ã o se re q u e r.qu e cjE sta d o condu z a os in d iv id u o s a asa a-
ciaçÕ es e d e lib era çõ e s co le tiv a s (M a c e do, 1 9 8 8:1 2 7-8; F e inb erg, 1 9 8 8:1 0 5-13).
290 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

lític a de n e u tra lid a d e e statal, na q u a l as pessoas são livre s


para e scolher seus obje tivos ind e p e nd e nte m e nte desta " fo r
m a com um de v id a " e sobre pujar a busca deste bem com um
se ele v io la r seus dire ito s. E nqu a nto um E stado c o m u nitá rio
prom overia um a id e ntific a ç ã o com a form a com um de vid a , o

modelo de direjrtos vai muito bem com uma consciência mais


atomíãta; ná qual compreendo minha dignidade, como a dig-
mcfaâe de um portador individu al de direitos; N a verdade - e,
aqui, a tensão aflora entre as duas - não posso estar m uito
disposto a sobrepujar a decisão coletiva em nome dos direitos
individuais se já não me distanciei em certa medida da comu
nidade que toma estas decisões (Taylor, 1986: 211).

...Este "d is ta n cia m e nto ", da form a de vid a c o m p a rtilh a d a


d a com u nid a d e s ig n ific a que passamos a e star p ou co dis
postos a su p orta r os fardos da ju stiç a lib e ra l. C om o re su lta
do, as d em ocracia s lib e ra is estão passando p o r um a "cris e
de le g itim a ç ã o " - p e d e-se aos cidadãos que se s a crifiqu e m
cada ve z m a is em nom e da ju stiç a , m as eles co m p a rtilh a m
cada ve z m e nos coisas com aqueles p elos quais estão se sa
crific a n d o . N ã o há n e n h um a form a de vid a com p artilh a d a))
subjace nte às exigências do E stado n e utro . f
R awls e D w o rk in , p or o u tro la do, a cre dita m que os c i- ’
dadãos a ceitarã o os fardos da ju stiç a m e sm o nas suas re la
ções com pessoas que possuem concepções b e m difere nte s
do bem . U m a pessoa deve ser livre para e scolh er qu a lqu e n
concepção da boa vid a que n ão v io le os prin c íp io s da ju s ti-f
ça, não im p orta o q u a nto ela d ifira dos outros m odos de vid a
na com unid a d e . Tais concepções co nflita n te s pod e m ser to |
leradas porqu e o re co nh e cim e nto p ú b lic o dos prin c ípio s de
justiç a é suficie nte para assegurar a e sta bilid a de m esmo dia n
te de ta is c o n flito s (R awls, 1985: 245), Pessoas com conce p
ções dife rente s do b em re sp e itarã o os iE re ito s "d õ s o utro s,
n ã a p orq u e isso prom o v a um m odo de vid a compartilh a d o ,
m as porqu e os cid a dã os re conh e ce m que cada pessoa te m
um dire ito ig u a l à consideração. P ortanto, a base.para a le g iti-
mld á de do E stado é um a percepção, co m p artilh a d a de justiça ,
o C0 M U N IT A R 1SM0 291

não um a percepção com p artilh a d a do bem . O s lib e ra is bus


cam suste ntar um a sociedade justa através da adoção pública
de princípios de justiça , sem re querer e, na verdade, e xcluin
do a adoção p ú blic a de certos prin cípio s da boa vid a .
T a ylor a cre dita que isso é sociologic a m e nte in g ê n u o: as
pessoas n ão re sp eitarã o o s d ir e it o ^
sejam obrig a d a s p or concepções co m p artilh a d a s do bem , a
m enos que possam, se id e n tific a r com um a p o lític a do b e m
.comym...Ele descreve "du a s soluçõ e s-p a cote qu e surg e m d a s
brum as do proble m a de suste ntar um a p olític a m od ern a v iá
vel em fin s do século X X ", que corre spond e m , grosso m odo,
ao m o d e lo c o m u nitá rio e lib e ra l, e d iz que h á "gra ve s d ú v i
d as" a re sp e ito da via bilid a d e a lo n g o pra z o do m od e lo lib e
ra l. A o im p o r os dire ito s in d ivid u a is e a n e utra lid a d e e statal,
u m E sta do lib e ra l e xclui a adoçã o p ú b lic a de p rin c íp io s do
bem, mas T aylor p ergunta: " A pm ssã u crescente sobre ns d i
r eitos com o dom in a nte s dia nte das decisões coletivas, no fim ,
ve m m in a r a p ro p ria le g itim id a d e d a .nrd e m d e m ocrá tic a ? "
(T aylor, 1986: 225).
P or que u m m odo de v id a c o m p a rtilh a d o é re q u e rid o
para a suste ntaçã o da le gitim id a d e ? T a ylor n ã o oferece n e
nhum a explicaçã o d is tin ta p ara a necessidade de um a p o lí
tic a e sp e cífica m e nte c o m u n itá ria 10. C o n tu d o , um a re sposta
que está im p líc ita nos escritos co m u nitá rio s e ncontra-s e em
um a versã o ro m a ntiz a d a de sociedades a nte riore s em que a
le g itim id a d e se baseava na busca efica z de fin s co m p a rtilh a
dos..O s co m u nitá rio s sugere m que re cup eraría m os o sengp
de fid e lid a d e presente nos te m pos passados se aceitássemos
um a p o lític a do b e m com um e encorajássem os todos a par-

10. T a y lo r re a lm e n te sug ere a lgum a s pre ç o n d iç õ e s d e le g itim id a d e , a s ,


q u a is, e le ã o ê B B E ijrS õ são a te n d ld a s ,n a .n e u tra lid a d e lib e ra l - em p a rtic u la r, a
n e c e ssid a d e d e p a rticip a ç ã o dos cid a d ã os, (p o r e x e m p lo , T a y lo r, 1986: 225;
1 9 8 9 :1 7 7 -8 1 ). E le , p oré m , n ã o e xp lic a a d e qu a d a m e nte p o r qu e a n e u tra lid a
d e lib e ra l n ã o p o d g s e tv ir e sta e xig ê ncia . S eu a lv o re a l, p e nso , é rp rtp |jp n d e
<f?íitp)a q u e .su h ord irm a .p o lítira .d e m o c rá tifflja o .d o m ín io d e es -
p e .çia!iste £ (T a ylor, 1 9 8 9:1 8 0). E ste pro b le m a , p oré m , n ã o é u m p ro b le m a d is
tin ta m e n te lib e ra l.
292 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E M P O R Â N E A

iicip a re ra .livx e m e nte d ela. E xem plos com uns de ta is socie


dades do passado são as d em ocracia s re public a n a s da G ré
cia a ntig a ou os governos m u n icip a is da N ov a In g la te rra no
século X V m .
Estes exem plos históricos, poré m , ig n ora m u m fa to im
porta nte . O s governos m u nicip a is da N ov a Ingla terra de a n -j
tig a m e n te pod e m te r tid o m u ita le g itim id a d e e ntre seusI
m e m bros em v irtu d e da busca e fica z de seus fin s compar-J
filh a d o s. Isso, p oré m , porqu e , p e lo m e nos em p arte , as mu-J
lh eres, os ateus, os ín dio s e as pessoas sem pro prie d a d e es-
ta va m e xcluídos com o m e m bros. Se lh e s fosse p e rm itid o
serem m e m bros, n ão te ria m se im pre ssio n a d o com a busca
do que m uita s ve zes era um "b e m com um'" ra cista e sexista.
A m a n e ira com o a le g itim id a d e fo i assegurada e ntre todos
os m e m bros fo i e x clu ir a lguns da condiç ã o de m e m bros.
O s co m u nitá rio s conte m porân e ps..n ão estão a dvog a n-
^ 9 H S Í li^ ^ ^ ^ Õ s s a ^ ^ s s e g u ^ d â i Q Ê g 6»d Q a co n
diçã o de m e m bros a estes grupos da com unid a d e que não
p a rticip a ra m historic a m e nte da form a çã o do "rnp d o.d e vid a
co m u m ". O s co m u nitá rio s a cre dita m que há certas prá tica s
com unais que todos pod e m endossar com o a base p ara um a
p o lític a do b e m com um . M a s qu a is são estas prá tica s? O s
com u nitá rio s m uita s ve zes escrevem com o se a exclusão h is
tóric a de certos grupos das v ária s prá tic a s sociais fosse ape
nas a rb itrá ria , de m odo que agora pudéssem os in c lu í-lo s e
s e guir a dia nte . M a s a exclusão das m ulh ere s, p o r e xe m plo,
n ão fo i a rb itrá ria . F oi fe ita p or um a ra z ão - a saber, que o s j
fin s que estavam sendo buscados era m sexistas, d e fin id o s!
p or hom ens para servir aos seus interesses. E xigir que as m u 4
lh ere s a c e ite m um a id e n tid a d e que os hom e ns d e fin ira m
p ara elas n ã o é um a m a n e ira prom issora de a um e ntar seu
senso de fid e lid a d e . N ã o pod e m os e vita r este pro ble m a d i
z e ndo, com S and el, que as id e n tid a d e s das m ulh e re s são
co n stitu íd a s p e los p a p é is e xiste nte s. Isso é sim ple sm e nte
falso: as m ulh ere s pod e m re je ita r e re je ita ra m estes pap éis,
que, de m uita s m a n eiras, op era m p ara n e g ar sua id e ntid a d e
separada. Isso ta m b é m era v erd a d e na N o v a In g la te rra do
o C O M U N TT A RISM O 293

século X V III, mas a le g itim id a d e a li fo i preservada p e la ex


clusão das m ulh ere s como m em bros. D evemos e ncontrar a l
gum a o utra m a n e ira de assegurar a le g itim id a d e , rim a m a : _
“n e ifa que não continu e a d e fin ir grupos e xcluídos em funçã o
de um a id e n tid a d e que o utro s cria ra m p a ra eles.
S andel e T a ylor diz e m que há fin s co m p a rtilh a d o s que
pod e m s ervir com o a base p ara um a p olític a do bem com um
que serão le g ítim o s para todos os grupos da sociedade. N ã o
oferecem, poré m , n e nhum e xem plo de tais fin s - e, com cer
tez a, p arte da ra z ão é que n ão há n e n h um . F.les diz e m que_
estes fin s co m p a rtilh a d o s d eve m ser e ncontra dos e m noss a s..
prá tica s históric a s, m as não m e ncion a m q u e e sta s .prática s
fora m d e finid a s p qr um a p e qu e n a seção da sod e d a d e - h.o-
m ens brancos, d e te ntore s d e p ro p rie d a d e .- p ara s e rvir aos
intere sse s de hom e ns bra ncos que tê m pro prie d a d e s ,-Es
tas prá tica s são codificad a s p o r g ênero, raça e classe, m esmo
qu a ndo m ulh ere s, n e gros e tra b a lh a dore s tê m p erm iss ã o
para p a rtic ip a r delas. T e ntativa s de pro m o v e r estes tip o s de
fin s re du z e m a le g itim id a d e e a ind a e xclu e m grupos m a rg i
n aliz a dos. N a verdade, é justa m e nte u m a p erd a de le g itim i
d ade a ssim que parece e star o corre n d o e n tre m u ito s e le
m e nto s da sociedade n orte -a m e ric a n a - n e gros, gays, mã es
solte ira s, n ã o; c n s fã õ ? -a’ m e did a que a d ire ita f e g t a im p lfc .
m e nta r sua agenda b a s e a d a h a f à n m a p ã fn ifc ã l cristã u M ui-
tos co m u nitá rio s, sem dúvid a , n ão gosta m da vis ã o do bem
com um da M a io ria M ora l, m as o pro ble m a da e xclusão de
grupos historic a m e nte m argin a liz a dos é e nd ê m ico e m re la
ção ao proje to co m u nitá rio . C om o observa H irsch, "q u a lq u e rf
're nov a ç ã o' ou forta le cim e n to do s e ntim e nto de com unid a d
de n ã o conse guirá n ad a para estes gru p o s ". P elo c o n trá rio f
nossos s e ntim e ntos e tra diçõe s históric a s são "p a rte do p ro
ble m a , n ã o p arte da soluç ã o " (H irsch , 1986: 424).
C onsid ere um dos poucos e xe m plos concretos de p o lí
tic a c o m u nitá ria que S andel oferece - a re gula m e nta çã o da
p orn o gra fia ,S a n d e l argum e nta que ta l re g ula m e nta çã o p or
u m a c o m u n id ade lo c a l é p e rm issiv e ! "so bre o fu n d a m e n-
to de que a p orn o gra fia ofe nd e seu m o d o de v id a " (S andel,
294 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

1984b: 17). Para consid erar quã o e xclusivo este argum e nto
pod e ser, co ntra ste -o com as recentes discussões fe m inista s
da p orn o gra fia . M u ito s grupos de m ulh e re s e xigira m a re ^t
gula m e nta çã o da p orn o gra fia sobre o fun d a m e nto de que aál
m ulh ere s fora m e xcluíd a s do processo de d e finiç ã o das vi-J
sões tra d icio n a is de se xu a lid a d e . A p orn o gra fia , a rg u m e n lf
ta m a lgum a s fe m in ista s , d e se m p e nh a u m p a p e l crític o nã
prom oç ã o da violê n cia co ntra as m ulh ere s e n a p erp e tu a^
ção da subordin a ç ã o das m ulh e re s a id é ia s de se xu a lid a d e
e p a p é is de g ê n ero d e fin id o s p e los h om e n s (p or e x e m plo,
M a ckin n o n , 1987: cap. 13-4). E ste argum e nto é c o n tro v e rti
do, mas, se a p orn o gra fia re a lm e nte dese m p e nh a este p a p e l
na subordin a ç ã o das m ulh ere s, d e s e m p e nh a-o n ã o porqu e
ela "ofe nd e nosso m odo de v id a ", mas justa m e nte porqu e ela
se a justa aos nossos e stere ótipos cu ltura is a re sp e ito da se-
jx u a lid a d e e do p a p e l das m ulh ere s. N a verd a d e , com o o b-
iserva M a ckin n o n , de um p o n to de vista fe m inista , o pro ble -
fm a com a p orn o gra fia n ão é o fa to de que ela v io la p adrões
id a com unid a d e , m as de que ela os re força .
O arg um e nto de S andel está em c o n flito fu n d a m e n ta l
com este a rg um e nto fe m in ista . O pro ble m a com a vis ã o de
S andel pode ser visto considera ndo a re gulam entação da h o
m osse xualid a de . A hom oss e xu a lid ade é " o fe n s iv a a o m odo
de v id a " de m u ito s a m eric a n o s, Na. v e rd a d e , m e d id a p o r
q u a lq u e r p a drã o pla usív e l, m ais pessoas s e nte m-se ofendi»*
das p e la hom osse xu alid a d e do que p e la pornografia»: S an
d el, p orta n to , p e rm itiria que com unid a d e s loc a is c rim in a li
zassem as relações hom osse xu ais ou a a firm a ç ã o p ú b lic a da
homossexualidade? C aso não p erm ita , o que as distin gu e da
porno gra fia ? Para os lib e ra is, a difere nç a é que a hom osse A
xu a lid a d e n ã o pre ju dic a os o utro s e o fa to de que os o u tro s j
se sinta m ofe n dido s p o r ela n ã o te m n e n h u m peso m ora l.f
A m a ioria em um a com unid a d e lo c a l (ou n a cion a l) n ã o te m
o d ire ito de im p o r suas pre ferê ncia s e xteriore s n o que diz
re sp e ito às prá tic a s das pessoas que estão fora do m o d o de
v id a d o m in a nte (D w orkin , 1985: 353-72; cf. cap. 2, seção 5
a cim a). M a s isso é ju sta m e nte o que S andel n ã o pod e diz er.
O C O M U N IT A RIS M O 295

E m seu arg um e nto, os m e m bros de grupos m a rgin a liz a d o s


devem a justar suas p erson a lid a d e s e pra tic a s de m o d o qué
sejam inofe nsivos para os valores d orn ih a h fe s lS com tm ld a -
de. N ada no argum e nto de S andel dá aos m embros de grupos
m a rgin a liz a d o s o p o d e r de re je ita r a id e n tid a d e que o u
tros d e fin ira m historic a m e n te p ara eles11.
D a m esm a m a n eira , n o caso da porno gra fia , S andel não
está a firm a n d o a im p orta n c ia de d a r às m ulh e re s a c a p a ci
dade de re je ita r a visã o m a sculin a da se xu alid a d e e de d e fi
n ir sua pró pria se xu alid a de . P elo c o n trá rio , ele está diz e n d o
que a p orn o gra fia pode ser re gula m e nta d a sempre que um a
vis ã o de s e xu a lid a d e de d e finiç ã o m a sculin a (a dos p orn ó -

d e finiç ã o m a sculin a (o "m o d o de v id a " da co m u nid a d e ). E


n ada g ara nte que os hom e ns que se s e nte m ofe n did o s p ela
p orn o gra fia n ã o terã o um a vis ã o dife re n te , m as ig u a lm e nte
opressiva, da sexualidade fe m inin a (por exem plo, a visã o fu n
d a m e n ta lists de que a se xu a lid a d e das m ulh ere s deve ser
m a ntid a e strita m e nte re prim id a ). Seja o que fo r que a com u-i
nid a d e re solva d e cidir, as m ulh ere s, com o todos os gru p o s
m argin a liz a do s, terã o de a justar seus o bje tivo s p ara que se-J
ja m in o fe n sivo s a u m m o d o de v id a em cuja d e fin iç ã o e la l
tiv e ra m u m p a p e l m e n or ou n e n h um p a p e l. E sta n ã o é u m l

11. E m u m a rtig o re c e nte , S a nd e l sug ere qu e as le is a m eric a n a s c o n tra a


sodom ía d e v e ria m ser a n ula d a s com base n o fu n d a m e n to d e qu e a lgum a s re
la çõ e s hom oss e xu a is a lm e ja m os m esm os fin s s u b sta n tiv o s qu e c a ra cte riz a m
os c a s a m e ntos h e teross e xu a is, qu e , tra d ic io n a lm e n te , re c e b era m pro te ç ã o do
S upre m o T rib u n a l (S a nd e l, 1 9 8 9:3 4 4-5). M a s p o r q u e a lib e rd a d e dos h o m o s
s e xu ais d e v e ria d e p e n d e r d a busca dos m e sm os o b je tiv o s e a spira çõ e s dos h e
teross e xu a is? M u ito s gru p o s d e d ire ito s dos gays n e g a ria m qu e eles tê m a
m esm a vis ã o (re s tritiv a ) d e in tim id a d e e s e xu a lid a d e qu e c a ra cte riz a os c a s a l
m e n to s h e teross e xu a is tra d ic io n a is . E se, com o a rg u m e n to u o S upre m o T r if
b u n a l - e m u m caso re c e nte em qu e fo ra m pre s erv a d a s as le is a n ti-s o d o m ia - ,
os d ire ito s dos gays am e açassem a s a n tid a d e p e rc e b id a d a fa m ília h e tero ss e
xu a l? D e q u a lq u e r m o d o , S a nd e l n ã o e xp lic a com o seu n o v o a rg u m e n to , de
qu e as le is a n ti-s o d o m ia são in c o n s titu c io n a is , e nc a ix a-s e e m sua a firm a ç ã o
a n te rio r a re s p e ito d a lib e rd a d e das co m u n id a d e s lo c a is de re g u la m e n ta r a ti
vid a d e s qu e ofe n d a m seu m o d o d e vid a .
296 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m a n e ira de d e s e nvolv er s e ntim e ntos de le g itim id a d e e ntre


m e m bros de grupos m a rgin a liz a dos.
O s cpro-xm itirio s gosta m de d iz e r que;a te o ria p o lític a
d everia pre star m ais atenção à h istória de cada c u ltura. E n o -
tá vel, poré m , quão rara m e nte os pró prio s co m u nitá rio s e m
pre end em ta l exame de nossa cultura . Eles desejam fa z er uso
dos fin s e prá tic a s de nossa tra diç ã o c u ltura l com o base para
um a p o lític a do b e m com um , m as n ã o m e ncion a m que es
tas prá tic a s fora m d e finid a s p or u m p e qu e no se gm e nto da
popula ç ã o. Se e xa m in arm os a h is tó ria de nossa socie d a d e ,!'
a n e utra lid a d e lib e ra l c erta m e nte terá a gra nd e va nta g e m d e i
seu cará ter in clu siv o p ote n cia l, sua negação de que os gruH|
pos su bordin a dos devam a justar-se ao "m o d o de v id a " q u®
fo i d e fin id o p elos grupos dom in a nte s. O s com u nitá rio s s im -j
ple sm e nte ig n ora m este p e rig o e a h is tória que o torn a tã o
d ifíc il de e vita r12.
S andel co n clui seu liv ro diz e nd o que, qu a ndo a p olític a
v a i bem, "p o d e m o s conh e cer um b e m em com um que n ão
pod e m os conh e cer so z in ho s " (S andel, 1982:183). M as, dada
a div ersid a d e das sociedades m od ern a s, d evería m os, ao in
vés, diz er que a p olític a v a i b e m justa m e nte qu a ndo n ão a do
ta um a id e olo g ia do "b e m c o m u m " que só pod e s e rvir p ara
e xcluir m u ito s grupos. A u m e n ta r o n ív e l de le g itim id a d e do
E stado pod e m u ito b e m e xig ir m a ior p articip a ç ã o cívica de
todos os grupos da sociedade, m as, com o observa D w orkin ,
só fa z s e ntido convid ar as pessoas a p a rticip a r da p olític a (ou
que as pessoas a ceite m este convite) se elas fore m tra ta d a s

12. S obre as te n d ê n cia s e xclusiv a s d o c o m u n ita ris m o , v e r G u tm a n n


(1985: 3 1 8-2 2); H e rz o g (1986: 4 8 1-9 0); H irs c h (1986: 4 3 5-8); R o s e nblum
(1987: 178-81). A rg u m e n te i em o u tra p a rte qu e m u ita s d e stas consid era çõ e s
ta m b é m a rg u m e n ta m c o n tra form a s n ã o c o m u n itá ria s d e in te rv e n ç ã o p e rfe c
c io n is ta n o m erc a d o c u ltu ra l. M e sm o q u a n d o n ã o a lm e ja d e lib e ra d a m e n te
jro m o v e r o m o d o d e v id a d a c o m u n id a d e , o p e rfe c cio n is m o e sta ta l te n d e ria a
iis to rc e r a liv re a v a lia ç ã o dos m od o s de v id a , a e n rije c e r os m od o s de v id a d o -
n in a n te s , in d e p e n d e n te m e n te d e seus m é rito s in trín s e c o s , e a e x c lu ir in ju s ta -
n e n te os v a lore s e a spira çõ e s d e gru p o s m a rg in a liz a d o s e d e sfa vore cidos
d e ntro de nossa socie d a d e (K y m lic k a , 1989b: 900-2).
o C0 M U NIT A R 1S M 0 297

com o igu a is (D w orkin , 1983: 33). E isso é in co m p a tív e l com


a*3 e finiçã o das pessoas em funç ã o de p ap éis que elas n ão
m old ara m n e m endossaram. A le gitim id a d e n ão será a d q ui
rid a forta le c e ndo prática s com un a is que fora m d e finid a s p or
outros e p ara outros. Será necessário d a r p o d e r aos o p rim i
dos p ara que d e fin a m seus p ró p rio s o bje tivo s. O lib e ra lis
m o pode n ã o fa z er o suficie nte neste aspecto, mas, com o diz
H erz og, se o lib e ra lism o é o proble m a , com o o co m u nita ris-
mo pod e ser a solução? (H erz og, 1986: 484).
Se a p o lític a lib e ra l re a lm e nte su ste ntaria um senso de
le g itim id a d e p u blic a é -d ifíc il d e te rm in a r, já que os„pxm a pios
lib e ra is co n tin u a m a ser a d e qu a d a m e nte im ple m e n ta d o s.
“ C re io, p oré m , que a n e u tra lid a d e lib e ra l é o p rin c íp io com
m ais pro b a bilid a d e de assegurar o a ss e ntim e nto p ú b lic o em
sociedades com o a nossa, que são div ersific a d a s e h istoric a
m e nte e xclusivas. É im pro v á v e l que c o n vid a r as pessoas a
p a rticip a r da p olític a com .ha sa em qu a lqu er outra cox a pre e n-
„são4enha sucesso. C om o disse M ill, u m s e ntim e nto de com
prom isso com um a filo s o fia p ú b lic a com um é um a pre co n-
diç ã o de um a c u ltura livre , e a " ú n ic a form a e m que esse
s e n tim e n to te m pro b a b ilid a d e de e x is tir d a q u i e m d ia n te "
é um apego aos "prin cípio s da lib erd a d e in d ivid u a l e da ig u a l
dade p olític a e social, como concretiz a d a em instituiçõ e s que,
até o m om e nto, n ão e xiste m e m n e n h um lu g a r ou que exis
te m apenas em estado ru d im e n ta r" (M ill, 1962:122 3). Estes
p rin c íp io s c o n tin u a m , em boa p a rte , n ão co ncre tiz a d os na
prá tica , mas são, m ais do que nunca , a única base viá v e l para
a le g itim id a d e p ú b lic a 13.

13. R a w ls c ita a n e c e ssid a d e d e le g itim id a d e p ú b lic a co m o fu n d a m e n


to a nte s p a ra s u s te n ta r a n e u tra lid a d e qu e p a ra o p o r-s e a e la . E le a firm a qu e
o p e rfe c c io n is m o a m e aça o cons e nso p ú b lic o p o rq u e as p essoas n ã o a c e ita
rã o a le g itim id a d e das p o lític a s do E sta do b a se ad a s e m u m a conc e pç ã o do
b e m qu e ela s n ã o c o m p a rtilh a m . R a w ls p are c e p e n s a r qu e isso será v e rd a
d e iro p a ra q u a lq u e r socie d a d e e m qu e os cid a d ã os e ste ja m d iv id id o s p o r
conc e pçõ e s c o n flita n te s do b e m . E xpre ssa d a n e ste n ív e l g e ra l, a a firm a ç ã o de
R a w ls é c e rta m e n te fa ls a . C o m o d e m o n s tra R a z, é jjo s s ív e l qu e as pessoas
298 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

O s c o m u nitá rio s estão certos ao e n fa tiz a r a im p o rtâ n


cia da tese socia l e, p orta n to , a im p ortâ n cia de u m co nte x
to social se guro para o e xercício de nossas capacidades de
escolha. E estão certos ao a firm a r que isso, p o r sua ve z, e n
volv e a nece ssid a de de p a rticip a ç ã o cívic a e le g itim id a d e
p olític a . Todas estas são de im p ortâ n cia in q u e stio n á v e l. M as
é ju sta m e nte este o pro ble m a . N in g u é m q u e stio n a sua im -

Í
>ortância. O s lib e ra is e os c o m u n itá rio s discord a m , n ã o
[u a nto à tese social, m as q u a nto ao p a p e l a de qua do do E s-
ado. O p a p e l do E stado é prote g er " a livre v id a in te rn a das
vária s com unid a d e s d e inte re ss e s nas qu ais pessoas e g ru -’
p o s buscam a lca nçar p ara os qu a is
são a tra íd o s " (R awls, 1971:543) ou ta m b é m deve ser a pro-
pria r-s e p a rcia lm e nte desta v id a socia l, im p o n d o um a h ie
rarquiz a ç ã o p ú blic a dos fin s e excelências p ara os quais eles
são atraídos? Para s im p lific a r (em excesso), os lib e ra is e co
m u n itá rio s discord a m , n ã o q u a n to à d e p e nd ê ncia do in
divíd u o p era nte a sociedade, mas q u a nto à d ep e nd ê ncia da
socie da d e p era nte o E sta do. É u m d e b a te im p o rta n te , mas
n ão é um deb ate e ntre os que a ceita m e os que n ã o a ceita m
a tese social. N a v erd a d e , são v ários debates, e cada u m deT*
les d e ve ndo ser consid era do p o r si só e re qu ere ndo m ais ar-fj
gum e nta ç ã o e m p íric a do que q u a lq u e r dos la dos se s e ntiúj
disp osto a forn e c e r14. !

com fin s confl_ita rü& a c Q n cord e n u ,n ã Q ,9 b 5ia ntg , com u m p rocesso p a ra ch e


g a r a u m a h ie ra rq u iz a ç ã o p ú b lic a d o v a lo r dos d ife re n te s m o d o s .(fe y jd a OM..
ta lv e z , à c ê ífè m u m ã lú ê rS fq u ^^ co m a q u a l d iscord a m ,,
m as a q u a l, n ã o o b s ta n te , v ê e m cqm o u m a s e gund a m e lh o r o p in iã o d e p a is
d a ju a u tra lid a d e (R a z, 1 9 8 6 :1 2 6 -3 2 ). N ã o h á n e n h u m a lig a ç ã o in e re n te e n tre
n e u tra lid a d e e le g itim id a d e do E sta do. C o n tu d o , os tip o s d e fin s c o n flita n te s
n a s d e m o cra cia s m o d e rn a s, e a h is tó ria su b ja c e nte a e la s, são ta is qu e o p e r
fe c c io n is m o d a v a rie d a d e c o m u n itá ria c e rta m e n te é u m a a m e a ça à le g itim i
d a d e d o E sta do.
14. P ara te n ta tiv a s ú te is de d e c o m p o r o d e b a te e m q u e stõ e s e m p íric a s
d ife re n te s , v e r B u ch a n a n (1989) e W a lz e r (1990). P ara u m a te n ta tiv a filo s o
fic a m e n te in fo rm a d a d e fo rn e c e r a p o io e m p íric o à p o siç ã o c o m u n itá ria , v e r
B e lla h et a í (1985); m as cf. M a c e do (1988); S to u t (1986).
O C O M U NIT A R1SM O 299
,/
/ 5. A p o lític a d o c o m u n ita ris m o

A te oria c o m u nitá ria de um a p o lític a do bem com um


origin a -s e de a lgum a s preocupações prá tic a s im p orta nte s.
E nqu a nto a te oria lib e ra l pod e re conh e cer a d e p e nd ê ncia
da escolha in d iv id u a l e m relação ao conte xto c u ltura l, os l i
berais, n a prá tic a , conc e ntrara m seu intere sse na lib erd a d e
in d iv id u a l de escolha p ara n e glig e nciar o acesso das pessoas
à cultura . O rganiz ações lib era is com o a U niã o A m eric a n a de
Lib erd a d e s C ivis pre ocup ara m-s e com as ameaças ao d ire i
to de livre discurso, com o re striçõ e s à lite ra tu ra de ó dio e a
m a te ria l obsceno. C erta m e nte , poré m , o fa to de que de z p or
ce nto dos a dulto s são a n a lfa b e tos fu n cio n a is é um a ameaça
m ais séria para a p articip a ç ã o livre n o m erca do c u ltura l do
que as re striçõ e s à obsce nid a d e . E o fa to de que a p ro p rie
dade dos m e ios de com unica çã o é tã o conc e ntra d a que v á
rio s pontos de vista são siste m a tica m e nte sile ncia dos é um a
ame aça m a is séria à livre tro c a de inform a çõ e s do que re s
triçõ e s à lite ra tu ra de ó dio. O s lib e ra is m uita s ve z es o p e ra -l
ra m com priorid a d e s confusas na área da cultura . j
D adas estas omissões em assegurar que tod o s te n h a m
acesso sig n ific a tivo às conquistas cultura is e deliberações co
le tiv a s da co m u nid a d e , o desejo c o m u n itá rio de cria r um a
lin g u a g e m e um a prá tic a de p o lític a do b e m com um é com
pre e nsív e l. In fe liz m e n te , ta l lin g u a g e m e ta l prá tic a são, na
m e lh or das hipóte ses, irre le v a nte s p a ri às rn õ d im ã s ^ ê m o ^
eradas e, na p io r das hipóte s e s, in tole ra n te s . N a verd a d e ,
ta n to os lib e ra is com o os co m u nitá rio s ig n ora ra m as qu e s
tões re ais e nvolvid a s n a criação das condiçõ e s cultura is para
a a utod e term in a ç ã o.
C onsidere a questão da língu a . T anto com unitários como
lib e ra is op era m , im p líc ita ou e xplícita m e nte , com o pre ssu
p osto de que todos os E stados são " E sta dos-n a çõ e s " - que
tod a s as pessoas, em cada país, c o m p a rtilh a m a m esm a n a
cion a lid a d e e, p orta n to , fa la m a m esm a lín gu a e pod e m p a r
tic ip a r de u m d e b a te s ig n ific a tiv o sobre a c u ltura . E m sua
m a ioria , p oré m , os países são E stados m u ltin a c io n a is que
300 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

contê m duas ou m ais com unid a d e s lin g ü ístic a s. N o C a n a-


| dá, p o r e xe m plo, há o francês e o in glê s, alé m das língu a s
|n a tiv a s conservadas p elas com unid a d e s de ín dio s e e squi-
j mós. D e ve m os te n ta r cria r a hom og e n e id a d e lin g ü ístic a no
interesse da igu a ld a d e lib e ra l ou do b e m com um co m u nitá
rio? A lg u n s lib e ra is e co m u nitá rio s supusera m que este era
o o bje tivo e d e fe nd era m progra m a s d e a ssim ila çã o das m i-
nonas lin g ü ís tic as. O utros, poré m , opusera m-se à a ssim ila
ção com o a lgo p a te nte m e nte in ju s to (p or que os franceses
ou os ín d io s d e v eria m ser a ssim ila dos p ela lín g u a ingle sa ,
e sp e cialm e nte se fo r le v a do em conta que chegaram lá a n
tes dos inglese s?). M as, se p e rm itim o s que e xista m cultura s
m in oritá ria s , que d ire ito s elas tê m no que d iz re sp e ito a sua
língu a ? T anto a popula ç ã o de lín g u a francesa q u a nto os in
dígenas do C anadá possuem d ire ito s especiais d e stin a dos a
prote g e r suas cultura s d istin ta s - p or e xem plo,_o d ire ito à
educação p ú b lic a em sua pró pria lín g u a e o d ire ito de usar
sua língu a no tra to com o governo e os trib u n a is. A lé m disso,
eles tê m o p o d e r de im p o r re striçõ e s aos d ire ito s de lín g u a
de in d iv íd u o s n ã o fra ncófo no s e n ã o indíg e n a s que se des
lo q u e m em suas terra s. T ambém e xiste m d ire ito s e/ou in s ti
tuiçõ e s separadas p ara os grupos lin g ü ís tic o s m in o ritá rio s
dos E stados U n id o s (p or e x e m plo, p o rto -riq u e n h o s e in
díg e n a s), p ara as popula çõ e s a boríg e n e s da A u s trá lia e da
N o v a Z e lâ n d ia e p ara os grupos lin g ü ís tic o s m in o ritá rio s
da B élgica , Suíça e m a ior p arte dos países do S e gundo e do
T erceiro m undos.
E m todos estes países, a qu e stão de q u a l lín g u a deve
ser usada p e lo E stado nas escolas, trib u n a is e burocra cia s é
um a questão im p orta n te e que causa divisõ e s. N a verd ad e ,
esta questão fo i fo n te p rim o rd ia l de c o n flito em m uito s
destes países. N ã o obsta nte , é em vã o que procura m os
um a únic a discussão da questã o e ntre lib era is e co m u nitá rio s
conte m porâ n e os. E les d e b a te m q u a l p a p e l o E stado deve
d e s e m p e nh ar n a prom oç ã o de "s u a c u ltu ra " e no e n ri
q u e cim e nto de "su a lin g u a " (p or e xe m plo, D w o rk in , 1985:
230-3; S ulliv a n, 1982: 173), mas nunca p ergunta m a cultura
o C O M U N IT A RIS M O 301

de quem e qu al lín g u a . D e b ate m se as escolas devem p ro


m ov er concepções específicas do bem, m as n ão p ergu nta m
que lín g u a as escolas d e veria m usar. Se começassem a fa z er
estas p ergunta s básicas, boa p arte do que passa p or sabe
d oria legada q u a nto à relação e ntre E stado e cu ltura lo g o se
to m a ria obsole ta . N a verd a d e , a rg u m e n te i em o u tra oca
siã o que boa p arte d a sa b e doria legada n o que se re fere ao
sig nific a d o de d ire ito s igu a is e a ntkliscrim in a ç ã o ta m b é m
deve ser a b a ndon a d a nos E stados m u ltin a cio n a is 15. O fa to é
que n ão sabemos n e m o que a n e utra lid a d e lib e ra l n e m o
que cT Eèm com um c õ fio im tá rio e xig e m nos E stados m u lti
n a cio n a is .,E ste ta lv e z seja o e x e m plo m a is oste n sivo dé
com o a ênfase c o m u n itá ria n a tese socia l to m o u -s e d e s
vin c u la d a de q u a lq u e r exam e e fe tivo das lig a çõ e s e ntre o
in d iv íd u o , a cultura e o E stado.

15. A suposiç ã o d e qu e a co m u n id a d e p o lític a é c u ltu ra lm e n te h o m o


g ê n e a e stá pre s e n te e m m u ita s pa ssa ge ns e m R a w ls e D w o rk in (R a w ls, 1978:
55; D w o rk in , 1985: 2 3 0-3). E m b ora a re vis ã o d e sta suposiç ã o pud e ss e afe
as conclusõ e s qu e d e p ois e xtra e m a re s p e ito dos d ire ito s das pessoas, R a w ls í
D w o rk in n u n c a d is c u te m qu e m ud a nç a s s e ria m n e c e ss ária s e m p a íses c u ltu -’
ra ím e n te p lu ra lis ta s . N a v e rd a d e , p are c e m n ã o re c o n h e c e r qu e q u a isq u e
m ud a nç a s s e ria m e xigid a s. F orn e ço u m a te o ria lib e ra l dos d ire ito s de c u ltura l
m in o ritá ria s e m K y m lic k a (1989a: caps. 7-1 0 ); cf. V a n D y k e (1975).
I

J
I

I
?

I
'
f-
I
1
7. O f e m in is m o

A te oria p o lític a fe m inista é e xtre m a m e nte diversa, ta n


to nas pre missa s com o nas conclusõ e s. E m c e rto gra u, isso
ta m b é m é v e rd a d e iro p ara as outra s te oria s que e x a m in e i.
J .§ ta .d iy e is id a d e .,p o ré m ,é m u k ip lic a d a d e n tro d o fe m in is
m o, p ois cada u m a desta s o utra s te oria s está re pre s e nta d a
d e n tro do fe m in is m o . A ssim , te m os o fe m in is m o lib e ra l, o
ie m in is m o so cia lista e até m e sm o 0 fe m in is m o lib e rtá rio .
A lé m disso, h á u m m o vim e n to s ig n ific a tiv o d e n tro do fe
m in is m o ru m o a form a s de te oriz a ç ã o , com o a te o ria p s i-
c a n a lític a ou a p ó s-e s tru tura l, que se e n co n tra m fora da
corre nte d om in a nte da filo s o fia p o lític a a nglo-s a xônic a . A li
son Jaggar d iz que ucncomproiT H S S ocie e lim in a i a s u b or
din a ç ã o das m ulh ere s u n ific a as diversa s corre nte s da te o -
jj£ Ê n ü n S ã Ã (J a ^ a r/ 1983: 5). M a s (com o observa Jaggar)
esta co ncord â ncia lo g o se dissolv e em d escriçõ e s ra d ic a l
m e nte difere nte s desta subordin a ç ã o e das m e did a s re q u e
rid a s p ara que seja e lim in a d a .
S eria pre ciso um liv ro separado p ara d is c u tir cada um a
destas corre nte s da te oria fe m in ista 1. E m ve z disso, vou me
conc e ntrar e m trê s crítica s fe m inista s sobre a m a n e ira com o
à ^te õ n âs põlític a s dom in a nte s ate nde m , ou d eixam de a te n-

1, j? a ra in tro d u ç õ e s a estas div ers a s corre n te s d o p e n s a m e nto fe m in is ta ,


v e r Ja gg ar (1983); N y e (1988); Ç h a rv e t (1982); T o n g (1989).
304 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

der, aos interesses e preocupações das m ulh eres. A rgum e nte i


que u m a m plo le qu e de te oria s p o lític a s conte m porâ n e a s
co m p a rtilh a m um "p la tô ig u a litá rio " , u m com prom isso com
a id é ia de que to d o s os m e m bro s da co m u nid a d e d eve m
ser tra ta dos com o igu a is. C o n tu d o , até b e m re c e nte m e nte i
a m a ior p arte da filo s o fia p o lític a d o m in a nte d efe nd e u o u i
p e lo m enos, a ceitou a discrim in a ç ã o sexual. E, embora as v i-!
sões tra dicio n a is a re sp e ito da discrim in a ç ã o sexual te nh a m
sido progressiva m e nte abandonadas, m uita s fe m inista s acre-
d ita m que os prin c íp io s , q u e fora m d e s e n volvido s-e o a u a
e xp eriê ncia e os intere sse sjdqs hom e ns e m _m e nte ^ã a in£ â -
pa z es de re conh e c er a d e qu a d a m e nte as n e cessidades das
m ulh ere s o u de in c o rp o ra r as e xp eriê ncia s das m ulh ere s.
'C o n sid e ra re i trê s destes argum e ntos. O p rim e iro conc e n
tra se na descrição da discrim in a ç ã o sexual "n e u tra q u a nto
ao g ê n e ro "; o s e gundo conc e ntrars e na distin ç ã o p ú b lic o -
priv a d o . E stes dois argum e ntos a firm a m qu e aspe ctos im
porta nte s da concepção líb e ra l-d è m o crã fiç llê m pre disposi
ção m a sculin a . O terc e iro argum e nto, p o r o u tro la do, a firm a
que a p ró p ria , ênfase na ju stiç a .re fk ta .u m a .p x e d is p o s iç ã o
m a sculin a e que q u a lq u e r te o ria re c e ptiv a aos in te re s ses e
experiê ncia s das m ulh ere s su b stitu irá a ênfase na justiç a p or
um a ênfase no cuid ado. Estes três argum e ntos oferecem ape
nas um a id é ia lim ita d a do â m bito da te oria fe m inista re ce n
te, m as suscita m questões im p orta nte s que q u a lqu er d e scri
ção da ig u a ld a d e sexual deve e nfre ntar, e re pre s e nta m trê s
dos p o n to s de c o nta to m a is suste nta dos e ntre o fe m in is m o
e a filo s o fia p o lític a d om in a nte . 1

1. A ig u a ld a d e s e x u a l e a d is c rim in a ç ã o

A té bo a p a rte do sé culo passado, a m a ior p arte dos


te óricos hom e ns, de todos os p ontos do espe ctro p o lític o ,
aceita va m a crença de que h a via u m "fu n d a m e n to na n a tu
re z a " para o c o n fin a m e n to das m ulh ere s à fa m ília e p ara a
"suje iç ã o le g a l e costum e ira das m ulh ere s aos seus m a ri-
o F E M IN IS M O 305

d os " na fa m ilia (O kin , 1979: 200)2. D izia-s e que as re striçõ


aos dire itos civis e político s das m ulh ere s eram ju stific a d
p elo fa to de que as m ulh ere s, p o r n a ture z a , era m in a p t
para a tivid a d e s p olític a s e e conômica s fora do larv O s te ói_
cos conte m porâ n e os a b a ndon ara m progre ssiva m e nte esta
suposição de in fe riorid a d e n a tura l das m ulh ere s. A c e itara m
que as m ulheres, como os hom e ns, devem ser vista s com o
"seres livre s e ig u a is ", capazes de a utod e term in a ç ã o e de
senso de ju stiç a e, p orta n to , livre s p ara e n tra r no d o m ín io
p ú blico . E as d e m ocra cia s lib e ra is a dotara m pro gre ssiv a -',
m e nte e sta tuto s a ntidiscrim in a ç ã o com o o b je tiv o de a s s e -1
gurar que as m ulh ere s te n h a m ig u a l acesso à educação, ao j
e m pre go, ao cargo p ú b lic o etc.
E stes e sta tuto s a n tid is crim in a ç ã o , p oré m , n ã o p ro p i
ciaram a igu a ld a d e sexual. N o s E stados U nid o s e n o C a n a
dá, está a um e nta ndo a extensão da segregação de tra b a lh o
nas ocupações com p a g a m e ntos m e nores. N a v erd a d e , se
as presentes tend ência s continu are m , tod a s as pessoas a b a i
xo da lin h a da pobre z a nos E stados U n id o s n o a no 2000 se-

2. A o a c e ita r esta vis ã o v ig e n te de qu e h á " u irifu n d a m e n to m N a tu r e -


z a " p ara qu e o m a rid o com a nd e " p o rq u e é o m a is ca p a z e o m a is fo rte " (L o c
k e , in O k in , 1979: 200), os lib e ra is clá ssicos cria ra m u m s é ria c o n tra d iç ã o p ara
si. P ois eles ta m b é m , a rg u m e n ta ra m q u e to d o s os seres h u m a n o s são ig u a is
p o r n a ture z a , qu e a n a ture z a n ã o forn e c e n e n h u m fu n d a m e n to p a ra u m a d e
sig u a ld a d e d e d ire ito s , E sta, com o vim o s , era a id é ia c e n tra l d e suas te o ria s do
e sta do de n a ture z a (cap. 3, seção 3 a cim a). P or qu e o su p o sto fa to de qu e os
h om e ns são "m a is capa z es e m a is fo rte s " d e ve ju s tific a r d ire ito s d e sig u a is
p ara as m ulh e re s q u a n d o , com o o p ró p rio L o ck e d iz , "d ife re n ç a s n a e xc e lê n
cia o u ca p a cid a d e das p a rte s " n ã o ju s tific a m d ire ito s d e sigu a is? N ã o ,p od e m o s
su ste nta r s im u lta n e a m e n te a ig u a ld a d e e n tre os h o m e ns com o classe, sobre o
fu n d a m e n fó ^ ê 'q ü ê " 3 ife re n ç a s d e ca p a cid a d e n ã o ju s tific a m d ire ito s d ife re n
tes, e 'é c c fiffilS 'fliÜ lR K ^ C o fiK » * classe, sobre o fu n d a m e n to d e qu e são m e nos
capa z es. §e as m ulh e re s são e xcluíd a s sobre o fu n d a m e n to d e qu e a m u lh e r
m é d ia é m e nos capa z d o qu e o h o m e m m é d io , e ntã o , to d o s os h o m e n s que
são m e nos capa z es do qu e o h o m e m m é d io ta m b é m d e v e m ser e xcluídos.
C om o d iz O k in , "p a ra qu e a base d o seu in d iv id u a lis m o fosse firm e , ele p re c i
s a ria a rg u m e n ta r qu e m u lh e re s in d iv id u a is e ra m ig u a is a h o m e n s in d iv i
d u a is , a ssim com o h o m e n s m a is fra co s era m ig u a is a h o m e n s m a is fo rte s "
( O k in , 1 9 7 9:1 9 9).
306 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

rã o m u lh e re s o u cria nç a s (W e itz m a n , 1 9 8 5:3 5 0). A lé m disso,


a v io lê n c ia d o m é s tic a e a a gre ss ã o s e x u a l .estão a u m e n ta n -
fio , a ssim co m o o u tra s form a s d e v io lê n c ia e d e gra d a ç ã o d i
rig id a s às m u lh e re s . C a th e rin e M a c k in n o n re s u m e s e u le
v a n ta m e n to dos e fe ito s d o s d ire ito s ig u a is nos E sta dos U n i
dos d iz e n d o qu e " a le i d e ig u a ld a d e s e xu a l fo i in te ira m e n te
in e fic a z n o q u e d iz re s p e ito a c o n s e g u ir p a ra as m u lh e re s
a q u ilo d e q u e pre cis a m o s e q u e so m o s s o c ia lm e n te im p e
did a s d e te r com base e m u m a c o n diç ã o d e n a scim e nto: u m a
ch a n c e d e v id a p ro d u tiv a co m ra z o á v e l s e g ura n ç a físic a ,
a u to-e x pre s s ã o , in d iv id u a ç ã o e u m m ín im o d e re s p e ito e
d ig n id a d e " (M a c k in n o n , 1987: 32).
P or q u e isso? A d is crim in a ç ã o s e xu a l, co m o c olm a m e n
te in te rp re ta d a , e n v olv e o ú so a rb itrá rio o u irra c io n a l d o g ê
n e ro n a conc e ss ã o d e b e n e fício s o u posiçõ e s'. S e g u n d o e sta
vis ã o, as form a s m a is oste nsiv a s d e d is crim in a ç ã o s e xu al são
a qu e la s, p o r e x e m plo , e m q u e a lg u é m se re cus a a e m pre g a r
u m a m u lh e r, a p e s ar d e o g ê n e ro n ã o te r. n e n h u m a .re la ç ã o
ra cio n a l co m a ta re fa a s er e xe cuta d a . M a c k in n o n ch a m a isso
d e " a b ord a g e m d ife re n c ia d a " d a d is crim in a ç ã o s e xu a l, p o is
v ê com o d is c rim in a tó rio o tra ta m e n to d e sig u a l qu e n ã o p o d e
s er ju s tific a d o p o r re fe rê n cia a a lg u m a d ife re n ç a se xu al.
A le i d e d is c rim in a ç ã o s e xu a l d e ste tip o fo i m o d e la d a
c o m b a s e n a le i d e d is c rim in a ç ã o r a c ia l/ E , a ssim c o m o a
le g is la ç ã o d e ig u a ld a d e ra c ia l a lm e ja u m a s o cie d a d e "c e g a
p a ra a c o r" , a le i d e ig u a ld a d e s e xu a l a lm e ja u m a s o cie d a
d e cega p a ra o s e xo. U m a so cie d a d e s e ria n ã o d is c rim in a -
d ora se a ra ç a e o g ê n e ro n u n c a e ntra ss e m n a conc e ss ã o d e
b e n e fício s. N a tu ra lm e n te , e m b ora seja conc e bívpl q u e as d e
cisõ e s p o lític a s e e c o n ô m ic a s p o ss a m d e s c o n s id e ra r in t e i
ra m e n te a ra c a , é d ifí c il p e rc e b e r c o m o u m a so cie d a d e p o
d e ria s e rin te ira m e n te cega p a ra o sexo. U m a socie d a d e qu e
pro v ê a u x flio -m a te m id a d e o u e sp orte s s e xu a lm e nte s e gre
g a dos e stá le v a n d o o se xo e m c o n ta , m a s isso n ã o p are c e
in ju s to . E , e m b ora b a n h e iro s ra c ia lm e n te s e gre g a d os s e
ja m cla ra m e n te d is c rim in a tó rio s , a m a io ria d a s p essoas n ã o
s e nte o m e sm o a re s p e ito d e b a n h e iro s s e xu a lm e n te s e gre -
o fe m in is m o 307

g a dos. P orta n to , a fs B ^ d a ^ e ia d if e r e n c ia d a ) a c e ita q u e h á


casos le g ítim o s d e tra ta m e n to d ife re n c ia l d o s s e xosi E ste s
n a o sao d is c rim in a tó rio s , p o ré m , n a m e d id a e m q u e h a ja
um a d ife re n ç a s e xu a l g e n u ín a qu e e x p liq u e e ju s tifiq u e o
tra ta m e n to d ife re n cia l. O s o p o n e nte s dos d ire ito s ig u a is p ara
as m u lh e re s m u ita s ve z e s in v o c a ra m o e sp e ctro dos e s p or
te s (ou b a n h e iro s) s e xu a lm e nte in te g ra d o s co m o in d íc io de
qu e a ig u a ld a d e s e xu al é m a l o rie n ta d a . M a s os d e fe nsore s
d a a b ord a g e m d a d ife re n ç a re s p o n d e m qu e os casos d e d i
fe re n cia ç ã o le g ítim a são s u fic ie n te m e n te ra ro s e os casos d e
dife re n cia ç ã o a rb itrá ria tã o co m u n s q u e o ô n u s d a pro v a re
cai sobre òs qu e a firm a m qu e o sexo é fu n d a m e n to re le v a n te
p ara a a trib u iç ã o d e b e n e fício s o u posiçõ e s..
Essa a bord a g e m d a dife re n ç a , com o a in te rp re ta ç ã o -p a -
drã o d a le i d e ig u a ld a d e s e xu al n a m a io ria dos países o c id e n
ta is , te v e a lg u n s sucessos. S eu " im p u ls o m o r a l" é " c o n f e rir
às m u lh e re s ace sso à q u iia a q u e os h o m e n s tê m a c e sso " e
re a lrn e n le " c o n s e g u iu q u e as m u lh e re s tiv e ss e m c e rto aces
so a o e m pre g p e à e duc a ç ã o, às ocup a çõ e s p ú b lic a s - in c lu
siv e com o a c a d ê m ic a s, p ro fis s io n a is , lib e ra is e o p e rá ria s - f à
c a rre ira m ilit a r e a c e sso m a is qu e triv ia l a o a tle tis m o " (M a c
k in n o n , 1987: 33, 35). A a b ord a g e m d ife re n c ia d a a ju d o u a
c ria r acesso o u c o m p e tiç ã o n e u tro s q u a n to a o g ê n e ro co m
re la ç ã o a b e n e fício s socia is e cargos.
S eus suce ssos sã o lim ita d o s , p o ré m , p o is e la ig n o ra
as d e sig u a ld a d e s d e g ê n e ra e m b u tid a s n a p ró p ria d e fin i
çã o d e ste s c a rg o s . A a b ord a g e m d a d ife re n ç a v ê a ig u a l
d a d e d o s se xos e m fu n ç ã o d a c a p a cid a d e d a s m u lh e re s de
c o m p e tir, so b re gra s n e u tra s q u a n to a o g ê n e ro , p e lo s p a
p é is q u e os h o m e n s d e fin ira m . A ig u a ld a d e , p o ré m , n ã o
p o d e s er a lc a n ç a d a p e rm itin d o q u e os h o m e n s c o n s tru a m
in s titu iç õ e s so cia is s e g u n d o seus inte re ss e s e, d e p ois , ig n o
ra n d o o g ê n e ro dos c a n d id a to s a o d e c id ir q u e m pre e n c h e
os p a p é is n e sta s in s titu iç õ e s . O p ro b le m a é q u e os p a p é is
p o d e m s er d e fin id o s d e m a n e ira q u e fa ç a m co m q u e os h o
m e n s s e ja m m a is a d e q u a d o s a ele s, m e sm o n a c o m p e tiç ã o
n e u tra q u a n to a o g ê n e ro .
308 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

C onsid ere o fa to d e qu e a m ai o ria dos tra b a lh o s " e xig e m


q u e a p e sso a , n e u tra q u a n to a o g é n e ro , q u e e ste ja q u a lifi
cada p ara ele s seja a lg u é m q u e n ã o é o g u a rd iã o p rim á rio de
u m a cria n ç a em id a d e p ré -e s c o la r" (M a c k in n o n , 1987: 37).
D a d o qu e a in d a se e sp era qu e as m ulh e re s to m e m c o n ta dos
filh o s em nossa socie d a d e , os h om e n s te n d e rã o a se s a ir m e
lh o r d o qu e as m u lh e re s ao c o m p e tir p o r ta is tra b a lh o s . Isso
n ã o a conte c e p orq u e h a ja d is crim in a ç ã o c o n tra as m u lh e re s
c a n d id a ta s . O s e m pre g a d ore s p o d e m n ã o d a r a te n ç ã o ao
g é n e ro dos c a n d id a to s o u p o d e m , n a v e rd a d e , d e s e ja r c o n
tra ta r m a is m ulh e re s . O pro b le m a é qu e m u ita s m u lh e re s c a
re c e m d e q u a lific a ç ã o re le v a n te p a ra o tra b a lh o - is to é, s e
re m livre s d e re s p o n s a b ilid a d e s p e lo c u id a d o dos filh o s. H á
n e u tra lid a d e q u a n to ao g ê n e ro n o fa to d e qu e os e m pre g a
d ore s n ã o a te n ta m p a ra o g ê n e ro d o s c a n d id a to s , m a s n ã o
há. ig u a ld a d e s e xu a l, p o is o tra b a lh o fo i d e fin id o sob o pre s
s u p o sto d e q u e s e ria pre e n c h id o p o r h o m e n s q u e tiv e ss e m
m u lh e re s e m casa, c u id a n d o d o s filh o s . A a b ord a g e m d ife
re n cia d a in s is te e m q u e o g ê n e ro n ã o d e v e s er le v a d o e m
c o n ta a o d e c id ir q u e m d e v e te r acesso a o c argo, m a s ig n o ra
o fa to " d e qu e o d ia u m n o proc e sso d e le v a r e m c o n ta o sexo
fo i o d ia e m qu e as fu n çõ e s d o c argo fo ra m e strutura d a s com
a e x p e cta tiv a d e qu e se u o c u p a n te n ã o te ria re s p o n s a b ilid a
des p e lo c u id a d o dos filh o s " (M a c k in n o n , 1987: 37).
O q u e d e term in a-s e a n e utra lid a d e q u a n to ao sexo gera ou
n ã o ig u a ld a d e s e xu al é o fa to d e o sexo te r sid o a n te rio rm e n
te le v a d o e m co n ta o u n ã o. C o m o d iz Ja n et R a d cliffe R ich ard)

se u m gru p o é m a n tid o fo ra de a lgo p or u m p e río d o s u ficie n


te m e nte lo n g o , é a vassala doram ente pro v á v e l que as a tiv id a
des deste tip o se d e s e nvolv a m de m a n e ira in a d e qu a d a para
o gru p o e xclu íd o. S abemos com certe z a que as m ulh e re s fo
ra m m a ntid a s fora de m u ito s tip o s de tra b a lh o e isso sig n ific a
que é b e m pro v á v e l que o tra b a lh o seja in a d e qu a do p ara elas.
O e x e m plo m a is ó b vio disso é a in c o m p a tib ilid a d e da m a ior
p arte dos tra b a lh o s com o p a rto e a cria çã o dos filh o s ; e stou
firm e m e n te co n v e n cid a de que se as m ulh e re s e stiv e ss e m
ple n a m e nte e n volvid a s n a a dm in istra ç ã o da socie da de d es-
o F E M IN IS M O 309

de o in íc io elas te ria m encontrado um a m a n eira de ord e n a r tra


b a lho e filh o s de m a n e ira que se ajusta ssem m utu a m e nte .
O s hom e ns n ão tiv e ra m ta is m otiv a çõ e s e pod e m os v e r os re
sulta d os (R a dcliffe R ich ards, 1 98 0:1 1 3-4).

Essa in c o m p a tib ilid a d e qu e os h o m e n s o rig in a ra m e n tre


a cria ç ã o dos filh o s e o tra b a lh o re m u n e ra d o te m re s u lta d o s
p ro fu n d a m e n te d e sig u a is p a ra as .m ulh e re s . O re s u lta d o é
n ã o a p e n a s q u e as p o siçõ e s m a is v a lo riz a d a s da so cie d a d e
são o cu p a d a s p o r h o m e n s , e n q u a n to as m u lh e re s e n c o n -
tra m -s e d e s pro p o rcio n a lm e n te co n c e ntra d a s n o tra b a lh o de
m e io p e río d o e co m s a lá rio m a is b a ix o , m a s ta m b é m qu e
rrtu ita s m u lh e re s to rn a m -s e e c o n o m ic a m e n te d e p e n d e n te s
d o s.hom e n s. Q u a n d o a m a io r p a rte d a "re n d a fa m ilia r" v e m
d o tra b a lh o re m u n e ra d o d p h o m e m , a m u lh e r, q u e fa z o tr a -
b a lh o d o m é stic o n ã o re m u n e ra d o , to m a -s e d e p e n d e n te d e le
p a ra o acesso aos re c urs o s , Ã i cons e q ü ê n cia s d e sta d e p e n
d ê n cia to rn a ra m -s e m a is e vid e n te s co m o a u m e n to d a ta x a
de d iv ó rc io s . E n q u a n to os ca sais c a s a dos p o d e m c o m p a rti
lh a r o m e sm o p a drã o d e v id a d ura n te o c a s a m e nto , in d e
p e n d e n te m e n te d e q u e m re ce b e a re n d a , os e fe ito s d o d iv ó r
cio são c a ta stro fic a m e n te d e sig u a is. N a C a lifó rn ia , o p a drã o
d e v id a m é d io dos h o m e n s sob e 42 p o r c e n to d e p o is d o d i
v ó rc io , o das m u lh e re s cai 73 p o r c e n to e re s ulta d o s sim ila re s
fo ra m e n c o n tra d o s e m o u tro s e sta dos ( O k in , 1989b: 161).
C o n tu d o , n e n h u m a d e sta s co n s e qü ê ncia s d e sig u a is d a in
c o m p a tib ilid a d e d o c uid a d o com os filh o s e o tra b a lh o re m u
n e ra d o são d is crim in a d ora s , s e g u n d o a a b ord a g e m d ife re n
cia d a , p o is n ã o e n v o lv e m d is crim in a ç ã o a rb itrá ria . O fa to é
qu e e sta r liv r e d a s re s p o n s a b ilid a d e s re la tiv a s ao c u id a d o
das cria nç a s é u m p o n to re le v a n te p a ra a m a io ria dos tra b a
lh o s e xiste nte s, e os e m pre g a d ore s n ã o e stã o s e ndo a rb itrá
rio s ao in s is tir nisso. P or se tra ta r d e u m a sp e cto im p o rta n te
d a q u a lific a ç ã o , a a bord a g e m dife re n cia d a d iz qu e n ã o é u m a
d is crim in a ç ã o i n s is tir n e le , in d e p e n d e n te m e n te das d e sv a nr
ta g e ns qu e cria p a ra as m u lh ere s. N a v e rd a d e , a a b ord a g e m
dife re n cia d a v ê a pre ocup a ç ã o com as re spons a bilid a d e s p e lo
c u id a d o d o s filh o s , m a is d o qu e co m o c rité rio s irre le v a n te s
310 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

com o g ê n ero, com o in d íc io d e q u e a d is crim in a ç ã o s e xu al fo i


e lim in a d a . N ã o cons e gu e p e rc e b e r q u e a re le v â n cia das re s
p o n s a b ilid a d e s p e lo c u id a d o dos filh o s é, e la p ró p ria , u m a
p ro fu n d a fo n te d e d e sig u a ld a d e s e xu a l, u m a fo n te qu e s u r
g iu d a m a n e ira co m o os h o m e n s e s tru tu ra m h is to ric a m e n
te a e c o n o m ia p a ra qu e se a d e qu a sse aos seus intere ss e s.
E n tã o , a nte s d e d e c id ir sè o g ê n e ro d e v e s er le v a d o e m
co n sid e ra ç ã o , pre cis a m o s s a b er co m o já fo i le v a d o e m c o n
ta . E o fa to é qu e qu a s e to d o s os p a p é is e p o siçõ e s im p o r
ta n te s fo ra m e s tru tu ra d o s d e m a n e ira s m arc a d a s p e la p re
fe rê n cia d e g ê n e ro:

v irtu a lm e n te to d a q u a lid a d e qu e d istin g u e os h om e n s das


m ulh e re s já é a firm a tiv a m e n te com p ensad a n esta sociedade.
A fis io lo g ía dos h om e n s d e fin e a m a io ria dos e sporte s, suas
necessidades d e fin e m a co b e rtura dos seguros de a utom óv e is
e de saúde, suas b io gra fia s pro je ta d a s p ara o so cia l d e fin e m
as e xp e cta tiv a s de lo c a l de tra b a lh o e p a drõ e s b e m -s u c e d i
dos de c arre ira , suas p ersp e ctiv a s e interesse s d e fin e m a q u a
lid a d e n o tra b a lh o a cad êm ico, suas e xp eriê ncia s e obsessões
d e fin e m o m é rito , sua o bje tific a ç ã o da vid a d e fin e a arte , seu
s e rviço m ilit a r d e fin e a cid a d a nia , sua pre s e nç a d e fin e a fa
m ília , sua inc a p a cid a d e de se d are m b e m u ns com os o utro s
- suas gu erra s e gov ernos - d e fin e a h istória , sua im a g e m d e
fin e D eus e seus órgãos g e nita is d e fin e m o sexo. P ara cada
um a das difere n ç a s a nte a m u lh e r, está e m v ig o r o que e q u i
v a le a u m p la n o de ação a firm a tiv a , co n h e cid o , de o u tra
m a n e ira , com o a e stru tura e os v a lore s da socie da de a m e ri
cana (M a c kin n o n , 1987: 36).

T u d o isso é " n e u tro q u a n to a o g ê n e ro " , n o s e n tid o d e


qu e as m u lh e re s n ã o e stã o e xcluíd a s a rb itra ria m e n te d a b u s
ca das cois a s q u e a so cie d a d e d e fin e c o m o v a lio s a ^/M a s A
s e x is ta p o rq u e as c o is a s q u e e stã o s e n d o busc a d a s-d e m a -
n e ira n e u tra q u a n to a o g ê n e ro b a s e ia m -s e n o s in te re s s e s e
v a lore s d o s h o m e n s . A s m u lh e re s e stã o e m d e s v a n ta g e m
n ã o p orq u e os c h a u vin is ta s fa vore c e m os h o m e n s a rb itra
ria m e n te n a concessão d e tra b a lh o s , m a s p orq u e a socie d a d e
ip t ei ra fa m ira e -sis te m a tira m e o ^ ^
b a lh o s, m é rito etc.
o F E M IN IS M O 311

N a v erd a d e , q u a n to m a is a socie d a d e d e fin e posiçõ e s


de m a n e ira m arc a d a p e lo g ê n ero, m e n o s a a b ord a g e m d ife
re n cia d a é capa z de d e te cta r u m a d e sig u a ld a d e . C o n sid ere
um a socie d a d e qu e re s trin g e o acesso à contra c e pç ã o e ao
a K ñ r t i^ ^ q ’H é fin e o p a g a m e n to .d e ..tra b a lh o s .d e m a n e ira
qu e q s to rn e .in c o m p a tív e is co m o, p a rto e a cria ç ã o .d o s .fi-.
Ih o s e q u e n ã o p ro v ê co m p e n s a ç ã o e c o n ô m ic a p e lo , tra b a -
T h o .d o m é s tic o . T od a m u lh e r qu e e n fre n ta urn a gra vid e z
n ã o p la n e ja d a e q u e n ã o p o d e c ria r os filh o s e te r u m tra b a
lh o re m u n e ra d o sim u lta n e a m e n te é to m a d a e co n o m ic a
m e nte d e p e n d e nte d e a lg u é m qu e o b té m re nd a de m a n e ira
e stá v el (isto é, u m h o m e m ),. P ara .assegMxar,qne._.£Q O siga
e ste a p o io , j j a d e y e torn a r-s e ..s e x u a lm e n t.e a tra e n te .p a ra
g p(£ o m e n s_S a b e n d o qu e este é se u d e s tin o pro v á v e l, m u i
ta s g arota s n ã o se e m p e n h a m ta n to q u a n to os g a roto s p ara
co n s e g u ir h a b ilid a d e s d e e m pre g o qu e só p o d e m s er e x e r
cid a s p e la s qu e e vita m a gra vid e z . E n q u a n to os g a roto s b u s
ca m a s e gura nç a p e sso a l a u m e n ta n d o suas h a b ilid a d e s d e
e m pre g o , as g a rota s busc a m a s e gura n ç a a u m e n ta n d o sua
a tra ç ã o p a ra os h o m e n s . Isso, p o r su a v e z , re s u lta e m u m
sis te m a d e id e n tific a ç õ e s cu ltu r a is n o q u a l a m a s c u lin id a d e
é a ssocia d a c o m a o b te n ç ã o d e re n d a e a fe m in ilid a d e é d e
fin id a erp. fu n ç ã o d e s erviços s e xu a is e d o m é s tic o s p a ra os
h o m e n s e d a cria ç ã o dos filh o s . P orta n to , h o m e n s e m u lh e
res in gre ss a m n o c a s a m e nto co m p o te n cia is d e o bte n ç ã o de
re n d a d e sig u a is e e sta d is p a rid a d e a u m e n ta d ura n te o casa
m e n to à m e d id a qu e o h o m e m a d q uire e xp e riê n cia d e tra b a
lh o v a lios a . C om o a m u lh e r e n fre n ta m a is d ific u ld a d e p ara
se s u ste n ta r d e p ois qu e o c a s a m e nto é d e s fe ito , e la é m a is
d e p e n d e n te d a m a n u te n ç ã o d o c a s a m e nto, o qu e p e rm ite
ao h o m e m e x erc er m a is p o d e r d e n tro d e le .
E m ta l socie d a d e , os h o m e n s co m o gru p o ex e rc e m eon.-
J ro le sobre as ch a nc e s g era is d e v id a d a s m u lh e r es (p o r m e io
d e d e cisõ e s p o lític a s a re s p e ito d o a b o rto e d e d e cisõ e s e co
n ô m ic a s re fe re n te s a e xig ê n cia s d e tra b a lh o ) e os h o m e n s.
co m o .in dm d u Q s.je x e rc e m ..C Q .ntrole _so bre m ulh e re s e ç o n o-
..m ic a m e nte vu ln e rá v e is d e n tro do s c a s a m e ntos. N ã o o b s ta n-
312 . FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

te , n ã o pre cis a h a v e r n e n h u m a discrim in a ç ã o a rb itrá ria . Tudo


is to é n e u tro q u a n to a o g ê n e ro n o s e n tid o d e q u e o g ê n e ro
de u m a pessoa n ã o afe ta n e c e ss aria m e nte o m o d o p e lo q u a l
ela é tra ta d a p e lo s qu e estão e nc arre g a dos de d is trib u ir m e ios
c o n tra c e p tiv o s , tra b a lh o s o u p a g a m e n to d o m é s tic o . M a s,
e m b ora a a b ord a g e m d ife re n c ia d a c o n sid e re a a u s ê ncia de
d iiõ n m ln a ç ã o a rb itrá ria com o in d íc io d a ~ ã uggitd'a d e d e s i-
^g u a ld a d e s é xu a l. e ía p o d e , n a v e rd a d e ,lrê rn T d íc ^^
fus ã o.,É ju s ta m e n te p orq u e as m ulh e re s são d o m in a d a s n e s
ta socie d a d e qu e n ã o h á n e n h u m a n e c e ssid a d e d e qu e h a ja
d is crim in a ç ã o c o n tra elas. A d is crim in a ç ã o a rb itrá ria n o
e m pre g o é n ã o a p e n a s d e sn e c e ss á ria p a ra a m a n u te n ç ã o
d o p riv ilé g io m a s c u lin o , m a s é im p ro v á v e l qu e o c orra ,
p o is a m a io ria das m u lh e re s n u n c a e stará e m posiç ã o d e so
fre r d is crim in a ç ã o q u a n to a e m pre gos. T alve z u m a o u o u tra
m u lh e r consig a su p e ra r as pre ssõ e s socia is qu e su ste n ta m
õs p a p é is sexu a is tra d ic io n ais. M a s, q u a n to m a io r a d o m in a -'
ção, m e n or a p ro b a b ilid a d e d e qu e q u a is q u e r m u lh e re s e s
te ja m e m p o siç ã o d e c o m p e tir p o r e m pre g o e, p o rta n to ,
m e n o r o esp a ço p a ra a d is c rim in a ç ã o a rb itrá ria . Q u a n to
m a is d e sig u a ld a d e s e xu al h á e m u m a socie d a d e , m a is as
in s titu iç õ e s so cia is re fle te m os intere ss e s m a sculin o s e m e
nos dis crim in a ç ã o a rb itrá ria h a v e rá .
N e q h n m a d a s d e m o cra c i a s o rí d entaisX Q nte m porâ n e a s
corre sp o n d e ex ata m e n te a este m o d e lo d e socie d a d e p a tria r-
c a Ljm a s to d a s c o m p a rtilh a m a lg u m a s d a s suas ç a ra e te iís ti-
cas e ss e nciais:,E , se d e v e m os c o n fro n ta r e stas form a s d e in
ju s tiç a , pre cis a m o s c o n c e itu a r n o v a m e n te a d e sig u a ld a d e
s e xu a l co m o u m pro b le m a , n ã o d e d is crim in a ç ã o a rb itrá ria ,
m a s de d o m in a ç ã o . C o m o M a c k in n o n d iz ,

e xig ir que um a pessoa seja ig u a l aos que e stabeleceram o p a


drã o - a qu eles a nte os qu a is u m a pessoa já é so cia lm e nte
d e fin id a com o d ife re n te - sig nific a sim ple sm e nte que a ig u a l
dade sexual d e stin a-s e co nc e itu a lm e nte a nunc a ser alca nça
da. O s que m ais n ece ssitam de tra ta m e n to ig u a l serão os m e
llo s sim ilare s socia lm e nte àqueles cuja situ açã o estabelece o
jp a drã o co ntra o q u a l deve ser m e did o o d ire ito d a pessoa a ser
o F E M IN IS M O 313

tra ta d a de m o d o ig u a l. D o u trin a ria m e n te fa la n d o , os pro b le


mas m ais pro fu n d o s da d e sigu ald a d e sexual n ã o e nco ntra rã o
as m ulh ere s "situ a d a s sim ila rm e n te " aos hom e ns. M u ito m e-
nos as prá tic a s d a_d e ¿ igu a ld a d e_s e ^a l,e K Ígirá Q _q u^p s.^tos
'sèjãm in te n rio n a lm e n te d is crim in a tó rio s /M a c k in n o n , 1987:
44; cf. T a ü blT S ch n e id e r, 1 982:134).

A s u b ord in a ç ã o das m u lh e re s n ã o é fu n d a m e n ta lm e n
te u m a qu e stã o d e dife re n cia ç ã o irra c io n a l com base n o sexo,
m a s d e s u pre m a c ia m a s c u lin a , sob a q u a l as d ife re n ç a s de
g ê n ero são to m a d a s re le v a nte s p ara a d is trib u iç ã o d e b e n e fí
cios, p ara d e sv a nta g e m siste m á tic a das m ulh e re s (M a c kin n o n ,
1987: 42; F ry e , 1983: 38).
C o m o o p ro b le m a é a d o m in a ç ã o , a s olu ç ã o n ã o é a p e
nas ã a us ê ncia de d is crim in a ç ã o , m as a pre s e nç a d e p o d e r.
'A T g u a ld a d e re q u e r n ã o a p e n a s ig u a l o p o rtu n id a d e d e b u s
c ar p a p é is d e fin id o s p o r h o m e n s, m a s ta m b é m ig u a l p o d e r
d e c ria r p a p é is d e fin id o s p o r m u lh e re s o u d e c ria r p a p é is
a n dró g in o s , q u e h o m e n s e m u lh e re s te n h a m ig u a l in te re s
se e m pre e n c h e r. O re s u lta d o d e t a l c a p a cita ç ã o p o d e ria ser
m u ito d ife re n te d e noss a socie d a d e o u d a socie d a d e d e in s
titu iç õ e s m a s c u lin a s co m ig u a l o p o rtu n id a d e d e in gre s s o ,
p re fe rid a p e la te o ria d a d is crim in a ç ã o s e xu a l c o n te m p o râ
n e a . A p a rtir d e u m a p o siç ã o d e ig u a l p o d e r, n ã o te rí a m o s
cria d o u m s iste m a d e p a p é is so cia is q u e d e fin e os tra b a lh os
" m a s c u lin o s " co m o s u p e riore s a os tra b a lh o s " fe m in in o s " .
P or e x e m plo , os p a p é is dos p ro fis s io n a is d e s a úd e , h o m e n s
e m ulh e re s , fora m re d e fin id o s p e lo s h o m e n s c o n tra a v o n ta
de das m u lh e re s d a áre a. C o m a pro fis sio n a liz a ç ã o d a m e d i
cin a , as m u lh e re s fo ra m e xpuls a s d e seus p a p é is tra d ic io n a is
n a sa úd e com o p a rte ira s e cura n d e ira s, e re le g a d a s ao p a p e l
de e nfe rm e ira s - um a posiç ã o qu e é subs ervie nte ao p a p e l do
m é dic o e fin a n c e ira m e n te m e n o s re c o m p e n s a d ora . A re d e -1
fin iç ã o n ã o te ria a c o n te cid o se as m u lh e re s e stiv e ss e m e m j
posiç ã o de ig u a ld a d e e te rá d e s er re p e ns a d a a gora se as m u -|
lh e re s q u is e re m a lc a n ç a r a ig u a ld a d e . f
A a c e ita ç ã o d a a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o e x ig iria m u i
ta s m u d a n ç a s n a s re la çõ e s d e g ê n e ro . M a s q u e m u d a n ç a s
314 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

e x ig iria em noss a s te oria s d e ju stiç a ? A m a io ria dos te óric o s


d is c u tid o s n o s c a p ítu lo s a n te riore s a c e ita im p líc ita o u e x p lí
cita m e nte a a bord a g e m difere ncia d a . Isso, p oré m , re fle te um a
fa lh a e m seus p rin c íp io s o u u m a fa lh a n a m a n e ira com o es
te s p rin c íp io s fora m a p lic a d o s às qu e stõ e s d e g ê n ero? M u i
tas í
p rio s p rin c íp io s , q u e os te ó ric o s d a " c o rre n te m ã iç u Ê ^
(com o M a ry O 'B rie n os ch a m a), t a n t ^ j j ir e j t a ç o m o .(k e § .-__
q u e rd a , in t e m ie t a m ^ ig u a ld a d e de. m a n e ira s <ms.sãQ in c a -
p a z e s d e re c o n h e c e r a su b o rd in a çã o d a s m ulh e re s.,,N a v e r
d a d e , a lg um a s fe m in is ta s a rg u m e n ta m qu e a lu ta c o n tra a
su b ordin a ç ã o s e xu al e xig e qu e a b a n d o n e m o s a p ró p ria id é ia
d e in te rp r e ta r a ju s tiç a e m te rm o s d e ig u a ld a d e . E liz a b e th
G ross a rg u m e n ta qu e , v is to qu e as m u lh e re s d e v em ser l i
vre s p a ra r e d e fin ir os .pap é is s o a m seus o b je tiv o s s lo d e s
crito s d a m e lh o r m a n e ira a nte s com o u m a p o lític a d e " a u -
tq iT C lttla ,' ÜO qUg'S S tiió IitS n a ^ a d ^ic a de^ T/,ig u a ld a d è ’5:

A a uto n o m ia im p lic a o d ire ito de nos v erm os em qu a is


q u e r term os que e scolh erm os - o que pod e ou n ã o im p lic a r
um a inte gra ç ã o ou a lia nç a com o utro s grupos e in d iv íd u o s . A
igu a ld a d e , p o r o u tro la do, im p lic a um a m e did a se gundo um
p a drã o d a do. A igu a ld a d e é a e quiv a lê ncia de dois (ou m ais)
te rm o s, u m dos qu a is assum e o p a p e l de n orm a ou m o d e lo
de m an eiras inqu e stion á v e is. A a uto nom ia , p o r contraste, im q
p lic a o d ire ito de a c e ita r ou re je ita r ta is n orm a s ou p a drõ e sj
s e gundo sua adequação a nossa a u to d e fin iç ã o . A s lu ta s p o |j
igu ald ad e [...] im plic a m um a aceitação de padrões dados e um a
co nform id a d e com suas e xp e cta tiv a s e exig ências. A s luta s
p or a uto n o m ia , p o r o u tro la d o, im p lic a m o d ire ito de re je ita r
ta is p a drõ e s e de cria r p adrõ es novos (G ross, 1986:193).

G ross su p õ e q u e a ig u a ld a d e s e xu a l d e ve s er in te rp re -
ta d a e m te rm o s d e e lim in a ç ã o d a d is crim in a ç ã o a rb itrá ria . A
a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o , p oré m , ta m b é m é u m a in te rp re
ta ç ã o d a ig u a ld a d e e, se n ó s a a c e ita rm o s , a a u to n o m ia to r-
n a r-s e -á p a rte d a m e lh o r te o ria d a ig u a ld a d e se xu al, n ã o u m
v a lo r riv a l. O a rg u m e n to a fa v o r d a a u to n o m ia das m ulh e re s
o F E M IN IS M O 315

re corre à id é ia m a is p ro fu n d a d a ig u a ld a d e m o ra l e m v e z
He e n tra r e m c o n flito c o m e la , p ois ela a firm a qu e os in te re s
ses e e xp e riê n cia s das m u lh e re s d e v e m s er ig u a lm e n te im
p o rta n te s n a m q ld a g c m d a v id a s o cia l. C o m o d iz Z ü Ii K lif-
s e n ste in , " a ig u a ld a d e n e ste s e n tid o s ig n ific a os in d iv íd u o s
te re m ig u a l v a lo r com o seres h u m a n o s. N e sta vis ã o , a ig u a l
d a d e n ã o s ig n ific a ser co m o os h o m e n s , t a l c o m o ele s são
h oje , n e m te r ig u a ld a d e com nossos o pre ssore s " (E is e nste in,
1984: 253).
P orta n to , ,tj a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o com p a rtil h a com
os te óric o s d a c o rr e n i l ^ ^ .a
igu alcfa dq. M a s e la é c o m p a tív e l com a m a n e ira com o os
te óric o s d a c orre n te d o m in a n te in te rp re ta m e ste c o m p ro
m isso - p o r e x e m plo , a a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o a ju sta -s e
à vis ã o lib e ra l da ig u a ld a d e d e re cursos? M a c k in n o n a rg u -jj
m e nta qu e a a b ord a g e m da d o m in a ç ã o le v a -n o s a lé m d o s i
p rin c íp io s b á sicos d o lib e ra lis m o . É a ssim ? É v e rd a d e qu e os 1
te óric o s lib e ra is , com o o u tro s te óric o s d a c orre n te m a s c u li
n a, a c e ita ra m a a b ord a g e m d ife re n c ia d a d a ig u a ld a d e s e
x u a l e, co m o re s u lta d o , n ã o a ta c ara m s e ria m e n te a s u b o rd i
nação das m ulh e re s . P od em os a rg u m e nta r, p oré m , qu e os li-1
b era is (e o u tro s te óric o s co nte m p orâ n e o s) e stã o tra in d o s e u s!
p ró p rio s p rin c íp io s a o a d o ta r a a b ord a g e m d ife re n c ia d a 3. 1

3. T a lv e z os c o m u n it á rio s n ã o poss a m a c e it ar a a bord a g e m da d o m in a


ção, já qu e ela supõ e qu e as pessoas p o d e m colo c a r seus p a p éis e m qu e stã o
de u m a m a n e ira qu e o c o m u n it a ris m o n ega o u re pro v a (cap. 6, seção 3 a cim a
- sobre a te ns ã o e ntre o f e m in is m o e o c o m u n it a ris m o , v e r G re schn er, 1989;
O k in , 1989b: 41-62; F rie dm a n, 1989). E s c o m o o ^ l i b grt a rios n ã o a c e it a m . a
ig u a ld a d e lim it a d a de çoftdiç ã Q subja c e nie u à.a .b Q rda g errLd ajdifere nç a , m ã e s ? .,
ta o p ro n to s a aceit a r a a bord a g e m da d o m in a ç a o. A s o utra s te ona s, pore m ,
p are c e m capa z es de a d ota r a a b ord a g e m d a do m in a ç ã o . 'M a c k in n o n a rg u-
ifl è ril â qu e a a b ord a g e m d a dom in a ç ã o está a lé m do alc a nce do lib e ra lis m o
p orq u e os lib e ra is a lm e ja m u m a le i " fo rm a l " o u " a b s tr a t a " qu e seja " tra n s p a
re n t e d e su b stâ n cia " . N ã o c o m pre e n do seu contra ste de " fo rm a " e " s u b s t â n
cia " n e m com o ele se re la cion a co m os prin c íp io s lib e ra is tra d icio n a is de
ig u a ld a d e e lib erd a d e . M a c k in n o n m u ita s ve z e s p are c e ig u a la r o lib e ra lis m o a
u m a corre nte p a rtic u la r de int e rpre t a ç ã o c o n s titu c io n a l a m eric a n a .
316 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

N a v e rd a d e , a d is ju n ç ã o e n tre a a b ord a g e m d ife re n c ia d a


e os p rin c íp io s lib e ra is é e vid e n te . O c o m pro m is s o d o lib e
ra lis m o com a a u to n o m ia e a ig u a l o p o rtu n id a d e e com um a
d is trib u iç ã o d e re c urs o s s e n s ív e l à a m b iç ã o e in s e n s ív e l à
C d o ta ç ã a â x clu i as divis õ e s d e g ê n e ro tra d ic io n a is . P arece n ã o
h a v e r n e n h u m a ra z ã o p e la q u a l a pro p e n s ã o p a ra o e ê cte-
fó "d0s~ p a p e T s'socia is e x is te n te s n ã o s e ria re c o n h e c id a p e -
T õs T õnlrã T a n T ê s n T p o s iç ã o o rig in a l d e R a w ls co m a io n t e
d e inju stiç a ;. E m b ora o p ro p n o R a w ls n a o d ig a n a d a a re s
p e ito d e co m o e stes c o n tra ta n te s in te rp re ta ria m a ig u a ld a
de s e xu al, o u tro s a rg u m e n ta ra m qu e a ló g ic a d a co n stru ç ã o
de R a w ls - isto é, o co m pro m is s o com a e lim in a ç ã o das d e si
gu ald a d e s im e re cid a s e com a lib e rd a d e d e e scolh erm os n o s
sos o b je tiv o s - re q u e r re fo rm a ra d ic a l. P or e x e m plo^ K a re n
G re e n a rg um e nta qu e o intere ss e dos co ntra ta nte s n a ig u a l li-
b erd a d e re qu er a re d istrib u iç ã o d o tra b a lh o dom é stico (G re e n,
P9g6: 3 1 -5 r'E 'S ü s a n O R ih a rg ü n ié n ta qu e os c o n tra ta n te s d e
R a w ls in s is tiria m , e m u m . a ta q u e m a is c o m p le to ao siste m a
d e d ife re n cia ç ã o d e g ê n eros, e lim in a n d o a d ivis ã o d e sig u a l ,
d o tra b a lh o d o m é s tic o e a o b je tifíc a ç ã o s e xu a l ( O k in , 1987:
6 7-8). G onclusõ e s sim ila re s a re s p e ito d a in ju s tiç a dos p a
p é is d e g ê n e ro tra d ic io n a is p o d e m s er o b tid a s se p e rg u n
ta rm o s se e ste s p a p é is p a ss a m p e lo te ste d e e q ü id a d e d e
D w o rk in (cf. cap. 3, seção 5 a cim a ).
E m b ora os lib e ra is te n h a m e ndo ss a d o h is to ric a m e n te
a a b ord a g e m dife re n cia d a , isso n ã o é o p ro d u to d e prin c íp io s
fa lh o s , m a s d e a plic a çõ e s fa lh a s d e ste s p rin c íp io s . Isso n ã o
q u e r d iz e r q u e os lib e ra is te n h a m sim p le s m e n te ig n o ra d o o
pro ble m a d a d e sigu a ld a d e se xu al, com o qu e p o r a cid e nte . H á ,
ra z õ e s e vid e n te s d e in te re s s e p ró p rio p e la s q u a is os t e ó ri
cos m a s c u lin o s e vita ra m a a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o . A lé m
disso , co m o v e re m o s , u m c o m pro m is s o co m e sta d e scriç ã o
m a is fo rte d a ig u a ld a d e s e xu al suscita qu e stõ e s d ifíc e is a re s
p e ito d a re la ç ã o e n tre o p ú b lic o e o p riv a d o e e n tre a ju s tiç a
e o cu id a d o .
o F E M IN IS M O 317

2. O p ú b lic o e o priv a d o

Q u a n d o a plic a m o s a a b ord a g e m d a d o m in a ç ã o à ig u a l
d a d e s e xu a l, u m a d a s q u e stõ e s c e n tra is é a q u e d iz re s p e i
to à d is trib u iç ã o d e sig u a l d o tra b a lh o d o m é stic o e à re la ç ã o
e n tre re s p o n s a b ilid a d e s d e fa m ília e re s p o n s a b ilid a d e s d o
lo c a l d e tra b a lh o . O s te ó ric o s d a c o rre n te d o m i n a n te , p o -
ré m , re lu ta ra m e m ’ c o n fro n ta r .as re la çõ e s fa m ilia re s e ju l
g á -la s à luz. d e p a drõ e s d e ju s tiç a . O s lib e ra is clá ssicos, p o r
e x e m plo , supus era m qu e a fa m ília (e nca b e ça d a p o r u m h o
m e m ) é u m a u n id a d e b io lo g ic a m e n te d e te rm in a d a e q u e a
ju s tiç a re fe re -s e às re la çõ e s c o n v e n c io n a lm e n te d e te rm i
nadas e ntre fa m ília s (F hte m a n, 1980: 2 2-4). P orta nto , a ig u a l -
d a d e n a tu ra l qu e dis c u te m é de p a is com o re pre s e nta nte s de
'fa m ilia s , e o c o n tra to so cia l qu e d is c u te m g o v e rn a as re la çõ e s
e n tre fa m ília s . A ju s tiç a re fere -se ao d o m ín io " p ú b lic o " , n o
q u a l h o m e n s a d u lto s lid a m com h o m e n s a d u lto s e m c o n fo r
m id a d e com conve nçõ e s m u tu a m e n te acord a d a s. A s rela çõ e s
fa m ilia re s , p o r o u tro la d o , são " p riv a d a s " , g o v e rn a d a s p e lo
in s tin to o u solid a rie d a d e n a tura l.
O s te óric o s c o n te m p orâ n e o s n e g a m qu e a p e n a s os h o
m e n s s e ja m capa z es d e a tu a r d e n tro d o d o m ín io p ú b lic o .
M a s, e m b ora a ig u a ld a d e sexu a l seja a gora a firm a d a , a in d a
se pre ssupõ e qu e e sta ig u a ld a d e , com o n a te o ria lib e ra l clá s
sica , a p lic a se a re la çõ e s fora d a fa m ília ., O s te óric o s d a ju s
tiç a c o n tin u a m a ig n o ra r re la çõ e s d e n tro d a fa m ília , q u e se
s u p õ e s e r u m d o m ín io e s s e n c ia lm e n te n a tu ra l. E a in d a
se su p õ e , im p líc it a o u e x p lic ita m e n te , q u e a u n id a d e fa
m ilia r n a tu ra l é a fa m ília tr a d ic io n a l e nc a b e ç a d a p o r u m
h o m e m , com as m ulh e re s e x e cuta n d o o s erviço d o m é stico e
re p ro d u to r n ã o re m u n e ra d o . P or e x e m plo , e m b ora J. S. M ill
e nfa tiz a ss e qu e as m ulh e re s era m ig u a lm e n te capa zes de re a
liz a ç ã o e m tod a s as esferas d e e m pre e n d im e n to , ele supôs
qu e as m u lh e re s c o n tin u a ria m a fa z e r o tra b a lh o d o m é stic o .
E le d iz q u e a d ivis ã o s e x u a id o tra b a lh o .d e n tro d a í a m ília " já
é fe ita p o r c o n s e n tim e n to ou, de q u a lq u e r m o d o r n ã o ,p e la
318 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

le t m as p e lo co stum e g e ra l" e d e fe. n.., d e_ isso


-a...--........s.s,/., , . . . . . . . „ . , . . _. x
com
_
o^ ." a.i^.mmam:
d ivis ão
ij.uujj,mL

d e tra b a lh o .m a is a d e qu a d a e n tre du a s p e sso a s ":

C om o u m hom e m q u a ndo escolhe um a profiss ã o, assim


ta m b é m , qu a nd o um a m u lh e r se casa, e nte nd e -s e de m od o
g era l que ela fa z um a opçã o p e la a dm in istra ç ã o de um a casa
e a cria çã o de um a fa m ília , com o a p rim e ira coisa que exige
seus e sforços, d ura n te ta nto s anos da vid a q u a n to sejam n e
cessários p ara este p ro p ó sito ; e que ela re n u n cia , n ã o a tod a s
as outra s coisas e ocupações, m as a tu d o que n ã o seja co m
p a tív e l com as e xig ê ncia s disso (M ill e M ill, 1970:179).

E m b ora os te óric o s c o n te m p orâ n e o s ra ra m e n te s ejam


tã o e x p lícito s q u a n to M ill, eles c o m p a rtilh a m im p lic ita m e n
te e sta suposiç ã o a re s p e ito d o p a p e l das m ulh e re s n a fa m ília
(e, se n ã o c o m p a rtilh a m , n ã o d iz e m n a d a sobre co m o o tr a
b a lh o d o m é stic o d e v e ria ser re co m p e n s a d o o u d is trib u íd o ).
P or e x e m plo , e m b ora R a w ls d ig a qu e a fa m ília é u m a das
in s titu iç õ e s so cia is a s ere m a v a lia d a s p o r u m a te o ria d a ju s
tiç a , ele s im p le s m e n te p re s s u p õ e q u e a fa m ília .tori.ic.ktix a .U ^
ju stá ”é passa p a ra a m ê a iç ã o das d is trib u iç õ e s ju sta s em fu n -
-H. T • /•/ •• •. ........................ ................. - S 1 / / I C 1 C .1 . Jf-
çao da re n d a f a m ilia r q u e pro v e m dos ch e fe s d g .fc n p ija..,
d e m o d o q u e as q u e stõ e s d e ju s tiç a d e n tro d a fa m iíiq ,.s ã p
e x clu id a s d o trib u n a l4. Ã n e g lig ê n c ia d a fa m ília e ste v e p re
s e nte a té m e sm o e m b o a p a rte d o fe m in is m o lib e ra l, qu e
" a c e ito u a d iv is ã o e n tre as e sfera s p ú b lic a e p riv a d a e e sco
lh e u busc ar a ig u a ld a d e p rim a ria m e n te n o d o m ín io p ú b lic o "
(E va ns, 1 9 7 9 :1 9).
O s lim ite s d e q u a lq u e r a b ord a g e m d a ig u a ld a d e s e xu a l
q u e n e g lig e n c ie a fa m ília to m a ra m -s e ca d a v e z m a is claros.
C om o vim o s , o re s u lta d o d a " d u p la jo m a d a " de tra b a lh o das
m u lh e re s é o fa to d e q u e as m u lh e re s e stã o c o n c e n tra d a s
e m tra b a lh o d e m e io p e río d o e re m u n e ra ç ã o b a ix a , o q u e ,
p o r su a v e z , as to rn a e c o n o m ic a m e n te d e p e n d e nte s. C o n -

4. V e r R a wls (1 9 7 1:1 2 8 ,1 4 6). A de scriçã o de R a wls d a fa m ília é d is c uti- ti


d a e m O k in (1987); G re e n (1986); E n g lis h (1977); K e arns (1983). A "res:

í/
a ris to t é lic a " de tr a t a r os in d iv id u o s c om o " ch e f e s d e f a m ili a " c o n tin u a a
m u m n a ciê ncia p o lític a (S tie hm , 1983).
o F E MIN IS M O 319

tu d o , m e sm o q u e e sta v u ln e ra b ilid a d e e co n ô m ic a fosse re


m o vid a , p e la g a ra ntía d e urn a re n d a a n u a l a tod o s, a in d a h a
v e ria a in ju s tiç a d e qu e é a pre s e nta d a às m u lh e re s um a es
colh a , e ntre fa m ília e c arre ira , qu e os h o m e n s n ã o e nfre n ta m .
A a fin n a ç ã c L d e J v Ijll..d ^u & jim ^m u lh e r^ u e L S .e x a s a . a c e ita
um a ocup a ç ã o d e te m p o in te g ra l, e x a ta m e nte com o u m h o
m e m qu e a ssum e u m a pro fis s ã o , é jn ota v e lm e nte in ju s t a /À fi-'
‘ n a l, os h o m e n s ta m b é m se ca sam - p o r qu e o c a s a m e nto
d eve te r cons e q ü ê n cia s tã o d ife re n te s e d e sig u a is p ara h o
m e ns e m ulh e re s? O d e s ejo d e s er p a rte d e u m a fa m ília n ã o
de ve im p e d ir u m a p e sso a de te r u m a c a rre ira e, n a m e d id a
em qu e isso te m cons e qü ê ncia s in e v itá v e is p a ra as c arre ira s,
de ve s er s u p o rta d o ig u a lm e n te p o r h o m e n s e m u lh e re s .
A lé m dissot re sp^a^u e s± ãfl.E efere nte .à .ra[z ã q p e la q u a l o
tra b a lh o d o m é s tic o n ã o re ce b e m a io r re c o n h e cim e n to p ú -
'^ líc o ^ M e s m o qu e os h o m e n s e as m u lh e re s c o m p a rtilh e m
Ô tra b a lh o d o m é stic o n ã o re m u n e ra d o , isso n ã o s e ria c o n s i
d e ra d o co m o ig u a ld a d e s e xu a l g e n u ín a se o m o tiv o d e sua
n ã o-re m u n e ra ç ã o fosse o fa to de nossa c u ltura d e sv a loriz a r o
" tra b a lh o d e m u lh e r" o u q u a lq u e r coisa " fe m in in a " . O s e xis-
m o p o d e e sta r pre s e n te n ã o a p e n a s n a d is trib u iç ã o d o tr a
b a lh o d o m é s tic o , m a s ta m b é m n a su a a v a lia ç ã o , li, c o m o a
d e sv a loriz a ç ã o d o tra b a lh o d o m é stic o e stá lig a d a à d e s v a ió-,
riz S Ç ac)rriaís im p la d o tra b a lh o fe m in in o , e ntã o , p a rte d a lu ta
p o r m a io'r "respeito p ara as m ulh e re s.e n volv e rá m a io r re s p e i
to p e la sua c o n trib u iç ã o p a ra a fa m ília , A fa m ília , p o rta n to ,
e stá n o c e n tro d a d e s v a loriz a ç ã o c u ltu r a l e d a d e p e n d ê n cia
e co n ô m ic a v in c u la d a aos p a p é is tra d ic io n a is das m u lh e re s .
E o re s u lta d o pre vis ív e l é qu e os h o m e n s tê m p o d e r d e sig u a l
e m quase to d o s os c a sa m e ntos, p o d e r qu e é e x e rcid o n a s d e
cisões re fe re n te s a o tra b a lh o , ao la z er, ao sexo, a o co n su m o
e tc., e qu e ta m b é m é e x e rcid o , e m u m a m in o ria s ig n ific a tiv a
d e c a s a m e ntos, e m a to s o u am e aças d e v io lê n c ia d o m é stic a
( O k in , 1989Ü: 1 2 8-3 0).
. A fa m ília , p o rta n to , é u m locus im p o rta n te p ara a lu fa .
p o r ig u a ld a d .e ..s e m a l' H á u m con s e n so cre sc e nte e n tre as
fe m in is ta s d e q u e à lu ta p e la ig u a ld a d e s e xu a l d e v e ir a lé m
320 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

tic o e a d e sv a loriz a ç ã o d a s m u lh e re s n a e sfera p riv a d a . ¡N a


verdade T C afoT e ta te m a n d iz qu e a " d ic o to m ía e ntre o p u b lic o
e o priv a d o [...] é, n o fim , a q u ilo d e qu e tra ta o m o vim e n to fe
m in is ta " (F hte m a n, 1 9 8 7 :1 0).
C o n fro n ta r a in ju s tiç a d a e sfera priv a d a e xig iria m u d a n
ças s u b sta n cia is n a v id a fa m ilia r. M a s q u e m u d a n ç a s e xig e
das te oria s d e ju stiç a ? C o m o v im o s , o fra ca sso em c o n fro n ta r
a sd e sig u_a ]d a d e sd e 4jé n e ro n a ia m ilia .p o d e
u m a tra iç ã o dos p rin c íp io s lib e ra is d e a u to n o m ia e ig u a l
' o p o rtu n id a d e . S e e u n d o a lg um a s crític a s fe m in is ta s , p oré m ,
os lib e ra is re cu s a m -s e a in t e rf e rir n a fa m ilia , m e sm o p ara
p ro m o v e r o b je tiv o s lib e ra is d e a u to n o m ia e ig u a l o p o rtu n i
d a d e , p orq u e e stã o c o m p ro m e tid o s c o m u m a d is tin ç ã o e n
tre o p ú b lic o e o p riv a d o , e p o rq u e v ê e m a fa m ilia c o m o o
c e n tro d a esfera priv a d a . A ssim , Jaggar a rg u m e nta qu e , com o
o d ire ito lib e ra l à priv a c id a d e " a bra n g e e pro te g e as in tim i
d a d e s p e sso ais d o lar, a fa m ilia , o c a s a m e nto, a m a te rnid a d e ,
a pro cria ç ã o e a cria ç ã o dos filh o s " , q u a is q u e r p ro p o s tas l i
b e ra is d e in te rfe rê n c ia n a fa m ília e m n o m e d a ju s tiç q „"re -
pré s e n ta m u m cla ro a b a n d o n o d e sta tra d ic io n a l conc e pç ã o
lib e ra l d a fa m ília com o c e n tro d a vid a priv a d a . [. m e did a
qu e a ê nfa s e fe m in is ta lib e ra l sobre a ju s tiç a cã a a v e z m a is
obscure ce seu re s p e ito p e la ch a m a d a v id a priv a d a , pod e m o s
com e ç ar a n o s p e rg u n ta r se os v a lore s b á sicos d o lib e ra lis
m o são, n o fim , m u tu a m e n te c o m p a tív e is " (Jaggar, 1983:199).
E m o u tra s p a la vra s, os lib e ra is d e v e m re n u n c ia r ao c o m p ro
m isso com a ig u a ld a d e s e xu al o u ao co m pro m is s o c o m .a d is-
tin ç ã o d e p ú b lic o e p riv a d o .
C o n tu d o , n ã o está cla ro qu e " a tra d ic io n a l conce pçã o l i
b e ra l" vê a fa m ilia " c o m o o c e n tro d a v id a p riv a d a " . H á , n a
v e rd a d e , du a s conc e pçõ e s d ife re n te s d a d is tin ç ã o d e p ú b lic o
e p riv a d o n o lib e ra lis m o : a p rim e ira , q u e te v e o rig e m com
Lock e , é a d is tin ç ã o e n tre o p o lític o e o socia l; a se gund a , que
te v e orig e m com os lib e ra is d e in flu ê n c ia ro m â n tic a , é a d is
tin ç ã o e n tre o s o cia l e o p e sso a l. N e n h u m a tra ta a fa m ília
com o in te ira m e n te priv a d a n e m e x plic a o u ju s tific a sua im u
nid a d e à re form a ju ríd ic a . N a v erd a d e , cada distin ç ã o , se a p li
cada à fa m ília , pro v ê fu n d a m e n to s p a ra c ritic a r a fa m ília tra -
o F E MINIS M O 321

d ic io n a l. O s lib e ra is , p oré m , n ã o a p lic a ra m e stas d is tin ç õ e s f


à fa m ília e g e ra lm e n te n e g lig e n cia ra m o p a p e l d a fa m ília n af
e stru tura ç ã o d a v id a p ú b lic a e d a v id a priv a d a .

(a) O E stado e a sociedade c iv il

A prim e ira ^v e rs ã o d a d is tin ç ã o d e p ú b lic o e p riv a d o d o


lib e ra lis m o é ilu s tra d a p e la d is tin ç ã o d e C o n s ta n t e n tre 441.-
" B èrd a d e a n tig a e a ,lib e rd a d e m od e rn a # A lib e rd a d e dos a n ti
gos era sua p a rticip a ç ã o a tiv a n o e x e rcício d o p o d e r p o lític o ,
n ã o a fru iç ã o p a cífic a d a in d e p e n d ê n cia p e sso al. O s a te n ie n
ses e ra m h o m e n s liv re s p o rq u e g o v e rn a v a m a s i m e sm os
cole tiv a m e n te , e m b ora carecessem d e in d e p e n d ê n cia e d e l i
b e rd a d e s c iv is p e sso a is e foss e e sp e ra d o q u e s a crific a s s e m
seus pra z ere s e m n o m e d a p ó lis . A lib e rd a d e dos m o d e rn o s,
p o r o u tro la d o , e n c o n tra -s e n a d e s im p e d id a busc a d e f e lic i
d a d e e m suas ocup a çõ e s e a p e gos p e sso ais, o qu e re q u e r l i
b erd a d e a p a rtir d o e x ercício d o p o d e r p o lític o . E n q u a n to os
an tig o s sacrific a v a m a lib e rd a d e priv a d a p ara pro m o v e r a v id a
p o lític a , os m o d e rn o s v ê e m a p o lític a co m o u m m e io (e, e m
c e rta m e d id a , u m s a c rifíc io ) n e c e s s á rio p a ra p ro te g e r su a
v id a p riv a d a . O lib e ra lis m o e xpre ssa seu c o m pro m is s o co m
a lib e rd a d e m o d e rn a s e p ara nd o n itid a m e n te o p o d e r p ú b li
co d o E sta do das re la çõ e s priv a d a s d a socie d a d e c iv il e e sta
b e le c e n d o lim ite s e s trito s à c a p a cid a d e d o E sta do d e in te rv ir
n a v id a priv a d a .
C rític o s fiz e ra m , m u ita s ve z e s, obje çõ e s a e sta d is tin ç ã o
de p ú b lic o e p riv a d o b a se a dos n o fu n d a m e n to d e q u e a ê n -
fase d o lib e ra lis m o sobre a vid a priv a d a é a n t is o cia b S e gún-
d o M a rx , p o r e x e m p lo , os d ire ito s in d iv id u a is e n fa tiz a d o s
p e lo s lib e ra is sã o as lib e rd a d e s de " u m h o m e m tra ta d o co
m õ d ím a m ó n a d a is o la d a e fe ch a d a e m s i m e sm a [...1 o d i-
re ito d o h o m e m à lib e rd a d e n ã o é b a s e a do n a u n iã o d e h o
m e m com h o m e m , m a s n a s e p ara ç ã o d e h o m e m e h o m e m .
t o d ire ito a e sta se p ara ç ã o " (M a rx, 1977fc>: 53). A vis ã o lib e ra l,
p oré m , pre ssu p õ e e fe tiv a m e n te noss a s o c ia b ilid a d e n a tu
ra l. C o m o obs erv a N a n c y R o s e n blu m ,
322 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

esta fro n te ira e ntre esferas n ã o im p lic a que a vid a priv a d a seja
ra d ic a lm e nte a p o lític a ou a n ti-s o c ia l. V id a priv a d a sig n ific a
vid a na sociedade c iv il, n ão a lg um estado pré -so cia l da n a tu
re za ou a condiçã o a nti-so cia l do isola m e nto e do desapego [...]
a lib e rd a d e priv a d a oferece um a e sc a p a tória à sup ervis ã o e à
in te rfe rê n cia dos fu n cio n á rio s p úblico s, m u ltip lic a n d o possi
T ãilidades de associações e com bin a çõ e s priv a d a s [...] L o n g e
de co n vid a r a a p a tia , supõe-se que a lib e rd a d e priv a d a e nco
raje a discussão p ú b lic a e a form a ç ã o de grupos que ofereça m
aos in d iv íd u o s acesso a conte xtos sociais m ais a m plos e ao
gov erno (R os e m blum , 1987: 61).

Q u a n d o o E sta d o d e ix a as p essoas na 'fin d e p e n d ê n cia


p e rfe ita " da v id a p riv a d a , n ã o os d e ix a e m is o la m e n to , m a s,
_a nte s, liv re s p a ra fo rm a r e m a n te r " a s socia çõ e s e cô m B i-
n a çõ e s ", o u o qu e R a w ls c h a m a í^ ^ r^ S Co
m o som os a n im a is socia is, òs" in d iv íd u o s u s a rã o su a lib e r
d a d e p a ra ju n ta re m -s e a o u tro s n a busc a d e fin s c o m p a rti
lh a d o s . A lib e rd a d e , p a ra os lib e ra is clá ssico s, b a s e a v a-s e
re a lm e n te n a " u n iã o d e h o m e m co m h o m e m " , m a s eles
a cre d ita v a m qu e a u n iã o de h o m e n s qu e surg e d a liv re as
socia ç ã o n a s o cie d a d e c iv il é m a is g e n u ín a e m a is liv r e d o
qu e a u n id a d e c o a gid a das a ssocia çõ e s p o lític a s . O id e a l l i
b e ra l d e v id a p riv a d a n ã o era p ro te g e r o in d iv íd u o d a so
cie d a d e , m a s lib e rt a r a so cie d a d e d a in te rfe rê n c ia p o lític a .
E m a is pre cis o v e r o lib e ra lis m o n ã o c o m o a n ti-s o c ia l, m as
com o " a g lorific a ç ã o d a Jso cie d a d e ", p o is os lib e ra is "d a s s ifi,-
cavam a vid a ..social com o a fo rm a m a is ele va d a de re aliz a ç ã o
h u m a n a e a c o n d iç ã o v it a l p a ra o d e s e n v o lv im e n to d a m o
ra lid a d e e da ra ciona hdade ",_enctuaiito,apolitic.Q „epa re d u z h
d o a o " s ím b o lo ru d e d a co erç ã o n e c e ss ária p a ra s u ste n ta r as
tra ns a çõ e s so cia is o rd e ira s " ( \ V olin , 1960: 363, 369, 291; cf.
H o lm e s , 1989: 248; S c h w a rtz , 1979: 245).
A qu e stã o b á sic a n a a v alia ç ã o d e sta v ers ã o d a divis ã o de
p ú b lic o e p riv a d o n ã o é e m q u e m e d id a os in d iv íd u o s re
q u e re m a socie d a d e p a ra a su a lib e rd a d e , m a s e m q u e m e
d id a os in d iv íd u o s s o cia is pre cis a m d o E sta d o p a ra a su a
lib e rd a d e . C o m o v im o s n o c a p ítu lo 6, isso fo i o b s c ure cid o
p e la s crític a s c o m u n itá ria s d o " a to m is m o " lib e ra l (cap. 6, se-
o F E M IN IS M O 323

ção 4 a cim a ). C o n tu d o , q u a n d o A ris tó te le s d is s e q u e ps h o


m ens eram-zôon p ó litik M .1n ã o q uis d iz e r sim ple sm e nte qu e o s
H om e ns são a n im a is socia is. P elo c o n trá rio , " o c o m p a n h e i
ris m o n a tu ra l m e ra m e n te socia l da e sp é cie h u m a n a fo i c o n
sid e ra d o u m a lim ita ç ã o im p o sta a nós p e la s n e c e ssid a d e s da
v id a b io ló g ic a , qu e são as m e sm a s p a ra o a n im a l h u m a n o e
p ara as o u tra s form a s d e v id a a n im a l" (A re n d t, 1959: 24). A i
vid a p o lític a , p o r o u tro la d o , era d ife re n te d e nossa v id a m e
ra m e n te s o cia l e s u p e rio r a e la . I
F ora m fe ita s v á ria s te n ta tiv a s d e d e rru b a r a g lo rific a ç ã o
lib e ra l d a so cie d a d e e d e re in s ta u ra r a p o lític a co m o form a
s u p e rio r d e vid a . A vis ã o lib e ra l, p oré m , im pre g n a a era m o
d e rn a e é com p a rtflK a cja im p ü c ita ro e n te m e sm o p e lo s seus
crític o s m a is ra d ic a is (W o lin , 1960: 290, 4 1 4-6). E n q u a n to os
gre gos s e n tia m qu e " s o b n e n h u m a circ u n s tâ n cia a p o lític a
p o d e ria s e r a p e n a s u m m e io d e p ro te g e r a s o cie d a d e ", os
te ó ric o s m o d e rn o s sim p le s m e n te d is c ord a m q u a n to a q u a l
tip o d e s o cie d a d e a p o lític a d e v e s e rv ir - " u m a so cie d a d e
dos fié is , com o n a Id a d e M é d ia , u m a socie d a d e , d e p ro p rie
tá rio s , com o e m L o ck e , u m a socie d a d e in c a n s a v e lm e nte d e
dic a d a a u m proc e sso d e a q uisiç ã o , c o m o e m H o b b e s, u m a
socie d a d e d e pro d u tore s , com o e m M a rx , u m a socie d a d e de
d e te n tore s d e e m pre gos, com o e m noss a socie d a d e , o u um a
so cie d a d e d e tra b a lh a d o re s , c o m o e m p a ís e s s o cia lis ta s e
c o m u nista s. E m to d o s estes casos, é a lib e rd a d e [...] d a socie.-
d a d e q u e re q u e r e ju s tific a a co n te n ç ã o d a a u to rid a d e p o lí-
tic a . À lib e rd a d e lo c a liz a -se n o d o m ín io d o so cia l e a forç a o u
v io lê n cia to rn a -s e o m o n o p ó li o d o g o v e rn o " (A re n d t, 1959:
31). E ste é u m dos casos, co m o o c o m pro m is s o com a ig u a l
d a d e m o ra l, e m q u e o c a p ita lis m o s im p le s m e n te v e n c e u o
d e b a te h is tó ric o , e to d o o d e b a te su b s e q ü e n te o c orre , em
c e rto s e n tid o , d e n tro d a s fro n te ira s dos co m pro m is s o s lib e
ra is b á sicos.
. E sta é a p.rim£Íra-forma.dajdisíin.cãQ. d e público e priv a d o
^ o lib e ra lism o . A s fe m in ista s fiz e ra m obiccõ e s a ela com base
jg m A S rio s fu n d a m e n to s ; A o bje ç ã o m a is p re m e n te é qu e a
m a io ria das d e scriçõ e s lib e ra is d o d o m ín io so cia l fa z p a re c e r
qu e ele c o n té m a p e n a s h o m e n s a d u lto s (e fis ic a m e n te ca-
324 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p a z e s), n e g lig e n c ia d o o tra b a lh o n e c e ss á rio p a ra c ria r e n u


tr ir e stes p a rtic ip a n te s , tra b a lh o qu e é e x e cuta d o p rin c ip a l
m e n te p e la s m u lh e re s , p rin c ip a lm e n te n a fa m ília . C o m o
obs erv a P a te m a n, " o lib e ra lis m o c o n c e itu a a socie d a d e c iv il
a b s tra in d o -a d a vid a d o m é stic a a trib u tiv a " e, p o rta n to , " e sta
p erm a n e c e 'e s q u e cid a ' n a discuss ã o te óric a . A se p aração e n - j
tre p ú b lic o e p riv a d o é, a ssim , [a pre s e nta d a ] co m o um a d i- j
vis ã o dentro [...] d o m u n d o dos hom e ns. A separação, e ntã o, é \
e xpressada d e m u ita s m a n e ira s dife re n te s , n ã o ape n a s c o m o '
p riv a d o e p ú b lic o , m a s ta m b é m , p o r e x e m plo , com o 's o cie
d a d e ' e 'E s ta d o ', 'e c o n o m ia ' e 'p o lític a ', 'lib e rd a d e ' e 'c o e r-
ç ã o', o u 's o c ia l' e 'p o lític o '" (P a te m a n, 1 9 8 7 :1 0 7), to d a s as
q u a is são d ivis õ e s " d e n tro d o m u n d o dos h o m e n s ".
A v id a d o m e s tic a , p o rta n to , te n d e u a s er cla s sific a d a
fora d o E sta d o e d a socie d a d e c iv il. P or qu e a fa m ília é e x
c lu íd a d a socie d a d e c iv il? J ^ p ^ o d m o j._ r e ^ o n d e r qu e .£Ía .

p ro b le m a , n o ca so, é ju s ta m e n te q u e e la n ã o é v is ta co m o
piarte d o d o m ín io p riv a d o , q u e é o d o m ín io d a lib e rd a d e } i-
“b e rã l E sta e xclus ã o d a fa m ília é surpre e n d e n te , e m u m s e n
tid o , p o is a fa m ília p are c e u m a in s titu iç ã o p a ra d ig m á tic a
m e n te socia l, p o te n cia lm e n te b a se a d a ju sta m e n te n o tip o de
coop era ç ã o q u e os lib e ra is a d m ira v a m n o re sto d a s o cie d a
d e , a in d a q u e h o je e ste ja a to la d a ju s ta m e n te n o tip o d e re s
triç õ e s a trib u tiv a s q u e os lib e ra is a b o m in a v a m n o fe u d a
lis m o . N ã o o b s ta n te , os lib e ra is pre o c u p a d o s e m p ro te g e r
a v id a s o cia l, e o acesso dos h o m e n s a ela , n ã o se pre o c u p a
ra m e m a ss e gurar qu e a v id a d o m é stic a fosse org a niz a d a de
a cord o com os p rin c íp io s d e ig u a ld a d e e c o n s e n tim e n to o u
qu e os a rra n jo s d o m é stic o s n ã o im p e ç a m o acesso das m u
lh e re s a o u tra s form a s d e v id a so cia l. P or qu e os lib e ra is , q u e ,
se o p u s e ra m à h ie ra rq u ia atrib u tiv a n o d o tiffp ip çte c iê n r
'cT â Tcli re lig iã o , d a c u ltu ra e d a e conom ia , n ã o m o stra ra m n e
n h u m in te fé s s e é m fa z e r o m e s in o p e la e sfera d o m é stic a ? 5

5. U m a explic a ç ã o é qu e os lib e ra is suste nta v a m a m e sm a p o stura de r e


je iç ã o qu e os a ntig o s p ara co m o d o m ín io dom é stic o. A s s im com o os a ntig os
v ia m a esfera d om é stic a com o a lg o a ser tra n s c e n did o p ara qu e os h o m e n s li-
o F E M IN IS M O 325

A e xplic a ç ã o ó b via é qu e os filó s o fo s h o m e n s n ã o t i


n h a m inte re ss e e m q u e s tio n a r u m a d ivis ã o se xu al d o tra b a
lh o d a q u a l se b e n e ficia v a m . Isso fo i ra c io n a liz a d o n o n ív e l
d a te o ria p o r m e io d a ^s u p p £ jç ã Q jd e q u e £ § 4 2 ^^
cos são fix a d o s b io lo g ic a m e n te , um a su p o siç ã o fu n d a m e n
ta d a e m a firm a ç õ e s ’ da in fe rio rid a d e das m u lh e re s o u n a
íd e o T õ jp F ^ s e n tim e n ta l, qu e d iz qu e o
v in c u lo s e n tim e n ta l qu e surg e n a tu ra lm e n te e n tre m ã e e f i
lh o é in c o m p a tív e l com os tra ços de c a rá te r n e c e ss ários p a ra
\ v id a s o cia l o u p o lític a ( O k in , 1981). M a s, e m b ora os te ó
ric o s lib e ra is te n h a m in v o c a d o u m a o u o u tra d e sta s s u p o s i
ções, elas n ã o são visõ e s d is tin ta m e n te lib e ra is e n ã o h á n e
n h u m a lig a ç ã o ló g ic a o u h is tó ric a e n tre ela s e a a c eita ç ã o d a
d is tin ç ã o lib e ra l d e E sta d o e socie d a d e .
O tris t e fa to d a q u e stã o é q u e qu a s e t o d o s os t e óric o s
p o lític o s d a tr ^ d ic ã C L ^ ^ fo ss e m s u a s .
vis õ e s s o bre a d is tin ç ã o , d e E sta d o e so cie d a d e , a c e ita ra m
u m a o u o u tra de sta s ju s tific a tiv a s p a ra s e p arar a vid a dpm é s-,
tic a d o re s to d a so cie d a d e e p a ra re le g a r as m u lh e re s a ela .
C o m o o b s e rv a m K e n n e d y e M e n d u s , " e m qu a s e to d o s os
a sp e ctos, as te o ria s d e A d a m S m ith e H e g e l, d e K a n t e M ill,
d e R ouss e a u e N ie tz s c h e e stã o m u itís s im o d is ta n te s , m a s,
n o se u tra ta m e n to das m u lh e re s , estes filó s o fo s , qu e d iv e r
g e m e m o u tro s p o n to s , a pre s e nta m u m a fre n te surpre e n d e n
te m e n te u n id a " . O s te óric o s d e to d o s os p o n to s d o e sp e ctro
p o lític o a c e ita ra m qu e " o c o n tin a m e n te das m ulh e re s à e sfe-
ra p riv a d a íd om e s tic a te ju s tific a d o p o r re fe rê n cia à n a ture z a
p a rtic u la ris ta , e m o cio n a l e n ã o u n iv e rs a l das m u lh e re s . V is-
to qu e ela só conh e c e os v ín c u lo s d o a m or e d a a m iz a d e , será
u m a pe sso a p e rig o s a n a v id a p o lític a , pre p a ra d a , ta lv e z , p a ra

vre s p u d e ss e m p a rtic ip a r da v id a polític a , p s lib e ra is , v ir a m a M d a jip j a é & tic a


com o a lg o a ser d o m in a d o p ara que fic a ss e m livre s p ara a v id a social. Isso p a
rece e xplic ar parda Jm eijJte .p o r qu e M ili e M a rx n ã o con sid e ra ra m a re pro d u
ção u m d o m ín io d e lib erd a d e , e fiu stiç a / Eles v ia m o p a p e l tra d ic io n a l d a m u
lh e r c o m o u m p a p e l m era m e n t e " n a tu r a l " , inc a p a z d e d e s e n v o lvim e n to c u l
tu ra l (cf. Jaggar, 1983: cap. 4; O k in , 1979: cap. 9).
326 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

s a crific a r o in te re s s e p ú b lic o m a is a m p lo a a lg u m v ín c u lo
p e sso al o u p re fe rê n c ia p riv a d a " (K e n n e d y e M e n d u s , 1987:
3 -4 ,1 0 ). E m o u tra s p ala vra s, os lib e ra is e ndoss ara m a d is tin
ção de p ú b lic o e d o m é stico p e la s m e sm a s ra zõ e s q u ç o s a n ti-
11'berais a e n d o ss a ra m , n ã o p o r a cre d ita re m e m u m a d is tin -

; qu e re je ita ra m a d is tin ç ã o de
p ú b lic o e p riv a d o te n d e ra m a a gu ç a r a d ivis ã o tra d ic io n a l de
d o m é stico e p ú b lic o . P or e x e m plo , e m b ora os gre gos a n tig o s
n ã o tiv e ss e m n e n h u m a conc e pç ã o d o tip o d e e sfera priv a d a
qu e os lib e ra is pre fe re m , fa z ia m um a n ítid a d is tin ç ã o e n tre

6. M u it a s f e m in ist a s d iz e m qu e a distin ç ã o de d om é stico e p ú b lic o s u r


g iu com a separa çã o das esfera s p ú blic a e priv a d a d o lib e ra lis m o ou fo i r e fl e ti
d a p o r ela (p or e x e m plo , N ic h o ls o n , 1986: 201; K e n n e d y e M e n d u s, 1987: 6-7;
C olth e a rt, 1 986:112). Isso, p oré m , é h is toric a m e n t e in e x a to, pois " a a tribuiç ã o
d e espa ço p ú b lic o aos h o m e n s e d e espaço [d o m é stic o] às m ulh e re s é c o n tí
n u a n a h istóric a o c id e n t a l" (E is e nste in, 1981: 22). O lib e ra lis m o h e rd o u , na
v erd a d e , crio u, esta d istin ç ã o de p ú b lic o e dom é stic o. P od e ser v erd a d e que,
ao e n f a tiz a r a d istin ç ã o e n tre p ú b lic o e p riv a d o d e n tro da socie d a d e civil, os l i
b era is obscure c era m a distin ç ã o m ais fu n d a m e n t a l e ntre p ú b lic o e d om é stico
(P a te m a n, 198 7:1 0 9). M a s, se fo r assim, é u m a dis tin ç ã o p r é -lib e r a l e ntre d o
m ínio s m a sculino s e f e m in in o s qu e está s e ndo obscure cid a ( E is e nstein, 1981:
223; cf. G re e n, 1986: 34; N ic h o ls o n , 1986:161).
P or qu e esta com pre e ns ã o lib e r a l o rig in a l d a esfera priv a d a se p erd e u,
de m o d o qu e " f a l a r de u m id e a l de m u n d o p riv a d o d e n tro do conte xto da so
cie d a d e a m e ric a n a conte m p orâ n e a é fa la r a re sp e ito da f a m ili a " ( E lshta in ,
1981: 322; cf. B errn e G aus, 1983: 54)? T alv e z p orq u e as pessoas s u p o nh a m que
" p ú b lic o " e " p riv a d o " d e v e m m arc a r u m a divis ã o n o espaço. Se fo r assim, e n
tã o, o lo c a l m a is pla u sív e l d o espa ço p riv a d o é a re sid ê ncia da fa m ília . M a s a
distin ç ã o lib e r a l d e p ú b lic o e p riv a d o n ã o é u m a d istin ç ã o e ntre du a s áre as f í
sicas, já q u e a socie d a d e e a org a niz a ç ã o p o lític a são e ss e ncia lm e nte c o n tí
guas. É u m a d istin ç ã o e n tre dois o bje tiv o s e re spon s a bilid a d e s difere nte s.
A g ir p u b lic a m e n t e é a c e ita r re sp o n s a hilid a rie p ri a fm o m n c S a d n b e m cofftu m .
d e fin id o e m fu n ç ã o d o intere ss e im p a rc ia l p e lo s intere ss e s d e cad a pessoa. A o
a tu arm o s priv a d a m e n te , n ã o se exig e qu e a tu e m os im p a rc i a í m e p f^'rq S js o -
m os livre s p ara busc ar nossos pró prio s fins, com p a tív e is corn os dir e ito s dos
outros, e p a r a nos u n irm o s a o u tro s n a busca de fin s c o m p a rtilh a d os; A m b a s
as a tivid a d e s p o d e m o c orre r e m q u a lq u e r p arte d a socie dade . O fa to d e s a ir
m os a p ú b lic o n ã o sig nific a qu e somos re spons á v e is p o r a tu a r im p a rc ia lm e n-
te o u o brig a d o s a pre st a r conta s de nossas ações. O fa to de e starm os e m casa
n ã o nos is e nta de re sp e it a r os d ir e ito s das outra s pessoas.
O F E M IN IS M O 327

a esfera d o m é stic a e o d o m in io p ú b lic o , o qu e cond e n a v a as


m üIR è fé fT à T m dsibilid a d e p ú b lic a (E ls h ta in , 1981: 22; A re n d t,
1959: 24; K e n n e d y e M e n d u s , 1987: 6). L o n g e d e n e g a r a d i
vis ã o de d o m é stic o e p ú b lic o , " n o a pog e u da consciê n cia p o
lític a gre g a e n c o n tra m o s urn a clare z a e u m a a rtic u la ç ã o in i
gu ala d a s n a d e scriç ã o d e sta d is tin ç ã o " (A re n d t, 1 9 5 9:3 7). D e
m a n e ira s im ila r, e m b ora R ousse a u se opuse sse à se p ara çã o
lib e ra l d e p ú b lic o e p riv a d o , ele a pre s e nto u sua vis ã o d e um a
so cie d a d e in te g ra d a " c o m o se foss e e d e ve sse s er in t e ir a
m e n te m a s c ulin a , su ste nta d a p e la e s tru tu ra fa m ilia r fe m in i
n a priv a d a " (E is e nstein, 1981: 77; cf. E lshta in , 1981:165; R ate-
m a n , 1975: 4 6 4 )/N a v e rd a d e , ele e n d o sso u a vis ã o gre g a de
qu e , q u a n d o as m u lh e re s se casavam, "d e s a p are cia m d a v id a
p ú b lic a ; d e n tro das q u a tro p are d e s d e seu la r, elas se d e d ic a
v a m a os c u id a d o s dos n e g ó cio s d o m é stic o s e d e suas fa m í
lia s . E ste é o m o d o d e vid a pre s crito p a ra as m u lh e re s , ta n to
p e la n a tu re z a c o m o p e la ra z ã o " (R ouss e a u, in E is e n s te in ,
1981: 66). F in a lm e n te , e m b ora H e g e l re je ita ss e a "s e p ara ç ã o
ra d ic a l" das esferas p ú b lic a e priv a d a do lib e ra lis m o , sua te o
ria " lõ rn e c e o e x e m p lo m a is v iv id o d a m a n e ira co m o a v id a
' d o m e s tic a 's e n tim e n ta l fo i us a d a p a ra ,d e fin ir as. c a p a cid a d e s
d a s m u th e re s e ju s tific a r sua s u b ordin a ç ã o , fa lta d e in s tru ç ã o
e e xclus ã o dos d o m ín io s p ú b lic o s d o m e rc a d o , d a cid a d a n ia
e cía v id a in te le c tu a l" ( E ls h ta in , 1 9 8 1 :1 7 6 ; O k in , 1981: 85).
P o rta n to , a d is tin ç ã o d e p ú b lic o e p riv a d o dos lib e ra is
é d ife re n te d a d is tin ç ã o d e d o m é s tic o e p ú b lic o . H á fu n d a
m e n to s fe m in is ta s p a ra re je ita r a d is tin ç ã o lib e ra l d e E sta do
e socie d a d e , u m a v e z q u e a d is tin g u im o s d a d ivis ã o d e d o
m é stic o e p ú b lic o ? M u ita s fe m in is ta s c o nte m p orâ n e a s a c e i-l
ta m as c a ra cte rístic a s e ss e ncia is d a vis ã o lib e ra l d a re la ç ã o!
e n tre E sta do e socie d a d e e, p o rta n to , e n tre p ú b lic o e priv a d o!
n e ste sentido?: P ara com e çar, a ele va çã o gre g a d o p o lític o b a -l 7

7. H á crític a s fe m in ist a s à divis ã o lib e r a l de E sta do e socie dade , m e sm o


q u a n d o é d is tin g u id a d a divis ã o p a tria rc a l de d o m é stico e p ú blic o . P a te m a n,
p o r e x e m plo , d iz que , ao c o n trá rio dos críticos re public a nos, qu e busc a m a p e
na s "re in s t a u ra r o p o lític o n a v id a p ú b lic a " , as crític a s fe m in ist a s " in s is t e m
328 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

s eia-s e e m u m ......d u a. lis m o d e n a ture z a e c u ltu ra ju sta m e n te do


tip o q u e as fe m xnista s a rg u m e n ta ra m e sta r n a ra iz -d a .des
v a loriz a ç ã o c u ltu ra l das. m u lh e re s e m m n s s a .s p p ie d a d^
c orre n te im p o rta n te n a d e sv a loriz a ç ã o d o tra b a lh o das m u
lh e re s, p a rtic u la rm e n te n o p a rto e n a cria ç ã o dos filh o s , é a
id é ia de qu e ele é m e ra m e n te n a tu ra l, u m a qu e stã o a nte s d e
in s tin to b io ló g ic o d o qu e d e c o n h e c im e n to c u ltu ra l. A s sim ,
as m u lh e re s são a ssocia d a s às fu n çõ e s m e ra m e n te a n im a is
d o tra b a lh o d o m é stico , ao pa sso qu e os h o m e n s c o n q uista m
vid a s v e rd a d e ira m e n te h u m a n a s ao e s colh e re m a tivid a d e s
s e g u n d o o b je tiv o s c u ltu ra is , n ã o s e g u n d o in s tin to s n a tura is .
A a firm a ç ã o d e q u e a p o lític a é u m a fo rm a d e v id a su
p e rio r b a s e ia -s e m u ita s v e z e s n a vis ã o d e q u e a v id a so cia l,
c o m o a v id a d o m é stic a , e stá a to la d a n o d o m ín io h e te rô n o -
m o d e n e c e ssid a d e , in te re s s e e d e s e jo e s p e c ífic o s " (Y oung,
1989: 253). S e g u n d o o p e n s a m e n to gre g o , ,a v ii a ^ d a L p e r ^
m a n e c e " n o c írc u lo p re s crito da n a ture z a : e sforço .e d e sc a n
so, tra b a lh o ' é co n s u m o , com a m e sm a re g u la rid a d e s a tis
fe ita e se m o b je tiv o co m q u e d ia e n o ite e v id a e m o rte se
s e g u e m " (A re n d t, 1 9 5 9:1 0 6). E sta "re g u la rid a d e sem o b je ti
v o " d a v id a c o tid ia n a é, p o r fim , in s ig n ific a n te , d e stin a d a a
p e rd e r-s e n o p ó d e o n d e v e io . A p e n a s a p o lític a é " g a ra n tia
c o n tra a fu tilid a d e d a v id a in d iv id u a l" dos cid a d ã o s (A re n d t,
1959: 56). C o m o a p o lític a J e n ± a ..im n s c e ^
n a tu re z a " , " e ra e v id e n te qu e o d o m ín io d a s n e c e ssid a d e s
da v id a na e sfe ra d o m é s tic a era a c o n d iç ã o p a ra a lib e rd a
n t e id a p ó lis e xiste e m n o m e d a 'b o a
v id a ' n a p ó lis " (A re n d t, 1959: 30-1, 37). Ñ a v erd a d e , " n e n h u -

e m q u e u m a a lt e rn a tiv a à conc e pç ã o lib e r a l deve a bra ng e r ta m b é m a rela çã o


e ntre a vid a p ú b lic a e a v id a d o m é stic a " (P a te nta n, 1987:108). Ela, p oré m , n ã o 1
e xplic a p o r qu e as fe m in ist a s qu e r e je ita m a distin ç ã o d e p ú b lic o e dom é stic o
d e v e m intere ss ar-s e ta m b é m p e la distin ç ã o lib e r a l de p ú b lic o e priv a d o . Seus
p ró prio s c om e ntário s sug ere m qu e n ã o te m os n e n h u m a id é ia clara sobre a
m a n e ira c o m o a in te gra ç ã o d a p o lític a à socie d a d e c iv il a fe taria a oposiç ã o de
p ú b lic o e d om é stico (P a te m a n, 1987: 120). F rances O ls e n ofere ce u m a crític a
f e m in is t a d a d istin ç ã o e n tre E sta do e socie d a de v a le n d o-s e dos c om e ntários
de M a rx sobre a a lie n a ç ã o ( O ls e n, 19 83:1 5 6 1-4).
O F E M IN IS M O 329

m a a tiv id a d e qu e s erviss e a p e n a s o p ro p ó s ito de g a n h a r a


v id a , d e s u s te n ta r a p e n a s o proc e sso v it a l, tin h a p e rm is s ã o
p a ra e n tra r n o d o m in io p o lític o " (A re n d t, 1959: 37). É d if í
c il im a g in a r u m a conc e pç ã o de v id a p ú b lic a e m m a is n ítid a
o p o siç ã o à d e scriç ã o d e A d rie n n R ic h d o tra b a lh o fe m in in o
co m o " p ro te ç ã o d o m u n d o , pre s erv a ç ã o d o m u n d o , re p a ro
d o m u n d o [...] o te c e r in v is ív e l d e u m a v id a fa m ilia r p u íd a e
s u rra d a " (R ich , 1979: 205). f
A lé m disso, com o a p rio rid a d e d a p o lític a a nte a so cie
d a d e m u ita s v e z e s se b a s e ia e m se u c a rá te r a le g a d a m e nte
u n iv e rs a l o u c o m u m , a pro te ç ã o d e ste c a rá te r u n iv e rs a l re
q u e r qu e ^ o lí t ^ s ^ i^ ê £ ã f ã 3 ã ^ Õ ^ õ í r iIr u 5 ,'d ã 'e ^ p ic Ilic i-
~d ã 3 ê T é ~issoirw a ria v e lm e n te s ig n ific o u s e p ar á -la d a s p ré o :
cüp ã ço é s d o m é stic a s! C o m o obs erv a Iris Y oung, O '

ao e x a lta r as virtu d e s da cid a d a nia com o p a rticip a ç ã o e m u m


d o m ín io p ú b lic o u n iv e rs a l, os hom e n s m o d e rn o s expressa
ra m um a fu g a da difere n ç a s e x u a l.... A e x alta ção de u m d o
m ín io p ú b lic o de v irtu d e e cid a d a nia m a sculin a s com o in d e
p e n d ê n cia , g e n e ra lid a d e e ra z ã o d e s a p a ixo n a d a .rn otív e u-a
cria çã o da esfera priv a d a da fa m ília com o o lu g a r n o q u a l d e-
S ^ ^ r o n fin a d t J ^ ^ m o ç ã t^ - ü s e ntim e n to e as' necessidades
corp ora ts; Á'g e'fle fâ T id ã d e' d ò p ú b lic o , p o rta n to , d e p e nd e da
e xclusão dãs m ulh e re s (Y oung, 1989: 253-4).

A o c o n trá rio dos gregos, qu e v a loriz a v a m a p o lític a com o


a tra n s c e n d ê n cia d a n a ture z a , e dos h e g e lia n o s , qu e v a lo ri
z a v a m a p o lític a co m o a tra n s c e n d ê n cia d a e s p e cificid a d e ,
fe m in is ta s e lib e ra is c o m p a rtilh a m u m c o m pro m is s o b á sico
d e v e r o p o d e r p ú b lic o co m o u m m e io d e pro te ç ã o d e in t e
resses e n e c e ssid a d e s e sp e cífic a s.
Isso n ã o d e m o n stra qu e fe m in is ta s e lib e ra is co n cord a m
em to d o s os a sp e cto s da re la ç ã o e_
-___________________ n tre
. lis ta d o e so cie d a d e .
M e sm o q ú c ip n iç prd c m o s e m q u e o p o d e r p ú b lic o d e ve s er
ju s tific a d o e m fu n ç ã o d a pro m o ç ã o dos inte re ss e s priv a d o s
Y ú f socie d a d e c iv il, h á m u ita s áre as de discord â n cia p o te n cia l.
P rim e iro , p o d e ría m o s p e n s a r q u e a v id a s o cia l n ã o é tã o e s
tá v e l n e m tã o a u to - a ju s tá v e l c o m o supõ em_os. lib e ra is > P or
330 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

e x e m plo , p o d e ría m o s p e n s a r qu e os in d iv íd u o s n ã o irã o , p o r


si m e sm os, s u s te n ta r a re d e d e re la çõ e s socia is le g a d a a eles.
E le s o p ta rã o p o r e n tra r e s a ir d e to d o s os v ín c u lo s so cia is
com ra p id e z tã o e sto n te a n te q u e a socie d a d e irá se d e s in te
gra r, a m e n o s qu e o E sta do in te rv e n h a a tiv a m e n te p a ra e n
cora ja r os gru p o s socia is. E sta é a m e ns a g e m fin a l dos c o m u
n itá rio s , um a m e ns a g e m qu e , a p e sar d e sua ênfa se n a socia
b ilid a d e h u m a n a , pre s s u p õ e e fe tiv a m e n te q u e as pe sso a s
pre cis a m s er orie n ta d a s p e lo g o v e rn o p a ra a v id a socia l (cap.
6, seção 4 b a cim a ). T ra ta-s e , p oré m , de u m a pre ocup a ç ã o le
g ítim a e p o d e m o s q u e re r q u e o g o v e rn o e n c ora je a m a n u
te n ç ã o d e c e rto s v ín c u lo s so cia is, e n tre ele s os fa m ilia re s , e
to rn e a e xtin ç ã o d e ste s v ín c u lo s m a is d ifíc il.
S e gundo, p o d e ría m o s q u e stio n a r a fé d o lib e ra lis m o , em
q u e , "se to d o s tiv e re m acesso liv re e e q ü ita B v 5 ^5 T m S c « a è
e > p fé 's s a ^ v é rç tã ^
‘fa ls id a d e , e a com pre e n s ã o so bre o p re c o n c e ito , s e m .,q u e o .
g o v e rn o te n h a d e m o n ito ra r e stes d e s e n v o lvim e n to s c u ltu e ,
ra is . O s lib e ra is te n d e m a cre r q u e a o pre ss ã o c u ltu r a l n ã o
p o d e s o bre viv e r sob co n diçõ e s d e lib e rd a d e c iv il e ig u a ld a d e
m a te ria l. M a s p o d e h a v e r a lg um a s re pre s e nta çõ e s c u ltu ra is
fals a s e p e rn icio s a s q u e s e ja m in v u ln e rá v e is à crític a so cia l,
q u e s o bre viv a m e a té m e sm o flore s ç a m e m u m a lu ta liv re e
ju s ta co m a v e rd a d e . A p o rn o g ra fia e o u tra s re pre s e nta çõ e s
c u ltu ra is das m u lh e re s são u m e x e m plo . O s l i b e ra is a cre d i-
ta m qu e , se a p o rn o g ra fia n ã o pre ju diç a .a s ,m ulh e re .st>, a i& l-
síctãcte d e su a re pre s e n ta ç ã o d a s e x u a lid a d e não. é fu n d a -
m e n to p a ra que. s e ja re s trin g id a , n ã o p orq u e as id é i a s jilp
te n h a m p o d e r, m a s p orq u e a lib e rd a d e d e discurso e a ssocia
çã o n a so cie d a d e c iv il é u m -c a m p o d e te s te m e lh o r p a ra as
id é ia s d o qu e o a p a re lh o c o e rciv o d o E sta d o . P ara a lg u m a s
pe sso a s, isso p a re c e rá u m a in g e n u id a d e in ju s tific a d a a re s
p e ito d o p o d e r d o liv r e d is c urs o , n a so cie d a d e c iv il, p a ra
e rra d ic a r a o pre ss ã o c u ltu ra l n a socie d a d e c iv il. C o m o d iz
M a c k in n o n , se o liv r e d is c urs o a ju d a a d e s c o b rir a v e rd a d e ,
" p o r q u e e sta m o s a g ora - c o m m a is p o rn o g ra fia d is p o n í
v e l d o q u e a n te s - e n te rra d o s e m to d a s e sta s m e n tira s ? "
O F E M IN IS M O 331

(M a c k in n o n , 1 9 8 7 :1 5 5). HIa a rg u m e n ta q u e e sta íé n o liv re


discurso m o stra qu e " a m o rü id a d e lib e ra l n ã o p o d e lid a r com
flu s õ e f '^ € ç m s fífu p n a re a lid a d e " (M a c k in n o n , 1 9 8 7:1 6 2).
E m b ora e stas áre as d e p o s s ív e l d is p u ta e n tre lib e ra is e
fe m in is ta s seja d e p rim e ira im p o rtâ n c ia (e e n v o lv a a lg um a s
das qu e stõ e s e m p íric a s a re s p e ito d o E sta do e d a c u ltu ra qu e
s u s cite i n o fim d o ú ltim o c a p ítu lo ) ela s e stã o lo c a liz a d a s em
u m c o m pro m is s o c o m p a rtilh a d o c o m a p rio rid a d e d a v id a
so cia l a n te a p o lític a .

(b) O pessoal e o socia l: o d ire ito à priv a cid a d e

A d ivis ã o lib e ra l o rig in a l d e p ú b lic o e p riv a d o fo i s u p le


m e n ta d a nos ú ltim o s c e m a nos p o r u m a s e g u n d a d is tin ç ã o ,
qu e s e p arajo p e sso a l ou ín tim o d o p ú b lic o , n a q u a l o " p ú b li
c o " in c lu i E sta d o e so cie d a d e c iv il, E sta s e g u n d a d is tin ç ã o
s urg iu p n m â riã m é n te e ntre os ro m â n tic o s , n ã o os lib e ra is , e,
n a v e rd a d e , s urg iu , e m p a rte , e m o p o siç ã o à g lo rific a ç ã o l i
b e ra l d a socie d a d e . E n g u a n ta os, lib e ra ls- clá s sic o s-e n fa tiz a -
va m a jQ á a d a d ^ .c o m a a d ^ d a jife e rd a d e p e s
so a l, os ro m â n tic o s e n fa tiz a v a m os e fe ito s d a c o n form id a d e
s e xu a l sobre a in d iv id u a lid a d e . A in d iv id u a lid a d e era a m e a
ç a d a n ã o a p e n a s p e la co e rç ã o p o lític a , m a s ta m b é m p e la
pre ss ã o a p a re nte m e nte o n ipre s e n te das e xp e cta tiv a s sociais.
P ara os ro m â n tic o s , " p riv a d o " s ig n ific a

d e svincula ç ã o da e xistê n cia m u n d a n a [e] é associado com o


a uto d e s e n vo lvim e n to , a a uto-e xpre ss ã o e a cria ção a rtístic a .
[...] N o p e ns a m e nto lib e ra l clássico, p o r co ntra ste , '(p riv a d o "
re fe re -se à socie da de , n ã o ao re tiro pesso al, e a sociedade^ é
. u m d o m ín io de a tivid a d e ra cio n a l livre , n ã o de li cença e xpre ss
á y a ,;Õ lib e ra lis m o prote g e esta esfera re strin g in d o o exercício
do p od er g ov e rn a m e nta l e e num era ndo as lib erd a d e s civis. O
ro m a n tis m o p uro e o lib e ra lis m o co n v e n cio n a l estão s e para
dos n ã o apenas p elas suas noçõ es de vid a priv a d a , m as ta m
b é m p elas suas m otiv a çõ e s p ara d e sign ar u m a esfera priv a d a
p riv ile g ia d a (R os e m blum , 1987: 59).
332 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

Q s ro m â n tic o s in c lu íra m a v id a s o cia l n o d o m ín io p ú -


b lic o p orq u e as lig a çõ e s da socie d a d e c iv il, a p e sar d e n ã o p o -
E ticà U 'a ifid á s u je ita m os in d iv íd u o s ã o ju lg á m e n tõ ê a p õ s s í-
v 3 x é n s u ra ^ o s .-o u tro s / A pre s e nç a dos o u tro s p o d e d is tra ir,
d e sc o n c e rta r o u sim p le s m e n te ca nsar. O s in d iv íd u o s p re c i
sam d e te m p o p a ra si, lo n g e d a v id a p ú b lic a , p ara c o n te m
p la r, e x p e rim e n ta r id é ia s im p o p u la re s , re g e n e ra r â f o rç a .e
a lim e n ta r as re la çõ e s ín tim a s . N e sta s qu e stõ e s, a v id a socia l
p o d e s er tã o e xig e n te q u a n to a v id a p o lític a . N a v e rd a d e , " a
priv a cid a d e m o d e rn a , nas suas fu n çõ e s m a is re le v a nte s, p ara
a brig a r o ín tim o , d a g g fe -
ra p o lític a , m as d a s o c ia l" (A re n d t, 19 5 9:3 8; cf. B e nn e G a us,
1983: 53). P orta n to , qs ro m â n tic o s v ia m co m o p ú b lic a s " t o
das as associaçõe s form a is com o utro s , e xceto as rela çõ e s ín
tim a s co m o a a m iz a d e e o a m o r" (R os e nb lu m , 1987: 67).
E m b ora e sta s e gund a d is tin ç ã o de p ú b lic o e p riv a d o te
n h a s urgid o e m oposiç ã o ao lib e ra lis m o , vos lib erais, m o d e rn o s __
a c e ita ra m b o a p a rte d a vis ã o ro m â n tic a e te n ta ra m in te g ra r
sua ê nfa s e sobre as pre ssõ e s so cia is à ê nfa s e lib e ra l clá ssic a
sobre a lib e rd a d e s o cia l. A ê nfa s e ro m â n tic a sobre a p riv a
cid a d e , n a v e rd a d e , c o in c id ia co m os te m ore s lib e ra is a re s
p e ito d o p o d e r c o e rciv o qu e os gru p o s e x e rcia m so bre seus
p ró p rio s m e m bro s n a s associaçõe s p ro fis s io n a is , sin dic a to s ,
in s titu iç õ e s e d u c a cio n a is e tc., e a re s p e ito d a pre ss ã o m a is
g e n e ra liz a d a p e la u n ifo rm id a d e socia l, c o n tra a q u a l a p lu ra
lid a d e d e associações e o m erc a do d e id é ia s forn e cia m pouc a
pro te ç ã o à in d iv id u a lid a d e . C o m o re sulta d o ,^Jb.fi]:ã lÍS ín Q
m o d e rn o js t^

n io ih tè rp ^ ^ e m -p riv a ã a lio q u a l os in d iv íd u o s poss a m te r


privacidade. A v id a p riv a d a , p a ra os lib e ra is , s ig n ific a a gora
e n v o lv im e n to a tiv o n a s in s titu iç õ e s d a socie d a d e c iv il, com o
e nfa tiz a v a m os lib e ra is clássicos, e o is o la m e n to p e sso al a nte
a v id a s o cia l ord e n a d a , co m o e n fa tiz a m os ro m â n tic o s 8.

8. E sta vis ã o ro m â n tic a da priv a cid a d e to m o u -s e tã o int e gra d a ao lib e


ra lis m o m o d e rn o q u e a lg u m a s pe ssoas a co n sid e ra m c o m o a conc e pç ã o l i
b era l o rig in a l (por ex e mplo, B e nn e G aus, 1983:57-8). C o ntu do , e m bora a id é ia
O F E M IN IS M O 333

E sta s e gund a form a d e distin ç ã o de p ú b lic o e priv a d o do


lib e ra lis m o m u ita s ve z e s é d is c u tid a sob seu le g ítim o d is fa r
ce de u m " d ir e ito à p riv a c id a d e ". C o m o a p rim e ira d is tin ç ã o j
de p ú b lic o e p riv a d o , e la se to rn o u a lv o d a crític a fe m in is ta . I
A d e cis ã o qu e d e u status c o n s titu c io n a l, a o d ire ito à p riv a c i
d a d e nos E sta dos U n id o s , G riswold contra C onnecticut (381
U 5 "4 7 9 [1 9 6 5]) fo i v is ta .in ic ia lm e n te co m o u m a v itó ria p a ra
as m u lh e re s , já q u e d e te rm in a v a qu e le is q u e n e g a ss e m o
acesso à co ntra c e p ç ã o a m u lh e re s casadas v io la v a m o d ir e i
to d e priv a cid a d e . C o n tu d o , d e sd e e ntã o, torn o u-s e claro qu e
este d ire ito , com o in te rp re ta d o p e lo S u pre m o T rib u n a l A m e
ric a n o , ta m b é m p o d e s er u m im p e d im e n to p a ra a re fo rm a
a d ic io n a l d a opre ss ã o d o m é stic a d a s m u lh e re s . A id é ia de
u m d ire ito à priv a c id a d e fo i in te rp re ta d a com o s ig n ific a n d o
qu e q u a lq u e r in te rfe rê n c ia e x te rio r n a fa m ília é u m a viola ç ã o
d a priv a cid a d e . C o m o re s u lta d o , s e rv iu p a ra im u n iz a r a fa
m ília c o n tra re form a s d e stin a d a s a pro te g e r os intere ss e s das
m u lh e re s - p o r e x e m plo , a in te rv e n ç ã o e sta ta l qu e p ro te g e
ria ás m u lh e re s c o n tra a buso, q u e c a p a c ita ria as m u lh e re s
a m o v e r u m a a çã o p o r fâ lta d e p a g a m e n to d e p e n s ã o a li
m e n tíc ia o u re c o n h e c e ria o fic ia lm e n te o v a lo r d o tra b a lh o
d o m é stic o (T aub e S chn e id e r, 1 9 8 2:1 2 2). O d ire ito à p riv a c i
d a d e "re fo rç a a d ivis ã o e n tre p ú b lic o e p riv a d o qu e [...] m a n
té m o p riv a d o a lé m d o a lc a n c e d a co m p e n s a ç ã o p ú b lic a e
d e s p o litiz a a suje iç ã o d a s m u lh e re s d e n tro d e le " (M a c k in -
n o n , 1987: 102).
P o rta n to , e sta s e g u n d a d is tin ç ã o d e p ú b lic o e p riv a d o '!
re forç o u a te n d ê n cia d e is e n ta r as rela çõ e s fa m ilia re s d o te s te i
d a ju s tiç a p ú b lic a . H á , p oré m , a lgo in c o m u m a re sp e ito d a in - f
te rpre ta ç ã o de d ire ito à priv a cid a d e d a d a p e lo S upre m o T rib u -

de r e tira r-s e d a socie d a d e possa ser e n c ontra d a e m lib e ra is clá ssicos (por
e x e m plo , a C arta da tolerância d e L ock e ), ela é p rim a ria m e n t e u m a posiç ã o l i
b era l a dota d a . V e r a priv a cid a d e e m fu n ç ã o do a b a nd o n o de todos os p a p éis
da socie d a d e civil, lo n g e de ser a posiç ã o lib e r a l orig in a l, sig nific a qu e jlu p e s s
so ai e o._pri^ a i o r a r ru iiaa QdadQ S:d e virtu a lm e n U - torio a m bie nt e In s til a d o -
n a l. O re sult a d o é u m cola pso dra m á tico d a d istin ç ã o lib e r a l tr a d ic io n a l e ntre
p ú b lic o e p riv a d o c o m o e n tre g o v e rn o e sod e d a d é'T (R os e nblum , 1987: 66).
334 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

n a l, p o is e la d e fin e a p riv a c id a d e in d iv id u a l e m fu n ç ã o d a
p riv a c id a d e c o le tiv a d a f a m f l i a . ^ j f i r e f i ^ r i Y ^ a d ^
c o n s id e ra d o v in c u la d o às f a m ilia s c o m o u n id a d e s, n ã o a
c a d a ü ifT d e s e us m e m b ro ^ C o m o re s u lta d o , os in d iv íd u o s
n ã o tê m n e n h u m d ir e ito à p riv a c id a d e d e n tro d a fa n a íjia . Se
dü à § p'éssóãs se "casam, o d ire ito à priv a cid a d e g a ra nte qu e o
E sta do n ã o in te rfe rirá nas d e cisõ e s dom é stic a s d o casal, M a s,
se a m u lh e p n ã p fiv e r p riv a c id a d e d e n tro d o casam en to , p ara
com e ç ar, e n e n h u m p o d e r n a e la b ora ç ã o d e sta s d e cis õ es,
este d ire ito de priv a cid a d e fa m ilia r n ã o lh e forn e c e rá n e n h u -
m á priv a c id a d e in d iv id u a l e, n a v e rd a d e , e le im p e d e o E s
ta d o d e a g ir p a ra p ro te g e r a su a priv a cid a d e .
H á a lg u n s ca sos e m q u e o T rib u n a l re c orre u e x p líc ita
m e n te à priv a cid a d e in d ivid u a l d a m u lh e r, m e sm o d e n tro d a
fa m ília . M a s e le s p a re c e m s er a e xce çã o à re gra (E ic h b a u m ,
1979). P or qu e as re la çõ e s fa m ilia re s n ã o fora m suje ita d a s ao
te ste d a priv a cid a d e in d iv id u a l? A re sposta n ã o p o d e ser a de
que a fa m ília é v is ta c o m o o â m a go d a v id a priv a d a , p orq u e
? p ro b le m a , n o caso, é ju s ta m e n te o fa to d e q u e a n o ç ã o d e
iriv a c id a d e a p lic a d a e m o u tro s casos n ã o é a plic a d a às re la
t e s fa m ilia re s . C o m o d iz June E ich b a u m , a id é i a d e p riv a c i
d a d e b a s e a d a n a fa m ília c o n tra d iz to d o o s e n tid o d e u m d i-
j e it o à priv a cid a d e : " u m d ire ito d e priv a cid a d e qu e pro te g e o
intere ss e d e u m a u n id a d e cole tiv a , a fa m ília , à cu sta d a a u to
n o m ia in d iv id u a l ig n o ra in te ira m e n te a n e c e ssid a d e h u m a n a
d e p riv a cid a d e e o b scure c e n e c e ss a ria m e n te o s ig n ific a d o
m a is p ro fu n d õ H ã p n v ã a d â n é ^d E c h b a u m , 1979: 368). P ro
t e g e r^ 'fa m ília d à in te rv e n ç ã o " e sta ta l n ã o g a ra n te n e c e ss a
ria m e n te às m u lh e re s (o u aos filh o s ) u m a e sfera p a ra o is o
la m e n to p e sso a l d a pre s e nç a d e o u tro s o u d a pre ss ã o p e la
c o n fo rm id a d e às e xp e cta tiv a s dos o u tro s .
P or q u e o S u pre m o T rib u n a l in te rp re to u a priv a c id a d e
com o base ad a n a fa m ília ? A re sposta p are ce e n co n tra r-s e n a
in flu ê n c ia p e rsiste n te d e id é ia s p ré -lib e ra is a re s p e ito d a n a
tura lid a d e da fa m ília tra d ic io n a l. Isso é e vid e nte n a lo n g a tr a i
diç ã o d e d efe sa s ju d ic ia is d a s a n tid a d e d a fa m ília , d a q u a l I
" d ir e ito à p riv a c id a d e " é ape n a s o ú ltim o e pisó dio . A p rim e if
ü F E M IN IS M O 335

ra d e fe s a da priv a c id a d e b a se a d a n a fa m ília fo i a d o u trin a


d o pater fa m ilia s, n a q u a l " o s a ssuntos fa m ilia re s era m c o n
c e bidos c a m p u m a e xte ns ã o d a p e rs o n a lid a d e d o pater fa m b
U a fj, d e m o d o q u e " in t e ry irn o s jie g á c io s fa m ilia re s , d a u m
hom e m erg u m a in v a s ã o d e sua esfera priv a d a p e sso al j. . .| n a
e ss ê ncja . n ã o d if e r e n te d e e x ig ir q u e to m a ss e b a n h o co m
m ais fre q ü ê n cia " (B e nn e G a us, 1983: 38). S ob esta d o u trin a ,
as m u lh e re s to rn a ra m -s e p ro p rie d a d e d o m a rid o n o c a sa
m e n to , d e ix a ra m d e ser p essoas sob a le i e tiv e ra m seus in
teresses d e fin id o s p e la fa m ília e s u b m e rg id o s p o r e la , o qu e
era c o n sid e ra d o s er su a p o siç ã o n a tu ra l. C o m o re c o n h e c i
m e n to gra d u a l d o s d ire ito s de o u tro s m e m bro s d a fa m ília ,
h o u v e d e s a fios à a u torid a d e d o p a i. M a s a le g itim a ç ã o d a fa
m ília tra d ic io n a l pro p orcio n a d a p e la d o u trin a d o p a te rfa m i
lia s fo i re a firm a d a p o r trib u n a is cons e rv a d ore s p o r m e io de
u m a d o u trin a d a " a u to n o m ia fa m ilí á r C 'n a d é c a d a d e 1920.
E m b ora a fa m ília n ã o fe s s e p ro p rie d a d e d o p a i, a e s tru tu ra
b á sic a d a fa m ília tra d ic io n a l p e rm a n e c e u im u riè a r e form a
da_civilizaçã£L£
'u m a |^fé c o n 3 1 c ã o p a ra a .e s ta b ilid a d e s o c ia l (p o r e x e m plo ,
M e yer contra Nebraska, 262 U S 390 [1 9 2 3]).
C o m a m u d a n ç a d a vis ã o d e fa m ília n a d é c a d a d e 1960,
a d o u trin a d a a u to n o m ia fa m ilia r fo i, p o r sua v e z , d e s a fia d a ,
e o trib u n a l pre cis o u d e urn a n o v a ju s tific a tiv a p a ra d e ix a r a
fa m ilia e m p a z . A ê nfa s e e m e rg e nte sobre a priv a cid a d e era
u m s u b s titu to te n ta d o r, p o is a pre o c u p a ç ã o lib e r a l c o m a
in tim id a d e in d iv id u a l s o bre p u n h a -s e p a rc ia lm e n te à p re o
cup a ç ã o c o n s e rv a d ora co m a a u to n o m ia f a m ilia r e o fe re cia
c erta le g itim id a d e m o d e rn a a e sta p o lític a a n tig a . A m u d a n
ça, p oré m , fo i m a is cosm é tic a q u e re a l, p o is o qu e o T rib u n a l
d e sig n o u co m o priv a cid a d e era n o ta v e lm e n te s im ila r ao q u e '
se d e sig n a v a a n te rio rm e n te com o p ater f a m ilia s o u a u to n o -
m ia fa m ilia ri. N a v e rd a d e , o S u pre m o T rib u n a l A m e ric a n o

9. É n o t á v e l c o m o polític a s qu e e ra m ju stific a d a s co m base no fu n d a


m e n to d e qu e a f a m ília era a pro prie d a d e priv a d a d o h o m e m são a gora ju s ti
fic a d a s sobre o fu n d a m e n to de qu e h o m e n s e m ulh e re s t ê m ig u a l d ir e ito à
336 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

n ã o n e g o u q u e se u d ire ito à priv a c id a d e b a s e a do n a fa m ília


foss e u m a c o n tin u a ç ã o d a a n tig a d o u trin a d a a u to n o m ia
fa m ilia r. (^ T rib u n a l ju s tific o u s u a ê nfa s e so bre a .p n v a d d a -
d e c o n ju g a l a c e ntu a n d o " o a n tig o e s a gra do c a rá te r d o casa-
m ê n fo c õ m o a b a s e d e suas d e cis õ e s " (G re y, 1980: 8 4-5 ; cf.
'b íc b b b u m , r9 7 9 : 3 7 2). In v e rs a m e n te , o T rib u n a l n e g o u a té
m e sm o os c o m p o n e n te s m a is b á sicos d e u m a con c e p ç ã o l i-
b è ra í d a p riv a c id a d e in d iv id u a l qu e n ã&~ e stiv ere m lig a d o s
à e s tru tu ra f a m ilia r tr a d ic io n a l - p o r e x e m p lo , o S u pre m o
T rib u n a l c o n tin u a a s u s te n ta r le is q u e c rim in a liz a m as r e
la çõ e s hom oss e xu a is cons e nsu ais e ntre a d ulto s e m suas p ró
p ria s casas, e a n e g a r q u e e sta s le is s e ja m u m a v io la ç ã o d o
(d ire ito à priv a cid a d e d e q u a lq u e r pessoa (Bowers contra H ard
wick, 478 U S 186 [1 9 8 6]).
P orta n to , o id e a l ro m â n tic o d e priv a c id a d e a d e n tro u a
le i fu n d id o com o id e a l co n s e rv a d or d a fa m ília h e teross e xu a l,
o fic ia lm e n te org a niz a d a , com o b a stiã o d a socie d a d e . E m b o
ra o trib u n a l in v o q u e a lin g u a g e m da d is tin ç ã o lib e ra l de p ú
b lic o e p riv a d o , e stá , n a v e rd a d e , in v o c a n d o u m a d is tin ç ã o
n ã o lib e ra l d e p ú b lic o e d o m é stico , um a d is tin ç ã o qu e s u b or
d in a a p riv a c id a d e in d iv id u a l à a u to n o m ia fa m ilia r. M a c-
k in n o n obs erv a qu e

pro v a v e lm e nte , n ão é coin cid ê ncia que as pró pria s coisas que
o fe m in is m o consid era c e ntra is n a suje iç ã o das m ulh e re s - o
p ró p rio lu g a r, o corp o; as pró pria s relações, h eterosse xuais;
as pró pria s a tivid a d e s, in te rc urs o e re produç ã o; e os pró prio s
s e ntim e nto s, ín tim o s - form a m o-â m a go do. aue é abra n g id o
_ p e la d o u trin a ria priv a cid a d e . A p a rtir desta p ersp e ctiv a , o
co nc e ito ju ríd ic o de priv a cid a d e pod e pro te g e r e prote g e u o

priv a cid a d e (ver, p o r e x e m plo , B e nn e G a us, 1983: 38). C o m o o bs erv a m T a ub


e S chn e id er, " o fra ca sso do E sta do e m r e g u la m e n ta r a esfera dom é stic a agora
é m u ita s ve z e s ju s tific a d o c o m base n o fu n d a m e n to de qu e a le i n ã o deve in
t e rf e rir e m rela ções e m o cio n a is e n volvid a s n o d o m ín io d a f a m ília p orq u e é
m u ito severa. [...] A im p ort â n cia de sta pre ocupaçã o, poré m , é re b a tid a p e lo fa to
de que o m e sm o re s u lt a d o f o i ju s tific a d o a n t e riorm e n t e p o r ficçõ e s jurídic a s,
c om o a m ort e c iv il das m ulh e re s n o c a s a m e nto " (T a ub e S chn e id er, 1982:122).
O F E M IN IS M O 337

lug ar do espancam ento, do e stupro conjug a t e do tra b a lho


explorado das mulheres; preservou as instituiçõ e s centrais pe
las quais as m ulheres são privadas de id e ntid a d e , autonomia ,
controle e a utod e finiç ã o. [...j.E ste d ire ito à priva cid a d e é um
d ire ito dos h om ens de "sere m deixados e m p a z^xta ra o p ri-
m ir as mulheres, um a p or vez. [...] Ele m antém alguns homens
fora dos quartos de outros homens (M ackinnon, 1987:101-2).

A ra z ã o p e la q u a l n ã o é um a c o in cid ê n cia qu e o d ire ito à


priv a cid a d e te n h a im u n iz a d o a esfera d o m é stic a n ã o é o fa to
de qu e a priv a cid a d e lib e ra l a carrete a prote ç ã o d a d o m e s tici
dad e , m as, a nte s, o fa to d e qu e os pro te tore s d a d o m e sticid a
de a d o ta ra m a lin g u a g e m d a priv a c id a d e lib e ra l.
U m a v e z d e slig a d a s das id é ia s p a tria rc a is d e a u to n o m ia
fa m ilia r, cre io qu e a m a io ria d a s fe m in is ta s c o m p a rtilh a as
m otiv a ç õ e s lib e ra is b á sica s a fa v o r d o re s p e ito à p riv a c id a
d e - is to é, o v a lo r d e te r c erta lib e rd a d e d ia n te d a d e s a te n
ção e das in c e s s a n te s e xig ê n cia s d o s o u tro s , e o v a lo r d e
te r e sp a ço p a ra e x p e rim e n ta r id é ia s im p o p u la re s e n u trir
re la çõ e s ín tim a s (A lle n , 1988). (Ç p n sid e re .a c o n h e cid a a fir-
m a ç ã o d e V irg in ia W o o lf de qu e tod a s as. m ulh e re s d e via m
te r " u rn q u a rto so p a ra s i^.) D e q u a lq u e r m o d o , a conc e pç ã o
d e priv a cid a d e d o lib e ra lis m o , c o m o su a d is tin ç ã o d e E sta
d o e so cie d a d e , n ã o é u m a d e fe s a d a d iv is ã o d e d o m é s tic o
e p ú b lic o . P ois a in tim id a d e pre cis a d e d e fe s a fo ra d a fa m í
lia , e a s o lid ã o pre cis a s e r d e fe n d id a d e n tro d a fa m ília /1A
lin h a e n tre p riv a d o e n ã o -p riv a d o , p o rta n to , v a i a lé m d a
d is tin ç ã o d e p ú b lic o e dom é stico . E m b ora te n h a m o s e sp e-,
ra nç a d e qu e a fa m ília form e u m " d o m ín io d e priv a cid a d e e
is o la m e n to p e s s o a l", p ara m u ita s p e sso a s, a fa m ília é, ela|
p ró p ria , u m a in s titu iç ã o d a q u a l d e s e ja m p riv a c id a d e e a|
a çã o e s ta ta l p o d e s e r n e c e ss ária d e n tro d a e sfera d o m é s ti-i
ca p a ra p ro te g e r a priv a cid a d e e im p e d ir o a b u so 10. ¡

10. A lg u m a s fe m in ist a s lib era is com e ç ara m a d e s a fiar a fa m ília tr a d ic io


n a l. A c ara cteriz a ç ã o d o f e m in is m o lib e r a l c o m o inte re ss a do ap e na s n o aces
so ã esfera p ú b lic a " to m o u -s e cad a v e z m a is pro b le m á tic o . A s fe m in ist a s libe-,
rais, c o m o m u ita s outra s, c o nc e ntrara m re g u la rm e n t e sua a te nç ã o n a v id a
338 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

D a d o o c ará ter c e ntra l d a f a m ilia p ara o siste m a de d e si


gu a ld a d e s exu al, é cru cia lm e nt e im p o rt a n t e qu e as t e oria s de
ju s tiç a pre s t e m a te n ç ã o n o s e fe ito s d a org a niz a ç ã o f a m ili a r
p a ra as vid a s das m ulh e re s. A re cus a das te oria s da c orre nte
d o m in a n t e e m f a z e r .isso m u it a s v e z e s.é e xplic a d a d iz e n d o
se q u e a f a m íli a fo i re le g a d a a o d o m í n io priv a dos M a s, e m
c e rto s e n tid o , isso s u b e stim a o pro b le m a . A f a m ília .n ã o foi
t a n to re le g a d a a o d o m í n io priv a d o qu a nt Q ..simple sm e nte igv.
n ora d a p o r i n t e ir o / E os intere ss e s das m u lh e re s são p r e ju
dic a d o s p e la om iss ã o d a t e oria p o lític a e m e x a m in a r a f a m í
lia , q u e r no s seus c o m p o n e n t e s p ú blic o s, q u e r nos priv a dos.

È
is os p a p é is dos g ê n eros a ssocia dos à f a m ília tr a d ic io n a l
tão e m c o n flito , n ã o a p e n a s c o m os id e a is p ú b lic o s de d i
to s e re curso s ig u a is , m a s t a m b é m com a c o m pre e n s ã o
eral das co n diçõ e s e v a lore s d a v id a priv a d a .

3. U m a é tic a d o c u id a d o

U m a c o n s e q ü ê n cia d a d is tin ç ã o d e p ú b lic o e d o m é s ti


co e d o b a n im e n to das m u lh e re s p a ra a e sfera d o m é stic a é1

1 d a ^m u U je .re § " A N ich olso n , 1986: 22-3; cf. W e n d e ll, 1987). P ara dox a l
m e nte , q u a n d o os lib e ra is e ndoss a m a r e form a d a fa m ília , são m u ita s ve z e s
acusados de " d e s v a loriz a r a esfera priv a d a " (E lshta in, 1981: 243; cf. N ic h ols o n ,
1986: 24). Jean E ls h t a in a firm a qu e o " im p e r a tiv o lib e r a l " é " to rn a r to t a lm e n
te p o lític a o u p ú b lic a a esfera priv a d a " ( E ls hta in , 1981: 248). A o to m a r a cria -
. ção dos. filh o s u m a Ç é spons a bilid a d e p úblic a , o lib e ra lism o , " d e s p iria a esfera^
priv a d a d a ra z ã o c e h tra l de. su a e xistê ncia e de sua prin c ip a l f o rt e d e e moç ã o
e v a lor h um a n o s. S im ila rm e n t e , e xt e rioriz a r tod a s as a tivid a d e s de a d m in is
tra ç ã o d a casa, to m á -l a s a tivid a d e s públic a s, seria vic ia r o d o m ín io priv a d o
a in d a m ais. 'T o d a s as pessoas, n a m e d id a do possív el, s eria m tra nsform a d a s
e m pe ssoas públic a s, e o ro m p im e n to das form a s d e v id a socia l inicia d a s p e la
in d u s tria liz a ç ã o s eria c o n clu íd o p e la a bsorç ã o d o priv a d o , t ã o c o m p le t a m e n
te q u a n to possív el, p e lo p ú b lic o .' E sta é a conclu s ã o d o im p e r a tiv o lib e r a l "
( E ls hta in , 1981: 248, c it a n d o R. P. W o lff). P ara u m a discussã o da s pre o c u p a
ções fe m inista s rec ente s a re sp e ito da i j i h p p ií S a ç ap (por e x e m plo,
a_extensão d o p e n s a m e n to-c o n tra tu a i-a a ca sa m enío.e .à fa m ília ), v er, de m in h a
a utoria , " R e th in k in g th e F a m ily " , Philosophy and P ublic A ffa irs, v o l. 20 (1991).
O F E M IN IS M O 339

qu e os h o m e n s e m u lh e re s p a ss ara m a ser a ssocia dos co m


m o d o s d if e re n t e s d e p e n s a m e n to e s e n tim e n to . A o lo n g o
de to d a a h is to ri a d a filo s o fia o cid e n t a l, e n c o n tra m o s t e ó ri
cos p o lític o s q u e d is tin g u e m as dis p o siç õ e s p a rtic u la ris t a s
e m o c io n á is e in tu itiv a s , q u e d i z e m s er e xigid a s p a ra a ,vid a
d o m é stic a d a m u lh e r, e o p e n s a m e nto im p a rcia l, .de a a B a x Q -.,
n a H o e rlc í o n ai, q u ê d iz e m s er e xigid o p ara a vid a , p ú b lic a d o
. h o m e m . A m ora lid a d e

é fra g m e nta d a em um a " d iv is ã o de tra b a lh o m o ra l" s e gundo


as lin h a s d o g én ero. [...] As tarefa s de gov ern ar, re g ula m e nta r
a ord e m socia l e a d m in is tra r o utra s in stitu iç õ e s " p ú b lic a s "
fora m m on op oliz a d a s p e los hom e ns com o seu d o m in io p ri
vile g ia d o e as tare fa s de su ste nta r as relaçõ e s sociais p riv a ti
zadas fora m im p osta s ou d eixad as às m ulh e re s. Os g ê n eros!
p orta n to , fora m conce bidos em term os de proje to s m orais es4
p e cia is e d is tin to s . A ju stiç a e os d ire ito s e stru tura ra m n o r4
m as, v a lore s e v irtu d e s m ora is m a sculin o s, ao passo que o
cuid a d o e a re c e ptivid a d e d e fin ira m norm a s, v a lore s e v irtu
des m ora is fe m in in o s (F rie dm a n 1987a: 94).

E stes d ois " p ro j e to s m o r a is " fo r a m vis to s c o m o fu n d a


m e n t a lm e n t e difere nte s, n a v erd a d e , c o nflita nte s, de t a l m o
do qu e as disposiçõ e s p a rtic ula rista s das m ulh ere s, ap es ar de
fu n c io n a is p a ra a v id a f a m ilia r, são vista s c o m o subv ersiv a s
e m re la ç ã o à ju s tiç a im p a rc i a l e xig id a p a ra a v id a p ú b lic a .
P ort a n to , fo i d ito q u e a sa úd e d o p ú b lic o d e p e n d e d a e x clu
são d as m u lh e re s ( O k in , 1990; P a te m a n, 1980).
C o m o este contra ste fo i us a do h is toric a m e n t e p ara ju s
tific a r o p a tri a rc a d o , as p rim e ir a s f e m in is t a s , c o m o M a ry
W o lls to n e c r a ft, a rg u m e n t a r a m q u e a n a tu r e z a e m o c io n a l
p a rtic u l a ris t a d a s m u lh e r e s era s im p l e s m e n t e o re s u lt a d o
do f a to d e q u e às m u lh e re s era n e g a d a a o p o rtu n id a d e de
d e s e n v o lv e r p l e n a m e n t e sua s c a p a cid a d e s ra cio n a is. Se as
m u lh e re s p e n s a v a m a p e n a s n a s n e c e ssid a d e s das pe ssoa s
a su a v o lt a , ig n o r a n d o as n e c e ssid a d e s d o p ú b lic o g era l,
era p o rq u e ela s e ra m fo rç o s a m e n t e im p e d id a s de a c e ita r
re spons a bilid a d e s públic a s (P atem an, 1980: 31). A lg u m a s f e -
340 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m in is t a s c o n t e m p o r â n e a s a rg u m e n t a m q u e to d a a tr a d i
ção d e d is tin g u ir m ora lid a d e " m a s c u lin a " e m ora lid a d e " f e
m in in a " é u m m it o c u ltu r a l q u e n ã o t e m n e n h u m a bas e
e m p m c a J g á , p o r é m , u n i a . x o ii e n t e -s ig m fk a tÍ¥ a . , d o f e m i
n is m o c o n t e m p o r â n e o q u e a rg u m e n t a q u e d e v e m o s c o n-
's id e r a r s e ria m e n te a m o r a lid a d e d if e r e n t e d a s m u lh e r e s -
d e v í a m o s v ê -l a c o m o u m m o d o d e r a c io c ín io m o r a l, n ã o
_s im p le s m e n t e c o m o u m .s e n tim e n to i n t u it i v o , e .e opm iiiy i a
^m ie a ie n ii^ e rn im e m o m Q x a l,-n ã o tsimple§m.ente.,comq.o
r e s u lt a d o a rtific i a l d a d e s ig u a ld a d e s e x u a j./ O n d e os t e ó -
'ric o s h o m e n s a firm a v a m q u e as d is p o siç õ e s das m u lh e r e s
e ra m d e n a tu r e z a in t u it iv a e d e â m b ito p riv a d o , a lg u m a s
f e m in is t a s a rg u m e n t a m qu e ela s são r a c io n a is e de â m b i
to p o t e n cia lm e n t e p ú b lic o . O p e n s a m e n to p a rtic u la ris t a qu e
as m u lh e re s e m pre g a m é u m a m o r a lid a d e m e lh o r do qu e o
p e n s a m e n to im p a rc i a l q u e os h o m e n s e m pre g a m n a e sfe
ra p ú b lic a ou, p e lo m e nos, u m c o m p le m e n to nec e ss ário p ara
ele , e s p e cia lm e n t e a s sim q u e re c o n h e c e m o s q u e a ig u a l
d a d e s e xu a l e xig e u m ro m p im e n to d a d ic o to m í a p ú b lic o -i
d o m é stic o .
O re n o v a d o intere ss e f e m in is t a p e lo s m o d o s d e ra cio cí
n io m o r a l das m u lh e re s orig in a -s e e m b o a p a rt e dos e studos
de C arol G illig a n sobre o d e s e n v olvim e nto m o r a l das m u lh e
res. S e gund o G illig a n , as s e n sibilid a d e s m ora is dos h o m e n s
e das m u lh e re s re a lm e n t e t e n d e m a se d e s e nvolv e r de m a
n e ira d if e re n t e . A s m u lh e re s t e n d e m a ra c io c in a r e m u m a
" v o z d if e r e n t e " , qu e ela re sum e d e sta m a n e ira :

N e sta conce pçã o, o pro ble m a m ora l surg e a nte s de re s


p o n s a b ilid a d e s c o n flita n te s que de d ire ito s riv a is e sua so
lu ç ã o e xig e u m m o d o de p e n s ar que seja a nte s c o n te xtu a l e
n a rra tiv o que fo rm a l e a bstra to. E sta concepção de m ora lid a
de intere ss a d a n a a tivid a d e do cu id a d o c e ntra o d e s e n v o lvi
m e n to m ora l e m to rn o da com pre e nsã o da re sp on s a bilid a d e
e das relações, assim com o a concepção de m ora lid a d e com o
e qüid a d e vin c u la o d e s e nvolvim e nto m ora l à com pre ensão de
d ire ito s e re gra s (G illig a n , 1 98 2:1 9).
O F E M IN IS M O 341

E stas du a s " v o z e s " fora m c ara cteriz a d a s e m furiç ã õ de


u rn a 7'é tic a d o c u id a d a " e d e u rn a ”" é tic a d a ju s tiç a " , a s quais,
G üÜgan a firm a , são " fu n d a m e n t a lm e n t e in co m p a tív e is " ( G il-
lig a n, 1986: 238).
H á a lg u m a c o ntro v érsia q u a n to a d e t e n n in a r se esta vo z
d if e re n t e re a lm e n t e e xiste e, e m caso a firm a tiv o , se está c or
re la cion a d a sig n ific a tiv a m e n t e com o g ê n ero. A lg u m a s p e s
soas a rg u m e n t a m qu e , e m b ora h a ja du a s v o z es m ora is’ d is -
tin t a s , de c u id a d o e ju s tiç a ,.h o m e n s e m u lh e r e s t e n d e m a
e m pr e g a r am b a s c o m re g u la rid a d e m a is ou m e n o s ig u a l.
O u tro s a rg u m e n t a m qu e , e m b ora h o m e n s e m u lh e re s m u i
ta s ve z e s f a le m c o m u m a v o z d if e re n t e , isso obscure c e u m
e le m e n to c o m u m subja c e nte : " A m ora liz a ç ã o d o g ê n e ro é
m a is u m a q u e stã o d e co m o pensamos qu e ra cio cin a m o s do
qu e de c o m o e f e tiv a m e n t e r a cio cin a m o s . " " Esperamos qu e
m u lh e re s e h o m e n s e xib a m esta d ic o to m i a m o r a l " , e, c o m o
re sulta do, Q u a isq u er qu e stõ e s m ora is e m qu e os h o m e n s es
t e ja m e n v o lvid o s são c a te goriz a d a s, e s tim a v e lm e n t e , c o m o
ju e s t d f s 'd e j'j'u s d g a e d j f p g ^ T ^ õ p 8 8 8 0 <l u e as p r e o c u p a
ções* " morais d a s m u lh e re s são co n sig n a d a s às c a te goria s
desv aloriz a d a s de 'c uid a d o e relaçõ es pe sso ais” ' ( F rie dm a n,
1987a: 96; cf. B aier, 1987a: 48). T alv e z h o m e n s e m ulh e re s f a
le m e m voz e s difere nte s n ã o p orq u e seus p e ns a m e ntos e f e ti
vos difira m , m a s p orq u e os h o m e n s s e nte m qu e d e v e m e star
intere ss a dos e m ju s tiç a e dire ito s, e as m ulh e re s s e nte m qu e
d e v e m e star inte re ss a d a s e m pre s e rv a r as re la çõ e s socia is11.

11. H á t a m b é m c erto d e b ate a re sp e ito da e xplic a ç ã o da dif e re nç a de g ê


n e ro n o ra cio c ín io m ora l. A s proposta s v ã o d a 'socia liz a ç ã o p o r p a p e l s e x u a l/
( M e y e ^ l 9 § 7 : 142-6) à noss a ex p e riê n cia de m a te m a g e m ¿ ¿ p rim e ir a f i í j a n - ...
cia ( G illig a n , 1987: 20). T a m b é m h á e xplic ações m e n o s espe cífica s q u a nto ao
g ê n ero. O s gru p o s sem p o d e r m u ita s ve z es a pre n d e m a e m p a tia p orq u e d e
p e n d e m d e o u tro s p ara sua prote ç ã o e, " c o m o subordin a d a s e m u m a socie d a
de d o m in a d a p e lo s h om e n s, re qu er-s e qu e [as m ulh e re s] d e s e nvolv a m cara c
terístic a s p sicoló gic a s qu e a gra d e m o gru p o d o m in a n t e e s a tisfa ç a m suas ne
c e ssid ades " ( O k in , 1990:154). P or e x e m plo, " u m a m u lh e r qu e d e p e nd e de urr
h o m e m po d e d e s e nvolv er u m a gra nd e h a b ilid a d e e m a t e nt a r p a ra ele e cuida:
d ele , e m T er' se u c o m p ort a m e n to e a pre n d e r a in t e rp r e t a r seus esta dos d e es
p írito e s atisfa z er seus de sejos a nte s qu e ele pre cis e p e d ir" ( G rim sh a w , 1986:
342 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

Q u a is q u e r qu e s eja m as d e scob erta s e m píric a s a re sp e i


to das difere nç a s d e g ê n ero, re sta a qu e stã o de d e t e rm in a r se
há u m a a b ord a g e m ba se a d a n o c u id a d o p ara qu e stõ e s p o
lític a s qu e esteja e m com p e tiç ã o c om a ju stiç a e, caso h aja, se
é u m a a b ord a g e m s u p e rior. A lg u m a s pessoa s r e s p o n d e rá n^
às d e scob e rta s d e G illig a n d i z e n d o q u e a é tic a d o c u id a d o ,!
a p e s ar d e s er u m a p ersp e ctiv a m ora l v á lid a , n ã o é a p lic á v e l!
fora d o d o m í n io " p riv a d o " d a a m iz a d e e d a f a m ília . E la lida®
c o m as r e s p o n s a b ilid a d e s q u e a s s u m im o s e m v irt u d e de
p a rtic ip a r d e re la çõ e s priv a d a s e sp e cífic a s, n ã o das o b rig a
ções qu e d e v e m o s m u tu a m e n t e c o m o m e m bro s d o p ú b lic o
(K o hlb e rg , 1984: 358; N u n n e r- W in k l e r, 1984). M u it a s f ç m i-

d e in ic i a lm e n t e ji e s £ O V o M d a . n o contexto.,d a s^e la c õ e s p r i
v a d a s, t e m sig nific a ç ã o p ú b lic a e de ve. ser e st e n did a a os .ne
g ócios p ú blic o s .
O q u e é a é tic a d o cuid a d o ? C o m o fic a e vid e n t e n o r e
s u m o d e G illig a n , h á m a is d e u m a d if e re n ç a e n tre as du a s
vo z e s m ora is. A s d ife re n ç a s p o d e m ser e x a m in a d a s sob trê s
c a te g oria s (cf. T ro n to , 1987: 648):

1 . c a p a cid a d e s m ora is: a pre n d e r p rin c íp io s m ora is (ju s


tiç a) c o ntra d e s e nvolv er disposiçõ e s m orais ír u id a d ol:
2 . ra cio c ín io m ora l: re s olv e r pro ble m a s busc a n d o p rin -
c ípio s q u e t e n h a m a p lic a b ilid a d e u n iv e rs a l (ju stiç a )
c o ntra busc ar re sposta s qu e s eja m ade qu adas ao caso
p a rtic u l a r (cuid a d o);
3. c o n c e ito s m ora is: a te n t a r p a ra o s d ir e ito s e a e q ü id a -
de (justiç a) c o ntra a te n t a r para as re spons a bilid a d e s e
as rela çõ e s (cuid a d o).

E x a m in a re i bre v e m e nte (1) e (2) acim a a nte s de m e c o n


c e n tra r e m (3), qu e , creio, está n o c ern e d o d e b a te de c u id a
d o e ju stiç a .

252). Jsso p o d e e xplic ar p o r qu e os m e m bro s d e classes o u raças o prim id a s


e xib e m a lg um a s m a nif e sta çõ e s d a é tic a d o cuid a d o (Tronto," 1987: 649-51;
H a rd in g , 1987: 307).
o F E M IN IS M O 343

(a) C apacidades m orais

Jo an T ro n to d i z qu e a é tic a d o c u id a d o " e n v o lv e u m
d e s lo c a m e n to d a s qu e stõ e s m ora is e ss e nciais c o n tid a s na
qu e stã o ' Q u a is são os m e lh ore s p rin c íp io s ? ' p a ra a qu e stã o
i ' C o m o os in d iv íd u o s e starã o m a is b e m e q uip a d o s p ara a g ir
m o r a lm e n t e ? '" (Tronto, 1987: 657). S er u m a p essoa m or a l é
m e nos u m a qu e stã o d e conh e c er os prin c íp io s corre tos e m ais
u m a q u e s t ã o d e l e r as disp o siçõ e s c o rr e t a y- p o r e x e m plo , a
disposiç ã o d e p erc e b er as necessid a de s das pessoas co m pre
cis ã o e p ro p o r m a n e ira s im a g in a tiv a s d e s a tisfa z ê-la s.
É v e rd a d e qu e a m a io r p a rt e dos t e órico s d e ju stiç a con-t
t e m p orá n e o s c o n c e ntra -s e m a is e m d e t e rm in a r p rin c í p io s
c orre to s d o q u e e m e x p lic a r c o m o os in d iv íd u o s torn a m -s e^
" e q u ip a d o s p ara a g ir m o r a lm e n t e " . U m a cois a, p oré m , c o n -l
d u z n a tu r a lm e n t e a o u tra , p o is j , é tic a d a j u s tiç a t a m b é m
re q u e r esta s dis p o siç õ e s m ora is . E m b ora a ju s tiç a e n v o lv a
a p lic a r p rin c íp io s c orre to s, " o q u e é n e c e ss ário p ara f a z e r
c o m qu e ta is prin c íp io s a fe te m situ a çõ e s in d iv id u a is e nvolv e
qu a lid a d e s d e c ará ter e s e nsibilid a d e s qu e são, elas própria s,
m ora is e q u e v ã o a lé m d o proc e sso d ir e ito d e c o n s u lt a r u m
p rin c í p io e d e p o is c o n fo rm a r noss a v o n t a d e e a ç ã o a e le "
(Blum, 1988:485). C onsid ere , p o r e x e mplo, as disposiçõe s e xi
gid as p ara qu e os jura d o s d e cid a m se a lg u é m fe z uso de " p r e
c a uçõ e s r a z o á v e is " e m casos d e n e g lig ê n c i a o u p a ra qu e
d e cid a m q u a n d o p a g a m e n to s dif e re n t e s p a ra tr a b a lh o s tr a
d ic io n a lm e n t e m a s c ulin o s e f e m in in o s são d is crim in a tório s .
P ara a g ir d e m a n e ir a ju sta n e sta s circunstâ ncia s,, a s e n s ib ilL .
dãcTe a " F atores h is tó ric o s e a possib ilid a d e s c orre n t e s é tã o
im p o rt a n t e q u a n to " a ta re fa in t e le c tu a l d e g erar o u descob r ir
o prin c íp io . " ¡(B lu m , Í9 8 8 : 486; cf. S tock er, 1987: 60). C o m o
v ere m os, h á oed a s j r â m o ^ ^
os prin c íp io s d e ju stiç a s eja m in t e rpre t a d o s c o m f a cilid a d e e
seus re sult a d o s s e ja m f a c ilm e n t e pre visto sr E m m u it a s c ir
c u n stâ n cia s, p o r é m , e xig e -s e q u e as s e n sib ilid a d e s m ora is
p e rc e b a m se os p rin c í p io s d e ju s tiç a sã o o u n ã o re le v a n t e s
p a ra u m a situ a ç ã o e d e t e rm in e m o qu e estes p rin c íp io s re -
344 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

qu ere m . P orta nto, os te óricos d a justiç a d e via m u nir-s e a G illi-


g a n a o d e s a fia re m a " s u p o siç ã o d e qu e n ã o pre cis a m os n os
pre o c u p a r c o m q u a is p aixõ e s as pe ssoa s t ê m , c o n t a n to qu e
sua s v o n t a d e s ra cio n a is p oss a m c o n tro l á -l a s " (B aier, 198 7b:
55). M e s m o q u e a ju s tiç a e n v o lv a a a plic a ç ã o de p rin c íp io s j
a bstratos, as pessoa s só d e s e nvolv erã o u m " s e nso de ju s tiç a "
efic a z se a d q u irire m u m a m p lo le qu e d e c a p a cid a des m ora is,
e ntre elas a c a p a cid a d e d e p erc e pç ã o solid á ria e im a g in a tiv a {
d a s e xig ê ncia s d a situ a ç ã o e sp e cífic a . I
P or q u e os t e óric o s d a ju s tiç a n e g lig e n c ia ra m o d e s e n
v o lv im e n to d a s c a p a cid a d e s a fe tiv a s su bja c e nte s a o nosso
s e nso d e ju stiç a ? T alv e z p orq u e o s e nso d e ju s tiç a na sç a de
u m senso d e cuid a d o qu e é a pre n d id o n a f a m ília , N ã o p o d e
rí a m o s e n sin a r as cria nç a s a re s p e ito d e e q üid a d e , a m e nos,
qu e elas já tiv e s s e m a pre n d id o n a f a m íli a " c erta s çoisas-auas-
p e ito d e b o n d a d e e s e n sibilid a d e p a ra c o m os o b je tiv os e in -
fèíe ssê s dos o u tro s " ( F la n a g a n e Jackson, 1987:635; cf. B aier,
1987a: 42). M u ito s te óricos d a ju stiç a re a lm e nte re conh e c e m
o p a p e l d a f a m íli a n o d e s e n v o lv im e n to d o s e nso de ju stiç a .
R a wls, p o r e x e m plo, t e m u m a lo n g a discuss ã o sobre o m o d o
p e lo q u a l o s e nso d e ju s tiç a se d e s e nvolv e a p a rtir do a m
b ie n t e m o r a l d a f a m íli a (R a wls, 1971: 4 6 2-7 9). Isso, p oré m ,
cria u m a c o ntra diç ã o d e n tro da tra diç ã o d a justiç a . C o m o diz
O k in , " a lin h a d o c o m u m a lo n g a tra diç ã o d e filó s o fo s p o lí ti
co s " , R a w ls " c o n s id e r a a f a m íli a c o m o u m a e scola de m o -|
ra lid a d e , u m a s o cia liz a d ora p rim á ri a d e cid a d ã os justos. A o |
m e sm o te m p o , ju n to c o m o utro s n a tra diç ã o, ele n e glig e n cia
a q u e stã o d a ju s tiç a o u in ju s tiç a d a pró p ria .f a m ília ,n a q u es.-
tã o dos g ê n e ro s, O re sult a d o é u m a te ns ã o c e ntra l d e n tro da
T eonã Tqu e^sõ jpod e s er solu cio n a d a a brin d o-s e a qu e stã o da
ju s tiç a d e n tro d a f a m íli a " ( O k in , 1989a: 230-1). R a wls in ic ia
su a d e scriç ão d o d e s e n v o lvim e n to m ora l d iz e n d o " d a d o qu e
as in s titu iç õ e s f a m ilia r e s são ju s t a s ... " (R a wls, 1971: 490).
M a s, c o m o vim o s , ele n ã o fa z n a d a p ara d e m o n s tra r qu e elas
são justa s. E " s e in s titu iç õ e s f a m ilia re s e strutura d a s s e g u n
d o o g ê n e ro não são ju st a s m a s, a nte s, u m a re m in is c ê n c ia
das socie d a d e s d e castas o u fe ud ais, n as qu a is os p a p éis, re s-
O F E MINIS M O 345

p o n s a b ilid a d e s e re cursos são d is trib u íd o s , n ã o e m c o n fo r


m id a d e c o m os d ois p rin c íp io s d e ju stiç a , m a s e m c o n fo rm i
d a d e co m difere nç a s in a ta s im b u íd a s d e e n orm e sig nific a d o
social, e ntã o, to d a a e strutura d o d e s e n v o lvim e n to m or a l de
R a w ls p are c e s er c o n s tru íd a sobre fu n d a m e n to s in c e rto s "
( O k in , 1989 a: 237; cf. K e a rns, 1983: 3 4-4 0). P or e x e m plo , o
qu e ass e gura qu e os filh o s estã o a pr e n d e n d o ig u a ld a d e , e
n ã o d e s p otism o , o u re cipro cid a d e , e n ã o e xplora ç ã o? In v e s J
tig a r a ju stiç a d a fa m ília é im p ort a n t e , p ort a n to , n ã o a pe n a í
com o lo c a l d a d e sigu a ld a d e sexu al, m a s t a m b é m co m o u m :
escola p a ra o s e nso d e ju stiç a d e m e n in o s e m e nin a s.
E m v e z de c o n fro n t a r essas qu estõ e s, a m a io r p a rt e dos
te óric o s d e ju s tiç a c o n t e n to u-s e e m s im p le s m e n t e s u p or
qu e as pe sso as, d e c erta m a n e ira , d e s e n volv e ra m as c a p a ci
d a d e s re q uisit a d a s. M a s, e m b ora d ig a m p o u c o sobre isso,
re c o n h e c e m q u e " t e r fra c a ss a do e m d e s e n v o lv e r e m si a c a
p a cid a d e d e t e r consid era ç ã o p ara c o m os o utro s é t e r fra c a s
s a do m ora lm e n t e , a in d a qu e a p e n a s p orq u e m u ito s de v ere s
sim ple s m e n t e n ã o p o d e m ser le v a dos a c a bo p o r u m a g e nte
m o r a l frio e s e m s e n tim e n to s " (S om m ers, 1987: 78).

(b) O ra cio cínio m ora l

P orta nto, os a g e nte s m ora is pre cis a m das "c a p a cid a d e s


m ora is m a is a m p l a s " q u e T ro n to dis c u t e . E stas c a p a cid a
de s, p o ré m , p o d e m to m a r o lu g a r dos p rin c í p io s ? S e gun d o
T ro n to , a é tic a d o c u id a d o d i z q u e , em vez de " a f ir m a r os
p rin c í p ló s m o r a is " , " a im a gin a ç ã o m o r a l, o carater-e as..a q)e s
d e v ê m re a g ir à com ple xid a d e d e u m a d a d a situ a ç ã o " (T ron
ío, 1987: 657-8; cf. B aier, 1987a: 40). È m outra s palavras, estas
disposiçõ e s m ora is m a is a m pla s n ã o a ju d a m sim p le s m e n t e
os in d iv í d u o s a a p lic a r p rin c í p io s u n iv e rs a is; ela s t o rn a m
t a is p rin c í p io s d e sn e c e ss ários e, ta lv e z , c o n tra pro d u c e n t e s .
D e v e rí a m o s in t e rp r e t a r a m o r a lid a d e a t e n t a n d o p a ra u m a
situ a ç ã o e sp e cífic a , n ã o a p lic a n d o p rin c íp io s u n iv e rs a is . " A
id é ia d e u m o lh a r ju s to e a m oro s o d irig id o a u m a re a lid a d e
346 FILO S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

in d iv id u a l [...] é a m arc a c ara cterístic a e a d e qu a d a d o a g e n


te m o r a l" , e este tip o d e " c u id a d o é tic o " n ã o d e p e nd e " d e r e -
gra o u p rin c ip io " (Iris M u rd o c h , cita d a e m G rim s h a w , 1986:
234; cf. R u d dic k , 1980: 2 2 3-4; N o d d in g s , 1984: 81-94).
O qu e , p oré m , sig nific a s im ple s m e n t e a t e n t a r p ara a si
tu a ç ão? A fin a l, n e m to d a s as c ara cterístic a s c o nt e xtu á is são
re le v a nte s p a ra as d e cisõ e s m ora is .. A p to m a rm os-d e cisõ e s
m ora is, n ã o a t e n t a m o s sim p le s m e n t e p a ra as d if e je x it e s x a -
ra cterísfic a s d a situ a ç ã o, m a s t a m b é m ju lg a m o s s eu s ig n ifi
c a do rela tivo.'®, e m b ora q u e ira m o s q u e as pessoas s eja m c a
p a z e s d e a t e n t a r p a ra a c o m ple xid a d e d a situ a ç ã o, t a m b é m
q u e re m o s qu e s e ja m c apa z es d e id e n tific a r as c ara cterístic a s
d a situ a ç ã o qu e são m or a lm e n t e sig nific a tiv a s. E ls s o pare c e
s u s cit a r a nte s qu e stõ e s d e p rin c í p io q u e d e s e n sib ilid a d e :
" N ã o ,n o s di.ss era m n a d a a x e s p e ito [d a é tic a do c u id a d o j até
n o s d iz e r e m q u a is c ara cterístic a s d a s situ a çõ e s as pe ssoas
s e nsív eis ao c o n t e x to s e le cio n a m c o m o m o r a lm e n t e d e sta
mpadas, q ü ê p ê s ó 3 a ò a égtcETcOIèrentes c ara cterístic a s etc. [...]
sim ple sm e nte pre cis a m os s aber m ais, de m a n e ira d e ta lh a d a ,
a re s p e ito d e p o r q u e m e p e lo q u e as m u lh e re s se s e nte m
re spons á v e is e a re s p e ito d e c o m q u e se pre o c u p a m e x a t a -
m e n t e " ( F la n a g a n e A d le r, 1983: 592; Sh er, 1 987:1 80).
R u d dic k a firm a qu e, e m bora distin g a m o s re a lm e nte ca
ra cterístic a s d e sta c a d a s e c ara cterístic a s irre le v a n t e s das s i
tu a çõ es m ora is, estas distinçõ e s orig in a m -s e d o p ró p rio p ro
cesso d e a t e n t a r p a ra a situ a ç ã o, n ã o d e p rin c íp io s e xternos.
A lg u é m qu e a t e nt e cuid a d o s a m e n t e p ara u m a situ a ç ã o es
p e c ífic a ir á v ê -l a c o m o a lg o q u e fa z e xig ê n cia s a nós. M a s,
e m b ora a lg u m a s c o n sid era ç õ e s m o r a is p o ss a m s er p r o n
t a m e n t e o bs erv á v e is p ara q u a lq u e r u m qu e t e n h a d e s e n
v o lv id o a c a p a cid a d e d e a t e n ç ã o s o lid á ri a p a ra c o m u m a
situ a ç ã o e sp e cífic a , h á o utra s consid era çõ e s re le v a nte s qu e
são m e n o s e vid e nte s. P or e x e m plo, q u a n d o as qu a lific a çõ e s
d e tra b a lh o são dis crim in a tória s? C o m o vim o s , a situ a ç ã o de
tra b a lh o e xiste nte pod e " e x ig ir" a lgu é m qu e seja livre das re s
p o n s a b ilid a d e s p e lo c u id a d o dos filh o s o u qu e t e n h a c erta
a ltura o u fo rç a ] C o m o este s são crit é rio s g e n u in a m e n t e re -
O F E M IN IS M O 347

le v a nte s p ara o tra b a lh o f é a p e n a s d e n tro d e u m a p erspcçtj-


va sod a l m ais a m p ia q u e p o d e m o s v e r c o m o s eu e fe ito c o m -
b in a d o é c ri a r u m sist e m a d e d e s ig u a ld a d e j e x u a l/ N e s t a s
circunstâ ncia s, sa b er q u a n d o os crit e rio s re le v a nte s são, n ã o
obsta nte , d is crim in a torio s o u q u a n d o a dis crim in a ç ã o in v e r
sa é, n ã o o bsta nte , le g ítim a , e xig e m a is d o qu e a te nç ã o s o li
d á ria p ara c o m a situ a ç ã o esp e cífic a. P ara s a b er q u a n d o h á
u m a e xig ê ncia m ora l le g ítim a a fa vor da açã o a firm a tiv a , p r e
cis amos coloc ar a situ a ç ã o esp ecífica d e n tro d e u m a te oria de
ig u a ld a d e s e xu al m a is a m pla .
A l é m d isto , m e sm o qu e p erc e b ê ss e m os to d a s as e x i
g ê ncia s re le v a nte s, estas e xig ê ncia s p o d e ria m ser c o n flit a n
tes e, p ort a n to , a ate nç ã o d e ta lh a d a p o d e ria le v ar à ind e cis ã o,
n a a us ê ncia d e prin c íp io s d e n ív e l m a is ele v a do. Se som os
c o n fro n t a d o s c o m u m c o n flito e n tre as e xig ê ncia s de p r e
s e nte s c a n did a to s h o m e n s e as d e fu tura s g era çõ e s de m u
lh ere s, a a te n ç ã o p a cie n t e p a r a c o m a situ a ç ã o p o d e re ve^
l a r q u ã o “3õlorõso" e*o~cònf lit o a re sp e ito d a açã o af ir m a tiv a .
C o m o obs erv a H e ld , " t e m o s re cursos lim it a d o s p a ra o c u i
d a do. N ã o p o d e m o s c u id a r d e to d o s o u f a z e r tu d o q u e u m a
a bord a g e m d e c uid a d o sugere. Pre cis a mos d e dire triz e s m o
rais p ara ord e n a r nossas priorid a d e s " (H e ld, 1987:119; G rim -
shaw, 1986: 219).
R u d ic k e G illig a n e scre v e m c o m o se r e c orre r a p rin c í
pio s e nvolv e ss e a a bstra ç ã o d a e s p e cificid a d e d a situ a ç ã o.
M a s, co m o obs erv a G rim s h a w , os prin c íp io s n ã o são in s tru
ções p ara e vit a r o e xa m e d e p a rticula rid a d e s, m as, ante s, in s
truçõ e s a re sp e ito d o qu e procurar._A o c o n trá rio das "re gra s " ,
qu e c o m o os d e z m a n d a m e n to s se d e s tin a m a s êr d ire triz e s
q u e p o d e m s e r ap lic a d a s sg m m u it a lf e fliS S q . u m p rin c í p io
" fu n c io n a d e m a n e ir a b e m d if e r e n t e < E le s erv e ju s t a m e n t e
para convid ar à re fle x ã o " , n ã o p ara b lo q u e á -la , p o is é " u m a
c onsid e ra ç ã o g e ra l q u e ju lg a m o s im p o rt a n t e le v a r e m c o n
ta a o d e c id ir q u a l é a cois a c erta a f a z e r" ( G rim s h a w , 1986:
2 0 7-8). T od a t e o ri a m o r a l d e v e p o s s u ir a lg u m a d e scriç ã o
de t a is c o n sid e ra çõ e s g erais, e os tip o s d e c o n sid e ra ç ã o a
qu e re c orre m os t e óric o s d a ju s tiç a m u it a s v e z e s re q u e re m
348 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

a a te nç ã o p ara c o m d e ta lh e s e sp e cíficos, e m v e z d e e n tra r


e m c o n flito co m ela ( F rie d m a n , 1987b: 203).
A lg u n s te óricos d o cuid a d o a firm a m qu e a te nd ê n cia de
re c orre r a p rin c ip io s p a ra a d ju d ic a r c o n flito s pre c e d e a t e n
d ê ncia m a is v a lios a d e e la b ora r soluçõ e s n as qu a is os c o n fli
tos s e ja m sup era d o s. P or e x e m p lo , G illig a n a firm a qu e , ao
c o n s tru ir pro b le m a s m ora is e m t e rm o s d e ju s tiç a o u c u id a
dos, seus suje ito s " d is t a n c ia v a m -s e d a situ a ç ã o e re c orria m
a u m a re gra o u p rin c í p io p ara a d ju d ic a r a s r e ivin d ic a ç õ e s
c o n flit a n t e s o u e ntra v a m n a situ a ç ã o e m u m e sforço de d e s
c o b rir o u cria r u m a m a n e ira d e re s p o n d e r a tod a s as ne c e ssi
d a d e s " ( G illig a n , 1987: 27). E, n a v e rd a d e , e j^ d t a m u it o s .
casos e m qu e as m e n in a s e ra m ca pa z es d e e n c o n tra r u m a
" soluç ã o qu e r e s p o n d ia a to d a s as n e c e ssid a d e s d a situ a ç ã o
' espe cífica, u m a soluç ã o q u e os m e n in o s d e ix a v a m pass ar na.
j pre ss a d e e n c o n tra r u m a a dju dic a ç ã o p ro v id a d e prin c íp io s
p ara o co nflito . N e m s empre, p oré m , h a v erá um a m a n e ira de
a c o m o d a r e xig ê ncia s c o n flit a n t e s e n ã o está cla ro qu e d e v e
m o s s e m pre t e n t a r a com o d a r tod a s as e xig ê ncia s. C onsid ere
as e xig ê ncia s d e c ó dig o s d e h o n r a ra cista s o u sexistas. S ão
" e x ig ê n cia s " clara s, m a s m u it a s d ela s são ile g ítim a s . O fate
de qu e os h o m e n s bra n co s e sp era m s er tra t a d o s de m a n e i
ra d if e re n cia d a n ã o é ra z ã o p a ra a c o m o d a r estas e x p e cta ti
vas. M e s m o qu e pud é ss e m os a com od á-la s, p o d e rí a m o s pro
v o c a r u m c o n flito p ara to rn a r clara noss a d e s a prov a ç ã o. Se
d e v e m os q u e s tio n a r estas e xig ê ncia s, e ntã o, " a a te nç ã o n ã o
po d e estar s e mpre foc a liz a d a justamente nos d e ta lh e s e n u a n-
ças d a situ a ç ã o e sp e cífic a " , m as, a nte s, d e v e s itu a r estes d e
ta lh e s d e n tro d e u m a e s tru tura m a io r d e p rin c íp io s n o rm a
tiv o s ( G rim s h a w , 1986: 238; W ils o n , 1988: 1 8-9).

(c) Os conceitos m orais

A qu e stã o, e ntã o, _não é d e t e rm in a r se pre cis a m o s d e


prin c íp io s , m a s se eles d e v e m s er p rin c íp io s qu e a t e n t e m
p a r a *o s d ir e ito s e . a . e qiiid a d e "..ou. p a ra " a s re s p o n s a b ilid a -
O F E MINIS M O 349

des e as re la çõ e s " . H á , p e lo m e nos, trê s m a n e ira s dif e re nt e s


de in t e rp r e t a r a dife re n ç a e ntre estes co n c e ito s m ora is:

1 . a u n iv e rs a lid a d e a nte o intere ss e p o r rela çõ e s e sp e


cífic as;
2 . o re sp e ito p e la h u m a n id a d e c o m u m a nte o re sp e ito
p e la in d iv id u a lid a d e d is tin t a ;
3. a re in vid ic a ç ã o d e d ir e ito s a nte a a c eita ç ã o de re s
p o n s a bilid a d e s.

E x a m in a re i ca da u m a d ela s in d iv id u a lm e n t e .

(i) A universalidade ante a preservação de relações

U m a m a n e ira c o m u m d e d is tin g u ir c u id a d o e ju s tiç a é


d iz e r qu e a ju s tiç a t e m c o m o o b je tiv o a u n iv e rs a lid a d e ou
im p a rcia lid a d e , ao p a sso que, o c u id a d o t e m c o m o ob j e tiv o
pre s erv a i, fl " r e d e d e rela çõ e s c o n tín u a s " (B lu m , 1988: 473;
T ronto, 1987:6 60). C o m o d iz G illig a n , " a p a rtir d e u m a p e rs
p e ctiv a d e ju stiç a , o e u c om o., a g e nte .m or a l coloca-se..co m o .
a fig ura c o n tra u m fu n d o de rela çõ e s sociais, ju lg a n d o a s r e i-
vipdic a çõ é s c o n flit a n t e s d o e u e d e o u tro s c o n tra u m p a drã o
de ig u a ld a d e o u ig u a l re s p e ito (o Im p e r a tiv o C a t e góric o, a
R e g i ã 'd U O ü ro ). J j. p a rt ir d e u m a p e rs p e c tiv a d e çu id a d n . a
re la ç ã o torn a -s e a fig ura , d e fin in d o o e u e os o utro s., D e n tro
d o c o n t e x to d a re la ç ã o, o e u c o m o a g e nt e m o r a l p erc e b e e
re a ge à p erc e pç ã o d a n e c e ssid a d e " ( G illig a n , 1987: 23). P or
t a n to , p a ra G illig a n , " a m o r a lid a d e b a s e ia-s e e m u m a p e r
c e pç ã o d a lig a ç ã o co n cre ta e d a re a ç ã o d ire t a e n tre pessoas,
u m a p e rc e p ç ã o d ir e t a d a lig a ç ã o qu e e xiste a n t e rio rm e n t e
às cre nç a s m ora is a re s p e ito d o q u e é c e rto o u erra do, ou de
qu a is p rin c íp io s a c eitar. A a ção m o r a l d e v e e xpre ss ar e s us
t e n t a r estas lig a çõ e s com o utra s pessoa s e sp e cífic a s " (B lum ,
1988: 476).
c e rt a a m b ig ü id a d e n a n o ç ã o d a " r e d e d e re la çõ e s
e xis t e n t e " . E m u m a vis ã o, isso se re fere a rela çõ e s h is to ric a
m e n t e e nra iz a d a s c o m o u tra s e sp e cífic a s. Se in t e rp r e t a d a
350 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

de sta m a n e ira , p oré m , a étic a d o <


c lu ir os m a is n e c e ssita d os, j á q u e é m a is pro v á v e l qu e e ste
j a m fora d a re d fi d e rela çõ es. M u ito s t e órico s d o c u id a d o r e
con h e c e m este p e rig o . T ro n to d i z q u e " a o c o n c e ntra r-s e n a j
pre s erv a ç ã o d as rela çõ e s e xiste nte s, a p e rsp e ctiv a d o c u id a -1
d o t e m u m a q u a lid a d e c o n s e rv a d ora " , e qu e a m a n e ira de |
a ss e gurar " q u e a re d e d e rela çõ e s seja t e cid a c o m a m p lid ã o
suficie n t e , p ara q u e a lg u n s n ã o fiq u e m fora d o s eu alcance,
c o n tin u a a s er u m a q u e stã o c e n tra l. S e ja m q u a is for e m as
fra q u e z a s d o u n iv e rs a lis m o k a n ti a n o , sua pre m is s a d o v a
lo r m ora l e d ig n id a d e ig u a is d e to d o s os seres h u m a n o s é
a tra e nte p orq u e e vit a este p ro b l e m a " (T ronto, 1987: 660-1).
C o n fia d o ra q u e stã o n ã o é s im p le s m e n t e e xplic a r como " a s
jn s titu iç õ e s sociais p o d e ri a m s er ord e n a d a s p a r a e xp a nd ir

a c e ite m o s u m p r i n d p k i u n iv e rs a lis t a d e ig u a l v a lo r m o ra l.
À re sposta s urpre e n d e n t e m e n t e pro v is ó ria d e T ro n to é qu e
" p o d e ser possív e l e vit a r a n e c e ssid a d e d e u m a ale ga ç ã o es
p e cia l e, a o m e s m o t e m p o , d e te r-s e a nte p rin c íp io s m ora is
univ e rs a is: se f o r a ssim, u m a é tic a d o c u id a d o p o d e ser v i á
v e l " (T ronto, 1987: 661, 660).
O u tro s te óricos d o cuid a do, p oré m , in t e rp r e t a m a "re d e
e xiste nte d e rela çõ e s " de u m a m a n e ira m a is exp ansiva . C om o
Tronto, G illig a n d iz qu e " c a d a pe sso a está in s e rid a d e n tro de
u m a re d e d e rela çõ e s contínu a s, e a m ora lid a d e , de m a n e ira
im p o rt a n t e , se n ã o e xclusiv a , co n siste n a a te nç ã o, n a c o m
pre e ns ã o e n a re c e p tiv id a d e e m o c io n a l p a ra c o m os in d iv í-,
d u o s c o m os q u a is m a n t e m o s estas re la ç õ e s " (B lu m , 1988:
473). M a s, c o m o obs erv a B lu m , " G illig a n pre t e n d e qu e esta
re d e a bra nja to d o s os seres h u m a n o s , n ã o a p e n a s o nosso
círculo d e c o n h e cid o s " (B lum , 1988:473). C o m o d iz u m a das
m u lh e r e s n o e s tu d o d e G illig a n , so m o s re sp o n s á v e is p o r
" e st a coleç ão gig a nte sc a d e to d o o m u n d o " , d e m o d o qu e " o
e s tra n h o a in d a é o u tr a p e sso a q u e p e rt e n c e a este gru p o ,
p e sso a à q u a l v o c ê e stá lig a d o em virtu d e ser outra pessoa"
( G illig a n , 1982:5 7, ênfase m in h a ; cf. 1982:160). Para G illig a n ,
O F E M IN IS M O 351

o qu e u n e as p e ssoa s n e sta re d e gig a nte sc a d e rgla ç Q .e a nã a.


é n e c e ss aria m e nte q u a lq u e r intera ç ã o dire ta , mas, ante s, urn a
h u m a n id a d e c o m p a rtilh a d a . C o m o a conc e pç ã o da re d e de
relaçõe s d e G illig a n já in c lu i to d o s, seu c o m pro m is s o de p r e
s erv ar a re d e d e rela çõ es n ã o c o n flit a c o m su a cons e qü e nte
a firm a ç ã o d e qu e a m otiv a ç ã o d a é tic a d o c uid a d o é o fa to de
*q u e .to d Q & .te rã o .ie ^ a s to ^^ e ^jfld u td o s ^4 iie ..n in guó.m
será d e ix a d o s o z in h o n e m m a ch u c a d o "; ( G illig a n , 1982: 63).
N a tu r a lm e n t e , v is to q u e os t e óric o s d o c u id a d o d iz e m
qu e ca d a pe sso a está lig a d a a nós " e m v irtu d e d e ser o u tra
p e sso a ", pare c e q u e t a m b é m eles e stã o c o m pro m e tid o s com
u m p rin c í p io d e u niv e rs a lid a d e . T ã o lo g o c u id a d o e int e re s
se " s ã o de sta ca dos das e xig ê ncia s de rela çõe s únic a s e h is to
ric a m e n t e e nra iz a d a s - tã o lo g o se d iz q u e elas são o btid a :
m e ra m e n t e p e la h u m a n id a d e c o m u m d a s p a rt e s a fe ta d a s
ou p e lo f a to d e qu e tod a s estas p arte s t ê m intere sse s, o u p o r
qu e tod a s p o d e m s ofre r" , e ntã o, ((p erd e mos c o m ple ta m e n te
o c o ntra st e e n tre a e sp e cificid a d e d a re la ç ã o e a g e n e ra lid a
de d o p rin c ip iad P erdido o contra ste , p are c e mos fic ar com u m a
a b ord a g e m q u e busc a s o lu c io n a r d ile m a s m ora is p o r m e io
da id e n tific a ç ã o s o lid á ria c o m to d a s as p arte s a fe ta d a s " . E
este tip o d e u niv e rs a lid a d e " e stá , p e lo m e n o s, in tim a m e n t e
re la cio n a d o c o m a d o c o n h e cid o o b s e rv a d or im p a rc i a l e b e
n e v o l e n t e " qu e e n c o n tra m o s n a s t e oria s k a n ti a n a e u t ilit á
ria (Sher, 1987:1 84). E n q u a n to G illig a n e vita a lin g u a g e m da
univ ers a lid a d e , seus e studos " in d ic a m qu e o c uid a do e o s e n
so d e r e s p o n s a b ilid a d e p e lo s o u tro s d a s m u lh e r e s são fr e
q ü e n t e m e n t e u niv e rs a liz a d o s " ( O k in , 1990:1 58; cf. B ro u g h
to n , 1983: 606; K o h lb e rg , 1984: 356).
P ort a nto , o c o m pro m is s o d e " pre s e rv a r a re d e de r e la
çõ e s " p o d e o u n ã o e n tr a r e m c o n flito c o m o c o m pro m is s o
p ara c o m a u niv e rs a lid a d e , d e p e n d e n d o d e co m o o in t e rp r e
ta rm o s. B o a p a rt e d a lit e r a tu r a d a é tic a d o c u id a d o c e n tro u-|
se n a " t e n s ã o c o n flitu o s a m a s cria tiv a " e ntre as conc e pçõ e s
univ ers a lista s e m a is loc aliz a d a s de noss a lig a ç ã o com os ou-í
tros (R uddick, 1984: 239). O s te óricos d o c uid a d o argum e n-f
t a m qu e "fa z e m os progre sso m ora l [...] ao e x p a ndir o â m b ito
352 FIL O S O FÍA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

das inju n ç õ e s p ara c uid a r das lig a çõ e s e m a n t ê -la s " (M e y ers,


1987:1 4 2), m e s m o qu e isso e xija " tr a n s fo rm a r " e " g e n e r a li
z a r" a lgum a s prá tic a s de cuid a d o e xiste nte s (R u d dick, 1980:
2 2 2 , 226)," T a m b é m é v erd a d e , p oré m , qu e " o s e nso d e re s
p o n s a bilid a d e n o cern e d a p ersp e ctiv a d o c uid a d o " te nt a e vi
t a r " frn p o r a im p a rcia lid a d e à custa d o ap e go c o n tín u o " (M e
yers, 1987:142). Parece qu e a m a ioria dos te óricos do c uid a do
a c e ita o c o m pro m is s o d e G illig a n c o m u m a re d e u n iv e rs a
list a de relaçõ es, m as pre fere e nf a tiz a r su a c o n tin u id a d e c o m
a t e ia d e re la çõ e s m a is lo c a liz a d a d e T ro n to . C o n tu d o , c o
m o obs erv a B lu m , " c o m o esta e xte ns ã o a to d a s as pesso as
d e v e s er re a liz a d a n ã o fic a c la ro " (B lu m , 1988: 473)12.

(ii) O respeito pela hum anidade e o respeito pela individu a lid a d e

S e gund o a lg u n s t e órico s d o c uid a d o , o pro b le m a c o m a


ju s tiç a n ã o é f a to d e qu e ela re ag e u m v e rs a lm e n t e a to d o s os
qu e c o m p a rtilh a m noss a h u m a n id a d e c o m u m , m a s o f a to de
qu e e la re s p o n d e u n ic a m e n t e a nte s à h u m a n id a d e c o m u m

12. C o m o obs erv a O k in , os e studos de G illig a n n ã o c o n fro n t a m a qu e s


t ã o d e " c o m o as m ulh e re s p e ns a m q u a n d o co nfro n t a d a s co m o d ile m a m o r a lf
qu e e n volv e u m c o n flito e ntre as ne ce ssid ad e s o u intere ss e s d a f a m ília e a m i-í
gos ín tim o s e as ne ce ssid ad e s ou intere ss e s de 'o u tro s ' m a is d ist a n te s " ( O k in J
1990:158). A resposta de R u d d ic k é qu e " a s mã es p o d e m [...] v ir a p erc e b er qu e
o b e m de seus filh o s está e ntre la ç a do co m o b e m de tod a s as cria nç a s " (R u d
dic k, 1984: 239; m a s cf. 1987: 250-1). É d u vid o so, p oré m , qu e o b e m d e u m a
cria nç a esteja lig a d o ao b e m de tod a s as crianç as, p o r m a is dis ta nte s qu e e ste
ja m . E, m e sm o q u a n d o está e ntre la ç a do, o pro b le m a é qu e a lig a ç ã o pod e ser
a nte s c o m p e titiv a qu e c o m p le m e n t a r. S eu b e m p o d e e star e ntre la ç a do d e ta l
m a n e ira qu e os recursos ga stos com u m a cria nç a d e v a m ser n e g a dos a outra .
Se o m e c a nism o p ara e x p a n d ir a re d e d e rela çõ e s é a p erc e pç ã o de qu e o n o s
so b e m está e ntre la ç a do com o b e m de outros, ela p o d e s er u m a e xpans ão
m u ito lim it a d a . P are ce irre m e d ia v e lm e n t e o tim is t a d iz e r qu e a t e nt a r p ara o u
tro s dista nte s n ã o im p õ e n e n h u m custo a ap e gos co n tín u o s o u que " a in e q ü i-
d a d e afeta a dv ers a m e nte a mb a s as p arte s e m u m a rela ç ã o d e sig u a l" ( G illig a n ,
1982: 174). A p e n a s u m c o m pro m is s o e xplícito c o m o intere ss e im p arcia l, e j
n ã o sim ple sm e nte com a pre s erv a ç ã o de lig a çõ e s e xiste nte s, p o d e ria s u s t e nt a r!
o tip o de g e n era liz a ç ã o qu e G illig a n e R u d ic k d e se ja m.
O F E M IN IS M O 353

das pesso as q u e à in d iv id u a lid a d e d is tin t a das p e sso a s. O s


t e óricos d o c u id a d o a firm a m qu e , p ara os te óric o s ba se a dos
n a ju s tiç a , " a signific a ç ã o m ora l das pessoa s com o obje tos do
intere ss e m o r a l d e corre u n ic a m e n t e d o f a to d e s ere m p o rt a -
d ò f á s d e c ara cterístic a s signific a tiv a s,. m a s in t e ir a m e n t e g e
rais e re p e tív e is " (B lum , 1988:4 75). A ju stiç a está intere ss a d a
n o " o u tro g e n e ra liz a d o " e n e g lig e n cia o " o u tro c o n cre to " :

O p o n to de vista do o u tro g e n era liz a d o re q u e r que v e


ja m os to d o e cada in d iv íd u o com o u m ser ra cio n a l h a b ilita d o
aos m esmos d ire ito s e deveres que desejaríam os a trib u ir a nós
m esm os. A o su p or o p o n to de vista , a bstra ím os da in d iv id u a l
lid a d e e da id e ntid a d e concre ta do o u tra « S u p ü m a s .q u fiu .o u|
tr o, com o nós m e sm os, é u m ser que te m n e ce ssid a d e s,,.d e s e
jo s e afetos.concretos,, mas o que c o n s titu is u a d ig n id a d e m o
ra l n ão é q que. nos d ife re n cia u m do o u tro , m as, a ntes, o que
nós, com o agentes ra cion a is fa la nte s e a tua ntes, te m os e m co-
' rn ü fn . J :, . Í Õ p o n to de vista do o u tro co ncre to, p o r contra ste ,
re q u e r que v e ja m os to d o e cada ser ra cio n a l com o u m in d i
v íd u o com um a h is tó ria , um a id e n tid a d e e um a c o n stitu iç ã o
a fe tiv o -e m o c io n a l concre ta s. A o s u p or este p o n to de vista ,
abstraímos do que consideram os nosso cará ter com um [...] A o
tra t á -lo e m c o n fo rm id a d e com as n orm a s d a a m iz a d e , do
a m or e do cuid a do, co nfirm o n ão apenas sua humanidade, mas
sua in d ivid u a lid a d e h um a n a (B e nh a bib, 1987: 87; cf. M e y ers,
1 9 8 7:1 4 6-7; F rie dm a n, 1987o: 105-10).

C o m o e nfa tiz a B e n h a bib ,p s p o n to s d e vista d o o u tro g e


ra l e d o o u tro c o n cre to sã o p l é n a m e n t e u n iv e rs a liz a d o s (n a
v erd a d e , ela os c h a m a " u n iv e rs a lis m o s u b s titu c io n a lis t a " e
" u n iv e rs a lis m o in t e r a tiv o " , re s p e ctiv a m e n t e ). M a s o c u id a
do, a o c o n tr á rio d a ju s tiç a , re a g e a nte s a noss a s dif e re n ç a s
concre ta s q u e à noss a h u m a n id a d e a bstra ta .
E ste c o ntra st e , p o ré m , p are c e e x a g era d o e m a m b a s as
dire ções. P rim e iro , a é tic a d o cuid a do, u m a v e z u n iv e rs a liz a
da, t a m b é m re c orre h u m a n id a d e c o m u m . C o m o obs erv a
Sher, tã o lo g o se d iz qu e o cuid a d o e o intere ss e " s ã o o b tid o s
m e ra m e nt e p e la h u m a nid a d e com u m das p a rte s a feta da s o u
p e lo f a to d e qu e to d a s estas p a rte s t ê m intere ss e s o u qu e t o -
354 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

da s p o d e m s ofre r" , eles, e ntã o, são " visto s co m o re ações a d e-


’ qu a d a s a c ara cterístic a s c o m p a rtilh a d a s e r e p e tív e is " (Sher,
1987: 184).
S e gundo, as te oria s d e ju stiç a n ã o s e lim il a in ao re sp e i-
to p e lo o u tro g e n e ra liz a d o/ Isso é claro n o caso d o u tilit a ris -
T fT õ 7 õ ^ ü ã !^ ê w ' ã f ê r it a r p a ra a p a rtic u la rid a d e p a ra s a b er se
u m a p o lític a irá p ro m o v e r as v ária s pre ferê ncia s das pessoas.
JFbde p a re c e r m e n o s cla ro n o caso d a t e oria d e R a wls e, n ã o
s urpre e n d e n t e m e n t e , m u it a s f e m in is ta s a p o n t a m p a ra sua
p o siç ã o orig in a l co m o u m p a ra dig m a d o p e ns a m e n to de jus-__
..tiçà,* C ó m o a p o siç ã o o rig in a l re q u e r qu e os in d iv í d u o s se
a b stra ia m d e seus eus esp ecíficos, diz-s e qu e ela e x e m plific a
u m a tra diç ã o n a q u a l " o e u m ora l é vis to c o m o u m ser desin
serido e desincorporado" (B e nh a bib, 1987: 81). Isso, poré m , re
pre s e nt a d e m a n e ir a e rrô n e a a p o siç ã o o rig in a l. C o m o o b
serva O k in ,

a posição o rig in a l re q u e r que, com o suje ito s m ora is, c o n s id e r


re m os as id e n tid a d e s , o b je tiv o s e apegos de tod a s as o u tra J
pessoas, p o r m a is d ife re n te s que possam ser de nós, c o m i
possuindo ig u a l interesse ao nosso.. Se nós, que sabemos quena
somos, devemos p e ns ar como se estivéssemos na posiçã o o ri
g in a l, d e v e m os d e s e n vo lv e r c a p a cid a d e s co n sid e rá v e is de
e m p a tia e p od ere s de nos co m u nic a rm o s com os o u tro s so
bre com o as d ife re n te s vid a s hum a n a s são. Já que sabemos
qu e m som os e q u a is são nossos intere ss e s e conce pçõ es do
b e m e sp e cíficos,^pre cis a m os ta m b é m de u m gra nd e co m
prom isso com a b e n e volê ncia , com o cuid ar dos o utro s ta n to
q u a n to de nós m e sm os..(O kin, 1989a: 246).

P ort a n to , " a t e o ri a d e ju s tiç a d e R a w ls é, e la p ró p ri a ,


c e n tra lm e n t e d e p e n d e nt e d a c a p a cid a d e das pessoas m ora is
de se intere ss are m p e los o utro s e d e d e m o n s tra r cuid a do p o r
eles, e sp e cialm e nte os o utro s qu e são m a is difere nte s de n ó s "
( O k in , 1989a: 247). O s te óric o s d o c u id a d o m u it a s v e z e s d i- i
z e m qu e as soluçõ e s d e c o n flito s " d e v e m ser alc a nç a d a s p or
m e io d o p e n s a m e n to c o n t e xtu a l e in d u tiv o c a ra cterístico d a 1
a doç ã o d o p a p e l d o o u tro e s p e cífic o " (H a rd in g , 1987: 297). í
M a s isso é ju s t a m e n t e o q u e a posiç ã o o rig in a l exig e de nós. '
o F E M IN IS M O 355

B e n h a b ib q u e s tio n a se " a s s u m ir o p o n t o d e v is t a dos


o u tro s " é v e rd a d e ira m e n t e c o m p a tív e l co m o r a cio c ín io p o r
trá s d e u m v é u d e ig n orâ n cia , p orq u e a ju s tiç a é, " c o m isso,
id e n tific a d a com a p ersp e ctiv a d o o u tro g e n e ra liz a d o d e s in
s erido e d e sincorpora do. [...] O pro ble m a p o d e ser form u la d o
da s e g uint e m a n e ira : s e g u n d o K o h lb e rg e R a w ls^a r e c ipro
cid a d e m o r a l e n v o lv e a c a p a cid a d e d e a s s u m ir o p o n to ã e “
- v is t a d o o u tro . H e n o s . c o lo c a rm o s im a g in a tiv a m e n t e n o
d e ig n o r â n c i a ^
TcTcómo diferente do eu desaparece® (B enfiabTb, 1987:
88-9; cí. B lum , 1988: 475; G illig a n , 1986: 240; 1987: 31). Isso,
poré m , re pre s e nt a e rro n e a m e n t e c o m o a posiç ã o o rig in a l
op era . O f a to d e se p e d ir q u e as p e sso a s r a c io c in e m a bs
tr a in d o su a p ró p ri a posiç ã o social, t a le n to s n a tura is e p r e
f erê ncia s p e sso ais ao p e n s a r sobre os o u tro s n ã o sig nific a
qu e elas d e v a m ig n o r a r as pre ferê ncia s, t a le n to s e posiç ã o
social esp e cífic a s dos outros. E, c om o vim o s, R a wls insiste
e m qu e as p arte s p o r trá s d a p o siç ã o o rig in a l d e v e m le v a r
esta s cois a s e m c o n t a (cap. 3, seç ão 3 a cim a). B e n h a b ib s u
põ e q u e a posiç ã o o rig in a l fu n c io n a p e la e xig ê n cia de qu e
os c o n tra t a n t e s c o n sid e re m os intere ss e s dos o u tro s c o n
tra t a n t e s (qu e se to m a m to d o s " o u tro s g e n e ra liz a d o s " p or
trá s d o v é u d e ig n orâ n cia ). N a v erd a d e , p oré m , o e f e ito do
v é u é qu e " n ã o im p o rt a m a is p ara o [co ntra t a n t e ] qu e m , na
posiç ã o orig in a l, ocup a a posiç ã o c o m ele, se é qu e a lg u é m o
fa z, o u q u a is são os intere ss e s d e seus ocup a nte s. O qu e im
p ort a p ara ele são os d e s ejos e o b je tiv o s d e to d o m e m bro
efetivo d e su a socie d a d e , p o rq u e o v é u o fo rç a a ra c io c in a r
como se fôssemos qualqu er um deles" ( H a m p to n , 1980: 335).
C o m o vim o s , ç> s o lid á rio id e a l d e H a re im p õ e a m e s m a e x i
g ê n cia (cap. 2, se çã o 5b a cim a). A m b o s os d is p o s itiv o s , os
c o n tra t a n t e s im p a rc ia is e os s o lid á rio s id e a is, fu n c io n a m
p o r m e io d a e xig ê n cia d e qu e as pessoas consid ere m os o u
tros concretos (cf. B ro u g hto n , 1983: 610; Sh er, 1 9 8 7 :184)13.

13. Iris Y o u n g ofere c e u m a rg u m e n to m a is g era l a fa v or da a firm a ç ã o de


qu e " o p o n to de vista im p a rc ia l" neg a difere nç a s: " A ra z ã o im p a rc ia l d e v e j u l
g ar a p a rtir d e u m p o n to d e vista e xt e rior às p ersp e ctiv a s espe cíficas d e pe s-
356 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

(iii) A c e itar a responsabilidade e re ivin dic a r direitos

C o m o a m b a s as étic as são u niv e rs a is e a m b a s re sp e ita m


o c ará ter c o m u m e a in d iv id u a lid a d e , a dif e re n ç a (se h o u v e r
u m a ) e n c o ntra -s e e m o u tra p arte . U m a d istin ç ã o fin a l ofe re
cid a p o r G illig a n é qu e o r a c io c in io d e ju s tiç a p e ns a n o i n
tere sse p e lo s o u tro s e m t e rm o s d e re s p e it a r r e iv ifid T c iç o is
d e d ir e ito s, .4 0 p a sso q u e 0 ra cio c ín io d o c u id a d o p e n s a n o
intere ss e p e lo s ou tro s e m t e rm o s d e a c e ita r r e s p o n s a b ilid a
d e s . M a s a q u e e q uiv a le e sta difere nç a ? U m a dife re n ç a c e n
tr a l, s e g u n d o G illig a n , é q u e a c e it a r r e s p o n s a b ilid a d e p o r
o u tro s re q u e r a lg u m intere ss e p o s itiv o p e lo s eu b e m -e sta r,
ao pa sso qu e os d ire ito s são e ss e ncia lm e nte m e c a nism os de
a uto prote ç ã o q u e p o d e m s er re sp e ita do s s im p le s m e n t e d e i
x a n d o as o utra s p e ssoa s e m p a z . P ort a n to , ela ig u a la a c o n-

soas e n volvid a s n a intera ç ã o, capa z d e to t a liz a r estas p ersp e ctiv a s e m u m


to d o o u vo nta d e g eral. [...] O suje ito im p a rcia l n ã o pre cis a re conh e c er n e n h u rrj
o u tro s u je ito cuja p ersp e ctiv a d e v a ser le v a d a e m conta e com o qu a l a d is c u s*
são possa ocorrer. [...] D e ste p o n to de vista im p a rc ia l n ã o pre cis a m os c o n s u l^
t a r n e n h u m o u tro p orq u e o p o n to de vista im p a rc ia l já le v a e m conta tod a s as
p ersp e ctiv a s possív e is " (Y o u n g, 19 8 7:6 2). M a s, co m o vim o s, a im p a rcia lid a d e
ra w lsia n a consiste ju s t a m e n t e n a e xig ê ncia de qu e a te nte m o s p ara todos os
p o n to s de vista possív eis. P arece qu e Y o u n g está c o n fu n d in d o a e xig ê ncia
m o r a l de im p a rc ia lid a d e co m u m a e xig ê ncia e piste m oló gic a de im p e s s o a lid a
de o u o bje tivid a d e : " C o m o c ara cterístic a d a ra z ã o, a im p a rcia lid a d e sig nific a
a lg o dif e re n t e da p o stura pra g m á tic a de ser ju sto , co n sid e ra n d o as n e c e ssid a
des e de se jos da s o utra s pe ssoas, a lé m dos nossos. A im p a rcia lid a d e n o m e ia
u m p o n to de vista d e ra z ã o qu e se coloc a s e p ara do d e qu a isq u e r intere ss e s ou
de sejos. N ã o ser p arcia l sig nific a ser ca pa z de v e r o to d o, de v e r com o tod a s as
p ersp e ctiv a s e intere ss e s e sp ecíficos e m u m a d a d a situ a ç ã o m o r a l se r e la cio
n a m e ntre si; de u m a m a n e ira qu e , p o r causa de sua p a rcia lid a d e , cad a p e rs
p e ctiv a n ã o cons e gu e v e r a si p ró p ri a ._ 0 1
t3 _ ç ç á p c a -s e -fo r a .^ a ffln ^ .^ s itu a ç ã o a re sp e ito d a qu a l e le jo u e la ra ciocin a ,
s e m n a d a e m jo g o n e la , o u s u posta m e nte a d ota u m a p o stura p a ra com um a
situ a ç ã o co m o se estiv esse fora e a cim a d e la " ( Y o u n g, 1987: 60). C o n tu d o , p o
d e m o s a c e it ar os d ir e ito s m ora is d a posiç ã o o rig in a l c om o u m m e c a nis m o
p ara co n sid e rar os intere ss e s d is tin to s de outra s pe ssoas s e m a c e it ar o id e a l
e pist e m oló gic o de colo c ar-s e a cim a da situ a ç ã o. (Inv e rs a m e nte , re j e ita r este
id e a l de im p e rs o n a lid a d e n ã o g ara nte qu e as pe ssoas a t e nt a ra m p ara os in t e
resses das o utra s pessoas.)
o F E M IN IS M O 357

v ers a sobre d ir e ito s a in d iv id u a lis m o e e g o ísm o e d iz quejas,


de veres p ara c o m os o u tro s b a s e a dos e m d ire ito s se lim it a m
à n ã o -in t e rf e rê n d a r e c ípro c a /( G illig a n , 1 9 8 2 :2 2 ,1 3 6 ,1 4 7 ; cf.
M e y e rs , T 9 ‘8 7 : 146),
Isso, p o r é m , só é v á lid o p a ra as t e oria s lib e rt á ri a s dos
dire ito s . Toda s as o utra s t e oria s q u e e x a m in e i re conh e c e m!
d e v ere s p o sitiv o s n o qu e d iz re s p e ito ao b e m - e s t a r dos o u -j
tros. P orta nto, e m b ora a e stru tura d a ju s tiç a e nfa tiz e os d ire i-I
tos d as pessoa§, é.b a sta nte a d e qu a do d iz e r qu e estes dire ito s
im p õ e m re s p o n s a b ilid a d e s aos outro s.; E , n a v e rd a d e , é a s
sim q u e os e ntre vista d o s d e G illig a n d e scre v e m sua é tic a d o
c uid a d o . Por e x e m plo , u m a m u lh e r d i z qu e " a s pe ssoa s so
fre m e isso lh e s d á c ertos d ire ito s e d á a voc ê c erta re spons a
b ilid a d e " (cita do e m B ro u g hto n , 1983:605). É v erd a d e qu e a l
gum a s m u lh e re s " p e n s a m m e n o s a re s p e ito d a q u ilo a qu e
t ê m d ir e ito d o q u e a re s p e ito d a q u ilo cujo p ro v im e n to é de
sua r e s p o n s a b ilid a d e " . C o n tu d o , ela s p o d e m se c o n sid e ra r
re spons á v eis p o r pro v e r cuid a do s aos o utro s ju st a m e n t e p o r
qu e c o n sid e ra m q u e os o u tro s t ê m d ir e ito a isso - " S u p o r c
c o n trá rio s eria c o n fu n d ir a b e m suste nta d a a firm a ç ã o de qu<
as m u lh e r e s in t e re s s a m -s e m e n o s qu e os h o m e n s peL
prot e ç ã o dos d ire ito s delas p e la a firm a ç ã o, in t e ir a m e n t e d i
fere nte , de qu e as m ulh e re s são m e n o s in clin a d a s qu e os h o
m e ns a p e ns ar qu e as pessoas têm d ire ito s (ou a suste nta r v i
sões fu n c io n a lm e n t e e quiv a le nte s a e sta )" (Sher, 1987:1 87).
A s s im qu e a b a n d o n a m o s a in t e rp r e t a ç ã o lib e rt á ri a de
d ir e ito s c o m o n ã o -in t e rf e rê n c ia , to d o o c o ntra st e e n tre re s
p o n s a b ilid a d e s e d ire ito s am e a ça d e s a b ar ( O k in , 1990:1 57).
C o m o diz B ro u h g to n , " G illig a n e seus s uje itos p are c e m pre s- ,
s u p or algo c o m o 'o d ire ito de todos a o re sp e ito c o m o pessoa',
'o d ir e ito d e s er tr a t a d o s o lid a ri a m e n t e e c o m o u m ig u a l' e
'o d e v e r d e re s p e it a r e n ã o f e rir os o u tro s " '. P ort a nto , " é d i
fí c il p e rc e b e r d e qu e m a n e ira e la n ã o e stá r e c o m e n d a n d o
d ire ito s e d e v eres m a is o u m e n o s o brig a tório s ou, ta lv e z , até
m e s m o 'p rin c í p io s ' d e b e m - e s t a r p e sso a l e inte re s s e b e n e
v o l e n t e " (B ro u g h to n , 1983: 612). E, e m b ora G illig a n in sist a
e m qu e as du a s étic a s são f u n d a m e n t a lm e n t e difere nte s, ela
358 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ró p ri a p are c e in d e cis a a re sp e ito d e su a rela ç ã o. E la " o s c i


la e n tre as id é ia s d e qu e as du a s étic a s são a lt e rn a tiv a s m u
tu a m e n t e in c o m p a tív e is , m a s são a d e qu a d a s d o p o n to de
vista n o rm a tiv o ; d e qu e elas se c o m p le m e n t a m m u tu a m e n
te, e n v o lv id a s e m a lg u m tip o d e in t e ra ç ã o te ns a ; e de qu e
c ad a urn a é d e ficie nte s e m a o u tra e, p o rt a n to , d e v e m ser i n
te gra d a s " ( F la n a g a n e J a ckson, 1987: 628). E ssas o s cila çõ e s;
n ã o d e v e m s er s urpre e n d e n t e s , u m a v e z q u e , c o m o a rg u-
m e n t e i, os c o n c e ito s-c h a v e qu e G illig a n us a p ara d is tin g u ir j
as du a s étic a s n ã o d e fin e m contra ste s g e n u ín o s 14.
E m b ora d ir e ito s e re s p o n s a b ilid a d e s n ã o s e ja m c o n c e i
tos m ora is c o ntra st a nt e s , h á u m a d if e re n ç a n o tip o de re s
p o n s a b ilid a d e q u e c a d a é tic a n o s im p õ e . S e g und o S a ndra
H a rd in g , a p e sq uis a d e G illig a n d e m o n s tra qu e " a d o r s u b
je tiv a m e n t e s e ntid a p arece im o i a jj a a r a as m ulh e re s , s eja ela
ju s t a o u n ã o " , ao p a sso q u e os h o m e n s " f e n d e m a a v a lia r
c o m o im o r a l a p e n a s a in ju s tiç a o b j e tiv a - m d e p e n d e n t e -
m e nt e d e u m a to g erar o u n ã o d o r subje tiv a ", (H a rdin g , 1982:
237 8; 1987: 297). P or e x e m plo, os h o m e n s são m e n o s in c li
n a d o s a re c o n h e c e r q u a lq u e r o brig a ç ã o m o r a l d e m e lh o r a r
dore s subje tiv a s qu e d e corra m d a pró pria n e glig ê ncia de um a
pe ssoa , já qu e ela s s ão c ulp a sua. N o caso, .há u m a d o r s u b
je tiv a , m a s n e n h u m a in ju s tiç a o b je tiv a e, p o rt a n to , os h o -
m e n s t e n d e m a n ã o re c o n h e c e r n e n h u m a o brig a ç ã o m ora l.
P ara as m ulh e re s , p o r o u tro la d o , a im o r a lid a d e d a d o r s u b
j e tiv a n ã o d e p e n d e d a pre s e nç a d e in ju s tiç a o bje tiv a .
H á u m contra ste g e n u ín o e ntre c o n sid e ra r dore s s u bje
tiv a s o u in ju s tiç a o b je tiv a c o m o fu n d a m e n to s dos d ir e ito s

14. S e gundo a lguns com e ntarista s, a d ific u ld a d e e m r e c o n cilia r as dua s


ética s n ã o é de con c e ito, m a s de d e s e nv o lvim e n to . S e gundo G illig a n , co m p o-í
n e nte s dif ere nte s d o d e s e nv olvim e nto m or a l estã o e nra iz a dos e m exp erie ncias!
de in f â n cia fu n d a m e n t a lm e n t e div ers a s - is to é, a e xp eriê ncia in f a n til de d e si-j
g u a ld a d e /fa lta de p o d e r d á orig e m à busca p o r in d e p e n d ê n cia e igu a ld a d e , aoj
passo que a exp eriê ncia de ap ego e lig a ç ã o pro fu n d o s dá orig e m à comp a ix ã o e
ao a m or ( G illig a n , 1 9 87:20). Se fo r assim, e ntã o, as dif ere nç a s nas experiê ncias:
das crianças e m suas relações com os pais p o d e m afetar sua capacidade de a pre n
d e r dif ere nte s com p o n e nte s da m ora lid a d e ( F la n a g a n e Jackson, 1987: 629).
O F E M IN IS M O 359

m ora is. É esta a dif e re n ç a fu n d a m e n t a l e n tre c u id a d o e ju s


tiç a ? C e rt a m e n t e é v e rd a d e q u e a m a io ri a do s t e óric o s da
ju s t iç a vin c u la os d ire ito s m ora is à in ju s tiç a o b je tiv a e n ã o à
d q j s u b je tiv a 15» É m e n o s cla ro se a é tic a d o c u id a d o d iz qu e
as dore s s u b je tiv a s fo rm a m a ba se p a ra os d ir e ito s m ora is ,
se to d a s as dore s subjetiv a s, e a pe na s tais dore s, fu n d a m e n
t a m os d ir e ito s m ora is. Pre o cu p a r-s e co m a lg u é m n ã o s ig
nific a n e c ess aria m e nte s e ntir u m a obrig a ç ã o m ora l de a te n d e r
a to d o s os seus d e s ejos o u p o u p á -lo de to d a s as dore s o u
d e s a po nta m e ntos subje tivos. O s te óricos d o cuid a do, n a v e r
da de , n ã o diss era m m u ito , até agora, sobre c om o c o m pre e n
d e m a lig a ç ã o e n tre a d o r s u b je tiv a , a in ju s tiç a o b je tiv a e
os d ir e ito s m ora is, e é pro v á v e l qu e conc e pçõ e s dif e re n t e s
de c u id a d o é tico ch e g a ss e m a conclusõ e s dife re nte s. P or
t a n to , é p r e m a tu ro s u p o r qu e o c u id a d o e a ju s tiç a t ê m v i
sões fu n d a m e n t a lm e n t e oposta s n e sta qu e stã o.
C o n tu d o , e m b ora os p o n to s e x atos d e d is c ó rd ia n ã o se-
j a m c laros, p are c e v e rd a d e q u e os t e óric o s d o c u id a d o t e n -
'd e m á é n la tí z a r a nte s a d o r s u bje tiv a qu e a in ju s tiç a o bje tiv a
c õ n à d jjf â J ^ i^ S 2 B f ir t o s m ora is. A n t e s d e co nsid e ra r a lg u
m a s das ra z õ e s q u e os te óric o s d o c u id a d o t ê m p a ra e n f a ti
z a r a d o r s u bje tiv a , e x a m in a re i a lg u m a s d a s ra z õ e s qu e os
t e óric o s d a ju stiç a t ê m p ara pr e f e rir a in ju s tiç a obje tiv a co m o
bas e p ara os d ir e ito s m ora is. A rg u m e n t a r e i q u e a ê nfa s e n a
in ju s tiç a o b je tiv a , a p e s ar d e in ic i a lm e n t e pla u s ív e l, só é l e
g ítim a e m c e rto s c o n t e x to s - a sa b er, as in t e ra ç õ e s e n tre
a d u lto s c o m p e t e n t e s . N a v e rd a d e , p o d e s er le g ítim a a p e
n a s q u a n d o noss a s in t e ra ç õ e s c o m a d u lto s c o m p e t e n t e s
e stã o n itid a m e n t e s e p ara d a s d e noss a s inte ra ç õ e s c o m d e
p e nd e nte s. Se fo r assim, e ntã o, o d e b a te e ntre o ra ciocínio do
c u id a d o e o ra cio c ín io d a ju s tiç a to rn a -s e in e x tric a v e lm e n t e
lig a d o ao d e b a te sobre a distin ç ã o e ntre d o m é stic o e p ú blic o .
Por qu e os t e órico s d a ju s tiç a p e n s a m q u e é im p o rt a n t e
lim it a r noss a re spon s a bilid a d e p e los o utro s às re ivindic a çõ e s

15. C o n tu d o , a m a io r p a rte dos t e óric os d a ju s tiç a re conh e c e as o brig a


ções de b o m s a m a rit a n o qu e n ã o estã o re la cion a d a s co m a in ju s tiç a o bje tiv a
(cap. 2, n. 9 a cim a).
360 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

d e ju stiç a ? Se a d o r s u b je tiv a s e m pre d á o rig e m a d ir e ito s


m ora is, e ntã o, posso e sp erar l e g ítim a m e n t e , c o m o qu e stã o
de c uid a d o é tico, qu e o utro s a t e n t e m p ara to d o s os m e us i n
tere sses. M a s, p a ra os t e órico s da ju stiç a , isso ig n ora o fa to
de qu e eu d e v eria a c e it a r u m a re s p o n s a b ilid a d e ple n a p o r
a lg u n s do s m e u s p ró p rio s intere ss e s. N a p e rsp e ctiv a d a ju s
tiç a , p o s s o e sp erar le g ítim a m e n t e , c o m o qu e stã o de e q ü i
d a d e, q u e o u tro s a t e n t e m p a ra alguns dos m e u s intere ss e s,
m e s m o qu e isso lim it e a busca d e seu p ró p rio b e m . .N ã o p o s
so, p o ré m , e sp e ra r l e g ítim a m e n t e q u e as p e sso a s a t e n t e m
p ara to d o s os m e u s intere ss e s, p ois h á a lg u n s intere ss e s qu e
c o n tin u a m a s e r d e m in h a p ró p ri a r e s p o n s a b ilid a d e e s e
ria e rra d o e sp erar qu e o u tro s re n u n cia ss e m a o seu b e m p ara
a t e n t a r p a ra coisas qu e são d a m in h a re sp o n s a bilid a d e .
C on sid e re u m a pe ssoa qu e é g e n eros a c o m seu t e m p o e
d in h e iro q u a n d o os a m ig o s p a ss a m p o r n e c e ssid a d e , m a s
qu e t a m b é m é m u ito d e scuid a d a c o m seus gastos. C o m o re
s ulta d o , ela .m u it a s v e z e s s e e n c o n tr a (d e sn e c e ss aria m e nte)
n e c e ssita d a d e ajud a, e v a le -s e dos o u tro s p ara s ér po u p a d a
das cons e qü ê ncia s d e su a i m p ru d ências E la t e m u m a e xp e c
t a tiv a le g ítim a de qu e os o utro s a a ju d e m - d e v e m os nos s e n
t ir m o r a lm e n t e o brig a d o s a p o u p á -l a dos re s ulta d o s de sua
f a lt a d e c uid a d o ? A a b ord a g e m d a d o r s u bje tiv a d iz qu e s o
m o s irre spons á v e is se n ã o a t e nt a m o s p a ra o se u s o frim e n to .
Se e la s e nte u m a d o r su bje tiv a , e ntã o, e xig e -s e qu e a t e n t e
m o s p ara ela, e m b ora a d o r seja o re s u lt a d o de s é ü p la n e ja
m e n to d e s c uid a d o o u e xtra v a g â ncia »-A é tic a d a ju stiç a , p o
ré m , d iz qu e e la é irre s p o n s á v e l ao e sp erar qu e a p o u p e m o s
de q u a lq u e r s o frim e n to . Suas ações são sua p ró p ri a re s p o n
s a bilid a d e e é im o r a l f a z e r co m qu e os o u tro s p a g u e m p e los
custos d e sua f a lt a d e cuid a d o .
V is to d e sta m a n e ira , o d e b a te e n tre dore s s u bje tiv a s e
in ju s tiç a o b j e tiv a é u m d e b a te g e n u ín o p o is h á posiçõ e s de
im p o rt â n c ia s dif e re n t e s q u e p o d e m o s a d o t a r n a qu e stã o da
re s p o n s a b ilid a d e p e lo n osso b e m -e st a r. P ara os te óric o s do
cuid a d o , a ê nfa s e n a in e q ü id a d e s u bje tiv a s a ncion a u m a a b
dic a ç ã o d a re s p o n s a b ilid a d e m o r a l p o rq u e ela lim it a noss a
O F E M IN IS M O 361

re sp o n s a bilid a d e p e los o u tro s a a firm a çõ e s d e in e q ü id a d e e,


com isso, p e rm it e qu e as pessoas ig n o r e m o s o frim e n to e vi-
tá v e l. P ara os te óric o s d a ju stiç a , a ê nfa s e n a s dore s s u b j e ti -1
vas s a ncion a u m a a bdic a ç ã o d a re sp o n s a bilid a d e m ora l p o r
qu e e la n e g a qu e o im p ru d e n t e d e v a p a g a r p e lo s c ustos de
suas e scolh a s e, c o m isso, re c o m p e n s a os irre s pons á v e is ac
m e s m o t e m p o e m q u e p e n a liz a os q u e a g e m c o m r e s p o n
s a bilid a d e .
O d e b a te e n tre c u id a d o e ju stiç a , p o rt a n to , n ã o é e n tre
re sp o n s a bilid a d e e dire itos. P elo c o n trá rio , a re s p o n s a b ilid a
de é c e ntra l p ara a étic a d a ju stiç a . A ra z ã o p e la qu a l m e u d i
re ito sobre o utra s pessoas é lim it a d o à e q üid a d e n ã o é o f a to
de qu e elas tê m dire ito s, m a s o d e q u e e u t e n h o re s p o n s a bi-

tros i m p lic a a a c eita ç ã o d a re s p o n s a b ilid a d e p e lo s m e u s d e -


s ejos e p e lo s cu sto s d e m in h a s e scolh a s. C o m o d iz R a wls,
s u á T e oria " b a s e ia -s e e m u m a c a p a cid a d e d e s u p or a r e s
p o n s a b ilid a d e p e los nossos fin s " (R awls, 1982b: 169), In v e r
s a m e nte , os.qu e ..YÍncula m .obrig a çõ e s m ora is antes,.a dores,
subje tiv a s qu e à in e q üid a d e obje tiv a d e v e m n e g a r qu e somos
a g e nte s re spons á v e is: d e v e m a rg u m e n t a r " q u e n ã o é ra z o á
v e l, o u m e sm o ju sto, consid erar £as pessoas], re spons á v eis p e
la s sua s pre f e rê n cia s e e x ig ir q u e ela s se s a ia m d a m e lh o r
m a n e ira p o s s ív e l" (R a wls, 1982b: 168). C o m o R a wls p e ns a
qu e te m os a c ap acid a de de su p or esta re spons a bilid a d e , sua
te oria re qu er qu e as pessoas viv a m d e a cordo com seus m e ios,
qu e a ju st e m seus p la n o s à re n d a q u e p o d e m e sp erar l e g it i
m a m e nt e . C o m o re sulta d o, u m a p e sso a d e scuid a d a e e xtra
v a g a n t e n ã o p o d e e sp erar q u e os q u e fo r a m m a is re sp o n s á
v e is p a g u e m p e lo custo d e su a im pru d ê n c ia : " é c onsid e ra d o
in ju s to q u e ela s a g ora d e v a m t e r m e n o s p a ra p o u p á -l a das
c o n s e q ü ê n cia s d e sua f a lt a d e pr e vis ã o e a u to d is c ip lin a "
(R awls, 1982b: 169). Se form o s o brig a do s a p o u p a r as pessoas
de to d a s as dore s su bje tiv a s, e n t ã o t e re m o s q u e e x ig ir qu e
os qu e c u id a ra m r e s p o n s a v e lm e nte d e se u p ró p rio b e m - e s
t a r fa ç a m s acrifícios c o ntín u o s p ara a ju d ar os qu e fora m irre s
pons a v e lm e nte d escuid a dos o u extrav ag ante s, e isso é injusto.
362 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

A vis ã o d e q u e as d ore s s u b je tiv a s s e m pre d ã o o rig e m


a d ir e ito s m o r a is n ã o é a p e n a s in ju s t a , ela p o d e o c u lt a r a
opre ss ã o. A s dore s su bje tiv a s e stã o lig a d a s a e xp e cta tiv a s,
e socie d a d e s in ju s t a s cria m e xp e cta tiv a s in ju s t a s . C o n s id e
re as rela çõ e s c o n ju g a is tra d ic io n a is , n a s q u a is " o s h o m e n s |
n ã o s erv e m as m u lh e re s c o m o as m u lh e r e s s e rv e m os h o - |
m e n s " ( F iy e , 1983: 9, 10; cf. F rie d m a n , 1987a: 100-1; G r i m - f
shaw, 1986: 2 1 6-9). O s h o m e n s e sp era m q u e as m u lh e re s
c uid e m d e suas n e c e ssid a de s e, p ort a n to , s e nte m-s e s u b je ti
v a m e nte m a go a dos s e m pre qu e se re q u e r que c o m p a rtilh e m
os fardos, d a vid a dom é stic a . N a v erd a d e , " e m tod a s as t e n t a
tiv a s d e m o d ific a r re la çõ e s e x p lo r a tó ria s o u opre ssiv a s, a l
g u é m será p riv a d o d e a lg o. P od erá s er p riv a d o de a lg u m a
a te n ç ã o , s e rviço o u a m e n id a d e aos q u a is e ste ja a c o s tu m a
do. P od erá p a ss ar p o r a lg u m a priv a ç ã o o u d ific u ld a d e e e x
p e rim e nt a r isso com o u m a falta de a te nç ã o " ( G rim sh a w, 1986:
218). O s opre ssore s s e ntirã o a g u d a m e nte q u a lq u e r p erd a de
p riv il é g io , a o p a sso q u e os o p rim id o s são m u it a s v e z e s so
cia liz a d o s p ara q u e n ã o sin t a m d o r s u bje tiv a p e la sua o pre s
são. C o m o re s u lt a d o , a c o n c e n tra ç ã o n a s d ore s s u b je tiv a s j
c o m o fu n d a m e n to s p a ra d ir e ito s m o r a is to rn a a opre ss ã o 1
m a is d if í c il d e s er vis t a . N a p e rs p e c tiv a d a ju s tiç a , p o r o u - f
tro la d o , as d ore s s u b je tiv a s do s opre ssore s n ã o t ê m n e
n h u m p e so m o r a l, j á q u e se o rig in a m d e e x p e ct a tiv a s i n
ju s t a s e e goísta s. O s d ir e ito s d e ju s tiç a são d e t e rm in a d o s
p e la s e x p e ct a tiv a s l e g ítim a s d a s p e sso a s, n ã o p e la s sua s
e xp e cta tiv a s efetiv a s. (Isso e xplic a p o r qu e os te óricos d a jus-jj
tiç a d i z e m n ã o a p e n a s q u e as d ore s s u b je tiv a s c are c e m d e
signific a d o m ora l, n a a us ência d e inju stiç a obje tiv a , m a s t a m
b é m qu e a in ju s tiç a o b je tiv a é im o r a l m e s m o q u a n d o nãc >
a c o m p a n h a d a p e la d o r su bje tiv a , c o m o q u a n d o as p e sso a i
são socializ a d a s p ara a c eitar sua opressã o - cf. H a rd in g , 1987:
297.) N e s t e s e n tid o , " fo rm a s m o r a lm e n t e v á lid a s de c u i
d a d o e c o m u n id a d e pr e s s u p õ e m c o n diç õ e s e ju lg a m e n to s
d e ju s tiç a p r é v io s " (K o h lb e rg , 1984: 3 0 5)16.

16. A lg u n s com e ntarista s a rgum e nta m qu e G illig a n , ao n e glig e ncia r a


qu estã o das relações opressivas, corre o risco do " e ss encia lismo m or a l" . Ela " s e-
O F E M IN IS M O 363

H á o u tro pro b le m a e m us ar a d o r su bje tiv a c o m o a base


d e d ir e ito s m ora is. E m b ora ela im p o n h a m u it o p o u c a re s
p o n s a b ilid a d e p e lo nosso b e m -e sta r, im p õ e u m a re s p o n s a
b ilid a d e m u ito gra n d e p e lo s o utro s. Se a d o r s u bje tiv a s e m
pre p e d e u m a re s p o st a d e c u id a d o , p a re c e n ã o h a v e r n a d a
^ u e ^ ttfl S l C n o s s a o brig a ç ã o d è a t e n t a r p a ra os o u tro s ./ÍT a
' s e m pre a lg o m a is qu e p o d e m o s f a z e r p e lo s o u tro s , se a t e n
t a rm o s c u id a d o s a m e n t e p a ra os seus d e s e jos - s e m pre h á
a lg u m d e s e jo fru s tr a d o q u e p o d e m o s a ju d a r a s a tisfa z er. E
isso acaba p o r re forç a r a si m e sm o, pois, q u a n d o u m a pe ssoa
sabe qu e e sta m os a t e n t a n d o p ara ela, p a ss ará a e sp erar n o s
sa a te nç ã o e, e ntã o, v a i s e ntir-s e m a is f e rid a a in d a se noss a
a te nç ã o fo r re tira d a . C o m o re s u lt a d o , o a g e nte s e m pre e n
fre n t a re ivin dic a ç õ e s m ora is a seu t e m p o e e n ergia , r e iv in d i
cações qu e n ã o d e ix a m espaço p ara a livre busc a de seus p ró
prio s proje to s.
P ort a n to , a id é ia d e q u e as dore s su bje tiv a s d ã o orig e m
a dire itos m ora is am e aç a a justiç a e a a uto n o m ia . M u ito s t e ó-
ricos d o c u id a d o re co n h e c e m este p ro ble m a e t e nt a m coloc ar
lim it e s a o q u e .os o u tro s p o d e m e s p e ra r l e g ítim a m e n t e de
nós. A lg u n s t e óric o s d i z e m q u e os pro v e d ore s d e c u id a d o
d e v e m a t e n t a r p a ra sua p ró p ri a n e c e ssid a d e d e a u to n o m i a
o u qu e o c u id a d o g e n u ín o e n volv e a lg u m tip o d e r e c ip ro c i
da d e , de m o d o qu e h á lim it e s a re s p e ito de q u a n to os o utro s
p o d e m e sp erar de nós s e m nos a ju d a re m e m tro c a (R uddick,
1984:238; G illig a n , 1982:1 49; N o d d in g s , 1984:105). D e sta s e
de o utra s m a n e ira s, os t e órico s d o cuid a d o d is t a n cia m -s e de
q u a lq u e r e qu a ç ã o sim ple s d e .d or s u bje tiv a e d ire ito s m ora i»;
Q u a n t a a u to n o m ia , p oré m , p o d e m o s r e iv in d ic a r p ara
nós e q u a n t a re cipro cid a d e p o d e m o s e x ig ir dos o u tro s s e m
n e g lig e n cia r irre s p o n s a v e lm e n t e a d o r su bje tiv a d os o utros?

p ara as qu a lid a d e s d o cuid a do e d a lig ação do seu conte xto de de sigu ald a d e e
opress ão e exige qu e seja m consid era dos isola d a m e nte , s e gundo seu m é rito in
tríns e co " (H ouston, 1988:176). C om o observ a T ronto, " s e a pre serv açã o de u m :
red e de relaçõe s é a pre miss a in ic ia l de u m a ética do cuid a do, e ntã o, há pouc:
base p ara u m a refle xã o crítica d e stin ad a a d e term in a r se estas relaçõe s são boas
saud áveis ou dign a s de pre serva çã o" (Tronto, 1987:660; cf. W ils o n , 1988:17-8).
364 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

A lin h a d o s c o m sua m e to d o lo g ia g eral, os t e óricos d o c u id a


d o d iz e m qu e o c o n flito e ntre a u to n o m ia e re s p o n s a bilid a d e
p e los o utro s d e v e ser d e cid id o c o n t e xtu a lm e n t e . A o c o n tr á
rio de u m dos h o m e n s e ntre vista d o s p o r G illig a n , qu e disse
qu e d e v erí a m os tra t a r este c o n flito c o m o u m a " e qua ç ã o m a
t e m á tic a " cuja s olu ç ã o se e n c o n tr a e rr^ y m a fó rm u l a com o,
h im q u a rt o p ara os o u tros e tr ê s q u arto s p ara n ó s " ( G illig a n ,
1982: 3 5 , 37)7õs te óricos d o cuid a d o d iz e m qu e d e v e m os j u l
g ar a a d e qu a ç ã o d e q u a lq u e r e xig ê ncia d e a u to n o m ia ou re
cipro c id a d e " c o m b a s e n o s fu n d a m e n to s d o q u e é r a z o á v e l
e sp erar d o ser d e q u e m se cuid a , ju n t a m e n t e co m o qu e d e -
v e ria s er e sp era do d e ta l in d iv íd u o , d a d a a n a ture z a d a r e la
çã o d e c u id a d o e m q u e st ã o "' (W ils o n , 1988: 20). O s t e óric o s
d o cuid a d o , a o c o n tr á rio dos t e órico s d a ju stiç a , n ã o t e n t a m
s olu cio n a r estas qu e stõ e s d e s e n volv e n d o u m siste m a a bra n
g e nte d e re gra s a bstra ta s q u e a tro p e la a e s p e cificid a d e das
pe sso as e d e suas relaçõe s.
C o n tu d o , e ste é u m dos lu g a re s e m q u e a a bstra ç ã o é
u m a v irtu d e im p o rt a n t e . Se nosso o b je tiv o é a ss egurar qu e a
livre busc a de nossos proje to s n ã o seja in t e ira m e n t e s u b m e r
g id a p e la s e xig ê ncia s d o c u id a d o é tic o, e nt ã o , n ã o pre cis a
m os sim ple s m e n t e d e lim it e s p ara nossas re spon s a bilid a d e s
m ora is; pre cis a m o s d e lim it e s previsíveis. Pre cis a m os sa b er
antecipadamente d e qu e p o d e m o s nos v a le r e p e lo qu e somos
re sp o n s á v e is se tiv e rm o s d e f a z e r p la n o s d e lo n g o pra z o .
N ã o é d e gra n d e v a lia d iz e re m -n o s , n o ú ltim o in s t a n t e , qu e
n ã o pre cis a m d e noss a a ju d a m o r a l h o je e q u e e sta m os l i
vre s p ara tira r, p o r a ssim diz er, u m f e ria d o m ora l. Só p o d e
m o s tir a r v a n t a g e m d as féria s se p o d e m o s p la n e já -la s e isso
re qu er qu e poss amos d e t e rm in a r agora qu ais são os interesses
p elos qu ais seremos consid era dos responsá ve is posteriormente.
E isso p o r sua v e z re q u e r qu e, ao d e cidirm o s, ness a d a ta p o s
terior, q u e m é re spons á v el p e lo a t e n dim e n to aos outros, n ã o
to m e m o s u m de cisão ple n a m e nte sensív el ao conte xto.
P or e x e m plo, q u a n d o m e u d ia d e féria s d o s erviço c h e
ga, n ã o p e rg u n t a m o s q u e m é m e n o s n e c e ss ário n o e s critó
rio . P e rg u nta m o s d e q u e m é a v e z s e g u n d o o siste m a d e r e -
o F E M IN IS M O 365

gras. O re s ult a d o pod e s er qu e a lg u m a pe sso a sofra a fru s


tra ç ã o de d e s ejos q u e u m proc e sso d e d e cis ã o m a is c o n t e x
tu a l t e ria s a tisf e ito (a a us ê ncia d e o utra s p e sso a s n o e s critó
rio r e a lm e n t e s eria m e n o s s e n tid a ). M a s , se q u is e rm o s ser
capaz es de a ssum ir com prom issos g e nuín os com nossosja rq-
“ jè to s , è tilã õ^riõ s s o sid íf ê T to s d e v e m s er is o la d o s , a té .c e r t o
' p o n to , dos desejos, c o n tin g e n t e s dos q u e estã o a noss a v o l-
ta.,R egras a bstrata s forn e c e m c erta s e gura nç a dia nte dos d e-
s e jo s jn u t á v e is d e o utro s.
/ ‘ N a tu r a lm e n t e , os t e óric o s d o c u id a d o e stã o c e rto s ao
d iz e r qu e a lg u n s tip o s de rela çõ e s d e v e m in v o c a r p a drõ e s
dife re nte s p ara e q u ilibra r a u to n o m ia e re spons a bilid a d e . Por
e x e m plo , n ã o p o d e m o s e sp erar q u e as cria nç a s t e n h a m o
m e s m o re s p e ito p e la a u to n o m i a e a re c ip ro c id a d e q u e os
a d u lto s (r e to m a r e i a isso a b a ixo). M a s, p ara inte ra çõ e s e n
tr e a d ulto s com p e te nte s, u m a m a n e ira im p o rt a n t e de r e c o n \
c ili a r re s p o n s a b ilid a d e e a u to n o m i a é c o d ific a r a lg u m a s de
nossa s re sp o n s a b ilid a d e s a nte s d e situ a çõ e s esp ecífic a s, e m
v e z d e d e t e rm in á -l a s p o r m e io d a a v a lia ç ã o e re a v a lia ç ã o
c onsta nte s d e situ a çõ e s e sp e cífica s.
E ste re curso a re gra s a bstrata s sig n ific a qu e a ju s tiç a i g
n ora noss a " in d iv id u a lid a d e d is tin t a " ? É v e rd a d e q u e a ju s
tiç a , n e ste c o n t e xto , n ã o re q u e r qu e a ju ste m o s noss a n o ç ã o
" d o q u e é ra z o á v e l e s p e ra r" às n e c e ssid a d e s e sp ecífic a s dos
qu e e stã o a noss a v o lt a . N o ssos d ire ito s e o brig a çõ e s n e ste s
conte xtos são fix a d o s a nt e cip a d a m e nt e p o r re gra s abstrata s,
n ã o p o r a v a lia çõ e s s e nsív eis a o c o n t e x to d a s n e c e ssid a d e s
dos qu e e stã o a noss a v o lt a . Isso, porém,._n ã q d e v e ser v is to ,
c o m o u m a e vid ê n cia d e u m a in s e n s ib ilid a d e à qu ela s n e c es-
jid a d e s esp e cífic as. Pois o r e s u lt a d o lí q u id o d e sta a bstra ç ã o
da p a rtic u la rid a d e é p ro te g er a e s p e cificid a d e m a is p le n a
m e nt e . Q u a n to m a is nossos d ire ito s são d e p e n d e nte s de c á l
culos se nsív eis ao c o nt e xto dos d e s ejos e sp e cíficos d e todos,
m a is v u ln e r á v e is são nossos p ro j e to s p e sso a is a os d e s e jos
m u t á v e is dos o u tro s e, p o rt a n to , m e n o s c a p a cid a d e t e re m os
de a s su m ir c o m pro m is so s d e lo n g o pra z o. A a u to n o m ia sig
n ific a tiv a re q u e r a pre v is ib ilid a d e e a p r e v is ib ilid a d e re q u e r
c e rto is o la m e n to d a s e n sibilid a d e a o c o nte xto.
366 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

Isso a in d a d e ix a a p o s s ib ilid a d e d e q u e a lg u m a s p e s
soas t e n h a m fort e s d e s ejos fru s tr a d o s p e la a plic a ç ã o de r e
gras a bstrata s. M a s, com o vim o s , a é tic a d a ju stiç a supõ e qu e
a d ulto s com p e te nte s s eja m capa z es d e a ju sta r seus fin s à lu z
d e p a drõ e s p ú blic o s. S u p o n d o qu e as re gra s s eja m c o n h e ci
das p u b lic a m e n t e , e c o n c e n tr a n d o n oss a a te n ç ã o , p o r ora ,
n o s a d u lto s c o m p e t e n t e s , e nt ã o , as p e sso a s q u e s o fre rã o
c o m a a plic a ç ã o d e re gra s a bstra ta s s erã o as qu e , p e la e xtra
v a g â ncia e fa lta d e cuid a do, conc e b era m de sejos qu e n ã o p o
d e m ser s a tisfe itos d e n tro d e seus m e io s le g itim a m e n t e d is
trib u íd o s . Pode h a v e r ta is p essoa s e m q u a lq u e r situ a ç ã o es-l
p e cífic a e s eu s o frim e n to p o d e s er m e n o s n o t a d o e m um q|
socie d a d e q u e re corre a nte s a re gra s a bstra ta s qu e a a v alia-f
çõe s s e nsív eis a o c o n t e x to d e n e c e ssid a d e s espe cífic a s. M as!
isso é d e sua p ró p ri a re s p o n s a b ilid a d e e n ã o é ju s to p e d ir
qu e o u tro s fa ç a m s a crifício p ara p o u p á -la s d e sua irr e s p o n
s a bilid a d e .
^ A d ific u ld a d e d e d e lim itar„oJ:e .rre no p a ra . a . a u to n o m ia
p e s^o ã rri ã e t í ca d o c u id a d o le m b r a u m p ro b le m a s im ila r n o
u tilit a ris m o (cap. 2, seç ão 3 a cim a). E m a m b o s os casos, o
a g e n f é 'm o f á l e n fr e n t a u m a " r e s p o n s a b ilid a d e " a p a re n t e
m e n t e " ilim it a d a " p o r " a g ir p e lo m e lh o r re s u lt a d o e m u m a
e strutura c ausai form a d a , e m gra u consid erá v e l, p e los p ro j e
to s [dos o u tro s ] " . A s d e cisõ e s d o a g e nt e to rn a m -s e " u m a
fu n ç ã o d e to d a s as s atisfa çõ e s q u e ele p o d e a fe t a r de o n d e
está: e isso sig n ific a qu e os pro je to s dos o utro s, e m u m gra u
im e n s u r a v e lm e n t e gra n d e , d e t e rm in a m su a d e c is ã o " , d e i
x a n d o p o u c o esp aço p ara a busc a in d e p e n d e n t e de seus p ró
prio s de s ejos e convicçõ e s (W illia m s , 1 9 7 3 :115)17. E ste p a ra -

17. P ort a nto , é in t e ira m e n t e e ng a noso d iz e r qu e G illig a n c o m p a rtilh a a


crenç a de W illi a m s d e q u e ^J m p a rç ia lid a d e é " m u it o e x ig e n te " o n.su a .e sp e-
ra nç a de que , a a e n f a tiz a r a im p ort â n c ia d o " p o n to d e v is t a p e sso a l", poss a
m os liv r a r os pro je to s pe sso ais da s lim it a ç õ e s d a m ora lid a d e (contra A d le r,
1987: 226, 205; K itt a y e M e y ers, 1987: 8). C o m o obs erv a B lu m , os intere sses
pessoais são visto s p o r W illi a m s " c o m o le g ítim o s n ã o t a n to do p o n to de vista
d a moralidade, m as d o p o n to d e v is t a m a is a m p lo d a ra z ã o prá tic a . E m c o n
traste , G illig a n a rg u m e nta [...] que o cuid a do e a re spons a bilid a d e n a s relaçõe s
o F E M IN IS M O 367

le lo n ã o d e v e ser surpre e nd e nte , pois, e m b ora os te óricos d o


cuid a d o re je it e m o c o m pro m is s o u tilit á rio co m a m a x im iz a -
ção, a mb a s as te oria s t e n d e m a fu n d a m e n t a r os d ire ito s m o
rais n a d o r e n a fe licid a d e subjetiv a s, e m v e z d e n a inju stiç a
obje tiv a . C o m o re sulta d o, a mb a s as te oria s in t e rpre t a m o i n
tere ss e p e lo s o u tro s p rim a ri a m e n t e c o m o u m a qu e stã o de
re s p o n d e r a suas n e c e ssid a d e s já pre ssuposta s. C o n tu d o , só
p o d e m o s pro t e g e r a ju s tiç a e a a u to n o m i a se v irm o s o in t e
resse pelò“s õ ü tró s n ã o apèrias e m t e rm o s d e re s pond e r a pr e
fe re n cia s pre e xist e nt e s, m a s c o m o a lg o q u e d e v e e n tr a r n a
p ró p ri a form a ç ã o d e noss a s pre fe rê n cia s. E m v e z d e le v a r
e m co nt a os o b je tiv o s e sp e cíficos das p esso a s a o d e c id ir so
bre d is trib u iç õ e s ju sta s, as p e sso a s d e v ia m le v a r e m c o n t a
prin c íp io s d e ju s tiç a ao d e c id ir sobre seus o b je tiv o s e a m b i
ções. C o m o d i z R a wls, n a é tic a d a ju stiç a , os in d iv í d u o s são
re spons á v e is p o r form a r^'s e u s o bje tiv o s e a m biçõ e s à lu z d o
qu e p o d e m ra z o a v e lm e nte e sp erar" . O s qu e d e ix a m de fa z ê-
lo s o fre m a fru stra ç ã o d e d e s ejos forte s, m a s as pe ssoa s s a
b e m q u e " o p e so d e s eits d it e ito s n ã o é d a d o p e la fo rç a o u
in t e n s id a d e d e sua s n e c e ssid a d e s e d e s e jo s " (R a wls, 1980:
545). P orta nto, p a ss a mos d a d o r o u fe licid a d e subje tiv a s p ara
a in ju s tiç a o b je tiv a c o m o base p a ra os d ir e ito s m ora is.

pessoais c o n stitu e m u m im p ort a n t e e le m e n to da p ró p ria m ora lid a d e , g e n u i


n a m e nt e d is tin to d a im p a rcia lid a d e . P ara G illig a n . cada pessQ a.estáJaseada»
e m u m a red e d e rela çõ e s contínu a s, e a m or a lid a d e consiste , d e m a n e ira im
p ort a nt e , a in d a q u e-n ã » e xclusiv a , n a ate nç ã o, n a . C Q tn p r e g o ã 9 X lja .re ç e p ti-
viria d p e m o cio n a l p ara ro m os in d iv íd u o s c o m 0 8 qu a is n o s m c o n tí a m o s n e s -
tas relações. [...] A s noçõ es-d e d o m ín io pesso al d e N a g e l e W illi a m s n ã o c a pta m
n e m a bra n g e m (apesar de N a g e l e W illi a m s às ve z es s u g e rire m qu e se d e s ti
n a m a fa z ê -lo) o fe n ô m e n o d o .cuid ado, e d a re s p o n s a b ilid a d e n a s . rela çõ e s
p e sso ais e n ã o e x p lic a m p o r q u e o c u id a d o e a r e s p o n s a b ilid a d e n a s r e l a
çõ es são fe n ôm e n o s d is tin t a m e n t e m ora is " , (B lu m , 1988: 473). B lu m co n clui
qu e ã crític a d e G illig a n é " im p o rt a n t e m e n t e d if e re n t e " d a crític a de W illi a m s
da im p arcia lid a d e , m as " n ã o está em c o n flito " co m ela (B lum , 1988: 473). Isso,
p oré m , a in d a a te nu a o pro ble m a , já qu e W illi a m s q u e r c la r a m e n t e jyríg tiz a r o ,
y ü o rjw o -m o m l d o s pro je to s p e s s o a is e .qú er c o n t e rn m ora lid a d e de m o d o que
p ro t e ja estes v a lore s n ã o m ora is . G illig a n q u e r m o r a liz a r os p ró p rio s apegos
qu e W illi a m d iz n ã o te re m im p ort â n c ia m ora l.
368 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

P od e m os a gora p erc e b er o c ern e d e v erd a d e s u bja c e n


te aos d ois contra ste s a n t e riore s e ntre c u id a d o e justiç a . S e
g u n d o T ro nto, a ju stiç a -e n f a tiz a o a pre n diz a d o de regras_em_
d e trim e n to d o ^ a pre n diz a d o d e s e n s ib ilid a d e s m ora is , e a
a plic a ç ã o d e p rin c íp io s a b stra to s. e m d e trim e n to de av a li a 1'
çoe s s e nsív eis a o c o n t e xto d e n e c e ssid a d e s espe cífic a s. É ste
d e b a te q u a n to à a bstra ç ão e à s e n sibilid a d e a o co nte xto e m
noss as c a p a cid a d e s m ora is e e m ra cio c ínio m o r a l m u it a s v e
z es é a pre s e nt a d o c o m o d is tin to d o d e b a te q u a n to aos d i
re ito s e re s p o n s a b ilid a d e s c o m o co n c e ito s m ora is . M u it a s
v e z e s é v is to c o m o u m d e b a t e e p is t e m o ló g ic o , c o m o se os
t e óricos d a ju stiç a p e ns a ss e m qu e os prin c íp io s a bstratos são
m a is " o b j e tiv o s " o u " r a c io n a is " , ao p a sso qu e os t e óricos do
c u id a d o r e je it a m noçõ e s d e o b je tiv id a d e c o m o e p is t e m o ló
gic a m e nte infu n d a d a s (p or e x e mplo, Jaggar, 1983:357; Young,
1987: 60). A rg u m e n t e i a n t e rio rm e n t e q u e to d o o c ontra ste é
ex a g era do, já qu e o tip o d e a bstra ç ã o e n v o lv id o n o ra ciocínio
da ju stiç a n ã o com p e te n e c e ss aria m e nte co m a s e nsibilid a d e
ao co nte xto (p or e x e m plo, a s e n sibilid a d e m o r a l é ne ce ssária
p ara s ermos u m b o m jura d o). M a s a gora p o d e m o s p erc e b er
qu e, m e sm o q u a n d o a justiç a c m e n o s sensív e l ao c onte xto, a
e xplic a ç ã o é m ora l, n ã o e p is t e m oló g ic a . A ra/. ã o p e la q u a l a
ju stiç a e nfa tiz a o a pre n diz a d o e a a plic a ç ã o d e re gra s é o fa to
de qu e isso é e x ig id o p a ra a ju s tiç a e a a u to n o m ia . Se d e v e
m o s t e r a u to n o m ia g e nuín a , d e v e m os s a ber a nt e cip a d a m e n
te q u a is são noss a s re s p o n s a b ilid a d e s e estas a trib uiç õ e s de
re spons a bilid a d e s d e v e m ser isola d a s, e m c erto gra u, de a va
lia çõ e s s e nsív e is a o c o n t e x to d e d e s ejos e sp e cíficos. C o m o
re sulta d o, a lg um a s dore s subje tiv a s d e v e m s er de sconta d a s.
E, se a lgum a s dore s subje tiv a s n ã o d ã o orig e m a dire ito s m o
rais, e ntã o as pessoas pre cis a m s ab er a nte cip a d a m e nte qu ais
são, p ara qu e p o ss a m a ju st a r seus o b je tiv o s a d e q u a d a m e n
te. Por amb as as ra zõ es, pre cis a m os de regra s qu e s eja m m ais
a bstra ta s e m e n o s s e nsív eis ao c o n t e x to 18./P orta nto , q u a is-

18. O a rg u m e n to a fa v or de p a drõ e s p ú b lic o s t a m b é m é re le v a nte p ara a


d e mocra cia . A a firm a ç ã o d a étic a d o cuid a do, d e qu e os pro ble m a s m ora is d e -1
v e m ser r e v o lvid o s n ã o p e lo re curso a regra s ou prin c íp io s p úblicos, m a s p o r]
O F E MINIS M O 369

qu e r difere nç a s q u e e xista m n o qu e d iz re s p e ito à im p o rt â n


cia da s e n sibilid a d e a o c o nt e xto e m nossas c a p a cid a d e s m o
rais e ra cio c ínio m o r a l são d eriv a d a s d e difere nç a s m a is f u n
d a m e nta is re fere nte s à im p ort â n cia d a ju stiç a e da re spons a
b ilid a d e p e sso al c o m o co n c e ito s m ora is. O s d ois p rim e iro s
contra ste s são s u b pro d u to s d o te rc e iro .
N ã o é s urpre e n d e n t e qu e esta noç ã o d e r e s p o n s a b ili-j
d a d e p e lo s nossos fin s seja a dife re n ç a fu n d a m e n t a l e n tre oi
c u id a d o e a ju s tiç a , d a d a a d ifu s ã o d a d is tin ç ã o d e público»
e d o m é stic o e m n osso p e n s a m e n to . A suposiç ã o de qu e so-j
m os re spons á v e is p e lo s nossos fin s é p la u s ív e l ju s t a m e n t e
na m e did a e m qu e e xcluím os d o â m b ito d a ju stiç a o c uid a do
p o r o u tro s d e p e n d e nte s. R a wls r e je it a a vis ã o d e qu e os d e
sejos s u bje tiv o s são o p a drã o d e d ire ito s m ora is sobre o f u n
d a m e n to d e qu e " a rg u m e n t a r isso p are c e pre s s u p or qu e as
pre ferê n cia s do s cid a d ã o s e stã o a lé m d e se u c o n tro le , c o m o
prop e nsõ e s e a ns eios qu e sim ple sm e nt e a c o nte c e m " (R awls,
1982b: 168-9). M a s este pre ssu p o sto , n a tura lm e n t e , é in t e i
ra m e n t e v e rd a d e p a ra m u it a s pessoas. A re je iç ã o d e R a wls
d a d o r s u b je tiv a c o m o base p ara d ir e ito s m ora is é p la u s ív e l
c o n t a n to qu e p e ns e m os a p e n a s e m a d ulto s (fisic a m e nte c a
pa z es e m e n t a lm e n t e com p e te nte s) in t e r a g in d o n a v id a p ú
blic a , a o p asso q u e os do e nte s, os ind e fe so s e os jo v e n s são
m a n tid o s s e g ura m e n t e fora d a vis ã o 19. R a wls d iz qu e as in -

m e io d o e x ercício d e s e nsib ilid a d e s m ora is p e lo a g e nte m or a lm e n t e m a d uro ,


te m u m a fort e se m e lh a nç a com os arg um e ntos cons erv a dore s de que os líd ere s
p o lític o s n ã o d e v e m ser consid era dos m u ito re spons á v e is n o proc e sso d e m o
crá tic o (p or e x e m plo , O a k e shott, 1984). O s líd ere s p o lític o s pru d e n t e s d e v e m
re c e b er co nfia nç a , n ã o ser inv e stig a dos, pois seu r a c io c ín io é fr e q ü e n t e m e n
te t á c ito e im p o ssív e l d e a pre s e ntar siste m a tic a m e nte . C o m o a conte c e com
as regra s de ju stiç a , p o d e m o s q u e re r qu e os líd ere s p o lític o s e m pre g u e m p a
drõ e s p ú b lic o s d e ju s tiç a claros, n ã o p orq u e s e ja m m a is o bje tiv o s , m as p o r
qu e são m a is d e m o crá tic os. V e r D ie t z (1985) p ara u m a crític a do p e n s a m e nto
m a t e rn a l p ara ig n o r a r v a lore s p o lític o s co m o a d e m ocra cia .
19. O u tra s te oria s, c o m o as de R a wls e D w o rk in , re conh e c e m qu e t e
m o s obrig a çõ e s p ara co m o u tro s d e p e nd e nte s (cap. 3, s. 4 b a cim a). M a s eles
escre v e m c om o se estas obrig a çõ e s foss e m u m a qu e stã o de ass e gurar que
u m a p arc e la e q ü it a tiv a d e re cursos seja d e stin a d a às cria nça s e aos in v á lid o s .
Eles n ã o dis c ut e m noss a obrig a ç ã o d e pro v e r c u id a d o p ara os d e p e nd e nte s.
370 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

tera çõ e s e ntre a d u lto s fisic a m e n t e cap a z es são o " c a so f u n


d a m e n t a l" d a ju stiç a . M a s, assim qu e o lh a m o s p ara a lé m da
esfera p ú b lic a , e nt ã o , o " c a so fu n d a m e n t a l " m u d a , pois,**
c o m o d iz W ill a rd G a y lin , " to d o s nós, in e v it a v e lm e n t e , p a s
s a m os noss a v id a e v o lu in d o d e u m a e ta p a in ic i a l p a ra u m a
e ta p a fin a l d e d e p e n d ê n cia . Se som o s a fortu n a d o s o s u fi
cie n t e p a ra c o n q u is t a r p o d e r e re la tiv a in d e p e n d ê n c i a n o
c a m in h o , tra t a -s e d e u m a g lória fu g a z e p a ss a g e ira " (cita d o
e m Z are tsky, 1 9 8 3:1 9 3).
P or o u tro la d o , a suposiç ã o d e q u e as dore s subje tiv a s
d ã o orig e m a d ir e ito s m ora is é p la u s ív e l n a m e d id a e m qu e
g e n e ra liz a m o s a p a rtir das rela çõ e s d e c u id a d o e n v olvid a s
n a cria ç ão dos filh o s . U m b e b ê n ã o é a b s oluta m e nte re s p o n-
s á v e l p e la s su as n e c e ssid a d e s e n ã o se p o d e e s p e ra r qu e .
. a t e nt e p a ra o b e m - e s t a r d e seus p a is: " As. cria nç a s n ã o p o
d e m r e trib u ir o c u id a d o ig u a lm e n t e , elas e xig e m u m gra u de
e goísm o e a te nç ã o qu e é e sp e cífico d e la s." M as, ju st a m e n t e
p o r esta ra z ã o, o p a p e l d e u m p a i " p o d e fre q ü e n t e m e n t e r e
q u e re r q u e ele to le re , a c eite e t e n t e n ã o se m a g o a r c o m u m
c o m p o rt a m e n to q u e s eria in t e ir a m e n t e in to le r á v e l o u c a u
s aria ra iv a n a m a io r p a rt e das rela çõ e s a d ulta s. [...] V er " v ir
tu d e s " o u priorid a d e s f e m in in a s c o m o orig in á ria s p rin c ip a l
m e n t e d e rela çõ e s c o m os filh o s p o d e le v a r à te n d ê n cia de
a t e n u a r as m a n e ira s p ela s qu a is a fle x ib ilid a d e to rn o u -s e r e
sign a ç ã o e a c eita ç ã o, a a te nç ã o to rn o u -s e a nsie d a d e crônic a
e o c u id a d o e a re c e p tivid a d e a uto n e g a ç ã o crô n ic a " ( G rim -
s h a w 1986: 251, 253).
D e v e rí a m o s d iz e r qu e o c u id a d o a plic a -s e a rela çõe s
c o m d e p e n d e n t e s , a o p a sso q u e a ju s tiç a se a p lic a a r e l a
çõ e s c o m a d ulto s a utô n o m o s ? U m p ro b le m a é qu e a d is tri
buiç ã o de c uid a d o é, ela pró pria , u m a qu e stã o de justiç a . O s |
te óric o s d a ju s tiç a t e n d e ra m a s u p or q u e a lgum a s pesso as !
(mulh ere s) d es ejarão " n a tu r a lm e n t e " cuid ar dos outros, c o m o f
p a rt e d e seu p la n o d e vid a , de m o d o qu e o tr a b a lh o de cui-J*
d a r do s d e p e n d e n t e s n ã o é a lg o q u e im p o n h a o brig a ç õ e s
m ora is a tod a s as pessoas. M a s, c o m o a rg u m e n t a B aier, não!
p o d e m o s v e r o c u id a d o c o m o s im p le s m e n t e u m p la n o de
O F E M IN IS M O 371

vid a possív e l, e m v e z d e c o m o u m a re s triç ã o m o r a l a to d o


pla n o de vid a , p ois " o e n cora ja m e n to p a ra q u e a lg u n s o cul-1
tiv e m e o u tro s n ã o o fa ç a m p o d e ria f a cilm e n t e le v ar à e x p lo-j
ra çã o dos prim e iro s. O b via m e n t e fo i b a sta nte conv e nie nte*
para alguns, n a m a ioria das socie d a d e s, q u e o u tro s a ssu
m is s e m as re spons a bilid a d e s p e lo c uid a d o (dos do e nte s, dos
indefe sos, dos jo v e n s), d e ix a n d o-o s livre s p ara busc a r seus
bens m e nos a ltru ísta s " . E, n a tura lm e n te ,Jla p n o le t a ria d o m.Q;
ra l lo n g a m e n t e ig n ora d o fora m os tra b alh a dore s dom é sticos,
e rfis ü a m a io ri a m u lh e r e s " (B aier, 1987b: 4 9-5 0). Se q u is e r-
mõs' asse gurar qu e a " liv r e a tivid a d e " p ara a lgum a s pessoas
n ã o " d e p e n d a n e m e xplore a a fe tivid a d e g era lm e nte n ã o l i
vr e " dos qu e c uid a m d e d e p e nd e nte s, e ntã o, nossa t e oria p o
lític a " n ã o p o d e c o n sid e ra r o inte re ss e p o r n o v a s e fu tura s
pessoas c o m o u m a c arid a d e o p cio n a l d e ix a d a aos qu e t ê m
gosto p o r ela. Para qu e a m ora lid a d e qu e a te oria endoss a se
suste nte , ela de ve pro v e r seus pró prio s c ontinu a dore s, n ã o
ape na s to m a r e m pre sta do u m in s tin to m a t e rn a l cuid a dos a
m e nt e e ncora ja d o " (Baier, 1987b: 53-4; 1988: 328).
A l é m disso, c o m o vim o s , a e lim in a ç ã o d a d e s ig u a ld a d e
s e xu a l re q u e r ,não a.p en a s a r e d is trib u iç ã o d o tr a b a lh o d o
m é stic o , m a s t a m b é m u m a ru p tu r a n a n ítid a d is tin ç ã o c n -
T rê p ú b lic o e d o m é s tic o . Pre cis a m os e n c o n tr a r m a n e ira s de
in t e gra r a v id a p ú blic a e a c ondiç ã o d e p ais, p o r e x e m plo, e m
v e z de s e gre g ar a cria ç ã o dos filh o s a u m a esfera s e p arad a.
C o n tu d o , e m b ora esta in t e gra ç ã o d e p ú b lic o e d o m é s tic o
seja re q u e rid a p e la ju stiç a se xual, ela a m e a ç a m in a r os pre s
supostos d o ra cio c ín io d a ju stiç a . Pois a ju s tiç a n ã o a pe na s
pre ssupõ e qu e som os a dultos a utô n o m o s, co m o pare ce pre s
s u p or qu e som os a d u lto s que não são provedores de cuidados
a dependentes. N o m o m e n to e m qu e as pessoa s são re s p o n
sá veis p o r s u p rir as n e c e ssid a d e s (im pre vis ív e is) d e d e p e n
d e nte s, ela s d e ix a m d e s er ca pa z e s d e g a r a n tir su a p ró p ri a
pre visib ilid a d e . T alve z to d o o re tra to d a a u to n o m ia c o m o l i
vre busc a d e p ro j e to s fo rm a d o s à lu z d e p a drõ e s a b stra to s
pre s s u p o n h a q u e o c u id a d o p o r o u tro s d e p e n d e n t e s poss a
ser d e le g a d o a a lg u m a o u tra pe sso a o u a o E sta do. E in t e re s-
372 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

s a nte obs erv ar qu ã o p o u c o os te óricos d o c u id a d o f a la m s o


bre o tip o d e a u to n o m i a qu e os te óric o s h o m e n s dis c u t e m
d e t a lh a d a m e n t e - o e st a b e le cim e n to d e o b je tiv o s pe ssoais,
o c o m p ro m is s o c o m p ro j e to s p e sso a is. S e g u n d o B a ier, a
p e rs p e ctiv a d o c u id a d o " n ã o to m a a a u to n o m i a s e qu er u m
id e a l. [...] C e rto tip o d e lib e rd a d e é u m id e a l, a saber, a lib e rr
d a d e d e p e n s a m e n to e e xpre ss ã o, m a s n ã o é p ro v á v e l qu e
'v iv e r noss a p ró p ri a v id a d e nosso p ró p rio m o d o ' e steja e n
tre os o bje tiv o s d a s p e sso a s " (B aier, 1987a: 46). D a m e sm a
m a n e ira , R u d d ic k d i z q u e o p e n s a m e n to m a t e rn a l e n v olv e
" u m a p o stura m e ta físic a fu n d a m e n t a l " , qu e ela ch a m a " h o l
din g " [s egurar, a bra ç ar], " g o v e rn a d a p e la p rio rid a d e do c o n
serv ar a nte o a d q u irir " , n a q u a l pre s erv ar os v ín c ulo s e xis
te n t e s t e m pre c e d ê n cia d ia n t e d a busc a d e n o v a s a m biç õ e s
(R uddick, 1980: 217; 1987: 242). N e sta s visõ es, o c o m pro m is
so co m a a u to n o m i a n ã o é u m c o m p ro m is s o c o m a d e lirn i -
ta ç ã o d o t e rre n o p ara a busc a d e pro je to s p e sso ais, livr e das
m ut â v è fs h e c e s*sid ã d é s~d e õütròs in d iv íd u o s , m a s u m co m -.
pro m is s o d e s a tisf a z e r essas n ê õ S s id a d e s d e m a n e ir a cora -
jos a e im a g in a tiv a , n ã o d e u m a m a n e ira s ervil o u d if e re n cia
da. Q u a lq u e r n o ç ã o m a is e xp a nsiv a d e a u to n o m i a só p o d e
s urg ir a o pre ç o d o a b a n d o n o d e noss as re s p o n s a b ilid a d e s 20.
P od e m os c u m p rir noss a s r e s p o n s a b ilid a d e s p a ra c o m
o u tro s d e p e n d e n t e s s e m r e n u n c i a r a o r e tr a to m a is ro b u s to
d a a u to n o m i a e às noçõ e s d e re s p o n s a b ilid a d e e ju s tiç a qu e

20. P or e x e m plo , L e s li W ils o n d iz qu e a ra z ã o p e la qu a l o " e u é tico de


u m a pessoa re q u e r c erta espécie de a u to n o m ia " é o f a to de qu e ela nos c a p a
cit a " a nos to rn a r o tip o de pessoa qu e p o d e ser g e n uin a m e n t e u m pro v e d or
d e c uid a d os ú n ic o " . P ort a nto , u m a pe ssoa a u tô n o m a e x ercit a sua a u to n o m ia
" t e n t a n d o d e t e rm in a r m a n e ira s p e la s qu a is pod erí a m o s nos to rn a r m e lhore s
pro v e d ore s de c u id a d o s " (W ilso n , 1988: 21-2). D a m e sm a m a n e ira , R u d d ic k
d iz qu e a ra z ã o p e la q u a l o a m o r a te ncioso re q u e r " a utopre s erv a ç ã o re a lista "
e m v e z de " a uto n e g a ç ã o crô n ic a " é qu e p o d e m o s nos to rn a r m e lhore s in d iv í
d u o s pro v e d ore s de c u id a d o d e sta m a n e ira (R uddic k, 1984: 238). Isso está a¡
c erta dis tâ n cia d o re tr a to tr a d ic io n a l d a a u to n o m ia co m o a livr e busca de p ro -f
je to s qu e t ê m im p ort â n c ia p o r si só p a ra a pe ssoa e qu e o c a sio n a lm e nte c o m -l
p e t e m p o r t e m p o e e n e rgia co m nossas obrig a çõ e s m ora is . I
O F E MINIS M O 373

a to rn a m possív e l? É m u ito c e do p ara diz e r. O s te óric o s da


ju stiç a c o n s tru íra m e difício s im pre s sio n a n t e s ao r e fin a r .n a
ções trâ d íç m n á is d e ju s tiç a e re s p o n s a b ilid a d e . C o n tu d o , ao
c o n tin u a re m co m a n e glig ê n cia c e nte n á ria d as qu e stõ e s b á
sicas da cria ç ã o do s filh o s e dos c u id a d o s aos d e p e n d e nt e s,
estas c o n q uist a s in t e le c tu a is e stã o b as e a d a s e m u m f u n d a
m e n to n ã o e x a m in a d o e p e rig o s a m e nt e in s e g uro. Q u a lq u e r
t e oria a d e q u a d a d a ig u a ld a d e s e xu al d e v e c o n fro n t a r estas
que stõ e s e as conc epçõ e s tra dicio n a is d e discrim in a ç ã o e p ri
v a cid a d e q u e as o c ult a ra m .
:
B IB LIO G R A F IA

A C K E R M A N , B. (1980). Social Justice in the Lib e ra l State. Y ale U n iv e r


s ity Press, N e w H aven, C onn.
A D L E R , J. (1987). " M o ra l D e velopm e nt and th e P ersonal P oint o f
V ie w " , in K itta y and M eyers (1987).
A L E X A N D E R , L , e S C H W A R Z S C HILD , M . (1987). "Lib e ra lism ,
N e u tra lity , and E q u a lity o f W elfare vs. E q u a lity o f R esources", P h i
losophy a nd P u blic A ffa irs , 16/1: 85-110.
A L L E N , A . (1988). Uneasy Access: P riv a cy fo r Women in a Tree Society.
R owm an and A lla n h e ld , T otow a, NJ.
A LL E N , D . (1973). " T h e U tilita ria n is m o f M arx and E ngels", A m e ri
can P hilosophic al Q u a rterly, 10/3:189-99.
A R E N D T, H . (1959). The H um a n C ondition. A nchor, N ova Y ork.
A R N E S O N , R. (1981). " W h a t's W rong w ith E xploita tio n ? ", E thics,
91/2: 202-27.
------ (1985). " F re e dom and D e sire ", C anadian Journ a l o f P hilosophy,
15/3: 425-48.
------ (1987). "M e a n in g fu l W ork and M ark e t S ocialism ", E thics, 97/3:
517-45.
------ (1989). " E q u a lity and E qual O p p ortu n ity for W e lfare ", P hiloso
phic a l Studies, 56: 77-93.
A R T H U R , J. (1987). "R esource A cq uisitio n and H a rm ", C anadian
Journ al o f P hilosophy, 17/2: 337-47.
B AIE R, A . (1987a). " H um e , th e W om e n's M ora l T h e orist? ", in K itta y
and M eyers (1987).
------ (1987b). "T h e N e ed fo r M ore th a n Justice ", C anadian Journ al o f
P hilosophy, vo l. suplem e ntar 13:14-56.
------ (1988). " P ilg rim 's Progress", C anadian Journ al o f Philosophy,
18/2: 315-30.
376 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

BA K E R, C. (1985). "S a nd el on R a wls", U n iv e rsity o f P ennsylvania Law


R eview, 133/4: 895-928.
BARRY, B. (1973). The Lib e ra l Theory o f Justice. O xford U niv e rsity
Press, O xford.
------ (1989). Theories o f Justice. U niv e rsity o f C a lifornia Press, B erke
ley, C alif.
BARRY, N . (1986). O n C lassical Lib eralism and Lib ertaria nism . M a cm il
lan, Londres.
B EIN E R, R. (1983). P o litic a l Judgment. M e thu e n, Londres.
------ (1989). " W h a t's th e M a tte r w ith L ib e ra lism ", in A . H utchinson
e L. Gre en (orgs.). L a w a nd the C om m unity. C arsw ell, T oronto.
B E LL A H , R., et a l. (1985). H a bits o f the H e art: In d ivid u a lis m and C om
m itm e nt in A m erica n Life. U niv e rsity o f C a lifornia Press, B erkeley,
C alif.
B E N H A BIB , S. (1986). C ritiq u e , N orm , and U topia . C olum bia U niv e r
sity Press, N ova Y ork.
------ (1987). "The G eneralized and the C oncrete O th er: The K ohlb erg-
G illig a n C ontroversy and F e m inist T h e ory ", in S. B enhabib e D.
C orn e ll (orgs.), F eminism as C ritiqu e . U niv e rsity o f M inn e sota Press,
M inn e a polis, M in n .
B E N N , S., e G A U S, G . (1983). P ublic and P riv a te in Social Life . C room
H elm , K ent.
B E R LIN , I. (1969). F our Essays on Lib erty. O xford U niv e rsity Press,
Londres.
B E R TR AM, C. (1988). " A C ritiq u e o f John R oem er's G eneral T he ory
o f E x p loita tio n ", P o litic a l Studies, 36/1:123-30.
B LU M, L. (1988). " G illig a n and K ohlb erg: Im plic a tio n s fo r M ora l
T h e ory ", E thics, 98/3: 472-91.
B O G A R T, L. (1985). "Lock e a n Provisos and State o f N a ture T heo
rie s ", E thics, 95/4: 828-36.
B R A N D T, R. B. (1959). E thic a l Theory. P re ntic e -H a ll, E nglewood
C liffs, NJ.
B R A V E R M A N , H . (1974). L a bor and M onopoly C a pita l. M o n th ly Re
vie w Press, N ova Y ork.
BR E NK E RT, G . (1981). "M a rx's C ritiq u e o f U tilita ria n is m " , C anadian
Journ al o f P hilosophy, vol. suple m e ntar 7:193-220.
------(1983). M a rx's E thics o f Freedom. R outledge & K egan P aul, L o n
dres.
B RIN K, D . (1986). " U tilita ria n M ora lity and the P ersonal P oint o f V ie w ",
Journ al o f P hilosophy, 83/8: 417-38.
B RIT T A N , S. (1988). A R estatem ent o f E conomic Lib eralism . M a cm illa n,
Londres.
BIBLIO G R A FIA 377

B R O O M E , J. (1990-1). " F airn e ss", Proceedings o f the A risto te lia n So


ciety, vo l. 91: 87-102.
B R O U G H T O N , J. (1983). " W om e n's R a tio n a lity and M e n's V irtu e s ",
Social Research, 50/3: 597-642.
B R O W N , A . (1986). M od e m P o litic a l P hilosophy: Theories o f the Just So
ciety. P enguin, H arm ondsw orth.
B U C H A N A N , A . (1982). M a rx and Justice: The R a dic al C ritiq u e o f L i
beralism. M e thu e n, Londres.
------ (1989). "A ssessing th e C om m unitaria n C ritiq u e o f Lib era lism ",
E thics, 99/4: 852-82.
B U C H A N A N , J. (1975). The L im its o f Lib erty: Between A n archy and
Leviath a n. U niv e rsity o f C hicago Press, C hicago, Dl.
C AM P B E LL, T. (1983). The L e ft and R ights: A C onceptual A n a lysis o f the
Ide a o f S ocialist Rights. R outledge & K egan P aul, Londres.
------ (1988). Justice. M a cm illa n, B asingstoke.
C AR E N S, J. (1985). " C om p e ns atory Justice and Social In s titu tio n s ",
Economics a nd P hilosophy, 1/1: 39-67.
------ (1986). " R ig hts a nd D utie s in an E g alitaria n S ociety", P o litic a l
Theory, 14/1: 31-49.
C AR E Y, G . (1984). Freedom and V irtu e : The C onse m ative/Lib ertaria n
Debate. U niv e rsity Press o f A m erica, Lanham, M d.
C H A R V E T, J. (1982). F eminism. J. M . D e nt and Sons, Londres.
C H RIS T M A N , J. (1986). " C a n O w n ership be Justifie d b y N a tura l
R ights? ", P hilosophy and P ublic A ffa irs , 15/2:156-77.
C LA R K , B., e G IN TIS , H . (1978). "R a wlsia n Justice and E conomic
Systems", P hilosophy and P ublic A ffa irs , 7IT. 302-25.
C O H E N , G . A . (1978). K a rl M a rx's Theory o f H is to ry: A Defence. P rin
ceton U niv e rsity Press, Princeton, NJ.
------ (1979). " C a pita lism , Fre edom and th e P ro le ta ria t", in A . Ryan
(org.). The Ide a o f Freedom. O xford U niv e rsity Press, O xford.
—— • (1986a). " S e lf-O w n e rship, W orld-O w n e rship and E q u a lity ", in
F. Lucash (org.). Justice and E q u a lity H ere and N ow. C orn e ll U niv e r
sity Press, Ith a ca, N Y .
------ (19866). " S e lf-O w n e rship, W orld-O w n e rship and E qu ality:
P art 2 ", Social P hilosophy and P olicy, 3/2: 77-96.
------ (1988). H istory, Labour, a nd Freedom: Themes fro m M a rx. O xford
U niv e sity Press, O xford.
------ (1989). " O n th e C urrency o f E g alitaria n Justice ", E thics, 99/4:
906-44.
------ (1990a). "M a rxism and C onte m porary P o litic a l P hilosophy, or:
W h y N o z ick Exercises some M arxists more th a n he does any E g ali-
378 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ta ria n Lib e ra ls ", C a nadian Journ al o f P hilosophy, vo l. suplem e ntar


16: 363-87.
C O H E N , G . A . (1990b). " S elf-O w n ership, C ommunism and E qu a lity ",
Proceedings o f the A risto te lia n Society, vo l. suple m e ntar 64.
C O LT H E A R T, D . (1986). "D e sire , C onsent a nd Lib era l T h e ory ", in C.
P atem an e E. Gross (orgs.). F e m inist C hallenges: Social a nd P o litic a l
Theory. N orth e a stern U niv e rsity Press, Boston, Mass.
C O N N O LL Y , W . (1984). "T h e D ile m m a o f L e gitim a cy ", in W . C on
n o lly (org.). L e gitim a cy a nd the State. B la ckw ell, O xford.
C O P P, D . (1990). " C o ntra ctaria nism and M ora l S k e pticism ", in P.
V a lle ntyn e (org.), C ontra ctaria nism a nd R a tion a l C hoice: Essays on
G a uthier. C am bridge U niv e rsity Press, N ov a Y ork.
C R A G G , W . (1986). " T w o C oncepts o f C om m unity or M ora l T he ory
and C anadian C u lture ", D ialogue, 25/1: 31-52.
C R O C K E R, L. (1977). " E q u a lity, S olid arity, and R awls' M a xim in ",
P hilosophy and P ublic A ffa irs , 6/3: 262-6.
C R O W L E Y, B. (1987). The S elf, the In d iv id u a l a nd the C om m unity: L ib
eralism in the P o litic a l T hought o fF . A . H ayek and Sidney and B e atrice
Webb. O xford U niv e rsity Press, O xford.
D A N IE L S , N . (1975). " E qu a l L ib e rty and U ne qu al W orth o f L ib e rty " ,
in N . D a niels (org.), R e ading R awls. Basic Books, N ova Y ork.
------ (1985). Just H e a lth C are. C ambridge U niv e rsity Press, C ambridge.
D IC K , J. (1975). " H o w to Justify a D is trib u tio n o f E arnings", P hiloso
phy a nd P ublic A ffa irs , 4/3: 248-72.
DIE T Z , M . (1985). " C itiz e n sh ip w ith a F e m inist Face: The Problem
w ith M a te rn a l T h in k in g ", P o litic a l Theory, 13/1:19-37.
DIG G S , B. J. (1981). " A C ontra ctaria n V ie w o f R espect fo r P ersons",
A m erica n P hilosophical Q u a rte rly, 18/4: 273-83.
D IQ U A T T R O , A . (1983). "R a wls and L e ft C riticis m ", P o litic a l Theory,
11/1: 53-78.
D O P P E LT, G . (1981). " R a w ls' System o f Justice: A C ritiq u e fro m th e
L e ft" , Nous, 15/3: 259-307.
D W O R K IN , R. (1977). T a king R ights S eriously. D uckw orth, Londres.
------ (1978). "L ib e ra lis m ", in S. H am pshire (org.). P ublic and P riv a te
M o ra lity . C am bridge U niv e rsity Press, C ambridge.
------ (1981). " W h a t is E quality? P art I: E q u a lity o f W elfare; P art II:
E q u a lity o f R esources", P hilosophy a nd P ublic A ffa irs , 10/3-4: 185-
246, 283-345.
------ (1983). " In D efense o f E q u a lity ", Social P hilosophy and P olicy,
1/1: 24-40.
------ (1985). A M a tte r o f P rinciple . H arv ard U niv e rsity Press, Londres.
BIBLIO G R A FIA 379

------ (1986). L a w's E mpire. H arv ard U niv e rsity Press, C ambridge,
Mass.
------- (1987). " W h a t is E quality? P art III: The Place o f L ib e rty " . Iow a
Law R eview, 7 3/1:1-54.
------ (1988). " W h a t is E quality? P art 4: P o litic a l E q u a lity ", U niv e rsity
o f San Francisco L a w R eview, 2 2/1:1-30.
------ (1989). " L ib e ra l C o m m u n ity ", C a lifo rn ia L a w R eview, 77/3:
479-504.
E H R E N R EIC H, B „ e E N G LIS H , J. (1973). W itches, M idw iv e s, and N u r
ses: A H is tory o f W omen H ealers. F e m inist Press, O ld W estbury.
E IC H B A U M , J. (1979). "T ow ards an A utonom y-B a se d T h e ory o f
C o n stitu tio n a l Privacy: B eyond th e Id e ology o f F a m ilia l Priv a cy",
H a rv a rd C iv il R ig h ts-C iv il Lib ertie s L a w R eview, 14/2: 361-84.
EIS E N S T EIN, Z . (1981). The R a dical F uture o f Lib e ra l F eminism. L o n g
m an, N ova Y ork.
------ (1984). F eminism a nd Sexual E q u a lity: C risis in Lib e ra l A m erica.
M o n th ly R eview Press, N ova Y ork.
E L S H T AIN , J. (1981). P ublic M a n, P riv a te W omen: W omen in Social
and P olitc a l T hought. P rinc e ton U niv e rsity Press, P rinc e ton, NJ.
ELST E R, J. (1982). "R oem er vs. R oem er", P olitics and Society, 11/3:
363-73.
------ (1983). " E x p lo ita tio n , Fre edom a nd Justice ", in J. R. P ennock e
J. W . C hapm an (orgs.), M arxism : Nomos 26. N e w Y ork U niv e rsity
Press, N ov a Y ork.
------ (1985). M a kin g Sense o f M a rx. C ambridge U niv e rsity Press,
C ambridge.
------ (1986). " S e lf-R e a liz a tio n in W ork a nd P olitics: The M a rxist
C onc e ption o f th e G ood L ife " , S ocial P hilosophy and P olicy, 3/2:
97-126.
E N G E LS, F. (1972). The O rigem o f the F a m ily, P riv a te Prop erty, and the
State. In te rn a tio n a l Publishers, N ova Y ork.
E N G LIS H , J. (1977). "Justice betw e en G e n era tions ", P hilosophical
Studies, 31/2: 91-104.
E V A N S, S. (1979). P ersonal P olitics: The Roots o f W om en's Lib era tion in
the C iv il R ights M ovem ent a nd the N ew L eft. K nopf, N ov a Y ork.
E X D E LL, J. (1977). " D is trib u tiv e Justice: N o z ick on P rop erty R ights ",
E thics, 87/2:142-9.
F EIN B E R G , J. (1980). Rights, Justice, a nd the Bounds o f Lib e rty. Prince
to n U niv e rsity Press, Prince ton, NJ.
------ (1988). H armless W rongdoing. V ol. iv de The M o ra l L im its o f the
C rim in a l Law. O xford U niv e rsity Press, O xford.

Você também pode gostar