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Os estágios de aquisição de uma segunda língua

na visão de Stephen Krashen

Vera Lúcia Amaral de Melo Souza (v.souza@ufn.edu.br)

Universidade Franciscana de Santa Maria - RS

RESUMO

O processo de aquisição de uma segunda língua é algo complexo, dinâmico e envolto por
um intrincado volume de variantes que ao longo do tempo vem sendo motivo de estudo por
vários linguistas consagrados. Por conta dessa complexidade e das inúmeras variáveis, não
podemos dizer que uma das teorias tenha conseguido abarcar esse processo como um
todo. Entretanto, alguns linguistas elaboraram estudos mais amplos, contemplando um
cenário abrangente, especialmente no que diz respeito ao processo de aquisição de uma
segunda língua em ambiente escolar, onde professor e alunos sejam agentes ativos e
centrais do processo. Um dos linguistas que se destaca nesse sentido é Stephen Krashen e
este trabalho visa, sobretudo, apresentar uma visão panorâmica de sua teoria. Citaremos
também os 5 estágios de aquisição da segunda língua, segundo esse linguista.
Palavras-Chave: língua-mãe, segunda língua, professor, aluno, aquisição.

ABSTRACT

The process of acquiring a second language is complex, dynamic and surrounded by an


intricate volume of variants that over time has been the subject of study by several renowned
linguists. Due to this complexity and numerous variables, we cannot say that one of the
theories has managed to encompass this process as a whole. However, some linguists have
elaborated broader studies, contemplating a comprehensive scenario, especially with regard
to the process of acquiring a second language in a school environment, where teachers and
students are active and central agents in the process. One of the linguists who stands out in
this regard is Stephen Krashen and this work aims, above all, to present a panoramic view of
his theory. We also refer to the five stages of second language acquisition according to this
linguist.
Key words: mother tongue, second language, teacher, student, acquisition.

INTRODUÇÃO:

A língua é um sistema dinâmico, não linear, adaptativo, que é composto por uma
interconexão de elementos biológicos, cognitivos, sociais, históricos, políticos e culturais que
nos permitem pensar e agir. Sua aquisição então, na perspectiva desta complexidade é vista
como o desenvolvimento da linguagem. A segunda língua emerge de todo este conjunto de
fatores. Estruturas mentais inatas, hábitos automáticos, input, interação, output, conexões
neurais, mediação sociocultural, a interface com a língua-mãe, diferenças de idade,
motivação intrínseca e extrínseca, autoestima, aptidão, grau de ansiedade (a que faz parte
do indivíduo e a que vem do ambiente) e da interrelação entre todos estes elementos e suas
variantes condicionadas aos indivíduos e contextos em que este processo ocorre.

Neste sentido é que consideramos interessante afirmar que nenhuma das teorias surgidas
até o momento sobre o processo de aquisição de uma segunda língua o abrange em sua
totalidade. Todas têm seus embasamentos em estudos, algumas incluem experimentos,
mas nenhuma abrange tudo nem o todo, tamanha a complexidade dos fatores envolvidos na
aquisição de uma língua, seja ela L1 ou L2.

Mais complexo ainda se torna quando estamos falando deste processo ocorrendo em
ambiente escolar, envolvendo ainda mais elementos neste intrincado processo a ser
realizado.

Este ensaio pensa em apresentar sucintamente a teoria de Stephen Krashen, por


considerarmos contemplar múltiplos fatores e realidades que permeiam a aquisição de L2,
ainda que também não abarque o todo. Krashen trouxe contribuições muito significativas e
que mostram uma nova forma de pensar como um indivíduo aprende ou adquire uma língua.

DESENVOLVIMENTO

O linguista Stephen Krashen nasceu em Chicago, Illinois em 1941. Ele é bastante conhecido
por sua teoria (Second Language Acquisition – SLA) sobre a aquisição de segunda língua
que, a partir de agora, citaremos como L2.
Como professor da University of Southern California, nos Estados Unidos, desenvolveu a
maior parte de seus estudos dando por resultado uma das teorias mais famosas na
atualidade sobre a aquisição de segunda língua. Também conhecida como a teoria do
Modelo Monitor de Krashen.

Tal teoria parte do pressuposto de que aprendizes jovens, subconscientemente, aprendem


a língua-alvo de forma semelhante àquela que ocorre na aquisição de sua língua materna,
em situações informais e contextos naturais. O que é bem diferente do aprendizado formal,
consciente e estruturado sobre regras gramaticais, estabelecendo-se assim uma
diferenciação entre aquirir e aprender uma segunda língua, sendo este então o ponto central
de sua teoria, dentro da qual ele desenvolveu cinco hipóteses, que passamos a descrevê-
las.(HATFIELD, 2013).

HIPÓTESE DA AQUISIÇÃO E APRENDIZAGEM

A distinção entre aquisição e aprendizagem é a mais fundamental das cinco hipóteses na


teoria de Krashen e a mais amplamente conhecida.

Krashen afirma que ‘aquisição’ e ‘aprendizagem’ são conhecimentos separados e que a


aquisição de uma língua é um processo subconsciente. Assim, a aquisição de L2 se faz por
meio de processo semelhante ao que ocorre ao adquirirmos nossa língua-mãe. Ambas
requerem uma interação significativa e comunicação autêntica na qual os falantes se
empenham em transmitir e entender a mensagem, mais do que preocupar-se com a forma e
estrutura de seus enunciados.
Os adquirentes da L2 não são conscientes de suas regras gramaticais. Por outro lado, a
aprendizagem de uma língua refere-se ao conhecimento consciente de L2. Os alunos
conhecem as regras, estão cientes delas e podem falar sobre elas.

Para Krashen, no processo de aquisição de L2 o ensino da gramática não se aplica,


especialmente em seus trechos iniciais, e na medida em que a L2 vai florescendo o falante
vai ganhando autoconfiança e isto o ajudará mais tarde a perceber seus erros e superá-los.

Por outro lado, acredita-se que o aprendizado formal de línguas seja sobrecarregado por
uma grande quantidade de correção de erros e pela existência de regras gramaticais
explícitas (Krashen e Seliger, 1975). Entende-se que a correção de erros dificulta o
desenvolvimento da linguagem com uma sensação de ansiedade contínua regida pelo medo
de errar.

Na competência adquirida através da aprendizagem, ou o "Monitor", como Krashen chama,


o aluno pode usar as regras aprendidas para "monitorar" ou corrigir sua linguagem antes ou
depois do momento de produção. O monitoramento atende a uma função, no entanto, pode
operar apenas quando há tempo suficiente, quando o foco está na forma e quando a regra
necessária foi aprendida.

HIPÓTESE DO MODELO MONITOR

Krashen acredita que aprender gramática ocorre por meio de uso de um monitoramento.
Esta hipótese explica a relação entre aquisição e aprendizagem, definindo a influência que
esta última tem sobre a primeira. Segundo Ricardo Schutz (Schutz, 2005, p. 2), Krashen
acredita que o sistema de aquisição é o “iniciador” enquanto que o sistema de
aprendizagem de L2 tem o papel de ‘monitor’ ou ‘editor’ de tudo o que o falante vai produzir.
Citando Bezerra (UERJ, 2003):

“o monitor é o mecanismo acionado pelo aprendiz para editar sua


produção linguística, pois utiliza conhecimentos aprendidos para
modificar as elocuções produzidas a partir do conhecimento adquirido,
podendo ser acionado antes ou depois de a elocução ser efetivamente
produzida. Para que tal mecanismo seja acionado pelo aprendiz é preciso
que haja tempo suficiente, que o foco seja na forma e não no significado
e que ele saiba a regra que precisa ser acionada (ELLIS, 1994 [1985]) . É
possível que o aprendiz utilize conhecimento adquirido, mas esse tipo de
edição seria feito através de “percepção”. Haveria, então, três tipos de
usuários do monitor (MITCHELL e MYLES, 1998): os sub-usuários que
não se importam com os erros cometidos; os super usuários que não
gostam de errar e que estão constantemente checando sua produção; os
ótimos utilizadores do monitor que o usam apenas nos momentos
apropriados, ou seja, quando não vai interferir na comunicação.”
.

HIPÓTESE DO INPUT COMPREENSÍVEL

Sob esta hipótese, L2 não ocorre sem que haja suficiente e necessário input compreensível
(Mitchell and Myles 2004). Os ‘adquirentes’ de L2 desenvolvem sua competência com o
tempo ao receber constante input compreensível, conduzindo-os gradualmente do nível em
que se encontram para o seguinte.
Por exemplo, um ‘adquirente’ de L2 que esteja no ‘nível i’ deve receber input suficiente e
lógico o bastante que esteja em seu nível e uma porção a mais ‘+1’. Esta nova ‘porção +1’
varia de um adquirente a outro, onde indivíduo ‘A’ pode assimilar algo diferente de indivíduo
‘B’ dependendo de seu background, interesse, prioridade no momento, nível de atenção e,
dentre outros fatores, até a forma como o input é realizado.

HIPÓTESE DA ORDEM NATURAL

De acordo com a hipótese da ordem natural, a aquisição de estruturas gramaticais (regras)


ocorre em uma ordem previsível, independentemente da língua materna dos alunos. A
aquisição das regras da língua-alvo varia em termos de sequência, o que significa que
algumas regras são adquiridas mais cedo do que outras. No entanto, a gramática de uma
segunda língua não deve ser ensinada como se supõe que seja adquirida nesta ordem
natural. Krashen citou, por exemplo que muitos estudantes mais adiantados em inglês
podem não ser capazes de aplicar a regra de adicionar o -S aos verbos, na 3ª. pessoa do
singular, quando falam rápido, sem se monitorarem.

HIPOTESE DO FILTRO AFETIVO

Krashen acredita que há uma série de variáveis afetivas que desempenham um papel na
aquisição de uma segunda língua. Exemplos dessas variáveis incluem motivação,
autoconfiança e ansiedade. As emoções do aluno podem interferir ou ajudar na aquisição da
linguagem. “Krashen afirma que alunos com alta motivação, autoconfiança, boa autoimagem
e baixo nível de ansiedade estão mais bem equipados para o sucesso na aquisição de um
segundo idioma.” . (Schutz, 2005, p. 3) Emoções negativas, como baixa motivação,
ansiedade ou baixa auto-estima, criam um filtro que impede o input compreensível.

Stephen Krashen e Tracy Terrel em seu livro The Natural Approach, publicado em 1983,
exploraram os estágios de aquisição da segunda língua, identificando cinco diferentes fases:

1ª fase: Silent Period


Pode levar de algumas horas a alguns meses, de acordo com a individualidade de cada
aprendiz. Normalmente as crianças aprendem e aumentam seu vocabulário passivo,
entonação, ritmo… Cada vez reconhecem mais e mais palavras, mas ainda não são
capazes de emitir mensagem nesse novo idioma. Acenam ‘sim’ ou ‘não’ com a cabeça,
apontam e desenham.

2ª fase: Early Production


Aqui as crianças passam a entender parte do que é falado, especialmente assuntos
repetidos diariamente, como os relacionados à rotina escolar. Já são capazes de responder
de forma simples na língua-alvo, usando frases conhecidas e no tempo presente.

3ª fase: Speech Emergence


Os aprendizes adquirem vocabulário mais amplo e aprendem a utilizar a língua-alvo para se
comunicar. Já são capazes de colocar as palavras em frases curtas e a fazer perguntas
simples. Mesmo que a produção ainda não seja gramaticalmente correta, é nessa fase que
os aprendizes ganham confiança para se expressar, já têm ampla compreensão do que lhes
é dito e já começam a desenvolver a leitura e a escrita na segunda língua.

4ª fase: Intermediate fluency


Nesse estágio, que pode durar de três a cinco anos, os aprendizes já possuem excelente
compreensão oral e escrita. É um estágio crucial no qual os alunos já começam a
efetivamente “pensar” na segunda língua e a se aperfeiçoar cada vez mais em seu uso.

5ª fase: Continued language development/advanced fluency


A maior parte dos aprendizes leva em torno de 5 a 7 anos nesta etapa, aperfeiçoando o que
aprendeu para chegar à proficiência na língua, com toda sua complexidade e nuances.
Aprendizes precisam conversar constantemente na língua-alvo de modo a aperfeiçoar
fluência e confiança.

CONCLUSÃO

Como trazido no início deste trabalho, não é possível rejeitar qualquer uma das teorias de
aquisição de segunda língua: todas propõem explicações razoáveis, e oferecem sua
contribuição para a compreensão do processo de aquisição da L2. No entanto, nenhuma é
completa e acabada. O ideal seria criar uma nova teoria que fundisse todos os parâmetros
pesquisados.

Mas, é inegável a contribuição de Stephen Krashen na compreensão do processo de


aquisição de L2 pela maior abrangência de sua teoria e fundamentos elucidados. Seus
princípios têm repercussões muito positivas na aprendizagem e aquisição da L2 na
atualidade, muito embora tenha recebido críticas ao longo do tempo.

Concordamos que ‘os melhores métodos são aqueles que oferecem ‘comprehensible input’,
em situações com baixo nível de ansiedade, contendo mensagens que os aprendizes
realmente queiram escutar. Tais métodos não forçam uma produção precoce na L2, mas
permite aos aprendizes produzir quando estejam ‘prontos’, reconhecendo que o avanço vem
a partir da oferta adequada de ‘input’ comunicativo e abrangente, e não a partir de situações
forçadas e correção da produção.’(Schutz, 1998.

Contudo, sempre é bom manter em mente que o ser humano é único, tem suas
especificidades individuais e todo um conjunto complexo de fatores que não permite
nenhuma fórmula matemática para o aprendizado ou aquisição de uma segunda língua. É
preciso seguir investigando.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

• BEZERRA, Isabel C., SOLETRAS, Ano III, Nos. 05 e 06. São Gonçalo: UERJ, 2003.
• HATFIELD, R. (2013, June 03). As cinco hipóteses de Krashen, Junho, 2019.
• KRASHER -SELIGER, 1975). Publicado em junho, 1975 Psychology, TESOL
Quarterly 9, 2, 173-183.
• KRASHEN, S. The input hypothesis: issues and implications. Harlow: Longman.
• KRASHEN, S. & TERREL, T., The Natural Approach, publicado em 1983,
• SCHUTZ, Ricardo (2005, p. 2), Stephen Krashen’s theory of second language
acquisition.

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