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Antologia de Poesia Moderna - Prof. Edu Teruki Otsuka
Estudos Literários
USP-SP

Aos Emudecidos

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer


Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea .
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.

A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.


A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do
possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.

Mas quieta em caverna escura sangra muda a


humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.

(Georg Trakl. De Profundis. Trad. Claudia Cavalcanti. São


Paulo: Iluminuras, 2010, pp. 64-65.)

Klage

Schlaf und Tod, die düster n Adler


Umrauschen nachtla ng dieses Haupt:
Des Menschen goldne s Bildnis
Verschlänge die eisige W oge
Der Ewigkeit. An sc haurigen Riffen
Zerschellt der purpurne L eib
Und es klagt die dunkle S timme
Über dem Mee r.
Schwester stürmis cher Schwermut
Sieh ein ängstlicher Kah n versinkt
Unter Sternen,
Dem schweigenden A ntlitz der Na cht.

(1914)

Lamento

Sono e morte, as tenebro sas águias


Rodeiam a noite inteira ess a cabeça :
A imagem dourada do H omem
Engolida pela onda fria
Da eternidade. Em medonhos recifes
Despedaça-se o corpo purpúreo
E a voz escura la menta
Sobre o mar.
Irmã de tempestuosa mela ncolia
Vê, um barco aflito afunda
Sob estrelas,
Sob o rosto calado da noite.

(Georg Trakl. De Profundis. Trad. Claudia Cavalcanti. São


Paulo: Iluminuras, 2010, pp. 76-77.)

***

“Trakl [...] constitui o criador de um mundo verbal „abstrato‟ em que se


encontra inserida obscuramente, nas suas
linhas essenciais, a situação do homem ocidental numa época tida como „terminal‟.
A melancolia desses verso s não
permite ser referida, a não ser de forma muito indireta, às mágoas pessoais
do poeta; ela é, por assim dizer,
categoria fundamental de um sistema antropológico que esboça a i magem
„partida‟ do homem em decomposição
das grandes cidades „putrefatas‟ do Ocidente; imagem sombria que o poeta
lança contra o ouro e azul de uma
perdida ordem espiritual, ainda intacta e inocente, ainda plena de „coração‟.”
(Anatol Rosenfeld. “Trakl ou a inocência perdida”. In: Letras Germânicas. São
Paulo: Perspectiva / Edusp;
Campinas: Ed. Unicamp, 1993, p. 151.)

Aos que vão na scer [An die Nachgeborenen]

É verdade, eu vivo em tempos negros.


Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu a inda
A terrível notícia.

Que tempos são e sses, em que


Falar de árv ores é quase um crime
Pois implica silencia r sobre tantas ba rbaridades?
Aquele que atrave ssa a rua tranquilo
Não está mais ao alcance d e seus amig os
Necessitados?

Sim, ainda ganho meu sust ento


Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupa do. (Se minha sorte aca ba, estou pe rdido.)

As pessoas me dizem: Coma e beba ! Alegre -se porque tem!


Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d‘água f alta ao que tem sede?
E no entanto eu como e beb o.

Eu bem gostaria de ser sábio.


Nos velhos livros se enco ntra o que é sabe doria:
Manter-se af astado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê -los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer :
É verdade, eu vivo em tempos negros.

II

À cidade cheguei em temp o de desordem


Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei e m tempo de tumulto
E me revoltei junto co m eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

A comida comi entre as ba talhas


Deitei-me para dormir e ntre os assassi nos
Do amor cuidei disp licente
E impaciente conte mplei a natureza.
Assim passou o temp o
Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo c onduziam ao pântano.
A linguagem denuncio u-me ao carrasco.
Eu pouco podia faz er. Mas os que estava m por cima
Estariam melhor se m mim, disso tive esperança.
Assim passou o temp o
Que sobre a terra me foi dado.

As forças eram míni mas. A meta


Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o temp o
Que nesta terra me foi da do.

III

Vocês, que emergirão d o dilúvio


Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraqueza s
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, t rocando de pa íses como de sandálias
Através das lutas d e classes, desespera dos
Quando havia só injustiça e nenhuma re volta.

Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixez a
Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixez a
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. A h, e nós
Que queríamos prepa rar o chão para o amor
Não pudemos nós me smos ser amigos.

Mas vocês, quando chega r o momen to


Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós
Com simpatia.

(c. 1938)

(Bertolt Brecht. Poemas 1913-1956. Trad. Paulo César de Souza. 5ª ed. São Paulo:
Ed. 34, 2000, pp. 212 -214.)

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