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RESENHA CRÍTICA

Artigo: CALLEGARI, Marília. REFLEXÕES SOBRE O MODELO DE AQUISIÇÃO DE


SEGUNDAS LÍNGUAS DE STEPHEN KRASHEN – UMA PONTE ENTRE A TEORIA
E A PRÁTICA EM SALA DE AULA. Trab. Ling. Aplic., Campinas, 45(1): 87-101,
jan./jun. 2006.
José Jackson da Silva Freire
O artigo se propõe em analisar criticamente as hipóteses de Stephen Krashen em seu
Modelo do Monitor, relacionando-as com o trabalho do professor em sala de aula. As
hipóteses de Krashen se dividem em cinco. São estas: da distinção entre Aquisição e
Aprendizagem, do monitoramento, da ordem natural, do INPUT, e a hipótese do filtro
afetivo.
A começar pela hipótese da distinção entre aquisição e aprendizagem, que tem como
aquisição um processo implícito de assimilação de uma língua, no qual parte do
indivíduo de forma inconsciente (ex.: assistir uma série em inglês com legendas em
português e acabar aprendendo o inglês), e aprendizagem como um processo
explícito de assimilação, que ocorre de forma consciente e garante um aprendizado
mais formal (ex.: estudar em um livro didático de inglês sobre a conjugação do verbo
to be). Segundo McLaughlin (1987:21,24) Krashen deixa vago os termos “aquisição”,
“aprendizagem”, “consciente” e “subconsciente”, o que torna impossível determinar
exatamente o que seriam “língua adquirida” e “língua aprendida”. Não é possível saber
se a aquisição, por exemplo, se refere a níveis de compreensão, de produção ou aos
dois.
Na prática, vemos que quem está imerso no mundo de uma língua estrangeira tem
mais facilidade em desenvolver fluidez do que quem a estuda de forma formal nas
salas de aula. A partir disto, tem-se a ideia de que há uma mistura entre aquisição e
aprendizagem, onde o indivíduo em certos momentos internaliza a língua a partir do
que adquiriu sem estudo formal, e em outros faz isso com esforço intelectual para a
compreensão do funcionamento da língua. Nisto, a aprendizagem também pode se
transformar em aquisição ao passo em que o domínio da língua se torna maior, o que
vai contra a afirmação de Krashen em dizer que a aprendizagem nunca se transforma
em aquisição.
Partindo para a hipótese do monitor, vemos que a aprendizagem e a aquisição fazem
mutuamente parte da produção de sentenças de uma língua, uma vez que a aquisição
produz inconscientemente, enquanto a aprendizagem vai servir como um monitor do
que será produzido para que saia de forma entendível, fiel ao que o indivíduo quer
expressar e dentro das regras da língua estrangeira estudada. Entretanto, para que
isso aconteça, há a necessidade de o indivíduo querer corrigir-se, e também de ser
conhecedor das regras desta língua, caso contrário, não vai saber o que corrigir.
Esta hipótese se apresenta incompleta, pois apenas se propõe a analisar o
monitoramento ocorrido no processo de produção, mas não no processo de
compreensão de enunciados. Além disto, segundo Schütz, certas características
individuais de personalidade podem interferir ou até atrapalhar no processo de
assimilação de uma língua. Em casos de pessoas muito introvertidas, pode ocorrer um
monitoramento excessivo a ponto de bloquear a espontaneidade na produção,
enquanto as pessoas extrovertidas podem fazer pouco uso do monitoramento, e
acabar levando irregularidades na produção. Somente um meio termo entre
introversão e extroversão poderia dar um bom desempenho no recurso de
monitoramento.
Em situações como estas citadas acima, cabe ao professor saber identificar os perfis
de alunos que pouco se utilizam do monitoramento, bem como os que se utilizam de
mais deste recurso, e a partir disto, poder traçar a eles métodos que possam leva-lo a
fazer uso moderado.
Na hipótese da ordem natural, Krashen supõe que exista uma ordem natural de
aquisição de regras gramaticais de uma língua, seja ela estrangeira ou materna, sendo
esta ordem não necessariamente a mesma para estas. Estas ordens não dependem
de uma simplicidade ou complexidade das estruturas, e também não depende da
ordem passada nas salas de aula.
Segundo McLaughlin (1987:35), o que podemos tirar com essa hipótese é unicamente
que algumas coisas são aprendidas antes de outras, mas não sempre, o que não a
torna completamente válida, pois o estudo que Krashen cita para reforçar esta
hipótese não traz clareza na ordem de aquisição de morfemas, por exemplo. Contudo,
Krashen indica ser muito mais relevante uma maior quantidade de oferta de mostras
da língua-alvo que permitam aos alunos a aquisição de novas estruturas do que
ensiná-lo somente numa suposta ordem de estruturas linguísticas.
Já na hipótese do INPUT (também conhecida como hipótese do insumo), Krashen
supõe que o aluno somente tem condições de adquirir conhecimento de uma língua se
o conteúdo no qual ele estiver lidando for ligeiramente mais aprimorado do que o que
ele já tem conhecimento. Desta forma, o conteúdo (insumo) será o conhecimento que
o aluno já tem mais um adendo. Em outras palavras, o conhecimento do aluno (i) é
aprimorado com o insumo (i+1).
Krashen levanta várias “evidências” desta hipótese, mas McLaughlin (1987) tece
extensas críticas à esta. Dentre elas, está: o fato de difícil definir o nível linguístico de
um aluno (i), portanto, será difícil definir o que seria o insumo ideal; o fato de não
definir o que seria um insumo compreensível; Krashen utiliza de “evidências” que mais
são fenômenos susceptíveis a interpretação de evidências na perspectiva das
hipóteses; fatores como ansiedade e diferenças individuais podem fazer com que o
tempo em silêncio que o aluno tenha durante o processo de aquisição varie, e não
somente a própria assimilação do insumo cause isto; ao afirmar que a fala simplificada
utilizada para as crianças aprenderem seja o ideal insumo, as crianças teriam mais
facilidade para aprender a LE, porém, o mesmo afirma que os adultos aprendem LE
mais rapidamente que as crianças; Krashen se limita aos recursos extralinguísticos
para a aquisição de estruturas desconhecidas, sendo estes, apesar de eficientes para
compreender aspectos semânticos, insuficientes para esclarecer questões de sintaxe,
por exemplo.
Dado estas observações de McLaughlin, podemos perceber, portanto, em sala de aula
como é difícil saber o nível de conhecimento linguístico de um aluno para que o
professor leve a este o melhor insumo. E ainda se faz mais difícil traçar um insumo
que seja para todos de uma turma, pois cada aluno deve ter conhecimentos e níveis
distintos sobre a LE. Abordar uma linguagem simplificada em sala de aula pode
também não levar insumo de qualidade para os alunos.
Partiremos agora para a ultima hipótese: a do filtro afetivo. Nesta hipótese, Krashen
postula que fatores emocionais influenciam na aquisição, tais como ansiedade,
motivação e autoconfiança, onde a ansiedade baixa, uma boa motivação e uma alta
autoconfiança (fatores que determinam um filtro afetivo baixo) são fatores que facilitam
a aquisição, enquanto o oposto (filtro afetivo alto) dificultaria.
Para o autor, isto explica a diferença no processo de aquisição entre os indivíduos,
principalmente entre crianças (de filtro afetivo baixo) e adultos (de filtro afetivo alto).
Ele defende que o filtro se torna alto na puberdade, e não mais regressa.
Esta hipótese deixa bastante vago os fatores responsáveis pelo bloqueio que dificulta
a aquisição. Krashen trabalha apenas a ansiedade, a desmotivação e a baixa
autoconfiança como causas de um filtro afetivo alto, enquanto a baixa ansiedade, a
motivação e a alta autoconfiança indica, segundo ele, um filtro afetivo baixo. Portanto,
segundo esta hipótese, a dificuldade na aquisição é ditada apenas por estes três
fatores emocionais, além de trata-los superficialmente, enquanto estes são fatores
bem mais complexos de serem estudados por se tratarem de fatores psicológicos,
onde diversos outros elementos podem dificultar no isolamento destas variáveis.
Para McLaughlin, esta hipótese, além de nada inovadora para sua época por estudos
já tratarem das diferenças individuais no processo de aquisição, não define bem os
conceitos abordados, não explica bem como funciona o filtro afetivo, e não sustenta
empiricamente sua tese por se tratar de questões psicológicas de difícil isolamento
para objeto de estudo.
Krashen ainda chega a equiparar a aquisição de LE à aquisição de LM, valendo-se do
pressuposto de que, independentemente da vontade do aprendiz, o órgão mental da
linguagem inevitavelmente se desenvolverá. O que se pode saber a respeito disto é
que o processo de aquisição de LE é bem diferente se comparado ao processo de
aquisição de LM. Outros fatores psicológicos influenciam em maior grau na aquisição
de LE com relação a LM, principalmente se o ensino de LE está acontecendo posterior
à infância, além de outros fatores não psicológicos.
Ao abordar criticamente uma análise crítica a estas hipóteses, notamos que o modelo
de Krashen carece de comprovações empíricas. Além disto, a autoestima elevada
pode mesmo atrapalhar o indivíduo aprendiz, bem como a motivação excessiva.
Contudo, não se pode deixar de considerar a importante contribuição que este autor
trouxe para os estudos sobre aquisição linguística, pois ele traz novos conceitos
passaram a ser de grande valia para os estudos das últimas décadas.

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