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Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores

Geraldo Vandré

Caminhando e cantando Uma antiga lição


E seguindo a canção De morrer pela pátria
Somos todos iguais E viver sem razão
Braços dados ou não Vem, vamos embora
Nas escolas, nas ruas Que esperar não é saber
Campos, construções Quem sabe faz a hora
Caminhando e cantando Não espera acontecer
E seguindo a canção Nas escolas, nas ruas
Vem, vamos embora Campos, construções
Que esperar não é saber Somos todos soldados
Quem sabe faz a hora Armados ou não
Não espera acontecer Caminhando e cantando
Pelos campos há fome E seguindo a canção
Em grandes plantações Somos todos iguais
Pelas ruas marchando Braços dados ou não
Indecisos cordões Os amores na mente
Ainda fazem da flor As flores no chão
Seu mais forte refrão A certeza na frente
E acreditam nas flores A história na mão
Vencendo o canhão Caminhando e cantando
Vem, vamos embora E seguindo a canção
Que esperar não é saber Aprendendo e ensinando
Quem sabe faz a hora Uma nova lição
Não espera acontecer Vem, vamos embora
Há soldados armados Que esperar não é saber
Amados ou não Quem sabe faz a hora
Quase todos perdidos Não espera acontecer
De armas na mão Vem, vamos embora
Nos quartéis lhes ensinam Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer.
Cotidiano
Chico Buarque

Todo dia ela faz tudo sempre igual E me beija com a boca de hortelã
Me sacode às seis horas da manhã Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar
Me sorri um sorriso pontual E essas coisas que diz toda mulher
E me beija com a boca de hortelã Diz que está me esperando pr'o jantar
Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar E me beija com a boca de café
E essas coisas que diz toda mulher Todo dia eu só penso em poder parar
Diz que está me esperando pr'o jantar Meio-dia eu só penso em dizer não
E me beija com a boca de café Depois penso na vida pra levar
Todo dia eu só penso em poder parar E me calo com a boca de feijão
Meio-dia eu só penso em dizer não Seis da tarde como era de se esperar
Depois penso na vida pra levar Ela pega e me espera no portão
E me calo com a boca de feijão Diz que está muito louca pra beijar
Seis da tarde como era de se esperar E me beija com a boca de paixão
Ela pega e me espera no portão Toda noite ela diz pr'eu não me afastar
Diz que está muito louca pra beijar Meia-noite ela jura eterno amor
E me beija com a boca de paixão E me aperta pr'eu quase sufocar
Toda noite ela diz pr'eu não me afastar E me morde com a boca de pavor
Meia-noite ela jura eterno amor Todo dia ela faz tudo sempre igual
E me aperta pr'eu quase sufocar Me sacode às seis horas da manhã
E me morde com a boca de pavor Me sorri um sorriso pontual
Todo dia ela faz tudo sempre igual E me beija com a boca de hortelã.
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual

Construção
Chico Buarque Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único Bebeu e soluçou como se fosse máquina
E atravessou a rua com seu passo tímido Dançou e gargalhou como se fosse o
Subiu a construção como se fosse próximo
máquina E tropeçou no céu como se ouvisse
Ergueu no patamar quatro paredes música
sólidas E flutuou no ar como se fosse sábado
Tijolo com tijolo num desenho mágico E se acabou no chão feito um pacote
Seus olhos embotados de cimento e tímido
lágrima Agonizou no meio do passeio náufrago
Sentou pra descansar como se fosse Morreu na contramão atrapalhando o
sábado público
Comeu feijão com arroz como se fosse Amou daquela vez como se fosse
um príncipe máquina
Bebeu e soluçou como se fosse um Beijou sua mulher como se fosse lógico
náufrago Ergueu no patamar quatro paredes
Dançou e gargalhou como se ouvisse flácidas
música Sentou pra descansar como se fosse um
E tropeçou no céu como se fosse um pássaro
bêbado E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
flácido Morreu na contramão atrapalhando o
Agonizou no meio do passeio público sábado
Morreu na contramão, atrapalhando o Por esse pão pra comer, por esse chão
tráfego pra dormir
Amou daquela vez como se fosse o último A certidão pra nascer e a concessão pra
Beijou sua mulher como se fosse a única sorrir
E cada filho seu como se fosse o pródigo Por me deixar respirar, por me deixar
E atravessou a rua com seu passo existir
bêbado Deus lhe pague
Subiu a construção como se fosse sólido Pela cachaça de graça que a gente tem
Ergueu no patamar quatro paredes que engolir
mágicas Pela fumaça, desgraça, que a gente tem
Tijolo com tijolo num desenho lógico que tossir
Seus olhos embotados de cimento e Pelos andaimes pingentes que a gente
tráfego tem que cair
Sentou pra descansar como se fosse um Deus lhe pague
príncipe Pela mulher carpideira pra nos louvar e
Comeu feijão com arroz como se fosse o cuspir
máximo E pelas moscas bicheiras a nos beijar e
cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos
redimir
Deus lhe pague.

O Bêbado e a Equilibrista
Elis Regina Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar!
À esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.

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