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gagueira, com sua característica não, de sons e sílabas (figura 1). Essas após lesões em uma grande variedade
interrupção no fluxo verbal, é vacilações na fala não são prontamente de áreas cerebrais (Grant et al., 1999;
conhecida há séculos; os pri- controláveis e podem ser acompanha- Ciabarra et al., 2000).
meiros relatos datam provavelmente das por outros movimentos e por emo- A apresentação clínica da gagueira
dos tempos bíblicos de Moisés, perso- ções de natureza negativa, tais como do desenvolvimento difere daquela
nagem descrito como “lento de fala e medo, embaraço ou irritação (Wingate, verificada na gagueira adquirida. Na
pesado de língua” e que exibia um 1964). Para ser mais exato, a gagueira é primeira, a dificuldade é particular-
comportamento de evitação constante um sintoma, não uma doença; mas o mente predominante no começo da
(Êxodo 4, 10-13). A gagueira ocorre em termo gagueira normalmente é usado palavra ou do sintagma, em palavras
todas as culturas e grupos étnicos para se referir a ambos, desordem e longas ou significativas ou em enunci-
(Andrews et al., 1983; Zimmermann et sintoma. ados sintaticamente mais complexos
al., 1983), embora as taxas de prevalên- A gagueira do desenvolvimento sur- (Karniol, 1995; Natke et al., 2002), e a
cia possam diferir. Na medida em que ge antes da puberdade, geralmente ansiedade associada ao problema e os
muitos dos passos através dos quais entre dois e cinco anos de idade, sem sintomas secundários são mais pro-
produzimos linguagem ainda perma- dano cerebral aparente ou outra causa nunciados (Ringo and Dietrich, 1995).
necem um mistério, distúrbios como a conhecida (“idiopática”). É importante Além disso, em tarefas de leitura repe-
gagueira continuam sendo mal com- fazer a distinção entre esta gagueira do tida, a freqüência da gagueira tende a
preendidos. Contudo, abordagens desenvolvimento persistente (PDS, diminuir (adaptação) e a se manter nas
genéticas e neurobiológicas estão nos acrônimo do inglês persistent develop- mesmas sílabas (consistência). Entre-
fornecendo pistas importantes a respei- mental stuttering), que enfocamos aqui, tanto, a distinção entre ambos os tipos
to das causas do problema e de melho- e a gagueira adquirida. Esta última, de gagueira não é rigorosa. Em crianças
res tratamentos. também chamada de gagueira neuro- com dano cerebral perinatal ou outro
gênica, ocorre após um dano cerebral qualquer, a gagueira é mais freqüente
O que é a gagueira? bem definido, ocasionado por um do que em outras crianças da mesma
A gagueira é uma interrupção na flu- derrame, uma hemorragia intracerebral idade, e ambos os tipos de gagueira
ência verbal caracterizada por repeti- ou um traumatismo craniano. É um podem se sobrepor (Andrews et al.,
ções ou prolongamentos, audíveis ou fenômeno raro que tem sido observado 1983).
Quem é atingido?
A gagueira do desenvolvimento persis-
tente (PDS) é um distúrbio muito fre-
qüente; aproximadamente 1% da popu-
lação sofre desta condição. Uma quan- de 3 ou 4 homens para cada mulher causa do distúrbio foi atribuída a anor-
tidade estimada em 3 milhões de pes- afetada na idade adulta. Não está claro malidades no aparelho fonador. Assim,
soas, só nos EUA, e 55 milhões, em até que ponto esta recuperação é es- o tratamento estava baseado em uma
todo o mundo, possuem o problema. A pontânea ou induzida por terapias extensa cirurgia “plástica” de remode-
taxa de prevalência é similar em todas precoces de fala. Também não existe lação do aparelho fonador (boca e
as classes sociais. Em muitos casos, a nenhum método confiável que nos garganta), levando freqüentemente a
gagueira prejudica severamente a permita prever se uma criança afetada mutilações e incapacidades adicionais.
capacidade de o indivíduo se comuni- irá melhorar (Yairi and Ambrose, Outras opções de tratamento eram
car, levando a conseqüências socioeco- 1999). pesos amarrados à língua ou a coloca-
nômicas devastadoras. Contudo, há A presença de diversos membros afe- ção de próteses ajustáveis à boca (Katz,
também muitos gagos que, a despeito tados na mesma família sugere a exis- 1977) (figura 2). No século 20, acredi-
de seu distúrbio, tornam-se pessoas tência de um componente hereditário. tou-se inicialmente que a gagueira era
bem-sucedidas e até famosas. Por A taxa de concordância é de cerca de uma desordem de natureza psicogêni-
exemplo, Winston Churchill tinha de 70% para gêmeos monozigóticos (An- ca. Como conseqüência, abordagens
ensaiar todos os seus discursos públi- drews et al., 1983; Felsenfeld et al., psicoanalíticas e terapias comporta-
cos até a perfeição e ainda ensaiava 2000), cerca de 30% para gêmeos dizi- mentais foram aplicadas para solucio-
respostas para possíveis perguntas e góticos (Andrews et al., 1983; Felsen- nar os possíveis conflitos neuróticos
críticas, a fim de evitar a gagueira. feld et al., 2000), e 18% para irmãos do (Plankers, 1999). Contudo, estudos
Charles Darwin também gaguejava; mesmo sexo (Andrews et al., 1983). baseados na análise de traços de perso-
curiosamente, seu avô, Erasmus Dar- Dada a alta taxa de remissão, é bem nalidade e das interações entre pais e
win, sofria do mesmo problema, refor- possível que o conjunto de anormali- filhos não detectaram padrões psicoló-
çando a suspeita de que a gagueira se dades observadas em adultos reflita na gicos consistentes que pudessem ser
concentra em determinadas famílias e verdade um processo prejudicado de associados à gagueira (Andrews et al.,
provavelmente possui uma base gené- recuperação, ao invés de serem as 1983).
tica. causas primitivas do problema (An- Outras teorias consideram a gagueira
A incidência da PDS está em torno de drews et al., 1983). como um comportamento aprendido,
5%, e sua taxa de recuperação é de até resultante de estímulos externos desfa-
80%, resultando, portanto, em uma A mudança nas teorias voráveis, normalmente reações paren-
prevalência de 1% na população adul- Ao longo dos séculos, uma variedade tais negativas a episódios normais de
ta. Como a taxa de recuperação é con- de teorias sobre a origem da gagueira, disfluência na criança (Johnson, 1955).
sideravelmente maior em meninas do e suas respectivas abordagens terapêu- Apesar de este modelo ter falhado na
que em meninos, a razão homem / ticas, têm sido propostas. Na Grécia tentativa de explicar os sintomas essen-
mulher aumenta durante a infância e Antiga, as teorias referiam-se à aspere- ciais da gagueira (Zimmermann et al.,
adolescência até alcançar a proporção za ou secura da língua. No século 19, a 1983), pode ser útil para explicar os
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