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Entre o povo de Deus, há muita interrogação a

respeito do verdadeiro significado da oração. Alguns a


consideram uma necessidade urgente, enquanto
outros, taivez devido aos muitos afazeres diários, a
negligenciam tanto. Mas, o que é a oração? Como
manter este relacionamento com Deus? O que significa
orar em nome de Jesus? Como saber a vontade de
Deus? A nossa oração pode mudar a vontade de Deus?
A oração não é o encontro de dois amigos, nem o de
um benfeitor com um mendigo, assim como não é o
encontro de um chefe com um subordinado.
Tampouco é o encontro de um Deus que tudo pode
com homens dispostos a tudo, nem o encontro de um
pai indulgente com filhos caprichosos. A oração é o
ato através do qual a criatura encontra o seu Criador,
o pecador encontra o Deus justo e santo; o filho
querido encontra o seu Pai.
O autor, através de reflexões muito práticas sobre estas
e outras perguntas a respeito da oração, ajuda o leitor
a meditar sobre esta bendita comunhão com Deus, a
fim de que a experimente com mais eficácia.
Guy Appéré

EDITORA FIEL
A O ração que D eus R esponde

Copyright ® Evangelical Press

Primeira edição no Brasil — 2001

Todos os direitos reservados. É proibida


a reprodução deste livro, no todo ou em
parte, sem a permissão escrita dos Editores.

Editora Fiel da
Missão Evangélica Literária
Caixa Postal 81
São José dos Campos, SP
12201-970
ín d ic e

I n tr o d u çã o ....................................................................................... 5

1. E ncontro com D eus em O r a ç ã o .......................................... 7

2. O que M otiva a O ração ? ....................................................... 15


3. A N atureza da O r a ç ã o .......................................................... 21

4. Os H orizontes da O ração ? .................................................. 25

5. O M odo de O r a r ....................................................................... 29

6. A P erseverança e a O ração ................................................ 37

7. A P alavra de D eus e a O ração ............................................ 43

8. A Fé e a O r a ç ã o ................................................................. 51

9. J esus, o H omem de O r a ç ã o .................................................. 57


“ S enhor ,

Ensina-nos a orar!”
(Lucas 11.1)
Ser crente é orar!

Incontestavelmente, a oração está exatamente no centro da


vida cristã. Ela é inseparável da vida cristã; aparece com a vida
cristã e desta é uma evidência. A oração é vida!
Muitas vezes, o novo crente vivência esta realidade sem
mesmo estar consciente dela. Mas, quem caminha através das
alegrias e tristezas da vida na companhia do seu Deus, quem
compartilha com seu Pai, em intimidade crescente, as alegrias e
os dissabores de uma longa jornada, certamente comprova esta
verdade: ser crente é orar.
Se isto é verdade, não exageramos ao afirmar que uma correta
noção a respeito do que significa a oração é absolutamente
indispensável a uma exata compreensão e a um feliz crescimento
na vida cristã. Portanto saber orar equivale a saber viver! Logo,
nossa primeira oração deve ser: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc
11 . 1).
Desejamos ter Jesus como M estre e não a experiência
humana, não importando quão rica ela seja. Queremos humil­
demente matricular-nos na sua escola, a fim de escutarmos sua
Palavra, a única norma de todo o conhecimento.
As modestas reflexões, todas elas práticas, que apresentamos
a seguir, não pretendem ensinar a orar. Atingirão o seu alvo se
ajudarem a m editar, de novo e melhor, sobre esta única e
maravilhosa relação com Deus: a oraçãol
ônconào com ^Dms em Õftação
O importante é o nosso
relacionamento com Deus!

S e m dúvida, é importante termos idéias claras sobre a


oração. No entanto, o que importa ainda mais é o espírito em que
nós oramos, a atitude que tomamos diante de Deus, quando nos
aproximamos dEle, a fim de invocá-Lo. O importante é que este­
jamos cônscios a respeito do que é o nosso relacionamento com
Deus. Quem é Ele e quem somos nós nesse encontro devocional?
Como podemos e devemos nos apresentar?
A oração não é o encontro de dois amigos, nem o de um
benfeitor com um mendigo, assim como não é o encontro de um
chefe com um subordinado. Tampouco é o encontro de um Deus
que tudo pode com homens dispostos a tudo, nem o encontro de
um pai indulgente com filhos caprichosos.
A oração é o ato através do qual a criatura encontra o seu
Criador; o pecador encontra o Deus justo e santo; o filho querido
encontra o seu Pai. Estas são três maneiras de encarar algo tão
íntima e simultaneamente ligado e vivido; mas, para melhor
compreendê-las, precisamos estudá-las separadamente.

A criatura diante de seu Criador


A oração é o encontro de Deus, em sua grandiosidade infinita,
sua majestade única, sua independência absoluta e sua soberania
indiscutível, com o ser por Ele criado, o ser que depende
8 A O ração que D eus R esponde

totalmente dEle, nada pode e sem Ele não é coisa alguma.


Uma distância infinita separa o Criador soberano do ser que
Ele criou. Se não tivermos, desde o início, o sentimento desta
esmagadora desproporção entre Deus e o homem, nossa atitude
não será correta, e a nossa oração perderá muito da sua eficácia.
O Pregador estava consciente de tal abismo, quando escreveu:
“Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse
a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está
nos céus, e tu, na terra” (Ec 5.2). Perante o Senhor, disse o
apóstolo João: “Caí a seus pés como morto” (Ap 1.17); e Jó,
vencido, reconheceu: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos
teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como disseste,
que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do
que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas
que eu não conhecia. Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei;
eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Eu te conhecia só de ouvir,
mas agora os meus olhos te vêern. Por isso, me abomino e me
arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.2-6).
Moisés, no deserto do Sinai, “escondeu o rosto, porque temeu
olhar para Deus” (Êx 3.6). Isso porque ele tinha consciência da
infinita grandiosidade de Deus; doutra forma não podería ser,
quando o seu divino interlocutor lhe sublinhou o solene caráter
desse encontro: “Não te chegues para cá; tira as sandálias dos
pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Êx 3.5).
Esta compreensão da infinita grandiosidade de Deus e a
percepção de nossa própria fraqueza são as marcas indispensáveis
a um verdadeiro espírito de oração. Toda a proximidade, toda a
simplicidade ou mesmo toda a ousadia que a segurança de nossa
filiação pode produzir, em termos de proximidade, de simpli­
cidade e mesmo de audácia, não é capaz de anular estas duas
marcas. Confiar à semelhança de uma criança e ter a humildade
de um ser criado: eis dois sentimentos que, ao invés de se
excluírem, completam-se e enriquecem-se mutuamente.

O pecador ante o Deus justo e santo


Também somos pecadores. Diante de Deus, perfeitamente
justo e santo, não nos sentimos apenas indignos, mas também
Encontro com Deus em Oração 9

nos reconhecemos culpados. “Tu és tão puro de olhos, que não


podes ver o mal” (Hc 1.13). Ora, nós praticamos o mal. “Se
dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso,
e a sua palavra não está em nós” (1 Jo 1.10).
Por outro lado, mesmo aquele que com toda a sinceridade
se julgava justo, isento de faltas, não poderia permanecer um
instante sequer diante de Deus, em oração sincera, sem ser levado
à plena consciência de seu pecado. Perante o Deus santo, santo,
santo, todo ser humano se sente pecador, perdido. Ninguém pode
se manter de pé na presença de Deus. O fariseu não estava em
oração quando, ao levantar os olhos ao céu, dizia para si mesmo:
“O Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens”
(Lc 18.11). Tentava persuadir-se de sua própria justiça. Isso,
porém, ele só podia fazer em face da ausência de Deus. O fariseu
não orava, deleitava-se em palavras, enganava a si mesmo.
O publicano estava em atitude de verdadeira oração. Estava
na presença do Deus invisível. Deus estava junto dele; era uma
presença tão real que o pecador não ousava sequer levantar os
olhos. Batendo no peito, murmurava a única oração que convinha
ao homem consciente da santidade divina e de seu próprio pecado:
“Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13). Era tudo o
que ele podia dizer, porque, na presença de Deus, todo o seu
pecado se revelava acusador. O espírito do publicano, cônscio de
que na oração tudo resulta da misericórdia e da graça divinas, é
o tipo de espírito que deve ser a mola mestra de nossa oração.
Os homens de todas as épocas têm reagido assim diante de
Deus, mesmo aqueles que não conheceram, em toda a sua
plenitude e à semelhança dos filhos da Nova Aliança, o dom da
graça divina. Basta mencionar o profeta Isaías que, adorando no
templo, teve um encontro pessoal com o Senhor: “Ai de mim!
Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no
meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei,
o S enhor dos Exércitos! ” (Is 6.5). Esta é a marca de um verdadeiro
encontro com Deus, uma verdadeira oração. Como é humilde
essa oração! Nela reconhecemos o homem que encontra Deus;
esse hornem não ora para ser ouvido pelos outros, ele ora ao
Senhor; e reconhece sua pequenez ante a santidade de Deus.
10 A O ração que D eus R esponde

Porém, se esta fase é essencial, ela não é a única. A oração


não é uma melodia que se possa tocar em uma só corda. O cântico
dos redimidos não é entoado somente na voz grave dos baixos,
nem apenas no sóbrio cantar do tenor; é entoado também na
graciosa e leve melodia do soprano. É um conjunto harmonioso
em que cada voz tem seu lugar.

O filho em comunhão com o Pai


Ao temor reverente, que a grandiosidade do Criador faz
irromper no espírito do ser por Ele criado, ao sentimento de
culpa e condenação que a santidade divina provoca na alma do
pecador, devemos juntar a simples e alegre certeza de que o
amor paterno inunda o coração do filho. Isto deve acontecer porque
a oração também é o encontro de amor entre o pai e o filho
querido. A verdadeira oração manifesta, com perfeição máxima,
este profundo sentimento filial. Mais cedo ou mais tarde, em um
ou outro momento, em sua expressão e seu espírito, a oração
deve irromper este espontâneo grito do coração, este grito tão
claro e tão profundo: “Aba, Pai” (Rm 8.15). “Pai! ” — esta palavra
única, tão plena de significado para o crente, é a suma de uma
experiência que, para a explicarmos, as palavras nos faltam —
uma experiência construída na admiração, respeito, reconhe­
cimento, ternura, humildade, entrega total, confiança, e muitos
outros sentimentos e aspirações da alma, os quais são indes­
critíveis. Sim, apesar de nossa fraqueza, de nosso pecado, de
nossa indignidade, “somos filhos de Deus” (1 Jo 3.2).
A lembrança da nossa insuficiência e do nosso pecado diante
do Criador, o Deus santo, ao invés de destruir nosso sentimento
filial, fazem-no intensificar-se e enfatizam-no, levando-nos a
compreender a nossa condição em toda a sua amplitude. Não
poderemos exclamar: “Pai!” , em todo o pleno significado desta
palavra, se, como Davi, não suspiramos: “Que é o homem, que
dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?” (SI 8.4);
se, como Isaías, não exclamamos: “Ai de mim! Estou perdido!
Porque sou homem de lábios im puros,... e os meus olhos viram
o Rei, o S enhor dos Exércitos!” (Is 6.5).
Não existe amor sem admiração, sem reconhecimento. O
Encontro com Deus em Oração 11

amor não germina sob a influência do dever ou da reivindicação,


mas sob a ação da imerecida graça divina. Que sentimento de
libertação, que explosão de alegria, quando, após havermos
gemido ou mesmo enquanto lamentamos nosso pecado, vemos
raiar o amor de Deus em nossa profunda tristeza! O amor de
Deus é Jesus Cristo, é a cruz! Que experiência, quando, em nosso
desespero, entre a Lei e o pecado, a glória de Cristo irrompe nos
evangelhos; o Cristo da História torna-se o Cristo de nossa vida,
de nossa inteligência, o Cristo de nosso coração! A cruz, nós a
vemos em toda a sua plenitude. A escuridão do monte do Calvário
é rasgada pelos luminosos raios da páscoa, “porque Deus, que
disse: Das trevas resplandecerá a luz [isso ocorreu na aurora do
universo], ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para
iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo”
(2 Co 4.6). O Deus criador, o Todo-Poderoso que é a origem de
tudo, o Deus justo e santo que proclamou a santa e, ao mesmo
tempo, implacável Lei, é também o Deus de misericórdia e graça.
Não há contradição alguma entre o Deus do A ntigo
Testamento e o Senhor do Novo Testamento, porque Jesus Cristo
“é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). É Ele quem, na
reconciliação, nos revela e conduz ao Pai. Historicamente, a Lei
conduziu a Cristo; mas, noutro sentido, ela suscita no coração do
homem a profunda necessidade de um Salvador e leva-o a Cristo,
que, por sua parte, leva-o para junto do Pai. Porém, devemos
nós, que já estamos em Cristo e na comunhão com o Pai, esquecer
a Lei, afastando de nosso coração aquilo que expressa a santidade
de Deus? De forma alguma. De acordo com as palavras do próprio
Jesus, toda a Lei se resume em uma só palavra: “am or” . Amor a
Deus e ao próximo. Jesus vai mais além, ao mostrar que “toda a
Lei e os Profetas” (Mt 22.36-40) têm suas raízes neste amor,
sendo eles também uma expressão do amor a Deus. Não há
oposição entre a Lei e a Graça, como muitos se comprazem em
fazer crer. Existe, sim, oposição entre o espírito legalista e o
espírito de misericórdia e graça. Disse Jesus: “Não penseis que
vim revogar a Lei ou os Profetas: não vim para revogar, vim
para cumprir” (Mt 5.17).
A paz que nos traz a segurança da salvação não deve esconder
12 A O ração que D eus R esponde

as tristes realidades do pecado. A perfeita alegria de sabermos


que o nosso pecado está perdoado pode existir juntamente com o
pesar pelas nossas fraquezas, que nos fazem suspirar pelas
perfeições celestiais. Em meio às nossas mais puras alegrias, a
cruz deve estar presente. “O perfeito amor lança fora o medo” (1
Jo 4.18) do castigo que devia cair sobre o pecado, mas não afasta
o receio de desagradar ao Senhor. O verdadeiro filho é obediente
a seu pai, não porque receie o castigo, mas porque treme diante
do pensamento de ver o pai magoado. Não é, pois, o receio pelo
castigo que inspira a sua obediência, é o AMOR.
Determinada forma de temor é compatível com o amor. O
verdadeiro amor, em parte, é constituído deste temor que se
caracteriza por respeito e reverência. Deus, que, ao perdoar-nos,
esqueceu o nosso pecado (Mq 7.18), não exige que nós es­
queçamos o pecado. “Lembra-te de onde saíste” (Dt 9.7).
O não esquecermos de onde fomos tirados é, em certo sentido,
a nossa salvaguarda. Davi, que no livro de Salmos, de maneira
insuperável, cantou o perdão de Deus, devia ter bem gravado no
seu coração, durante toda a sua vida, a lembrança de uma de suas
faltas, com todas as suas terríveis conseqüências.
O sentimento de fraqueza e de dependência que a criatura
manifesta para com seu Criador, o sentimento de indignidade do
pecador perante o Deus santo, santo, santo, e o sentimento de
alegria e de liberdade do filho junto ao Pai são, pois, as três
condições de uma correta atitude de oração. Deus, Criador e
Soberano de todas as coisas, eterno, infinito, imutável, todo-
poderoso, onisciente, sábio em toda a perfeição, santo, justo e bom,
a Quem são devidos, no mais alto grau, a obediência, a confiança,
as ações de graças, o amor e o louvor... e o próprio homenú
E à luz deste belo encontro, a sós com Deus, que todo o
assunto da oração deve ser visto, que todo o problema ou dúvida
que possa existir deve ser resolvido. Não devemos, jamais,
permitir que nossas concepções, nossas interpretações, nossos
argumentos tentem diminuir a grandiosidade de Deus. Não
devemos, jamais, perder de vista o modesto lugar do homem que
recebe a graça de um tal encontro: orar. Somente a glória de
Deus deve inspirar e ser o alvo em nossas orações.
2
Ô que LÃÁotíua a Qkação?
A oração depende dos motivos
que a inspiram!

A oração, que é condicionada a uma correta noção de nosso


relacionamento com Deus, depende também de uma definição
clara dos motivos que a inspiram.
Por que nós oramos? Prevalece grande confusão sobre esse
assunto. Raramente fazemos essa pergunta. Ora, a ignorância a
respeito do que verdadeiramente motiva a oração conduz, muitas
vezes, à sua mecanização e insipidez ou, por outro lado, a um
entusiasmo inútil e, por vezes, ao afastamento do espírito que
deveria estimular-nos à oração.
Por que nós oramos? A resposta a essa pergunta resulta,
naturalmente, da maneira como respondemos à pergunta que
fizemos no capítulo anterior — a quem dirigimos as nossas
orações? Se verdadeiramente adoramos o Todo-Poderoso, o
Criador de todas as coisas que subsistem, então, adoramos o
Deus onisciente, que vê todas as coisas com perfeita clareza. É
necessário fazermos tal afirmação? Nenhum de nós ignora que
Ele é todo-poderoso; no entanto, oramos muitas vezes como se
Deus necessitasse ser informado, a menos que — referindo-nos a
oração em público — não queiramos que a igreja fique ciente do
assunto sobre o qual oramos. Nesse caso, porém, não oramos, e
14 A O ração que D eus R esponde

aquilo que chamamos oração dirige-se não a Deus, e sim aos


homens.
O primeiro aspecto que precisamos enfatizar é que dirigimos
as nossas preces ao Deus Onisciente. Ah! Como estão longe do
nosso pensamento, tantas vezes, as palavras de Jesus! “E, orando,
não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem
que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis,
pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes ne­
cessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.7-8). Não temos, por
vezes e em certo grau, esta noção pagã que Deus é sensível à
extensão das nossas orações e que, quanto mais insistirmos, quan­
to mais repetirmos os mesmos pedidos, maiores serão as pro­
babilidades de obtermos respostas às nossas orações? Essa ati­
tude revela, com certeza, uma errônea interpretação da parábo­
la do amigo importuno (Lc 11.5-8), sobre a qual falaremos
adiante.
A Bíblia nos diz que Deus sonda os corações e conhece os
nossos pensamentos. Davi estava persuadido da perfeita onis-
ciência divina, quando clamou: “S enhor , tu me sondas e me
conheces... de longe penetras os meus pensamentos... conheces
todos os meus caminhos... Ainda a palavra não me chegou à
língua, e tu, S enhor , já a conheces toda... As trevas e a luz são
a mesma coisa” (SI 139.1,2,3,4,12). Davi foi mais além, ao
declarar, com certeza: “E no teu livro foram escritos todos os
meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um
deles havia ainda” (v. 16).
Deus é S e n h o r ; logo, o que acabamos de transcrever é
verdadeiro. Portanto, se é verdadeiro, nada temos a ensinar-lhe
em nossas orações! Dirigimos nossa oração a um Deus que tudo
conhece antecipadamente e está ciente de nossas necessidades,
tanto as que em oração expressamos, quanto as que ignoramos e,
talvez, são ainda mais importantes. O testemunho de Daniel
confirma nosso pensamento. O enviado divino lhe disse, em
resposta à sua súplica: “D aniel... No princípio das tuas súplicas,
saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado”
(Dn 9.22,23).
Estas passagens bíblicas não enfatizam uma verdade que
O que Motiva a Oração? 15

conhecemos muito bem, porém dela nos esquecemos, quando,


em oração, estamos na presença de Deus? Ele sabe quando caímos
ou fracassamos. Não há, portanto, a menor necessidade de Lhe
explicarmos. Em nossa oração não O informaremos sobre o fato
de havermos caído, mas Lhe confessaremos a nossa tristeza, o
nosso arrependimento, o quanto lamentamos a nossa falta, e
experimentaremos compreender a dor por Ele sentida face ao
nosso pecado, chorando-o com o próprio Deus.
Ele também sabe quando somos provados. Não há ne­
cessidade de Lhe expormos todas as nossas inquietudes e
desapontam entos. Visto que Ele está conosco todos os dias
(Mt 28.20), Ele conhece as nossas dificuldades e até as car­
rega conosco. Ao contrário, na oração, será necessário que
nos libertem os destes fardos e bebamos, junto a Ele, da con­
fiança que necessitam os, do poder, da ternura, da paz e da
serenidade dEle. Talvez Lhe expomos os nossos problem as,
mas muito sim plesm ente, porque, por um confidente que
perfeitam ente nos conhece e acolhe com doçura a nossa fra­
queza, temos a necessidade de sermos confortados. Pela
mesma razão, seria supérfluo lem brarm os a Deus os seus
deveres, pois Ele não tem qualquer dever para conosco. Tudo
é pura graça da parte dEle, visto que em nós existe apenas
indignidade e pecado.
A oração também não deve ser considerada um meio de fazer
Deus mudar seus propósitos. Lutero dizia: “Orar não é vencer a
resistência de Deus, é experimentar sua boa vontade” . O que
seria Deus, se a todo o momento os homens pudessem fazê-lo
mudar de idéia? Ele não é como um cata-vento que muda sua
direção de acordo com os ventos contraditórios das orações dos
homens. Se assim fosse, não poderiamos ter nenhuma segurança
na oração. Mas em Deus não há “variação ou sombra de mudança”
(Tg 1.17). É isto que deve fortalecer a nossa oração. Ele sabe
tudo, muito melhor do que nós.
Um dia ocorreu aos israelitas utilizarem a oração como
instrumento para fazer Deus ceder. Reivindicaram dEle uma
comida diferente do maná. Essa reivindicação não expressava
uma verdadeira necessidade, e sim o fruto da influência de alguns
16 A O ração que D eus R esponde

agitadores cheios de cobiça, os quais induziram o povo à revolta.


Deus respondeu a esta oração, mas na sua cólera: “Não comereis
um dia, nem dois dias, nem cinco, nem dez, nem ainda vinte;
mas um mês inteiro, até vos sair pelos narizes, até que vos
enfastieis dela, porquanto rejeitastes ao S enhor , que está no meio
de vós” (Nm 11.19-20).
Extraímos dois ensinos importantes desta resposta divina à
oração dos israelitas: Deus pode deixar parecer que cede em
detrimento de seu próprio desejo; Ele pode satisfazer um pedido
contra a sua própria vontade. A satisfação de um tal pedido é,
então, um sinal de sua cólera e não de seu favor. Deus pode
também satisfazer aquele que O tem rejeitado. O fato de que
através da oração se tem obtido exatamente o que nela pedimos
nem sempre significa que essa oração foi aprovada. É com
prudência e mesmo com austero rigor que devemos apreciar a
resposta às nossas orações.
O Senhor sabe quais são as nossas necessidades reais e sempre
age com sabedoria e amor, tendo como alvo a nossa maior
felicidade. Seja o silêncio ou seja a intervenção dEle, um e outro,
na sua providência, fazem parte do seu eterno propósito. Ele age
sempre “conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
Ele conhece tão bem o que Lhe pediremos, que, se realmente
orarmos como devemos, em verdadeiro espírito de oração, o
Espírito de Deus mesmo inspirará a nossa oração e expressará
as nossas necessidades, como escreveu o apóstolo Paulo: “Tam­
bém o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza;
porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito
intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis”
(Rm 8.26). É o Espírito de Deus que deve inspirar a nossa oração;
e Aquele que a inspira não a conhece perfeitamente? Não admi­
remos que Gabriel tenha dito ao profeta Daniel: “No princípio
das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar” (Dn
9.23).
Sim, Deus sabe! Ter conhecimento de que Ele conhece todas
as coisas não impedirá que oremos, visto que orar não é informar;
esse conhecimento em nível mais elevado nos motivará a orar e
será também a certeza que nos assistirá, quando o fizermos. Visto
O que Motiva a Oração? 17

que Deus sabe as nossas necessidades com antecedência, Ele nos


escuta e nos entende quando a Ele nos expomos em oração.

Um meio escolhido por Deus


O segundo motivo que nos deve encorajar à prática da oração
é este: Deus, conhecendo aquilo que necessitamos e sendo capaz
de concedê-lo diretamente, escolheu providenciá-lo por meio de
sua resposta às nossas orações.
Esse modo de agir pode intrigar-nos; talvez pensemos que
esta é uma maneira curiosa de proceder. Não é menos verdade
que a oração é o canal escolhido por Deus para derramar sobre
nós os seus benefícios. Não podemos discutir nem criticar; é
assim! “Todo o que pede, recebe” (Lc 11.10); esta é a regra,
mesmo que, paradoxalmente, para que ela se cumpra, o próprio
Deus inspire a oração.
Por que precisamos orar, visto que Deus conhece a nossa
situação? Precisamente porque Deus espera a nossa oração para
responder às nossas necessidades. O Senhor quer que Lhe peçamos
o que Ele nos quer dar. Certamente Ele tem as suas razões! Uma
delas é, talvez, que reconheçamos a nossa dependência em relação
a Ele, compreendendo, portanto, mais claramente a nossa necessi­
dade. Além disso, às vezes, a oração é a própria resposta de
Deus. O simples fato de orarmos e compartilharmos com o Senhor
conforta o coração, acalma a inquietude, traz de volta a paz ou a
alegria perdida.
Além do mais, aquele que pratica a verdadeira oração
constantemente, isto é, que vive de modo consciente na presença
de Deus, encontrará nesta atitude a sua fonte de alegria, paz e
segurança.
Então, por que orar? Porque fazê-lo é estar diante de Deus,
com Deus; e estar com Deus é a resposta a tudo. A comunhão
com Deus dispensa, muitas vezes, uma petição verbal. Um sus­
piro, um olhar, uma palavra bastam para expressar toda uma
oração, quando se sabe que se vive em harmonia e amor. Por que
orar? Sim, porque a oração é o meio escolhido por Deus para
responder às nossas necessidades reais.
18 A O ração que D eus R esponde

A alegria de Deus
Mas eis aqui, talvez, de todos os motivos, o mais importante,
o mais divino, o mais misterioso: a oração do filho é motivo de
alegria para o Pai. “A oração dos retos é o seu contentamento”
(Pv 15.8); a oração dos santos é como o incenso de um perfume
agradável que sobe até o Senhor. Se o crente encontra a sua
alegria na oração, nesse contato com Deus, há um fato ainda
mais extraordinário: o próprio Deus também encontra alegria e
gozo nessa comunhão. Essa alegria incompreensível de Deus, o
crente a antevê um pouco quando se lembra que é filho de Deus
e que Deus é — maravilha de sua graça e amor — seu Pai! Que
haverá de mais triste para um pai do que ter um filho que não lhe
fala, que não compartilha de nenhuma das suas alegrias e de
nenhum dos seus cuidados, mas que vive indiferente no lar,
contentando-se apenas em ali tomar as suas refeições e encontrar
a sua pousada? Que tristeza para um pai, viver com um filho cujo
olhar, lábios, coração não exprimem nenhum desejo, nenhuma
necessidade, nem tãmpouco gratidão! Porém, que alegria para
um pai, dar ao filho aquilo que sabe que ele deseja! Talvez o pai
sinta mais prazer na alegria causada ao filho do que este em face
daquilo que recebe do pai.
Do mesmo modo, Deus sente mais felicidade em dar do que
em receber. Isso é próprio do amor. Ora, temos aí um bom motivo
para orarmos e oferecermos ao nosso Pai celeste a oportunidade
de darmos, isto é, de O alegrarmos... Ainda que esse fosse o
único motivo de nossas orações, não é suficientemente forte para
nos levar a orar?
Deus tem prazer em ouvir as nossas orações. Alegra-se em
ter comunhão conosco. Nós, que em tantas ocasiões somos para
Ele um motivo de tristeza e de vergonha, não aproveitaremos
esta oportunidade de Lhe causar alegria? Gostamos de com­
partilhar com Ele as nossas alegrias e tristezas, mas temos nós
pensado em compartilhar as dEle?
O Senhor não é um Deus impassível. Os sentimentos de
Cristo são reflexos dos de seu Pai: “Quem me vê a mim vê o
Pai” (Jo 14.9). Assim, não é Deus que, em Cristo, se comove
O que Motiva a Oração? 19

ante a morte de Lázaro ou chora ao ver a insensibilidade do povo


de Jerusalém e a iminente destruição da cidade? Não é Deus
quem vibra de alegria quando Cristo honra homens humildes,
confiando-lhes as mais sublimes revelações? Não há por acaso
alegria nos céus, isto é, no coração de Deus, quando é achado o
que se havia perdido? (Lc 15)
Orar a Deus é comungar com Ele naquilo que O faz sofrer,
é alegrar-se com Ele naquilo que Lhe causa alegria.
Não há conforto, para nós mesmos, no fato de carregarmos
o fardo do nosso irmão? Assim fazendo, esquecemos o que pesa
sobre nós. Ora, é isso mesmo o que Jesus nos lembra. Na oração,
Ele nos convida (1 Pe 5.7) a descarregarmos sobre Si o nosso
fardo e a tomarmos sobre nós o dEle (Mt 11.28-30). Que troca
maravilhosa! Ele transforma em alegria e torna verdadeiramente
leve o fardo mais pesado! Um ato tão simples como a oração
pode dar prazer ao nosso Salvador! Tal perspectiva não nos
incentiva a orar, a orar sem cessar?
A oração bem compreendida é atraente, é exultante. Ela
situa-se no extremo oposto à repetição e às ladainhas. Nada tem
a ver com um catálogo de necessidades e pedidos enfadonhos.
Quando sabemos não somente a Quem oramos, mas por que
oramos, a oração é o mais belo e excelente dos encontros. Não
decepciona nem enfada. Tal oração não se recita, vive-se. Não é
barulhenta, nem extravagante; É P az e A legria .
3
cA íAlaíuâega da Õ/tação
A oração é um momento feliz
que deve prolongar-se sem cessar!

S e m mesmo havermos tentado, um estudo sobre os alvos


da oração conduz-nos, muito naturalmente, a compreender o sig­
nificado da oração, que é muito mais do que uma lista de neces­
sidades e pedidos. É algo que se compartilha, uma troca à fé
íntima e grandiosa, familiar e solene, um momento feliz que deve
prolongar-se sem cessar.
As mais belas orações que encontramos na Bíblia nem sempre
são petições endereçadas a Deus. Elas exprimem muitas vezes,
na forma de exclamações, a admiração do crente perante Deus,
perante os caminhos, a sabedoria, a misericórdia ou a santidade
dEle. Tais orações são confissões, gritos de sofrimento em virtude
do aguilhão do pecado ou da perseguição, cânticos de reconhe­
cimento, suspiros de amargura indescritível ou de uma esperança
gloriosa. Claro que isto não significa que a petição não tenha lu­
gar na oração. Ao contrário! No entanto, a súplica, por mais
imperiosa e legítima que seja, não deve levar-nos a esquecer que
a oração é comunhão.
a

E pedir
Ao insistir na necessidade de oração, Paulo especifica alguns
dos aspectos da oração, empregando quatro expressões diferen­
tes: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas,
22 A O ração que D eus R esponde

orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os


homens” (1 Tm 2.1). No seu modo de pensar, a diversidade
destes termos não tem, talvez, significação muito distinta. É a
sua justaposição, a sua acumulação que é sobremodo importante
e significativa; ela indica, com exatidão e vigor, o dever de orar.
Todavia, é interessante notar que cada um dos termos
escolhidos insiste sobre um aspecto particular deste exercício
espiritual. O primeiro, “súplicas” , significa uma petição particular
relacionada com uma necessidade pessoal. O segundo, “orações” ,
não é jamais usado senão na conversação com Deus. A primeira
palavra pode empregar-se para designar um pedido dirigido a um
homem, mas nunca a segunda, que é reservada ao contato da
alma temente com Deus. O terceiro termo, “intercessões” , su­
blinha particularmente o sentimento de confiança filial na oração
e apresenta como que uma conversa familiar entre a alma e o
próprio Deus. O quarto, enfim, “ações de graças” , facilmente se
explica por si mesmo, coloca a ênfase no reconhecimento.
Ao escrever aos filipenses, o apóstolo Paulo voltou a usar
três destas expressões: “Não andeis ansiosos de coisa alguma;
em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas
petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp
4.6). Há, pois, lugar na oração para as nossas petições, visando
um benefício particular, assim como para a súplica insistente. E
por que não vermos, nesta exortação de Paulo, um convite a
sermos precisos em nossas orações? “Abençoa fulano, abençoa... ”
é uma expressão tão familiar, mas quão pobre de significado!
Tal expressão, sendo aplicada de forma generosa a tudo e a todos,
facilmente torna-se uma generalidade. E, muitas vezes, sintoma
de superficialidade, porque dispensa aquele que ora de refletir e
meditar sobre as reais necessidades daqueles por quem inter­
cede, evitando assim que seja possuído de verdadeira simpatia
pelos mesmos. Por que não procuramos compreender a situação
dos que se beneficiam de nossa intercessão e, então, rogamos a
Deus que lhes conceda a graça específica que eles carecem?
Podemos, evidentemente, enganar-nos sobre este ponto. Agindo
assim, não somente invocamos o Senhor de forma mais inteligível,
pelo menos com mais reflexão e seriedade, mas também ao nos
A Natureza da Oração 23

esforçarmos por melhor compreender o nosso próximo, nós o


teremos amado em um grau mais elevado. A nossa súplica, em
conseqüência, será enriquecida de pertinência, intensidade e valor.

E ter comunhão
No entanto, sem desprezar este aspecto da oração, devemos
ultrapassá-lo, porque a oração é muito mais do que isso. A oração
é comunhão, é como uma troca entre duas pessoas. Não é um
monólogo, como muitas vezes se pensa, e sim um diálogo, no
qual o coração fala e escuta, dá e recebe. O profeta Habacuque
exprime, por meio de uma ilustração bastante vivida, a situação
do filho de Deus em oração. “Pôr-me-ei na minha torre de vigia,
colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me
dirá e que resposta eu terei à minha queixa” (Hc 2.1).
Em atitude de quem espera, o profeta está pronto a ouvir o
Senhor, pronto também a expressar o seu lamento perante Ele.
“V igiarei.” A vigília é, muitas vezes, associada à oração. O
próprio Senhor Jesus não deixa de dirigir aos seus discípulos esta
recomendação: “Vigiai e orai” (Mt 26.41). Encontramos o eco
desta recomendação no conselho do apóstolo Paulo: “Orai sem
cessar” (Ef 6.18; 1 Ts 5.17). Uma dependência, uma consideração
permanente, uma vigilância constante: a oração deve ser o contato
ininterrupto com Deus, que se manifesta, às vezes através de sua
Palavra, às vezes através de um reverente escutar. Logo, ela
pode ser um tempo em que ficamos em silêncio, para comunhão,
meditação e adoração. Os sentimentos mais fortes e profundos
não são expressados com tanta intensidade por meio de palavras,
como o são por meio do silêncio. Sofonias assim descreveu o
amor de Deus pelo seu povo: “O S enhor , teu Deus, está no meio
de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria;
renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sf
3.17). Por que motivo a oração do homem resgatado não encontra
a sua melhor forma de expressão numa atitude semelhante à do
próprio Deus, descrita nesta passagem pelo profeta?
Diz o apóstolo Paulo: “Tendo eu voltado para Jerusalém,
enquanto orava no templo, sobreveio-me um êxtase, e vi aquele
que falava comigo” (At 22.17-18a). É de temer que a nossa
24 A O ração que D eus Responde

concepção acerca da oração nos impeça por vezes de ver o Senhor,


assim como de ouvi-Lo! Tal concepção priva-nos de um dos
aspectos essenciais nesse contato com Deus (a oração), re­
duzindo-o a um simples monólogo. Sem ter a pretensão de viver­
mos a experiência mística do apóstolo, deveriamos, não obstante,
poder dizer: “Em oração, vi o Senhor... que falava comigo” .
Estamos de tal forma preocupados quanto ao que devemos
dizer a Deus e como dizê-lo, ou então achamos tão pouco tempo
para nos dedicarmos à oração, que esquecemos de escutar a voz
de Deus. Talvez, se nos rendéssemos a Ele incondicionalmente,
Ele poderia (diante de nossa humildade então demonstrada) atender
as nossas petições de acordo com a sua sabedoria infinita, exal-
çando assim a verdadeira essência da nossa oração. Não foi isso
mesmo que Ele fez, em outra ocasião, na vida do apóstolo Paulo,
para firmeza e eficácia espiritual do ministério dele, no serviço
do Senhor dos Exércitos? “E, para que não me ensoberbecesse
com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne,
mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que me não
exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse
de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o
poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me
gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de
Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas ne­
cessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo.
Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2 Co 12.7-10).
Quão grande seria o perigo para o próprio apóstolo Paulo,
assim como para o mundo, se ele não tivesse compreendido, em
sua oração, o verdadeiro sentido dos sofrimentos acerca dos quais
ele pedia, movido por um nobre motivo, que fosse poupado!
Se orar é estar atento, ver e ouvir, ser sensível à operação
do Espírito de Deus, é também ouvir a sua Palavra. A Bíblia e a
oração são inseparáveis. Para que em nós se forme o pensamento
de Cristo, digno de ser expresso tão somente através da oração,
devemos estar impregnados, possuídos pela Palavra de Deus.
É através das Escrituras que comungamos com Deus, em
oração. Saibamos, pois, separar tempo durante os afazeres
cotidianos para nelas meditarmos.
4
©s S&'o/dgoníes da Õ/tação
A oração, se a compreendermos bem,
pode levar-nos longe... muito longe!

O apóstolo Paulo apresenta, para a oração, um campo


extremamente vasto. Tal campo é ilimitado, tanto no espaço como
no tempo: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de
súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de
todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham
investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa,
com toda piedade e respeito” (1 Tm 2.1-2).
Não podemos, de modo algum, minimizar a nossa respon­
sabilidade nem limitar o nosso homem interior a determinados
privilégios. O nosso coração deve sempre estar aberto, acolhedor
para com todos, sem restrição alguma. Mesmo que, na prática,
não possamos abraçar o mundo, o nosso coração deve ser hos­
pitaleiro a qualquer que, batendo à porta, nos procure. Guar-
demo-nos da sutil tentação de nos tornarmos sectários, limitando
a nossa oração a nós mesmos, à nossa família, aos nossos amigos,
à nossa igreja ou mesmo só aos crentes. O apóstolo exorta-nos
“que se use a prática de súplicas, orações, intercessões e ações
de graças, em favor de todos os homens” (1 Tm 2.1).
Notemos que o apóstolo não nos convida apenas a “orar”
por todos os homens, mas também a sermos “agradecidos” por
todos os homens. Eis algo que, talvez, nos deixe singularmente
26 A O ração que D eus R esponde

embaraçados; pois, ainda que nos seja relativamente fácil pedir


qualquer coisa a Deus em favor de nosso inimigo, especialmente
que o Senhor o transforme em uma pessoa mais caridosa, já não
é assim tão fácil, nem natural, agradecer a Deus por ele!
De fato, a oração, se a compreendermos bem, pode levar-
nos longe... muito longe! Ela será rápida e vaga, se apenas
dissermos: “Senhor abençoa o meu inimigo” . Mas ela se tornará
em uma conversa com Deus acerca de nosso inimigo, se pensarmos
nele diante de Deus. Isso nos induzirá a escutar o que Deus tem
a nos dizer acerca de nosso inimigo e a pôr em prática o que
ouvirmos. Tudo isso inspirará a nossa ação de graças, porque,
através da existência de nosso “inimigo” , Deus nos fala ou terá
falado; Ele terá assim aberto o nosso coração, ter-nos-á ensinado,
quebrantado ou, talvez, enternecido e alegrado.
Não é irrefletidamente que o apóstolo Paulo formula esta
recomendação. Sobretudo, não pensemos que ela não nos diz
respeito. Meditemos no que significava para os seus destinatários,
Timóteo e os efésios, a exortação do apóstolo: “Que se use a
prática de... orações... ações de graça... em favor dos reis e de
todos os que se acham investidos de autoridade” . Era Nero quem
então reinava; e aqueles que o imperador tinha posto em uma
posição social elevada compartilhavam, por vezes, de sua ignóbil
fama. Nero! Aquele demente cruel devia ser objeto das súplicas
dos cristãos por ele acerbamente perseguidos, e, sem ambi-
güidades, os cristãos deviam ser gratos pela existência dele!
Tertuliano, o escritor cristão que viveu mais tarde, sob o
governo de outros imperadores, monstruosos ou perseguidores,
que por vezes combinavam tristemente ambas as qualidades,
lembra nos seus escritos a perfeita lealdade dos cristãos para
com as autoridades, para com aqueles que tinham maior res­
ponsabilidade, isto é, aqueles que tinham maiores possibilidades
para fazer o bem ou o mal. “Em favor de todos os homens” , eis
a vastidão do horizonte de nossa oração. Oramos e agradecemos
a Deus, com respeito, por todos aqueles que dirigem o nosso
país, mesmo quando, por razões várias, nem sempre aprovamos
o que fazem? Oramos, embora não ignoremos as suas aviltantes
crueldades e injustiças, por aqueles que oprimem as nações e,
Os Horizontes da Oração 27

muitas vezes, aqueles que nos são chegados? Oramos nós tam­
bém pelos nossos irmãos que, como os primeiros cristãos, se
esforçam por serem leais e dignos cidadãos, ainda que sob um
poderio ou autoridade déspota, seja este vermelho, negro, amarelo
ou branco?
“Orar em favor de todos os homens” é o único modo de
conhecermos a paz interior e exterior. Somente quando tivermos
experimentado esta solidariedade com todos os homens e quando
houvermos aprendido a carregar os seus fardos ante o Senhor
Deus, poderemos esperar, em sã consciência, viver a nossa vida
cristã em tranqüilidade e em paz! Com efeito, o apóstolo Paulo
nos mostra que desfrutar de uma “vida tranqüila e mansa” é o
resultado que pode obter a nossa oração “em favor de todos os
homens” . Tal resultado tem vantagem sobre o motivo que poderia
alimentar a nossa intercessão apenas pelas autoridades.
Estamos nós inquietos e preocupados com o nosso próximo?
Oremos por ele. Partilhemos com Deus a nossa ansiedade. A
oração confiante acalmará os nossos temores, porque nos asse­
gurará que tudo se acha nas mãos de Deus, do Deus que tudo
pode e outra coisa não quer, senão o bem de todos, no seu grau
mais elevado. Ele tem poder para fazer advir o bem, para os
seus, até mesmo daquilo que é mau.
Temos disputas com o nosso próximo? Oremos por ele.
Falemos dele ao Senhor. A presença de Deus, entre ele e nós,
nos fará mais atentos, a fim de não agravarmos mais a situação;
e essa atitude poderá levar-nos bem longe no caminho da paz
com o nosso semelhante.
Pode acontecer que tenhamos aversão a alguém, de tal forma
que a sua simples presença seja uma prova difícil para nós, a
ponto de todas as suas atitudes nos irritarem. Oremos por ele.
Em algum dia, não muito longe, a aversão cederá ante a oração.
Não podemos orar por muito tempo a favor de uma pessoa e
continuarmos a detestá-la. A oração sincera e freqüente nos conduz
inevitavelmente pelo caminho do amor.
Assim compreendida, a oração “em favor de todos os
homens” afasta-nos do monólogo irresponsável que temos, talvez,
por vezes confundido com a oração. Somente a oração com-
28 A O ração que D eus R esponde

preendida e exercida nos pode assegurar uma vida cristã “tranqüila


e mansa” . Ela trará paz à nossa consciência e ao nosso coração;
também trará “tranqüilidade” , isto é, a paz, em nosso rela­
cionamento com os homens.
A oração “em favor de todos os homens” é fonte de paz,
porque gera o amor. Não podemos interceder por muito tempo
em favor de alguém sem virmos a amar o objeto de nossa oração;
e, então, quando o amor está presente, tudo é possível, mesmo a
paz!
5
õ (JÂodo de Qm
A oração é procurar
entrar no plano de Deus!

O fato de termos consciência do nosso estado de criatura,


de pecador e de filho diante do Senhor, que é ao mesmo tempo o
Criador todo-poderoso, o Deus santo, santo, santo, tão distante,
e o Pai tão achegado, deve, no limiar da oração, colocar-nos no
espírito que convém.
Por outro lado, para que este exercício espiritual possua
toda a eficácia, toda a riqueza de bênção que ele pode ter, devemos
lembrar-nos que Deus tem conhecimento perfeito de todas as
nossas circunstâncias e que Ele tem também um plano específico
para a nossa vida. É necessário, então, na oração, em comunhão
com Deus e para sua alegria, procurarmos entrar no plano dEle
para nós e não continuarmos na obstinação de “reivindicar” dEle
a satisfação daquilo que cremos ser as nossas necessidades.
Assim, pouco a pouco, temos chegado a uma idéia mais
correta acerca da oração, de sua natureza, de seus motivos e de
seus objetivos. Assim, também, nos achamos naturalmente guia­
dos a compreender como devemos orar.

Como devemos orar?


A resposta a esta questão compreende dois aspectos, que
30 A O ração que D eus R esponde

distinguiremos somente para analisá-los, mas que, na prática, se


misturam perfeitamente. A oração que proferimos (Rm 10.1)
deve ser, necessariamente, a nossa própria oração, a expressão
dos nossos sentimentos ou necessidades, a oração do nosso coração
ou da nossa inteligência. Mas, ao mesmo tempo, a oração deve
ser impulsionada pelo Espírito de Deus (Rm 8.15,26). Devemos,
pois, orar “no Espírito” e “com a mente” (1 Co 14.15).

Orar no Espírito
O apóstolo Paulo recomenda aos efésios: “Orando em todo
o tempo no Espírito” (Ef 6.18). Judas confirma esta exigência:
“Edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo”
(Jd 20). Não se pode dizer que a oração feita sem a influência e
sem a unção do Espírito de Deus seja a oração verdadeira. Pode
acontecer que nós oremos sem o Espírito. Tais orações, então,
nada mais são do que vãs repetições; são fórmulas estereotipadas
que se repetem com sinceridade, meditando até no que se diz, é
certo, mas que, de tanta repetição, talvez não mais tenham
qualquer afinidade com o Espírito, que, a princípio, as inspirou.
Podemos enumerar uma lista de pedidos perante Deus sem que o
Espírito a tal nos inspire. Um certo hábito ou uma determinada
mecânica do nosso espírito bastam para tal. Podemos dizer uma
“oração” sem nos sentirmos verdadeiramente na presença de
Deus. Se uma oração proferida pelos lábios não é necessariamen­
te uma oração que provém do coração, do mesmo modo uma
oração proveniente do coração não é, forçosamente, uma oração
“pelo Espírito” ou “no Espírito” . A oração, neste caso, pode de­
sempenhar a função de tranquilizante psicológico. Ela pode, neste
sentido, ter certa ação direta sobre nós mesmos, porém não
ultrapassa o alcance do som da nossa voz e, sobretudo, não tem
qualquer efeito junto a Deus.
Orar “no Espírito” não é um luxo que só certos cristãos
podem desfrutar. Orar “no Espírito” é fazê-lo com clareza. Não
há oração eficaz, ou nada que mereça tal nome, se o Espírito
estiver ausente.
Para que uma oração seja de fato eficaz, isto é, para que
0 Modo de Orar 31

seja respondida, é preciso que esteja de acordo com a vontade


divina. Deus não pode responder o pedido que não contribui para
o bem espiritual daquele que o formula, isto é, uma súplica que
não corresponda ao perfeito e sábio pensamento dEle mesmo.
Apegar-se a esta condição não é submeter-se a uma restrição;
pelo contrário, é assegurar-se da melhor das garantias, um salva­
guarda sem preço contra a nossa ignorância e contra as nossas
ilusões. Porém, nem sempre sabemos discernir o pensamento
divino. O apóstolo Paulo, não obstante ter uma profunda
experiência com Deus, reconhecia-o: “Porque não sabemos orar
como convém” (Rm 8.26). No entanto, longe de se encontrar em
tal afirmação um pretexto ao desencorajamento, nela o apóstolo
descobre a razão da intervenção do Espírito Santo: “O mesmo
Espírito intercede por nós sobremaneira com gemidos inex­
prim íveis” (Rm 8.26). A ajuda do Espírito é absolutamente
essencial.
Por inspiração, o mesmo apóstolo escreveu aos coríntios:
“As coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de
Deus” (1 Co 2.11). Somente o Espírito Santo, que conhece a
misteriosa vontade de Deus, pode nos conduzir a orar de acordo
com essa vontade. A intervenção do Espírito em nossa oração se
manifestará através do discernimento. Esse será o seu primeiro
efeito sobre a nossa oração; é nisto, em particular, que a atitude
de quem escuta, vigia e está silenciosamente atento é de suma
importância.
Paulo orava no Espírito, em comunhão com Ele e na busca
da vontade dEle, de coração aberto à sua influência. Assim se
explica precisamente a intervenção de Deus, que interrompeu as
súplicas do apóstolo, se bem que legítimas, quando ele orava a
fim de ser libertado do “espinho na carne” (2 Co 12.7), o que
quer que fosse aquilo que o afligia.
Igualmente, foi pelo Espírito que a mulher cananéia foi
conduzida a fazer a experiência inversa e insistir, junto a Jesus,
na cura de sua filha, apesar de todos os obstáculos encontrados
pelo caminho. Ela suplicou até a sua prece ser respondida (Mt
15.21-28).
Não podemos, pois, enunciar uma regra geral. A vontade
32 A O ração que D eus R esponde

de Deus para um de seus filhos não é necessariamente a mesma


que para outro de seus resgatados. Ela permanece misteriosa,
ultrapassa-nos infinitamente. Somente o Espírito pode sondá-la e
no-la deixar discernir. É na comunhão com Deus que nós a des­
cobrimos e que podemos verdadeiramente orar.
Orar “no Espírito” — o Espírito é, em certo sentido, o lugar
para a oração. Devemos ser possuídos pelo Espírito a fim de que
Ele nos esclareça. E Ele quem produzirá em nós as disposições
essenciais à oração que descrevemos no primeiro capítulo deste
livro. Sem Ele, jamais teremos o sentimento de humildade que
coloca a criatura ante seu Criador e o pecador ante o Deus santo.
Porque é Ele quem nos convence “do pecado” (Jo 16.8). Sem
Ele, também não poderemos conhecer a atitude de simplicidade
e de liberdade do filho perante seu Pai, porque é somente através
dEle que podemos clamar a Deus: “Aba, Pai” (Rm 8.15).
O Espírito Santo também está presente para ajudar a todos
os que não sabem orar. A oração poderá, então, ser dirigida a
Deus tanto pelo simples e iletrado como pelo sábio e entendido,
tanto por aqueles que se expressam com dificuldade como por
aqueles que possuem maior capacidade de se expressarem. A
verdadeira oração é obra do Espírito Santo.

Orar com sabedoria


No entanto, não temos o direito de reduzir toda a realidade
da oração a um único dos seus aspectos, mesmo se este fosse o
mais excelente. A verdade tem duas faces que correspondem uma
à outra, que se completam e se equilibram: “Orarei com o espírito,
mas também orarei com a mente” (1 Co 14.15).
Não diriamos que Deus substitui a nossa personalidade ou
desdenha de nossa inteligência. O Espírito Santo não substitui o
nosso espírito. Ele não trabalha em lugar de, mas através do
nosso entendimento. Deus criou o homem: corpo, coração, cons­
ciência, razão, alma, espírito. Não é somente uma parte desta
indissolúvel unidade que deve ser consagrada a Deus, e sim o
homem em toda a sua constituição, para servi-Lo e adorá-Lo. Na
oração, o entendimento é ativo, na mesma proporção que o coração
O Modo de Orar 33

e os lábios. O entendimento tem uma função importante a de­


sempenhar (Rm 12.2).
Um dos grandes problemas da oração é, uma vez mais,
sabermos o que pedir. Acabamos de dizer que o Espírito vem em
nosso auxílio. Mas como intervém Ele? Como Ele se expressa e
como nos revela o que devemos pedir? Devemos esperar ouvir
uma voz celeste ou devemos confiar-nos a uma voz interna?
Estamos perfeitamente cônscios de que, em teoria, a assistência
do Espírito Santo é absolutamente indispensável; mas temos
também a consciência de que, na prática, essa assistência traz
vários problemas e dá acesso a perigos múltiplos. É reconhecido,
com efeito, que facilmente pode intrometer-se aquele que é o
primeiro interessado em minar e fazer ruir a nossa oração, o
adversário de Deus e de nossas almas.
O Espírito, como o vento, disse Jesus, “sopra onde quer”
(Jo 3.8). Ouvimos o seu ruído, mas não sabemos de onde vem,
nem para onde vai. Isto quer dizer que é impossível conceber as
veredas do Espírito somente de acordo com a nossa lógica. Elas
não podem ser explicadas, analisadas, deduzidas a partir de leis
gerais. O Espírito ultrapassa os nossos cálculos. Isto explica a
nossa perplexidade diante de certas experiências, semelhantes às
de nossos irmãos. Isto também explica as nossas hesitações ou
mesmo preocupações (perante as certezas desses irmãos), que
impedem de nos associarmos a eles em suas súplicas. Eles podem
afirmar que Deus lhes falou, lhes deu tal e tal promessa, uma
segurança ou luz, mas nós permanecemos reticentes, tendo a vaga
impressão de que isso não pode vir de Deus. Não nos sentimos
totalmente livres, nem para expressar o nosso mal-estar nem para
nos colocarmos em guarda. Finalmente, “para Deus tudo é
possível” , e o Espírito “sopra onde quer” (Mt 19.26, Jo 3.8).
De acordo com que critério poderiamos julgar o impulso do
Espírito? Em nome de que lógica podemos nos opor àquele que
se diz impulsionado, motivado pelo Espírito? O problema é real
e nem sempre de fácil solução. Não é, também, um problema só
dos nossos dias. Parece-nos encontrá-lo já no livro de Atos
capítulos 20 e 21, onde Paulo é persuadido pelo Espírito, devendo,
pois, subir a Jerusalém. “E, agora, constrangido em meu espírito,
34 A O ração que D eus R esponde

vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão


que o Espírito Santo... me assegura...” (At 20.22). Por outro
lado, em Tiro, encontramos os discípulos, “movidos pelo Es­
pírito” , recomendando a Paulo que “não fosse a Jerusalém” (At
21.4).
Todavia, Deus não nos deixou na ignorância e obscuridade
totais. Ele nos deu irmãos para provarem a nossa inspiração e
convicção interior. A regra enunciada por Paulo aos coríntios é,
certamente, aplicável nesta instância. “Tratando-se de profetas,
falem apenas dois ou três, e os outros julguem ... Os espíritos dos
profetas estão sujeitos aos próprios profetas” (1 Co 14.29,32).
Os outros crentes não são, forçosamente, a voz de Deus;
mas eles podem, graças ao mesmo Espírito que está neles,
esclarecer aquele que busca ser esclarecido, podem confirmar
uma convicção pessoal ou, ao invés disso, deixar de sobreaviso
aquele que busca ser esclarecido. Talvez seja por isso que, ao
ficar alguém doente, é dado o conselho de chamar os presbíteros
(“os” e não “o”), para orarem em seu favor (Tg 5.14,16). O
objetivo disso certamente não é mostrar que a oração de dois,
três ou quatro terá mais probabilidades de ser atendida do que a
prece de um só filho de Deus - “Muito pode, por sua eficácia, a
súplica do justo” (Tg 5.16); antes, é mostrar que a oração exige
o exercício de um certo discernimento. A enfermidade, como
sugere Tiago, pode, em certos casos, ser causada por um pecado
específico, e a sua detectação ou confissão necessita um certo
refletir, na oração e na meditação. Dois ou três irmãos, ao orarem
juntos, poderão sentir mais profundamente o pensamento do
Espírito Santo do que um irmão sozinho. O entendimento, a
inteligência e a reflexão na oração serão os meios que o Espírito
Santo usará para revelar a Si mesmo.
Notemos que este problema sublinha a necessidade que a
igreja, o corpo local de crentes, tem de instrução e crescimento
dos irmãos e de um caminhar normal de acordo com a vontade
de Deus (Ef 4.11-16). Sobre todas as coisas, Deus nos deu a sua
Palavra. O Espírito Santo que nos impulsiona, que fala ao nosso
coração, através de nossa consciência ou de nossos irmãos, é o
mesmo Espírito que inspirou a Bíblia (2 Tm 3.16-17). O Espírito
0 Modo de Orar 35

que nos fala, fá-lo também nas Sagradas Escrituras; e estas duas
vozes não podem se contradizer. Ele não pode dizer-nos pes­
soalmente algo que contradiga o que Ele mesmo diz na Bíblia:
“O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos
filhos de Deus” (Rm 8.16). Teremos, então, no Livro — aqui,
novamente os nossos irmãos poderão intervir para nos ajudarem
a compreendê-lo e interpretá-lo — um critério ou um ponto de
referência para provar toda convicção, se ela provém do Espírito
Santo de Deus ou de nós mesmos. Isso requer, com certeza, um
estudo sério e inteligente da Palavra de Deus, pressupondo um
certo conhecimento dos caminhos de Deus, revelados no seu
Livro, uma certa intimidade com o próprio Deus. Quando não
temos este conhecimento, quer por sermos novos na fé, quer por
não termos tido a ocasião de nos aprofundarmos em tais assuntos,
o Espírito poderá (e bem necessitamos) intervir mais diretamente
para uma instrução espiritual e sólida, que aliás será ainda ne­
cessário provarmos, com a grata ajuda de irmãos consagrados,
quando tal for possível (1 Jo 4.1).
Porém, se temos este conhecimento de sua Palavra ou se
temos a oportunidade de adquiri-lo — e somos exortados a crescer
em tal conhecimento, para atingirmos o estado espiritual adulto
— então, Deus convocará esta inteligência esclarecida, convidará
à reflexão que nos induzirá a provarmos os nossos pensamentos
à luz da analogia das Escrituras. Deus não opera milagres
desnecessários. Ele não criou a inteligência do homem para a
refugar após o novo nascimento. Ao contrário, esclarece-a,
santifica-a e utiliza-a para o seu verdadeiro fim: conhecer a Deus.
O Senhor a torna o instrumento de transformação do crente à
imagem de Cristo: “Mas transformai-vos pela renovação da vossa
m ente” (Rm 12.2). Orar com a mente será, pois, orar com
reflexão.
A verdade, a espontaneidade e o refrigério do Espírito devem
refletir-se em nossas orações. Se nos esforçarmos por romper
com os nossos hábitos estereotipados, certamente eles se des­
vanecerão em nosso diálogo com Deus.
Orar com a mente é colocar-se inteiramente à escuta e à
disposição do Espírito Santo. Deste modo, os dois aspectos da
36 A O ração que D eus R esponde

oração se apresentam complementando-se harmoniosamente.


Querer somente orar “no Espírito” seria abrir a porta ao mis­
ticismo, ao subjetivismo, ao individualismo, ao orgulho espiritual.
Contentar-se apenas em orar “com a m ente” seria cair num
racionalismo medíocre, rígido, seco e presunçoso.
Experimentemos atingir este perfeito equilíbrio na oração.
Que a oração seja o ponto de encontro e a harmonia do Espírito
Santo com todo o nosso ser. Que a nossa prece seja a oração do
Espírito de Deus e da mente restaurada através da leitura da
Bíblia.
6
lA Q'meu&mça e a Õ/tação

A distância entre a súplica e a resposta


deve levar-nos a perseverar na oração!

A oração eficaz é aquela que se posiciona ao lado da vontade


divina. Tal é, da parte de Deus, a condição para a resposta favo­
rável do Senhor. Além disso, há outras exigências para com as
quais nós temos plena responsabilidade e devemos aceitar.
A Bíblia, com efeito, contém promessas formais que muitas
vezes apresentamos como incondicionais. Quando as examinamos
mais de perto, todavia, descobrimos que assim não acontece e
que, quase sempre, as promessas divinas estão associadas a
condições mais ou menos evidentes.
Abordaremos primeiramente a perseverança. Alguns têm
certa dificuldade em conciliar a perseverança tanto com a idéia
da soberania de Deus quanto com as palavras de Jesus: “E, orando,
não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem
que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis,
pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes
necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.7-8).
Para alguns, esta declaração do Senhor e as conclusões que
dela temos extraído podem pôr mesmo em dúvida a utilidade da
oração. Qual a vantagem de nos dirigirmos a Deus em oração, se
Ele sabe tudo mesmo antes de abrirmos a nossa boca? Ainda
mais, a submissão à vontade de Deus, sobre a qual temos insistido,
38 A O ração que D eus R esponde

poderia também ser compreendida como desencorajadora para a


perseverança na oração e até mesmo contrária à oração da fé.
Duas parábolas, a do amigo importuno (Lc 11.5-13) e a do
juiz iníquo (Lc 18.1-8), completam e equilibram com precisão o
que temos dito, lembrando-nos que a resposta de Deus é o fruto
de uma oração perseverante, de uma insistência um tanto de­
sesperada. Quão estranhas parecem as parábolas que o Senhor
Jesus usa para nos descrever os caminhos de Deus! Por que causa
recorre Jesus a estas imagens, um tanto antipáticas, de um amigo
importuno e de um juiz iníquo, para nos falar de Deus?

As dificuldades da oração
Em primeiro lugar, precisamos examinar uma evidência
negativa que nem sempre ousamos confessar e que conduz a um
afrouxamento na oração, a um ceticismo que por vezes escon­
demos e acaba por desfazer os inais fortes argumentos, apagando
o primeiro amor, fazendo do crente um resignado.
Comumente falamos das gloriosas vitórias que a oração
consegue; com ela tudo é possível! Precisamos apenas nos di­
rigirmos a Deus, e Ele afastará de nós todas as dificuldades; a
oração é uma arma invencível que triunfa sobre tudo! Porém,
isso não é apenas uma teoria, vulgarmente desmentida pela nossa
experiência? O que averiguamos nós através dos fatos?
Quando passamos por momentos de provação e clamamos
ao Senhor, Ele nos deu instantaneamente forças em resposta à
nossa oração? Isso é possível; mas Ele o tem sempre feito? Quando
não tínhamos dinheiro suficiente para cobrir o nosso orçamento
mensal e nos dirigimos a Ele, enviou-nos Ele um anjo ou um
amigo trazendo um cheque? Isso talvez aconteceu; mas, algumas
vezes, isso também não nos deixou no embaraço?
Hoje, alguns filhos de Deus padecem fome porque outros
fecham o seu coração às necessidades deles. Sim, alguns sofrem,
ao mesmo tempo em que clamam pelo socorro divino. Não é isso
um fato? O Senhor Jesus descreve-nos o amor paternal de Deus
de modo extremamente tocante e pleno de poesia. Deleitamo-nos
em ler e reler aquela magnífica página da Escritura Sagrada onde
A Perseverança e a Oração 39

Jesus fala do cuidado que seu Pai tem pelas aves do céu e pelos
lírios do campo (Mt 6:25-34). Mas onde está a providência divina
neste mundo de injustiças, misérias e mortes? Alguns negam a
providência de Deus, ao dizerem: “Deus está morto! A ‘fé’ per­
tence ao passado; ela não passa de superstição; é uma esperança
útil, sem dúvida, mas vazia, vã” . Outros, sem negar a provi­
dência de Deus, hesitam em confessar a sua perplexidade ou,
talvez, a sua incredulidade. Por que Deus não responde? Por que
demora tanto? Por quê? É nesses momentos de dúvida que Deus
pode parecer como o amigo ou o juiz que, nas parábolas citadas,
não querem atender os rogos que lhes são dirigidos. De fato, as
parábolas de Jesus descrevem-nos Deus não como Ele é na rea­
lidade, e sim como Ele é visto pelo homem possuído de dúvida e
de incredulidade, quando a provação o submerge e ele na sua
tristeza nada mais compreende. Tal como o amigo incompassivo
ou o juiz iníquo, assim parece Deus ao crente provado pela demora
divina em agir. Esta tentação pode muito bem assaltar a todo o
verdadeiro crente.
No início de nossa vida cristã, talvez tivéssemos pensado
que o pecado estava vencido para sempre. O Senhor deu-nos
vitórias magníficas que nos confirmaram isso mesmo. Depois,
um pouco mais tarde, tivemos de enfrentar uma vez ou outra o
pecado sempre renascente! Clamamos ao Senhor inúmeras vezes
para nos libertar do mal... mas esse mal sempre volta! Apa­
rentem ente, temos batalhado em vão; as vitórias têm sido
alternadas com fracassos. Cremos que tínhamos chegado, e
precisamos sempre recomeçar. O Senhor nos deu, por certo,
vitórias duradouras, definitivas. Mas, em determinadas áreas,
lutamos ainda. A alguns Ele deu um elevado grau de santidade,
mas outros enfrentam constantemente um combate que parece
não ter fim. É verdade que alguns “subjugaram reinos, praticaram
a justiça, obtiveram promessas, fecharam bocas de leões, extin-
guiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da
fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram
em fuga exércitos de estrangeiros” (Hb 11.33-34); mas também
é verdade que outros “foram torturados... passaram pela prova
de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram
40 A O ração que D eus R esponde

apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos ao fio da


espada... (homens dos quais o mundo não era digno), errantes
pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra”
(H bll.35-38).
A parábola do juiz iníquo lembra essa distância, por vezes
preocupante, que existe entre a oração “venha o teu reino” (Lc
11.2) e a resposta divina. Como compreender o silêncio de Deus
ante a aflição dos seus filhos? Pois é precisamente disso que esta
parábola fala! “Considerai no que diz este juiz iniquo. Não fará
Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite,
embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que depressa
lhes fará justiça” (Lc 18.6-8).
A parábola do amigo importuno lembra as dificuldades,
também por vezes preocupantes, que existem em quem ora:
“venha o teu reino” (Lc 11.2); oração esta entendida, desta vez,
na esfera de nossa santificação: que o Teu reino venha ao meu
coração. “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas
aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito
Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc 11.13). O Espírito Santo,
nesta passagem, não é a sua Pessoa, mas os seus dons, a sua
força, a sua vitória, que devem ser obtidos pela perseverança.
A distância entre a promessa e a realização segura, entre a
súplica e a resposta, entre a regeneração e a perfeita santifica­
ção, entre a semente do Reino de Deus (o grão de mostarda em
outra parábola - Lc 13.19) e o seu domínio universal (a árvore
que abriga as aves do céu), não nos deve deixar pasmados; antes,
deve levar-nos a perseverar na oração.

A perseverança na oração
É disso que nos falam, precisamente, estas duas parábolas:
a do amigo importuno e a do juiz iníquo. Se um amigo egoísta
acabou por ceder àquele que lhe pediu três pães; se um juiz iníquo
acabou, ele próprio, por ceder à insistência daquela mulher pobre
e queixosa; e se um pai, ainda que mau, não dá uma pedra em
lugar de pão ao filho, nem uma serpente em lugar de peixe, nem
ainda um escorpião em lugar de um ovo (Lc 11.11-13), certamen-
A Perseverança e a Oração 41

te Deus agirá de forma muito mais elevada ao responder à


perseverante oração de seus filhos!
Mesmo que Deus (para aquele que duvida) pareça como um
juiz insensível ou um amigo egoísta, a realidade é bem diferente.
E a dolorosa prova que temos feito vai de encontro a essa exortação
encorajadora: “Por isso, vos digo: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai,
e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe;
o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. ” (Lc 11:9,10).
Notemos, nestas duas parábolas, o silêncio completo de Cristo
quanto às razões da longa demora de Deus. Jesus não dá qualquer
explicação àquilo que para nós, por vezes, é um grande e dolo­
roso mistério. Ele poderia demonstrar que a demora de Deus em
responder às nossas súplicas, é semelhante à ordem existente na
natureza (Tg 5.7). Na natureza, todo o crescimento é progressivo.
É somente nos contos de fadas que do grão nasce uma árvore
instantaneamente e uma criança num instante se transforma em
um homem. Paulo nos lembra que a perseverança se exercita na
esperança e que ela não se consolida de um dia para o outro, na
vida cristã (Rm 5.3-4). A Moisés foram necessários quarenta
longos anos! (Êx 3) Paulo nos faz notar ainda que o período em
que esperamos torna mais precioso aquilo que esperamos e que
os sofrimentos, no tempo presente, tornam ainda mais gloriosa a
glória por vir (Rm 8.18-25). Pedro diz que a prova da nossa fé é
mais preciosa do que o ouro (1 Pe 1.7).
Tudo isso é verdade, e hoje estamos disso absolutamente
convencidos, enquanto tudo vai bem. No entanto, todas estas
ponderações são de efeito nulo sobre aquele que passa pela sombra
da provação, da luta incessante, da dúvida; são de efeitos negativos
para aquele cuja vida espiritual fraquejou, a ponto de que ele
nada mais vê e duvida de tudo. Isto, provavelmente, explica por
que Jesus, na sua sabedoria divina, não desperdiçou tempo em
explicar ou justificar o procedimento divino; mas, com toda a
sua autoridade, assegurou-nos: “Por isso, vos digo: Pedi, e dar-
se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Lc 11.9).
Ainda que duvidemos da bondade de Deus, que duvidemos
de sua vontade em nos ajudar e em nos salvar, que não vejamos
nossa fraqueza ceder ante o seu poder, que creiamos que Ele nos
42 A O ração que D eus R esponde

abandonou, isto é, se imaginarmos Deus como o amigo insensí­


vel ou como o juiz iníquo, batamos e Ele nos abrirá. Ainda que
Deus fosse aquilo que nós podemos crer, não teríamos razão
suficiente para desesperarmos. Até de um amigo insensível, de
um juiz injusto ou de um pai ímpio há algo a esperar! Não teremos
nós mais razão de esperar em Deus para o nosso bem? “Ora, se
vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos,
quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que Iho
pedirem?” (Lc 11.13).
Temos nós uma percepção suficientemente viva e intensa de
nossas necessidades, a ponto de alimentarmos a perseverança
apesar de todos os obstáculos? Temos nós o verdadeiro desejo de
ser purificados do pecado, para, assim, perseverarmos em nossas
preces e lutarmos em oração até à vitória? Temos nós verda­
deiramente o desejo de ver outras almas virem a Jesus para
perseverarem em oração e, assim lutarem até sua salvação?
Aquele que, na cruz, clamou: “Deus meu, Deus meu, porque
me desamparaste? (Mt 27.46), sem, contudo, obter de imediato
a resposta; Aquele que sentiu intensamente o misterioso silêncio
de Deus, declara-nos: “Por isso, eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Lc 11.9).
Assim, aquele que com sinceridade tem buscado a ajuda de
Deus, certamente receberá o auxílio esperado. Aquele que, de
todo coração, verdadeiramente tem buscado o Senhor não deixa­
rá de encontrá-Lo. E aquele que bate ao portal divino, suspirando
pela comunhão com Deus, será cumulado da sua bênção.
Se Deus conhece os nossos desejos e as nossas orações,
antes que estas subam aos nossos lábios, e se a sua maior alegria
é respondê-las, então, a sua sabedoria e o seu amor acharam por
bem provar, por vezes, a nossa perseverança, ou seja, a sin­
ceridade de nossas necessidades e de nosso amor.
Não poderemos nós confiar-nos a Ele?
7
lA c.Vafaü/ta de Adeus e a O/tação

“Não seja como Eu quero,


mas como Tu queres ”!

le rse v e ra r em oração, até obtermos uma resposta de Deus,


— eis o nosso dever. Esse dever, porém, tem limites, como os
tem a própria oração, segundo o ensino que encontramos na Bíblia.

Orar em nome de Jesus


A expressão “em nome de Jesus” prenuncia em si deter­
minados limites. De fato, é impossível (pensando bem) obtermos
resposta para o que quer que seja a nossa petição, embora seja
feita em nome de Jesus. Ou será que o responder as nossas preces
(tão caprichosas por vezes), conhecendo Deus que elas se chocam
com a sua vontade a nosso respeito, não nos parece incompatível
com a pessoa de um Deus soberano? Quando o Senhor prometeu:
“Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o
Pai seja glorificado no Filho” (Jo 14.13), Ele não tinha em mente
assinar um cheque em branco para satisfazer qualquer petição
emanada do coração do homem, até mesmo dos seus mais fiéis
discípulos. Se duvidamos de tal afirmação, basta recordarmos o
tom de censura com que Tiago nos adverte: “Pedis e não recebeis,
porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tg 4.3).
Quando terminamos as nossas preces, devemos guardar-nos
44 A Oração que D eus R esponde

de pensar que a frase com a qual habitualmente terminamos a


nossa oração, “em nome de Jesus” , é como que uma fórmula
mágica que abre todas as portas e garante a aprovação de nosso
pedido. Tal frase não é, tampouco, necessária para fecharmos a
nossa oração com a palavra “Amém” , assim como não é in­
dispensável a uma oração eficaz. Pelo contrário, essa frase,
incluída ou não na oração, em face do que sempre implica e
requer, é uma identificação da petição com a vontade de Cristo,
com o que Ele deseja de nós. A oração que Deus responde é
aquela que o homem Lhe endereça em harmonia com o seu Filho;
aquela que, com propriedade, pode ser apresentada em nome
dEle. Jesus alegra-se quando assim é. A quanta infelicidade não
seríamos entregues, se recebéssemos sempre o que desejamos e
pedimos! Nós que ignoramos em absoluto o que nos reservam o
amanhã ou mesmo os minutos que temos à frente, como po­
deriamos discernir e pedir o que necessitamos para o nosso
dia-a-dia? E, finalmente, não é o Senhor infinitamente muito mais
rico, mais hábil e mais generoso do que nós poderemos imaginar?
(Ef 3.20)
Orar “em nome de Jesus” é pedirmos a Deus aquilo que Ele
não pode recusar a seu próprio Filho, aquilo que O glorificará e
que, simultaneamente, contribuirá para o nosso supremo bem.
Orar “em nome de Jesus” não é outra coisa, senão orar segundo
a vontade de Deus. A promessa de Jesus: “Tudo quanto pedirdes
em meu nome, isso farei” (Jo 14.13), corresponde, pois, exa­
tamente ao que o apóstolo João, em outras palavras, disse: “Se
pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve.”
(1 Jo 5.14). E evidente que a prece — segundo a vontade de Deus
— pode ser proferida com grande segurança, bem como com
uma perseverança infatigável. Além disso, não será tal petição,
uma vez sinceramente meditada e endereçada “em nome de Je­
sus” , o reflexo do amor e do zelo dEle para com o Pai e tudo o
que a Ele concerne?

Orar segundo a vontade de Deus


Como, pois, a nossa oração e a vontade de Jesus Cristo
A Palavra de Deus e a Oração 45

podem coincidir? Como orar de acordo com a vontade de Deus?


Esta dificuldade, segundo a nossa visão, está ligada à que
encontramos na revelação da vontade de Deus. Não pode, pois,
haver solução válida, a não ser nas Escrituras, as quais são a
única expressão objetiva da pessoa e da vontade de Deus, o único
guia autorizado para a nossa vida de oração.
A Bíblia contém promessas claras sobre as quais o crente
pode apoiar-se, a fim de orar com segurança. Porém, é preciso
admitir que elas são mais raras do que habitualmente se pensa.
Assim, na Bíblia, não existe nenhuma promessa, incondicional
por natureza, que nos garanta o gozo ininterrupto de uma boa
saúde física. Seria, então, muito perigoso, por exemplo, levar
certos enfermos a alimentar a convicção de que Deus quer,
necessariamente, a sua cura; até mesmo tendo como base as
bem conhecidas palavras de Tiago: “Está alguém entre vós
doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração
sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração
da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver
cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os
vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para
serdes curados” (Tg 5.14-16). Como já dissemos, parece que a
enfermidade de que aqui se fala está relacionada com o pecado,
o que nem sempre acontece (1 Co 11.30-31). Jesus lembrou
isto de forma inequívoca, quando curou o cego de nascença (Jo
9.2-3). Jó, que não sofreu por causa do seu pecado, mas devido
à sua integridade, é uma outra incontestável prova dessa verda­
de (Jó 2.3-6).
Paulo, noutras circunstâncias, como, por exemplo, na ocasião
da enfermidade que acometeu Timóteo (ver 1 Tm 5.23), em lugar
de recomendar o processo indicado por Tiago, aconselha um
simples tratamento médico. Será necessário lembrar que o próprio
Paulo não foi curado em resposta à sua oração, mas recebeu
como graça muito superior a vocação de glorificar o Senhor,
suportando uma enfermidade?
Além disso, Deus não prometeu livrar todos os que sofrem
por sua causa, nem prometeu a paz entre as nações da terra. Esta
ausência de segurança total, não impede o filho de Deus de orar
46 A O ração que D eus R esponde

pelos seus irmãos que sofrem e mesmo pedir a sua libertação (Jo
16.23, 2 Tm 3.12, Hb 11.35-40). De igual modo, o crente pode
e deve suplicar de Deus a paz para o mundo! No entanto, a sua
intercessão intensa e sincera fundir-se-á na suprema prece: “To­
davia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt
26.39-42, At 21.14).
Por outro lado, aquele que ora pela salvação dos homens
pode basear-se sobre claras expressões da vontade divina: “Tão
certo como eu vivo, diz o S enhor Deus, não tenho prazer na
morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu
caminho e viva” (Ez 33.11). O apóstolo cita a palavra profética
aos gentios, ao confirmar que Deus “deseja que todos os homens
sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1
Tm. 2.4). Paulo faz precisamente desta vontade de Deus a base
de sua exortação para intercedermos “em favor de todos os ho­
mens” (1 Tm 2.1-3).
Também é possível orarmos sem quaisquer reservas e com
uma perfeita segurança, rogando por um mais alto grau de san­
tidade pessoal, tanto para nós como para nossos irmãos: “Pois
esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4.3); por
paz e unidade na igreja (Ef 4.3); por um testemunho mais ousa­
do acerca de Jesus Cristo; por uma mais abundante medida de
sabedoria, diante dos acontecimentos e problemas da vida (Ef
6.19-20, Tg 1.2).
Tendo em mente tais assuntos, Tiago não hesita em dizer
que a oração deve ser feita a Deus “com fé, em nada duvidando;
pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada
pelo vento. Não suponha esse homem que alcançará do Senhor
alguma coisa; homem de ânimo dobre, inconstante em todos os
seus caminhos (Tg 1.6-8). Seria falso e perigoso pensarmos que
este critério deve ser aplicado à oração, em qualquer circunstância.
Se a dúvida é condenável, quando incontestavelmente Deus falou;
o caso contrário é sabedoria. Muitas vezes somos constrangidos
a confessar que “não sabemos orar como convém, mas o mesmo
Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inex­
primíveis” (Rm 8.26); e, então, deixamos ao cuidado do Espírito
de Deus o interceder por nós em nossas orações.
A Palavra de Deus e a Oração 47

Procurando conhecer a vontade de Deus


Ainda que a maior parte dos nossos problemas práticos, tais
como as grandes decisões de nossa vida e as pequenas questões
relacionadas à nossa conduta diária, não forem objeto de diretrizes
específicas da parte de Deus, não é impossível discernir a vontade
daquele que quer dirigir nossa vida. Com tal finalidade, o apóstolo
orava ao Senhor, pedindo que os colossenses transbordassem “de
pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e en­
tendimento espiritual” (Cl 1.9-10). Como se adquire este co­
nhecimento, que é essencial a uma oração ousada e eficaz? Através
da Palavra de Deus.
Na oração em favor dos crentes de Colossos, o que acabamos
de lembrar, Paulo liga o conhecimento da vontade de Deus ao
conhecimento da própria pessoa de Deus. De fato, só um melhor
conhecimento de Deus nos permitirá discernir a sua vontade.
Ora, como conhecer Deus doutro modo, senão por meio da
revelação que Ele nos tem dado a respeito de Si mesmo, nas
Escrituras? Esse Livro não tem por alvo apenas comunicar-nos
um dado número de informes objetivos sobre Deus, mas de
introduzir-nos a um conhecimento pessoal mais pleno de sua
Pessoa. Somente uma longa e íntima convivência torna possível
o verdadeiro conhecimento de uma pessoa. E, igualmente, numa
freqüente e dedicada leitura da Bíblia que Deus se revelará. A
contemplação da sua Pessoa e a busca incansável do que Ele nos
quer comunicar, através da leitura assídua e meditativa do seu
Livro, hão de realizar progressivamente certa identificação en­
tre Deus e o seu filho que nEle creu através dos méritos de Cristo.
Tal identificação atingirá a sua plenitude na eternidade, quando
conheceremos perfeitamente a Cristo.
Este é, pois, o meio que dispomos para aprendermos a co­
nhecer o pensamento de Deus, com o fim de orientarmos as nossas
vidas. Claro que sempre existirão as fraquezas e limitações de
nossa natureza e condição humanas nos impondo modéstia e cau­
tela. Também jamais teremos o direito de impor, a quem quer
que seja, uma convicção adquirida através da leitura da Palavra
de Deus ou adquirida graças a qualquer intervenção do Espírito;
48 A O ração que D eus R esponde

cada qual é pessoalmente responsável diante de Deus (At 21.14,


Rm 14.22). Talvez devamos ponderar sobre determ inada
convicção que não conseguimos persuadir os nossos irmãos a
aceitar. O filho de Deus deve estar constantemente disposto a
retificar a sua linha de pensamento e ação, em função de novos
esclarecimentos, que certamente aparecerão no caminho da
fidelidade. O discernimento da vontade de Deus jamais tem fim;
é o resultado de uma contínua renovação de nossa mente, operada
pelo Espírito de Deus, especialmente através da leitura da Bíblia
(Rm 12.2).

Um espírito obediente
Este discernimento é também, não o esqueçamos, a con-
seqüência de uma vida de obediência. “Se alguém quiser fazer a
vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus”
(Jo 7.17), disse Jesus. Revelar-se-ia Deus àquele que, no fundo
do seu coração, decidiu não levar em conta esta revelação e
continuar a viver segundo as suas próprias idéias? Encontramos
o mesmo pensamento saído da pena do apóstolo João, que
escreveu: “Aquilo que pedimos dele recebemos” (1 Jo 3.22).
Será esta mais uma das promessas incondicionais de Deus?
Certamente que não, porque o apóstolo prosseguiu: “Porque guar­
damos os seus mandamentos e fazemos diante dele o que lhe é
agradável” . Vemos que se trata de crentes cujo sincero e profundo
desejo é agradar a Deus. A sua conduta, que se ajusta aos man­
damentos de Deus, dá testemunho disso. Eles invocam, pois, ao
Senhor, a fim de que Ele os esclareça naquilo que poderia
agradar-Lhe. É de admirar que tais crentes sejam atendidos?
A sua obediência, é certo, não é a causa de serem eles
atendidos; se assim fosse, ela se tornaria um mérito ou virtude
pela qual tais crentes obteriam o que têm pedido. A sua obediên­
cia simplesmente reflete, em suas vidas, a identificação do seu
desejo com o de seu Deus e Pai. Porque a vontade deles se ajusta
à de Deus, eles pedem, certamente, o que o Senhor lhes quer
conceder. Tal conhecimento é fruto de uma comunhão contínua
com Deus; uma comunhão que sempre carecerá de aprimo-
A Palavra de Deus e a Oração 49

ramento. Por outro lado, tal conhecimento está, de modo geral,


ao alcance do crente que é novo na fé. Logo, ele também, talvez
mais do que qualquer outro, tem necessidade de conhecer a
vontade de Deus relacionada a si mesmo. As grandes inter­
rogações, no início da vida cristã, demandam uma quantidade
toda especial da luz divina. O Espírito Santo saberá, então, por
vários meios, esclarecer o caminho àquele que procura agradar a
Deus. Os meios podem ser: a igreja na qual Ele colocou aquele
que é novo na fé, face às circunstâncias da vida que Ele dirige
soberanamente; outros meios dos quais Ele absoluta e livremente
pode se servir; ou o Livro que Deus inspirou e que permanece
como fonte de referência segura.
Somente recordemos que as indicações divinas, sejam elas
de que teor forem, não poderão ser percebidas, compreendidas e
devidamente avaliadas, senão quando as condições de toda a
comunhão com Deus estiverem preenchidas: um coração sincero,
uma consciência purificada e um espírito obediente.

Apesar das nossas ignorâncias


Enfim, certas decisões, nós o sabemos, não esperam e
impõem-se, antes mesmo que tenhamos adquirido plena certeza
da vontade divina. Deveremos, então, contentar-nos em agir de
acordo com uma convicção mesmo insuficiente, desde que sincera
e clara. A ausência de certeza poderia, de fato, prolongar-se e
condenar-nos à inércia. Tal inércia poderia, por sua vez, favorecer
uma atitude de preguiça ou indecisão que comprometería a nossa
vida espiritual, enfraquecendo, pouco a pouco, o nosso sentido
de responsabilidade, bem como a nossa aptidão para tomarmos
iniciativas.
A vontade de Deus revela-se, por vezes, não antes da ação,
e sim durante a própria ação para a qual nós Lhe suplicamos a
sua direção. Na ausência de uma revelação divina específica, ou
levado por uma convicção que revelou-se mal fundamentada,
Paulo agiu de acordo com o melhor que a sua consciência lhe
ditava e no interesse da glória de Deus, de acordo com o que ele
compreendia de tal glória; orou pedindo a sua própria cura (2 Co
50 A O ração que D eus R esponde

12.8-9). Foi apenas no decorrer da oração que Deus lhe deu uma
convicção mais justa de sua vontade.
Precisamos, por vezes, saber tomar humildemente as nossas
responsabilidades e agir de acordo com o conhecimento que dispo­
mos, ainda que este seja incompleto e frágil, deixando-nos mesmo
correr o risco de nos enganarmos, mas pedindo sinceramente a
Deus o reajustar de nossa oração, se tal for necessário, a fim de
que ela se identifique com o pensamento dEle.
8
u4 cfáe a Q/tação
A oração deve ser apresentada
a Deus com uma fé firme!

Jesu s declarou: “Tende fé em Deus; porque em verdade


vos afirmo que, se alguém que disser a este monte: Ergue-te e
lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se
fará o que diz, assim será com ele. Por isso, vos digo que tudo
quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim
convosco” (Mc 11.22-24); “E tudo quanto pedirdes em oração,
crendo, recebereis” (Mt 21.22).
Uma interpretação abusiva destas passagens bíblicas, às quais
muitos se referem, às vezes com exclusividade, nos faria pensar
que podemos gentilmente dispensar uma busca atenta e inteligente
da vontade de Deus. Tiago instrui-nos que a oração deve ser
apresentada a Deus com uma fé firme. Para Tiago, essa era a
condição necessária para recebermos a resposta divina. Além
disso, precisamos observar que Tiago não estava se referindo a
todo tipo de oração. O que ele recomendou aos seus leitores —
que peçam a Deus com segurança perfeita — é sabedoria. Ora,
Deus quer que os crentes sejam sábios (Cl 3.16; 4.5). No entanto,
sabemos que nem sempre, em todas as nossas petições, podemos
tirar proveito de uma indicação suficientemente clara da vontade
de Deus.
Jesus pôde dizer, antes mesmo de ver o milagre de Deus:
52 A O ração que D eus R esponde

“Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre


me ouves” (Jo 11.41-42). O Senhor, porém, ao orar, o fez de
modo específico. Acontece-Lhe mesmo, algumas vezes, renunciar
a satisfação de suas legítimas necessidades (Mt 4.2-4) ou a
concretização de seus próprios desejos humanos, plenamente
legítimos, para se sujeitar à perfeita e suprema vontade de seu
Pai (Mt 26.39-42). Pensemos novamente na experiência bastante
esclarecedora do apóstolo Paulo. Três vezes (o que significa “com
insistência”) ele orou ao Senhor com verdadeira fé, tendo o
objetivo de ser libertado da enfermidade que dolorosamente o
fazia sofrer; mas ele não foi atendido. Deus reservou-lhe uma
graça ainda mais excelente. Paulo não experimentou o milagre
da cura, porém teve um ministério permanente e extraordinário,
embora enfrentasse determinada fraqueza intransponível. Talvez
esta experiência nos ajude a obter a resposta para o nosso próprio
problema.
De que maneira a fé firme, que não tolera a menor dúvida,
pode ser compatível com o tatear inerente à busca do conhecimento
da vontade de Deus e com a submissão a essa mesma vontade?
Em uma leitura menos atenta, as palavras de Jesus citadas no
início desse capítulo parecem atribuir poder sobrenatural à fé em
si mesma. Elas parecem transmitir a idéia de que basta apenas
nós termos a convicção absoluta de receber o que estamos pedindo,
para que o recebamos; ter confiança em nossa própria fé seria a
garantia infalível de que seremos atendidos com toda a certeza.
Uma leitura mais atenta corrige esta impressão. O poder de que
tratam os versículos não reside absolutamente no ato da oração
em si mesmo, e sim no Senhor, a quem invocamos. Jesus sugeriu
isso, no início de seu ensino, com estas palavras: “Tende fé em
Deus” (Mc 11.22). Não são, pois, as nossas palavras que trans­
portam as montanhas, nem mesmo uma medida extraordinária
de fé — se tivermos tanta como um grão de mostarda (Mt 17.20);
é Deus quem as transporta. A verdadeira fé não se firma na
resposta, e sim em Deus. Tal fé não tem relação alguma com a
auto-sugestão. A oração não é, de maneira alguma, um meio de
pressionarmos a Deus, para obtermos aquilo que decidimos (em
nome da fé) conseguir dEle, custe o que custar. Deus não se
A Fé e a Oração 53

deixa intimidar pela presunção, nem tampouco pela quantidade


de palavras (Mt 6.7).
A fé não é uma segurança cega e obstinada; ela não se baseia
sobre a força de nosso direito, nem sobre a firmeza de nossa
convicção, nem ainda sobre a intensidade de nosso desejo. A fé
confia na bondade, na sabedoria e no ilimitado poder de Deus;
ela não diz: “Se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e
ajuda-nos” (Mc 9.22). A fé sabe, sem a menor dúvida, que Deus
pode fazer o que Ele quer; mas ela também sabe que o Senhor
deseja o melhor na relatividade de nossa situação neste mundo.
Portanto, a fé jamais dirá: “Senhor, tu tens de curar-me” . Impor
a Deus o que nós queremos, exigir que Ele nos obedeça não é fé,
é presunção. A fé diz: “Se quiseres, podes purificar-me” (Mc
1.40). O leproso que pronunciou esta prece foi curado por Jesus;
não pôs em dúvida o poder do Filho de Deus, nem o seu amor.
Com verdadeira fé, o leproso se submeteu à perfeita vontade de
Jesus.
Como poderiamos preferir ver realizado o nosso desejo, em
vez da vontade do Senhor, infinitamente sábio? Ditar para Deus
a nossa vontade não equivale a uma tentativa de limitar a graça
dEle para conosco? Não aumentaríamos a nossa infelicidade, ao
insistir que Deus faça como nós bem entendemos, segundo a
nossa pobre imaginação? A nossa concepção do bem é muito
relativa e depende, muitas vezes, de nossos impulsos instintivos
e, mesmo, pecaminosos. A fé consiste em confiarmos em Deus.
Não conhece Ele os nossos desejos? Ele não sabe melhor do que
nós quais as nossas verdadeiras necessidades? Deus as responderá
com certeza, no momento mais propício e da maneira mais
proveitosa para nós. Muitas vezes Ele ultrapassa, em sua resposta,
tudo o que poderiamos pensar ou imaginar (Ef 3.20). Foi isto
que o Senhor fez em resposta ao nobre desejo de Davi, que
pretendeu utilizar todos os seus tesouros e fontes de riqueza na
edificação de um templo digno do grande nome de Deus. O rei
Davi teria encontrado na realização deste desejo, caríssimo ao
seu coração, a alegria e a glória de sua vida. Deus, porém, o
recusou a Davi, reservando-lhe uma bênção que deveria ultra­
passar infinitamente tudo aquilo com o que ele poderia ter sonhado,
54 A O ração que D eus Responde

uma bênção que ele jamais pôde, em verdade, gozar na sua


amplitude: “Tu não edificarás casa para minha habitação...
Também te fiz saber que o S enhor te edificaria uma casa” (1 Cr
17.4-10). E que casa! Uma casa que deveria coroar Cristo, o
glorioso Filho de Davi! (Mt 12.6)
Davi exercitou a sua fé, não se obstinando na realização dos
seus projetos, mas sujeitando-se, em adoração, à maravilhosa
vontade de Deus! “Pois tu, Deus meu, fizeste ao teu servo a
revelação que lhe edificarias casa. Por isso, o teu servo se animou
para fazer-te esta oração. Agora, pois, ó S enhor , tu mesmo és
Deus e prometeste a teu servo este bem. Sê, pois, agora, servido
de abençoar a casa de teu servo, a fim de permanecer para sempre
diante de ti, pois tu, ó S enhor , a abençoaste, e abençoada será
para sempre” (1 Cr 17.25-27).
Uma última lição que esclarece a relação entre a oração e a
fé concluímos do comentário que encontramos na Epístola aos
Elebreus; esse comentário fala sobre a vida louvável dos santos
do Antigo Testamento, os conhecidos e os desconhecidos (Hb
11.30-40). Através da fé, alguns deles “subjugaram reinos,
praticaram a justiça, obtiveram promessas, fecharam bocas de
leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam do fio da
espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em
guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros. Mulheres
receberam, pela ressurreição, os seus mortos” . Porém, esta fé
que produziu milagres também os tornou recusáveis perante o
mundo: “Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate,
para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram
pela prova de escárnios e açoites, até de algemas e prisões. Foram
apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada;
andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras,
necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo
não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas,
pelos antros da terra” (Hb 11.35-38).
O autor inspirado, por meio destas linhas, parece indicar
que a fé exercida pelos vencidos — “dos quais o mundo não era
digno” — (Hb 11.38) possuía um grau mais elevado do que a dos
vencedores. Animados por uma fé inabalável, esses mártires
A Fé e a Oração 55

anônimos renunciaram uma graça temporária e terrena por terem


como alvo a bênção eterna e celeste: “Não aceitando seu resgate,
para obterem superior ressurreição” (Hb 11.35). Esta aspiração
por algo mais elevado se harmoniza com a vontade de Deus (Hb
11.40).
A fé, portanto é, mais do que uma convicção, do que uma
segurança ou do que confiança, ela é uma percepção, uma
percepção do melhor que Deus deseja e prepara para nós. Ainda
mais, a fé é uma adesão, uma rendição de todo o nosso ser a esta
percepção.
Esse tipo de fé é capaz de tudo; é a garantia de todas as
respostas divinas. Esse tipo de fé é logo atendida.
9
J^esus, o Sdomern de Ôkação
A vida de oração de Jesus é um exemplo
único que nos convoca a orar!

N ã o poderiamos terminar estas breves reflexões sobre as


condições de um diálogo feliz e eficaz com Deus, sem nos
determos e considerarmos o próprio Jesus, o homem de oração
por excelência.
Em seus ensinamentos, Ele nos deixou preciosas e con­
vincentes lições a respeito desta atividade espiritual. Durante o
nosso estudo, falamos sobre algumas delas, considerando-as. A
própria vida de oração de Jesus é, igualmente, um exemplo único
que nos convoca a orar. Não podemos abordar o conteúdo de
certas orações que conhecemos na Bíblia, como, por exemplo: a
oração que Jesus ensinou como modelo aos seus discípulos, a
oração que Ele pronunciou em favor deles na última noite que
passaram juntos ou a oração que, em vão, Jesus tentou com­
partilhar com eles, no Getsêmani.
O trabalho de considerar essas orações ultrapassaria os limites
que propusemos a nós mesmos, nesta pequena obra. O nosso
propósito não era empreender um estudo teórico sobre a oração,
mas, de forma muito mais modesta, preparar-nos para esse diálogo
santo com Deus — a oração. É nessa perspectiva que, de modo
simples, tentaremos observar Jesus em sua vida devocional.
Infelizmente, não sabemos tudo o que se relaciona à vida de
58 A O ração que D eus R esponde

oração de Jesus. Este assunto escapa aos evangelistas, que pouco


a ele se referem, por causa de seu caráter particularmente secreto.
O Senhor praticou o que ensinou: “Tu, porém, quando orares,
entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está
em secreto” (Mt 6.6). No entanto, nos evangelhos, aqui e ali,
surpreendemos Jesus face a face com seu Pai. Esses poucos
exemplos não nos permitem estabelecer regras para uma vida de
oração semelhante à de Jesus, mas deixam-nos perceber certas
diretrizes que devem inspirar o nosso proceder nessa atividade
espiritual.

E um mistério
Primeiramente, o fato de que Jesus orou é, para nós, bastante
misterioso e, ao mesmo tempo, muito significativo. E um mistério,
com efeito, que o Filho de Deus tenha recorrido à oração. Era
Deus dirigindo-se a Deus. Como é difícil imaginarmos tal diálogo!
Essa atitude tem alguma semelhança com a nossa oração? Em
certo sentido, transcende a tudo que o homem pode imaginar,
pois jamais seremos capazes de penetrar na intimidade divina.
As orações de Jesus registradas na Bíblia foram orações públicas
e, em todos os casos, audíveis e “visíveis” para os discípulos.
Elas visam à consolação, à edificação e à formação dos discípulos.
Estes podem compreendê-las, pronunciá-las e vivê-las em certa
medida, porque, se elas são orações do Filho de Deus, são também
as do Filho do Homem. No entanto, elas não nos permitem son­
dar a misteriosa profundidade da comunhão divina.
Portanto, se o Filho de Deus recorreu à oração, nós temos
razões muito mais fortes para dela necessitarmos! Se o Homem
perfeito experimentou a necessidade de se retirar, a fim de estar
em comunhão com seu Pai, há razões mais fortes para nós (que
somos tão dependentes, tão vulneráveis, tão fracos) passarmos
tempo em comunhão com Deus. Esta é a primeira lição.
Há uma segunda lição, que está relacionada à própria natureza
da oração. Assim como observamos antes, muitas vezes apre­
sentamos nossa oração como uma expressão de necessidade e,
em conseqüência, como uma série de pedidos. Esta noção
Jesus, o Homem de Oração 59

certamente contribui para desvalorizar essa maravilhosa ocupação


ante os olhos do mundo incrédulo e, ao mesmo tempo, para de­
turpar a noção que o homem tem a respeito de Deus. O ateísmo
serviu-se deste conceito de oração, para mostrar que o homem
havia inventado a Deus, para que Ele preenchesse as suas
“lacunas” .
Mas, em certo sentido, Jesus não estava em necessidade e
nem sempre orava a seu Pai para obter dEle qualquer satisfação
pessoal. O fato de que Jesus orou nos mostra bem que a oração
não expressa, obrigatoriamente, a necessidade, e sim que ela
também expressa a plenitude da alma. A oração não surge de um
sentimento vazio, ela pode representar o transbordamento do
coração. A oração é súplica e intercessão, mas também é adoração,
louvor, deslumbramento, um grito de alegria. Toda a gama de
sentimentos humanos pode ser expressa por meio da oração,
porque ela é vida e uma expressão da vida em todas as suas
dimensões. Jesus, o Homem-Deus, em toda a sua vida, foi o
homem de oração por excelência.

Os lugares privilegiados para oração


Jesus afirmou que a oração é um diálogo em intimidade com
Deus. Certamente, Ele foi o primeiro a praticá-la (Mt 6.5,ss.).
O apóstolo Paulo recomendou aos crentes do primeiro século:
“Orai sem cessar” (1 Ts 5.17), indicando assim que eles deveriam
estar em comunhão permanente com Deus. Jesus fez isso de modo
perfeito. Ele viveu contínua e conscientemente na presença de
seu Pai. Este é o ideal que nós incessantemente devemos procurar.
Além disso, o exemplo de Jesus deve nos levar a meditar nessa
situação, pois o ideal não é uma abstração. Jesus, que viveu em
diálogo constante com o Pai, também separava, em sua vida
terrena, momentos em que se encontrava com o Pai, em oração.
Se o Filho de Deus agia assim, quanto maior não é a nossa ne­
cessidade de momentos especialmente consagrados à comunhão
com Deus!
É certo que não podemos estar em comunhão com Deus em
meio ao corre-corre do mundo, durante os muitos trabalhos ou
60 A O ração que D eus R esponde

ocupações cotidianas; e não é menos verdade que, assim como


Jesus, nós também temos necessidade de fechar a porta do nosso
quarto, meditar e, no silêncio do nosso coração, nos encontrar­
mos com Deus. Para orar, Jesus buscava a tranqüilidade da noite
ou da manhã, quando os labores diários já haviam terminado ou
quando ainda não haviam começado e os seus amigos estavam
dormindo. Ele orava no escuro da noite ou da madrugada; e, em
algumas vezes, toda a noite. “E, despedidas as multidões, subiu
ao monte, a fim de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá estava
ele, só” (Mt 14.23). “Tendo-se levantado alta madrugada, saiu,
foi para um lugar deserto e ali orava” (Mc 1.35).
O Senhor apreciava também a calma dos lugares desertos
ou da montanha — “Naqueles dias, retirou-se para o monte, a
fim de orar, e passou a noite orando a Deus” (Lc 6.12). A oração
necessita de silêncio. A solidão, o silêncio interior são coisas
raras ou subestimadas na vida urbana, invadida pela poluição
sonora. Nesses lugares, às vezes, o silêncio é mesmo insuportável.
Por que razão temos medo de nos encontrarmos a nós mesmos?
E por que receamos o silêncio ou por que neste silêncio corremos
o risco de encontrar a Deus e de ficarmos face a face com Ele?
As “obras” , não teriam elas invadido a nossa vida — “boas obras”
que são, às vezes, “frutos diante de Deus”?
No decorrer de uma experiência científica, pessoas enfermas
que haviam sido colocadas em quartos completamente isolados
contra o som não puderam suportar o silêncio total mais do que
alguns momentos: o pulsar de seu coração fazia um barulho in­
tolerável. De maneira semelhante o silêncio coloca o homem
face a face consigo mesmo e impõe-lhe questões essenciais. O
silêncio revela o mais profundo do ser humano. Nesta confrontação
terrível, o homem não pode achar a calma e o equilíbrio que o
elevam a Deus.
A experiência da solidão e do silêncio na vida conduz à
revelação do homem e de Deus em sua verdade profunda, pois
esta experiência torna evidente a distância insuportável que sepa­
ra o homem de Deus. Ela também permite ao crente tomar
consciência do amor imensurável que galgou esse abismo. In-
felizm ente (devemos confessá-lo), é im possível viverm os
Jesus, o Homem de Oração 61

constantemente em oração face a face com Deus. Todavia, rogue­


mos a Deus que nos conceda mais desses momentos privilegiados
e, quando nos forem dados, não os rejeitemos; pelo contrário,
aceitemo-los como bênçãos. Depois, voltemos às nossas ativi­
dades, vivendo, o mais possível, a permanência da comunhão
divina no quotidiano de nossa existência.

As circunstâncias que exigem a oração


É interessante considerar, durante alguns momentos, as
ocasiões em que Jesus retirou-se para orar. Na verdade, viver
em comunhão constante com Deus não exclui a oração em horas
determinadas e bem reservadas ou em certas circunstancias
críticas. Uma vez mais, Jesus tem algo para nos ensinar.

1. Vêmo-Lo retirar-se para orar antes de um ato decisivo


em seu ministério.
“Naqueles dias, retirou-se para o monte, a fim de orar, e
passou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a
si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu
também o nome de apóstolos” (Lc 6.12-13). Certamente esse dia
foi sobremodo importante para a história do mundo: a escolha
dos doze determinou o futuro do cristianismo e marcou a História.
Ora, essa escolha foi precedida de uma longa noite de comunhão
com Deus.
Lucas nos diz também que, antes de Jesus revelar aos seus
discípulos os sofrimentos e a morte que Ele estava prestes a
suportar, o Senhor esteve “orando à parte” (Lc 9.18).
A oração deve, igualmente, preparar-nos para grandes
escolhas na nossa vida. Não sabemos como Deus utiliza a oração
para esclarecer nosso caminho, para nos mostrar a direção certa,
para inspirar nossas decisões, para nos mostrar o tempo certo,
mas Ele o faz! Talvez, em contato com Ele e na sua companhia,
estando unidos a Ele em oração, sejamos levados, às vezes sem
perceber, a ver as coisas como Deus as vê, a reagir como Ele o
faria! Não importando os meios que Ele utiliza, Deus agirá naquele
62 A O ração que D eus R esponde

que, sentindo a sua fraqueza e a sua dependência, buscá-Lo com


fé e sinceridade.

2. Observemos, em seguida, que Jesus orou especialmente


quando as suas atividades eram inúmeras.
“Porém o que se dizia a seu respeito cada vez mais se di­
vulgava, e grandes multidões afluíam para o ouvirem e serem
curadas de suas enfermidades. Ele, porém, se retirava para lugares
solitários e orava” (Lc 5.15-16).
O evangelista parece sugerir que, quanto mais ocupado Jesus
estava, tanto mais Ele orava. Nós somos tentados a fazer o
contrário. No entanto, a atitude de Jesus é compreensível. Quando
a atividade (mesmo consagrada a Deus) nos monopoliza e, mais
particularmente, quando cia é cumulada de sucesso (como no
caso de Jesus), duas tentações podem surgir: o orgulho (lem­
bremo-nos do conselho de Jesus aos setenta discípulos — (Lc
10.20) ou a depressão (da qual, entre outros, Elias foi vítima —
1 Rs 19.4). A oração manterá um saudável equilíbrio. O encontro
com Deus nos preservará, ao mesmo tempo, do orgulho e do
desânimo, ambos enganadores e destruidores.

3. Observemos ainda que Jesus orou antes de ser tentado


(Mt 4.2).
Ele buscou, de um modo particular, a face do Pai (Mt 26.36)
antes da grande prova da cruz. Aquela foi a ocasião da misteriosa
e assombrosa oração no Jardim do Getsêmani! Foi a ocasião dos
fortes clamores e lágrimas do Filho de Deus, antes do terrível
confronto com o poder das trevas (Hb 5.7).
“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação” (Mt 26.41),
disse Jesus aos seus amigos, a fim de que eles não sucumbissem
na provação. Eles, porém, não suportaram o sono nessa hora
crucial. Enquanto Ele, fortalecido pela oração e calmo, caminhava
para a cruz, os discípulos, que adormeceram no lugar de oração,
lamentavelmente dispersaram-se, fugindo. Temos necessidade de
orar mais e sempre, nas circunstâncias que exigem sabedoria ou
forças especiais.
Jesus, o Homem de Oração 63

Os efeitos da oração
Entre todos os momentos de glória que, na terra, Jesus
experimentou, existe um que particularmente nos chama a atenção:
“Subiu ao monte com o propósito de orar. E aconteceu que,
enquanto orava, a aparência do seu rosto se transfigurou” (Lc
9.28-29). Esta experiência extraordinária foi singular, ainda que
Moisés vivera algo parecido, quando desceu do monte Sinai, onde
havia passado quarenta dias na presença de Deus. A sua face
resplandecia com uma luz que o povo não podia contemplar (Êx
34.29).
Mas, se estas experiências maravilhosas não foram gene­
ralizadas, o estar em comunhão com Deus pode marcar pro­
fundamente a vida e mesmo a face do crente que ora, embora
pareça não haver resposta evidente à oração. Não passamos
determinado tempo em oração a Deus sem que nosso caráter seja
modificado, sem que nosso coração seja purificado, sem que nossa
face se ilumine!
Estamos convencidos da necessidade da oração, apesar de
sua prática ser difícil. Sabemos que “deveriamos” , mas também
que fracassamos. Jesus conhece o nosso problema, a nossa falta
de coragem nesta área, pois a respeito da oração ele pronunciou
esta frase bem conhecida: “O espírito, na verdade, está pronto,
mas a carne é fraca” (Mt 26.41).
Ele, que venceu, conhece as nossas derrotas e convoca-nos
a não abandonar a luta. Ele não se desesperou quanto aos seus
três amigos — Pedro, Tiago e João, que nem uma hora puderam
vigiar com Ele. Acerca de nós, Ele também não se desespera!
Creiamos no seu poder e supliquemos-Lhe desse poder, ao mesmo
tempo que confessamos a nossa pobreza.
À medida que procuramos manter um contato permanente
com Deus, ao longo do dia, durante nossas atividades, procuremos
lugares sossegados, a fim de estarmos em comunhão com Ele,
nesses momentos de paz. Preparemo-nos, assim, para as grandes
decisões da vida, preservemos o nosso equilíbrio no turbilhão de
atividades e armemo-nos para enfrentar as provações. Depois,
certamente brilharemos com a sua luz diante dos outros.
64 A O ração que D eus R esponde

S enhor ,

Ensina-nos a orar,
para nos ensinares a verdadeira fé.
Ensina-nos a orar, para nos ensinares
a Te conhecermos.
Ensina-nos a orar, para nos ensinares
a nos assemelharmos a Ti.
Ensina-nos a orar,
Para nos ensinares a viver!
Para a tua alegria!
Para o teu deleite!
Para a tua glória!

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