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Geraldo Vandré
Todo dia ela faz tudo sempre igual E me beija com a boca de hortelã
Me sacode às seis horas da manhã Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar
Me sorri um sorriso pontual E essas coisas que diz toda mulher
E me beija com a boca de hortelã Diz que está me esperando pr'o jantar
Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar E me beija com a boca de café
E essas coisas que diz toda mulher Todo dia eu só penso em poder parar
Diz que está me esperando pr'o jantar Meio-dia eu só penso em dizer não
E me beija com a boca de café Depois penso na vida pra levar
Todo dia eu só penso em poder parar E me calo com a boca de feijão
Meio-dia eu só penso em dizer não Seis da tarde como era de se esperar
Depois penso na vida pra levar Ela pega e me espera no portão
E me calo com a boca de feijão Diz que está muito louca pra beijar
Seis da tarde como era de se esperar E me beija com a boca de paixão
Ela pega e me espera no portão Toda noite ela diz pr'eu não me afastar
Diz que está muito louca pra beijar Meia-noite ela jura eterno amor
E me beija com a boca de paixão E me aperta pr'eu quase sufocar
Toda noite ela diz pr'eu não me afastar E me morde com a boca de pavor
Meia-noite ela jura eterno amor Todo dia ela faz tudo sempre igual
E me aperta pr'eu quase sufocar Me sacode às seis horas da manhã
E me morde com a boca de pavor Me sorri um sorriso pontual
Todo dia ela faz tudo sempre igual E me beija com a boca de hortelã.
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
Construção
Chico Buarque Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único Bebeu e soluçou como se fosse máquina
E atravessou a rua com seu passo tímido Dançou e gargalhou como se fosse o
Subiu a construção como se fosse próximo
máquina E tropeçou no céu como se ouvisse
Ergueu no patamar quatro paredes música
sólidas E flutuou no ar como se fosse sábado
Tijolo com tijolo num desenho mágico E se acabou no chão feito um pacote
Seus olhos embotados de cimento e tímido
lágrima Agonizou no meio do passeio náufrago
Sentou pra descansar como se fosse Morreu na contramão atrapalhando o
sábado público
Comeu feijão com arroz como se fosse Amou daquela vez como se fosse
um príncipe máquina
Bebeu e soluçou como se fosse um Beijou sua mulher como se fosse lógico
náufrago Ergueu no patamar quatro paredes
Dançou e gargalhou como se ouvisse flácidas
música Sentou pra descansar como se fosse um
E tropeçou no céu como se fosse um pássaro
bêbado E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
flácido Morreu na contramão atrapalhando o
Agonizou no meio do passeio público sábado
Morreu na contramão, atrapalhando o Por esse pão pra comer, por esse chão
tráfego pra dormir
Amou daquela vez como se fosse o último A certidão pra nascer e a concessão pra
Beijou sua mulher como se fosse a única sorrir
E cada filho seu como se fosse o pródigo Por me deixar respirar, por me deixar
E atravessou a rua com seu passo existir
bêbado Deus lhe pague
Subiu a construção como se fosse sólido Pela cachaça de graça que a gente tem
Ergueu no patamar quatro paredes que engolir
mágicas Pela fumaça, desgraça, que a gente tem
Tijolo com tijolo num desenho lógico que tossir
Seus olhos embotados de cimento e Pelos andaimes pingentes que a gente
tráfego tem que cair
Sentou pra descansar como se fosse um Deus lhe pague
príncipe Pela mulher carpideira pra nos louvar e
Comeu feijão com arroz como se fosse o cuspir
máximo E pelas moscas bicheiras a nos beijar e
cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos
redimir
Deus lhe pague.
O Bêbado e a Equilibrista
Elis Regina Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar!
À esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.