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WORMWOOD = LOSNA (algo amargo, dissabor)

TRUNCHBULL = truncheon que é bastão + bull que significa a forma taurina, traz a figura
feminina que não poderia ser mais fálica; e bully que é valentão e como verbo significa
brutalizar, intimidar e maltratar.

DESMITIFICANDO O FILME QUE TRAZ: Caricaturas, como se vê, a serviço dessa fantasia, na
qual podemos providenciar dentro de nós mesmos os recursos para construir nosso jardim e
encontrar as histórias e os conhecimentos de que necessitamos para crescer.

FIGURAS CENTRAIS:

Matilda: Matilda nunca achou os valores de sua família dignos de nota, cresceu imune aos
apelos da televisão e do consumismo, que são o centro da existência de seus pais. Sua
personagem é uma figura desde sempre dissonante; é um pesadelo familiar pensar que
alguém pode nascer tão diferente dos seus. (p. 260)

Mãe: Além de um pai desonesto e injusto, Matilda tinha uma mãe incapaz de cumprir sua
função, sendo nos livros que ela lia sozinha que encontrou a voz materna, a primeira voz que
narra o mundo para um filho. A personagem materna aparece nessa história duplicada, entre
uma boa, a professora Honey, e a mãe de verdade, que não se conecta com sua filha – nesse
sentido, mais desligada do que malvada. (p. 261)

Pai: O Sr. Wormwood não desprezava sua filha por ser menina, mas sim por não ser
descerebrada como a mãe, ali ela deixava de ser o que ele esperava de uma mulher: a
futilidade a serviço da valorização de suas conquistas financeiras. A inteligência refinada da
filha de nada servia a ele, que chegou a puni-la quando ela mostrou ser mais inteligente em
cálculos do que o irmão. Para este menino, que considerava seu sucessor, ele ensinava os
segredos do seu ofício (adulterar os veículos para vendê-los como mais novos). Para seu
desgosto, mais de uma vez ela revelou-se precocemente perspicaz e questionou os valores do
pai.

O pai situa-se na contramão da cultura: p. 262: era um comerciante trapaceiro, a única


sabedoria que lhe interessava era a dos truques que lhe permitiam adulterar a quilometragem
dos carros, maquiar a lataria avariada, fazer um carro sucateado passar por novo para lucrar
bastante. Ele despreza todo tipo de estudo, assim como a retidão de conduta. Na sua escala de
valores inteligência é aquilo que serve para ganhar dinheiro à custa da ignorância dos outros.
Por isso desdenha tudo o que a filha valoriza. Quando ela começa a mostrar seus dotes
intelectuais, ele a maltrata verbalmente, tudo o que vem daquela filha estranha lhe induz
desgosto.

Transcender aquilo que não se tem é uma solução possível para essa menina, que parece ter
nascido com a operação de sua fundação já pronta. Nas famílias, o pai funciona como aquele
que aponta para o filho um mundo maior do que o amor da mãe, que leva o olhar do filho para
além do fascínio do calor materno, que ajuda a viver, mas também paralisa, oprime. Por isso, a
biblioteca pode fazer um papel duplo: ao mesmo tempo materno, por ser o lugar de onde vêm
as histórias que a mãe de Matilda não conta, assim como paterno, ao conter o grande.
contexto cultural do mundo que leva um filho para longe dos horizontes do lar.

Irmão
Bibliotecária (indica livros): Aliada à figura da funcionária atenciosa, a biblioteca representa o
acervo cultural que é colocado à disposição de cada humano estreante. Usá-lo, banhar-se nele,
é opção que dificilmente uma criança encontra sozinha. Se, por exemplo, observarmos de
perto a história das inúmeras pessoas de origem humilde que transcenderam as limitações
culturais de sua família, tornando-se intelectuais, empreendedores, artistas ou cientistas,
acabaremos descobrindo que elas apoiaram-se em algum traço, alguma habilidade ou sonho
de seus pais ou avós que foi projetado nelas. Portanto, seria possível conjecturar que se o pai
de Matilda valoriza a esperteza, que no seu caso só serve para os negócios, isso poderia ser
colocado enquanto um horizonte apontado por ele, sem querer, para a filha rejeitada. Na
inteligência de Matilda essa esperteza encontrou uma versão mais refinada, pois foi buscar
no acervo literário as fontes para a construção da moral e da sensibilidade que fazem parte
dela.

Diretora: Os ogros e as bruxas das histórias clássicas são tão tolos e convencidos como os pais
de Matilda e a diretora da escola, os quais, apesar de parecerem tão ameaçadores, terminam
vencidos, enredados na própria ignorância e soberba.

A maldade mesmo fica por conta da diretora Trunchbull, que se incumbe de retratar a pior
face de ambos os pais.

Representa 2 faces maternas: (exemplo da cena que ela obriga um gurizinho a comer um bolo
gigante de chocolate) Alimento = perigo, deve ser evitado; O alimento que intoxica é aquele
que implica em uma relação doentia com a função alimentar, a qual atualiza um diálogo muito
antigo entre o bebê e sua mãe que sempre está disposto a ressurgir quando a comida torna-se
um problema.

1. Mãe monstruosa (a que nega o alimento – o proibido)


2. A que administra a criança além da fome ou do desejo.

Exemplo no BEBÊ E O APETITE: Para os bebês o trato digestivo é o grande palco onde se
encenam muitos dos dramas vividos. Apetite, dores, produção e excreção de gases e fezes são
um assunto cheio de nuances, por isso pais de bebês falam disso o tempo todo. Um bebê torna
os adultos escatológicos, porque eles sabem que ele está se expressando, emitindo opiniões
através do que entra, fica e sai de seu corpo. É por isso mesmo que uma mãe monstruosa pode
mostrar sua péssima índole quer pela falta de alimento, deixando os filhos famintos como a
madrastamãe de João e Maria; ou mesmo pelo excesso de sua demanda alimentar, como
aparece nesse mesmo conto de fadas, quando a bruxa quer engordar o menino para comê-lo;
ou ainda nesta história, quando a comida torna-se castigo.

Professora Honey (contra transferência e transferência): os substitutos parentais chegam


tarde, depois que a menina já cresceu e se alfabetizou, enquanto na vida real uma criança só
se desenvolverá se for adequadamente estimulada desde o começo. Mas tem que ser assim
para que haja um contraponto entre a família inculta, imoral, consumista e viciada em
televisão e a boa índole da menina, que buscou a cultura e os valores corretos por conta
própria.

“Crianças deviam ser invisíveis. Deviam ser guardadas dentro de caixas, como grampos de
cabelo e botões. Não consigo entender por que as crianças têm que demorar tanto para
crescer. Acho que elas fazem isso de propósito.” Que pode esperar uma criança que cresce
entre adultos que pensam assim? A sorte da menina Matilda Wormwood era ser superdotada.
Nascida em uma família fútil, tendo como pai um vendedor de carros vigarista e como mãe
uma jogadora de bingo compulsiva, Matilda cresceu e alfabetizou-se sozinha. Seu irmão mais
velho, identificado aos pais, tampouco se conectava com ela.

- Essa fala ela ouve tanto dos pais como da diretora da escola que são pessoas que não gostam
de crianças e as colocam como se fossem inferiores devido ao tamanho e pouca idade

p. 253: O ponto central dessa obra é a fantasia de fazer-se sozinha, ou seja, não importa os
pais ruins que se tenha, é possível transcendê-los mesmo que eles atrapalhem bastante. Os
pais de Matilda não tomam conhecimento dela, não reconhecem sua inteligência, não a
cuidam, não a protegem e ela nunca esmorece. Só no fim da infância é que a menina
encontrou o primeiro carinho de uma mãe eletiva.

p. 254: Nossa heroína aprende direto dos livros, contando apenas com o entusiasmo da
bibliotecária para indicar-lhe os clássicos da literatura e assim conduzir sua formação
intelectual. Apesar de tanta literatura consumida, a menina não parece desenvolver uma
sensibilidade particular, que a levasse a refletir ou filosofar sobre sua condição de excluída em
casa. Ela reage como qualquer outra criança: possui a onipotência mágica dos pequenos que
juram de morte seus adultos opositores.

p. 259: Matilda tem várias figuras femininas, duas más e uma boa, mas pai é um só e a
despreza. Existiria outra figura masculina que fosse acolhedora? Acreditamos que esse pai
bom talvez esteja representado pela biblioteca, pelos livros. De certa forma, uma biblioteca
equivale simbolicamente à totalidade do conhecimento humano, ou seja, à cultura. Vale
lembrar que a salvação de Matilda, antes de encontrar a professora, eram os livros com os
quais passava as tardes na ausência crônica da mãe.

PERÍODO DE ONIPOTÊNCIA INCONDICIONAL = MEGALOMANIA: (p. 255) que é a situação na


qual se reproduz e se invoca a saciedade absoluta que a situação uterina lhe proporcionava:
todo o aconchego, todo o alimento, mesmo antes que pudéssemos pensar em como isso era
bom. Na sequência da vida, é inevitável perceber que as coisas estão longe de ser uterinas,
passa-se frio e fome, sem falar de outras inquietudes, tão desagradáveis quanto difíceis de
compreender. Entre as mais perturbadoras, estão as primeiras experiências de angústia,
quando um bebê chora sem saber exatamente o que o abala nem qual providência o aliviaria.
É aqui que revela sua força, como fonte da magia, um poder chamado “mamãe”.

“período da onipotência alucinatória mágica” p/ Ferenczi = este ocorre antes da constituição


de uma separação entre a criança e o exterior. Porém, mesmo depois de iniciado esse
discernimento, os pequenos ainda acreditam que os objetos e fenômenos que lhes são
externos respondem à sua vontade. É característica desse funcionamento psíquico uma
concepção animista, na qual a criança projeta seu próprio ser nos objetos, assim como um
período dos pensamentos e palavras mágicas. (p 255)

MUNDO DA FANTASIA: MATILDA: Através da grandeza e da autonomia da pequena Matilda,


desmente-se seu tamanho reduzido e sua pouca idade, realizam-se os desejos usando uma
lógica abandonada, mas nunca derrotada, que sobreviveu no mundo da fantasia, e é um resto
da nossa condição infantil. Em sonhos, podemos ter todas as idades da vida, e a onipotência
mágica do pensamento de nossa heroína atualiza o pequeno e vingativo David que sobrevive
em todos aqueles que o tempo transformou em Golias. (p. 256)
METÁFORA PARA O PENSAMENTO MÁGICO QUE BUSCA O CONHECIMENTO: p. 254: Matilda é,
como qualquer criança, excluída de boa parte dos assuntos e atividades dos adultos, já que a
infância é basicamente restrita aos ambientes reduzidos da casa e da escola. Seus dons não
fazem dela uma adulta em miniatura, mas sim uma criança poderosa, o que amplia nossa
visibilidade sobre algumas capacidades e modos de funcionar que são intrínsecos da infância:
neste caso, o pensamento mágico e a busca ativa pelo conhecimento.

E O BEBÊ?

- Bebê é mágico, deu dedo é varinha de condão, seu olhar levita objetos como os do super-
heróis e como eles, ele também voa. Há um truque nesse encantamento, ele se chama “mãe”,
ou seja, trata-se de uma experiência na qual o adulto e sua criança unem forças para suprir
suas necessidades e compreender-se. Essa complementaridade gera vivências peculiares à
infância: existe certa indefinição dos limites entre um e outro (a criança e o Outro), entre
dentro e fora, em uma fronteira que está em construção e negociação, assim como é frágil a
diferenciação entre a realidade e a fantasia, já que a compreensão de mundo na infância parte
de premissas peculiares a cada época vivida.

Se indagarmos a uma criança de poucos anos sobre os fenômenos naturais, veremos que ela
acredita que a noite acontece porque ela tem que se deitar, que a lua a segue para onde ela se
deslocar, da mesma forma como um bebê estende o braço para o próprio sol esperando que
ele caiba na sua mão. Quando um bebê deseja um brinquedo ou mamadeira, invoca-os com
seu olhar e suas vocalizações mágicos e eles se materializam entre seus dedos ou lábios.
Quando ele se entedia de ficar no berço, manifestará seu desejo de voar e em breve seu corpo
estará pairando sobre tudo ou todos, a mais de metro de altura, aproveitando a vista aérea e
estendendo seus braços para objetos que antes ocupavam o firmamento do recinto. (O texto
da winicott falava disso, que chega um dado momento que a mãe é o bebê e o bebê é a mãe,
não há fronteiras entre eles) Por que??? FREUD EXPLICA: Mais uma vez, Ferenczi parece
apontar-nos esse caminho: “Freud qualifica como ficção uma organização que seja escrava do
princípio do prazer e negligencie a realidade do mundo exterior, e é, no entanto, diz ele,
praticamente o que acontece com o recém-nascido”

RELAÇÕES COM WINICOTT:

CONTINUIDADE: p. 258 Nossa gênese é uma interação com os adultos que nos dão suporte e
assim fazendo nos constituem. Ao nascer estabelecemos uma espécie de continuidade com
aquele que desempenha a função materna em nossa vida. Vivemos nesse outro ser humano
que nos olha, embala, fala conosco, zela por nós e nos inclui em seus pensamentos e desejos.
Existimos através dele, a partir dele, na sua continuação, somos como uma extensão do Outro
materno, nessa posição o eu do bebê imagina-se fazendo parte da mesma unidade.

CONTINUIDADE = é esse estado de conexão entre um bebê e sua mãe, no qual ela percebe
suas necessidades e apresenta soluções de tal forma que ele acaba se sentido mágico, como se
seu desejo fosse uma ordem. Considere-se aqui a “função materna”, a ser operada por
qualquer adulto que estiver nessa posição relativa a um bebê. Poderíamos também dizer que
essa capacidade de antecipação da mãe nutre-se do fato de que seu filho deseja o desejo dela
por ele, sendo assim, eles estão um no outro de forma estrutural.
A continuidade é a junção entre a capacidade do bebê de alucinar alguma coisa (rudimento de
desejos, então sob forma de necessidade, inquietude, angústia) e a eficiência da mãe em
colocar-se nesse lugar em que aquilo que o bebê está querendo encontrar seja realmente o
que ela tem a oferecer. Para ele, uma “mãe suficientemente boa” é aquela que oferece ao
bebê uma ilusão: a de que tudo o que ele conquista para ser e para si é oriundo, foi criado a
partir de seu poder de alucinar. Essa mãe suficientemente boa é capaz de traduzir o gesto
espontâneo do bebê em desejos realizados. Eis a origem da ilusão de onipotência infantil.

PASSAGEM DA CONTINUIDADE PARA A CONTIGUIDADE: p. 258: No sentido etimológico,


contíguo quer dizer “que está em contato, próximo, vizinho, adjacente”, ou seja, contíguo é o
bebê que está junto à mãe, mas já é uma unidade diferenciada, que pode estar colada nela,
mas não mais partilha seu corpo, seu ser.

p. 258: A partir do momento que um bebê vai estabelecendo seus limites pessoais,
apropriandose daquilo que encontra como se ele o tivesse criado com a forma de seus desejos,
podemos falar não mais em continuidade, mas sim em contiguidade, ou seja, um ser depois do
outro, não mais um no outro. No processo de separação entre a mãe e o bebê, o ponto de
apoio é um lugar que está relacionado com a gênese das histórias e do lugar constitutivo da
ficção em nossa vida: esse é o dito “espaço de ilusão”, onde se originam os objetos e os
fenômenos transicionais, que são como a ponta de um iceberg, fragmentos visíveis desse vasto
fenômeno de constituição e singularização.

O OBJETO TRANSICIONAL: p. 258-259: É assim que se intervém no mundo, marcando-o com


nossa presença e ao mesmo tempo, incorporando esse lugar e experiência em nossa
subjetividade. O primeiro objeto de arte, um verdadeiro ready made, é o pedaço de roupa, ou
de fralda, assim como o travesseirinho ou bicho de pelúcia esfarrapado e sujo que assumem o
papel de companheiro inseparável dos bebês – o “objeto transicional”. Esses recortes da
realidade, verdadeiras intervenções artísticas dos bebês, precursoras das brincadeiras
propriamente ditas, ocupam um espaço particular, denominado “zona de brincar”, que
“encontra-se fora do indivíduo, porém não é o mundo exterior”. A criança entregue a esse
afazer cai “em um estado de quase alheamento”, “sem necessidade de alucinações, emite uma
mostra da capacidade potencial para sonhar”. 31 Aqui estaria o momento da gênese do ato
criativo.

Experiência similar a essa é a do amigo imaginário que, se a família se dispuser a fantasiar


junto com a criança, é uma história, uma personagem possível de ser socializada.

p. 257: Coube a D. W. Winnicott teorizar sobre isso: chamou de “espaço potencial”, assim
como de “espaço de ilusão” os lugares que ia imaginando em sua busca por mapear esse
território de onde provêm, ao mesmo tempo, o sujeito e a fantasia; como parte dessa
elaboração, denominou de “transicionais” os fenômenos que ocorrem entre a mãe e o bebê,
nos quais se inaugura a subjetividade do pequeno, assim como sua representação do mundo.

Ningun niño nace feo – Tereza Parodi

Professora mumú

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