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Velho mate-chimarrão
As vezes quando te chupo
Eu sinto que me engarupo
Bem sobre a anca da história,
E repassando a memória
Vejo tropilhas de um pêlo
Selvagens em atropelo
Entreverados na orgia
Dos passes de bruxaria
Quando o feiticeiro inculto
Rezava o primeiro culto
Da pampeana liturgia!
Arroz de Carreteiro
Jayme Caetano Braun
Bochincho
Jayme Caetano Braun
No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!
Cemitério de Campanha
Jayme Caetano Braun
Cemitério de campanha,
Rebanho negro de cruzes
Onde à noite estranhas luzes
Fogoneiam tristemente
Até o próprio gado sente
No teu mistério profundo
Que és um pedaço de mundo
Noutro mundo diferente
E compreendo, cemitério,
Que és a última parada
Na indevassável estrada
Que ao além mundo conduz
E aqueces na mesma luz
Aqueles que não tiveram
E aqueles que não quiseram
No seu jazigo uma Cruz.
Chimarrão do Estrivo
Jayme Caetano Braun
O payador missioneiro
Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto
E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga,
Sentindo o peso da carga
Que algum ancestral comanda
Enquanto o mundo se agranda
E o coração se me alarga
Os Menestréis - os Aedos,
Os Bardos - Os Rapsodos,
Poetas grandes - eles todos,
Manejando a voz e os dedos
Vão desvendando os segredos
Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças,
Harpas - flautas - bandolins,
Semeando pelos confins
As décimas e as romanzas!
No Brasil continental
Chegaram as caravelas
E vieram junto com elas
As poesias - com Cabral,
Para um marco imemorial
Nestas florestas bravias
Perpetuando melodias
De imorredouro destaque:
Castro Alves e Bilac
E Antônio Gonçalves Dias!
China
Jayme Caetano Braun
A mimosa curvatura
Desse teu corpo moreno
É o pago em ponto pequeno
Feito com arte divina,
E o teu colo que se empina
Quando suspiras com ânsia
São dois cerros na distância
Cobertos pela neblina.
Cordeona
Jayme Caetano Braun
Está na hora
Jayme Caetano Braun
Aprendi na mocidade,
algo que ninguém me tira,
que não há meia mentira,
tampouco meia verdade
e nem meia liberdade,
pois não pode ser cortada,
quem acha o rumo da aguada,
não morre de sede a míngua,
e quem fala meia língua,
termina dizendo nada!
Já é hora da indiada,
que a velha capitania,
dentro da democracia,
voltasse o que foi outrora,
gaúchos de ontem, agora,
sempre o mesmo sentinela,
a pátria verde-amarela
nasceu aqui nestes planos,
e os velhos taipas pampeanos
nunca se apartaram dela!
Se as distâncias encolheram,
as inquietudes ficaram
se os tempos se transformaram,
as ânsias permaneceram,
e os centauros não morreram,
no sentir e no pensar,
o impulso de gauderear,
latente se transfigura,
na defesa da cultura
que ninguém pode esmagar.
Faca-Coqueiro
Jayme Caetano Braun
E ao te arrancar da bainha
De ponteira reforçada,
Evoco a rudez passada
Do teu áspero trajeto
Quando o xiru analfabeto
Contigo de companheira
Nas andanças da fronteira
Lonqueava o nosso dialeto!
Galo de Rinha
Jayme Caetano Braun
Gineteando
Jayme Caetano Braun
Terneiro de marcação,
Ao se levantar do pialo,
Já me levava a cavalo
Ali, bem sobre as cadeira.
Les digo, é uma brincadeira
Que a gente faz sem pensar,
Mas é parte regular
Da aprendizagem campeira!
Hermano
Jayme Caetano Braun
Hora da Sesta
Jayme Caetano Braun
Jogando Truco
Jayme Caetano Braun
Se alguém le contrapontear
Do outro lado da carona:
- Rinho a ponto essa rabona
- Pois não fio nem empresto,
Erga sempre o seu protesto,
Não fuja de pulseador,
Nunca se achique com FLOR,
Meta: - CONTRA FLOR O RESTO!
Mateando
Jayme Caetano Braun
Meu patrício
Aí foi o mate
Vá chupando despacito
Que é triste matear solito
Quando a velhice nos bate
Por isso, neste arremate
Que chegou no arrepio
Meu velho peito vazio
Que já teve tanta dona
Ressonga que nem cordeona
Nos bailes de rancherio
É a saudade
Essa punilha
Que vai nos roendo canal
Esse caruncho infernal
Que fura até curunilha
É a derradeira tropilha
Da vida martironiada
Momento Sério
Jayme Caetano Braun
Levantam-se na paisagem
desta minh'alma campeira,
as crinas da cabeleira
daquela indiada selvagem
que misturava coragem
com rasgos de fidalguia,
entremeando ventania,
com terra e com sacrifício,
- peleadores por ofício,
porque a vergonha exigia.
Natal Galponeiro
Jayme Caetano Braun
A cuia do chimarrão,
É o cálice do ritual,
E o galpão é a Catedral
Maior da terra pampeana,
Que de luzes se engalana,
Para esperar o NATAL.
Em nome do Pai,
- Do Filho e do Espírito Santo,
É o chimarrão que levanto,
E o vento faz estribilho,
A prece do andarilho,
Ao Piazito Salvador,
Filho de Nosso Senhor,
Do Espírito e do Pai,
De volta a terra aonde vai,
Falar de novo em amor!
Negrinho do Pastoreio
Jayme Caetano Braun
Tu conheces os segredos
De ranchos e cemitérios
Onde paisanos gaudérios
Assinalaram passagem,
Revives cada paragem
Numa evocação singela,
Por entre tocos de vela
De humildes promessas pagas
Onde o S das adagas
Fazia o papel de cruz, -
E onde num raio de luz,
Brilhava sempre a velinha,
Invocando tu'a madrinha
A Santa Mãe de Jesus!
Paisagens Perdidas
Jayme Caetano Braun
Payada do Safenado
Jayme Caetano Braun
Depois, o cateterismo
Uma espada na virilha
Do payador farroupilha
Dentro do seu fatalismo
Em completo imobilismo
Preparado de antemão
Vendo na televisão
Uma tela esbranquiçada
Aquela cinta prateada
No rumo do coração.
O sistema vascular
Totalmente obstruído
Cérebro comprometido
Que já nem pode pensar
Sem comer, sem respirar
Quando vejo me comovo
Precisa um coração novo
Aquele que a gente sonha
Que bata com mais vergonha
E tenha respeito ao povo.
A terra continentina
Precisa nova confiança
Contra o conchavo que avança
Em nossa pátria divina
E o payador se ilumina
No poder do pensamento
Imaginando um invento
Que alcance logo sucesso
E se consiga um congresso
Que respeite o orçamento.
Pra Ti Guria
Jayme Caetano Braun
Calangreas e cotovias,
as palomas, as torcassas
se alvorotam quando passas
momurando melodias,
e o calor dos meio dias vão
se acalmando aos relentos
e até as guitarras dos ventos
se entreveram à cordiona
confirmando que és a dona de
todos meus sentimentos.
Vibram todas as escalas
nos meus dedos tocadores
rudes acariciadores
das tuas tranças bagualas
e o chão batido das salas
com barbara bruxaria
e completando a magia deste teu
tranco macio co gosto
de pasto e rio eu canto pra ti guria.
Prece
Jayme Caetano Braun
A terra de todos
Pertence a tão poucos
Talvez porque tantos
Deixaram que seja
Não há quem proteja
De abusos e agravos
E o canto dos bravos
Quer pátria pra todos
Distante dos lodos,
Saraus e conchavos
No cartão de procedência,
Pouco importa onde nasci,
Busquei rumo e me perdi,
Querência, minha querência,
Desde então me chamo ausência,
Porque me apartei de ti.
Como cavaleiro andante,
Das léguas que caminhava,
Sempre que me aproximava,
Do sonho correndo adiante,
Mais me sentia distante,
Daquilo que procurava!
Remorsos de Castrador
Jayme Caetano Braun
Há um bárbara eficiência
nessa rude medicina,
a faca é limpa na crina
que alvoroçada revoa,
pouco interessa que doa,
a dor faz parte da vida.
Há de sarar em seguida,
desde guri tem mão boa.
Sem Diploma
Jayme Caetano Braun
Seu Esmilindro
Jayme Caetano Braun
Tio Anastácio
Jayme Caetano Braun
Caboclo de qualidade
que não corpeava uma ajuda
na encrenca mais peleaguda
sempre conservava o tino,
garrucha boca de sino
carregada com amor
e um facão mais cortador
do que aspa de boi brasino!
Trovador Negro
Jayme Caetano Braun
Última Rainha
Jayme Caetano Braun
E me deixaram de lado,
Solito e sem parceria.
E eu joguei o que podia
Contra o galo Colorado.
Depois, soltei o Prateado
Que ciscando na serragem,
Bateu asas, de coragem,
E cantou com imponência
Como quem diz a assistência:
Não dou e nem peço vantagem!
Já na primeira topada,
Antes de trançarem ferro,
O meu frango deu um berro
Numa voz esganiçada,
Tinha uma vista arrancada
E o grito fora inconsciente,
Mesmo que um grito de gente
Que ele soltou sem sentir
Mas sem menção de fugir:
Oigalê, bicho valente!
Afogado na sangüeira
E abaixo de tempo feio,
Vi que não ia a careio
Assim, daquela maneira,
A cabeça uma peneira,
Do pescoço, já nem falo,
Eu sem poder ajudá-lo,
Ele peleando sozinho
E eu repetindo baixinho:
Vamos?! Coragem meu galo!
E o vermelho ia ponteando,
Mais brabo do que uma cobra
Que perna, tinha de sobra,
E raça, também sobrando,
E foi aí, senão quando,
Que o frango do meu terreiro,
Num tiro de desespero,
Mais certo que um balaço,
O desnucou de um puaço
No meio do rinhedeiro!