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Aula: 04

Temática: A utilização dos contos de fadas como


instrumento educativo e a análise dos contos Rosa
Espinhosa e João e Maria

Os contos de fadas podem ser usados no processo edu-


cacional de diversas formas. Podem ser contados só para
as crianças, encenados pelas crianças ou por fantoches,
podem ser usados para que a criança desenhe, pinte ou modele os perso-
nagens. Enfim, há várias formas de uso dos contos como um instrumento
para as aulas na escola.

Na Psicologia Analítica, os contos dos Irmãos Grimm são muito usados,


pois estão na sua forma mais original. A Disney, muitas vezes, baseia-se
nos contos originais dos Irmãos Grimm, porém faz adaptações que podem
modificar a essência da história. É o que acontece com a história Rosa Es-
pinhosa ou A Bela Adormecida. Neste conto, a ênfase é dada à espera que,
às vezes, temos que enfrentar diante dos acontecimentos ruins na vida,
como no caso da maldição da bruxa, em que de nada iria adiantar agir, pois
as condições externas ainda eram desfavoráveis. Ao cumprir os cem anos
da maldição, tudo se processaria com a maior felicidade e o príncipe, sem
qualquer resistência, chegaria até a princesa.

Na versão da Disney, o príncipe luta contra o dragão, que é a bruxa trans-


formada, para chegar até a princesa e despertá-la. Essa versão parece
concordar muito mais com nossa versão ocidental em que o ego deve
ser extremamente atuante em qualquer situação. Portanto, a essência do
conto, que trata da perseverança e da espera, é afetada.

Também na versão da Disney, há três fadas boas e uma má, a qual perse-
gue a princesa. No conto original, temos treze mulheres sábias do reino
que são convidadas pela princesa. Não há menção da bondade ou da mal-
dade delas. Porém, só há doze pratos de ouro e uma fada não é convidada.
Ao ser rejeitada, essa sábia torna-se má e lança a maldição.

Portanto, vemos que, na versão original do conto, o que é passado é que,


ao nos sentirmos rejeitados, sentimentos de vingança podem aparecer,
e que, se levarmos tais sentimentos adiante, podemos provocar coisas
ruins. É muito diferente de termos definido que alguém seja totalmente
bom e outro totalmente ruim. Observamos nos contos que nem sempre os
personagens maus apresentam-se dessa forma, mas muitas vezes estão
entre os bons, como na vida real.

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Segue abaixo o conto de A Bela Adormecida original e a análise, segundo
Marie Louise Von Franz. (FRANZ,1972, p.27-30).

A Rosa Espinhosa ou A Bela Adormecida (vide Anexo 1)

Análise do conto
1) O rei, a rainha e a esterilidade.
É muito comum que haja um período de esterilidade antes do nascimento
de um herói ou heroína. Este estado psicológico reflete, por exemplo, a
depressão, que é um momento de intensa elaboração a nível inconsciente.
Após atravessar a depressão, muitas coisas transformam-se e nascem
cercadas de luz (consciência).

2) A rã anunciando o nascimento da heroína.


A rã é um animal que tem como simbolismo a fertilidade, pois, entre outras
coisas, costuma anunciar a primavera com o seu coaxar incessante. Re-
presenta, segundo Von Franz, transformações e um élan que liga a psiquê
inconsciente à consciência.

3) Nascimento da Bela Adormecida.


Do inconsciente brota a luz (consciência). Para Von Franz, a heroína, ou
herói, representa o ego ideal em busca do SELF.
Portanto, o nascimento da heroína representa o nascimento do ego e como
ele irá comportar-se no caminho da individuação (conceito de Jung que
significa a realização do Si-mesmo ou Self, através do contato da consci-
ência com os conteúdos inconscientes).

4) Uma fada deixa de ser convidada.


Essa fada representa um aspecto da psiquê que foi negligenciado e, por
isso, provocará conflitos dentro do psiquismo.

5) Vingança.
Quando um complexo é negado, pode ocorrer a invasão, como ocorreu.
Para Von Franz, a fada esquecida “encarna o orgulho ferido e o rancor”.
Esses sentimentos negativos são muito comuns, segundo a autora, no
comportamento feminino e costumam evocar um animus negativo.

6) Maldição: cem anos de sono.


É necessário um período de elaboração interna, antes que algum conteúdo
venha para a consciência.
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7) Fiação.
Está ligado ao tecer, comportamento tipicamente feminino. Representa a
própria maternidade, propriedade única e exclusiva do feminino.

8) Quinze anos.
Idade em que ocorre a iniciação sexual. O fuso tem qualidades fálicas evi-
dentes, pois, ligado à rosca, ambos irão tecer novas vidas.

9) Despertada pelo príncipe.


O masculino é integrado. É importante lembrar que: todos os contos levam a uma
forma de seguir o caminho da individuação. O herói (ego) busca algo (SELF).

Esse conto retrata o tema do desaparecimento da filha divina. Representa


o rapto de Perséfone por Hades, retratado na mitologia grega, no qual, psi-
cologicamente, o mundo dos mortos representa o mundo do inconsciente.
Perséfone só volta para sua mãe após conhecer o mundo dos mortos e
casar-se com Hades.

Os obstáculos e provas que surgem nos contos para desafiar o herói re-
presentam as lutas internas que travamos quando estamos trilhando o
caminho da individuação.

Na próxima história, de Joãozinho e Mariazinha, poderemos entrar em con-


tato com vários aspectos importantes. Um deles é o chamado abandono.

Podemos pensar no abandono real e naquele pelo qual toda criança deverá pas-
sar um dia, que é a separação dos pais e ter de aprender a se cuidar sozinho.

Bonaventure coloca que, nesse momento, a criança irá sentir-se orgulhosa


de si e, ao mesmo tempo, verá a mãe como uma madrasta que lhe aban-
dona numa floresta.

Segundo Bonaventure [...]“São ‘florestas’ que a criança tem de enfren-


tar, pois, sentindo-se pequenina e só, experimenta o abandono ao mesmo
tempo que tem a criatividade e a vontade de conhecer essa nova realida-
de.” ( 1992, p. 103)

Joãozinho e Mariazinha (conto dos irmãos Grimm In BONAVENTURE,


1992, p.103-112) - VIDE ANEXO 2

Análise do conto João e Maria:

Bonaventure levantou algumas questões na análise deste conto que são


importantes observar:
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1) O abandono pode representar o momento em que a mãe promove a
separação da criança para que ela viva a sua independência. A criança
pode viver isso num primeiro momento como um abandono, mas o
conto nos dá a “dica”de que no final tudo dá certo e as crianças serão
capazes de descobrir um tesouro.
2) Ao serem abandonadas, as crianças têm alguns movimentos: chorar,
ter medo, antes de tomar iniciativas para salvarem-se.
3) A idéia de Joãozinho com relação às pedrinhas representa a solução
mais rápida de voltar para a casa. Mesmo quando adultos, diante de
um problema, tentamos, muitas vezes como Joãozinho, uma solução
para um caminho que consideramos mais seguro, mas que nem sem-
pre se refere ao nosso crescimento.
4) A casa da bruxa feita de guloseimas nos remete ao fato de essas
crianças encontrarem alimento que não tenham em casa. Se pensar-
mos no alimento de uma forma simbólica, como amor e atenção, que
são alimentos para nossa alma, veremos que o conto nos fala de que
só “comeremos na casa da bruxa” quando ela nos der coisas que não
encontramos em nossas casas; das quais estamos carentes e por isso
nos tornamos mais vulneráveis.

A bruxa representa a maldade que, inicialmente, mostra-se sedutora. Essa


ambigüidade que aparece na vida real e nos aponta para o fato de que nem
todos são bonzinhos conosco e vão nos fazer bem.

Bonaventure vê, na bruxa, a madrasta que a criança identifica na figura


materna, quando esta não corresponde a todos os seus desejos.

A atitude de Mariazinha de empurrar a bruxa mostra que a própria Mariazi-


nha aprendeu com ela a lidar com a sua sombra. Aprendeu a defender-se
do mal, usando da esperteza.

Encontrar o tesouro representa derrotar o mal nessa batalha. Agora vemos


os dois mais amadurecidos com um “tesouro” de aprendizagem que leva-
rão para o resto de suas vidas.

Exercício prático

• Destaque, no conto A Bela Adormecida, qual o momento que mais lhe


desperta atenção. Pense na relação dessa parte da história com algum
acontecimento de sua vida ou percepção de algum aspecto seu.

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