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Liu I-ming

O Despertar
para o Tao
Segundo a versão para o inglês de Thomas Cleary

Pensamento
LIUI-MING

O Despertar para o Tao


Segundo a versão para o inglês de Thomas Cleary

Tradução
ADAIL UBIRAJARA SOBRAL
MARIA STELA GONÇALVES

EDITORA PENSAMENTO
São Paulo
Título do original:
Awakening to the Tao

Copyright © 1988 by Thomas Cleary


“Publicado mediante acordo com a SHAMBHALA PUBLICATTONS, INC.,
P.O. Box 308, Boston, MA - 02117, USA”

Edição___________ Ano
1-2-3-4-5-6-7-8-9-10 92-93-94-95-96-97

Direitos de tradução para a língua portuguesa


adquiridos com exclusividade pela
EDITORA PENSAMENTO LTDA.
Rua Dr. Mário Vicente, 374 - 04270 - São Paulo, SP - Fone: 272-1399
que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Impresso em nossas oficinas gráficas.


Sumário

P refácio ......................................................................................... 11
Introdução do Tradutor do C hinês............................................... 13

PARTE UM
Contemplações

A Altura do Céu, a Espessura da T e r r a ....................................... 21


O Brilho do Sol e da Lua ............................................................. 22
O Trovão e o V e n t o ...................................................................... 23
A Alternância das Quatro E s ta ç õ e s ............................................. 24
A Lua Toma a Luz do S o l ............................................................. 25
Atiçando a Fornalha e Colocando o C aldeirão............................ 26
Espelhos de Fogo e de Á g u a ....................................................... 27
Os Estercorários........................................................................... 28
O Chumbo e o Mercúrio ............................................................. 28
Plantando Trigo e Plantando Linho ............................................. 29
Enxertando Pêssegos e Enxertando Ameixas . . . .............. .. 30
Um Fio de Cabelo Tornando-se uma Cobra d’Â g u a .................... 31
A Garça e a Tartaruga................................................................... 32
O Congelar da Água e o Derreter do G e l o ................................. 33
O Florescer das Árvores, a Extensão dos R ia c h o s ...................... 34
O Âmago do Pinheiro, os Nós do B a m b u .................................... 35
Madeira e Carvão, Argila e Tijolo ................................................ 36
A Carne e os Cabelos dos Cadáveres .......................................... 37
Água Subindo, Fogo D escendo..................................................... 38
Sementes de Melão ...................................................................... 39
Água Barrenta, Espelho E m poeirado.......................................... 40
O Calor do Movimento, a Frieza da Imobilidade .......................... 41
Montes de Terra, Árvores G ig a n te s.................................... 42
Preencher Concavidades, Desgastar Protuberâncias.................. 43
Carpas e Raposas .................................... .................................... 44
Transformações de um Dragão E spiritual.................................... 45
Árvores Mortas, Cinzas F r ia s .................................... ............... .. 45
O Contato com o Vermelho, o Contato com a Fuligem .............. 46
A Realidade Natural da C ria n ç a .................................................. 47
O F o le ............................................................................................ 48
A Cauda da Ursa M a io r............................. . .............................. 49
Lunáticos e B êbados................... .................................................. 50
Esticando a Corda, Esticando a Gola .......................................... 51
Separando Ouro, Extraindo Jade ........... .................................... 51
Retirando Água com uma Vara . . . ....................................... 52
As Flores e os Frutos das Plantas e das Árvores ......................... 53
E fígies............................................................................................ 54
O Candeeiro ................................................................................. 55
Vinho do Mingau, Sopa do Arroz ............................................... 56
Sinos Repicam, Tambores R esso am ............................................. 58
Marionetes e P ip a s ........................................................................ 59
Papagaios e Macacos ................................................................... 60
Vagens do Olmo, Bolsa-de-pastor e Trigo .................................. 61
Desejando Água e Fogo . . . ........................................................ 62
Virando para o Sul, Virando para o Norte .................................. 62
Arrancando Ervas Daninhas, Plantando A rvores......................... 63
Um Cântaro Cheio, um Cântaro Meio C h e io ............................... 65
Cerâmica e Decoração ............................................... ............. .. 66
Ter um Corpo, Ter E n erg ia....................................... ................... 67
Um Vale Deserto Transmitindo uma V o z .................................... 68
A Balança e a R ég u a...................................................................... 69
A Jangada e a R e d e ...................................................................... 71
Insetos Hibernantes Retornando à Vida .................................... 72
A Pérola da Ostra, o Ovo da Galinha ............................ .. 73

6
A Fênix e o Pavão ................................. ........................... 74
O Meio-dia e a Lua C h eia............................................................. 75
O Sonho do A dorm ecido............................................................. 76
C om ércio................... .................................................................. 78
O Macaco Selvagem, o Cavalo T eim oso....................................... 79
O Homem e a Mulher Reproduzindo-se ...................... .............. 81
Abrindo Portas e Venezianas........................................................ 82
O Intermediário ........................................................................... 84
Experimentando o que se C o m e .................................................. 86
Escalar uma Montanha, Cruzar um R i o ....................................... 87
Mariposas e M inhocas................................................................... 89
O Casulo do Bicho-da-seda, o Mel da Abelha ............................ 90
Tomando Sementes Emprestadas de Outra Pessoa .................... 92
Tartarugas Escondendo-se, Peixes Mergulhando......................... 93
Quando Faltam Querosene e Carvão .......................................... 94
O Lótus na Lama, o Crisântemo na G e a d a .................................. 96
A Cobertura da Lâmpada e o Revestimento do B ra s e iro ........... 97
O Redondo e o Quadrado ........................................................... 98
Uma Panela Quebrada, um Jarro R a c h a d o ..................................100
A Inconsciência da C riancinha.....................................................101
Assentando Alicerces e Construindo uma Casa ......................... 103
O Laboratório e os Vasos Alquím icos..........................................104
Lagartas e G irin o s ........................................................................ 106
O Cavalo de Corrida e o Pangaré ........... ...................................107
Flores Vermelhas e Folhas V erd es................................. ............. 109

PARTE DOIS
Refroes do Lam ento

Buscando Matéria M o r t a ............................................................. 115


Valores ......................................................................................... 115
O Cego Conduzindo o Cego ....................................................... 116
O Portão A b e r to ........................................................................... 116
Declínio no Taoísm o......................................................................117
Buscar O rientação..................................................................... . 117
Taoístas Degenerados...................................................................118
Exercícios Artificiais......................................................................118
Cabeça de Dragão, Rabo de S erp en te......................................... 118
O Tao Normal ..............................................................................119
A Invisibilidade do Taoísmo ..................................................... .. 119
O Ensinamento do Caminho ........................................................120
O Despertar .................................................................................120
Flexibilidade . . . ........... .............................................................121
Resolução...................................................................................... 121
Vazios Diletantes ................................................................... • 122
Desvendando a Mulher M isteriosa............................................... 122
A Utilidade do Tao ......................................................................123
No Mundo e Além do Mundo ......................... ........................... 123
Trivializações e A bastardam entos............................................... 124
Sinceridade................................................................................... 124
A Maravilha do T a o ......................................................................124
A Não-Reificação ................................................................... . 125
Falsos Discípulos........................................................................... 125
O Acesso ao T a o ......................... ..................................................126
Ação V a lio sa .................................................................................126
Descobrindo o Tao . ...................................................................127
Próximos mas D istantes................................................................ 127
A Longa E s tra d a ........... ............................................................... 127
Aprendendo o Cam inho................................................................ 128
O Equilíbrio no Centro ................................................................ 128
Não Há como Falsificá-lo . ...........................................................129
A Imparcialidade do T a o ............................................................. 129
A Bifurcação das Estradas .......................................................... 130
Despenhadeiros ......................... ..................................................130
A Pérola Inavaliável à M ã o ...........................................................131
O Tao e seus M étodos...................................................................131
O Projeto I n te r io r ........................................................................ 132
O Sabor do Tao ........................................................................... 132
Encontrá-lo ou E squecê-lo ...........................................................132
Uma Escada para as A ltu r a s ........................................................133
O Tao Indevassável ......................................................................133
A Im ortalidade.................................................. ...........................134
Bem em C a s a .................................................................................134
Sem Viés ............................................................. ........................134
A Reversão do T em po......................... ........................................ 135
Estupidez e L oucura......................................................................135
Independência.............................................................................. 136

8
A Fonte das D ificuldades............................................................. 136
Testemunho, Prática, Experiência, Transm issão......................... 137
O Verdadeiro Ser Humano O riginal.............................................137
O Estado sem Estado . ............................................................... 138
Não Corra Cegamente...................................................................138
Não E specule.................................................................................138
O Corpo Verdadeiro ...................................................................139
Como Agir ............................................... ....................................139
O Domínio da A b ertu ra................................................................ 140
Energia, Vitalidade, E s p írito ........................................................140
A Sutileza do Tao ..................................................................... . 141
Diligência .......................................................................................141
A Unicidade do T a o ......................................................................141
O Tao Multifacetado ......... ....................................................... 142
O Começo do T a o ........................................................................ 142
Proibições...................................................................................... 143

9
Prefácio

O Tao é o Caminho, o Caminho de todos os caminhos,


o princípio de todos os princípios, o fato gerador de todos
os fatos. O Taoísmo, em seu sentido mais amplo, é a busca
da verdade e da realidade. Num sentido mais estrito, é a
tradição de conhecimento original da China; mas essa defi­
nição estrita se amplia a cada dia, na medida em que o
Taoísmo, no último par de séculos, já estendeu parte de sua
influência no Ocidente a uma gama de áreas do interesse
humano tão diversa quanto a de sua incidência no Oriente.
Temos hoje livros sobre Taoísmo e investimento, Taoís-
mo e administração, Taoísmo e saúde, Taoísmo e medici­
na, Taoísmo e sexo, Taoísmo e ciência, Taoísmo e psi­
cologia, Taoísmo e arte, Taoísmo e vida, Taoísmo e guerra,
Taoísmo e educação, Taoísmo e sociedade, Taoísmo e toda
espécie de iluminação e de religião.
Este livro, O Despertar para o Tao, não é especifica­
mente nada disso, mas inclui algo de tudo isso, e um pouco
mais - cerca de uma centena de métodos para se atingir a
realidade como ser humano plenamente consciente. De
acordo com os mestres zen de tempos antigos, quando des-
11
pertamos para esse Caminho peculiar que está no cruza­
mento de todos os caminhos, temos nas mãos a chave de
todos os caminhos e podemos ser bem-sucedidos em quais­
quer caminhos que decidamos praticar.

12
Introdução do Tradutor do Chinês

o Despertarpara o Tao é uma coletânea de meditações


formuladas por Liu I-ming, um dos mais dedicados autores
taoístas dos primórdios da era moderna. Escrito num estilo
simples e claro, ele usa fenômenos naturais e míticos como
metáforas que ilustram os princípios e as práticas do Taoís-
mo.
Nascido por volta de 1737, Liu escreve que começou a
interessar-se pelo Taoísmo no início da adolescência Se­
gundo o seu próprio relato, ele visitou toda espécie de
supostos mestres e estudou ao acaso por vários anos. No
final da adolescência, foi acometido de grave doença e
percebeu, pela primeira vez, a inutilidade de tudo o que
estudara.
Sua doença não apresentou reação ao tratamento médi­
co, tornando-se gradualmente mais grave até deixá-lo com­
pletamente inválido. Nesse ponto, ele teve a fortuna de
encontrar um "Ser Humano Real”, um genuíno adepto
taoísta que pode curá-lo. Comprometendo-se por inteiro
com a busca do Tao, Liu deixou sua casa aos dezenove anos
para viajar à procura da verdadeira aprendizagem.
13
Três anos depois de iniciar sua peregrinação, Liu co­
nheceu alguém a quem chama de o Velho Homem do Vale
das Criptas, que considerou desde então o seu mestre. Es­
se velho homem exp1icou-1he as falácias presentes nas prá­
ticas aberrantes dos cultos pseudotaoístas, cada vez
mais populares, que Liu naturalmente encontrara, e trans­
mitiu-lhe o ensinamento psicológico básico do verdadeiro
Taoísmo.
Anos mais tarde, Liu mencionaria repetidas vezes esse
importante evento, opondo-se às práticas e abordagens des-
viantes do Taoísmo. Não há de fato nada de especial nisso,
visto que advertências semelhantes sobre distorções ocor­
rem muitas vezes em clássicos taoístas que remontam a dois
mil anos. Se mais não for, esse aspecto da história taoísta
testemunha a persistência de certos fascínios e da crônica
falta de informação entre praticantes.
Depois de esclarecer a mente de liu quanto ao ponto
central do Taoísmo, o velho homem o fez voltar para casa
para que completasse suas obrigações sociais e estudasse os
clássicos alquímicos taoístas. O desprezo pela vida social na
juventude e a falta de fundamentação suficiente nos prin­
cípios do misticismo foram os dois principais defeitos que
grandes taoístas de um período ulterior apontaram repe­
tidamente em aberrantes pseudomísticos.
De acordo com isso, Liu I-ming fez um exame completo
da literatura sagrada do Taoísmo, do Confucionismo e do
Budismo. Seus escritos posteriores revelam uma combi­
nação de conhecimentos de alquimia e de Zen-budismo
insuperada em seu tempo, mas seus estudos literários não o
satisfizeram na época. Ele explica isso dizendo que deixara
cedo demais o seu mestre. Disso resultaram doze anos de
dúvida e de incerteza.
Durante esse período conturbado, Liu viveu por quatro
anos em Beijing, a capital do norte, dois anos na China
14
Central, três anos no extremo noroeste e quatro vagando.
Tudo isso, em suas próprias palavras, se devia à sua busca
da verdade. Ele estudava escritos espiritualistas todos os
dias, mas ainda assim não dissipou sua incerteza.
Por fim, em 1772, Liu conheceu seu segundo mestre, a
quem dá o nome de o Velho Homem da Estação dos Imor­
tais. Ele descreve sua experiência sob a tutela desse mestre
como a passagem do fundo de um poço imensuravelmente
profundo ao topo de uma montanha imensuravelmente alta.
Liberto da dúvida para sempre, Liu sentiu como se “visse o
mundo inteiro na palma de sua mão e encontrasse o Tao
onde quer que estivesse”.
Depois da súbita iluminação, vem a aplicação gradual,
e Liu relata duas profundas e abrangentes experiências
espirituais que ocorreram em 1776 e em 1780. Então, “har­
monizando a iluminação e o convívio com o mundo” - mais
uma vez, em respeito a princípios clássicos passou muitos
outros anos compartilhando segredos com outras pessoas,
viajando para vários lugares e trabalhando em diversos
ofícios e profissões enquanto dava continuidade ao seu
aperfeiçoamento interior.
Mesmo depois dessas experiências, parece que Liu só
começou a escrever sobre o Taoísmo nos anos 1790, quando
já estava com quase sessenta anos. Continuou a escrever até
cerca de 1826, um período de quase trinta anos.
Durante essa época, escreveu incomparáveis comen­
tários sobre clássicos taoístas como o Livro das Mutações,
A Compreensão da Realidade, A Tríplice Unidade, o Clás­
sico da Convergência Yin, Quatrocentas Palavras sobre a
Pílula de ouro. Unindo as Linhas, A Inscrição de Cem Carac­
teres, A Árvore sem Raízes e Jornada para o oeste}
Liu também compôs inúmeros ensaios, poemas e can­
tos, empregando igualmente o vocabulário da alquimia taoís-
15
ta na tradução psicológica e expondo a essência do Taoísmo
com clareza sem precedentes, o Despertarpara o Tao é uma
de suas composições próprias. Datado de 1816, quando
estava perto dos oitenta anos, essa obra resume uma vida de
trabalho e de contemplação em mais de cem brilhantes
opúsculos.

NOTA

1 .0 bem conhecido Livro das Mutações ( / Ching, ou Yijing, ou Zhouyi) é


um dos textos fundamentais do Taoísmo, usado para ilustrar um ciclo completo
de desenvolvimento.
A Compreensão da Realidade (Wuzhen pion) e Tríplice Unidade (Can-
tongqi) são os dois maiores textos alquímicos, considerados pelas escolas taoístas
da Realidade Completa como ancestrais da literatura alquímica.
O Clássico da Convergência Yrn (Yinfujing) 6 ainda mais antigo do que O
Livro das Mutações. É atribuído ao próprio Imperador Amarelo, uma das mais
importantes figuras do Taoísmo pré-histórico, que teria vivido há cerca de cinco
mil anos. Pesquisadores seculares acreditam que ele remonta ao menos à dinastia
Shang, mais ou menos do segundo milênio A.E.C. (Antes da Era Cristã), a partir
do fato de já haver comentários sobre esse clássico que datam desse período. Esse
texto tem recebido diversas interpretações; alguns o consideram um texto sobre
a arte da guerra, enquanto outros o vêem como um clássico espiritual que forma
par com o Tao Te lüng.
Quatrocentas Palavras sobre a Pílula de Ouro (Jindan Sibaizi) é um clássico
alquímico seminal do mesmo autor áeA Compreensão da Realidade.
Unindo as Linhas (Qiaoyao ge) eA Inscrição de Cem Caracteres (Baizi bei)
são poemas do grande Ancestral Lu, avô do movimento da Realidade Completa.
A Árvore sem Raízes (Wugenshu) é uma coletânea de poemas do famoso
Zhang (Chang) Sanfeng, originador legendário da Matéria Absoluta, alquimista
capaz de produzir ouro material e espiritual, desmascarador de charlatães e
falsificadores, um completo mago taoísta.
Jornada para o Oeste (Xiyouji) é um dos Quatro Livros Extraordinários da
dinastia Ming, quatro grandes romances usados como extraordinários recursos
de ensino taoísta na sociedade secular da época pós-mongólica.

16
Foram traduzidos para o inglês: O Livro das Mutações, com o comentário
de Liu, no livro The Taoist I Ching (Boston e Londres, Shambhala, 1986); A
Compreensão da Realidade, com o comentário de Liu, foi publicada com o título
original, Understanding Reality (Honolulu, University of Hawaii Press, 1988);
Quatrocentas Palavras sobre a Pílula de Ouro está em The Inner Teachings of
Taoisrn (Boston e Londres, Shambhala, 1987). Os outros estão numa antologia
a ser publicada.

17
Parte Um

CONTEMPLAÇÕES
A Altura do Céu,
a Espessura da Terra

O corpo do céu é extremamente alto. Aberto, redondo,


imensurável, é vastidão ilimitada. Cobrindo tudo, a tudo con­
tendo, ele produz uma Iniríade de seres sem presumir a sua
virtude, ele despeja bênçãos numa miríade de seres sem espe­
rar recompensa Se serão respeitosas ou insinceras, coope­
rativas ou adversas, cabe às pessoas decidir. Sejam as pessoas
boas ou más, atraentes ou repulsivas, e sejam as criaturas
violentas e teimosas, ou dóceis e obedientes, é-lhes permitido
serem assim por si mesmas, sem nenhuma restrição.
A terra é bem espessa. Humilde, abaixo de tudo, ela a
tudo suporta e alimenta todos os seres. Suporta até o peso
das grandes montanhas e resiste até à força erosiva das
grandes águas. Ela tolera o ser perfurada por plantas e
árvores, e se submete à vontade dos pássaros e das bestas.
Ela não se incomoda de ser abastardada por impurezas.
O que percebo quando observo isso é o Tao da emulação
do céu e da terra. Se as pessoas puderem ser arejadas e
magnânimas, receptivas a tudo, compassivas diante dos velhos
e dos pobres, e se assistirem quem passa pelo perigo e salvarem
quem passa por tribulações, se derem de si sem buscar recom­
pensa, nunca alimentarem rancores, olharem para os outros e
para si com imparcialidade e perceberem tudo como unidade,
poderão ser companheiras do céu.
21
Se puderem ser flexíveis e pacatas, humildes, autocon-
troladas, inteiramente livres de agitação, isentas de toda
volatilidade, e se não se irritarem com a crítica, ignorarem
o insulto, aceitarem com docilidade todas as dificuldades,
enfermidades e desastres naturais, profundamente livres da
ansiedade ou do ressentimento diante do perigo ou da
adversidade, as pessoas poderão ser companheiras da terra.
Com a nobreza do céu e a humildade da terra, unimo-
nos aos atributos do céu e da terra e estendemo-nos à
eternidade com eles.

o Brilho do Sol e da Lua

Assim age o sol; alça-se ao céu durante o dia, iluminan­


do o exterior, e oculta-se atrás da terra à noite, iluminando
o interior. Assim age a lua; na primeira metade do seu ciclo,
ela produz luz, iluminando o exterior, e, na outra metade do
seu ciclo, retira sua luz, alimentando o interior. O sol e a lua,
iluminando o fora e o dentro, são uma só luz.
O que percebo quando observo isso é o Tao do uso da
iluminação. Se puderem usar a iluminação exteriormente,
tiverem cuidado com o que dizem e fazem, reprimirem toda
conduta imprópria, não se apoiarem senão no Tao, fugirem
às distorções do poder da sensualidade, dos tóxicos e dos
bens materiais; se não se deixarem seduzir pela opulência
ou pela condição social, pelo sucesso ou pela fama, nem se
macularem com sentimentos mundanos ligados às situações
do mundo, as pessoas poderão iluminar o exterior tal como
o fazem o sol e a lua.
22
Se puderem usar a iluminação interiormente, afastar a
falsidade e manter a verdade, deixar a confusão e voltar à
realidade, aprender a dominar as emoções, desanuviar os
sentimentos, deixar a mente clara, dissolver a mentalidade
humana e ativar a consciência do Tao, evitando cuidadosa­
mente o mais insignificante pensamento desconexo, as pes­
soas poderão iluminar o interior tal como o fazem o sol e a lua.
Quando o interior e o exterior estão iluminados, e tudo
está claro, formamos unidade com a luz do sol e da lua.
Desenvolvida até o seu estado último, esta é uma lumi­
nosidade abrangente que nada pode enganar, o corpo sutil
de um espírito unificado, que pervade todo o universo.
Então, temos a mesma função do sol e da lua.

o Trovão e o Vento

O trovão é feroz, intenso e potente; o vento é gradual,


disseminado e suave. Quando o vento e o trovão se com­
binam, há uma suave gentileza em meio à dura intensidade
e há uma dura intensidade em meio à suave gentileza
Dureza e suavidade se complementam.
O que percebo quando observo isso é o Tao da harmo­
nização equilibrada da dureza e da suavidade. Quando as
pessoas praticam o Tao para desenvolverem o caráter, lidando
com os eventos e com a sociedade, mas sempre são duras, elas
serão impetuosas e agressivas, demasiado impacientes; por
isso, falta perseverança às suas ações e sua agudeza é mo­
derada Do mesmo modo, se sempre forem suaves, elas vaci­
larão, temerosas e inúteis, e serão demasiado fracas para terem
sucesso em suas tarefas. Essa suavidade é imprestável.
23
Se puderem ser firmes na decisão e flexíveis na prática
gradual, sem se apressarem nem se atrasarem, nem agressivas
nem débeis, com a dureza e a suavidade equilibrando-se mu­
tuamente, atingindo o equilíbrio e a harmonia, as pessoas se
beneficiarão onde quer que vão. Se estudarem o Tao dessa
maneira, por certo chegarão a entendê-lo. Se praticarem o Tao
dessa maneira, por certo chegarão a realizá-lo.
Assim diz um clássico de autoria de um sábio: “O
equilíbrio é o fundamento do mundo e a harmonia o modo
como o mundo chega ao Tao. Atingindo o equilíbrio e a
harmonia, o céu e a terra encontram o seu lugar nele, com
uma miríade de seres crescendo nele.” Eis a importância
do Tao do equilíbrio e da harmonia.

A Alternância das Quatro Estações

Primavera, verão, outono, inverno - eis as quatro esta­


ções. Na primavera, as coisas brotam; no verão, as coisas
crescem; no outono, as coisas são colhidas; no inverno, as
coisas são armazenadas. Cada uma tem a sua vez e então
passa; quando se completa, o ciclo recomeça, ligando as
quatro estações num contínuo.
O que percebo quando observo isso é o Tao da causação
mútua, da subtração e da adição. Ora, o que chamo aqui de
subtração é a subtração do excesso na força e na volatili­
dade, e o que chamo aqui de adição é adição para preencher
a carência causada pela flexibilidade e pela fraqueza. Ao
sermos fortes sem deixar a força ir longe demais e ao sermos
flexíveis sem nos tornarmos imprestáveis, unimos a força à
flexibilidade e aplicamos a flexibilidade com força.
24
Com a força e a flexibilidade eqüivalendo uma à outra,
o yin e o yang eqüivalendo um ao outro, é possível ser alto
ou baixo, grande ou pequeno; é possível avançar ou recuar,
acompanhar ou se opor. Adaptando sem inibições, com o
indireto e o direto operando um ao lado do outro, fundimo-
nos com a ordem das quatro estações. Mudando livremente,
temos um céu e uma terra no nosso próprio corpo, uma
Criação na própria mente, sem contudo sofrer restrições do
céu, da terra e da Criação.

A Lua Toma a Luz do Sol

A lua é originalmente puro yin, sem yang - ela só dá luz


depois de tomar os raios do sol. O crescente e o minguante
da luz da lua dependem da posição e da proporção da luz do
sol.
O que percebo quando observo isso é o Tao do tomar
yang para transmutar yin. O corpo humano é originalmente
puro yin, sem yang - ele tem de tomar o yang do outco para
tornar-se yang.
“O outro” é tudo o que não seja o eu - o céu e a terra,
o sol e a lua, a multiplicidade de seres, a multiplicidade de
coisas. O chamado “yang do outro” é a energia unificada
aberta primordial, que é o ser humano eterno.
Essa energia é inata, mas, à medida que se mistura com
o condicionamento adquirido, se dissemina aos poucos en­
tre o céu e a terra, o sol e a lua, a multiplicidade de seres e
de coisas, e já não é nossa, pertencendo a outro.
Se sabe que essa energia está em outro, e a rouba
gradualmente para tê-la devolvida ao seu eu, restaurando a
25
existência do não existente e recuperando o que se perdeu,
você age como a lua, que brilha ao tomar a luz do sol. Este
é o mecanismo celestial de controle da Criação e de rever­
são entre yin e yang.

Atiçando a Fornalha e
Colocando o Caldeirão

Quando cozem remédios, os alquimistas primeiro têm


de atiçar a fornalha e colocar o caldeirão. A qualidade do
caldeirão é a firmeza, mediante a qual o remédio nele fica
contido; a qualidade da fornalha é a flexibilidade, mediante
a qual o aquecimento é realizado. Se o caldeirão não é forte,
o remédio facilmente se perde; se a fornalha não estiver
atiçada, o fogo arderá ao acaso.
O que percebo quando observo isso é o Tao do apri­
moramento do corpo e da mente. A firme determinação no
cultivo do Tao é o caldeirão. Fortalecer-se com perseve­
rança, nunca voltando atrás mesmo derrotado cem vezes,
ser imperturbável, não vacilar - isso é “colocar o caldeirão”.
A atenta observação em todos os momentos é a fornalha.
Trabalhar de modo gradual, com serenidade, sem pressões
- isso é “atiçar a fornalha”.
Quando caldeirão e fornalha são adequadamente es­
tabilizados, extinguimos os hábitos adquiridos que se tor­
naram compulsivos no curso da nossa história pessoal, tra­
zendo assim à luz o estado original de completude e liber­
tando-nos de todas as impurezas adquiridas.
Quando a escória é extirpada e o ouro fica puro, livramo-
nos do velho e tomamos o novo. Nesse ponto, afastamos a
26
fornalha e o caldeirão, e pomos de lado as pinças e os foles,
para fazer um trabalho avançado, derretendo o verdadeiro
ouro para tomá-lo líquido e fosco, de volta ao estado an­
terior ao nascimento.
Eis por que os clássicos alquímicos e os escritos alquí-
micos dos adeptos consideram atiçar a fornalha e colocar o
caldeirão a primeira prioridade.

Espelhos de Fogo e de Água

Um espelho produtor de fogo é capaz de tirar fogo do


sol, mesmo a uma imensa distância Um espelho coletor de
água é capaz de tirar água da lua, mesmo muito afastado
dela. Isso porque as energias dos espelhos de fogo e de água
são da mesma espécie das do sol e da lua.
O que percebo quando observo isso é o Tao da absorção
do yin e do yang. O yin e o yang presentes no ser humano
estão combinados originalmente numa só energia; por cau­
sa da mistura com o condicionamento temporal, o yin e o
yang se separam. Com a sua separação, a energia da Vida
diminui a cada dia e a energia da morte aumenta a cada dia.
Como a energia da Vida diminui cada Vez mais, enquanto a
energia da morte aumenta cada Vez mais, no final só há
morte.
Se soubermos Voltar à luz da percepção para olharmos
o interior, usando o artificial para cultivar o real, num
momento o yin e o yang vão se fundir e se combinar,
espontaneamente e sem esforço. Se o fizermos, isso está à
mão; se não, está distante. E somente uma questão de
estarmos dispostos a fazê-lo.
27
os Estercorários

Os estercorários rolam bolas de esterco, das quais nas­


cem, passado um tempo, os seus rebentos. As bolas de
esterco são originalmente coisas mortas, que nada contêm;
mas, pela comunhão das energias masculina e feminina,
unidas numa só energia que não se dispersa, o espírito se
congela e a energia coagula, sendo assim possível produzir
substância e forma onde não havia nem substância nem
forma.
O que percebo quando observo isso é o Tao da pro­
dução do ser a partir do não ser. As pessoas nascem com as
duas energias do céu e da terra, yin e yang, e por isso têm
essas duas energias, yin e yang, no interior do seu corpo. Se
as pessoas puderem levar o yang ao yin, e fazer o yin seguir
o yang, o yin e o yang aderem um ao outro. No meio do
transe extático, há um ponto de potencial Vivo, que vem a
ser a partir do não ser, mediante o qual o embrião espiritual
pode ser formado e o corpo espiritual, produzido.
Quando essa prática atinge a sua consumação, rom­
pemos o espaço e temos um corpo fora do nosso corpo.
Marchando sobre o sol e a lua sem forma, penetrando a
pedra e o metal sem empecilhos, transcendemos a Cria­
ção.

o Chumbo e o Mercúrio

Na alquimia material, quando se expõe o mercúrio ao


fogo, ele se evola. Quando se põe chumbo no mercúrio, este
28
se estabiliza, e eles se combinam para formar uma massa
não volátil.
O que percebo quando observo isso é o Tao do controle
do yin por meio do yang. A mente humana é mercurial e im­
previsível; ela dá ensejo a emoções sobre aquilo que experi­
menta e instila a confusão depois de exposta a influências
externas. Ela é como o mercúrio se evolando quando expos­
to ao fogo.
Se a mente do Tao sempre estiver presente, afastando
o perigo, e se sempre estivermos conscientes, a mente hu­
mana não tem espaço para se manifestar. Ela é como o
mercúrio sendo estabilizado pelo chumbo.
Se então trabalhamos com diligência para aumentar a
energia positiva do Tao enquanto reduzimos a energia ne­
gativa da mente humana, aumentando e reduzindo até que
nenhum aumento ou redução seja possível, a mente humana
morre e a morte do Tao se estabiliza
A semente da realização está, pois, em nossas mãos, e,
com ela, podemos tornar-nos sábios, imortais, budas. Nesse
ponto, o fundamento da essência e da vida se estabelece.
Ora, se nos dedicarmos ao trabalho avançado, por certo
alcançaremos uma profunda auto-realização.

Plantando Trigo e
Plantando Linho

Se plantamos trigo, colhemos trigo; se plantamos li­


nho, colhemos linho. O linho não produz trigo, nem o trigo
produz linho - as sementes são diferentes.
29
O que percebo quando observo isso é o Tao da causa e
do efeito em ação. Se o pensamento da pessoa é bom, suas
açoes e feitos são bons, e ela com certeza receberá bên­
çãos. Se o pensamento da pessoa é mau, suas açoes e fei­
tos também são maus, e ela com certeza atrairá o infor­
túnio.
O bom e o mau pensamento são a causa dos eventos;
receber bênçãos e atrair infortúnio são o efeito dos even­
tos. Quando há uma causa, haverá certamente um efeito.
Não é possível ao fruto da boa semente não ser bom, nem
ao da má semente não ser ruim. As conseqüências do bom
e do ruim são como sombras seguindo as formas, certas e
invariáveis.
É tudo uma questão de escolher entre plantar o bem e
plantar o mal, distinguindo o que é bom e o que é mau.
Portanto, as pessoas superiores consideram o começo quan­
do fazem coisas; tendo cuidado com as coisas no começo,
elas são capazes de completá-las no final.

Enxertando Pêssegos e
Enxertando Ameixas

Quando um pessegueiro está Velho, enxerte-se um ra­


mo jovem e ele voltará a dar pêssegos. Quando uma amei-
xeira está velha, enxerte-se um ramo jovem e ela voltará a
dar ameixas. Isso ocorre porque mesmo uma árvore velha
ainda tem energia nas raízes.
O que percebo quando observo isso é o Tao do enxerto
quando as pessoas ficamvelhas. As pessoas envelhecem porque
se deixam levar pelas emoções e pelas paixões - uma centena
30
de preocupações afetam a sua mente, milhares de coisas afli­
gem o seu corpo. Gastando vitalidade, exaurindo o espírito,
elas tomam o falso pelo real e a angústia por felicidade.
Seu potencial vivo é reduzido a tal ponto que quase perece
por inteiro; sua natureza é perturbada e sua vida, abalada Co-
mo as raízes são instáveis, elas envelhecem e morrem Não se po­
de atribuir isso ao destino, porque elas o trazem em si mesmas.
Se as pessoas soubessem o bastante para se arrependerem
dos seus erros e mudarem, libertando-se da confusão emo­
cional, livrando-se dos intoxicantes, da sensualidade e das
posses, considerando a riqueza e a posição nuvens efêmeras,
encarando o poder e o lucro como malfeitores e inimigos, tudo
seria vão para elas e elas a nada se apegariam.
Concentrando a energia como um bebê, sendo abstêmias,
armazenando a vitalidade e alimentando o espírito, afastando
a ilusão e voltando à realidade, promovendo a todo instante o
desenvolvimento das raízes, dando cada passo no caminho
certo, ampliando o verdadeiro pensamento e reduzindo o falso,
plenamente sinceras no interior e no exterior, integradas à
estrutura da natureza, elas poderiam, então, rejuvenescer.
Isso eqüivale a enxertar um ramo jovem numa árvore
velha. Um antigo adepto disse: “Mesmo aos setenta ou
oitenta anos, enquanto restar algum ânimo, é possível uma
restauração.” Isso é correto.

Um Fio de Cabßlo Tornando-se


uma Cobra d’Agua

Se cair numa poça d'âgua e ficar exposto ao sol quente,


um fio de cabelo toma a forma da cobra d'âgua. Por que isso
31
acontece? Embora o fio de cabelo seja uma coisa morta, o
fato de ser umedecido pela água e aquecido pelo sol faz que
a umidade e o calor formem uma energia com um potencial
sutil que produz movimento. Por conseguinte, o fio de
cabelo flutua na água como uma cobra.
O que percebo quando observo isso é o Tao da esta­
bilização das raízes e da solidificação da vida A energia yang
das pessoas associa-se com o fogo, ao passo que a energia yin
se associa com a água. Quando o yin e o yang se combinam, as
energias da água e do fogo equilibram-se mutuamente. Há
nisso um ponto de potencial vivo, que no princípio é vago, mas
vem a patentear-se com clareza, produzindo vida sem cessar.
Assim, o que está em declínio pode florescer, o fraco
pode tornar-se forte, o inanimado pode solidificar-se em
vida, o efêmero pode estender a duração da sua vida. Eis
como se deve agir para aprofundar as raízes e firmar o caule,
para viver no plano da eternidade.

A Garça e a Tartaruga

A garça é hábil em alimentar o espírito, e por isso vive


mil anos. A tartaruga é hábil em alimentar energia, e por
isso pode viver um século sem comer.
O que percebo quando observo isso é o Tao do prolon­
gamento da vida. Se forem capazes de se diminuir humilde­
mente, de ser flexíveis, simples e sinceras, sem desper­
diçarem energia, mas alimentando-a sempre, as pessoas
ficarão cheias de energia. Se puderem libertar-se da cogi­
tação e da ruminação, ter poucos desejos e pequena ambi­
32
ção, sem desgastar o espírito, mas preservando-o sempre,
seu espírito ficará completo.
Com a energia plena e o espírito completo, a raiz fica
estável e a base, sólida E podemos estender a duração da
vida, prolongar a vida sem deterioração. A garça e a tar­
taruga podem viver muito, mesmo que uma mantenha ape­
nas o espírito completo e a outra, somente a energia com­
pleta; quanto mais quando o espírito e a energia são man­
tidos completos: como não conseguir viver muito?

o Congelar da Água
e o Derreter do Gelo

A água se congela em gelo quando esfria; o gelo se


derrete em água quando esquenta. O que percebo quando
observo isso é o Tao do tornar-se sábio ou pessoa comum.
Em princípio, a natureza humana é basicamente boa.
Não há distinção original entre o sábio e a pessoa comum.
Vem da energia dos hábitos acumulados o surgimento de
uma diferença entre o sábio e a pessoa comum.
Quem pratica o que é bom não perde a natureza divina­
mente concedida e se torna sábio. Quem pratica o que não
é bom perde a natureza divinamente concedida e se torna
uma pessoa comum.
Se quem não é bom souber o bastante para mudar de
conduta e transformar o erro em correção, livrar-se da
perversidade e voltar à retidão, e se imbuir do bem-agir,
ser-lhe-á possível restaurar a natureza divinamente con­
cedida e, embora tendo sido pessoa comum, tornar-se sábio.
33
Se quem é originalmente bom não souber o bastante para
ser prudente e cauteloso, e, em vez disso, deixar-se afetar por
influências exteriores e habituar-se ao que não é bom, sobre-
vir-lhe-á aperda da natureza divinamente concedida e, embora
tendo sido sábio, toma-se uma pessoa comum.
Quem é bom é como a água; quem não é bom, como o
gelo. O fato de o sábio poder tornar-se pessoa comum e de
a pessoa comum poder tornar-se sábio é como o fato de a
água poder tomar-se gelo e de o gelo poder tornar-se água.
Portanto, o caminho da boa aprendizagem está no escla­
recimento da qualidade da iluminação e em repousar no
bem último.

o Florescer das Árvores,


a Extensão dos Riachos

Quando as raízes de uma árvore são profundas, suas


folhas florescem naturalmente. Quando a fonte de um ria­
cho é abundante, seu fluxo vai longe naturalmente. Assim
ocorre com as coisas que dispõem de uma base.
O que percebo quando observo isso é o Tao da pre­
servação e da manutenção do fundamental. A vitalidade
original, a energia original e o espírito original dos se­
res humanos são nascentes da essência e da vida. Quando
a vitalidade original não sofre diminuição, o corpo é com­
pleto. Quando a energia original não sofre danos, a vi­
da é segura. Quando o espírito original não sofre obscu-
recimento, a essência é clara.
Quando o corpo é inteiro, a vida é segura e a essência
é clara; por isso, nada pode mover a pessoa, a Criação não
34
pode reprimi-1a, sua natureza e seu destino estão em suas
mãos, e não entregues ao Céu.
E como as folhas florescendo quando a árvore tem
raízes profundas e como o fluxo de um riacho indo longe
quando tem uma fonte abundante. Quando se estabelece a
base, o Caminho se desenvolve; o potencial vivo é sempre
presente e nunca cessa.
A maioria das pessoas, no entanto, não sabe o bastante
para preservar e manter o fundamental; elas agem, por
conseguinte, sobre o aparente, na falsa crença de que,
assim, atingirão o Tao. E como buscar peixes numa árvo­
re - no final, será em vão. Não é isso uma tolice?

o Âmago do Pinheiro,
os Nós do Bambu

O âmago do pinheiro é sólido e os nós do bambu são


duros; por isso, eles não secam ao frio do inverno, mas
continuam a florescer mesmo com a neve e a friagem.
O que percebo quando observo isso é o Tao do es­
tabelecimento da vida por meio do cultivo e da disciplina.
Se as pessoas puderem evitar o vergonhoso e forem sérias,
sinceras e imparciais, seu coração será sólido. Com o co­
ração sólido, a pessoa não pode ser corrompida pela riqueza
ou pelo poder, afetada pela pobreza ou pela humildade,
nem suprimida pela autoridade ou pela força.
Quando lidamos destemidamente com os aconteci­
mentos, sem sermos perturbados pela dificuldade, a fortuna
ou o infortúnio que possamos encontrar cabem aos outros,
cabendo-nos a criação da vida.
35
Se puderem cultivar-se e controlar suas coisas, apoian-
do-se no terreno certo, firmes e imóveis, as pessoas serão
organizadas e fortes. Sendo organizadas e fortes, não agem
de maneira imprópria, não se apóiam senão no Tao, nem
praticam a injustiça.
Aceitando tanto o amaro como o doce, capazes de
liderar e de seguir, aceitando a vida e a morte, sempre
responsáveis mas sempre tranqüilos, sem sermos afetados
pelas coisas, com o coração firme e a disciplina forte, pode­
remos lidar com a facilidade, poderemos lidar com o perigo,
poderemos agir, poderemos ficar em repouso, poderemos
nos adaptar sem problemas, sem nos fixarmos em nenhum
padrão, sem inibições de qualquer espécie.

Madeira e Carvão,
Argila e Tijolo

Quando exposta por um longo tempo, a madeira apo­


drece; mas queimemo-la, tornando-a carvão, e ela jamais
apodrecerá. A água e a terra combinam-se para fazer a
argila, que se dissolve na chuva; queimemo-la, transforman-
do-a em tijolo, e ela durará indefinidamente.
O que percebo quando observo isso é o Tao do arder
para cultivar a realidade. A razão pela qual as pessoas são
incapazes de atingir o Tao é o fato de ainda não terem sido
"queimadas” na fornalha da Criação.
Se caminharmos com todos os passos no terreno da
realidade, no interior da fornalha da Criação, experimen­
tando tudo o que aparecer, permanecendo no portal da vida
e da morte sem vacilar, como o ouro que fica mais brilhante
36
quanto mais é queimado, como um espelho que fica mais
claro quanto mais é polido, queimados e polidos até alcan­
çarmos um estado de íntegro brilho, clara nudez, liberdade
pura e simples, onde não há ser nem não ser, onde os outros
e o eu se tornam vazios, teremos alcançado a sublimação
mental e física, e a fusão com o Tao na realidade. É como a
madeira e a argila passando pelo fogo para se tornarem
carvão e tijolo sem jamais decair.

A Carne e os Cabelos
dos Cadáveres

Quando um cadáver esteve enterrado por longo tempo,


toda carne que não tenha sido totalmente decomposta tor­
na-se uma influência perniciosa que é maléfica para as
pessoas. Quando os cabelos de um cadáver estiveram expos­
tos à umidade e ao calor por longo tempo, tornam-se fogo
fátuo, que engana as pessoas.
O que percebo quando observo isso é o Tao da liber­
tação de uma grande aflição. O corpo humano, em cima e
embaixo, dentro e fora, nada contém que não seja influência
perniciosa e força enganosa.
Exteriormente, os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca, a
língua e o corpo reúnem e atraem males externos. Interior­
mente, o coração, o fígado, o baço, os pulmões e os rins se
agregam para produzir pensamentos errantes. Essas dege-
nerações interiores e exteriores afastam a realidade natural
até que, por fim, destroem a vida. O grau do mal e do engano
que operam nas pessoas não pode ser expresso em palavras.
37
Laozi (Lao Tzu) disse: “A razão pela qual tenho uma
grande aflição é o ter um corpo. Se eu não tivesse corpo, de
onde a aflição viria?'' Assim, sabemos que este corpo é a
nossa grande aflição. Se pudermos escapar a essa aflição, o
que não é afligido permanecerá. Somente o que não é
afligido é o verdadeiro eu.
Livrar-se da aflição requer antes de tudo o reconheci­
mento do verdadeiro eu. Apenas quando reconhecemos o
verdadeiro eu percebemos que o corpo é outro. O outro e
o eu não têm ligação entre si. Livrar-se do outro por meio
do eu é bem simples, e não requer nenhum esforço.
Contudo, muitos praticantes do Taoísmo têm o outro pelo
eu, a aflição pela realidade. Emocionalmente apegados a ele,
tomam esse fantasma por um vizinho e recusam-se a desistir de­
le. Há até ignorantes que fazem exercícios interiores baseados
nessa grande aflição, imaginando assim que atingirão o Tao.
Pessoas como essas tomam o servo pelo mestre, têm o ladrão
por seu próprio filho. Elas não somente são incapazes de livrar-
se da aflição como até a aumentam Não admira que sua vida
seja tão frenética, apenas para terminar caindo na destruição.

Água Subindo, Fogo Descendo

A água é basicamente fria, o fogo é basicamente quen­


te. Quando o fogo sobe e a água desce, água e fogo estão em
lugares diferentes e não podem ofuscar um ao outro. Se a
água sobe e o fogo desce, o que é quente não se acende e o
que é frio pode ser aquecido.
O que percebo quando observo isso é o Tao da separação
e da união entre yin e yang. A energia yang das pessoas é firme;
firmeza sem restrição toma-se agressividade, como o fogo
subindo. A energia yin é flexível; flexibilidade sem apoio é
uma coisa muito fraca, como a água descendo. Quando a
firmeza e a flexibilidade não se equilibram mutuamente, o
solitário yin não pode dar vida e o isolado yang não pode
promover o crescimento - e sua energia viva cessa.
Quem é firme sem ser agressivo, usando a firmeza com
flexibilidade, é como o fogo embaixo. Quem é flexível sem
ser fraco, apoiando a flexibilidade na firmeza, é como a água
em cima. Quando a firmeza e a flexibilidade estão equi­
libradas, o yin e o yang estão em harmonia; essência e
sentido se fundem, a água e o fogo se ofuscam um ao outro.
A isso se chama a inversão da água e do fogo.

Sementes de Melão

Dentro de cada melão há sementes, dentro de cada


semente há um germe. O germe é dúplice, e dentro dessas
duas partes há também um coração. Esse coração é o ponto
do potencial vivo. Todo o crescimento de um melão vem
disso. A isso se chama o coração do céu e da terra.
O que percebo quando observo isso é o Tao do potencial
vivo do yin e do yang. Somente quando o yin e o yang se unem
há um germe de humanidade. Quando existe, o germe de
humanidade abarca o coração do céu e da terra. Se o yin e o
yang não se combinam, não há germe de humanidade; sem
o germe de humanidade, não há coração do céu e da terra.
O coração do céu e da terra é a base do crescimento
contínuo; os que atingem esse coração tornam-se sábios,
budas, imortais; os que perdem esse coração tornam-se
39
bestas, espectros, demônios. O ter esse coração ou o carecer
dele dependem por inteiro da condição do yang e do yin;
unidos ou separados.
Se os aprendizes puderem misturar o yin e o yang sem
parcialidade ou tendenciosidade, terminando por conseguir
o correto equilíbrio, o coração do céu e da terra vai rea­
parecer. Quando o coração do céu e da terra aparece, tudo
o que está à mão é o Tao, onde quer que caminhemos é
realidade - a nascente da Criação está ao nosso alcance.

Agua Barrenta,
Espelho Empoeirado

A água barrenta é turva; deixemo-la assentar-se e ela


ficará limpa. Um espelho empoeirado é embaçado; lim­
pemo-lo e ele brilhará.
O que percebo quando observo isso é o Tao da limpeza
da mente e da percepção de sua essência
A razão por que a mente das pessoas não é clara e por
que sua natureza não é estável é que elas estão cheias de
ambição e de emoção. Unam-se a isso séculos de hábito
mental, de influências adquiridas que iludem a mente, suas
aparências eclipsando a abertura da percepção - isso é como
água que fica barrenta, como um espelho que fica em­
poeirado. A mente verdadeira e a verdadeira essência ori­
ginais se perdem por completo. Os sentimentos e as sensa­
ções são descontrolados, sujeitos a todo tipo de influências,
incorporando toda espécie de coisas, corrompendo a mente.
Se pudermos perceber de súbito isso e mudar de dire­
ção, afastar as impurezas e a contaminação, remover gra-
40
dualmente uma vida de hábitos mentais viciados, de pen­
samentos erradios e de ações perversas, incrementando a
força com persistência, refinando o rebotalho até que nada
mais haja a refinar, quando a escoria desaparecer, o ouro
será puro. A mente original e a essência fundamental surgi­
rão espontaneamente em sua plenitude, a luz da sabedoria
virá num repentino clarão e veremos sem sombras o univer­
so, como na palma da mão, sem obstruções.
Isso é como a água barrenta que volta a ser clara quando
assenta, como um espelho empoeirado devolvido ao brilho
quando polido. Ao que é fundamental nunca falta nada.

o Calor do Movimento,
a Frieza da Imobilidade

Em termos gerais, quando as pessoas estão ativas, sua


ação produz calor; quando as pessoas se sentam calmamente,
a sua imobilidade produz frieza. Quando se está frio, o mo­
vimento volta a produzir calor. Quando se está quente, sen­
tar-se calmamente volta a produzir frieza. Em outras pala­
vras, o Mo e o calor não dependem do tempo, mas da pessoa.
O que percebo quando observo isso é o Tao da tomada
de posse da criatividade do yin e do yang. O que é forte está
associado com o yang, o que é dócil está associado com o
yin. Se a pessoa é forte, mas não agressiva, abaixando-se
humildemente, ela não será irritável, mas pacífica e equâ-
nime. Se é dócil, mas não fraca, determinada na ação, ela
não será inepta, mas alcançará grande iluminação.
Capaz de ser forte, capaz de ser dócil, segundo a verda­
de e segundo o momento, sabendo quando avançar e quan­
41
do recuar, capaz de ser grande e de ser pequena, de parar e
de seguir, de ser passiva e de ser ativa, a pessoa pode assumir
o controle da Criação, revirar a vida e a morte, reverter o
mecanismo da energia, deixar a morte e dirigir-se para a
vida. É como a atividade produzindo calor e a imobilidade
produzindo frio; o poder humano pode reverter a natureza.

Montes de Terra,
Árvores Gigantes

Um grande monte de terra é construído a partir do so­


lo; uma árvore gigante bastante frondosa cresce a partir de
uma semente. Isso não acontece do dia para a noite, mas se
processa pouco a pouco. O que percebo quando observo
isso é o Tao do atingimento profundo da auto-realização.
A questão da essência e da vida é a coisa mais im­
portante do mundo. Manter íntegras a essência e a vida é a
coisa mais difícil do mundo. Isso não pode ser feito fa­
cilmente, nem conseguido num salto. Requer aplicação à
realidade a cada passo, através de tudo o que vivenciamos.
Passando do inferior para o superior, penetrando as pro­
fundezas a partir do vazio, aplicando esforço gradualmente de
maneira organizada, sem contar os meses e os anos, e sem
perder o ânimo, a pessoa terminará por alcançar a realização.
É deveras importante não perder tempo com vacilações
nem desistir no meio do caminho, pois isso só deixará
infelicidade. Isso se aplica em especial no sentido de que
aquilo que dura para sempre sem mudança só pode ser
realizado por um longo esforço persistente.
42
Quem começa com diligência mas termina relaxando
ou se deixa levar pela imaginação ociosa, esperando com
isso manter íntegras a essência e a vida, e realizar o que é
raro no mundo, não tem a mínima chance de sucesso. Por
conseguinte, um sábio disse que pessoas sem constância
sequer podem tornar-se videntes ou médicos, e muito me­
nos atingir a integridade de essência e de vida.

Preencher Concavidades,
Desgastar Protuberâncias

Uma concavidade se completa ao longo de um grande


período de tempo, enquanto uma protuberânda se desgasta por
inteiro ao longo de um grande período de tempo. Isso porque o
que está vazio é propenso a ser preenchido, e o que é alto é
propenso a ser rebaixado. O que percebo quando observo isso é
o Tao do decréscimo e do acréscimo, do vazio e da plenitude.
Quando as pessoas se exaltam e se engrandecem, confian­
tes no seu talento e capacidade, exibindo-se como se fossem
sábias, os outros com freqüência as detestam; repetidas vezes,
elas atraem o erro para si graças à auto-satisfação, podendo vir
a ficar atrás dos outros, tomando-se tudo menos elevadas. Isso
é como uma protuberância da terra, que se desgasta gradual­
mente com a passagem das pessoas.
Quando se humilham e se diminuem, desprezando a
intelectualidade, mantendo a modéstia e o controle, as pes­
soas com freqüência merecerão o respeito dos outros; re­
petidas vezes, extrairão benefícios do esvaziamento do cora­
ção e finalmente avançarão além dos outros, tornando-se
43
tudo menos ínfimas. É como uma concavidade no solo
preenchendo-se gradualmente pelo acúmulo da terra.
Portanto, no caso das pessoas desenvolvidas, quanto
mais alto se torna o seu caminho, tanto mais humilde é o seu
coração. Sua virtude cresce a cada dia, mas elas se tomam,
diariamente, mais circunspectas, até que todo o orgulho
desapareça e toda a agitação se dissolva.

Carpas e Raposas

Diz-se que a carpa pode tornar-se um dragão e que as


raposas podem tornar-se fadas. Isso porque, quando o es­
pírito é íntegro, a forma pode mudar. Ô que percebo quando
observo isso é o Tao da transformação pelo poder espiritual.
Os peixes e as raposas têm energias parciais do céu e da
terra. Aquilo com que contam é apenas uma parte da cons­
ciência. São os humanos os seres mais conscientes; eles têm
a verdadeira energia do céu e da terra. Neles, as cinco forças
estão completas, as cinco virtudes lhes são inerentes. Eles
vivem em meio à tríade céu-terra-humanidade e têm a
capacidade total do céu e da terra.
Se pudermos alimentar a verdadeira energia do céu e
da terra, e preservar as harmoniosas energias das cinco
forças sem parcialidade nem desequilíbrio, essas forças se
fundem num único fluxo de energia. Então, teremos a criati­
vidade do céu e da terra e poderemos transformar-nos em
sábios, tornar-nos imortais. Física e espiritualmente subli­
mados, fundimo-nos na realidade com o Tao e somos ca­
pazes de nos transmutar de incontáveis maneiras, e não
apenas na aparência.
44
Transformações de um Dragão Espiritual

Um dragão, como luminosidade espiritual, pode ser


grande ou pequeno, pode subir ou descer, pode desaparecer
ou aparecer, penetrar rochas e montanhas, pular nas nuvens
e viajar com a chuva. Como pode ele fazer isso? Isso é feito
pela atividade do espírito.
O que percebo quando observo isso é o Tao da trans­
mutação espiritual inconcebível. Os seres humanos são hu­
manos por causa do espírito. Enquanto o espírito está neles,
eles vivem. Quando o espírito parte, eles morrem.
O espírito penetra o céu e a terra, conhece o passado e o
presente, insinua-se em toda sutileza, existe em toda parte. En­
tra na água sem afogar-se, entra no fogo sem se queimar, atraves­
sa sem problemas o metal e a pedra. De tão amplo, preenche
o universo; de tão pequeno, cabe na ponta de um fio de cabelo.
É imperceptível, inapreensível, inexplicável, indescritível.
Quem pode usar o espírito habilidosamente muda de
acordo com o momento e, portanto, pode partilhar as qua­
lidades do céu e da terra, partilhar a luz do sol e da lua,
partilhar a ordem das quatro estações, dirigir a natureza no
estado primordial e servir à natureza no estado temporal. É
como as transformações de um dragão espiritual, que não
pode ser visto nos traços da forma.

Árvores Mortas, Cinzas Frias

Quando uma árvore está morta, não há chama quando


a queimamos; quando as cinzas estão frias, não há calor
45
quando as atiçamos. O que percebo quando observo isso é
o Tao da transformação do temperamento.
Quando as pessoas ficam temperamentais, é grande o
dano; a mínima ofensa as deixa iradas. Isso prejudica a
natureza e danifica a razão, motivo por que elas não se aper­
cebem da sua própria voracidade e da sua própria paixão,
não compreendem a sua própria estreiteza, não se impor­
tam com a vida essencial, nem pensam na Vida e na morte.
Os distúrbios que isso provoca não são simples.
Se pode dominar a si mesma e praticar o controle, sair
da inflexibilidade e tornar-se dócil, dissolver toda raiva,
todo ressentimento e toda contrariedade, livrar-se de todos
os litígios, fazer a natureza agressiva e violenta voltar a ser
uma delicada natureza taciturna, concentrar a energia e
torná-la flexível, esvaziar a mente e alimentar o espírito, ser
desprovida de eu e impessoal, não discriminar entre si e os
outros, ver o próprio corpo como não tendo tal corpo, ver a
própria mente como não tendo tal mente, sem discrimi­
nação nem conhecimento, e sendo vazia e aberta, a pessoa
é como madeira morta que não acende quando queimada,
como cinzas frias que não se aquecem quando atiçadas.
Pode-se, pois, estar no meio da Criação sem sofrer a sua in­
fluência, estar no meio do yin e do yang sem sofrer a sua restrição.

o Contato com o Vermelho,


o Contato com a Fuligem

Uma coisa em contato prolongado com o vermelho termi­


na por ficar rubra; uma coisa em contato prolongado com a fu­
ligem termina por ficar turva. O que percebo quando obser­
vo isso é o Tao do acostumar-se com o bem e com o mal.
Ouando se vive com pessoas boas, o que sempre se ouve
são boas palavras e o que sempre se vê são boas ações. Ouvir
e ver boas palavras e boas ações por um longo período de
tempo planta na mente boas sementes, de modo que a
pessoa se acostuma espontaneamente com o que é bom.
Quando se vive com pessoas más, o que sempre se ou­
vem são palavras más e o que sempre se vêem são más ações.
Ouvir e ver palavras más e más ações por um longo período
de tempo planta na mente más sementes, de modo que a
pessoa se acostuma espontaneamente com o que é mau.
Diz-se que as pessoas boas e as más o são por natureza,
mas a maioria passa a sê-lo mediante o hábito. Portanto, as
pessoas sábias escolhem com cuidado a sua companhia.

A Realidade Natural
da Criança

Quando acaba de nascer, a criança não tem conhe­


cimento consciente, não tem apego a prazeres e posses, não
tem vínculos sentimentais. Ela nada sabe da riqueza ou da
pobreza, não tem idéia do eu, da pessoa, do ser ou da vida.
Para a criança, tudo está aberto - nada a degrada, porque
ela é indiferente, equânime, puramente natural.
O que percebo quando observo isso é o Tao da res­
tauração da inocência. Se as pessoas são capazes de desper­
tar radicalmente e de mudar de rumo, rejeitando o apego a
coisas, para habitar no reino do inexistente e do informe,
desarraigando os sentidos e objetos condicionados pela his­
47
tória, e varrendo a força do hábito adquirido nesta vida,
desapegando-se de todas as coisas para serem abertas e
claras, puras e limpas, então, mesmo que o corpo seja velho,
a natureza é restaurada; exteriormente, elas podem ser
fracas; mas, no interior, são robustas.
Essa é a restauração da juventude, o estado original da
criança. Sem isso, uma vez que a realidade natural se perca,
mesmo que se tenha força física e se seja gordo como um
porco ou como um bezerro, qual é o proveito?

o Fole

O fole tem orifícios em ambos os lados e, na saída de


cada furo, há uma aba. O interior é vazio, mas a estrutura é
firme. O vazio no interior é a essência, a firmeza da estrutura
é a função. Os dois orifícios são as passagens de entrada e
saída; as duas abas são o mecanismo de abertura e fecha­
mento. Ouando a estrutura é movimentada, recebendo ar e
fornecendo ar, ele se esvazia sem exaustão, movimenta-se
para produzir ar, abrindo-se e fechando-se naturalmente.
Ô que percebo quando observo isso é o Tao da essência
e da função do cultivo da realidade. Se as pessoas puderem
ser essencialmente vazias no interior e funcionalmente fir­
mes na mente, sem preferências, sem ambição, deixando
que o projeto celestial flua por elas, a firmeza e a flexibili­
dade se equilibrarão, a ação e a imobilidade se combinarão
de modo apropriado, o indireto e o direto se eqüivalerão, e
elas poderão ser passivas ou ativas de acordo com a situação.
Então, as pessoas poderão compartilhar o mesmo me­
canismo de energia do céu, compartilhar a criatividade do
48
céu e da terra. Isso é como um fole, interiormente vazio, mas
de estrutura firme, indo e vindo, inalando e exalando natu­
ralmente. Como a ação da energia não cessa, as pessoas
podem ter vida longa.

A Cauda da Ursa Maior

Diz-se que o local para onde aponta a cauda da Ursa


Maior é auspicioso, enquanto sua posição é desfavorável. O
que percebo quando observo isso é o Tao da reversão do
trabalho da energia.
A energia da força nas pessoas pode ser comparada com
a cauda da Ursa Maior no céu. Quando a energia da força é
usada exteriormente, tem caráter auspicioso no exterior,
mas é desfavorável no interior; quando usada interiormen­
te, é auspiciosa no interior mas desfavorável no exterior.
Isso é como a crença astrológica de que o local para onde
aponta a cauda da Ursa Maior é auspicioso, enquanto sua
posição é desfavorável.
Depois que as pessoas nascem e se confundem no
condicionamento temporal, sua força é toda usada exterior­
mente na luta por prevalecerem e no desejo de poder. Elas
aceitam o falso e abandonam o real, o que é maléfico para
os três tesouros interiores da vitalidade, da energia e do
espírito. Desse modo, a energia benéfica é dispersada do
lado de fora, ao passo que a energia maléfica é absorvida.
Passado um longo período de tempo, o positivo se exaure e
o negativo assume o controle - assim, a morte é inevitável.
Portanto, as pessoas avançadas viram a cauda da cons­
telação para o outro lado, isto é, usam a força dentro de si
49
para destruir as influências debilitantes, livrar-se da dre­
nagem pelos sentidos, desfazer os apegos e afastar os ob­
jetos. Como não deixam o falso danificar o real, nem o
exterior perturbar o interior, a energia benéfica cresce dia
após dia, enquanto a maléfica se dissipa diariamente. No
final, a energia benéfica fica pura e a maléfica desaparece,
e as pessoas podem ter vida longa.

Lunáticos e Bêbados

Se pular uma cerca, o lunático pode tropeçar, mas não


se fere. Se cair de uma carroça, o bêbado pode se ferir, mas
não morre. Por que isso acontece? Porque eles estão es­
quecidos do corpo.
O que percebo quando observo isso é o Tao do nutrir
a vida e do tornar o corpo íntegro. A vida dos seres humanos
depende dos três tesouros da vitalidade, da energia e do espí­
rito; quando os três tesouros estão unidos, as pessoas vivem,
e, quando os três tesouros estão dispersos, as pessoas mor­
rem. Se deseja juntar os três tesouros, você precisa primeiro
não ter eu. Quando não há eu, a mente fica aberta; quando
a mente está aberta, os três tesouros não vazam nem se
dissipam. Há apenas aumento, não pode haver diminuição.
Aumentando sem diminuir, aumentando cada vez mais,
fica-se interiormente preenchido. Com o preenchimento
interior, o mecanismo criativo viverá sem cessar. Os luná­
ticos e os bêbados podem até evitar a morte simplesmente
esquecendo-se do corpo; quanto mais não se conseguiria
preservar a vida mediante a completude de espírito, a pleni­
tude da energia e a estabilidade da vitalidade?
50
Esticando a Corda,
Esticando a Gola

Ouando estende uma rede, você estica a corda prin­


cipal; quando estende um manto, você o prende pela gola.
Isso é um modo de dizer que você começa alguma coisa no
ponto essencial do todo.
O que percebo quando observo isso é o Tao da prepa­
ração da base da realização.
A mente é o senhor do corpo e é a base sobre a qual é
possível conseguir sagacidade, iluminação e habilidade. Ouan­
do a mente está calma, todos os objetos estão silentes;
quando a mente se agita, uma multiplicidade de pensamen­
tos surge ao acaso.
Se puder ser vazio e claro, sem a mínima coisa na
mente, sem produzir pensamentos a partir do interior nem
assimilar coisas do exterior, reagindo sempre mas sempre
calmo, sempre calmo mas sempre reagindo, então, mesmo
que você fique diariamente em meio à excitação e à agita­
ção, sua mente será clara como um espelho e imóvel como
um lago, sem poeira nem ondas. E você, naturalmente, não
será afetado pelas circunstâncias.

Separando ouro.
Extraindo Jade

Separar o ouro da areia e extrair o jade da pedra não


podem ser feitos ao acaso - são processos que exigem
esforço intenso e trabalho constante.
51
O que percebo quando observo isso é o Tao da prática
do cultivo gradual.
O verdadeiro tesouro do primordial é como ouro, como
jade; as coisas artificiais temporariamente adquiridas são
como areia, como pedra. Quando as artificialidades ad­
quiridas enterram o tesouro primordial da realidade, é co­
mo a areia e a pedra ocultando o ouro e o jade.
Portanto, quem deseja buscar a realidade primordial de­
ve jogar fora a artificialidade adquirida. O que é real é a raiz
consciente da energia primordial unificada; o que é artificial é
a influência de todo tipo de ação ao longo do tempo. Essa
influência, unida às energias das forças da personalidade e da
constituição adquiridas, e às inclinações acumuladas, enterra a
realidade una sob uma miríade de artificialidades.
Assim, como a realidade não é facilmente atingível, é
necessário usar o poder do cultivo gradual para retirar o arti­
ficial, permitindo que o real apareça Retirando-o repetida­
mente até que nada mais haja a retirar, você vê, quando tudo
o que é artificial desaparece, que o real está espontanea­
mente claro bem diante dos seus olhos. Isso é como ver o
ouro ou o jade quando a areia ou os pedregulhos são retira­
dos. Trata-se da realização da “doçura depois do amargor”.

Retirando Água
com uma Vara

Quando uma vara retira água, o balde desce vazio e sobe


cheio, extraindo água num dclo contínuo para irrigar os campos.
Ó que percebo quando observo isso é o Tao das funções
gêmeas do esvaziar e do encher.
Se puderem esvaziar o coração e serem humildes com
as outras, as pessoas receberão benefícios que as preen­
cherão interiormente e as elevarão acima dos outros. Quan­
to mais se tomam vazias e humildes, tanto mais são preen­
chidas e elevadas.
Tornando-se continuamente vazias, sendo continua­
mente preenchidas, tornando-se continuamente humildes,
sendo continuamente elevadas - de modo a serem vazias
mas plenas, plenas mas vazias, baixas mas elevadas, elevadas
mas baixas -, as pessoas chegam a um estado em que o em
cima e o embaixo estão em comunhão, o vazio e a plenitude
correspondem um ao outro.
Preenchidos com as qualidades do Tao, os que alcan­
çam esse estado nunca deixam de ascender à percepção
elevada e clara. Quando se fala no Livro das Mutações que
“o acordo está na humildade - é bom atender às neces­
sidades psicológicas das pessoas no nível do detalhe”, faz-se
uma referência geral ao fato de que, quanto mais elevado o
caminho, tanto mais humilde a mente.

As Flores e os Frutos
das Plantas e das Árvores

As plantas e as árvores primeiro florescem e depois


produzem frutos, cada qual em sua estação. Eis por que
podem viver muito tempo. Se deixam passar sua estação,
isso é prenúncio de morte, porque é anormal.
O que percebo quando observo isso é o Tao de seguir
o tempo.
53
De que depende a vida humana? Do espírito e da
energia. Quando os eventos acontecem, as pessoas não
podem senão reagir a eles, e, quando as coisas surgem, elas
não podem senão lidar com elas. Usando-se os eVentos para
controlar eVentos, organizando-se as coisas de acordo com
o que existe, sem antecipar o que tem de vir nem per­
manecer naquilo que passou, o espírito não é danificado
nem a energia dissipada É como plantas e árvores flores­
cendo e dando frutos no seu tempo; é o caminho vivificador.
Se as pessoas são ambiciosas e passionais, cobiçosas e
sempre coniventes, elaborando estratégias para eventos que
ainda estão por acontecer, aferrando-se a eventos que já
aconteceram, o espírito e a energia se desgastam. É como
plantas e árvores florescendo e fratificando fora do seu
tempo; é a estrada da morte.
Por conseguinte, as pessoas sábias têm tanto cuidado
com a sua vitalidade e com o seu espírito quanto o teriam
com jóias. Quando são usadas, elas brilham sem ofuscar;
quando guardadas, ficam silentes e imóveis. As pessoas
sábias agem quando é próprio fazê-lo e param quando é
apropriado parar. Com a ação e a imobilidade em seu lugar
adequado, elas não prejudicam o real com o artificial.

Efígies

Efígies feitas de madeira ou de barro são basicamente


inertes, mas, se as pessoas as adorarem com sinceridade por
um longo tempo, produzem-se milagres. O que percebo
quando reflito sobre isso é o Tao da ascensão da morte e do
retorno à vida.
Pessoas do mundo inteiro têm o artificial por real e
consideram prazeroso o que traz desgraças. De dia pe-
rambulam entre os objetos do mundo, de noite entram no
reino das ilusões oníricas. Essa é a estrada da morte; nela
não há vida real. O corpo pode estar vivo, mas a mente já
morreu; pode-se existir fisicamente mas estar espiritual­
mente morto. Quando isso ocorre dia após dia, ano após
ano, a energia positiva se acaba e permanece apenas a
negativa - como pode a morte ser evitada?
Se você sabe que todas as coisas do mundo são ar­
tificiais e passar por um intenso despertar, reverter a sua
direção e for sincero e não dividido, sem pensar senão na
essência e na vida, sendo atento e cuidadoso, guardando-se
de tendências insidiosas, com o passar do tempo sua reali­
zação se aprofundará; a mente tornar-se-á espontaneamen­
te clara, o espírito se tornará espontaneamente eficaz, não
surgirão pensamentos interiores nem os objetos exteriores
entrarão - e haverá realidade sem falsidade.
Então você poderá mover céus e terra, vencer demô­
nios e espíritos, controlar a Criação, superar miríades de
coisas, ir ao inferno, subir ao céu, abrir a porta da vida e
fechar a da morte, prolongar os seus anos e melhorar a sua
vida. Disso você pode ter certeza.

o Candeeiro

Quando o candeeiro brilha numa sala, a sala é luz e o ex­


terior é treva. Quando o candeeiro é levado para fora, o
exterior é luz e o interior da sala é treva.
55
O que percebo quando observo isso é o Tao do uso
adequado da iluminação.
O intelecto e o saber das pessoas são como a luz de um
candeeiro. Se essa luz for erroneamente usada no exterior,
de maneira contenciosa e agressiva, em busca de nome e
proveito, conspirando e sendo conivente noite e dia, pen­
sando mil coisas ao mesmo tempo, imaginando dez mil
coisas simultaneamente, procurando objetos artificiais e
desprezando a fonte original, luz no exterior e treva no
íntimo, o processo vai danificar o corpo e fazer que a vida
se perca.
Se abandonarem a artificialidade e resgatarem o real,
desdenharem a intelectualidade e o engenho, considerarem
a vida essencial a única coisa importante, praticarem a
percepção interior, aprimorarem o eu e controlarem a men­
te, observarem todas as coisas com desapego para que tudo
o que existe seja falto de absoluto, não se deixando afetar
pelas coisas externas nem se influenciar pelas experiências
sensoriais, sendo luz no interior e treva no exterior, as
pessoas poderão aspirar à sabedoria e atingir a iluminação.
A luz que não ofusca progride como iluminação gran­
diosa; por isso, diz um clássico; “O grande sábio parece
ignorante, o grande adepto parece inepto.”

Vinho do Mingau,
Sopa do Arroz

Para fazer vinho, deve-se usar mingau fermentado; sem


fermentação, o mingau não produz vinho. Para fazer sopa,
deve-se usar arroz; sem arroz, não se pode fazer sopa. É
56
porque o Iningau fermentado já tem a energia do Vinho que
ele pode produzir vinho, e é porque o arroz é parte essencial
do grão que ele pode fazer sopa - cada um age de acordo
com a sua própria natureza.
O que percebo quando observo isso é o Tao do mesmo
tipo de essência e de Vida seguindo um ao outro.
Essência, aqui, significa a essência natural, e não o tem­
peramento. É na essência que o temperamento é sublimado
e dissolvido. Vida significa a vida natural, e não um período
curto ou longo. É a vida que não varia, seja o seu período curto
ou longo.
Os que cultivam a realidade e desejam cultivar a es­
sência e a vida devem buscar a semente da essência e da
vida; e quando encontrarem a semente, devem cultivá-la -
somente então poderão a essência e a vida ser aperfei­
çoadas. Quando se cultiva a semente errada, a essência e a
vida são, em vez disso, danificadas.
A semente é exterior, mas não é uma substância ma­
terial. A semente é interior, mas não é fluido corporal nem
ar. Tudo o que tem forma não é compatível com a nossa
essência e com a nossa vida, e, por isso, não pode ser usado
para realizar a essência e a vida.
Se você quer saber, a verdadeira semente da essência e
da vida não é senão a energia original, inata, primai, ver­
dadeira, unificada. Essa energia é imperceptível e inapreen-
sível; não podemos encontrá-la no corpo, nem fora do cor­
po. Ela não está apartada do corpo, mas também não está
apegada a ele. Ela está entre o êxtase e o transe, escondida
no reino do silêncio vazio. Internalizada, é o verdadeiro
vazio; externalizada, a existência inefável. Ela não pode ser
expressa em palavras, nem descrita por escrito. Se insistís­
semos em desenhá-la, faríamos apenas um círculo. Quando
lhe são impostos nomes, os confucionistas denominam-na o
57
absoluto, os budistas, completa percepção e os taoístas,
pílula de ouro.
O absoluto, completa percepção, a pílula de ouro -
embora haja três nomes, a realidade é uma só. Só isso é a
verdadeira semente da essência e da vida. Investigar o prin­
cípio significa investigar essa semente verdadeira. Realizar
a natureza significa realizar essa semente verdadeira. Al­
cançar o sentido da Vida significa alcançar essa semente
verdadeira.
Conhecendo-se essa semente verdadeira e sendo ela
cultivada até voltar ao estado original, e usando-se isso para
cultivar a essência, pode-se esclarecer a essência. Usando-se
isso para cultivar a vida, pode-se estabelecer a vida. Por isso,
diz o clássico Unidade Tríplice: “É fácil trabalhar com o que
é da mesma qualidade e difícil trabalhar com o que não é da
mesma qualidade.”
Isso é como a necessidade do mingau fermentado para
fazer vinho e do arroz para fazer sopa.

Sinos Repicam, Tambores Ressoam

Quando é tocado, o sino repica; quando é golpeado, o


tambor ressoa. Isso ocorre porque eles são sólidos por fora
e ocos por dentro. É por não terem nada no interior que eles
podem repicar e ressoar.
O que percebo quando observo isso é o Tao do ver­
dadeiro vazio e da existência inefável.
O verdadeiro vazio é como a abertura interior de um
sino ou de um tambor; a existência inefável é como o soar
do sino ou do tambor quando tocados. Se as pessoas pude-
58
rem manter esse Verdadeiro vazio como sua essência e
utilizarem essa existência inefável como sua função, sem­
pre serenas mas sempre reagindo, sempre reagindo mas
sempre serenas, tranqüilas e impassíveis mas sensitivas e
eficazes, sensitivas e eficazes mas tranqüilas e impassíveis,
vazias mas não-vazias, não-vazias mas vazias, cônscias e efi­
cientes, vivas e ativas, aprimorando tudo na grande fornalha
da Criação, quando a poeira se vai, o espelho fica claro,
quando as nuvens se dispersam, a lua aparece; revelando o
corpo indestrutível da realidade, elas transcendem o yin e o
yang, e a Criação, fundindo-se com a eternidade do espaço.

Marionetes e Pipas

A marionete pode balançar a cabeça e a pipa voar no


céu porque alguém as manipula com um cordel.
O que percebo quando observo isso é o Tao da ação
espiritual do movimento e da imobilidade no corpo humano.
O corpo humano é como uma marionete ou uma pipa,
uma coisa inerte; o espírito é como uma pessoa, e a energia,
como um cordel. Ouando o espírito põe em ação a energia,
o corpo fica vivo; ele pode mover-se e pode imobilizar-se.
É como a pessoa que usa um cordel para manipular uma
marionete ou uma pipa.
O espírito põe em ação a energia, a energia põe em ação
o corpo. Por isso, é possível agir e repousar, é possível falar.
Se quem cultiva a realidade sabe controlar a energia por
meio do espírito e alimentar o espírito através da energia,
espírito e energia se combinam e, em meio ao transe extá­
tico, há algo, há vitalidade.
59
Essa vitalidade é o mais real; reunamo-1a e internalize-
mo-la, e a transmutação é sem fim. Além disso, torna-se
possível manipular o céu e a terra, e não apenas o corpo
efêmero.

Papagaios e Macacos

Pode-se ensinar um papagaio a falar e um macaco a


agir; eles são capazes de fazer essas coisas, não graças à sua
natureza original, mas porque as pessoas os ensinam gra­
dualmente a fazê-las.
O que percebo quando observo isso é o Tao da procura
de mestres e do encontro de companheiros.
Papagaios são aVes, macacos são animais; quando guia­
dos pelos seres humanos, aVes e animais podem falar a
linguagem humana ou dançar as danças humanas. Quão
mais capazes são os seres humanos, as mais inteligentes
criaturas, de ascenderem ao reino da sublime iluminação se
tiverem a orientação de mestres iluminados e a ajuda de
bons companheiros!
Quem souber o bastante para submeter-se a mestres
iluminados, associar-se com bons companheiros, concen­
trar-se sinceramente no desvelar da Verdade, usar do conhe­
cimento para romper a própria ignorância, usar da Visão
sublime para expandir as próprias concepções ignorantes,
mesmo ignorante, se iluminará e, mesmo fraco, tornar-se-á
forte. Portanto, não há o que o impeça de tornar-se um
imortal espiritual, um buda.
60
Discípulos ignorantes seguem a própria mente e agem
de modo arbitrário. Permitindo-se adivinhações, conside­
ram-se brilhantes e não se humilham. Assim, apreendem
erroneamente o caminho à frente. Embora se diga que
enganam os outros, na realidade enganam-se a si mesmos.
Isso é encarar a grande questão da essência e da vida como
brincadeira infantil. Não admira que eles se esforcem por
toda a vida sem nada conseguirem. Não é isso uma pena?

Vagens do olmo, Bolsa-de-pastor e Trigo

Na primavera, a maioria das coisas brota, mas as vagens


do olmo caem. No outono, a maioria das coisas fica ador­
mecida, mas a bolsa-de-pastor e o trigo crescem. Isso é a
representação da negatividade na positividade e da posi-
tividade na negatividade.
O que percebo quando observo isso é o Tao do uso
combinado da benevolência e do dever.
A benevolência é o caminho suave, baseado na com­
paixão e no amor. O dever é o caminho difícil, baseado no
julgamento e na administração. Se só se for benevolente,
sem o dever, faltará ao amor a distinção entre o certo e o
errado. Se se cumprir o dever sem benevolência, o jul­
gamento será opressivo. Esses dois estados, isolados, não
acertam o alvo.
Quando a benevolência e o dever são usados juntos, há
decisão na benevolência, impedindo que o certo e o errado
se misturem; há flexibilidade no dever, impedindo a rigidez
dogmática. Dessa maneira, o caminho do equilíbrio e da
harmonia não se perde.
61
Desejando Água e Fogo

Ouando faz calor, desejamos água; tomando água, ali-


viamo-nos do calor. Ouando faz frio, desejamos fogo; se
tivermos fogo, não sentiremos frio.
O que percebo quando observo isso é o Tao da neces­
sidade mútua do yin e do yang.
O Tao não vem do yin sozinho, nem surge do yang
isolado. Ouando o yang chega ao ponto culminante, é subs­
tituído pelo yin; quando o yin chega ao ponto culminante, é
substituído pelo yang: não há excesso de yang nem incli­
nação para o yin; yin e yang estão em harmonia, a firmeza e
a flexibilidade se equilibram mutuamente.
Assim, quando flui uma energia unificada, a fonte ori­
ginal está completa, o mecanismo da vida é incessante; a
essência pode ser realizada, a vida pode ser estabelecida.
Não movidos pela miríade de coisas, nem sujeitos ao ônus
das miríades de ações, encontramo-nos além do mundo
enquanto estamos no próprio centro dele.
Do contrário, estando o yin e o yang isolados, separados
um do outro, a firmeza e a flexibilidade não se equilibram; o
mecanismo que dá vida já cessou, e não se vê crescimento. Há,
em Vez disso, decadência, degeneração que culmina em morte.

Virando para o Sul, Virando para o Norte

Ouando se vira para o sul, você dá as costas para o nor­


te; você vê o sul e não o norte. Ouando se vira para o
62
norte, você dá as costas para o sul; Você vê o norte e não o
sul.
O que percebo quando observo isso é o Tao da escolha
do bem e do apego a ele.
Se a mente das pessoas é boa, o que elas vêem é bom,
o que pensam é bom, o que dizem é bom, aquilo a que se
associam é bom e aquilo que fazem é bom. Todas as suas
ações, diurnas e noturnas, são boas. Elas só sabem que há o
bem e não sabem que há o mal.
Se a mente das pessoas é má, o que elas vêem é mau, o
que pensam é mau, o que dizem é mau, aquilo a que se
associam é mau e aquilo que fazem é mau. Todas as suas
ações, diurnas e noturnas, são más. Elas só sabem que há o
mal e não sabem que há o bem.
Se vemos o bem, não vemos o mal, se vemos o mal, não
vemos o bem - falsidade e verdade não caminham juntas,
lealdade e traição não coexistem.
Portanto, as pessoas desenvolvidas vêem o bem como
algo ainda por atingir, e vêem o que não é bom como
mergulhar em água fervente. Elas preservam o Tao como se
guardassem um tesouro, com férrea determinação. Mesmo
que tropecem mil vezes, elas não mudam de atitude. Elas
nunca se modificam, até a morte, e não param de esforçar-se
até alcançarem a mais profunda auto-realização.

Arrancando Ervas Daninhas,


Plantando Árvores

Quando se arrancam ervas daninhas, é necessário ex­


trair-lhes as raízes, porque, se as raízes não forem elimi-
63
nadas, as ervas daninhas renascerão. Quando se plantam
árvores, é necessário alimentar-lhes as raízes, porque, se as
raízes não forem firmes, as árvores secarão.
O que percebo quando observo isso é o Tao da elimi­
nação do artificial e do cultivo do real.
As energias dos desejos pessoais e do hábito são ar­
tificiais. O artificial é como erva daninha A essência básica
e a bondade natural das pessoas são o real. O real é como a
árvore.
Quando nos livramos do artificial, é necessário extirpar
todas as energias dos desejos pessoais e do hábito; só então
elas não vão renascer. Se deixarmos a mais ínfima impureza,
ela terminará por crescer, insidiosa, aumentando gradual­
mente e causando grandes danos.
Quando se cultiva o real, é necessário ter constante
consciência da raiz fundamental da realidade natural ine­
rente, alimentando-a a tempo, irrigando-a com a água do
espírito, mantendo-a quente com o fogo da verdade, sem
deixar que ela seja movida ou perturbada, protegendo-a de
todas as maneiras, cuidando de sua segurança em qualquer
condição.
Quando alimenta a raiz até que ela se torne estável e
firme, quando a energia é plena e o espírito é completo, só
então você pode estar imune à influência das miríades de
coisas e do ônus das miríades de ações. Depois disso, não
haverá problemas.
Por conseguinte, quando elimina a artificialidade, você
tem de chegar ao ponto em que não haja resquício de
artificialidade, do mesmo modo como, ao arrancar ervas
daninhas, tem de eliminar as raízes por inteiro. Quando
cultiva a realidade, você tem de chegar ao ponto em que não
haja resquício de irrealidade, do mesmo modo como, ao
plantar árvores, tem de tornar as raízes firmes e profundas.
64
Uma antiga escritura diz: "Enquanto houver o mínimo
resquício de energia negativa, não nos tomaremos imortais.
Enquanto houver o mínimo resquício de energia positiva,
não morreremos.” Isso é deveras verdadeiro.

Um Cântaro Cheio,
um Cântaro Meio Cheio

Ouando a água enche um cântaro, ele transborda e,


quando transborda, há falta. Ouando a água enche um
cântaro pela metade, a água não vaza e, quando não há
vazamento, há sempre suficiência.
O que percebo quando observo isso é o Tao do encher
e do esvaziar, da calamidade e da fortuna.
Ouando as pessoas estão satisfeitas consigo mesmas e
complacentes, presunçosas pela sua habilidade e pelo seu
talento, sabendo avançar mas não recuar, sabendo ser fortes
mas não ser fracas, considerando apenas a si mesmas e
ignorando os outros, orgulhosas e arrogantes, isso terminará
por trazer a calamidade. Então, sua satisfação consigo mes­
mas de nada servirá.
Ouando as pessoas são humildes e se anulam, dando
preferência aos outros, fazendo-lhes concessões, sem serem
cheias de si, sem serem orgulhosas apesar das suas realiza­
ções, nem arrogantes apesar do seu talento, procurando sem­
pre as próprias falhas enquanto honram a excelência dos ou­
tros, sabendo quando têm o bastante, sabendo quando parar,
sabendo tanto avançar como recuar, isso terminará por trazer
a boa fortuna E elas sairão da humildade para a exaltação.
65
Por isso, diz-se que o modesto receberá em acréscimo,
enquanto o cheio de si atrairá a perda. A modéstia é melhor
do que a enfatuação.

Cerâmica e Decoração

A cerâmica tem uma constituição básica, e é formada


sem artifício. Decoremo-la com cores, cubramo-la de ouro
e de jade, e, embora ela possa estar belamente adornada,
sua constituição básica se perdeu.
O que percebo quando observo isso é o Tao do retorno
à simplicidade e da volta à pureza.
Quando os seres humanos nascem, sua constituição bá­
sica é pura e sem falhas, mas, quando ela se mistura com o
condicionamento temporal, os sentidos e os objetos são ati­
vados, o conhecimento intelectual se abre; adicionam-se a
isso os hábitos e apegos acumulados. Quem gosta de bebida
é enganado pela bebida, quem gosta de sexo é enganado pe­
lo sexo, quem gosta de bens materiais é enganado pelos bens
materiais, quem gosta de energia é enganado pela energia,
quem gosta de riqueza e posição é enganado pela riqueza e
pela posição, quem gosta de esporte é enganado pelo es­
porte.
As pessoas buscam realizar suas ambições com toda
espécie de artifícios e espertezas, procuram realizar seus
desejos com engano e hipocrisia. Tudo o que fazem, todas
as suas açoes estão voltadas para o falso. Elas tomam o
doloroso por prazer, têm o veneno por remédio. Sua cons­
tituição básica original é desgastada por inteiro. Isso chega
a tal extremo que elas perdem a saúde e destroem a própria
66
Vida sem cuidado, atraindo a calamidade e o infortúnio sem
sequer se darem conta.
Eis por que os antigos sábios ensinaVam as pessoas a
compreenderem o bem e a Voltarem ao princípio, a retor­
narem à simplicidade e à pureza, apenas para restaurarem
o estado original.
Quando restauramos o estado original, ficamos limpos
e despojados, despidos e desapegados. Sem o mais leve
traço de desgaste, tendo renunciado por inteiro ao apego a
objetos, esse estado é o embrião da sabedoria, a semente da
iluminação imortal. A isso se dá o nome de Verdadeiro ser
humano.

Ter um Corpo,
Ter Energia

Tudo o que tem um corpo assume forma e, por isso, tem


de se desintegrar. Tudo o que tem energia nasce e, por isso,
tem de morrer. Esse corpo e essa energia são a base do
Vir-a-ser e da desintegração, do nascimento e da morte.
O que percebo quando observo isso é o Tao do despren­
dimento do nascimento e da morte.
As pessoas recebem a energia das cinco forças tem­
porais, que formam o seu corpo. No corpo está armazenada
a energia das cinco forças. Essa energia, no corpo humano,
age para tornar-se os cinco ladrões, que são a alegria, a raiva,
a tristeza, a felicidade e o desejo ardente. Esses cinco la­
drões são bandos que destroem a base real. Por conseguinte,
o que tem nascimento deve ter morte.
67
Seres humanos aperfeiçoados transformam o temporal
e restauram o primai. Eles descansam o seu corpo no espaço
vazio, armazenam seu espírito na silenciosa tranqüilidade.
Não envolvidos com a energia das cinco forças, não são
afetados pela miríade de coisas. Não têm fumaça, nem fogo,
como madeira morta e cinzas frias; não têm forma, nem
contornos, como o céu ou um vale. O céu e a terra não
podem limitá-los, nem a Criação dirigi-los.
Isso se chama assimilar o yin e o yang, controlar a ação
da energia Dominando-se a própria vida, não se é do­
minado pelo céu. Isso ocorre porque o céu e a terra podem
empregar o que tem um corpo, mas não podem empregar o
incorpóreo; o céu e a terra podem empregar o que tem
energia, mas não podem empregar o que não a tem; o céu e
a terra podem empregar o que tem mente, mas não podem
empregar o que não a tem.
Quem não tem mente não tem energia; se não tem
energia, não tem corpo - há apenas espaço vazio. O que
podem o céu e a terra fazer com o espaço vazio? No tocante
à causação do nascimento e da morte, da formação e da
desintegração, eles só podem causar nascimento e morte,
formação e desintegração, do corpo e da energia - como
podem causar nascimento e morte, formação e desinte­
gração, desse espaço vazio?

Um Vale Deserto Transmitindo uma Voz

Ouando alguémgrita numvale deserto, háuma reverbera­


ção do som. No folclore, chama-se isso de espírito do vale. Por
ter voz mas não ter forma, é chamado de espírito do vale.
O que percebo quando observo isso é o Tao do alimen­
tar o espírito no vazio.
A pessoa interiormente vazia é como o vale. Dentro do
vazio há um ponto de energia espiritual, oculto ali dentro;
isso é o espírito.
Esse vale é tranqüilo e imperturbado; esse espírito é
sensível e eficaz. Somente o vale pode ser espiritual - sem
o vale, não há espiritualidade. O prodígio do espírito está
apenas no vale.
As pessoas do mundo estão cheias de desejos pessoais
que bloqueiam a abertura espiritual, poluindo-a de mil
maneiras - como podem elas ter um vale? Como não têm o
vale, elas são confusas e perturbadas, como bêbados ou
visionários; sua energia espiritual se dissipa e, assim, como
podem ter o espírito? Uma Vez perdido o espírito, embora
vivas, elas são como mortas.
Se pudermos varrer para longe todos os liames e ex­
pulsar as obsessões acumuladas, para sermos limpos e des­
pojados, despidos e livres, libertos de tudo, então haverá
naturalmente, nesse vale deserto, alguma coisa indefinível
dotada de vitalidade essencial, um espírito não-psicológico
que é suscetível, eficaz e sábio. Deixado a si, ele preenche
o universo; tomado, é armazenado em segredo. Por con­
seguinte, podemos ser parceiros do céu em cima e da terra
embaixo.

A Balança e a Régua

Para pesarmos alguma coisa, precisamos usar uma ba­


lança Coloquemos algo numa balança e saberemos quanto
pesa. Para medirmos alguma coisa, precisamos de uma
régua. Coloquemos algo ao lado de uma régua e saberemos
quanto mede.
O que percebo quando observo isso é o Tao da combi­
nação pelo fogo dos ingredientes medicinais.
Os ingredientes medicinais são as duas energias, yin e
yang. O processo de combinação pelo fogo é o curso prático
do cultivo. O equilíbrio correto, a não unilateralidade, é
como uma balança; a ordem no avanço e no recuo é como
uma régua.
Quando separamos as energias yin e yang segundo a
regra do equilíbrio correto, elas correspondem uma à outra
em gravidade, nem demais nem de menos - então, as subs­
tâncias medicinais são suficientes. Quando operamos o pro­
cesso de combinação pelo fogo do cultivo prático segundo
a lei da ordem no avanço e no recuo, é medida a duração do
tempo, há avanço e há recuo, a obra é realizada numa só
tentativa - então, o processo de combinação pelo fogo é
bem-sucedido.
O peso dos ingredientes medicinais depende por in­
teiro do equilíbrio correto. A ordem do processo de com­
binação pelo fogo depende por inteiro do avanço e do recuo.
Se pudermos ser equilibrados e corretos, se soubermos
quando avançar e quando recuar, ambos os ingredientes
medicinais são verdadeiros, o processo de combinação pelo
fogo é preciso e o grande Tao é fácil de alcançar.
Saber quando apressar-se e quando relaxar, distinguir
o que é bom presságio do que é mau presságio, é uma
questão de julgamento hábil. Compreender quando ir para
a frente e quando ir para trás é impossível para o ignorante.
Os ingredientes medicinais e o processo de combinação
pelo fogo não são fáceis de conhecer.
70
A Jangada e a Rede

Para cruzar um rio, precisamos de uma jangada; depois


de cruzar o rio, podemos deixar a jangada para trás. Para
pegar peixes, precisamos de uma rede; depois de pegar os
peixes, podemos deixar a rede de lado.
O que percebo quando observo isso é o Tao do uso de
técnicas para prolongar a vida.
Técnicas são métodos, métodos de cultivar a realidade.
Uma vez que o yang tenha chegado ao auge nas pessoas,
dando origem ao yin, a cada dia é feito um furo na sua
completude - os seis sentidos se revelam, as cinco forças se
prejudicam mutuamente, os três parasitas criam problemas
no interior, os sete sentimentos se descontrolam no exterior.
Isso solapa dia após dia a raiz espiritual, até que ela quase
desapareça.
A não ser que se disponha do grande método de superar
o dragão e de vencer o tigre, a habilidade especial de virar
a cauda da constelação, como se pode destruir a energia
aberrante, como devolver a plenitude à energia sã? Eis por
que o método é necessário.
O grande Tao é natural e espontâneo, sem artifício -
por que é necessário usar um método de ação deliberada?
A razão por que é de fato necessário usar o método é que,
com ele, livramo-nos da degenerescência. Ouando todas as
degenerações tiverem sido efetivamente afastadas, o méto­
do já não será necessário, da mesma maneira como a jan­
gada de que precisamos para cruzar o rio pode ser deixada
para trás uma vez que o tenhamos cruzado, e como a rede
de que precisamos para pegar peixes pode ser deixada de
lado uma vez que os tenhamos pegado.
É esse o sentido de usar um método e de não usar um
método. O mesmo se aplica ao uso de técnicas para prolon-
71
gar a vida - quando a vida é prolongada, deixamos de usar
as técnicas. Somente antes de a vida ser prolongada há
necessidade de usar técnicas para controlar a Criação, re­
verter a ação da energia e mudar a posição da estrela polar.
Só então podem a essência e a Vida depender de nós mes­
mos, e não do céu, de modo que transcendamos o mundo e
suas forças.

Insetos Hibernantes
Retornando à Vida

No final do outono, os insetos Vão hibernar; na pri­


mavera, retornam à vida. Seu renascimento depende da sua
hibernação.
O que percebo quando observo isso é o Tao da des­
coberta da vida no seio da morte.
A razão por que as pessoas não alcançam uma vida
duradoura é a sua incapacidade de morrer primeiro. Morrer
significa tornar morta a mentalidade humana; viver significa
tornar vivo o Tao.
O coração é arrojado para lá e para cá pelas emoções,
pelos desejos, pelos sentimentos e pelas percepções. Alca-
téias de raposas e cães invadem e danificam a mente do Tao.
Assim, a mentalidade humana vive e a mente do Tao morre.
Quando a mente do Tao morre, a energia sã se dissolve; a
essência e a vida são abaladas, e as pessoas inevitavelmente
morrem.
Se queremos dar vida à mente do Tao, devemos pri­
meiro fazer morrer a mentalidade humana. Quando a men­
talidade humana morre, todo o bando de salteadores morre
72
por si, como uma serpente sem cabeça. Quando ela é des­
truída até o ponto em que nada mais haja para destruir, a
mente do Tao vem aos poucos à vida e a energia sã retorna
gradualmente.
É a isso que se quer fazer referência quando se diz que,
quando a escuridão durou um longo tempo, a luz resplan­
dece. Retornar à vida a partir da morte é como insetos
retomando à vida depois de hibernarem.

A Pérola da ostra,
o ovo da Galinha

A ostra forma uma pérola e a galinha põe um ovo - isso


acontece porque espírito e energia não estão dispersos.
O que percebo quando observo isso é o Tao da incu­
bação do embrião espiritual.
O embrião espiritual é o embrião dos sábios, a base
original da nossa vida. Quando a base original é restaurada,
o embrião espiritual se forma. Isso é como uma ostra com
uma pérola ou uma galinha com um ovo; mas a pérola e o
ovo ainda não estão completos e não foram produzidos.
Nesse momento, não há lugar para um esforço intenso.
Basta manter a atenção concentrada num só ponto, sem
deixar a água evaporar nem o fogo esfriar. Guardando-nos
do perigo, advertidos do risco, incubemos o embrião para
que ele se desenvolva da maciez para a firmeza, da inde­
finição para a clareza.
Haverá naturalmente uma pequenina pérola, saída da
fornalha da Criação. Perfurando os céus, penetrando a ter­
ra, para cima, para baixo, em diagonal, para a frente e para
73
trás, ela não pode ser obstruída por coisa alguma, pois forma
uma coisa só com o espaço.
É como a ostra que contém uma pérola, com a energia
não dispersa, como uma galinha chocando o ovo, com o
espírito não afastado. Ouando o processo de cozimento
chega ao seu tempo, a pérola se forma naturalmente e o
pintinho surge naturalmente.

A Fênix e o Pavão

A fênix só aparece de raro em raro, sendo por isso


considerada um bom augúrio. Os pavões estão sempre exi­
bindo suas penas, sendo por isso mantidos em cativeiro.
O que percebo quando observo isso é o Tao do ocul-
tamento e da revelação, da boa e da má sorte,
Quem é brilhante e se vangloria do seu talento, orgu­
lhoso de sua habilidade, litigioso e competitivo, dedicando
o pensamento e a atenção a artificialidades, é propenso a
atrair a má sorte.
Quem é discreto e despreza o brilho e as frases de
efeito, de coração vazio e atitude humilde, dirigindo es­
forços para o auto-aprimoramento, tende sempre a atrair a
boa sorte.
Quem atrai o infortúnio para si é quem usa o brilho
exteriormente. Quem atrai a fortuna para si é quem usa o
brilho interiormente.
A aplicação exterior significa aceitar o artificial e rejei­
tar o real, dissipando a vitalidade e desperdiçando o espírito,
trilhando o caminho da morte.
74
A aplicação interior significa 1ibertar-se da falsidade e
manter a verdade, aumentando a Vitalidade e alimentando
o espírito, retornando à porta da Vida.
A boa e a má sorte, a Vida e a morte, têm Vínculos
diretos com o uso interior ou exterior da consciência. Por
conseguinte, pessoas iluminadas se apartam das coisas exte­
riores para governar o interior, enquanto as pessoas in­
significantes labutam pelas coisas exteriores e, por isso,
põem o interior a perder.
É como a diferença entre o ocultamento da fênix e a
exibição do pavão; por meio do ocultamento, atraímos a boa
sorte, por meio da exibição, outros atraem a calamidade.
Temos, por certo, de ser cuidadosos com o uso que fazemos
da nossa consciência.

o Meio-dia e a Lua Cheia

Ao meio-dia, o sol começa a se pôr; uma vez cheia, a


lua começa a minguar. Esse ciclo de yin e de yang, de
preencher e esvaziar, de crescer e minguar, é um padrão
estabelecido, imutável.
O que percebo quando observo isso é o Tao dos proces­
sos cultural e marcial de cultivo da realidade.
Antes de a base original ser restabelecida, fazemos
intensos esforços para restaurá-la, fazendo-a crescer e se
desenvolver. Quando a base original teve restituída a per­
feição, alcançamos o sol do meio-dia, a lua cheia - a energia
yang está completa.
Nesse ponto, deVe-se receber a energia yang com o yin,
empregando imediatamente o caminho da flexibilidade pa­
75
ra incubá-la, livrando-se da dureza da energia quente e
evitando o perigo. Ocultando a iluminação, alimentando-a
em segredo, com a atenção unificada não dispersa, feche-a
com vigor e armazene-a fora das Vistas dos outros.
Usando uma parte do yin para armazenar cada parte do
yang, não permita Vazamentos. É como o modo pelo qual o
sol começa a se pôr depois do meio-dia, o modo pelo qual
a lua começa a minguar depois da lua cheia. Quando forem
atingidos o fogo yang e a convergência yin, o ciclo vai se
completar e recomeçar, com a energia yang renascendo.
A isso se dá o nome de vitalidade forte, saudável,
não-adulterada. O embrião espiritual está completamente
formado e há um céu e uma terra separados que não per­
tencem ao mundo humano. Trata-se do primordial que
existe no cerne do primordial. Dedique-se ao trabalho avan­
çado, construindo essa vitalidade parte por parte, no início
pouco perceptível e, no final, tornando-se evidente - e isso
vem a ser a santidade incognoscível denominada espírito.

o Sonho do Adormecido

Quando sonha, o adormecido vê coisas que lhe dão


prazer, raiva, tristeza e alegria - cenas de riqueza, nobreza,
fama e proveito. O sonhador toma essas cenas por reais e
não sabe que as está sonhando.
O que percebo quando observo isso é o Tao da profun­
didade do poder prático no cultivo da realidade.
A mente das pessoas é enganada pelas energias do
álcool, da sexualidade e das posses; sua natureza é obscu-
recida pelas emoções e pelos desejos. Artificiais por dentro
76
e por fora, elas perdem por completo o sentido da realidade.
Se tiver alguma impureza que não consegue dissolver, quem
cultiva a realidade não consegue atingir por completo o
grande Tao, mesmo que ele esteja à vista.
Isso ocorre porque a raiz do problema ainda não foi
inteiramente extraída. Como podemos verificá-lo? Pode­
mos verificá-lo nos sonhos. Se, quando as pessoas sonham,
as energias do álcool, da sexualidade e das posses não
puderem influenciá-las, nem as emoções e os desejos se
apegar a elas, e se elas forem imperturbáveis e inabaláveis,
puras e claras, perfeitamente lúcidas, não confundidas por
coisas-artificiais, só então estarão vendo a realidade.
Se as pessoas se dedicarem, a partir daí, a um trabalho
ainda mais profundo, de maneira que nada mais sonhem, a
raiz do problema terá sido inteiramente extraída. Se elas
ainda sonharem, estará provada a existência de percepções
sensoriais ainda não descartadas.
Por conseguinte, diz-se que as pessoas perfeitas não
têm sonhos. Naqueles que não têm sonhos, o poder da prá­
tica se consumou. Naqueles que têm sonhos, o poder da
prática ainda não está consumado.
Se a pessoa tiver sonhos, mas, enquanto sonhar, souber
que sonha, o poder da prática terá avançado. Se tiver sonhos
e, enquanto sonhar, não souber que sonha, o poder da
prática será nulo.
Se puder alcançar de fato a consumação do poder da
prática, de modo a não ter nenhum sonho, a Criação estará
nas suas mãos. Mesmo que a pessoa durma, será como se
estivesse acordada. Mesmo morta, ainda estará viva. Isso
porque o que morre é o corpo material, enquanto o que vive
é o corpo espiritual. O que dorme são os olhos e os ouvidos,
e que fica acordado é o espírito original.
77
Comércio

Quem deseja empenhar-se no comércio deve primeiro


levantar capitai e, então, saber empregá-1o. Somente se tiver
o capital e souber empregá-lo, poderá obter lucros. Se tem
capital mas não sabe empregá-lo, ou se sabe operar mas não
tem capital, não pode fazer negócios.
O que percebo quando observo isso é o Tao da função
conjugada do método e da riqueza.
As pessoas que cultivam a realidade constroem virtu­
des e realizam empreendimentos, acumulam vitalidade e
alimentam o espírito, permanecem consistentemente fir­
mes e estáveis, tornando-se mais fortes quanto mais per-
severam, nunca modificando toda a sua vida, trabalhando
com um coração sincero. Isso é o mesmo que acumular
riqueza.
Buscar instrução pessoal junto a um guia para saber o
começo e o fim, compreender quando avançar e quando
recuar, reconhecer quando apressar-se e quando relaxar,
entender o que é bom augúrio e o que é mau augúrio, e sa­
ber quando há o suficiente para parar; agir de modo or­
denado, encontrando o verdadeiro ingrediente medicinal,
sem desviar-se do processo de cozimento - isso é ter mé­
todo.
Tendo riqueza e tendo método, usando a riqueza para
obter provisões para o Caminho, usando o método para pra­
ticar o Caminho, por meio do uso conjugado do método e
da riqueza, vemos os efeitos do nosso esforço passo a pas­
so, até que, por fim, alcancemos a grande realização. É co­
mo um comerciante que tem capital e compreende como
empregá-lo, obtendo grande lucro em todo empreendi­
mento.
78
Quem tiver riqueza mas não tiver método, ou tiver mé­
todo mas não tiver riqueza, e imaginar falsamente que vai
subir até as alturas, ao tentar seguir em frente, encontrará
empecilhos e ficará para trás. Mesmo que o grande Tao
esteja à vista, será incapaz de atingi-lo. É como o comer­
ciante que tem capital mas não sabe como empregá-lo, ou
que sabe como operar mas não tem capital, terminando por
não obter lucros nem prosperar.
Por conseguinte, os verdadeiros aspirantes à realidade
primeiro buscam em si mesmos e então recorrem a outros,
de modo a terem tanto o método como a riqueza completos.
Só assim evitarão o erro.

o Macaco Selvagem,
o Cavalo Teimoso

A natureza do macaco é selvagem e incerta, mas se o


domarmos, ele seguirá a orientação do homem, incapaz de
fazer tudo o que quer. A natureza do cavalo é teimosa e
intratável, mas, com uma brida e uma testeira, ele seguirá a
orientação do homem, incapaz de galopar a esmo.
O que percebo quando observo isso é o Tao da reti­
ficação da mente e da correção da intenção.
A mente teimosa dos seres humanos vai e volta de
modo irregular, sem conhecer parada, como a selvageria
de um macaco, sem um momento de paz e de calma. As
intenções cambiantes dos seres humanos surgem e desa­
parecem sem consistência, de súbito aqui, de repente ali,
como a teimosia de um cavalo, sem um único momento de
descanso.
79
Mente e intenções trabalham em conjunto, aumentan­
do os desejos humanos e obscurecendo a realidade celestial
das pessoas. Por causa disso, a essência e a Vida sofrem
gradual destruição, de modo que o problema causado é mais
intenso e o prejuízo, maior. Assim, a prioridade dos prati­
cantes é retificar a mente e corrigir a intenção.
Ouando a mente é reta, tudo está aberto. Ouando a
intenção é sincera, os pensamentos não surgem. Ouando
tudo está aberto e os pensamentos não surgem, devemos
usar isso para cultivar a essência - e a essência poderá ser
purificada; devemos usar isso para cultivar a vida - e a vida
poderá ser estabelecida
Mas não é facil aprender a retificar a mente e a tornar
a intenção sincera. É necessário fazer um esforço genuíno
para consegui-lo. O esforço genuíno envolve o cuidado
consigo mesmo, o dar-se conta do não-visto e do não-
ouvido, a percepção consciente a todo momento, o auto-
exame incessante, o controle absoluto da mente teimosa ou
de suas intenções arbitrárias, impedindo-as de se manifes­
tarem mesmo em segredo.
É como amarrar um macaco selvagem ou por a brida
num cavalo teimoso, sem deixá-los seguir a própria na­
tureza.
Desde tempos antigos, os verdadeiros imortais com­
param a mente com um macaco e a intenção com um cavalo,
porque viam de fato que, quando a mente e a intenção são
descontroladas e tolas, há um tremendo obstáculo no Cami­
nho - e os imortais não permitiam um momento de fra­
queza.
Se se puder controlar de modo concreto a mente tei­
mosa, devolvendo-lhe a retidão, e transformar a intenção
errante, restituindo-lhe a sinceridade, poder-se-á compreen­
der metade do Tao da essência e da vida.
80
o Homem e a Mulher
Reproduzindo-se

No mundo, quando um homem e uma mulher formam


um casal, há produção de filhos, que a seu tempo produzem
netos, continuando de geração em geração. Se houver um
homem sem uma mulher, ou uma mulher sem um homem,
o solitário yin não dará à luz, o isolado yang não promoverá
o crescimento - o mecanismo da reprodução se interrompe.
O que percebo quando observo isso é o Tao da produ­
ção de imortais e de budas.
Quando as pessoas nascem, o yin e o yang estão em
harmoniosa combinação, e o embrião espiritual é perfeita­
mente íntegro. Quando as pessoas se envolvem com o con­
dicionamento temporal adquirido, o yin e o yang se se­
param, e o embrião espiritual é danificado.
As pessoas de qualidade superior têm um fundamen­
to básico que é profundo e espesso; se encontrarem adeptos
bem no começo, antes que o yin e o yang se separem, elas
praticarão o Tao da inação e se alçarão diretamente para a
beira do Tao, igualando-se de imediato aos sábios.
Quanto às pessoas médias e inferiores, quando sua
energia primordial é plena, a energia do condicionamento
adquirido se manifesta; o verdadeiro yang e o verdadeiro
yin se separam e não se influenciam. Assim, o potencial vivo
vai se desfazendo, chegando próximo da extinção. Se elas
não começarem por praticar primeiro o Tao da ação para
combinarem harmoniosamente o yin e o yang, como po­
derão restaurar o embrião espiritual?
O método da combinação harmoniosa do yin e do yang
é simplesmente fazer o yin e o yang voltarem a ser uma só
energia. Contudo, o verdadeiro yang se dispersou e reside
na casa de outro; ele se perdeu e não volta. É necessário
81
fazer intensos esforços para reavê-lo. Não se deixe intimidar
pelo fato de a estrada ser longa - busque com cuidado, procure
lentamente e, um dia, você verá a sua face. Então, você o levará
de volta à sua própria casa e o combinará com o verdadeiro yin.
Então, quando marido e esposa voltam a se unir, sua inti­
midade é extraordinária. Como é natural, há um ponto de po­
tencial vivo que vem do nada para cristalizar-se num embrião.
Incubemo-lo por dez meses e teremos um corpo fora do nosso
corpo. Prossigamos no trabalho de cuidar dele por três anos e
ele se tomará uma forma quando se agregar e uma energia
quando se difundir. Desaparecendo e aparecendo de modo
indevassável, ele se toma um resistente corpo indestrutível.
Esse Tao não é diferente da maneira pela qual os
homens e mulheres reproduzem seres humanos. Éjusto que
pais e mães comuns produzam o corpo material, e que o pai
e a mãe espirituais produzam o corpo verdadeiro. Um é co­
mum e o outro, santo - a reprodução de seres humanos e a re­
produção de imortais são tão diferentes quanto o céu e a terra
O Ser Humano Verdadeiro Sanfeng disse: “Seguir a
corrente o torna mortal; ir contra ela o torna imortal. Tudo
se resume à reversão do curso.” Você pensa que reverter o
mecanismo celestial é algo facil de aprender? Os cegos do
mundo, que usam a reversão do homem e da mulher para
praticarem a falsa arte da união da energia sexual, só podem
formar com isso as sementes do inferno - como poderiam
eles formar o embrião espiritual?

Abrindo Portas e Venezianas

Quando as portas estão abertas, o ar passa por elas.


Quando as venezianas estão abertas, a luz entra por elas. Se
82
as portas estão fechadas, não há circulação de ar entre o
interior e o exterior. Se as venezianas estão fechadas, a
energia da luz é mantida no exterior.
O que percebo quando observo isso é o Tao do grande
uso do grande potencial.
As pessoas do mundo de hoje que praticam o Taoísmo
seguem os caminhos retorcidos dos desvios; alguns fecham
os olhos e contemplam o vazio; outros ficam inativos em
locais calmos e isolados; outros ainda ficam deliberada­
mente sentados pensando no espírito.
Eles pensam que têm o Tao, mas não se deram conta
de que o Tao é o Tao da evolução criativa do yin e do yang
do céu e da terra. Esse Tao, esse Caminho, sopra em toda
parte do universo, mas isso não o multiplica; ele está con­
centrado numa só energia, mas isso não o diminui.
Todos os seres do universo, animados e inanimados, as
miríades de seres diferentes, todos vivem e se desenvolvem
a partir disso. Tudo e todos o têm. Ocorre apenas que,
enquanto estão no meio do Tao, as pessoas não têm cons­
ciência do Tao, do mesmo modo como os peixes na água não
têm consciência da água.
Ouem deseja praticar esse Caminho deve fazê-lo na
evolução criativa do yin e do yang do céu e da terra, aper­
ceber-se da sua experiência no meio de todas as coisas e de
todos os eventos, praticando-o e permanecendo nele diante
de todas as pessoas.
Trata-se de um trabalho vivido, efervescente, livre,
liberado, gloriosamente iluminado, verdadeiro e grandioso.
Você pensa que ele pode ser realizado por pessoas que
fecham a porta e se sentam calmamente com a mente vazia?
Desejar alcançar o Caminho fechando a porta e sentan­
do-se calmamente com a mente vazia é como fechar as
portas e as venezianas e ter a esperança de ver o sol. Que
83
“caminho'' isso realiza? Imagino que deva ser o caminho dos
cômodos escuros.
A Compreensão da Realidade diz; "Pratique misturan-
do-se com as pessoas comuns e integrando a sua iluminação.
Quando for hora de ser redondo, seja redondo; quando for
hora de ser quadrado, seja quadrado. Enquanto você apare­
ce e desaparece, ora revertendo o curso, ora seguindo-o,
ninguém pode perceber você, porque você torna as pessoas
incapazes de saber o que você está fazendo.”
Esse livro também diz: “Você deve saber que os gran­
des reclusos vivem nas cidades e nos lugarejos; por que ficar
imóvel e sozinho no alto das montanhas?”
Somente quando se mistura com as pessoas comuns,
integrando a iluminação, vivendo nas cidades e lugarejos, é
que você está ativando o grande uso do grande potencial.
Essa é a Verdadeira função da prática e da manutenção do
Grande Caminho.

o Intermediário

Na sociedade convencional, quando vão casar, um ho­


mem e uma mulher só podem se encontrar através de um
intermediário. O intermediário faz a mediação entre as
famílias e providencia o encontro. Quem se casa por ini­
ciativa própria, sem os serviços de um intermediário, não
tem reconhecida, aos olhos da sociedade, a sua associação,
e seu relacionamento não será permanente.
O que percebo quando observo isso é o Tao da união
harmoniosa entre essência e senso.
84
A essência é interior e o senso, exterior. Digamos que
a essência é yin, e é da casa oriental, e que o senso é yang, e
é da casa ocidental. Quando essência e senso estão sepa­
rados, o yin e o yang estão apartados um do outro,da mesma
maneira que a moça da casa oriental e o rapaz da casa
ocidental não podem encontrar-se frente a frente.
Quando se quer pegar o senso para unir à essência,
casando o yang com o yin, não é possível torná-los uma
família sem os serviços dos intermediários.
Os intermediários são o nosso verdadeiro intento, a nos­
sa verdadeira vontade, sendo também chamados de verda­
deira fé. A fidelidade pode realizar a comunicação entre os
outros e nos, a fé pode combinar yin e yang. Ela é o primeiro
tesouro verdadeiro daqueles que cultivam o Caminho - do
começo ao fim, na ação e na inação, escolhendo o remédio e
operando o fogo, cristalizando a pílula e libertando-a da ma­
triz; o Caminho não deve ser deixado por nenhum momento.
A Compreensão da Realidade diz: "Se vocês têm água e
fogo, mas não têm as duas terras, mesmo que incluam as
quatro formas, não produzirão a pílula. Somente quando
vocês dois abraçarem a verdadeira terra, obterão a pílula de
ouro para reverter.”
As duas terras são a terra celestial e a terra mundana,
a verdadeira fé no meio da verdadeira vontade. A fé da terra
celestial é o intermediário exterior, a fé da terra mundana é
o intermediário interior, tal como o casal casado que serve
de intermediário no casamento de uma moça e de um rapaz.
Essas duas terras são o verdadeiro intermediário do
nosso corpo. Se conhecemos esse intermediário e o usamos
para harmonizar a essência e o senso, a essência e o senso
serão harmonizados. Harmonizemos o yin e o yang, e o yin
e o yang vão se encontrar; os dois se unem para formar uma
família, e a pílula de ouro muito sutilmente toma a im­
pressão de forma.
85
Experimentando o que se Come

Ouando se come alguma coisa, deve-se mastigá-la cui­


dadosa e lentamente. Ouando se sentem a acidez, a doçura,
o amargor e o picante, conhece-se o sabor. Ouando se
conhece o sabor, come-se o que sabe bem e rejeita-se o que
sabe mal. Comem-se algumas coisas, rejeitam-se outras, de
acordo com o próprio julgamento.
O que percebo quando observo isso é o Tao da investi­
gação exaustiva do princípio para descobrir o que é ver­
dadeiro.
A ciência da essência e da vida é a mais recôndita, a
mais profunda e a mais sutil aprendizagem. Se o conhe­
cimento dela não é real, a prática não é correta. Não so não
há proveito como há perda.
Em conseqüência, é imperativo estudar exaustivamen­
te o princípio antes de tudo. Ouando se encontra uma parte
do princípio, pode-se fazer uma parte do trabalho; quando
se encontram dez partes do princípio, podem-se fazer dez
partes do trabalho. Realizar a própria natureza e chegar ao
próprio destino é tudo uma questão de determinar o supe­
rior e o inferior mediante a completa investigação do prin­
cípio.
A regra de investigação do princípio é ir do raso para o
profundo, do grosseiro para o refinado. Ouando se acaba
um nível, passa-se para outro, terminando um após outro,
penetrando um após outro, até não haver mais o que sele­
cionar nem nada mais onde penetrar - então veremos o que
está na base de tudo, reconhecendo a fonte original. Só
nesse momento teremos realizado a proeza última. Isso é
como experimentar o alimento antes de comê-lo.
Contudo, mesmo que tenha alguma compreensão es­
pontânea, se o alimento parecer bom mas não o for, você
86
vai inevitavelmente atrapalhar-se, o que torna necessário
ter o testemunho de alguém dotado de elevada percepção
para ampliar a sua percepção, afirmar o que é correto e
rejeitar o que é errado. Só então você vai realizar a tarefa.
O Livro das Mutações diz; “Investiga o princípio, cum­
pre a essência e, assim, chega à vida.” Investigar o princípio
significa investigar o princípio do cumprimento da essência e
do atingimento da vida. Se não souber o que é a essência, ou o
que é a vida, e ainda assim desejar aperfeiçoar a essência e
aperfeiçoar a vida, o que você vai aperfeiçoar?
Taoístas ignorantes consideram erroneamente que a
essência está no coração e a vida, nos genitais; alguns outros
dizem que a essência está no topo da cabeça e a vida, no
baixo ventre. Alguns se concentram nos genitais para cul­
tivar a vida e outros fixam a mente para cultivar a essência.
Alguns mantêm a mente vazia para cultivar a essência,
outros praticam a seleção para transplantar a vida. Alguns
mantêm a atenção na testa para alimentar a essência, e
alguns tomam pílulas e ervas para prolongar a vida.
Essas pessoas todas enganam-se a si mesmas e termi­
narão por perecer. Pessoas assim sequer conhecem a essên­
cia e a vida, mas imaginam em vão aperfeiçoar a essência e
a vida. Não é isso uma tolice?

Escalar uma Montanha


Cruzar um Rio
,
Quando se escala uma montanha, faz-se esforço a cada
passo, sem descansar até chegar ao topo. Quando se cruza
um rio, toma-se cuidado a cada passo, sem reduzir a atenção
87
até chegar ao outro lado. Mesmo que se tenha escalado uma
montanha quase até o topo, se não se der o último passo
para descansar os pés, ainda se está no caminho, ainda não
se está lá. Mesmo que se tenha cruzado um rio quase até a
outra margem, se se der um único passo descuidado, ainda
há perigo.
O que percebo quando observo isso é o Tao do esforço
físico para levar a cabo o Caminho.
O Grande Caminho é difícil de conhecer; assim, você
tem sorte se der com ele e aprender sobre ele; e seus
esforços devem estar voltados para pô-lo de fato em prática,
para percorrer concretamente o Caminho até o seu termo,
para então pagar o débito que contraiu com a pessoa que
lhe ensinou sobre ele.
Não se pode admitir preguiça aqui, porque a ciência da
essência e da vida é a coisa mais importante do mundo, bem
como a coisa mais difícil do mundo. Ela exige uma mente
estável e uma vontade firme, “assumir uma posição sem
mudar”, “trabalhar de dia e estar atento à noite”, tornando-
se mais forte com perseverança. Só depois disso se pode
realizá-lo.
Não deixe que um pequeno susto o faça mudar de idéia,
nem deixe que uma pequena experiência do seu efeito o
induza a relaxar no trabalho. Não permita que uma pequena
dificuldade material desvie a sua mente, nem se deixe de­
sencorajar pela idéia de que não tem força suficiente. Não
tenha falsas idéias sobre o atingimento do Grande Cami­
nho, nem tema que a estrada seja longa. Prossiga com firme
determinação, com a atenção concentrada no Caminho,
avançando, e, naturalmente, chegará o dia em que você o
alcançará.
Isso é como fazer esforços a cada passo do caminho
quando se escala uma montanha, para no final alcançar o
88
topo; é como prestar atenção a cada passo do caminho
quando se cruza um rio, para no final alcançar o outro lado.
Do contrário, vacilamos e hesitamos, sem fazermos
n e n h u m progresso, talvez diligentes a princípio, mas ter­
minando negligentes. Mesmo que o Grande Caminho esteja
à vista, você não poderá atingi-lo.
Pense só - desde que você nasceu, todo o seu ser
interior e exterior tem sido um agregado de mundanidade.
Embora você disponha de um pouco de energia celestial,
ela está escondida, invisível. Se você não estabelecer um
sentido de propósito tão firme que a vida e a morte não
possam mudá-lo, e não usar a grande força de um homem
de ferro indestrutível, como poderá transformar de novo o
mundano em celestial, escalar uma montanha de dez qui­
lômetros de altura e sair do oceano imensurável de sofri­
mento?

Mariposas e Minhocas

As mariposas voam para as lâmpadas, atirando-se no


fogo e morrendo. As minhocas em busca de calor produzem
a própria morte ao se exporem. Essas duas criaturas des-
troem a própria Vida deVido ao seu gosto pela luz.
O que percebo quando observo isso é o Tao de cami­
nhar para a boa fortuna e de evitar o infortúnio.
As pessoas do mundo seguem aquilo que desejam -
competem por fama, roubam para obter lucro, entregam-se
ao álcool e à luxúria. Tomam artificialidades pela realidade,
tomam estimulantes por prazer. Dia e noite labutam er­
raticamente, ansiosas e preocupadas o tempo inteiro, dis­
sipando a vitalidade e o espírito. Elas não estão dispostas a
parar enquanto não morrerem.
Essas pessoas são como mariposas voando para uma
lâmpada e ardendo até a morte, como minhocas que, em
busca de calor, perdem a Vida. Isso é o que se chama
caminhar para a morte sem sequer ter sido chamado pela
Inflexível Ceifadeira.
Se você conhece o valor da vida, dê-se conta dos apegos
emocionais e das armadilhas sensuais, escape da rede da
fama e do lucro, seja como um completo simplório, aprenda
a ser um flexível e submisso ignorante. Não lute pelas coisas
pelas quais os outros lutam, não ame o que os outros amam.
Em todas as situações, diminua a si mesmo e honre os
outros. Em todas as coisas, não seja impulsivo nem atirado.
Seja como um peixe submerso nas profundezas, como
uma tartaruga na lama. Então, as críticas e os elogios não
vão atingi-lo, a calamidade e a fortuna não vão afetá-lo.
Você viverá espontaneamente sem buscar a vida e evitará a
morte ao não trazer a morte.
Esse é um bom método de caminhar para a boa fortuna
e evitar o infortúnio. Não obstante, as pessoas tolas con­
sideram as coisas exteriores mais importantes que a essência
e a vida, atraindo a morte para si mesmas.

o Casulo do Bicho-da-seda,
o Mel da Abelha

Os bichos-da-seda originalmente tecem o seu casulo


para se protegerem, sem saberem que as pessoas os matarão
por causa dele. As abelhas originalmente produzem mel
para se alimentarem, sem saberem que as pessoas vão tirar-
lhes a vida por causa dele. Essas criaturas querem melhorar
a própria vida, mas, fazendo isso, apressam a própria morte.
O que percebo quando observo isso é o Tao da inter­
dependência entre o benefício e o prejuízo.
Todas as pessoas temem a morte e, por isso, procuram
viver. Como procuram viver, têm de fazer alguma coisa a
respeito da comida e da roupa. Elas passam os dias traba­
lhando mental e fisicamente no mundo comum, acumulan­
do dinheiro e gêneros para enriquecerem a própria vida.
As pessoas comuns deveriam considerar isso o bastan­
te para viverem, mas não percebem que isso não é o bastante
para se viver de fato. Na verdade, isso termina por apressar
a morte.
Como sabemos que é assim? Quanto maior a seriedade
das pessoas com o ganhar a vida, tanto menor a sua serie­
dade com a preservação do corpo. Trabalham dia e noite, o
que provoca danos desconhecidos à sua vitalidade e ao seu
espírito, deteriorando sua energia e sua circulação. Elas já
entraram no caminho da morte.
Há outro tipo de pessoa que não sabe o que traz morte
e o que traz vida. Diante de centenas de doenças, pela
manhã essas pessoas não têm certeza da noite, mas não
conseguem deixar de lado a comida e a roupa, desejando
cada vez mais quanto mais envelhecem, não despertando
até morrerem, padecendo de confusão até o fim.
Essas pessoas são como bichos-da-seda, que produzem
a própria morte ao tecerem um casulo, como abelhas, que
produzem a própria morte ao produzirem o mel.
As pessoas de grande sabedoria têm um modo dife­
rente de preservar a vida. Elas não mantêm a mente concen­
trada na comida e na roupa, não têm a atenção concentrada
em ganhos materiais. Elas renunciam à riqueza do mundo
para acumular riqueza espiritual, deixam de lado o corpo
91
material para alimentar o corpo verdadeiro. Como nada as
pode afetar, o que as pode beneficiar ou prejudicar?

Tomando Sementes Emprestadas


de outra Pessoa

O que os agricultores consideram mais importante são


as suas sementes. Ouem tem terra e tem sementes tem tudo,
e não precisa procurar tomá-las emprestadas de outra pes­
soa. Entretanto, quando se trata de famílias pobres, elas po­
dem ter terra, mas faltam-lhes sementes. Nesse caso, elas
devem procurá-las junto a outras pessoas para realizarem o
seu trabalho.
O que percebo quando observo isso é o Tao de tomar
sementes emprestadas no cultivo da realidade.
O que é chamado de semente aqui é a energia primor­
dial, real, unificada. Ouando flui da maneira usual, essa
energia produz pessoas comuns; quando flui ao contrário,
produz imortais. Portanto, os clássicos alquímicos e os es­
critos dos mestres consideram essa energia a semente da
realidade da iluminação.
Essa energia é inerente a todas as pessoas, completa em
todos. Mas, como se mistura com o condicionamento ad­
quirido, a energia negativa se desenvolve e a energia po­
sitiva se dissipa, enterrando averdadeira semente, que deixa
de ser visível.
Mesmo que pessoas determinadas possam limpar a
mente e interromper todas as relações com os objetos, o
resultado não passa de um campo vazio - como pode ele
combater a fome e a sede, ou resgatar a essência e a vida?
92
Eis por que é preciso tomar emprestada a semente da
realidade.
Tomar emprestada a semente significa buscá-la junto
aos outros. O que pertence aos outros não deve ser tomado
diretamente com as mãos Vazias, mas buscado com cortesia.
Com humildade obtém-se o favor dos outros e só então se
pode tomar emprestada a semente da realidade.
Quando obtém a semente da realidade, você vê brotos
onde quer que a plante, do mesmo modo como vê uma
sombra quando instala um poste. Você não vai desperdiçar
esforços.
Cultivar a realidade sem a semente da realidade é como
cozer uma panela vazia. Você nunca vai obter resultados
reais.

Tartarugas Escondendo-se,
Peixes Mergulhando

Quando se escondem na lama, as tartarugas ficam pro­


tegidas. Quando saem da lama, as pessoas as pegam. Quan­
do mergulham nas profundezas, os peixes permanecem ín­
tegros. Quando saem das profundezas, pássaros os matam.
O que percebo quando observo isso é o Tao de danificar
a vida e de aperfeiçoar a vida.
A razão pela qual as pessoas não podem, de ordinário,
aperfeiçoar a vida, tendendo a apressar aquilo a que estão
fadadas, é sua incapacidade de esconder a própria luz, nu-
trindo-a na escuridão - confiantes em sua inteligência, elas
usam em demasia seu talento e sua percepção.
93
O brilho intelectual, o talento e a percepção dispersam
a mente e perturbam a natureza, levando a energia sã a se
dissipar dia após dia e a energia aberrante a crescer coti-
dianamente. No final, a raiz da vida é abalada e a mor­
talidade torna-se inevitável.
Eis por que os adeptos humanos não deixam surgir
pensamentos de dentro nem assimilam coisas de fora. Eles
parecem carecer daquilo que na verdade têm; embora ple­
nos, parecem vazios. Têm a aparência de simplórios; têm
uma compreensão que não empregam, têm uma iluminação
que não permitem que brilhe.
Essas pessoas não deixam o artificial prejudicar o real,
nem as coisas exteriores perturbarem o seu íntimo. Elas
apenas respondem a um sentido intuitivo, só se exaltam
quando obrigadas, só agem quando não há escolha. Embora
reajam exteriormente, no interior permanecem impassíveis.
Embora fisicamente ativas, conservam a mente em calma.
Quando encontramos essas pessoas, não podemos di­
zer para onde se dirigem; quando seguimos essas pessoas,
não podemos dizer onde estiveram. Se a própria Criação não
as pode constranger, que prejuízos podem cair sobre elas? Elas
são como tartarugas escondidas na lama, onde as pessoas
não as podem pegar, como peixes mergulhando nas profun­
dezas, onde pássaros não podem matá-los.

Quando Faltam Querosene e Carvão

Quando falta querosene, a lâmpada se apaga. Se acres­


centamos regularmente querosene antes de faltar, a lâm­
pada pode continuar acesa por um tempo indefinido. Quan­
94
do o carvão é usado até o fim, o fogo se apaga. Se nos
mantemos acrescentando carvão antes de faltar, o fogo pode
continuar ardendo por um tempo indefinido.
O que percebo quando observo isso é o Tao de cuidar
da vida para colaborar com o destino.
O céu e a terra têm a virtude do amor pela vida. Eles só
querem que as pessoas tenham vida longa, eles não querem
que as pessoas apressem a morte. Acontece, porém, que as
pessoas atraem a morte para si e atribuem isso ao destino.
Isso é uma tolice.
Observe como uma miríade de seres nasce na prima­
vera, cresce no verão, amadurece no outono e adormece no
inverno, apenas para nascer outra vez na primavera e cres­
cer novamente no verão. Ouem continua a viver, apartado
da morte, é quem segue a ordem natural das quatro estações
e não faz nenhum esforço adicional. É por isso que podem
continuar a viver.
Somente os seres humanos têm a mesma energia do yin
e do yang, e das cinco forças, mas não a podem seguir
naturalmente. Eles cultivam hábitos desnecessários, tomam
a dor por prazer, tomam veneno por remédio. Seguindo seus
desejos ambiciosa e alegremente, golpeiam a raiz da vida.
No final, sua vitalidade e seu espírito se desgastam, sua
consciência verdadeira se dissipa, do mesmo modo como a
lâmpada se apaga quando o querosene se acaba e como o
fogo se extingue quando o carvão falta. Eles apenas se
aproximarão do abismo da destruição.
As pessoas que de fato estão além do mundo con­
sideram importantes a essência e a vida. Elas protegem a
sua vitalidade e o seu espírito como se protegeriam o ouro
e o jade. Elas cuidam da verdadeira consciência como se
cuidaria de gemas raras. Elas não põem os pés numa fo­
gueira, nem se exibem na arena do certo e do errado.
95
Em todos os momentos, elas têm a mente fixa no que é
fundamental e os pensamentos focalizados no sentido do
Caminho. São cautelosas com o que se passa em seu interior
e prudentes no que fazem no mundo exterior. Guardam o
seu espírito e a sua energia.
É isso que se quer dizer com a afirmação de que pessoas
iluminadas trabalham no nível do fundamental; quando o
fundamental é instaurado, o caminho vem à existência Isso
é como acrescentar querosene para evitar que a lâmpada se
apague, como acrescentar carvão para manter o fogo arden­
do. Ouem não tem vida pode ter vida, o que não nasceu pode
viver para sempre. Deve a questão do sobreviver ou do
morrer ser deixada apenas para o céu?

o Lótus na Lama,
o Crisântemo na Geada

O caule do lótus é oco, razão pela qual, ao emergir da


lama, é extraordinariamente limpo. A flor do crisântemo é
tardia, razão pela qual, ao encontrar a geada do outono, é
extraordinariamente fresca. Ouando o interior é oco, as
coisas exteriores não podem deixar sua marca; quando a flor
é tardia, a energia é plena e resistente ao frio.
O que percebo quando observo isso é o Tao do cultivo
do interior e da imunidade às coisas exteriores.
A razão pela qual a Criação pode nos constranger, a
razão pela qual as coisas podem nos influenciar, o motivo
de a calamidade poder nos ferir, não é que a Criação possa
de fato nos constranger, nem que as coisas possam de fato
nos influenciar, nem que a calamidade possa efetivamente
96
nos ferir - tudo se deve à resposta emocional que temos
diante das nossas experiências. Os encontros com as coisas
agitam a nossa mente, como o vento que levanta ondas em
qualquer direção na qual sopre. Se sabemos avançar mas
não sabemos ficar para trás, se sabemos ser impetuosos mas
não sabemos ser receptivos, nós nos constrangemos, nos
influenciamos e nos ferimos.
Se formos verdadeiramente capazes de ser de tal ma­
neira que nada nos ocorra nem surja em nós nenhum pen­
samento, sempre claros e calmos, impávidos diante das
coisas exteriores, imunes às influências externas, seremos
como um lótus que emergiu da água, sem a mácula da
sujeira. Se formos verdadeiramente capazes de ocultar o
próprio talento e percepção, sendo habilidosos mas nos
mostrando limitados, sendo sábios mas com aparência de
ignorantes, agindo de modo discreto, prontos a nos mostra­
mos flexíveis, a calamidade e a fortuna não poderão nos
alcançar, a crítica e o elogio não poderão nos afetar. Sere­
mos como o crisântemo no outono, infenso à geada e ao frio.

A Cobertura da Lâmpada
e o Revestimento do Braseiro

Se uma lâmpada não tiver cobertura, um sopro a apa­


gará, mas se for envolvida por uma cobertura, não vai se
apagar mesmo que haja uma rajada de vento. Se um braseiro
não tiver revestimento, a poeira tomará conta dele, mas se
estiver coberto pelo revestimento, nem um grão de pó
poderá afetá-lo.
97
O que percebo quando observo isso é o Tao da sal­
vaguarda do fundamento da consciência.
Nossa percepção consciente é como uma lâmpada ou
um braseiro, a percepção da realidade é como o vidro da
lâmpada ou a tela do braseiro. Se a percepção consciente
não for coberta e protegida pela percepção da realidade, o
espírito discriminador vai usar a consciência para produzir
ilusões e ela ficará sob a influência dos objetos. Então, o
artificial assumirá o controle e o real vai se retrair; a energia
aberrante tomará o lugar da energia sadia. Como uma lâm­
pada sendo apagada, como um braseiro sendo sujo, per­
demos o nosso eu original.
Se a percepção consciente formar par com a percepção
da realidade, e a percepção da realidade for usada para
controlar a percepção consciente, e a percepção consciente
for usada para acompanhar a percepção da realidade, o
espírito discriminador não terá como emergir, a energia da
consciência não terá como se dissipar.
Ouando é firme e estável, a raiz pode entrar na água
sem se encharcar, entrar no fogo sem se queimar. Nenhuma
influência exterior perniciosa pode prejudicá-la. É como a
lâmpada que tem uma cobertura e por isso não se apaga,
como o braseiro que tem um revestimento e por isso não é
afetado nem por um grão de pó.

o Redondo e o Quadrado

As coisas redondas rolam, as coisas quadradas ficam


imóveis. O redondo não pode manter-se estacionário, o
quadrado não pode rolar - cada qual tem a sua natureza.
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O que percebo quando observo isso é o Tao do uso do
redondo e do uso do quadrado.
Ser redondo significa estar no centro do compasso. No
centro do compasso, respondemos apropriadamente segun­
do a situação - podemos subir ou descer, estar no alto ou
embaixo, agir ou ficar parados, sem nos apegarmos a uma
regra ou método.
Ser quadrado significa estar no centro da quadratura.
No centro da quadratura, o certo e o errado não se confun­
dem - não nos comportamos desrespeitosamente, não agi­
mos de maneira injusta, não vivemos de maneira imprópria,
sendo dotados de autonomia interior.
Quando se pode ser redondo e quadrado, seguindo as
regras do compasso e da quadratura, não caímos na fixação
estagnadora nem na sugestibilidade aleatória. No exterior,
somos agitados e ativos; no interior, somos calmos e se­
guros.
Usando as coisas do mundo para cultivar o Tao, usando
os eventos humanos para completar o Caminho para o Céu,
plantamos lótus numa fogueira, movemos um barco na água
cheia de lama, aparecendo e desaparecendo de acordo com
o momento, ativos ou passivos segundo as exigências da
situação. Mesmo os espíritos do céu e da terra não podem
se dar conta de nós - quanto mais os nossos semelhantes
humanos!
As pessoas do mundo que podem ser redondas mas não
podem ser quadradas, ou que podem ser quadradas mas
não podem ser redondas, são como os objetos inertes qua­
drados ou redondos, bons para uma coisa mas não para
outra. Nelas, o certo e o errado estão misturados - como
podem elas alcançar o Grande Tao?
Por conseguinte, os praticantes do Tao precisam incluir
tanto a qualidade do quadrado como a qualidade do redon­
99
do, pois só isso constitui o verdadeiro domínio da grande
ação efetiva.

Uma Panela Quebrada,


um Jarro Rachado

Quando uma panela está quebrada, reparemo-la e po­


deremos usá-la para cozer. Quando um jarro racha, conser­
temo-lo e poderemos usá-lo para guardar água como antes.
O que percebo quando observo isso é o Tao da recu­
peração do que foi arruinado.
Quando as pessoas nascem, os seus três tesouros - a
vitalidade, a energia e o espírito - são um sólido todo. Mas,
quando a consciência cognitiva se abre, esses tesouros va­
zam pelos sentidos. Eles são infectados pelos germes da
ação emocionalizada, viram joguetes de parasitas. As expe­
riências sensoriais os desgastam, a atração dos estímulos
ilude-lhes a natureza; a cobiça, a raiva, a loucura e o apego
privam-nas da realidade.
Dilapidados de dia e de noite, os três tesouros desa­
parecem; todo o corpo fica doente, espoliado por dentro e
por fora. O tesouro completo original tornou-se um podre
objeto sem valor - tal como uma panela quebrada ou um
jarro rachado, é um recipiente inútil.
Se quem é assim tornar-se conscio o bastante para
observar-se com seriedade e mudar de atitude, que des­
denhe tudo, exceto a restauração do que é seu por direito,
a coisa mais importante que existe para todas as pessoas, a
matéria da vida essencial; que aja nesse sentido de uma ma­
neira genuinamente real, varrendo de si, uma por uma,
100
todas as coisas adquiridas, salvaguardando a aura, contro­
lando os pensamentos, abandonando o falso e conservando
o verdadeiro, eliminando o aberrante e sustentando o ade­
quado, aumentando a cada dia em realização enquanto
diminui diariamente em benefício do Caminho.
Aumente o que deve ser aumentado, diminua o que
deve ser diminuído, até alcançar o ponto em que não há
nada mais para aumentar nem nada mais para diminuir.
Então, a sua vontade deixará naturalmente de perder vitali­
dade e a suavitalidade será íntegra; você não vai desperdiçar
energia e a sua energia será íntegra; você não vai sobrecar­
regar o seu espírito e o seu espírito será íntegro. O que tiver
perdido, você vai recuperar; o que foi arruinado será res­
taurado.
Então você será o que era antes: íntegro e completo, do
mesmo modo como uma panela quebrada reparada volta a
ser uma boa panela e como umjarro rachado reparado volta
a ser um bom jarro.
Contudo, as pessoas que estão quebradas e vazando
não se apercebem da sua miséria. Elas tomam o falso por
real, solapando a própria vida dia e noite, abalando-se a si
mesmas até o dia em que as pilastras apodrecem e as pare­
des ruem, e elas não têm onde descansar.

A Inconsciência da Criancinha

Um tigre feroz não faz mal a uma criancinha, uma águia


faminta não arrebata uma criancinha. Como pode ser isso?
Porque a criancinha não tem consciência.
101
O que percebo quando observo isso é o Tao da função
sutil da inconsciência.
A razão por que as pessoas não podem atingir o Cami­
nho é sempre o fato de terem uma mente. Ter uma mente
significa ter um ego, o que se traduz em ver os outros como
outros e o eu como eu.
Quando vê a si mesmo como distinto dos outros, você
busca vantagens para si sem considerar a perda para os
outros. Você se torna astucioso e manhoso; seus desejos
pessoais multiplicam-se ao acaso. Sua bondade natural se
perde.
Se sequer pode acumular virtudes, como você pode
presumir imaginar a realização do Caminho?
Eis por que os que procuram verdadeiramente o Ca­
minho se apressam em derrotar o egoísmo e em abandonar
o comportamento egoístico. Em sua vida e na resposta que
dão ao mundo, eles consideram a si e aos outros de maneira
imparcial e vêem todas as classes como iguais. Lidando com
as coisas à medida que surgem, eles reagem a elas, mas não
as absorvem; elas passam e não permanecem. Eles lidam
com toda sorte de situações sem empregarem a mente.
Sem empregarem a mente, eles são desprovidos de ego.
Não tendo ego, têm pureza interior. Por terem pureza inte­
rior, são claros, sem mácula alguma, integrados por inteiro
no plano da natureza.
A isso se denomina virtude mística. A virtude mística é
informe e não deixa vestígios, não vista e não ouvida - só
com ela compartilhamos as virtudes do céu e da terra, o
brilho do sol e da lua, a ordem das quatro estações e a sorte
dos espectros e dos espíritos. Ficamos imunes às restrições
da Criação, infensos aos danos da miríade de coisas.
A criancinha não tem discernimento nem cognição cons­
cientes - ela é simplesmente sem consciência, e nada a pode
ferir. Quanto mais a inconsciência que tanto é substancial como
102
funcional, em que tanto o Caminho como o seu poder estão
completos! Como podem as aflições exteriores invadi-la?

Assentando Alicerces
e Construindo uma Casa

Toda a questão da duração de uma casa depende da


primeira parte a ser construída, os alicerces. Se os alicerces
e o solo forem firmes e sólidos, a casa será estável e dura­
doura. Se os alicerces e o solo afundam, a casa acabará por
ruir. Esse é um princípio estabelecido.
O que percebo quando observo isso é o Tao do trabalho
com base no cultivo da realidade.
A primeira prioridade do cultivo da realidade é apri­
morar o eu e controlar a mente. Quando nos aprimoramos,
os desejos egoístas vão-se embora; quando controlamos a
mente, a vontade se torna firme.
Quando os desejos egoístas se foram e a vontade é
firme, a base é segura e inabalável. Ora, se combinarmos as
quatro formas, agregarmos as cinco forças, usurparmos o yin
e o yang e controlarmos a Criação, cultivando a essência e
cultivando a vida, seguindo uma estrada reta até a auto-
realização profunda, teremos benefícios onde quer que va­
mos. Isso é como tornar os alicerces firmes, para que supor­
tem o peso da madeira, das pedras e das telhas.
Se os alicerces não forem firmes, e a vontade não for
determinada, vagaremos perdidos de uma coisa para outra,
diligentes no começo mas preguiçosos no fim, perdendo
repetidas vezes o que fazemos, ficando para trás na avidez
de seguir em frente, desperdiçando forças. Isso é como
103
alicerces defeituosos; mesmo que a casa ainda esteja de pé,
seu destino é inclinar-se e ruir.

o Laboratório e os Vasos Alquímicos

Requer-se um laboratório alquímico para refinar o


elixir; precisa-se de vasos para contar os remédios. Sem um
laboratório e vasos alquímicos, não há lugar onde pôr a
fornalha e o caldeirão, nenhum lugar onde armazenar os
remédios. O laboratório e os vasos alquímicos são essenciais
aos alquimistas.
O que percebo quando observo isso é o Tao de tomar
emprestado o artificial para cultivar o real.
O corpo humano físico é como um laboratório alquí­
mico; os órgãos do corpo são como vasos. O corpo físico tem
um corpo verdadeiro oculto em si; os órgãos ocultam em si
cinco forças. Cultivar a realidade não significa cultivar o
corpo físico e os seus órgãos; significa cultivar o corpo
Verdadeiro e refinar as cinco forças. É tão-somente uma
questão de tomar emprestados esse corpo artificial e os seus
órgãos para cultivar as forças do corpo verdadeiro.
O que é a realidade? As cinco forças verdadeiras cha­
mam-se metal, madeira, água, fogo e terra. O coração está
associado com o fogo, cuja virtude é a cortesia. Os rins e os
genitais estão associados com a água, cuja virtude é a inte­
ligência. Os pulmões estão associados com o metal, cuja
virtude é a justiça. O fígado está associado com a madeira,
cuja virtude é a humanidade. O baço está associado com a
terra, cuja virtude é a Veracidade.
104
Madeira, metal, fogo, água e terra são as essências das
cinco forças; humanidade, justiça, cortesia, inteligência e
veracidade são as virtudes das cinco forças. Trata-se de
realidades primordialmente inerentes.
Quando o espírito oculto no coração irrompe como de­
leite, a vitalidade oculta nos genitais irrompe como triste­
za, a alma mundana oculta nos pulmões irrompe como
raiva, a alma celestial escondida no fígado irrompe como júbi­
lo e a intenção oculta no baço irrompe como desejo, surgem
artificialidades temporalmente adquiridas.
Depois que as pessoas nascem, o primordial mistura-se
com o temporal e o temporal mistura-se com o primordial.
Considerando essa mistura e essa adulteração, o primor­
dial não vai retornar se não refinarmos, afastando-as, as
artificialidades adquiridas. Se tomarmos emprestado o tem­
poral para refinar o primordial, enquanto usamos o pri­
mordial para transformar o temporal, quando o temporal
estiver completamente transformado e o primordial com­
pletamente inteiro, será liberada uma pérola radiante cuja
luz pervade o céu e penetra a terra.
Então, poderemos lançar-nos para cima ou para a fren­
te, opor resistência ou aderir - tudo é o Caminho. Quando
nossas realizações estão completas e nossas práticas, reali­
zadas, irrompemos pelo espaço, voamos para o céu em
plena luz do dia e atiramos fora o saco de pele, de carne e
sangue, ora tão inútil quanto o laboratório e os vasos alquí-
micos uma vez que o elixir tenha sido aprimorado.
As pessoas ignorantes que não conhecem as metáforas
usadas no Caminho fazem suposições extravagantes e se­
guem práticas ainda mais extravagantes. É a essa situação
que se refere o ditado; Usar o caldeirão sem a semente da
realidade é como ferver uma panela vazia. Os imortais
antigos aconselharam-nos a não nos apegarmos a este corpo
como se fosse o Caminho; devemos dar-nos conta de que há
105
um corpo além do corpo. As pessoas do mundo que traba­
lham no corpo físico, bem como os que se preocupam com
seus fornos e minerais, são tolos.

Lagartas e Girinos

As lagartas tecem casulos, os girinos são formados a


partir de células; eventualmente, os casulos se abrem para
produzirem traças, as células se desenvolvem para produ­
zirem rãs.
O que percebo quando observo isso é o Tao da trans­
formação libertadora do embrião espiritual.
Quem cultiva a realidade agrega as cinco forças, reúne
os cem espíritos, entra em fusão com o último; uma energia
se aglutina, íntegra e pura, não conhecida conscientemente.
Agora o embrião espiritual tem forma, como quando a
lagarta tece o seu casulo ou o girino forma a sua célula.
Armazene o espírito e a energia longe de tudo, na treva
mística, e uma parcela da raiz espiritual se desenvolverá da
debilidade para a clareza, da suavidade para a força. Quan­
do o processo estiver completo, súbito você vai irromper
pelo espaço para revelar o corpo espiritual puro, saltando
para além dos mundos. É como quando a lagarta, tendo se
transformado numa traça, rompe o casulo e voa, ou como
quando o girino se torna uma rã e salta. Há um corpo além
do corpo, outro mundo.
Por conseguinte, às vezes se faz referência ao resultado
da realização do Caminho como ao desenvolvimento do
poder de voar, e, às vezes, como ao abandono da casca para
tornar-se real. Essas expressões significam que reprodu­
106
zimos um corpo verdadeiro dentro do corpo físico. Esse
corpo verdadeiro é inerente a todos, mas as pessoas são
ludibriadas pelos objetos dos seus sentidos, enganadas pelas
aparências ilusórias, e, por isso, não reconhecem o corpo
verdadeiro, mesmo que ele esteja bem à sua frente.
Todo aquele que for capaz de reconhecer o corpo ver­
dadeiro e cultivá-lo com empenho poderá produzir substân­
cia onde não havia nenhuma, produzir forma onde não havia
nenhuma, passar pela transformação libertadora e tornar-se
um imortal, dotado de um corpo indestrutível.

o Cavalo de Corrida e o Pangaré

Um cavalo de corrida, um veloz corredor, pode percor­


rer centenas de quilômetros num dia. Um pangaré, trôpego,
leva dez dias para cobrir a mesma distância. Embora um seja
rápido e o outro lento, ambos atingem o mesmo alvo.
O que percebo quando observo isso é o Tao da velo­
cidade relativa do trabalho eficaz.
Em termos gerais, as pessoas são perspicazes ou ob­
tusas por natureza, mais ou menos fortes. Se as pessoas que
são obtusas por natureza quiserem emular as que são pers­
picazes por natureza, ou se as de pouca força quiserem
emular as de grande força, não conseguirão manter o ritmo
e serão prejudicadas pelo esforço.
Portanto, um sábio perfeito disse que os que nascem
sabéndo são os melhores, os que sabem por terem apren­
dido vêm em seguida, e os que aprenderam da forma mais
difícil vêm por último. Contudo, quando se trata do co­
nhecimento em si, há apenas um. Alguns podem chegar a
107
ele com calma, alguns com rapidez e alguns outros à força.
Mas, quando se trata da realização, há apenas uma. Como
existem esses três tipos de pessoas, alguns têm dificuldade
e outros facilidade; alguns são lentos e outros são rápidos,
mas todos são capazes de conhecer o Tao e de atingir o Tao.
O único problema surge quando as pessoas não têm de­
terminação. Sem determinação, não só é impossível agir no
Tao como até mesmo conhecê-lo. Se tiver determinação, es-
tudá-lo em todos os seus aspectos, questioná-lo de perto,
ponderar sobre ele com cuidado, compreendê-lo claramente,
praticá-lo com empenho - o que multiplica por cem os esforços
da pessoa comum você poderá de fato dominar esse Tao.
Mesmo ignorante, você se tomará iluminado; mesmo fraco,
ficará forte - ninguém que tenha feito isso deixou de alcançar
o reino da profunda consecução da auto-realização.
Entretanto, há muitos taoístas no mundo que não po­
dem considerar com um coração sincero a essência e a vida
como o mais importante. Eles falam das virtudes do Tao,
mas no coração são criminosos e malfeitores. Eles desejam
suas fantasias sobre o Tao e buscam suas gananciosas am­
bições. Irritam-se com facilidade e nada têm de receptivos.
Os intelectuais que há entre eles dependem de sua
capacidade de memorização de uns poucos ditados “es­
pirituais” e pensam que com isso têm o Caminho. Em
conseqüência, desconsideram os outros e não buscam mes­
tres iluminados nem visitam amigos capazes; com isso, con­
fundem a estrada que têm à frente.
Os obtusos não sabem investigar princípios nem distin­
guem o falso do verdadeiro. Tendo estudado algumas práticas
“vicinais”, trilhando caminhos tortuosos, eles também pensam
que têm o Caminho e não procuram luminares elevados para
verificação; assim, apegam-se às suas rotinas por toda a vida,
emaranhados em inarredáveis fixações.
108
Pessoas como essas não pensam de fato sobre a essência
e a vida como a coisa mais importante do mundo, nem têm
o cultivo e a manutenção da essência e da Vida na conta da
coisa mais difícil do mundo. Como poderia isso ser apren­
dido com facilidade ou realizado sem dificuldade?
Eis por que os que estudam o Taoísmo podem ser
numerosos como os pêlos de uma vaca, mas os que realizam
o Caminho são raros como chifres de unicórnio.
Quando se é uma pessoa forte, capaz de afastar-se tanto
de todas as coisas que se pise diretamente no Caminho,
como aço forjado cem vezes, com uma determinação inarre-
dável de visitar respeitosamente mestres iluminados e de in­
vestigar os verdadeiros princípios de modo exaustivo, pouco
importa se se é perspicaz ou obtuso por natureza - terminar-
se-á por chegar ao Caminho e, sem sombra de dúvida, não
se terão perdido os anos.

Flores Vermelhas e
Folhas Verdes

Flores vermelhas podem ser belas, mas precisam do


apoio das folhas verdes. Se houver flores mas não houver
folhas, as flores não vão brilhar; quando há flores e folhas,
as flores são mais coloridas.
O que percebo quando observo isso é o Tao da neces­
sidade mútua do Caminho e da virtude.
O Caminho é completar a si mesmo, a virtude é bene­
ficiar os outros. O cultivo do Caminho é trabalho interior, o
cultivo da virtude é trabalho exterior. Dentre aqueles que
109
têm abraçado o Caminho desde os tempos antigos, nunca
houve um que não cultivasse a virtude.
O Caminho é como flores, a virtude é como folhas.
Assim como as flores são sustentadas pelas folhas, o Cami­
nho tem na virtude o seu complemento. Do mesmo modo
como flores e folhas são inseparáveis, assim também o
Caminho e a virtude precisam um do outro.
Os sábios antigos praticavam primeiro o Caminho para
então se dedicarem ao cultivo da virtude. Os notáveis an­
tigos primeiro cultivavam a virtude para então praticarem o
Caminho. Os sábios eram os da mais elevada sabedoria, os
notáveis eram pessoas médias. Os sábios alcançavam a com­
preensão abrangente e, em transcendência direta, chega­
vam às margens do Caminho; para eles, a prática do Ca­
minho era fácil, e assim faziam isso antes, cultivando mais
tarde a virtude para com ela completarem o Caminho. Os
notáveis tinham de esforçar-se antes de poderem chegar ao
não-fazer; para eles, a prática do Caminho era difícil, razão
por que primeiro cultivavam a virtude e mais tarde prati­
cavam o Caminho, para sustentá-lo com a virtude.
São muito raros os estudiosos do Caminho dotados de
sabedoria superior, eles mal passam de um ou dois em dez
mil; as pessoas médias e inferiores contam-se aos magotes.
Dentre as pessoas médias e inferiores, as que têm alicerces
ocos, pouca percepção, grandes aflições e profundos apegos
devem primeiro acumular virtude. Uma grande virtude po­
de vencer espectros e espíritos, mover céus e terras, exercer
influência sobre pessoas e animais. Usando-se isso para
aprender o Caminho, o Caminho é fácil de aprender; usan-
do-se isso para atingir o Caminho, o Caminho é fácil de
atingir.
Isso ocorre porque o Caminho é a substância da virtude
e a virtude, a função do Caminho. O grau mais alto de vir­
tude é a chamada virtude mística. A virtude mística é pro­
110
funda e indevassável, próxima do Caminho, e por isso é fácil
aprender o Caminho e realizar o Caminho com base nela.
Os discípulos de hoje não forjam a virtude nem prati­
cam boas obras; quando ocorre de ouvirem um dito, apres-
sam-se em praticá-lo, esperando alcançar a imortalidade,
sem discernirem se o que ouviram é ou não correto. Não é
preciso dizer que eles não atingem a realidade. Mesmo
supondo que atingissem a realidade, nunca houve um único
imortal que não tivesse realizado alguma coisa.
O Grande Caminho não é transmitido a pessoas sem
consciência social, nem passado a pessoas sem bondade
nem virtude. O claro espelho de um verdadeiro guia a tudo
reflete - como poderia um verdadeiro tesouro ser dado a
alguém indigno dele?
Há um outro tipo de tolo confuso que não sabe cami­
nhar em terreno firme nem trabalhar com afinco. Tolos
como esse podem deparar com verdadeiros mestres mas
não procurar respeitosamente o seu ensinamento; em vez
disso, fazem jorrar um monte de bobagens, imaginando que
podem enganar as pessoas. Quando o mecanismo celestial
é revelado, eles tentam usurpar o ensinamento por meios
escusos. Da mesma maneira, eles são incapazes de per-
severar - passados uns poucos dias, já estão pedindo a
transmissão e, quando não a obtêm, partem com palavras
raivosas e recriminações.
Pessoas com essa mentalidade, que correm para lá e
para cá, desperdiçam à toa a vida, sem jamais realizarem
coisa alguma. O que elas não percebem é que o Caminho
não está apartado da virtude, nem a virtude apartada do Ca­
minho. Como se pode ignorar a virtude e só falar do Cami­
nho? Como se pode omitir a virtude e praticar somente o
Caminho? Quem vai praticar o Caminho deve primeiro
acumular virtude.
111
Parte Dois

REFRÕES D o LAMENTO
Buscando Matéria Morta

O Tao tomou-se obscuro para as pessoas - quem pode


reconhecer claramente a essência e a vida? As pessoas
competem por posição e reputação, e não conseguem liber­
tar-se dos emaranhados emocionais. Só são habilidosas no
artifício e na opinião. Todos os que são assim buscam ma­
téria morta. É preciso uma coragem extraordinária para
perceber isso, afastar-se disso e despertar.

Valores

Já não se dá real valor ao Tao. Os medíocres e ignoran­


tes têm seus muitos tabus e suspeitam quando ouvem as
pessoas falarem no Tao. Quando vêem pessoas praticando
o Tao, eles as criticam e denunciam. Eles não dão atenção
à essência e à vida, nem dão alimento ao espírito vital. Só
anseiam por bebida e paixão, para encherem a pança. Pou­
115
cas pessoas trilham a rota que leva ao céu - a maioria delas
compete entre si para provar o sabor do inferno.

o Cego Conduzindo o Cego

O Tao deixou de ser entendido. Há um número in­


terminável de caminhos vicinais e desvios tortuosos, que
constituem uns poucos grupos básicos. Há os que se fixam
no vazio e os que se apegam a formas, bem como os que
fazem exercícios psicossomáticos. Há setenta e duas escolas
de alquimia material e três mil e seiscentas práticas aberran-
tes. Como os cegos conduzem os cegos, todos deixam a
estrada correta; eles impedem a passagem dos discípulos e
levam-nos para becos sem saída.

o Portão Aberto

O portão para o Tao é aberto - todos podem entrar. Se


você souber como mudar de direção, o alvo estará ao al­
cance da mão. Se se for capaz de agir com uma mente
simples, terá um tesouro espiritual. Conhecendo-se o Uno,
estende-se a vida da essência; quando se percebe o Duplo,
congela-se o embrião espiritual. Desde tempos antigos, to­
dos os iluminados tem lidado com pessoas, mas dificilmente
há algum material bom no mundo mundano.
116
Declínio no Taoísmo

Tem havido um declínio nas condições do Taoísmo.


Quantos taoístas conhecem o Verdadeiro eu? Em vez disso,
eles tomam olhos de peixe por pérolas. Muitos deles con­
sideram os produtos das plantas frutos da imortalidade.
Todos eles têm abandonado o normal e desenvolvido um
gosto pelo estranho. Todos buscam felicidade, mas trazem,
em seu lugar, o desastre. Todos os que encontram guias
iluminados mas não se mostram submissos já fecharam a
porta eles mesmos.

Buscar orientação

O Taoísmo encontra-se num lamentável estado. Por


que as pessoas que o estudam não fazem uma cuidadosa e
completa investigação? A grande matéria que nos interessa
a todos mais intimamente é tratada como brinquedo de
criança, os princípios dos sábios são tidos por certos. As
pessoas são egoístas e desrespeitosas, cheias de orgulho
arrogante. Desejam o lazer e temem o sofrimento, mas
imaginam caminhos para a imortalidade; parecem pensar
que a ânsia por lazer e o medo da dor são receitas de
imortalidade. Se não sabe esvaziar a própria mente para
buscar orientação, como você pode compreender o yin e o
yang verdadeiros?
117
Taoístas Degenerados

O Taoísmo está degenerado. A maioria dos discípulos


pratica extravagâncias. Eles sequer compreenderam a es­
sência e a vida, mas assumem ares de grande importância.
Com seus ambiciosos artifícios de obtenção de patrocínio,
acumulam débitos. Como podem digerir a comida que com­
praram com o dinheiro que não ganharam? Como podem
aqueles que agem de modo a produzir faltas conhecer a
autodisciplina? Observemos esses insetos confusos - todos
eles macularam os ensinamentos da Tradição.

Exercícios Artificiais

O Tao é natural. Todas as manipulações e invenções


forçadas são vãs. Algumas pessoas guardam a mente e fixam
suas idéias e pensamentos, algumas outras prendem o fôlego e
o mantêm no abdômen; outras ainda realizam exercícios psi-
cossomáticos de circulação de energia Quando chegarem ao
fim de sua vida e descobrirem que tudo o que fizeram foi inútil,
essas pessoas se ressentirão dos deuses, também inutilmente.’

Cabeça de Dragão, Rabo de Serpente

O Tao é para sempre. Se lhe falta perseverança, não se


aplique ao acaso. As pessoas perguntam sobre o Passo
118
Misterioso no instante em que passam pelo portão; elas
querem começar antes de aprenderem como. No começo,
são diligentes, mas terminam por relaxar, não têm vontade
firme. Piedosos por fora, mas secretamente diabólicos, mui­
tos cometem blasfêmias. Eles só querem impressionar as
pessoas mediante a revelação do mecanismo celestial; os
imortais espirituais invisíveis riem-se deles.

o Tao Normal

Nada há de estranho no Tao. Ouem tem gosto pelo


estranho já se perdeu na estrada. O vivido simbolismo dos
textos taoístas é somente... simbolismo. Ditados e provér­
bios comuns estão em concordância com o Tao dos sábios.
O fundamento da magia existe em atividades diurnas e
noturnas. O misterioso e maravilhoso Plano Interior é per­
feitamente óbvio, mas o ignorante não o contempla com
cuidado.

A Invisibilidade do Taoísmo

O Tao tem estado na obscuridade por longo tempo. Os


imortais espirituais, desde a dinastia Han até a dinastia Tang
(c. 200 A.E.C.-900 E.C.), recolheram-se ao anonimato. Co­
mo as pessoas aceitam o falso e não reconhecem o ver­
dadeiro, os iluminados ocultaram sua luz e se desenvol­
119
veram na obscuridade. Embora tivessem compaixão, não
havia como praticá-la; eles tinham dominado o mecanismo
celestial, mas a quem poderiam reVelá-lo? Quando en­
contravam alguém que de fato se preocupava com a Vida,
eles contavam o que sabiam.

o Ensinamento do Caminho

O Caminho do Tao deve ser ensinado. Se não se en­


contra um mestre iluminado, a confusão se instala. Uma
sucessão de adeptos transmitiu revelações sobre o mecanis­
mo, uma sucessão de luminares indicou o primordial. Nada
há de real em todo o corpo físico, nem no cérebro nem no
ventre - nenhum dos inumeráveis fenômenos que possamos
experimentar são a Arca da Verdade. Quem compreender
o que há antes do nascimento cedo estará cultivando lótus
de ouro no fogo.

o Despertar

Despertar é importante para o Caminho. Se não es­


tivermos despertos, como poderemos agir? Em primeiro
lugar, temos de descobrir por nós mesmos a fonte da es­
sência e, então, buscar um mestre para termos certeza sobre
a vida. O primordial e o adquirido são sobremodo desseme­
lhantes; as cinco forças interiores e exteriores estão em
120
estradas separadas. Quando se penetra por inteiro o segredo
do mecanismo celestial, pode-se transcender o comum e
privar da companhia dos sábios.

Flexibilidade

O Caminho está na flexibilidade. Agir com flexibilidade


é a melhor estratégia. Como pode o rígido alçar-se à estrada
correta? Como pode o impetuoso ultrapassar a condição
humana comum? A vida ulterior é uma manifestação da
vida que levamos antes; afinal, o recuo vem do avanço.
Quem busca atingir o Tao com uma atitude competitiva é
como um cego saltando sobre um rio profundo.

Resolução

Atingir o Tao requer resolução, ultrapassar de maneira


decisiva todos os empecilhos. Quem não pode descartar o
sentimento terá as mãos e os pés atados por ele; quem não
consegue livrar-se da cobiça e do ressentimento terá más
intenções. Quem deseja cultivar o Tao dos imortais pri­
meiro afasta a banalidade. Quem deseja elevar-se ao reino
dos sábios deve agora eliminar o que lhe faz mal. As pessoas
que estudam o Taoísmo ou o Budismo mas não conseguem
121
afastar completa e eficazmente as complicações de sua vida
são ridículas.

Vazios Diletantes

O Tao continua a carecer de adeptos. A maioria dos


praticantes dedica-se apenas a brincadeiras - com uma ou
duas frases zen, fingem ser grandes eremitas; tendo feito um
pouquinho de meditação, consideram-se sábios avançados.
Essas pessoas são insubstanciais, instáveis e vazias; falam
apenas para enganar os outros, mas enganam a si mesmas.
Ouem dentre elas se dispõe a despertar e a seguir a ver­
dadeira tradição?

Desvendando a Mulher Misteriosa

O Tao não é brinquedo de criança. Os ignorantes ape­


nas vagam em círculos fora do portão. Eles não sabem como
buscar a raiz da criação. Desejam obter o segredo por meio
do qual possam aperfeiçoar a vida, mas somente quando se
entra profundamente nos recessos do projeto interior é que
se vê a realidade. Ouando se desvenda a mulher misteriosa,
permite-se pela primeira vez que a luz se difunda. Há uma
coisa sustentando o universo, completa - quem puder reco­
nhecê-la poderá transcender as coisas.
122
A Utilidade do Tao

O Tao é útil -- quem souber disso não pode ser movido


pela Criaçao. As pessoas mais jovens devem trabalhar com
diligência, porque, quando ficarem velhas e decrépitas, mal
serão ajudadas pelos remédios. Quando se aprende o Tao,
podem-se transcender categorias comuns; quando se pra­
tica o Tao, pode-se alcançar o fundamento da iluminação.
Os discípulos são preguiçosos em toda parte, deixando o
tempo se escoar até passarem toda a vida vagando a esmo.

No Mundo e Além do Mundo

A bondade é importante para o Tao. Uma vez que nos


voltemos para o Tao, por que temer a velhice? Os imortais
espirituais deixaram métodos de enxerto de energia vital,
que os aspirantes devem praticar com um coração sincero.
Remontar à raiz produz um chá que prolonga a vida; voltar
a atenção para o próprio interior é um bálsamo restaurador.
Se não cultivamos a nós mesmos nesta vida, como sabere­
mos por que estrada retornar na próxima vida? A harmonia
é importante para o Tao - qual o propósito do escapismo
quietista? Um dos antigos adeptos usou o comércio para
completar o grande Caminho; outro alimentou a árvore es­
piritual enquanto servia como funcionário. Estar no mundo e,
ao mesmo tempo, além do mundo é a estrada que transcende
o comum; afastados da sociedade e, no entanto, no seu seio,
entramos no lar dos imortais. Desde tempos antigos, são inú­
meras as pessoas que se aprimoraram em cidades e lugarejos.
123
Trivializações e Abastardamentos

Por infelicidade, o Tao não é evidente para muitas pes­


soas. Quantos compreendem que ele é permeado pela uni­
dade? Este faz palestras sobre a ingestão de elixires, aquele
fala de voar. As pessoas procuram trivialidades, concreti­
zando seus impulsos; sua prática chafurda ignorantemente em
cultos. Todas elas abandonaram o real e divertem-se com o fal­
so - afinal, quem dentre elas pode alcançar o verdadeiro alvo?

Sinceridade

A sinceridade é importante para o Tao. Por que os


discípulos não exprimem seus verdadeiros sentimentos?
Quando as pessoas se endividam tentando expiar os pecados
com contribuições religiosas, os charlatães procuram os
seus bens. Um mestre iluminado é como um pai que conce­
de vida renovada; o ensinamento secreto é como a cidadela
da mais sublime felicidade - se enganamos e desprezamos
os outros, quem vai nos explicar o mecanismo celestial?

A Maravilha do Tao

O Tao é um tesouro. Quem obtém compreensão dele


pode prolongar a própria vida. Isso nada tem que ver com a
124
alquimia material. É tudo muito simples, muito fácil, sem
nenhuma dificuldade. É completamente espiritual, a Ver­
dadeira bondade. O ridículo é o fato de os tolos procurarem
misteriosas maravilhas quando sequer sabem o bastante
para preservarem a misteriosa maravilha que já está pre­
sente.

A Não-Reificação

O Tao se baseia na não-reificação; é informe, inex­


primível, não pode ser desenhado nem diagramado. Pro­
curemos ouvi-lo e não o escutaremos; procuremos por ele
e não o veremos. Tentemos chegar até ele e já o teremos
perdido; discuti-lo é um embuste. Ele é tão vasto que con­
tém o universo e, no entanto, é pequeno como uma pérola
diminuta. Há tantas pessoas no mundo tentando cultivar a
realização mas que, todavia, procuram o caminho em fenô­
menos psíquicos.

Falsos Discípulos

O Tao é profundo e misterioso - haverá alguém a quem


se possa falar dele? As pessoas carecem de sinceridade
interior e costumam ser orgulhosas e arrogantes. Não se
transformaram, mas alegam estar imunes ao mundo. Ex­
teriormente, fingem ser maduras, mas no interior são indig-
125
nas. Quem se comporta dessa maneira e ainda espera cul­
tivar a imortalidade vai desperdiçar a própria Vida e sofrer
as conseqüências.

o Acesso ao Tao

O Tao é nobilíssimo. Está além dos sentimentos sub­


jetivos e dos julgamentos obtusos. Não pode ser comuni­
cado por linhas de transmissão comuns; sequer pode passar
de pai para filho. Não pode ser comprado, mesmo por dez
mil onças de ouro. Quem é sincero, sem duplicidade, pode
beneficiar-se do Tao. Afora quem ultrapassou as categorias
e subiu aos céus, quem pode falar com facilidade do se­
gredo?

Ação Valiosa

O Tao é concentrado e direto. Praticar o Tao tem como


imperativo a ação valiosa. Somente quando se está imbuído
de qualidades valiosas e se pode agir a partir delas, chega-se
a ser real. Sem a virtude em ação, é impossível tornar-se
sábio. Quando as qualidades interiores são grandes, es­
pectros e espíritos dão assistência oculta; quando a prática
é profunda, influências desviantes não a podem desafiar. Os
quietistas inativos são ridículos, imaginando tolamente que
perceberão a essência e a Vida esvaziando a mente.
126
Descobrindo o Tao

O Tao é tão profundo quanto o pode ser - quem se


dispoe a aproximar-se dele? Se não se entrar na toca do tigre,
como se poderá pegar o seu filhote? Se não se lavarem a pe­
dra e a areia, como se poderá separar o ouro? Abaixemos a
cabeça e habitemos a caverna da não-reificação aberta; bus­
quemos com cuidado o coração do céu e da terra, com firme
determinação. De súbito, veremos a coisa original; onde quer
que encontremos a fonte, tudo é uma montanha de jóias.

Próximos mas Distantes

O Tao está próximo, mas as pessoas procuram fantásti­


cas doutrinas distantes. Bem diante dos nossos olhos, vemos
sempre belas flores de ouro; na vida cotidiana temos a se­
mente da realização. Ouem puder reconhecer isso cedo do­
minará o yin e o yang; quem puder compreendê-lo reverterá
de imediato a vida e a morte. Trata-se de uma coisa de que
não podemos nos aperceber pelos nossos próprios esforços;
é necessária a instrução de um mestre iluminado.

A Longa Estrada

O Tao é uma longa estrada -precisamos descobrir onde


ela começa e onde termina, bem como a rota a seguir.
127
Quando se produzem remédios, é preciso distinguir o ver­
dadeiro do falso. Quando se refinam remédios, é preciso
conhecer o duro e o mole. Quando se opera o fogo, deve-se
discernir quando apressar e quando retardar. Quando se
forma o embrião, deve-se adicionar e subtrair com cuidado.
O erro mais insignificante resulta numa perda enorme;
como podem umas poucas palavras exprimi-lo?

Aprendendo o Caminho

O Tao deve ser aprendido. Se não se aprende o cami­


nho, como se pode retornar à grande consciência? Primeiro
reconheçamos a lua crescente no sudoeste, o hexagrama
retomo', em seguida, investiguemos a tigela emborcada no
nordeste, o hexagrama despojar. No portão do nascimento
do eu, estabilizamos a raiz da vida; na porta da morte do eu,
despojamo-nos da casca de pele. Quantas pessoas há no
caminho do nascimento e da morte, e quantas dentre elas
podem controlar a Criação?

o Equilíbrio no Centro

O Tao está completamente equilibrado no centro, sem


inclinar-se para nenhum lado. Quem pode percorrer todo
esse Caminho? O preto e o branco unidos formam a matriz
da pílula; a unificação da forma e da abertura é a verdadeira
128
obra. Na união entre a fêmea e o macho está armazenada a
vontade de viver, o equilíbrio do yin e do yang faz levantar
uma brisa pacífica. Se puderem compreender o sentido do
equilíbrio central, as pessoas terão fama de grandes heróis,
quer se movam vertical ou horizontalmente, quer se opo­
nham ou acompanhem.

Não Há como Falsificá-lo

Não há engano no Tao - mesmo uma minúscula parcela


de falsidade já nos deixa à deriva. É essencial o desapego
das energias do vinho, da beleza física e dos bens materiais.
Devem-se eliminar a agressão, a ambição e a estupidez.
Com um coração sincero e uma vontade verdadeira, exer­
çamos na prática o máximo da nossa força. Finjamos ser
surdos e mudos, deixemos que as pessoas nos critiquem se
quiserem. Quando não se tem conhecimento consciente,
todos os objetos são vazios. Quem deseja subir a uma alta
posição deve primeiro descer.

A Imparcialidade do Tao

O Tao é completamente imparcial - não interessa a ele


a condição social, nem a pobreza e a riqueza. Todos pos­
suem a essência e têm capacidade de voltar à raiz; todos
possuem o espírito e podem voltar à juventude. A realização
129
precisa basicamente de que pessoas reais a façam - se as
pessoas não são reais, todos os seus labores são vãos.

A Bifurcação das Estradas

O Tao é profundo, mas quem deseja a completa reali­


zação precisa investigá-lo exaustivamente. A bifurcação en­
tre as estradas dos imortais e das pessoas comuns tem o
tamanho de um fio de cabelo; o portal da vida e da morte é
como um buraco de agulha. Basta um minúsculo descuido
para se perder a realidade natural; o mais ínfimo apego a
qualquer coisa nos leva à caverna do fantasma. Se não
entendermos o que é benéfico e o que prejudica nesse
contexto, nossas mil prescrições e nossos cem planos pro­
duzirão distúrbios e enfermidades interiores.

Despenhadeiros

A Trilha é plana, mas as inclinações dos discípulos


levam-nos a despenhadeiros. A alquimia sexual é contrária
ao verdadeiro Tao eterno; o quietismo não é o grande
método. Se se tentar forçar a união da energia e do sangue,
produzir-se-ão úlceras e toxinas. Ouem fixa rigidamente o
espírito vital penetra num poço flamejante. A estrada sim­
ples que leva ao céu está bem à nossa frente, mas não a
130
discernimos com clareza enquanto não encontramos um
guia iluminado.

A Pérola Inavaliável à Mão

O Tao não tem preço; é uma pérola que contém a


Criação. Armazenado, é profundamente escuro, sem ves­
tígios. Revelado, sua luz brilha dia e noite. O vir-a-ser sábio
depende por inteiro disso - não é preciso nada mais para
alcançar a iluminação. Mas muitos taoístas procuram a es­
mo, ao mesmo tempo que atiram fora o tesouro que está à
mão.

O Tao e seus Métodos

O Tao e seus métodos caminham juntos. Com o Tao e


os seus métodos, a raiz da vida é plantada. A contemplação
não intencional do inefável é a base do elixir; a contem­
plação intencional da abertura é o cozimento dos ingredien­
tes medicinais. Quando a fornalha e o caldeirão estão es­
táveis, não há sobressaltos. Quando o processo de aqueci­
mento é efetuado corretamente, o embrião espiritual é for­
mado. Essa sutil operação deve ser ensinada por um guia -
ela não pode ser realizada com base na adivinhação ar­
bitrária.
131
o Projeto Interior

É difícil pôr o Tao em prática. A principal prioridade é


descobrir o seu projeto interior. Onde a essência é de fato
armazenada? Em que solo se oculta, em última análise, a
raiz da Vida? As cinco forças não se encontram nos órgãos
internos; as três bases têm o Vazio como predicado. Os tolos
não estudam o projeto interior e por isso se confundem
desde o começo.

0 Sabor do Tao

O sabor do Tao é fragrante, mas quantos taoístas se


dispõem a prová-lo com cuidado? A combinação das quatro
formas estende a nossa vida; a agregação das cinco forças
nos faz entrar no reino dos imortais. A luz espiritual da lua
crescente é a base do elixir restaurador, a verdadeira ener­
gia do espaço infinito é o remédio dos remédios.

Encontrá-lo ou Esquecê-lo

O Tao não tem começo - a circulação de uma energia


é o seu verdadeiro segredo. De nada adianta aos imbecis
comuns a imposição de suas próprias idéias ao Tao. Ele só
ensina aqueles que chegam a ele para preservá-lo de ma-
132
neira não deliberada. Ouando encontrar, devolva-o à for­
nalha de jade e molde-o como uma estrela fundida com a
fonte. Ouem não compreende esse mecanismo celestial
deve parar de emitir juízos diante das pessoas.

Uma Escada para as Alturas

O Tao é uma escada para as alturas - quem pode subir


por ela é por certo notável. Eles obtêm constantemente o
remédio que prolonga a vida, afiam de modo permanente a
espada que mata demônios. Ouando o adquirido é subli­
mado por completo, o primordial aparece. Ouando a casca
de mundanidade é retirada, o embrião espiritual fica está­
vel. O problema é que os discípulos têm medo de trabalhar
com firme determinação, razão pela qual, quando vem o
fim, gritam e gemem em vão.

O Tao Indevassável

O Tao é indevassável, completo, o ímpar absoluto, sem


costas, sem frente, sem antes, sem depois. Ora oculto, ora re­
velado, é a um só tempo inacabado e formado. O que o olho
não pode ver não pode ser expresso - tente-se fixar o olhar
nele e ele sumirá da vista. O espírito o percebe espontanea­
mente. Todos os tolos o procuram em imagens - como
podem eles aproximar-se do reino dos sábios?
133
A Imortalidade

O Tao é sublime e misterioso, um Grande Caminho


para transcender o comum e passar à condição de sábio.
Quando ouvem falar de alcançar a imortalidade, todas as
pessoas se sentem atraídas; mas, quando ouvem sobre as
exigências do trabalho, todos desaparecem. Em todo o mun­
do há pessoas que desejam tanto a riqueza da terra como
saltar nas nuvens e alçar-se aos nove céus; mas nunca ouvi
falar de um sábio vindo do meio delas.

Bem em Casa

O Tao é simples e conveniente. Não é necessário buscá-


lo longe, porque ele está bem em casa. Transforme a si mes­
mo e você vai ter a pílula que restaura a alma. Mude de pers­
pectiva e você terá chegado à verdadeira margem do caminho.
A razão por que o tesouro espiritual não se revela aos que o
buscam é o fato de estes mesmos não o permitirem—que pena
que as pessoas falsas percam a vida, insanas, em desvios!

Sem Viés

O Tao não tem viés —quando a essência e a vida são


cultivadas, completa-se a grande restauração. No começo,
134
há o fazer, para aperfeiçoar a jóia da vida; no final, há o
não-fazer, para compreender o céu da essência. Quatro yins
e yangs se dividem em verdadeiro e falso; dois estágios da
obra têm antes e depois. Contemplar a abertura e con­
templar o sutil; só então há completa perfeição - quando há
um começo sem um fim, trata-se de uma aberração.

A Reversão do Tempo

O Tao é quíntuplo - a energia se decompõe em água,


fogo, madeira, metal e terra. Quando o um se torna cinco, a
realidade original é obscurecida. Quando cinco são um,
vemos o progenitor. Para começar, é necessário distinguir o
primordial do temporal e, então, é imperativo discernir com
cuidado a porta da vida e da morte. O segredo sutil está
entre a concordância e a reversão - se não se distinguirem
a concordância e a reversão, a disciplina será vã.

Estupidez e Loucura

O Tao é claro, mas essa clareza requer que nos des­


pojemos de tudo o que traz confusão. Atente sempre para a
sua própria estupidez, cuide do vagar da sua mente. Quando
não ocorre nada que envolva a sua mente, Você retorna à
verdadeira percepção. Quando a atenção total unificada é
puramente real, você compreende a grande restauração.
135
São ridículos os que tentam cultivar a quietude - enquanto
o corpo e a mente estiverem instáVeis, é loucura ir para as
montanhas.

Independência

O Tao é independente. Independência significa ter de


amar a si mesmo. Se você mesmo está presente, as coisas
não podem perturbá-lo. Se você mesmo está ausente, a sua
essência é obscurecida. Em última análise, se você mesmo
sempre estiver em casa, o próprio rei da morte recuará
surpreso. Se você não conhece esse mecanismo, todas as
suas práticas apenas se interpõem no seu caminho.

A Fonte das Dificuldades

O Tao não é difícil. A dificuldade advém do fato de os


discípulos não estudarem efetivamente. A realização pro­
funda deve abrir, em última análise, a porta da sabedoria;
quem se mantiver concentrado terminará por vencer a dú­
vida. Encontrando-se a energia primordial, logo se pode
cristalizar o elixir restaurado. Conhecendo-se o fim e conhe-
cendo-se o princípio, penetra-se no curso inteiro. O resul­
tado é produzido de acordo com a causa; por isso, não deve
haver obstrução.
136
Testemunho, Prática,
Experiência, Transmissão

O Tao deve ser testemunhado. Tendo-o testemunhado,


ponha-o em prática e você não sentirá fadiga no caminho.
Embora você possa despertar para a essência por si mesmo,
não se deve confiar nisso; a ciência da Vida, transmitida por
mestres, deVe ser conferida pela experiência. O conheci­
mento inato deve ser complementado pelo conhecimento
adquirido; mesmo tendo-se o verdadeiro material, ainda se
deve procurar um grande artesão para se ter certeza. É uma
pena que pessoas que se consideram inteligentes se envol­
vam com desvios tortuosos por agirem impulsivamente a
partir de adivinhações incoerentes.

o Verdadeiro Ser Humano original

O Tao tem vínculos com o espiritual. Uma vez com­


preendido, aplica-se a tudo, ultrapassando a poeira do mun­
do comum. Reconheça o elemento informe original e plas­
me-o como corpo de total resistência, indestrutível. Essa é
a coisa mais sagrada, mais espiritual - os três venenos da
ambição, da agressão e da estupidez se dissolvem; não há
calamidades nem dificuldades, todas as estações são a pri­
mavera. Esse método não apresenta dificuldades, sendo na
verdade simples e fácil; contudo, há neste mundo bem
poucas pessoas verdadeiras.
137
o Estado sem Estado

O Tao não tem estado - sua real descrição seria um estado


sem estado. Tranqüilo e impassível, mas sensível e eficaz - cha­
memo-lo e ele responderá, na quietude ele é claro. Reunamo-
lo, coloquemo-lo na fornalha do espaço cósmico, moldemo-lo
como um mastro que se limita com o céu. O verdadeiro segre­
do tem de ser transmitido fora da doutrina; quem nada reali­
zou e pouco praticou sequer pode pensar em aspirar a ele.

Não Corra Cegamente

O Tao é extremamente recôndito. O mínimo desvio


traz um ônus inútil. É necessário que os ingredientes da
alquimia espiritual estejam na proporção correta e que o
processo de cozimento esteja completo do início ao fim.
Somente quando se sabe o que é bom augúrio e o que é mau
augúrio pode-se salvaguardar o real. Só quando ajustado de
maneira apropriada, o trabalho tem sucesso. Quando se
compreende uma parte, pode-se aplicar essa parte. Quando
se corre cegamente a praticar, perde-se o esforço.

Não Especule

O Tao é de fato diferente. Quando o conhecemos, ele


nos ajuda aonde quer que Vamos. Reverter o yin e o yang na
138
porta principal do passo misterioso, revolver o céu e a terra
na raiz da energia espiritual, apanhar a pérola luminosa sob
as mandíbulas do dragão vermelho, descobrir o recipiente
da verdade no covil do tigre - essas matérias devem ser
estudadas na companhia dos imortais espirituais; elas não
admitem as especulações dos ignorantes homens comuns.

o Corpo Verdadeiro

O Tao é sobremodo verdadeiro. É preciso primeiro


reconhecer o ser humano original em detalhes. Procure a
essência original no interior da natureza temperamental,
busque o corpo verdadeiro no interior do corpo material. A
diferença entre o certo e o errado é tênue; só no antes e no
depois o remoto e o próximo se distinguem. Todos os ilu­
didos permanecem no corpo físico - eles tomam o se­
cundário pelo essencial.

Como Agir

O Tao é deveras delicado. O comportamento tem algo


que ver com ele. Controle a mente, aprimore a vontade,
guarde-se do perigo com deligência. Trabalhe de dia,
vigie à noite, sempre como se estivesse correndo risco.
No momento em que você se permite relaxar, a sua ver­
dadeira essência padece; basta pensar no descanso e a porta
139
da Vida se fecha. Praticar o Tao é como escalar uma mon­
tanha de gelo - um único passo em falso machuca o corpo
inteiro.

o Domínio da Abertura

O Tao é fundamentalmente aberto, mas nessa abertura


habita um mestre. Trata-se do Verdadeiro progenitor-fonte
que opera a Criação, o grande poder espiritual que sustenta
a essência e a Vida. Alcançar a condição de sábio e trans­
cender o comum dependem do seu poder; movendo as
estrelas, dirigindo a Estrela do Norte, ele não faz nenhum
esforço. É imperativo que se veja como é de fato o mestre
- se não o tivermos visto, como poderemos ter a restaurada
juventude?

Energia, Vitalidade, Espírito

O Tao está no corpo. Escondida no corpo, há outra


pessoa, que sempre nos acompanha, o que quer que fa­
çamos. Estejamos despertos ou adormecidos, ela sempre
está lá; observando, escutando, falando, andando, ela está
muito próxima de nós. Não se trata da percepção do conhe­
cimento condicionado, mas da energia, da vitalidade e do
espírito sadios originais. Quem busca isso em termos de
forma ou contorno toma o servo pelo amo.
140
A Sutileza do Tao

O Tao é sutil. As pessoas comuns riem quando ouvem


falar disso. Gira-se o mecanismo da evolução do yin e do
yang, entra-se pela abertura primordial do caos, apanha-se
o bastão do não apego e, com ele, afugentam-se demônios.
Opor-se ou conformar-se depende da mente; nos picos de um
milhar de montanhas, cantamos e trauteamos para sempre.

Diligência

A diligência é importante para o Tao. Busque o mestre


fundamental, mesmo que você tenha de esquecer a comida
e o sono para fazê-lo. Com todos os pensamentos sinceros,
você deve acautelar-se. Refletindo interiormente repetidas
vezes, você deve ter cuidado. Com a realização profunda,
você se eleva naturalmente até o Caminho. Com profunda
sinceridade, é certo que você vá provar a energia fragrante.
Quem é insubstancial e falto de vontade jamais pode trans­
cender a multidão ignara.

A Unicidade do Tao

O Tao é único, sem dualidade - por que as pessoas


iludidas o dividem em alto e baixo? O grande resultado é
141
originalmente um nome para consciência absoluta; a sin­
ceridade suprema é em si a forma da pílula de ouro. Ouando
se reconhece que os princípios dos sábios são os mesmos,
percebe-se que o Taoísmo e o Budismo são iguais. Ouem
não compreende isso e busca em outro lugar envolve-se com
desvios, desperdiçando a vida em vãs especulações.

o Tao Multifacetado

O Tao é multifacetado. Vivenciei todos os tipos de


Taoísmo, falsos e verdadeiros. Primeiro encontrei um mes­
tre que abriu uma clara estrada; mais tarde encontrei outro
que me revelou a grande restauração. Depois de mais de
vinte anos, terminei por me conhecer; depois de cem mil
aprimoramentos, pela primeira vez me alcei até a Arca. Se
não se persiste em intensos esforços concentrados, como se
pode esperar vadear grandes rios?

O Começo do Tao

O Tao tem um começo. Completar o começo com o fim


é a mensagem dos sábios. Cultive a essência por meio da
vida e você vai alcançar a estabilidade. Retorne do ser ao
não-ser e só então você vai descansar. Desista a meio cami­
nho e você terá desperdiçado esforços; quem abandona a si
mesmo no meio do caminho não é um verdadeiro prati­
142
cante. Em muitos casos, o discípulo não reconhece o real.
Se se reconhece o real, qual a dificuldade de compreender
a vida e a morte?

Proibições

Há proibições no Tao. A escada da essência e da vida


vale dez mil peças de ouro. Se se passar o Tao por engano à
pessoa errada, aparece uma estrela de mau augúrio; se se
revelar levianamente o mecanismo celestial, atrai-se a cala­
midade. Os discípulos devem ser muito determinados para
encontrar o Caminho, mas sua vontade é mais firme depois
que um mestre verdadeiro os instruir. Pessoas não capa­
citadas a receber o ensinamento dificilmente podem ser
levadas a avançar - quando se encontra de fato alguém que
conhece, abre-se o coração.

143
Outras obras de interesse: O TAO E A REALIZAÇÃO
PESSOAL
John Heider
CHUANG-TZU - ESCRITOS
b á s ic o s TAO - O Curso do Rio
Burton Watson (org.) Alan W. Watts

A DOUTRINA DA FLOR DE TAOÍSMO - O CAMINHO PARA


OURO A IMORTALIDADE
Mokusen Miyuki John Blofeld

A ENERGIA CURATIVA A TOTALIDADE E A ORDEM


ATRAVÉS DO TAO IMPLICADA
Mantak Chia David ßohm

O LTVRO DO CAMINHO TAO-TE KING


PERFEITO-(TAO TÉ Lao-Tzu
CHING)
Lao Tsé TAO - TRANSFORMAÇÃO DA
MENTE E D O CORPO
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LAO-TZU - LIE-TZU -
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Henry Normand e outros Paradoxos
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A SINCRONICID ADE E O
TAO O TAO DA FÍSICA
Jean Shinoda Bolen Fritjof Capra

O TAO DA MÚSICA O PONTO DE MUTAÇÃO


Carlos D. Fregtman Fritjof Capra

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EDITORA PENSAMENTO
Rua Dr. Mário Vicente, 374 - Fone: 272-1399
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O Despertar
para o Tao
Segundo a versão para o inglês de Thomas Cleary

Liu I-ming

O Tao é o Caminho, o Caminho de todos os caminhos,


o princípio de todos os princípios, o fato gerador de todos
os fatos. O Taoísmo, em seu sentido mais amplo, é a busca
da verdade e da realidade. Num sentido mais estrito, é a
tradição de conhecimento original da China; mas o Taoís-
mo, no último par de séculos, já estendeu sua influência a
muitos campos diferentes de empreendimento no Ocidente.
Temos hoje livros sobre Taoísmo e investimento, Taoísmo
e saúde, Taoísmo e sexo, Taoísmo e guerra, Taoísmo e
ciência, Taoísmo e arte, Taoísmo e vida. o Despertarpara o
Tao não é especificamente nada disso, mas inclui algo de
tudo isso, e um pouco mais - mais de cem métodos para se
atingir a realidade como ser humano plenamente cons­
ciente. Segundo os mestres dos tempos antigos, quando
despertamos para esse Caminho peculiar que está no cru­
zamento de todos os caminhos, temos nas mãos a chave de
todos os caminhos e podemos ser bem-sucedidos em quais­
quer caminhos que decidamos praticar.
Liu I-ming (1737-?) foi um adepto do Taoísmo e um
enidito budista e confucionista. É autor de comentários de
vários clássicos taoístas, incluindo O I Ching Taoísta e Os
Ensinamentos Secretos do Taoísmo, de Chang Po-tuan.
Thomas Cleary doutorou-se em línguas e civilizações
do leste asiático na Harvard University. Além das obras
mencionadas, traduziu o I Ching Budista, I Ching: o Tao da
organização &A Arte da Guerra, de Sun Tzu.

ED ITO RA PENSAM ENTO

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