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EDUCAÇÃO

BILÍNGUE:
POSSIBILIDADES NO
CONTEXTO BRASILEIRO

VANESSA TENÓRIO
FÁTIMA TENÓRIO

JULHO/2018
www.systemic.com.br
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ . 04

2. BREVE HISTÓRICO E ANÁLISE DE ABORDAGENS E MÉTODOS PARA


O ENSINO DE UMA LÍNGUA ADICIONAL.......................................................... . 06

3. CONTEXTOS E MODELOS DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE............................. . 11

4. O CONTEXTO BRASILEIRO................................................................................ . 17

5. CBTEFL E EDUCAÇÃO BILÍNGUE MULTIDIMENSIONAL - UMA


PROPOSTA PARA O CONTEXTO BRASILEIRO.................................................. . 20

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... . 24
1

IN
TRO
DU
ÇÃO
Atualmente é grande o debate em torno da educação bilíngue no Brasil,
desde a própria definição do que é de fato educação bilíngue e da eficácia do
modelo para desenvolver a fluência em uma língua adicional. Neste e-book,
faremos um breve histórico crítico das abordagens e métodos para o ensino
de uma língua adicional e uma análise da eficácia do ensino de conteúdo de
disciplinas diversas em uma língua adicional como meio para desenvolver tan-
to um quanto o outro e levar o aluno à fluência nessa língua.

Mostraremos diversos contextos e modelos de educação bilíngue, os mo-


tivos que podem influenciar a escolha de um determinado modelo e apresen-
taremos o que consideramos um modelo adequado ao contexto brasileiro,
baseando-nos em resultados de pesquisas acadêmicas e na utilização dos re-
cursos disponíveis.

Utilizaremos duas línguas: português para o texto principal e inglês para


citações diretas, acrônimos usuais da área de Second Language Acquisition
(SLA) e, ainda, para algumas palavras e expressões que poderiam perder parte
do impacto se fossem usadas em português. As citações diretas destacadas
do texto serão ilustrativas, indicando que as colocações feitas aqui têm respal-
do no meio acadêmico. Citações diretas que façam parte da discussão serão
traduzidas. Este será, portanto, um texto bilíngue.

5.
2
BREVE
HISTÓRICO
E ANÁLISE
DE ABORDAGENS
E MÉTODOS
PARA O ENSINO
DE UMA LÍNGUA
ADICIONAL
A visão do processo de ensino-aprendizagem de uma língua adicional vem
mudando consideravelmente ao longo das últimas décadas. O primeiros mé-
todos de que se tem notícia baseavam-se em estudo da gramática e tradução.
Esses métodos se agrupam sob a denominação de Grammar-Translation.
Havia, portanto, uma total dependência e comparação da língua adicional à
língua nativa, além do uso quase exclusivo de textos escritos.

Numa reação a esse tipo de abordagem, no início do século XX surgiram


vários métodos que baniram o uso da língua nativa e do ensino direto da gra-
mática. Ao invés disto, esta deveria ser inferida. O aluno memorizava “peda-
ços”da língua que eram normalmente apresentados em forma de diálogos. O
professor não poderia recorrer à tradução e utilizava mímica, objetos, gravuras
e qualquer outro recurso para evitar o uso da língua nativa. O aluno era um
simples “reprodutor” de estruturas pré-selecionadas para contextos pré-deter-
minados. Um dos representantes mais conhecidos deste tipo de método é o
Direct Method.

Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu o Audiolingual Method. Sua base


teórica é o comportamentalismo ou behaviorismo (behaviorism), cuja pre-
missa é de que a aprendizagem ocorre por meio de formação de hábito, ou
seja, condicionamento. Aqui o uso da língua nativa também não é permitido.
O aluno é apresentado a diálogos que tentam representar situações do coti-
diano. O professor conduz uma série de exercícios orais repetitivos (drills) até
que o aluno internalize as estruturas do diálogo e as reproduza de maneira
inconsciente, ou seja, até que ele se condicione a produzir aquelas estruturas
ou vocábulo em uma determinada situação. Tanto o Direct Method quanto o
Audiolingual Method ainda são usados em inúmeros cursos de idiomas (seja
em escolas de idiomas ou em colégios) e como base para desenvolver mate-
rial didático.

Um dos problemas desses métodos é a dissonância entre o uso restrito e


pouco significativo da língua em sala de aula e o uso dela para a comunica-
ção na vida real, que é amplo, diverso, imprevisível, complexo e individual. Na
medida em que situações pré-fabricadas são “treinadas”, a comunicação está
sendo “forçada” de fora para dentro. Ao aluno é negada a oportunidade de
construir sua própria linguagem a partir de percepções e necessidades reais
de comunicação. Uma língua não é uma habilidade simples, que pode ser
desenvolvida por meio de treino e condicionamento como andar de bicicleta
ou dirigir um carro.

7.
“… learning to master a language is a process that cannot be defined
by the simple acquisition of its form and structures, a minimalist view
that fails to reflect the complex nature of language. […] Rather, it im-
plies the acquisition of sufficient knowledge to become sensitive to
the way reality is perceived through the particular cultural lens asso-
ciated with the language being studied.”

(Cammarata et al., 2016, p. 4)

A partir da publicação de uma crítica ao behaviorismo pelo linguista Noam


Chomsky em 1959, a visão do processo de aprendizagem de uma língua mu-
dou. Chomsky defendia que os seres humanos, são equipados, desde o nas-
cimento, com um mecanismo que permite que decifrem as regras gerais de
funcionamento de uma língua ao serem expostos a ela. Ele chamou esse me-
canismo de LAD (Language Acquisition Device) e de Universal Grammar, as
regras gerais de funcionamento de uma língua. Na década de 1960, Second
Language Acquisition passou a ser uma disciplina autônoma e independente
e as pesquisas nessa área se multiplicaram. A partir daí, surgiram novas pers-
pectivas sobre como se aprende uma língua adicional e várias hipóteses foram
apresentadas por pesquisadores da área de SLA.

De uma forma geral e simplificada, podemos dizer que as principais hipóte-


ses que surgiram sobre como se aprende uma língua adicional se baseiam em
duas grandes linhas teóricas da psicologia da aprendizagem:

1 - as teorias cognitivistas (cognitive theories), baseadas na premissa de que


o sujeito não é passivo no processo de aprendizagem e que utiliza processos
mentais como atenção, raciocínio, memória, conhecimento prévio, entre ou-
tros, para assimilar e acomodar novos conhecimentos, sendo Piaget e Bruner
alguns representantes proeminentes dessa linha teórica; e

2 - a teoria histórico-cultural ou sócio-interacionista (SCT - Sociocultural


Theory), desenvolvida por Vygotsky, que também pode ser considerada uma
teoria cognitivista, mas acrescenta o contexto histórico-cultural e social como
elemento determinante no desenvolvimento intelectual do sujeito. Para Vy-
gotsky, a aprendizagem decorre das interações sociais entre a criança e o
professor ou entre ela e alguém com mais conhecimento e habilidades, em
atividades em que seja dado o suporte ou assistência (scaffolding) necessária
para a construção do conhecimento.

.8
Com base nessas teorias, novos métodos de ensino foram desenvolvidos
sob a denominação genérica de Communicative Language Teaching (CLT),
cujo foco principal passou a ser a comunicação efetiva e não a reprodução
precisa de estruturas. O significado (meaning) se sobrepôs à forma (form).
Um dos maiores defensores dessa abordagem foi o linguista Stephen Krashen.

“… any grammar-based method which purports to develop communi-


cation skills will fail with the majority of students.”

(Krashen and Terrell, 2000, p. 16)

Em 1983, Stephen Krashen e Tracy Terrell lançaram o Natural Approach,


um método comunicativo (CLT) para ser aplicado em sala de aula. O método
é baseado em uma teoria que contrapõe dois conceitos de desenvolvimento
linguístico: language acquisition x language learning (aquisição da língua x
aprendizagem da língua).

Uma das primeiras iniciativas de CBLT, amplamente documentada, foi o


Canadian Immersion (Imersão Canadense), que teve início na década de 1960
e tinha como objetivo tornar fluentes em francês, canadenses que tinham
o inglês como língua nativa (Lightbown, 2014). Tal iniciativa foi muito bem
sucedida e tem sido objeto de estudo e de pesquisas de várias áreas como
a linguística, a psicologia e, mais recentemente, a neurociência, entre outras.

A partir de pesquisas sobre as práticas e os resultados do Canadian Immer-


sion, alguns acadêmicos começaram a defender que para um desenvolvimen-
to linguístico mais eficaz dos alunos, a simples exposição a comprehensible
input não seria suficiente. Swain (1998), propôs então a Comprehensible Out-
put Hypothesis, em que ela defende que é ao tentar dizer ou escrever algo na
língua que está aprendendo que o aluno percebe o que lhe falta. Sendo assim,
podemos concluir que é necessário criar oportunidades para que o aluno ten-
te se expressar para, assim, identificar o que pode ser feito para desenvolver
aquilo que lhe falta. Isto está alinhado com o conceito de scaffolding advindo
da Sociocultural Theory.

Em um desdobramento das pesquisas lideradas por Swain, e com base no


conceito de scaffolding, Lyster (2007) propôs uma série de intervenções para
dirigir o foco da aula sobre um determinado tópico de alguma disciplina para
algum aspecto da língua que esteja sendo utilizado de maneira imprecisa ou
incorreta. Essas intervenções podem ser tanto proativas quanto reativas (fe-

9.
edback). Em intervenções proativas, são planejadas atividades que integram
conteúdo e os aspectos da língua a serem trabalhados. Em intervenções rea-
tivas, durante as interações em sala de aula, o professor faz uso de uma série
de técnicas para chamar a atenção do aluno para uma construção imprecisa,
levá-lo a reconhecer tal imprecisão e refazê-la.

“Scaffolding refers to the assistance that a teacher provides to stu-


dents so that they can understand language and accomplish tasks in
ways that they would be unable to do on their own without support.
Thus, while one type of scaffolding assists students in understanding
content presented through their L2, another type supports them in
productively using L2 to engage with the content.”

(Lyster, 2018, p. 2)

Com a disseminação da abordagem do ensino do conteúdo em uma lín-


gua adicional para desenvolver ambos, vários modelos surgiram em função
principalmente de diferentes contextos. Passamos, nos próximos itens, a uma
análise de algumas dessas particularidades.

. 10
3
CONTEXTOS
E MODELOS
DE EDUCAÇÃO
BILÍNGUE
Além do Canadian Immersion, diversos modelos de CBLT apareceram em
todo o mundo. A definição de CBLT é muitas vezes a mesma de Educação
Bilíngue (Bilingual Education), dependendo do autor. Lyster (2018) e Light-
bown (2014) utilizam CBLT enquanto Garcia (2009) utiliza Bilingual Education.
Para esses três autores, CLIL (Content and Language Integrated Learning) é
um modelo de CBLT ou de Bilingual Education. Curiosamente, para Coyle,
Hood e Marsh (2010), CLIL é o termo genérico equivalente a CBLT, enquanto
Bilingual Education é um modelo de CLIL.

Os modelos diferem para se adequarem às necessidades de seus contex-


tos, mas a premissa é a mesma: ensinar conteúdo por meio de uma língua adi-
cional para desenvolver ambos simultaneamente. Ofelia Garcia, em seu livro
Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective (2009), apresenta
várias maneiras teóricas de classificar os modelos de educação bilíngue.

Entre outras, estão a classificação de acordo com o objetivo linguístico,


social, cultural e quanto às características do contexto e da estrutura do pro-
grama. Entretanto, ela realça que, na prática, o modelo a ser implantado será
determinado pelas características do contexto, necessidades locais e recursos
disponíveis.

“As bilingual education efforts around the world have expanded, each
local context has adapted the type to fit its need. […] No one type is
better than the other. The advantages of one type over the other are
always related to the lens through which one looks, and the goals as-
pirations, and wishes of parents and children, as well as the educatio-
nal resources that are available.”

(Garcia, 2009, p. 135)

A visão ou crença sobre a definição e função de uma língua adicional e de


como ela é desenvolvida parece ser outro fator determinante para a escolha
do modelo de ensino bilíngue a ser adotado.

Outro fator igualmente importante é o professor, suas próprias crenças em


relação ao tema ensino-aprendizagem e seu nível de desenvolvimento profis-
sional para lidar com o ensino do inglês como língua adicional. Um modelo de
ensino em que conteúdo e língua são integrados e desenvolvidos concomi-
tantemente é muito mais complexo, tanto do ponto de vista do planejamento
quanto da execução e do preparo dos atores envolvidos.

. 12
3.1 O CONTEXTO EM QUE ALUNOS IMIGRANTES
OU FALANTES DE UMA LÍNGUA MINORITÁRIA TÊM
QUE APRENDER A LÍNGUA OFICIAL DO PAÍS PARA
ACOMPANHAR O PROGRAMA ESCOLAR
Nos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, e mais recentemente em al-
guns países da Europa, as escolas lidam com a questão dos imigrantes, que
chegam ao país com pouco ou nenhum domínio da língua oficial utilizada na
escola. Vários modelos surgiram para tentar elevar o nível linguístico desses
alunos de modo que eles consigam se integrar à sala de aula regular e pro-
gredir nos conteúdos das diversas disciplinas no mesmo nível de seus pares
falantes do idioma oficial. É o caso da Sheltered Content Instruction nos EUA,
em que professores de matérias diversas recebem formação específica para
ajudar os alunos a desenvolver o inglês enquanto aprendem o conteúdo de
suas matérias. Em outros casos, algumas escolas adotam um modelo em que
a educação é feita, parte na língua local (a língua oficial do país) e parte, em
uma segunda língua, normalmente a língua nativa de muitos imigrantes da
área em que a escola se localiza. Dessa maneira alunos falantes da língua local
desenvolvem uma língua adicional e os imigrantes desenvolvem a língua local.
Este modelo é chamado de Dual Immersion (Lightbown, 2014).

Vale ressaltar que antes da ascensão do CBLT como uma abordagem efi-
caz para o desenvolvimento de uma segunda língua, a prática mais utilizada
nas escolas dos EUA era deixar o aluno que ainda não se comunicava bem no
inglês na sala de aula regular junto com os nativos da língua e eventualmente
retirá-lo da sala para aulas de inglês. Essas aulas eram dadas de maneira tra-
dicional, ou seja, o aluno estudava a gramática da língua de maneira sequen-
cial e hierárquica (primeiro o presente, depois passado, futuro e condicional
isoladamente) e treinava “pedaços” dela em scripts “pré-fabricados”, descon-
textualizados e distantes da realidade da língua real, falada no dia a dia. Além
disso, os contextos utilizados nos materiais e nas aulas tradicionais de inglês
não tinham qualquer conexão com os contextos acadêmicos das matérias
escolares. Essa prática é denominada Pull-out ESL Instruction e é ainda muito
utilizada nas escolas dos EUA.

Uma prática mais recente nos EUA é Push-in ESL Instruction. Neste caso,
o professor especialista em ensino de inglês como segunda língua (ESL - En-
glish as a Second Language), entra em salas de outras matérias para ajudar os
alunos que ainda não dominam o inglês. Às vezes ele ajuda particularmente

13 .
um ou mais alunos com a compreensão e a produção do conteúdo durante
a aula e outras vezes, alterna o comando da sala com o professor da outra
disciplina. Este modelo pressupõe um trabalho colaborativo entre o professor
de ESL e os professores de todas as demais disciplinas em termos de planeja-
mento e execução das aulas. Em seu blog do Tesol, Hanes (2016) enfatiza que
ainda é muito acalorado o debate sobre que modelo, ou combinação deles,
deve ser utilizado com alunos que estão aprendendo o inglês (ELL - English
Language Learners).

Há, ainda, modelos como SEI - Structured English Immersion, que é um


programa focado no ensino tradicional e intensivo do inglês e não é um mo-
delo de CBLT. A expectativa das escolas que adotam este modelo nos EUA
é de que em um ano o aluno seja capaz de se juntar aos alunos nativos nas
aulas regulares das outras disciplinas. Segundo Lightbown (2014), os críticos
desta abordagem afirmam que ela não é baseada nas pesquisas acadêmicas
recentes da área de Second Language Acquisition.

É importante frisar que a escolha por um determinado modelo muitas ve-


zes passa por questões políticas e ideológicas e não por decisões pedagógicas
ou baseadas nos recursos disponíveis. Garcia (2009) faz uma ampla análise
sobre questões sócio-políticas envolvidas nos inúmeros modelos de ensino de
uma língua adicional por meio de conteúdo (tratado por ela como bilinguis-
mo) e dedica um capítulo inteiro ao contexto americano (EUA) e um outro, ao
contexto europeu.

3.2 O CONTEXTO EM QUE UMA LÍNGUA ADICIONAL


(TRADICIONALMENTE CHAMADA DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA) É ENSINADA VISANDO AO
ENRIQUECIMENTO LINGUÍSTICO E CULTURAL DOS
ALUNOS
Este é o caso do Brasil e da maioria dos países em que a fluência no in-
glês é considerada essencial para formar cidadãos que possam se comunicar
globalmente. São modelos que se encaixam na definição de Garcia (2009)
de bilinguismo de elite. Apresentaremos vários modelos utilizados nos mais
diversos países do mundo. O contexto brasileiro será discutido em um item
em separado.

. 14
Conforme já colocado, o Canadian Immersion é o modelo mais antigo em
termos de documentação e pesquisas acadêmicas. Na verdade, sob o título
genérico de Canadian Immersion, há várias possibilidades de implantação.
No Total Early Immersion, por exemplo, o ensino é feito completamente em
francês, que é a língua adicional (e língua oficial em uma parte do país), desde
o Kindergarten (equivalente ao 1o ano do Ensino Fundamental no Brasil) ao
5o ano. Depois, metade das disciplinas passam a ser ensinadas em inglês, a
língua nativa, e metade em francês. Gradualmente, o ensino passa a ser mais
em inglês, ficando apenas uma ou duas disciplinas sendo dadas em francês.
Em outros modelos, há variação tanto na idade em que o ensino começa a ser
feito na língua adicional quanto na quantidade de disciplinas dadas por meio
dessa língua.

Nos anos 1990, foi lançado o termo CLIL, que entendemos ser uma “ver-
são europeia” de CBLT, uma redefinição desta abordagem de acordo com
os modelos propostos para serem implementados em países da União Euro-
peia, considerando as especificidades desse contexto. Do Coyle, Philip Hood
e David Marsh, que participaram da definição e disseminação do conceito de
CLIL, defendem que este é um novo conceito na medida em que propõe uma
maneira inovadora de fundir o ensino da língua ao ensino de outras discipli-
nas curriculares (Coyle, Hood e Marsh, 2010). Entretanto, Cenoz, Genesee e
Gorter (2014) fazem uma análise crítica sobre a afirmação de que CLIL é um
conceito novo e se diferencia de outros tipos de CBLT, desconstruindo tal
afirmação sob vários pontos de vista e demonstrando que não há nada que
realmente diferencie CLIL de outras iniciativas de CBLT a não ser o contexto
histórico de sua origem.

Coyle, Hood e Marsh (2010) apresentam inúmeros modelos possíveis de


CLIL, que variam quanto a quantidade de horas de conteúdo disciplinar ensi-
nado em uma língua adicional, campo de atuação dos professores envolvidos
(se são professores de língua ou de outras disciplinas), combinação de ensi-
no de disciplina na língua adicional com o ensino da própria língua adicional
como matéria. Na prática, os modelos variam desde poucas horas de unida-
des temáticas ensinadas pelo professor da língua adicional até a totalidade das
disciplinas ensinadas em uma língua adicional por professores das disciplinas
que sejam fluentes em tal língua. Diante dessa profusão de combinações, po-
de-se concluir que CLIL é, de fato, uma denominação genérica para a aborda-
gem de ensino de língua adicional por meio de conteúdo de outras disciplinas.
Contudo, os autores, apresentam um guia para o planejamento do que eles

15 .
chamam de “unidades de trabalho de CLIL”. Esse guia inclui ferramentas de
reflexão e planejamento e um passo-a-passo de como criar planos de aula
dentro da abordagem.

Na Ásia, também são encontrados modelos diversos de CBLT com graus


diferentes de êxito. Lightbown (2014) cita o exemplo da Malásia, que desistiu
de sua proposta inicial de ensinar matemática e ciências em inglês a alunos do
ensino secundário por haver dúvidas em relação ao desempenho desses alu-
nos em testes específicos dessas matérias, que são extremamente valorizados
e incentivados no país. Segundo a autora, “In these settings and in others, it
is often difficult to find teachers who have the combination of adequate L2
proficiency, specialized subject matter knowledge, and training in foreign-
-language pedagogy.” (p. 14) (“Nesses e em outros contextos, é frequente-
mente difícil encontrar professores que tenham uma combinação adequada
de proficiência na segunda língua, conhecimento especializado na disciplina e
treinamento em pedagogia de língua estrangeira.”)

“For minority-language children and adolescents, effective CBLT


makes the difference between academic success and failure. For ma-
jority-language students, effective CBLT leads to a level of bilingua-
lism that is rarely achieved by students in foreign language programs.”

(Lightbown, 2014, p. 138)

. 16
4

CON
TEX
TO
BRASILEIRO
Igualmente no Brasil, múltiplos modelos de CBLT/CLIL têm sido adotados.
Aqui, tornou-se comum a utilização do termo ‘escola bilíngue’ para se referir
àquelas escolas que, de alguma forma, ensinam inglês (ou outra língua adicio-
nal) por meio de conteúdo de outras disciplinas.

Até o início deste século, existiam poucas iniciativas de escolas bilíngues


no Brasil, a maioria localizada no estado de São Paulo. Havia, também (e talvez
ainda haja), uma confusão conceitual entre escola bilíngue e escola interna-
cional. A primeira é uma escola brasileira que, como tal, segue as normas
definidas pelo Ministério da Educação do Brasil. A segunda segue o currículo e
normas (inclusive o ano letivo) do país de origem e utiliza a língua oficial desse
país para ensinar as disciplinas curriculares. As escolas internacionais são nor-
malmente estabelecidas para atender às famílias que residem fora de seu pró-
prio país e querem manter seus filhos em uma escola cuja língua de instrução
e currículo sejam os do seu país de origem ou sejam considerados ‘globais’
como é o caso do inglês e do currículo americano, britânico ou canadense.

O ambiente de uma escola internacional com uma população grande de


alunos nativos da língua oficial da escola é teoricamente bastante propício
para um não falante dessa língua desenvolvê-la como língua adicional por ter
todo o currículo ensinado nessa língua e as interações com muitos alunos
nativos serem constantes.

A quantidade de exposição à língua adicional é imensa, fator de extrema


importância. Entretanto, é importante realçar que se a escola não oferecer
mecanismos para dar suporte ao aluno que ainda está desenvolvendo a lín-
gua, este poderá enfrentar muitos obstáculos, tanto para desenvolvê-la quan-
to para aprender o conteúdo das outras disciplinas. Um segundo ponto não
menos importante é a questão cultural. Ao matricular seus filhos brasileiros
em uma escola americana, por exemplo, os pais devem estar cientes de que
seus filhos provavelmente internalizarão uma cultura diferente e seu compor-
tamento poderá ter uma forte influência dessa cultura. Identidade cultural e
sentimento de pertencimento são fatores de muita relevância na vida das pes-
soas. Por isso entendemos que a decisão por uma escola internacional para
alunos brasileiros deve ser criteriosamente avaliada pela família.

Uma das causas da pouca proliferação de escolas bilíngues até o início


dos anos 2000 pode ter sido a escassez dos recursos necessários para uma
empreitada de tal magnitude, quais sejam:

. 18
• uma linha pedagógica bem embasada para o ensino de conteúdo por
meio de uma língua adicional;

• professores fluentes na língua adicional e com conhecimento para


atuar dentro da linha pedagógica definida e domínio de boas práti-
cas;

• material didático adequado à linha pedagógica;

• coordenadores com formação na área de ensino bilíngue para liderar


a implantação do projeto bilíngue, acompanhá-lo e medir os resul-
tados;

Uma segunda causa talvez tenha sido o pouco conhecimento de educa-


ção bilíngue e da diversidade de abordagens e modelos de implantação possí-
veis. Há ainda uma possível causa ligada às demandas do mercado. Não havia
ainda nenhuma pressão dos pais de alunos de escolas particulares para que
estas oferecessem ensino bilíngue. A pressão sempre foi por uma oferta por
parte dos colégios de aulas de inglês curriculares que levassem os alunos a
um domínio do idioma, independentemente da abordagem ou do método
utilizado. Nesse sentido, também eram poucos os colégios que ofereciam
uma solução satisfatória.

A partir de meados dos anos 2000, começou a surgir um movimento no


sentido de desenhar soluções para escolas que quisessem oferecer um ensino
bilíngue. O Systemic Bilingual, nome comercial do método desenvolvido por
mim e por Fátima Tenório dentro da abordagem de CBLT, foi o primeiro no
Brasil a oferecer esse tipo de solução. No próximo item, detalhamos as bases
do método e as particularidades do contexto brasileiro que foram considera-
das para desenvolvê-lo de modo a obter os resultados desejados.

19 .
5
CBTEFL
E EDUCAÇÃO BILÍNGUE
MULTIDIMENSIONAL:
UMA PROPOSTA PARA
O CONTEXTO BRASILEIRO
5.1. CBTEFL- CONTENT-BASED TEACHING OF ENGLISH AS A
FOREIGN LANGUAGE
Um modelo de educação deve levar em consideração as características de
seu contexto e os recursos disponíveis. Se não o fizer estará fadado à falência
ou, minimamente, à obtenção de resultados insatisfatórios. Analisando esses
aspectos no contexto brasileiro no início dos anos 2000, concluímos que:

• havia muito poucos professores de ensino infantil e fundamental


fluentes em inglês; menor ainda era o número de especialistas de
outras disciplinas fluentes em inglês;

• a maior parte dos professores fluentes em inglês ou nativos da língua


davam aulas em escolas de línguas e em nenhuma delas se trabalha-
va com o uso de conteúdo escolar para ensinar inglês;

• havia poucos profissionais habilitados para desenvolver professores


para o ensino bilíngue;

• os cursos de Pedagogia ou de Letras não ofereciam formação para o


ensino bilíngue de qualquer modelo;

• não havia um modelo de educação bilíngue que pudesse ser repro-


duzido com relativa facilidade;

• não havia um método ou um conjunto de práticas pedagógicas que


pudessem ser utilizados para implantação de um modelo de educa-
ção bilíngue;

• havia muito poucas opções de material didático para o ensino bilín-


gue.

No final dos anos 1990, nós começamos a pesquisar sobre CBLT, visitar
escolas nos EUA e Reino Unido que tinham imigrantes cujo inglês ainda esta-
va em desenvolvimento, participar de conferências internacionais para tentar
entender melhor esse tipo de abordagem e pensar em soluções mais eficazes
para o desenvolvimento do inglês no contexto escolar brasileiro. Desenhamos
um modelo inicial de CBLT, implantamos o projeto piloto em 2002 em nossa
escola de idiomas e buscamos formação mais sólida em nível de mestrado
para dar suporte às nossas pesquisas. Durante alguns anos, refinamos o mo-
delo, propondo e testando novas hipóteses a partir de observações de aulas e
de resultados de alunos.

21 .
Para representar melhor o contexto brasileiro e as especificidades do nosso
modelo criamos o acrônimo CBTEFL - Content-Based Teaching of English as
a Foreign Language. A partir de 2005 apresentamos nosso modelo em algu-
mas conferências internacionais na Espanha, Reino Unido, EUA, Índia, Japão
e Alemanha. Nosso objetivo era validar o modelo junto a especialistas e trocar
experiências.

As premissas utilizadas na concepção da abordagem CBTEFL foram ba-


seadas em alguns conceitos de teorias apresentados neste texto. De maneira
resumida e prática, podemos caracterizar CBTEFL da seguinte maneira:

• utilização de conteúdo de disciplinas escolares ou interdisciplinares


como fonte de comprehensible input rico, diverso e significativo;

• foco na integração de língua e conteúdo para trabalhar ambos em


conjunto e não cada um isoladamente;

• adesão ao conceito de aquisição da língua adicional de modo não


hierárquico o que demanda um foco em significado e trabalho con-
textualizado da estrutura gramatical e vocabulário;

• utilização dos conceitos de comprehensible output e scaffolding


para definir um conjunto de intervenções em sala de aula para traba-
lhar a língua sem ferir a premissa de integração de língua e conteúdo;

• utilização de elementos de ludicidade com o objetivo de estimular o


prazer em aprender;

As premissas utilizadas na concepção da abordagem CBTEFL foram ba-


seadas em alguns conceitos de teorias apresentados neste texto. De maneira
resumida e prática, podemos caracterizar CBTEFL da seguinte maneira:

• formação dos professores para que eles: a) compreendam conceitos


importantes de teorias que dão sustentação à proposta de uso de
conteúdo para desenvolver uma língua adicional; b) internalizem as
premissas da abordagem CBTEFL; c) desenvolvam competência na
utilização de técnicas de sala de aula que permitam a execução da
premissa fundamental de integrar língua e conteúdo;

• acompanhamento dos professores por meio de observação de aula e


feedback estruturados;

. 22
• formação de coordenadores para desenvolver e acompanhar a im-
plantação e utilização do método e material;

• desenvolvimento de material didático com módulos não hierárqui-


cos para dar o máximo de flexibilidade, desenhados segundo as pre-
missas da abordagem CBTEFL, com planos de aula que propõem a
integração proativa de língua e conteúdo e oportunidades para o
trabalho reativo do professor sobre o desenvolvimento linguístico do
aluno, mantendo a contextualização e a integração com o conteúdo;

• uso de tecnologia alinhada à proposta pedagógica e e integrada ao


material didático.

5.2. EDUCAÇÃO BILÍNGUE MULTIDIMENSIONAL


Um de nossos princípios como educadoras e observadoras críticas é nos
manter atualizadas em relação às pesquisas acadêmicas da nossa área e ques-
tionar continuamente nossos resultados e nossa própria proposta de prática
pedagógica. Como consequência, estamos em constante refinamento do
nosso modelo de educação bilíngue.

Desde as primeiras experiências de implantação do nosso modelo em nos-


sas próprias escolas e em colégios de diversas regiões do Brasil, observamos
que os alunos adquirem competências que vão além do desenvolvimento de
língua e conteúdo. Saltam aos olhos a autoconfiança, a autonomia, o pensa-
mento crítico e a comunicação, que estão entre o elenco de competências
para o Século XXI que, de acordo com a BNCC - Base Nacional Comum Cur-
ricular, devem ser desenvolvidas pelas instituições brasileiras de ensino básico.

A partir dessas observações, acrescentamos ao nosso modelo uma nova


premissa, a de desenvolver as competências para o Século XXI de maneira
intencional e integrada. Para isso, acrescentamos novas práticas que estão
alinhadas às nossas premissas básicas como PBL - Project Based Learning,
Inquiry Based Learning, Social Emotional Learning entre outras. É importante
ressaltar que, para utilizar essas práticas com resultados significativos, é fun-
damental manter o foco no que, na nossa visão, é a chave para o sucesso de
um modelo de educação bilíngue no nosso contexto: a integração de língua
conteúdo e competências.

23 .
6

REFE
RÊN
CIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Cammarata, L., Tedick, D., and Osborn, T. (2016) Content-Based Instruction
and Curricular Reforms: Issues and Goals. In: Content-Based Foreign Langua-
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25 .
SOBRE AS AUTORAS
As criadoras e responsáveis técnicas pelo Systemic Bilingual, as irmãs Fá-
tima e Vanessa Tenório, fundaram sua escola de idiomas em 1985 e desde
então trabalham com formação de professores. Ambas têm mestrado em
Educação na University of Bath, Inglaterra, e direcionaram todo o curso para
se aprofundar e pesquisar sobre o estudo de inglês por meio de conteúdo es-
colar, hoje uma mega tendência na Europa e na Ásia. Como parte dessas pes-
quisas, elas fizeram várias visitas técnicas para observação de aulas no Reino
Unido, EUA e programas bilíngues da Espanha. Em 2002, criaram o Systemic
Bilingual e o implantaram em sua própria escola de idiomas, com resultados
revolucionários. Em seguida, formataram o Systemic Bilingual para ser implan-
tado em escolas que desejavam oferecer uma educação bilíngue. Fátima e
Vanessa Tenório foram convidadas para apresentar seu programa e resultados
em vários fóruns, conferências e eventos internacionais como:

• Tesol-Spain, Sevilha;
• Departament of Education – University of Kansas, EUA;
• IATEFL Young Learners SIG Pre-Conference Event em Cardiff, Reino
Unido;
• IATEFL Young Learners Conference on Literature em Hildesheim,
Alemanha;
• Bangalore, Índia;
• Tesol Annual Conference em
New York, EUA;
• IATEFL Annual Conference
em Exeter, Reino Unido;
• JALT, em Tokyo, Japão;
• IATEFL Annual
Conference em
Harrogate, Reino
Unido.

Fátima e
Vanessa
Tenório

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