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Contos e histórias

Material elaborado pela Equipe Docente da Educação Infantil - Escola Waldorf Rudolf Steiner
Se quiser falar ao coração dos homens, há
que se contar uma história. Dessas onde
não faltem animais, ou deuses e muita
fantasia. Porque é assim – suave e
docemente que se despertam consciências.

Jean de La Fontaine
O contar histórias é um recurso pedagógico muito rico, Assim como o alimento fortalece e revigora nosso corpo físico, os
envolvente e que nos ativa internamente, proporciona uma contos de fadas fortalecem e revigoram a alma de crianças, dos
aprendizagem viva e dinâmica. jovens e adultos.
Assim como o alimento fortalece e revigora nosso corpo físico, os
contos de fadas fortalecem e revigoram a alma de crianças, dos É como olhar as nuvens no céu: a cada
jovens e adultos.

Na pedagogia waldorf educamos não só apenas por intermédio


momento as nuvens ganham uma nova
de conceitos e informações e sim por imagens, que devem
preceder os conceitos. O caráter imagético contém forma, dando oportunidade a criação
movimentação e forma. E quando juntamos movimento e forma
temos “n” possibilidades. própria. Cada um pode pintar um quadro
Os contos de fadas, são como uma refeição, interno com suas cores e intensidade de
eles nutrem a alma da criança. maneira individual, singular.
Qual o momento ideal para se contar No que se refere ao momento ideal do dia, para se contar
histórias, primeiro, devemos criar uma atmosfera de calma e
uma história? silêncio interno e externo. Pois algo especial está para acontecer.
O nosso mundo interno começa se ativar e se torna receptivo
para a escuta. Não dá para contar uma história em meio a
confusão e barulho. Também após a Contação da história seria
muito bom, ter um momento de decantação, de pausa e não
engatar em outra atividade imediatamente.
E no que se refere ao momento biográfico ideal para se ouvir
determinadas histórias, podemos dizer que em toda extensão do
currículo Waldorf, desde o maternal até o ensino médio, o contar
histórias está presente: em pequenas histórias, contos rítmicos,
contos de fadas, lendas e fábulas, mitos e biografias, cada uma
dessas histórias cabe em momentos diferentes. Em cada fase
biográfica, a criança e o jovem recebem um tipo de história. Pois
os conteúdos na pedagogia Waldorf são apresentados de acordo
com a faixa etária e maturidade, existe um momento onde a Vocês já viram quando uma criança pequena acha uma pedrinha
criança está mais aberta e precisando de um determinado no chão? Já notaram que para a criança aquele instante é
conteúdo. É importante não adiantarmos processos nem tão eterno? A criança tem outra relação com o tempo. Ela está ali
pouco deixar de oferecer à criança aquilo que ela precisa naquela inteira observando aquela pedrinha! Observando uma formiga,
fase da sua vida. uma joaninha, que talvez nós adultos nem fossemos nos dar
conta da presença daquele bichinho, mas a criança vê! E tem um
grande interesse! Ela abre um espaço em sua alma e há uma

O tempo da criança é diferente do verdadeira conexão entre ela e a pedrinha, a formiga e a


joaninha. Como se ela e a pedrinha fossem uma unidade. E ela
vive um momento de pura contemplação e interação.
tempo do adulto... O tempo da criança é diferente do tempo do adulto. O adulto
geralmente faz conclusões apresadas de suas impressões, ou
nem as percebe. O adulto vive numa outra frequência, numa
velocidade de muitas impressões ao seu redor. Ele tem muitas
informações e as guarda em caixinhas. A criança ainda não tem
esses rótulos prontos, ela não vai fazer decodificações, ela vai
deixar o fenômeno de fato se manifestar, e ela se doa para esse É importante que a criança se aproprie de suas próprias imagens.
momento. E simplesmente vai acompanhar cuidadosamente, a Para a criança a repetição, exercita o pintar, o modelar com a
trajetória da formiguinha. E aquele instante é eterno. alma.
Ela necessita revisitar aquela determinada vivência, pois cada vez
que a revisita, apreende algo novo! Que de novo a encanta!
Ela ativa o artista interior!
Como disse o filósofo Heráclito:

“Não mergulhamos no mesmo rio duas vezes”.

Assim como um artista ao pintar numa tela o rosto de uma


pessoa ou uma paisagem, ele precisa observar de novo e novo
para se deter a detalhes importantes, não pelo perfeccionismo,
mas sim, para ser fidedigno à realidade da percepção.
Carregada pelas palavras a criança percorre cada nuance, cada
instancia de sua pintura interna! Algo interno está sendo
construído, tijolo por tijolo.
Pra onde ir? É bom descansar
Aonde embarcar? Bom de dormir
Onde partir? Bom de embalar
Onde sonhar? O bondinho já vai,
Bom de curtir Só para levar você.

Luiz Tatit, Sandra Peres


Para onde a história pode nos levar?
floresta, que só vemos no zoológico. Mas sim, podemos observar
“Era uma vez onde foi onde não foi...” as características do sapo, por exemplo: poder habitar a água e a
terra, sua capacidade de mutação desde um pequeno girino à um
Essa é a chave para entrar em outro estado de consciência que é sapo maduro; podemos associá-lo a metamorfose, a
atemporal e que não podemos localizar geograficamente. Em transformação. Já o lobo sobe no alto da montanha e lá do alto
seguida apresenta-se um enigma, uma dificuldade, um desfio a uiva, tem um passo leve rápido e é certeiro em sua caças,
ser superado e por fim, a solução. O nó é desatado: “E foram podemos diante de tais atributos associá-lo a inteligência e a
felizes para sempre”. Esse final feliz é a superação, a resiliência, a esperteza, por exemplo. Contudo, temos que ter o cuidado para
criatividade. Sendo assim, os contos de fadas são universais, não engessar as simbologias e torna-las ocas, em um manual de
salutogênicos e um antídoto à desesperança. Nos dão uma códigos, em um esquema. No campo da interpretação entramos
bagagem de eternidade, de infinitas possibilidades! Os contos num âmbito que não é racional, se usarmos a razão concreta
nos fortalecem animicamente para enfrentarmos as vamos achar muitos contos absurdos e cruéis, isso seria uma
adversidades. Encontrarmos as respostas e vencermos as lutas interpretação superficial, uma visão redutiva. Mesmo porque
internas. cada um construirá para si, o seu sapo, o seu lobo, seu príncipe e
Quando os contos falam de sapos e lobos por exemplo, não estão sua princesa.
se referindo ao sapo do lago, nem ao lobo, como o felino da Outro exemplo é quando um conto traz a imagem de um rei, uma
rainha. Não está se referindo a fatos Históricos, ao tempo do
Imperialismo e Dinastias, mas a uma realeza que não é terrena e
sim espiritual.
Ao abordar arquétipos, como verdade, bondade e coragem, a
essência dos contos preserva valores universais. Então quando os
contos de fadas falam de reis, e rainhas se referem a instâncias
que estão dentro de nós. Independentemente se somos homens
ou mulheres, temos dentro de nós, príncipes, princesas, reis,
rainhas, dragões, bruxas e magos. Mas além dos reis e rainhas há
contos que falam do pastor, do alfaiate ou da menina
paupérrima.

Os contos representam elementos internos.


Quando um príncipe se torna rei, ele eleva ao “cor”, o coração, à
cabeça, e se torna sábio! Ele é justo e bondoso! Essa é uma forma
de vermos esse rei. Quando vemos a união da princesa com o
príncipe, podemos relacionar com a junção da alma com o “eu
espiritual”. Sendo assim, ao se referirem a instancias internas e não
externas, os contos de fadas são sempre contemporâneos.

Contar histórias é acender uma fogueira em seu coração


para que a sabedoria e a imaginação possam
transformar sua vida.
Nancy Mellon
Câmara Cascudo fez também uma coletânea de contos
A partir de que idade podemos introduzir brasileiros, e temos os contos indígenas, que podem ser contados
a partir dos sete anos. Cada povo tem seu acervo de contos de

os contos de fada? fadas, vale lembrar também da mitologia africana muitos deles se
referindo as origem das forças da natureza e dos orixás. As lendas
Por volta de quatro anos podemos introduzir os contos de fadas
e fábulas são contadas a partir de oito anos a partir daí as
para as crianças. Nessa idade, sua fantasia está brotando e ela
histórias são mais longas e podem ser contadas em capítulos.
necessita agora desse alimento. Antes disso, a criança pode ouvir
as histórias de quando éramos pequenos, nossas aventuras, as
travessuras do seu cachorrinho, a narrativa do seu dia a dia,
pequenas histórias com rimas e repetições, que vão ao encontro
de sua memória rítmica. Os contos indicados para o primeiro
setênio são os contos dos irmãos Grimm, eles não adulteram os
contos pois sabiam que estes eram sagrados, dotados de sentido.
Resquícios de um tempo onde a sabedoria era passada
oralmente.
A alma não vive ao fio do tempo.
Ela encontra o seu repouso
nos universos imaginados
pelo devaneio.

Bachelard
A diferença entre um conto terapêutico e Ao criamos contos terapêuticos para uma criança ou situação,
vamos precisar estabelecer vínculos. De maneira que buscaremos
um conto de fadas... imagens coerentes e verdadeiras que possam ajudar uma criança
ou um grupo a superarem uma dificuldade. Como se as palavras

Assim como as artes, os contos têm de modo geral, tem um fossem remédios. Para isso, não podemos ser diretos demais,

caráter terapêutico por assim dizer, a depender do quanto nos pois isso poderia ser invasivo, não podemos usar imagens

vinculamos a ele. Pois não é mera distração, um simples fantásticas, pois com isso poderíamos entrar no âmbito da

entretenimento para as crianças, pelo menos não deveria ser. mentira, e causar outros danos ao invés de ajudar. Portanto,

Quando acompanhamos a saga de um personagem, sua trajetória temos que usar com bastante parcimônia e ponderação contos

e superação, algo se realiza dentro de nós. Os contos podem ser terapêuticos. Alguns autores criaram contos para temas

contados de preferencia uma vez ao dia, se possível no mesmo específicos, como a chegada de um irmãozinho, a morte de um

horário por 3 a 4 semanas, que é o ritmo lunar, passando pelas 4 ente querido. E os professores Waldorf usam muito esse recurso

fases da lua. Que por sua vez, esse ritmo, está relacionado ao pedagogicamente.

nosso corpo vital, que além de ancorar os processos de vitais em


nosso organismo, é a cede da nossa memória. Contar várias
histórias num único dia causa indigestão anímica.
Quando contamos uma história, de coração para coração,
Que tipo de livros deveríamos trazer para podemos percorrer com o olhar aquela roda de aluninhos
sentados à nossa frente, nos olhando, ávidos pelos conto;

as crianças e a partir de qual idade? podemos observá-los, ver como alguns ficam imóveis, tem
aquele também, que por sua vez, fica inquieto, seu corpo reage a
cada palavra falada.
Na oralidade, crianças e adultos têm a oportunidade de
formarem suas próprias imagens. Infelizmente a mídia por
questões comercias deturpou muito os contos de fadas por
exemplo, fizeram deles verdadeiras caricaturas, personagens e
situações foram desgastadas em filmes e livros e as crianças
foram expostas a isso.

Hoje em dia muitos professores falam: abram o livro na pagina


tal, mal existe uma troca de olhares. Já a oralidade permite o
contato visual, a relação, o vínculo. Professores Wadorf contam
as histórias de cor, de coração para coração.
Podemos fazer uma analogia ao leite materno que é dado para Quando a criança aprende a escrever ela pode criar seus próprios
o recém-nascido, sabemos que o leite materno é o melhor livros, ou a partir das mesmas ilustrações, numa classe podem
alimento, e tem aqueles bebês que mamam com todo o seu surgir histórias bem diferentes. O livro deve ser bem cuidado,
corpinho, não é mesmo? Nós não oferecemos alimentos para não jogado pela casa, podemos cultivar bons hábitos ao usarmos
um bebê que ele ainda não possa digerir. Alimentos mais livros e a criança terá bons exemplos.
densos virão à medida que a criança cresce e sua capacidade Desde pequenos podemos ler histórias para as crianças, de
digestiva lhe permite saboreá-los, sem que isso possa lhe preferência sem ilustrações. A criança perceberá como nós nos
trazer algum dano A oralidade corresponde ao leite materno, a relacionamos com os livros.
escrita e as figuras devem vir depois. A escolha das ilustrações
deve ser bem cautelosa, pois causam uma forte impressão que
depois nem água sanitária tira, mesmo ser forem
aparentemente bonitinhas, essas ilustrações cristalizam e
impedem que a criança crie as suas. Mas caso tenham
ilustrações, essas devem ser artísticas sutis e delicadas,
deixando um espaço para a imaginação.
É tão bonito quando alguém tem a lembrança, da avó que
Qual a melhor forma de se contar uma sempre contava a mesma história. Não há problema nenhum, em
ser sempre a mesma. Lembrem-se que o mais importante é a

história para as crianças? qualidade do encontro, é saber por a mesa, enfeitá-la com flores
para servir esse alimento tão especial que são as histórias!

A dica é comece a contar! Escolha um conto que você goste,


comece a criar um vínculo com ele, conte primeiro para você
antes de dormir, leia por vários dias, depois refaça as cenas
interiormente daquela história. Todo conto tem um caminho a
seguir, percorra esse caminho! Conte a partir do coração e não
da cabeça. Quanto a entonação, não devemos dar ênfase a uma
determinada parte da história ou personagem, pois todos são
importantes. Procure transmitir calma, calor e musicalidade na
voz. Conte o mesmo conto várias vezes.
Quem Canta Um Conto
por Bia Bedran

Uma história bem inventada,


E bem contada por ti,
Vale a vida, vale a risada,
Vale a pena existir. Na trajetória de se conhecer,
Quem canta um conto, Através dos personagens,
Aumenta um ponto. Que uma história traz pra você,
São viagens do pensamento,
Pelas imagens que a história contém,
Sonhos através dos tempos,
Movimentos que vão e vêm.
Material cuidadosamente elaborado pela Equipe Docente de Educação Infantil da Escola Waldorf Rudolf Steiner,
em apoio às famílias.

Professoras:
Ana Lucia, Brenda, Cleonice, Erika, Glaucia, Juliana, Malu e Paula.

Auxiliares:
Fernanda, Joelma, Natália Fiuza e Natália Lobo.

Novembro de 2020.

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