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Universidade Federal da Paraı́ba

Centro de Ciências Exatas e da Natureza


Graduação em Matemática

A equação da onda

Aline de Araújo Maia

João Pessoa – PB
Novembro de 2017
Universidade Federal da Paraı́ba
Centro de Ciências Exatas e da Natureza
Graduação em Matemática

A equação da onda
por

Aline de Araújo Maia

sob a orientação do

Prof. Dr. Fágner Dias Araruna

João Pessoa – PB
Novembro de 2017
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação

M217e Maia, Aline de Araújo.


A equação da onda / Aline de Araújo Maia. - João
Pessoa, 2017.
74 f. : il.

Orientação: Araruna, Fágner Dias.


Monografia (Graduação) - UFPB/CCEN.

1. Séries de Fourier. 2. Equação da onda. 3. Corda


vibrante. I. Araruna, Fágner Dias. II. Título.

UFPB/BC
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Dedico este trabalho a minha famı́lia, em especial aos meus
pais Ana Maria (in memoriam) e Manoel Alves, que sem-
pre acreditaram em mim e fizeram o possı́vel pela minha
educação.
“Porque Dele e por Ele, e para Ele, são todas
as coisas; glória, pois, a Ele eternamente.
Amém.”

Romanos 11:36

v
Agradecimentos

A Deus, pois Nele vivemos, nos movemos e existimos, Ele é a fonte de todo o
conhecimento e ajuda aqueles que o buscam.
Aos meus pais, Ana Maria (in memoriam) e Manoel Alves, por estarem incondi-
cionalmente ao meu lado, me criando no caminho da retidão e sempre influenciando
meu interesse pelo conhecimento. Aos meus avós, Maria da Glória, Isaac Araújo (in
memoriam), Eunice Maia (in memoriam) e Antônio Amaro (in memoriam), por ofe-
recerem um ambiente de amor e atenção especialmente na minha infância. Aos meus
tios, em especial minhas tias Zenaide Maria e Joanita Maria, que cuidaram de mim
após o falecimento da minha mãe.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Fágner Dias Araruna, por toda a contribuição
e auxı́lio para o meu desenvolvimento não só acadêmico, mas também enquanto ser
humano. Aos professores membros da banca examinadora, Prof. Dr. Damião Júnio
Gonçalves Araújo e Prof. Dr. Uberlandio Batista Severo, por aceitarem o convite de
participarem deste momento importante.
Aos meus colegas do laboratório Milênio, a destacar, Thiago Luiz, Raoni, Mariana,
Cássio, Angélica, Raiza, José Ribeiro, Esaú, Julian, Douglas, Marcelo, José Carlos,
Richardson, Moisés, Josenildo, Suelena, Victor, Leon e Wendel, pelos momentos de
estudo e brincadeiras compartilhados. A Liana Coliselli e Karoline Medeiros, minhas
amigas e conselheiras.
A todos os colegas da Cru Campus, na pessoa de Shirley Mesquita, pela comunhão
no campus e fora dele, e pela vivência cristã neste local. Seguramente posso chamá-los
de irmãos.
A todos das igrejas Batista em Ferreiros e Luterana, que me auxiliaram com orações
e apoio espiritual.
Resumo

Neste trabalho, focamos o nosso estudo na equação da onda. Apresentamos inicial-


mente conceitos básicos referentes a Equações Diferenciais Parciais (EDPs) e a Teoria
das séries de Fourier. Em seguida, lidamos com a dedução fı́sica e resolução desta
equação. Discutimos diversos problemas de valores iniciais e de fronteira, tais como:
o da corda com extremidades fixas, da corda dedilhada, da corda infinita e da corda
semi-infinita. Além disso, nos dois últimos, encontramos a solução de D’Alembert. Na
abordagem desses problemas, tivemos a oportunidade de tratar não só de conceitos
matemáticos mas também de fı́sicos relacionados a este tema.

Palavras-chave: Séries de Fourier, Corda vibrante, Equação da onda.


Abstract

In this work, we focus our study in wave equations. We present incially basic
concepts of Partial Di↵erentials Equations (PDEs) and Theory of Fourier series. In the
following, we deal with the physic dedution and also the resolution of this equation. We
treat several problems of inicial value and boundary conditions such as: the problem of
the string with fixed extremeties, the figering string, the infinity string and semi-infinity
string. Additionally, in the last two ones, we have found a solution of D’Alembert type.
In the approach of this problems, we had the opportunity of treating not just with
mathematical concepts but also with physical related topics to this theme.

Keywords: Fourier Series, Vibrating String, Wave Equation.


Sumário

Introdução 1

1 Preliminares 3
1.1 Sobre equações diferenciais parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.1.1 Condições de fronteira e iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 Séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1 Convergência da série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Equação da onda 13
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2 Nota histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Dedução fı́sica da equação da corda vibrante . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.4 Exemplos da equação da onda e diferentes condições iniciais e de fronteira 19
2.5 Resolução da equação da onda por séries de Fourier . . . . . . . . . . . 21
2.6 Energia da corda vibrante e unicidade de solução . . . . . . . . . . . . 30
2.6.1 Interpretação fı́sica das fórmulas da energia cinética (2.33) e po-
tencial (2.34) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.7 Harmônicos, frequência e amplitude de uma onda estacionária . . . . . 36
2.7.1 Partes de uma onda estacionária . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.7.2 A energia do n-ésimo harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.8 A corda dedilhada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.9 Vibrações forçadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.10 A corda infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.10.1 Solução generalizada da equação da onda . . . . . . . . . . . . . 45
2.10.2 Fórmula de D’Alembert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.10.3 Inferências a respeito da fórmula de D’Alembert . . . . . . . . . 48
2.10.4 Corda infinita dedilhada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.10.5 A integral da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.10.6 Unicidade de solução estrita do problema de Cauchy . . . . . . 57

ix
2.10.7 Continuidade da solução do problema de Cauchy com os dados
iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.10.8 O problema de Cauchy não-homogêneo . . . . . . . . . . . . . . 58
2.11 A corda semi-infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
2.11.1 Comentários a respeito de (2.73) . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

Referências Bibliográficas 63

x
Notações

A seguir, listamos algumas notações utilizadas neste trabalho.

@f
• @x
ou fx denotam que a função f foi derivada com relação a variável x;

• K, c, c1 , c2 , . . . denotam constantes positivas, possivelmente deferentes;

• C k (⌦) denota o conjunto das funções de classe C k definitas em um subconjunto


⌦ 2 Rn ;
• R denota o conjunto R = {(x, t) 2 R2 ; 0 < x < L; t > 0} ;

• R̄ denota o fecho do conjunto R .

xi
Introdução

A teoria das Equações Diferenciais Parciais (EDPs) é um campo de estudo da


matemática amplamente explorado por outras áreas da ciência, tendo suas origens no
cálculo diferencial e integral com motivação em problemas oriundos da fı́sica, biologia,
ciências econômicas, entre outras.
Nos últimos três séculos, esta teoria tem conquistado espaço significativo tanto
na matemática pura, sendo considerada parte vital da análise, quanto na matemática
aplicada, onde tem se mostrado uma importante ferramenta.
Tais equações são utilizadas para modelar fenômenos que dependam da posição, do
tempo ou outras variáveis. Muitas leis da natureza encontram nas EDPs uma liguagem
objetiva para sua expressão, como por exemplo, problemas de eletrodinâmica, difusão
do calor e propagação de ondas. Entre estes, está o famoso problema de vibrações de
cordas elásticas, que se reduz na obtenção de uma solução para uma equação diferencial
parcial, conhecida como a equação da onda unidimensional.
Neste trabalho, estudaremos a equação da onda unidimensional de forma detalhada,
desde a sua dedução fı́sica até problemas de valores iniciais e de fronteira ligados à
mesma, utilizando como principal referência o livro [2].
É interessante frisar que o problema tratado neste trabalho tem grande contribuição
histórica para a matemática, pois foi um dos debates cientı́ficos mais importantes do
século XVIII. Diversos matemáticos famosos como D’Alembert, Daniel Bernoulli, Euler
e Lagrange se debruçaram para resolvê-lo. Foram obtidas soluções de diversas formas,
que geraram discussões a respeito de assuntos importantes como o conceito de função.
Muitos destes debates perduraram até o inı́cio do século XIX, trazendo grandiosas
contribuições para a matemática da época e embasando teorias futuras.
Este trabalho está dividido em dois capı́tulos. No Capı́tulo 1 começaremos com
conceitos básicos e, em seguida, de maneira sucinta, mencionaremos alguns resultados
pertencentes à teoria de séries de Fourier.
Iniciaremos o Capı́tulo 2, o principal deste texto, com uma breve introdução à
ondas e, em seguida, apresentaremos uma nota histórica referente ao problema da corda
vibrante. Em seguida, faremos a dedução fı́sica da equação da onda unidimensional,

1
usando como ferramenta o princı́pio fundamental da dinâmica.
Considerando o problema da corda vibrante, também mostraremos a resolução da
equação utilzando o método de Fourier. Na sequência, apresentaremos um teorema que
valida a solução encontrada. Abordaremos também diferentes problemas de valores
iniciais e de fronteira, dentre eles a corda com extremidades fixas, a corda dedilhada, a
corda infinita ou problema de Cauchy- de onde obteremos a fórmula de D’Alembert-e,
finalmente a corda semi-infinita. Dentre tais problemas de valores iniciais e de fronteira,
também poderemos analisar a energia da corda vibrante, harmônicos, frequência e
amplitude de uma onda estacionária, que são temas de cunho mais fı́sico.

2
Capı́tulo 1

Preliminares

Neste capı́tulo destacaremos informações importantes para a compreensão de afir-


mações e teoremas usados nesta monografia. Essencialmente, partiremos da explanação
acerca do conceito de equações diferenciais parciais e das condições iniciais e de fron-
teira; posteriormente falaremos da teoria de séries de Fourier, sobre a definição e
também sobre sua covergência pontual e uniforme. Tal teoria é imprescı́ndivel à ob-
tenção de uma solução para a equação que é tema deste trabalho, a equação da onda.

1.1 Sobre equações diferenciais parciais


Uma Equação Diferencial Parcial (EDP) é uma equação envolvendo duas ou mais
variáveis independentes x, y, w, ...; e derivadas parciais de uma função (variável depen-
dente) u = (x, y, w, ...). De maneira mais precisa, uma EDP em n-variáveis indepen-
dentes x1 , ..., xn é uma equação da forma
✓ ◆
@u @u @ 2u @ku
F x1 , ..., xn , , ..., , , ..., k = 0, (1.1)
@x1 @xn @x1 @xn @xn

onde x = (x1 , ..., xn ) 2 ⌦, ⌦ é um subconjunto aberto do Rn , F é uma função dada e


u = u(x) é a função que queremos determinar.
A ordem de uma EDP é dada pela derivada parcial de maior ordem.
Uma EDP é dita linear se é de primeiro grau em u e em todas as derivadas parciais
que ocorrem na equação; caso contrário, diremos que é não linear.
A forma mais geral de uma EDP linear de primeira ordem é
n
X @u
aij (x) + b(x)u + c(x) = 0. (1.2)
i,j=1
@xj

3
1. Preliminares

Para equações de segunda ordem a forma mais geral é dada por


n
X n
X
@ 2u @u
aij (x) + bj (x) + c(x)u + d(x) = 0. (1.3)
i,j=1
@xi @xj j=1 @xj

Dizemos que uma EDP linear é homogênea se o termo que não contém a variável
dependente u é identicamente nulo.
As condições que iremos tratar são válidas para equações diferenciais parciais linea-
res de qualquer ordem, contudo iremos exemplificar com uma EDP de segunda ordem.
Podemos reescrever (1.3) da seguinte forma:

Lu = f. (1.4)

Pn 2 Pn
onde f (x) = d(x) e (Lu)(x) = i,j=1 aij (x) @x@i @x
u
j
+ @u
j=1 bj (x) @xj + c(x)u.
Em (1.4), L é chamado de operador diferencial que é a função definida por

L : C 2 (⌦) ! C(⌦)
u 7! Lu,

O resultado a seguir é conhecido como princı́pio da superposição.

Teorema 1.1. Seja L um operador linear diferencial parcial de ordem k cujos coefi-
cientes estão definidos em um aberto ⌦ ⇢ Rn . Suponha que {un }n2N é um conjunto
de funções de classe C k em ⌦ satisfazendo a EDP linear homogênea Lu = 0 e que
{↵n }n2N é uma sequência de escalares tal que a série

1
X
↵ n un
n=1

é convergente e k vezes diferenciável termo a termo em ⌦. Então u satisfaz Lu = 0.

A prova deste resultado encontra-se em [4, p. 10].

1.1.1 Condições de fronteira e iniciais


Quando impomos condições sobre o valor da solução e das suas derivadas no bordo
da região ⌦ ⇢ Rn , onde a solução está definida, tais valores são chamados de condições
de fronteira, daı́ temos um problema de valores de fronteira.
Quanto às condições iniciais, como temos mais de uma variável dependente em
EDP, por exemplo, x e t, é comum fixarmos uma das variáveis (t = 0) e assim termos
o valor da solução e de suas derivadas parciais em relação à variável fixa como função

4
1. Preliminares

das outras variáveis, por exemplo, u(x, 0) = f (x) e ut (x, 0) = g(x), onde f e g são
funções dadas.
Problemas envolvendo condições de fronteira e condições iniciais serão chamados de
problemas de valores iniciais e de fronteira, que abreviaremos com a sigla P V IF .

1.2 Séries de Fourier


Nesta seção discorreremos a respeito da teoria de séries de Fourier, sob quais
hipóteses uma função pode ser representada por uma série de Fourier, e também acerca
da obtenção dos coeficientes de Fourier para esta, quando ela existir. Por fim, tratare-
mos de teoremas que expliquem a convergência pontual e uniforme desta série.
É importante ressaltar que os resultados aqui expressos serão apresentados de ma-
neira sucinta, algumas demonstrações serão omitidas. Também é importante salientar
que esta teoria serve como base para as conclusões obtidas no capı́tulo principal mo-
nografia, o capı́tulo 2.
Para iniciarmos a apresentação da teoria das séries de Fourier, vejamos as a de-
finições a seguir.

Definição 1.1. Uma função f : R ! R é dita periódica de perı́odo T se f (x+T ) = f (x)


para todo x.

Definição 1.2. Seja f : R ! R uma função periódica de perı́odo 2L, integrável e


RL
absolutamente integrável no intervalo [ L, L], isto é, L |f (x)|dx < 1. Os números
dados por Z
1 L ⇣ n⇡x ⌘
an = f (x) cos dx, n 0,
L L L
Z L ⇣ n⇡x ⌘ (1.5)
1
bn = f (x)sen dx, n 1,
L L L
são chamados de coeficientes de Fourier da função f .

Definição 1.3. Dada uma função f : R ! R periódica de perı́odo 2L, integrável e


absolutamente integrável no intervalo [ L, L], podemos calcular seus coeficientes de
Fourier pelas expressões em (1.5). E, desta forma, podemos escrever

X1 ⇣ ⇣ n⇡x ⌘ ⇣ n⇡x ⌘⌘
1
f (x) ⇠ a0 + an cos + bn sen . (1.6)
2 n=1
L L

Isto significa que a expressão do lado direito é a série de Fourier de f .

O sinal ⇠ em (1.6) significa que nem sempre ocorre a igualdade, podendo ocorrer
aproximações, e algo mais sério pode acontecer, que é o caso da série de Fourier divergir.

5
1. Preliminares

Por isso, mais adiante, veremos condições suficientes para que a função f seja igual a
sua série de Fourier.

Definição 1.4. Uma função f : R ! R será seccionalmente contı́nua se tiver apenas


um número finito de descontinuidades (todas de primeira espécie) em qualquer intervalo
limitado. Em outras palavras, dados a < b, existem a  a1 < a2 < ... < an  b, tais
que f é contı́nua em cada intervalo aberto (aj , aj+1 ), j = 1, ..., n 1, e existem os
limites
f (aj + 0) = lim+ f (x) e f (aj 0) = lim f (x).
x!aj x!aj

Definição 1.5. Uma função f : R ! R será seccionalmente diferenciável se for secci-


onalmente contı́nua e se a função derivada f 0 for também seccionalmente contı́nua.

Teorema 1.2. Teorema de Fourier Seja f : R ! R uma função seccionalmente


diferenciável e de perı́odo 2L. Então a série de Fourier da função f , dada em (1.6),
converge, em cada ponto x para 12 [f (x + 0) + f (x 0)].

Estimativas dos coeficientes de Fourier


Primeiramente, suponhamos que f seja uma função periódica de perı́odo 2L, in-
tegrável e absolutamente integrável, daı́ utilizando a equação (1.5), e que as funções
seno e cosseno são limitadas por um. Obtemos as seguintes estimativas para os cofici-
entes an e bn
Z L ⇣ n⇡x ⌘ Z L
1 1
|an | = f (x) cos dx  |f (x)|dx,
L L L L L
Z L ⇣ n⇡x ⌘ Z L
(1.7)
1 1
|bn | = f (x)sen dx  |f (x)|dx.
L L L L L

Agora, usando a hipótese de f e |f | serem funções integráveis, podemos concluir a


existência de uma constante M , tal que

|an |  M e |bn |  M, 8 n.

Suponhamos agora que f seja periódica de perı́odo 2L e também que seja derivável,
e tal derivada f 0 seja integrável e absolutamente integrável. Então, integrando por
partes as expressões em (1.5)e tomando valores absolutos obtemos
Z L
1
|an |  |f 0 (x)|dx
n⇡ L
Z L
(1.8)
1 0
|bn |  |f (x)|dx.
n⇡ L

6
1. Preliminares

Daı́, usando a hipótese que f é contı́nua e f 0 tem derivada integrável e absolutamente


integrável, temos a implicação de que existe uma constante M , tal que

M M
|an |  e |bn |  , 8 n = 1, 2, ... (1.9)
n n

Finalmente, suponhamos que f seja periódica de perı́odo 2L, com primeira deri-
vada contı́nua, e a segunda derivada integrável e absolutamente integrável. Com estas
hipóteses, podemos melhorar as estimativas em (1.9). Para isto, realizamos mais uma
integração por partes nas expressões em (1.7) e obtemos
Z L
L
|an |  2 2 |f 00 (x)|dx,
n⇡ L
Z L
L
|bn |  2 2 |f 00 (x)|dx.
n⇡ L

Portanto, através das nossas últimas hipóteses podemos concluir que

M M
|an |  2
e |bn |  2 , 8 n = 1, 2, ... (1.10)
n n

1.2.1 Convergência da série de Fourier

Classes das funções consideradas


Como vimos anteriormente, para definirmos coeficientes de Fourier e, consequente-
mente, a série de Fourier de uma função f , foi necessário admitir algumas hipóteses
sobre esta função, tais como periodicidade (f é de perı́odo 2L), integrabilidade e in-
tegrabilidade absoluta no intervalo [ L, L], onde a integral que estamos lidando é a
integral de Riemann. Veremos agora resultados a respeito da convergência desta série.

Definição 1.6. Uma função f será chamada L 1 se, e somente se, f e |f | forem
integráveis.

Convergência pontual da série de Fourier


Neste ponto daremos condições suficientes sobre a função f de modo a grantir sua
convergência num ponto fixado x para o valor f (x) ou em geral para 12 [f (x + 0) + f (x
0)]. Nosso objetivo é mostrar estimativas para

f (x + 0) + f (x 0)
en (x) = sn (x) ,
2

7
1. Preliminares

onde n h
1 X ⇣ n⇡x ⌘ ⇣ n⇡x ⌘i
sn (x) = a0 + ak cos + bk sen .
2 k=1
L L

Inicialmente iremos escrever a soma parcial sn (x) de modo mais conveniente com o obje-
tivo de majorar en (x). Para que isto ocorra iremos usar as expressões dos coeficientes de
Fourier em (1.5) e a identidade trigonométrica cos(a b) = cos(a) cos(b)+sen(a)sen(b),
para assim obter
Z " n ✓ ◆ #
L
1 1 X k⇡(x y)
sn (x) = + cos f (y)dy . (1.11)
L L 2 k=1 L

Antes de prosseguirmos, atentemos para a seguinte definição:

Definição 1.7. O núcleo de Dirichlet é a expressão

n ✓ ◆!
1 1 X k⇡x
Dn (x) = + cos . (1.12)
L 2 k=1 L

Propriedades do Núcleo de Dirichlet


i) Dn (x) é uma função contı́nua;
ii) Usando relações de ortogonalidade, temos
Z L
Dn (x)dx = 1;
L

iii) Dn (x) é uma função periódica de perı́odo 2L;


(n+ 12 )
iv) Dn (0) = L
;
v) Vale a seguinte expressão para Dn (x), com x 6= 0, ±2, ±4, ...
⇣ 1 ⌘
(n+ 2 )⇡x
1 sen L
Dn (x) = ⇡x
.
2L sen 2L

Voltando para a expressão (1.11), usando (1.12) e fazendo a mudança de variável


y=x t, obtemos
Z L Z L+x
sn (x) = Dn (x y)f (y)dy = Dn (t)f (x t)dt.
L L+x

Dispondo que Dn e f são periódicas de perı́odo 2L e que Dn é par, podemos escrever


Z L
sn (x) = Dn (t)[f (x + t) + f (x t)]dt. (1.13)
0

8
1. Preliminares

De (1.13) temos que a expressão en , para a qual queremos estimativas, ganha a forma
Z L
en (x) = Dn (t)g(x)dt, (1.14)
0

com g(x) = [f (x + t) f (x + 0)] + [f (x t) f (x 0)].


O lema a seguir é um importante resultado que é usado na demonstração do Teste
de Dini, teorema que fala da convergência pontual da série de Fourier.

Lema 1.3. (Lema de Riemann-Lebesgue) Seja f : [a, b] ! R uma função L 1 ([a, b]).
Então Z b
lim f (x)sen(tx)dx = 0,
t!1 a
Z b
(1.15)
lim f (x) cos(tx)dx = 0.
t!1 a

A prova deste lema encontra-se em [2, p. 56].


De posse deste lema, enunciemos um resultado referente à convergência da série de
Fourier no ponto x.

Teorema 1.4. (Teste de Dini) Seja f : R ! R uma função periódica de perı́odo 2L


e L 1 ([ L, L]). Fixado x em [ L, L], suponha que f (x + 0) e f (x 0) existam e que
exista ⌘ > 0 tal que Z ⌘
g(x, t)
dt < 1. (1.16)
0 t
[f (x+0)+f (x 0)]
Então en (x) ! 0, ou seja, sn (x) ! 2
, quando n ! 1.

Demonstração. Para fazermos esta demonstração, iremos decompor a função en (x) em


duas partes
Z Z L ✓ ◆
g(x, t) 1 ⇡t g(x, t)
en (x) = tDn (t) dt + sen n+ ⇡t
dt.
0 t 2 L 2Lsen 2L

A primeira integral ficará pequena desde que se tome convenientemente pequeno e


usando a hipótese em (1.16). Já no caso da segunda integral, usaremos o lema 1.4.
Como
t
|tDn (t)|  ⇡t
, (1.17)
2Lsen 2L

e como a função do lado direito de (1.17) é crescente e contı́nua no intervalo [0, L],
conseguimos a seguinte estimativa:

1
|tDn (t)|  para t 2 [0, L].
2

9
1. Preliminares

Portanto, dado " > 0, tomamos < min(L, ⌘), tal que
Z Z
g(x, t) 1 g(x, t) "
tDn (t) dt  dt < .
0 t 2 0 t 2

Tal desigualdade é possı́vel por causa da hipótese (1.16). Com esse fixado, olhemos
para a segunda integral a fim de aplicar o Lema 1.4. Para isto, basta verificar que a
função
g(x, t)
h(t) = , t 2 [ , L],
2Lsen ⇡t L

é integrável, o que é decorrente do fato do denominador nunca se anular em [ , L] e g


ser integrável. Daı́, para n suficientemente grande
Z L ✓ ◆
1 ⇡t g(x, t) "
sen n+ ⇡t
dt < ,
2 L 2Lsen 2L 2

assim concluindo a demonstração.

Desigualdades
A desigualdade de Bessel é dada por
1 Z
a20 X 2 1 L
+ (ak + b2k )  |f (x)|2 dx. (1.18)
2 k=1
L L

Sejam a = (a1 , ..., an ) e b = (b1 , ..., bn ) dois vetores do Rn . A desigualdade de


Cauchy-Schwarz para vetores do Rn tem a seguinte forma:

n n
! 12 n
! 12
X X X
aj b j  a2j b2j . (1.19)
j=1 j=1 j=1

Uma outra desigualdade importante é a seguinte:


" n
# 12 n
! 12 n
! 12
X X X
(aj + bj )2  a2j + b2j , (1.20)
j=1 j=1 j=1

conhecida como a desigualdade triangular ou desigualdade de Minkowski.

10
1. Preliminares

Convergência uniforme da série de Fourier


Neste tópico apresentaremos condições suficientes sobre a função f periódica de
pérı́odo 2L, de modo que estas garantam a convergência uniforme de sua série de
Fourier. Vejamos os resultados a seguir.

Teorema 1.5. (Primeiro teorema da convergência uniforme da série de Fou-


rier) Seja f uma função periódica de perı́odo 2L, contı́nua e com derivada primeira
de quadrado integrável. Então, a série de Fourier de f converge uniformemente para
f.

Demonstração. Vejamos, em primeiro lugar, que


⇣ n⇡x ⌘ ⇣ n⇡x ⌘
an cos  |an | e bn sen  |bn |,
L L

e consideremos a série numérica


1
X
(|an | + |bn |). (1.21)
n=1

Usando a estimativa feita sobre os coeficientes de Fourier em (1.10), que diz que caso
a função f tenha derivada primeira continua e derivada segunda uma função L 1 ,
P
então a série numérica em (1.21) é majorada pela série M 1 1
n=1 n2 , a qual é uma série
convergente. Entretanto, podemos demonstrar a convergência de (1.21) sem impor
tantas restrições sobre a função f . Suponhamos que f seja uma função contı́nua e que
a sua derivada primeira seja uma função L 2 . Usando as relações em (1.8), concluı́mos

L 0 L 0
an = bn , bn = a ;
n⇡ n⇡ n

onde a0n e b0n designam os coeficientes de Fourier de f 0 . Daı́ a reduzida de ordem n da


série (1.21) pode ser escrita

n
X n
LX1 0
(|aj | + |bj |) = (|aj | + |b0j |), (1.22)
j=1
⇡ j=1 j

que é majorada por


n
! 12 " n
# 12
L X 1 X
(|a0j | + |b0j |)2 , (1.23)
⇡ j=1
j2 j=1

onde utilizamos a desigualdade de Cauchy-Schwarz no Rn . Em seguida, iremos usar a


desigualdade (|a| + |b|)2  2(a2 + b2 ), que é a desigualdade de Cauchy-Schwarz no R2 ,

11
1. Preliminares

no segundo somatório em (1.23). Daı́ obtemos a seguinte majoração para (1.22)

p n
! 12 " n
# 12
2L X 1 X
(|a0j |2 + |b0j |2 ) .
⇡ j=1
j2 j=1

Finalmente, a série em (1.21) é majorada por

p 1
! 12 " 1
# 12
2L X 1 X
(|a0j |2 + |b0j |2 ) ,
⇡ n=1
n2 j=1

onde ambas as séries convergem, a segunda devido a desigualdade de Bessel.

Teorema 1.6. (Segundo teorema sobre convergência uniforme da série de


Fourier) Seja f periódica de perı́odo 2L, seccionalmente contı́nua e tal que sua de-
rivada primeira seja de quadrado integrável. Então, a série de Fourier de f converge
uniformemenre para f em todo intervalo fechado que não contenha pontos de descon-
tinuidade de f .

A prova deste teorema encontra-se em [2, p. 70].

12
Capı́tulo 2

Equação da onda

Nossos objetivos neste capı́tulo são deduzir e estudar a equação da onda através da
aplicação de conceitos fı́sicos, abordar métodos de resolução desta equação utilizando a
teoria de séries de Fourier, verificar a existência e a unicidade das soluções encontradas,
e também a resolver alguns problemas de valor incial para equação da onda, dentre
eles o problema de Cauchy.

2.1 Introdução
No campo da fı́sica clássica, ondas e partı́culas são dois grandes conceitos, ambos
concentrando quase todos os ramos desta ciência. Embora sejam iguais em importância,
as definições de onda e partı́cula que apresentam diferem entre si.
Quando nos referimos à palavra partı́cula, esta tem o significado de uma dimi-
nuta quantidade de matéria capaz de transmitir energia; quando falamos de ondas, tal
conceito se refere a uma distribuição ampla de energia que vai preenchendo o espaço
por onde passa. Neste trabalho, destinaremos nossa atenção às ondas, para, assim,
trabalharmos com a equação que as descreve.
Existem três tipos principais de ondas, a saber, ondas mecânicas, eletromagnéticas
e materiais.
As ondas mecânicas são as que se propagam exclusivamente em meios materiais e
são governadas pelas leis de Newton; são bastante comuns e encontradas facilmente no
cotidiano, como, por exemplo, ondas do mar, ondas sı́smicas e ondas sonoras.
As ondas eletromagnéticas são as que resultam da combinação de campos elétricos
e magnéticos. Tais ondas não exigem um meio material para se propagarem, isto é,
podem se propagar no vácuo; no dia a dia, as ondas eletromagnéticas estão presentes
nos raio X, microondas, raios ultravioletas etc.
As ondas materiais são associadas com elétrons, prótons e outras partı́culas funda-

13
2. Equação da onda

mentais, e até mesmo átomos e moléculas. Estas são as menos comuns, e são, em sua
maioria, encontradas em tecnologias modernas e no campo quântico.
O que discutiremos neste capı́tulo se refere as ondas mecânicas. Utilizaremos aqui a
segunda lei de Newton para deduzirmos a equação diferencial parcial que as representa.

2.2 Nota histórica


Os matemáticos do século XVIII se debruçaram sobre problemas difı́ceis ligados ao
campo da fı́sica, dentre os quais um dos mais famosos é o problema da corda vibrante.
Estes estudiosos tiveram que desenvolver intensamente o instrumental matemático já
existente para que tal pudesse ser utilizado na resolução deste problema.
Como veremos neste capı́tulo, o problema de vibração de cordas se reduz a encontrar
uma solução para a equação
utt = c2 uxx ,

conhecida como equação da onda. A equação foi estudada e derivada pela primeira
vez por D’Lambert em 1746. Tal problema também atraiu a atenção de diversos
matemáticos, como Euler (1748), Daniel Bernoulli (1755) e Lagrange (1759). Os dois
primeiros chegaram à conclusão de que a solução deveria ser da forma

u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct),

onde F e G são funções reais.


Já Bernoulli chegou à expressão
1
X
u(x, t) = an sen(nx)cos(nct),
n=1

quando a corda de comprimento ⇡ vibra por uma pertubação da sua posição de repouso.
Os méritos entre essas soluções foram dicutidos de forma acalorada numa série de
debates que perduraram por mais de vinte e cinco anos. Entre os pontos principais
destas discussões estava o que diz respeito à natureza de uma função, já que o conceito
de função como entendemos hoje não estava formulado de maneira concreta naquela
época. Também entre as discussões estavam os tipos de funções que poderiam ser
representadas por séries trigonométricas. Tais questões não foram resolvidas até o
século XIX.
Na época de Euler havia duas classes de funções, a saber, as contı́nuas, que eram
as que podiam ser expressas por uma equação entre x e y, e as geométricas, que eram
todas aquelas que podiam ser traçadas a mão livre. Admitia-se também que a classe

14
2. Equação da onda

de funções contı́nuas era menor que a classe de funções geométricas, porque uma linha
partida não era considerada uma função contı́nua no sentido da época, e sim várias
funções.
Essencialmente as soluções propostas por D’Lambert e Euler eram as mesmas, mas
a diferença estava no significado de função em cada caso. No caso de Euler admitia-se
quaisquer funções geométricas para os dados iniciais; D’Lambert, por sua vez, tomava
apenas funções contı́nuas para esta posição.
Bernoulli dizia que a sua solução era absolutamente geral e que continha as dadas
por D’Lambert e Euler, porém, Euler contestava que isto era impossı́vel, pois se a
função fosse escrita como uma série de senos, isso implicaria que ela era periódica
e ı́mpar, e a ideia de que uma expressão analı́tica representasse uma função em um
intervalo não era aceita na época.
Em 1759, Lagrange mostrou que a solução da equação da onda para uma corda de
comprimento 1, quando a posição inicial é dada por f (x) e a velocidade inicial por g(x)
é da seguinte forma:
Z 1
1X Z 1
1
u(x, t) = 2 sen n⇡y cos n⇡ctf (y)dy + 2 sen n⇡y sen n⇡x sen n⇡ctdy,
0 n=1 0 n

e dessa forma ele conseguiu representar a expressão na forma prevista por Euler.
Foi tarefa de Fourier (1811) explicitar os coeficientes e escrever a série de senos e
cossenos de várias funções. Ele afirmou que qualquer função poderia ser representada
pela série que recebeu o seu nome e, apesar disso não ser verdade, recebeu as glórias
de ter apresentado a forma da série que deveria representar a função.
Todas estas contribuições levaram à consolidação da moderna teoria das séries de
Fourier, e dessa forma a matemática pode ser desenvolvida para que, assim, o problema
de pequenas vibrações de uma corda pudesse ser finalmente solucionado.

2.3 Dedução fı́sica da equação da corda vibrante


Por corda entenderemos um fio fino perfeitamente flexı́vel, isto é, que não apresente
resistência ao ser dobrado. Iremos estudar o problema de pequenas vibrações trans-
versais de uma corda, e tal fenômeno será localizado num plano (x, u). Iremos, ainda,
supor que a corda vibre em torno da sua posição de repouso ao longo do eixo x. Por
transversal, entenderemos a oscilação que se realiza em um plano que contém o eixo
dos x e em que cada partı́cula que compõe a corda se desloca perpendicularmente a
esse eixo.

15
2. Equação da onda

Figura 2.1: Vibrações transversais


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ondas_transversais

Representaremos por u(x, t) o deslocamento de cada ponto x da corda no instante


t, partindo da posição de equilı́brio. Para deduzirmos a equação diferencial parcial a
qual a função u(x, t) deve satisfazer, utilizaremos a segunda lei de Newton, também
conhecida como o princı́pio fundamental da dinâmica, que nos diz:

“A derivada com relação ao tempo da quantidade de movimento é igual a soma das


forças aplicadas”.

É necessário perceber que as grandezas fı́sicas envolvidas nessa lei são vetoriais, isto
é, dependem da direção e do sentido dos vetores, de modo que, ao apicá-la, estaremos
atentos a este fato.
No modelo com qual trabalharemos, consideraremos o sistema mecânico constituı́do
por um trecho arbitrário da corda entre dois pontos x = a e x = b. Chamaremos de
⇢(x, t) a densidade linear da corda, que é dada pela massa dividida pelo comprimento.
Como estamos supondo que as partı́culas que constituem a corda se deslocam trans-
versalmente através de pequenas vibrações, vemos que a massa não se altera ao longo
do tempo, concluindo assim que a densidade linear não dependerá de t. Devido a isto,
denotaremos a densidade linear da corda por ⇢(x).
Portanto, a quantidade de movimento da corda entre os pontos x = a e x = b é
dada por Z b
M (t) = ⇢(x)ut (x, t)dx, (2.1)
a

onde ut (x, t) designa a velocidade do ponto x da corda no instante t. A integral na


expressão (2.1) é devido a velocidade não ser necessariamente constante em todos os
pontos da corda, logo, a quantidade de movimento deve ser a soma infinitesimal da
densidade vezes a velocidade do trecho que estamos trabalhando.
A hipótese da vibração transversal também nos leva a concluir que não há compo-
nente de velocidade no eixo x, pois, como dito, as partı́culas constituintes da corda se
movem no sentido normal a x, logo, existe componente de velocidade apenas no eixo
u.

16
2. Equação da onda

Existem dois tipos de força a serem considerados. O primeiro tipo se refere à ação do
resto da corda sobre o trecho entre a e b, a que chamamos de forças de tensão na direção
das retas tangentes ao ponto a e b, são Fa e Fb respectivamente. E representaremos por
f (a, t) e f (b, t), respectivamente, as intensidades destas forças. Na ilustração abaixo,
podemos observar graficamente a representação destas forças

Figura 2.2: Forças de tensão


Fonte: [2, p. 131]

onde ✓a e ✓b correspondem aos ângulos das retas tangentes à corda com eixos x = a e
x = b, respectivamente.
Usando a segunda lei de Newton, que foi enunciada anteriormente, e lembrando
que não existe quantidade de movimento na direção do eixo x, devido a ausência da
componente de velocidade neste eixo, temos:

X @M~
F~i = (2.2)
i
@t

Como foi dito, nesta lei estamos lidando com grandezas vetoriais, logo, existem duas
componentes possı́veis, a saber, a no sentido u e a no sentido x, as quais são represen-
tadas da seguinte forma:
X @M~x
f~ix =
i
@t
(2.3)
X @M~u
f~iu =
i
@t

Olhando para a componente x, e lembrando que não há quantidade de movimento


nesta direção, concluı́mos que
X
f~ix = 0. (2.4)
i

Além disso, veja na Figura 2.2 que Fa e Fb estão na mesma direção, que é a do eixo
x, porém em sentidos opostos. Daı́, como em (2.4) o somatório destas componente é

17
2. Equação da onda

zero, concluı́mos que estas forças possuem componentes iguais, logo

f (b, t)cos(✓b ) = f (a, t)cos(✓a ), (2.5)

de onde comprovamos que a componente horizontal da tensão é independente do ponto


x e é função apenas do tempo t. Por este motivo, para representá-la, usaremos a
notação ⌧ (t).
Podemos, então, ver que a resultante vertical das forças de tensão que atuam sobre
o trecho da corda entre os pontos x = a e x = b, é

⌧ (t)tg(✓b ) ⌧ (t)tg(✓a ). (2.6)

Enxergando a derivada com relação a x como a inclinação da reta tangente, temos que
a expressão (2.6) se torna
⌧ (t)ux (x, t)/x=b
x=a . (2.7)

E supondo que a função u(x, t) possui segunda derivada integrável, temos, pelo teorema
fundamental do cálculo, que Z b
⌧ (t)uxx (x, t)dx. (2.8)
a

Em segundo lugar, além das forças de tensão, nosso sistema pode estar sujeito à ação
de forças externas, dentre elas a gravidade, a resistência ao movimento, e forças que
tendem a retornar a corda para o seu estado de equilı́brio. Chamaremos de h1 (x, t) a
densidade linear destas forças ao longo da corda, e utilizaremos novamente a segunda
lei de Newton, como também as expressões (2.1) e (2.8) para obter
✓Z b ◆ Z b Z b
d
⇢(x)ut (x, t)dx = ⌧ (t)uxx (x, t)dx + h1 (x, t)dx. (2.9)
dt a a a

Supondo que utt (x, t) seja uma função contı́nua, podemos reescrever (2.9) da seguinte
forma: Z b Z b Z b
⇢(x)utt (x, t)dx = ⌧ (t)uxx (x, t)dx + h1 (x, t)dx,
a a a

que podemos reescrever como


Z b
⇢(x)utt (x, t) ⇢(x)uxx (x, t) h1 (x, t)dx = 0.
a

Finalmente, como a e b foram escolhidos arbitrariamente, podemos concluir

⇢(x)utt (x, t) ⌧ (x)uxx (x, t) h1 (x, t) = 0

18
2. Equação da onda

) ⇢(x)utt (x, t) = ⌧ (t)uxx (x, t) + h1 (x, t).

Para melhorarmos a notação, escreveremos

utt = c2 uxx + h(x, t), (2.10)

⌧ (t) h1 (x,t)
donde c(x, t)2 = ⇢(x)
e h(x, t) = ⇢(x)
. A equação em (2.10) é a equação da onda.

2.4 Exemplos da equação da onda e diferentes condições


iniciais e de fronteira
Nesta seção, mostraremos diferentes tipos de equação da onda, onde estas diferem de
acordo com o tipo de forças externas atuando sobre a corda. Além disso, aboradaremos
diferentes condições iniciais e de fronteira que irão depender da natureza da corda e do
modo como se iniciou o processo vibratório.

1. Vibrações livres
Suponhamos que as únicas forças atuantes sobre a corda sejam as de tensão, Fa
e Fb . Assim, a equação (2.10) torna-se

utt = c2 uxx ,

onde podemos introduzir a hipótese de c ser constante caso a corda seja ho-
mogênea, isto é, possua densidade linear ⇢(x) constante, e caso as vibrações
tenham amplitudes muito pequenas, ou seja, ⌧ (t) constante.

2. Vibrações forçadas
Neste caso, iremos considerar a corda à mercê de uma força externa, de modo
que esta varie com x e t. Então a (2.10) é escrita como

utt = c2 uxx + h(x, t).

3. Vibrações amortecidas
Aqui, iremos ter a hipótese de que a corda esteja imersa em um meio fluı́do, na
água, no ar etc, e em tal meio ela encontre resistência a seu movimento. Deste
modo, há uma força externa que depende da velocidade, e tal força suporemos
ser da forma h(x, t) = but (x, t) com b > 0, sendo o sinal negativo porque a
força é de resistência ao movimento vibratório. Com essas suposições, a equação

19
2. Equação da onda

(2.10) torna-se
utt = c2 uxx but .

4. Vibrações sob a ação de uma força restauradora


Suponhamos agora que exista uma força que possa trazer a corda de volta para
a posição u ⌘ 0, posição de repouso. A esta chamaremos força restauradora, que
será dada por h(x, t) = au(x, t) com a > 0. Como no caso 3 o sinal negativo
é devido a força ser contrária ao movimento vibratório. Então a equação (2.10)
torna-se
utt = c2 uxx au.

Na seção 2.3, deduzimos a EDP que representa o problema de pequenas vibrações


transversais de uma corda em torno da sua posição de repouso, mas, para completarmos
a descrição deste fenômeno fı́sico, iremos comentar sobre algumas outras informações,
como o comprimento da corda, o tipo de articulação das extremidades da mesma e
também sobre o que provocou o ı́nicio das vibrações. Para atendermos essa demanda,
vamos considerar os casos a seguir.

Corda finita com extremidades fixas


Suponhamos que a corda com a qual estamos trabalhando tenha comprimento L, e
que em sua posição de equilı́brio coincida com o eixo x no plano (x, u), onde 0  x  L.
Assim, a hipótese das extremidades fixas implica que

u(0, t) = u(L, t) = 0, para t 0, (2.11)

onde as expressões em (2.11) são chamadas de condições de fronteira.


Do ponto de vista matemático, não estaremos interessados no que provocou o ı́nicio
das vibrações. Nossa atenção será voltada ao deslocamento inicial da corda, o qual
iremos denotar por u(x, 0). O deslocamento inicial diz respeito à posição da corda
no tempo zero e ao modo como a corda é abandonada nesta posição. Esta última
informação é dada pela velocidade inicial ut (x, 0). Assim devemos ter o seguinte:

u(x, 0) = f (x), para 0  x  L


. (2.12)
ut (x, 0) = g(x), para 0  x  L

As condições em (2.12) são chamadas de condições iniciais.


Portanto, o problema da corda vibrante finita com extremidades fixas consiste em

20
2. Equação da onda

determinar uma função u(x, t) com, 0  x  L e t 0, que satisfaça à equação da


onda (2.10), às condições de fronteira em (2.11) e às condições iniciais em (2.12). Um
problema deste tipo é conhecido como problema de valor inicial e de fronteira, que
denotaremos abreviadamente por P V IF .
O P V IF tratado neste item inclui casos como as vibrações das cordas de uma
harpa, pois ao tocar este instrumento o harpista desloca a corda e depois a abandona,
para assim começarem as vibrações, neste caso, f (x) 6= 0 e g(x) = 0.

Corda finita com extremidades livres


Suponhamos, agora, uma corda de comprimento L, esta com as suas extremidades
postas em trilhos colocados perpendicularmente à corda no plano (x, u). Isso implica

ux (0, t) = ux (L, t) = 0. (2.13)

E suponhamos as condições iniciais iguais às do caso anterior. Desta forma, o P V IF


em questão é determinar uma função u(x, t) que satisfaça a equação (2.10), as condições
de fronteira em (2.13) e as condições iniciais em (2.12).

2.5 Resolução da equação da onda por séries de


Fourier
Nesta seção, iremos utilizar o método de Fourier para encontrar uma solução para
a equação da onda através de um P V IF . A nossa procedência inicial se dará de
maneira informal, isto é, não colocaremos hipóteses sobre as funções dos dados iniciais
f e g. Desta forma obteremos uma expressão candidata à solução do P V IF que será
apresentado. Posteriormente, olhando para expressão obtida, vamos colocar algumas
hipóteses necessárias sobre as funções f e g, para que assim tenhamos o resultado
formal para este problema.
Utilizaremos o método de separação de variáveis e também a teoria de séries de
Fourier, apresentada no capı́tulo 1, para resolver o problema da corda vibrante com
extremindades fixas, apresentado na seção anterior e descrito abaixo
8
>
> u = c2 uxx , em R
>
< tt
u(0, t) = u(L, t) = 0, para t 0 (2.14)
>
>
>
:u(x, 0) = f (x) e u (x, 0) = g(x),
t para 0  x  L

21
2. Equação da onda

com c = constante e R = {(x, t) 2 R2 /0 < x < L; t > 0}.


O método de Fourier consiste em usar a separação de variáveis para determinar
funções u(x, t) = F (x)G(t) que satisfaçam a equação da onda e as condições de fron-
teira. Com isso, usamos estas funções para assim compor outra função que também
satisfaça as condições iniciais.
Com o método em mente, vamos utilizá-lo para resolver o P V IF (2.14). Em
primeiro lugar, vamos substituir a função u(x, t) = F (x)G(t) na equação da onda, daı́
temos o seguinte:
F (x)G00 (t) = c2 F 00 (x)G(t),

donde, supondo, F (x) 6= 0 e G(t) 6= 0, podemos escrever

F 00 (x) G00 (t)


= 2 . (2.15)
F (x) c G(t)

Do lado esquerdo da equação (2.15) temos uma expressão que depende apenas de
x, e do lado direito, temos uma expressão que depende apenas de t; isto implica que
ambos os tados de (2.15) independem de x e de t, logo, são iguais a um parâmetro que
denotaremos por . Este parâmetro será determinado de forma que as condições de
fronteira em (2.14) sejam satisfeitas pela função u(x, t). Potanto, na equação (2.15),
temos
F 00 G00
= 2 = ,
F cG
donde obtemos
F 00 F =0
(2.16)
G00 c2 G = 0.

As condições de fronteira do problema (2.14) nos dizem que 0 = u(0, t) = F (0)G(t)


e 0 = u(L, t) = F (L)G(t); isto implica que F (0) = F (L) = 0, pois caso não fosse assim
terı́amos G(t) = 0 para todo t, e por consequência u(x, t) = 0 para todo x e t, o que só
satisfaria as condições iniciais em (2.14) se f (x) = 0 e g(x) = 0, e assim restringirı́amos
muito nosso campo de estudo. Logo, consideraremos F (0) = F (L) = 0, e deste modo
chegaremos ao seguinte problema de autovalores
8
<F 00 F =0
(2.17)
:F (0) = F (L) = 0.

A resolução de (2.17) consiste em determinar os valores (que são chamados au-


tovalores) de forma que suas soluções, chamadas de autofunções, sejam não nulas.
Há três possibilidades para , conforme segue.

22
2. Equação da onda

• >0
Se isto ocorre, temos um problema de valor inicial constituı́do por uma EDO de
segunda ordem. Daı́ sua solução geral é da forma
p p
x x
F (x) = c1 e c2 e .

Além disso, F deve satisfazer as condições de fronteira. Logo, obtemos o sistema


(
F (0) = c1 + c2 = 0 (I)
p p
L L
F (L) = c1 e + c2 e = 0 (II)

De (I), temos que c2 = c1 ; substituindo em (II), obtemos


p p
L L
c1 e c1 e =0
p p
L L
) c1 (e e ) = 0,
p p p p
L L L L
donde concluı́mos que c1 = 0, pois e 6= e )e e 6= 0.
Ou seja, c1 = c2 = 0. Assim, temos F ⌘ 0, o que por sua vez nos leva a obter
u ⌘ 0, que, como foi dito anteriormente, não é insteressante para o nosso estudo.
• =0
Se isto ocorre, temos que a equação em (2.17) torna-se F 00 (x) = 0, uma EDO que
tem como solução geral
F (x) = c1 x + c2 ,

e para satisfazer as condições de fronteira obtemos o sistema


(
F (0) = c2 = 0 (III)
F (L) = c1 L + c2 = 0 (IV )

que, quando resolvemos, encontramos a solução c1 = c2 = 0 e desta forma temos F ⌘ 0,


e nos deparamos com a mesma conclusão do caso anterior.
• <0
2
Se isto ocorre, podemos reescrever = , e a solução geral da equação em (2.17)
será
F (x) = c1 cos( x) + c2 sen( x).

E para F satisfazer as condições de fronteira, temos

F (0) = c1 = 0
,
F (L) = c1 cos( L) + c2 sen( L) = 0

23
2. Equação da onda

de onde temos c1 = 0 e c2 sen( L) = 0. Como não queremos c2 = 0, pois assim F ⌘ 0


e concluirı́amos o mesmo dos casos anteriores, devemos ter

sen( L) = 0 ) L = n⇡; onde n é um inteiro não nulo.

Assim,
n2 ⇡ 2
n =
L2
(com n = 1, 2, 3, ...), são os autovalores, substituindo em (2.17) temos

n2 ⇡ 2
00
F + 2 F = 0.
L

Daı́ obtemos as autofunções ⇣ n⇡x ⌘


Fn (x) = sen ,
L
que satisfazem a expressão acima. Analogamente, em

G00 = c2 G,

fazemos os casos de >0e = 0 e obtemos u ⌘ 0, que não interessa, no caso <0


2 2
fazemos n = c , e vemos que para cada n a solução geral da EDO acima é
✓ ◆ ✓ ◆
n⇡ct n⇡ct
Gn (t) = an cos + bn sen ,
L L

onde an e bn são constantes arbitrárias.


Logo, substituindo as soluções Fn (x) e Gn (t)na equação un (x, t) = Fn (x)Gn (t),
temos
⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡ct
un (x) = an sen cos + bn sen sen , (2.18)
L L L L

com n = 1, 2, ..., tais un são soluções da equação da onda e satisfazem as condições


de fronteira em (2.14). Como a soma de soluções é uma solução, o próximo passo é
determinar as constantes an e bn de forma que a solução do P V IF (2.14) seja dada
por
1 
X ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡ct
u(x, t) = an sen cos + bn sen sen . (2.19)
n=1
L L L L

• Determinação dos an

24
2. Equação da onda

Da primeira condição inicial em (2.14) conseguimos encontrar o valor de an , pois

1 h
X ⇣ n⇡x ⌘ ⇣ n⇡x ⌘ i
u(x, 0) = f (x) ) an sen cos (0) + bn sen sen (0) = f (x).
n=1
L L

n⇡x
Como sen(0) = 0, temos que bn sen L
sen (0) = 0, e como cos(0) = 1, podemos
escrever 1
X ⇣ n⇡x ⌘
an sen = f (x). (2.20)
n=1
L

Assim como f está representada por uma série de senos, os seus coeficientes de Fourier
devem ser da forma Z L ⇣ n⇡x ⌘
2
an = f (x) sen dx. (2.21)
L 0 L
• Determinação dos bn
Derivando a série em (2.19) termo a termo com relação a t, obtemos

1 
X ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ !
@ n⇡ct n⇡ct
ut (x, t) = an sen cos + bn sen sen
@t n=1
L L L L
X1 ✓ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ◆
@ n⇡ct n⇡ct
= an sen cos + bn sen sen
n=1
@t L L L L
1
X @  ✓ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ◆ ✓ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ◆
n⇡ct @ n⇡ct
= an sen cos + bn sen sen
n=1
@t L L @t L L
X1  ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡c n⇡ct n⇡c
= an sen sen + bn sen cos
n=1
L L L L L L

Da segunda condição inicial em (2.14), conseguimos encontrar o valor de bn , pois

1 h ⇣ n⇡x ⌘ ⇣ n⇡x ⌘ n⇡c i


1
X X n⇡c
ut (x, 0) = g(x) ) an sen sen (0) + bn sen cos (0) = g(x).
n=1 n=1
L L L L

n⇡x
Como sen(0) = 0, temos que an sen L
sen (0) n⇡c
L
= 0, e como cos(0) = 1, podemos
escrever,
1
X ⇣ n⇡x ⌘ n⇡c
bn sen = g(x). (2.22)
n=1
L L

Assim como f está representada por uma série de senos os seus coeficientes de Fourier
devem ser da forma Z L ⇣ n⇡x ⌘
n⇡c 2
bn = g(x) sen dx. (2.23)
L L 0 L
Aqui terminamos a resolução utilizando o método de Fourier, com ele obtemos a

25
2. Equação da onda

solução informal do P V IF (2.14), dada em (2.19), além dos coeficientes an e bn dados


em (2.21) e (2.23).
Como foi dito no inı́cio desta seção, nosso procedimento foi bastante informal. As-
sim, olhando para a expressão (2.19) como candidata à solução de (2.14), colocaremos
as seguintes questões:
• A série em (2.19) é convergente?
• Define ela uma função contı́nua em R?
• Define uma função de classe C 2 em R que seja solução do P V IF (2.14)?
• Que condições devemos impor sobre f para que (2.21) ocorra?
• Que condições devemos impor sobre g para que (2.23) ocorra?
Para respondermos as perguntas feitas acima, consideraremos o teorema a seguir.

Teorema 2.1. Suponha que f e g sejam funções dadas em [0, L] tais que f, f 0 , f 00 , g, g 0
sejam contı́nuas e f 000 e g 00 sejam seccionalmente contı́nuas. Além disso, suponha que
f (0) = f (L) = f 00 (0) = f 00 (L) = g(0) = g(L) = 0. Então:
i) an e bn são bem definidas por (2.21) e (2.23), respectivamente;
ii) as igualdades em (2.20) e (2.22) ocorrem;
iii) a expressão em (2.19) define uma função contı́nua em R, de classe C 2 em R, que
satisfaz a equação da onda em R.

Prova: A parte i) é consequência da hipótese de f , g e sen serem contı́nuas em [0, L].


Como toda função contı́nua é integrável, isto implica que as integrais em (2.21) e (2.23)
convergem, logo, estão bem definidas.
Agora, como f (0) = f (L) = g(0) = g(L) = 0, podemos estender as funções f e
g continuamente em toda a reta, de modo a serem ı́mpares e periódicas de perı́odo
2L. Desta forma, usando as hipóteses de que f e g são de classe C 1 , pelo Teorema de
Fourier que foi citado no capı́tuo 1, podemos afirmar
1
X ⇣ n⇡x ⌘
an sen = f (x).
n=1
L

1
X ⇣ n⇡x ⌘ n⇡c
bn sen = g(x).
n=1
L L

Mostrando assim, a parte ii).

26
2. Equação da onda

P1
Para mostrar iii), basta provar a convergência da série n=1 [|an | + |bn |]. Pois

un (x, t)  |un (x, t)|


⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡ct
= an sen cos + bn sen sen
L L L L
⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡x n⇡ct
 an sen cos + bn sen sen
L L L L
⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡x n⇡ct
= |an | sen cos + |bn | sen sen
L L L L
 |an | + |bn |.

Tomando somatórios,

N
X N
X N
X 1
X
un (x, t)  |un (x, t)|  [|an | + |bn |]  [|an | + |bn |] .
n=1 n=1 n=1 n=1

Como estamos somando para qualquer N , temos


1
X 1
X
un (x, t)  [|an | + |bn |] .
n=1 n=1

P1
Logo, se mostrarmos a convergência de n=1 [|an | + |bn |], temos, pelo teste da com-
P
paração, que 1n=1 un (x, t) converge.
Por outro lado, fazendo integração por partes três vezes na expressão 2.21 temos
Z L ⇣ n⇡x ⌘
2L2
an = f 000 (x) cos dx. (2.24)
n3 ⇡ 3 0 L

Analogamente, fazendo a integração por partes três vezes em (2.23), temos


Z L ⇣ n⇡x ⌘
n⇡c 2L 00
bn = g (x) sen dx. (2.25)
L n2 ⇡ 2 0 L

De (2.24) e (2.25) seguem


Z L ⇣ n⇡x ⌘
2L 000
|an | = f (x) cos dx
n3 ⇡ 3 0 L
Z L ⇣ n⇡x ⌘
2L 000
 3 3 f (x) cos dx
n⇡ 0 L

27
2. Equação da onda

e Z L
2L2 ⇣ n⇡x ⌘
00
|bn | = g (x) sen dx
n3 ⇡ 3 c 0 L
Z L ⇣ n⇡x ⌘ ,
2L2
 3 3 g 00 (x) sen dx
n⇡ c 0 L
que podemos escrever
K K0
|an |  e |b n |  ,
n3 n3
2L2 2L2
onde K = k
⇡3 1
e K0 = k,
c⇡ 3 2
de modo que tenhamos k1 c n e k2 dn , onde cn e dn
são os coeficientes de Fourier de f 000 e g 00 , respectivamente. Podemos falar na existência
de tais coeficientes por conta da hipótese de f 000 e g 00 serem funções seccionalmente
contı́nuas. Logo, temos a seguinte estimativa:

K K0
|an | + |bn |  + .
n3 n3

Tomando somatórios
N
X N 
X X1 
K K0 K K0
[|an | + |bn |]  +  + .
n=1 n=1
n3 n3 n=1
n 3 n 3

Como estamos somando para qualquer N , temos


1
X 1 
X K K0
[|an | + |bn |]  + ,
n=1 n=1
n3 n3

onde a série majorante na expressão acima é convergente, pois é uma p-série, daı́, pelo
P
teste da comparação, temos a convergência de 1 n=1 [|an | + |bn |] e finalmente conse-
P1
guimos a convergência de n=1 un (x, t), que é uma convergência uniforme pois não
depende de x e t, e como é uma série de funções contı́nuas, convergirá para uma função
contı́nua donde, deste último fato e de (2.19), concluı́mos que u é contı́nua.
Vejamos agora se u é C 1 . Para isto, vamos obter as derivadas primeiras de u,
P
derivando 1n=1 un (x, t) termo a termo,

1  ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
@u X n⇡ n⇡ct n⇡ n⇡ct
= an cos cos + bn cos sen
@x n=1 L L L L L L
1  ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
@u X n⇡c n⇡ct n⇡c n⇡ct
= an sen sen + bn cos sen .
@t n=1
L L L L L L
(2.26)

28
2. Equação da onda

A partir daı́, fazendo o módulo das expressões em (2.26), podemos majorará-las por

1
X
[n|an | + n|bn |].
n=1

E vemos que esta última série é convergente, pois

K K0
n|an |  e n|b n |  ,
n2 n2

daı́ 1 1 
X X K K0
[n|an | + n|bn |]  + ,
n=1 n=1
n2 n2

onde a expressão da direita é uma série numérica convergente; com isto temos as
igualdades em (2.26), ou seja, u é de classe C 1 em R.
Vejamos agora se u é C 2 . Para isto, vamos derivar uma vez termo a termo as
expressões em (2.26), donde encontramos

1  ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
@ 2u X n2 ⇡ 2 n⇡ct n2 ⇡ 2 n⇡ct
= an 2 sen cos bn sen sen
@x2 n=1
L L L L L L
1  ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
@ 2u X n2 ⇡ 2 c2 n⇡ct n2 ⇡ 2 c2 n⇡ct
= an sen cos bn sen sen .
@t2 n=1
L 2 L L L 2 L L
(2.27)
Vamos majorar estas expressões, aplicando módulo nos termos dos somatórios em
(2.27). Temos:
@ 2u n2 ⇡ 2 n2 ⇡ 2
 |a n | + |b n |
@x2 L2 L2
e
@ 2u n2 ⇡ 2 c2 n2 ⇡ 2 c2
 |a n | + |b n | .
@t2 L2 L2
Assim, podemos majorar as séries em (2.27) pela seguinte expressão:

1
X
2 2
⇡ c [n2 |an | + n2 |bn |]. (2.28)
n=1

Para afirmarmos algo sobre a série em (2.28), vamos observar os cálculos seguintes. De
(2.24) e (2.25), temos
K 00 K 000
|an |  |c n | e |b n |  |dn |,
n3 n3
2L2 2L2
onde K 00 = ⇡3
e K 000 = c⇡ 3
.

29
2. Equação da onda

Logo, usando a desigualde ab  12 (a2 + b2 ) temos


✓ ◆ ✓ ◆
2 K 00 1 K 000 1
n |an |  + |cn |2 2
e n |bn |  2
+ |dn | ,
L n2 2 n2

o que nos dá


1
X X1  ✓ ◆ ✓ ◆
⇥ 2 2
⇤ K 00 1 2 K 000 1 2
n |an | + n |bn |  + |cn | + + |dn |
n=1 n=1
2 n2 2 n2
X1  ✓ ◆ ✓ ◆
K 00 1 2 2 K 000 1 2 2
< 2
+ |cn | + |dn | + 2
+ |cn | + |dn |
n=1
2 n 2 n
X1  ✓ ◆
K 00 + K 000 1 2 2
= + |cn | + |dn |
n=1
2 n2
1 1 1
!
K 00 + K 000 X 1 X X
= 2
+ |cn |2 + |dn |2 .
2 n=1
n n=1 n=1

Donde a convergência destas últimas séries é devido à desigualdade de Bessel.


Finalmente, a série obtida ao derivar u duas vezes com relação a x ou a t é majorada
por uma série convergente em (2.28), logo, u é de classe C 2 em R.
Além disto, comparando as duas séries de (2.27), vemos que

utt = c2 uxx , em R,

ou seja, u satisfaz a equação da onda.

Podemos retirar conclusões importante a respeito da natureza de uma solução do


P V IF (2.14). Vemos que uma função u(x, t) será solução do P V IF em questão se
• for contı́nua em R e de classe C 2 em R, com ut (x, t) contı́nua em R;
• satisfizer as condições iniciais e de fronteira;
• satisfizer a equação da onda.

2.6 Energia da corda vibrante e unicidade de solução


Suponhamos que u(x, t) seja uma solução da equação da onda expressa da forma

⇢(x)utt = ⌧ uxx + h1 (x, t); (2.29)

vimos a equação da onda apresentada desta forma na seção 2.1. Também iremos adotar
a hipótese de que ⌧ (t) = ⌧ , isto é, que as componentes horizontais das forças de tensão
não dependam do tempo. Mais especificamente, suporemos que a solução u seja uma

30
2. Equação da onda

função de classe C 1 em R̄ de classe C 2 em R e que satisfaça a equação da onda em R.


Multiplicando a equação (2.29) por ut , obtemos

⇢utt ut = ⌧ uxx ut + h1 (x, t)ut .

Integrando tal resultado com relação a x no intervalo [0, L], temos


Z L Z L Z L
⇢utt ut dx = ⌧ uxx ut dx + h1 (x, t)ut dx. (2.30)
0 0 0

Usando a regra da cadeia, conseguimos a identidade ut utt = 12 (u2t )t , daı́ substituindo


esta identidade em (2.30), temos
Z L Z L Z L
1
⇢(u2t )t dx = ⌧ uxx ut dx + h1 (x, t)ut dx,
2 0 0 0

que devido a continuidade do integrando, utilizando o teorema de Leibniz [6, Teorema


3 p. 66], podemos escrever como
✓Z L ◆ Z L Z L
1d
⇢(x)u2t dx = ⌧ uxx ut dx + h1 (x, t)ut dx. (2.31)
2 dt 0 0 0

Usando integral por partes com relação a x na segunda integral da equação acima, de
modo que u = ut e dv = ⌧ uxx , conseguimos o seguinte:

L
Z L
⌧ ut ux ⌧ ux utx dx.
0 0

Substituindo em (2.31)
✓ Z L ◆ Z L Z L
d 1 2
L
⇢(ut )t dx + ⌧ ux utx dx = ⌧ ut ux + h1 (x, t)ut dx,
dt 2 0 0 0 0

usando a identidade utx ux = 12 (u2x )t , obtida de modo semelhante à usada anteriormente,


e usando novamente o teorema de Leibniz, [6, Teorema 3 p.66], temos:
 Z Z Z
d 1 L 2 1 L 2 L L
⇢(x)ut dx + ⌧ ux dx = ⌧ ut ux + h1 (x, t)ut dx. (2.32)
dt 2 0 2 0 0 0

A relação em (2.32) é denominda de equação da energia. Em (2.32) podemos destacar


duas expressões: a expressão
Z L
1
K(t) = ⇢(x)u2t dx, (2.33)
2 0

31
2. Equação da onda

que é a energia cinética da corda, e a expressão


Z L
1
V (t) = ⌧ u2x dx, (2.34)
2 0

que é a energia potencial da corda. Finalmente,

E(t) = K(t) + V (t) (2.35)

é a energia total da corda. Destacaremos, agora, alguns comentários a respeito da


equação (2.32). Suponhamos que u seja solução do P V IF (2.14), neste caso terı́amos

h1 (x, t) = 0
,
ut (0, t) = ut (L, t) = 0

desta forma, podemos reescrever a equação em (2.32) como


 Z Z
d 1 L 2 1 L 2
⇢(x)ut dx + ⌧ ux dx = 0. (2.36)
dt 2 0 2 0

Tal resultado implica que a energia total seja constante em relação ao tempo, portanto,
temos o princı́pio da conservação de energia para o fenômeno de vibração de cordas
com extremidades fixas e sem ação de forças externas. Dizemos também que o sistema
é conservativo.
Podemos representar a energia da corda vibrante no tempo t = 0 usando os dados
iniciais do P V IF (2.14) por
Z L Z L
1 1
E(0) = 2
⇢(x)g(x) dx + ⌧ f 0 (x)2 dx.
2 0 2 0

Tal energia é mantida devido ao princı́pio da conservação de energia.

Teorema 2.2. A solução do P V IF abaixo caso exista é única


8
>
> ⇢(x)utt = ⌧ uxx + K1 (t, x), em R
>
<
u(0, t) = h1 (t), u(L, t) = h2 (t), t>0 (2.37)
>
>
>
:u(x, 0) = f (x), u (x, 0) = g(x),
t 0<x<L

Demonstração. Suponhamos que o P V IF (2.37) possua duas soluções u1 e u2 . Por


solução, nós entenderemos uma função de classe C 2 em R e contı́nua em R̄ que satisfaça
todas as relações em (2.37). Isto implica h1 (0) = f (0) e h2 (L) = f (L). Estas relações
são de compatibilidade entre os dados iniciais e as condições de fronteira. Vejamos

32
2. Equação da onda

também que a função u = u1 u2 é uma função de classe C 2 em R, contı́nua em R̄, e


satisfaz as relações
⇢utt = ⇢(u1 )tt ⇢(u2 )tt
= (⌧ (u1 )xx + K1 ) (⌧ (u2 )xx + K1 )
= ⌧ ((u1 )xx (u2 )xx )
= ⌧ uxx
e
u(0, t) = u1 (0, t) u2 (0, t) = h1 (t) h1 (t) = 0
u(L, t) = u1 (L, t) u2 (L, t) = h2 (t) h2 (t) = 0
u(x, 0) = u1 (x, 0) u2 (x, 0) = f (x) f (x) = 0
ut (x, 0) = (u1 )t (x, 0) (u2 )t (x, 0) = g(x) g(x) = 0.

Ou seja, u satisfaz o seguinte P V IF , que é do tipo (2.14):


8
>
> ⇢utt = ⌧ uxx
>
<
u(0, t) = u(L, t) = 0
>
>
>
: u(x, 0) = u (x, 0) = 0.
t

Veja também que E(0) = 0, pois


Z Z
1 L 2 1 L 0 2
E(0) = ⇢(x)g(x) dx + ⌧ f (x) dx
2 0 2 0
Z Z
1 L 2 1 L 2
= ⇢(x)0 dx + ⌧ 0 dx
2 0 2 0
= 0,

daı́, de (2.36) cocluı́mos


Z L Z L
1 1
⇢(x)u2t dx + ⌧ u2x dx = 0.
2 0 2 0

Isto implica ut (x, t) = ux (x, t) = 0, para (x, t) em R, pois ⇢(x) e ⌧ são positivos. Logo,
u(x, t) é constante em R. Usando a continuidade de u, em R̄, e as condições iniciais
u(x, 0) = ut (x, 0) = 0, podemos concluir que u = 0 em R̄, e finalmente u1 = u2 ,
mostrando assim a unicidade de solução do problema (2.37).

2.6.1 Interpretação fı́sica das fórmulas da energia cinética (2.33)


e potencial (2.34)
• Energia cinética

33
2. Equação da onda

A energia cinética no instante t do trecho da corda entre os pontos de coordenadas


a e a + h, para h pequeno, é dado por 12 ⇢(x)hu2t (x, t), onde x é um valor apropriado no
intervalo [a, a + h].
Seja P = {r1 = 0, ..., rn = L} uma partição do intervalo [0, L] e seja h pequeno,
somando as várias energias cinéticas dos trechos de corda nos subintervalos de P,
temos:
1 1
⇢(x1 )hut (x1 , t) + ... + ⇢(xn )hu2t (xn , t)
2 2
com x1 2 [r1 , r2 ], ..., xn 2 [rn 1 , rn ]. Que podemos escrever

n
1X
⇢(xN )hu2t (xN , t).
2 N =1

Tomando limite quando n ! 1 temos, pela definição de integral como limite das
somas de Rieman,
n Z
1X 2 1 L
lim ⇢(xN )hut (xN , t) = ⇢(x)u2t (x, t)dx.
n!1 2 2 0
N =1

• Energia potencial

Para a questão da energia potencial, vejamos o trabalho das forças de tensão. To-
memos novamente o trecho da corda entre x = a e x = a + h; a força de tensão neste
trecho, no instante t, é apenas na direção transversal, e é dada por

⌧ ux (a + h, t) ⌧ ux (a, t) = ⌧ uxx (x, t)h, (2.38)

onde a igualdade acima é devida ao teorema do valor médio e x 2 [a, a + h]. Sabendo
que a fórmula fı́sica para o trabalho é

~
T = F~ d, (2.39)

isto é, força vezes deslocamento, e que a velocidade é dada por

4x
V = , (2.40)
4t

obtemos usando (2.38), (2.39) e (2.40), que o trabalho realizado em um pequeno

34
2. Equação da onda

retângulo [a, a + 4x] ⇥ [t, t + 4t] é dado por

T = ⌧ uxx (x, t)4xut (x, t)4t.

Daı́, tomemos as partições X = {x0 = 0, ..., xi = L} e T = {t0 = 0, ..., tj = t0 } dos


intervalos [0, L] e [0, t0 ], respectivamente, e com essas partições formemos os retângulos
rij = [xi , xi+1 ] ⇥ [tj , tj+1 ]. Estes retângulos formam uma partição para a região R.
Somando todos os trabalhos realizados nestes retângulos da partição, temos:
n X
X m
⌧ uxx (xi , tj )ut (xi , tj )4xi 4tj ,
i=1 j=1

onde 4xi = xi xi 1 e 4tj = tj tj 1 . Tomando limite quando n ! 1 e m ! 1,


temos, pela soma de Rieman, que
n X
X m Z Z
T = lim ⌧ uxx (xi , tj )ut (xi , tj )4xi 4tj = ⌧ uxx (x, t)ut (x, t)dA.
n,m!1 R
i=1 j=1

Então, utilizando o teorema de Fubini, temos:


Z Z Z t0 Z L
T = ⌧ uxx (x, t)ut (x, t)dA = ⌧ uxx (x, t)ut (x, t)dxdt.
R 0 0

Integrando com relação a x por partes, chamando u = ut e dv = ⌧ uxx , temos o seguinte:


Z t0  Z L
L
T = ⌧ ux (x, t)ut (x, t) ⌧ ux (x, t)utx (x, t)dx dt.
0 0 0

Portanto, se as extremidades da corda estão fixas, isto é, u(0, t) = u(L, t) = 0, nós
temos Z t0 Z L
T = ⌧ ux (x, t)utx (x, t)dxdt,
0 0

e daı́ usando ut utx = 12 (u2x )t e o teorema de Leibniz, [6, Teorema 3 p. 66], podemos
escrever: Z t0 Z L
1d
T = ⌧ u2x dxdt,
0 2 dt 0

o que implica pelo teorema fundamental do cálculo;


Z L
1 t0
T = ⌧ u2x dx
2 0 0
Z L Z L
.
1 1
= ⌧ u2x (x, 0)dx ⌧ u2x (x, t0 )dx
2 0 2 0

35
2. Equação da onda

Esta última expressão mostra que o trabalho das forças de tensão para levar a corda da
configuração u(x, 0) até a configuração u(x, t0 ) depende tão somente das configurações
inicial e final, e isto é o que motiva a definição de energia potencial em (2.34).

2.7 Harmônicos, frequência e amplitude de uma


onda estacionária
Na seção 2.5, vimos, pelo método de Fourier, que as soluções do P V IF (2.14) são
do tipo
⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
n⇡ct n⇡ct
un (x, t) = an sen cos + bn sen sen .
L L L L

Essas funções são denominadas de ondas estacionárias.

2.7.1 Partes de uma onda estacionária


Antes de tudo, é interessante sabermos que a denominação onda estacionária se
n⇡x KL
deve ao fato de que para x tal que L
= K⇡, isto é, x = n
com k = 0, 1, 2, ..., n,
n⇡x
temos sen L
= 0. Estes pontos, e apenas estes, permanecem parados se a vibração
da corda é descrita pela função un . Tais pontos são denominados de nós da onda
estacionária e o ponto médio entre dois nós é chama do de antinó ou ventre.

Figura 2.3: onda estacionária


Fonte: https://www.infoescola.com/fisica/onda-estacionaria/

O comprimento da onda é a distância entre dois nós consecutivos. No caso das


2L
ondas estacionárias descritas por un , temos que seu comprimento é n
.
A função un também é denominada de n-ésimo harmônico ou n-ésima tônica. O pri-
meiro harmônico recebe o nome de harmônico fundamental ou tônica fundamental,
⇣ e os

p
demais são conhecidos como supertônicas. Fazendo ↵n = an + bn e ✓n = arctan abnn ,
2 2

podemos reescrever un , assim:


✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘
n⇡ct
un (x, t) = ↵n sen + ✓n sen . (2.41)
L L

36
2. Equação da onda

O ângulo ✓n é chamado de fase.


Observe que para cada t fixado em (2.41) a corda é descrita como uma curva senóide.
n⇡ct
Nos valores de t tais que L
+ ✓n = k⇡, com k = 0, ..., n, a corda passa pela posição
de equilı́brio (pois sen(k⇡) = 0, e daı́ un = 0).
Derivando a equação (2.41) com relação a t, temos o seguinte:
✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘
@ n⇡ct n⇡c
un (x, t) = ↵n cos + ✓n sen . (2.42)
@t L L L

Aplicando (2.42) num ponto da posição de equilı́brio, conseguimos que

@ n⇡c ⇣ n⇡x ⌘
un (x, t) = ↵n cos(k⇡) sen ,
@t L L

ou seja, o coseno atingirá seu valor máximo 1, e daı́ conseguimos a velocidade máxima
atingida, ⇣ n⇡x ⌘
@ n⇡c
un (x, t) = ↵n sen .
@t L L
⇥ ⇤
Se considerarmos os valores de t tais que sen n⇡ct
L
± ✓n = ±1, neste caso a corda
terá seus desvios máximos da posição de equilı́brio pois, o seno atinge seus valores
extremos ±1 e então teremos
⇣ n⇡x ⌘
un (x, t) = ±↵n sen .
L
⇥ n⇡ct
⇤ n⇡ct k⇡
Como sen L
± ✓n = ±1, devemos ter L
+ ✓n = 2
, com k = 1, 3, ..., 2n + 1.
Portanto, ✓ ◆
@ k⇡ n⇡c ⇣ n⇡x ⌘
un (x, t) = ↵n cos sen = 0,
@t 2 L L
ou seja, teremos que a velocidade nos pontos de equilı́brio é 0.
Sabendo que a fórma básica de uma curva senóide ao longo do tempo é dada por

y(t) = A sen(2⇡f t + '), (2.43)

onde
A = amplitude
2⇡f = frequência ângular = !
,
' = fase
t = tempo

podemos comparar (2.42) com (2.43) e ver se o movimento da corda obedece uma lei
n⇡x
senoidal de amplitude ↵n sen L
. O perı́odo de uma onda é caculado pela fórmula
2L 2L
Tn = !
, portanto, no caso de (2.42), temos que Tn = nc
, e a frequência de vibração

37
2. Equação da onda

nc
é dada por !n = Tn 1 = 2L
, que não depende de x e t, logo é a mesma em todos os
pontos da corda.
Daı́, ⇣ n⇡x ⌘
nc
!n = e ↵n sen
2L L
são denominadas, respectivamente frequência ou frequência natural e amplitude da
n-ésima tônica.

2.7.2 A energia do n-ésimo harmônico


Consideremos o n-ésimo harmônico un produzido pela corda vibrante com extremi-
dades fixas ✓ ◆
n⇡ct
un (x, t) = ↵n sen + ✓n .
L
De onde temos
✓ ◆ ⇣ n⇡x ⌘
@ n⇡c n⇡ct
un (x, t) = ↵n cos + ✓n sen
@t L L L
✓ ◆ ⇣
@ n⇡ n⇡ct n⇡x ⌘
un (x, t) = ↵n sen + ✓n cos ,
@x L L L

e dái, usando as fórmulas da energia cinética e da energia potencial, conseguimos que


a energia total é
Z L 2 2 2 ⇣ n⇡x ⌘ Z L ⇣ n⇡x ⌘
1 n ⇡ c 1 n2 ⇡ 2
En (t) = ⇢↵n2 cos2 ( n ) sen
2
dx+ ⌧ ↵n2 sen2 ( n ) cos dx,
2 0 L2 L 2 0 L2 L

n⇡ct
onde n = L
+ ✓n . Supondo que ⇢ e ⌧ sejam constantes, temos que
Z L ⇣ n⇡x ⌘ Z L ⇣ n⇡x ⌘
n2 ⇡ 2 c2 n2 ⇡ 2
En (t) = ⇢ ↵n2 2
cos ( n ) sen
2
dx+ 2 ⌧ ↵n2 sen2 ( n ) cos
2
dx.
2L2 0 L 2L 0 L

Usando relações de ortogonalidade, podemos reescrever En da seguinte forma:

n2 ⇡ 2 2 2
En (t) = ↵ (⇢c cos2 ( n) + ⌧ sen2 ( n )),
4L n

sabendo que c2 = ⇢
e que sen2 ( n) + cos2 ( n) = 1, segue

n2 ⇡ 2 2 2
En (t) = ↵n ⇢c = M ⇡ 2 ↵n2 !n2 ,
4L

onde M = L⇢ é a massa da corda e !n é a frequência do n-ésimo harmônico.

Teorema 2.3. A energia da corda é a soma das energias dos vários harmônicos.

38
2. Equação da onda

Demonstração. Para provarmos tal resultado, basta calcularmos a energia no instante


t = 0, pois, como vimos na seção anterior, a corda vibrante com extremidades fixas
forma um sistema conservativo. Assim, a energia E da corda é:
Z L Z L
1 1
E= 2
⇢g(x) dx + ⌧ f 0 (x)2 dx.
2 0 2 0

Usando as expressões (2.20) e (2.22), temos

Z " #2 Z " #2
1 L 1
X n⇡c ⇣ n⇡x ⌘ 1 L 1
X n⇡ ⇣ n⇡x ⌘
E= ⇢ bn sen dx + ⌧ an cos dx.
2 0 n=1
L L 2 0 n=1
L L

Como a convergência da séries acima é uniforme, podemos escrever


1 Z ⇣ ⌘ 1 Z ⇣ ⌘
⇢X L
n2 ⇡ 2 c2 2 2 n⇡x ⌧X L
n2 ⇡ 2 2 2 n⇡x
E= b n sen dx + a cos dx,
2 n=1 0 L2 L 2 n=1 0 L2 n L

e usando as relações de ortogonalidade, temos que


1  1
1 X ⇢n2 ⇡ 2 c2 2 ⌧ n2 ⇡ 2 2 1 X n2 ⇡ 2 2 2
E= bn + a = (c ⇢bn + ⌧ a2n );
2 n=1 2L 2L n 2 n=1 2L

como ⌧ = c2 ⇢, temos
1
X 1
X
n2 ⇡ 2 c2 ⇢ n2 ⇡ 2 c2 ⇢↵2 n
E= (b2n + a2n ) = .
n=1
4L n=1
4L

Ou seja,
1
X
E= En .
n=1

2.8 A corda dedilhada


Nesta seção, abordaremos matematicamente como se comporta a corda quando é
dedilhada. Consideraremos uma corda com extremidades fixas posta a vibrar graças a
um deslocamento em sua posição de equilı́brio. Daı́, terı́amos que as suas configurações

39
2. Equação da onda

seriam descritas pela função u(x, t), que é solução do P V IF (2.14), com
8
>
> hx
, para 0  x  a
< L
f (x) =
>
> (2.44)
: h(x L)
, para a  x  L
a L

g(x) = 0.

Esse é o modelo ideal do que ocorre quando se dedilha cordas de uma harpa, ou
quando se toca instrumentos de corda como violão, cavaquinho e guitarra. A figura
abaixo representa geometricamente este modelo.

Figura 2.4: corda dedilhada


Fonte:[2, p. 145]

A solução do P V IF (2.14), neste caso, é dada pela expressão (2.19), com bn = 0,


pois g(x) = 0, e para calcularmos an vejamos que, pela expressão geral do coeficiente
de Fourier an , temos Z
2 L ⇣ n⇡x ⌘
an = f (x) sen dx,
L 0 L
que substituindo pela função f (x), definida em (2.44), resulta
Z a ⇣ n⇡x ⌘ Z L ⇣ n⇡x ⌘
2 hx 2 h(x L)
an = sen dx + sen dx. (2.45)
L 0 a L L a (a L) L

Calculando separadamente as integrais em (2.45), temos que a primeira intergral, uti-


hx n⇡x
lizando integração por partes com u = a
e dv = sen L
, tem como solução

2h ⇣ n⇡a ⌘ 2hL ⇣ n⇡a ⌘


cos + 2 2 sen . (2.46)
n⇡ L an ⇡ L

Usando integração por partes novamente agora na segunda integral de (2.45) com,

40
2. Equação da onda

h(x L) n⇡x
u= a L
e dv = sen L
, obtemos

2h ⇣ n⇡a ⌘ 2hL ⇣ n⇡a ⌘


cos sen . (2.47)
n⇡ L (a L)n2 ⇡ 2 L

Voltando à expressão principal (2.45), temos que ela é igual a

2h ⇣ n⇡a ⌘ 2hL ⇣ n⇡a ⌘ 2h ⇣ n⇡a ⌘ 2hL ⇣ n⇡a ⌘


an = cos + 2 2 sen + cos sen
n⇡ L an ⇡ L n⇡ L (a L)n2 ⇡ 2 L
2hL ⇣ n⇡a ⌘ 2hL ⇣ n⇡a ⌘
= 2 2 sen 2 2
sen
an ⇡ L (a L)n ⇡ L
⇣ n⇡a ⌘ 2hL  1 1
= sen 2 2
L n⇡ a a L
2hL2 ⇣ n⇡a ⌘
= sen .
a(a L)n2 ⇡ 2 L

Assim, o n-ésimo harmônico, obtido substituindo an e bn na equação (2.18), é dado por


⇣ n⇡a ⌘ ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
2hL n⇡ct
un (x, t) = sen sen cos .
a(L a)n2 ⇡ 2 L L L

A equação em (2.19) é a superposição desses harmônicos. É importante perceber


que, dependendo do ponto a onde se dedilha a corda, alguns harmônicos podem estar
ausentes na expressão de u. Dizemos, então, que estes harmônicos estão mudos. Para
ilustrar esta definição, consideremos que a seja um ponto de nó do n-ésimo harmônico,
KL
ou seja, a = n
. Daı́ temos em un que
! ✓ ◆
2hL 2 n⇡ KL ⇣ n⇡x ⌘ n⇡ct
n
un (x, t) = KL KL
sen sen cos
n
L n
2
n⇡ 2 L L L
2 ⇣ n⇡x ⌘ ✓ ◆
2hL n⇡ct
= KL KL
sen(K⇡) sen cos
n
L n
2
n⇡ 2 L L
= 0.

Portanto, nos pontos de nós temos que o n-ésimo harmônico permanecerá mudo. Vemos
também que o primeiro harmônico nunca permanecerá mudo,

2hL2 ⇣ ⇡a ⌘
u1 (x, t) = sen ,
a(L a)⇡ 2 L

pois a u1 (x, t) será zero apenas no ponto de nó, logo, não temos uma função identica-
mente nula.
As vibrações de uma corda se transmitem pelo ar, produzindo, assim, ondas sonoras;
desta forma podemos entender o som produzido pela corda vibrante como sendo uma

41
2. Equação da onda

superposição de harmônicos.
Fisicamente, as propriedades do som são funções que dependem de vários parâmetros,
os quais podem ser representados em un de acordo com cada caso. A altura do som,
por exemplo, é medida em hertz (ciclos por segundo); ela é a frequência do harmônico
fundamental. Quanto maior é a frequência, mais alto é o som. Os sons audı́veis têm
frequências variando entre 16 e 16.000 hertz.
A altura do som depende das condições fı́sicas da corda. Temos que

nc
!n = ,
2L

daı́,
c
!1 = .
2L
q

Como c = ⇢
, conseguimos
r
1 ⌧
!1 = .
2L ⇢
Portanto, se diminuirmos o comprimento L da corda, a altura aumentará. Empirica-
mente, este artifı́cio é usado quando na harpa se diminui o comprimento da corda por
meio de um pedal. Também vemos isso quando os comprimentos de cordas do violão
ou violino são diminuidos com a pressão dos dedos em certos pontos.
De modo análogo, vemos em !1 , que a altura do som aumenta segundo a raiz
quadrada da força de tensão. Daı́ a explicação para o porquê de afinarmos as cordas
do violão, violino ou qualquer instrumento de cordas, pois, com o tempo, a tensão na
corda varia, e ela passa a produzir sons em alturas diferentes.
A intensidade do som depende da energia da corda vibrante. No caso da corda
dedilhada, essa energia é
1
X
E = n⇡ 2 !n2 a2n .
n=1
P
Sabendo pelo teorema 2.3 que E = En , temos que a intensidade varia proporcio-
nalmente ao quadrado do deslocamento dado à corda no ponto onde se dedilha, por
exemplo: se dobrarmos h (altura que puxamos a corda ao dedilhar) como temos na
expressão da energia o a2n , tal valor quadruplicará.
Por último, o timbre do som é uma qualidade que permite distinguir sons de mesma
altura e mesma intensidade. Ele depende da forma de u(x, t) e, portanto, das su-
pertônicas. Assim, sons de mesma altura e intensidade podem ser executados ao mesmo
tempo por intrumentos cuja vibração, pode ser propiciada por dedilhamento (violão),
percussão (piano) ou atrito de um arco (violoncelo), de modo que não sejam confun-
didos entre si. O que faz com que este interessante fenômeno ocorra é o timbre, pois a

42
2. Equação da onda

forma de u(x, t) é diferente em cada um dos casos.

2.9 Vibrações forçadas


Nesta seção, consideraremos o problema de vibração de uma corda que possui ex-
tremidades fixas e está sujeita à ação de forças externas. O deslocamento u(x, t) é
solução do seguinte P V IF :
8
>
> utt = c2 uxx + g(x, t)
>
>
>
>
<u(0, t) = u(L, t) = 0, 8t>0
(2.48)
>
> u(x, 0) = f0 (x), 80xL
>
>
>
>
:
ut (x, 0) = f1 (x), 8 0  x  L.

Vamos proceder informalmente quanto à diferenciabilidade das funções envolvidas,


a fim de descobrir um candidato a solução do P V IF (2.48). Este candidato tem a
forma idealizada por
1
X ⇣ n⇡x ⌘
u(x, t) = cn (t) sen , (2.49)
n=1
L

com os coeficientes cn (t) a serem determinados.


Suponhamos que para cada t a função g(x, t) possa ser escrita como uma série de
Fourier do tipo
1
X ⇣ n⇡x ⌘
g(x, t) = gn (t) sen . (2.50)
n=1
L

Procedendo informalmente quanto à derivação termo a termo de (2.49), temos usando


a equação da onda, que
1
X ⇣ n⇡x ⌘ 1
X n2 ⇡ 2 ⇣ n⇡x ⌘ 1
X ⇣ n⇡x ⌘
c00n sen = c 2
cn sen + gn (t) sen .
n=1
L n=1
L2 L n=1
L

Observando os coeficientes de Fourier na expressão acima, segue que

n2 ⇡ 2 c2
c00n + cn = gn (t),
L2

que podemos escrever,


c00n + (2⇡!n )cn = gn , 8 t > 0, (2.51)
nc
onde !n = L
é a frequência do n-ésimo harmônico. Usando as condições iniciais do

43
2. Equação da onda

P V IF (2.48), concluı́mos

1
X ⇣ n⇡x ⌘
f0 (x) = u(x, 0) ! f0 (x) = cn (0) sen (2.52)
n=1
L

e 1
X ⇣ n⇡x ⌘
f1 (x) = ut (x, 0) ! f1 (x) = c0n (0) sen , (2.53)
n=1
L

que mostra, através dos coeficientes de Fourier de f0 e f1 , que devemos ter


Z L ⇣ n⇡x ⌘
2
cn (0) = f0 (x) sen dx (2.54)
L 0 L

e Z L ⇣ n⇡x ⌘
2
c0n (0) = f1 (x) sen dx. (2.55)
L 0 L
Assim, temos um P V I envolvendo uma equação diferencial ordinária de segunda
ordem. Tal problema é dado em (2.51)-(2.54)-(2.55), onde a solução geral da EDO
(2.51) é da forma

cn (t) = an cos(2⇡!n t) + bn sen(2⇡!n t) + ĉn (t),

onde an e bn são constantes arbitrárias que serão determinadas de modo que (2.54) e
(2.55) sejam satisfeitas; e ĉn (t) é uma solução particular da EDO (2.51) que é obtida
através do método da variação dos parâmetros.
Portanto, determinamos cn (t) reslvendo o P V I (2.51)-(2.54)-(2.55), e daı́ temos
que a equação (2.49) deve ser solução do P V IF (2.48). Mas, para que isto ocorra, é
necessário pormos hipóteses sobre a diferenciabilidade das funções g, f0 e f1 , para que
desta maneira possamos provar que a série em (2.49) converge e define uma solução
para (2.48). Tal problema já foi discutido de maneira análoga anteriormente quando
vimos na seção 2.5 o teorema 2.1.

2.10 A corda infinita


Iremos estudar as vibrações de uma corda de comprimento infinito. Portanto, como
podemos pensar intuitivamente, neste caso não há condições de fronteira a serem sa-
tifeitas e, desta forma, o problema consiste em encontrar uma solução u(x, t) definida

44
2. Equação da onda

no semiplano x 2 R e t  0, tal que ela satisfaça


8
>
> u = c2 uxx , x2Ret 0
>
< tt
u(x, 0) = f (x), x2R (2.56)
>
>
>
:u (x, 0) = g(x),
t x 2 R,

onde f (x) e g(x) são as condições iniciais. O problema (2.56) é conhecido como pro-
blema de Cauchy.

2.10.1 Solução generalizada da equação da onda


Veremos no próximo teorema que a equação da onda possui uma solução geral que
compreende todas as suas soluções. Este fato é bastante interessante no estudo de
EDP , pois soluções gerais não são muito comuns, sendo mais presentes em EDO.

Teorema 2.4. Se u(x, t) satisfizer a equação da onda, utt = c2 uxx , onde c é constante,
então existirão funções F e G reais de variável real , isto é F : R ! R e G : R ! R,
tais que
u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct) (2.57)

Demonstração. Inicialmente, vamos introduzir as seguintes variáveis independentes:

⇠ = x + ct e ⌘ = x ct,

e daı́ definiremos a função v da seguinte forma:

v(⇠, ⌘) = v(x + ct, x ct) = u(x, t).

Logo, usando a regra da cadeia no R2 derivando com relação a x, obtemos

@v @⇠ @v @⌘
ux = (⇠, ⌘) (x, t) + (⇠, ⌘) (x, t).
@⇠ @x @⌘ @x

@⇠ @⌘
Como @x
(x, t) = @x
= 1, derivando a expressão acima novamente com relação a x,
obtemos
@ 2 v @⇠ @ 2 v @⌘ @ 2 v @⇠ @ 2 v @⌘
uxx = + + + .
@⇠ 2 @x @⌘@⇠ @x @⇠@⌘ @x @⌘ 2 @x
Vamos usar a seguinte notação para facilitar os cálculos:

uxx = v⇠⇠ + v⌘⇠ + v⇠⌘ + v⌘⌘ .

Pelo teorema de Schwarz, [6, Teorema 4 p. 67], podemos somar as derivadas mistas

45
2. Equação da onda

para, assim, termos


uxx = v⇠⇠ + 2v⌘⇠ + v⌘⌘ . (2.58)

Analogamente, usando a regra da cadeia no R2 e o teorema de Schwarz, [6, Teorema 4


p. 67], obtemos
utt = c2 v⇠⇠ 2c2 v⇠⌘ + c2 v⌘⌘ . (2.59)

Substituindo (2.58) e (2.59) na equação da onda, temos

c2 v⇠⇠ 2c2 v⇠⌘ + c2 v⌘⌘ = c2 [v⇠⇠ + 2v⌘⇠ + v⌘⌘ ],

que implica
4c2 v⇠⌘ = 0,

de onde temos
v⇠⌘ = 0. (2.60)

A equação em (2.60) nos diz que a função v⇠ é constante com relação a ⌘, por isso,
integrando-a com relação a ⌘ podemos escrever
Z
v⇠⌘ d⌘ = F1 (⇠),

ou seja,
v⇠ = F1 (⇠).

Integrando a expressão acima com relação a ⇠, usando o teorema fundamental do


cálculo, temos Z Z
v= v⇠ d⇠ = F1 (⇠)d⇠ + G(⌘).

O resultado segue chamando F (⇠) uma das primitivas de F1 ,

v(⇠, ⌘) = F (⇠) + G(⌘).

Voltando às variáveis x, t, temos

u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct).

De acordo com o teorema demonstrado acima, a solução da equação da onda (2.19)


do P V IF (2.14) deve ser escrita da forma (2.57), uma vez que ela é solução da equação

46
2. Equação da onda

da onda. E isto de fato ocorre; basta usarmos as identidades trigonométricas

1
sen(a) cos(b) = [sen(a + b) + sen(a b)]
2
e
1
sen(a) sen(b) = [cos(a b) cos(a + b)].
2

Daı́, em (2.19) nós obtemos


1 
X  ✓ ◆ ✓ ◆  ✓ ◆ ✓ ◆
1 n⇡x n⇡ct n⇡x n⇡ct 1 n⇡x n⇡ct n⇡x n⇡ct
u(x, t) = an sen + + sen + bn cos + cos +
n=1
2 L L L L 2 L L L L
,
1
1
X h ⇣ n⇡ ⌘ ⇣ n⇡ ⌘i 1 X1 h ⇣ n⇡ ⌘ ⇣ n⇡ ⌘i
= an sen (x + ct) + bn cos (x + ct) + an sen (x ct) + bn cos (x ct)
2 n=1
L L 2 n=1 L L

mostrando que (2.19) pode ser escrita na forma F (x + ct) + G(x ct), com

1  ✓ ◆ ⇣ n⇡⌘ ⌘
1X n⇡⇠
F (⇠) = an sen + bn cos
2 n=1 L L

e
1 Xh ⇣ n⇡⌘ ⌘ ⇣ n⇡⌘ ⌘i
1
G(⌘) = an sen + bn cos .
2 n=1 L L

2.10.2 Fórmula de D’Alembert


A fim de obtermos a solução do problema de Cauchy com a equação da onda
P V IF (2.56), vamos procurar determinar funções F e G usando as condições iniciais.
Como vimos no teorema 2.4, a solução geral da equação da onda é da forma u(x, t) =
F (x + ct) + G(x ct). Portanto das condições inicias em (2.56) obtemos

u(x, 0) = F (x) + G(x) = f (x)


(2.61)
ut (x, 0) = cF 0 (x) cG0 (x) = g(x).

Da última expressão de (2.61), temos

1
F 0 (x) G0 (x) = g(x).
c

Integrando a expressão acima, conseguimos


Z x Z x
0 0 1
F (s) G (s)ds = g(s)ds,
0 c 0

47
2. Equação da onda

e usando o teorema fundamental do cálculo obtemos


Z x
1
F (x) G(x) = g(s)ds (F (0) G(0));
c 0

chamando K = F (0) G(0), podemos escrever


Z x
1
F (x) G(x) = g(s)ds + K. (2.62)
c 0

Da primeira igualdade em (2.61) e de (2.62), conseguimos que


Z
1 x
f (x) G(x) G(x) = g(s)ds + K
c 0
Z
1 x
2G(x) = f (x) + g(s)ds + K,
c 0

ou seja, Z x
f (x) 1 K
G(x) = g(s)ds .
2 2c 0 2
Procedendo de maneira análoga, temos que
Z x
f (x) 1 K
F (x) = + g(s)ds + .
2 2c 0 2

Portanto, como

u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct)


Z x+ct Z x ct ,
1 1 1
= [f (x + ct) + f (x ct)] + g(s)ds g(s)ds
2 2c 0 2c 0

temos Z x+ct
1 1
u(x, t) = [f (x + ct) + f (x ct)] + g(s)ds. (2.63)
2 2c x ct

A solução em (2.63) é conhecida como fórmula de D’Alembert.

2.10.3 Inferências a respeito da fórmula de D’Alembert

Intervalo de dependência
Analisando a fórmula de D’Alembert, vemos que o valor da solução u do problema
de Cauchy em (2.56) no ponto (x, t) depende apenas dos valores dos dados iniciais
f (x) e g(x) no intervalo [x ct, x + ct]. Este intervalo é chamado de intervalo de
dependência do ponto (x, t). Observe a figura abaixo, que representa este intervalo
geometricamente.

48
2. Equação da onda

Figura 2.5: Intervalo de dependência


Fonte: [2, p. 152]

Notemos que os valores dos dados iniciais f e g fora do intervalo [x ct, x + ct] não
afetam o valor de u no ponto (x, t), ou seja, os dados iniciais podem ser arbitrariamente
modificados fora deste intervalo sem que a solução u seja alterada no ponto (x, t).
Para calcularmos a equação das retas que estão na figura acima, primeiramente
acharemos os seus respectivos coeficientes angulares,

t t 0 1
m1 = = =
x x x + ct c
e
t t 0 1
m2 = = = .
x x x ct c

Daı́ podemos calcular as equações das retas. Vamos fazer o cálculo para a reta da
esquerda:
(a a1 ) = m1 (b b1 )
1
a = (b x + ct)
c
ac = b x + ct
ac b= x + ct
ac b=x ct.
Do cálculo acima, concluı́mos que

x ct = constante, (2.64)

e analogamente temos que a equação da reta da direita é dada por

x + ct = constante. (2.65)

As retas em (2.64) e (2.65) são conhecidas como retas caracterı́sticas.

49
2. Equação da onda

Região de influência
A fórmula de D’Alembert também nos diz que os valores de f e g no ponto (x, 0)
influenciam os valores de u apenas no setor haxurado da figura abaixo.

Figura 2.6: Região de influência


Fonte: [2, p. 153]

De fato, fixemos (x0 , 0), x0 2 R e consideremos o seguinte conjunto:

I(x0 ) = {(x, t) 2 R ⇥ [0, +1); x ct  x0  x + ct}.

Note que (x, t) 2 I(x0 ) , x 2 [x ct, x + ct]. Os pontos de I(x0 ) são aqueles
que a solução u do problema de Cauchy depende dos valores iniciais f e g no ponto
(x0 , 0); se mudarmos os valores iniciais f e g nesse ponto, isso só afetará u nos pontos
(x, t) 2 I(x0 ). O conjunto I(x0 ) é chamado de região de influência.
Deste modo, supondo que os dados iniciais f e g tenham suporte no intervalo [a, b],
isto é, f e g se anulem fora da região haxurada na figura abaixo, então a solução u(x, t)
é nula fora desta região, que é chamada região de influência dos dados iniciais.

Figura 2.7: Região de influência dos dados iniciais


Fonte: [2, p. 153]

50
2. Equação da onda

Velocidade de propagação
É possı́vel interpretar o prolema de Cauchy como a vibração de uma corda de
comprimento infinito, onde esta vibração é oriunda de perturbações feitas à corda
quando esta se encontra em sua posição de repouso. No tempo inicial, temos que o
afastamento causado à corda é descrito por u(x, 0) = f (x); e a velocidade inicial da
corda é representada pelo outro dado inicial, ut (x.0) = g(x). Assim, vemos que, caso as
pertubações iniciais estejam concentradas em um trecho [a, b] da corda, elas poderão
x0 b
afetar um ponto x0 > b apenas depois de um tempo, t0 = c
, obtido através da
fórmula da velocidade média. Isso quer dizer que as pertubações viajam ao longo da
corda com velocidade c; observe a representação geométrica desta situação na figura
abaixo.

Figura 2.8: Velocidade de propagação


Fonte: [2, p. 153]

2.10.4 Corda infinita dedilhada


Suponhamos que a vibração da corda seja causada apenas pelo deslocamento inicial
f (x), isto é, g(x) = 0. Então, a fórmula de D’Alembert nos diz que:

1
u(x, t) = [f (x + ct) + f (x ct)]. (2.66)
2

Neste caso, para cada t, a solução u(x, t) é a superposição de duas ondas, a saber, a
função f (x + ct) é a chamada onda regressiva, e f (x ct) é a onda progressiva. Para
fixarmos esta ideia, vejamos o exemplo a seguir.

Exemplo 2.1. Consideremos c = 1 e f (x) = |x| + 1, cujo o gráfico está na figura


seguinte.

51
2. Equação da onda

Figura 2.9: gráfico da f (x)


Fonte: [2, p. 154]

Na Figura 2.9 vemos a onda no instante t = 0. Ela gera duas ondas: a regressiva,
que se locomove para a esquerda, a qual representaremos nas próximas figuras como
uma linha de traços e pontos, e a onda progressiva, que se locomove para a direita,
representada apenas como uma linha tracejada.
A figura abaixo mostra as ondas regressiva e progressiva no instante t = 12 .

1
Figura 2.10: ondas regressiva e progressiva no instante t = 2
Fonte: [2, p. 154]

Para termos as superposição u(x, t) das ondas no instante t = 12 , calculamos


⇥ 1 1⇤
* u para valores de x no intervalo ,
2 2

✓ ◆  ✓ ◆ ✓ ◆
1 1 1 1
u x, = f x+ +f x
2 2 2 2
 ;
1 1 1
= x+ +1 x +1
2 2 2
⇥ 1 1
⇤ 1 1
no intervalo ,
2 2
, temos x + 2
é sempre positivo e x 2
é sempre negativo, logo,
✓ ◆ 
1 1 1 1
u x, = x +1+x +1
2 2 2 2
1
= .
2

3 1
* u para valores de x no intervalo [ 2
, 2
]

52
2. Equação da onda

1
Nesta região, temos apenas a influência da onda regressiva f x + 2
, pois, a onda
1
progressiva não tem valores antes de x = 2
. Então, concluı́mos que neste ponto a u
é dada por ✓ ◆  ✓ ◆
1 1 1
u x, = f x+
2 2 2
1
x+ 2 +1
=
2
x 12 + 1
=
2
x 3
= + .
2 4
⇥1 ⇤
* u para valores de x no intervalo ,3
2 2
1
Nesta região, temos apenas a influência da onda progressiva f x 2
, pois a onda
regressiva não tem valores depois de x = 12 . Então, concluı́mos que nestes pontos que
a u é dada por ✓ ◆  ✓ ◆
1 1 1
u x, = f x
2 2 2
1
x 2 +1
=
2
+x 12 + 1
=
2
x 3
= + .
2 4
1
Logo, temos que a superposição u com t = 2
tem o gráfico descrito pela imagem
abaixo.

Figura 2.11: u(x, 12 )


Fonte: [2, p. 154]

Nas Figuras 2.12 e 2.14 vemos as ondas progressiva e regressiva viajando nos tempos
t = 1 e t = 2, respectivamente; já nas Figuras 2.13 e 2.15, vemos as superposições u(x, 1)
e u(x, 2).

53
2. Equação da onda

Figura 2.12: ondas regressiva e progressiva no instante t = 1


Fonte: [2, p. 155]

Figura 2.13: u(x, 1)


Fonte: [2, p. 155]

Figura 2.14: ondas regressiva e progressiva no instante t = 2


Fonte: [2, p. 155]

Figura 2.15: u(x, 2)


Fonte: [2, p. 155]

Observação 2.1. Ao vermos este exemplo, notamos um fenômeno interessante, a


saber, ao fixarmos um ponto x longe da perturbação inicial, observamos que esta
demora um certo tempo para atingir o ponto x fixado, quando o atinge, o perturba por
um certo momento e em seguida passa por ele, deixando-o em repouso para sempre.
Esse fato é intrı́sseco a ondas unidimensionais e tridimensionais, as ondas sonoras no
espaço R3 , por exemplo, e é denominado de fenômeno de Huyghens.

54
2. Equação da onda

A expressão u dada na fórmula de D’Alembert em (2.63) define


realmente uma solução para o problema de Cauchy?
No teorema 2.4, já tı́nhamos como hipótese a existência de solução da equação da
onda, e a partir deste fato, asseguramos que a equação possuı́a uma solução geral. No
processo de obtenção da fórmula de D’Alembert na subseção 2.10.2, também foi admi-
tido que tal solução existia. Portanto, a pergunta que fizemos no tı́tulo desta subseção
é bastante pertinente. Logo, devemos olhar para u em (2.63) como um candidato a
solução do problema de Cauchy descrito em (2.56).
Em primeiro lugar, devemos verificar se (2.63) satisfaz as condições iniciais de (2.56).
Z x
1 1
u(x, 0) = [f (x) + f (x)] + g(s)ds
2 2c x
1
= [f (x) + f (x)]
2
= f (x).

Vimos acima que a condição inicial u(x, 0) = f (x) é satisfeita; vejamos agora a outra
condição, tendo (2.63) como
Z x+ct Z x ct
1 1
u(x, t) = [f (x + ct) + f (x ct)] + g(s)ds g(s)ds.
2 2c 0 0

Então, usando o teorema fundamental do cálculo e a regra da cadeia, derivando com


relação a t, obtemos

1 1
ut (x, t) = [cf 0 (x + ct) cf 0 (x ct)] + [cg(x + ct) + cg(x ct)],
2 2c

daı́,
1 1
ut (x, 0) = [cf 0 (x) cf 0 (x)] + [2g(x)c]
2 2c
= g(x),

portanto, ut (x, t) = g(x).


Mas para isto devemos impor hipóteses: é necessário que f seja C 2 e g seja de classe
C 1 ; deste modo, derivando (2.63), teremos

1 1
utt = [c2 f 00 (x + ct) c2 f 00 (x ct)] + [2g 0 (x + ct)c2 ]
2 2c

e
1 1
uxx = [f 00 (x + ct) f 00 (x ct)] + [2g 0 (x + ct)].
2 2c
Assim, é fácil ver que (2.63) satisfaz a equação da onda utt = c2 uxx .

55
2. Equação da onda

Sob tais condições dizemos que a função (2.63) é de classe C 2 em todo plano (x, t),
e dizemos que é uma solução estrita. Para termos o problema de Cauchy (2.56) com os
dados iniciais, f e g, não diferenciáveis ou até mesmo descontı́nuos, temos que ampliar
o nosso conceito de solução. Assim, consideramos as soluções generalizadas de Sobolev.
No entanto, estas não serão abordadas neste trabalho.

2.10.5 A integral da energia


Suponhamos que os dados iniciais f e g do problema de Cauchy (2.56) sejam tais
que, para cada t 0, u(x, t) e todas as suas derivadas até segunda ordem, sejam
de quadrado integrável como função de x em R. Isto ocorre se f e g satisfizerem as
condições que impomos na subseção anterior e, além disso, se ambas tiverem suporte
compacto, o que quer dizer que elas se anulam fora de um intervalo [a, b]. Então,
multiplicando a equação da onda por ut , temos

utt ut = c2 uxx ut ,

usando a regra do produto (ux ut )x = uxx ut + ux uxt , temos

1 2
(u )t = c2 [(ux ut )x ux uxt ],
2 t

que podemos reescrever como

1 2 c2
(ut )t + (u2x )t = c2 (ux ut )x .
2 2

Integrando a expressão acima com relação a x de 1 a 1, e supondo que limx!±1 ux ut =


0, temos Z ✓ ◆ Z
1 1
@ 1 2 c2 2 2 @
u + ux dx = c (ux ut )dx,
1 @t 2 t 2 1 @x
Usando a definição de integral no infinito no segundo membro da expressão acima
temos. Z 1 ✓ ◆ Z r
@ 1 2 c2 2 @
u + ux dx = lim (ux ut )dx.
1 @t 2 t 2 r!1 r @x
Usando o teorema fundamental do cálculo, obtemos
Z 1 ✓ ◆
@ 1 2 c2 2
u + ux dx = lim [ux (r, t)ut (r, t) ux ( r, t)ut ( r, t)],
1 @t 2 t 2 r!1

56
2. Equação da onda

e como estamos supondo limx!±1 ux ut = 0, conseguimos que


Z 1 ✓ ◆
@ 1 2 c2 2
u + ux dx = 0.
1 @t 2 t 2

Finalmente, utilizando o teorema de Leibniz, [6, Teorema 3 p. 66],


Z 1
@ 1 2 c2 2
u + ux dx = 0. (2.67)
@t 1 2 t 2

A integral em (2.67) é chamada integral da energia e ela nos diz que a energia, é
constante. Logo,
Z 1  Z 1 
1 c2 1 c2
ut (x, t)2 + ux (x, t)2 dx = g(x)2 + f 0 (x)2 dx (2.68)
1 2 2 1 2 2

a relação em (2.68) expressa conservação de energia, pois diz que a integral de energia
em qualquer tempo é igual à do tempo inicial, t = 0.

2.10.6 Unicidade de solução estrita do problema de Cauchy


Suponhamos que f e g sejam de classe C 2 e C 1 , respectivamente, e ambas tenham
suporte compacto. Se o problema (2.56) tiver duas soluções, u1 e u2 , então u = u1 u2
terá condições iniciais identicamente nulas, pois as condições iniciais de u1 são iguais
às de u2 , além disto, u satisfaz as condições necessárias para a aplicação da relação
(2.68). Logo, ut (x, t) = ux (x, t) = 0, mostra que u(x, t) = constante. Como u se anula
para t = 0, devemos ter que u ⌘ 0, e daı́ concluı́mos que u1 = u2 , ou seja, a unicidade
de solução.

2.10.7 Continuidade da solução do problema de Cauchy com


os dados iniciais
Suponhamos que o probema de Cauchy com dois conjuntos diferentes de dados inici-
ais, {f1 , g1 } e {f2 , g2 }. Iremos supor, também, que estes dados tenham as propriedades
necessárias que permitam a elaboração da equação de energia.
Seja u1 a solução do problema de Cauchy que satisfaz o primeiro conjunto de dados
iniciais {f1 , g1 }, e seja u2 a solução para o segundo conjunto de dados iniciais {f2 , g2 }.
Aplicando a relação (2.68) à diferença dessas soluções, conseguimos
Z +1  Z +1 
1 1 c2 1 c2 0
|u u2t |2 + |u1x u2x |2 dx = |g1 g2 |2 + |f f20 |2 dx. (2.69)
1 2 t 2 1 2 2 1

57
2. Equação da onda

Logo, ao observarmos a relação (2.69), concluı́mos que se os dados iniciais estiverem


perto, de modo que a integral do segundo membro se torne pequena, então as soluções
do problema de Cauchy estarão perto, pois a energia da diferença das soluções, repre-
sentada no primeiro membro, também será pequena.

2.10.8 O problema de Cauchy não-homogêneo


Este problema consiste na determinação de uma solução u(x, t) do problema
8
>
> u = c2 uxx + h(x, t), 1 < x < +1, t > 0
>
< tt
u(x, 0) = f (x), 1 < x < +1 (2.70)
>
>
>
:u (x, 0) = g(x),
t 1 < x < +1

onde h, f e g são funções dadas.


Como c é constante, sem perda de generalidade, vamos supor c = 1, o que pode ser
feito a partir da mudança de variável y = cx.
O valor de u no ponto A = (x, t) pode ser obtido através da aplicação do Teorema da
divergência de Gauss na região triângular ⌦, orientada no sentido anti-horário, limitada
pelo eixo x e pelas retas caracterı́sticas que têm origem no ponto (x, t). Observe a figura
abaixo, que representa esta situação:

Figura 2.16: Representação da região ⌦


Fonte: [2, p. 159]

Os vetores normais unitários


⇣ exteriores
⌘ aos ⇣
lados, CA,⌘ AB e BC da fronteira de ⌦,
são, respectivamente, ~nCA = p12 , p12 , ~nAB = p1 , p1
2 2
e ~nBC = (0, 1).
Portanto, aplicando o teorema da divergência de Gauss à função vetorial (x, t) =
( ux , ut ), obtemos
Z Z Z A Z B Z C
div dxdt = · ~nCA ds + · ~nAB ds + · ~nBC ds,
⌦ C A B
Z Z Z A Z B Z C
1 1
(utt uxx )dxdt = p ( ux + ut )ds + p (ux + ut )ds ut ds.
⌦ 2 C 2 A B

58
2. Equação da onda

Como a função u é de classe C 2 , temos que a sua derivada parcial na direção do


!
vetor unitário CA é dada por

@u ! 1
! = ru · CA = p ( ux + ut ).
@ CA 2
!
Analogamente, p1 (ux + ut ) é a derivada direcional de u na direção BA. Daı́,
2

Z Z Z A Z B Z C
@u @u
(utt uxx )dxdt = ! (s, t)ds + ! (s, t)ds ut (s, 0)ds,
⌦ C @ CA A @ AB B

ou seja,
Z Z Z x+t
(utt uxx )dxdt = u(x, t) u(x + t, 0) + u(x, t) u(x t, 0) ut (s, 0)ds.
⌦ x t

Finalmente, aplicando os dados iniciais do problema (2.70) na expressão anterior,


obtemos
Z Z Z x+t
h(x, t)dxdt = 2u(x, t) f (x + ct) f (x ct) g(s)ds,
⌦ x t

que nos dá a solução para o problema de Cauchy não-homogêneo, representada pela
equação abaixo:
Z x+t Z Z
f (x + ct) + f (x ct) 1
u(x, t) = + g(s)ds + h(x, t)dxdt. (2.71)
2 2 x t ⌦

2.11 A corda semi-infinita


Como foi visto no teorema 2.4, existe uma solução geral para a equação da onda,
que é da forma
u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct).

Utilizaremos este fato para resolvermos o P V IF para a corda semi-infinita, dado por
8
>
> u = c2 uxx , x>0et>0
>
< tt
u(0, t) = h(t), t>0 , (2.72)
>
>
>
:u(x, 0) = f (x) e u (x, 0) = g(x),
t x>0

onde f , g e h são funções dadas; posteriormente, falaremos das hipóteses que devemos
impor sobre a regularidade destas funções.
A resolução do problema (2.72) consiste na determinação de funções F e G em

59
2. Equação da onda

(2.57) de modo que u satisfaça as condições iniciais e de fronteira acima.


Partindo das condições iniciais de (2.72), temos que:

u(x, 0) = f (x) ) F (x) + G(x) = f (x); x > 0


.
ut (x, 0) = g(x) ) cF 0 (x) cG0 (x) = g(x); x > 0

Usando as expressões acima, e fazendo um cálculo análogo ao que foi feito na obtenção
da fórmula de D’Alembert, temos
Z x
1 1
F (x) = f (x) + g(s)ds + K; x > 0,
2 2c 0

e Z x
1 1
G(x) = f (x) g(s)ds K; x > 0,
2 2c 0

onde K é uma constante.


Perceba que para escrevermos a solução u(x, t) = F (x + ct) + G(x ct) devemos
saber quem é G quando x ct < 0. Para isto, vamos usar a condição de fronteira do
P V IF (2.72), que nos fornece a seguinte implicação:

u(0, t) = h(t) ) F (ct) G( ct) = h(t), t > 0;

donde fazendo a mudança de variável y = ct, obtemos


⇣y ⌘
G( y) = h F (y),
c

que podemos escrever como


⇣y ⌘ Z y
1 1
G( y) = h f (y) g(s)ds K.
c 2 2c 0

Finalmente, podemos apresentar a solução u(x, t) do P V IF (2.72), que será dada


por duas expressões diferentes, dependendo do ponto (x, t) está na região x ct 0
ou x ct < 0.
( R x+ct
f (x+ct)+f (x ct) 1
2
+ 2c
g(s)ds, se x ct 0
u(x, t) = f (ct+x) f (ct x) 1
Rxct+x
ct
ct x
(2.73)
2
+ 2c ct x
g(s)ds + h c
, se x ct < 0

2.11.1 Comentários a respeito de (2.73)


i) Notemos que se o ponto (x, t) estiver abaixo da caracterı́stica x ct = 0, o valor de u
será como se a corda fosse infinita, pois teremos em (2.73) que a solução será a fórmula

60
2. Equação da onda

de D’Alembert nessa região. Podemos dizer, então, que, o ponto x ”não percebe”o fato
de que a corda é limitada à esquerda, a não ser após um tempo t = xc .

Figura 2.17: Representação geométrica


Fonte: [2, p. 161]

ii) Se o ponto (x, t) estiver na região x ct < 0, observemos que, na figura acima, a
x
reta caracterı́stica que sai de (x, t) toca o eixo t no ponto t c
, reflete, e em seguida
toca o eixo x no ponto ct x. Na realidade, devemos olhar esse trajeto no sentido
oposto, como um sinal emanando do ponto (ct x, 0), que se propaga para a esquerda
com velocidade c, onde encontra a extremidade da corda, e daı́ se reflete e encontra
o ponto (x, t); a fórmula da solução nos diz que nesta reflexão há uma troca de sinal:
f (ct x) passa a ser f (ct x).
Observemos também que há uma produção de sinais na extremidade da corda que
x
se propagam para a direita, com velocidade de propagação c. Assim, no instante t c
x
temos, pela condição u(0, t) = h(t),um sinal se intensidade h(t c
), que também vai
aparecer na composição da solução u no instante (x, t).

Teorema 2.5. Quando h(t) = 0 o problema (2.72) é redutı́vel ao problema da corda


infinita.

Demonstração. Consideremos o P V IF

utt = c2 uxx , 1 < x < +1, t > 0


,
u(x, 0) = fˆ(x) e ut (x, 0) = ĝ(x)

onde fˆ(x) é a extensão de f para x < 0, de modo que fˆ(x) e ĝ(x) sejam funções
ı́mpares. Usando a fórmula de D’Alembert, como ela satisfaz as condições iniciais de
(2.72), basta mostrar que u(0, t) = 0. Com efeito,
Z ct
1 1
u(0, t) = [fˆ(ct) + fˆ( ct)] + ĝ(s)ds,
2 2c ct

61
2. Equação da onda

e como fˆ e ĝ são extensões ı́mpares de f e g segue que u(0, t) = 0. Isso nos mostra que
a solução do problema de Cauchy é a mesma solução para o P V IF (2.72).

Observação 2.2. Se f e g forém de classe C 2 e C 1 , respectivamente, então a solução


u(x, t) será de classe C 2 em x > 0 e t > 0. Para que a função u(x, t) seja contı́nua em
0et 0, devemos ter que h(0) = f (0).

62
Referências Bibliográficas

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nary Value Problems, John Wiley & sons, 3o Ed.

[2] Figueiredo D.G., Análise de Fourier e equações diferenciais parciais, IMPA, 4o


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[3] Halliday D.; Resnick R.; Walker J., Fundamentos da Fı́sica: gravitação,
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[4] Iório V., EDP Um Curso de Graduação, IMPA, 4 Ed., Rio de Janeiro, 2016.

[5] Lima E.L., Análise Real, volume 1, IMPA, 12o Ed., Rio de Janeiro, 2016.

[6] Lima E.L., Análise Real, volume 2, IMPA, 6o Ed., Rio de Janeiro, 2016.

[7] Medeiros L.A., Iniciação às Equações Diferenciais Parciais, LTC, 1o Ed., Rio
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